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      E       A       D Futebol, Cultur a e Sociedade 2 1. OBJETIVOS • Conhecer o lug ar que o fut ebol assume na sociedade con- temporânea. Proporcionar momentos de r eflex ão sobre a import ância cultural que o futebol tem para o brasileiro. Entender , de forma mais direta, a relação que o futebol estabelece com a dimensão política brasileira. 2. CONTEÚDOS • O futebol na c ondição de fenômeno social e cultural na vida do brasileiro. • A r elação entre futebol e polític a no cenário brasileiro.

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      E      A      D

Futebol, Cultura

e Sociedade

2

1. OBJETIVOS

• Conhecer o lugar que o futebol assume na sociedade con-

temporânea.

• Proporcionar momentos de reflexão sobre a importância

cultural que o futebol tem para o brasileiro.

• Entender, de forma mais direta, a relação que o futebol

estabelece com a dimensão política brasileira.

2. CONTEÚDOS

• O futebol na condição de fenômeno social e cultural na

vida do brasileiro.

• A relação entre futebol e política no cenário brasileiro.

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3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE

Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante quevocê leia as orientações a seguir:

1) Tal como na unidade anterior, é necessário atenção naleitura deste material, principalmente por conter fatoshistóricos e por envolver questões políticas. Tenha cui-dado especial quanto aos posicionamentos políticosassumidos em alguns momentos do texto. Embora taisposicionamentos sejam importantes, é recomendávelque você tenha sua opinião e construa seus própriosargumentos, no sentido de garantir sua formação comocrítico agente multiplicador.

2) Levando em consideração a presença do futebol espetá-

culo ou de alto rendimento em nosso cotidiano, devemospensar como essa modalidade influencia (seja por meioda família, amigos, pares e dos meios de comunicação)as motivações dos nossos alunos/atletas nos diversosespaços de nossa atuação profissional, e compreender,na condição de mediadores de sonhos, tais expectativas.

3) Ao mesmo tempo em que não podemos desconsiderar

as motivações do futebol, temos de mostrar, com res-ponsabilidade, todas as faces desse fenômeno que mexe

com as pessoas, direta e indiretamente. No entanto,para que isso seja possível, é necessário deixar de lado apaixão pelo jogo, a postura de simples consumidores oumesmo a aversão pelo futebol.

4) Certamente, foram inúmeras as ocasiões que ouvimos,presenciamos ou tivemos atitudes que confirmaram o

futebol como "paixão nacional". Nesse contexto, é im-portante buscarmos explicações que justifiquem tal

simbolismo e algumas de nossas escolhas. Será que suaopção pela profissão de professor de Educação Física foi,de alguma forma, influenciada por essa "paixão"? Seráque você pensou, depois de formado, em trabalhar como futebol, quer na iniciação, especialização, prática pro-

fissional ou não profissional? Quantas de suas escolhasforam influenciadas por esse fenômeno social? A cons-

tante reflexão, motivada por essas perguntas, o ajudarána construção de suas futuras aulas/treinamentos.

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4. INTRODUÇÃO À UNIDADE

Nesta unidade, você irá se deparar, mais uma vez, com o fu-

tebol enquanto uma das manifestações mais populares do mun-

do. No Brasil, ele representa, em determinadas épocas – durantea Copa do Mundo, por exemplo –, sentimentos semelhantes ao de

identidade e unidade nacionais. Contudo, finalizados esses even-

tos pontuais, retornamos à realidade de um país socialmente desi-gual e com profundas diferenças entre as classes sociais.

Respeitando esse contexto, você terá acesso a diferentessentidos atribuídos ao futebol na sociedade contemporânea.

Somente para se ter uma ideia, o futebol encontra-se, indis-

cutivelmente, em sintonia com as necessidades e os moldes de umcapitalismo que se tecnifica, se aperfeiçoa e padroniza produções

e gestos, transformando-se no maior fenômeno de massas e umdos mais rentáveis produtos esportivos do mundo.

Consequentemente, na condição de mercadoria, o futebolfortalece a cada dia sua representação como possível veículo deascensão social. A conquista de uma vida de riqueza e fama per-passa corações e mentes de muitas crianças pobres desse país.

Diante de sua abrangência, tampouco podemos deixar deanalisar aspectos da identidade nacional construídos ao longo da

história, que permeiam rituais constantes de violência.

Assim, na condição de mediadores desse processo de ensi-

no, apresentaremos a você possíveis razões que justificam o fute-

bol como "paixão nacional", produto de uma construção históricaorganizada e modernizada a partir da segunda metade do século19 (conforme visto na Unidade 1).

Foi pensando na importância que o futebol tem em nossocontexto que elaboramos os conteúdos desta unidade. Salienta-

mos, porém, que o conteúdo selecionado constitui apenas uma

pequena amostra do universo do futebol, o que justifica a neces-

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sidade de complementações e leituras adicionais de sua parte. So-

mente se assumirmos esse exercício com maior frequência, tere-

mos alguma chance de compreender o futebol de maneira críticae contextualizada.

