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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito FUNDAMENTOS PARA UM DIREITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Wladimir Rodrigues Dias Belo Horizonte 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito

FUNDAMENTOS PARA UM DIREITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Wladimir Rodrigues Dias

Belo Horizonte 2011

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Wladimir Rodrigues Dias

FUNDAMENTOS PARA UM DIREITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Direito Público Orientador: Prof. Dr. Edimur Ferreira de Faria

Belo Horizonte 2011

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Dias, Wladimir Rodrigues D541f Fundamentos para um direito das políticas públicas. / Wladimir Rodrigues

Dias. Belo Horizonte, 2011. 355f. Orientador: Edimur Ferreira de Faria Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Direito Público. 2. Políticas Públicas. 3. Pragmatismo. 4. Estado de direito.

5. Brasil. I. Faria, Edimur Ferreira de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 342(81)

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Wladimir Rodrigues Dias

Fundamentos para um direito das políticas públicas

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-

Graduação em Direito da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para a obtenção do título de

Doutor em Direito Público.

_____________________________________________________________

Edmur Ferreira de Faria (Orientador) – PUC Minas

_____________________________________________________________ José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior – PUC Minas

_____________________________________________________________ José Adércio Leite Sampaio – PUC Minas

_____________________________________________________________ Luciano de Araújo Ferraz - UFMG

_____________________________________________________________ Élcio Reis – Faculdade de Direito Milton Campos

_____________________________________________________________ Giovani Clark – (suplente) – PUC Minas

_____________________________________________________________ Marciano Seabra de Godói – (suplente) – PUC Minas

Belo Horizonte, 29 de abril de 2011

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RESUMO

Este trabalho trata de fundamentos do direito das políticas públicas. Parte de uma constatação da presença da matéria no sistema jurídico, da experiência brasileira recente de manejo da juridicidade das políticas públicas, com os problemas a ela inerentes, e de certa insuficiência da teoria jurídica para lidar com essas questões, ainda que sejam crescentes os trabalhos científicos sobre o tema. A primeira parte do trabalho está concentrada em uma tarefa de fundamentação geral, que é ponto distintivo desta tese. Começa por discutir a questão epistemológica, assumindo como base o neopragmatismo filosófico, na versão de Richard Rorty. A assunção desse referencial impõe, na sequência, o desenvolvimento do tema sob bases sociológicas, com ênfase nas obras de Anthony Giddens, Niklas Luhmann e Boaventura de Sousa Santos. Os conceitos de modernidade reflexiva, sociedade de risco e modernidade líquida são, então, trabalhados, assim como a teoria dos sistemas e a perspectiva do direito como emancipação social. Também são discutidas, nessa parte, as relações entre Estado, direito e políticas públicas. Na sequência, são exploradas questões acerca do direito, tais como as noções de norma, juridicidade e decisão jurídica, assim como o problema dos princípios. Discute-se, ainda, o constitucionalismo sob o Estado Democrático de Direito, com destaque para a trajetória do direito administrativo, e a presença de um direito das políticas públicas sob o regime juspublicista. Trata-se, ao final, das políticas públicas no direito brasileiro, com referências a sua base constitucional, seu padrão de procedimentalização via legislação, planejamento, definição de recursos e concretização, bem como se discute a judicialização das políticas públicas, fenômeno que marca o direito brasileiro nas duas últimas décadas. Conclui-se pelo reconhecimento da juridicidade das políticas públicas no direito brasileiro, a demandar decisões dotadas de argumentação consistente, consoante o código específico do sistema jurídico, e legitimação em função de suas consequências, levando em consideração a complexidade de suas relações, sua macrojuridicidade, a gramática universalista que deve observar, e seu sentido em um contexto de democratização e pluralismo.

Palavras-chave : Políticas públicas, sistema jurídico, pragmatismo jurídico,

judicialização da política, macrojuridicidade.

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ABSTRACT

This work deals with the foundations of the public policies law. Part of a verification of the matter of the juridical system, about the recent Brazilian experience of management of the public politics legality, with the problems connected with it, and also some insufficiency of the juridical theory to manage these questions, although the scientific works about the theme are growing up. The first part of the work focuses in one task about the general substantiation, that is the distinctive point of this thesis. It starts discussing the epistemological question, assuming as base the philosophical neopragmatism, in the version by Richard Rorty. The assumption of this referential imposes, in the sequence, the development of the theme based on sociology, with emphasis in the work made by Anthony Giddens, Niklas Luhmann and Boaventura de Sousa Santos. The concepts about reflexive modernity, risk society and liquid modernity are, then, treated, as the systems theory and the perspective of the rights like the social emancipation. Are also discussed, in this part, the relationship between the State, rights and public politics. In sequence, questions about the rights are explored, like notions of norms, legality and juridical decisions, as the principle problems. Discusses, therefore, the constitutionalism under the Democratic State of Rights, with emphasis on the trajectory about the administrative right, and in the presence of one public politics right under the juspublicist regime. In the end the public politics in Brazilian right are treated with the conditional base references , their proceduralization model by way of legislation, planning, defining resources and concretization, as well as making discussions about the public politics judicialization, phenomenon that mark the Brazilian rights in the last two decades. Recognizing the legality of the public politics in Brazilian rights we conclude, demanding decisions gifted of consistent argumentation, according the juridical system specific code, and legitmation in function of it consequences, considering the complexity of it relationships, it macrojuridicty, the universalistic grammar that needs to take notice, and it meaning in a context of democratization and pluralism.

Keywords: Public Politics, juridical system, juridical pragmatism, judicialization of

politics, macrojuridicity.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

1.1. Aspectos gerais do trabalho................... .................................................... 07

1.2. Elementos para uma abordagem pragmatista do di reito das políticas

públicas........................................... ..................................................................... 12

2. FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS

2.1. O pragmatismo filosófico...................... ...................................................... 16

2.2. Pragmatismo, direito e normatividade.......... ............................................. 20

2.3. O conceito de paradigma aplicado ao direito... ......................................... 33

3. O DIREITO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

3.1. Introdução.................................... ................................................................. 37

3.2. A sociedade moderna........................... ....................................................... 40

3.3. A modernidade reflexiva....................... ....................................................... 47

3.4. Individualismo, valores e o direito na moderni dade................................. 51

3.5. Valores e normatividade social na modernidade líquida......................... 63

3.6. Normatividade e risco social.................. ..................................................... 70

4. O SISTEMA JURÍDICO

4.1. Introdução.................................... ................................................................. 75

4.2. Sistemas sociais.............................. ............................................................. 75

4.3. O direito como sistema........................ ........................................................ 81

4.4. Código e função do direito.................... ...................................................... 83

4.5. A reprodução do sistema....................... ..................................................... 86

4.6. Direito e política............................ ................................................................ 88

4.7. Direito, contingência e risco................. ...................................................... 91

5. DIREITO E EMANCIPAÇÃO SOCIAL

5.1. Emancipação e regulação no direito moderno.... ..................................... 95

5.2. O direito na modernidade periférica........... .............................................. 100

5.3. Direito estatal e emancipação social.......... .............................................. 120

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6. ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS

6.1. Introdução.................................... ............................................................... 123

6.2. O estado moderno.............................. ........................................................ 128

6.3. Estado e administração pública................ ................................................. 132

6.4. Políticas públicas no estado contemporâneo.... ..................................... 137

6.5. Democracia, cidadania e políticas públicas.... ........................................ 150

7. QUESTÕES JURÍDICO-METODOLÓGICAS

7.1. Introdução.................................... ............................................................... 162

7.2. O método jurídico............................. .......................................................... 165

7.3. O direito..................................... .................................................................. 169

7.4. A juridicidade................................ .............................................................. 175

7.5. Sistema jurídico e decisão jurídica........... ................................................ 178

7.6. A norma jurídica.............................. ........................................................... 185

7.7. Princípios e normatividade jurídica........... ............................................... 190

8. ESTADO CONSTITUCIONAL, DIREITO PÚBLICO E POLÍTIC AS PÚBLICAS

8.1. Direito público e Estado de Direito........... ................................................ 200

8.2. Constitucionalismo e Estado Democrático de Dir eito............................ 204

8.3. O direito administrativo no Estado Democrático de Direito.................. 221

9. POLÍTICAS PÚBLICAS NO DIREITO BRASILEIRO

9.1. Introdução.................................... ............................................................... 230

9.2. Aspectos das políticas públicas no direito bra sileiro............................ 234

9.3. Políticas públicas na ordem jurídico-constituc ional.............................. 247

9.4. O problema da judicialização das políticas púb licas.............................. 261

10.CONCLUSÃO....................................... ......................................................... 286

REFERÊNCIAS................................................................................................... 296

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1. INTRODUÇÃO

1.1. Aspectos gerais do trabalho

A presente tese incide sobre a juridicidade das políticas públicas, conforme os

termos em que aparece no direito brasileiro. Trata, portanto, de aspectos que

permitem a referência a um componente especificamente jurídico verificado nas

políticas públicas, assim como à forma e aos conteúdos que definem essa

juridicidade, tendo como alicerce o direito público, tal como se apresenta na

experiência social e nos textos normativos presentes na trajetória do Brasil.

Nas últimas duas décadas temos vivido um processo de mudanças na

sociedade brasileira que, a par das semelhanças que guarda com dinâmicas sociais

mais amplas, tem redimensionado de maneira significativa as ordens política e

jurídica, com ênfase no Estado, que passa por relevantes alterações em sua

organização interna e no âmbito das relações que estabelece com o ambiente

social.

As políticas públicas, tal como compreendidas nesse trabalho, são um

produto desse cenário, no qual estão inseridas como elemento que redefine a

organização e a ação estatal. Nessa redefinição, dois aspectos devem ser

destacados, quais sejam a centralidade político-administrativa das políticas públicas

que, por aliarem uma percepção procedimental a outra finalística, aperfeiçoam o

modelo burocrático, e sua juridicização, movimento pelo qual o direito incorpora a

matéria e possibilita sua discussão em termos de um vocabulário mais simples, com

o uso do código binário jurídico/antijurídico, o que amplia sua abrangência, a

possibilitar a intervenção de um contingente de atores sociais mais amplo, assim

como mais meios de debate, controle, fiscalização, responsabilização e

reivindicação de direitos. Além disso, esses aspectos desenham novos contornos

para a tensão, explorada na análise sociológica desde Weber (1969), entre

burocracia e democracia, podendo-se afirmar uma contribuição potencial de um

direito das políticas públicas para a afirmação de um Estado Democrático de Direito

entre nós.

A juridicidade das políticas públicas é, assim, o tema desse trabalho, a

ensejar o seguinte problema: em que consiste e quais as possibilidades e limites de

uma abordagem jurídica das políticas públicas. Constrói-se, assim, uma

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problemática assentada tanto em elementos teóricos quanto em uma experiência

recente, que tem evidenciado uma juridicidade presente na ordem jurídica formal,

mas que não se reflete nas diversas decisões tomadas nos campos de aplicação do

direito. Decisões nas esferas parlamentar, administrativa e jurisdicional evidenciam,

na melhor das hipóteses, uma concretização enviesada do direito das políticas

públicas, já que corrompido pelo código da política. Em hipótese pior, mas não

menos palpável, verificar-se-ia a matéria dotada de juridicidade meramente

simbólica, o que não atenderia a seus desígnios normativo-institucionais.

Comparece nesse diagnóstico uma resistência fundada tanto em uma

tradição de gestão pública patrimonialista e clientelista, quanto nos marcos

tradicionais do direito administrativo, a alimentar uma concepção de Estado e de

administração pública que distingue o ato de governo do ato administrativo e

reconhece a intangibilidade absoluta do ato discricionário. Assim é que, sobre o não

reconhecimento das políticas públicas como componente singular no regime jurídico-

administrativo, se erguem decisões jurídicas, no exercício das funções administrativa

e jurisdicional, que não levam em consideração a perspectiva geral, macrojurídica,

do direito das políticas públicas, nem a complexidade da teia de direitos que se

forma em torno dela.

Esta tese pretende alcançar um objetivo geral, que é o de discutir como se

apresenta o regime jurídico das políticas públicas no direito brasileiro. Trata-se de,

uma vez definida a sujeição dessa matéria ao direito, e previamente discutido um

conceito de direito apto á utilização nesse trabalho, verificar como são organizadas

políticas públicas no plano jurídico-normativo, como decisões jurídicas conduzem

sua realização pelo Estado, e como devem ser pautadas tais decisões, consideradas

as peculiaridades da disciplina.

Vinculados ao objetivo geral estão alguns objetivos específicos, que definem

a consistência e tornam possível a tese. Serão discutidos, entre outros assuntos,

fundamentos epistemológicos para o conhecimento jurídico, a posição do direito na

sociedade contemporânea, as relações entre direito e Estado, o sentido da

juridicidade na contemporaneidade, e o perfil do direito público atual. Além disso,

serão apresentadas a estrutura e características das políticas públicas sob o regime

jurídico-administrativo, assim como sua principiologia, e sua posição no texto

constitucional e na ordem legal.

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Amparado em uma hipótese segundo a qual políticas públicas não têm

recebido o devido tratamento no direito brasileiro, a tese pretende apresentar um

marco discursivo capaz de fundamentar uma compreensão adequada do direito das

políticas públicas.

O texto pode ser dividido em duas partes. A primeira enfoca o direito sob foco

sociológico, político e metodológico, formando a base teórica do trabalho. A segunda

discute o direito público e explana o regime jurídico das políticas públicas no direito

brasileiro. A primeira parte se divide em seis capítulos, nos quais se pretende

explicitar os pressupostos teóricos que fundamentam esta tese.

Após uma introdução geral, tem-se no segundo capítulo uma discussão sobre

a questão epistemológica. Toma-se como fundamento uma percepção do

esgotamento da racionalidade ocidental como modelo explicativo, nos termos

propostos por autores como Richard Rorty, no âmbito da filosofia, ou Boaventura de

Sousa Santos, no âmbito das ciências sociais. Assume-se uma base pragmatista,

por meio da qual o direito pode ser visto como linguagem, que se apresenta de

forma contextual, relacional e consequencialista. Não são admitidos fundamentos

metafísicos ou empiristas, tampouco a dualidade entre sujeito e objeto.

O terceiro capítulo explora diferentes teorias sociológicas, com a finalidade de

situar o direito na sociedade contemporânea. Localiza o direito na chamada

modernidade reflexiva, cujo conceito decorre dos trabalhos de autores como

Giddens, Beck e Bauman, entre outros, os quais verificam na experiência social das

últimas décadas um processo de aprofundamento da modernidade. O trabalho

absorve essa perspectiva e discorre sobre o papel do direito nesse contexto, a

enfatizar suas especificidades e um alargamento de sua função social.

Essa experiência do direito na modernidade é, também, examinada à luz da

teoria dos sistemas, especialmente a partir da obra de Niklas Luhmann. Trata-se de

um esforço teórico que complementa a explanação realizada no capítulo anterior, a

possibilitar uma percepção mais aguda do direito contemporâneo, com a utilização

de elementos teóricos derivados da gramática luhmanniana.

Às análises precedentes se junta um estudo sociológico que recai sobre o

conteúdo e o sentido desse direito. Neste ponto é tratada a tensão entre

emancipação e regulação, presente no direito moderno, nos termos assinalados pela

obra de Boaventura de Sousa Santos. Também são vistos os problemas decorrentes

da aplicação, em sociedades periféricas, das tipologias estabelecidas nas ciências

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sociais a partir da ótica das sociedades hegemônicas, notadamente as da Europa

ocidental e Estados Unidos.

Saliente-se que o uso de um referencial teórico eclético como o presente

nesses primeiros capítulos comporta algum risco de inconsistência, já que são

utilizadas teorias que, muitas vezes, têm, entre si, aspectos inconciliáveis. Tal

ecletismo se assenta, todavia, em uma base filosófica pragmatista, descrita no

primeiro capítulo, e pretende formar uma composição harmônica, ainda que

descartando, propositalmente, a adesão integral a qualquer macro vertente

explicativa da sociedade contemporânea.

O capítulo seguinte é dedicado à dinâmica presente nas relações entre direito

e política, que têm como elemento central o Estado. É apresentado o Estado

moderno, em sua matriz tradicional, de cunho monista, bem como a perspectiva

alternativa, de base pluralista. Ainda assim, o estudo reconhece uma certa

centralidade do Estado nas relações sociais contemporâneas, com realce para os

fatores que o tornam mais permeável, a permitir disputas em torno de si. Reconhece,

ademais, que o direito estatal pode, sob certas circunstâncias, produzir vertentes de

ação contra-hegemônica, ultrapassando uma mera função de repercussão

superestrutural. A democracia comparece como ponto de inflexão incidente sobre a

teoria do Estado. Ainda nesse capítulo, é discutido o papel das políticas públicas no

Estado atual, com ênfase em dois de seus aspectos mais importantes, seu

componente técnico-burocrático e sua relação com a democracia.

O sexto capítulo trata de questões de fundo jurídico-metodológico. São

apresentados os fundamentos epistemológicos utilizados na análise jurídica que se

procederá. Uma noção de juridicidade aparecerá, decorrendo da crítica às

perspectivas cientificistas em geral. Admite-se o exaurimento da racionalidade

tradicional, e a necessidade de uma abordagem alternativa, a possibilitar que

questões jurídicas específicas sejam examinadas com a finalidade de distinguir, no

plano teórico, uma linha de ação e interpretação possível na análise jurídica de

políticas públicas. Aqui serão discutidas a natureza da norma, a pretensa distinção

entre princípios e regras, a discricionariedade e os processos de subjetivação de

direitos.

Apresenta-se, logo após, um painel do direito público atual, no qual se inserirá

o direito das políticas públicas. Em seguida, a caracterização do direito público, será

discutida a relação desse campo jurídico com a constitucionalização dos Estados,

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tendo como norte o chamado Estado de Direito. A seguir, será problematizado o

modelo constitucional do Estado Democrático de Direito, explorando-se a relação

entre direito administrativo e constitucionalismo e a noção de interesse público nesse

novo contexto. Ao final, será vislumbrado um painel do direito administrativo atual.

Na próxima parte se delineia o regime jurídico das políticas públicas no direito

brasileiro. Esse capítulo inicia com uma descrição de características do direito das

políticas públicas e do confronto entre políticas públicas e institutos tradicionais do

direito administrativo, especialmente o ato administrativo, o contrato administrativo e

a responsabilidade do Estado por danos causados por políticas públicas. Observar-

se-á dados referentes à realização das políticas públicas, a partir de sua formação,

no campo legislativo, passando por seu enquadramento abstrato na ordem jurídica e

sua aplicação pela administração pública.

Em seguida, serão verificadas as políticas públicas no bojo da Constituição da

República, com ênfase em suas relações com direitos fundamentais, separação de

poderes e pacto federativo. Nesse mesmo capítulo serão assinaladas diretrizes para

as políticas públicas presentes no texto constitucional. Nesse capítulo aparecem os

princípios aplicáveis às políticas públicas. Trata-se da transposição atualizada de

princípios do regime jurídico-administrativo, razão pela qual aos habituais princípios

situados no “caput” do art. 37 da Constituição somam-se princípios específicos,

como o da sustentabilidade e o da macrojuridicidade das políticas públicas. Nesse

capítulo há, também, um esforço de discussão sobre os princípios do interesse

público e da proporcionalidade, em vista de sua importância para o tema e sua

relevância no debate acadêmico recente.

Ao final, serão apresentados problemas vinculados ao direito das políticas

públicas, a partir da experiência brasileira. Inúmeras situações serão abarcadas, em

todas as instâncias estatais, mas aquelas relacionadas à chamada judicialização da

política ganham destaque. Verificar-se-á que a maior parte dos problemas reflete

tensões entre programa da norma e concretização da norma, entre ação local e

responsabilidade interfederativa, e entre ação pontual e lógica sistêmica das

políticas.

Perceba-se, então, que a pretensão do trabalho é abordar a juridicidade das

políticas públicas no direito brasileiro mediante exposição de conceito, definição

prévia do direito como estrutura e função social, descrição do contexto em que a

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matéria se insere, seguidos de designação das fontes jurídicas que informam um

direito das políticas públicas e sua inserção no regime jurídico administrativo.

O texto destaca que políticas públicas constituem categoria jurídica, a exigir

tratamento pelo sistema do direito, cuja função, código e referências não se

confundem com os da política. É fenômeno próprio da modernidade reflexiva, que

envolve uma sociedade complexa, na qual o direito assume o papel de protagonista.

A juridicidade das políticas públicas implica a necessidade de um discurso jurídico

como justificativa desses atos estatais, sujeitos a instrumentos amplos de

“accountability”.

Esse uso do código do direito sobre as políticas públicas produz, de um lado,

a possibilidade da superação de esquemas de poder fundados na autoridade

tradicional ou na política, com ampliação de direitos conferidos ao cidadão e de

espaços de intervenção jurídica, mas, de outro lado, importa riscos, associados às

dificuldades de se reverter condutas derivadas de uma trajetória pretérita marcada

pela impermeabilidade do ato político a controle jurídico, assim como ao ativismo de

operadores do direito que almejam concretizar políticas públicas, sobrepondo ao

critério de juridicidade o código da política. A matéria envolve uma rede normativa

interconectada e pluralidade de intervenientes potenciais, a exigir uma análise

jurídica capaz de sintetizar diferentes perspectivas. Essa complexidade é a medida

do direito das políticas públicas e a qualidade da ação jurídica nessa seara resultará

de sua observância integral.

1.2. Elementos para uma abordagem pragmatista do di reito das políticas

públicas

A abordagem jurídica pretendida nesta tese possui especificidade nos pontos

de partida que assume, dos quais resultará uma juridicidade das políticas públicas.

Assim é que uma longa primeira parte estabelecerá pressupostos para uma

discussão sobre a juridicidade das políticas públicas no direito brasileiro e suas

consequências. Assinale-se que, nesse trabalho, tais fundamentos são essenciais,

em vista do estado da arte da matéria, que, exatamente por suas deficiências de

base, têm gerado toda sorte de problemas, seja na produção teórica da última

década, seja na concretização normativa, especialmente nas decisões

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protagonizadas pelos tribunais. A envergadura dos fundamentos condiciona as

possibilidades do empreendimento, e a base sólida pretendida tem por escopo servir

adequadamente à reflexão jurídica, de maneira que vários casos possam ser

trabalhados.

Inicia-se essa tese pela distinção tanto de um referencial teórico de base,

quanto de determinadas perspectivas acerca do direito e, mais especificamente, do

direito público. Trata-se, como visto, de lapidar fundamentos, a fim de que haja

consistência entre as narrativas que se estabelecerá a título de desenvolvimento e

conclusão.

Assinale-se, como ponto de apoio fundamental, a associação entre uma

crítica da epistemologia moderna e a possibilidade de se trabalhar pragmaticamente

o fenômeno do direito na sociedade. Nessa perspectiva, a atribuição de valor de

verdade a qualquer enunciado é ligada a seu uso nos jogos de linguagem de que

participa e sua justificação. O direito pode ser visto como evento típico da complexa

sociedade contemporânea, o que lhe confere sentido específico e exige observância

de tal especificidade, em uma análise contextualizada das operações jurídicas. Entre

outros aspectos, rompe-se com tradicionais dicotomias, como as que dividem sujeito

e objeto, ou consciência e experiência, possibilitando uma abordagem integral do

direito, que afasta uma visão dual, segundo a qual o direito disporia de uma lógica

interna, a impor uma análise dogmática, e uma externa, cenário de um tratamento

zetético (FERRAZ JR., 2003).

Assume-se, em primeiro plano, a posição pragmatista, ou neopragmatista,

como ponto de partida para uma crítica da epistemologia que se caracteriza pelo

contextualismo, pelo consequencialismo, pelo anti-representacionsimo, pelo anti-

essencialismo, e pelo deflacionsimo, e que toma os usos da linguagem nos diversos

jogos lingüísticos praticados em sociedade como fundamento para possibilidades

limitadas e contingentes de conhecimento. Em uma tal perspectiva, não cabe

abordar o direito sob bases metafísicas ou empiristas, mas pela prática social

vinculada a seu vocabulário e aos jogos de linguagem que ele permite. Perceba-se

que essa tomada de posição implica tanto a necessidade de realizar considerações

acerca do direito na sociedade, quanto de examinar o sentido normativo do direito

segundo suas condições práticas de linguagem aplicada.

Consequência desse foco filosófico é o olhar necessário sobre a sociologia do

direito. Ao contrário da economia e da política, que tendem a operar sob

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pressupostos limitados de racionalidade, na sociologia abre-se uma perspectiva

mais ampla para o estudo da sociedade (HABERMAS, 1984a, p. 5).

Especificamente, se tratará do direito moderno, levando em conta as questões sobre

a modernidade consignadas já na sociologia clássica, mas atualizando-as segundo a

conformação hipercomplexa da modernidade atual, e de forma coerente com o

marco epistemológico assumido.

Em uma modernidade marcada pela dessacralização das relações sociais

(VIEGAS, 2009, p. 289), elementos de tensão social exarados, por exemplo, na

análise weberiana (GIDDENS, 1998), como a oposição entre movimentos

simultâneos de democratização e burocratização, podem ser trabalhados, a fim de

se situar o direito como fenômeno peculiar de uma sociedade complexa. Realce-se,

nessa análise, uma “preocupação de averiguar em que medida as relações jurídicas

ou normativamente reguladas estão envolvidas nas tendências experimentadas

pelas sociedades contemporâneas e de que modo se articulam com questões como

as relações macro-micro, ação-estrutura, consenso-conflito, e as problemáticas das

desigualdades, discriminações, entre outras” (FERREIRA, 2005, p. 37).

Entre as várias interpretações da alta modernidade que possibilitam um

estudo do direito, selecionou-se três vertentes que se combinarão nesse estudo. De

um lado, a noção de modernidade reflexiva (BECK, GIDDENS e LASH, 1997), com

as temáticas da hipercomplexidade, da liquidez e do risco, presente em autores

como Giddens (1991b; 1996), Beck (1999; 2010) e Bauman (2001; 2007). De outro

lado, a teoria dos sistemas na versão proposta por Luhmann (1998a; 1998b), que

observa o sistema jurídico desde sua funcionalidade peculiar, sua codificação

especializada, sua estruturação auto-referenciada e sua reprodução autopoiética. A

essas duas óticas é somada uma discussão de conteúdo, promovida por Santos

(2002c; 2009b), entre duas vocações do direito moderno, o controle social e a

promoção de direitos e liberdades. Sinteticamente, poder-se-ia afirmar que o direito

se apresenta na modernidade reflexiva por meio de uma organização sistêmica,

cujos conteúdos comunicativos oscilam nos termos da tensão havida entre

regulação e emancipação social.

Perceba-se que não se trata de simplesmente colocar em discussão uma

posição do direito como fato e norma, não de todo estranha ao pensamento jurídico

brasileiro (REALE, 2005; MORAES Fº, 1997). Ou o direito como experiência social,

lacuna verificável nos estudos jurídicos brasileiros que, aos poucos, vem sendo

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preenchida (FARIA, 1991, p. 37-38). Nem se resume a considerar que o núcleo do

direito não é apenas a dogmática ou a análise jurisprudencial, mas o direito na

sociedade (EHRLICH, 1986, p. 24-25). Trata-se de reconhecer que o direito é um

vocabulário normativo que só pode ser manejado à luz de sua experiência social.

Vale dizer que direito é linguagem socialmente utilizada, portanto, analisar normas,

atos e decisões dotados de conteúdo jurídico é examinar o direito em um dado

contexto de aplicação.

Esse mesmo direito moderno assenta-se em uma relação com a política que

passa pela forma estatal. Sem negar o pluralismo, pode-se constatar que o Estado é

elemento central nas conexões que acoplam o direito à política. E, para cuidar do

direito das políticas públicas é, essencial, reconhecer essa centralidade e explorar as

relações entre Estado e direito, especialmente a notar que o Estado, em certos

contextos, é organização revestida de certa autonomia, o que permite não só

enxergá-lo como campo de disputa por diferentes concepções de boa sociedade,

mas atrelá-lo a uma variante democrática.

O método jurídico, por seu turno, pode ser repensado nos termos de uma

epistemologia pragmatista, na qual cabem não discussões de cunho positivista,

empirista ou jusnaturalista, mas questões concretas a envolver uma noção de

juridicidade como elemento de linguagem apto a justificar as relações que se

processam sob o sistema do direito. Cumpre, neste ponto, destacar certas análises a

serem empreendidas, entre as quais a referente à aplicação do conceito de

paradigma no direito, a questão da consistência da narrativa jurídica, e a função da

decisão jurídica. Outras discussões que se ajustam a essa reflexão são: a identidade

da norma, a concretização do direito, a discricionariedade na decisão jurídica, a

distinção entre princípios e regras, e a divisão entre direito objetivo e subjetivo.

Ainda nessa primeira parte, fornece-se um olhar panorâmico sobre o direito

público atual. Conexões entre os fundamentos do regime jurídico-administrativo e o

constitucionalismo contemporâneo, a forma assumida pelo Estado nas últimas

décadas, as dimensões da experiência democrática e da noção de interesse público,

possibilitarão vislumbrar um ambiente para as políticas públicas no direito

administrativo.

Esses pressupostos, jurídico, filosóficos e sociológicos, serão expostos de

forma breve nos tópicos a seguir.

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2. FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS

2.1. O pragmatismo filosófico

A discussão de qualquer questão jurídica ocorre sob fundamentos

epistemológicos que lhe direcionam e estabelecem seus limites e possibilidades.

Nos últimos dois séculos os discursos sobre o direito assentam-se, em geral, sobre

uma base metafísica ou sobre argumento empirista. Em qualquer dos casos, o

conhecimento pretendido sobre o direito reflete os rumos da racionalidade científico-

filosófica presente na trajetória da moderna sociedade ocidental.

Todavia, este trabalho parte da crítica contemporânea à racionalidade

ocidental, que reflete um esgotamento do modelo cientificista moderno e a

conseqüente assunção de outras fontes e narrativas1. Não se pretende, então,

trabalhar os problemas jurídicos sob uma perspectiva metafísica ou de uma

semântica acrítica2. Pelo contrário, o direito – e o direito público em especial – deve

ser visto dotado de uma linguagem que é peculiar tão-somente enquanto interação

social. Seu uso pertence aos registros de uma comunidade na qual seus membros

se entendem segundo determinados hábitos lingüísticos e comportamentos.

Assume-se, portanto, a perspectiva filosófica pragmatista, especialmente na versão

apresentada por Richard Rorty a partir de fins dos anos 1970 (RORTY: 1979).

Trata-se de um ponto de vista que não distingue sujeito e objeto, significado e

significação, razão pela qual os conceitos jurídicos podem ser trabalhados de

maneira pragmática, contextualista e antiessencialista. O manejo jurídico de políticas

públicas parte, assim, de três premissas, quais sejam a inadmissibilidade de

determinação intrínseca e não relacional da matéria; o conhecimento do tema a

envolver sua relação com uma série de outros dados e temas; e o caráter

contingente de sua construção, considerados a trajetória do direito e da sociedade

no qual ele se insere.

Essas características demarcam uma postura pragmatista, sob influência de

Rorty, cujo neopragmatismo é tributário do pragmatismo clássico e da filosofia da

linguagem. Cumpre, então, uma breve apresentação dessas vertentes filosóficas,

com destaque para a tríade formadora do pragmatismo, Peirce, James e Dewey, e

1 Ver, por exemplo, em RORTY (1979). Em uma perspectiva diferente, SANTOS (1989). 2 Ver em QUINE (1974).

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para Wittgenstein no campo da filosofia da linguagem, todos assinalados como

críticos da filosofia tradicional.

O ponto central do pragmatismo é a inversão da questão do conhecimento

mediante a concessão de prioridade à prática, entendida tanto como ação quanto

como praticidade, a primazia do “know-how” sobre o “know-that” (HEINEMANN,

2008, p. 274 e ss). É consequencialista, na medida em que confere sentido aos

fenômenos, proposições e hipóteses inclusive, a partir de suas consequências, que

não são objeto de considerações “a priori”. No pragmatismo o sentido de um

conceito deve levar em consideração suas consequências práticas (PEIRCE, 1965).

Segundo Peirce (1965, p. 31), tratando da condição de sujeito e objeto na

epistemologia moderna, os efeitos práticos atribuídos ao objeto na concepção do

sujeito serão, na relação entre sujeito e objeto, exata e totalmente os efeitos a ele

atribuídos pelo sujeito, sem qualquer objetividade. Tal afirmação conduz a que se

trabalhe a verdade pragmática de uma proposição, que dependerá de suas

consequências, de seus efeitos práticos, presumindo-se a verdade ou falsidade

desses efeitos segundo um sentido comum atribuído à palavra “verdade”.

Mikenberg, Costa e Chuaqui (1986) propõem que as consequências a que se

refere Peirce sejam formuladas por intermédio de enunciados básicos, conducentes

a que um enunciado hipotético ou teórico possa ser considerado pragmaticamente

verdadeiro se suas consequências forem verdadeiras. Trata-se de uma teoria da

correspondência que acentua uma quase-verdade e que, sobretudo, em decorrência

dos trabalhos de Mikenberg, Costa e Chuaqui (1989) e French (1989), encontrou

variadas aplicações na Teoria da Ciência.

Assinale-se, nessa mesma linha, que para o matemático John Corcoran

"filosofias pragmáticas enfatizam a prioridade da experiência e da ação sobre o ser e

o pensamento” (apud MIKENBERG, COSTA E CHUAQUI, 1986). Esse autor

ressalta que é característico das filosofias pragmáticas o fato delas estabelecerem

pontos de vista claros sobre três questões, a saber, o significado, a verdade e o

conhecimento. Embora rechaçando qualquer combinação desses elementos como

típica, dadas suas extensas variações3, Corcoran exemplifica, porém, fornecendo a

seguinte combinação: “(1) O significado de uma proposição é identificado com seu

significado experimental e prático, i.e., com a totalidade das experiências possíveis

3 Ver em Goodman (2005).

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que ela prediz; (2) A verdade de uma proposição consiste na realização no decurso

do tempo (passado, presente e futuro) de seu sentido; (3) A crença na verdade de

uma proposição é garantida pelo grau com que ela tem sido testada na prática e se

mostrado satisfatória (pela pessoa ou comunidade que possui a crença)"

(CORCORAN, apud MIKENBERG, COSTA e CHUAQUI, 1986, p. 215) . Essa

descrição contém elementos de uma narrativa pragmatista que, porém, à moda

peirceana, fica presa a certo empirismo, como se destacará adiante.

James (1973) se propôs a recompor a proposta de Peirce, ampliando seu raio

de ação para esferas não científicas, o que o sujeitou a certa crítica de base

cientificista. O autor destacava que o pragmatismo se atém aos fatos, enquanto o

racionalismo se apega a abstrações, razão pela qual o pensamento intelectualista

repudia as narrativas pragmáticas sobre as várias possibilidades de verdade,

estipuladas consoante seu uso. Conforme James (1973), o racionalista busca um

representacionismo que almeja uma correspondência absoluta entre os

pensamentos dos indivíduos e a chamada realidade. Assim, não apenas seria

improvável e inacessível a percepção de uma essência da realidade, como o

conhecimento humano não pode ser um reflexo do mundo real, senão uma prática

construtiva.

Perceba-se que o pragmatismo não é, propriamente, uma teoria filosófica,

mas uma dimensão de sentido, na qual cabem diferentes teorias e múltiplas

condições de sua aplicação. Segundo James (1973), não há uma única verdade,

mas aplicações de noções com atributo de verdade, servíveis diante de problemas

concretos e suas condições de uso. A noção de verdade fica ligada a funcionalidade

ou uso, inexistindo subordinação entre ação e pensamento, mas atividades cujas

ferramentas são conceitos, palavras, idéias ou sinais.

Dewey (2008), por seu turno, sustentou uma teoria da verdade fundada em

um critério de assertividade garantida (“warranted assertibility”). A idéia de

“warranted assertibility” permite identificar como correta uma expressão na medida

em que esta cumpre a sua função e satisfaz as necessidades devidas, sendo ligada

a experiência (DEWEY, 2008). Apóia-se na contingência e na possibilidade de

construções e reconstruções de narrativas. Para Dewey, o pragmático é “a função

que incumbe as conseqüências como provas necessárias da validez das

proposições, sempre que estas conseqüências se tenham alcançado

operativamente e sejam tais que resolvam o problema específico que suscita as

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operações” (DEWEY, 1938, p. 4). O núcleo do pragmatismo deweyano é a

experiência reflexiva. É no processo de inquirição, nunca previamente, que pode se

formar um conceito de verdade. Para o autor, “todas as formas originam-se da

operação de investigação e dizem respeito ao controle desse processo de

investigação, de modo a levá-lo a produzir asserções garantidas” (TEIXEIRA, 1977).

Note-se entre as características do pragmatismo clássico mantidas no

chamado neopragmatismo o antifundacionalismo, o consequencialismo e o

contextualismo. São traços encontrados na obra de Rorty, pelo menos desde a

publicação, em 1979, de “A Filosofia e o Espelho da Natureza”. Nesse trabalho se

inflige uma desconstrução da filosofia analítica e, ao mesmo tempo, procede-se a

uma recomposição do pensamento pragmatista, que comparece associado a

aspectos da filosofia da linguagem e da filosofia européia, fruto do diálogo com

autores como Lyotard e Habermas (RORTY, 1979).

Segundo Rorty há na obra um objetivo de “enfraquecer a confiança do leitor

na ‘mente’ como algo sobre o que as pessoas deveriam ter uma visão ‘filosófica’, no

‘conhecimento’ como algo sobre o que deveria haver uma ‘teoria’, ou que deveria

possuir fundações, e na ‘filosofia’ tal como ela vem sendo concebida desde Kant”

(RORTY, 1979, p. 7-8). Trata-se de uma crítica à epistemologia hegemônica, com o

objetivo de defender que a dialética no interior da filosofia analítica, a qual havia

trazido consigo a filosofia da mente e a filosofia da ciência, precisa ser conduzida

alguns passos adiante, a fim de “criticar a própria noção de ‘filosofia analítica’ e,

naturalmente, a noção de ‘filosofia’” (RORTY, 1979, p. 7).

Esse é o cenário no qual o autor defende o pragmatismo como possibilidade

pós-filosófica, a lançar pontes entre literatura, teoria crítica e pensamento político e

social, assim como assentar sua crença na improbabilidade de teorias e sistemas

filosóficos. Para Rorty (1979), é estéril uma epistemologia que busca uma fundação

para a linguagem, ou que opere sobre representações, ou se proponha a dizer algo

sobre a essência das coisas. Não há ponto de partida estabelecido, algo como uma

base fora da cultura e do contexto social. Em seu pensamento, antiessencialismo e

antifundacionalismo levam a um tratamento de qualquer questão em termos

relacionais, intermediada pela linguagem (RORTY, 1999b).

O antifundacionalismo presente no pragmatismo se opõe a considerações de

base metafísica e, portanto, não admite um conhecimento alicerçado em abstrações,

apriorismos, entidades transcendentes, dogmatismos, leis eternas ou princípios

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últimos e absolutos. Nega que possa haver fundamentos perpétuos e imutáveis e,

assim, repudia os conceitos de verdadeiro e real tal como inscritos na epistemologia

tradicional.

O consequencialismo se estabelece metodologicamente ao nortear a

observação e as noções de certeza e verdade nela contidas pelos efeitos práticos

das proposições que encerra. Um significado alcançado nesses termos será

necessariamente consequencialista. E um juízo acerca das consequências decorrerá

da possibilidade da construção de um discurso que antecipe essas mesmas

consequências. O conhecimento pragmatista tem em conta, portanto, a necessidade

de uma fundamentação de base consequencialista.

Já o contextualismo admite que a boa justificação de uma crença dotada de

valor de verdade considere o contexto no qual essa crença - suas consequências,

portanto - se insere. Assim, produção de conhecimento será prática social, a

interligar experiência, ação, comunidade de investigação e cultura.

O pragmatismo clássico é a base do pensamento de Rorty, mas é possível

identificar algumas diferenças entre suas posições. Afinal, a filosofia pragmatista

pode ser associada ao realismo e confere primazia à experiência, enquanto que

Rorty se coloca no pólo anti-realista e vincula o consequencialismo à perspectiva

aberta pela filosofia da linguagem (POGREBINSCHI, 2006, P. 125).

De fato, Rorty (1997b) afirma que a linguagem fornece instrumental suficiente

para a vida social, nunca representação de uma realidade externa ao seu usuário.

Por isso, a linguagem, e não a mente, a consciência, ou mesmo a experiência, seria

o traço distintivo da humanidade. Em Peirce, James e Dewey, todavia, a linguagem

é somente parte da experiência. Como se observará adiante, é na leitura de

Wittgenstein que Rorty encontrará elementos para o seu pragmatismo reconstituído.

2.2. Pragmatismo, direito e normatividade

Trabalhar sob o ponto de vista do pragmatismo implica fixar um ponto de

descrença nas narrativas modernas (LYOTARD, 2000) e assumir uma perspectiva

que admite uma cultura pós-filosófica (RORTY, 2000), pluralista e secularizada

(RORTY, 1991b), que desaloja pretensões metafísicas e fundacionalistas,

características do pensamento filosófico moderno (BORRADORI, 2003, p. 147).

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Em Rorty fica evidente não só esse sentido de rompimento com a metafísica,

mas também com a filosofia analítica, desde que o autor se propôs a “levar a sério” o

giro linguístico (RORTY, 1992, p. 371 e ss.). Assim é que diverge de uma filosofia

cujo centro é a epistemologia e seu representacionismo (RORTY, 1979, p. 328), cujo

esgotamento anuncia, a indicar que a epistemologia moderna não seria apenas uma

tentativa fracassada de legitimar pretensões de conhecimento do que seja o real,

mas uma tentativa de legitimar a própria reflexão filosófica (RORTY, 1999b, p. 167-

169).

Podem ser observados dois eixos principais na obra de Rorty, condizentes

com sua postura filosófica carregada de anti-representacionismo, anti-

fundacionismo, anti-essencialismo e contextualismo (GUTTING, 2003). Há um eixo

negativo que se refere a sua crítica à filosofia moderna e o impele a se livrar das

metáforas da mente e do conhecimento, nas quais problemas tradicionais de

epistemologia e metafísica estão arraigados (RORTY, 1979, cap. 1 e 2). Outro eixo,

positivo, é relativo a uma reconstrução pragmática da cultura intelectual.

Observe-se que a postura pragmatista assumida neste trabalho tem como

fundamento o pensamento de Rorty, do qual cabe anotar sua base estabelecida

sobre o pragmatismo clássico, especialmente a obra de Dewey, o giro linguístico que

se opera a partir do segundo Wittgenstein, e a discussão de Davidson sobre o

problema da verdade em Quine (DAVIDSON, 2002, p. 30 e ss.). Dialogando com

Dummett4 e Nagel5, Rorty afirma que sob o ponto de vista do Wittgenstein das

“Investigações Filosóficas”, “não pode haver nada semelhante a uma ‘teoria

sistemática do significado de uma linguagem” (RORTY, 1993a, p. 86). Concorda, em

termos, com Putnam, que nossas normas e standards de assertibilidade justificada

são produtos históricos, sempre refletem interesses e valores, e são reformáveis

(RORTY, 1993b, p. 449).

Para Rorty (1993b, p. 451), a contingência e a incerteza são constitutivas das

condições de afirmação de verdade. A filosofia seria, então, apenas um meio para

ajudar a resolução de problemas contingentes, razão pela qual pode-se afirmar sua

ruptura com o padrão epistemológico tradicional. Verdade e justificação se

aproximam em Rorty, eis que a maioria das crenças das outras pessoas deve

coincidir com a maioria das próprias crenças, e o padrão da verdade é o padrão

4 Ver a respeito em Dummett (1978; 1986). 5 Ver a respeito em Nagel (1986).

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construído pela justificação (RORTY, 1995)6. A linguagem, nesses termos, não é

expressa como conjunto de convenções compartilhadas, mas como capacidade de

convergir em teorias de passagem de enunciado em enunciado (RORTY, 2000, p.

74 e ss.). Usos e comportamentos linguísticos permitem identificar utilidade pela

descrição possível de situações complexas.

Com Quine, Rorty (1979, p. 170) afirma que é desnecessária uma pretensão

de conhecimento como representação exata. O conhecimento é uma questão de

conversação e de prática social (RORTY, 1979, p. 174). E todo olhar é parcial, toda

descrição é provisória e contextual (RORTY, 1997b, p. 41 e ss.). Todavia, ele sugere

que o melhor horizonte do conhecimento possível está na produção de novos

vocabulários, mediante novas e frutíferas metáforas (RORTY, 1997b, p. 219 e ss.).

Neste ponto vê-se em Rorty, com supedâneo em Dewey, não apenas o sujeito como

construção social, enredado em práticas discursivas, mas em uma sociedade cuja

finalidade deve ser construir sujeitos capazes de viabilizar formas de felicidade

humana, construção social, luta democrática (RORTY, 1999c, p. 67).

Rorty recebe a influência de Wittgenstein, na medida em que incorpora a

linguagem em suas reflexões. Com efeito, seu pragmatismo realça a questão da

linguagem e as relações linguagem-mundo, nos termos introduzidos por Wittgenstein

(2005) a partir das “Observações Filosóficas”. Para esse autor, incidem sobre os

jogos de linguagem práticas linguísticas aprendidas pelo uso ou pelo adestramento e

organizadas com certa plasticidade por meio de regras que permitem uma margem

de indeterminação, embora declináveis de um modo virtualmente infinito. Esses

jogos apresentam semelhanças, mas não formam uma unidade, já que seria

incompatível com a recusa de uma lógica rígida e exata, preconizada pelo autor, que

defendia a necessidade de se ultrapassar o preconceito da pureza lógica cristalina

por intermédio de “rodarmos completamente o eixo da nossa investigação”

(WITTGENSTEIN, 2008, p. 256).

Wittgenstein (2008) trabalha relações entre palavras e estados da mente,

assinalando a linguagem como jogos de palavras. Em sua concepção, palavras

devem ser tidas como possibilidades que são confeccionadas, tramadas nos

diferentes contextos e, por isso, as palavras e suas circunstâncias constituem os

jogos de linguagem. Nesse sentido, palavras são meios instrumentalizados pelo uso,

6 Ver a posição de Davidson (2002) a respeito das questões levantadas por Rorty no artigo citado.

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já que se referem a uma dada funcionalidade. Assim, o significado de uma palavra

não é a referência (representação) de um objeto, mas suas condições de uso em um

dado jogo de linguagem. Criticando racionalistas e empiristas, o autor esclarece que

pensamentos e experiências só ganham sentido quando em determinado contexto

de linguagem (WITTGENSTEIN, 2008). Perceba-se que, nessa visão, conceitos

jurídicos não podem ser nada em si, mas apenas palavras cujos significados serão

apreendidos em contextos específicos, com atribuição de sentido e funcionalidade a

partir de condições de uso. Tal constatação permite, na presente tese, realizar

contrapontos dentro de um mesmo jogo organizado conforme o vocabulário jurídico,

ainda que não seja possível estabelecer taxativamente quadros interpretativos ou

molduras de significados, mas apenas compor narrativas em torno de um direito

sujeito a construções, reconstruções, usurpações e transgressões.

Não existe, para Wittgenstein (2008, p. 518-519), uma percepção pura, neutra

e passiva, como também não se pode distinguir a coisa observada do observador.

Os jogos de linguagem constituem o elo básico da relação entre linguagem e mundo

(HINTIKKA e HINTIKKA, 1994, p. 277). Adestra-se o aprendiz, habilitando-o a

participar dos jogos, sabendo-se que relações semânticas são inefáveis e assim

também o papel específico dos jogos de linguagem, conquanto seja - essa

vinculação entre a linguagem e o mundo - a realidade (HINTIKKA e HINTIKKA,

1994, p. 284-285). Perceba-se que se o direito se estabelece como vocabulário, a

permitir jogos de linguagem, desse dado derivam crenças acerca do que seja o

verdadeiro, correto, falso ou incorreto nas relações ditas jurídicas. Tal constatação,

relevante em qualquer hipótese, assume importância crucial nas sociedades

complexas, que operam associando linguagens peculiares a funções sociais

específicas, como a jurídica.

Ainda em Wittgenstein (2008), o significado de uma palavra é o seu uso na

linguagem. E em um jogo de linguagem considera-se a linguagem um tipo de ação

regulamentada, dotada de normatividade, portanto, acarretando o problema da

adequada ação linguística, da certeza das regras e de sua aplicação (PENCO, 2006,

p. 134 e ss.). Assim, “uma vez que um uso funcione em uma forma de vida, as

regularidades de coordenação que implica o jogo de linguagem que lhe é associado

tomam a forma de um comando e de uma obrigação” (PENCO, 2006, p. 62), sendo

incompatível com essa perspectiva a existência de uma metarregra, já que a

compreensão da normatividade é dada em cada contexto, caracterizado pelo uso da

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linguagem, em que pese a possibilidade de conflitos de usos (PENCO, 2006, p. 65),

hipótese em que uma transgressão serve como proposta de outro uso para uma

linguagem, e, evidentemente, para a regra contida no respectivo jogo de linguagem.

Note-se que essa normatividade inerente ao uso da linguagem admite a associação

entre elementos sociológicos e a filosofia, para uma discussão sobre norma e

juridicidade (LIVET, 2009, p. 61-62), o que será explorado neste trabalho.

Rorty dialoga, ainda, com o pensamento de Quine, que, aliás, possui algumas

semelhanças com Wittgenstein (HACKER, 1997). Partindo de Quine (1974), pode-se

dizer que a ciência não pode ser produzida mediante enunciados baseados em seu

valor de verdade, empiricamente verificado, ou em um valor de verdade dado por

sua lógica interna. Para o autor, “nenhuma experiência particular está ligada a um

enunciado particular” no interior de um dado conjunto de crenças (QUINE, 1974, p.

252). Quine coloca o problema como um campo de força com um interior enredado e

uma periferia que, quando é atingida, leva os componentes internos a passar por

processos de reordenação, considerando que o campo total é indeterminado por

suas condições de fronteira, a experiência, a implicar a possibilidade de tantas

escolhas quanto enunciados para serem avaliados à luz de uma eventual

experiência contrária. Sob tal premissa, não faz sentido distinguir enunciados

sintéticos e enunciados analíticos, já que ambos estão sujeitos às mesmas

contingências – processos de impacto periférico e recomposição. O conhecimento –

conjunto de crenças verdadeiras – não decorre da veracidade dos enunciados que o

compõem, mas de processos de reacomodação ocorridos nesse campo (QUINE,

1974, p. 252-253).

O conhecimento que se afirma e os juízos feitos têm, para Quine (1974),

conteúdo relacional, já que são efeitos comportamentais do meio no organismo

humano. A verdade não depende de o enunciado “representar” exatamente o objeto

ou evento, mas do quão facilmente ele se adapta a outros enunciados, sendo de se

notar que essa adaptabilidade quineana deve estar ligada a usos, funcionalidade,

consistência dos enunciados.

Para Quine (1974), o julgamento de um enunciado deve levar em

consideração essa adaptabilidade ao campo a que ele pertence ou no qual está

colocado. Assim, qualquer enunciado pode manter-se verdadeiro, desde que se

procedam às devidas adaptações. Em Quine, há um mundo naturalizado, no qual

importa a ação do falante e os vários resultados que derivam dessa fala. Nele, o

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confronto do observador com uma experiência anômala tende a tornar mais

complexos os enunciados observacionais e mais simples os teóricos. Para ele, a

ciência avança sofisticando as especificidades e mantendo o corpo central da teoria.

Perceba-se que, apesar da crítica ao empirismo e ao positivismo lógico, resta

em Quine um momento empirista, resultante do fato de as formações e

reacomodações dos enunciados dependerem de estímulos sensoriais, ficando o

linguístico assentado no não-linguístico. Rorty (1991b), a partir da leitura particular

que faz da obra de Davidson, admite, como Quine, que o conhecimento seja um

conjunto de crenças cuja verdade depende de uma justificação consistente, mas

atrela essa proposição a uma base pragmática.

Davidson (1984) verifica em Quine que um conjunto de crenças ajusta o

equipamento sensorial humano para lidar com eventos, todavia percebe Quine ainda

preso ao tribunal da experiência e, nesse sentido, uma teoria da verdade remeteria a

um conjunto de sentenças e enunciados - a teoria científica - que se coloca em

relação com a totalidade das evidências sensoriais. Para Davidson (1984) essa

definição é vazia, porque nada acrescenta ao conceito de verdadeiro, afinal o

conjunto de toda experiência sensorial é o que se procura em toda evidência

existente; e toda evidência existente é o que torna sentenças e teorias verdadeiras.

Segundo o autor, nem a experiência, nem o mundo podem fazer uma sentença

verdadeira (DAVIDSON, 1984).

Que se faça referência a certos fatos, como “o universo é finito”, não torna a

evidência base do valor de verdade, porque essa mesma referência é melhor

expressa como sendo “o universo é finito se, e somente se, o universo for finito”.

Não se trata de uma tautologia, mas de uma organização de base lógico-semântica,

que presta tributo a Tarski, segundo a qual a sentença-T articula uma linguagem-

objeto a uma metalinguagem dessa linguagem-objeto (DAVIDSON, 1984, p. 66).

A totalidade das sentenças em uma dada linguagem fixa a extensão do

conceito de verdade para essa linguagem. Ocorre que a totalidade das sentenças é,

virtualmente, infinita. E carece de uma teoria finita sobre a lida com sentenças

infinitas (DAVIDSON, 1984, p. 230). Essa condição, para Davidson, será dada por

uma convenção. Trata-se de uma teoria semântica da verdade, mediante a qual a

coerência entre linguagem-objeto e uma metalinguagem sobre si, dentro de um

mesmo sistema, permitirá assinalar uma sentença como verdadeira (DAVIDSON,

2002, p. 98 e ss.).

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Com isso, Davidson permanece no ambiente linguístico e escapa da posição

de Quine, cujo esquema fundamental remanesce, desde que “qualquer declaração

pode ser mantida verdadeira se fazemos ajustes suficientemente drásticos em

outros lugares do sistema” (QUINE, 1974, p. 252). Dada a convenção davidsoniana

e seus ajustes lógicos, a verdade de um enunciado dependerá da disposição de se

manter outras sentenças como verdadeiras, em um sistema de linguagem no qual as

sentenças se colocam permanentemente sob condições de verdade em articulação

com uma metalinguagem de sentenças, sendo supérflua a distinção entre um

esquema conceitual e um conteúdo dado pela experiência.

Quando se decide pela manutenção ou não de uma crença como verdadeira,

delibera-se sobre o sentido, os custos e benefícios da manutenção de um dado

vocabulário. Nesse ponto, Rorty (1991b) assume a posição de Davidson não como

uma teoria fundada na coerência, mas em uma base pragmática. Exige, assim, não

a coerência lingüística, mas uma justificação pragmática dessas decisões, afinal elas

impõem consequências, condições de uso, e alteram a capacidade de agir e

estruturar o mundo (RORTY, 1991).

Rorty (1991) reconhece a existência de vocabulários alternativos e não

pretende que haja uma plena organização entre todos eles. Antes, admite que

convivam contigentemente e sejam, eventualmente, intraduzíveis. Alija, portanto, as

questões de ordem epistemológica, seja de fundo metafísico, seja positivista. Trata-

se de “uma tipologia contingente, com a qual podemos melhorar nossa

previsibilidade sobre os acontecimentos, sabendo mais ou menos o que ocorre

quando usamos a palavra verdadeiro” (GHIRALDELLI JR., 2001, P. 116). Verdadeiro

é, assim, mero termo de endosso e, nesse sentido, sua percepção diverge tanto do

pragmatismo clássico quanto de autores como Brandom ou Habermas, com quem

compartilha espaço contíguo no pensamento contemporâneo.

Note-se que qualquer vocabulário é opcional e mutável nesse

neopragmatismo, no qual a noção de verdade se assemelha à de seguro, garantia

ou justificação, pois não tem um conteúdo normativo profundo ou substancial. Pode-

se referir somente a “explanações semânticas” e bases consequencialistas, que são

oferecidas como justificação para a defesa da verdade em uma sentença

(RAMBERG, 2009).

A improbabilidade de uma distinção rígida entre verdade e justificação,

atrelando aquela a esta, é assinalada por Rorty (1998a). Trata-se de uma verdade

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que não denota representação ou correspondência, mas relação em um dado

ambiente de uso de vocabulários vários. Trabalha-se, portanto, com descrições

possíveis pelos léxicos que são usados e sempre de modo relacional e contextual.

Admite-se a linguagem como instrumento descritivo, a permitir narrativas justificadas

e processos de convencimento e decisão assentados em um ou mais vocabulários.

Verifica-se que processos de permanência e mudança, previsibilidade e contingência

são trabalhados por meio de comportamentos linguísticos. E eventuais conflitos

semânticos são, então, conflitos envolvendo situações concretas (RORTY, 1998a).

Assinale-se que, ao mesmo tempo em que combate a metafísica, Rorty

sublinha o papel dos contextos socais, refutando “tanto o conceito de realidade

exatamente reproduzível sem deformações pelo ‘espelho’ ou pelo ‘olho’

contemplativo da mente, quanto o da coerência puramente lógica do raciocínio e da

ação” (BODEI, 2000, p. 267). A transformação da objetividade em solidariedade

compõe esse pensamento (ROUSE, 2003), no qual a verdade é função da

experiência comunitária (BODEI, 2000, p. 269).

Perceba-se no pragmatismo uma crítica da metafísica da subjetividade7, eis

que repudia a hipótese do sujeito da consciência como base do conhecimento e do

real, bem como o conhecimento enredado em uma noção de verdade como

representação (BODEI, 2000, p. 275). Nesse diapasão, mesmo a aceitação da

hermenêutica como perspectiva razoável, enquanto contraponto ao

comportamentalismo, se esvai quando recai nos excessos epistemológicos.

Acentue-se, no pensamento de Rorty, uma posição fisicalista e não

reducionista (GHIRALDELLI JR., 2001, p. 80), própria de quem se coloca mais na

crítica e na promoção do debate que na construção de um grande sistema. Para o

autor, importa a produção de boas narrativas, novas metáforas, vocabulários

alternativos, bem como uma filosofia a serviço da democracia, sem justificativa

prévia, mas pragmaticamente assumida.

O pragmatismo situa-se, então, na crítica da epistemologia (HICKMAN, 2001),

compartilhada, aliás, por autores como Lyotard (2000), Derrida (1991) ou Santos

(1989), que a reconstruirá no bojo de um projeto radical de reinvenção da

7 Entre os primeiros críticos da subjetividade moderna, destacam-se Marx, Darwin, Nietzsche, Freud e Wittgenstein. Marx e a crítica da consciência pela ideologia; Darwin e a crítica do humanismo pela evolução; Freud como psicologia; Nietzsche e a crítica da vontade de verdade como vontade de conforto espiritual; Wittgenstein, na assunção da filosofia da linguagem em oposição à filosofia da consciência, conforme, aliás, a breve exposição a respeito feita neste capítulo.

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emancipação social (SANTOS, 2004). Percebe-se nesse último uma proposta de

“reconstrução radical de um pragmatismo que procura emancipar-se dos últimos

resquícios do projeto da epistemologia tradicional” (NUNES, 2009, p. 226). Utilizando

o conceito de ecologia de saberes, que se aproxima da idéia de vocabulários

alternativos em Rorty, Santos assinala a necessidade de combater as linhas abissais

que separam a epistemologia tradicional das demais formas de conhecimento

(SANTOS, 2007, p. 33).

