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Compreendendo a escatologia

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  • C a p t u l o 1

    Conceito e panorama da escatologia na histr ia da Igreja

    Ap s As pAlAvrAs inTroDuT riAs, cumpre-nos buscar o conceito de escatologia e apresentar um panorama dessa doutrina, com o obje-tivo de verificar as correntes milenaristas, a saber, pr -milenarismo hist rico, pr -milenarismo dispensacionalista, p s-milenarismo e amilena-rismo que prevaleceram em determinados momentos da histria e explicitar sua relev ncia para a maneira de atuar (modus operandis) da Igreja quando esta se inclinava para uma dessas correntes.

    Dito isso, trabalhemos o conceito de escatologia.

    conceiTo De escATologiA

    A palavra escatologia se fundamenta em diversos textos das Es-crituras, tais como:

    Nos ltimos dias o monte do templo do senhor ser estabele-cido como o principal; ser elevado acima das colinas, e todas as na es correr o para ele.

    isA As 2.2

    Nos ltimos dias acontecer que o monte do templo do senhor ser estabelecido como o principal [...].

    miqueiAs 4.1

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    conhecido antes da cria o do mundo, revelado nestes ltimos tempos em favor de vocs.

    1peDro 1.20

    Filhinhos, esta a ltima hora e, assim como vocs ouviram que o anticristo est vindo, j agora muitos anticristos tm surgido.

    1Jo o 2.18

    Destacamos que as expresses ltimos dias, ltimos tempos e ltima hora provm das palavras gregas schaton e schata, traduzidas por ltimo .1 Em jun o com logos,2 palavra , te-mos que a escatologia a doutrina das ltimas coisas.3 Segundo Berkhof, a escatologia nos mostra que a histria do mundo e da ra a humana chegar o a sua consuma o.4

    Manzatto, Passos e Villac5 mencionam uma interessante dife-ren a entre os termos schaton e schata: schaton denota a busca de um sentido ltimo para todas as coisas, enquanto schata indi-ca a pergunta pelas coisas derradeiras. Assim, percebemos que, se a escatologia estiver fundamentada na schata, sua nfase recair nas discusses tericas a respeito das ltimas coisas que ho de ocorrer no mundo. Talvez essa seja a razo de a Igreja de hoje, em geral, pouco se preocupar com o estudo da escatologia. E, quan-do existente, esse estudo parece lidar apenas com especula es sobre os fins dos tempos, a morte e a ressurreio, entre outros assuntos, sem contudo apresentar nenhuma liga o com a vida pr tica do crist o.

    1 Kent E. Brower, Escatologia. In: T. Desmond AlexAnDer e Brian S. rosner, Novo dicion rio de teologia bblica, p. 726.2 Timteo cArriker, Escatologia. In: Fernando BorTolleTo filho (Org.), Dicio-n rio brasileiro de teologia, p. 359-362.3 F. F. Bruce, Escatologia. In: Walter A. elwell, Enciclop dia hist rico-teol gica da igreja crist , v. 2, p. 34.4 Teologia sistem tica, p. 672.5 De esperan a em esperan a: escatologia, p. 25.

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    Todavia, quando rememoramos que o ensino da escatologia provm ou deveria prover de schaton, percebemos a rele-vncia dessa doutrina para a vida prtica dos fiis, justamente por-que, entendida a partir desse termo grego, no tenciona, a priori, fazer perguntas acerca das coisas ltimas ou com coisas relativas somente ao futuro, e sim em buscar um sentido ltimo para todas as coisas.

    Trata-se de uma preocupao que envolve a vida prtica, isto , agimos pensando no futuro, com a conscincia de que devemos lutar por um mundo melhor, no qual o reino de Deus seja implan-tado e por isso lemos na orao do Pai-nosso: venha o teu Rei-no. Segundo Lloyd-Jones, esse reino j est presente nos coraes que se submetem a Cristo; porm, chegar o dia em que o reinado de Jesus se estabeler sobre a face da terra. Trata-se da convico escatolgica que ora pelo sucesso do evangelho em sua amplitude e poder, e tal orao indica que estamos

    [...] esperando e apressando a vinda do Dia de Deus [...]. Isso significa que deveramos viver na antecipao do dia em que todo o pecado, a maldade, o erro e tudo quanto faz oposio a Deus finalmente ser desarraigado. Significa que deveramos sentir no corao anelo pelos dias quando nosso Senhor tiver de retornar ao mundo, quando ento todos quantos se opem a Ele sero lanados no lago de fogo, quando os reinos deste mundo tornar-se-o o reino de nosso Deus e do Seu Cristo.6

