fundamentos teóricos metodológicos

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Pensar o social ontem e hojeAs concepes do mundo no podem deixar de ser elaboradas por espritos eminentes, mas a realidade expressa pelos humildes, pelos simples de corao. Antonio Gramsci, Obras escolhidas, 1978.

Sntese deste captuloO pensamento dos primeiros socilogos no sculo xix. Os princpios de organizao da sociedade, da concepo de realidade e de cincia, na perspectiva analtica dos clssicos da Sociologia. A proposta de integrao social de Durkheim. Weber e o processo de racionalizao social. O pensa mento de Marx no entendimento das contradies sociais. O processo de investigao da realidade social e a especificidade desse objeto de estudo.

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Questes sociolgicas pertinentes: pluralidade de mtodos, dicotomias tradicionais, polmicas usuais, novos objetos. O movimento da cincia sociolgica sobre sua prpria produo demonstra seu carter histrico. A modernidade e a reflexividade presentes na cincia.

Seriam os deuses socilogos? Como na mitologia grega, prdiga em apresentar os deuses com um estatuto excepcional e heterogneo a um s tempo, se confrontados com os mortais, na cincia, os clssicos tm privilgio semelhante no conjunto dos pensadores. A supremacia dos deuses ultrapassa sistematicamente a condio humana. Os deuses so vistos como sendo outros, porque, alm de serem maiores, poderosos e mais sbios que os homens, eles expressam essa diferena de uma forma particular, como revelam os versos de Homero, na Ilada (canto viii, v. 143144): Nenhum mortal poderia penetrar o pensamento de Zeus; por mais orgulhoso que fosse, Zeus o venceria mil vezes (Sissa e Detienne, 1990, p. 43). Zeus um clssico. Os pensadores de primeira hora da Sociologia so considerados clssicos porque o seu pensamento ainda tem poder explicativo, sua vitalidade interpretativa alcana a era contempornea, embora apresente limitaes. Assim como os deuses gregos, excepcionais e heterogneos, os clssicos no explicam tudo, mas fazem avanar o pensamento; afinal, cincia e realidade social so fenmenos conjugados, histricos e em constante mutao.Os fundadores da Sociologia, como disciplina cientfica, perseguem uma preocupao ontolgica, ligada gnese da sociedade: por que as sociedades mudam e, ao mesmo tempo, permanecem?

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A ordem e a mudana social fundamentavam o pensar a sociedade como um organismo semelhante ao animal constituam o modelo organicista. Da expresses como vida social, organismo social, fisiologia social, funo social das partes desse todo composto por outros organismos a famlia, as associaes diversas, o Estado etc. Ao propor a Sociologia como uma cincia da humanidade e ao conceber a sociedade organizada e harmnica, a partir do poder poltico, August Comte (17981857) foi o mais destacado dos organicistas. Pensar a sociedade, na segunda metade do sculo xix, era pensar o equilbrio das partes em processo de evoluo, como o fez Herbert Spencer (18201903) sob influncia da obra de Charles Darwin (18091882), bilogo ingls que desenvolveu uma teoria sobre as espcies variadas e a seleo natural. Spencer transps a teoria da evoluo para a realidade social e props ser a competio o motor do processo de adaptao dos organismos sociais s transformaes ambientes, gerando diferenciao e diviso do trabalho. A ordem social referese forma como a sociedade organiza a vida coletiva mediante a diviso, a complementao e a cooperao entre os indivduos, os grupos e as instituies sociais, no exerccio de seus papis e no cumprimento de seus objetivos. A ordem estaria implcita na organizao da sociedade. J a mudana social resulta da ao histrica dos grupos sociais ou de certos fatores numa dada sociedade, compreendida como uma variao ou alterao relativamente ampla e no temporria, nem irreversvel na estrutura social, nas esferas da economia, da cultura, da poltica, do Estado, da religio, da famlia e mesmo no interior dessas instituies , tendo por referncia um momento anterior. A ordem social sempre repisada, e ameaas a ela so motivo de preocupao para pensadores como Georg Simmel (1858

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1917), para quem a diferenciao social resulta da acentuada individualizao tpica da modernidade. Em outras palavras, a diversidade aprofunda as relaes sociais de interdependncia. As relaes entre os indivduos separados apontavam para a sociedade como uma construo artificial. Ora os filsofos sociais pensavam o indivduo, ora detinhamse no fenmeno do agrupamento mais amplo, indiciando questes emblemticas para a Sociologia at hoje, entre elas as das relaes entre indivduo e sociedade, estrutura e ao. Um sentimento de nostalgia impregna o pensamento dos autores clssicos da Sociologia, diante das mudanas avassaladoras que no sculo xix varreram a sociedade aristocrtica tradicional, impedindoos, inclusive, de produzir uma teoria sobre a mudana social. Nesse dilema, Ferdinand Tnnies (18551936) polarizou conceitos sociolgicos bsicos como comunidade e sociedade. Originalmente, comunidade (Gemeinschaft) o grupo terri torial de indivduos com relaes recprocas, as quais se valem de meios comuns para lograr fins comuns; sempre a comunidade local. Se a comunidade urbana, aplicase o termo a apenas uma parte da cidade, no prpria cidade, porque vilarejos e subrbios concentrariam melhor a denominao. Modernamente, comunidade a partilha de valores comuns, gerando o sentimento de pertena a um agrupamento social, espacialmente definido ou no. Mas concepo de comunidade espao das relaes sociais familiares, afetivas, naturais, prximas, tradicionais Tnnies ope o fenmeno sociedade como algo mais complexo, posterior no tempo, um sistema de relaes artificiais, impessoais, mediadas pelo mercado e existindo sob contrato. A sociedade uma estrutura composta pelos grupos sociais, diferentes e assemelhados, que

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mantm laos entre si, sejam pela lngua, pela cultura, pelo modo como se relacionam, produzem e trabalham. A angstia com a ordem social em decomposio percebida em muitas propostas tericas sobre a sociedade moderna em afirmao, sejam para recompla, sejam para explicar o movimento que a revolve. As ideias de Vilfredo Pareto (18481923), centradas na luta das elites pelo poder, ganham fora quando desmascaram que as demandas de igualdade ocultavam demandas de privilgios. o momento de a Sociologia assumir o papel crtico de revelar a realidade em transformao, por detrs das aparncias de harmonia e estabilidade. Um olhar para as origens da Sociologia faznos ser seletivos quanto aos primeiros socilogos. Concentramos a ateno na contribuio de Durkheim, Weber e Marx. A riqueza analtica desses e de outros autores clssicos e contemporneos fornecer o contraponto necessrio a temticas dos nossos dias e de uma cincia da sociedade desde a sua origem. Em fins do sculo xix, o cenrio era de consolidao da face moderna e determinadamente racional da Revoluo Industrial, das insurreies polticas e ensaios democrticos, dos povos colonizados em pases de almmar. Certamente, no por acaso que os clssicos tradicionais da Sociologia reservaram parte significativa da sua anlise para o trabalho e a religio, como fenmenos sociais de base.A produo sociolgica dos clssicos acontece em plena ebulio dos acontecimentos econmicos, polticos e culturais da segunda metade do sculo xix e ocorre de modo concomitante entre os pensadores da Europa e da Amrica do Norte.