A adoção do pragmatismo gera implicações nas ciências sociais, que devem

passar por uma reorientação, deixando para trás o objetivismo, o cientificismo, a

pretensão de neutralidade, o distanciamento do sujeito ante o objeto, a busca da

exatidão com disputas reduzidas as questões de método (RORTY, 1999b, p. 272-

273). Abre-se a possibilidade de múltiplos e alternativos vocabulários e usos, sem a

pretensão de compreender a natureza dos fenômenos e controlar seus

comportamentos, mas de realizar um trabalho que com eles se relaciona.

Diferentemente do ceticismo, cabe no pragmatismo uma esperança injustificada e a

crença na solidariedade humana (RORTY, 1999b, p. 287), uma vez que

conhecimento e verdade são um adjetivo utilizável ante “crenças que consideramos

estar tão bem justificadas que, no momento, não demandam justificação adicional”

(RORTY, 1991b, p. 113).

Parte-se, assim, de relações que não transcorrem entre sujeito e objeto, mas

entre organismo e meio, tendo a linguagem como ponto mediador, em uma

perspectiva contextual. Nessa linha, é perceptível que a linguagem jurídica

apresenta uma determinada versão na modernidade complexa8, cuja abordagem

será centrada em “relações causais” (RORTY, 1997b), consoante o fisicalismo não-

reducionista de Rorty, que não reconhece, assimilando Wittgenstein, um núcleo

interior do eu, uma consciência ou uma linguagem privada, eis que “não há

nenhuma razão especial para separar estados mentais de estados físicos por meio

de dizer que há uma relação metafisicamente íntima com uma entidade chamada

consciência” (RORTY, 1997b, p. 121). A realidade para Rorty não é composta de

elementos físicos, mas de relações causais e linguagens que falam dessas relações

(RORTY, 1998a). Há, sim, descrições do mundo mediante vocabulários diferentes. É

8 Neste sentido, podemos observar que autores como Giddens e Luhmann ultrapassam a perspectiva da metafísica do sujeito. Neste, já não há referência a indivíduos comunicantes ou sujeitos conscientes, mas a relação entre sistema e ambiente e a dupla contingência; naquele, em interrelação entre ação e estrutura.

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uma concepção ontologicamente neutra, o que não implica neutralidade quanto a

adequação, uso e utilidade dos vários vocabulários, os quais não são substituíveis

ou descartáveis, pois uns servem melhor a certos propósitos que outros e vice-versa

(RORTY, 1997b). Não se descarta completamente o uso do “Eu”, mas este não

comporta um enfoque do tipo “o que é o eu”, mas somente um “o que o eu tem”. A

consciência, o olho interno, é substituído por “uma rede de crenças e desejos em

permanente processo de reconfecção” (RORTY, 1997b, p. 123).

O fisicalismo de Rorty é não reducionista exatamente porque, apesar de

materialista, não pretende afirmar a verdade, a realidade “como ela é”. Não se trata

de um realismo positivista, por exemplo, cujas prescrições carregam essa pretensão

e reduzem o fenômeno observável, em uma metafísica invertida. Para o autor, a

pretensão de conhecer alguma coisa é a pretensão de fazer algo com essa coisa,

colocando-a em relação com outras coisas. Assim, podemos afirmar, por exemplo,

que todo conhecimento sobre o direito é relacional e impõe reconhecer que se lida

com tal fenômeno mediante interações sociais (RORTY, 1991a, p. 223 e ss.).

Em Rorty, o conceito de verdade é deflacionado e somente atribuível em

termos de prática. Esse deflacionismo impõe que o predicado verdade cumpra mais

uma função performativa que explicativa, associada menos em dizer o que as coisas

realmente são, por absoluta impossibilidade, e mais em possibilitar acordos,

estabilização, redescrições, a partir de uma rede de crenças que une as pessoas e

lhes permite viver em sociedade. A aplicação de tal conceito ao direito permite uma

concepção jurídica acautelada de metafísicas e realismos, já que nem se afirma um

direito “a priori”, nem se descreve um direito a partir de sua realização na

experiência, mas assimila um direito como linguagem, crença adequadamente

justificada destinada a produzir determinadas consequências. No caso de um direito

das políticas públicas, acarreta tanto reconhecer que determinadas situações exigem

ações justificadas conforme um vocabulário propriamente jurídico, quanto os

diversos jogos de linguagem possíveis nos contextos de realização do direito e,

ainda, verificar suas consequências em um ambiente de relações complexas.

Aponte-se que a adoção do pragmatismo rortyano no campo do direito não

engendra uma concepção de direito como a assumida pela jurisprudência

sociológica9 ou o realismo jurídico10 que aparecem nos Estados Unidos. O principal

9 Ver, por exemplo, a obra de Oliver W. Holmes, Benjamin Cardozo, Roscoe Pound e Louis Bandeis. 10 Ver, por exemplo, a obra de Jerome Frank, John Chipmann Gray e Karl N. Llewellyn.

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ponto de divergência reside na já assinalada presença no neopragmatismo da

questão da linguagem. Note-se que ante a perspectiva representacionista e

objetivista, Rorty (1997b) opõe uma atitude pragmática de conceber o conhecimento

como uma ferramenta que está em função dos fins e benefícios propostos pelos

homens. Nesse aspecto, sob influência deweyana, admite pontos em comum com o

pensamento jurídico baseado no pragmatismo clássico. Em Rorty, contudo, a

contingência das crenças e das linguagens (GALVÁN, 2001) alicerça uma

compreensão de processos de justificação a fundamentar pretensões de verdade.

Tais processos acontecem como fatos sociais, eis que são vividos em sociedade

(PENELAS, 2003, p. 130 e ss.), e mutações dessas crenças e linguagens, assim

como desenvolvimentos, trajetórias, não decorrem de dados empíricos, nem

significam perda de qualidade ou acréscimo evolutivo, mas alternativas que se

abrem à possibilidade de concretização.

Assim, o problema da verdade atrelada à decisão jurídica não é tributário nem

de uma presença metafísica que fundamente a ordem jurídica, nem de decisões que

se efetivam, mas da distinção de um vocabulário, cuja apropriação social permite

constantes releituras e renovadas possibilidades de uso. Observe-se que um

conceito minimalista de verdade como esse implica certo impacto no meio jurídico,

especificamente para os temas da discricionariedade, da admissão e manejo de

princípios como normas - especialmente os não expressos -, da funcionalidade do

direito e da decisão jurídica.

A discussão sobre o verdadeiro, no direito, assume a feição da distinção entre

o jurídico e o antijurídico, a demandar justificação como adequabilidade a um

vocabulário e âmbito interpretativo das práticas de uma comunidade (CRESTO,

2003, p. 154 e ss.). Assinale-se, neste ponto, a perspectiva assumida por Gutting,

que almeja unir o pragmatismo de Rorty ao comunitarismo de Taylor e ao de

MacIntyre (GUTTING, 1999), compactuando, em termos, com a crítica da

epistemologia moderna e admitindo que a busca da verdade é empreendimento que

se realiza socialmente. No autor, verifica-se menos dependência das crenças às

teorias (GUTTING, 1999, p. 171), conquanto isso não represente necessidade do

abandono de qualquer crença, independente de quais sejam suas fundações

(GUTTING, 1999, p. 56). Enfatiza-se, outrossim, a comunidade como contexto.

Esse contextualismo, a propósito, autoriza que se reconheça qualquer

questão como jogos de linguagem, requerendo solução pragmatista, passível de

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associação a uma leitura sociológica do direito e a lidar com o direito sem a

manutenção da suposta dicotomia entre uma face interna (dogmática) e outra

externa (zetética) (FERRAZ JR., 2003).

Evidentemente que, sob o pragmatismo, são desprezadas discussões sobre

uma pretensa cientificidade do direito, por inapropriada em vista de uma assimilação

do elemento jurídico como campo de aplicação prática, dotado de funcionalidade e

vocabulário próprios. Trata-se de um direito dotado de reflexividade, que não

problematiza uma suposta intangibilidade de seu vocabulário ou de sua matriz

disciplinar, mas a conveniência de se alterá-lo em face dos contextos que se

apresentam.

A presente discussão de fundo se posta de forma estratégica nesta tese,

porque ao se assumir a juridicidade como elemento nuclear das políticas públicas há

que se discutir os predicados contidos em seu sentido. Cumpre afirmar que

linguagem pode ser usada, sob que motivos e em torno de que consequências,

quando se trata de empreender um juízo de conformidade ou não de determinada

política pública com o direito. Segundo esse referencial teórico, o que o direito possa

ser não se desgarra do seu uso e de sua justificação, de maneira a tornar impossível

evocar um direito das políticas públicas dissociado de uma reflexão sobre o que

chamamos de direito e sobre as possibilidades de uso justificado de um direito das

políticas públicas.

Note-se, então, o direito fundado em uma teoria de passagem, a permitir

determinadas relações, traduzíveis por seu vocabulário. Assinale-se que Rorty, na

trilha de Wittgenstein, pretende que se distinga entre usos de expressões

linguísticas, quando necessário (RORTY, 1999b, p. 76). Dessa forma, conhecer

enunciados e possíveis sentidos relativos ao vocabulário jurídico não é necessário

para que as pessoas, cotidianamente, travem inúmeras relações jurídicas entre si,

muitas das quais sem a menor reflexão a respeito do uso dado à linguagem jurídica

ou ao seu comportamento dentro do direito. Assim como, quando uma pessoa sai

andando de casa todas as manhãs ela não reflete sobre as leis de Newton. Tratam-

se não propriamente de significados diferentes, diria Rorty, mas de diferentes

condições de uso. No cerne da presente tese estão as condições de operatividade

do sistema jurídico em matéria de políticas públicas. As decisões jurídicas na área

de políticas públicas constituem usos bem ou mal justificados, portanto, adequados

ou não, e geram consequências, que não são interferências na “realidade real”, mas,

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antes, usos da linguagem que afetam os demais usuários e as demais condições de

uso. Em outros termos, se decisões incidentes sobre políticas públicas são tomadas

pretensamente sob a linguagem do direito, a adequabilidade dessas decisões deve

ser respaldada por suficiente justificação e pelas consequências visadas,

considerando um dado padrão – crença justificada – do que seja característico do

jurídico; se, diferentemente, tais decisões refletem um vocabulário diverso do

jurídico, cabe distinguir entre um direito corrompido ou um direito em mutação, tendo

em vista, de forma especial, a possibilidade de consistência nas relações entre a

pretensão de verdade contida na decisão e sua justificação, e nas finalidades

almejadas no discurso e as consequências de fato.

O direito, sob a concepção de conhecimento e verdade presentemente

trabalhada, apresenta-se em estreita conexão com a questão da democracia, que

Rorty associa a sua noção “fraca” e pragmática de verdade. De um lado, verdades

contingentes, despidas de argumentos decisivos e fundantes, exigem esforço

narrativo contínuo e diálogo democrático. Por outro lado, a dimensão do uso dá o

tom da prioridade da democracia sobre a filosofia (RORTY, 1997a). Assim, a

designação de “verdadeiro” em uma dada situação decorrerá de encontrar menos

resistência para ser aceito por aqueles que seguem determinadas regras históricas

de verificação (RORTY, 1997b, p. 42 e ss.). São dispensáveis argumentos

fundacionalistas de ordem religiosa ou filosófica, pois o equilíbrio reflexivo é o

bastante (RORTY, 1997a, p. 251) em um contexto que torne possível acordos entre

indivíduos sob certas tradições e diante dos mesmos problemas (RORTY, 1997b).

Rorty defende a precedência da liberdade e da democracia na esfera pública, da

possibilidade de crenças compartilhadas como critério asseverador de verdade,

sendo certo que essa verdade será atestada por suas condições de uso e

consequências práticas. Trata-se, portanto, de uma perspectiva filosófica que,

exatamente por não conter os pressupostos e esquemas conceituais da

epistemologia tradicional, permite-se trabalhar sobre o todo, a envolver, por

exemplo, verdade filosófica, contexto social, direito reflexivo e defesa da democracia.

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2.3. O conceito de paradigma aplicado ao direito

Em Rorty, defende-se o uso acautelado do predicado verdadeiro, com

evidente aplicação no campo jurídico. Não se trata de um relativismo no sentido

representacionista, porque não admite várias representações possíveis, sendo

indiferente o uso de qualquer delas; pelo contrário, admite a possibilidade de várias,

mas se permite escolhas e não concorda com a intercambialidade de perspectivas

(RORTY, 1999a, p. 15). Trata-se de uma perspectiva que se assemelha à noção de

descontinuidade histórica, observada em Kuhn (1994), a admitir gramáticas

concorrentes, ou à possibilidade de racionalidades rivais, na acepção de MacIntyre

(1992).

A noção de paradigma, ou matriz disciplinar, tal como empreendida a partir da

obra de Kuhn (1994) autoriza a coexistência de vários vocabulários possíveis e

utilizáveis, cada qual dotado de uma racionalidade, e consequentemente de

parâmetros de refutação. Segundo Kuhn, “um paradigma é aquilo que os membros

de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste

em homens que partilham um paradigma” (KUHN, 1994, p. 219).

O instrumento que possibilita a renovação desses vocabulários é a metáfora

(GHIRALDELLI JR., 1999, p. 52), narrativas que oferecem oportunidade de alteração

em uma dada rede de crenças. Saliente-se, a propósito, a proximidade entre as

noções de metáfora e metonímia na antropologia de Levi-Strauss (1976; 1997), e

entre relações associativas e sintagmáticas em Saussure (1969). Segundo Rorty

(1993a), nossas crenças são alteradas por percepção, inferência ou metáfora, sendo

que nas duas primeiras não há mudança de vocabulário – altera-se o valor de

verdade das sentenças, mas não o repertório das sentenças –, apenas seu

espraiamento, enquanto que na metáfora há alteração no espaço lógico de

alternativas (GHIRALDELLI JR., 1999, p. 57). Possibilitando, por exemplo, a crítica

fora dos espaços demarcados pelo vocabulário criticado, bem como redescrições

para reconfiguração de redes de crenças. Perceba-se, assim, que o direito é

passível de redescrições, sabendo-se que a emergência de novos direitos muitas

vezes exige novos vocabulários.

Paradigma, nos termos da composição kuhniana, se refere a um conjunto de

crenças, valores e técnicas compartilhado por uma comunidade de investigação

(KUHN, 1994), que se apresenta voltado para o estabelecimento de condições para

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a produção do conhecimento, respondendo a problemas que aparecem no seu

contexto. Ainda conforme Kuhn, paradigmas são “realizações científicas

universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e

soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN,

1994, p. 13). O paradigma é o núcleo de uma comunidade de investigação, que

recebe e aceita as realizações científicas passadas e trabalha e difunde o

conhecimento produzido dentro daquela tradição. É, bem assim, elemento que

permite verificar descontinuidades, conceitos trabalhados em ambientes

transicionais, e racionalidades rivais que, por vezes, persistem em um mesmo

ambiente (MACINTYRE, 1991). Afinal, dentro de uma tradição particular na qual se

opera cabe distinguir uma posição em face das posturas pretéritas, com sua

justificação a confrontar as concepções dos antecessores e as possibilidades

abertas para os sucessores, nisso residindo sua própria base de legitimação

(MACINTYRE, 2003, p. 201-202).

Quando um paradigma é confrontado com seus próprios limites, abre-se a

possibilidade de uma recomposição metafórica daquela esfera de conhecimento,

daquela rede de crenças comuns, com a adoção de novo padrão de respostas para

os problemas que aparecem, já em um novo contexto. Uma ruptura de paradigma

ocorre “quando a comunidade científica repudia um antigo paradigma, renuncia

simultaneamente à maioria dos livros e artigos que o corporificam, deixando de

considerá-los como objeto adequado ao escrutínio científico” (KUHN, 1994, p. 209).

Masterman (1979) evidencia algumas questões que derivam da obra de Kuhn,

notadamente a multiplicidade de sentidos conferida pelo autor ao termo. A autora

chega a levantar vinte e um sentidos diferentes dados por Kuhn à palavra paradigma

que, na realidade, será por ele refinada nas décadas subseqüentes à primeira

edição de “A estrutura das revoluções científicas”. Segundo Masterman (1979), Kuhn

usou a expressão paradigma para se referir a algo concreto, tal como aos manuais

ou obras clássicas, às analogias, à gramática, ao baralho de cartas anômalo, à caixa

de ferramentas, à fonte de instrumentos, assim como a uma pré-definição da visão

de mundo do pesquisador, seu modo de pensar, de falar e de agir, vinculando-o ao

código de funcionamento da comunidade de investigação.

O sentido sociológico de paradigma é observado em quatro passagens da

obra de Kuhn, nas quais o termo é definido como realização científica

universalmente reconhecida, como realização científica concreta, como conjunto de

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instituições políticas e como decisão judicial aceita, todas incorporáveis ao conceito

de conjunto de crenças e hábitos comuns a uma comunidade científica (LAKATOS e

MUSGRAVE, 1965).

Rorty (2001) avalia Kuhn como analista da filosófica da ciência, que a vê

dotada de historicidade e contextualização. A justificação das teorias é alimentada

por pressupostos de linguagem que unem ou desatam certas comunidades de

investigação em torno de determinadas matrizes disciplinares, mas sempre num

plano sócio-histórico. O pragmatismo de Rorty enfatiza que não há nada na ordem

social que não tenha sido ali colocado pelas próprias pessoas que a compõem: não

há “nenhum critério que não tenhamos criado no decurso da criação de uma prática,

nenhum padrão de racionalidade que não seja um apelo a um critério desse tipo,

nenhuma argumentação rigorosa que não seja obediência às nossas próprias

convenções” (RORTY, 1999b, p. 45) .

Note-se que, como o neopragmatismo, a perspectiva do conhecimento como

contexto e experiência histórica em Kuhn, remete a um contextualismo anti-

essencialista, anti-representacionalista e anti-fundacionalista. É uma perspectiva

relacional que permite à reflexão jurídica um olhar crítico sobre as doutrinas

tradicionais e um trabalho de análise consentâneo com o contexto da sociedade

hipermoderna em que vivemos.

Perceba-se, também, que a noção de paradigma nas ciências sociais opera

de forma menos rígida que em outros ramos do conhecimento (CRUZ, 2009),

notadamente as chamadas ciências naturais e as matemáticas. É que nas ciências

sociais não ocorre, necessariamente, o modelo de crise paradigmática seguida de

novas possibilidades competindo entre si até a imposição de um enfoque mais

adequado suplantando os demais e estabelecendo as bases de uma revolução

científica11, não havendo progressividade, linearidade e homogeneidade (KUHN,

1994, p. 177).

Assinale-se, então, que o conceito de paradigma é aplicável às ciências

sociais e particularmente ao direito, mas com cautela (CRUZ, 2009), já que a

perspectiva vinculada a um paradigma o tem como cartografia e limite. É mediante

pressupostos paradigmáticos que a linguagem se torna possível. Um paradigma

jurídico pode sedimentar uma visão de mundo expressa em vocabulários que

11 Observe-se a posição madura de Kuhn (2006, p. 265-273) a respeito dessa diferença, em contraste com aquela assumida na primeira versão de “A estrutura das revoluções científicas”.

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decorrem de práticas sociais naturalizadas, que operam como um filtro seletivo a

condicionar jogos de linguagem e possibilitar o funcionamento do sistema do direito.

Com efeito, não se percebe no direito um consenso estável sobre um

paradigma de pesquisa, mas, pelo contrário, a manutenção de disputas entre

concepções diferentes acerca do fenômeno jurídico. Um paradigma apresenta a

questão reconstruída metaforicamente. O sintagma opera por metonímia e permite

relações dentro de uma determinada base, sem a possibilidade dessas

transposições. No caso do direito, a persistência de racionalidades rivais permite,

talvez, a referência a uma concepção macroparadigmática fundada na constatação

da peculiaridade do direito moderno como normatividade social especializada e

diferenciada – juridicidade -. Cabe reconhecer, todavia, a coexistência de inúmeras

gramáticas e concepções em convívio e disputa, algumas das quais contraditórias

entre si.

Quando se indaga, considerando o direito como linguagem, que vocabulário

usamos, abre-se uma idéia geral de paradigma com aplicação complexa no campo

do direito. É importante, nesse ponto, perceber a noção e, mais que isso, a

percepção mais ampla contida na obra de Kuhn e autores próximos, sobre a

necessidade de perspectiva para a possibilidade de jogos de linguagem. Tal

percepção permite avaliar que, na coexistência de racionalidades rivais, diferentes

sistemas sociais, em tese partilhando o mesmo contexto e participando dos mesmos

jogos de linguagem, na realidade estão a produzir comunicação em termos

enviesados, dado o fato de utilizarem vocabulários distintos. Esse descompasso fica

evidente, por exemplo, na manutenção do patrimonialismo sobre a legalidade

burocrática, do clientelismo sobre o universalismo da cidadania formal, e na

edificação de um direito simbólico, cuja funcionalidade material é comprometida.

Essas nuanças são particularmente evidentes no direito das políticas públicas e, de

fato, grande parte dos conflitos e dilemas decorrem do uso de vocabulários distintos

nas interações promovidas pelo sistema.

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3. O DIREITO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

3.1. Introdução

A experiência jurídica das sociedades contemporâneas é marcada por

determinadas concepções e pela constatação de um direito forjado ao influxo de

mudanças sociais próprias da denominada modernidade. Cumpre reconhecer nesse

direito estruturas e funções que o identificam e lhe conferem sentido, bem como

explorar suas consequências na prática social. Pretende-se, assim, uma análise

sociológica capaz de averiguar a funcionalidade do direito e seu potencial de

intervenção, os quais se conjugam com um fundamento jusfilosófico de orientação

pragmatista que alicerçará o exame jurídico das políticas públicas. Esse dado

sociológico permitirá uma análise na qual a atuação dos sistemas do direito e da

política estará associada à chamada dogmática jurídica de forma interdependente.

A referência ao direito na modernidade demanda assinalar, previamente,

características das sociedades modernas. Trata-se de um elenco conceitual e factual

que, em linhas gerais, expõe uma sociedade complexa, pois vivida mediante

interesses, necessidades e percepções extremamente diversificados, rompida com

parâmetros tradicionais, individualista, e que adota uma racionalidade do tipo

instrumental como padrão de organização. Tal exposição é adequada às sociedades

pertencentes ao hemisfério norte ocidental, porém, em graus diferenciados, se aplica

àquelas estabelecidas em sua órbita.

O direito estabelecido nessas sociedades é caracterizado pela teoria jurídica,

em uma concepção habitual, como criação da ordem estatal e objeto de lei em

sentido estrito (LATORRE, 2002, p. 25), no que muito se diferencia dos modelos

anteriores (LATORRE, 2002, p. 39). Permanece, contudo, sendo considerado

aspecto de uma realidade social mais ampla (LATORRE, 2002, p. 148). É um direito

centrado na lei, e essa lei é expressão de um processo de racionalização (KELSEN,

2000, p. 39), especialização (LEVI-BUHL, 1997, p. 56) e realização social de uma

função especificamente jurídica (CAVALIERI Fº, 2006, p. 198). A par das nuanças

que escapam dessa perspectiva monista, nela já se percebe um direito que se

distancia das formas anteriores e se adapta à sociedade moderna.

Já na sociologia clássica autores como Sumner Maine (1993), Durkheim

(1975) e Weber (1971), entre outros, caracterizaram a sociedade moderna

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acentuando o papel do elemento jurídico. Giddens (1993), conferindo e criticando

determinados pressupostos dessa sociologia, realça a idéia de uma organicidade

social nela presente (GIDDENS, 1993), bem como a perspectiva de uma

modernidade racionalizada em termos weberianos (WEBER, 1969), a qual se

associa a um funcionalismo (GIDDENS, 2000a) assentado na divisão do trabalho

social (DURKHEIM, 1995).

Sumner Maine (1993) evidencia o papel do direito na passagem de uma

sociedade mediada pelo status social, para outra centrada no “contrato”, instrumento

jurídico típico da modernidade capitalista (PASHUKANIS, 1989). Trata-se de um

direito que aparece como reflexo da hegemonia burguesa na sociedade capitalista,

mas que, como analisou Friedmann (1951)12, está apto a produzir modificações na

sociedade, afetando a dinâmica econômica e social, tal como faz a legislação que

dispõe sobre proteção social (FRIEDMANN, 1959, p. 90-91).

Em qualquer hipótese, tem-se a emergir uma dimensão racional-legal

imanente ao processo de modernização que, na esteira da ruptura com esquemas

tradicionais de ordenação social, provoca uma tendência à burocratização da vida

em sociedade. Funcionalmente, apenas a autoridade burocrática, nos termos

weberianos, seria capaz de administrar os grandes sistemas sociais e as grandes

organizações modernas (GIDDENS, 2000a, p. 372).

Essa racionalização intensifica o componente jurídico-social e se expressa em

elementos como hierarquia, impessoalidade, regras escritas, funcionários

especializados e separação de tarefas (WEBER, 1971). E radicaliza-se, ainda que

em contextos de abundância, no alto capitalismo vivenciado no século XX, em uma

sociedade caracterizada e diferenciada socialmente pela possibilidade do consumo,

em que pese situações de anomia, marcadamente as exclusões de fato, incluindo

fome e penúria endêmica, mesmo em sociedades ricas (BAUDRILLARD, 1970).

Trata-se de uma sociedade na qual o direito passa, paulatinamente, de

circunstância superestrutural subordinada a protagonista, no bojo de um processo

social que envolve, simultaneamente, burocratização, especialização e

reconfiguração das noções de direito e cidadania.

O direito moderno se organizou em torno de um paradigma científico

submetido à hegemonia capitalista, expressão de uma dinâmica civilizatória que se

12 O trabalho do autor discorre sobre a legislação trabalhista britânica editada ao influxo das tensões oriundas das relações entre capital e trabalho no limiar do Estado social.

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dispôs a regular a vida humana no planeta (SANTOS, Theotônio, 1999, p. 9). Weber

(1969, p. 209), advogando estatutos distintos para dogmática jurídica e sociologia do

direito, reconhece na normatividade social contemporânea a marca da positividade

estatal, elemento de racionalidade legal. O direito comparece como fato social, em

conexão com os demais atores e estruturas sociais, razão pela qual o fenômeno

jurídico deve ser observado de forma relacional e sistemática, como elemento que

condiciona estruturas e estabelece possibilidades de ação (SALDANHA, 1970, p.

54).

Em sintonia com esse processo social pode-se verificar uma sociologia do

direito, dotada de autonomia epistemológica, que se distingue por seus

desenvolvimentos na sociologia das organizações; pelo interesse da teoria política

pelo Poder Judiciário e sua relação com a política; e pela antropologia do direito,

com destaque para os mecanismos de aparecimento, mudança e operatividade do

sistema jurídico nos diferentes meios sociais (SANTOS, 1994, p. 143-144).

Cumpre assinalar, sob essa ótica, a distinção de um registro de investigação,

de um registro de organização, e de um registro de transmissão dos estudos

jurídico-sociológicos. E, além disso, o enfrentamento do “gap problem” (NELKEN,

1986, p. 191-216), que consiste na dissociação do direito das ciências sociais e a

dicotomia entre uma visão interna e outra externa do direito (FERREIRA, 2005, p.

33-34), referida no capítulo anterior. Autores como Barbalet (2001) e Turner (1993)

enfatizam a importância de a sociologia trabalhar conceitos associados ao direito,

como norma, legitimidade e valores, todos importantes para uma reflexão sobre o

direito na sociedade contemporânea (TEUBNER, 1981). Trata-se de uma vertente

que não se resume a pesquisar o direito como um conjunto de fatos sociais

(OLIVECRONA, 1959, p. 98), mas que identifica a sociedade humana como o meio

no qual o direito aparece e se desenvolve (LIMA, 1955, p. 7), com implicações

recíprocas para qualquer estudo jurídico que tenha o contexto como pólo de

referência e que assuma como pólos analíticos prioritários as relações entre política,

Estado e Direito, bem como a posição do direito estatal no atual estágio da

modernidade (FERREIRA, 2005, p. 31-43).

A proposta deste capítulo é realizar um sucinto apanhado de algumas das

principais abordagens sociológicas sobre o direito na modernidade reflexiva13, a fim

13 O termo “modernidade reflexiva”, é adotado no trabalho, já que uma noção de modernidade aprofundada é preferível à de pós-modernidade, até porque o termo pós-modernidade esconde

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de possibilitar uma apropriada análise da recente juridicização das políticas públicas

e seus efeitos.

3.2. A sociedade moderna

Inicie-se a explanar as características das sociedades modernas e do direito

na modernidade. Uma sociedade que se apresenta sob o modo de produção

capitalista, politicamente centrada na figura estatal, estabelecida consoante o padrão

racional-legal, especializada funcionalmente, dotada de múltiplos atores e estruturas

sociais, organizados na forma de sistemas comunicativos que operam nos termos de

linguagem específica e autorrefenciada. Um direito que se mostra como direito

escrito, estatal, constitucionalizado, prescritivo, prospectivo, criado e legitimado

segundo procedimentos pré-estabelecidos. É certo que essa forma exemplar ocorre

principalmente nas sociedades situadas nos Estados centrais do sistema capitalista.

As sociedades postadas em sua periferia assimilam esses atributos de maneira

desigual e parcial, o que ocasiona processos sociais enviesados, com resultados

diversos daqueles apontados em determinadas análises e tipologias clássicas, que

enfocam, essencialmente, sociedades que vivenciam o alto capitalismo, mormente

em sua versão pós-industrial (ECHEVARIA, 1967, p. 65-71).

Segundo Gellner (1971), é peculiar da sociedade moderna o caráter

secularizado, naturalista, voltado para a mudança, dinâmico e reflexivo acerca de

suas próprias condições. Para esse autor, sociedades em transição passam por uma

experiência metamórfica, marcada por desorientação, desordem, crise de

identidade, sensação de caos e busca de ordem, de segurança, de direção, de auto-

imagem determinada (GELLNER, 1964). É um percurso tingido por crise moral e

existencial, com perda de identidade. As mudanças permanentes, sucessivas e

crescentes vividas na modernidade impõem uma inversão na seleção de valores,

que da tradição passam à experiência da mudança. Também a legitimidade, no

sentido político, se coloca em aberto, na medida em que a política se torna mais

reflexiva (GELLNER, 1974). O reassentamento exigido pelo mundo moderno

disputas internas sobre concepções diversas acerca de interpretações sobre a modernidade, conceito que permanece dominante (GUTTING, 1999, p. 3) e possibilita uma melhor demarcação do direito. Ver, a respeito no item 3.3., a seguir.

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pressupõe que as mudanças inerentes à transição de uma sociedade agrária para

uma sociedade industrial são incompatíveis com a preservação das formas sociais e

crenças da anterior, exigindo outro padrão de justificação (GELLNER, 2006, p. 62 e

ss.). O mundo que se forma a partir do século XIX e ao longo do século XX

aprofunda e amplia os efeitos da modernidade. É, nesse sentido, significativa a

paisagem traçada por Hobsbawn acerca do cenário verificado em fins desse

período:

“O grande paradoxo de fin-de siècle do século XX era que, por todos os critérios mensuráveis de bem-estar e estabilidade sociais, viver numa Irlanda do Norte socialmente retrograda mas tradicionalmente estruturada, sem emprego, e após vinte anos ininterruptos de algo semelhante a uma guerra civil, era melhor, e na verdade mais seguro, do que viver na maioria das grandes cidades do Reino Unido. O drama das tradições e valores desmoronados não estava tanto nas desvantagens materiais de não ter os serviços sociais e pessoais outrora oferecidos pela família e pela comunidade. Estes podiam ser substituídos nos Estados de Bem-Estar prósperos. (...) Estava na desintegração dos velhos sistemas de valores e costumes, e das convenções que controlavam o comportamento humano. Essa perda foi sentida”. (HOBSBAWN, 2000, p. 334).

A interpretação da modernidade é tributária da obra de alguns pensadores

que se dedicaram a analisá-la, diagnosticando a mudança e projetando

possibilidades. Entre os principais autores desse período destacam-se Marx,

Durkheim e Weber. Da mesma época é Sumner Maine14, precursor nos estudos de

sociologia do direito, cuja teoria social evolucionista data da segunda metade do

século XIX e constitui, por exemplo, influencia para Durkheim em sua análise da

transformação das sociedades de solidariedade mecânica e direito repressivo em

sociedades caracterizadas pela solidariedade orgânica e pelo direito restitutivo.

Outros autores, como Hobhouse15 e Tarde16, que notará a passagem das

sociedades alicerçadas em um sistema de costumes para um fundado na norma

artificial (TARDE, 1947), também determinarão um olhar sociológico sobre o direito

moderno, que vai ser tomado de modo mais influente nas obras de Durkheim e

Weber.

Marx dedica sua obra ao estudo da sociedade capitalista, na qual enxerga

uma estrutura de dominação baseada no poder do capital, a constituir um esquema

14 Sobre o autor, ver, por exemplo, em MAINE (1993). 15 Sobre o autor, ver em HOBHOUSE (1922; 1924). 16 Sobre o autor, ver em TARDE (1947; 1969; 2007).

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não completamente hierarquizado e destituído de mediações sociais do tipo

tradicional, próprias de sistemas como o feudal ou o escravista (MARX, 1946).

Nessa ordem, são marcantes o uso do Estado como meio de regulação social, o

controle do trabalho pelo capital e um direito liberal voltado para os interesses da

burguesia (PASHUKANIS, 1989). Apesar dessas marcas, o autor nota um Estado

desgarrado do poder personalizado e organizado mediante instituições permanentes

e duradouras (MARX, 1986), o que lhe conferirá uma trajetória peculiar, a ser

explorada adiante neste trabalho.

Caracteriza esse Estado uma contradição entre espaços público e privado e

interesses gerais e particulares, assim como uma administração formalista, em

relação com uma sociedade civil fundada no reconhecimento político-jurídico de

direitos do homem, como fundamento estruturante da ordem capitalista, na qual

privilégios feudais foram abolidos e dissolvidos (MARX, 1966, p. 11-17).

Também na obra marxiana há o relato da divisão do trabalho como fruto da

racionalização presente na organização social moderna, ditada pelas relações de

produção capitalistas e que, de resto, permeia as demais relações sociais (MARX,

2009, p. 25-26). Um movimento de contínua autodestruição inovadora (BERMAN,

1987, p. 97 e ss.) marca essa sociedade, afetando o direito nela produzido e vivido,

em geral, por meio de parlamentos (KELSEN, 2000, p. 47), órgãos especializados

segundo um princípio de divisão do trabalho, a produzir material legiferante em

escala industrial. Esse o ambiente relatado por Marx e Engels:

“O constante revolucionar da produção, a ininterrupta perturbação de todas as relações sociais, a interminável incerteza e agitação distinguem a época burguesa de todas as épocas anteriores. Todas as relações fixas, imobilizadas, com sua aura de idéias e opiniões veneráveis, são descartadas; todas as novas relações, recém-formadas, se tornam obsoletas antes que se ossifiquem. Tudo o que é sólido desmancha no ar ...”(MARX e ENGELS, 1998, p. 11).

Nos trabalhos de Marx fica esboçada uma sociologia do direito, mormente em

seus textos sobre as relações entre o modo de produção econômico e estruturas

ideológicas, como o próprio Estado nacional. Entre outros autores, Phillips (1970),

Cain e Hunt (1979), Michel (1983), e Lascoumes e Zander (1984), explorando

diferentes sendas, apontam a contribuição de Marx para um primeiro olhar sobre o

direito da sociedade moderna. A crítica marxista ao capitalismo é importante, ainda

hoje, como fonte para uma análise dos usos sociais do direito, inclusive em

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perspectivas que o autor não poderia suspeitar quando da publicação de seus

trabalhos.

Na abordagem de Durkheim (1995), o direito já assume certa centralidade na

sociedade contemporânea, especialmente em sua teoria da consciência coletiva e

das solidariedades sociais. O autor descreve a emergência do que denominou

solidariedade orgânica na sociedade moderna, em oposição à solidariedade

mecânica própria das sociedades tradicionais. Nessas, predomina um direito

repressivo, derivado de grande coesão social e forte consciência coletiva. Na

modernidade floresce um direito dito restitutivo, fruto de uma frágil consciência

coletiva, subordinada ao individualismo (DURKHEIM, 1995). A influência

durkheimiana é marcante na análise sociológica do direito, merecendo destaque sua

influência nos trabalhos de Hauriou (1896), Duguit (2005), Renard (1935), Lévy-Bruhl

(1997) e Carbonnier (2004).

Max Weber propõe uma teoria compreensiva da sociedade, na qual o direito é

ponto distintivo (PARSONS, 1965, p. 174 e ss.). Em sua concepção, direito, política,

moral e economia assumem feição singular na sociedade moderna, que se distingue

pela substituição de esquemas tradicionais de dominação pela lógica da autoridade

racional-legal (WEBER, 1971). Em Weber (1969) as relações entre direito e poder

político e econômico se sofisticam e escapam tanto do determinismo econômico

quanto do idealismo jurídico. Sobressai sua percepção do direito como função social

específica.

O autor expõe suas tipologias acerca do poder na sociedade mediante as

formas de dominação predominantes em cada padrão de organização social, bem

como os modelos de administração pública, entre os quais o burocrático, próprio da

modernidade (WEBER, 1969). Percebe-se que, mais que tipos sociais, Weber

procura compreender as formas de estruturação das sociedades conforme o grau de

complexidade de cada uma delas.

Relacionando dominação e legitimidade, conceitos típicos de sua gramática,

Weber (1969) evidencia o direito como mecanismo de legitimação de regras,

instituições e autoridades nas relações sociais modernas. Tal legitimidade, porém, é

dotada de natureza probabilística. Essa dominação racional “repousa sobre a crença

na legalidade de ordenações instituídas”, já que se obedece a “ordenações

impessoais e objetivas”, legal e formalmente instituídas (WEBER, 1969, p. 173-174).

O direito goza de presunção de racionalidade, sendo abstrato, geral e formal e

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“pretensão de ser respeitado” por aqueles a que se dirige. É um direito que assume

a função de mediação universal das relações sociais, legitimando-as nos espaços

público e privado (WEBER, 1969).

Na obra weberiana a racionalização da sociedade moderna envolve um

arranjo complexo, no qual três fenômenos importantes se relacionam: o

desencantamento do mundo, decorrente da intelectualização; a racionalidade

instrumental, orientada por relações entre meios e fins; e uma ética voltada para

objetivos racionalmente fixados (GIDDENS, 1998, p. 55). Tal racionalização é

necessariamente vinculada a aspectos jurídicos, eis que a burocratização depende

do desenvolvimento de normas racionalizadas e formais do tipo dogmático-legal

(GIDDENS, 1998, p. 61). Nesses termos, acentua Giddens (1998, p. 62), “o advento

da lei racional sinalizava uma diminuição do poder desses sistemas tradicionais de

dominação”.

Os modelos explicativos propostos nessas teorias servem de suporte para

que, ao longo do século XX, a análise da sociedade moderna fosse aprofundada, no

mesmo passo em que as consequências dessa modernidade atingem um grau de

aprofundamento por elas não abrangido. Não apenas se vive a desagregação do

mundo da tradição (LIPOVETSKY, 1986), mas predomina uma descrença na

promessa emancipatória liberal. A vida é vivida sob a tensão, o medo, e o risco, em

um “ambiente social agressivo” (LIPOVETSKY, 2004, p. 21), no qual um amplo

processo de dessacralização de valores sobrecarrega o papel social do direito, cuja

normatividade se subdivide por esferas como família, produção, mercado,

comunidade, cidadania e mundo (SANTOS, 1996). Tem-se, modernamente, uma

organização social que, assim, se distingue:

“Os sistemas sociais assentam em práticas de socialização que fixam valores e orientações a valores, distribuindo uns e outras pelos diferentes espaços estruturais de relações sociais, segundo as especificidades destes, elas próprias fixadas segundo critérios de especialização funcional socialmente dominantes” (SANTOS, 1996, p. 55).

Ao contrário das sociedades anteriores, vive-se no futuro, não no passado

(GIDDENS e PIERSON, 2000, p. 73). E “viver após o fim da tradição é

essencialmente estar em um mundo onde a vida não mais é vivida como um destino”

(GIDDENS e PIERSON, 2000, p. 141). Trata-se de uma sociedade moderna cuja

feição apresenta um conjunto de atitudes perante o mundo, como a possibilidade de

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intervenção humana sobre todos os aspectos da vida; a provisão de bens e serviços

orientada pela produção industrial e pela economia de mercado; e um complexo de

instituições políticas, cada vez mais juridicizadas. A esse relato se soma a perda da

tradição como orientação sólida e geral e, com ela, a perda da moral como

normatividade social, especialmente afetada pelo individualismo e pelas formas

sociais crescentemente especializadas e complexas, a gerar focos de valores,

necessidades e interesses dispersos e desconexos. A menção de Weber a um

desencantamento do mundo com a extinção das formas tradicionais de autoridade e

conhecimento, e a análise marxiana do capitalismo, ressaltando aspectos como a

alienação e a ideologia produzidas pela dinâmica do sistema sócio-econômico, são

recolocados em outros termos na sociedade pós-industrial, a refletir ampliação de

perspectivas e possibilidades e aprofundamento de riscos, instabilidade e

consequências em geral.

Analista desse processo, Habermas percebe na sociedade ocidental moderna

a ocorrência de múltiplos processos de diferenciação, mediante os quais sistemas

sociais cada vez mais estruturalmente complexos e funcionalmente especializados

se dissociam dos processos de comunicação presentes no chamado “mundo da

vida”17 (HABERMAS, 1984, p. 153). Cada um desses sistemas foi se diferenciando e

se apartando do mundo da vida. Viram-se dotados de codificação própria, a

compartilhar uma possibilidade de ação comunicativa capaz de sintetizar essa

diversidade e produzir situações de consenso ou conflito regrado. Essa

diferenciação sistêmica possui lógica diversa da que permeia o mundo da vida, no

qual inúmeras situações exigem entendimento mútuo como forma de socialização e

coordenação da ação social (HABERMAS, 1984, p. 330), e gera pontos de tensão

entre uma racionalidade instrumental e princípios que regem a interação social. Para

o autor, há uma relação entre mercado, burocratização e mundo da vida, cada qual

com a sua racionalidade, a produzir um espaço público favorável à democracia

(AVRITZER, 1996, p. 18), que comparece escorada no constitucionalismo moderno,

se vincula à lógica interacionista do mundo da vida e se opõe à especialização e aos

17 O termo é usado por Habermas como referência a um horizonte de crenças socialmente compartilhadas por uma dada comunidade linguística, “modelos consentidos de interpretação, lealdade e práticas” (HABERMAS, 2002, p. 86). Remonta a Husserl, e denota um espaço de experiências, certezas pré-categoriais, relações intersubjetivas e valores que são familiares no trato cotidiano. Não se refere ao mundo natural, mas ao mundo histórico-cultural, com seus usos e costumes, valores e saberes, contra o qual se opõe uma imagem de mundo estabelecida pelas ciências. Ver em PIZZI (2006).

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meios de controle do mercado (lucro) e à burocracia que organiza o poder político

(HABERMAS, 1984, p. 345).

Esse diagnóstico da modernidade funda a teoria social habermasiana que

reúne razão comunicativa, direito e democracia. Em que pese o potencial pragmático

contido na reflexão do autor, sua crença em um discurso intersubjetivo produzido a

partir das possibilidades de comunicação entre indivíduos o conduz à reconstituição

de um fundamento metafísico para o conhecimento. Há um conflito entre o exercício

de papéis sociais primordiais por sistemas especializados, a definir a sociedade em

termos funcionais especificamente codificados, e uma ação comunicativa de base

individual, resolúvel apenas mediante a crença em uma razão comunicativa

hipostasiada. A estrutura dos sistemas sociais tende a condicionar lingüisticamente a

comunicação, de maneira que, mais que intersubjetividades discursivamente

produzidas, temos papéis desempenhados por sistemas sociais autopoiéticos e

autorreferenciados, nos quais a ação individual é circunscrita, total ou parcialmente,

ao indivíduo enquanto sistema fisiológico e instrumento comunicativo. A

racionalidade individual se ajusta em acoplamento estrutural com a racionalidade

estrutural, de maneira a condicionar os discursos socialmente possíveis.

Observando os processos de produção e aplicação do direito, pode-se afirmar que o

direito é produzido pela ação que ocorre dentro de estruturas jurídicas - o sistema do

direito - que são dotadas de racionalidade (código/função) especial. Isso não

significa nem que seu conteúdo não possa ser discutido, permanecendo, contudo,

jurídico, nem que a ação jurídica individual não possa irritar o sistema do direito.

Giddens (1992) assinala, ainda, a pertinência da questão espaço-temporal. O

autor compara sua reorganização nas primeiras civilizações de escrita e de filosofia

e a experiência de reorganização da sociedade da informação atual. Observe-se que

essa análise permite uma visão do direito, segundo a qual se percebe no primeiro

caso a emergência de leis escritas e da organização das profissões jurídicas e de

um sistema de direito, embora ainda imerso em multifuncionalidade social. No

período presente o direito aprofunda seu papel social e assume posição central,

porque almeja alcançar uma pluralidade de eventos comunicativos percebidos em

um ambiente composto por crescentes sistemas especializados. Não é mais um

direito que dá sentido e reflete uma comunidade, mas um direito que agrega e filtra

diversas concepções de sentido, tradições e valores e lhes possibilita um uso

instrumental.

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O elemento jurídico na sociedade moderna (CARBONIER, 2004, p. 303 e ss.)

é posicionado segundo sua especificidade, em espaço normativo de caracterização

incerta, a demandar o estabelecimento de critérios de diferenciação (CARBONIER,

2004, p. 318). Verifica-se alguma plasticidade nesse direito, cujas formas básicas se

adaptam a diversas ordens sociais concretas, mas características específicas como

o constrangimento da norma e a produção predominantemente estatal e complexa

(CARBONIER, 2004, p. 331 e ss.).

Perceba-se que o direito não é mera expressão de uma base econômica ou

social dada, mas se vincula a relações sociais concretas. Deriva dessa premissa que

o direito possui uma “dinâmica própria” e não é apenas um meio de conservação de

certa organização sócio-econômica (LOPES, 1997, p. 34), já que pode, sob certas

circunstâncias, ser instrumento de mudanças.

O direito moderno traz em sua gramática a mutabilidade - diferentemente do

direito tradicional, fundado sobre o passado - estatuindo, ainda, a própria

normatização que rege os procedimentos de mudança. Considera-se, entretanto,

que há limites de sentido a envolver essa possibilidade de mudança (LOPES, 1997,

p. 29). Afinal, como atentou Parsons, o direito é instituição integradora, que

padroniza outras relações sociais de significância, pretendendo-se a expressão de

uma vontade social (PARSONS, 1964, p. 50-68).

3.3. A modernidade reflexiva

Mais especificamente, este trabalho adota uma determinada concepção

acerca da sociedade moderna presente nas obras de um conjunto de autores

contemporâneos que definem o período atual a partir de sua peculiar aplicação

reflexiva do conhecimento sobre o mundo social (BECK, GIDDENS e LASH, 1997).

Em vez de afirmar uma passagem da modernidade à chamada pós-

modernidade, autores como Giddens (1996) e Beck (1997) preferem considerar uma

modernidade reflexiva, na qual as consequências da modernidade são radicalizadas

e, tendencialmente, universalizadas (GIDDENS, 1991b). Trata-se de um processo

contínuo de transformações sociais sucessivas, tendente à autonomização, que

coloca em conflito antigas convicções e novas perspectivas em grau mais acentuado

que nas primeiras etapas modernas, obrigando aos agentes e estruturas sociais uma

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permanente atitude reflexiva (GIDDENS, 1991b). Provoca, portanto, um agir voltado

para o futuro, na medida em que as práticas sociais estão sendo reexaminadas e

reformuladas consoante o fluxo crescente de informações geradas por sistemas

sociais cada vez mais complexos (GIDDENS, 1991b).

A modernidade - o ser moderno - tem como característica principal o

rompimento com o passado, em uma sociedade que não está mais sujeita às

tradições, costumes, hábitos, rotinas e crenças que caracterizavam sua história

(BECK, GIDDENS e LASH, 1997). Não se nega a existência das tradições, mas se

percebe que seu papel foi alterado. Elas passam a concorrer com diversas outras

perspectivas de guia da ação social (GIDDENS, 1991a). Inúmeras tradições

compõem um vasto mosaico na ordenação da ação social. Os recursos dessas,

antes vinculantes em uma situação espaço-temporal rígida e determinada, agora são

flexíveis, plásticos e moldáveis, a estabelecer fontes alternativas de conhecimento e

valores em contextos contingentes de tomada de decisões. Não é uma sociedade

tradicional, mas composta de várias tradições e uma abertura sem precedentes, já

que “quando o passado perde sua influência, ou torna-se apenas uma razão entre

outras para alguém fazer o que faz, os hábitos preexistentes representam apenas

diretrizes limitadas para a ação, ao passo que o futuro, aberto a numerosos

cenários, torna-se irresistivelmente interessante” (GIDDENS, 1994a, p. 92).

A referência passa a ser “uma modernidade elevada à potência superlativa”,

pois “longe de decretar-se o óbito da modernidade, assiste-se a seu remate”

(LIPOVETSKY, 2004, p. 53), assentado na ruptura com contrapesos sociais,

contramodelos e contravalores que ainda enquadravam a modernidade. Agora, “nem

todos os elementos pré-modernos se volatilizaram, mas mesmo eles funcionam

segundo uma lógica moderna, desinstitucionalizada” (LIPOVETSKY, 2004, p. 54).

A modernidade reflexiva ou de risco difere da chamada pós-modernidade,

porque nesta assume-se a transposição do momento moderno com suas

características, e a superação do político - ou político-jurídico - como mediação

social. O conceito de modernização reflexiva, ao contrário, pressupõe e gera uma

política. Conforme estabelece Giddens, “a reflexividade social se refere a um mundo

que é cada vez mais constituído de informação e não de modos preestabelecidos de

conduta. É como vivemos depois que nos afastamos das tradições e da natureza,

por termos que tomar tantas decisões prospectivas” (GIDDENS, 2000b, p. 88).

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A passagem de uma modernidade simples para uma modernidade reflexiva

(BECK, 1997) reflete um processo de radicalização, com acentuada erosão da

tradição, a obrigar uma ação reflexiva, que impacta e é impactada por processos

estruturantes. Enfrenta, pois, um futuro incerto e problemático (GIDDENS, 2000b, p.

87). Não é pós-moderno, porque os princípios dinâmicos da modernidade ainda

estão presentes (GIDDENS, 2000b, p. 88), embora possa haver uma transição

(SANTOS, 2009b).

Modernização reflexiva possui caráter normativo e trata não de mera reflexão,

mas de (auto) confrontação da modernidade com a própria modernidade. Passa-se

de um destino produzido metassocialmente para um destino produzido socialmente

(GIDDENS, 1991a, p. 122) e, a partir desse “sequestro da experiência”, podem se

associar uma relação instrumental do homem com a natureza e uma perspectiva

científica com exclusão da dimensão ética (GIDDENS, 1996, p. 41). Vê-se que a

expansão de opções não se dissocia da atribuição de riscos (BECK, 1997), pois a

modernidade também “produz diferença, exclusão e marginalização” (GIDDENS,

1996, p. 39).

Nessa modernidade se possibilita a cada indivíduo a construção de sua

identidade, seu estilo de vida, que será autodefinido conforme mais ou menos

constrangimentos e oportunidades, em relação com uma auto-atualização humana

nos níveis individual e coletivo, como derivação da promessa emancipatória da

modernidade. Isso exige novas formas de compromisso político e de enfrentamento

de dilemas morais específicos que afetam as questões existenciais (GIDDENS,

1996, p. 43).

Nessa sociedade moderna a institucionalização de sistemas burocráticos e

tecnológicos cumpre a função de sedimentar uma estruturação capaz de manter

essas diferentes possibilidades. Na modernidade reflexiva, caracterizada pela

radicalização dos atributos da modernidade em extensão e intensidade, há menos

limites externos à ação social, no entanto, exatamente porque a sociedade moderna

é cada vez mais moldada pelas suas próprias ações, há mais riscos e

oportunidades, envolvendo escolhas que devem ser feitas a cada momento.

Os riscos e condicionantes naturais cedem aos riscos produzidos socialmente

e as identidades sociais são cada vez mais ambíguas, porque não se sustentam

mais apenas em tradição, valores, parentesco e culturas compartilhadas. E o direito

deve dar conta dessas situações, estabelecendo meios para condicionar

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socialmente comportamentos e reduzir riscos, o que lhe acarreta a necessidade de

produzir jogos mais ou menos complexos, de acordo com certas finalidades

socialmente ‘produzidas’, a fim de induzir a possibilidade de adesão a determinados

padrões de conduta.

Sistemas sociais compreendem ajustes entre relações espaço-temporais

(GIDDENS, 1981). Toda sociedade histórica codifica relações de espaço e tempo

em suas instituições, costumes e práticas (GIDDENS, 1984). Toda ação social está

localizada no tempo e no espaço, mas, simultaneamente, dá substância ao tempo e

ao espaço. Nas sociedades tradicionais, pré-modernas, tempo e espaço estão

acoplados e presos a um lugar físico, um contexto espacial limitado. O ‘quando’ e o

‘onde’ estão juntos. Na atual modernidade isso não ocorre mais, porque tempo e

espaço se dissociam. O computador e a televisão desafiam a distância e permitem

sucessivas reprises e revisões. Transações são feitas à distância em tempo real.

Toda a ação social ocorre no tempo e espaço, mas na modernidade elas impactam a

organização de tempo e espaço de maneira diferente das tradicionais (GIDDENS,

2000b).

Perceba-se, especialmente na obra de Giddens (1984), consoante os eixos

centrais nela fixados18, que essa ordem social multidimensional é caracterizada pelo

capitalismo, industrialismo, vigilância e poder militar (GIDDENS, 1991b), cada uma

comportando uma dinâmica de risco respectiva, na crise econômica, degradação

ecológica, totalitarismo e guerra geral. Reflexividade entra como categoria chave

para a compreensão da sociedade moderna, na qual o direito comparece como

“mecanismo de desencaixe”, a permitir que os vínculos sociais e a sensação de

pertencimento a uma comunidade sejam sobrepostos e coexistam com meios que

deslocam as relações sociais de contextos locais de interação (GIDDENS, 1991b, p.

29). De forma peculiar, o direito adota a forma de “fichas simbólicas”, meios de

intercâmbio que circulam indiferentes a estruturas e grupos sociais determinados19.

Assume, simultaneamente, a forma de “sistema perito”, que é um “sistema de

excelência técnica ou competência profissional que organiza grandes áreas dos

ambientes material e social em que vivemos hoje” (GIDDENS, 1991b, p. 35).

Apresenta-se, pois, como mediação especializada e universalizada, compondo, por

18 A obra de Giddens compreende três aspectos principais: uma reconstrução da teoria social; uma reinterpretação da modernidade; e a reformulação de uma teoria crítica da política. 19 Como também o dinheiro, por exemplo.

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exemplo, mecanismos de resistência dos Estados nacionais em face da globalização

ou possibilidades emancipatórias vivenciadas nos diálogos múltiplos e mais intensos

que passam a se realizar em redes cada vez mais abrangentes e complexas.

3.4. Individualismo, valores e o direito na moderni dade

Um dos aspectos mais proeminentes da modernidade é o individualismo. É

perceptível nas sociedades contemporâneas, em seu estágio reflexivo e globalizado,

uma tendência à individualização da vida social e à segmentação social, fenômenos

que se conjugam a processos mais ou menos amplos de corrosão das estruturas de

coesão interna dessas mesmas sociedades.

A esses processos pode-se acrescentar um aprofundamento da dinâmica de

diferenciação social e especialização funcional que, por vezes, se associam ao

crescimento de desigualdades e marginalização de camadas social e

economicamente frágeis, além de gradual esfacelamento das solidariedades sociais.

Pode-se afirmar que o individualismo contribui para o agravamento do risco social e

da relativa invisibilidade deste risco (HESPANHA, Pedro, 2002). Explica Hespanha

esse duplo movimento:

“Por um lado, um efeito de segmentação social, consistindo na descolagem dos segmentos mais débeis dos grupos sociais situados na base da sociedade e na promoção dos mais fortes situados no topo. Por outro, um efeito de individualização da vida social, ou seja, uma maior autonomia dos indivíduos relativamente às estruturas coletivas de autoridade baseadas na tradição ou no poder do Estado”. (HESPANHA, Pedro, 2002, p. 22).

Os sistemas jurídico e político são colocados em face da necessidade de

incorporar em seus arranjos institucionais, especialmente aqueles pelos quais o

Estado envolve grupos sociais mais amplos, a compreensão de que “qualquer

tentativa de criar um novo sentido de coesão social tem de partir do reconhecimento

de que o individualismo, a diversidade e o cepticismo estão inscritos na cultura

ocidental” (BECK e BECK-GERNSHEIM, 2002, p. 23).

Giddens e Pierson (2000, p. 49), ao analisar a obra de Durkheim, realçam seu

exame do advento do individualismo moderno, relacionado a desigualdades e a

formas de solidariedade social (GIDDENS e PIERSON, 2000, p. 47). Em Durkheim

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há o reconhecimento do problema moral moderno, decorrente da passagem de um

padrão de moralidade comunitária para uma ética individualista, cuja melhor

expressão e possibilidade de superação o sociólogo percebia nos ideais do

esclarecimento (DURKHEIM, 1975, p. 191-199). Etzioni (2001) critica tal concepção,

notando que se amplificam as consequências da erosão da vida em comunidade e

da ausência de coesão social quando cruzadas com o individualismo

contemporâneo.

O enquadramento, na presente tese, de uma discussão sobre o

individualismo em face do direito na sociedade atende a uma necessidade de

problematização do comportamento das pessoas e das estruturas jurídicas diante de

fenômenos que só podem ser compreendidos coletivamente e em sua

complexidade. É o caso das políticas públicas, que somente podem ser manejadas

se consideradas em conjunto, seja sob o aspecto das várias operações interligadas

que engendra, seja porque seus resultados devem ser vistos como bem coletivo.

Um dos principais problemas para o direito moderno é a tarefa de designar

expectativas de conduta de forma generalizada a destinatários que estabelecem

uma relação com o mundo em termos cada vez mais individualistas e,

consequentemente, dispersos no plano da eticidade. É uma incumbência que

envolve tanto a produção de crenças estáveis sobre conteúdos coletivamente

apropriáveis, quanto sobre regras de processamento do dissídio, fundado nessa

diversidade de crenças, interesses e pretensões (MOUFFE, 2000).

O direito produzirá bens coletivos na medida em que realizar bem essa

função, o que implica, como visto, certa crença socialmente compartilhada no bem

coletivo20 como elemento que supera e não se confunde com a soma de bens

individuais, e na legitimidade de seus conteúdos. Um dos grandes problemas para o

sistema do direito no trabalho com políticas públicas é um evidente descompasso

entre ser projetado como espaço juridicizado (políticas públicas) cujo sentido radica

em uma racionalidade macrojurídica e, ao mesmo tempo, ser utilizado pelos diversos

operadores segundo uma racionalidade microjurídica, firmada no conflito entre uma

suposta objetividade do ordenamento e subjetividades dos indivíduos. Com efeito,

parte das divergências no direito das políticas públicas se refere a jogos de

20 Discute-se, no campo teórico, a relevância de se trabalhar com o conceito de bens coletivos puros, que produz modelos abstratos incidentes sobre a realidade, ou de se priorizar o enfoque direto sobre a realidade, distinguindo possibilidades de bens coletivos impuros. Ver, a respeito, em Orenstein (1993).

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linguagem filtrados pelo sistema jurídico segundo vocabulários rivais, um, o direito

moderno, de base individualista, outro, um direito que, na modernidade reflexiva,

impõe a adoção de uma compreensibilidade complexa, capaz de abarcar a matéria

trabalhada nas múltiplas dimensões que assume. Metaforicamente, poder-se-ia

apresentar o direito moderno assemelhado a uma pintura constituída em um plano

unidimensional, em contraste com um direito reflexivo análogo a um quadro gravado

em um campo tridimensional. O direito, em relação com a política (LOPES, 1997, p.