5. FUTEBOL COMO FENÔMENO MODERNO

O futebol, da forma que o conhecemos atualmente, surgiu nocontexto social e econômico da cultura inglesa na segunda metade doséculo 19, juntamente com o desenvolvimento do fenômeno espor-tivo, o qual deu origem, por sua vez, a diversas outras modalidades.

Como a economia da nação inglesa era a mais poderosa naquelemomento, sua cultura se disseminou pelo mundo, chegando a outrospaíses e, também, às suas colônias. Nesse sentido, o hábito de praticaresportes pela burguesia inglesa acabou influenciando a todos.

De acordo com Bracht (1997), essa atividade corporal de ca-

ráter competitivo, surgida no âmbito da cultura europeia e que, porvolta do século 19, se expandiu para outras partes do mundo, repre-

senta transformação e esportivização dos jogos populares presentesna cultura corporal de movimento dos nobres e das classes popula-

res inglesas. A partir desse momento, muita coisa mudou.

O termo "esporte" vem do inglês sport  que, segundo Reis eEscher (2006), denominava o passatempo das camadas sociais pri-vilegiadas que desfrutavam de sua prática nos respectivos clubes.

De prática amadora, que tinha na figura do burguês o seupraticante, o esporte transformou-se num grande negócio e umdos mais atrativos da indústria cultural.

Em relação ao esporte em sua dimensão espetacularizada, oque vemos hoje é o resultado de uma completa dependência detantos outros aspectos do desenvolvimento da sociedade capita-

lista. Dentre os jogos com bola esportivizados pela cultura burgue-

sa da Inglaterra, destacou-se o futebol.

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Se realizarmos uma análise sobre os possíveis motivos quelevaram o esporte moderno (e, por conseguinte, o futebol), desen-

volvido a partir do final do século 19, a se popularizar e tomar essaproporção e relevância na vida social mundial, encontraremos al-gumas razões que explicam essa massificação.

De acordo com Reis e Escher (2006), o futebol e o esportemoderno integram o conjunto de ações humanas que colabora-

ram para o processo de civilização inglesa, no que diz respeito àsuperação de formas violentas para a resolução de problemas en-

tre grupos sociais, especialmente os de ordem política. Trata-se dacivilidade no sentido do abandono da violência física.

A aceitação do futebol foi possível, pois permitiu aos seuspraticantes, e também ao público que o acompanhava, manifes-tações e expressões das mais diversas emoções humanas: desde ainsatisfação pela derrota até os momentos de júbilo com a vitóriae os gols de seu time de coração.

Para Elias e Dunning (apud REIS; ESCHER, 2006), o que acon-

tece nas equipes de futebol é que uma depende da outra, ou seja,estão sempre em uma ação interdependente durante o jogo. For-mam grupos que, durante uma partida de futebol, vivem uma per-manente tensão controlada, na qual a cooperação não se efetivasem essa tensão, e a situação inversa também é verdadeira.

Nas últimas décadas do século 19, o futebol na Inglaterra se pro-

fissionalizou, ampliando sua presença social e econômica até tomar os

contornos dos dias atuais. Para Dunning (apud REIS; ESCHER, 2006), esseprocesso foi possível graças a três aspectos que estão inter-relacionados:

• O desenvolvimento do esporte como um dos principaismeios de excitação e criação agradáveis.

• A transformação do esporte, em termos de função, emum dos principais meios de identificação coletiva.

• A emergência do esporte como uma fonte decisiva de

sentido na vida de muitas pessoas.

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Podemos encontrar uma função do lazer nos tempos atuaiscomo um ritual em que as pessoas buscam sair de sua rotina parausufruírem de momentos de prazer e de exercício que se situamna dimensão da agradabilidade, numa tensão-excitação como ins-trumento primordial na busca da satisfação (DUNNING apud REIS;ESCHER, 2006).

No esporte profissional, assim como em todo o conjunto de

ações humanas em uma sociedade capitalista, a pressão sofridapelos participantes será muito forte, desde os espectadores até asequipes de futebol profissional, passando por jogadores e árbitros.

Ao ser transformado em mercadoria nas sociedades indus-

triais, o esporte (no caso, o futebol) figura entre os grandes ne-

gócios presentes no mundo da economia atual, de tal forma quea dedicação dos atletas ao treinamento, bem como a busca e aexigência pela alta  performance  ou rendimento estão cada vezmaiores. Assim, o resultado positivo e a vitória a qualquer custo,

na prática do futebol profissional, efetivam-se, infelizmente, comoum fim em si mesmo. Neste panorama, valem apenas os "três pon-

tos" no campeonato, custe o que custar, e doa a quem doer.

Reis e Escher (2006) justificam o que acabamos de expor aoafirmar que o futebol é mais um produto de consumo e uma novaforma de acumulação do capital, tendo um papel primordial nosetor de serviços e na indústria do entretenimento. O futebol é,portanto, o esporte mais consumido do planeta atualmente.

Contudo, nem sempre foi assim. As classes nobres inglesas(e, no caso do Brasil, a burguesia) resistiram à profissionalizaçãodos esportes. Na Inglaterra, o futebol profissionalizou-se em 1885,mas as classes abastadas opuseram-se, uma vez que a profissio-

nalização possibilitaria à classe trabalhadora inglesa dedicar-se àprática sistematizada e regular do esporte, bem como competirnos mesmos espaços e com condições parecidas às dos nobres e

burgueses. Consequentemente, ampliavam-se as chances de as-

censão social dos menos favorecidos economicamente.