O desmoronar do Antigo Regime e os rasgos de progresso material trazidos pelas transformaes econmicas marcam de forma concreta a vida da populao. Os primeiros socilogos percebem

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isso e at se atemorizam. A sua produo intelectual demonstra ser o problema da ordem social central na Sociologia e, para mantla ou reconhecla em mudana, eles teorizam. Cada qual produziu uma teoria da sociedade, mas tambm uma teoria da cincia. Conhecimento e realidade social so integrantes de um mesmo fenmeno; um alimenta o outro. Os homens so vidos em conhecer as condies da prpria existncia e desenvolvem mtodos cientficos para alcanar esse objetivo. Todos os pioneiros da Sociologia propuseram mtodo prprio de anlise e aqui tambm se reconhece o quanto cada mtodo demanda suas teorias. Teorias sociais so explicaes sobre a realidade social e se apresentam por meio de conceitos concatenados; so produtos histricos, tm uma validade relativa aos fenmenos a que fazem referncia. A sociedade integrada de Durkheim significativo notar Simmel (1998), na Alemanha, defron tandose com o tema da diferenciao social, nos mesmos anos em que, na Frana, mile Durkheim (18581917) escreve A diviso do trabalho social [1893], uma das obras mais lidas em Sociologia. A diviso do trabalho e processos outros de diferenciao social fazem emergir interesses, vontades individuais ou coletivas com frequncia radicalmente opostos. No entanto, a sociedade funciona, permanece e se transforma. Isso intrigava os cientistas sociais da poca, e a imagem da sociedade que nos passam de um conjunto integrado de fatos sociais regulares, preocupados estavam em explicar cientificamente o seu funcionamento harmonioso. As partes concatenadas desse todo eram concebidas como agrupamentos e instituies sociais. Essas podiam ser identificadas por aquelas organizaes que alaram

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a condio de estruturas relativamente permanentes por terem fincado razes na sociedade. A Igreja, a escola, a famlia, o Estado so exemplos encontrados de instituies fornecedoras de regras de conduta aceitas e legitimadas socialmente. Em analogia com as cincias naturais, mais desenvolvidas que as sociais, Durkheim props o estudo da sociedade como uma Fisiologia Social. Inspirouo o paradigma da integrao social. Por meio dela, h a tendncia dos indivduos de coordenarem suas aes sociais com as de outros nveis da estrutura social, em clima de baixo grau de conflito. Reportemonos s situaes de guerras, conquistas, domnios e desigualdades sociais, expostas agora de forma mais atenta ao despertar do interesse das cincias sociais. O estado varivel da sociedade era observado como um sistema social, uma coletividade, que tendia estabilidade, ao equilbrio, graas integrao entre as suas partes. O amlgama que une as partes, para Durkheim (1973), so laos de coeso ou solidariedade e diferem conforme o tipo de sociedade. Sociedades mais simples, com primazia no tempo, como as tribos primitivas e os cls organizados, comportavam manifestaes de uma solidariedade mecnica, que ocorre por similitude entre os indivduos vivendo sob uma diviso do trabalho incipiente. Com o crescimento da populao e o progresso tcnico, as sociedades experimentam um fenmeno de densidade moral, caracterizado pelo aumento e a intensidade das relaes sociais. Essa a sociedade industrial. Nela, os vnculos de uma solidariedade orgnica, funcional, propiciada pelo fato de os indivduos se diferenciarem e tornaremse interdependentes, levam a uma diviso do trabalho mais complexa.

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Teoria da coeso social mile DurkheimTipos de sociedades Sociedade industrial Tipos de coeso Solidariedade orgnica Controle social Conscincia coletiva Diviso do trabalho Sociedades simples, primitivas Solidariedade mecnica

Nas sociedades segmentares, marcadas pela tradio e relaes sociais entre indivduos intercambiveis, o controle social ocorre por formas diretas de constrangimento das conscincias individuais, devido existncia da conscincia coletiva. O controle social o domnio que indivduos, instituies ou grupos exercem sobre outros, mediante o estabelecimento e a vigilncia do cumprimento de normas e regras de conduta sociais. Entre os tipos de controle social esto os costumes, a religio, a lei, a moral, a educao, exercidos por instituies especficas e pela sociedade em geral. Nas sociedades modernas a coero social tornase mais difusa e exercida pela diviso do trabalho, segundo Durkheim, dada a interdependncia maior que se estabelece entre indivduos e grupos sociais. A coero social est presente na presso velada ou aberta que a sociedade exerce sobre o indivduo, para que este siga os costumes e comportese segundo os valores e as normas vigentes. Nem sempre ela sentida pelo indivduo, porque o induz a adaptarse s regras de convivncia social.Explicitando conceitos Conscincia coletiva o conjunto de valores, sentimentos, crenas e tradies de uma sociedade, preservado, respeitado e legitimado no decorrer de vrias geraes. a moral de determinada sociedade, em que predomina a solidariedade mecnica, conforme Durkheim

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(1973). A conscincia coletiva exerce sobre os indivduos uma coero reforando hbitos, costumes e representaes sociais. Representaes sociais objeto caro Sociologia so as noes ou conceitos pelos quais os grupos sociais explicitam sua concepo do mundo. As representaes sociais ou coletivas resultam da combinao e associao de ideias e experincias de mltiplas geraes que cooperam para sua formao. A experincia dos indivduos as reelabora.