    Na prtica, isso implica que o sentido dado ao futuro est re-lacionado ao sentido que damos ao presente. Em outras palavras, os fins derradeiros direcionam, em ltima instncia, os fins imedia-tos do dia a dia, assim como todos os meios que planejamos para que se realizem. Portanto, os valores que assumimos como absolu-tos condicionam nossas aes presentes e os grandes planos que

    6 Estudos no Serm o do Monte, p. 349.

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    desejamos realizar e as ltimas esperanas escatolgicas situam-se num plano transcendente que alimenta sem cessar a nossa rotina, as nossas cria es e as nossas crises .7

    Sob essa perspectiva que Moltmann critica a Igreja, visto que, na concepo dele, toda pregao e mensagem crists tm uma orientao escatolgica (a qual tambm essencial existncia crist e totalidade da Igreja), pois no pretendem iluminar a rea-lidade que a est, mas a realidade que vir. No querem produzir no esprito uma imagem da realidade atual, mas levar a realidade atual a transformar-se naquilo que est prometido e esperado.8 No mesmo contexto, vale ressaltar as palavras de Moltmann ao tratar da escatologia como esperan a:

    Essa esperana torna a igreja crist perpetuamente inquieta

    em meio s sociedades humanas, que querem se estabilizar

    como cidade permanente . Ela faz da comunidade crist uma fonte de impulsos sempre novos para a realiza o do di-reito, da liberdade e da humanidade aqui mesmo, luz do

    futuro predito e que vir [...]. Sempre que isto acontece, o

    cristianismo se encontra em sua verdade e testemunha do futuro de Cristo.9

    Est claro, portanto, que a escatologia no deve apenas propi-ciar discuss es te ricas a respeito do futuro. Em vez disso, deve im-pulsionar a Igreja de Cristo a ser uma fonte crist preocupada n o s com o futuro ou com o conhecimento da realidade do mundo, mas com a transformao da sociedade naquilo que deve ser para a gl ria de Deus.

    7 Antonio mAnzATTo, J. Dcio pAssos e Sylvia villAc, De esperan a em esperan a: escatologia, p. 43.8 Teologia da esperan a, p. 30.9 Idem, p. 37.

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    Dito isso, bom lembrarmos que o contedo debatido nos es-tudos escatol gicos costuma ser dividido em escatologia individual,10 que tem como foco os seres humanos e como temas correlatos a morte fsica, a imortalidade da alma, o estado intermedi rio e a res-surrei o do corpo,11 e escatologia geral,12 que engloba acontecimen-tos a irromperem sobre o mundo, a histria e a humanidade no fim dos tempos. Entre esses acontecimentos est o a segunda vinda de Cristo em glria, o juzo final e o estado ltimo de todas as coisas.13

    Compreendido o termo escatologia , damos prosseguimento ao nosso estudo, tendo em mente o panorama hist rico dessa doutrina.

    pAnorAmA hisT rico DA escATologiA

    No estudo da escatologia importante entender as express es apocalptica judaica e apocalptica crist . Essas nomenclaturas tm sua origem no fato de que muitos estudiosos da Bblia explicam que o cristianismo primitivo e mesmo o prprio Jesus foi profundamente influenciado pela apocalptica judaica a ponto de ser este o ambiente vivencial do surgimento no somente de Mar-cos 13, mas tambm de toda a teologia do Novo Testamento.14

    Para esses estudiosos, nos primeiros anos da Igreja crist e logo a seguir, com os primeiros pais da Igreja15 h uma nfase nos textos do livro de Daniel e do Apocalipse de Joo, que for-mam a mensagem apocalptica, cujas razes est o na apocalptica

    10 Tambm denominada escatologia da pessoa por Renold J. BlAnk, em Escato-logia da pessoa: vida, morte e ressurrei o (Escatologia I).11 Anthony hoekemA, A Bblia e o futuro: a doutrina bblica das ltimas coisas, p. 8.12 Tambm denominada escatologia do mundo por Renold J. BlAnk, em Escato-logia do mundo: o projeto c smico de Deus (Escatologia II).13 Jrgen molTmAnn, Teologia da esperan a, p. 29.14 Augustus Nicodemus Gomes lopes, O sermo escatolgico de Jesus: anlise da influncia da apocalptica judaica nos escritos do Novo Testamento, Fides Refor-mata, p. 2.15 Este termo pode ser mais bem compreendido na obra Fundamentos da teologia da educa o crist, de Edson Pereira lopes.