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Sobre a questão das chances de ascender socialmente pelaprática do futebol, afirmamos que esse discurso aparece na mídiade forma exagerada: é o caso da televisão, que, a todo instante,mostra a existência dessa possibilidade. A ilusão de ascensão so-

cial pela prática do futebol é constantemente valorizada e divulga-

da como um fenômeno que bate à porta de todos.

De acordo com Barros (1990) e Rangel (2002 apud AMARAL

et al., 2007), é necessário muito empenho para alcançar o sonhode se tornar um famoso jogador profissional, e apenas uma ínfimaparcela conseguirá alcançar o tão esperado sucesso.

Ao fazer referência à reportagem de Mario Magalhães do

 jornal Folha de S. Paulo de 19 de janeiro de 1994, Negrão (1994apud AMARAL et al., 2007, p. 1) destaca que:

[...] de acordo com registros da Confederação Brasileira de Futebol(CBF) de 1993, sete em cada 10 jogadores profissionais receberamentre um e dois salários mínimos por mês e apenas 3% dos jogado-

res receberam acima de dez salários mínimos.

Rangel (2002 apud AMARAL et al., 2007, p. 1), ao disponibili-

zar documentos obtidos do Departamento de Registros e Transfe-rências da Confederação Brasileira de Futebol, enfatizou que:

[...] 82,17% dos atletas nacionais receberam, em 2001, até dois sa-

lários mínimos, ou seja, 16.785 dos 20.428 jogadores registradosganharam até R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais); 42,62% dosatletas receberam R$ 180,00 (cento e oitenta reais) e apenas 3,75%(um número inferior a 1.000 atletas) receberam acima de 20 saláriosmínimos por mês. Para complicar, mais de 90% dos jogadores que já possuíam o passe livre receberam até dois salários mínimos, sem

dizer que muitos convivem constantemente com o desemprego.

A mídia especializada mostra, incansavelmente, casos de me-

ninos pobres que conseguiram prestígio e dinheiro, reforçando, des-sa forma, o mito da ascensão social "sem muito esforço". Porém,são necessários muito empenho, dedicação e vontade para alcançaro sucesso. O número de jovens que não têm êxito nesse caminho éinfinitamente maior do que os que conseguem. Não basta esforço e

vontade, como afirmam os meios de comunicação; e, muitas vezes,nem o talento é garantia de uma carreira bem-sucedida.

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O esporte de rendimento ou de alto nível constitui, atual-mente, um sistema que pode ser resumido nos seguintes pontos:

1) Possui um aparato para a procura de talentos, normalmentefinanciado pelo Estado. Além disso, este aparato promove odesenvolvimento tecnológico, com o desenvolvimento de apa-

relhos para utilização ótima do "material humano".2) Possui um pequeno número de atletas que tem o esporte como

principal ocupação.

3) Possui uma massa consumidora que financia parte do esporte-

-espetáculo.

4) Os meios de comunicação de massa são coorganizadores doesporte-espetáculo.

5) Possui um sistema de gratificação que varia em função do sis-

tema político-social (que faz parte de uma sociedade) (DIGELapud BRACHT, 2005, p. 17).

Sob essa perspectiva, fica óbvio por que o futebol e o espor-te moderno tendem a perder o caráter lúdico presente no jogo ena brincadeira. Para além da presença ou não da ludicidade, deve-

mos entender o desenvolvimento histórico do futebol.

Para se referir à ilusão de muitos, o escritor Eduardo Galea-

no produziu, ironicamente, uma crônica, da qual selecionamos oseguinte trecho:

[...] como todos os meninos uruguaios, eu também quis ser jogadorde futebol. Jogava muito bem, era uma maravilha, mas só à noitequando dormia: de dia era o pior perna de pau que já passou peloscampos do meu país (GALEANO, 2004, p. 9).

6. FUTEBOL, UMA PAIXÃO NACIONAL

A cultura brasileira é muito rica em suas diversas manifes-tações. Todas as regiões do país apresentam elementos que lhessão próprios: as músicas, as festas populares, as artes plásticas e adança são alguns exemplos.

Assim como todas as manifestações mencionadas, o futebol

é um traço marcante e característico da nossa cultura, e reconhe-

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cido em todas as partes do mundo. Há pouco mais de 115 anos,quando começou a ser praticado no Brasil, não se previa que essamodalidade se tornasse um fenômeno social que tivesse tamanhaafinidade com o nosso povo.

Confirmada sua importância cultural, parece impossível ficar-mos alheios ao futebol nos dias atuais. Seu espírito está inculcado

na maneira de ser do brasileiro, fazendo com que crianças, inde-

pendente do sexo, mesmo antes de nascerem, já tenham um nome,uma religião e um time destinados a torcerem (DAOLIO, 1989).

Segundo Aquino (2002), são tantas as pessoas, nas mais va-

riadas idades, amantes do futebol, que seu número ultrapassa a

soma total dos envolvidos com as demais competições esportivasexistentes no mundo.