Mediante sanes sociais positivas ou negativas, a questo do controle social um dos sustentculos da teoria durkheimiana, pois a sua Sociologia, de cunho normativo, persegue uma existncia pacfica e integrada da sociedade. Tudo o que venha a fugir desse padro de funcionamento estvel e controlvel leiase, um estado de sade social enquadrado como patolgico e pode conduzir condio de anomia social, o mesmo que ausncia de normas, a vacncia da organizao. Quando ocorre a desorganizao das normas sociais, tambm chamada de disnomia, ou momentos de anomia na sociedade uma revolta, um motim, uma crise econmica , esses estados temporrios esto sujeitos correo para restabelecer a ordem social. Frente a essas anomalias, Durkheim evoca a revitalizao das corporaes profissionais, capazes de recompor os laos de natureza moral que as foras do mercado ameaam destruir. Esses vnculos de natureza moral traam o perfil da anlise de Durkheim e esto expressos tambm em outras obras, sejam de matiz metodolgico como As regras do mtodo sociolgico [1895], sejam nos escritos sobre educao civil ou em As formas elementares da vida religiosa [1912]. A concepo de realidade objetiva, que independe dos sujeitos e os precede quando os indivduos nascem, encontram

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a sociedade organizada , coercitiva, na medida em que aquela os pressiona a agir de acordo com os valores e as normas dos grupos sociais nos quais esto inseridos, justifica a teoria social desse pensador.Para Durkheim, a Sociologia tem o papel de compreender o funcionamento orgnico da sociedade e suas partes, de maneira a formular leis e realizar generalizaes.

Um dos papis da Sociologia como cincia , portanto, a apreenso dos fenmenos sociais para permitir interveno e correo dos rumos da sociedade. Essa concebida como orgnica porque sua estrutura sistmica e as partes so complementares. A estrutura analtica que Durkheim d ao problema da ordem mostranos que ela representa a outra face da mudana social. Sua produo intelectual, numa metodologia funcionalista de apreenso e explicao da sociedade, no explica a contento a origem e a existncia dos conflitos sociais, que se caracterizam como fortes divergncias ou oposies existentes entre grupos sociais e podem levar ao enfrentamento. Os conflitos pressupem a existncia de desigualdade entre grupos com interesses distintos, principalmente no mbito social, poltico e econmico. So exemplos: o conflito de classes, os conflitos tnicoraciais, a luta pela terra, os conflitos religiosos, as guerras e as revolues sociais. Quanto ao seu mtodo sociolgico (ver Quadro 1 adiante), Durkheim (1990) pode ser considerado um conservador, pois concebe os fatos sociais como coisas, apreensveis graas ao distanciamento e a busca de neutralidade do observador, quando eles no so de fcil modificao. Apesar disso, Durkheim considerao um mtodo provisrio, capaz de se modificar medida que a cincia avana. O mtodo de anlise social de Durkheim considerado positivista.

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O positivismo prope transpor os mtodos das cincias naturais como critrios para a existncia de uma cincia da sociedade de carter moral. A sociedade seria regida por leis naturais e a cincia, considerada instrumento de interveno do homem na realidade. O positivismo toma a descoberta das leis de funcionamento da natureza como verdades cientficas e, ao se deter na observao e experimentao dos fenmenos, privilegia os fatos, tomaos como dados, evidncias que devem ser perseguidas e demonstradas. A lgica positivista tenta eliminar a subjetividade e a viso de mundo do pesquisador para obter um conhecimento objetivo. O real lido pela cincia, no entanto, no est dado, no penetra os sentidos de forma espontnea como supe o positivismo; necessrio um esforo de questionamento mental da realidade para apreendla. August Comte o fundador dessa filosofia social inspirada nos mtodos das cincias naturais. Weber pensa a racionalidade dos fenmenos sociais Uma teorizao sociolgica que pe o conflito na anlise social produzida por Max Weber (18641920). Para ele, o conflito nasce da contraposio de interesses econmicos, no calor das relaes dos mercados, onde ocorrem a oferta e a demanda de mercadorias. Podemos imaginar esses espaos, na Antiguidade, com mercadores bradando seus produtos para troca; ou na Idade Medieval, quando campesinos e habitantes das cidades discutiam em praa pblica, barganhando o preo dos produtos. A sociedade moderna , por excelncia, aquela dos mercados, dos interesses organizados e opostos, propiciando conflitos. E no

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apenas o mercado dos produtos objetivos, mas tambm a pluralidade do mercado de trabalho, o qual se apresenta fracionado localmente e pelo tipo de qualificao do trabalhador, potencializando uma diviso social do trabalho. A esfera econmica, no entanto, no a nica em que se manifestam o conflito e a luta de classe. Weber (1977) os observa nas esferas da poltica, da religio, do direito, da honra, do prestgio, as quais esto conectadas e ainda mantm uma autonomia relativa. As relaes entre essas esferas so atravessadas por um trao de racionalidade que caracteriza, por exemplo, a ao racional capitalstica, prpria do em preendimento que visa o acmulo de riqueza. Enfim, para Weber, os conflitos no so patolgicos nem provocam desintegrao social, mas favorecem uma estrutura institucional capaz de regullos, que chama de ordenamento social. Podemos dizer que a coerncia da teoria weberiana sustentada pelo paradigma da racionalizao acerca da realidade social. Do conjunto de sua obra, a racionalidade destacase como princpio organizativo da sociedade moderna, a ponto de formular a expresso desencantamento do mundo, referindose ao descontrole do comportamento racional propiciado pelo avano tcnico, tornandose irracional, inclusive. Para Weber (1974), a realidade social complexa, catica e foge ao controle humano, por isso o sujeito que a investiga o seu ordenador. A finita mente humana ordenaa, criando conceitos particulares das situaes histricas e culturais. Essas construes conceituais so ideias e proposies que tipificam e caracterizam a realidade social e Weber as denomina tipos ideais. Entre os tipos ideais que elaborou esto a burocracia, tpica dos Estados modernos; a dominao, como um fenmeno social complexo e bero do poder; o

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capitalismo ocidental, que se distingue por sua racionalidade presente nas aes sociais mais simples. A construo de tipos ideais um recurso metodolgico weberiano e est em referncia ao conjunto de valores significativos de uma cultura em determinado tempo, captado pelo cientista, em seu trao de individualidade histrica, isto , aquilo que o fenmeno tem de particular, de singular, que lhe prprio.Weber concebe a Sociologia como uma cincia interpretativa, cujo objeto a ao social, a qual deve ser compreendida pelo sentido que lhe atribuem os atores sociais.