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    judaica, no perodo entre o Antigo e o Novo Testamentos.16 Essas mensagens podem ser entendidas como orienta es para tempos difceis .17 Elas aparecem em tempos de persegui o, ang stia e profundos males causados ao povo de Deus e tm como objetivo responder aos questionamentos dos cristos com relao ao sofri-mento e ao problema do mal, bem como a encorajar os irmos nos momentos difceis. Nessa definio pode-se inserir tanto a mensa-gem apocalptica judaica quanto a crist.

    As mensagens apocalpticas judaicas18

    ofereciam a esperan a de um mundo novo e melhor e pediam pacincia e resistncia aos sofredores. So tpicos de perodos de desespero, tristeza e sofrimento. Eles surgem depois do ex-lio para tentar harmonizar as profecias bblicas no cumpridas (como as da restaurao de Israel, em Ezequiel) com a realida-de da demora da chegada t o esperada do reino de Deus. N o toa que a maioria deles foi produzida quando Israel sofria debaixo do jugo romano.19

    Um dos temas caractersticos da apocalptica judaica diz res-peito ao fato de que, no fim dos tempos, Deus haveria de vindicar Israel. com base nesse princpio que notamos uma profunda di-feren a entre a apocalptica judaica20 e a apocalptica crist , justa-mente porque no estudo da mensagem escatolgica de Jesus no h uma preocupao nacionalista como a que se v na apocalp-tica judaica com a restaurao de Israel. Pela compreenso ju-daica, o Messias seria um guerreiro que conduziria triunfalmente

    16 Sobre mensagem apocalptica crist, v. John Joseph collins, A imagina o apo-calptica: uma introdu o literatura apocalptica judaica.17 George Eldon lADD, O Apocalipse. In: Teologia do Novo Testamento, p. 828.18 Idem, p. 13.19 Idem, p. 3-4.20 Sobre as caractersticas da apocalptica judaica, v. Renold J. BlAnk, Escatologia do mundo, p. 49-56.

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    a na o de Israel a uma posi o gloriosa entre as na es ,21 mas, em vez disso, o que se v nos escritos bblicos do Novo Testamen-to no um futuro promissor para os israelitas, conforme afirma Lucas 21.24: Cair o pela espada e ser o levados como prisioneiros para todas as naes. Jerusalm ser pisada pelos gentios, at que os tempos deles se cumpram .

    Notamos aqui uma interessante distino entre a apocalptica judaica e a apocalptica crist: enquanto a primeira se preocupa com a nao israelita, a segunda substitui Israel pelos eleitos, quer judeus, quer gentios. H que se reconhecer que alguns conte-dos so comuns tanto mensagem apocalptica judaica quanto apocalptica crist, tambm denominada escatolgica. Entretanto, no podemos negar que a mensagem escatolgica da apocalptica crist sublinha a centralidade na pessoa de Jesus, como o Cristo e Messias que haveria de vir em cumprimento promessa feita desde a queda do homem, isto , o descendente da mulher que esmaga-ria a cabea da serpente.

    Disso inferimos que existe certo exagero na afirmao de que Cristo jamais trouxe qualquer ensino indito em seus sermes es-catolgicos, ou seja, que seu pensamento e toda a teologia do Novo Testamento se fundamentaram na reproduo das crenas apo-calpticas produzidas no judasmo tardio.22 O mximo que pode ocorrer que haja uma questo crtica da descontinuidade e con-tinuidade entre Jesus e o judasmo dos seus dias.23

    Devemos ter em conta ainda que apesar de os eruditos tra-tarem o livro de Apocalipse como um tpico exemplo do gnero de literatura apocalptica, classificando-o no mesmo gnero de

    21 Augustus Nicodemus Gomes lopes, O sermo escatolgico de Jesus: anlise da influncia da apocalptica judaica nos escritos do Novo Testamento, Fides Refor-mata, p. 8.22 William klAssen, The eschatology of Jesus: is apocalyptic really the mother of Christian theology? In: Loren L. Johns (Ed.), Apocalypticism and Millennialism: Shaping a Believers Church Eschatology for the Twenty-First Century, p. 75.23 Idem, p. 78.