Por ser um esporte fácil de praticar e de gostar, o futeboltem seu espaço garantido. É difícil, para não dizer impossível, en-

contrar jornais, revistas ou emissoras de rádio e TV sem espaçosdestinados ao futebol. Pelo menos uma vez por semana, especial-mente aos domingos, em qualquer época do ano, sempre há um

 jogo para assistir. As crônicas populares, os resultados das últimasrodadas, os gols mais bonitos, a atuação dos árbitros, as decisões,as últimas contratações fazem parte dos bate-papos em praças,bares, festas etc., sem dizer que é recorrente encontrar, em terre-

nos baldios, praças públicas e ruas, traves demarcando o espaçodestinado ao jogo (PEREIRA, 1988; DAOLIO, 1989).

Há, também, incontáveis obras artísticas que, direta ou indire-tamente, retratam o futebol, "incluindo-se músicas, quadros, filmes,

peças de teatro, fotografias, livros e poesias" (DAOLIO, 1989, p. 57).

Pensando na sua trajetória, quais fatos justificam o futebolcomo principal manifestação esportiva e cultural brasileira?

Alguns estudiosos, como Caldas (2001), por exemplo, afir-mam que o futebol converge no seu sentido lúdico com a expe-

riência e o caminho trilhado para a formação do povo brasileiro.

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Aspectos da nossa colonização e constituição corporal te-

riam influenciado e determinado nossa habilidade e facilidadepara dominarmos os desafios motores próprios do jogo. A misci-genação, associada a um clima favorável para a prática do espor-te o ano inteiro, pode ter contribuído para o nosso característicofutebol.

Entre os possíveis fatores que levaram esse esporte a alcan-

çar tal patamar, Pereira (1988) cita:

1) A ludicidade intrínseca.

2) O fator clima que permite sua prática durante todo o ano.

3) A ausência de outra forma cultural e de outro esporte

que se prestasse à recreação com tal singeleza.4) A colaboração dos meios de comunicação.

Daolio (1989), por sua vez, aponta quatro fatores:

1) A busca da igualdade existente no futebol, sem deixar dereconhecer as diferenças econômicas; o futebol em si éum exercício da igualdade.

2) O futebol ser praticado com os pés, sendo interessante

uma comparação com a capoeira, com o samba e certasdanças rituais indígenas, atividades essas que têm nospés um aspecto preponderante.

3) A importância e a necessidade do drible, no sentido devencer os obstáculos e alcançar o objetivo máximo queé o gol.

4) A livre expressão individual.

Para esclarecer esse ponto, basta comparar o estilo de jogodo brasileiro com o estilo de outros países, especialmente o dos

europeus – por mais que se tente copiar, o brasileiro parece não se

adaptar ao modelo pragmático do velho continente.

Nós, brasileiros, fomos capazes de transformar o jogo de fu-

tebol em parte da nossa cultura lúdica, com gestos expressivos e

libertários, sem os elementos repressivos da cultura europeia. Po-

demos citar o grande Mané Garrincha (veja a Figura 1), Edmundo,

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Romário, Ronaldinho gaúcho e Robinho como exemplos da ludici-

dade brasileira.

Mané Garrincha foi um dos

maiores jogadores de futebol de

todos os tempos. Atuou a maiorparte da sua carreira no Botafogo doRio de Janeiro, durante as décadasde 1950 e 1960. Admirado por serum grande driblador, conquistoupela seleção brasileira duas Copasdo Mundo: a de 1958 e a de 1962.

Passou para a história do futebolbrasileiro como a "alegria do povo",

pelo seu jeito irreverente e, aomesmo tempo, eficiente de jogarfutebol, chamando todos os seus marcadores de João. Morreu em

 janeiro de 1983, em decorrência do alcoolismo. Com Pelé ao seulado, a seleção brasileira jamais perdeu.

Retomando o primeiro fator apontado por Daolio (1989), édifícil notar diferenças sociais – visivelmente claras em outros seg-

mentos – entre seus praticantes.

O futebol no Brasil é praticado por todas as camadas da po-

pulação, sendo um dos principais meios de recreação, no qual sepode constatar uma prática alegre e descontraída, mesmo em lo-

cais onde o desespero é a tônica (PEREIRA, 1988; DAOLIO, 1989).

DaMatta et al. (1982, p. 40) justificam que a popularidadedesse esporte está em "expressar uma série de problemas nacio-

nais, alternando percepção e elaboração intelectual com emoçõese sentimentos concretamente sentidos e vividos".

Portanto:Enquanto uma atividade da sociedade, o esporte é a própria socieda-

de exprimindo-se por meio de uma certa perspectiva, regras, relações,objetivos, gestos, ideologias etc. [...] (DAMATTA et al., 1982, p. 24).

Figura 1 Mané Garrincha.

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Para DaMatta (1994), o futebol é compreendido como umveículo de notável popularidade, simplesmente por ser praticadoem equipe, permitindo retomar de forma simbólica, assim comoem uma casa ou família, a ideia exclusiva de uma coletividade, comsuas relações de simpatia, raça e amor.

O futebol mostra-se, na dinâmica atual da sociedade, comoum veículo para uma série de dramatizações no campo individual

e no mundo social.