Weber (1977) prope o mtodo da compreenso para captar o sentido da ao social, seja racional, afetivo e/ou tradicional. Assim, os homens agem levando em conta as aes de outros homens; deixam se guiar por elas. Se a ao racional, com relao a fins ou a valores, a razo que a impulsiona (por exemplo: vendolhe minha bicicleta porque preciso de dinheiro); se a ao social tem por sentido a emoo, ela afetiva (por exemplo: no local de trabalho, comemoramos os aniversariantes do ms); e/ou se a ao social tem por motivo a tradio, ela tradicional (por exemplo: a cerimnia de posse do governador foi concorrida). O sentido da ao social um meio para alcanar um fim e tornla efetiva, uma vez que acontece numa cadeia motivacional, num processo de muitas aes concatenadas, uma relao social, na concepo de Weber. Ainda que Weber considere os fatores econmicos como importantes para as mudanas sociais, as ideias e os valores sociais so determinantes para que transformaes aconteam. Os valores sociais constituem a motivao da ao social, dizem respeito ao que

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desejvel, de um modo geral; so interiorizados pelos indivduos no processo de socializao, a partir de certos comportamentos estruturados e regulares. A noo de valor coloca problemas no plano das diferentes representaes que os grupos de uma sociedade tm dos chamados valores comuns, os quais tornam possvel a vida social. Por isso, a Sociologia deveria se concentrar na ao social, segundo Weber, e no tanto nas estruturas, pois as motivaes e ideias humanas teriam o poder de transformao social. nessa lgica que Weber (1967) escreveu A tica protestante e o esprito do capitalismo [1904], em que mostrou uma determinada tica religiosa a calvinista como impulsionadora do capitalismo no Ocidente. A anlise sociolgica de Weber prima pelo carter metodolgico, histrico, comparativo, passando de forma marcante pela histria das religies universais. No descura de uma teoria em que os indivduos so agentes da mudana social, por serem capazes de agir livremente e de modificar o futuro; este apresentado como um leque de alternativas passveis de escolha. O pensamento de Weber difere, portanto, do de Durkheim e de Marx, quanto ao papel dos indivduos na conformao da realidade social. A contradio social revelada por Marx Mesmo que Karl Marx (18181883) no seja um socilogo, ele pode ser considerado um clssico da Sociologia, pois sua influncia para a compreenso da mudana social foi notvel. Outras cincias sociais podem tambm avocar como sua a contribuio desse filsofo social. Sua maior contribuio sociolgica est na anlise da dinmica da sociedade capitalista.

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Toda sociedade produz e consome e, nesse processo, se reproduz.

Em verdade, Marx explica como em cada sociedade asitica, antiga, feudal, moderna as relaes sociais bsicas so aquelas da esfera da produo, as que os homens estabelecem entre si para garantir sua sobrevivncia material e, por conseguinte, a reproduo social. Essa compreende tanto a produo quanto a criao das condies pelas quais uma sociedade perdura. As relaes entre o escravo e o seu proprietrio, o servo da terra e o senhor feudal, determinam a estrutura das respectivas sociedades. A estrutura de classe, no entanto, especfica da sociedade contempornea e abriga as relaes fundamentais de representantes de suas classes sociais: o trabalhador assalariado e o capitalista, segundo Marx. Essas relaes de produo na sociedade capitalista so essencialmente de dominao, porque envolvem diferentes interesses de classe, inevitavelmente antagnicos; trabalhadores querem o seu salrio, enquanto os donos do capital almejam o lucro. O conflito de classe contido na luta de classe em defesa do interesse oposto outra parte a grande fora da histria responsvel pela transformao social. Para Marx (1977b), a historicidade a prpria transitoriedade do capitalismo e depende do desenvolvimento desses antagonismos e das lutas sociais de carter estrutural. O mecanismo que impulsiona a mudana social de natureza dialtica, no sentido de que o modo de produo de cada sociedade produz as foras destinadas a neglo, a fim de superlo. Por isso, podemos dizer que o eixo explicativo da teoria de Marx o paradigma da contradio social, ao expor os lados que se opem na realidade

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e criam impasses para que a histria flua. O capitalismo torna se transparente em seus mecanismos de dominao, revelando as contradies sociais, compreendidas como divergncias, oposies ou tenses existentes numa dada sociedade. As contradies sociais, na tradio marxista, so estruturais do capitalismo e so dialticas por constiturem oposies reais, histricas, e ainda poderem ter aparncia mistificadora ou ideolgica. As ideias filosficas, polticas, religiosas, tambm as instituies jurdicas desenvolvem, na concepo de Marx (1977b), um papel ideolgico por remeterem s estruturas de dominao, justificandoas e fazendo com que sejam aceitas. Seus escritos so vigorosos e refletem a situao do seu tempo, em plena Revoluo Industrial nos pases europeus, nos quais ele circulou como jornalista e ativista poltico. Qualquer um dos clssicos da Sociologia s pode ser tratado e conhecido pelo conjunto de sua obra; com Marx esse alerta vlido para no incorrer em banalizao, uma vez que o seu pensamento foi interpretado exausto nas cincias sociais e pela experincia histrica, sobretudo a poltica sovitica, da primeira metade do sculo xx. Uma pgina de propaganda poltica , sem dvida, o Manifesto comunista [1848], escrito em parceria com Friedrich Engels (1820 1895), onde esto delineadas as diretrizes do processo da histria, filosoficamente analisadas em A ideologia alem [1845], na Contribuio crtica da economia poltica [1859] e em sua obraprima, O capital [18671905], entre outras obras. Ao longo de sua obra, Marx produz o mtodo e a interpretao do modo de produo capitalista, preocupandose em explicitar os passos da dialtica materialista. Empenhase em mostrar as coisas que no aparecem e se escondem atrs das relaes sociais, como se fossem dotadas