156), encontra sentido em uma lógica da ação coletiva que se opõe a outra,

individualista, pela qual “os interesses individuais a curto prazo, que condicionam a

vida individual, contradizem os interesses gerais e de longo prazo” (LOPES, 1997, p.

142).

Consigne-se que um bem coletivo puro seria o produto da ação ditada pelo

setor público, dotado de indivisibilidade, não exclusividade e possibilidade de uso ou

apropriação social ou coletiva (OLSON, 1993). Por indivisibilidade entende-se o fato

de o consumo do bem não afetar a possibilidade de consumo pelos demais

interessados. Por não-rivalidade compreende-se o fato de o benefício gerado para

um cidadão não se alterar pela percepção do mesmo bem pelas outras pessoas.

Não-exclusivo é o bem público impróprio para a oferta seletiva. Perceba-se que

políticas públicas são, neste sentido, bens coletivos de composição mais complexa

do que, por exemplo, igualdade perante a lei.

Conforme Olson (1993), há um problema de ação coletiva quando essa ação

é requerida para a formação de um bem público. É que se deve assegurar

suprimento indivisível e geral por meio de escolhas realizadas por agentes que,

mesmo quando situados na esfera pública, se dispõem a atingir objetivos pontuais e

específicos (OLSON, 1993). O conflito entre posições comunitárias e individuais

pode gerar um modelo predatório de relação entre os diversos atores e estruturas

sociais, muitas vezes presente na sociedade contemporânea (SANTOS, Wanderley

G., 1994, p. 72). Os bens privados, ao contrário dos públicos, são divisíveis, rivais e

exclusivos.

Problematizar o individualismo e sua projeção sobre o direito é importante no

estudo de políticas públicas porque, muitas das vezes, a realização do bem coletivo

será empreendida em vista da geração de benefícios privados, o que pode

comprometer a ação estatal e acarretar um prejuízo coletivo. É, por exemplo, o que

ocorre quando decisões judiciais de cunho individualista comprometem parcela

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significativa da receita pública com a aquisição de medicamentos para destinatários

específicos, em detrimento de toda a população. Em casos assim, a intervenção

especial prejudica a ação geral e o bem coletivo planejado deixa de ser produzido.

Note-se que as crenças, constrangimentos e oportunidades presentes no sistema

jurídico conduzem os embates que nele ocorrem sob determinados padrões

dominantes, os quais podem se manter ou não (ORENSTEIN, 1993, p. 65), a

depender das condições em que esses jogos se repitam (KARLIN e TAYLOR, 1975).

A discussão sobre uma concepção individualista pairando sobre o direito das

políticas públicas é parte das condições para a manutenção ou superação das

abordagens subjetivistas e particularistas que recaem sobre si, já que os operadores

do direito partem de uma crença bayesiana primária21 acerca dos efeitos benéficos

dessas abordagens.

O individualismo é fenômeno social intenso na modernidade, a redefinir

identidades. Por identidade entenda-se, consoante Castells (2003), um conjunto de

atributos culturais inter-relacionados, que operam como fonte de significado e

experiência de um povo. Modernamente, o sentido de indivíduo e a complexidade

dos sistemas sociais forjam a possibilidade de identidades múltiplas, fonte de

tensões e contradições nas auto-representações sociais que transcorrem no bojo de

processo sociais intricados e diversificados (CASTELLS, 2003).

Identidade implica relacionar confiança e ação cotidiana (GARFINKEL,

1963)22, eis que a vida cotidiana necessita certa ordem para a ação trivial e essa

ordem, composta de convenções, depende de inúmeros pressupostos, variáveis e

interpretações simbólicas (GIDDENS, 1996, p. 44-45). As frágeis identidades

comunitárias verificadas na sociedade de risco, na qual a posição individual conta

mais que a posição da comunidade, engendram um problema adicional para o

direito, que, de um lado, fica instrumentalizado por uma racionalidade individualista,

e, de outro, passa a principal fonte de normatividade social, na ausência de uma

ética compartilhada e de uma sociedade coesa.

21 Na análise bayesiana (de Thomas Bayes: 1701-1761), o agente parte de probabilidades apriorísticas, antes de uma etapa de testes, decorrentes de suas crenças estabelecidas e das informações de que dispõe. O jogador bayesiano age sem especular acerca da possibilidade de se encontrar um equilíbrio no jogo, embora aja sempre revisando suas crenças desde os resultados alcançados a posteriori. Na análise bayesiana é possível se ligar a inferência racional à crença subjetiva. Ver, por exemplo, em Skirms (1998). 22 Ver também em Heritage (1984).

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Na origem da modernidade está o individualismo, trazendo “novas valorações

sociais ligadas a uma nova posição e representação do indivíduo em relação ao

conjunto coletivo” (LIPOVETSKY, 1989, p. 59). Fomenta-se uma sociedade de

consumo na qual processos de alienação e anomia são acentuados

(BAUDRILLARD, 1970). Verifica-se um individualismo institucionalizado como

elemento de uma sociedade na qual a tradição não mais compõe identidades

coletivas e traz consigo a questão da responsabilidade. Tem-se um individíduo

dissociado das normas tradicionais e calcado em valores efêmeros (CHARLES,

2004, p. 24-25), fruto da “dinâmica de individualização e de pluralização de

sociedades” (LIPOVETSKY, 2004a, p. 51) que alcançam uma “modernidade de novo

gênero” (LIPOVETSKY, 2004a, p. 52). Nesse ambiente, o risco cerca as relações

sociais de “mercantilização proliferativa, de desregulamentação econômica, de

ímpeto técnico científico, tão carregado de promessas quanto de perigos”

(LIPOVETSKY, 2004a, p. 53).

O individualismo é propulsor de um racionalismo instrumental, que permeia

relações sociais atomizadas em uma sociedade em que nem todos os elementos

pré-modernos foram extintos, mas seu lugar na sociedade obedece à racionalidade

moderna, desinstitucionalizada, desregulada, já que sem amarras na tradição. O

direito, ao mesmo tempo em que é convocado a cumprir o papel de redutor de

riscos, é espremido entre as demandas de reforço e contenção de uma modernidade

alicerçada no mercado, na eficiência técnica e no indivíduo (LIPOVETSKY, 2004a, p.

54). Nela convivem ordem e desordem, moderação e excesso (LIPOVETSKY,

2004a, p. 56), já que, conforme Beck, trata-se de uma modernidade que

continuamente se moderniza, a demandar normas sociais mais flexíveis, com

espaço para individualidades cada vez mais específicas, já que as referências

passadas se esvaem pelo “enfraquecimento do poder regulador das instituições

coletivas e pela autonomização correlativa dos atores sociais em face das

imposições de grupo”, quaisquer que sejam (LIPOVETSKY, 2004a, p. 45-47).

O individualismo se caracteriza, ainda, pela primazia do cotidiano, da vida

doméstica, da esfera privada. Gera uma normatividade social meramente

procedimentalista e instrumental (TAYLOR, 1997), na qual o direito deve cumprir

papel aglutinador, a organizar a dispersão por meio de burocratização e,

paradoxalmente, democratização (GIDDENS, 2001, p. 45-47). Envolve a perspectiva

de uma coesão social restaurada por uma teia de relações entre comunidades,

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grupos e indivíduos capazes não só de gestar interesses, mas de assumir

responsabilidades.

Em uma modernidade caracterizada por reflexividade e autocrítica,

racionalidade auto-centrada e funcionamento autorreferenciado (LIPOVETSKY,

2004a, p. 97), o individualismo se expressa, consoante Bauman (2001), por uma

ansiedade que almeja o futuro e sente a perda do passado. Nesse contexto, as

mensagens que vêm do poder público pedem mais flexibilidade como solução para

uma já insuportável insegurança e, assim, trazem o prospecto de ainda mais

incerteza e mais privatização dos problemas (BAUMAN, 2001). O individualismo é

fenômeno que afasta possibilidades de condução comunitária da vida em sociedade

e torna problemática a construção histórica de um direito cujo sentido antropológico,

antes vinculado a um senso de justiça, agora exige ótica relacional, no âmbito de

uma série de instrumentos sociais de gestão da vida em sociedade (SUPIOT, 2005).

Tem-se, de fato, um dilema que liga ao individualismo a questão da formação

de identidades sociais e da ação coletiva, na medida em que as formas sociais de

associação e conduta são afetadas por mudanças estruturantes na sociedade

(TILLY, 2002). Assim, processos como democratização e juridicização de espaços

sociais alteram as condições de percepção identitária e de comunicação, assim

como permitem verificar graus diferenciados de autonomização entre as estruturas

presentes no ambiente social (COHEN e ARATO, 1994).

Hespanha (2002) associa individualização com fraturas sociais que explicam,

nas sociedades periféricas, o aumento da desigualdade social e a apropriação

diferenciada dos bens e riquezas e dos espaços público-estatais institucionalizados

(HESPANHA, Pedro, 2002, p. 26). O processo de individualização compreende um

nível ascendente de incerteza e de subjetivação dos riscos (BECK e BECK-

GERNSHEIM, 1995) e, nesse sentido, convalida a produção de um concerto

hegemônico, proporcionado por um cenário marcado por heterogeneidade social e

debilidade institucional, aprofundados pela globalização (SANTOS, 1993). É um

problema que decorre da necessidade de compor identidades e prover relações

sociais em um contexto no qual “a vida perde o seu caráter evidente por si mesmo”,

e, sem as certezas da tradição, a ação social não possui mais as indispensáveis

rotinas sobre as quais se assentar (BECK e BECK-GERNSHEIM, 1995).

Entre outras análises, a problematização do individualismo na modernidade é

empreendida por autores que discutem o fenômeno associado a componentes

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ideológicos que residem nas estruturas sociais contemporâneas. A obra de Adorno e

Horkheimer (1991) é exemplar, nesse sentido, já que enfatiza o papel social da

prática atrelada a uma perspectiva que reúne sujeito e objeto (MUSSE, 1998, p. 29)

e atinge “o próprio princípio organizador da civilização ocidental: a cultura do

iluminismo e as perversões provocadas por seu desenvolvimento” (GUIMARÃES,

1998, p. 168). É um pensamento que pode ser expresso nos seguintes termos:

“Se os homens no capitalismo podem igualar-se entre si, pois as relações de mercado, na maioria das vezes dispensam saber suas origens sociais, e se esse fato possui uma dimensão positiva se comparado com as rígidas estruturas sociais feudais, por outro lado, os indivíduos enquanto consumidores se afastam do controle de suas potencialidades, já que são subsumidas aos objetos produzidos pelos próprios homens e se transformam em mercadorias intercambiáveis”(PUCCI, 2000, p. 51-52).

Perceba-se, nesse enfoque, uma sociedade contemporânea que se reproduz

através de hábitos e práticas consubstanciados especialmente na tecnocracia e no

consumismo, eliminando a distância entre conhecimento e ideologia (JAMESON,

1997, p. 53), cuja tematização se recoloca (ZIZEK, 1999). É apresentada uma teoria

que sente dificuldades em formular uma alternativa, talvez até pela abrangência de

sua teoria crítica (THERBONR, 1995, p. 237 e ss.), que, insistia Adorno, deveria

atingir toda a realidade social23. Com toda dificuldade, todavia, há uma clara

proposta de resgate do valor, enquanto categoria do pensamento e da prática

(JAMESON, 1996). Note-se que teorias desse naipe, a par da aguçada percepção

crítica, não conferem ao direito senão papel subordinado em uma sociedade cuja

possibilidade de resgate emancipatório reside na perspectiva de uma postura ético-

política contra-ideológica, como se verifica, por exemplo, em Chauí (1998, p. 33).

Em outra vertente, Taylor, assumindo premissas tocquevilleanas, recorda a

necessidade de um conjunto de condições para o êxito de uma sociedade

autogovernante, entre os quais “uma forte sensação de identificação dos cidadãos

com suas instituições públicas e seu estilo de vida político” (TAYLOR, 1997, p. 645),

a envolver certa descentralização e a opção por estruturas burocráticas não muito

distantes. Segundo ele, “essas condições estão em perigo em nossas sociedades

23 Note-se essa questão no cerne da divergencia entre Adorno e Popper, que entendia que o objeto da crítica deveria ser não a totalidade social, mas apenas as soluções propostas para os problemas científicos.

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extremamente concentradas e voláteis, tão dominadas por considerações

instrumentalistas” (TAYLOR, 1997, p. 645).

Sob uma percepção individualista da vida em sociedade, as pessoas tendem

a apoiar “políticas que as corroem”, como as de oposição a políticas sociais,

tendentes a erodir a base de identificação comunitária. Bellah, em linha semelhante,

associa o individualismo à desvalorização do político, a perceber uma contradição

entre a posição assumida pelo indivíduo na modernidade ocidental e a busca da

recuperação de uma linguagem de comprometimento com a comunidade política

(BELLAH, 1991, p. 111 e ss.).

Essa visão é ampliada pelo comportamento burocratizante das estruturas

estatais (TAYLOR, 1997, p. 645), a construir um horizonte de improbabilidade de

uma noção do bem comum como possibilidade de adesão cívica (MACINTYRE,

1991, p. 372-373). Segundo Taylor:

“O atomismo obscureceu tanto nossa percepção de vínculo entre ato e consequência na sociedade que as mesmas pessoas que, por seu estilo de vida móvel e voltado para o crescimento, aumentaram em grande escala as tarefas do setor público, são as que mais protestam por ter de pagar sua parte nos custos desses serviços” (TAYLOR, 1997, p. 645).

Verifica-se em MacIntyre (2009) outra fonte de crítica à modernidade e ao

individualismo como racionalidade limitada (MACINTYRE, 1992, p. 90-91) e

insuficiente para responder aos problemas morais contemporâneos (GONÇALVES,

2007). Para o autor, o liberalismo e suas instituições não constituem um contexto de

racionalidade para a construção de uma ordem social estabelecida sobre a

perspectiva de um bem comum. Em sua ótica, o cultivo e o exercício de virtudes são

fermento para a busca do bem comum (MACINTYRE, 2009), cuja consecução não

se resolveria apenas sobre instituições, mas em uma experiência de cultura

compartilhada (PUTNAM, 1996).

Gutting (1999) salienta, contudo, possibilidades de síntese entre o

comunitarismo e o liberalismo neopragmatista, na medida em que a reflexividade

existente nessas concepções aponta elementos críticos e prospectivos aptos à

convergência. Tanto quanto Rorty traz da fonte quineana a possibilidade da

intraduzibilidade de vocabulários particulares, a permitir seu neopragmatismo,

MacIntyre se permitirá assumir que mundos intelectuais e morais são intraduzíveis, o

que impossibilita a conversão de um em outro. Em termos claros, valores liberais e

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comunitários guardam incompatibilidades, mas não impedem de forma absoluta a

convivência entre perspectivas distintas, plano sobre o qual se pode construir um

direito reflexivo. Semelhantemente, assinala Borradori (2003), sintetizando ponto de

conjugação entre Rorty, Kuhn e MacIntyre, “que também a ciência, como a filosofia,

a cultura e a ética, é constituída por uma sucessão, e muitas vezes uma coexistência

de paradigmas, molduras mentais independentes e, no máximo, intraduzíveis”

(BORRADORI, 2003, p. 42). Nesse panorama social, no qual se formam laços de

palavras, entre os quais os da lei (SUPIOT, 2005), o direito cumprirá determinada

função social, participando da construção de identidades, por meio de uma

linguagem fundada em certa racionalidade e uma noção de autonomia.

Note-se que o direito, na modernidade reflexiva, é chamado a atender uma

demanda de enraizamento dos indivíduos no meio social, embora sem os exageros

que possam eliminar pretensões, conflitos, reivindicações (WRONG, 1994). Um

direito com potencial de amálgama social, confrontador do individualismo, erguido

sob uma premissa da incapacidade de atos de troca individual conseguirem compor

uma visão geral de valores e culturas (ELSTER, 1989).

Cabe notar, a partir da noção de modernidade reflexiva observada em

Giddens, que esse direito se constitui paralelamente à instabilidade da moral como

lugar da normatividade social, especialmente em suas conexões moral-direito e

ética-política, já que a reflexividade de um direito que é cada vez mais “poiesis” e

menos “práxis” - nem recolhido na tradição, nem maturado na experiência - gera

toda sorte de perplexidades, principalmente porque a subversão de um tempo-

espaço tradicional implica relações e consequências diferentes das tradicionais.

Assim a substituição de determinada forma de ação social no tempo-espaço, em

decorrência da própria desestruturação das condições tempo-espaciais das

sociedades tradicionais, dificulta ou impossibilita a manutenção dos resultados

habitualmente vistos nessas sociedades, tais como os relativos a coesão social ou a

adesão coletiva à normatividade social. O problema é que, diante de uma nova

relação tempo-espaço, compondo um novo contexto, velhas demandas e respostas

tradicionais não são mais possíveis. Em outras palavras, a subversão da tradicional

relação espaço-temporal no direito moderno gera uma subversão na relação dos

indivíduos e dos sistemas sociais com esse direito, que não mais apresentará as

propriedades estruturantes tradicionais, embora seja direcionado para esse

resultado. Assim, tanto o direito deve se recompor a partir de uma modernidade

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distinguida por relações instáveis e líquidas, individualismo e risco, quanto deve ser

orientado em vista desse contexto.

Como afirma Bauman (2001, p. 17), a individualização é inescapável, ainda

que a ação individual seja despida de consciência a esse respeito, já que é

componente indissociável da experiência de vida em sociedade. Para Beck e Beck-

Gernsheim (2002), a busca por crescente autonomia individual, “o zelo, o receio e o

entusiasmo, a astúcia e a determinação com que tanta gente se preocupa e luta por

‘sua própria vida’” (BECK e BECK-GERNSHEIM, 2002, p. 22), são explicáveis tanto

pela diferenciação interna das sociedades e pela especialização dos sistemas

sociais modernos, quanto pela instabilidade decorrente da debilidade das

instituições que modernamente substituem a racionalidade presente em um ethos

tradicional, mediante o qual o indivíduo estabelecia laços sociais e definia padrões

de comportamento com base em valores que lhe forneciam certo padrão de

segurança e orientação, muitas vezes sem os bônus da promessa moderna de

liberdade, autonomia e bem-estar social (BECK e BECK-GERNSHEIM, 2002, p. 22 e

ss.).

Beck (2010) observa que na modernidade as instituições constituídas sob

padrões de racionalidade instrumental integram os indivíduos apenas em aspectos

parciais e efêmeros, razão pela qual em inúmeras situações o agir individual implica

a assunção de incertezas e riscos. O indivíduo se percebe como produtor de sua

vida, dinâmico e ativo, e não mais reflexo, produto de um dado ambiente social que

o envolve, o que se lhe impõe uma sobrecarga de responsabilização pessoal

tendente a transformar questões sociais contidas em sua experiência de vida em

disposições psicológicas, como culpas, ansiedades e conflitos. Problemas sociais se

convertem em crises individuais, mediados por uma normatividade jurídica de

conteúdo meramente instrumental. Nesse contexto, a relação do indivíduo com as

instituições, especialmente o Estado e a burocracia, assume aspectos conflituosos e

reativos. Uma consequência desse processo de crescente individualização é a

corrosão e lenta desintegração da cidadania, vinculada ao atrofiamento do espaço

público.

Para Bauman (2001), o espaço público tende a ser ocupado por esses

interesses individuais atomizados, detentores de pretensa legitimidade e sob

rivalidades que sintetizam não um interesse público, mas somas de interesses

privados. Segundo o autor, “o ‘público’ é colonizado pelo ‘privado’; o ‘interesse

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público’ é reduzido à curiosidade sobre as vidas privadas de figuras públicas e a arte

da vida pública é reduzida à exposição pública de assuntos privados e à confissão

pública de sentimentos privados (quanto mais íntimos melhor). As ‘questões

públicas’ que resistem a essa redução tornam-se incompreensíveis” (BAUMAN,

2001, p. 18).

Trata-se de um individualismo que, distingue Beck (2010), não se confunde

com o simples individualismo liberal de mercado e representa uma ameaça para as

solidariedades sociais, especialmente porque nem forja laços sociais sólidos, nem

permite ao Estado uma ação que ultrapasse a esfera do indivíduo. Ao contrário, o

Estado tende a contribuir para o naufrágio dos tradicionais esquemas de

solidariedade social, com menor ênfase das políticas estatais orientadas para as

famílias, os grupos e as comunidades, com as reciprocidades entre indivíduos se

esgarçando simultaneamente à consolidação de um padrão de cidadania que se

afirma somente na relação entre indivíduos e entre indivíduo e Estado. Santos

(1994, p. 220) assume análise mais contundente e afirma que esse processo de

individualização reduz uma aspiração emancipatória de autonomia, criatividade e

reflexividade. Verifica, na modernidade tardia, padrões de cidadania vinculados a

consumo individual, a produzir uma subjetividade sem cidadania e a sobreposição

do consumismo à solidariedade social.

Para Habermas (2002), é marca da sociedade moderna a diferenciação entre

sistema e mundo da vida, entre unidades de ação funcionalmente especializadas,

que demarcam a sociedade e a cultura, e um mundo de “modelos consentidos de

interpretação, de lealdade e de práticas” (HABERMAS, 2002, p. 86), cada vez mais

racionalizado e dessacralizado. O aumento da complexidade, a diferenciação

sistêmica e a perda da força orientadora do mundo da vida em relação à ação e

como fonte de consenso (HABERMAS, 2002, p. 97) são elementos que se agregam

e provocam o direito a comparecer como fator destinado a estabilizar relações

autonomizadas e dotadas de racionalidade própria (HABERMAS, 2003, p. 44-45),

cumprindo função de mediação social estratégica (HABERMAS, 2003, p. 111).

Remanesce o problema do individualismo para a esfera pública como questão

para o direito, mormente um direito que edifica políticas destinadas à apropriação

coletiva. A incorporação jurídica das políticas públicas pode ser vista como um meio

de se recuperar uma linguagem de comprometimento com o conjunto social.

Problemas relacionados a perda do significado de valores e a fragmentação de

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interesses são reunidos sob um direito apto tanto a pressionar o individualismo

moderno, quanto a arrostar as persistentes formas tradicionais de dominação, como

o patrimonialismo e o clientelismo. Em uma tradição de comunidade política

solapada ou desaparecida, “precisamos de novas linguagens de ressonância

pessoal para ressuscitar bens humanos cruciais para nós” (TAYLOR, 1997, p. 654),

os quais não serão providos por uma via meramente individualista, cuja

racionalidade centrada apenas em idéias de realização pessoal, impossibilita a

defesa de causas gerais e não suporta compromissos sociais mais amplos

(TAYLOR, 1997, p. 657).

O individualismo tem fomentado mudanças sociais profundas, relacionadas,

por exemplo, a família ou estilo de vida, que tornam os resultados das decisões

individuais nos vários espaços da vida cotidiana incertos, instáveis, imprevisíveis,

com elevado grau de risco (GIDDENS, 1999, p. 28). O sistema jurídico, para

amparar essas situações, deverá superar padrões tradicionais e incorporar a

complexidade exigida por esses processos sociais.

Políticas públicas são inviabilizadas em uma sociedade pluralista dotada de

absoluto relativismo moral (COOPER, 1990, p. 31-33), na qual a ausência de uma

normatividade agregadora implica, na esfera público-estatal, o risco presente de

conflitos éticos, corrupção, captura e descaracterização da representação

(COOPER, 1990, p. 35-51).

A questão do individualismo se envolve, amplamente, com o direito das

políticas públicas. Primeiro, porque o direito pode receber o impacto desse

fenômeno, embora possa servir de contraponto a certos efeitos do mesmo; segundo,

porque ao se pretender intervenções jurídicas como contraponto ao individualismo,

permitindo ao direito contribuir para amalgamar alguma solidariedade social, deve-se

reconhecer a necessidade de, em certos casos como o das políticas públicas, se

assumir a insuficiência do padrão subjetivista da tradição jurídica ocidental e buscar

soluções que incorporem a dimensão complexa da modernidade.

3.5. Valores e normatividade social na modernidade líquida

O ponto de equilíbrio das sociedades modernas reside não mais na solidez

das tradições e valores legados pelo passado, mas na instabilidade e liquidez de um

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mundo dessacralizado, aberto a múltiplas possibilidades em condições de espaço e

tempo redimensionadas.

O conceito de modernidade líquida, tal como trabalhado na obra de Bauman

(1998; 1999; 2000; e 2007), permite ampliar a abordagem acerca do direito na

sociedade moderna, presente neste trabalho, já que oferece um ponto de vista

relacionando a liquidez e o risco, traços do cenário social atual, ao sentido de sua

normatividade social (BAUMAN, 2000).

Modernidade líquida é referência ao progressivo desdobramento dos sistemas

sociais, a projetar uma permanente dinâmica de mudanças e reconstruções e tornar

improvável a estabilização da sociedade moderna (BAUMAN, 2007, p. 3-4). A noção

de liquidez é ligada aos conceitos de modernização reflexiva e modernização tardia,

presentes na filosofia e na teoria social nas últimas três décadas (BAUMAN, 2007).

Na dualidade tempo-espaço o tempo se vincula à flexibilidade e à mobilidade,

fomentando uma sociedade líquida, na qual a informação é processada e se move,

rapidamente, confrontando o poder territorialmente estabelecido. O espaço é atado a

uma noção de extraterritorialidade, impondo fluxos de direitos e obrigações

diversificados, razão pela qual a primazia do direito estatal é colocada em risco, a

induzir a possibilidade de distanciamento territorial por parte dos detentores do

poder e produzir crescente liquidez social (PRIBAN, 2007). Nesse contexto são

verificáveis, por exemplo, movimentos de desconexão entre as normas juridicamente

estabelecidas e a concretude da vida social (GIDDENS, 1992; 1994a).

Bauman (1999) invoca uma modernidade estabelecida em uma divisão entre

Estado e economia. Citando Sennett, destaca que políticas públicas voltadas ao

bem-estar social não mais dependem apenas do controle estatal sobre o mercado,

que resta mais limitado em tempos de globalização (BAUMAN, 1999, p. 63). O autor

foca o enfraquecimento do Estado nacional e aponta o caráter contingente e

contextual de fenômenos que anteriormente pareciam firmemente controlados ou

tecnicamente controláveis (BAUMAN, 1999, p. 65). Assim é que descreve a

globalização como um contexto de indeterminação e indisciplina (BAUMAN, 1999, p.

67), no qual instituições estruturadoras da modernidade ocidental, como o direito e o

Estado, são colocados em risco e sua funcionalidade sob suspeição.

Para Bauman, “o significado de Estado foi precisamente o de um agente que

reivindica o direito legítimo de estabelecer e impor as regras que ditavam o rumo dos

negócios em um certo território e se gabava dos recursos suficientes para fazê-lo”

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(BAUMAN, 1999, p. 68). Estado, então, “é uma entidade separada da coletividade e

instituída de tal modo a garantir a permanência dessa separação” (CASTORIADIS,

1990, p. 124). E o direito estatal, especialmente o direito público, seria, neste caso,

fonte de regras que deveriam transformar contingência em determinação,

ambivalência em clareza, acaso em regularidade. Ocorre que a tarefa de produzir

essa ordem jurídico-política sólida requer substanciais esforços para manejar o

poder social, “exige recursos consideráveis que somente o Estado, na forma de um

aparelho burocrático hierárquico, é capaz de reunir, concentrar e usar” (BAUMAN,

1999, p. 71).

O Estado moderno, em sua busca de afirmação da ordem, afastou, pelo

menos em parte, os poderes intermediários das comunidades e tradições, o que

permite que indivíduos se vejam desencaixados (GIDDENS, 1991b) ou

desimpedidos (MACINTYRE, 2009) para “escolher a espécie de vida que desejam

viver, bem como controlar e administrar a sua existência na estrutura das normas

legais reconhecidas pelos únicos poderes de legislação legítima, os do Estado”

(BAUMAN, 1998, p. 30). Identidade passa a ser projeto de vida. E essa identidade

deveria ser construída em uma sociedade edificada solidamente, isto é, ela própria

dotada de certos atributos capazes de conferir segurança ao desenvolvimento e à

execução do projeto de vida de cada um (BAUMAN, 1998, p. 31). Havia, portanto,

um vínculo sólido entre um projeto individual definido e uma ordem social como

projeto concreto, a requerer “esforços coletivos com o fim de assegurar um cenário

de confiança duradouro, estável, previsível para os atos e escolhas individuais”

(BAUMAN, 1998).

Instituições e poderes que sustentam a vida coletiva pareciam

suficientemente sólidos para isso, mas não é o que se viu no percurso moderno, no

qual a solidez pretendida aparece como liquidez, eis que não constitui “nenhum

terreno estável em que se acomodem uma âncora” (BAUMAN, 1998, p. 31-32).

Instala-se a incerteza quanto à própria configuração do mundo e, consoante

Giddens (1991b), o “desencaixe” patrocinado pelo individualismo moderno é

sucedido por esforços de “reencaixe”, na constatação de que “o mundo pós-

moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é

permanente e irredutível” (BAUMAN, 1998, p. 32).

Percebe-se nesse estágio da modernidade demandas oriundas de setores

hegemônicos por um Estado restrito em seu papel regulador, circunscrito a funções

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básicas de lei e ordem para resguardar as elites e impor controle sobre os demais

(BAUMAN, 1999, p. 111). O direito é peça importante nessa arena de conflito, pois

se pode admitir que o espraiamento do direito, com a juridicização de novos temas a

ensejar novas possibilidades de cidadania, imponha mais controle sobre o Estado,

retirando-o, ao menos potencialmente, do controle absoluto das elites e permitindo

que uma pluralidade de atores possa interagir nas diversas estruturas sociais,

disputando diferentes conteúdos. Evidentemente, que toda essa arquitetura

dinâmica só faz sentido em um contexto de possibilidade contra-hegemônica, no

qual atores insurgentes possam efetivamente disputar projetos de sociedade. É

crível, não obstante, que a repetição de jogos envolvendo concepções alternativas

de vida em sociedade implique não apenas comportamentos estáveis e previsíveis,

mas, antes e complementarmente, aprendizados que levem a variáveis outras que,

se não modificarem estruturas gerais, pelo menos poderão, em prazos mais ou

menos alongados, gerar um jogo mais incerto para as camadas dominantes.

Dialogando com autores inseridos no pensamento comunitarista, Bauman

reconhece o papel de valores concretos pertencentes a uma dada comunidade,

qualquer que seja o modo como tenham se conformado e fixado, na composição de

um cenário no qual escolhas em torno de bens coletivos acontecem. Reconhece,

bem assim, a lei como mecanismo que assegura a ‘lealdade’ das pessoas a certos

‘valores’ (BAUMAN, 1998, p. 236), mas enfatiza a necessidade de meios de

negociação para defesa da liberdade pacífica (BAUMAN, 1998, p. 248).

Como Taylor, Bauman (1999) percebe a importância de tradições, instituições

e valores constituídos comunitariamente como espaço de resistência que,

restringindo o horizonte da liberdade individual, fornece sustentação para essa

mesma liberdade, fincado como pano de fundo sobre o qual escolhas individuais

podem acontecer. Para Bauman, os problemas levantados por liberais e

comunitaristas24 são sintetizados no ‘desencaixe’ produzido pelo “colapso das

estruturas em que as identidades eram habitualmente inscritas” (BAUMAN, 1998, p.

238), contra o qual o Estado nacional fracassou, eis que não atingiu o objetivo de

sua sobreposição por uma ordem geral racionalmente organizada.

Citando Beveridge, Bauman conclui que “a liberdade individual precisa de

proteção coletiva” (BAUMAN, 1998, p. 253), que não pode ser atingida somente por

24 Ver, a propósito, em KYMLICKA (1991).

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ações individuais, mas pela intervenção de sistemas mais amplos, como a política

(BAUMAN, 1998, p. 255), estabelecida como “superfície discursiva e não como um

referencial empírico”, e operando em torno de uma idéia de bem comum “concebido

como um ponto de fuga, alguma coisa a que devemos constantemente referir-nos,

mas que pode não ser alcançada nunca” (MOUFFE, 1993, p. 81). O papel do direito

resta evidente nesse concerto, como possibilidade de “imposição de poderes

indesejados sobre alguns, mas também na prática reiterada dos poderes de todos”

(BAUMAN, 1998, p. 256).

A liquidez propalada por Bauman é apanágio de um “mundo que é

fragmentado, episódico e hostil à ação constante e consequente”, e sua “experiência

gera uma necessidade aguda de restabelecer a confiança, o que na sociedade

contemporânea é procurado em dois tipos de autoridade – a autoridade dos

especialistas, ou a autoridades dos números” (BAUMAN, 1998, p. 242). E, embora a

liquidez seja propícia à ampla possibilidade de escolha, não é menos certo que

permanecem diferenças colossais entre escolhas possíveis e recursos para escolher

(BAUMAN, 1998, p. 243).

Trata-se, afinal, de uma sociedade hipermoderna caracterizada pelo

movimento, pela fluidez, pela flexibilidade, em cuja pauta de demandas sociais

permanecem questões políticas, jurídicas e morais, entre as quais emergem pleitos

por negociação, confiança, diálogo e autonomia nas dimensões privada e pública do

mundo social. Também nesse ambiente vê-se uma pretensão à democracia, que

modela novas formas de organização social (GIDDENS, 1992). Nessa linha,

Giddens acredita em um “processo de democratização” como via para a organização

das esferas pública e privada contemporâneas, a implicar um liame forte entre

reflexividade e democracia.

Segundo Giddens (1992), na modernidade tardia a tradição não mais garante

a confiança social, tampouco assegura indivíduos e instituições. Na falta da solidez

dada pela tradição, resta o recurso à autonomia pessoal ante expectativas

socialmente estabelecidas, o que torna procedimentos democráticos indispensáveis

para a vida em sociedade. Afinal, não há um sistema estabelecido de normas de

comportamento e, neste caso, o direito só pode se constituir como diálogo ou

violência.

Note-se que Giddens realiza um esforço para atualizar a experiência da

política em comunidade, conquanto o faça atribuindo relevância ao elemento privado

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e à autonomia individual, constitutivos da modernidade. Apresenta-se a reflexividade

de uma modernidade dispersa a substituir as experiências comunitárias pretéritas.

Para o autor, “quem for capaz de comunicar-se efetivamente no plano pessoal,

provavelmente, estará bem preparado para cumprir as obrigações e

responsabilidades da cidadania” (GIDDENS, 1994a, p. 16), ressaltando, também, a

necessidade de as estruturas públicas se deslocarem de uma visão autocentrada

para uma preocupação com os problemas sociais (GIDDENS, 1994).

Giddens conduz seu raciocínio conforme sua teoria da estruturação25, que

admite a dualidade da estrutura. De um lado, atores reflexivos, imbuídos de

subjetividade, mas à mercê de hábitos e estruturas. De outro lado, estruturas

definidoras de normas e padrões e estabilizadoras de relações sociais, o que induz a

reprodução do mundo social por meio de regras que devem ser reconhecidas e

obedecidas e recursos que devem ser utilizados, a possibilitar não só essa

reprodução, mas a própria condição de mutabilidade (COHEN, 1989). Na

modernidade líquida, um direito reflexivo vinculado a democracia e cidadania

alargadas é colocado como alternativa instrumental para a condução dos dilemas de

sua liquidez e do risco a ela inerente.

Bauman assinala, em sua análise da modernidade, a transformação ocorrida

desde os anos 1970, nos termos expostos por Polanyi. O autor destaca no limiar dos

trinta anos de crescimento capitalista que marcaram o pós-guerra o otimismo

desenvolvimentista que acompanhou o desmantelamento do sistema colonial, o

surgimento de novos Estados e o início do processo de globalização, bem como um

consumismo acentuado no hemisfério norte e o aprofundado senso de desespero e

exclusão numa larga parte do planeta (BAUMAN, 2000).

Afirma Bauman (2000) que esse processo de transformação ainda não foi

analisado a fundo, dada a proximidade da mudança que torna todos os julgamentos

parciais e provisórios. Todavia, um dos aspectos desta transformação que foi

detectado rapidamente e largamente documentado foi a passagem de um modelo de

estado social de comunidade inclusiva para o um modelo neoliberal, centrado no

desfazimento dos compromissos com o bem-estar social e no aprofundamento de

um Estado excludente, cuja expressão mais clara talvez seja sistemas de justiça

criminal e controle social cada vez maiores (BAUMAN, 2007).

25 Ver sobre a teoria da estruturação em GIDDENS (1979; 1984; 1987).

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Esse modelo repressivo, buscando recompor aspectos de “indeterminação e

maleabilidade do mundo” (BAUMAN, 1998, p. 36), submete-se, ao fim e ao cabo, à

lógica do espetáculo e à hipertrofia simbólica da repressão a situações pontuais

equivalendo a uma sensação de controle (BAUMAN, 1999, p. 126 e ss.). Bauman

analisa, nesse cenário, certa defesa de uma sociedade desregulamentada como

sintoma e problema, já que “meio de vida, posição social, reconhecimento de

utilidade e merecimento da auto-estima podem todos desvanecer-se

simultaneamente da noite para o dia sem se perceber” (BAUMAN, 1998, p. 35)

nesse tipo de sociedade. Cenários contraditórios se formam, assinalando tanto a

necessidade de afirmação e reconhecimento da diferença e das singularidades

como única forma possível de convivência, quanto a transmutação dessa

perspectiva pluralista em possibilidade de exclusão (BAUMAN, 1998, p. 45 e ss.).

Bauman (2007) problematiza os limites do direito e da democracia, nesse

contexto, entendendo que o aprimoramento jurídico dos meios de regulação social

desenvolve uma trajetória pressionada pela herança do Estado social e por uma

disputa que concentra no pólo hegemônico um pleito de dupla face, por menos

controle do capital e máxima repressão penal, a produzir um sentimento

ideologizado de defesa de um estado penal inflado (BAUMAN, 2007). Democracia e

a liberdade são possibilidades fragilizadas (BAUMAN, 1998, p. 82) e, dado o

caminho de transposição das escalas temporais e territoriais modernas trilhado

desde as últimas décadas, que torna mais contundentes os conflitos sociais, o futuro

da democracia e da liberdade só poderia ser garantido em uma escala planetária ou

não poderia ser garantido de forma nenhuma (BAUMAN, 2007).

Perceba-se que o pano de fundo do dilema exposto por Bauman é o problema

ético na modernidade, que não se apresenta como fonte unívoca do direito. Em um

tempo não muito distante o desenvolvimento desigual das possibilidades de ação

humana em confronto com os limites morais comunitariamente compartilhados

impunha uma estrita regulamentação normativa sobre essa área. Sob uma

modernidade líquida e reflexiva, esses processos carecem de base ético-normativa e

enfraquecem “a idéia de norma como tal” (JONAS, 1984), atingindo mesmo o

sistema jurídico.

Bauman admite a possibilidade de reconstrução ética a instaurar novos

padrões de convivência social, eis que considera que apesar da improbabilidade de

uma moral abrangente, nota-se hoje maior sensibilidade para questões morais

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(BAUMAN, 1998, p. 85), dando razão a Walzer, quando afirma que a moralidade é, e

sempre será, algo em torno do qual ter-se-á que argumentar (WALZER, 1987, p. 32).

Explorando senda aberta por Rorty, o autor especula sobre a possibilidade de uma

política centrada em campanhas específicas, não em movimentos, fragmentada e

pontual, institucionalizando pontos de agenda, ante a evidente fragmentação da

própria sociedade e da experiência individual (RORTY, 1995). Uma atividade focada

na resolução de problemas específicos, não no desvendamento das grandes

questões (BAUMAN, 1998, p. 89), respondendo, de alguma forma, ao tempo

achatado e ao espaço reduzido (BAUMAN, 1998, p. 87) que se reconfiguram na

liquidez moderna.

Observe-se que a posição de Bauman permite algumas conexões com o tema

das políticas públicas. No que tange à posição da matéria no centro das relações

entre direito e democracia, pode-se perceber que a juridicização de políticas públicas

se contrapõe ao modelo neoliberal de Estado penal, pois constitui reforço a uma

concepção de Estado Democrático de Direito que se legitima no cumprimento

material de pressupostos democráticos, instaurando processos de participação

política, apropriação coletiva de direitos e accountability. Ainda no plano do Estado

nacional, políticas públicas funcionam, também, como afirmação de autonomia

residual e resistência a imposições da economia globalizada. A recepção de direitos

pelos cidadãos, decorrendo de um direito das políticas públicas, em um ambiente

radicalmente democrático, pode dar a medida das possibilidades de tensionamento

entre espaços sociais e poderes estatais e globais. No que toca a dimensão da ética

possível, o direito das políticas públicas pode traduzir as aspirações do autor, na

medida em que políticas públicas constituem soluções de médio alcance, aptas a

produzir espaços de normatividade complexa, a envolver compromissos e vínculos

específicos, sob um referencial ético mínimo a tangenciar os sistemas da sociedade.

3.6. Normatividade e risco social

Aberta a mais alternativas, já que despida dos fundamentos sólidos que

definem as relações sociais pré-modernas, a sociedade contemporânea instala-se

sobre um futuro opaco e incerto, uma “pluralidade de cenários futuros” permeados

pelo risco e pelo medo (CHARLES, 2004, p. 28). Não existe conduta livre de riscos

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na modernidade tardia (LUHMANN, 1993a), porque na mesma medida em que se

eliminam incertezas criam-se novas incertezas (GIDDENS, 2000c, p. 143). O direito

na sociedade de risco é tentativa securitária, já que destinado a dotar situações

futuras de certa previsibilidade, conquanto seja ele mesmo - o direito moderno -

fundamentalmente instável.

Numa sociedade de risco, sem o peso sustentador da tradição, há mais

possibilidades de escolha e de oportunidades, as quais, todavia, são distribuídas de

forma desigual, de acordo com diversas variáveis sociais (GIDDENS, 2000c, p. 143).

Isso implica confronto de valores e consequentes disputas e barganhas. “Confiança

e risco são formas de organizar o tempo futuro” (GIDDENS, 2000c, p. 77) e o direito,

a fim de permitir uma coesão social mínima, vale, principalmente, por sua

legitimidade formal-instrumental, não pelos valores que resguarda.

O risco se apresenta na modernidade como secularização da ‘fortuna’

(BERIAN, 1996). Assim, pode-se afirmar que o direito organiza o risco das condutas

sociais, como secularização de um destino social anteriormente fundado na tradição.

Direito que nas sociedades tradicionais é tradição em um esquema multifuncional,

na sociedade moderna torna-se objeto de especialização funcional e organização do

risco, e se aprofunda na reflexividade contemporânea em uma sociedade que

subverte as percepções antigas de tempo e espaço.

Conforme Beck (2010), a sociedade de risco possui algumas características

marcantes, a saber: a) a modernidade produz uma dinâmica a partir de uma

sociedade de classes, mas não se esgota nesta; a par de estamentos que persistem,

aparecem movimentos como cidadania da mulher, ambientalismo, direitos de

imigração, conflitos étnicos e religiosos; b) há uma redefinição da família, do

matrimônio, da paternidade, da sexualidade, inclusive em função de diversos

contextos; c) repensa-se a sociedade industrial a partir do trabalho, reconhecendo a

flexibilização espaço-temporal do trabalho e limites entre trabalho e não-trabalho; d)

emerge um pensamento científico que não se pretende verdadeiro e certo em

termos absolutos; e) amplia-se a noção de democracia, com participação e

representação associadas e reivindicações sobre as promessas não cumpridas da

democracia, especialmente aquelas que impactam a vida social.

A atual sociedade de risco coloca em causa os fundamentos e categorias

tradicionalmente usados no pensar e agir, tais como espaço e tempo, trabalho e

ócio, mercado e Estado, nação e globalização (BECK, 2010, p. 27). Os “riscos

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vividos pressupõem um horizonte normativo de certeza perdida” (BECK, 2010, p.

33), implicando a racionalização do risco e seu tratamento técnico (BECK, 2010, p.

35), com relevância no papel do Estado e do direito na gestão do risco social (BECK,

2010, p. 281-285).

Na modernização reflexiva a política é contingente e as soluções políticas

são sempre várias possíveis, não havendo uma melhor solução previamente dada.

Remanesce uma idéia de centralidade da ação estatal (JESSOP, 2007), mas Beck

acentua a “perda do poder de intervenção estatal e deslocalização do Estado”

(BECK, 2010, p. 285). A política não se reduz à aplicação de modelos, nem à mera

coordenação da ação coletiva, pois há pretensão de “aprendizado coletivo” e

“criação coletiva” (BECK, 2010, p. 286). Beck indica, na modernidade de risco, uma

pressão por democratização e ampliação do espaço político para além da esfera

estatal, com mais participação nos negócios públicos e dilatado potencial de tensões

no sistema político-democrático, que, todavia, se abre a mais possibilidades de

consensos (BECK, 2010, p. 287).

Beck (2010) assume, em termos, a tensão weberiana entre burocratização e

democratização e verifica que a complexidade das organizações modernas, com

destaque para o Estado e sua presença na vida cotidiana, torna inúmeras atividades

objeto de especialistas, os quais deslocam para sua atuação atividades

tradicionalmente realizadas de outra forma (GIDDENS, 2000a, p. 371).

Especialização e burocratização, com riscos de insulamento, derivam de uma razão

instrumental e se estabelecem mediante critérios de organização, ordem e

funcionalidade. Tal componente convive com sistemas democráticos nos quais uma

cidadania ampliada abrange mais direitos e reivindicações. Percebe-se uma

democracia vivida gerando demandas e escalas novas, com certo esvaziamento da

grande política, centrada no Estado, e fortalecimento da política cidadã, vivida

cotidianamente (BECK, 2010, p. 288). Trata-se de uma política mais complexa, que

por vezes se acopla ao direito, igualmente mais complexo. Políticas públicas é tema

emblemático, neste sentido, já que envolve variadas possibilidades de organização

burocrática, exercício de direitos vinculado a uma concepção ampla de cidadania, e

democratização da esfera pública; padece, outrossim, do risco de seu uso

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meramente simbólico ou como instrumento de manutenção de situações de exclusão

social26.

Sociedade de risco, na acepção de Beck (2010), mostra-se não como perigo,

mas como preocupação com o risco e com o futuro. Refere-se a uma atividade

exploratória com intento de normalizar e controlar situações (GIDDENS, 2000c, p.

143). Essa noção é importante porque permite perceber o direito na modernidade

reflexiva, na qual a sociedade e as pessoas não contam mais com a segurança

normativa da tradição e são obrigadas a se aventurar em cenários contingentes

desenvolvendo projetos de vida individualizados, tuteladas por um direito que busca

normalizar e controlar sem fornecer a antiga solidez à sociedade. Mais complexo, o

direito não é, contudo, mais eficaz, eis que o risco perpassa sua natureza

contingente e reflexiva.

Para a burocracia o risco é aceitável desde que as instituições disponham de

rotinas de controle (BERIAN, 1996, p. 24). Já a autoridade dos sistemas expertos

age sobre uma diversidade de opções e possibilidades (GIDDENS, 1996, p. 35), a

partir de linguagem específica e presunção de legitimidade. Note-se uma relação de

interdependência entre segurança e risco, que deverá ser articulada de forma

estratégica. Wildavsky (1988) explora estratégias para obtenção de segurança

contra o risco e descreve possibilidades vinculadas à atuação do direito, que opera

consoante uma lógica de ‘capacidade adaptativa’ e ‘antecipação’. Permite

movimentos de expansão e restrição, inclusive autorestrição, que são estratégias

derivadas do risco (ELSTER, 1979) e relacionam, dialeticamente, força e fragilidade,

risco e contingência.

Para Beck (2010), o direito assume papel preponderante na sociedade do

risco e a tutela jurídica assume novos contornos, especialmente sob a égide da

sustentabilidade e da precaução (HENKES, 2007, p. 159-160). A sociedade de risco

não decorre de uma escolha consciente, mas do processo de construção da

modernidade, com consequências imprevisíveis e irreversíveis (HENKES, 2007, p.

114-116). Difere do risco nas sociedades tradicionais, marcado por forças

sobrehumanas, pois na modernidade tardia o risco tanto assume proporções

inimagináveis, quanto é fruto da ação humana e, portanto, sujeito ao controle e à

responsabilização jurídicos (BECK, 1999, p. 78).

26 Ver, neste trabalho, as seções 4.7 e 5.2.

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Recorde-se a posição do direito na gestão do risco social vinculada ao

problema da confiança nas relações sociais. Nota Giddens (1996) que a confiança

básica decorre de elementos cognitivos e emocionais com origem remota, a produzir

uma sociabilidade inconsciente, cujas principais conexões se estabilizam na rotina,

na reprodução coordenada de convenções somada a um sentimento de segurança

ontológica nas relações sociais. Para o autor, que invoca Wittgenstein, “as rotinas

cotidianas expressam profundas ambivalências” porque essas atividades rotineiras

nunca ocorrem de modo realmente automático (GIDDENS, 1996, p. 46-47). A

confiança é importante na relação com o risco e na definição do que fazer, já que

implica o recurso ao hábito e sua posição seguradora. Giddens (1996), com

Wittgenstein, admite que “há um mundo universalmente experimentado da realidade

exterior, mas não é diretamente refletido nos componentes significativos das

convenções com as quais os atores organizam seu comportamento”. O significado

nem consiste em descrições da realidade exterior, nem em códigos de significação

ordenados independentemente de encontros do indivíduo com a realidade. O que

não pode ser expressado por palavras constitui a condição necessária do que pode

ser dito e dos significados implicados na consciência prática (GIDDENS, 1996, p.

51). Significados seriam, então, marcos de diferenças e “as rotinas que os indivíduos

seguem, entendidas como suas trajetórias espaço-temporais nos contextos da

cotidianidade, fazem da vida algo normal e previsível” (GIDDENS, 1996, p. 57). A

posição do direito é, porém, instável, já que a confiança inerente a sistemas

abstratos não equivale completamente à que deriva da prática social. Assim, afirma

Giddens:

“Os sistemas abstratos que dependem da confiança, apesar de tudo, não conferem nenhuma das recompensas morais que seriam obtidas da confiança personalizada, muito comum em contextos tradicionais, fixados axiologicamente. De outra parte, a total penetração dos sistemas abstratos na vida ordinária cria riscos a que o indivíduo há de fazer frente de uma posição mais vantajosa” (GIDDENS, 1996, p. 69-70).

Para Giddens (1996), hoje é impossível dominar o risco completamente. Na

idade média, por exemplo, recorria-se a um critério externo e se lidava com a

insegurança; hoje não se lida completamente com o risco. O direito, sistema

abstrato, permite algum manejo da incerteza e concede opções múltiplas em

situações que aferem confiança e risco (GIDDENS, 1996, p. 36). A confiança

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ensejada por sistemas abstratos implica compromissos práticos e, no caso do

direito, pretende estabilização de expectativas de comportamento, comparecendo

como modo de redução de risco que, paradoxalmente, pode aviar novos riscos.

No caso das políticas públicas, o sistema jurídico introduz, por meio de sua

normatividade específica, uma mediação conhecida na disputa por benefícios

materiais estatais, transformando-a e reduzindo-a a um jogo diferente do que

aconteceria apenas no sistema político. Esse jogo deve ser, em princípio, aceito e o

risco é perceptível no plano das intervenções que continuam a se realizar nesse

campo, seja pelo governo, seja pelos juízes, seja pelas pessoas; por um sistema do

direito eventualmente corrompido, reduzido a uma dimensão simbólica ou deficitário

em acoplamento estrutural com a política ou com a economia. O direito coloniza

essa área, mas não sem riscos, embora com perspectivas e novas opções que

podem se traduzir em emancipação social e cidadania, expandidas se comparadas a

práticas e estratégias do tipo tradicional ou pré-jurídico.

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4. O SISTEMA JURÍDICO

4.1. Introdução

Integra-se a este trabalho uma compreensão do direito como sistema social.

Com efeito, se ao direito compete determinada função (FERRARI, 1989), a qual

realiza por meio de várias operações organizadas consoante certo vocabulário,

cumpre delimitar de maneira mais clara as características principais desse sistema.

A teoria dos sistemas, tal como estabelecida a partir da obra de Luhmann,

permite uma análise funcional do direito, a evidenciar suas nuanças operacionais,

seus mecanismos institucionalizados e normativos, dotados de conteúdo simbólico

(MUENCH, 1987, p. 77-78). Trata-se de um veio teórico que permite diversas

conjugações com outras perspectivas epistemológicas, notadamente com as teorias

acerca da modernidade tardia, entre as quais se insere, e o neopragmatismo

filosófico.

Sociologicamente, sistemas são relações organizadas como práticas sociais

regulares (GIDDENS, 1994). Luhmann admite três tipos de sistemas, os biológicos,

os psíquicos e os sociais, que são sistemas comunicativos, todos caracterizados

pelo modo autopoiético de reprodução (LUHMANN, 1996a). O direito, na acepção do

autor, configura um sistema singularizado por função social e código específicos

(FERRARI, 1989, p. 84 e ss.), que adquire centralidade na sociedade moderna em

vista de sua capacidade de sintetizar situações distintas, na condição de meio de

comunicação simbolicamente generalizado (LUHMANN, 2005).

A possibilidade de consistência do sistema jurídico, tendo como medida sua

função, seu código e a argumentação que cerca as decisões em si fundamentadas

(LUHMANN, 1998b, p. 1720181), é uma das bases desta tese.

4.2. Sistemas sociais

O pensamento sistêmico luhmanniano desenvolve-se como uma teoria das

sociedades modernas que explica sua complexidade e diferenciação a partir de sua

lógica interna. É uma teoria compreensiva de máxima extensão, despida de

pretensão normativa, por se referir aos processos de organização social sem

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qualquer apelo a uma normatividade fundante, e destituída de um sujeito epistêmico

na descrição da dinâmica social (SERMEÑO, 2001, p. 152-154).

O funcionalismo de Luhmann recebe influência direta de Parsons (CUBEIRO,

2008), cuja noção de ação social supõe situações físicas, sociais, culturais,

caracterizadas por valores e motivações comuns e por uma relação interdependente

com o ambiente. A sociedade que se organiza em sistemas e evolui de maneira

adaptativa. O sistema se estrutura mediante especialização funcional e

institucionalização de papéis, mas opera de forma aberta. Em Parsons, o direito

compõe um sistema relativo a meios de socialização, com aberturas e interações

(ROCHER, 1976, p. 73), concebendo tensões entre universalismo e particularismo, e

entre desempenho (fins, valores pela utilidade) e qualidade (meios, valores em si),

adotando, para fins de análise, determinadas variáveis padrão27. Em que pese

aspectos da sociologia parsoniana na obra de Luhmann, como a questão da dupla

contingência, o desenvolvimento da teoria dos sistemas realizado por esse último,

mormente após o chamado giro autopoiético, é significativo, inclusive em termos

epistemológicos.

Luhmann (1996a) não admite a idéia de sujeito do conhecimento presente na

epistemologia moderna, como também rechaça uma pretensão de conhecimento

vinculado a uma consciência individual, assumindo uma postura de tipo

antifundacionalista e antirrepresentacionalista (LUHMANN, 1996a). Ao invés,

reconhece processos sistêmicos de comunicação e a figura do observador,

distinguindo a observação de primeira e segunda ordem.

A observação de primeira ordem ocorre pela percepção e descrição do

mundo e do sistema, desde o interior do sistema. A de segunda ordem consiste na

observação da observação de primeira ordem, é reflexiva e se destina a descrever o

observador em suas operações comunicativas. Também ocorre no interior do

sistema, mas permite processos de diferenciação e estabelecimento de novos

sistemas. A observação de segunda ordem equivale ao conhecimento dito científico,

a implicar que toda teoria seja assim concebida (LUHMANN, 1998c, p. 14).

Comunicação é o último elemento operativo do sistema e compreende três

fases, emissão do ato comunicativo, informação e compreensão da diferença entre o

27 Como, por exemplo, afetividade x neutralidade; especificidade (parcial) x difusão (todo); universalismo x particularismo; qualidade (é) x desempenho (faz).

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ato e a informação. Segundo Luhmann, “todo evento comunicativo fecha e abre o

sistema” (LUHMANN, 1998c, p. 58).

Luhmann (1996a) enfatiza, contudo, o paradoxo do conhecimento, que é

improvável, porque não se poderia, de fato, conhecer qualquer objeto, mas também

é necessário, porque a possibilidade de conhecimento é fator da reprodução do

sistema. Todo sistema opera no tempo, conduzido por expectativas de situações

futuras com base em resultados passados em contextos semelhantes. Quando isso

não ocorre, há uma irritação no sistema, que tende a produzir novas respostas e

ajustes de expectativas (LUHMANN, 1996a). O conhecimento estaria no cerne da

relação entre expectativas e irritação, a reunir tempo, linguagem e contingência na

produção de conhecimento. Tem-se uma verdade instrumental, que opera nos

limites de um dado código associado a um sistema social.

Na confecção de sua teoria geral dos sistemas, Luhmann, dialogando com

Parsons, e, depois, com Varela e Maturana, distingue os sistemas de sentido como

aqueles que operam por redução de complexidade, a partir da diferença constitutiva

existente entre sistema e ambiente. Atribuição de sentido é uma tentativa de

redução de complexidade que apresenta um sistema a seu ambiente, constituído por

outros sistemas, igualmente autorreferenciados e operacionalmente enclausurados

(LUHMANN, 1998a, p. 287). Luhmann distingue, entre os sistemas de sentido, os

psíquicos e os sociais, entre os quais aparecem, modernamente, as organizações,

os sistemas de interações e os sistemas societais, que se constituem

comunicativamente (VERGARA, 2001, p. 120), sendo operativamente fechados e

cognitivamente abertos.

A teoria dos sistemas percebe a complexidade como atributo da sociedade

contemporânea, que se diferencia para lidar com essa complexidade (LUHMANN,

2005). Diferenciação é, assim, mecanismo de organização social, que parte da

percepção das relações entre sistemas e ambiente, cuja formação ocorre

exatamente a partir desses processos de diferenciação, a tornar cada sistema

específico, diferenciado e auto-referenciado, gerando, pois, uma sociedade mais

complexa. É paradoxal, porque as possibilidades das operações que gera são, ao

mesmo tempo, afirmação e não-afirmação, e as condições de operação são, ao

mesmo tempo, condições de não-operação. Assim, o direito, por exemplo, é visto

como direito e não-direito (sistema-ambiente). Pela autopoiese o sistema busca

superar o paradoxo, reenviando-o.

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Modernamente, então, os sistemas sociais se auto-organizam a partir de um

processo de especialização funcional, promovida por sua distinção com o ambiente,

e mantêm sua organização interna de forma auto-referenciada, com vistas a redução

de complexidade, mas com geração de mais complexidade (LUHMANN, 1995).

Cada sistema é concebido como comunicação, e se organiza por

diferenciação, detendo um código próprio, que o habilita a operações autopoiéticas,

baseadas em distinções que se realizam a partir desse vocabulário codificado de

forma especializada, e a avaliar observações como verdadeiras ou não.

A dualidade composta por identidade e diferença compõem a regência do

movimento de especialização funcional, que aparece como meio de redução de

complexidade e define um modo de agir sistêmico (LUHMANN, 1998c, p. 26-27),

fornecendo sentido a uma modernidade e definindo características valorativas

mediante observação de identidades que se estabilizam (LUHMANN, 1998c, p. 19).

A diferenciação acontece por intermédio de operações por meio das quais um

sistema se constitui diferenciando-se do ambiente (LUHMANN, 1983c).