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    Enoque e Baruque, entre outros no podemos esquecer que a apocalptica judaica trabalha com o fundamento de que o Cristo ainda no veio, mas vir, enquanto a apocalptica crist explicita que Cristo j veio e que aguardamos o desfecho de toda a histria da reden o em sua segunda vinda. Este parece ser o entendimen-to de Ladd: H , contudo, algumas diferen as entre o Apocalip-se e os apocalipses judaicos, a mais importante das quais a sua conscin cia de estar dentro [...] da histria da redeno.24

    Percebemos esse princpio uma vez que na mensagem escato-lgica da apocalptica crist tambm nos deparamos com a expec-tativa de que o mundo dentro de pouco tempo chegaria ao fim; a vinda do Messias significava que o fim comeara e a sua ressurrei- o era o primeiro ato do cen rio escatol gico .25 Na concep o de Clouse,26 o apstolo Joo empregou em seu Apocalipse (com-posto num perodo de persegui o) a linguagem das mensagens apocalpticas para explicar a era crist . Por esse motivo, o termo Filho do Homem, usado em Daniel, foi apresentado como Cristo e as frmulas numerolgicas foram reafirmadas. Isso significa reco-nhecer que a apocalptica crist foi marcada pelas expectativas de salva o das apocalpticas judaicas,27 salvaguardado o exagero e as distin es anteriormente descritas.

    Merece destaque o fato de a mensagem escatolgica que ensina a esperan a viva na interven o direta e imediata de Deus para inverter a histria e vencer o mal com o bem sempre trou-xe profundo consolo no s aos judeus, mas tambm serviu aos crist os sofredores de grandes persegui es pelo Imp rio Romano e nos mais diferentes perodos da hist ria da Igreja. Essa mensa-gem sofreu muitas variaes e percebemos sua influncia entre os primeiros cristos, principalmente quando estes evidenciavam suas

    24 O Apocalipse. In: Teologia do Novo Testamento, p. 828.25 Wayne A. meeks, Os primeiros crist os urbanos, p. 349.26 Milnio, Conceitos do. In: Walter A. elwell, Enciclop dia hist rico-teol gica da igreja crist , v. 2, p. 520.27 Brian E. DAley, Origens da escatologia crist , p. 19.

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    expectativas milenaristas,28 isto , quanto aos acontecimentos que resultariam na segunda vinda de Cristo. Nos trs primeiros sculos da era crist, encontramos nas obras de Papias (60-130), Irineu de Lio (115-203), Justino Mrtir (100-165) e Tertuliano (160-220), entre outros pais da Igreja,29 as razes do que hoje denominamos pr -milenarismo.30

    Brustolin31 assinala que os cristos da Antiguidade se funda-mentavam nas seguintes crenas a respeito do milnio: a segunda vinda em gl ria e poder; a primeira ressurrei o, apenas para os justos; o juzo universal; o reino messi nico de mil anos; a segunda ressurrei o, ou ressurrei o geral, de todos os homens e mulheres; o juzo final; e o prmio ou a sano definitiva. A partir do que dissemos anteriormente, percebemos que a primeira ressurreio concedida apenas aos justos, os quais se assentaro com Cristo para participar do julgamento. Em seguida, ser inaugurado o reino de mil anos. Terminado esse perodo, Satans ser derrotado para sempre. Com base nisso, observamos que os primeiros cristos se encaixam numa concepo pr-milenarista.

    Parece-nos que, no perodo antigo da Igreja crist, a concepo literal de um reinado de Cristo por mil anos conduziu muitos crist os daquele perodo a se pautarem em profecias que datavam a implan-tao do reino de Deus sobre a terra. Essas discusses chegaram ao extremo em fins do sculo 2 e incio do sculo 3. Na sia Menor, Montano e suas profetisas, Priscila e Maximila, apregoaram a vinda iminente do Parclito prometido por Jesus, em Joo 16.32 Segundo eles, o mundo presente daria lugar ao reino de Deus. O pai da Igre-ja Hiplito de Roma registrou, no sculo 3, que um bispo na Sria

    28 Renold J. BlAnk, Escatologia do mundo, p. 70.29 Para compreenso do termo pais da Igreja, indicamos a obra de Christopher Alan hAll, Lendo as Escrituras com os pais da Igreja, p. 61-66.30 W. J. grier, em O maior de todos os acontecimentos (p. 18-25), assinala que a afirmao de que prevalecia o pr-milenarismo entre boa parte dos pais da Igreja n o condiz com a realidade.31 Quando Cristo vem..., p. 38-39.32 Para aprofundamento, v. eus Bio De cesAreiA, Hist ria eclesi stica, p. 172-176.