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de propriedades exclusivas, msticas, independentes do trabalhador que as faz e das relaes de produo a que est subordinado. Em suas teorias interpretativas da realidade social, Marx pressupe o processo de conhecimento como uma atividade prtica. O pensa mento uma forma de apropriarse do real e, assim, transformlo. H processo histrico no conhecimento emprico de situaes particulares, por haver historicidade na ao recproca dos homens que produzem a sociedade em que vivem. Fios condutores da investigao social As teorias sociolgicas contemporneas so herdeiras do pensamento clssico e o rompimento desse tributo rduo por uma srie de razes; basicamente, pelos limites das teorias e suas opes de mtodo, mas tambm pelo alcance explicativo de muitas delas, de sua complexa contraposio e at complementaridade. As cincias sociais e, em particular, a Sociologia, apresentam uma multiplicidade de mtodos, a partir das vertentes racionais da induo e deduo. Em linhas gerais, podemos afirmar que a produo terica contempornea sculo xx e incio do novo milnio ainda no resultou em uma sntese metodolgica. Convivem diferentes vertentes da explicao sociolgica. Dos autores clssicos vertem mtodos particulares, na nsia de dar conta dos problemas da cincia em afirmao e da realidade social fugidia. No conjunto de sua obra, propuseram perspectivas analticas assentadas no mtodo comparativo (Durkheim), no mtodo compreensivo (Weber) e no mtodo dialtico (Marx), como explicitado no Quadro 1.

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Quadro 1 Mtodos de investigao da realidade social nos autores clssicosDurkheim Comparativo Como os fenmenos sociais so sui generis, preciso investig-los utilizando os mesmos princpios de investigao das cincias naturais. Deve-se buscar as ligaes causais por meio de investigao metdica e sistemtica. Prope regras para a observao dos fatos sociais: Weber Compreensivo Cabe Sociologia interpretar o sentido da ao social. Essa compreenso ocorre por meio da razo, a partir dos significados e valores de quem investiga. Dessa forma, os valores devem ser incorporados e fazer parte da investigao social. No h recomendao para suprimir toda prenoo e juzos de valor, e sim integr-los de modo consciente na pesquisa. Marx Dialtico concebido como o mtodo de apreenso que permite ir raiz da realidade. Ao mesmo tempo em que procura entend-la, o mtodo procede a transformao da realidade social. A compreenso da realidade passa pelas condies materiais da vida da poca analisada. O seu pressuposto que o modo de produo da vida material condiciona o processo da vida social, poltica e espiritual em geral. Busca na histria, enquanto processo de fatos concatenados, a chave para o desvelamento das relaes sociais, sua relao recproca e a interao existente entre os fatos, as estruturas e os acontecimentos. Sua anlise prope partir de noes simples e ampli-las para categorias mais gerais. Noes simples como trabalho, diviso de trabalho, valor de troca se elevam a categorias como Estado, trocas internacionais, mercado mundial.

Considerar os fatos sociais como coisas (caractersticas: coercitividade, exterioridade e O mtodo comparativo, porque busca na histria generalidade). valores e culturas explicativos preciso afastar das aes sociais. tambm sistematicamente as um mtodo compreensivo, prenoes. por permitir a apreenso Nunca tomar por objeto de interpretativa do significado ou da conexo de sentido da ao pesquisa seno um grupo social. de fenmenos, previamente definidos por certos caracteres exteriores que lhe so comuns.

Fonte: Durkheim (1980); Weber (1974); Marx (1977a). Elaborao das autoras.

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Mtodos de pesquisa so muitos na Sociologia e essa condio levanta, por vezes, dvidas e questes quanto sua cientificidade. A juno da teoria e do mtodo de conhecimento que a informa corresponde metodologia, que consiste no caminho tomado para o estudo da realidade. A metodologia reflete sobre os processos racionais de um pensamento metdico como se fossem veios orientadores da anlise e no se restringe a um conjunto de tcnicas de pesquisa, mas ao mtodo somado s teorias para a compreenso de uma dada realidade. A produo sociolgica transita metodologicamente pelo funcionalismo, o estruturalismo, o funcional-estruturalismo, o interacionismo simblico, a fenomenologia, a teoria crtica. Acompanhemos a explicao de cada um dessas perspectivas tericometodolgicas.Diferentes abordagens metodolgicas na Sociologia Estruturalismo O estruturalismo persegue as permanncias sociais. uma abordagem tericometodolgica que nasceu sob inspirao da Lingustica com Ferdinand de Saussure, mas no se restringiu ao seu estudo. Essa perspectiva terica busca captar e compreender as interrelaes e as estruturas sociais, a partir de seus significados em dada cultura. So exemplos na Antropologia Social os estudos de LviStrauss; na Psicologia, a proposta de Jean Piaget; na Sociologia, as pesquisas de Talcott Parsons; e na Filosofia, os estudos de Louis Althusser, ao primar pela interpretao estruturalista da obra de Karl Marx. Fenomenologia Embora seu aparecimento seja anterior, foi o filsofo Edmund Husserl que deu novo significado ao conceito. A fenomenologia objetiva descrever, compreender e analisar os fenmenos de modo a no separar

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sujeito e objeto, mas a apreendlos a partir da experincia primeira do indivduo, ou seja, a relao do sujeito com o fenmeno estudado. Funcional-estruturalismo Um dos principais representantes dessa vertente terico metodolgica Talcott Parsons, que apresenta como tema central de sua teoria o funcionamento das estruturas sociais, desenvolvendo o modelo de referncia ao sistema social, como a Biologia estuda os organismos vivos. Reconhece a funo exercida pelas foras institucionais e padres culturais vigentes para a manuteno do sistema social. Funcionalismo Tratase de uma perspectiva tericometodolgica que sustenta ser a sociedade um sistema, cujas partes trabalham conjuntamente para produzir estabilidade e solidariedade. Para essa teoria, a ordem e o equilbrio so o estado normal da sociedade, o qual se funda no consenso moral. O funcionalismo deduz haver uma ligao entre exigncias (necessidades) sociais e as formas institucionais (os ritos, as tcnicas, os costumes etc.) na garantia de integrao social. Foi grande a sua influncia nas cincias sociais; na produo sociolgica seus representantes so August Comte, Herbert Spencer e mile Durkheim. Interacionismo simblico Essa abordagem terica emerge da preocupao com a linguagem e com o significado. Ocupase fundamentalmente com os smbolos, os gestos, as formas de comunicao no verbais, consideradas smbolos tambm. Essa corrente tem sido criticada na Sociologia por preocupar se com o detalhe, sem considerar as grandes estruturas e/ou as relaes de poder na sociedade, por exemplo.