Para DaMatta (apud SILVA, 2005), uma das característicasessenciais do jogo de futebol é que ele revela os dramas e as con-

tradições da vida: valores, ideologia e sentidos de vida ativa e de

estagnação de toda uma coletividade.

Nesse sentido, Silva (2005) cita novamente DaMatta comoum dos pioneiros no estudo da importância do futebol na consti-tuição do povo brasileiro, o qual afirma que o futebol é uma gran-

de metáfora, uma vez que ele representa a própria vida do povobrasileiro, com seus dramas, glórias, vitórias, derrotas, êxtase efrustrações – e, por isso, é tão fascinante e apaixonante.

É por essas e outras razões que o futebol, notável código deintegração popular, tem servido de instrumento privilegiado de dra-

matização de muitos aspectos da nossa sociedade (DAMATTA, 1994).

As colocações a seguir, de J. C. Bruni, resumem o significadodo futebol em nosso contexto:

No sentido de criar várias micro-situações, que não duram mais que

frações de segundos, encontrando soluções não previstas pela técni-ca, pelas regras da tática e estratégias de jogo, o jogador deve-se tor-

nar um dançarino, dominar a arte do drible, da condução maliciosae ardilosa da bola, numa exibição de habilidade e raciocínio rápido,aproveitando todos os lances do acaso, do imprevisto e da oportuni-dade. Isso tudo conduz, ao mesmo tempo, para o lado lúdico e sériodo Futebol [...]. O Futebol pode ser visto como espetáculo em quecorpo e alma, força física e sagacidade se combinam num todo quetem algo de dança, de teatro, de circo, de arena, o que se combinam[...], gerando enormes efeitos de sedução. É certamente o elemento

do acaso que está na raiz da intensa emoção com a qual o públicoacompanha o jogo. Misto de alegria e tristeza, apreensão e relaxa-

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mento, sofrimento e prazer, o futebol proporciona a vivência de umsuspense contínuo. A isto se acrescenta o entusiasmo da torcida, aidentificação emocional do público com seus times preferidos, a vi-bração do momento do jogo [...]. Ao se basear num conjunto de re-

gras válidas obrigatoriamente para as partes em disputa e ao proporuma alternância pacífica entre vitoriosos e perdedores, não estaria

o futebol dando cotidianamente aulas práticas de democracia? Aoritualizar o conflito, a luta e o combate, o futebol não se tornaria sím-

bolo da própria vida social, dramática por essência, mas que podese tornar positiva, prazerosa e bela, justamente quando conduzidacomo um jogo? (BRUNI, 1994, p. 6-9).

Esse panorama começou a se configurar a partir da décadade 1910, quando o futebol passou a receber maior atenção dosbrasileiros; tornou-se assunto constante nas rodas de conversa en-

tre amigos e tema obrigatório das páginas dos jornais paulistanose cariocas da época.

Na década de 1930, o futebol passou a ser praticado comubiquidade, atingindo, há pouco mais de meio século, a condiçãode "instituição central da cultura brasileira" (JESUS; SILVA, 2000,p. 420). Para Betti (1997), o futebol alcançou esse status a partirde 1933, com o advento do profissionalismo, adquirindo, então,caráter de fenômeno social.

É interessante ressaltar que esse movimento de construçãoda identidade nacional mediante a prática do futebol só foi possívelpor causa de sua popularização, ou seja, quando passou dos jogos

praticados nos gramados e clubes da elite aos realizados em subúr-bios, várzeas e praias, por meio das chamadas "peladas". Certamen-

te, o futebol já estava mergulhado na vida social do brasileiro.Essa relação direta entre cultura brasileira e a prática do jogo

de futebol em seus diferentes espaços (e a construção de umaidentidade coletiva) é analisada sob a ótica de muitos pesquisado-

res do universo do futebol.

Para entender melhor essa questão, Reis e Escher (2006) re-

correm à reflexão feita por Byington sobre o sentido que um povoconfere à manifestação do futebol:

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O futebol consiste em um grande ritual do povo. Afirma ele queé um espetáculo coletivo que se torna ritualístico na medida emque identifica os espectadores com o drama que se desenvolveem campo. Os jogadores são como personagens de teatro com osquais nos identificamos ritualmente. E o campo, na realidade reúnedois grandes teatros de arena, sendo por isso um anfiteatro (REIS;

ESCHER, 2006, p. 47).

Por fim, é importante investigarmos as grandes questões so-

ciais e culturais que envolvem o futebol, pois, certamente, essas ogarantem como preferência nacional. Nesse sentido, é necessário

conhecer os assuntos que envolvem o futebol, assim como as rela-

ções que podemos estabelecer em nossa condição de brasileiros eprofessores de Educação Física.

O futebol é algo que caracteriza o brasileiro e promove asensação de identidade coletiva. Explicações para isso não faltam.

7. UM "POUCO" DE FUTEBOL NA HISTÓRIA POLÍTICADO BRASIL

Iniciaremos, neste tópico, uma reflexão sobre a esfera políti-ca a qual o futebol e os esportes em geral foram e ainda são sub-

metidos. Apesar da resistência que temos em aceitar que esporte

e política estão relacionados, a verdade é que, em algumas situa-

ções na história política do Brasil, o futebol foi um instrumento deação de grupos e classes sociais que dele tiraram algum proveito.