Diferenciação gera mais reflexividade (LUHMANN, 1998c, p. 11 e 15)28 e, recorda

Luhmann citando Parsons, ao se processar a diferenciação há um movimento de

ampliação e generalização de recursos semânticos (LUHMANN, 1998c, p. 169). Na

modernidade, secularização cultural e diferenciação estrutural se unem (JESSOP,

1972, p. 76), a permitir um nível alto de generalização para a legitimação de novas

estruturas (JESSOP, 1972, p. 11), como o direito em sua versão moderna.

Em Luhmann, a sociedade não é composta por indivíduos, por um agregado

de sujeitos psíquicos, mas por sistemas que são comunicação (LUHMANN, 1995). A

improbabilidade da comunicação é função dos níveis de seleção exigidos pela

sociedade complexa, que obriga a diferenciação, a codificação específica, o

fechamento operacional (LUHMANN, 1993c). A comunicação não é, portanto,

garantia de performatividade da linguagem utilizada pelos sistemas, por isso, a

formação dos meios de comunicação simbolicamente generalizados, que operam

como espécies de substitutos das linguagens, a garantir a operatividade dos

sistemas (LUHMANN, 1993c) e uma certa autonomização e autorreferenciamento

das mesmas linguagens. Entre esses meios simbolicamente generalizados podem

ser mencionados o dinheiro, o poder ou o direito.

28 Ver, a propósito, em Jessop (1972, p. 76).

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Na teoria dos sistemas não há a intersubjetividade (LUHMANN, 1998c, p. 31-

32), tida por improvável em um contexto de sistemas que se comunicam e pessoas

que se acoplam estruturalmente a sistemas, permitem a comunicação, mas não

definem as manifestações sistêmicas por relações entre sujeitos. Luhmann trabalha

as relações entre sistema e ambiente, em vez da intersubjetividade (LUHMANN,

1998c, p. 10 e 34).

De Parsons, Luhmann utiliza a idéia da dupla contingência para explicar a

formação dos sistemas sociais. Como duas pessoas desconhecidas que se

encontram em um lugar desconhecido. A contingência é dupla, porque um não sabe

o que esperar do outro. Qualquer ação de um gerará uma ação do outro, aleatória, a

princípio, mas, eventualmente, realizando uma acomodação, uma ordem.

O sistema se mantém, entretanto, enquanto esfera comunicativa,

operacionalmente fechado e autopoiética, e a evolução do ambiente é um processo

contínuo, a problematizar o funcionamento do sistema, que filtra a comunicação do

ambiente, mas, cujas operações, ocorrem independentemente (ESTEVES, 1993).

Nessa dinâmica sistêmica, o risco é inerente à ordem social, e se eleva na

medida em que se torna complexa a modernidade tardia (LUHMANN, 1993a). Os

sistemas reagem ao risco na forma de expansão e restrição (autorestrição)

(ELSTER, 1979, p. 36 e ss.). Não se colocam contra o risco, já que seu

funcionamento é inerente à contingência, mas os assume. No caso do direito esse

fenômeno fica evidente, uma vez que o uso do direito tem crescido na medida da

percepção social do risco29.

Assiste-se uma expansão do direito em várias dimensões, notadamente nas

áreas que passam a ser absorvidas pelo controle jurídico, mas também mediante

possibilidades ampliadas de argumentação. Pode-se perceber que o risco se eleva

nesse movimento e o direito das políticas públicas é exemplar neste sentido. É,

afinal, uma área que tradicionalmente afeta à política, e aparece na dinâmica de

racionalização da gestão pública, recebendo, posteriormente, ingerência legal. Sua

incorporação pelo sistema jurídico mostra uma expansão do direito para conter

riscos sociais vinculados ao uso abusivo de recursos públicos por governantes e

administradores. Paradoxalmente, esse movimento cria novas oportunidades de

ação, desta vez por intermédio do sistema jurídico, e tais possibilidades,

29 Ver a respeito em BAUMAN (2007).

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especialmente quando cruzadas com o alargamento das perspectivas jurídicas de

argumentação, aumentam o risco imensamente, até porque a produção de mais

direito impõe, paralelamente, mais possibilidades de não-direito. Note-se que a

reação do sistema a esse aumento de risco não será um retorno a formas

anteriormente adotadas, como pretende certo discurso juspositivista30. O

comportamento do sistema jurídico será o de lidar com o risco recém-incorporado,

numa segunda fase, talvez com recursos de autorrestrição.

Perceba-se que, a par de uma concepção de sociedade (LUHMANN, 1998c,

p. 11) que produz sistemas diferenciados funcionalmente mediante distinção

(LUHMANN, 1998c, p. 54), também o paradoxo é constitutivo dessa ordem social

moderna, e se apresenta quando as condições que concorrem para a ocorrência de

uma operação, ao mesmo tempo, a obstaculizam. Situações paradoxais aparecem

na medida da complexidade social, hipótese em que todos os elementos de uma

unidade estão em relação com eles mesmos, a demandar atualizações constantes

mediante seleções (LUHMANN, 1998c). Note-se que no direito, mais elementos

presentes no sistema permitem mais relações jurídicas, o que provoca mais

complexidade. É visível que o aumento da complexidade nas relações jurídicas

demanda novos padrões de solução, eis que a seletividade suficiente para casos

menos complexos não necessariamente pode ser aplicada sem atualizações a

novos casos.

Os sistemas sociais operam com meios de comunicação simbolicamente

generalizados, que são estruturas particulares que induzem, tornam provável, a

comunicação, porque tornam provável o dado, de outra forma improvável, de uma

seleção ambiental ser aceita de maneira sistêmica. A normatividade jurídica, como o

dinheiro, por exemplo, é dos principais meios dessa natureza.

A moral, todavia, conquanto se estabeleça de forma normativa, não constitui

sistema especializado e, por outro lado, os sistemas especializados não se

apresentam dotados de moralidade. Luhmann reconhece que apenas em sociedade

é possível uma reflexão moral, razão pela qual “quem investiga sobre a moral não

pode evitar fazê-lo como comunicação societal” (LUHMANN, 1998c, p. 207). Assim,

tanto valores éticos dificilmente são reconhecidos como meios de comunicação

30 Ver, por exemplo, em RAMOS (2007; 2010).

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simbolicamente generalizados, quanto o dever-ser ético é muito mais dificilmente

absorvido em uma sociedade dividida em sistemas funcionalmente especializados.

4.3. O direito como sistema

O sistema do direito é, portanto, autônomo e determinado por suas próprias

influências constitutivas (GIDDENS, 1996, p. 38). O recurso à referência interna

exclui do campo jurídico a dependência direta de valores morais ou decisões

políticas, ainda que se possa advogar o papel de uma ética tangencial presente no

ambiente ou de decisões políticas acontecendo em nível de acoplamento estrutural.

Há uma substituição de consensos morais por funções sistêmicas (LUHMANN,

1998c, p. 15-16), o que confere centralidade ao direito, que, nesse cenário de

diferenciação funcional e impossibilidade de integração moral (LUHMANN, 1998c, p.

203), comparece produzindo normatividade. Inexistem identidades substantivas, mas

apenas funcionais (LUHMANN, 1998c, p. 19). Autorreferenciado e enclausurado

(LUHMANN, 1998c, p. 44-45 e 55), o direito expressa uma normatividade

universalizante, com seleção e qualificação de situações e elementos, a limitar

condições de entropia, isto é, a operacionalidade do sistema (LUHMANN, 1998c, p.

27).

A organização do sistema do direito gera, assim, um espaço operativamente

fechado, que usa suas próprias operações para edificar estruturas, que serão

utilizadas segundo a conveniência do sistema, já que é próprio de si a auto-

organização, observando uma codificação e programação que lhe são inerentes

(LUHMANN, 2000, p. 185). A estrutura tem por função tornar possível a reprodução

autopoiética do sistema, havendo uma exclusão de conteúdos a partir da

estruturação seletiva, bem como possibilidade de conexões (CARVALHO, 2005, p.

167), a processar redução de complexidade e contingência, em que pese a

manutenção da de incerteza e do risco.

O direito resolve problemas temporais, quando a comunicação por outras

formas não basta a si mesma (LUHMANN, 2005), e estabelece expectativas, no

sentido sistêmico, em uma esfera temporal igualmente referenciada pelo sistema.

Reconhece-se, pois, que o direito tem a função de estabilizar expectativas

(LUHMANN, 2005, p. 92-93), e que “o significado social do direito é reconhecido

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quando provoca consequências sociais devido precisamente a que se tenham

estabilizado as expectativas temporais” (LUHMANN, 2005, p. 93).

O direito é, portanto, um sistema social destinado a manter expectativas de

comportamento socialmente generalizadas. Tais expectativas têm caráter normativo

e se constituem pela aplicação do código jurídico/não jurídico. A variação evolutiva

do sistema será constituída por comunicação de expectativas normativas não

atendidas, a gerar novas hipóteses de seletividade.

O sentido do sistema mostra-se, assim, de maneira atual e como potência,

revelando instabilidade e incerteza (LUHMANN, 1998c, p. 28-29). Em um processo

de criação contínua, são processados movimentos de construção e reprodução da

ordem a partir de uma tensão dual entre ordem e desordem presentes em um

horizonte sistêmico (LUHMANN, 1998c, p. 30), no qual, repise-se, relações sociais

são verificadas na percepção de sistema e ambiente, preferíveis a uma improvável

pretensão de intersubjetividades comunicativamente relacionadas (LUHMANN,

1998c, p. 31-33). Ordem e desordem estão, portanto, presentes na ordem como

atualidade e potência. Tal constatação nos permite, por exemplo, com Santos

(2003b, p. 4-12), enxergar nas operações do direito moderno a tensão entre uma

possibilidade regulatória e outra emancipatória, bem como discutir o problema da

exclusão nas manifestações do sistema.

Note-se que o direito pode ser observado como um sistema que opera em

termos mais autorreferenciados que os demais, especialmente se verificarmos o

processo de positivação vivido pelo sistema jurídico desde o último século.

Pretende-se, nessa ótica, uma reflexão jurídica que renuncia à referência externa e

opera de forma mais simétrica (CORSI et alii, 1996, p. 29). Deve-se considerar,

todavia, que, conquanto seja em parte acertada essa observação, não é menos

adequado se perceber a justificativa externa mesmo nesse ambiente juspositivista,

seja em uma idéia transcendente de norma fundamental, seja no Estado que,

mesmo sendo fundado como ordem jurídica sob o normativismo, não se descola de

argumento político.

Produto típico do sistema jurídico, a norma é medida temporal da segurança

jurídica da sociedade (LUHMANN, 2005, p. 96), que induz decisões tomadas

segundo o vocabulário do direito. Decisões que, embora contingentes e incertas,

devem ser selecionadas guardando relação de consistência com decisões

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precedentes realizadas pelo sistema (LUHMANN, 2005, p. 190), a evidenciar a

ligação direta entre código e função do sistema.

4.4. Código e função do direito

É crucial que se perceba a peculiaridade da função do sistema do direito e do

código que embasa suas operações. É indissociável da modernidade uma análise

funcional do direito (FERRARI, 1989), que envolve, entre outras questões, as

referentes à orientação social, inclusive o equacionamento da tensão contingente

entre continuidade e conflito na trajetória sistêmica (FERRARI, 1989, p. 154 e ss.), à

procedimentalização e regulação de situações diversas, à legitimação jurídica do

poder (FERRARI, 1989, p. 197 e ss.), ou às relações entre o jurídico e o Estado

(FERRARI, 1989, p. 67).

A questão se refere a investigar “que problemas da sociedade se resolvem

mediante o processo de diferenciação de normas especificamente jurídicas e de um

sistema jurídico determinado” (LUHMANN, 2005, p. 86). Cuida, pois, da resolução de

problemas de comunicação mediante um código diferenciado, que tende a gerar

expectativas consistentes. Trata-se de mediação social diferenciada, especializada,

como normatividade social que substitui as fórmulas tradicionais típicas de

sociedades ditas pré-modernas.

Não se trata, portanto, de controle social ou integração, como na sociologia

tradicional, mas de processo comunicacional que se refere à estabilização de

expectativas temporais (LUHMANN, 2005). Luhmann não nega a importância de se

discutir os problemas decorrentes desse direito moderno cada vez mais

especializado, como são colocados, por exemplo, pela crítica marxista ou pelo

“critical legal studies”, mas prefere a ênfase na dimensão temporal das tramas

comunicacionais (LUHMANN, 2005).

O código jurídico estabelece os jogos de linguagem possíveis dentro do

direito. Para Teubner (1993), na perspectiva sistêmica a moldagem do direito

moderno correlaciona-se com a trajetória da sociedade moderna, com “afinidades

eletivas”, a propiciar um direito reflexivo, que se apresenta como programa

relacional.

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Segundo Giddens (2000b), coordenado pela perspectiva aberta por

Wittgenstein, é próprio dessa modernidade reflexiva traduzir a experiência de modo

relacional e lingüisticamente mediado. Para esse autor, é significativa a perspectiva

de uma realidade, cuja possibilidade de acesso comum seja “condição de nosso

mútuo entendimento”, já que “temos acesso a ela através de nossas experiências

rotineiras, as quais não só a pressupõem como são por ela pressupostas”

(GIDDENS, 2000b, p. 107).

O código do direito, em Luhmann, é referência a conteúdos linguísticos que,

atuando como regra de duplicação, estabelece uma linguagem que permite

relacionar todo enunciado positivo a um enunciado negativo. Com fundamento na

linguagem, pode-se trabalhar, de forma simplificada e objetivando reduzir

complexidade, todos os sistemas funcionais diferenciados por meio de códigos

binários. Trata-se de técnica que permite o funcionamento do sistema, ao reduzir a

complexidade contida em seu processo de diferenciação e especialização

(LUHMANN, 1996a), como na comunicação em geral (LUHMANN, 1998c, p. 56 e

ss.).

É por meio dessa linguagem que processos de fechamento operacional,

abertura cognitiva e acoplamento estrutural podem ocorrer (LUHMANN, 1998c, p.

62). Linguagem é, portanto, “médium”, instrumental que tem a função de tornar

provável a comunicação, servindo-se de generalizações simbólicas. Fundamental

para as operações do sistema, essa linguagem permite, também, a

“interpenetração”, que se discutirá adiante.

O direito trabalha com um código binário (VERGARA, 2001, p. 120-121), que

permite duas imputações básicas, quais sejam a conformidade ou a não

conformidade ao direito. O código permite uma posição inicial de comunicação, e

possibilita as operações e os cálculos a elas inerentes (NARRAFATE, 2000, p. 147).

O código binário é manejável segundo sua lógica interna, com função performativa,

a permitir o ordenamento das diferentes situações absorvidas pelo sistema. Tudo

recebe e ordena, mas exclui terceiras possibilidades, que não pode classificar

conforme o esquema binário de compreensão. É o código que possibilita a

comunicação e se ele não mais funciona faz-se necessária nova diferenciação. Sua

compreensão não é de base semântica, mas, principalmente, pragmática, e vincula-

se às contingências que envolvem o sistema, a sua funcionalidade e suas

consequências.

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O código permite a comunicação porque processa o ambiente sob a forma de

informação para o sistema, segundo sua funcionalidade. Assim, “a forma do código

define o princípio segundo o qual o código, apesar de suas diferenças internas,

estabelece uma unidade no campo que regula” (LUHMANN, 1986, p. 43). Tal

unidade se refere a uma função e determina o que pode ser comunicado e o que

cada época e situação confere sentido. Dessa forma, características tidas como

definidoras do direito, como a coerção, não são fundamentais e necessárias, mas

estruturais e contingentes.

O sistema jurídico opera de forma seletiva e a coleta de informação é evento

que seleciona os estados passíveis de admissão pelo sistema, pois distingue

possibilidades estruturantes. Operação e observação aparecem como distinções

básicas no funcionamento sistêmico, com desdobramentos em uma estrutura social

e uma semântica (LUHMANN, 1998c, p. 131-132). Tem-se, aqui, a resolução dos

problemas descritivos em um esquema temporal, com um “constante engendrar uma

diversidade de realidade” (LUHMANN, 1998c, p. 133).

Autorreferenciado, o direito é sistema que opera conforme referências

estabelecidas por si mesmo (LUHMANN, 1990). Tais referências implicam

atributividade, ou seja, a realização de seleções mediante atribuição de sentido

(LUHMANN, 1998a, p. 201-213). As dimensões do sentido se distinguem entre

atualidade e potência, possibilitando a criação seletiva, e autorreferenciada, de

novas formas sociais e psíquicas, sendo, nesse sentido, premissa para a elaboração

da diferença. Verdade, nesse contexto pragmático, é apenas um meio de

comunicação simbolicamente generalizado, que se assenta em código, programa e

função.

Apesar de os sistemas, tendencialmente, serem autorreferenciados e

fechados, sob uma base referencial, em tese, simétrica, na realidade, a fixação de

pressupostos para a ação autorreferencial envolve uma assimetria, já que coloca um

ponto externo à lógica operativa do sistema (LUHMANN, 1999, p. 15-26). Possui

dimensões temporal, social e relacional entre sistema e ambiente. A necessidade de

construir assimetrias é importante para o estabelecimento dos sistemas sociais,

porém, alguns sistemas funcionalmente diferenciados podem construir meios de

tornar suas operações fundadas em uma base tautológica, como o direito

(LUHMANN, 1990).

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A reflexividade do sistema implica, por seu turno, auto-observação do próprio

sistema, que intenta distingui-lo do ambiente e considerá-lo como um todo. Essa

propriedade reflexiva conduz a dinâmica do sistema, pois permite mudanças de rota.

Para tanto, considera o programa, elemento associado ao código, que orienta seu

uso e dá condição para corrigir o funcionamento do sistema. Compensa a rigidez do

código e possibilita, para além de relações dicotômicas simples, a perspectiva do

terceiro excluído.

O código permite ao sistema lidar com a irritação originada do ambiente como

sensibilidade do sistema ao ambiente. Permite a “absorção de incerteza através de

graus de seleção, que constitui o sentido do processo jurídico, torna necessária uma

restrição em relação ao ambiente de informações, que não pertençam ao processo,

e condiciona uma certa autonomia do processo de decisão” (LUHMANN, 1980, p.

43). Seu critério de verificação e de correção não é uma verdade definitiva, mas sua

consistência atrelada à possibilidade de solução de problemas sociais.

4.5. A reprodução do sistema

O sistema jurídico produz comunicação e se reproduz em um processo

autopoiético, selecionando decisões contingentes, nos termos de seu código e sua

função. A autopoiese é traço distintivo dessa concepção do sistema jurídico

(KNODT, 1995) e implica em que somente o sistema jurídico produza o direito. Pelo

comportamento autopoiético o direito pode gerar redução de complexidade por meio

de atribuição de sentido (LUHMANN, 1998c, p. 28), conquanto haja o rico da

alopoiese, que será abordada no próximo capítulo (NEVES, 2007).

A autopoiese ocorre como processo social comunicativo, exclui, portanto,

qualquer enfoque individualista dos fatos sociais (TEUBNER, 1989, p. 730 e ss.), e

demanda estruturas que delimitem o âmbito de relação das operações do sistema,

isto é, as condições para a reprodução autopoiética.

Note-se que autopoiese não é processo de autocriação por si mesmo (creatio

ex nihilo), mas instrumento operacional, envolvido em negociações temporais que

implicam a manutenção de operações sucessivas de performances operacionais

autolimitadas (CLAM, 2005, p. 103), já que dotadas de função e código específicos,

autorreferenciadas e operacionalmente fechadas. É a organização e reprodução do

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sistema por seus próprios fundamentos e segundo seus próprios instrumentos

comunicacionais.

Afirmar a autopoiese do sistema jurídico impõe reconhecer que se, no bojo do

processo de acomodação da sociedade moderna, o direito se torna um espaço

funcionalmente especializado, diferenciado e dotado de código peculiar, suas

condições de reprodução passam a depender de seus próprios fundamentos, pois,

se assim não fosse, sua caracterização deveria, necessariamente, ser outra, como,

por exemplo, indistintamente em uma sociedade multifuncional, ou por

subordinação, atrelado a um sistema principal.

O direito forma-se, portanto, segundo processos juridicamente reconhecíveis.

A formação da lei positiva, ou a tramitação de procedimentos judiciais podem ser

tomados como processos de diferenciação, seletivos, “orientados por regras e

decisões próprios do sistema”, de maneira que o ambiente só aparecerá após a

devida “filtragem de informações” pelo sistema jurídico (LUHMANN, 1980, p. 53).

O direito na sociedade moderna (MATHIS, 2008) oferece produtos

específicos, que não apenas permitem traduzir valores e princípios em programas de

decisão (CORSI, 2001, p. 77), mas tornam possíveis, pela incorporação de

conteúdos, intervenções sobre determinadas questões sociais segundo um

vocabulário distinto.

Entre as singularidades desse direito moderno destaca-se a adoção de uma

constituição como norma escrita de base. A Constituição permite ao direito, e à

produção normativa, inclusive, uma elevada margem de liberdade de ação,

sabendo-se, todavia, que "no plano do sistema jurídico, compreendido em sua

complexidade, a regulamentação (da Constituição) é possível apenas se é aceita

sua auto-referência: normas que programam normas - inclusive a si mesmas”

(CORSI, 2001, p. 174-175). Estruturalmente acoplada à política, somente se prende

às conexões estritas dos vínculos que organizam e referenciam o sistema jurídico, e

às conexões largas dos direitos fundamentais (CORSI, 2001, p. 184). Como

esclarece Luhmann:

“Existem normas que normatizam a normatização, as quais, por exemplo, fixam processos e certas condições parametrais da ação legislativa. Essa normatização pode, mas não precisa, assumir a forma de hierarquia. Em todos os casos ela amplia o âmbito das normatizações possíveis; ela possibilita a compatibilização da segurança e da expectabilidade com uma maior liberdade da normatização e da alteração de normas, mobilizando amplamente um complexo normativo e ao mesmo tempo mantendo-o sob

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controle. Uma ‘Constituição’ não se fixa, em algumas de suas determinações, antecipadamente a uma forma determinada do direito, mas apenas regulamenta a forma de seleção do direito variável” (LUHMANN, 1983, p. 15).

Observe-se que uma concepção do sistema jurídico como essa permite um

norte para o presente trabalho, já que torna factível analisar a incorporação das

políticas públicas pelo direito, bem como examinar as formas de sua realização,

entre as quais discursos argumentativos, atos e decisões, e respectivas

consequências.

4.6. Direito e política

Constatar o fechamento do sistema jurídico implica enfrentar o problema das

relações entre direito e política na modernidade tardia, sendo especialmente

relevante para o estudo da juridicidade das políticas públicas. Há algumas questões

que decorrem da incorporação do tema pelo direito, entre elas a posição de

inúmeros autores a sustentar que a ação jurídica sobre políticas públicas envolve

opções políticas31, o problema da ação política de fato em contextos de juridicização

simbólica (NEVES, 2007), e as situações de corrupção do sistema (LUHMANN e DE

GIORGI, 1993). Outras discussões, envolvendo os conceitos de acoplamento

estrutural e dupla contingência, também se inserem na dinâmica dos sistemas

jurídico e político.

Conforme foi salientado, o sistema só existe enquanto se diferencia do

ambiente, dos outros sistemas, senão perde a funcionalidade e a capacidade de

produzir comunicação diferenciada (CUBEIRO, 2008, p. 43). Assim, estabelece-se

modernamente o sistema da política, tendo como função decidir de maneira

coletivamente vinculante. Sua função é a tomada da decisão, não o conteúdo da

decisão, e seu código de diferenciação é o poder (RODRIGUEZ e ARNOLD, 1999,

p. 151).

Cabe, então, ao sistema político produzir e impor decisões vinculantes.

Considere-se, contudo, que, na medida de sua especialização funcional, poderes de

natureza não política também se estabelecem, como o econômico, gerando mais

31 Ver, por exemplo, em BUCCI (2002).

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complexidade no jogo do poder (MATHIS, 2008), em vista dos possíveis estados de

acoplamento provocáveis por decisões vinculantes, comunicativas, observáveis por

outros sistemas funcionais (LUHMANN, 1993b, p. 95). Trata-se, aliás, de uma

dimensão da burocratização experimentada pela modernidade, que aparece como

“consequência direta das crescentes prestações políticas no âmbito das quais se

podem obter resultados recorrendo exclusivamente, ou ao menos de modo primário,

à produção de decisões vinculantes” (LUHMANN, 1980, p. 96).

A unidade do sistema político demanda uma autodescrição para fins de ponto

de referência para o processamento autorreferenciado de informações (LUHMANN,

1998c, p. 411).O Estado aparece como autodescrição do sistema político. O sistema

utiliza o vocabulário próprio das relações de poder, que em termos binários se

expressa como poder/ não poder. Poder é referência a absorção de segurança,

imposição de sanção positiva ou de negativa. A absorção de insegurança, por seu

turno, relaciona-se com distribuição de competências e responsabilidades. O poder é

‘meio de comunicação simbolicamente generalizado’, que torna facilita o manejo do

sistema político (LUHMANN, 2001), especialmente porque fomenta situações de

acoplamento estrutural, tornando provável a incorporação de suas decisões,

comunicativamente produzidas, pelo ambiente.

Note-se que o exercício de poder político conduz à realização de seleções,

procedimentos como espaço de justificação e legitimação das decisões, que, muitas

vezes são juridicamente fixados. Essa fixação jurídica acontece para justificar de

forma legítima o exercício da autoridade e para possibilitar a redução da

complexidade inserta em processos dessa natureza. Em uma sociedade na qual a

verdade não se estabelece dotada de certeza comunitária ou intersubjetivamente

reconhecida, mas é pragmaticamente utilizada para reduzir complexidade e conferir

êxito à ação do sistema (LUHMANN, 1980, p. 26-27), essa ação simultânea dos

sistemas do direito e da política reivindica alguma reciprocidade, o fenômeno do

acoplamento estrutural (LUHMANN e DE GIORGI, 1993, p. 149 e ss.).

Acoplamento estrutural se refere a relações de interdependência recíproca,

regulares, relacionando sistema e ambiente, que não estão aptos operacionalmente

a uma ação conjunta, mas, cognitivamente, podem pressupor a ação ambiental. São

operações que impõem alta seletividade e não afetam a autorreferencialidade do

sistema (LUHMANN, 1997, p. 67). É que, no acoplamento estrutural, dois sistemas

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autopoiéticos demandam, em termos, a ação um do outro para o seu funcionamento

(MATHIS, 2008).

Acoplamento estrutural traduz, portanto, uma relação entre o sistema e seus

pressupostos presentes no ambiente (LUHMANN, 1996a). É uma situação de

acoplamento de indicadores significativos autorreferenciais e referidos ao ambiente

(LUHMANN, 1998c, p. 61), que requer condições estruturais especiais (LUHMANN,

1998c, p. 411), como, por exemplo, os procedimentos para a produção do direito

positivo ou de decisões administrativas e judiciais.

Luhmann descreve a possibilidade de integração entre sistemas como

limitação recíproca entre sistemas estruturalmente acoplados (LUHMANN, 1998c, p.

168-169), a preservar as características de ambos. Aduz, contudo, a existência de

casos de interpenetração, que constitui um modo específico de acoplamento

estrutural, por meio do qual dois sistemas partilham uma evolução simultânea e

recíproca, de maneira que hajam ações intensamente relacionadas e, mesmo, que

um sistema não possa existir sem o outro. O exemplo marcante, aqui, é o do

acoplamento entre indivíduos (sistemas psíquicos) e sistemas sociais. Pode-se,

entretanto, assinalar casos de interpenetração entre direito e política.

Perceba-se, então, que nas relações entre direito e política não cabe a

sobreposição de um código sobre o outro, conquanto reste, como risco ou disfunção

consolidada, a possibilidade de sobreposição da política ao direito, que fica à mercê

do risco de usurpação pelo código da política (MÜLLER, 1998, p. 96).

O acoplamento se produz em virtude de relações com o ambiente que

engatilham o sistema que, não obstante, permanece operando sob referência

interna. Os atos de irritação produzidos pelo ambiente e processados pelo sistema

são importantes nessa atividade. Irritação é ocorrência externa cujo registro acarreta

diferenciação e comparação com estruturas (expectativas) internas, tornando-se

produto do próprio sistema (LUHMANN, 1997, p. 68), embora tenha origem remota.

Recorde-se que a produção da lei, do direito formal, ocorre de forma

procedimentalizada e deve obedecer a um preceito de fundamentação, legitimando

a política e criando o direito. Luhmann reconhece que “o processo legislativo tem de

dominar uma complexidade extremamente elevada, pois trata o direito como

variável” (LUHMANN, 1980, p. 161-162). Semelhantemente, em decisões jurídico-

administrativas e nas decisões judiciais inseridas na chamada ‘judicialização da

política’, nas quais a justificação jurídica está acoplada a processos políticos

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simultâneos, e nas quais é alto o risco de corrupção do sistema, deve-se atentar

para o manejo específico do direito. Tal justificação, em Luhmann, possui natureza

relacional e, diferentemente dos métodos tradicionais de interpretação, que

consistem em operação mental de um leitor individual, pode ser referida como

argumentação, processo que transcorre como operação interna do sistema jurídico,

no qual alternativas a partir de um vocabulário são confrontadas, tendo em vista a

“busca de consistência” nas decisões jurídicas. Atua como mecanismo de controle

interno, para assegurar coerência ao sistema, enquanto provê o sistema de uma

racionalidade que admite alternativas (MAGALHÃES, 2002, p. 146).

Perceba-se que a transformação dos sistemas sociais está na análise

luhmanniana como possibilidade, dentro de ciclos de autorreferencialidade

(ESTEVES, 1993). A teoria se abre, assim, a múltiplos conteúdos, acobertando, por

exemplo, a dialética entre regulação e emancipação que permeiam a trajetória do

direito moderno (SANTOS, 2002c), disputas entre concepções hegemônicas e

opções contra-hegemônicas, discursos ideológicos e narrativas contra-ideológicas. A

lógica operacional do sistema é auto-referenciada, portanto, seus conteúdos serão

dados na medida de suas condições de comunicação. Ampliar o vocabulário do

sistema jurídico, observando o código do direito, pode ser uma perspectiva de

emancipação social, hipótese em que, provavelmente, o sistema passará a se

reproduzir levando tais variáveis em consideração, isto é, sua trajetória incorporará

uma gramática emancipatória.

4.7. Direito, contingência e risco

O risco é inerente aos sistemas sociais. O sistema do direito é,

marcadamente, sujeito à incerteza e ao risco. Suas operações comunicativas

refletem suas estruturas, mas também nelas interferem, consoante observações e

pontos de observação possíveis. Em Giddens (1984), a teoria da dualidade da

estrutura, descreve as estruturas como condição e resultado da ação, como situação

de constrangimento e possibilidade de agir32.

32 A esse respeito, verificar o conceito de ‘dependência de trajetória’, brevemente referido no próximo capítulo, que permite uma compreensão interessante desse aspecto do comportamento do sistema do direito. Sobre o tema, ver em FERNANDES (2002, p. 82).

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A estrutura tem por função tornar possível a reprodução autopoiética do

sistema, havendo uma exclusão de conteúdos a partir da estruturação seletiva, bem

como possibilidade de conexões (CARVALHO, 2005, p. 167). Estruturas são regras

e recursos, um conjunto de relações transformacionais, organizado como

propriedade de sistemas sociais. São regras e recursos agregados e

lingüisticamente experimentados (GIDDENS, 1984, p. 32). Estruturação são as

condições que governam a continuidade ou mudança das estruturas, portanto, a

reprodução dos sistemas sociais (GIDDENS, 1984), é compreendida na forma

autopoiética.

Em Durkheim, o sistema produz os constrangimentos físico e moral. Em

Parsons, o quadro de referência da ação, comportando elementos normativos, seja o

externo – consenso moral integrador – seja o internalizado – motivação do ator. Nele

a conduta dos atores passa por determinações sociais, preponderantes em virtude

do elemento normativo, e psicológicas.

A partir de uma analítica da ação, na qual se incluir a temporalidade no agir

humano e o poder como integrante das práticas sociais, o lugar da atividade social é

situado temporalmente, paradigmaticamente e espacialmente. Giddens (1984)

propõe incorporar a questão paradigmática, formando uma tridimensionalidade em

dois eixos: um eixo sintagmático, que se ocupa de tempo e espaço, e um eixo

paradigmático, que compõe um espaço-tempo virtual ou estrutura.

A ação comparece como “fluxo constante de conduta” (GIDDENS, 1984, p.

14), como “corrente de intervenções causais, concretas ou projetadas”, a refletir uma

intencionalidade do agir no processo (GIDDENS, 1984, p. 16). Estruturas, sistemas e

estruturação se relacionam com a temporalidade. Substituem o “retrato” da

sociedade dinâmica e revelam instabilidade entre posições de diacronia e sincronia.

Estruturas sociais, como as presentes no sistema do direito, padronizam a

interação e permitem a continuidade da interação no tempo, observadas as

componentes sintagmática e paradigmática, que Giddens apresenta sob influência

de Levi-Strauss.

As relações entre ação e estrutura, verificáveis no eixo giddeniano, podem,

em termos, ser relacionadas à questão da contingência em Luhmann (1998c, p. 18).

O problema da dupla contingência tem origem em Parsons (1964) e o conceito de

contingência remete ao de incerteza, de abertura a possibilidades, e exclui o de

necessidade. Entende-se por contingente o que torna possível que algo seja

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diferente de como se apresenta. O verificável em uma situação mostra, igualmente,

a sua possibilidade de se constituir sob diferentes possibilidades. A seletividade dos

sistemas é contingente e a contingência é o principal problema de coordenação no

campo das seletividades.

Contingência significa incorporação do risco e da possibilidade de o sistema

produzir expectativas frustradas. A constituição do mundo social apresenta, portanto,

dupla perspectiva, que se mostra como ação e potência, e implica a necessidade de

inclusão da perspectiva do outro na sua própria, com os problemas de seletividade

dele decorrentes. A especialização sistêmica ocorre para atender a uma

necessidade de alguma segurança e certeza diante da contingência (LUHMANN,

1998a).

A ação produzida pelo sistema do direito é orientada por um sentido de

contingência e permite ampla seleção de alternativas (MAGALHÃES, 2002), que,

uma vez escolhidas ou eventualmente redefinidas, alterarão o próprio sistema e

suas condições de operação. Código e função são elementos de consistência do

sistema (LUHMANN e DE GIORGI, 1993), e se movem consoante posições

paradigmáticas possíveis. A busca de consistência no direito enfrenta o risco e a

contingência, sabendo-se, contudo, que as escolhas que realiza implica, também,

formas de inclusão e de exclusão duplamente contingentes. Vale dizer, o alcance do

sistema tem tais decisões paradigmáticas como base e limite referencial de

comunicação.

Entre os riscos a que o sistema do direito está exposto, dois merecem

destaque. De um lado, o risco de corrupção, quando um sistema se deixa corromper

pelo código alheio ou se dirige à função de outro sistema (LUHMANN, 1998c). De

outro lado, a constitucionalização simbólica que, conforme Neves, acontece quando

um aparato semelhante àquele próprio de um sistema funcionalmente especializado

se ergue, contudo não opera cumprindo os fins formalmente a si designados, mas

funções ligadas a interesses estranhos ao sistema, que pretendem reduzi-lo a um

registro meramente simbólico (NEVES, 2007). É o que acontece, por exemplo,

quando se estabelece um aparato jurídico-constitucional formal, com o objetivo de

apenas simbolizar socialmente a existência de um sistema capaz de conferir

determinados direitos às pessoas, como sói acontecer nas sociedades periféricas.

Nesses casos, o sistema não atua de forma autopoiética, mas alopoiética (NEVES,

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1996). Nos casos de corrupção, diferentemente, o sistema opera conforme seu

código e função, mas, eventualmente, é sobreposto pela racionalidade de outro.

Todos os atos necessários à vida em sociedade apresentam uma identidade

fundada na força do imaginário social, ocasionando uma articulação entre o

simbólico e o material. Assim, “a satisfação das necessidades está sempre

permeada e configurada pelas exigências da expressão simbólica” (NEVES, 2007).

Ocorre que com a dessacralização da sociedade moderna, gerando aviltamento do

mundo simbólico, profanização da vida social e hipertrofia do sistema de produção

material da vida, ao qual se sujeita o universo simbólico, à unidade orgânica da

sociedade tradicional sucedeu, modernamente, uma sociedade que se unifica na

linguagem, nas expressões de seu imaginário, e nas possibilidades de comunicação.

Abrem-se processos de operações materiais e simbólicas, com os riscos a elas

inerentes.

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5. DIREITO E EMANCIPAÇÃO SOCIAL

5.1. Emancipação e regulação no direito moderno

O problema da exclusão no âmbito da contingência própria do sistema jurídico

obriga a uma discussão acerca dos conteúdos passíveis de serem abrangidos pelo

direito, bem como de suas condições de operatividade. Cabe, neste ponto, ampliar a

percepção a respeito da ordem jurídica, mediante o cruzamento de duas variáveis

fundamentais, quais sejam a tensão entre regulação social e emancipação presente

no direito moderno e as peculiaridades de um sistema jurídico formalmente

estabelecido consoante uma lógica de diferenciação e especialização, quando

inserido em um contexto de modernidade periférica.

Avaliar esses aspectos permite uma abordagem jurídica de linha pragmatista,

e, mais especificamente, permite avaliar o discurso produzido em torno das

aplicações do direito das políticas públicas em termos de juridicidade, de

funcionalidade e de inclusão, considerando que cumpre à análise jurídica distinguir

entre condutas conforme ou não ao direito, levando em consideração sua

consistência argumentativa, suas consequências e sua capacidade de universalizar

conteúdos.

Observe-se que não cabem, nessa perspectiva, reflexões jurídicas do tipo

tradicional, escoradas em relações entre sujeito e objeto, fundacionistas e

representacionalistas, com apelo a uma base metafísica ou empirista. Não se trata

de rechaçar a primazia do direito positivo na modernidade, ou a importância do

reconhecimento de direitos fundamentais, ou, ainda, a normatividade jurídica dos

princípios. A questão reside na abordagem, que pode incorporar todos esses

elementos, assumindo uma perspectiva relacional, consequencialista e dotada de

solidez lingüística.

A conjugação de sociologias com diferentes matizes neste trabalho33 permite

uma densidade de conteúdo, já que se pressupõe que um direito das políticas

públicas esteja em mútua dependência com um ambiente de aprofundamento

democrático, e que democracia, consoante as exigências de uma modernidade

reflexiva, só faz sentido como abertura pluralista, que permita, por exemplo, um

33 A possibilidade de alinhavar aspectos do pensamento de N. Luhmann e B. S. Santos foi explorada por alguns autores, como, por exemplo, em CAMPILONGO (1997).

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Estado mais permeável. Um Estado que, conquanto suas emanações permaneçam,

por óbvio, estatais, possa nelas conter expressões plurais, a alimentar uma

autodescrição não mais de viés monista, mas pluralista, que permita uma

aproximação do público com o estatal, com articulação entre representação e

participação. Uma porosidade estatal conjugada com reconhecimento de espaços de

produção do direito não-estatal, como se verifica, por exemplo, no campo da

democracia participativa, com processos de escolha social acoplados a políticas

públicas, construção de espaços mistos de decisões socialmente vinculantes, tais

como conselhos de políticas sociais ou orçamento participativo, com regramento e

possibilidade de definição normativa de prioridades em políticas públicas formuladas

a partir do braço social não estatal.

A posição epistemológica presente na obra de Boaventura de Sousa Santos é

coerente com esse referencial, e permite explorar o direito a partir da oposição entre

regulação e emancipação e de uma “sociologia das ausências” em confronto com

uma “sociologia das emergências” (SANTOS, 2002c). Serão, ainda, expostas

algumas das questões que tangenciam o direito nas sociedades periféricas, entre as

quais a juridicização simbólica, com ênfase nas especificidades brasileiras. Para

tanto, serão apresentadas vertentes das ciências sociais nacionais que tematizam o

patrimonialismo e o clientelismo, tradições que, agravadas por um cenário de

desigualdades sociais, impõem um olhar mais atento aos processos de

modernização vividos na trajetória brasileira, relevantemente a implementação da

burocracia na administração estatal. Estruturas como o patrimonialismo e o

clientelismo, que tornam indistintos os espaços público e privado e induzem

decisões de cunho particularista, constituem racionalidades tradicionais e amplas,

que se opõem ao universalismo ínsito ao direito moderno, à cidadania como status

de igualdades e a um Estado que administre por meio de políticas públicas dotadas

de macrojuridicidade e vinculadas à produção de bens coletivos.

Observe-se, na trilha inaugurada por Santos (2002b), uma denúncia dos

limites da racionalidade científica moderna, e as perspectivas abertas pela

modernidade radical ao aparecimento de novos paradigmas, conforme a definição

de Kuhn (SANTOS, 2000, p. 65)34. Assume-se, portanto, um viés pragmático e de

ruptura, em termos, com a epistemologia ocidental, verificado na defesa de um

34 Sobre o conceito de paradigma na obra de Thomas Kuhn, ver a discussão no capítulo 2.2.

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“conhecimento prudente para uma vida decente”, e no repúdio a um conhecimento

científico reducionista, mísero em conteúdo e fonte de empobrecimento do saber,

contra o qual opõe a emergência de vários saberes (SANTOS, 2000, p. 69-70), em

um horizonte pluralista e aberto.

Santos reconhece que “só a partir da modernidade é possível transcender a

modernidade” (SANTOS, 2000, p. 71), contudo, atenta para projetos inacabados da

modernidade, subjugados por interesses hegemônicos, tais como os vinculados a

uma noção de comunidade e a um horizonte de emancipação social. Ao investir

nessa vereda, o autor destaca uma racionalidade estético-expressiva no domínio da

emancipação, contraposta à dimensão restritiva da regulação, ambas a compor um

direito moderno de feição monista e instrumentalizado por uma razão colonialista

(SANTOS, 2009b). Percebe, ademais, um direito atrelado à regulação social, que se

ergue conforme dois pilares regulatórios restritivos, o mercado e o Estado (SANTOS,

2000, p. 71), apesar do discurso de universalidade que os cerca. Duas dimensões

da comunidade, participação e solidariedade, são igualmente, negligenciadas por

uma modernidade excludente e individualista (HESPANHA, Pedro, 2002).

O autor ressalta tensões dialéticas que marcam a modernidade ocidental

(SANTOS, 2000), entre as quais um direito emancipatório e outro regulatório

(SANTOS, 2000, p. 129 e ss.); entre público e privado, Estado e sociedade; e entre

Estado-nação e globalização (SANTOS, 2001, p. 8-9). Perceba-se, aqui, um Estado

potencialmente apto a maximizar suas ações, reconstruindo-se na medida em que

sua relação com a sociedade passa a ser não de contraposição, mas de

complementaridade.

O direito moderno é repositório dos conflitos decorrentes dessa tensão. De

uma concepção política monista, que reconhece o monopólio estatal sobre o direito

da sociedade, alinha-se sua vertente regulatória, ao passo que o veio emancipatório

se abre a partir de uma racionalidade pragmática, na qual se encontram desde

aspectos estético-expressivos relacionados às artes até a própria razão prático-

moral situada na justificação do direito e nas teorias da justiça (SANTOS, 2001).

Note-se, então, que essa tensão produz um direito vinculado a forças sociais

hegemônicas, controlador e regulatório, e um direito capaz de alargar cidadania e

contribuir para a emancipação social. No âmbito do direito público, tem-se, no

primeiro caso, controle sobre a sociedade; no segundo caso, controle da sociedade

sobre processos sociais mais amplos.

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Santos salienta, também, paralelismos entre alterações nas condições sociais

e nas condições de produção do conhecimento, produzindo relações dialéticas em

face do paradigma anterior, a permitir fragilidades evidenciadas e possibilidades de

mutação. Rejeita o racionalismo cientificista, ressaltando que a consistência das

relações em um dado sistema não podem ser logicamente comprovadas, e a

contingente possibilidade de formulação de situações indisponíveis a uma única

decisão, que não podem nem ser absolutamente refutadas ou demonstradas, mas

que se sujeitam a operações de seletividade (SANTOS, 2000, p. 66-67). Dialogando

com concepções de análise sistemática, Santos (2000, p. 68) questiona os conceitos

de “causalidade e lei”, e desmistifica a pretensão de exatidão no manejo do direito,

opondo-se ao positivismo jurídico e realçando que as pretensões de segurança e

certeza inerentes à concepção moderna de ordem jurídica estão, a todo momento,

confrontadas com expressões da crise de paradigma científico que as sustentou

(SANTOS, 2000, p. 68-69).

Na provisoriedade da ciência e na precariedade das normas, probabilísticas e

aproximativas, Santos designa o declínio da idéia de legalidade associado ao

declínio da idéia de causalidade, a impor uma redefinição metodológica, com revisão

das idéias de causalidade, verdade e certeza (SANTOS, 2000, p. 73). A

modernidade fixa determina linhas de exclusão, e, para tanto instrumentaliza seus

elementos, como o direito e a ciência, que operam demarcando um fosso que inclui,

de um lado, uma modernidade hegemônica e, de outro, as demais alternativas, por

exclusão. O pensamento abissal moderno se destaca pela capacidade de produzir e

radicalizar distinções (SANTOS, 2009b, p. 23). Nesse sentido a possibilidade de

uma ecologia de saberes funciona como contra-epistemologia, como

reconhecimento da possibilidade de discursos não informados pelo paradigma

cientificista ocidental (SANTOS, 2009b, p. 46-47), como “pragmatismo

epistemológico”, justificado pela experiência inclusiva, a abranger não uma lógica

causalista, mas consequencialista e contextualista (SANTOS, 2009b, p. 51). Tem-se

na ecologia dos saberes “uma epistemologia desestabilizadora, na medida em que

se empenha numa crítica radical da política do possível, sem ceder a uma política

impossível” (SANTOS, 2009b, p. 54).

Percebe-se um uso do tipo ideológico da ciência, com a transformação do

conhecimento científico em conhecimento regulador hegemônico, cujo

hiperdimensonamento restringiu o potencial emancipatório da revolução científica

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moderna. Note-se, com Badiou (1993), que uma ênfase ideológico-regulatória

restringe o alcance das promessas da modernidade, pois substitui a ação positiva e

emancipatória, que determinaria a autoconstrução do agente ético, pela omissão,

desde que a imagem do mal passa a determinar a imagem do bem, restrito ao não-

mal. A hegemonia do conhecimento-regulação significou a hegemonia da ordem em

detrimento do conhecimento-emancipação e das formas de solidariedade social

(SANTOS, 2000, p. 111). Tomando emancipação como utopia e como pragmática

(SANTOS, p. 162 e ss.), Santos (2000, p. 112) observa que “também o direito

perdeu de vista, nesse processo, a tensão entre regulação e emancipação social” e

que a recuperação dessa vocação emancipatória35 implica uma revisão do direito

moderno.

A compreensão do direito, para Santos (2000, p. 183-191), implica explorar

sua cartografia, assimilando itens de escala, projeção e simbolização, assim como

mecanismos destinados a impor representações e distorções da realidade. Impõe,

outrossim, a crítica à autonomização do direito, pela referência monista ao direito

estatal, que oculta outros arranjos normativos não modernos, conquanto admita uma

“capacidade de adaptação do campo jurídico às novas condições de regulação

social” (SANTOS, 2000, p. 149). Segundo o autor, a crise do direito regulatório

coincide com a crise do monismo jurídico e com a crise de um certo modelo de

Estado, pois, “o que está em causa na sobre-juridicização da vida social, ou, como

prefiro dizer, da utopia jurídica de engenharia social através do direito, é a avaliação

política de uma determinada forma de Estado, o Estado-providência que, no pós-

guerra, surgiu numa pequena minoria de países, os países centrais do sistema

mundial” (SANTOS, 2000, p. 151).

Consoante o autor, perspectivas de recomposição do direito podem se

articular com a dimensão comunidade, em suas possibilidades de solidariedade e

participação, a aprofundar compromissos democráticos e pluralistas (SANTOS,

2000, p. 73). A dimensão das políticas públicas se insere, nessa reflexão, abrindo

alternativas que passam tanto por um Estado mais permeável como pela ação

gerada diretamente pela esfera societal (SANTOS, 2000, p. 73-74). Observe-se que,

sob esse enfoque, ficam em choque conhecimento regulação e conhecimento

emancipação, e ao direito estatal, especificamente na incidência sobre políticas

35 Cuja origem é explorada pelo autor. Ver em SANTOS (2000, p. 112 e ss).

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públicas, cabe admitir, especialmente na complexidade de um contexto como o

brasileiro, componentes democratizantes, solidaristas e pluralistas (SANTOS, 2000,

p. 75), a fim de que o sistema do direito seja um espaço em que, de maneira

potencialmente inclusiva, se relacionem direitos (SANTOS, 2002a).

Assinale-se uma perspectiva de construção do jurídico a partir de uma

narrativa que supere os discursos tradicionais, jusnaturalista, realista e positivista,

todos fruto de epistemologias dotadas de semelhantes problemas, sem pretender,

com isso, superar a presente função jurídica, diferenciada e específica, verificada na

modernidade complexa, já que não se antevê no horizonte meio funcionalmente

sucedâneo. Não se invoca, tampouco, a submissão do direito à política ou à força,

ou a prevalência de formações sociais pré-modernas, tendentes a ratificar situações

de exclusão, mas um direito que reconhece outras possibilidades de direito e que

duvida das suas próprias decisões, da sua própria racionalidade, mas que, ainda

assim, se constrói, comunicativamente, refletindo a partir das suas próprias

referências. O âmbito de atuação do direito, nessa perspectiva, será ditado, ainda

que se tratando do direito estatal, por uma rota emancipatória (SANTOS, 2001, p. 9-

10) e pela possibilidade de pontos de percepção alternativos, vale dizer, pelo

reconhecimento da validade de discursos vários, o que não implica, contudo, o

reconhecimento de qualquer discurso como discurso jurídico. Note-se que o conceito

de política da vida, de Giddens, como, de resto, outras perspectivas sociológicas, se

associa, em termos, à idéia de um direito emancipatório na sociedade

contemporânea, já pretende renovação dos processos de decisão política, com

ampliação das esferas da liberdade e da participação comunitária na esfera pública

(GIDDENS, 2001, p. 40).

5.2. O direito na modernidade periférica

A aplicação de teorias estabelecidas a partir da experiência do ocidente

europeu em sociedades como a brasileira não pode acontecer sem a devida atenção

para algumas circunstâncias a serem ressalvadas. Se, de um lado, deve ser

evidenciado o espraiamento da modernidade pelas sociedades postadas nos limites

do capitalismo central, de outro lado há que se considerar as peculiaridades dessas

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sociedades que, na maior parte das vezes, importam estruturas para a organização

dos seus sistemas sociais.

Para Bauman (2007), essa modernização tem raízes no avanço global do

moderno “way of life”, que atinge todo o planeta e rompe a divisão entre centro e

periferia. Nessa ótica, formas sociais tradicionais ou pré-modernas são,

aceleradamente, substituídas por instrumentos sociais próprios da modernidade. A

distinção entre periferia e centro teria acompanhado os primeiros estágios da

modernidade, a fase em que as transformações modernas eram confinadas a

reduzidos espaços sociais, ainda que crescentes. Conforme o citado autor, essa

distinção primitiva corresponde a uma fase acentuadamente predatória,

protagonizada pelas sociedades desenvolvidas em detrimento das demais, que hoje

perde espaço em função de uma reconstituição espaço-temporal que, virtualmente,

abriga todas as sociedades em um mesmo ambiente (BAUMAN, 2007)36, e induz um

comportamento isomórfico no plano institucional.

Note-se, contudo, que a experiência das sociedades periféricas colonizadas é

diversificada e não corresponde ao padrão eurocêntrico (QUIJANO, 2009, p. 85).

Nelas, a dicotomia regulação e emancipação se traduz nas dicotomias apropriação e

violência (SANTOS, 2009, p. 24), e inclusão e exclusão. O modelo colonial se

constitui, originariamente, como espaço sem lei (SANTOS, 2009b, p. 28), e as

dinâmicas excludentes dele derivadas redundam, muitas vezes, e ainda hoje, em

largos espaços não atingidos por um direito diferenciado funcionalmente.

Na passagem de regimes autoritários para sistemas constitucionais

democráticos, as sociedades periféricas e semi-periféricas realizaram uma

contradição em termos, já que consagraram em um mesmo diploma fundamental

direitos que nos Estados centrais foram reconhecidos ou conquistados ao longo de

um processo histórico (SANTOS, 2001, p. 20). Tem-se, por exemplo, uma tensão

entre Constituições avançadas e sociedades ‘atrasadas’ (SANTOS et alii, 1996, p.

37).

Perceba-se, nesses casos, que a possibilidade emancipatória do direito deve

incorporar a perspectiva das culturas nas quais ele se insere (SANTOS, 2009a, p.

103 e ss.), e que o reconhecimento da possibilidade de pluralismo dentro da ordem

estatal (SANTOS, 1999, p. 31) pode resultar na possibilidade de um Estado

36 Ver, especialmente, o capítulo intitulado “incerteza e outros líquidos e modernos medos”.

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heterogêneo (SANTOS, 2003a) e um direito plural. Essa hibridação jurídica deveria

levar o Estado, de forma descentrada, às relações sociais onde ele nunca se fez

presente, especialmente, por meio de abertura à participação e à incorporação à

agenda pública de demandas antes inexistentes, e da universalização de políticas

públicas.

Uma linha de continuidade entre passado e presente vincula diferentes

frações da sociedade entre si e diferentes esquemas de organização (MENEZES,

2009, p. 179), entre os quais tradicional e racional-legal, patrimonial e estatal,

autoridade moral e autoridade estatal-legal, normatividade jurídico-estatal e

normatividade decorrente de sistemas sociais multifuncionais. Nas sociedades

periféricas o tempo do direito aparece de forma diversa para estratos diferentes da

sociedade. O direito das camadas subalternas não necessariamente se afirma como

concretização e, apesar da capa jurídica formalmente universalista, vários

segmentos mantêm-se invisíveis ao sistema do direito.

Pode-se perceber um direito que se assenta em uma “sociologia das

ausências”, que une diferentes e complementares lógicas de produção de não-

existência, a saber, a monocultura do saber, própria do cientificismo ocidental, a

monocultura do tempo linear, que impõe o não reconhecimento da diversidade de

heranças culturais, a lógica de classificação social, que envolve um liame entre

segmentação de fato e pretensão de universalização jurídica, e a lógica da escala

dominante, que permite uma comunicação eivada de ideologia e compromissos

hegemônicos (SANTOS, 2002c, p. 247).

Observe-se que o caráter excludente do tipo de desenvolvimento presente na

trajetória brasileira (CASTRO, 2001, p. 268-269) e dos países de modernidade tardia

é refletido no plano das estruturas sociais, como, por exemplo, a produção de um

direito de base mais frágil, despido de potencial emancipatório e subordinado a

esferas tradicionais de cominação. Myrdal, a esse respeito, assinala que na relação

de subordinação instaurada entre os países do capitalismo central e os periféricos e

dependentes, a habitualidade do uso das oligarquias dominantes, eles próprios

interessados na manutenção, no plano interno, de seu “status quo” (apud CASTRO,

2001, p. 268). Esse desenvolvimento peculiar, fruto de diferentes processos sociais,

exige uma crítica adaptada ao seu contexto (MARIÁTEGUI, 2008), no curso da qual

temas como a feição do sistema jurídico, o papel do Estado ou as formas de

disseminação de cidadania, serão tocados segundo suas múltiplas matizes.

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O estabelecimento do sistema jurídico nas sociedades de modernidade

periférica, segundo um princípio de especialização funcional, mostra problemas de

funcionalidade e de inclusão social no âmbito do sistema (LUHMANN, 1998c, p. 176-

177). Nota-se incongruência entre os processos de incorporação de direitos e

densificação de cidadania e de formação de estratificação social (LUHMANN, 1998c,

p. 177-181), em provável decorrência de um percurso sócio-cultural herdado, que

obriga a confrontação entre estruturas pré-modernas e hipermodernas, com a

possibilidade de esquemas adaptativos oportunistas, mediante os quais uma

fachada moderna permite, às vezes aprofunda, exclusões derivadas tanto da

organização social tradicional, quanto da pressão oriunda das relações entre centro

e periferia.

Inclusão e exclusão aparecem como formas, interna e externa, de indicar o

contexto comunicativo do ser humano (LUHMANN, 1998c, p. 172). As relações entre

inclusão e exclusão são importantes para fins de controle de consequências. Nas

sociedades tradicionais, multifuncionais, há certas regras para inclusão e exclusão

que são diferentes das existentes na sociedade moderna, diferenciada (LUHMANN,

1998c, p. 173-175). No primeiro caso, há estruturas para inclusão compulsória, ao

passo que na modernidade pretende-se a formação de sistemas de inclusão

potencialmente generalizada, que funcionam por meio de fichas simbólicas, como a

lei, passíveis de serem apropriadas por todos.

A exclusão de esferas sociais dos sistemas funcionalmente diferenciados

gera, portanto, mecanismos oportunistas, formas não previstas de estabilização

social (LUHMANN, 1998c, p. 180-181), entre as quais se destacam, no Brasil,

clientelismo e patronagem, com redes de reciprocidade paralelas às convencionais

(LUHMANN, 1998c, p. 181). A capacidade de respostas pelo sistema do direito

segundo o código jurídico/não jurídico (LUHMANN, 1998c, p. 182) convive com a

permanência de estruturas tradicionais de dominação ou com a emergência de

novos mecanismos indiferenciados. Nesse contexto, o direito, desde sua base

constitucional, fragiliza-se funcionalmente, já que não produz as consequências

inclusivas objetivadas (MÜLLER, 1998), e se abre a processos de juridicização como

a “constitucionalização simbólica”, a que se refere Neves (2007), por meio do qual

um sistema funcionalmente especializado não cumpre sua função senão

simbolicamente, a reforçar poderes políticos e econômicos que dependem de um

direito subordinado e da exclusão social para se manter. Com efeito, se a dupla

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determinação das possibilidades apresenta limites entre concretude e potência,

baseados, por exemplo, em uma organização excludente do “status quo” (SARTRE,

1973, p. 159), o sistema jurídico será contraditório em sentido performativo, pois ao

não incorporar a exclusão, mantendo-a como terceiro alijado dos processos

contingentes por ele operados, o que lhe imporá a tarefa adicional de universalizar o

“possível social” (SARTRE, 1973, p. 159) como juridicização alargada.

Essa percepção é fundamental para uma análise consequencialista do direito

das políticas públicas, já que permite contrapor a seus processos de decisão jurídica

evidências de um direito mais ou menos inclusivo, como jurídico ou não jurídico

segundo a consistência argumentativa presente no uso do seu código e conforme a

extensão de sua funcionalidade. Verifica-se, pois, um descompasso entre os

conflitos sociais juridicizáveis decorrentes da modernidade tardia e as estruturas

jurídico-legais formalmente acopladas ao Estado (FARIA, 1991, p. 23-24).

Note-se que o problema da constitucionalização simbólica (NEVES, 2007)

está inserido em um contexto de trajetória dependente, no qual a tradução

institucionalizada de idéias importadas das sociedades centrais cumpre um papel de

resistência à modernização (SCHWARZ, 1992), havendo, neste caso, o legal como

simbólico do real, a alopoiese (NEVES, 2007) como prevalência de esquemas

tradicionais de dominação e como fator de mediação arraigado. Na legislação

simbólica há textos institucionalizando um espaço jurídico formal, servindo a

finalidade alheia ao sistema do direito (PIMENTA, 1999, p. 219). É perceptível o

predomínio da legislação simbólica na atividade legiferante (NEVES, 2007, p. 26),

ficando a lei como expressão ideológica de uma dominação escondida sobre si, mas

também no exercício da jurisdição ou na administração pública, atividades nas quais

diferentes racionalidades discricionárias cumprem, ao fim e ao cabo, semelhante

papel.