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Teoria crtica A teoria crtica e a Escola de Frankfurt tm a mesma fundamentao. O fundador foi Max Horkheimer, que a batizou como teoria crtica por reunir teoria e prtica, em oposio teoria tradicional, de cunho cartesiano (de Ren Descartes). Embora sem uma unidade no pensamento, importantes participantes, como Theodor Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Eric Fromm, Jrgen Habermas, deram sua contribuio em diferentes pocas. O mtodo adotado o histrico, aceita as contradies sociais, porm no h uma sntese, pois, segundo Adorno, o todo totalitrio.

Provas do avano da humanidade, as cincias passaram parte de sua histria presas ao paradigma positivista. Assim aconteceu, com a Fsica moderna, que a Fsica Quntica revolucionou. Em termos de mtodo, portanto, o modelo da racionalidade positivista imperou na cincia moderna e impregnou seus princpios epistemolgicos e regras metodolgicas. A epistemologia o estudo crtico das cincias e teorias j constitudas. Seus princpios so mecanismos, teorias e concepes metodolgicas, que norteiam o revisitar constante da cincia e do fazer cincia, em face da realidade em transformao. Sendo tambm uma expresso das condies histricas, o positivismo entrou em crise no sculo xx e a realidade da cincia passou a pedir outra base de sustentao das ideias acerca do mundo. Teorias e autores contemporneos tendem a posicionarse criticamente quanto influncia do paradigma positivista, que se apresenta como nica forma de conhecimento verdadeiro. Paradigmas cientficos ou seja, grandes eixos de pensamento de natureza terica e metodolgica sobre os quais uma comunidade

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de cientistas em determinado campo de conhecimento desenvolve um consenso no se aplicam de forma unvoca nem duradoura nas cincias sociais. As cincias sociais tm seus limites vazados que permitem livre trnsito entre elas, o que dificulta pensar paradigmas exclusivos para explicaes sobre a realidade social. Tambm so mais maleveis, e talvez isso explique a juventude da Sociologia e a especificidade do seu objeto o homem e suas relaes. Alm disso, dada a multiplicidade de fatores objetivos e subjetivos que corroboram para a constituio desse objeto, os esquemas explicativos no se autoexcluem e at se superpem. Podemos pensar paradigmas como fios condutores do raciocnio cientfico que se inspiram, por exemplo, em grandes mtodos de apreenso da realidade. Una e divisa ao mesmo tempo, cincia a cincia o conjunto das diferentes cincias , enquanto as cincias so os diferentes ramos do conhecimento, que se debruam sobre parcelas da realidade, seja ela fsica, natural, matemtica ou social. A cincia hoje tambm se questiona Uma nova concepo do conhecimento, da matria, da natureza, do homem, vem se impondo e ajudando os cientistas a problematizla, revendo, inclusive, a prpria condio do analista. Nesse movimento, outros critrios concorrem para que o conhecimento cientfico se efetive, tais como a complexidade, a auto organizao, a sociedade ps-industrial, numa viso da realidade em que o todo no apenas contm as partes, mas estas esto presentes no todo. Em verdade, est se firmando uma conscincia da natureza e de pertencimento do homem a ela, que a racionalidade moderna havia sabotado.

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A anlise de autores como Edgar Morin (1994) e Boaventura de Sousa Santos (1998), sobre as realidades sociais dos sculos xx e xxi, revela que as inmeras ameaas e perigos que assolam a humanidade e o planeta Terra foram decorrentes da forma de se pensar e se fazer cincia do homem contemporneo. As transformaes drsticas, e muitas delas talvez irreversveis em todas as dimenses, levamnos a fazer a reflexo sobre a cincia e seus paradigmas que predominaram at o presente momento. Os cientistas, por exemplo, ao realizarem as suas descobertas nos diversos ramos das cincias naturais (Qumica, Fsica, Biologia), ao ocuparemse de seus objetos numa concepo de cincia neutra, objetiva e simplificada, prpria da cincia tradicional, pouco se indagaram acerca dos efeitos de suas pesquisas sobre a vida no planeta. Muitas das descobertas, pretensamente neutras, ao serem utilizadas pelo mercado e por governos de diversos matizes, produziram novos riscos para a humanidade, distintos daqueles prprios da natureza, como o caso das erupes vulcnicas, terremotos, tempestades etc. Para o socilogo Ulrich Beck (1997), os riscos atuais so incalculveis e peculiares, pois so resultados da ao do homem sobre a natureza, por isso formula o conceito de sociedade de risco. As ameaas que pairam sobre o ambiente, a sade, o trabalho, o cotidiano e sobre todos os seres vivos, e as consequentes reflexes sobre tal cenrio, provocaram a crise da cincia. Significa dizer, provocaram a conscincia dos limites da cincia e de suas insuficincias, permitindo identificar as fragilidades de seus pilares. Por isso, urge uma cincia com conscincia, como defende Morin (1994). A crise da cincia e de seus paradigmas dominantes levou Sousa Santos (1998) a delinear um paradigma emergente. Na expresso deste autor, o paradigma que est emergindo mais que cientfico,

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um paradigma social. Sua fora est em romper com dicotomias como cincias naturais/cincias sociais, sujeito/objeto, indivduo/ sociedade, senso comum/conhecimento cientfico, entre outras. O paradigma emergente avana para alm da disciplinarizao do saber cientfico especializado, as separaes rgidas existentes entre o sujeito de conhecimento (o cientista) e o sujeito da ao histrica. Rompe com as classificaes ou a taxionomia que a cincia tradicionalmente tem feito da realidade. Uma dimenso paradigmtica se expressa pelo enfrentamento de grandes problemas em um campo de conhecimento, basicamente no que diz respeito relao entre teoria e empiria, no caso da Sociologia. De teor mais tericocrtico, essa cincia no empreende pesquisa emprica, como o fazem as cincias naturais, isto , valendose da experincia e da experimentao. Nela, a observao emprica dos fenmenos substitui a experincia. A natureza humana e histrica do objeto sociolgico, neste aspecto, cobra um tratamento cientfico metodolgico adequado dimenso subjetiva do fazer pesquisa, no dispensando o suporte terico. Os autores clssicos da Sociologia debatiamse tambm com a questo da ordem e da mudana sociais, procurando expliclas teoricamente e buscando solues ao propor interveno na realidade, ordenando a mudana e enquadrando os conflitos sociais. Essa questo conduz a aes polticas, ao mostrar a necessidade de planejamento das atividades e de disciplina dos comportamentos sociais. Esses modos de uma cincia acercarse da realidade mostram que a Sociologia vem se fazendo uma disciplina cientfica num movimento pendular, segundo Jeffrey Alexander (1999). Ora ela pende para explicaes que comportam a estrutura social, ora se detm no nvel das aes sociais. Se, por um lado, as aes sociais so aquelas cujo