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    havia persuadido muitos crist os a irem para o deserto ao encontro de Cristo, com suas esposas e seus filhos; esses grupos vagaram pelas montanhas e ao longo das estradas e pouco faltou para que os gover-nos ordenassem que fossem presos como salteadores.

    Na regio do Ponto, outro bispo, homem piedoso e humilde, mas demasiado confiante em suas vises, teve trs sonhos e ps-se a profetizar: Sabeis, irmos, que o juzo se realizar dentro de um ano, e, caso no acontea o que vos digo, no deis mais f s Escri-turas, mas procedais como bem quiserdes. Ora, nada do previsto se verificou; o bispo se viu confuso, os irmos se escandalizaram, as virgens se casaram e os que haviam vendido seus campos foram obrigados a mendigar.33

    Entretanto, importante notar que, em razo da hermenutica aleg rica34 das Escrituras por parte de Orgenes (185-253) que ensinava a manifesta o do reino dentro da alma do crente,35 mais do que no mundo e com a converso do imperador Constanti-no, o cristianismo deixa de ser perseguido e torna-se religio oficial do imprio, introduzindo-se uma nova concepo do milnio, o amilenarismo. Na viso de Santo Agostinho (354-430), o milnio refere-se Igreja (onde Cristo reinava com seus santos) como rei-no de Deus, e a era presente, antes do retorno de Jesus, constitui a era da tribulao descrita no Novo Testamento.36

    Agostinho considera a era atual como o milnio: o governo e reinado de Cristo por mil anos, perodo durante o qual Satans acorrentado, o anticristo aparece, e Satan s solto para uma temporada de tenta o das na es.37 Portanto, as declara es no livro de Apocalipse no so literais, e a vitria na luta do bem contra o mal j havia se realizado, pois Deus triunfara mediante

    33 Leomar Antonio BrusTolin, Quando Cristo vem..., p. 41.34 Para aprofundamento sobre hermenutica, v. A Bblia e seus int rpretes, de Au-gustus Nicodemus Gomes lopes.35 Roger olson, Hist ria das controv rsias na teologia crist, p. 491.36 Idem, p. 486, 507.37 Idem, p. 486.

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    a cruz e a ressurreio de Cristo. Disso conclumos que, na viso agostiniana, o momento atual caracteriza a era da tribulao, que teve incio com a morte de Cristo e cessar em sua segunda vin-da.38 Essa compreenso do milnio teve grande aceitao na Igreja e prevaleceu por quase toda a Idade Mdia.39

    bom afirmar que, embora o amilenarismo fosse a corrente ofi-cial da Igreja uma vez que a vasta maioria de telogos cris-t os e lderes eclesi sticos desde o pai da igreja Agostinho foram amilenaristas40 , o pr-milenarismo continuava a ser sustenta-do41 por certos grupos de contracultura, associados geralmente a seus lderes carism ticos e a revoltas desencadeadas por diversas raz es.42 No sculo 10, com o incio do novo milnio, a questo do fim intensificou-se. Escritores e pregadores medievais chegaram a julgar que no ano 1000 o anticristo seria solto no mundo e em seguida viria o juzo final.

    Joaquim di Fiore (1130-1202) afirmou ter recebido uma ilumi-nao que lhe permitiu compreender de maneira nova as Escritu-ras. Em sua concepo, o mundo se dividia em trs idades: a do Pai, a da revelao do Filho e a do Esprito Santo, esta caracterizada por um entendimento mais profundo e espiritual das Escrituras. Seria esta a era definitiva guiada pelo evangelho.43 Fato que a his-t ria eclesi stica sempre nos mostra o surgimento dos movimentos milenaristas no seio da Igreja crist . Assim, nos s culos 14 e 16, em razo da crescente desordem na Igreja (tais como a transferncia dos papas para Avinh o e o grande cisma do Ocidente crist o), as discusses em torno do fim do mundo voltaram tona.

    38 Idem.39 Robert G. clouse, Milnio, Conceitos do. In: W. A. elwell, Enciclop dia hist-rico-teol gica da igreja crist, p. 520.40 Roger olson, Hist ria das controv rsias na teologia crist, p. 507.41 Renold J. BlAnk, Escatologia do mundo, p. 71.42 Robert G. clouse, Milnio, Conceitos do. In: W. A. elwell, Enciclop dia hist-rico-teol gica da igreja crist, p. 520.43 Leomar Antonio BrusTolin, Quando Cristo vem..., p. 42.

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