Não se trata, para Neves (2007), de mera corrupção do sistema, já que o

direito não cumpre, nesse caso, a função a que se dirige, porque seu sentido

normativo é mera aparência (NEVES, 2007, p. 31), eis que a “produção de textos

cuja referência manifesta à realidade é normativo-jurídica, mas que serve, primária e

hipertroficamente, a finalidades políticas de caráter não especificamente normativo-

jurídico” (NEVES, 2007, p. 32). Para o autor, na constitucionalização simbólica “as

Constituições nominalistas dos Estados periféricos implicam a falta de concretização

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normativo-jurídica do texto constitucional em conexão com a relevância simbólica do

mesmo discurso constitucionalista do poder” (NEVES, 2007, p. 152).

Atrelado a essa especificidade está, conforme já salientado, o problema da

exclusão. Direitos não são uma dimensão da vida de grande parte das pessoas

colocadas em uma posição social na qual mais recebem limitações do sistema que

usufruem possibilidades de demandas e reivindicações em torno de direitos dele

decorrentes (MÜLLER, 1998, p. 95). Com suporte em Luhmann, Muller afirma que,

nesses casos, “a diferenciação funcional da sociedade moderna gera uma diferença

nítida entre inclusão e exclusão, mas acaba solapando a diferenciação pelo fato de

não incluir grandes contingentes populacionais na comunicação dos sistemas

funcionais” (MÜLLER, 1998, p. 93). O autor denuncia a inexistência de um

“’continuum’ hierárquico” respeitado, mediante o qual o sistema do direito cumpriria

seu papel, vigendo efetivamente (MÜLLER, 1998, p. 96). E, com Neves (2007),

acentua, ainda, que “o código direito/ não-direito (Recht/ Unrecht) continua aqui

existindo como o código hierarquicamente mais elevado para o sistema jurídico na

esfera nacional: a saber, o código constitucional/ inconstitucional. Mas, “para grupos

populacionais excluídos essa questão tem reduzida importância em comparação

com o que a sua exclusão lhes impõe” (MÜLLER, 1998, p. 94).

Cabe, nesse ponto, analisar esse processo segundo a ótica do

neoinstitucionalismo histórico, que permite à análise social um enfoque histórico-

cultural, a perceber nas estruturas e na dinâmica social a presença de elementos

passados na reflexividade contemporânea. Constitui reconhecimento do peso de

determinado legado socialmente construído (PUTNAM, 1996), a impactar o

funcionamento dos sistemas sociais. Reconhece-se, assim, não apenas a presença

do sistema social estruturado em termos modernos, mas de uma modernização que,

ao mesmo tempo em que aprofunda sua própria perspectiva e suas consequências,

recolhe, igualmente, elementos da tradição e de modos de dominação pré-

modernos. Nesse sentido é que este trabalho assume, vinculado a uma análise da

sociedade moderna, a desigualdade social, o patrimonialismo, a patronagem e o

clientelismo como elementos-chave para uma compreensão do direito das políticas

públicas, eis que sua introdução permitirá uma crítica que, a par da utilização de

fundamentos teóricos gerais, aplicáveis a qualquer unidade social, permitirá um foco

mais próximo da questão brasileira. Pretende-se, com essa estratégia, que certas

questões decorrentes da juridicização das políticas públicas não sejam apenas

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problemas da modernidade tardia ou da complexidade do direito, mas também

dados de um cenário específico.

O neoinstitucionalismo histórico (HALL e TAYLOR, 2003), no qual se situa o

conceito de dependência de trajetória, tem suas características essenciais e

funcionalidade realçadas por Steinmo (2001, p. 10-13), e se diferencia do

institucionalismo tradicional, já que não se funda em teorias da escolha racional,

dedutivas e sistemáticas (GREENER, 2005, p. 62 e ss.). Tópico e indutivo

(STEINMO, 2001), centra o valor de sua aplicação em estudos de casos

(GREENER, 2005, p. 25-47), refletindo relações contingentes (ROSS, 2000, p. 17),

que se apresentam cultural e historicamente contextualizadas (MAHON, 2001). Por

isso, aliás, a facilidade de sua inserção nesta tese em cruzamento com teorias de

longo alcance e macrovisão dos fenômenos sociais.

Observando-se historicidade e contingência no funcionamento do sistema

jurídico brasileiro, deve-se levar em consideração a funcionalidade e diferenciação

do sistema em uma compreensão vinculada mais à interpretação de uma situação

do que a um cálculo instrumental (FERNANDES, 2002, p. 82). É sabido que o

neoinstitucionalismo histórico se presta bem a estudos de casos que têm unidades

de análise específicas e instituições intermediárias como variáveis independentes

(FERNANDES, 2002), como é o caso do sistema do direito. A partir de conceitos

derivados desse veio teórico, absorvem-se, no trabalho, diferentes e

complementares hipóteses envolvendo percursos sociais e legados políticos (HALL

e TAYLOR, 2003) ante a uma racionalidade moderna indutora dos sistema do

direito, em uma narrativa analítica dirigida, pragmaticamente, pelo problema a ser

enfrentado (BATES, 1998).

O conceito de dependência de trajetória implica o reconhecimento de que a

história é um elemento importante (NORTH, 1995, p. 25) na análise de processos

sociais (PIERSON, 2000b, p. 476). Enfatiza-se, nesse caso, que condicionantes

presentes na trajetória social brasileira opõem à perspectiva de modernização um

custo, que será tanto mais alto quanto mais arraigadas elas estiverem (LEVI, 1997,

p. 28-29), a promover, nesse processo, uma seletividade distinta da que ocorre, por

exemplo, nas sociedades centrais.

Não se pretende, com esse enfoque, que sejam fixos os padrões

determinados por esses interesses, tradições ou estruturações passados, que,

afinal, podem ser modificados (PIERSON, 2000a, p. 252), mas que certas

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tendências presentes em determinada trajetória não podem ser facilmente alteradas

(MCNABB, 2004, p. 23), mesmo quando, na origem não se pretendesse esse

resultado37. É o que ocorre quando decisões jurídicas, produzidas como

comunicação em sistemas formalmente semelhantes e com base em um texto

análogo, têm aplicações diferentes, conforme, por exemplo, um contexto de

comunidade jurídica mais ou menos elitista, de aprendizado e práticas mais

apegadas à norma ou a resultados, de justificação mais ou menos rigorosa.

Ao se introduzir o conceito de dependência de trajetória neste estudo, admite-

se como alicerce teórico que a evolução de um processo é condicionada, em larga

medida, pela sua própria história, e que escolhas e estruturas derivadas de

circunstâncias pregressas incentivam uma ação social que reforce a trajetória em

curso, ainda que agregando, não como ruptura, mas como continuidade, elementos

novos. A construção de cenários futuros, em tais hipóteses, seria inferida a partir

desse estado de confiança, construído sobre o passado irreversível e o porvir incerto

e desconhecido (FERRARI Fº, 2001, p. 107), em uma estratégia contrafactual de

manejo do risco inerente à modernidade reflexiva.

A literatura especializada elenca diversas fontes de retornos crescentes, entre

as quais os casos em que quanto mais agentes usam certa técnica, mais vantajosa

ela se torna, gerando, inclusive, a possibilidade de haver adesão generalizada, uma

vez que a vantagem aumenta a cada acréscimo de usuários. Também acontece

quando seu uso pode afetar a escolha de instituições (NORTH, 1990)38, além de

incidir sobre economias de escala, possibilitando aprendizado e coordenação entre

os agentes e interação técnica e estratégica (ARTHUR, 1994). Perceba-se que

retornos crescentes não são necessariamente virtuosos, do ponto de vista da

finalidade expressa em uma determinada ação. Pelo contrário, referem-se a um

processo de acomodação, a um jogo cujas regras foram moldadas à luz do

comportamento dos jogadores. Assim, por exemplo, pode-se observar a

incorporação da judicialização da política na produção de políticas públicas pela

Administração pública, tanto quanto emendas parlamentares são incorporadas,

37 É o famoso caso do teclado qwerty, elaborado por volta de 1870 e utilizado pelas máquinas de escrever Remington e pelas que se seguiram. O aprendizado dos usuários fez com que essa estrutura apresentasse alto grau de irreversibilidade. Na década de 1930, por exemplo, A. Dvorak criou o chamado teclado dsk, o qual, segundo inúmeras pesquisas, permitia uma velocidade de digitação maior com menor número de erros. Apesar das vantagens evidentes, sua produção em massa nunca foi efetivada. 38 Ver, especialmente, o Capítulo XI da obra citada.

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ambas com enfoque particularista, a gerar o reforço de comportamentos pretéritos,

inclusive uma juridicização simbólica da matéria, já que um resultado na forma de

inclusão e disseminação de direitos, em vez de entregas pontuais de benefícios, não

ocorre.

A existência de retornos crescentes deve condicionar o olhar do analista

(ARTHUR, 2004, p. 28), impondo-lhe uma “análise dinâmica”. Sai-se, assim, de um

esquema determinista para a necessidade de um acompanhamento da trajetória

como meio de se tentar estabelecer possibilidades geradas por eventos ocorridos

em meio a elas, que, dessa forma, não podem ser pré-determinadas (DURLAUF,

1993). Permite-se, bem assim, o exame de tendências de longo prazo, que

emergem após o transcurso de um número suficiente de períodos, de forma a

eliminar as flutuações transitórias.

Como esse trabalho percebe a peculiaridade do direito das políticas públicas

em sua complexidade e sua macrojuridicidade, impõe-se algum aprofundamento nas

tramas do patrimonialismo, da patronagem, do clientelismo e arranjos particularistas,

em geral, cuja base tradicional tem sobrevivido adaptada a esquemas

pseudomodernos, como a constitucionalização simbólica, ou, em geral, relações

caracterizadas pela presença formal ou potencial de cidadania e por espaços

paralelos de ação social (CAMPILONGO, 1997, p. 93-96). Nessas hipóteses,

remanescem padrões tradicionais de ordem social que se conectam com instituições

modernizadoras e geram um tipo peculiar de desenvolvimento dos sistemas sociais,

no qual algumas questões são realçadas, tais como as relações envolvendo o

Estado e as condições de concretização do direito.

Em breve apanhado, serão apresentadas algumas vertentes teóricas que

permitem vislumbrar alguns problemas relativos à implementação de um sistema

jurídico especializado funcionalmente, do tipo moderno, em uma sociedade

periférica, com resquícios de padrões tradicionais de relações sociais, como a

brasileira. Concorrem para essa formulação duas categorias teóricas básicas, quais

sejam a referente ao patrimonialismo como vertente explicativa do papel

desempenhado pela burocracia na trajetória brasileira, e a que remete ao

clientelismo como forma básica de mediação social no Brasil.

Os empecilhos para a implementação de instituições modernas, do tipo

racional legal, aparecem na obra de Sérgio Buarque de Holanda, segundo a qual a

formação brasileira, fundada na cordialidade e no paternalismo (BUARQUE DE

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HOLLANDA, 1995), tem como dado característico a primazia dos afetos pessoais

sobre as formas racionalizadas de solidariedade impessoal. Em sua ótica, o ingresso

tardio dos países ibéricos em um modelo de organização social europeu pós-

medieval repercutiu em suas formações sociais, assinalando peculiaridades em sua

trajetória e nos componentes valorativos que forjou. Com efeito, o autor afirma que

nesse percurso se estabelece a originalidade luso-brasileira, na qual o setor público-

estatal opera movido por sentimentos, emoções e uma razão particularista

(BUARQUE DE HOLLANDA, 1995).

A sociedade brasileira teria se formado sob o signo da cordialidade

(BUARQUE DE HOLLANDA, 1995), com a precedência das relações domésticas

sobre as razões de uma ordem geral impessoal (BOSI, 1983, p. 51). Com base em

Ribeiro Couto, que designa a cordialidade como principal contribuição do latino-

americana à civilização39, Sérgio Buarque destaca a importância da noção de

"homem cordial" (AVELINO Fº, 1990), que pressupõe, não boas maneiras ou

polidez, mas lhaneza no trato, hospitalidade e generosidade (BUARQUE DE

HOLLANDA, 1995, p. 146-147). Nesse traço podem ser apontadas raízes das

dificuldades para a implementação de processos modernizadores no Brasil, com

relações afetivas de cunho doméstico se opondo a uma modernidade burocratizante

e individualista. Perceba-se essa especificidade, por exemplo, na tensão entre uma

cultura patrimonialista e personalista e a adoção formal do modelo burocrático nas

organizações da administração pública ao longo de quase um século.

A solidariedade de cunho personalista seria, sob tal compreensão,

singularidade cultural brasileira, que antepõe, tradicionalmente, sentimentos contra

uma razão ordenadora, racional e disciplinadora, implicando experiências híbridas

de organização política e administrativa pública, em geral, fundadas na importação

de modelos, o que repercute na forma de virtudes e vícios igualmente peculiares.

Sérgio Buarque de Hollanda realça a dificuldade para, nesse ambiente, se alcançar

cooperação disciplinada e eficiente para atividades de caráter coletivo, as quais

ocorrem mais conforme sentimentos e emoções que segundo um planejamento frio

(BUARQUE DE HOLLANDA, 1995). Nesse tipo de empreendimento, conta menos o

resultado material, o bem coletivo, que se pretendia alcançar, que os sentimentos e

inclinações que levaram à tomada de decisão (BUARQUE DE HOLLANDA, 1995, p.

39 Ver, a respeito, em BEZERRA (2005).

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30). A gestão pública não decorrerá, nesses termos, de programação sistemática ou

de interesses gerais, mas de um sentimento de dever de socorro ao amigo. A

supervalorização da esfera familiar induz o esvaziamento da pública, tornando

instáveis as condições de aplicação de leis ou convenções (BUARQUE DE

HOLLANDA, 1995).

A análise de processos envolvendo a atividade administrativa do Estado

brasileiro deve, assim, levar em consideração a perspectiva de coexistência

tensionada de valores próprios da burocracia modernizante com um pano de fundo

sentimental, a promover, pela primazia dos afetos pessoais, condições de

sobrevivência para arranjos patrimoniais e clientelistas. Nesse sentido, Nunes (2003)

apontará na convivência entre burocracia profissionalizada e ação clientelista uma

gramática específica da experiência administrativa brasileira.

Saliente-se que em uma sociedade mais complexa os vínculos tradicionais

tendem a enfraquecer e ao indivíduo é dada formal liberdade de escolha

(WEFFORT, 1978, p. 54), em um cenário de crescente institucionalização com viés

burocratizante. Essa “multiplicidade de instituições conduz esquematicamente a

duas alternativas básicas”, individualização extrema ou perda da individualidade

(VELHO, 1981, p. 23 e 25), razão pela qual, em uma modernidade desencantada e

racionalizada40, presa em sua própria armadilha individualista e despersonalizadora,

o vínculo pessoal formaria uma defesa do indivíduo contra essa dimensão da vida

contemporânea, uma arma para combater a impessoalidade, a massificação

(DULCI, 1984), o risco e a incerteza.

Ribeiro (1995) observa, contudo, que as especificidades brasileiras

representam tanto alternativa criadora quanto possibilidade de manutenção de

relações sociais excludentes, historicamente fixadas. Lembra o antropólogo que,

entre nós, “as instituições republicanas são adotadas formalmente para justificar e

perpetuar o exercício do poder pela classe dominante”, inviabilizando a vida

democrática e a cidadania e alimentando o fenômeno clientelista (RIBEIRO, 1995, p.

204-6 e 218). Nesses casos, iniciativas tendentes a fomentar associação entre

burocracia e democracia, como a potencialmente contida na juridicização das

políticas públicas, encontraria barreiras na disfuncionalidade estatal41, como imagem

distorcida de um direito não concretizado em um contexto de modernização

40 Ver em WEBER (1999). 41 Como acentua, por exemplo, SANTOS (1985, p. 90-91; 1988).

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periférica associada a clientelismo e patrimonialismo. Sobre essas duas questões,

cumpre anotar, de forma um pouco mais precisa, algumas distinções exploradas no

plano teórico, ainda que sua aplicação demande eventuais críticas e modulações.

O patrimonialismo se insere no pensamento social brasileiro através da obra

de Faoro (1991). Usando categorias presentes na sociologia weberiana, Faoro

reconstrói a formação do país a partir da herança da administração colonial42. O

termo aparece em Weber, como “dominação primariamente orientada pela tradição,

mas exercida em virtude de um direito próprio”, que se distingue pela existência de

um quadro administrativo, conquanto não se trate de organização racional e não

exija respeito a regras objetivas (WEBER, 1969, p. 182-3 e 185).

Conforme a matriz weberiana, o patrimonialismo pode ser do tipo patriarcal ou

e estamental, segundo a relação entre a autoridade assenhoreada do poder e seus

servidores. Na estrutura patriarcal, há dependência pessoal, inexistindo direito do

servidor sobre o cargo ou honra estamental, com possibilidade da ação arbitrária por

parte do senhor. A estrutura estamental provê relativa independência dos servidores

ante o senhor, eis que há investidura nos cargos, que são concedidos por privilégio

ou seleção, os quais integram o patrimônio do funcionário, que exerce sua função

por conta própria dentro de sua esfera de competência (WEBER, 1969).

Faoro (1991) acentua que o patrimonialismo ibero-americano é centralizado e

hierarquizado, e exerce força centrípeta sobre os domínios imperiais. Com essa

estratégia, o estamento acostado á monarquia mantém consigo uma reserva de

decisões e recursos. Conforme o autor, o patrimonialismo brasileiro possui dinâmica

intrínseca que lhe confere certa plasticidade, possibilitando-lhe adaptação a

ambientes diversos, e mesmo certa posição privilegiada na condução do processo

de inserção da sociedade brasileira no capitalismo mundial, o que evidencia uma

face contraditória, ao mesmo tempo, ligando aspectos aparentemente inconciliáveis

de tradição e modernização (FAORO, 1991).

Saliente-se que especialmente as versões weberianas do patrimonialismo

como sultanato ou estamento permitem tanto explorar nuanças da máquina

burocrática quanto a vertente do mandonismo, que tem na descrição do coronelismo 42 “Os Donos do Poder” foi publicado originalmente em 1957, recebendo edição definitiva, de certa forma reconstituída, em 1975. Nela, o autor se propunha a “abarcar, num lance geral, a complexa, ampla e contraditória realidade histórica” brasileira, em um “longo período, que vai do Mestre de Avis a Getúlio Vargas”, valorizando “as raízes portuguesas de nossa formação política”, “desprezadas em favor do passado antropológico e esquecidas pela influência de correntes ideológicas, originárias da França, da Inglaterra e dos Estados Unidos”.

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realizada por Nunes Leal (1997) importante ponto de apoio. O autor apresenta o

coronelismo como forma decadente de mando nas instâncias locais, e explica com

detalhes sua rede verticalizada de relações fundidas em um esquema tradicional de

dominação. A face do clientelismo se mostra, então, admitindo-se no citado arranjo

"o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganização dos serviços

públicos locais" (NUNES LEAL, 1997, p. 41). Note-se que, apesar de fenômeno

datado, o coronelismo não é tradição que se perdeu completamente, mas, ao

contrário, tende a perdurar (QUEIROZ, 1976) em esquemas ecléticos de

organização social.

Observe-se, assim, que, postada na periferia da modernidade capitalista, a

sociedade brasileira se viu marcada por uma dinâmica de inclusão e exclusão, com

uma trajetória que abrange sucessivas levas mais ou menos modernizadoras

entremeadas com estruturas sociais herdadas do regime escravocrata, mediações

de cunho tradicional, cidadania regulada e segmentada, com o direito cumprindo

papel auxiliar e majoritariamente subordinado a arranjos político-sociais tradicionais

(RAMOS, 1957, p. 44-51), ainda que eventualmente tenha sido usado como espaço

de resistência ou modernização. O agir social básico nesse processo evidencia que,

“carecendo a sociedade brasileira de pautas institucionais suficientemente dotadas

de conteúdo consuetudinário, os grupos e facções eram forçados a apelar para as

fórmulas feitas, as quais, na verdade, instrumentalizavam segundo os seus

propósitos” (RAMOS, 1957, p. 51). Sem aderir a suas conclusões, pode-se

concordar com a disparidade apontada por Oliveira Viana (1939) entre Brasil legal e

Brasil real. Descompassos dessa natureza explicam, em grande medida,

contradições e dilemas próprios da trajetória brasileira (BOSCHI, 2004),

notadamente a prevalência histórica do patrimonialismo, mas também do

clientelismo, alimentado pela sobreposição do favor particularizado ao direito

universalizado.

Uma estrutura clientelista é constituída, tradicionalmente, por preceito informal

(SILVA, 2001, p. 46), mediante o qual um benfeitor em posição social superior

oferece benefícios, não necessariamente econômicos, em troca da lealdade política

do outro (LANDÉ, 1977, p. 13), considerado cliente, o que lhe outorga legitimidade e

poder. Observe-se que o clientelismo tem como pano de fundo valores, práticas

reiteradas e tradições, às vezes aplicados de forma enviesada ou deturpada, e

incide, eventualmente com ares de legitimidade, sobre os procedimentos

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institucionalizados (ELY, 1980, p. 60). Assim, a juridicização de certa questão social

resultará práticas diversas, conforme a presença forte desses elementos

particularistas ou a abertura a uma perspectiva de apropriação do direito

generalizante e horizontalizada43.

Ressalte-se que esse tipo de arranjo remonta a ordens sociais dotadas de

posições fixas, adesão compulsória e operatividade multifuncional, e,

contemporaneamente, na ausência de segurança quanto à percepção generalizada

dos benefícios da modernidade, sintetiza cultura cívica (PUTNAM, 2000, p. 347) e

instituições, conferindo confiança recíproca às transações (ARROW, 1972, p. 357)

que ocorrem entre os diversos atores sociais. Opõe-se, evidentemente, à

perspectiva de um sistema jurídico especializado e impessoal. Abre-se ao risco de

institucionalização de “uma capa formalmente poliárquica e moderna”, somada a um

exercício de autoridade dissonante desses objetivos formais, enunciados no aparato

institucional legal (AZEVEDO, 1999, p. 134), como reforço de uma recorrente e

persistente “cultura de modernização nacional patrimonialista” (MARTINS, 1997, p.

172), tendente à autonomização (O´DONNELL, 1998, p. 44).

A ação clientelista se notabiliza por ser assimétrica, personalizada e informal,

e por resultar de algum tipo de permuta (FARINETTI, 2000). É fenômeno que se

verifica no corpo estatal, incidindo sobre a coordenação da partilha de bens públicos

e privados socialmente demandados (KRAAN, 1996, p. 33), especialmente quando

combinado a regras de disputa política ou de funcionamento administrativo dos

poderes estatais (JACOBSON, 1997, p. 185 e ss.) que favorecem a ação

particularista (MAYHEW, 1974, p. 115). Trata-se de “um sistema de controle de fluxo

de recursos materiais e de intermediação de interesses, no qual não há número fixo

ou organizado de unidades constitutivas” (NUNES, 2003, p. 40). Sua característica é

a formação de redes de relações pessoais com base em troca generalizada44, a

disputar, freqüentemente, o controle do fluxo de recursos dentro de um determinado

espaço. Para Nunes, “a participação em redes clientelistas não está codificada em

nenhum tipo de regulamento formal; os arranjos hierárquicos no interior das redes

estão baseados em consentimento individual e não gozam de respaldo jurídico”

(NUNES, 2003, p. 40-41). Trata-se, então, de “mecanismo de coordenação

43 Ver, como exemplo, em Sigaud (1996) a experiência de introdução da legislação trabalhista em uma região de engenhos pernambucana. 44 Troca que envolve promessa e expectativa de retorno futuro, ao contrário da específica, na qual o negócio se esgota em si mesmo, sendo dispensável a qualificação das partes.

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interpessoal fundado na tradição, como expectativa normativa que se sustenta à

margem dos incentivos institucionais45, como o princípio da impessoalidade referido

na Constituição da República, e que emerge e persiste à base de valores morais

fomentados pela prática social (SUGDEN, 1998), deixando, no caso brasileiro,

indelével marca nos negócios públicos” (DIAS, 2010).

No Brasil, clientelismo e patronagem remontam à racionalidade do antigo

regime (CARVALHO, 2000) e implicam poder tanto para o patrono, cujo senhorio é

legitimado, quanto para o cliente, que usufrui uma relação especial com o Estado,

com direito a tratamento especial, equivalendo a dignidade social diferenciada (DA

MATTA, 1997, P. 241), além de proteção contra regras formais, gerais e impessoais,

inspiradoras de pouca confiança (BARBOSA, 2002, p. 52). Assim, tem-se uma

cidadania fundada no favor, não no direito, e mesmo procedimentos jurídicos que

seguem padrões estritamente formais são relatados como relações pessoais. O

recurso à decisão particularista da autoridade, que assume superioridade hierárquica

em escalas de cidadania, é sempre preferível a um direito que, aparentemente

impessoal, será manejado não como elemento jurídico (dando direito a quem tem

direito), mas como poder político ou econômico. Partilha-se uma percepção de que

vínculos pessoais asseguram tratamento especial junto à administração pública

(BEZERRA, 1995, p. 35). Agentes públicos em geral não se inibem ante preceitos de

impessoalidade e se esmeram no atendimento a pedidos localizados, creditando

dívidas morais, estabelecendo uma relação de dependência pessoal (BEZERRA,

2000, p. 33), e legitimando seu exercício de poder. Perceba-se que esse uso do

poder, mesmo decorrendo da aplicação de textos jurídicos, é contraditório com a

fixação de um sistema jurídico especializado, universalizado e impessoal, razão pela

qual, em muitas das vezes, decisões aparentemente jurídicas constituem reforço

ideológico de uma juridicização simbólica, ou revelam a corrupção do direito pelo

código de outro sistema, ou, ainda, podem expressar a manutenção pura e simples

de esquemas tradicionais de dominação.

No plano teórico, o clientelismo se distingue em dois modelos básicos, um

dito tradicional e outro moderno. A forma clássica do clientelismo46, que em algum

grau perpassa as sociedades em momentos de sua trajetória (EISENSTADT e

45 Não que em alguns casos os incentivos institucionais não sejam suficientes. Young (2003) cita casos de menor complexidade, como as convenções que indicam a mão de direção dos automóveis. 46 Geralmente associada a sociedades rurais. Ver em NUNES (2003, p. 26)

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RONINGER, 1984, p. 116), traduz uma relação entre patrono e cliente que envolve

compromisso e lealdade mútua (HAMBURGER, 1985, p. 3), ainda que firmadas sob

assimétricas condições de pactuação (CÓRDOVA, 2002). Ocorre em sociedades

tradicionais, multifuncionais, e possui sensível apelo moral, permitindo a obtenção,

pelo patrono, de apoio popular a baixo custo econômico (GILIOMEE e SIMKINS,

1999, p. 11); afinal, neste caso, os sentimentos morais amalgamam compromissos,

dando consistência, no tempo e no espaço, àquele elo47.

Nunes Leal (1997), ao abordar forma específica de clientelismo tradicional no

Brasil, esclarece que se trata de vínculo assimétrico que enlaça toda as dimensões

da vida das pessoas, em um compromisso que gera dependência nos planos social,

econômico e político e tem como pressuposto a indistinção entre os âmbitos público

e privado. É parte da trajetória social brasileira arranjos dessa natureza, nos quais

interesses particulares se imiscuem na arena pública48, a assegurar que o Estado

brasileiro, mesmo formalmente adstrito aos princípios da legalidade e da

impessoalidade, fruto de adesão institucional ao regime jurídico-administrativo e ao

modelo burocrático de administração, permanecesse vulnerável a interesses

decorrentes de vínculos pessoais (VELLHO, 1976, Cap. VIII), obstaculizando um

processo mais amplo de burocratização (NUNES, 2003, p. 33).

Esse fenômeno torna-se complexo na medida em que a sociedade brasileira

passa por etapas de modernização, com modificação de estruturas sociais e

econômicas, a alterar as condições de reprodução do clientelismo. Inicialmente

elaborado sob sociedades tradicionais, autoritarismo político, atraso social

(BANFIELD, 1958) e subdesenvolvimento econômico (LEGG e LEMARCHAND,

1972), o clientelismo passa por mutação na modernidade.

Em uma paisagem marcada por industrialização, urbanização e difusão dos

meios de comunicação, entre outros aspectos, ocorre uma perda dos laços

tradicionais e emerge um individualismo “que substituiria gradativamente as relações

mais pessoais de sociedades tradicionais” (OLIVEN, 2002, p. 40). Nesse espaço é

que entraria um sistema jurídico diferenciado e especializado funcionalmente. Para

Roniger (1994), a extensão dos direitos da cidadania a todas as camadas da

população deveria levar à extinção dos vínculos personalizados e verticais

47 Frank (1992) apresenta o caso de uma pessoa que se comporta honestamente, mesmo sabendo que poderia cometer fraude sem ser descoberta, e que, por isso mesmo, é tida em sociedade como sendo confiável e parceira preferencial em empreendimentos que requerem confiança. 48 Ver as relações entre a “casa” e a “rua” em DA MATTA (1997, p. 241).

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(EISENSTADT e RONINGER, 1984). No Brasil, levaria à passagem do modelo

tradicional do coronelismo para uma democracia representativa (LAMOUNIER,

2005), com aumento da participação popular no processo político e à adoção de

adequadas instituições formais49.

Perceba-se, porém, que, obedecendo a um desenvolvimento contingente e

não linear (POLANYI, 2000, p. 200-202), a construção da democracia e a extensão

da cidadania no Brasil apresentam percurso instável (CARVALHO, 2004). O

exercício da cidadania permanece incerto, uma vez que “embora, na lei, tenhamos,

de um modo geral, definidos direitos e liberdades extensivos a todos os membros da

sociedade brasileira, na prática temos cidadãos de primeira, segunda e terceira

classes, e mesmo não-cidadãos” (VELHO, 1981, p. 146), em uma

constitucionalização simbólica e excludente. A ambigüidade hierarquia-

individualismo e o autoritarismo estatal se combinam para tolher a cidadania

(VELHO, 1981, p. 148), valendo-se para isso, muitas vezes, de dribles às regras que

impõem isonomia e impessoalidade.

Patrimonialismo e clientelismo atrelados a uma estrutura social escalonada

em níveis de desigualdade crescente concorrem para que etapas de potenciais

mudanças na trajetória social do Brasil compareçam como “modernização

conservadora”50, mediante a qual as elites funcionam como agentes promotores e

conferem ênfase aos aspectos regulatórios e repressivos nela contidos

(FERNANDES, 1981). Tem-se, nesses casos, a política como espaço restrito e o

direito como tutela repressiva, mantendo-se sob um direito simbólico (NEVES,

2007), a cumprir função associada à política, camadas excluídas da cidadania,

somente dotadas de “‘atestados de pobreza’” que permitem o acesso a precários e

mal financiados serviços públicos “(SOARES, 2000, p. 72).

Dificuldades e custos para modificar tradições como o clientelismo e a

patronagem (BELLAH, 1992, p. 131) se traduzem em transições lentas e incertas,

com a convivência dessas tradições com a adesão a valores constitucionais,

institucionalização da atividade legiferante (BELLAH, 1992, p. 137-8)51 e

oportunidades paralelas de reivindicação de demandas perante o setor público 49 Ver sobre a questão das instituições em ETZIONI-HALEVY (1982, p. 18). 50 O termos foi utilizado originalmente por António Gramsci, para estudo do “risorgimento” italiano. Posteriormente foi incorporado ao vocabulário dos estudos sociais incidentes sobre a modernidade periférica. 51 O autor trata do caso norte-americano, mas seu raciocínio pode ser aproveitado, em parte, para aplicação no caso brasileiro.

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(BELLAH, 1992, p. 132)52. É habitual que coexistam uma “consciência incipiente de

direitos” e uma “atuação pragmática através da utilização de canais semelhantes aos

da barganha clientelista” (SOMARRIBA, 1993, p. 13), como quando o cidadão que

reivindica políticas públicas, em geral, como educação e saúde, em situação

específica utiliza meios heterodoxos para conseguir atendimento particularizado,

dissonante da regra geral.

Perceba-se, nesse espaço de transição, um descompasso entre o sistema do

direito e seus pressupostos estruturais de funcionamento, notadamente as

operações geradas no sistema da política, impedindo que normatividade jurídica e

legitimidade política se acoplem em um mesmo diapasão, e que uma cidadania se

efetive na democracia (HABERMAS, 1997, p. 171). Assim é que, contraditoriamente,

o alargamento meramente formal da cidadania, em um contexto de modernização

estrutural do Estado e da sociedade, pode invocar a ação particularista, pela qual o

cidadão recorre ao “padrinho” para “enfrentar as dificuldades que a vida põe em seu

caminho” (DA MATTA, 1997, p. 240). No Brasil, a desagregação do antigo patronato

não cede espaço para uma cidadania ampla, antes permite novas modalidades de

ação clientelista, fundada nem tanto sobre lealdades, mas sobre benefícios

personalizados (LAMBERT, 1972, p. 247). O clientelismo perdura mediante

distribuição particularizada de recursos públicos, intermediando os conflitos

presentes em um contexto de pluralidade de interesses (DULCI, 1999, p. 113),

unindo elementos que remontam a sua forma tradicional e redes de clientela,

especialmente nos centros maiores, que esgotam o espaço público no marco

paroquialista (DULCI, 1984, p. 25).

Roniger esclarece que o clientelismo cumpre uma função contraditória em

alguns Estados democráticos (RONINGER, 1994, p. 217), já que, integrando o

processo de negociação política, imporá à agenda pública uma racionalidade

particularista, em vez de pautar a esfera particular pelas decisões públicas. Essa

relação instável e incerta entre comportamentos oriundos de arranjos tradicionais e

instituições burocráticas e democráticas (PIATTONI, 2001, p. 3) evidencia que cada

trajetória recebe diferentes impactos de sua estrutura e de seu ambiente, que são

historicamente construídos (MUSELLA, 2000, p. 15). Assim, embora,

aparentemente, o espaço público se democratize e se conduza conforme o direito,

52 O autor se refere aos americanos, que teriam significativa capacidade de mobilização, seja através de lobbies, seja de movimentos populares.

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permanece, como dado fundamental nas relações sociais, a lógica clientelista

(MUSELLA, 2000, p. 17), consistindo, genericamente, em intercâmbio que torne

provável a percepção de um benefício com expectativa de reciprocidade

(LINDBLOM, 1981, p. 44), com redução de risco na medida em que o

comportamento das partes for consistente com seu compromisso (GAUTHIER, 1996,

p. 242), excluídos dessa equação os possíveis efeitos marginais da generalização

dessa prática.

Observe-se que, no caso brasileiro, a “burguesia converge para o Estado e

faz sua unificação no plano político”, ao contrário do que ocorre em outros lugares, e

faz do político a base para o esquema de dominação social (FERNANDES, 2004, p.

426-427), embora sua fisionomia não seja uniforme nos diferentes lugares

(FERNANDES, 2004, p. 71 e ss.). Trata-se de um Estado no qual a burocracia

formal é combinada com “uma forma personalizada e informal de resolver os

problemas que a própria modernidade coloca no dia-a-dia” (OLIVEN, 2002, p. 40),

que se curva ante uma exigência de correção de um descompasso entre as

instituições erigidas e o capital social existente (PUTNAM, 2000, p. 288).

Nunes se refere à experiência de introdução da burocracia no Estado

brasileiro, a explorar o importante dilema contido em sua implementação, que é a

convivência entre uma base patrimonialista, associada a relações sociais de cunho

particularista, como o clientelismo e a patronagem, caracterizadas pela desigualdade

entre os atores sociais, pela personalização das relações, pela troca específica de

favores e lealdades; e uma plataforma burocrática, introduzida organicamente a

partir da década de 1930, cujas marcas são o universalismo, a impessoalidade, a

troca generalizada sob regras racionalizadas (NUNES, 2003). A implementação da

burocracia no Brasil (PAIVA, 2009), como, em geral, nos processos de

modernização que ocorrem nas sociedades periféricas, é marcada por contradições

(PAIVA, 2009, p. 780-781). Saliente-se, não obstante, seu contraste com o

patrimonialismo e suas especificidades e nuanças (PAIVA, 2009, p. 778 e ss.).

Nunes nota bem que o modelo burocrático não ultrapassa a herança patrimonialista

e clientelista, mas as duas perspectivas, com racionalidades distintas, convivem no

cenário político-administrativo brasileiro, disputando espaço (NUNES, 2003).

Um eventual declínio do clientelismo (ZALUAR, 1985), ou sua paulatina

superação pelo exercício da cidadania (CARDOSO, 1988, p. 375), em benefício de

um padrão de negociações em sociedade do tipo moderno (CARDOSO, 1983, p.

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226), é possibilidade que não se confirma, ainda que mutações sejam registradas,

com alteração de atores sociais relevantes e comportamentos. Estima-se que sua

decadência (BRIQUET, 1997) siga trilha inversamente proporcional à da efetividade

das instituições formais (SILVA, 2001, p. 46), que supõe uma concatenação entre a

formação de sistemas sociais especializados e sua funcionalidade. Note-se que essa

equação fornece a medida da instabilidade e do risco presentes nessa hipótese, na

qual são contingentes e não propriamente excludentes clientelismo e cidadania, com

suas múltiplas fórmulas híbridas e intermediárias (SILVA, 2001, p. 45)53, que

decorrem de combinações derivadas de interações estratégicas (DINIZ, 1982)54

próprias da complexidade moderna, e permitem que perdure o clientelismo e a

patronagem (NUNES, 2003) e em uma aparentemente improvável convivência com

padrões modernos de relações sociais (VELHO, 1981, p. 18).

Na produção e distribuição social de políticas públicas esse fenômeno se

evidencia a toda prova, seja na manutenção de práticas de discricionariedade

administrativa que permitem atendimentos paroquiais, seja no padrão de decisões

particularistas que têm sido registradas no recente processo de “judicialização da

política” (VIANNA, 1999). Perceba-se, nesse exemplo, uma revivida tensão entre

insulamento burocrático e clientelismo (NUNES, 2003) na dinâmica da administração

pública brasileira, a se relacionar com um incipiente direito das políticas públicas e

produzir movimentos e contra-movimentos em torno de possibilidades de sua

juridicização concreta, com democratização, inclusão e universalização.

Note-se, afinal, que uma análise pragmatista do direito no Brasil implica tanto

observar o sistema jurídico na modernidade reflexiva, quanto reconhecer

peculiaridades contidas na trajetória da sociedade brasileira. Um estudo

consequencialista do direito das políticas públicas, tal como compreendido nesta

tese, não pode prescindir desse enfoque. Pelo contrário, o vocabulário usado pelo

sistema do direito, sua funcionalidade, consequências e capacidade de inclusão,

enfim, tudo o que permite considerar determinados comportamentos jurídicos ou

antijurídicos, somente receberão argumentação consistente se incorporarem

especificidades do percurso social do Brasil.

53 O autor nota que o clientelismo é tradição que ainda pode perdurar associado aos negócios públicos brasileiros. 54 Sobre as oportunidades para práticas corruptas nesse contexto, ver em Geddes e Ribeiro Neto (2000).

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Note-se, sobretudo, que essa compreensão permite abordagem que alcance

questões derivadas de uma situação de juridicização simbólica ou de corrupção do

sistema jurídico, bem como de predominância do direito como regulação social.

Permite, bem assim, uma argumentação jurídica que incorpora a perspectiva de

universalização do direito por meio de um discurso reflexivo e inclusivo, atrelado à

possibilidade de apropriação generalizada de direitos pelas pessoas.

5.3. Direito estatal e emancipação social

A juridicidade das políticas públicas no direito brasileiro requer, portanto, uma

análise contextual, na qual caibam possibilidades do direito estatal em um horizonte

de emancipação social. Tal exame do campo jurídico requer um conceito de direito

suficientemente amplo e flexível, de modo a captar a dinâmica socio-jurídica em

diferentes enquadramentos espaço-temporais. Tornar claro o papel do Estado para

a produção de políticas públicas, pressupondo um relacionamento denso entre

direito e democracia é particularmente importante, já que possibilita descortinar

relações sociais de poder que ultrapassam as possibilidades da teoria jurídica

convencional (SANTOS, 2009b; SCOTT, 1998; MENESES, 2007) com benefício

para um direito que seja não apenas efetivo, mas sobretudo realizado conforme a

complexidade e amplitude das relações que engendra na modernidade brasileira.

Trata-se de reconhecer complexas estruturas políticas profundamente acopladas a

processos jurídicos (WILLIAMS, 2004), tanto a permitir reconfigurações de sentido

jurídico (MACKINNON, 1995, p. 445), quanto a verificar, sob o sistema do direito,

vínculos entre lutas sociais e lutas culturais, políticas de redistribuição e políticas de

reconhecimento (FRASER, 2003), a gerar mais complexidade jurídica e demandar

mais direito.

Percebe-se que o sistema jurídico em sociedades modernas instaladas na

periferia ou semi-periferia do capitalismo mundial, como o Brasil, padece de alguns

problemas adicionais aos que encontraria, segundo as teorias sociológicas que

enfatizam modelos explicativos gerados com base na experiência européia e norte-

americana (SANTOS e MENESES, 2009). Determinadas questões presentes na

modernidade reflexiva, tais como as dinâmicas de contingência e risco, ou a

centralidade do direito estatal em uma perspectiva de democratização, assumem

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aspectos diferentes nas sociedades periféricas, já que, habitualmente, aparecem em

um contexto de transposição de estruturas sem correspondência nas bases material

e cultural de sua incorporação na ordem social.

A tensão entre regulação e emancipação no sistema jurídico brasileiro possui,

então, determinadas nuanças, já que impõe considerar cenários mais amplos, não

alcançados pelo monismo jurídico e pela política estatal. Estruturas, instituições, e

cultura convergem para a formação de diferentes espaços de risco, podendo-se

afirmar certo descompasso entre os fundamentos conceituais das instituições e as

relações sociais (RICÚPERO, 2008, p. 60). Residem aqui paradoxos diversos

daqueles verificados nas sociedades centrais, como, por exemplo, uma fusão entre a

mediação jurídica impessoal e a cultura do favor (SCHWARZ, 1992), práticas

patrimonialistas sobrepostas à burocracia racional-legal, relações clientelistas

mantendo-se preferíveis ao exercício autônomo de direitos (DIAS, 2010).

Em um contexto contingente, o direito não incorpora dimensões

verdadeiramente plurais e permite a permanência de pontos de exclusão,

abrangendo hipóteses que não se enquadram nas contingências reciprocamente

formadas em torno de uma relação entre sistemas especializados. Mais que casos

de corrupção do sistema jurídico pela economia ou pela política, a ordem jurídica

brasileira consolida estratégias de juridicização simbólica, que não apenas mantêm a

prevalência de racionalidades contrapostas à moderna em uma trajetória que se

auto-alimenta, como implicam a constatação de um direito subordinado a uma

racionalidade do tipo ideológica, que, em última análise, remete o direito à política e

à economia, já que, mesmo sendo composto em termos diferenciados e

especializados, o sistema jurídico fica preso a função alheia aos fundamentos de

sua estruturação.

Entre outros aspectos relevantes para esta tese, merece realce a presença de

clientelismo e patrimonialismo na esfera público-estatal, cujo impacto pode ser

sentido no sistema do direito, principalmente nas decisões que tocam as relações

entre Estado e sociedade, incluindo as tomadas pela administração pública e as

manifestações jurisdicionais. Especialmente no plano das políticas públicas, certas

contradições se fazem sentir, decorrentes da associação entre modos anacrônicos

de argumentação jurídica, focados em uma premissa de intersubjetividades simples,

e formas tradicionais de comportamento, como a gestão patrimonialista e a troca

clientelista. Essa combinação gera, na melhor hipótese, um direito que, muitas

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vezes, reduzido a disputa política ou estamental, produz decisões de cunho

particularista, a revelar, no seio das relações sociais a que se dirige, uma

juridicização imprópria, a persistência de focos de exclusão sistêmica, e uma

apropriação desigual de direitos de cidadania.

Juridicização, em sociedades como a brasileira, deve constituir não só um

elemento formalmente modernizador, mas uma possibilidade de contraposição

emancipatória a meios tradicionais de dominação historicamente fixados. Deve,

assim, ser composta a partir de um processo de democratização, incorporado pelo

sistema do direito, que permita modificar a trajetória pretérita ao assumir, em um

direito reflexivo, os horizontes impostos pela complexidade da sociedade moderna e

por suas demandas de cidadania. A fim de desenvolver essa questão, passa-se, no

capítulo seguinte, a uma análise das relações entre Estado e direito.

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6. ESTADO, DIREITO E POLÍTICAS PÚBLICAS

6.1. Introdução

A análise jurídica de políticas públicas é diretamente balizada pelas relações

entre direito e Estado, já que se trata de matéria que, circunstancialmente, afeta aos

sistemas jurídico e político. Note-se que essa referência direta remete à equação

contida na fórmula “Estado de Direito” (VERDU, 2005), a pressupor os elementos

político e jurídico condicionados por uma determinada forma estatal e um direito

peculiar (CANOTILHO, 1998).

Importa, para essa análise, estabelecer conceitual e criticamente o Estado

moderno, bem como, na perspectiva do pluralismo jurídico, sua posição em face dos

demais espaços de produção do direito, a conferir-lhe centralidade político-jurídica

na sociedade contemporânea. Cumpre, além disso, observar o Estado como campo

de disputa, a abrigar focos de tensão entre posições políticas hegemônicas e contra-

hegemônicas, entre a defesa de um direito regulatório contra seu potencial

emancipatório, entre a inclusão e a exclusão (SANTOS, 2006). Essa observação

permite vislumbrar as possibilidades no campo das políticas públicas, as quais são

objeto da ação estatal, mas comparecem em um contexto fundado em uma

pretensão de juridicidade e democracia.

É, pois, função deste capítulo, designar aspectos das relações entre direito e

Estado que impactam diretamente a elaboração e concretização de políticas

públicas, incluídas no âmbito da função jurídica. Assim, após uma breve descrição

acerca das características que tornam historicamente peculiar o Estado moderno,

verificar-se-á as relações entre direito e Estado sob a fórmula “Estado de Direito”

(VERDU, 1986), com especial atenção para a perspectiva de Neumann (1968), cuja

análise apresenta essa forma de organização política em sua ambivalência, e

permite explorar suas dualidades contingentes, entre as quais um direito entre a

emancipação e a regulação, entre a legalidade e a legitimidade, a faticidade e a

validade, entre a inclusão e a exclusão.

Tem-se, assim, uma abordagem do Estado que nem se esgota em um

esquema meramente descritivo e normativo, nem o submete a uma análise

determinista qualquer, antes salientando suas possibilidades, especialmente na

dinâmica de risco da modernidade reflexiva. A esse viés se associa o problema da

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autonomia estatal. As análises críticas do Estado, tradicionalmente, encontram-no

assentado em patamar superestrutural, o que tornaria suas operações e iniciativas

condicionadas por interesses e valores das camadas sociais dominantes55.

Verifica-se, todavia, que, no avançar da modernidade se ligam movimentos

complementares tendentes a evidenciar que, pelo menos parcial ou potencialmente,

o Estado está sujeito a autonomização (JESSOP, 2007). De um lado, porque sua

lógica de operar induz um comportamento autoreferenciado, e, de outro, porque

cada vez menos homogênea é a estrutura social das sociedades contemporâneas,

mormente aquelas que já ultrapassaram adequadamente os desafios de

implementação da cidadania social.

Essa constatação de um Estado potencialmente autônomo e insubmisso

permite vislumbrar, em um cenário de democracia e pluralismo, sua centralidade no

desenvolvimento social. Alternativamente a uma concepção monista, oligárquica e

excludente, na qual o Estado é instrumentalizado segundo interesses alheios

sobrepostos a si, nessa perspectiva o Estado pode ser assumido como elemento

nuclear exatamente em função de sua permeabilidade, o que o torna não apenas

mais legitimo, mas campo aberto à disputa entre vários discursos contingentemente

prevalecentes. Trata-se de uma perspectiva que implica a necessidade de se

discutir, com mais detalhes, os temas da democracia e da cidadania, a fim de fechar

o capítulo mostrando políticas públicas no cerne da dupla congruência entre Estado

e cidadania, isto é, como juridicidade que se contrói participativamente e como

direito universalizável.

Para essa discussão, também será necessária uma exposição acerca da

atividade estatal na produção de políticas públicas, incluindo racionalização de

procedimentos, juridicização pela via legislativa-democrática, não pela via

administrativo-burocrático, a revelar a possibilidade de um processo diferente de

concretização das políticas públicas, o que equivale a dizer, juridicização como

conquista em um Estado cada vez mais democrático, plural, poroso e, portanto, mais

disputável em seus conteúdos.

O Estado apresenta múltiplas facetas, a evidenciar não apenas sua

centralidade nos processos sociais contemporâneos, mas a complexidade funcional

dessa estrutura, que se vincula a distintos campos, como a política, o direito e a

55 Como se encontra, por exemplo, em tendências distintas como as pertencentes à tradição ou à chamada “sociologia das elites”.

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economia; o indivíduo e a sociedade; a projeções simbólicas e materiais. É uma

estrutura vinculada a determinadas funções sociais, com organização complexa,

estruturada segundo a racionalidade burocrática, que reflete juridicamente relações

sociais, influi nas diversas esferas de exercício do poder, e impacta as possibilidades

de exercício de direitos.

Perceba-se que a uma tradicional problematização do Estado como unidade

política, no cerne da qual residem dilemas relativos à conjugação de um imperativo

de totalização e um imperativo de articulação (BERCOVICI, 2006), soma-se uma

possibilidade de análise a partir da percepção do Estado como campo concreto de

jogos e disputas. Na primeira concepção, sobressai o problema da soberania una e

indivisível, que se projeta sobre a sociedade, pretendendo o monopólio da ordem,

que se consubstancia sob uma noção de lei e direito formada conforme uma

racionalidade ocidental que atribui ao jurídico o papel de instrumento que exclui e

subordina, sem preocupação de harmonização (SUPIOT, 2005). Colocar em causa

essa perspectiva é crucial para se discutir as possibilidades de um Estado

democrático ligado a um direito reflexivo, no qual o problema da inclusão e das

relações entre público e privado esteja mais bem equacionado, conforme aponta

Bignotto:

“Em grande medida a crise das sociedades industriais implicou, justamente, o esfacelamento das certezas que guiavam o pensamento político do século XIX, em muitas de suas expressões, no que diz respeito às tarefas e funções do Estado e da sociedade civil. Por isso ela preferiu tratar o problema a partir da oposição entre o público e o privado e não mais entre o Estado e a sociedade civil. De outro lado, a segunda ilusão, contra a qual ele lutou, foi a de que é possível falar de vida em comum apenas a partir das atividades produtivas, ou do que ela chama de labor. Ora, o que distingue o público do privado é justamente o fato de que as ações públicas pretendem ter validade universal e não simplesmente representar o interesse de grupos sociais delimitados” (BIGNOTTO, 1994, p. 19).

Verifica-se, de um ponto de vista histórico, o Estado como formação política

que acompanha processos sociais mais amplos ocorridos a partir da experiência

européia ocidental que transcorre desde a baixa idade média. Rosanvallon (1992, P.

11) aponta, a esse respeito, a diversidade de tipos e modelos que concretamente

tiveram ou têm existência histórica, a par dos modelos gerais unificadores. Tem-se,

então, o Estado como produto de uma dada contingência histórica (HESPANHA,

1999, p. 137), a compor uma estrutura específica, que não se confunde com formas

políticas produzidas em outros contextos (BÖCKENFÖRDE, 1991) e, consoante

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Hespanha, assume, nos últimos dois séculos, especificidade simultaneamente a

processos sociais mais amplos nos quais se insere (HESPANHA, 1978).

Típica de uma visão que condensa no direito embates políticos, legitimando-

os formalmente por meio da lei positiva, é a posição normativista acerca do Estado

como ordem jurídica (KELSEN, 2003, p. 18). Em Kelsen, direito, Estado e

democracia se vinculam estreitamente. O autor afirma que o Direito é um sistema

normativo, dotado de normas válidas e coercitivas, que compõem um "esquema de

interpretação", a conferir sentido jurídico aos diversos atos (KELSEN, 1998, p. 4).

Direito e Estado se fundem, levando à afirmação de que “o Estado é aquela ordem

da conduta humana que chamamos de ordem jurídica, a ordem à qual se ajustam as

ações humanas, a idéia à qual os indivíduos adaptam sua conduta” (KELSEN, 1990,

p. 190). Assim, “o poder do estado é o poder organizado pelo direito positivo – é o

poder do direito, ou seja, a eficácia do direito positivo” (KELSEN, 1990, p. 192).

Essa concepção, na tradição positivista, reconhecerá o Estado tão-somente

na condição de ordem jurídica e realidade totalizadora (BURDEAU, 1971). Nesses

termos, toda definição do Estado é uma definição jurídica (BODENHEIMER, 1996), e

o Estado constitui-se como unidade do sistema jurídico, nele ocupando posição

central (DEL VECCHIO, 1957, p. 24). Nawiasky aponta, também sob lente jurídica,

uma dupla face do Estado que, a par de ser a ordem jurídica geral, entabula

relações jurídicas como sujeito de direito (NAWIASKY, 1962), gerando dubiedades e

o risco da interpolação alternativa (VILHENA, 1996, p. 38 e ss.)56, por meio da qual

um agir estatal é confundido com outro. Em Jellinek (2002) pode-se notar a procura

de um conceito de Estado capaz de abarcar tanto sua dimensão jurídica quanto sua

materialidade nas relações sociais, a reforçar, nesse dualismo, a idéia de Estado de

direito, uma ordem política que cria o direito e por ele se limita (JELLINEK, 2002).

Trata-se de um Estado que, conforme Heller (1968), pode ser observado

como estrutura e função, e que encontra sentido na fórmula “Estado de direito”

(NOVAIS, 2006). Note-se, assim, que na noção de Estado de direito coexistem uma

estrutura formal do sistema político, vinculada à garantia de direitos e liberdade

fundamentais, com a aplicação da lei geral e abstrata por juízes independentes, uma

estrutura material do sistema jurídico, a permitir e regular as relações entre pessoas

56 Ocorre a interpolação alternativa quando se toma um agir estatal por outro, v. g., quando se revindica um direito à Administração Pública (Estado administrador, sujeito de direito) motivado por modificação legislativa (obra do Estado ordem jurídica).

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dotadas de capacidade jurídica, uma estrutura social do sistema jurídico, vinculada à

universalização do bem-estar e à solidariedade social, uma estrutura política do

sistema jurídico, a organizar estruturas de distribuição do exercício do poder

(NEUMANN, 1986).

Agrega-se a essa noção mais densa de Estado de direito uma atualização do

princípio da separação dos poderes, segundo a qual “é preciso que o funcionamento

de um Estado democrático obedeça a um princípio específico, capaz de proteger o

cidadão contra qualquer forma de arbitrariedade. Em outros termos, que o poder de

fazer leis (Poder Legislativo), o poder de aplicá-las (Poder Executivo) e o poder de

punir as infrações às leis (Poder Judiciário) sejam exercidos por pessoas ou

instituições separadas – e, além disso, independentes umas das outras”

(DELACAMPAGNE, 2001, p. 49). Estado de direito e separação de poderes

consolidam-se na modernidade sob formas burocráticas, que unem Estado

burocrático racional-legal e burocracia profissional (WEBER, 1974, p. 162). Aponte-

se que se trata de um Estado cada vez mais sofisticado do ponto de vista

organizacional, a travar relações com interesses, valores e posições presentes em

uma modernidade radicalmente complexa, que, sob determinados contextos, pode

se abrir à disputa social mais ampla sem perda de funcionalidade.

Em Neumann (1968), essas possibilidades que se abrem em cenários menos

pré-condicionados são antevistas e perspectivas tradicionais são absorvidas e

recompostas à luz da teoria crítica frakfurtiana (NOBRE, 1998), cuja ortodoxia

também foi objeto de sua divergência (JAY, 1996). Segundo o autor, o direito é parte

da dimensão do Estado (SONTHEIMER, 1971, p. 22), e, apesar de sua vocação

ideológica atrelada a processos de dominação de classe, em contextos de

autonomização estatal e expansão de direitos, como na concretização do Estado

Social, o Estado pode assumir, por meio da juridicização de hipóteses contrafactuais

relativamente à lógica de dominação, um papel contra-hegemônico. Perceba-se já

um Estado vinculado a relações sociais (LUHMANN, 1993a; 1998a; 1998c), e que

pode compartilhar dimensões diversas (KEANE, 1996) de um espaço público

potencialmente aberto a disputas entre projetos hegemônicos e contra hegemônicos

(JESSOP, 1990) em um contexto de democracia ampliada (LACLAU e MOUFFE,

1987) e intensa (SANTOS, 2006).

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6.2. O Estado moderno

Denomina-se Estado moderno o modo de organização política da sociedade

caracterizado pela centralização do poder, que se consuma sob a moderna noção

de soberania, em um dado território e mediante vinculação jurídico-política a um

dado conjunto de cidadãos (GIDDENS, 1998). Esse modelo de organização política

aparece na Europa em fins do período medieval, a gerar um ciclo longo de

mudanças, uma transição (LE GOFF, 1969) política que se consolida apenas na

sequência das revoluções burguesas (ANDERSON, 1993). Com efeito, o Estado se

molda nos séculos recentes como fruto da perspectiva racionalista iluminista

(BOBBIO e BOVERO, 1996, p. 65). O contratualismo e o consenso e a questão do

Estado republicano ante a sociedade, são exemplos das relações empreendidas a

partir de sua edificação (SOUZA, s/d), na qual ocorre, no plano formal, a substituição

da vontade do soberano pela norma geral e abstrata, expressão da vontade geral

(COMPARATO, 1998, p. 40), que, no esquema tripartite de Montesquieu (1973),

implica a edição da regra por um órgão e seu cumprimento por outro. Trata-se de

uma conformação que, de um lado, permite a dissociação entre os espaços público

e privado, entre política e economia, entre direito e moral (HESPANHA, 1999), e, de

outro, torna o direito apanágio de um Estado que se pretende monopolizador do uso

legítimo da força (WEBER, 1993).

Hespanha (1999), em uma abordagem fundada em Weber e Marx, percebe o

Estado como fenômeno recente, caracterizado como a entidade que permite a

separação entre público e privado; autoridade e propriedade; política, direito e

economia. Como a unidade que promoveu a concentração de poderes em um único

pólo, eliminando o pluralismo político-jurídico presente, ao menos em parte, até o

antigo regime. A entidade que instituiu um modelo racional de governo, funcionando

sob uma constituição e um princípio de legalidade, normas gerais e abstratas

(HESPANHA, 1999, p. 2-5). O autor indica, em sua reflexão sobre o Estado

moderno, o problema do uso dos temos, como liberdade e democracia, e seu

significado em contextos diferentes (HESPANHA, 2003, p. 19-20), a produzir

discursos que, no processo de sedimentação do Estado, conferiu à lei estatal o

papel de legitimação de desigualdades (HESPANHA, 2003, p. 241 e ss.), a

evidenciar um Estado apresentado como expressão da sociedade e tutor do

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interesse geral e ocultar, de fato, uma instância capturada pelas elites (HESPANHA,

2003).

Note-se que o Estado é uma formação histórico-social que se reveste de uma

condição institucional com uma estruturação que dela decorre. É fato social que

compreende fundamentação ética, política e jurídica, o que permite sua análise por

diferentes ângulos. Perceba-se que na sociedade moderna o Estado não apenas

assume uma configuração que reflete um processo histórico adaptativo, como se

coloca em uma posição central, na medida em que seu papel concerne a

fundamentais mediações sociais, entre as quais as que envolvem política, economia

e direito. Mesmo por isso, ao Estado é possível se relacionar com a sociedade de

maneira geral, alcançando, potencialmente, todas as esferas da vida das pessoas.