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sentido se orienta pela ao de outros agentes sociais e encaminha a pesquisa para um foco de anlise mais reduzido, a estrutura social a base de relaes sociais e d sustentao histrica a determinada sociedade. A estrutura da sociedade capitalista, por exemplo, est baseada em instituies hierrquicas que favorecem a concentrao do poder econmico e poltico e na relao entre as classes sociais. A Sociologia no dispensa a estrutura nem a ao para as suas explicaes. Se prevalece o paradigma da estrutura, explicar os comportamentos humanos a partir da sociedade, se o da ao, ser o indivduo o centro da dinmica social. A Sociologia adensa seu corpo de conceitos, bebendo nas duas fontes. Poderamos dizer que o equilbrio est no meio, ainda que os argumentos sejam instigantes no mbito da Micro ou da Macrossociologia. As duas abordagens so compatveis. Os nveis microssociais dizem respeito a tudo o que acontece na sociedade relativo s relaes interindividuais, no interior dos pequenos grupos as relaes sociais no mbito da famlia (pais e filhos, casal), da empresa (chefe e subordinados, equipe de trabalho). Os nveis macrossociais referemse s relaes sociais, polticas e econmicas que ocorrem no mbito da sociedade mais ampla relaes interinstitucionais, relaes internacionais, interempresariais, entre outras, em referncia ao conjunto de uma dada sociedade ou sociedade global. Os nveis micro e macrossociais esto interrelacionados e correspondem, o primeiro, ao foco na ao social e, o segundo, na estrutura social, embora a Sociologia contempornea procure fazer a leitura da totalidade.Tanto a ao quanto a estrutura sociais so categorias analticas conceitos elaborados com o objetivo de observar o entrelaamento dos fenmenos concretos em aspectos especficos da realidade social.

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No teatro, por exemplo usando uma metfora , os atores recitam um papel que muitas vezes no escreveram. No paradigma da ao social, ao contrrio, concedido espao ao ator; ele no s pode escolher diversos cursos de ao, como tambm a sua ao pode colocar em xeque a prpria estrutura social. As estruturas sociais, representadas pelas instituies, so feixes de aes consolidados no tempo e, como produtos humanos, podem ser modificados por outras aes. Essa ambivalncia da Sociologia uma de suas caractersticas cientficas est presente na contribuio de Durkheim, via o paradigma da integrao social; em Weber, mediante o paradigma da racionalizao social; e na obra de Marx, com o paradigma da contradio social. As teorias e pesquisas empricas contemporneas valemse dos paradigmas emblemticos dos autores clssicos e continuam procurando razes explicativas para a mudana e a permanncia sociais. medida que a sociedade se complexifica, o campo de conhe cimento da Sociologia se amplia e novos objetos de estudos vo se delineando. So frutos da multiplicao de paradigmas e das diversas abordagens metodolgicas; eis algumas sociologias: do consumo, do desenvolvimento, do trabalho, poltica, das organizaes, urbana, rural, do meio ambiente, do gnero, do direito, da educao, do lazer, da sade, da religio, do conhecimento, da comunicao, da cultura, econmica, da linguagem, das relaes tnicas e raciais. Essa fragmentao em sociologias no as impede de terem sua autonomia e sua prpria histria e ainda se manterem entrelaadas. Embora a anlise conceitual demonstre a criao de novas categorias, a linguagem prpria da Sociologia e desvela problemas que, em diferentes reas, requisitam tratamento e explicao. Em todas essas manifestaes, algumas muito recentes, esto em evidncia

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questes de diferenciao entre os homens, de desigualdade social e de diversidades culturais. Somos testemunhas de mudanas nos paradigmas cientficos ainda no percebidas, incompletas e precrias. Coexistem para digmas clssicos e esquemas explicativos contemporneos. Dada a simultaneidade dos acontecimentos em todos os campos da vida e reas do saber e a velocidade das transformaes sociais, h insuficincias estruturais na cincia moderna. Da a importncia dos pensadores clssicos tradicionais para nos ajudarem a compreen der os acontecimentos. Eles so como os deuses gregos suas insuficincias se completam, porque gozam de uma potncia vital de longa durao, paradoxalmente, em uma cincia de pouco mais de um sculo. Para reter o conhecimento 1) O que significa afirmar a Sociologia como uma cincia? 2) Como pensam a sociedade e a histria os autores clssicos da Sociologia? 3) Identifique os paradigmas cientficos da obra dos autores clssicos tradicionais da Sociologia. A realidade clama cinciaLeitura 1: Alexander, 1999.

Um clssico o resultado do primitivo esforo da explorao humana que goza de status privilegiado em face da explorao contempornea no mesmo campo. O conceito de status privilegiado significa que os modernos cultores da disciplina em questo

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acreditam poder aprender tanto com o estudo dessa obra antiga quanto com o estudo da obra de seus contemporneos. Alm disso, tal privilgio implica que, no trabalho dirio do cientista mdio, essa deferncia se faz sem prvia demonstrao: tacitamente aceita porque, como clssica, a obra estabelece critrios bsicos em seu campo de especialidade. Graas a essa posio privilegiada que a exegese e a reinterpretao dos clssicos dentro e fora de um contexto histrico se tornaram correntes importantes em vrias disciplinas, pois o que se tem pela significao verdadeira de uma obra clssica repercute amplamente. Os telogos ocidentais tomaram a Bblia por seu texto clssico, como o fizeram tambm aqueles que praticam as religies judaicocrists. Para os estudantes de literatura inglesa, Shakespeare indubitavelmente o autor cuja obra encarna os mais elevados padres em seu campo. Durante quinhentos anos, Aristteles e Plato gozaram de status clssico na teoria poltica (Alexander, 1999, p. 24). 1) Com que critrios os clssicos da Sociologia pensaram a realidade social do seu tempo?Leitura 2: Bourdieu, 1988.