Para exemplificar essa afirmação, podemos citar a atenção

que o esporte no Brasil tem recebido atualmente das autoridadespúblicas e políticas, principalmente por meio de investimentosconsideráveis nesse segmento, que prometem ser ainda maiores.

Após os Jogos Pan-Americanos e Para-panamericanos noRio de Janeiro em 2007, o Brasil se prepara para sediar alguns dos

principais eventos esportivos nos próximos cinco anos. Por exem-

plo: a Copa das Confederações da Federação Internacional de Fu-

tebol Associado (Fifa), a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os

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Jogos Olímpicos e Paraolímpicos em 2016 (também no Rio de Ja-

neiro). Esse tsunami  esportivo implicará uma mobilização de todasas esferas do governo federal, estadual e municipal, bem como doinvestimento da iniciativa privada.

Além das ações direcionadas aos megaeventos, também sãoconstatadas ações voltadas ao apoio dos clubes de futebol profis-sional: é o caso da criação da Timemania, uma espécie de loteria

esportiva que tem uma parcela da arrecadação direcionada às ins-tituições esportivas.

Essa discussão, aparentemente econômica, tem como panode fundo a própria história e a origem do futebol no Brasil, que,

inicialmente elitista, cai no gosto popular, massificando-se.

Como visto na Unidade 1, o registro das primeiras participa-

ções da classe trabalhadora na prática formal do futebol remete aobairro operário de Bangu, no Rio de Janeiro. Sua incorporação se

deu por necessidade estrutural, ou seja, o time formado pelos al-tos funcionários da fábrica não tinha com quem jogar. A partir daí,a prática do futebol não parou de crescer, transformando-se emgrande manifestação de massa e atraindo multidões para assistiraos jogos. Mas essa história você já conhece.

Diante do que foi apresentado até o momento, temos condi-ções de visualizar como o futebol se difundiu e passou a fazer par-te do cotidiano e dos hábitos do povo brasileiro, seja como práticaou simplesmente como modalidade a ser acompanhada nos finais

de semana.Esse acompanhamento foi observado na década de 1920,

durante as partidas de futebol entre as equipes no Rio de Janeiroe em São Paulo. Nessas ocasiões, os jogos já atraíam grandes pú-

blicos, e não demorou muito para que esse encontro se transfor-masse em um grande espaço para a comunicação com as massas,utilizado pelos representantes políticos das diferentes classes so-

ciais para divulgar suas ideias e ações políticas.

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Com isso, o interesse em utilizá-lo com fins eleitoreiros eprática de clientelismo amplia-se na vida política do Brasil. A pró-

pria Cia. Progresso começou a fazer uso do futebol e do time deBangu como veículos de propaganda de sua empresa, pois o timeera o mais organizado e o mais forte durante a década de 1910.

No campo político, o pioneiro a utilizar o espaço do futebol(já praticado nos pequenos estádios) para a propaganda de seu

governo e para comunicação com as massas de trabalhadores foi opresidente Getúlio Vargas. Ele percebeu que o futebol poderia lherender dividendos políticos se tivesse um plano para desenvolvê-

-lo, e entendeu que a sua prática deveria ser incentivada pelo seu

governo.Entretanto, essa prática é anterior a Getúlio. Em 1915, quan-

do trabalhadores em greve exigiram oito horas de trabalho pordia, melhores salários e melhores condições de higiene nas fábri-cas, o governo federal entendeu que um esporte para distrair os

operários talvez fosse uma boa estratégia para conter o seu avançopolítico e sindical.

Sobre esse ocorrido, Joel Rufino dos Santos, em História po-

lítica do futebol brasileiro, escreve:A greve de 1917, que chegou a paralisar dezenas de milhares deoperários, fez ver às autoridades e aos industriais que a cidadeprecisava de um esporte de massas. Como a uma criança que semanda brincar para queimar energias, os operários foram, então,mandados jogar futebol: os municípios isentaram os campos de im-

postos; os industriais se apressaram em construir grounds; a polícia

parou de reprimir os rachas em terrenos baldios; os castigos aosestudantes de escolas públicas que fossem pegos jogando futebol,suspensos (SANTOS, 1981, p. 22).

Dessa forma, quando assumiu o poder em 1930 após umgolpe militar, Getúlio Vargas apresentou um plano de governo cha-

mado "Programa de Reconstrução Nacional". Dentre as medidaspor ele julgadas necessárias, havia uma que favorecia o desenvol-

vimento de uma política esportiva no Brasil. Seu interesse maiorera usar o esporte para construir uma ideia de nação brasileira e,

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também, um movimento de identidade nacional do povo brasilei-ro. Para tanto, regulamentou e oficializou a profissão de jogadorde futebol em 1933.

Futebol e política hoje

Em uma sociedade dividida em classes sociais, como a atual,todas as ações humanas são construídas e significadas com basena condição e na posição de cada um. Em outras palavras, as clas-ses sociais apresentam diferentes formas de interpretar não só

o fenômeno do futebol, mas também todos os fatos sociais queacontecem no cotidiano e na dinâmica da sociedade.