Estado de Direito, anota Canotilho (1998), aparece como tentativa de

“domesticação do domínio político pelo direito”. O autor percorre as várias tradições

que permeiam o termo, para fixar uma noção contemporânea que absorve e

reconstitui conteúdos oriundos da trajetória do constitucionalismo ocidental, tais

como o devido processo legal, a prevalência das leis sobre o arbítrio do poder, a

igualdade no acesso à jurisdição, o direito do povo definir suas leis, a juridicidade do

poder vinculada à justificação do exercício do poder, a presença de tribunais como

garantia para os cidadãos, a legalidade em um plano normativo hierarquizado e a

administração pública sob a legalidade (CANOTILHO, 1998, p. 87-92)57, entre

outros. Contemporaneamente, esses conteúdos presentes na formação de um

direito burguês sofrem adaptações contextuais e apropriações diversas, que tornam

incerta sua classificação como mero instrumento de classe. Canotilho, como Bobbio

(1995), afirma no Estado de direito sob o constitucionalismo a primazia do governo

de leis sobre o governo de homens. É um conceito insuficiente, mas ilustrativo, para

fins de análise jurídica, já que se sustenta em uma versão liberal de democracia que,

todavia, possui plasticidade suficiente para se recompor associado a uma concepção

de democracia ampliada, expressada no conceito mais abrangente de Estado

Democrático de Direito, que, nota Faria, amplia as exigências sociais do Estado de

Direito (FARIA, 2004, p. 131).

Aponte-se, ademais que o Estado moderno ocidental formou-se com a

contribuição de três bases distintas, que modernamente se complementam

57 O autor explica esses conteúdos vinculados a conceitos como o inglês “rule of law”, o americano “always under law, o francês “l’état legal”, e o alemão “rechtsstaat”.

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(BIGNOTTO, 2000), quais sejam o liberalismo, o republicanismo e a democracia,

cuja convergência marca o Estado democrático deste início de século XXI

(O’DONNELL, 1998b, p. 30). O’Donell (1998) explica que há um nexo de

causalidade entre o vigor desses três componentes em uma sociedade e o

funcionamento adequado dos mecanismos de responsabilização mútua entre os

atores presentes na arena pública. O autor salienta a importância da tensão

produzida por esse fenômeno, que orienta formas institucionais e experiências

sociais, entre as quais uma organização estatal dotada de mais permeabilidade à

participação e controles.

Weber (1969) explora, na formação multifacetada do Estado em vista das

peculiaridades da sociedade moderna, possibilidades distintas de legitimidade na

ação estatal, a configurar crença estável na autoridade e em suas decisões. As

várias possibilidades de organização do Estado, à luz do modelo geral consolidado,

provoca, como salienta Dahl (1990, p. 58-59), diferenças estruturais entre sistemas

políticos concretos (DAHL, 1997), condições sociais e institucionais, que o autor

analisa a explorar possibilidades de democracia58, que, modernamente, aparecem

em arranjos nos quais os sistemas político e jurídico atuam acoplados (LUHMANN,

1998c).

No bojo de uma crítica mais ampla à sociedade capitalista, Marx (2005) aduz

que o Estado, ao refletir os interesses dos proprietários não pode servir para

atender à sociedade em geral. De fato, na crítica marxista às instituições da

democracia burguesa (LÊNIN, 1979, p. 21), o Estado converte-se em importante

instrumento ideológico, na proporção em que identifica os interesses da classe

dominante proprietária com os interesses da sociedade em geral (PASHUKANIS,

1989). Nessa perspectiva, o conjunto de direitos universalizável e os meios de

apropriação de direitos são tidos como constitutivos de uma vontade geral, que,

materialmente, contudo, atende aos interesses de grupos sociais hegemônicos. O

Estado sujeito de direito, ou seja, a Administração, age consoante uma pretensa

vontade pública, ideologizada, consbstanciada na vontade da lei, que cumpre a

função de apresentar como direito de todos os interesses de poucos. Em uma tal

58 No conceito de poliarquia de Dahl uma democracia minimalista deveria contar, pelo menos, com liberdade de associação, liberdade de expressão, direitos de voto, elegibilidade, direito de lideranças políticas competirem por apoio, existência de fontes alternativas de informação, eleições livres e limpas, instituições que tornem políticas governamentais dependentes de votos, controles e manifestação de preferências entre eleições.

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condição as estruturas estatais, o direito inclusive e especialmente, aderem a

estratégias de dominação de classe (PASHUKANIS, 1989), já que “é a criação de

uma ordem que legaliza e consolida essa submissão, amortecendo a colisão de

classes” (LÊNIN, 1979, p. 10). A burocracia se apresenta “acima da sociedade”,

dotada de “inviolabilidade”, escorada em uma idéia de cumprimento de função a

espelhar o interesse público que justifica uma idéia de “poder público separado da

sociedade e situado acima dela” (LÊNIN, 1979, p. 15-16). Essa crítica, que hoje não

se sustenta descontextualizada, fornece suporte ao pensamento social que rediscute

a democracia em termos de densidade e alcance, bem como de adaptação a

cenários periféricos e multiculturais. Realce-se, nesse grupo, trabalhos que buscam

rediscutir o Estado, verificando na abertura a novos arranjos institucionais e

diferentes práticas de ação estatal, a possibilidade de um Estado, e um direito

(SONTHEIMER, 1971, p. 22), que se justifiquem a refletir o potencial de democracia

e inclusão social presentes nos paradigmas que emergem na modernidade tardia.

Giddens (1998, p. 46) aponta em Marx e em Weber uma concepção das

relações entre política e economia implicando a subordinação daquela a esta, que

atualmente comporta revisão, não para negar essa possibilidade, mas para

reconhecer inúmeras alternativas contingentes. Em termos weberianos, o Estado é

uma organização que compulsoriamente organiza uma sociedade, monopolizando,

em seus limites, o direito e o controle do uso legítimo da força (GIDDENS, 1998, p.

47). O Estado racional-legal enquadra-se no paradigma geral da progressão da

divisão do trabalho no capitalismo moderno, em movimento de burocratização, que,

em certa medida, revela na obra do autor possibilidade de autonomização do espaço

político-administrativo (GIDDENS, 1998, p. 47). Tem-se o Estado como elemento

central, mormente no mundo ocidental, para a transição de esquemas tradicionais de

dominação para a dominação racional-legal, que alimenta uma aliança entre Estado,

política e direito (GIDDENS, 1998, p. 61), cuja complexidade na modernidade

reflexiva abre arranjos indeterminados previamente. O Estado, assim, apresenta

múltiplas facetas, a evidenciar não apenas sua centralidade nos processos sociais

contemporâneos, mas a complexidade funcional dessa estrutura, que se vincula a

distintos campos, como a política, o direito e a economia; o indivíduo e a sociedade;

a projeções simbólicas e materiais.

Perceba-se, ademais, o Estado moderno como aparato político de governo,

que rege sobre um território dado, e cuja autoridade está respaldada por um sistema

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jurídico e pela capacidade de usar a força para implementar suas ações e políticas

(GIDDENS, 2000a), tendo a si vinculada uma organização burocrática, admitida em

termos weberianos, capaz de operacionalizar de forma eficiente a sua função

(GIDDENS, 2000a). Conquanto em qualquer período da história se possa falar em

uma administração da esfera pública, os contornos precisos do que chamamos

administração pública indicam um modelo organizacional, e um ramo do

conhecimento, específicos, que aparecem a partir de fins do século XIX, no bojo de

um processo mais amplo de reconstrução do Estado em bases liberais.

6.3. Estado e Administração Pública

Administração Pública é termo usado para significar tanto um campo de

estudos, quanto o setor administrativo ligado aos negócios do Estado (WALDO,

1955). O termo aparece na obra de Wilson (1887), que cunha a conhecida

expressão “administração pública é a execução detalhada e sistemática do direito

público”. Administração Pública pode ser descrita, assim, como o campo da

administração que compreende o exercício da função administrativa pelo Estado59 e

que se caracteriza por uma rigorosa definição normativa acerca de atos e

procedimentos possíveis e de deveres e responsabilidades do administrador. Opera

relacionando Estado e sociedade, bem como objetivando eficiência na ação

governamental. Delimita princípios e métodos que permitem às organizações

públicas serem dirigidas, coordenadas e controladas (WHITE, 1955) segundo uma

razão superior que se denomina interesse público (BANDEIRA DE MELLO, 2005).

A moderna concepção de administração pública aparece, concomitantemente,

com a teoria da administração (MORGAN, 1996), sendo evidentes, por exemplo,

pontos de contato entre os trabalhos de Weber e Wilson. Note-se que Administração

Pública compõe uma lógica organizacional que permeia a estruturação do Estado

moderno, associada a outros elementos como o conceito de Estado de Direito, a

separação dos poderes, o federalismo e as técnicas de desconcentração e

descentralização administrativa, além das estratégias intervencionistas geradas pelo

Estado Social. Perceba-se que a administração pública deve ser instrumento que

59 Nos termos da distinção estabelecida por Montesquieu.

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atende a objetivos políticos e sociais, explicitados pelo direito (SANTOS, Reginaldo,

2002, p. 935), no entanto, tende a se autonomizar em determinados contextos.

A relação da administração pública com o direito passa pelas relações que

decorrem do Estado de direito, especialmente marcado pelo constitucionalismo e

pela noção francesa de legalidade, cuja experiência possibilitou a emergência

institucionalizada de um modelo de estrutura tripartite, centrada em controles

jurídicos, consoante o regime de direito público.

Note-se que, sob o liberalismo, a administração pública se vincula a uma

ordem jurídica que ratifica e reforça interesses regulados pela mão invisível

smithiana, que “se expressava em termos de ordem, segurança e paz. Ordem,

então, quer significar preservação de estruturas” (GRAU, 2000, p. 41). Com o Estado

social a administração é composta noutros termos (GRAU, 2000, p. 42), mantida sob

o regime jurídico administrativo (LOPEZ, 2001, p. 363 e ss.), mas entremeando seu

componente técnico a relações jurídicas e políticas tensionadas (CORREAS, 1995,

p. 94). Essa situação se torna ainda mais complexa nas últimas décadas do século

XX, sob os auspícios do Estado democrático de direito e da modernidade tardia,

ambiente no qual Estado e administração pública são instados a conjugar fórmulas

mais ambiciosas de síntese da tensão weberiana entre democracia e burocracia. A

incorporação dos conceitos de governança e “accountability” à gramática da nova

gestão pública tem permitido às ciências sociais um instrumento de análise mais

vigoroso, especialmente importante para a análise de políticas públicas.

Estado e administração pública podem ser observados com certas nuanças

quando analisados segundo esses instrumentos da chamada “nova gestão

pública”60, governança e “accountability”61. Governança e accountability constituem

não apenas um aparato técnico-conceitual, mas componentes de uma imagem de

Estado que deve ser construído sob o paradigma democrático. Este dado outorga

centralidade a esses dois elementos, os quais pertencem a uma descrição de

Estado que somente pode existir relacionado com uma esfera pública

democratizada. Trata-se de reconhecer que ao espaço público não é apenas

60 Termo utilizado para distinguir os modelos de administração pública que emergiram na passagem da forma burocrática para o enfoque gerencial ou pós burocrático. 61 Embora “accountability” seja termo da língua inglesa, optou-se, em vista de seu uso recorrente no texto e por pressupô-lo suficientemente familiar na literatura técnica, por não grafá-lo em itálico ou entre aspas.

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conveniente, mas indispensável, a presença dos atributos que definem governance

e accountability.

Dois eventos ocorrem a partir de fins da década de 70 do século XX e se

consolidam no início dos anos 90, atingindo, em diferentes níveis, os Estados

nacionais: o compromisso com um regime político que tem como matriz comum o

modelo de democracia representativa liberal e a reformulação das estruturas

burocráticas de administração do setor público (ABRÚCIO, 1999, p. 1). Vinculados

entre si, estes eventos, mormente no caso brasileiro, induzem à procura de

instrumentos de gestão a eles adequados.

Pretendeu-se, nessa perspectiva, organizar o setor público levando-se em

consideração sua necessidade de responder satisfatoriamente às demandas da

sociedade, de maneira eficiente e eficaz, em um contexto de complexidade e risco

(RUA, 1997, p. 136). Nesse sentido, é priorizada a presença, no meio interno e em

face do ambiente, de uma teia de responsabilização recíproca, capaz de persuadir

os agentes estatais a realizar suas obrigações, e somente elas, de modo adequado.

A produção de políticas públicas em uma sociedade democrática passa,

necessariamente, pela promoção de governos aptos ao exercício dinâmico do ato de

governar” (FRISCHATAK, 1994, p. 195), característica que envolve capacidade de

discernimento e de decisão jurídica compatíveis com a dimensão intervencionista do

Estado. Abrange também preceituar incentivos e sanções para que governo,

burocracia, sociedade e cidadãos exerçam bem o papel que a cada um cabe nesse

arranjo (PRZEWORSKI, 1999, p. 68).

A afirmação legítima das políticas públicas requer um desenho institucional

em que a juridicização dessas políticas seja concomitante com a possibilidade de

equilíbrio entre democracia e burocracia, e de os cidadãos controlarem e

participarem dos negócios públicos (PRZEWORSKI, 1999), não necessariamente

estatais. Trata-se de os sistemas da política e do direito operarem de maneira

estruturalmente conforme suas funções, o que envolve o reconhecimento da

importância de peculiaridades contextuais incidentes sobre o desenho institucional

(AZEVEDO, 1999, p. 112).

Governança é expressão que foi forjada no bojo da corrente democrático

reformista que comparece no cenário mundial das últimas décadas. A um só tempo,

oferece contraponto e complementa a noção de governabilidade, mais antiga, cujo

sentido faz remissão às condições institucionais e sistêmicas sob as quais se exerce

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o poder, tais como a forma de governo ou o sistema político (DINIZ, 1997, p. 38).

Trata-se, pois, de um estado sobre o qual se desenvolverão possibilidades

operacionais (FRISCHATAK, 1994, p. 195), com inegável apelo para as políticas

públicas, especialmente, quando notamos que tanto essa matéria quanto

tradicionais funções de governo passam a orbitar o sistema jurídico (FARIA, 2004).

Remetendo a uma associação entre capacidade governamental e democracia

política (DINIZ, 1997), governança62 é um termo que, conforme Diniz, possui três

dimensões essenciais, quais sejam a de comando e direção do Estado, a de

coordenação entre políticas e interesses em jogo e a da implementação das

decisões governamentais (DINIZ, 1997). Destaca a autora que a existência de meios

de accountability é essencial à governança, que requer “condições financeiras e

administrativas de um governo para transformar em realidade as decisões que toma”

(RUA, 1997, p. 136). Frischatak (1994, p. 196) percebe, na idéia de governança

voltada para a produção de políticas governamentais, quatro elementos

constitutivos: coordenação, liderança, capacidade de implementação e produção de

credibilidade.

Vê-se, então, que governabilidade é referência a uma condição estática, ao

passo que governança implica o comportamento governamental, apresentando

característica dinâmica. À configuração formal da governabilidade a governança

adiciona possibilidades múltiplas, exatamente porque leva em conta a ambição

contida no desafio democrático (CLAD, 2000, p. 18), a complexidade social

crescente e o papel do direito na gestão material da coisa pública.

Assinale-se que governança é dimensão atrelada à maneira pela qual o poder

é exercido na esfera pública (AZEVEDO, 1999, p. 131). Seu sentido é vinculado à

democracia, responsividade e juridicidade, porque o giro metodológico que realiza,

obrigando que a sociedade passe a ser a medida do desempenho estatal, somente

faz sentido em um ambiente no qual se consagra a inclusão social e a

universalização de direitos como valor preferencial na realização do interesse

público. Mais que mera capacidade de administrar a seara pública63, governança

identifica um jeito de exercer o poder que transforma, de obstáculo em alavanca, a

incerteza e o risco próprios da democracia.

62 O termo vem traduzido do inglês “governance”. Também é traduzido como “governação”. 63 No sentido proposto, entre outros, por Samuel Hutington.

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Accountability, por seu turno, é expressão que traduz uma idéia de

responsabilização e dever de prestar contas. Chama-se vertical a accountability

exercida pela sociedade sobre os organismos públicos, entre os quais se destaca a

eleição de representantes pela população para o exercício do poder político.

Accountability horizontal reside na existência de agências públicas, estatais ou

societais, que têm o dever legal, os meios adequados e a disposição para controlar

e responsabilizar outros agentes ou agências estatais (O’DONNELL, 1998b, p. 40).

Uma das principais questões levantadas em torno da accountability diz

respeito à relação entre governantes e burocracia (MELO, 1996, p. 73) na produção

de políticas públicas. A possibilidade de o governo, e em última instância o povo,

controlar a burocracia estatal é de suma importância para o Estado moderno e, mais

que isso, é um ingrediente sem o qual não haverá que se falar em democracia.

Accountability e governança são, portanto, elementos da organização estatal

que, eivados de juridicidade, permitem, na medida de sua concretização, um direito

das políticas públicas mais efetivo, porque atrelado a democracia e cidadania, o que

coloca a organização estatal a operar em vista de seu ambiente social, a submete a

um direito de alcance mais profundo e à obrigação de dele prestar contas à

sociedade (CLAD, 2000, p. 31).

Observe-se que políticas públicas passam a integrar a administração pública

brasileira, de forma sistematizada e juridicamente amparada, no mesmo período de

incorporação desses novos instrumentos de gestão pública, coincidindo, também,

com redemocratização e reforma do Estado que ocorrem, sob diferentes formas, nos

últimos vinte anos.

A capacidade de governança se verifica quando há segurança quanto à

prevalência de regras universalistas nas transações sociais, políticas e econômicas;

promoção de arranjos cooperativos, com punição para os comportamentos

refratários; e redução dos custos de transação. Implica, ainda, o funcionamento dos

sistemas jurídico e político consoante seus respectivos código e função, a

resistência do espaço público à captura por grupos de interesse e sua capacidade

de adaptação a modelos institucionais e promoção de accountability (MELO, 1996,

p. 69).

A noção de governança, enquanto modo de governar, origina-se na política,

contudo, o reconhecimento de que a administração pública recebe intensa e

totalizante atenção do sistema jurídico obriga a que se recontextualize afirmações

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que dão conta da gestão púbica como política (RUA, 1997, p. 137) aliada à técnica e

administrar. Inclui-se, pois, no conceito amplo de governança, a juridicidade, a

adequação ao sistema do direito.

Perceba-se que governança se harmoniza com accountability, sendo ambos

componentes democráticos juridicizados da atividade e da organização estatal

(DINIZ, 1997). Intervenções de agência burocráticas insuladas, ou de órgãos

impermeáveis a controles, como o Ministério Público e o Judiciário, podem afastar a

democracia, a perspectiva pluralista, e a possibilidade de equilíbrios complexos na

arena pública.

O campo das políticas públicas é arena que demanda os sistemas político e

jurídico, estruturalmente acoplados, os quais se colocam diante do dilema (BOSCHI,

2002, p. 230)) que se encerra na tensão entre burocracia e democratização da

gestão pública. O desafio pautado se refere a modular o padrão das políticas

públicas, com a introdução de meios indutores de correspondência entre a ação do

interveniente que define e concretiza juridicamente as políticas e a delegação que

lhe é outorgada pela sociedade, que tem a primazia em uma relação do tipo “agente

e principal” (PRZEWORSKI, 1999, p. 45). Trata-se de construir arranjos institucionais

que contenham restrições e incentivos (PRZEWORSKI, 1999, p. 52) indutores das

várias interações que ocorrem nessa seara, contribuindo para a produção de

governança, com acréscimo de accountability horizontal e submissão à

accountability vertical.

Verifica-se que a gestão pública no Brasil enfrenta questões mais sensíveis à

governança que à governabilidade (AZEVEDO, 1999), mais afetas à “accountability”

que ao estrito controle de meios. Tal constatação tem como pano de fundo o já

referido “processo histórico social” (AZEVEDO, 1999, p. 134) brasileiro, que envolve

uma dada experiência de administração pública e reforça um movimento enredado

de disfuncionalidade recíproca (MARTINS, 1997, p. 175) que atinge o direito, a

administração e a política.

6.4. Políticas públicas no Estado contemporâneo

Políticas públicas são instrumentos que, com a conotação empregada neste

trabalho, estão ligados à noção de Estado Democrático de Direito, desde que se

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toma como premissas que fundam essa constatação a complexidade da sociedade

hipermoderna; a diferenciação, especialização e clausura operacional como

tipicidade do sistema jurídico na modernidade; as tendências pluralistas,

democratizantes e emancipatórias presentes no contexto atual; o Estado

constitucional como dinâmica construtiva que juridiciza relações sociais em geral e

político-estatais em especial; o Estado como campo potencialmente autônomo e

disputável; cidadania como possibilidade de incorporação crescente, em volume e

complexidade, de direitos.

Políticas públicas são funções socialmente relevantes (BUCCI, 2002, p. 242)

sob a incumbência da administração pública, que as executa de forma planejada,

coordenada, programada e vinculada a resultados (SANTOS, Marília, 2002, p. 268).

Além disso, na ordem constitucional vigente, apresentam-se submetidas ao direito.

Essa juridicidade aparece na esteira de um movimento geral, vivido

contemporaneamente, de alargamento da fronteira jurídica sobre as várias

dimensões da vida em sociedade, a ocupar tanto o espaço dos déficits no campo

ético, quanto dos excessos na seara política.

Ao direito é atribuído o papel de estabilizar expectativas generalizadas de

comportamento (LUHMANN, 2005), em um contexto de modernidade reflexiva

(GIDDENS, 1991b), no qual a vida em sociedade transcorre sob risco (BECK, 1992;

1999) e fluidez (BAUMAN, 2007)64. É, assim, o principal fator de mediação em uma

disposição social hipercomplexa, na qual sistemas marcados por estruturas e

funções especializadas operam fechados em relação ao ambiente, ainda que se

abram à comunicação.

Nessa perspectiva, direito e política aparecem como sistemas autopoiéticos

que, todavia, percebem a comunicação derivada da ação um do outro e, por vezes,

se acoplam estruturalmente. O Estado é estrutura de ligação entre esses sistemas,

que, entre outras funções, define políticas públicas por meio de direito formalmente

legislado. Políticas públicas aparecem como blocos de atividades realizadas pelo

Estado, por meios normativos e materiais. No moderno Estado constitucional o 64 Como já assinalado, para o autor a sociedade contemporânea se caracteriza pela liquidez e flexibilidade, que lhe ditam o movimento e impedem o enraizamento de estruturas e instituições, por uma instabilidade nas referências valorativas e um distanciamento dos agentes do poder das instancias locais de sua concretização. Entre outros aspectos o autor destaca a passagem de um modelo de estado social de comunidade inclusiva para o modelo individualista neoliberal, de justiça criminal em um estado excludente. Perspectiva semelhante a esse aspecto em particular pode ser encontrada na visão de Santos (2000), citado no capítulo 5, sobre a prevalência de modelos jurídicos regulatórios e restritivos na modernidade, com o abandono de estratégias jurídicas emancipatórias.

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balizamento genérico para esses programas e ações é fornecido pela Constituição,

que apresenta uma ordenação primária da matéria, dotada de certa plasticidade, a

permitir, na sequência, a escolha entre alternativas possíveis (DYE, 1981, p. 19 e

ss.). Escorados em lei formal 65, determinados agentes, investidos de competência e

poder discricionário, concretizam políticas públicas.

Percebe-se, na base desse arranjo, um Estado enredado em relações sociais

múltiplas (LUHMANN, 1993; 1998a; 1998b), comportando disputas (JESSOP, 1990;

2007) em torno de projetos políticos diversos. Um Estado que, constitucionalizado e

dirigido normativamente para um comportamento democrático, ocupa sem

exclusividade, mas com centralidade, o espaço público. É, pois, estrutura que

condiciona o comportamento dos agentes, e, simultaneamente, descortina

possibilidades de ação66, especialmente ao fazê-lo por intermédio do direito, que

opera sob um código mais simples e direto que, por exemplo, o da política.

As políticas públicas são expressão jurídica da ordem estatal, o que impõe

sua submissão a um diálogo propriamente jurídico, do qual decorre a possibilidade

de seu controle pelo direito. O regime de direito público, que se ocupa das relações

entre Estado, interesse público e direito (LOPEZ, 2001, p. 363 e ss.), incide sobre a

matéria, determinando não só a ação da Administração estatal, como intervenções

possíveis a outros agentes. Constata-se, outrossim, que o problema da

implementação de políticas públicas afirmadas como finalidade do Estado está

condicionado a relações de poder, o que equivale a dizer que esses fins seriam

dados, também, ao cabo de processos de confrontação e embates políticos (REIS,

1975), externos, mas pressupostos pelo sistema jurídico. É, aliás, recorrente nos

estudos da administração pública o problema das relações entre política e

administração, permeando o vínculo, regulado juridicamente, entre governo e

administração (MEDAUAR, 1992, p. 137-140), e a contingência que envolve a

perspectiva de dependência e autonomia recíprocas (MEDAUAR, 1992, P. 139).

Note-se que o dado matriz para a discussão das políticas públicas é a

burocracia como fenômeno da modernidade, que incide sobre a configuração estatal

e interfere nos processos sociais. Secchi (2009) explora a questão na discussão

sobre o modelo burocrático e as tentativas de superá-lo, destacando os modelos

65 No caso brasileiro, necessariamente fundado em lei, nos termos dos art. 37, “caput”, e 84, IV, da Constituição da República. 66 Estrutura como um sistema de imposição de regras e disponibilização de recursos. Ver o sentido específico adotado para a relação entre ação e estrutura em Giddens (1984).

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apresentados nas propostas de reforma mais recentemente ocorridas no Brasil.

Embora o autor se refira a dois “modelos” e um “paradigma relacional”, pode-se

perceber que seu foco alcança, de fato, duas alternativas à burocracia, uma, o

“gerencialismo” (BRESSER-PEREIRA, 1996), associada à defesa do Estado

neoliberal, e outra, a “governança pública” (DE PAULA, 2005), que seria a

adaptação, ou superação dialética, do modelo burocrático à luz do Estado

Democrático de Direito.

Políticas públicas se enquadram nesse contexto de transição (SECCHI, 2009,

p. 365), e se colocam em torno de certas questões, entre as quais, considerada sua

juridicidade, a submissão a controles (SECCHI, 2009, p. 362), enfatizados no

modelo burocrático e suas derivações (SABEL, 2001) e a responsabilização. A

distinção tradicional entre política e administração, levantada por Secchi (2009, p.

365), compõe um cenário no qual responsabilidades política e administrativa são

objeto do direito. Da mesma forma, o relacionamento entre os ambientes externo e

interno à administração (SECCHI, 2009, p. 362) merece relevância, na medida em

que políticas públicas exigem uma gestão mais permeável ao diálogo com a

sociedade, o que implica a necessidade de superação do insulamento burocrático,

mas, igualmente, das formas patrimonialistas resistentes à modernização. Observe-

se, contudo, que na gestão gerencial o cidadão é mero cliente e o compromisso do

gestor é com resultados, para cuja consecução ele pode, inclusive, flexibilizar regras

e ignorar procedimentos (BRESSER-PEREIRA, 1998), o que não só obstaculiza

uma disputa democrática por políticas públicas e orientação da atividade estatal,

mas abre flancos para o chamado neopatrimonialismo (SCHWARTZMAN, 1988).

A democratização das relações entre Estado e sociedade é vital para a

universalização de políticas públicas como direitos, o que demanda, em termos

semelhantes aos preconizados por Tilly (1981) neste particular, o alargamento da

esfera pública e a presença do Estado como mobilizador de recursos para a ação

social. Para Cohen e Arato (1994), Tilly evidencia que o desenvolvimento da

autonomia social e de espaços políticos dentro da sociedade devem estar

promovidos por conjuntos de direitos, embasados por uma cultura política

democrática e por instrumentos institucionais de democracia (TILLY, 2002).

Esses instrumentos se referem às tradicionais formas de representação,

calcadas na tensão entre representante e representado, entre a autonomia política

do mandatário (PITKIN, 1985, p. 157 e ss.) e as prerrogativas do representando,

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outorgante, sujeitas a análises formalistas (PITKIN, 1985, p. 41), descritivas ou

simbólicas, sabendo-se que os representantes representam interesses, antes que o

povo (PITKIN, 1985, p. 201). Pitkin (1985, p. 252) salienta que representação

envolve multiplicidade de interesses e concepções, e várias formas, e nenhum

arranjo institucional pode garantir a substância da representação, que, não obstante,

deve ser buscada, ao se construir instituições e treinar indivíduos para se

compromissar com elas (PITKIN, 1985, p. 265-267). A mesma autora, em trabalho

mais recente, além de admitir os limites da democracia representativa defende

mecanismos diretos de participação democrática, como meio de mitigar as

deficiências da representação (PITKIN, 2006, p. 40-43).

A questão democrática é relatada por Avritzer (1996, p. 120-121), que

inventaria modelos de democracia a partir de uma prévia discussão sobre bem

comum e racionalidade. Lembra o autor que a ciência política elitista não enfrenta

essa questão “normativa” de fundo, que, é, contudo, contemporaneamente,

apresentada por autores como Dahl (1990), cuja concepção de poliarquia é

vinculada a pressupostos de racionalidade individual. Avritzer (1996, p. 121) nota,

não obstante, que o crescimento da burocracia no interior do Estado e a

impossibilidade de uma idéia substantiva de bem comum conduzem Habermas a

uma trilha que une, em termos que descendem de Weber, burocratização com

racionalidade comunicativa67, na produção de um discurso intersubjetivamente

compartilhado. Tem-se a concepção de democracia como processo de

institucionalização de procedimentos e condições de comunicação (HABERMAS,

1997, cap. 8), com sua validade atrelada à validade da argumentação como discurso

intersubjetivo, em um sistema democrático dependente de redes de comunicação

presentes em uma esfera pública ampliada (HABERMAS, 1985). Em que pese a

divergência exposta neste trabalho à pretensão habermasiana de intersubjetividade

comunicativa, cabe notar que Avritzer parte deste ponto para defender um modelo

de democracia participativa.

Note-se que gestão pública e políticas governamentais se inserem em um

contexto de democratização perpassado por disputas entre concepções

hegemônicas e contra-hegemônicas de democracia (SANTOS e AVRITZER, 2005,

p. 43 e ss.), envolvendo, entre outros tópicos, as relações entre burocracia e

67Nos termos da “teoria da ação comunicativa” desemvolvida por Habermas (1984a).

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democracia, e entre democracia e representação (SANTOS e AVRITZER, 2005, p.

46-50), bem como a idéia de democracia participativa (SANTOS e AVRITZER, 2005,

p. 55), já nos termos expostos por Santos68, que implica cidadania alargada e, por

isso mesmo, se conecta ao tema das políticas públicas.

Note-se que essa dimensão participativo-democrática possui estreita ligação

com um constitucionalismo associado a compromissos sociais (BONAVIDES, 2009,

p. 203-204), na esteira do qual emergem políticas públicas (COMPARATO, 1985, p.

409) não apenas como meio de legitimação, mas de fomento à cidadania, em uma

rede intricada de relações sociais.

Utiliza-se, neste trabalho, uma definição de políticas públicas como

estratégias e programas de ação governamental, escolhidos para solucionar

problemas específicos de natureza pública (FREY, 2000). Sob tal percepção a

dimensão discricionária aparece, ao menos potencialmente, em duas diferentes

etapas da realização de políticas públicas: na escolha da pauta a ser executada e na

dos instrumentos utilizáveis, eis que se reconhece a possibilidade de múltiplos

modelos fornecendo diferentes tipos de análise (DYE, 1981, p. 19 e ss.). Tais

políticas se referem a programas e atividades efetivados pela administração

pública69, eis que o regime jurídico administrativo comparece na definição normativa

da programação governamental, em sua efetivação70, e em sua fiscalização e

controle.

A política é pública em virtude do impacto que gera sobre a sociedade

(VAISON, 1973, p. 661-664), e o “policy making process” deve ser analisado como

um processo uno, porém, complexo, que pode ser visto de forma segmentada, mas

permite uma visão geral (BALLART, 1992, p. 43).

Cumpre estabelecer os aspectos mais importantes a serem considerados no

processo de formulação da agenda de problemas públicos, definindo conceitos e

esclarecendo conexões entre elementos como sociedade e Estado, tipos de

68 Ver no Capítulo 5 deste trabalho. 69 No E.U.A., onde se estuda políticas públicas desde a primeira metade do século XX, diferenciam-se os termos “polity”, “politics” e “policy”. “Polity” refere-se à dimensão institucional do sistema político-administrativo, tal como definida em regras jurídicas. “Politics” dá a dimensão processual da política, tratando dos meios utilizados para se estabelecer os objetivos e decisões atinentes à persecução do interesse público pelo Estado. “Policy” se refere aos conteúdos concretos dos programas políticos determinados. Ver, a propósito, em VIANNA (2000); também em WINDHOFF-HÉRITIER (1987). 70 Que em nossa prática difere da programação formalmente legislada, cujo teor autorizativo permite à Administração, em muitos casos, uma reorientação completa após a aprovação da lei orçamentária anual. Ver a respeito no Capítulo 9.

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recursos disponíveis e sua importância para a definição da agenda pública, bem

como os conflitos de interesses e as relações com a base de apoio.

Segundo Meny e Thoening (1992), a agenda de problemas públicos é matéria

que envolve complexidade e nuanças derivadas dos interesses que atinge e das

relações que tangencia. Nesse sentido, a realização da agenda pública implica,

necessariamente, escalonamento de prioridades, uma operação que não se refere

simplesmente ao uso do poder ou à aplicação de determinada regra, mas,

essencialmente, ao modo de estabelecer relações político-jurídicas e de tomar

decisões levando em consideração interesses e interessados, recursos a serem

alocados e demandas passíveis de serem atendidas.

Inúmeras, portanto, são as dimensões da agenda de políticas públicas,

cabendo diferenciar entre agenda e não-agenda e entre o fazer e o não-fazer em um

dado contexto (MENY e THOENING, 1992). Entrar na agenda pública implica

reconhecer politicamente que a matéria demandada é dotada de interesse público e

objeto de atenção da autoridade, razão pela qual será traduzida em termos jurídicos.

É uma operação relativamente mais simples que a decisão de executar certo ponto

de agenda. A efetivação de uma medida, pelas implicações fáticas que impõe,

obedece a uma lógica que decorre do conflito de diferentes conexões, as quais

vinculam-se a disputas por poder político ou econômico ou, ainda, por espaço

hegemônico no ambiente sócio-cultural (MENY e THOENING, 1992, p. 95-96).

É importante que ao situar as esferas de interesse consideradas na

formulação e manejo da agenda pública, vislumbre-se, com a maior clareza possível,

o contexto geral e as peculiaridades da arena política, as quais, sob tensões do tipo

sociedade x Estado; econômico x político; mercado x espaço público; individual x

social; eficiência x equidade, bem como sob o influxo de disputas conceituais acerca

de idéias como as de interesse público, vontade popular ou justiça, definirão as

vicissitudes e possibilidades que concorrerão para a formação, priorização e

efetividade da agenda do setor público (MENY e THOENING, 1992, p. 98).

Note-se que a questão das políticas públicas demanda marco conceitual que

possibilite problematizações. Trata-se de noções de base com a finalidade de

fomentar posterior discussão sobre razões e condições que levam à adoção de

certas políticas, com exclusão de outras, no enfrentamento de problemas sociais

(SANTOS, Wanderley, 1994a).

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Política Pública, consoante Meny e Thoenig (1992, P. 99-100), pode ser

entendida como um programa de ação governamental que incide sobre certo

segmento da sociedade ou espaço geográfico. Observa-se, desde esta definição,

que a conexão entre Estado e Sociedade é um dado fundamental a ser considerado

em se tratando de políticas públicas e, como se verá adiante, apresenta dinâmica

variada e múltiplas nuanças.

De uma maneira geral, uma política pública se assenta sobre cinco

características, a saber, um conteúdo, um programa, uma orientação normativa, um

fator de coerção e uma competência social. Com essa definição, os autores

redefinem em termos mais precisos conceito amplo em demasia oferecido por Dye

(1981), segundo qual “uma política pública se compõe de ‘tudo aquilo que os atores

governamentais decidem fazer ou não fazer’”.

É saliente, portanto, o aspecto macro de uma política pública, que opera a

partir de marcos gerais, bem como uma orientação teleológica evidente, fundada

sobre pré-definições jurídicas que informam a atividade pública em dado contexto,

um raio social de incidência e um conteúdo concreto, identificado nos meios

mobilizados para sua geração. Além disso, deriva de autoridade que deve possuir

legitimidade e, por via de conseqüência, poder de coerção, isto é, de fazer valer

suas decisões, inclusive mediante uso da força. Note-se, ademais, a necessária

distinção entre a gestão de políticas públicas e a administração interna do Estado.

Nos atos relacionados a esta última predomina o interesse interno e sua relevância

para as políticas públicas aparece apenas na função de administrar recursos e

meios para possibilitar a efetivação da política estabelecida.

Cumpre definir, neste compasso, uma autoridade pública como “organismo

que concede e administra os bens coletivos” (MENY e THOENING, 1992, p. 103).

Deve dispor, enquanto órgão, de procedimentos específicos, aparato organizado e

competência para o exercício de seu mister. Esses bens coletivos possuem três

peculiaridades, quais sejam a impossibilidade de sua provisão adequada pelo

mercado, a potencial disponibilidade de atendimento a todo cidadão igualmente e a

indivisibilidade.

Uma política pública se deixa conhecer pela normatividade que organiza suas

diretrizes e sua programação, e é passível de avaliação concreta a partir de

elementos empíricos dispersos, entre os quais os efeitos que geram. O impacto de

uma política pública indica seus níveis de adequação e eficiência, tendo em vista,

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também, o comportamento de quem a executa e de quem a recebe, bem como o

contexto em que ela se insere.

Um sistema de ação é como pode ser vista a política pública. Há uma

dinâmica que envolve atores, atividades e o processo que os relaciona. Este

processo se compõe de cinco fases típicas, quais sejam a identificação do problema,

a formulação de soluções, a tomada de decisões, a execução do programa

estabelecido e sua finalização, quando seus resultados são vistos (MENY e

THOENING, 1992, p. 109). Note-se que todas essas fases estão à mercê de normas

jurídicas, que, em alguma medida, as orienta, embora, com diferentes graus de

incidência.

Nesse ponto fica evidente a importância do levantamento de problemas

públicos e a formulação de uma agenda como elementos cruciais para o estudo de

políticas públicas. Perceba-se que, no caso brasileiro, esse processo decisório já

deriva do sistema jurídico, eis que existem previsões constitucionais que devem ser

consideradas, algumas mais restritivas, como os percentuais mínimos de recursos

que devem ser aplicados em educação e saúde, outras mais extensas, como os

objetivos inscritos no art. 3º da Constituição.

A inserção de problemas públicos na agenda estatal aspira à transformação

de determinadas preferências encontradas em dado segmento da arena política em

políticas públicas. Verifica-se, neste campo, a existência de certa tensão relações

travadas entre sociedade e Estado, e entre atores que se movem no seio deste.

Fundamentalmente, acontecerão disputas mais ou menos amplas, inclusivas ou

democráticas, conforme as condições concretas de seu funcionamento.

Remetente e destinatário de políticas públicas se relacionam no espaço

público, a oferecer possibilidades de uma agenda pública matizada, cujo tamanho

será fixado em função dos conflitos e das capacidades hegemônicas em jogo.

Também é considerável o papel desempenhado pelos recursos disponibilizados, já

que maiores recursos tendem a compatibilizar maior quantidade de conflitos de

interesses e a agregar maior base de apoio.

Observe-se, contudo, que o funcionamento devido do sistema do direito é

peça essencial nessas relações, já que a concretização jurídico-normativa das

políticas públicas condiciona as demais. Note-se, porém, que por maior que sejam

as disputas estabelecidas na arena política em torno da dinâmica da agenda pública,

em geral, essa agenda redundará em produtos ou serviços de natureza pública, a

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qual responderá, espera-se, a determinada demanda, solucionando-a e plasmando

de legitimidade a ação pública. Como afirmado acima, importa, nesses casos, a

forma de lidar com as forças conflitivas que envolvem a autoridade pública, pois que

este modo permitirá a adequação da agenda, e de suas conseqüências

materializadas, a imperativos de juridicidade e legitimidade política.

Saliente-se, consoante a análise de Rua (2001), que políticas públicas

(“policy”, “policies”) são “outputs” que compreendem o conjunto de decisões e ações

relativas à alocação imperativa de recursos públicos. Resultam atividade política

(“politics”) (RUA, 2001), estruturalmente, acoplada ao direito, que, cada vez mais,

incide sobre esse processo decisório. Cumpre distinguir entre política pública,

política e direito.

Uma política pública envolve mais que uma decisão, produzida por distintos

sistemas, e requer diversas ações estrategicamente selecionadas para sua

implementação. Uma decisão política corresponde a uma escolha entre um leque de

alternativas, conforme a hierarquia das preferências dos atores envolvidos,

expressando, em maior ou menor grau, uma certa adequação entre os fins

pretendidos e os meios disponíveis (RUA, 2001). Ressalte-se que essa decisão

ocorre com fundamento no código da política, que remete ao poder de tomar

decisões vinculantes, e que, nestes casos, opera estruturalmente acoplado ao

sistema jurídico, que conferirá juridicidade ou não às decisões tomadas com base

em seu próprio código, um pressupondo o comportamento do outro.

Note-se que embora uma política pública implique decisão política, nem toda

decisão política constitui uma política pública. Uma das suas características centrais

é o fato de que são decisões e ações revestidas da autoridade do poder público e

envolvem, portanto, atividade política (RUA e AGUIAR, 1995). Conforme Easton

(1970, cap. 7), resultam do processamento, pelo sistema político, dos “inputs”

originários do ambiente e, freqüentemente, de “withinputs”, demandas originadas no

interior do próprio sistema político.

São elementos das decisões políticas, segundo Rua (2001), a existência de

relações envolvendo apoios específicos e genéricos, e uma pauta de demandas,

que podem ser novas, recorrentes ou reprimidas. Observe-se que, sendo as políticas

públicas alvo do direito, tal constatação impõe uma coordenada adicional para o

processo político que, atuando em situações de acoplamento estrutural, ficará

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obrigado a pressupor comunicação em certo sentido pelo sistema jurídico, e filtrar

eventuais irritações de conteúdo jurídico.

Uma vez que um problema qualquer tenha se tornado prioridade

governamental, é iniciado o processo de formulação de alternativas. Existem

diferentes formas de processar a solução para um “input” de demanda, com

destaque para o modelo incremental, o modelo racional-compreensivo e uma síntese

dos dois denominada "mixed-scanning". O modelo incremental, consoante Lindblom

(1959; 1981), opera de forma gradualista, sem introduzir grandes modificações nas

situações já existentes, e sem provocar rupturas de qualquer natureza. Em vez de

especificar objetivos e de avaliar decisões que possam atender a esses objetivos, a

decisão incide sobre alternativas comparáveis mediante estimativa de resultados

esperados. Assim, a melhor decisão não é aquela que maximiza os valores e

objetivos dos tomadores de decisão, mas aquela que assegura o melhor acordo

entre os interesses envolvidos.

O modelo racional-compreensivo considera a possibilidade de conhecer o

problema de tal forma que se possa tomar decisões de grande impacto. Neste

modelo, a tomada de decisão passa pelo estabelecimento prévio de valores a serem

maximizados, e de alternativas selecionáveis para sua execução. A seleção ocorre

segundo análise abrangente e detalhada de cada alternativa e suas conseqüências.

No “mixed-scanning” há uma composição das duas primeiras fórmulas e,

conforme Etzioni (1967), implica que as decisões sejam fundamentadas tanto em

uma ampla revisão do campo de decisão, sem análise detalhada de cada

alternativa, ponto em que diverge do modelo racional-compreensivo (RUA, 2001).

Trata-se de perspectiva que permite que alternativas de longo prazo sejam

examinadas e levem a decisões estruturantes. As decisões incrementais ficariam

vinculadas e essas decisões estruturantes e envolveriam análise tópica de

alternativas específicas.

Outra abordagem é o "modelo de política burocrática" que, nos termos

definidos por Allison (1960), rejeita a idéia da racionalidade linear em relação a uma

política específica, em vista da complexidade das relações sociais. Essa abordagem

permite, por exemplo, que aparentes disfunções sistêmicas sejam explicadas nos

termos de referências, códigos e objetivos que, aparentemente inexistentes na

normatividade institucional das políticas públicas, constituem, na realidade, poderoso

pano de fundo a condicionar a comunicação.

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Rua (2001) leciona, ainda, que decisões são, primariamente, intenções,

programas que, não necessariamente, serão materializados. A implementação de

uma política pública envolve problemas de formulação que reaparecem, assim como

novas situações de interação e conflito, e novas necessidades de negociação e

fixação de compromissos. A autora enumera condições para que haja uma

implementação adequada das políticas públicas (RUA, 2001), entre as quais um

diagnóstico adequado da questão a ser enfrentada e correspondente remédio eficaz,

resistência a circunstâncias externas (PRESSMAN e WILDAVSKY, 1973),

suficiência de tempo e recursos, que devem estar disponíveis globalmente e para

cada etapa de implementação, unidade de ação com minimização das situações de

interdependência entre executores, especificação de procedimentos, comunicação

coordenada e plena compreensão, pelos atores envolvidos, da situação, consenso

quanto à atitude a ser tomada, e obediência à cadeia de comando (RUA, 2001).

Perceba-se um processo decisório no qual a interferem na aplicação

normativa tradições de gestão (GEVA-MAY, 2003, p. 65 e ss.), culturas

organizacionais (THOMPSON e WILDAVSKY, 1986) e de governo no âmbito das

políticas públicas (FREY, 2000, p. 242-247). O acompanhamento e controle das

políticas deve incluir, assim, o tipo de política e de arena política; o contexto inter e

intra-organizacional dentro do qual ocorre a implementação, e o mundo externo

sobre o qual a política deverá exercer o seu impacto (RUA, 2001). Requer, assim, a

compreensão de que muitas políticas representam compromissos entre valores e

objetivos conflitantes; muitas políticas envolvem compromissos com interesses

poderosos dentro da estrutura de implementação; muitas políticas envolvem

compromissos com interesses poderosos sobre quem será afetado pela

implementação; muitas políticas são formuladas sem que tenha sido dada a atenção

necessária ao modo pelo qual forças poderosas, particularmente, as forças

econômicas, poderão impossibilitar a sua implementação.

Recorde-se, a propósito, a posição de Crozier (1981), para quem toda

dominação consiste na busca de uma estratégia essencialmente semelhante, qual

seja a máxima liberdade de manobra ao dominante e as restrições mais estritas

possíveis à liberdade de decisão do dominado. Tal consideração, à luz das

especificidades das políticas públicas, permite verificar a habitual estratégia

governamental no campo das políticas públicas - máxima discricionariedade movida

por todas as possibilidades no planejamento, somada a ampla mobilidade

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orçamentária e a desconsideração das normas definidoras de políticas públicas -,

que, embora alimentada pela omissão parlamentar (DIAS, 2010), tem sido, em

alguma medida e vulnerável a inúmeros efeitos perversos marginais,

contrabalançada pela ação de Ministério Público e Judiciário, que intervêm

judicializando a política.

Examinando modelos de políticas públicas, Franco explana sobre

determinadas tensões entre tipos dominante e emergente, em apreciação que

concorre para a compreensão dos dilemas de concretização vividos pelo direito das

políticas públicas (FRANCO 1996). Consoante esse autor, duas disputas são

travadas no campo da institucionalidade, entre exclusividade da ação burocrática e

pluralidade de agentes sociais a participar, e entre centralismo e descentralização.

No processo decisório, entre o atendimento a procedimentos e uma lógica de ação

por projetos, com uma disputa entre um enfoque de meios e outro de fins. No

financiamento, entre fonte estatal e cofinanciamento, e entre fomento estatal à oferta

ou à demanda, dividindo-se a postura quanto a indicadores entre montante da

despesa pública e relação entre custo e benefício social. No campo das finalidades e

do estabelecimento de prioridades, entre universalismo da oferta e universalidade da

satisfação, entre ampliação progressiva do bem estar e prioridade para os mais

necessitados, entre atendimento a classes médias e interesses organizados e

grupos pobres e excluídos (FRANCO, 1996, p. 5-16). As consequências são

expostas pelo autor:

“En consecuencia, la postergación de políticas sociales que expandan la posibilidad de ampliar el capital humano ya no es sólo una falta a la ética, sino un error económico, que priva a la sociedad de recursos calificados y flexibles para adaptarse a la veloz incorporación de progreso técnico en los procesos productivos. La política social se vuelve así un prerrequisito tanto de la economía como de la política. Pero esa función debe llevarse a cabo en una situación de escasez de recursos y de limitaciones derivadas de la competencia. Por ello es tan importante analizar las posibilidades de reformar y explorar nuevas alternativas de política social” (FRANCO, 1996).

Note-se, entre as dicotomias enunciadas por Franco (1996), um relevante

instrumento de análise para o direito das políticas públicas, especialmente na parte

que tocam opções que decorrem de possibilidades de concretização normativa

enviesadas pela incapacidade de se estabelecer uma macrovisão sobre as políticas.

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6.5. Democracia, cidadania e políticas públicas

Políticas públicas no Estado democrático de direito implica um eixo de análise

que abranja a questão da democracia associada à da cidadania e ao problema da

exclusão social. Implica assumir que a ampliação do tradicional modelo de

democracia, em especial na sua versão brasileira, é imperativa para a afirmação de

um sistema jurídico que opere de forma adequada e responda eficazmente às

demandas geradas pela introdução em seus domínios de um direito das políticas

públicas. Cumpre, assim, delinear alguns contornos dessas questões.

Recorde-se, com Beck (2010, p. 38), que na modernidade reflexiva abre-se a

perspectiva de reinvenção da política, com um Estado em mudança, não apenas

mediante estruturas que refletem adaptativa diferenciação orgânica para o

desempenho de suas funções (CORREIA, 2001, p. 13), mas mediante o

redimensionamento das instâncias de realização da democracia, reconhecendo-se

os limites do modelo representativo que, desde Burke (1982), procura afirmar o

dever de o parlamento agir em benefício e em nome do interesse geral, sob a

premissa de que o parlamentar deve representar e se reportar a toda a sociedade e

não apenas com às comunidades parciais que o elegem (MANIN, PRZEWORSKI e

STOKES, 2006, p. 116).

A representação democrática, já em Madison (2001)71, obrigaria o mandatário

a atuar em defesa do representado, a sociedade, acima do autoritarismo das

facções e das bases eleitorais, em vista da realização do bem comum (LAVALLE,

HOUTZAGER e CSTELLO, 2006, p. 54 e 58), o que justifica um modelo fundado em

controles e responsabilização (PITKIN, 1967, p. 209), especialmente o voto

(LAVALLE, HOUTZAGER e CSTELLO, 2006, p. 61-62).

O Estado democrático de direito procura ampliar essa noção importante,

porém, restrita de democracia, ancorando-se, ainda, na ampliação do princípio

democrático, a começar pelo reconhecimento de direitos de cidadania e pela adoção

de instrumentos de democracia participativa. Nesse contexto alguns itens

apresentam-se de forma saliente, entre os quais a afirmação universalizada de um

conjunto de direitos fundamentais, o regramento da produção legislativa e a adoção

do princípio da soberania popular (CANOTILHO, 1998, p. 94), consignando-se,

71 Ver especialmente o Artigo n.º 10.

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ainda, condições poliárquicas (DAHL, 1990) que permitam fixar a indeterminação

desejável nas democracias, isto é, a possibilidade permanente de a vontade pública

se deslocar de posição (PRZEWORSKI, 1991, p. 173).

Perceba-se que essa a ambição democrática está concatenada com uma

sociedade complexa e especializada funcionalmente (LUHMANN, 2001), que

demanda meios eficazes para solucionar seus conflitos, por coerção ou consenso

(RUA, 2001). A democracia, como o sistema jurídico que a tangencia, é uma “aposta

institucionalizada”, que envolve, de maneira especial, um tipo de limitação sobre o

Estado e os governantes, que consiste na programação, em documentos

normativos, dos quais o mais importante é a Constituição, de suas possibilidades de

atuação, servindo, ainda, para aferição da efetividade do sistema legal

(O’DONNELL, 1999), eis que em um Estado democrático de direito democracia é

poder, mas é manejada pelo sistema do direito.

Entre as reflexões sobre democracia vinculada a cidadania, cabe indigitar a

posição de Santos, que diferencia, entre as manifestações do Estado e da

sociedade, as de baixa intensidade, desenvolvidas pelas elites, e as de alta, que

geram movimentos sociais de baixo para cima (SANTOS, 2008).

Em Laclau e Mouffe (1987) se verifica a defesa da democracia radical,

desenvolvida nos marcos do pós-marxismo, que alia a crítica marxista do capitalismo

à crítica filosófica, especialmente de Wittgenstein e de Heidegger. Os autores

rechaçam o essencialismo da ortodoxia marxista para assimilar o papel da

linguagem na estruturação das relações sociais, e substituir a categoria de “sujeito”

na constituição de identidades coletivas pela percepção de sujeitos descentrados,

constituídos por unidades relativas e debilmente integradas na forma de uma

pluralidade de “posições de sujeito” (LACLAU e MOUFFE, 1987). Sublinhando a

importância do contexto social, percebem a generalização de fenômenos de

desenvolvimento descontínuo e desequilibrado no capitalismo tardio, e reconhecem

a noção de hegemonia como lógica orientadora de um projeto de recomposição do

social, partindo de um contexto de fragmentação e dispersão (LACLAU e MOUFFE,

1987). Assumem, em conclusão, a idéia de democracia radical, como utopia social

possível no contexto da modernidade tardia. Um tal sentido de democracia envolve,

necessariamente, uma concepção reforçada de cidadania (MOUFFE, 1993b) e de

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sistema jurídico como assegurador de direitos a ela referidos, em uma acepção que

ultrapassa os termos tradicionais da relação entre indivíduo e Estado72.

No âmbito da discussão democrática, Keane (1984) critica a burocratização e

a estatalização das sociedades e, em contrapartida, realça as dimensões da

democracia e da sociedade civil, já que assimila democracia como descentralização

do poder decisório e pluralidade de esferas públicas (KEANE, 1984). Harvey (1992),

no mesmo passo em que crítica o Estado, redefine as perspectivas de

reestruturação social exatamente em função do Estado. Na crítica de autores desse

naipe se percebe o dilema do Estado na democracia, cuja resolução passa pela

porosidade de suas estruturas à participação, a envolver compartilhamento de ações

e de agenda (RUA, 2001, p. 5-6 e 9-10), mas também aspectos da noção de

dignidade humana (BAUMAN, 1999), em parte vinculados a fenômenos como a

progressividade das políticas sociais, exemplificada pela experiência brasileira pós

1988 (RAMOS, 2001, p. 189 e ss.), na qual parcelas mais pobres da população têm

se beneficiado das políticas públicas ligadas ao bem estar social (PNAD, 1998,

IPEA...). Trata-se de cidadania e democracia em relação interdependente, no mais

das vezes juridicizada, podendo-se afirmar, por exemplo, uma correlação entre as

dimensões da cidadania na obra de Marshall (1967) e as sucessivas ondas de

direitos (VASAK, 1967), a vincular o jurídico à cidadania.

Na obra seminal de Marshall pode-se perceber a cidadania repartida em três

dimensões distintas e complementares entre si, quais sejam a civil, a política e a

social. Tais dimensões são pelo autor compreendidas no contexto da modernidade

ocidental, mais especificamente britânica, na qual são consagrados, desde fins do

século XVII e até o século XX, sucessivamente, os direitos civis, políticos e sociais.

Os primeiros absorvem a perspectiva da liberdade individual e da igualdade formal.

Os políticos se referem à possibilidade de participação nos negócios do governo,

direta ou indiretamente. E com os direitos sociais, ancorados em uma concepção

alargada de justiça, cuida-se de oferecer a todos, indistintamente, um padrão de

bem-estar razoável, segundo o ponto de vista prevalecente na sociedade

(MARSHALL, 1967).

Essas três dimensões da cidadania se sucederão mediante um

desenvolvimento progressivo, linear e logicamente encadeado, que Marshall (1967)

72 Ver, por exemplo, em Jellinek (2002, p. 245).

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evidencia. Conforme sua narrativa, em dado contexto foi possível o reconhecimento

dos direitos civis, produzindo um ambiente no qual homens livres e iguais em

interação conduziram-se à reivindicação de direitos políticos. Liberdade individual,

igualdade jurídica e participação política geraram, por seu turno, um movimento na

direção de assegurar a todos um patamar adequado de dignidade e de bem-estar,

sem o qual ficariam comprometidos os direitos precedentes. Observa-se que, na

análise de Marshall, contextualizada sobre a experiência da Grã-Bretanha, sobressai

o impulso dos direitos civis para a construção de uma sociedade político-jurídica

mais igualitária (VIEIRA, 1997).

Exatamente por ser fixada em um contexto determinado e peculiar, a obra de

Marshall oferece dificuldades de transposição (DIAS, 2007). É que poucos povos

alcançaram os direitos de cidadania segundo a matriz marshalliana. A experiência

do Brasil, quando confrontada com o esquema do autor, revela um percurso

absolutamente distinto daquele traçado pelo citado pensador (CARVALHO, 2004, p.

219), o que dificulta o exame do caso brasileiro pela lente de Marshall,

especialmente, considerando sua relação com a concretização do direito das

políticas públicas como possibilidade de geração de direitos de cidadania.

Origem de amplo debate, a concepção de cidadania de Marshall tem sido

visitada por diversos autores, que apontam questões deixadas em aberto ou

tratadas de maneira equivocada pelo autor. Entre esses diálogos, destaca-se o foco

sobre a relação entre a cidadania social e o sistema de classes capitalista,

desenvolvido por Mishra (1983), que avalia as contradições entre políticas estatais

de tendência igualitária colocadas sobre um sistema econômico que se assenta na

desigualdade. A crença de Marshall em uma tensão rumo à igualdade como principal

característica da cidadania implica haver uma harmonia político-social a possibilitar a

emergência, no plano jurídico, das distintas dimensões da cidadania.

Giddens (1987; 1994b) assinala, em sua reflexão sobre o tema, a questão

das lutas e reivindicações por direitos. Segundo ele, somente edificaram-se direitos

civis, políticos e sociais à custa da ação, organizada ou não, de expressivos

segmentos sociais. Verifica-se, então, um potencial de conflito permanente em uma

sociedade jungida pelas inconciliáveis lógicas do sistema capitalista e da cidadania

(ZOLO, 1994, p. 39). Os direitos à liberdade e, seu corolário, à propriedade, estão

postados em oposição à busca da igualdade substantiva. Por isso, aliás, é que Zolo

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(1994) critica a perspectiva de Rawls, que tenta, sob bases contratualistas, conciliar

igualdade e liberdade em uma sociedade democrática.

Roberts (1997) se refere, noutra vertente, à tensão entre as três dimensões

da cidadania, ao contrário do desenvolvimento harmônico relatado por Marshall.

Vinculadas a diferentes tradições (O’DONNELL, 1998b), essas dimensões, por

vezes, concorrem entre si, especialmente os direitos civis e os sociais, que envolvem

uma contradição aparente entre liberdade e igualdade. Mishra (1983, p. 29-30),

neste ponto, afirma que a discussão da cidadania social deve ser balizada pela

lógica do conflito e da tensão, na medida em que se refere à distribuição de recursos

da sociedade. Estabelece o autor uma diferença entre os direitos sociais e os civis e

políticos, já que estes carecem apenas de regulação e aqueles da materialização de

políticas públicas.