Preste ateno s relaes pertinentes, com frequncia, invisveis ou imperceptveis primeira vista, entre as realidades diretamente visveis, como as pessoas individuais, designadas por nomes prprios, ou as pessoas coletivas, simultaneamente nomeadas e produzidas pelo signo ou pela sigla que os constitui enquanto personalidades jurdicas (Bourdieu, 1988, p. 43). 1) Polemize a respeito das relaes entre os indivduos e a estrutura social.

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O olhar da Sociologia no mundoLeitura 3: Durkheim, 1974.

Eis, senhores, o que a Sociologia se tornou hoje em dia, e essas so as principais etapas de seu desenvolvimento. Os senhores a viram nascer com os economistas, constituirse com Comte, consolidarse com Spencer, determinarse com Schaeffle, especializarse com os juristas e os economistas alemes; e desse breve resumo de sua histria os senhores podem concluir por si ss os progressos que ainda lhe restam por fazer. Ela tem um objeto definido e um mtodo para estudlo. O objeto so os fatos sociais; o mtodo a observao e a experimentao indireta, em outros termos, o mtodo comparativo. O que preciso, agora, traar os quadros gerais da cincia e marcar suas divises essenciais. Esse trabalho no apenas til boa ordem dos estudos; tem um alcance maior. Uma cincia s est verdadeiramente constituda quando se dividiu e subdividiu, quando compreende um certo nmero de problemas diferentes e solidrios uns dos outros. preciso que ela passe do estado de homogeneidade confusa pelo qual ela comeou para uma heterogeneidade distinta e ordenada (Durkheim, 1974, p. 63). 1) Voc concorda com essa apreciao de Durkheim sobre a transformao pela qual a Sociologia precisaria passar? Por qu?Leitura 4: Weber, 1974.

A cincia social que aqui pretendemos praticar uma cincia da realidade. Procuramos compreender as peculiaridades da realidade da vida que nos rodeia e na qual nos encontramos situados para, por um lado, libertarmos as relaes e a significao cultural das suas diversas manifestaes na sua forma atual e, por outro lado,

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as causas pelas quais, historicamente, se desenvolveu precisamente assim e no de qualquer outro modo. Ora, logo que tentamos tomar conscincia do modo como se nos apresenta a vida, verificamos que se nos manifesta dentro e fora de ns, sob uma quase infinita diversidade de acontecimentos sucessivos e simultneos, que aparecem e desaparecem. E a absoluta infinidade dessa diversidade subsiste, e no menos intensamente, mesmo quando prestamos a nossa ateno, isoladamente, a um nico objeto por exemplo, uma transao concreta. [...]. Assim, todo o conhecimento reflexivo da realidade infinita realizado por um esprito humano, finito, se baseia na premissa tcita de que apenas um fragmento limitado dessa realidade poder constituir de cada vez o objeto da compreenso cientfica, e de que s ele ser essencial no sentido de digno de ser conhecido (Weber, 1974, p. 4748). 1) Como possvel descrever o processo de construo do conhecimento sociolgico de Weber?Leitura 5: Marx, 1977a.

Uma organizao social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as foras produtivas que ela capaz de conter; nunca relaes de produo novas e superiores se lhe substituem antes que as condies materiais de existncia destas relaes se produzam no prprio seio da velha sociedade. por isso que a humanidade s levanta os problemas que capaz de resolver e assim, numa observao atenta, descobrirse que o prprio problema s surgiu quando as condies materiais para o resolver j existiam ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer. Em um carter amplo, os modos de produo asitico, antigo, feudal e burgus moderno podem ser qualificados

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como pocas progressivas da formao econmica da sociedade. As relaes de produo burguesas so a ltima forma contraditria do processo de produo social, contraditria no no sentido de uma contradio individual, mas de uma contradio que nasce das condies de existncia social dos indivduos. No entanto, as foras produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam ao mesmo tempo as condies materiais para resolver esta contradio (Marx, 1977a, p. 25). 1) Qual o sentido da inspirao terica de Marx passar pelo paradigma da contradio social? Leia maisOs clssicos da SociologiaRodrigues, Jos Albertino (org.). mile Durkheim: sociologia. So Paulo: tica, 1978. Com excertos das principais obras, o organizador apresenta uma contextualizao do que chama A Sociologia de Durkheim, como suas relaes com homens do seu tempo, posio metodolgica e construo da teoria social. Cohn, Gabriel (org.). Max Weber: sociologia. So Paulo: tica, 1979. Da metodologia weberiana a textos sobre cultura e religio, a coletnea discute na apresentao os tipos ideais mais destacados produzidos por Weber. Ianni, Octvio (org.). Karl Marx: sociologia. So Paulo: tica, 1979. Alm dos trechos selecionados de obras de Marx, o organizador aprecia os fundamentos da sociedade capitalista e algumas polmicas como existncia e conscincia, Estado e sociedade.

Sobre os autores clssicosAron, Raymond. As etapas do pensamento sociolgico. 4. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1993. O autor, um clssico contemporneo, conforma a sua anlise produo intelectual de cada um dos pensadores fundadores da Sociologia, com notas completas. Giddens, Anthony. Capitalismo e moderna teoria social. Lisboa: Presena, 1990. Anlise das discrepncias e convergncias entre as obras de Durkheim, Weber e Marx. Scott, John (org.). 50 socilogos fundamentais. Trad. Paulo Cezar Castanheira. So Paulo: Contexto, 2007. Esta obra traa o perfil e mostra as principais contribuies de autores clssicos da Sociologia, como mile Durkheim, Karl Marx e Max Weber.

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Cincia e mudana de paradigmasSousa Santos, Boaventura de. Um discurso sobre as cincias. Lisboa: Afrontamento, 1998. A obra mostra a crise em que se encontra a cincia e afirma a transio paradigmtica para uma nova forma de pensar e analisar a realidade social.

Tela crticaA marcha dos pinguins. Direo de Luc Jacquet, Frana, 2006. A fora do agrupamento dos pinguinsimperadores, na Antrtida, est inscrita no cdigo de defesa da espcie, expressa tenso semelhante existente entre o indivduo e a sociedade. A filha de Ryan. Direo de David Lean, Inglaterra, 1970. Quando assistir ao filme, avalie o fenmeno da conscincia coletiva atuando como controle social em uma pequena comunidade na costa da Irlanda.