Entretanto, convém ressaltar que são inúmeros os segmen-

tos que levantaram (e ainda levantam) suspeitas sobre o uso ade-

quado ou não do dinheiro (público ou privado) gasto para a sus-

tentação do esporte. Nem o esporte amador fica livre das críticas.

Para muitos, os incentivos fiscais deveriam ser reforçadosno sentido de envolver a iniciativa privada, a fim de minimizar a

utilização de dinheiro público, direcionando tais verbas em áreas,como saúde, segurança e educação.

No transcorrer da história do Brasil, são vários os casos emque o futebol e o esporte foram usados por sistemas políticos paradivulgarem suas ideias, ideologias e modelos de sociedade. Nessesentido, é o uso que os políticos fazem deles que torna o futebole o esporte mais ou menos críticos, esclarecedores ou alienantes.

Alguns entendem que o futebol se configura como um me-

canismo necessário de fuga para as camadas sociais que vivem

em péssimas condições. Ao desviarem sua atenção para o futebol,distraem-se, em vez de encontrarem, coletivamente, soluções ra-

dicais e definitivas para a solução de seus problemas básicos desobrevivência – o desemprego, a concentração da riqueza do paísem benefício de uma pequena parcela da população, a injustiça

social, entre outras mazelas.

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Talvez por isso, vários analistas, entre eles Robert M. Levine(apud CALDAS, 1994), considerem o futebol o "ópio do povo bra-

sileiro", um instrumento de dominação e manipulação da elite nosentido de esconder a miséria.

[...] Visto como uma atividade lúdica, alguns analistas atribuem a

esse esporte [o futebol] a perigosa função de desviar a sociedadede seus problemas prioritários como, por exemplo, o desemprego,a má distribuição de renda, a injustiça social e as precárias condi-ções de vida de determinados segmentos da sociedade brasileira(CALDAS, 1994, p. 45).

Em termos relativos, seria a reedição da política do pão e do circo,colocada em prática durante o Império Romano pouco antes do início

da era cristã. Apesar de essa opinião fazer sentido e ser dotada de certaverdade, ela não é suficiente para entendermos os interesses políticosde grupos pela identificação do povo brasileiro com o futebol.

No Brasil, essa ideia foi difundida por alguns militantes deesquerda, durante a campanha da seleção brasileira pelo tricam-

peonato mundial, em 1970. Nesse período, o país passava peladitadura, repressão e censura, e, por essa razão, esses militantes

acreditavam que tal situação tinha a pretensão de ocultar da "gran-de massa" os reais problemas existentes na época (DAOLIO, 1989).

Por ocasião da disputa da Copa do Mundo de Futebol, reali-zada no México em 1970, o Brasil vivia sob intensa repressão po-

lítica. Reprimir a liberdade de expressão e desrespeitar os direitoshumanos era a política clara do Estado Militar e de sua ditadura.

Veja, na Figura 2, uma amostra da possível associação entrefutebol e política.

O governo do então chefe da junta militar que administravao país, o general Emílio Médici, soube usar a campanha pela con-

quista do tricampeonato no México para ampliar a perseguiçãopolítica ao povo brasileiro, que estava ocupado com o desempe-

nho da "seleção canarinho". Nesse período, praticamente todos

os direitos dos cidadãos foram cerceados, e a informação e a par-ticipação na vida política do país foram severamente censuradas.

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Nessa perspectiva, podemos compreender que o futebol pode tercontribuído para isso.

Figura 2 General Médici com a seleção tricampeã de futebol no México em 1970.

No momento em que o povo brasileiro mais vibrava com o

sucesso da seleção nacional de futebol, com jogadores como Tos-tão, Pelé, Rivelino, Jairzinho e Carlos Alberto, maior foi a repres-

são àqueles que ousaram lutar pela volta da democracia em nossopaís. Muitas pessoas foram presas, perseguidas, torturadas, e, atéhoje, muitas continuam desaparecidas.

Outro exemplo, mas com características contrárias ao dado

anterior e que merece o nosso registro e admiração, é o movimen-

to que, no início dos anos de 1980, pedia maior liberdade e maisrespeito nas relações profissionais entre os jogadores de futebol eos clubes em que atuavam. O movimento intitulado "DemocraciaCorinthiana" foi um marco na discussão sobre o regime de traba-

lho dos jogadores de futebol e sua condição de simples mercado-

ria dos clubes.

Nesse sentido, assim como um Estado autoritário e antide-

mocrático pode usar o futebol para ampliar o seu poder pelo uso

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da força, esse mesmo futebol, no Estado democrático, pode dardemonstrações de apreço pela liberdade e pela vida digna. Esse foium episódio da história do futebol brasileiro que teve como palco,obviamente, o Sport Club Corinthians Paulista, um dos represen-

tantes da luta pela popularização do futebol em nosso país. Essemovimento incomodou muito a ditadura militar brasileira, queperdurou por vinte anos – de 1964 a 1984.