Modelos de cidadania são contingentes e que seu conteúdo não pode ser

dado senão a partir de relações sociais concretas, razão pela qual deve ser

manejada como conceito aberto e de conteúdo principiológico, produto de conflitos

que acontecem em determinados ambientes sociais e sob perspectivas teóricas e

políticas peculiares. E, assim sendo, só pode ser definida em termos relacionais e

contingentes.

Observe-se, em um esforço para recompor a idéia de cidadania em bases

atualizadas, que Zolo (1994, p. 4-5) afirma se tratar de um conceito que, reelaborado

à luz do vazio teórico e político acarretado pelo eclipse da utopia comunista, tem

ocupado lugar central no debate democrático contemporâneo, abrangendo três vias

principais, quais sejam uma relacionada ao funcionamento efetivo das instituições

democráticas presentes no setor público, outra associada à garantia dos direitos

subjetivos universalizados em um ambiente de formação e consolidação de

identidades coletivas e uma terceira tematizando a tutela dos direitos subjetivos em

face das questões postas pela globalização e pelas relações entre etnias e minorias

sociais. Além disso, o autor enfatiza que a cidadania deve ser vista em termos de

efetividade, salientando o problema da aparência e do formalismo, que é marcante

no caso do Brasil (ZOLO, 1994).

Carvalho (2004, p. 225-228) ressalta os desafios da cidadania em face de

possibilidades de ampliação do espaço público, de complicações advindas do

cenário internacional mundializado da cultura do consumismo que concorre com a

da cidadania. Held (1987), analogamente, indica a necessidade de utilização de um

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conceito ampliado de cidadania, a envolver questões como as decorrentes do

reconhecimento dos direitos difusos ou relacionados às novas tecnologias. Não por

acaso Mishra (1983, p. 36-37) enfatiza as possibilidades diversificadas de conteúdo

que o termo encerra.

Um significado contemporâneo de cidadania no Estado democrático de direito

deve ser perpassado por forte conteúdo republicano (ZOLO, 1994, p. 18), o que

implica ênfase nos direitos políticos e no desenvolvimento de instâncias mediadoras,

no direito e na política, como sugerem, respectivamente, Bobbio (1992) e Ladriere

(1979). Walzer (2003), em uma perspectiva de republicanismo cívico, enfatiza a idéia

de necessidade de envolvimento do cidadão nos negócios públicos para a

configuração da cidadania.

Observa-se que a discussão acerca da cidadania implica incorporar a questão

da tensão e do conflito, que se apresentam externa73 e internamente74, e, com isso,

reconhecer e lidar com o risco. Cumpre assinalar, ainda, a dinâmica da cidadania

associada à da exclusão que marca a trajetória da sociedade brasileira, a partir da

constatação de que o crescimento do rol de políticas públicas sob o Estado Social

não significou, entretanto, uma situação de apropriação homogênea de direitos, já

que apesar do generalizante dos direitos de cidadania social, sua concretização é

variável (DULCI, 1997, p. 9), evidenciando, outrossim, a hipótese de que, mesmo

com a universalização de direitos constante de texto normativo, aplica-se de forma

extraviada alguma estratégia de seletividade (DULCI, 1997, p. 13).

Os rumos da cidadania no Brasil têm sido discutidos em inúmeros trabalhos

que procuram situar seu estágio de desenvolvimento no país, sobre bases que

incorporam nosso processo histórico (DIAS, 2007). É o caso de Wanderley

Guilherme dos Santos (1994a), que sob o conceito de “cidadania regulada”, envida

esforços para explicar que o aparecimento de direitos de cidadania no Brasil

obedece não à universalização de valores e direitos, mas à lógica de um sistema

social estratificado, no qual os direitos são direcionados pelo Estado de forma

seletiva, não jurídica, com o fim de mediar o conflito social e fomentar o sistema

econômico. Essa prática compromete, por exemplo, a concretização da cidadania

sob as bases formuladas na Constituição de 1988, já que são mantidos cidadãos de

73 Conflito diante do sistema capitalista e seu conjunto de mecanismos e de valores indutores da desigualdade. 74 Conflito entre as dimensões civil, política e social da cidadania.

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segunda categoria, que ao contrário dos de primeira classe, remanescem

dependentes do favor estatal particularizado, que não incorporam direitos, mas ficam

sob o rigor da lei, muitas vezes sobre a massa de não-cidadãos, excluídos dos

direitos de cidadania (CARVALHO, 2004, p. 221 e ss.).

Observe-se que não houve, no Brasil, a sucessão de direitos vislumbrada por

Marshall, pois sobressaem os fracos vínculos horizontais presentes na sociedade,

que exigem um Estado presente, o qual, historicamente, menos que assegurar

direitos, regula a sua distribuição, desconhecendo, via de regra, as relações

necessárias entre as dimensões civil, política e social da cidadania, em que pese

suas nuanças e sua diversidade (ROBERTS, 1997, p. 5 e 12). Com efeito, o trajeto

da cidadania no Brasil é perpassado por certos fenômenos, tais como uma

dissonância entre cidadania formal e cidadania efetiva, avanços e retrocessos em

determinados períodos históricos, em um movimento marcado por alto desnível

entre os diversos segmentos sociais, compostos por cidadãos supostamente iguais.

Santos relata que a idéia de cidadania no Brasil remonta à origem imperial,

mas, afora componentes meramente formais, somente começa a vingar após a

Revolução de 1930, nos termos da mencionada “cidadania regulada” (SANTOS,

Wanderley, 1994a). Conforme o autor, o sistema surgido na Era Vargas pode ser

visto como “um bem coletivo produzido via setor público” (SANTOS, Wanderley,

1994b, p. 23), na medida em que favoreceu a organização da classe trabalhadora,

ou de parcela dela, por meio de regulação do trabalho e do sindicalismo e de

mecanismos de proteção social. Note-se, contudo, que tal sistema, a par de

introduzir uma idéia de cidadania, de relações horizontalizadas e comandadas pelo

direito, deixou um legado sob o qual as relações de poder na sociedade ainda

requeriam instrumentos de mediação vertical, fruto de um processo histórico no qual

a relação de direito foi introduzida sobre uma anterior e sólida relação de favor e de

dependência (WEFFORT, 1978, p. 73).

Há, com efeito, uma fundamental discrepância entre o modelo de construção

da cidadania nas sociedades centrais da modernidade ocidental e os caminhos da

cidadania no Brasil, eis que o aparecimento dos direitos sociais ocorreu em um

ambiente despido de direitos civis e políticos. Esse fenômeno aliado à tradição de

“cidadania regulada” conforma um risco com o qual temos convivido ao longo de

nossa história constitucional, o qual consiste na possibilidade de manutenção de

padrões de cidadania estratificada e fragmentada, mediante regras e procedimentos

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formalmente diversos, com eventual substituição de atores sociais, mas com efeitos

análogos aos das antigas instituições75. Embora se reconheça uma significativa

variação entre os modelos de Estado de bem-estar (DRAIBE, 1990, p. 4), assim

como sua complexidade adicional nos marcos do Estado democrático de direito,

percebe-se, na especificidade histórico-social do Brasil, a implementação, em

distintos momentos, de direitos de cidadania sob a forma das tipologias residual,

particularista corporativo, particularista clientelista e redistributivo (DRAIBE, 1990, p.

6).

A problemática engendrada pelo direito das políticas públicas, tal como

projetado a partir da Constituição de 1988, que consolida e amplia a idéia de um

estado de bem-estar no Brasil (SPOSATI, 1995), implica intervir na experiência

histórica brasileira em sentido contrafactual, comprometido com a redução das

desigualdades e com a extinção da pobreza e da marginalidade, mediante o

reconhecimento de direitos civis, políticos e sociais como direitos fundamentais, e o

desenvolvimento de políticas públicas juridicamente reguladas.

Observe-se, todavia, que a persistência de significativo contingente de

excluídos e de cidadãos de segunda classe torna estruturalmente árdua e complexa

a construção democrática, já que os influxos comunicativos produzidos por esses

sub-cidadãos de segunda e terceira categoria não se fazem sentir juntos às elites,

que permanecem impermeáveis, na maioria das vezes (CARVALHO, 2004, p. 225).

Impõe-se, assim, uma discussão mais clara sobre o problema da exclusão social, já

que, provavelmente, o sentido mais importante de se discutir a juridicidade das

políticas públicas é a possibilidade de afirmar direitos a elas relacionados como

estratégia de inclusão.

A pobreza e a exclusão social são fenômenos que crescem de modo especial

no capitalismo periférico e têm recebido, nas últimas décadas, renovada atenção,

tanto por parte de estudiosos quanto das instituições, estatais ou não, que são

incumbidas de lidar com a questão (ESCOREL, 1999).

Viu-se, ao longo do século XX, a institucionalização de políticas sociais gerais

e especiais, destinadas a atacar situações variadas nas quais a população fica

exposta a risco. Entre essas políticas pode-se observar desde aquelas relacionadas

75 Observe-se, por exemplo, que o judiciário e o ministério público, após 1988, têm se credenciado para cumprir esse papel (VIEIRA, 1997) adotando um padrão de intervenção que pode reduzir as possibilidades de a cidadania se realizar consoante processos participativos com ampliação do espaço público. Ver, a propósito, em VIANNA (1999).

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à oferta generalizada de serviços públicos relativos a educação, saúde e

previdência, até as especificamente formuladas e aplicadas em função de

debilidades peculiares encontradas em certos grupos populacionais (OLIVEIRA,

1997). Percebeu-se, então, que camadas sociais diferentes absorvem diversamente

os benefícios advindos das políticas sociais, com melhor aproveitamento ocorrendo

nos setores mais favorecidos, o que impõe a necessidade de um modelo de

atendimento diferenciado para os grupos social e economicamente mais

vulnerabilizados.

No mesmo período assistimos, também, ao crescimento simultâneo de uma

percepção mais aguda acerca da conformação e dinâmica das questões sociais e da

necessidade e alcance das políticas a elas relacionadas, e de um refinamento nas

técnicas de análise desses fenômenos (ESCOREL, 1999).

Observou-se, ainda, nesse mesmo tempo, que benefícios sociais derivados

do crescimento econômico não se espraiaram igualmente por todas as camadas

sociais (RACZYNSKI, 1999). Mormente nos países subdesenvolvidos, com tardia

incursão no capitalismo industrial, verificou-se o agravamento das situações de

miséria, pobreza e desigualdades sociais, mesmo em momentos de pujante

crescimento da economia, com a possível exceção nesta última década, ainda

passível de mais estudos.

A soma de todos esses aspectos, os quais possuem inúmeras nuanças, tem

exigido não apenas atitude mais vigorosa diante dos problemas sociais mais

sensíveis, como os referentes à pobreza, à exclusão social e às desigualdades, mas

um significativo esforço teórico na busca, por um lado, de maior rigor científico e

precisão conceitual em temática tão complexa e matizada, e, por outro, de

alternativas para o aperfeiçoamento das políticas sociais que são empregadas em

ambientes marcados por essas formas extremas de iniqüidade social (OLIVEIRA,

1997).

Autores como Escorel (1999) e Oliveira (1997), a par dos ângulos concretos

que abordam, se dedicam a traçar um conceito sociológico de “exclusão social”, apto

à utilização pelo direito. Cuidam, também, da metodologia de análise do fenômeno

“exclusão social” (ESCOREL, 1999), conforme suas manifestações materiais, bem

como da forma mediante a qual ocorre a introdução do tema perante a sociedade, e

da formulação e execução de políticas públicas apontadas para a redução ou

extinção da exclusão, para a “inclusão dos excluídos”.

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Raczynski (1999), semelhantemente, aborda a trajetória percorrida pelas

políticas sociais no último século, destacando três modelos distintos historicamente

hegemônicos na esfera das políticas sociais realizadas para e na América Latina,

tanto quanto enfoca aspectos conceituais da pobreza, evidenciando suas múltiplas

dimensões. A autora estabelece uma perspectiva histórica a partir de modelos de

políticas públicas e, nesse diapasão, firma suas observações teóricas (RACZYNSKI,

1999).

Cumpre salientar que a questão central em matéria de exclusão social,

qualquer que seja a abordagem assumida pelo autor, se refere à condição do

fenômeno no capitalismo periférico. Situações típicas de exclusão social, associadas

às representações sociais ou às políticas públicas que sobre elas incidem, são

objeto de políticas sociais, com resultados, por vezes, duvidosos, em especial em

função de sua juridicidade, isto é, de sua concretização normativa em termos de

apropriação de direitos pelos cidadãos.

Raczynski (1999), significativamente, discute alternativas para o

enfrentamento à pobreza mediante o exame de possibilidades em termos de

modelos de políticas de proteção social. Para tanto, procede a análise crítica dos

modelos que denomina “velho modelo”, “modelo neoliberal” e “modelo emergente”.

Neste último caberia, segundo sua compreensão, a formulação de políticas de

enfrentamento da pobreza conectadas com as estratégias de desenvolvimento, com

uma definição relativa ao papel do Estado em um contexto de economia de mercado

e democracia política, e com as possibilidades e limites decorrentes da inter-relação

entre políticas econômicas e sociais (RACZYNSKI, 1999).

Para isso, haveria que se dimensionar adequadamente as diversas feições da

pobreza, nas quais se inclui a exclusão social, cujo tratamento seria realizado por

intermédio do cruzamento de programas gerais associados a programas e ações

tópicas (RACZYNSKI, 1999). A citada autora realça, ainda, a insuficiência dos

parâmetros exclusivamente econômicos para mensuração da pobreza, dado, aliás,

reconhecido por Escorel (1999) e Oliveira (1997), e acentua, enfim, para a

necessidade da aplicação de programas que possam combater os fatores que

produzem ou facilitam a proliferação da pobreza.

Oliveira (1997) indaga sobre a existência dos excluídos. Já não fala de

pobres, mas de indivíduos reduzidos à ação de preservação biológica, apartados

que estão do exercício das potencialidades da condição humana, conforme a

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tipologia de Hannah Arendt, utilizada por Escorel (1999). Aduz, nesse contexto, o

risco de uma assimilação dualista da exclusão social pela sociedade, que terminará

por se organizar em torno de uma relação permanente entre incluídos e excluídos

(OLIVEIRA, 1997). O autor, como Escorel (1999) e outros, tem a pretensão comum

de construção epistemológica, mediante a qual, sob pressupostos relacionais, poder-

se-á fundar e dar sentido ao conceito de exclusão social. Por caminhos diversos,

ambos atingem ponto semelhante, segundo o qual a exclusão será a vedação a que

indivíduos ou grupos possam desfrutar de “um modo de viver humano” (OLIVEIRA,

1997). Há, pois, uma sucessão de rupturas sociais que se materializam tragicamente

na vida de cada excluído, desligando-o de atributos humanos como o trabalho, a

cultura e a política. O excluído é, então, um sujeito sem lugar no mundo (ESCOREL,

1999).

A análise de relações entre desigualdade, pobreza e exclusão, revela a

importância de se evidenciar as diferentes dimensões da pobreza e sua

representação social, bem como a complexidade instalada em contextos nos quais

as discussões sobre direitos não chegam àqueles que mais deles precisam. Não por

acaso, tanto quanto a dinâmica do favor nas relações sociais, na judicialização da

política casos exemplares registram a condição do excluído, alijado das contendas

judiciais nas quais sujeitos individuais, à revelia da sociedade, lutam contra o Estado

por direitos subjetivos cuja apropriação individual resultará no reforço de sua

exclusão.

Escorel (1999) distingue, a propósito, os conceitos de marginalidade e de

“underclass”, demarcando fronteiras entre esses termos e a expressão exclusão

social. Ao final, tem-se uma análise acurada do vocábulo exclusão social, desde

suas origens, passando por modelos e teorias propostos, a qual resultará em uma

proposta conceitual e metodológica que, como já assinalado, afirma o primado dos

valores humanos na conceituação da exclusão social, que é vista como privação de

um lugar social, qualquer que seja ele, e não só de meios materiais para viver, o que

limita o viver ao ato de sobreviver.

Também com alicerce em Arendt, Oliveira (1997) ruma a um conceito de

exclusão que se edifica sobre a constatação da ausência de pertencimento a algum

lugar social. A este dado o autor adiciona uma preocupação que se apresenta no

plano da representação social da exclusão e que pode mesmo transformar a

natureza da sociedade que estamos, no Brasil, construindo. Trata-se do risco de se

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conceituar, sob pressupostos de unidade ou dualidade estrutural, a exclusão social

como componente jungido à realidade social e carecedor de um olhar dirigido por

imperativos éticos e por um projeto político democrático e humanista (OLIVEIRA,

1997).

A reflexão sobre a necessidade de se empreender a descrições da exclusão

social, como das demais dimensões da pobreza, a partir de perspectivas próprias

das sociedades democráticas contemporâneas, importa tanto quanto a precisão

conceitual e metodológica dela decorrente (RACZYNSKI, 1999), para fins não só de

reconhecer o fenômeno, mas de desenvolver políticas públicas adequadas a seu

combate, munidas de uma juridicidade efetiva em suas múltiplas dimensões.

Em um contexto no qual o Estado é chamado a cumprir um papel na

prestação de bens sociais (BOBBIO, 1994), especialmente, se comprometendo com

a materialização de políticas públicas tendentes à realização de direitos

fundamentais (NOBRE JR. 2006, p. 1248), ainda que reconhecidos limites de

atuação (CEVA-MAY, 2003, p. 69), cabe enfatizar a importância de um direito das

políticas públicas íntegro, como experiência de direitos universalizáveis sobre uma

base jurídica complexa.

Juridicizar políticas públicas implica adotar uma fórmula de lidar com a

contingência no campo da ação governamental, de definir limites entre o que é

necessário - administrativamente vinculado - e o que é ilícito. Sai-se de um

‘imperativo político’, decidido segundo o código do poder, para se tentar ordenar

possibilidades de ação, conforme o direito, ou antes, passando por um momento de

acoplamento estrutural. Necessidade de estruturas simbólicas diretivas de

comunicação, para responder aos níveis novos de combinação de expectativas e

operatividade estrutural dos sistemas (LUHMANN, 1996a). Com a codificação o

sistema pode desenvolver programas de ação coerentes com sua posição-

diferenciação funcional (LUHMANN, 1993c).

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7. QUESTÕES JURÍDICO-METODOLÓGICAS

7.1. Introdução

Em que pese a adoção de um referencial teórico geral, determinadas

questões relacionadas ao direito remanescem, na medida em que são fundamentais

para a compreensão de tópicos específicos do trabalho, no direito das políticas

públicas. Referem-se ao método jurídico, no qual determinados fundamentos da

linha de investigação adotada serão explicitados, e incidem sobre pontos

específicos, entre os quais as noções de juridicidade e de norma, os problemas,

relacionados, da decisão jurídica, da discricionariedade e da consistência

argumentativa, assim como o papel dos princípios na ordem jurídica e a dicotomia

entre direito objetivo e direito subjetivo em um cenário de relações jurídicas

complexas.

Note-se que a discussão desse temas, além de conferir certa unidade de

vocabulário ao trabalho, prepara certas problematizações, que ocorrerão sobre

pontos específicos da juridicidade das políticas públicas no direito brasileiro. Assim,

por exemplo, é que a abordagem acerca de princípios jurídicos aplicáveis á matéria,

de âmbito da decisão jurídica, ou de reconhecimento de direitos subjetivos, que se

realizará na segunda parte desta tese, fica vinculada à discussão prévia

empreendida nesse capítulo.

O capítulo se organiza a iniciar por um enfoque introdutório do método em

face do referencial teórico adotado, nomeadamente as implicações do pragmatismo

e da sociologia jurídica sobre a linha de pesquisa jurídica adotada (CASTANHEIRA

NEVES, 1993). Avalia-se o impacto dessa opção metódica sobre o trabalho, e,

explorando o direito com lente pragmatista, pode-se antever possibilidades e limites

no trato da matéria examinada (AROSO LINHARES, 2007).

Cabe assinalar que, entre as implicações dessa base epistemológica fixada

no método jurídico, está a perspectiva de um direito como possibilidade de narrativas

alternativas em um horizonte contingente. Um direito que se assenta em

determinadas condições de linguagem e, no plano social, encontra sentido em uma

certa funcionalidade, atrelada a certas concepções de vida em sociedade que

orientarão escolhas em casos concretos. Estima-se a possibilidade e necessidade

dessas narrativas, em vista de uma melhor vida em sociedade, tendo no direito

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orientação e horizonte utópico. Note-se, nos vocabulários utilizáveis pelo direito, a

fixação de certos paradigmas, que fundamentam possibilidades de uso e

argumentação, os quais, tanto quanto possível, serão tomados na presente tese em

seu sentido consagrado, conquanto passíveis de provocar resultados diversos dos

ordinariamente esperados. Não se pretende, portanto, a fundação de um novo

paradigma para a compreensão de políticas públicas ou do direito administrativo76,

pelo contrário. A alusão a termos como juridicidade, discricionariedade, regime

jurídico administrativo, não obedecerá nem a uma postura canônica, em sentido

estrito, nem a uma posição iconoclasta (LEVINSON e BALKIN, 2000, p. 400 e ss.).

Repise-se, este trabalho assume um diálogo com a tradição, notadamente com

aquelas vertentes que se vinculam a um direito de Estado, o constitucionalismo e o

direito administrativo. Essa posição dialógica não implica, contudo, a adoção de

métodos de trabalho tradicionais, de cunho positivista ou jusnaturalista, por exemplo.

Tampouco resulta desconsiderar a complexidade do contexto hodierno.

Contrariamente, é no campo das relações sociais a que se dirige o direito, nas quais

reside o direito como normatividade social efetiva, que as peculiaridades do trabalho

aparecem, fornecendo, talvez, algum olhar significativo para o direito das políticas

públicas.

Consigne-se, ademais, a impossibilidade de se realizar uma discussão ampla

sobre o método jurídico, cuja abordagem fica circunscrita ao balizamento necessário

ao desenvolvimento do presente trabalho. Registre-se, todavia, que a visão de

método jurídica esposada nesse capítulo é tributária de alguns autores em especial,

além daqueles designados nos capítulos em que fundamentos filosóficos e

sociológicos foram desenvolvidos. O uso de aspectos da obra desses autores não

implica, contudo, uma adesão geral a seu pensamento.

O problema da juridicidade é levantado, para fins de posterior exame de

hipóteses determinadas. Explanar-se-á uma compreensão básica acerca do que se

pode afirmar com referência a juridicidade, enfatizando a possibilidade de

reconhecimento, segundo a linguagem própria do direito, de situações passíveis de

serem taxadas como jurídicas ou não-jurídicas (LUHMANN, 2005), assim como a

possibilidade de mudança em face de contextos novos e rupturas com vocabulários

antigos, a formar, eventualmente, novas opções discursivas (LEVINSON e BALKIN,

76 Ver, a propósito, em Bucci (2002).

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1998). Prevalecerá uma noção de juridicidade como sentido de um direito

diferenciado socialmente e linguagem que se especifica para dar conta dessa função

social.

A consistência argumentativa (MAGALHÃES, 2002) é outra questão que se

impõe, a reger eventuais confrontos de narrativas em torno das possibilidades que o

uso do conceito de juridicidade encerra. Perceba-se que, consoante os fundamentos

teóricos esposados neste trabalho, consistência narrativa envolverá análise dos

argumentos jurídicos conforme lhes possa atribuir conformidade ou não com o

código do sistema jurídico, mas, igualmente, suas consequências no plano social.

Não se trata de mera consistência semântica, mas de reconhecer que possibilidades

contingentes, a envolver alternativas, não se resolvem nem no exame de textos,

nem na decisão, senão na análise de consistência da decisão normativa (MÜLLER,

2000), ela própria passível de análise. A impossibilidade de certeza e verdade não

permite a fixação de um único ponto arquimediano (RORTY, 2007, p. 927), mas

envolve a necessidade do encadeamento dessas decisões e narrativas de suporte

(justificação), e é esse envolvimento, que conduz, inclusive, múltiplas negociações

espaço-temporais, a possibilitar que se avalie a consistência de decisões jurídicas.

As decisões jurídicas, frise-se, deverão ser avaliadas no bojo de uma

concepção de direito como sistema social. Consistência e funcionalidade se atrelam,

assim como a temática do risco, especialmente de corrupção sistêmica e

juridicização simbólica. Além disso, as decisões jurídicas poderão ser examinadas

na perspectiva da dupla contingência e da dinâmica entre exclusão e inclusão nas

relações do sistema jurídico.

A posição da norma no sistema jurídico é outra questão importante, já que a

afirmação de um direito das políticas públicas se traduz em forma normativa. Entre

outros aspectos, serão observados a norma jurídica na modernidade e seu sentido

imanente a necessidades sociais, bem como a tendência moderna à positivação da

norma em texto escrito com chancela estatal. Neste ponto, contar-se-á com a

configuração dada à norma na metódica de Müller (2000), pois se trata de uma

perspectiva de análise conjugável com a base pragmatista e sistêmica adotada,

assim como se trabalhará com a distinção entre discursos jurídicos de

fundamentação e aplicação da norma (HABERMAS, 1997).

Outros pontos a serem destacados se referem a princípios, discricionariedade

e subjetivação de direitos. Eventual distinção entre princípios e regras será

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explorada para fins de discussão, na sequência, de condições para aplicação do

direito das políticas públicas. Serão apresentados problemas como a normatividade

jurídica dos princípios e o reconhecimento de princípios não expressos em texto

positivado. A discricionariedade jurídica também será abordada, como ponto de

apoio para a discussão específica da discricionariedade administrativa.

Em um contexto de alta complexidade nas relações sociais, serão

problematizadas as noções de direito objetivo e direito subjetivo e suas relações

possíveis. O problema será apresentado a partir dos debates que fomentaram sua

fundamentação doutrinária clássica, mas a tradicional dicotomia também será

averiguada a partir de sua dificuldade de aplicação em contextos complexos.

7.2. O método jurídico

A definição de uma linha de investigação condiciona os caminhos da análise

jurídica, suas possibilidades de abordagem. Tradicionalmente, se discutem, na base

de um trabalho de pesquisa, questões metodológicas e de método que previamente

estabelecem uma concepção da plataforma sobre a qual a investigação será

realizada.

Qualquer noção de método passa por sua indicação como caminho ou guia

da atividade qualificada como científica. Pearson afirma, nesse sentido, que “a

ciência não são os fatos, mas o método com que são tratados” (PEARSON, 1941, p.

12). Perceba-se diferentes possibilidades e envolver a noção de método, entre as

quais as relacionadas a certeza e verdade, teoria e prática, certeza e probabilidade,

uso e compreensibilidade.

Tem-se um sentido geral que conflui para uma noção de método como

conjunto de procedimentos técnicos e de controle de determinada disciplina. Trata-

se de conceito sob inspiração kantiana, segundo a qual o método é elaborado no

interior da disciplina científica e tem como objetivo garantir à disciplina o uso cada

vez mais eficaz das técnicas de procedimento de que dispõe.

O método trata, assim, de elaboração de conceitos e sistemas de conceitos,

permitindo, em tese, um conhecimento generalizado e abrangente. Seu

funcionamento obedece a um esquema básico que se apresenta, seqüencialmente,

compreendendo proposição, construção do modelo teórico, dedução de

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consequências particulares, e introdução das conclusões na teoria. Trata-se de um

padrão convencional, que desconhece problemas mais complexos, como a função

do paradigma nas possibilidades de linguagem da ciência, ou a improbabilidade da

representação determinada pela consciência, ou, ainda, a descoberta de verdades

certas e absolutas.

Nesse sentido é que Reale estabelece, referindo-se ao direito, que “método é

o caminho que se deve percorrer em busca da verdade, ou por outras palavras, de

um resultado exato ou rigorosamente verificado” (REALE, 1986, p. 10). Método é

tradicionalmente aceito como ordem de procedimento científico (FERRAZ JR., 1980,

p. 9-10), podendo ser descrito como um “procedimento segundo certos princípios e

conforme normas relativamente invariáveis” (DEL CAMPO, 1969, p. 271).

A idéia de método científico é estreitamente ligada à da adoção de técnicas

ou orientação de pesquisa e, conforme o pensamento científico moderno, remete a

uma idéia de descoberta (POLYA, 1978), do estabelecimento de leis gerais, da

possibilidade de conhecimento certo e verdadeiro. Pode representar tanto uma linha

de investigação, quanto um particular procedimento científico. Método é, nesse

aspecto, ordem de procedimento científico, e, em certo sentido, doutrina igualmente.

Kant (1974) definiu o método como um conjunto de procedimentos técnicos e

de controle de determinada disciplina. É elaborado no interior da disciplina científica

e tem por objetivo garantir à disciplina o uso cada vez mais eficaz das técnicas de

procedimento de que dispõem. Opondo ciências do espírito a ciências da natureza,

Kant (1974) associa a estas a idéia do fenômeno, conhecido por meio dos sentidos,

e àquelas a de númeno, cujo objeto é inteligível.

Ferraz Júnior (1980), ao discutir o método jurídico, admite, igualmente, uma

distinção fundamental entre ciências humanas e ciências naturais, percebendo em

ambas a característica explicativa. As ciências humanas seriam acrescidas,

entretanto, do elemento compreensivo, de cunho axiológico. Ferraz (1980, p. 12)

enxerga na natureza compreensiva e valorativa o traço distintivo do método jurídico.

O autor enfatiza a distinção entre método e técnica, e afirma que a disciplina

científica possui muitas técnicas e um só método. Conceitua método como “conjunto

de princípios de avaliação da evidência, cânones para julgar a adequação das

explicações propostas e critérios para selecionar hipóteses” (FERRAZ JR., 1980, p.

11). Técnica seria um “conjunto de instrumentos, variáveis conforme os objetos e

temas” (FERRAZ JR., 1980, p. 11). Percebe-se, no autor, que a validade do método

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se vincula à validade das valorações utilizadas para a compreensão científica. Não

há neutralidade axiológica, o que acarreta a possibilidade do componente ideológico

em uma metódica destituída da pretensão de neutralidade, coincidente, por

exemplo, com a posição de Feyerabend (1974, p. 35-38), segundo o qual a seleção

do método não se desvincula de condicionamentos ideológicos.

Entende-se por metodologia, a razão intencional de um método

(CASTANHEIRA NEVES, 1993, p. 9), que tem por finalidade, no caso da pesquisa

jurídica, a investigação de dado aspecto da realização do direito, cuja implicação

será a adoção de uma racionalidade, um pensamento sobre os métodos (“modus” ou

processo) mediante os quais se efetivará esse trabalho (CASTANHEIRA NEVES,

1993, p. 10). Pode-se afirmar que “metodologias são guias ‘a priori’ que programam

as investigações, ao passo que o método que se desprende ao longo do nosso

caminho será uma auxiliar da estratégia” (MORIN, 2002, p. 29). Essa afirmação, no

entanto, não deixa de ser metodológica, desde que considerada a possibilidade de

uma metodologia crítico-reflexiva (CASTANHEIRA NEVES, 1993, p. 12).

Segundo Castanheira Neves (1993), os tipos metodológicos se dividem em

prescritivo, como relação de exterioridade construtiva, sendo o método objeto da

razão que o confecciona instrumentalmente; descritivo, como imanência constitutiva,

em que a razão se atrela à experiência e o método é verificado em momento

posterior; e a reconstrução crítico-reflexiva, na qual se reconhece a racionalidade

metódica em uma prática que se assume como intencionalidade e em torno de um

certo sentido, cuja condução nem obedece a um método pré-definido, nem é

descoberta após a experiência, mas que permite um trajeto sob permanente

reflexividade em vista de uma prática. Essa, aliás, sua principal divergência, com

Dworkin (CASTANHEIRA NEVES, 2003), cujo método de trabalho no direito

centrado na interpretação (DWORKIN, 1999, p. 488) se mostra insuficiente.

Perceba-se que o Método Jurídico se vincula à teoria jurídica, e opera na

composição do pano de fundo sobre o qual a teoria, que se apresenta como

observação de segunda ordem (LUHMANN, 2007), cumprirá exigências de

consistência argumentativa, funcionalidade e consequências. Assinale-se, ademais,

que uma metódica pragmatista permite verificar no próprio método suas relações

prévias e intenções. Esse trabalho pragmático envolve os usos a que o direito se

destina e, pois, à ideologia presente nessa metódica. Cumpre reconhecer, assim, a

formação na sociedade moderna de um método jurídico baseado no cientificismo

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ocidental moderno para justificar um direito que com ele se identifica (SANTOS,

1989).

Trata-se de um direito sujeito à ideologia. Ideologia que se apresenta não

como verdade, mas como mecanismos de influenciar as crenças de um grupo

(CHAUÍ, 1981), tornando-as assimiláveis por um outro grupo, em detrimento dos

interesses desses últimos, segundo o que se possa tomar como sendo interesse nas

crenças dos dois grupos. Perceba-se que as chamadas ciências da sociedade

constituem meios para a ideologia hegemônica, influindo na definição metodológica

da investigação científica (ROBINSON, 1971, p. 1). Rechaça-se, portanto, a

possibilidade de uma teoria cientifica destituída de qualquer conteúdo político-

ideológico (SCHUMPETER, 1984, p. 884-885), nos termos admitidos, por exemplo,

em Schumpeter, segundo o qual o fato de uma teoria, dentro de uma lógica restrita,

poder ser considerada “ideologicamente neutra”, não quer dizer que diversas

condicionantes, especialmente políticas, não tivessem influenciado seu

aparecimento e aperfeiçoamento (MEEK, 1971, p. 267).

Sob a ótica das possibilidades de mudanças no sistema social, cientistas e

suas teorias se posicionam em campos delimitados e, uma busca por princípios

absolutos e estáveis tende a encobrir os “perfis históricos especiais das situações

reais” (ROBINSON, 1960, p. 14), justificando a regra posta, orientando a consciência

individual à obediência (ROBINSON, 1960, p. 13), possibilitando que, na sociedade,

“seus membros possuam sentimento comuns sobre a maneira correta de conduzir

seus negócios, expressados em ideologias” (ROBINSON, 1960, p. 4). Para

Robinson (1976, p. 473), a função da ciência social é “fornecer à sociedade um

órgão de autoconsciência”, fomentando a consciência social (ROBINSON, 1976, p.

474).

Há, em regra, uma correspondência entre a ação dos operadores do direito e

os interesses da fração hegemônica, refletindo as necessidades da classe

dominante relativas à conservação de seu “status quo” (POULANTZAS, 1975, p.

198). Utilizando-se de tipologia proposta por Gramsci, Poulantzas (1975, p. 243)

percebe relações entre estruturas econômicas, políticas e ideológicas, e estabelece

a existência de um equilíbrio instável de compromisso entre bloco hegemônico, onde

se encontra o pensamento jurídico, e o aparelho do Estado associado ao capital

monopolista, incluindo-se, ai, o Poder Judiciário e demais segmentos jurídicos

(POULANTZAS, 1975, p. 174). Em uma perspectiva contra-hegemônica, conforme

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Santos (1994, p. 33), “importante não é ver como o conhecimento representa o real,

mas conhecer o que determinado conhecimento produz na realidade; a intervenção

no real”, em uma “concepção pragmática do saber”.

Cumpre, afinal, admitir, com Müller (2005), que a metódica jurídica não

fornece ao direito um catálogo exaustivo e perfeitamente confiável de técnicas

aplicáveis, e, tampouco, um esquema sistematizado de hipóteses de trabalho

passíveis de aplicação generalizada e dotadas de canonicidade a partir de sua

sacralização no texto normativo.

Um método jurídico pragmatista, que vincule teoria a uma práxis e que

permita um olhar construtivista para o direito, encampa tanto as necessidades do

trabalho inerente ao sistema jurídico, quanto as vicissitudes contingentes a suas

operações, como a corupção ideológica do sistema. Nesse estudo assume-se uma

perspectiva que reconhece outras possíveis, e que se coloca em relação com um

determinado contexto, objetivando uma forma crítica e construtiva de trabalho, que

leva em consideração os fundamentos linguísticos do direito, mas indaga,

igualmente, quanto ao seu uso.

7.3. O direito

Da discussão sobre o método pode-se perceber a necessidade de uma

reposição do conceito de direito, de forma tal que permita a abordagem pragmatista

pretendida, o que exclui um fundamento do tipo positivista, e abrange aspectos

concretos da experiência jurídica.

No positivismo, a norma define o direito, e o traço distintivo deste é o

ordenamento (BOBBIO, 2008; KELSEN, 1985). Para Hart (2007), essa distinção está

na estruturação dos ordenamentos e sua composição por normas primárias, que

definem as fontes normativas e como elas operam, e secundárias. O direito seria

organizado em um ordenamento composto de normas dotadas de caráter prescritivo,

imperativo e coercitivo, a compor da norma. Unidade e coerência do ordenamento

jurídico estatal.

Kelsen (1998, p. 4) afirma que o direito é um sistema normativo, dotado de

normas válidas e coercitivas, que compõem um "esquema de interpretação", a

conferir sentido jurídico aos diversos atos. Estabelece, assim, um direito autônomo,

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afastado de qualquer conteúdo axiológico (KELSEN, 1985, p. 18-21), assim como

ponto de condensação da política, já que, em sua teoria, direito e Estado se fundem,

levando à afirmação de que “o Estado é aquela ordem da conduta humana que

chamamos de ordem jurídica, a ordem à qual se ajustam as ações humanas, a idéia

à qual os indivíduos adaptam sua conduta” (KELSEN, 1990, p. 190), razão pela qual

“o poder do estado é o poder organizado pelo direito positivo – é o poder do direito,

ou seja, a eficácia do direito positivo” (KELSEN, 1990, p. 192).

Engisch, de forma análoga, descreve o direito como conjunto ordenado e

harmônico. Sob influência do positivismo jurídico, afirma o “caráter legalista do

direito” (ENGISCH, 2001, p. 15), que se mostra como hipótese legal, e produção de

consequências jurídicas, repousando sua natureza na identificação do “dever ser de

certa conduta” (ENGISCH, 2001, p. 26-27 e 35). A respeito do positivismo, recorda

Hespanha o seguinte:

“Todas estas formas de positivismo têm em comum a recusa de quaisquer formas de subjetivismo ou de moralismo. O saber jurídico (agora, a ciência jurídica) deve cultivar métodos objectivos e verificáveis, do gênero dos cultivados pelas ciências duras, dela devendo ser excluídas todas as considerações valorativas (políticas, morais). Estes juízos de valor em matéria jurídica teriam, decerto, o seu lugar. Mas esse não era o da ciência jurídica, mas sim o da filosofia do direito ou da política do direito.” (HESPANHA, 2003, p. 375).

Bobbio (1995), também alicerçado em argumento positivista, atenta, contudo,

para a historicidade do direito na sociedade. Invocando Savigny, aponta a

importância de se perceber o caráter histórico do Direito, eis que, conforme a escola

histórica, “o Direito não é fruto de uma avaliação e de um cálculo racional, nascendo

imediatamente do sentimento de justiça” (BOBBIO, 1995, p. 51). Não por acaso,

Savigny é também apontado como precursor na defesa de concepções jurídicas

menos apegadas à norma (MAYNEZ, 1973, p. 348).

Verifica-se, então, que, composto por normas, o direito tem por característica

a regulamentação e direção social (DINIZ, 1996, p. 20). Mas, especificamente,

cumpre-lhe estabilizar expectativas de comportamento generalizas socialmente

(LUHMANN, 2002). Não pode, assim, ser tratado como mera forma, inerte e limitada

(VILHENA, 1996, p. 18), mas socialmente dinâmica. Merquior (1986, p. 133) assinala

que a virtude do direito é sua capacidade de “combinar mudança com permanência”.

Fundamenta-se em Levi, para quem os casos conduzem a normatividade, “porque o

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escopo de uma regra jurídica, e, portanto, o seu significado, depende da

determinação” dos fatos (LEVI, 1949, p. 1-2).

Lembra Saldanha (1992, p. 146-147), que “o Direito aparece, tanto histórica

quanto sistematicamente, como algo posto entre ética e política”, e que, “na verdade

o Direito aparece nas sociedades históricas como uma explicitação normativa das

relações de mando e obediência, vigentes em cada ordem social autônoma

(politicamente autônoma)”, o que lhe consigna uma “aura de coisa sagrada”

(SALDANHA, 1992, p. 16), mesmo na modernidade dessacralizada.

Ainda para o citado autor, “não se pode imaginar a realidade jurídica sem as

conotações que a ligam ao fenômeno do Poder e também a vinculam ao plano dos

valores”. Para ele, “uma ordem é, obviamente, sistema e na qual se incluem regras

(normas); na qual se encontra sem dúvida uma dimensão de instituição e em cujo

âmbito social se alojam as condutas, e, com estas as vontades e os valores”. Assim,

o direito se apresenta como ordem Jurídica que, genericamente, pode ser tomada

como “um conjunto de regras oficializadas pelo grupo”, o que fornece ao direito uma

“dimensão oficial e explícita das normatividades mais relevantes para o grupo em

termo de controle e certeza” (SALDANHA, 1992, p. 140-141).

Perceba-se que “o Direito é um instrumento de organização social” (GRAU,

2000b, p. 1), e constitui-se como um “conhecimento tecnológico, prático, voltado

para a decidibilidade de conflitos”, com o objetivo de solucionar casos concretos

(ANDRADE, 1992, p. 21), e que, longe de ser o resultado funcional de uma realidade

social objetiva, atende a demandas específicas do ambiente em que é gerado, seja

nos seus conteúdos, seja na racionalidade que engendra, como, por exemplo, o

positivismo para a modernidade capitalista (GORDON, 1984, p. 103).

Note-se, a propósito, que a trajetória do direito, e método jurídico, nos últimos

duzentos anos corrobora a assertiva acima formulada (HESPANHA, 2007, p. 50 e

ss.). O cientificismo jurídico e sua pretensão de impessoalidade, universalidade e

neutralidade apenas escondiam e convalidavam, desde a definição do método até

as condições concretas de uso, situações de dominação social e privilégio.

Assim é que a discussão contemporânea acerca do direito sugere a

pretensão de um método que supere as noções de neutralidade e cientificidade do

direito (HESPANHA, 2007, p. 10), dada a dificuldade para se afirmar validade e

hierarquia das normas em si (HESPANHA, 2007, p. 57), senão tomando algum

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ponto de referência, em qualquer hipótese arbitrário, embora sujeito a legitimação

social (HESPANHA, 2007, p. 99).

Nesse contexto é que aparecem as tendências ditas pós-positivistas no

direito, as quais permitem ao “direito, na sua atual conformação tecnológica”, adotar

“fórmulas abertas” em vista de um dever de decisão” (SOUZA, 1993, p. 150). Trata-

se de um direito atrelado à experiência, motivo pelo qual a ordem jurídica, que

prefigura uma dada visão de mundo, deve ser observada como concretização, uma

vez que “a noção de experiência permite colocar dentro de uma mesma estrutura a

ordem e a interpretação, que, no caso, se entendem como coisas reciprocamente

referidas” (SALDANHA, 1992, p. 120).

Segundo Camargo (2001, p. 261), “ao contrário das posições monolíticas, o

que se aponta agora, sob o viés da pós-modernidade, é que, no lugar do universal,

encontra-se o histórico; no lugar do simples, o complexo; no lugar do único, o plural;

no lugar do abstrato, o concreto; e no lugar do formal, o retórico”. São tematizadas

questões como a relação entre princípios e regras (HESPANHA, 2007, p. 116 e ss.),

discricionariedade e risco (HESPANHA, 2007, p. 131), e a questão da decisão

jurídica (HESPANHA, 2007, p. 265 e ss.).

É característico da epistemologia dita pós-positivista negar a sistematicidade

do direito, tida como pedra angular do pensamento positivista, que compõe, de

forma lógica, uma ordem jurídica harmônica e sem contradições. Essa perspectiva,

diferentemente, enxerga no direito o conflito, próprio de uma sociedade plural e

heterogênea (GALUPPO, 2005). Calsamiglia (1988, p. 210) estabelece que o pós-

positivismo se diferencia do positivismo pela defesa da teoria das fontes sociais do

direito e pela relação entre direito, moral e política.

Trata-se de um rol de teorias nem sempre congruentes umas com as outras.

Freitas (2001), por exemplo, propugna por uma ordem hierarquizada na

interpretação dos valores77. No pós-positivismo, todavia, a noção de ordem jurídica

como estrutura hierárquica não subsiste como conceito unívoco e não problemático,

em vista da complexidade e das teias de relações jurídicas verificáveis no

ordenamento (GUASTINI, 1995, p. 257). Sanchís Prieto relata as seguintes

características:

77 Ver, a respeito, em Maynez (1973, p. 120).

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“Mais princípios que regras; mais ponderação que subsunção; onipresença da Constituição em todas as áreas jurídicas e em todos os conflitos minimamente relevantes, em lugar de espaços extensos em favor da opção legislativa ou regulamentadora; onipotência judicial em lugar da autonomia do legislador ordinário e por ultimo coexistência de uma constelação plural de valores, por vezes tendencialmente contraditórias, em lugar de uma homogeneidade ideológica em torno de um pequeno grupo de princípios coerentes entre si e em torno, sobretudo, das sucessivas opções legislativas” (SANCHÍS PRIETO, 2000, p. 132).

Sob um enfoque que almeja escapar às concepções de direito, inclusive de

matiz dito pós-positivista, de base metafísica, cumpre afirmar nesse trabalho

fundado em uma perspectiva pragmatista do direito, consoante explicitado no

capítulo 2. Associam-se uma concepção que percebe o direito não a partir de textos

normativos, mas segundo as consequências de suas decisões (SULLIVAN, 2007, p.

35), e como “estrutura de um sistema social que se baseia na generalização

congruente de expectativas comportamentais normativas” (LUHMANN, 1983, p.

121).

Nessa acepção pragmática, toma-se o direito como reflexo de seu tempo e

sua sociedade, e verifica-se sua tendência à autonomização sistêmica somada a sua

possibilidade de universalização, com abertura para disputas no plano interno e

permeabilidade estrutural, permitindo um direito de feição pluralista e democrática.

Trata-se do manejo do direito a partir de possibilidades argumentativas, em uma

comunicação relacional, que ocorre mediante operações internas ao sistema, e em

um plano contingente.

Um direito que se determina “por auto-referência, baseando-se na sua própria

positividade” (TEÜBNER, 1989, p. 2). Conforme Teübner:

“O Direito retira a sua própria validade dessa auto-referência pura, pela qual qualquer operação jurídica reenvia para o resultado de operações jurídicas. Significa isto que a validade do Direito não pode ser importada do exterior do sistema jurídico, mas apenas obtida a partir do seu interior. Nas palavras de Luhmann, “não existe direito fora do direito, pelo que sua relação com o sistema social, o sistema jurídico, não gera nem inputs nem outputs (...) “O Direito constitui um sistema autopoiético de segundo grau, autonomizando-se em face da sociedade, enquanto sistema autopoiético de primeiro grau, graças à constituição auto-referencial dos seus próprios componentes sistémicos e à articulação de um hiperciclo” (TEÜBNER, 1989, p. 2 e 53).

Reconhece-se, ademais, na arena jurídica uma pluralidade de linguagens,

equivalendo a múltiplas situações institucionais, nas quais circulam textos,

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programas, processos construtivos e reconstrutivos, regras procedimentais e, nos

termos assinalados por Levinson e Balkin, materiais canônicos, a fixar com mais ou

menos força as possibilidades de concretização de uma dada alternativa jurídica.

Perceba-se uma práxis na qual expectativas de decisão e decisões se cruzam em

tensão, conforme expressam os autores.

“Uma divergência crescente na construção do cânone entre grupos sociais de operadores do direito pode ser sintoma de uma crescente diferenciação entre perspectivas de acadêmicos, advogados e juízes (para além da diferenciação profissional, que sempre existiu entre os juristas e os cidadãos). Cada comunidade interpretativa pode ter o seu próprio cânone (ou conjunto de cânones), e embora estes cânones certamente se sobreponham, eles também podem divergir em aspectos particulares”. (LEVINSON e BALKIN, 2000, p. 11).

Note-se o pluralismo canônico, exporado por Levinson e Balkin (2000), a

apresentar uma perspectiva plural e identificar uma operação interna, no sistema

jurídico, de redução de complexidade mediante especialização e diferenciação no

trato do direito. Entre outros veios que se abrem, destacam-se a ausência de

primazia do discurso judicial, a possibilidade de múltiplas apropriações da linguagem

jurídica, a variabilidade e risco em uma comunidade ampliada de intérpretes que,

não obstante, trabalhará como mecanismos redutores de complexidade para

conseguir manejar o direito. Disso decorre, por exemplo, no direito das políticas

públicas, a possibilidade de equiparação entre a decisão administrativa e a judicial,

sem que a diversidade de discursos jurídicos impossibilite a aplicação do direito.

Trata-se de um direito que, todavia, tem um sentido próximo ao da idéia

dworkiniana de “romance em cadeia” (DWORKIN, 1999), ainda que sem os

argumentos metafísicos e a centralidade do Judiciário vistos naquele autor. Um

direito que é coordenado mediante a concatenação de episódios, com continuidades

e rupturas interpenetradas em tramas linguísticas contingentes. Percebe-se, nessas

operações, potencialmente, uma procedimentalização ocorrendo dentro do sistema

para tentar compatibilizar linguagens e incluir possibilidades, o que acontece

principalmente através de textos e de decisões justificadas, com a possibilidade de

um equilíbrio residual decorrendo do funcionamento adequado do sistema. Note-se

a ausência de uma justificação metafísica ou empirista para o que se pode designar

por conteúdo da juridicidade. Assim, jurídico será aquilo que uma comunidade

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aberta de intérpretes entender como tal, ainda que com abertura para

recomposições e adaptações construtivas.

7.4. A juridicidade

O trabalho proposto nesta tese, na medida em que invoca um conteúdo

especificamente jurídico para as políticas públicas, necessita aplainar o conceito de

juridicidade. Uma definição tautológica, conceituando juridicidade como qualidade do

relativo ao direito explica pouco. Mais útil é apresentá-la como atributo relacional,

próprio das situações comunicativas produzidas pelo sistema jurídico, que se

compõe de forma codificada e se estrutura em vista de uma função social. Assim,

juridicidade não é apanágio da norma abstrata ou da ordem objetiva, mas de um

direito aplicado e justificado, compreendido em seus jogos de linguagem e em sua

capacidade de, contingentemente, universalizar e estabilizar expectativas de

comportamento jurídico.

Algumas questões se colocam neste ponto. Entre elas, destacam-se o modo

de relação entre juridicidade e expectativas; a juridicidade entre a decisão e o

processo normativo-decisório; a juridicidade em face da noção de norma jurídica e a

atribuição de valor de juridicidade a hipóteses (abstratas) de aplicação normativa; a

juridicidade como autopoiese e comunicação sistêmica; a juridicidade no programa e

âmbito da norma e nas consequências da normatividade.

A juridicidade se afirma, portanto, como prática comunicativa, atributo do

jurídico, estrutura formal válida de um grupo social (MACEDO, 1977). Trata-se de

fenômeno que se coloca em termos especificamente modernos, porque no direito

pré-moderno, as regras “encontravam fundamentação, em última análise, em um

amálgama normativo indiferenciado de religião, direito, moral, tradição e costumes

transcendentalmente justificados e que essencialmente não se discerniam”

(CARVALHO NETTO, 1999, p. 476). E que se apresenta como relações sociais, uma

vez que “as mudanças da e na cultura jurídica dizem respeito ao valor atribuído aos

conflitos e à forma de processá-los” (LOPES, 1997, p. 107), com abertura para

adaptações que confiram sentido renovado a conceitos antigos e possibilidades

mais amplas de apropriação social de direitos (DELACAMPAGNE, 2000, p. 135).

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Observe-se, na doutrina de Castanheira Neves, a ênfase na possibilidade de

superação da referência a juridicidade como metafísica normativista, sem cair em

uma hermenêutica dissociada do dado prático, mas a vincular a peculiar

normatividade jurídica a uma prática que se constitui como juridicidade. Trata-se de

uma perspectiva que se ergue sobre a crítica e a problematização, que se

compromete com a dimensão concreta das decisões (CASTANHEIRA NEVES,

1993).

Tem-se uma noção de juridicidade na afirmação de uma dada questão como

uma questão de direito (CASTANHEIRA NEVES, 1967), o que implica um problema

metodológico, no qual residem certas questões, entre as quais a juridicidade como

elo unindo fato e interpretação (CASTANHEIRA NEVES, 1967). Para o referido

autor, na prática se consolidam os atributos relacionados ao direito, razão pela qual

o direito deve ser entendido por meio da idéia de problema jurídico. O direito, assim,

não se apresenta como um dado prévio, mas uma totalidade das soluções nos

problemas jurídicos ensejados em uma práxis (CASTANHEIRA NEVES, 2003).

A juridicidade é característica presente no discurso jurídico que o torna

específico e permite justificar situação de conformidade ao direito em oposição a

casos de antijuridicidade. Decorre da performance comunicativa do sistema do

direito e é verificável na medida em que código e função são observados. O código

binário (juridicidade/antijuridicidade) e o desempenho funcional sistêmico são

avaliados a fim de assegurar consistência ao sistema, mediante a aplicação de

operações especificamente jurídicas. Perceba-se que o código é novamente

aplicado na auto-observação e, embora, não se reconheça provável um único

método como “verdadeira” chave para elucidar a “verdadeira” juridicidade, deve-se

admitir que o desenvolvimento de procedimentos formais, como operação que

encerra tentativa de redução de complexidade, é válido e o ato de creditar

determinada plataforma de reconhecimento da juridicidade fixa padrões que tornam

possível a autopoiese do sistema jurídico, assim como permitem sua observação e

análise operacional.

Rorty (2007), em comentário sobre Posner, advoga para o direito uma

pragmática que admite a possibilidade de progresso moral, conquanto tal fenômeno

não seja constatável mediante científica prova cabal, mas como horizonte

estabelecido na prática social e, portanto, móvel funcional. Quer com isso o autor

discutir que, a par as mudanças e seu caráter contingente, que impede uma

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verificação de rumo, critérios de relevância para sua avaliação continuarão a ser

utilizados, justificados consoante modos de linguagem e em face de finalidades

(RORTY, 2007).

Pode-se depreender o uso da juridicidade como a medida de sua

possibilidade, já que, conforme Dewey e Khun, “critérios de relevância e, portanto,

de racionalidade, são normas sociais” (RORTY, 2007, p. 927). Não como metafísica,

mas como práxis, sabendo-se o direito imperfeito. Uma juridicidade que se

apresenta como direito por meio de narrativas que sedimentam condições de

verdade para proposições jurídicas, metonímica ou metaforicamente, em face de

variados contextos de aplicação.

7.5. Sistema jurídico e decisão jurídica

O direito opera a produzir comunicação que, atribuindo juridicidade, induz

uma normatividade social apta a generalizar, de modo congruente, expectativas de

comportamento em sociedade. Verifica-se que, para tanto, operações internas ao

sistema ocorrem, procedimentos que permitem decisões com base no código do

direito. Cumpre indagar, todavia, o que torna uma decisão adequada do ponto de

vista jurídico, observando-se, de forma pragmatista, sua condição de processo

comunicacional envolvendo relações sociais (SKIDMORE, 1976, p. 270 e ss.), sob a

perspectiva da compreensibilidade geral (RORTY, 1993a).

Sullivan (2007), na defesa ortodoxa do pragmatismo jurídico como

consequencialismo, com base em Dewey e em uma leitura pragmática da obra de

Ackerman78, afirma na decisão jurídica a possibilidade de reinvenção de direitos

subjetivos, mais alargados em face de exigências contemporâneas de democracia.

O autor, de forma condizente com a tradição pragmatista79, enfatiza a necessidade

de direitos individuais para um direito vinculado à democracia (SULLIVAN, 2007, p.

9), ainda que seu subjetivismo se coloque dentro de um projeto social, em relação

com as noções de interesse público e de Estado (SULLIVAN, 2007, p. 24), a

78 Ver, por exemplo, Ackerman (1980; 2006). 79 Ver, a respeito, em Rorty (1997, p. 235-269). Anote-se, contudo, a posição divergente de Sullivan (2007), mais apegada ao pragmatismo clássico. Ver, a respeito da posição de Rorty ante o pragmatismo clássico no capítulo 3 (SULLIVAN, 2007).

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permitir, também, uma reconstrução filosófica dos fins e ideais da comunidade

(SULLIVAN, 2007, p. 92).

Para Sullivan (2007), a decisão jurídica deve ser tomada no caso concreto,

almejando o melhor futuro, as melhores consequências, e sua noção de consistência

não pode se escorar em equações fixas. Lembrando Dewey, o autor afirma que ser

“bom” é ser “melhor”, de maneira que a análise deve ser relacional (SULLIVAN,

2007, p. 35) e a decisão pragmatista tomada tendo o passado como plano

referencial, mas observadas as consequências. Há um sentido de continuidade e

construtivismo e, conforme Peirce, uma preferência por hipóteses que signifiquem

continuidades, ao invés de disjunções entre significados, de maneira que as

decisões de mudanças não sejam, em geral, propriamente rupturas, mas extensões

evolucionárias (SULLIVAN, 2007, p. 39).

Assim é que, avaliando posições possíveis, o autor citado aponta os riscos da

revisão judicial (SULLIVAN, 2007, p. 99) e sua possibilidade de superação nos

termos da leitura promovida por Ackerman acerca da trajetória constitucional-

democrática americana, que confronta diferentes genealogias, narrativas

contingentes e versões historicamente rivais (SULLIVAN, 2007, p. 113), não se

esgotando na posição de uma maioria circunstancial, mas alimentando uma

dinâmica plural dotada de dimensão espaço-temporal extensa e não

necessariamente linear. Em uma análise como essa toda instituição jurídica é

dinâmica, e se posta em constante processo adaptativo, a comportar diferentes e

sucessivas leituras.

A revisão judicial também é abordada por Unger (1996), que questiona a

primazia da decisão judicial. Para o autor, a manutenção do trabalho jurídico

centrado na decisão judicial expressa a permanência de teorias tradicionais

(UNGER, 1996, p. 107 e 113), calcadas na pretensão de objetivismo como crença

em uma ordem jurídica inteligível, autossuficiente, cuja experiência denota um corpo

de técnicas, fundamentos e critérios normativamente admitidos, somado a

constrangimentos empiricamente constatáveis de forma objetiva (AROSO

LINHARES, 2007).

Para Unger (1996), esse compromisso formalista pressupõe,

inexoravelmente, uma objetividade representada em “uma ordem prática ou moral

exibida, no entanto, ambígua, pelos materiais legais em si mesmos”, que se

apresenta na busca de uma linguagem jurídica dotada de inteligibilidade universal,

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que se estabelece como estrutura organizacional e se coloca em confronto com a

democracia ou como contraponto entre uma política fundante e uma política

ordinária (WALTON, 1999). O autor denuncia vãs tentativas nesse sentido,

atribuindo a autores como Posner e os seguidores de sua análise econômica do

direito, ou Dworkin, em seu movimento em torno de princípios e direitos

fundamentais, construtos formalistas e objetivistas.

Unger (1996) apresenta como alternativa a idéia de “análise jurídica como

imaginação institucional”. Passar-se-ia da crítica ao formalismo para uma versão

expandida da doutrina jurídica, com uma etapa de diagnóstico e mapeamento capaz

de abranger a complexidade das práticas juridicamente relevantes, em suas

dimensões textual-prescritiva e empírica, com ênfase na relação contingente entre

os princípios tradicionalmente explicitados e seus contraprincípios. Seguir-se-ia um

segundo momento de caráter crítico, apto a uma análise político-social desses

conflitos. Haveria, enfim, um terceiro passo, reflexivo e tensionado, no qual os

conflitos já antes explicitados permitiriam um olhar para o direito como um campo de

disputas e controvérsias insolúveis, irredutíveis e permanentes, contudo, assimilável

em uma prática social do direito com potencial criativo e, eventualmente,

transformador (UNGER, 1996).