Por meio do diálogo e da participação dos demais jogadores,atingiu-se um alto grau de autonomia e respeito profissional. Omovimento acabou com a concentração dos jogadores antes daspartidas do Corinthians e com as estruturas que alicerçavam as

bases autoritárias e paternalistas do futebol profissional no Brasil.Desse modo, o clube conquistou, jogando futebol de bom

nível técnico, os campeonatos paulistas de 1982 e 1983 e o tãoalmejado respeito pela condição humana do jogador de futebol.

Veja, na Figura 3, um registro da Democracia Corinthiana.

Figura 3 Jogadores do Corinthians nos anos da Democracia Corinthiana.

Este movimento influenciou outros jogadores e clubes peloBrasil.

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No Rio de janeiro, por exemplo, o Flamengo de Zico e Júniorefetivou uma dinâmica semelhante à Democracia Corinthiana. Pe-

los idos de 1984, os jogadores do Flamengo entravam em campocom faixas alusivas e de apoio à candidatura do senador TancredoNeves (candidato de oposição à ditadura militar) à presidência daRepública.

Na Argentina, os jogadores de futebol, por meio do seu sin-

dicato forte e organizado, mantiveram seu apoio na década de1980. E, até hoje, apoiam o movimento civil organizado das mãesda Praça de Maio que, continuamente, cobram das autoridadesargentinas, em especial as militares, o paradeiro de seus filhos que

estão desaparecidos desde os anos de 1970, vítimas da repressãomilitar argentina.

Hoje podemos comemorar o fim da "Lei do Passe", que co-

locava o jogador profissional como uma mercadoria do clube, semliberdade de escolher o seu destino como atleta. Nesse sentido,

alguns atribuem essa conquista à luta dos jogadores que construí -ram o movimento da Democracia Corinthiana, outros aos jogado-

res que, de forma isolada, já na década de 1970, conseguiram, na justiça, a liberdade para negociar seu próprio passe.

Após esse breve levantamento histórico, no qual visualiza-

mos apenas uma perspectiva, pudemos perceber como os go-

vernantes e, também, as classes dominantes – dependendo dasespecificidades de cada momento histórico – convenientementeusaram o futebol com interesses políticos, quase sempre sem ne-

nhum escrúpulo ou ética.

Apesar das possíveis evidências, Caldas (1994) discorda des-sas opiniões por entender que todo fenômeno social possui im-

portâncias política e social incontestáveis.

Por sua vez, Paula (1996) entende que o futebol, enquantoelemento de afirmação cultural do povo brasileiro, resiste às inves-

tidas e às mazelas de todas as formas de opressão, manobra e avil-

tamento, entre as quais podem ser citados o elitismo, o racismo, a

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exploração do trabalho do jogador, o populismo, o autoritarismo ea exacerbação do poder econômico.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS

Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seudesempenho no estudo desta unidade:

1) Diante do contexto de desenvolvimento do esporte moderno, justifique,com suas palavras, por que o fato de o futebol ter se transformado em mer-cadoria pode ter colaborado para o seu desenvolvimento no mundo a partirdo século 20.

2) Aponte três fatores que justificam o futebol como paixão nacional e fenôme-no social. Na condição de esporte das multidões, como ele poderá influen

-

ciar suas aulas de futebol na escola?

3) De acordo com o que foi trabalhado nesta unidade, como você se posicio-

naria sobre a relação entre política e futebol nos dias atuais? Você acreditaque o futebol tenha sido utilizado – ou ainda o seja – como "ópio do povo",ou melhor, com fins alienantes?

9. CONSIDERAÇÕESNesta unidade, você entrou em contato com uma faceta do

futebol que não estamos acostumados a ver, praticar, pensar, dis-cutir e consumir. Sua importância para a formação da cultura bra-

sileira, bem como o seu desenvolvimento tem sua fundamentaçãoem interesses econômicos, políticos e sociais.

Além disso, você obteve conhecimento de algumas das princi-pais características que o compõem, percebendo que esse universo

e o conhecimento sobre a importância do futebol atual são imensos.

As relações e os exemplos dados, como você pôde notar, fo-

gem ao que é usual encontrarmos nas discussões sobre futebol nosenso comum e na Educação Física. Visamos, dessa forma, ofere-

cer a você um conteúdo especial que lhe permita assumir o fu-

tebol como um fenômeno cultural – tanto como uma brincadeiraquanto um jogo sério.

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10. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras

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Acesso em: 12 nov. 2012.

Figura 2  General Médici com a seleção tricampeã de futebol no México em 1970.Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/futebol-e-regimes-militares-o-futebol-nas-ditaduras-brasileira-e-argentina.htm >. Acesso em: 12 nov. 2012.

Figura 3  Jogadores do Corinthians nos anos da Democracia Corinthiana. Disponível em:<http://futebolfenomenosocial.blogspot.com/2010/08/democracia-corinthiana-uma-construcao.html>. Acesso em: 12 nov. 2012.

Site

 pesquisadoAMARAL, P. R. T.; THIENGO, C. R.; OLIVEIRA, F. I. S. Os motivos que levaram jogadoresde futebol amador a abandonarem a carreira de jogador profissional. Revista Digital ,Buenos Aires, ano 12, n. 115, dez. 2007. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd115/motivos-que-levaram-a-abandonarem-a-carreira-de-jogador-profissional.htm>.Acesso em: 12 nov. 2012.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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