Perceba-se na crítica de Unger um horizonte pragmático para o direito,

contudo, recorda a concepção sistêmica de Christodoulidis (1998, p. 242 e ss.),

corre o risco de reduzir o direito à política e, assim, perder em vigor propositivo.

Walton (1999) recorda, todavia, que o reconhecimento de relações entre direito e

política não implica, necessariamente, subordinação ou desqualificação do jurídico.

Além disso, uma abordagem sistêmica admite a perspectiva do acoplamento

estrutural e, mesmo de interpenetração (LUHMANN, 1998, p. 168-169)80. Não

obstante, é importante destacar as peculiaridades da decisão conforme o sistema

jurídico, bem como o risco de se assumir um funcionalismo material que reduza o

jurídico a assessório do político, conforme atenta Castanheira Neves (1998), na

crítica a Wassermann:

“O ‘funcionalismo jurídico político’ compreende o direito como um instrumento político, em sentido estrito, e numa intenção expressa de politização da juridicidade. E exactamente neste sentido: o direito assumiria um programa finalístico de carácter político, os seus critérios seriam políticos e as suas decisões também de sentido político. Não se limita, pois,

80 Ver a respeito no capítulo 5 deste trabalho.

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a sublinhar a função política que o direito sem dúvida sempre desempenha, enquanto um dos mais relevantes elementos de organização, de garantia e de solução, de definição e de tutela dos padrões da existência e da vida comunitária, enquanto é ele um capital elemento estruturante da ‘polis’ – nem era outro o autêntico sentido de ‘dikaion politikon’, traduzido para o latim por ‘jus civile’ (ius da civitas); ou sequer significa apenas o reconhecimento dos efeitos políticos que a existência e a realização do direito decerto também produzem ao intervirem na vida social, tomando posição perante ela ou orientando-a num certo sentido; visa sim afirmar que ao direito compete imediatamente e no seu específico sentido um objectivo político – o seu objectivo constitutivo seria a realização normativa de um particular projecto e de uma teleologia políticos – e ainda que, já por isso, os seus critérios seriam, a todos os níveis da ordem jurídica, critérios políticos, assim como as decisões jurídicas da sua realização concreta não menos, em último termo, do que decisões políticas, decisões de compromisso político” (CASTANHEIRA NEVES, 1998).

Na teoria dos sistemas a decisão jurídica é, fundamentalmente, comunicação

em vista de uma função social, que não decorre de qualquer instância fundante,

como um fundamento formal-positivista. As operações do sistema jurídico apontam a

possibilidade de abordagem linguístico-pragmática, segundo a qual o direito pode

ser compreendido no bojo de relações sociais, nas quais a distinção entre jurídico e

não jurídico induz a estabilidade de expectativas de comportamento em sociedade.

Positividade, juridicidade e contingência são, todavia, traços característicos do direito

moderno (MAGALHÃES, 2002, p. 129-130), a influenciar a interpretação e aplicação

jurídica, que, na perspectiva luhmanniana, deve operar recompondo a relação entre

direito e sociedade, perdida no positivismo jurídico.

Direito é contexto comunicativo, no qual um discurso adquire sentido e o

intérprete não comparece a revelar o direito, mas como participante em sua

construção, mediante práticas e narrativas que estabelece nas diversas

circunstâncias vividas, compondo uma decisão que não consiste em ato isolado,

mas dimensão processual. Filtrando elementos comunicativos, o sistema jurídico

produz o direito (LUHMANN 1998c, p. 140), e, dessa forma, a decisão jurídica não é

mais que contexto comunicativo, mediado pela linguagem. Nesse sentido é que

Luhmann poderá afirmar a normatividade incidente sobre a normatização como meio

de redução de risco e seletividade (LUHMANN, 1983, p. 15).

A decisão jurídica decorre de procedimentos de argumentação, por meio dos

quais sua justificação implicará consistência sistêmica (LUHMANN, 1983, p. 190).

Argumentação, ao contrário do ato individual de interpretar, é processo seletivo que

transcorre como operação interna do sistema jurídico, atuando como controle de

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consistência das decisões (MAGALHÃES, 2002, p. 146 e ss.). É comunicação, que

percorre alternativas em “busca de consistência das decisões jurídicas”

(MAGALHÃES, 2002, p. 149), apresentando-se como uma operação de auto-

observação do sistema jurídico, que reage em seu contexto comunicativo a uma

divergência sobre atribuição de valor jurídico/não jurídico (LUHMANN, 1998b, p.

174).

Para Luhmann (2005), a decisão jurídica, e especificamente a tarefa dos

tribunais é decidir em conformidade com o sistema jurídico, de maneira que a

decisão seja consistente com o sistema. Validade do direito e argumentação jurídica

se entrelaçam, a produzir direito novo e assegurar as condições de reprodução do

sistema (LUHMANN, 2005). Não se tratará, portanto, de questão ética, valorativa, ou

de eficiência econômica, por exemplo, mas de argumentação jurídica, que não deve

ser julgada por suas “boas razões” (boas intenções ou apelo moral), mas por sua

“funcionalidade”, seu respeito à codificação (LUHMANN, 2005). Tem-se, assim,

limitação de alcance à interpretação (MAGALHÃES, 2002, p. 154), conquanto se

conjugue tal baliza com uma opção pragmatista e um princípio de contingência

ligando passado e futuro (LUHMANN, 1982, p. 302).

Perceba-se que a decisão jurídica parte de operações sistêmicas que

traduzem valores e princípios em programas de decisão (LUHMANN, 1982, p. 177).

A relação com a política não ocorre senão como acoplamento estrutural (LUHMANN,

1983, p. 149 e ss.) ou corrupção, com a politização do direito (CAMPILONGO,

2002), ainda que se tome o poder como referência a absorção de segurança e,

portanto, imposição de sanção positiva ou de negativa, o que permite verificar na

atuação do sistema jurídico a possibilidade de pressupostos facilitadores do manejo

do sistema político (LUHMANN, 2001).

Essa possibilidade de assentamento do direito em uma medida

autorreferenciada de consistência é que não se encontra, por exemplo, no

pragmatismo de Posner (1993). Esse autor teoriza fundamentando a ação do juiz

maximizador de resultados na suposição do indivíduo utilitarista sujeito da escolha

racional (POSNER, 1993). Nessa pragmática que, no limite, se reduz a um cálculo

utilitarista, tem-se a improbabilidade de consistência das decisões (AROSO

LINHARES, 2002, p. 65 e ss.), o que torna o direito dependente e indistinto. É uma

visão que, contudo, explora relevantes questões metódicas envolvendo, por

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exemplo, o confronto de racionalidades entre o “common law decisions” e “statutory

or constitutional decisions”.

Uma versão pragmatista mais assimilável neste trabalho é a que aproxima

direito a literatura ou a arte dramática (AROSO LINHARES, 2004), especialmente

nos termos colocados por Levinson e Balkin (1998). Os autores discorrem sobre o

sentido e as possibilidades do direito como relação triangular, nas quais coexistem

“textos-notação”, “intérpretes” e “auditórios”, em relação dinâmica e apropriação

generalizada e não hierarquizada do direito.

Balkin (1993) admite uma abordagem heterogênea, capaz de, em sua ótica,

aliar ética da alteridade, cognitivismo realista e crítica da ideologia, ante pretensões

redutoras do direito a uma perspectiva interna, assumindo, assim, a complexidade

do direito na teia de relações que tece e nos fins que seus processos envolvem,

submetidos a diversas formas de compreensão, mediante práticas e teorias

juridicamente relevantes81.

Levinson e Balkin (1998) discutem o problema da decisão jurídica a partir de

possibilidades de interpretação segundo sua “canonicidade”. Para os autores, “os

problemas de desempenho (do direito) estão relacionados ao status canônico do

trabalho a ser executado”. Assim, o que as pessoas (ou o sistema) consideram como

parte do cânone, é, por parte delas indisponível e deve ser realizado (LEVINSON e

BALKIN, 1998). O fato de se considerar determinado dado como parte de um

cânone, torna sua realização uma obrigação socialmente expectável. Haverá uma

expectativa fundada de comportamento quanto ao cumprimento dessa obrigação, ou

contrafactualmente, o cânone poderá gerar um movimento contínuo de sucessivas

tentativas de mudança ou aperfeiçoamento a partir daquela base (LEVINSON,

1988).

Note-se que a capacidade de revisão jurídica depende do vocabulário e das

tradições consentidas no âmbito do sistema, podendo-se tomar a juridicidade, o

reconhecimento do direito como tal pelo próprio sistema, como canonicidade. A

performance da norma está envolvida em uma teia de canonicidade e a

possibilidade de rupturas paradigmáticas e continuidades construtivas é resultado da

manipulação adequada desses cânones. Levinson defende, ainda, tanto uma

81 O autor se refere especificamente a “the plurality of forms of legal understanding”.

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pluralidade canônica82, quanto a ausência de hierarquia entre decisões jurídicas, na

medida em que um direito democrático permita uma apropriação social generalizada

do elemento jurídico (LEVINSON, 1995).

A consistência da decisão jurídica não se reporta a uma operação lógica de

enquadramento do caso á norma, mas a um juízo de adequação. Em Müller (2007),

essa adequação consiste no próprio processo de produção da norma de decisão.

Para Günther (1993), a decisão jurídica é um discurso, construído pela aplicação da

norma mais adequada ao caso concreto, o que demanda avaliação da situação na

qual se pretenda aplicação de texto normativo. Souza Cruz (2007) une a perspectiva

de Günther à idéia de Dworkin de conexão entre as decisões, formando um

“romance em cadeia” (DWORKIN, 1999). Afasta, assim, positivismo e jurisprudência

de valores, e prega que “o operador do direito deve examinar integralmente o

conjunto de normas “prima facie” diante do conjunto de circunstâncias concretas do

caso em si que concorrem numa espiral hermenêutica para a definição da norma

jurídica definitiva, ou seja, aquilo que se tem por resposta correta” (SOUZA CRUZ,

2007). E complementa afirmando que “a busca da resposta correta, que para na

coisa julgada de cada feito, prossegue em um processo infinito de reconstrução do

direito”, favorecendo um processo de aprendizagem cognitiva e reforçando o caráter

de falibilidade e provisoriedade da decisão jurídica (SOUZA CRUZ, 2007).

Outra questão relevante é a discricionariedade na decisão jurídica. A questão

é posta, nos marcos do positivismo, como a relação entre as possibilidades

emolduradas na norma e a decisão do aplicador. Assim, se expressa Kelsen a

respeito:

“A norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato através do qual é aplicada. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica, o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato. Mesmo uma ordem o mais pormenorizada possível tem de deixar àquele que a cumpre ou executa uma pluralidade de determinações a fazer” (KELSEN, 1985, p. 364).

Larenz (2000) esclarece, em linha semelhante, que cada norma tem um

sentido possível, um conjunto de possibilidades, consoante o uso lingüístico que

seus termos comportam, razão pela qual a aplicação do direito demanda ao 82 O autor faz uma analogia entre o sentido de canonicidade para católicos e protestantes, verificando nesses últimos a metáfora jurídica pretendida.

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aplicador estabelecer “qual, de entre as múltiplas variantes de significado que

podem corresponder a um termo segundo o uso da linguagem, deva em cada caso

ser considerada”, já que não há “qualquer relação hierárquica fixa, no sentido de que

o peso dos critérios particulares fosse estabelecido de uma vez por todas” (LARENZ,

2000, p. 387 e 390), cabendo ao julgador escolher e à aceitação da decisão a sua

legitimidade.

Buscando conciliar normativismo e realismo, Hart (2007) admite que na

maioria dos casos há uma aplicação do direito conforme as balizas traçadas pela

norma, mas em determinados casos, duvidosos ou complexos, a decisão judicial

singular impera, sendo improvável que se assegure consistência entre elas (HART,

2007, p. 139-140). Dworkin (1999, p. 377-492), em tom jusnaturalista, apresenta a

tentativa de superação desse limite através do juiz-hércules e da única possibilidade

de decisão em cada caso (DWORKIN, 2000b, p. 175-216), formando-se, outrossim,

a idéia do romance em cadeia (DWORKIN, 200b, p. 221), que conforme Gyôrfi

(2009) almeja reposicionar nos seguintes termos:

“Vou argumentar que existe uma forte relação entre o nosso ponto de vista da autoridade e a conveniência de razões de preferência. Mais especificamente, temos fortes razões para considerar as normas legais como razões de preferência somente se aceitarmos a concepção de serviço da autoridade. Sugiro, no entanto, que uma explicação alternativa de autoridade - que chamaria de árbitro modelo - dá-nos uma melhor explicação do que implica a autoridade legal e como ela opera. (...) eu sugiro que devemos reformular o debate entre o direito como integridade de Dworkin e o positivismo normativo como um debate entre duas diferentes tentativas de colocar carne nos ossos do árbitro como modelo de autoridade” (GYÔRFI, 2009).

Percebe-se, nas posições narradas, os seus próprios limites e a dificuldade

para lidar com os limites que a contingente condição do sistema jurídico impõe.

Discricionariedade não poderá ser conceito que circunscreve opções a partir do texto

normativo, tampouco, o conteúdo da decisão, nem, ainda, a perspectiva da única

decisão correta. Trata-se de composição argumentativa de narrativas consistentes

que levam à concretização normativa. Tem-se, assim, discricionariedade como

contingência, capacidade de inclusão no discurso, possibilidade de recomposição

narrativa e trânsito nos jogos de linguagem. Toda discricionariedade, nesse sentido,

envolve responsabilidade e possibilidade de contraponto. A discricionariedade não

decorre da lei, mas da linguagem e do contexto, e se constitui como uso nessa

situação determinada, sabendo-se que o uso do código do direito se relaciona com a

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margem de escolha. Não há espaço para o chamado “indiferente jurídico” (ARAÚJO,

1992), já que o sistema jurídico não opera situações externas, e o controle do ato

discricionário decorrerá, em geral, de conhecimento do tipo apofático nas

circunstâncias de possibilidade do discurso jurídico. Assume-se, portanto, uma

noção de discricionariedade como decisão conseqüente e bem justificada, para cuja

concretização concorrem âmbito e programa da norma, invocando a necessidade de

justificação e a possibilidade de questionamentos e revisão (GYÔRFI, 2002, p. 355-

368).

7.6. A norma jurídica

A questão da norma vincula-se ao problema da decisão jurídica, eis que este

trabalho adotará uma peculiar concepção de norma jurídica, presente na obra de

Müller (2009), que a compreende como processo, a envolver aspectos contextuais,

textos normativos e circunstâncias de aplicação. Tal perspectiva atende a uma

necessidade de considerar o substrato fático no direito (REALE, 1986, p. 65), já que,

acentua Günther, “se pudéssemos prever todos os interesses que serão afetados

pelas repercussões da aplicação de uma norma em todas as situações de aplicação,

nós não só teríamos à nossa disposição um conhecimento infinito sobre os mundos

objetivo e social, como também seríamos transparentes para nós mesmos”

(GÜNTHER, 1993, p. 35). A norma se faz na prática, uma vez que não pode

previamente regular a sua própria aplicação e que é validada apenas e na medida

em que sua justificação permanece sendo acreditada.

Descarta-se, portanto, a dogmática positivista (FERRAZ JR., 1980), tal como

no normativismo kelseniano, presente também na obra de Bobbio (2001, p. 23), para

quem direito é, fundamentalmente, norma, o que permite afirmar que “a experiência

jurídica é uma experiência normativa”, que atende a uma função prescritiva do

Direito (BOBBIO, 2001, p. 146). É um foco fundado em uma suposição básica

acerca da completude, precisão e coerência da ordem jurídica positiva, sugerindo o

primado da lei abstrata sobre o fato e desconsiderando a questão da justiça, que

neste caso, supõe-se dada (SOUZA, 1993, p. 47-50),

Assenta-se o positivismo, mesmo em sua forma Kelseniana, metodológica, no

que Bobbio (2001) denominará como positivismo ideológico, na pretensão de que,

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sendo válida a norma será necessariamente justa. Kelsen (1985) supõe um

fundamento de validade originário, despido de concretude. Mas, à norma

fundamental kelseniana se sobrepõe uma estrutura social complexa e diversificada

(NINO, 1974, p. 86-87).

O positivismo, conforme Bodig (2002, p. 141 e ss.), carrega uma pretensão de

dominar aquilo que é e aquilo que não é. Para esse autor, todavia, o direito não é

uma questão de técnica (BODIG, 2002, p. 143), razão porque, apoiado em

Habermas, afirma que a juridicização consiste em “dar forma jurídica a mais e mais

elementos de ação” (BODIG, 2002, p. 148).

Trata-se de perceber no direito inúmeros jogos de linguagem, conducentes a

um sentido de normatividade (WITTIGENSTEIN, 2008), em termos

wittgensteinianos, que permitem localizar na fonte das comunicações emanadas do

sistema jurídico contextos de significados (DAVIDSON, 2002). Não se trata, assim,

de intersubjetividade, mas de contexto de comunicação, a induzir uma superação da

pretensão analítica de possibilidade de, sob determinadas premissas e apresentada

a comprovação, decorrer uma única conclusão, com a vitória dos argumentos de um

interlocutor sobre o outro. Compreende-se, com Günther (1993), uma distinção entre

um discurso de justificação e um discurso de aplicação, conforme se trate de

narrativa exposta na produção do texto legal ou na aplicação do direito,

considerando-se, todavia, certa interpenetração entre essas dimensões,

especialmente em casos nos quais não fica clara a natureza do discurso

empreendido.

Em Müller (2000), o conceito de norma é desenvolvido a partir de sua

“metódica”, que envolve processos relativos a metodologia, métodos de

interpretação e possibilidades de concretização do direito. A questão nuclear se

refere à constatação que a “concretização prática da norma é mais do que a

interpretação do texto” (MÜLLER, 2000, p. 22).

Segundo sua metódica concretista, são indissociáveis, texto, programa e

âmbito da norma (SOUZA CRUZ, 2004, p. 390), motivo pelo qual a decisão jurídica

conjuga elementos da norma com seu contexto de aplicação. Na base da

concepção do autor está a crítica do positivismo, principalmente à obra de Kelsen e

a seu esforço teórico de dotar o direito de uma cientificidade que teria isolado o

conceito de norma à esfera restrita do dever-ser. Para Müller (2000), o positivismo

peca por processar a norma em termos unilaterais de uma “imputação”, com

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significados extraídos de enunciados lingüísticos normativos, contra os quais se

enquadrariam os fatos.

Ainda conforme o aludido autor, Kelsen separa ser e dever-ser de forma tão

rígida que o impede de verificar a conexão entre textos normativos e situações

fáticas. A teoria pura se equivoca ao pressupor que a norma que rege um caso é

apenas e tão-somente um texto normativo a ela referido. Assim, o foco da teoria

estruturante incide sobre problemas práticos a serem resolvidos pelo direito, que se

colocam como elementos de um processo que conduz à decisão jurídica. A norma

aplicável em cada caso não decorre apenas de textos de lei, extraíveis segundo

métodos tradicionais de interpretação, mas de um trabalho de construção, ou

concretização, dessa norma.

A norma é, portanto, norma construída segundo materiais legais, contextos e

circunstâncias específicas. Essa constatação, como afirma Müller (2000), é mais

evidente no direito constitucional:

“No direito constitucional evidencia-se com especial nitidez que uma norma jurídica não é um ‘juízo hipotético’ isolável diante de seu âmbito de regulamentação, nenhuma forma colocada com autoridade por cima da realidade, mas uma inferência classificadora e ordenadora a partir da estrutura material do próprio âmbito social regulamentado. Correspondentemente, elementos “normativos” e “empíricos” do nexo de aplicação e fundamentação do direito que decide o caso no processo de aplicação prática do direito provam ser multiplamente interdependentes e com isso produtores de um efeito normativo de nível hierárquico igual. No âmbito do processo efetivo da concretização prática do direito, “direito” e “realidade” não são grandezas que subsistem autonomamente por si. A ordem (Anordnung) e o que por ela foi ordenado são momentos da concretização da norma, em princípio eficazes no mesmo grau hierárquico, podendo ser distinguidos apenas em termos relativos” (MÜLLER, 2000, p. 58).

Tal seleção não reconhece a “força normativa do fático”, mas enfatiza que

dados situacionais interagem com os textos em linguagem prescritiva, tendo como

fim um direito como práxis (MÜLLER, 2000, p. 58-59). Para Müler:

“A metódica estruturante analisa as questões da implementação interpretante e concretizante de normas em situações decisórias determinadas pelo caso. Ela apresenta a hierarquia igual de elementos do programa da norma e do âmbito da norma. Ela procura desenvolver meios de um trabalho controlável da decisão, fundamentação e representação das funções jurídicas. Com isso ela se move na direção da exigência de encontrar graus de interpretação ‘à maneira’ de Savigny, que sejam conformes o direito constitucional atual” (MÜLLER, 2000, p. 69).

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Pode-se dizer, então, que a teoria da norma de Müller (2000) parte do

pressuposto de que as normas jurídicas não são puro dever-ser. O autor propõe a

norma jurídica como uma noção composta de ser e dever-ser, de dados lingüísticos

e dados reais. Ademais, a norma jurídica não se identificaria ao texto da norma. A

norma jurídica seria estruturada na conjugação do programa da norma

(“Normprogramm”) com o âmbito da norma (“Normbereich”).

Segundo Müller, “os enfoques fundamentais da ciência jurídica distinguem-se

quanto ao posicionamento das suas concepções diante da norma jurídica”

(MÜLLER, 2007, p. 9). São as transformações no conceito de norma que definem as

transformações da ciência jurídica. Como forma de contornar o que julga uma

incorreção, Müller (2007) sugere uma mudança no enfoque indagativo a respeito do

lugar epistemológico da ciência do direito e também da metódica jurídica. Muller

(1995, p. 12-13) propõe o abandono do questionamento “que tipo de ciência é a

ciência jurídica?”, pois tal pergunta não conseguiria responder em maiores detalhes

o papel da ciência jurídica e da sua metódica na realidade social. Ao contrário,

Müller procura, antes de tudo, desvendar a estrutura da norma e da normatividade

jurídica tal e como ela se apresenta na aplicação prática do direito. Para solucionar

esse problema, Müller (1995, p. 13) propõe a seguinte indagação: “o que ocorre

efetivamente, quando se pode afirmar de um determinado ordenamento jurídico que

ele funciona?”.

Müller pretende superar as posições tradicionais do positivismo normativista,

na linha de Kelsen, para quem o texto normativo fixa os limites, emoldura as

possibilidades de decisão, e o jurista atua nas lacunas que o silogismo jurídico não

alcança, permanecendo, contudo, um enfoque segundo o qual a norma é dada

previamente. Pretende, também, superar o decisionismo schmittiano, em cuja

percepção a decisão não se relaciona com os textos normativos, nem no tocante a

validade, nem quanto ao sentido do texto e à justificação da decisão (ADEODATO,

2006, p. 237).

Müller (2000, p. 53) recorda que um texto constitucional, por exemplo, é mera

forma preliminar, um dado de linguagem, eis que “o teor literal de uma prescrição

juspositiva é apenas a ponta do iceberg”. Nele está um texto com um programa

normativo, não a norma jurídica propriamente (MÜLLER, 2007, p. 275). O texto é um

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elemento no processo de concretização, findo o qual aparece a norma. O texto,

linguagem para a comunicação, refere-se apenas ao programa da norma, razão pela

qual o autor afirma que a “positividade do direito não é idêntica à positividade dos

textos normativos” (MÜLLER, 2009, p. 209).

A teoria estruturante de Müller (2007) compõe um modelo dinâmico que

configura a norma jurídica mediante um processo de concretização. Norma, então,

não é texto, mas concretização normativa procedimentalizada. Normatividade não é

simples decorrência do texto da norma, mas de sua concretização. O autor afirma,

nesse sentido, que “o que se pode ler nos códigos são somente os textos das

normas – dito de outro modo, textos que ainda devem, pela concretização, ser

transformados em normas jurídicas” (MÜLLER, 2007, p. 274).

Perceba-se que a metódica estruturante não absorve uma interpretação do

tipo positivista, realizada conforme um silogismo envolvendo norma e fato, porque,

conforme o processo de concretização, não sendo o texto realmente norma, sua

aplicação lógico-dedutiva resta inadequada.

A estrutura da norma jurídica, em Müller (2007), é composta pelo programa

da norma, composto por elementos de linguagem, pelo âmbito da norma, que

compreende dados sociais, e sua avaliação agregada a um contexto no qual

ocorrerá a realização da norma jurídica, fonte da norma de decisão. Perceba-se que

a norma é, assim, linguagem e contexto, e o decisionismo do autor não é imperativo,

como em Schmitt, mas aberto a confrontos. Müller salienta, a propósito, que no

Estado democrático de direito não há força normativa no fático, mas “só fatos

relevantes para o programa da norma e fatos conformes ao programa da norma

podem determinar o conteúdo da decisão” (MÜLLER, 2007, p. 154).

Note-se, enfim, que um esquema simples de formação da norma ocorreria,

nos termos da metódica estruturante, começando pelo relato do caso, seguido da

transformação, pelo operador do direito, dessa narrativa em circunstâncias do caso.

O âmbito da matéria, isto é, a relação entre narrativa e texto de lei, ocorreria a

compor o âmbito do caso. Em seguida ter-se-ia a determinação do programa da

norma e do âmbito da norma, que formam a estrutura da norma. Determinada a

norma jurídica em face da situação concreta, tem-se, afinal, a chamada norma de

decisão (MÜLLER, 2007).

Recorde-se que o programa da norma é constituído dos textos normativos

aplicáveis ao caso e expressa a ordem jurídica tal como exposta em texto. O

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programa da norma filtra os dados reais aplicáveis ao caso, já o âmbito da norma é o

“recorte da realidade social na sua estrutura básica que o programa da norma

‘escolheu’ para si ou em parte ‘criou’ como seu âmbito de regulamentação”

(MÜLLER, 2000, p. 57). O âmbito da norma “entra no horizonte visual da norma

jurídica, bem como da norma de decisão, unicamente no enfoque indagativo,

determinado pelo programa da norma” (MÜLLER, 2000, p. 59). Estabelece, pois,

condições de aplicação normativa, pois trata de dados materiais com que se

relacionam os textos que compõem o programa da norma. Programa e âmbito da

norma são, um e outro, vistos à luz do caso, mas não são constitutivos do caso. A

norma surge no processo de concretização, a partir da formação de sua estrutura e

a implicar uma decisão, admitindo-se, outrossim, que nem toda previsão normativa

esteja em texto legal estatal.

7.7. Princípios e normatividade jurídica

Uma das novidades vividas nas últimas décadas pelo direito é a incorporação

dos princípios à linguagem jurídica usual, correntemente, veiculada pelos

operadores do direito e, em parte, pelos demais atores sociais. Trata-se de uma

inovação que produz consequências importantes, não porque se trata de um instituto

jurídico inteiramente novo, mas porque, associado a um determinado contexto, tem

provocado consequências as mais diversas, dotando a arena jurídica de mais

possibilidades e riscos.

A experiência com os princípios tem, igualmente, engendrado um esforço

teórico no que se refere a sua justificação e condições de aplicação, além de

intermináveis debates sobre sua natureza. É uma questão jurídica importante para a

análise do direito das políticas públicas, que tanto sofre sua incidência direta, quanto

no controle da aplicação das regras.

Conforme a perspectiva epistemológica adotada nesse trabalho, afasta-se a

discussão sobre uma eventual natureza última dos princípios, que não possuem

condição essencial nem existência ontológica, mas são enunciados socialmente

utilizados para determinadas finalidades e em determinados contextos. No

vocabulário jurídico, princípio assume, contemporaneamente, caráter normativo, com

pretensão de aplicação direta.

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Entre as principais questões que suscita, está a diferença com as regras e

suas distintas condições de concretização. É improvável uma distinção cabal entre

princípios e regras, que se lhes distinga e separe naturezas singulares. Ambos são

normas e operam juridicamente mediante o mesmo critério de análise contido no

código binário atinente ao sistema do direito. Diferem, é certo, quanto à forma do

enunciado, mas, para além de questões apenas semânticas, o problema dos

princípios jurídicos deve se ater a seus contextos de aplicação e ao uso que tem

recebido, com alguns problemas que sobressaem, como o reconhecimento do

princípio não expresso em texto normativo estatal e, em geral, suas condições de

aplicação na relação com as demais sentenças normativas e suas prescrições mais

ou menos abertas.

Conforme Silva (2003) a doutrina jurídica se divide em três posições básicas

no tratamento dos princípios, as quais, segundo o autor, promovem uma distinção

forte ou fraca entre princípios e regras ou não distinguem os dois institutos. Cabe,

nesse ponto, alguma observação, afinal, talvez a questão não deva ser colocada

nesses termos. Pontue-se que princípios e regras são normas, e isso equivale a

dizer que ambos operam concretizando situações de juridicidade ou antijuridicidade.

Os dois são, igualmente, expostos por meio de enunciados que configuram uma

dada programação normativa. Pode-se afirmar, todavia, que, em geral, considera-se

que princípios são apresentados como sentenças mais abstratas, gerais e

abrangentes, enquanto regras seriam mais específicas. Ora, mesmo esta última

possibilidade de diferenciação não é mais que um critério arbitrário, que implica a

necessidade de definição de graus e níveis de generalidade, abstração e

abrangência, todos de improvável fixação. Admita-se, contudo, uma consagração

pelo uso de ambos os termos e, nos princípios, um componente genérico e

estruturador do sistema, ao passo que regras seriam específicas e mais próximas da

decisão normativa concreta.

Essa concepção se afasta de posições como a de Silva (2003) que, apoiado

em Alexy, defende uma concepção de princípios como “mandamentos de

otimização”. Para o autor, a diferença entre regras e princípios reside em sua

estrutura, e difere das teorias que se fundam em critérios materiais (SILVA, 2003).

Nos termos propostos por Alexy (1993), e também por Dworkin (2000b), qualquer

distinção do tipo hierárquica ou por grau de abstração é insatisfatória, já que a

distinção seria estrutural. As contradições entre regras se resolveriam no plano da

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validade e os conflitos nos princípios por “relações condicionadas de precedência”,

porque esses são mandamentos de otimização, observadas condições fáticas e

jurídicas de cada caso concreto. Princípios seriam, então, normas que exigem que

determinada previsão nela contida seja realizada na maior medida possível. Ao

contrário, as regras seriam realizadas por completo, desde que válidas.

O método de composição de princípios seria o sopesamento, que não se

confundiria com a cláusula de exceção da interpretação jurídica tradicional83. No

caso das regras o resultado seria sempre o mesmo, afirma Alexy (1993), mas no dos

princípios, não, já que “as condições sob as quais um princípio precede a outro

constituem o suposto de fato de uma regra que expressa a conseqüência jurídica do

princípio precedente” (ALEXY, 1993, p. 94). Perceba-se nessa concepção não

apenas o resquício positivista, mas a própria contradição em seus próprios termos,

desde que se nota que na regra o resultado somente será o mesmo se a justificação

da decisão e o contexto forem os mesmos.

Perceba-se, ademais que, em Alexy, sobressai o problema axiológico e sua

suposição de valores comunitariamente compartilhados, distinguindo-o de autores

que enfatizam a questão deontológica, como Habermas, Rawls e Dworkin, que

separam princípios de valores e abrem uma perspectiva valorativa pluralista, que

comparecem como condições de aceitabilidade geral das justificações contidas

nesses princípios normativos. Conquanto, pressuponha algum acordo social, essa

vertente se aparta de Alexy, que confunde os discursos de justificação e de

aplicação, porque não distingue normatividade jurídica, que pode ser racionalizada

segundo certos procedimentos por meio de um sistema especializado, de axiologia,

supondo, ele, a existência de valores socialmente vividos por todos. Não distingue,

então, a validade da norma de sua aplicabilidade. A seguir, trecho em que

Habermas (1997) explicita sua posição:

“Princípios ou normas mais elevadas, em cuja luz outras normas podem ser justificadas, possuem um sentido deontológico, ao passo que os valores têm um sentido teleológico. Normas válidas obrigam seus destinatários, sem exceção e em igual medida, a um comportamento que preenche expectativas generalizadas, ao passo que valores devem ser entendidos como preferências compartilhadas intersubjetivamente. Valores expressam preferências tidas como dignas de serem desejadas em determinadas coletividades, podendo ser adquiridas ou realizadas através de um agir direcionado a um fim. Normas surgem com uma pretensão de validade binária, podendo ser válidas ou inválidas; em relação a proposições

83 Em sentido contrário, conferir em Raz (1972, p. 832-833).

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normativas, como no caso de proposições assertóricas, nós só podemos tomar posição dizendo "sim" ou "não", ou abster-nos do juízo. Os valores, ao contrário, determinam relações de preferência, as quais significam que determinados bens são mais atrativos do que outros; por isso, nosso assentimento a proposições valorativas pode ser maior ou menor. A validade deontológica de normas tem o sentido absoluto de uma obrigação incondicional e universal: o que deve ser pretende ser igualmente bom para todos. Ao passo que a atratividade de valores tem o sentido relativo de uma apreciação de bens, adotada ou exercitada no âmbito de formas de vida ou de uma cultura: decisões valorativas mais graves ou preferências de ordem superior exprimem aquilo que, visto no todo, é bom para nós (ou para mim)” (HABERMAS, 1997, p. 316-317).

Ávila (2005) percorre senda na qual desenvolve uma teoria metafísica dos

princípios que parte de uma classificação que distingue axiomas, postulados e

normas-princípios. O axioma é admitido como uma afirmativa aceita por todos, que

decorreria do simples raciocínio lógico, sendo autoexplicativa e não aberta ao

debate. O postulado seria uma condição de possibilidade do conhecimento de

determinado objeto, considerando-se, porém, que tal objeto não poderia ser

compreendido senão através do próprio postulado (ÁVILA, 2005). Na presente tese

uma tal classificação, de base kantiana, seria carecedora de sentido, eis que

pressupõe um sujeito consciente que diferencia enunciados de acordo com a sua

natureza essencial. Pressupõe uma natureza ontológica de base essencialista

incompatível com uma visão pragmatista do direito, segundo a qual não há, em si,

princípios, axiomas ou instituto jusfilosófico que seja, fora dos termos e condições

dos jogos de linguagem e vocabulários a que se vinculam e dos contextos sociais a

que pertencem. Axiomas são enunciados incompatíveis com a presente abordagem.

Sucintamente, um axioma ou um postulado, tal como expostos por Ávila, são

categorias úteis apenas sob uma epistemologia de base metafísica, que preferimos

desconsiderar, assumindo os termos da crítica moderna a tais posições, conforme

descrito no capítulo 2.

Quanto ao princípio como norma, o citado autor pretende que encontre “seu

fundamento de validade tão somente no direito positivo, de modo expresso ou

implícito” (ÁVILA, 1999, p. 104), não obtendo, portanto, fundamento de validade

evidente em si como o axioma, razão pela qual pode-se dizer “que os princípios, à

diferença das metanormas de validade, instituem razões ‘prima facie’ de decidir”.

Ainda para o autor, “os princípios servem de fundamento para a interpretação e

aplicação do Direito. Deles decorrem, direita ou indiretamente, normas de conduta

ou instituição de valores e fins para a interpretação e aplicação do Direito” (ÁVILA,

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2005). Ávila (2005) sai-se com uma posição que remete a elementos de Hart e de

Alexy, já que afirma que a norma depende de normatividade decorrente de

possibilidades normativas advindas de outros princípios, com possibilidade de

derrogação no caso concreto, e que havendo a chamada colisão de entre princípios,

dever-se-á recorrer a regras de dominância para o caso, não se admitindo qualquer

definição prévia de supremacia. A proporcionalidade, habitualmente tida como

princípio, seria, na realidade, condição para a concretização do direito e, nesse

sentido, não equivaleria a uma norma-princípio, mas estaria qualitativamente acima

destas, já que não busca concretização de si mesma, não prevalece sobre os

demais, mas possibilita a aplicação da teia normativa (ALEXY, 1993). Trata-se, com

efeito, de uma concepção que sugere não apenas distintos níveis normativos, como

leva à ponderação de valores e ao sopesamento de princípios, estratégias de

abordagem jurídica que, já se explicou, remetem à crítica geral do pragmatismo às

linhas epistemológicas fixadas pelo pensamento moderno.

Freitas (1995, p. 57-71) aborda o problema dos princípios de forma um pouco

diversa, enfrentando a questão das antinomias ancorado no chamado princípio da

hierarquização axiológica (FREITAS, 1995, p. 80-90), condizente com sua posição

de assimilação da normatividade não só dos princípios, mas dos valores84, ligado à

questão da Justiça (FREITAS, 1995, p. 90-102). O autor, de modo mais interessante,

invoca o cruzamento dos métodos tópico e sistemático (FREITAS, 1995, p. 102-

110), e, apoiado em Canaris (2007), apresenta sua interpretação sistemática do

direito, que não assimila o unilateralismo do direito livre, mas sintetiza posições

derivadas da hermenêutica filosófica e da crítica das ideologias (FREITAS, 1995, p.

130). Para o autor:

“A essencial identidade do pensamento sistemático e da tópica, bem assimilada, oferece-nos fundadas razões para reiterar que o Direito não pode ser somente forma, sob pena de perecer com ela”. “harmonização de múltiplos conteúdos da vontade jurídica, certo que nunca haverá interseção plena entre o sistema aberto e o positivado, sobretudo quando, acertadamente, não se concebe o sistema como estaticamente realizado” (FREITAS, 1995, p. 133).

Posições como as estabelecidas por Bandeira de Mello (2005), que confere

significância aos princípios e opta por uma distinção fraca, quase instrumental, ou

Canotilho e Moreira (1991, p. 49), que admitem princípios como núcleos de

84 Observe-se a crítica de Eros Roberto Grau ao autor no Prefácio da obra (FREITAS, 1995).

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condensações são, porém, preferíveis, mesmo porque se compreende que o uso de

uma distinção permite certa seletividade exigível em situações complexas pelo

sistema jurídico (TAVARES, 2006, p. 94).

Entre algumas características a serem destacadas, deve-se salientar que

princípios são normogenéticos (CANOTILHO, 1998, p. 1067), isto é, são

fundamentos para as regras (LOPEZ, 2001, p. 56-57). Podem gerar eventuais

conflitos e possibilitar controle negativo da aplicação de regras. Nesse sentido, e

sem adentrar nos traços positivistas presentes na obra do autor, a adequada

definição dada por Bandeira de Mello (1995):

“Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”.

Tem-se, então, que princípios são normas e não diferem de regras senão por

condições de aplicação. Sendo usualmente tomados como mais genéricos e

abstratos em sua formulação, atingem mais casos. Somente no contexto se pode

afirmar a juridicidade de seu uso. Têm múltipla função, cabendo-lhes desde a

indução da produção legiferante, passando pelo controle de juridicidade e chegando

a situações de aplicação direta, no que, aliás, não diferem, de fato, das regras.

Importante também é distinguir a confusão que se faz quando se pretende

que princípios dêem conotação valorativa ao ordenamento jurídico. Tal afirmação

não deve ser abraçada, senão em usos específicos e devidamente justificados.

Embora possam ser vistos como uma tentativa de resgate do lastro ético perdido,

princípios nada mais são que normas jurídicas, e nascem sem o elemento que seria

a peculiaridade ética, a crença na normatividade fundada em uma justificação de

base comunitária e a capacidade de atribuir sentido de certo e errado, bem e mal a

determinada situação. A boa justificativa ética é fundamentalmente diferente da

jurídica, esta racional e tecnicista, aquela tradicional e referida a um ethos que, como

tal, só pode ser vivido. A ética decorre, pois, de uma ‘práxis’ ligada a um “ethos” na

‘polis’, ao passo que o direito moderno se estabelece de forma poiética, norma que

se concretiza. Na realidade, valores transformados em normas jurídicas são

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fenômenos típicos de uma modernidade solapada pelo individualismo85, na qual, no

dizer de MacIntyre (1991), racionalidades éticas rivais disputam a primazia e

inviabilizam o consenso ético, vale dizer, qualquer compartilhamento de valores mais

vasto e uniforme. Embora alguma eticidade tangencial possa irritar o sistema

jurídico, a permitir operações de criação de princípios jurídicos, princípios presentes

no ordenamento são meramente jurídicos.

Princípios expressos em texto legal possuem, exatamente, essas

características indigitadas, ainda que se encontrem em diferentes situações de uso,

o que leva alguns à busca da precisão terminológica que se pode reputar

dispensável no mais das vezes. Afinal, saber se o princípio da motivação é regra ou

se o princípio da razoabilidade é técnica de interpretação é pouco relevante para fins

práticos, ao passo que concluir pelo seu estabelecimento no direito brasileiro faz

diferença concreta, já que implica novos jogos de linguagem segundo o vocabulário

jurídico, ora encorpado, e novas exigências de uso e justificação do direito.

Princípios implícitos são mais complexos, porque demandam justificação

adicional e a admissibilidade de uma base jurídica pluralista. Segundo Perelman

(1998), aliás, não se deve identificar o direito com a lei formal, “pois há princípios

que, mesmo não sendo objeto de uma legislação expressa, impõem-se a todos

aqueles para quem o direito é a expressão não só da vontade do legislador, mas dos

valores que este tem por missão promover, dentre os quais figura em primeiro plano

a justiça” (PERELMAN, 1998, p. 95).

Princípios implícitos não são menos importantes ou hierarquicamente

inferiores, tampouco, são axiomas, mas carecem de adequada justificação para se

estabelecerem legitimamente no sistema do direito. Tal legitimidade é dada tanto

pela justificação quanto pelo uso. Assim, é irrelevante discutir a existência, por

exemplo, do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular no

direito administrativo, uma vez que tal enunciado compõe a linguagem jurídica e foi

coletivamente apropriado e juridicamente decodificado. Se a filtragem de novos

princípios implícitos desafia novas operações do sistema jurídico86, deve-se

perceber, no entanto, que a resposta autopoiética dada pelo sistema tem sido,

crescentemente, a formalização dos princípios mediante texto expresso. Tal

85 Ver seção 3.4 neste trabalho. 86 Ver a questão dos limites que o sistema impõe à decisão jurídica, ao discurso de aplicação, em Sampaio (2005, p. 437).

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tendência, porém, não exclui o problema, que não se reduz ao positivismo realista

hartiano (HART, 2007), mas deve, pragmaticamente, ser comunicativamente

assumido e realizado pelo sistema do direito.

Uma eventual distinção entre princípios e regras, por seu turno, não diz

respeito à natureza de ambas as categorias, não se podendo afirmar, cabalmente, a

distinção entre enunciados normativos, bem como quaisquer consequências

peculiares ou diferenças procedimentais dela decorrentes.

Recorde-se a já assinalada posição segundo a qual regras “devem sempre

ser realizadas por completo”, mas “o grau de realização” dos princípios pode variar,

o que apenas reposiciona uma condição gradualista, como se uma regra não

pudesse ser aplicada parcialmente. Nos termos da metódica esposada nesse

capítulo, e suas conseqüentes conotações de direito e decisão jurídica, falece

sentido a afirmações do tipo “um princípio pode ser aplicado parcialmente, mas uma

regra não”, que acarretam a necessidade de distinção material acerca de graus, total

ou parciais, de realização normativa. Ou, ainda, expressões como “regra contra

regra é tudo ou nada”, se o resultado nos casos de aparentes conflitos entre regras

é imprevisível, e a ninguém é dado afirmar com certeza a declaração de validade de

uma e de invalidade de outra, já que a decisão só ocorrerá no caso concreto.

Observe-se que o uso das normas comporta múltiplas possibilidades de

decisão, como, por exemplo, nos casos em que, em 2007, o Supremo Tribunal

Federal (2007) decidiu a questão da “fidelidade partidária” nos casos do

representante que muda de partido político. Na ocasião haveria um conflito entre

normas que enunciavam, concorrentemente, “não existe pena para o mandatário

que muda de partido” e “o partido é dono do mandato”. Entre as aplicações

possíveis, decidiu-se que o comportamento apontado como inconstitucional em

alguns casos seria possível e noutros não. Foi decisão judicial, a afirmar que a

primeira regra é aplicada em alguns casos e a segunda em outros, conforme o

contexto. Na realidade, as regras se alteraram com a aplicação de outra regra,

criada a partir do caso, qual seja, “não existe pena para quem muda de partido com

justa causa”. E conceito e texto normativo referentes à matéria foram inteiramente

inventados pelo Judiciário, segundo o qual a regra passaria a ser “o partido, sob

certas circunstâncias, é dono do mandato”.

Günther (1993, p. 273) consigna, a esse respeito, que “só podemos supor

aquelas situações de aplicação que podem ser imaginadas em um determinado

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presente ou ponto no tempo com base em nossa experiência conosco mesmos e

com os mundos objetivo e social” (GÜNTHER, 1993, p. 34). Na aplicação é

importante verificar a relação adequada da norma à situação específica. Por isso, é

que coexistem normas válidas no sistema, a disputar entre si a regência de cada

caso (GÜNTHER, 2000, p. 90-91), de maneira que hipóteses de eventual colisão de

normas não se referem a sua validade, mas a sua adequação, ao sentido de sua

aplicabilidade, assistindo razão à metódica concretizante de Müller (2007).

Princípios e regras são, ambos, normas; de ambos são extraíveis regras e

ambos exigem argumentação suficiente e uma concepção do direito como prática

interpretativa, no bojo de uma cadeia de argumentações e decisões entrelaçadas.

Nenhum assegura uma decisão prévia qualquer (LOPES, 2003, p. 49 e ss.), mas

teorias, como a de Dworkin, que incorporam a questão dos princípios à possibilidade

de um discurso moral no direito, são tomadas para tingir de juridicidade qualquer

finalidade pretendida pelo intérprete ou aplicador do direito (LOPES, 2003, p. 50). Ao

contrário, “aplicar regras e aplicar princípios é algo semelhante” e sua diferenciação

não reduz em nada os problemas jurídicos, antes permite disfunções (LOPES, 2003,

p. 58-60).

Recorde-se, neste ponto, passagem veiculada por Black (1970), na qual o

magistrado afirmava que conceitos amplos, como o de devido processo legal,

servem bem para amparar não a defesa da Constituição e da ordem jurídica, mas o

direito de juízes que “perambulam como querem, no terreno ilimitado das suas

próprias crenças, e pela racionalidade, chegam a escolher idéias políticas, cuja

responsabilidade a Constituição confia aos representantes legislativos do povo”

(BLACK, 1970, p. 56). Note-se, na aguda percepção do autor, a presença do risco

de superposição de códigos, a possibilidade de corrupção sistêmica ou de

juridicidade simbólica, vale dizer do discurso jurídico despido de suficiente

justificação, mas efetivo em termos de uso e capacidade de sobreposição do código

do direito pelos códigos da política ou da economia.

Perceba-se, então, que há um vocabulário do direito que se sofistica, quando,

por exemplo, trabalhamos mais com texto escrito, ou quando associamos princípios

e regras, mas, no cerne, estamos falando de um código que identifica o direito e o

distingue do não direito. São normas “dotadas de alto grau de generalidade”

(TAVARES, 2006, p. 92), o que permite sua concretização em contextos diversos e

implica considerá-las superior hierarquicamente (CANOTILHO, 1998), ainda que tal

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hierarquização não conduza à desconsideração das regras (DWORKIN, 2000a, p.

43), ou ao reconhecimento de diferença de estrutura lógica, princípios e regras se

orientando para diferentes objetivos (DWORKIN, 2000a, p. 42-43). Por hierarquia

pode-se entender tão-somente distinção segundo sentenças de justificação ou

necessidade de consistência entre estruturas semânticas mais gerais e abrangentes

e enunciados específicos. A importância dos princípios (GRAU, 2000, p. 98) é

contextual e relacional, em função de determinados objetivos, como a juridicidade e

conteúdos desejáveis em um projeto normativamente adotado.

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8. ESTADO CONSTITUCIONAL, DIREITO PÚBLICO E POLÍTIC AS PÚBLICAS

8.1. Direito público e Estado de Direito

Entre as consequências que se pode extrair da base admitida nesse trabalho

para o estudo da juridicidade das políticas públicas, uma das mais importantes é a

vinculação da matéria ao chamado direito público. A distinção entre direito público e

direito privado (VILHENA, 1996) obedece a uma racionalidade estruturante que,

notadamente, a partir do século XIX (SOUSA e MATOS, 2008, p. 102 e ss.), rompe a

unidade do direito romano sobre o espaço europeizado (RIVERO, 1995, p. 32), não

apenas conferindo autonomia ao direito administrativo (DUPUIS, GUÉDON e

CHRÉTIEN, 2007, p. 12-13), mas, sobretudo, percebendo, em um contexto de

modernidade complexa guiada pela dicotômica relação entre Estado e mercado

(VERDU, 2007), um regime jurídico dotado de racionalidade diversa (RENAUT,

2007) daquela fundada no direito romano reconstituído a partir da passagem da

idade média para a era moderna (LOPES, 2009).

Sobre a divisão entre direito público e privado, Faria esclarece que a ordem

jurídica é una, inexistindo, assim, diferentes direitos (FARIA, 2004). A divisão,

contudo, se justifica por existirem diferentes níveis de relação jurídica, vinculando os

cidadãos entre si, e tratando das situações em que aparece o Estado, a

administração pública, ou o interesse público. As relações entre particulares ficam

sujeitas à racionalidade do direito privado, ao passo que aquelas com a presença

estatal ou afetas à esfera pública são pautadas pelo regime de direito público.

De fato, a noção de direito público passa, fundamentalmente, por uma

compreensão de que as relações sociais que envolvam aspectos coletivos da vida

em sociedade, especialmente aquelas nas quais, direta ou indiretamente,

comparece o Estado87, geram problemas específicos e distintas formas de trabalhá-

los (DAVID, 1998, p. 67 e ss.), razão pela qual devem receber um tratamento jurídico

diferente do que é conferido a situações que envolvam pessoas individualmente

(MORAND-DEVILLER, 2005, p. 16 e ss.). Conquanto se possa, de um lado, argüir a

historicidade do legado formador do regime de direito público88, e, de outro, objetar

87 Ver sobre as peculiaridades da formação estatal em Von Creveld (2004). 88 Ver, por exemplo, sobre a concomitante formação do Estado, do direito romano e de instituições formadoras do direito público em Lopes (2009), Renaut (2007), Wieacker (2005), Skiner (1995).

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que distinções como essa sempre trazem algum componente arbitrário (VILHENA,

1996), deve-se reconhecer que o sistema jurídico absorveu a diferença

internamente, mediante uma operação de redução de complexidade que redefiniu o

direito estabelecendo um campo dotado de elementos peculiares para cuidar de

relações nas quais o Estado participa ou, de alguma forma, paira uma noção de

interesse público89.

É possível indagar se um direito das políticas públicas estaria abrangido pelo

regime de direito público ou, antes, se é instrumento capaz de redefini-lo (BUCCI,

2002). O direito público, especificamente o direito administrativo, tem passado por

inúmeras mudanças nas últimas décadas (MEDAUAR, 1992), refletindo um contexto

social no qual seus elementos de base, nomeadamente o Estado e a idéia de

interesse público (BRESSER-PEREIRA, 1999), têm sido objeto de sucessivas

propostas de reconfiguração (SCHNEIDER e HEREDIA, 2003), rompendo com um

padrão de compreensibilidade forjado nas fundações do regime juspublicista. Alguns

têm apontado uma mudança de paradigma (ARAGÃO, 2007), calcada na

perspectiva da emergência de um novo paradigma de Estado constitucional, dito

Estado Democrático de Direito (CARVALHO NETTO, 1999). Políticas públicas é

tema que interage com essas perspectivas recentemente abertas, comportando

caminhos especulativos os mais variados. Cumpre, assim, verificar o lugar das

políticas públicas entre as divisões do direito.

Três questões prévias se impõem. Determinar a manutenção do direito

público como regime jurídico distintivo e derrogatório do direito comum (GORDILLO,

2000); estabelecer o significado do Estado Democrático de Direito para o

constitucionalismo e seu impacto no direito público; verificar eventuais mutações no

direito administrativo em decorrência desse novo contexto jurídico-social90. Feita

essa análise prévia, poder-se-á aduzir a posição das políticas públicas no regime

jurídico administrativo.

Essas três questões deverão ser apresentadas consoante uma compreensão

dos processos de mudança no sistema jurídico, mediante a qual modificações no

direito ocorrem de maneira autopoiética e a construção social de uma política

constitucionalizada prefere mudanças que carreguem consigo continuidades em sua

89 A respeito do conceito de interesse público, ver neste trabalho a referência ao princípio do interesse público. 90 Ver, por exemplo, em Canotilho (2008) e Sampaio (2004).

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estrutura de significados, a produzir não rupturas, mas extensões evolucionárias

(sullivan, 2007, p. 39). Nesse sentido, a manutenção do regime de direito público

como base linguística é importante para permitir reconfigurações em seus termos91

consoante um dado contexto e consequências visadas, ainda que coordene um

movimento de superação de sua forma original. Note-se que a performance do

direito público, especialmente a do direito administrativo, tem passado certa crise de

canonicidade, o que tem gerado aplicações desiguais do direito, e mesmo um certo

déficit de concretização, que têm como contraponto certa hipertrofia de outras

fórmulas agir jurídico ou pseudojurídico. A manutenção da perspectiva juspublicista

permite, com uma manipulação adequada de seus cânones (LEVINSON, 1988), uma

operatividade do sistema jurídico capaz de manter em cena a tematização de certos

aspectos ainda importantes para a vida em sociedade, tais como os limites e

possibilidades do estatal e do público, bem como as formas de construção do

interesse público em uma democracia, os quais, com toda probabilidade, não serão

alcançados por um regime jurídico baseado em relações entre indivíduos e na

impossibilidade de uma razão pública, qualquer que seja.

Perceba-se, nos termos sugeridos por Levinson e Balkian, que a inserção de

políticas públicas no direito gera problemas de canonicidade, os quais passam pela

resistência à sua assimilação pelos cânones estabelecidos na tradição do direito

administrativo, pela incompreensibilidade das situações de atributividade complexa

de direitos, contrapostas a canonicidade da dicotomia entre direito objetivo e

subjetivo, e, também, pela negativa de sua juridicidade, que fomenta a ruptura com o

cânone por meio de decisões pseudojurídicas, formuladas em termos políticos,

morais ou econômicos. Sustenta-se, neste trabalho, a conveniência de se trabalhar a

partir dos cânones na construção de canonicidades alternativas, sem deturpação do

direito, mas com o reposicionamento de certas questões em termos

contextualizados.

Uma abordagem jurídica das políticas públicas somente é possível em um

contexto que se lhe confira sentido. Assim é que a consagração dessa juridicidade é

fenômeno que se inscreve em uma órbita larga, na qual devem ser percebidos, em

uma linha temporal mais ou menos extensa, alguns fatores, quais sejam: o

paradigma do Estado Democrático de Direito, a reconfiguração do espaço público, o

91 Ver, a respeito de mudanças no campo jurídico, considerações feitas no próximo capítulo. Ver em Balkin e Levinson (2000).

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aparecimento da nova gestão pública, um conceito mais extenso e denso de

cidadania, e o pensamento jurídico pós-positivista.

A inserção das políticas públicas na seara jurídica ocorre, assim, como

prolongamento de idéias e práticas contemporâneas que conduzem as relações

entre política, sociedade e direito. Trata-se, entre outros aspectos, de perceber o

sistema jurídico como instrumento de serviço à coletividade, por meio do Estado92.

Um Estado que se compromete a realizar certas atividades (MORRIS, 2005, p. 382),

e que deve ter no direito seu fio condutor, inclusive no âmbito de prestações sociais

básicas (VERDU, 2007, p. 122-123). Um Estado de Direito que decorre de uma

visão mais ampla do princípio da legalidade, a qual inclui e traduz juridicamente o

espectro axiológico que tangencia a ordem jurídico-constitucional (CAMARGO, 2002,

p. 370 e ss.).

Perceba-se a importância desse contexto, que genericamente poderíamos

classificar como de democratização do Estado, para um tratamento jurídico das

políticas públicas. Afinal, há no modelo anterior um Estado administrativo guiado

pela ação política discricionária93, que é razão suficiente de si mesma e, portanto,

seu parâmetro intangível de avaliação, fundado juridicamente em autorizações

legais meramente formais. Nesse Estado não havia lugar para o exame jurídico de

situações cujo conteúdo o próprio direito não reconhecia94, como a formulação e

execução de políticas públicas.

O Estado trabalha com a imposição do direito sobre a política, sistemas

estruturalmente acoplados, e fornece, comunicativamente, respostas jurídicas para

questões a si submetidas. Perceba-se que o papel social do Estado é aberto a

disputas (JESSOP, 2007), tanto se prestando à disseminação do “mal” (YOUNG,

2007), quanto a soluções democráticas e emancipatórias (SANTOS, 2003), com

redefinição de identidades coletivas, de novas fronteiras políticas e jurídicas, e

presença de uma pluralidade de atores relevantes (MOUFFE, 1993b, p. 3). Abre-se,

nessa perspectiva, um renovado interesse pelo funcionamento do Estado de Direito

(ARNAUD e DULCE, 2000).

92 Essa atuação estatal pode ocorrer de forma mais ou menos direta, mas sempre relacionada com o Estado. 93 Ver, a propósito, em Antunes (2000). 94 Direito esse ainda produzido sob um paradigma político-estatal diverso, que tem como característica a impossibilidade de o ato político ser alcançável pelo direito e, assim, controlado juridicamente.

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Conforme Neumann (1986), pode-se consentir na forma Estado de direito

como realização parcial da utopia socialista, desde que concretizada em termos que

permitam apropriação crescente de direitos pelos cidadãos, em situação oposta à

dos regimes totalitários e autoritários. Lembra Fuller (1969) a esse respeito, que

mesmo que algumas leis da Alemanha nazista houvessem passado pelo

procedimento devido, não havia um verdadeiro sistema legal, no sentido de um

Estado de Direito, porque não havia distinção entre decisões jurídicas e decisões

políticas e a violação do direito pela força da autoridade política era habitual.

Neumann (1986) afirma certa autonomização do direito moderno, vinculado à

democracia representativa e ao Estado de direito, que dissocia de uma

subordinação automática e necessária da economia capitalista e da política estatal.

Para o autor essa união, que ocorre em um dado momento da história, é

circunstancial e, em muitas das vezes, ofende interesses dos poderes político e

econômico. Atenta, no entanto, para o fato de um Estado de direito requerer respeito

à regra do jogo, razão pela qual o exercício legítimo do poder pela autoridade deva

pressupor respeito a essa condição básica, mas não suficiente, considerando-se,

além disso, que a própria justiça substantiva depende da ordem legal e legítima para

se impor em um Estado de Direito (MERQUIOR, 1983, p. 133).

8.2. Constitucionalismo e Estado Democrático de Dir eito

Políticas públicas é tema que aparece juridicizado em um cenário

contemporâneo ao qual acorrem certas tendências, entre as quais Estados

constitucionalizados, constituições abrangentes e indutoras da ordem social, direito

complexo, teoria jurídica tendente a ruptura com o positivismo jurídico, ativismo

judicial e o chamado neoconstitucionalismo, ou, preferivelmente, um

constitucionalismo reflexivo95. Nesse contexto sedimenta-se o conceito e a

experiência do constitucionalismo sob a denominação do Estado Democrático de

Direito, cuja influência se faz notar no regime jurídico administrativo e no direito das

políticas públicas.

95 A adoção de termo específico serve, neste trabalho, para demarcar as diferenças do autor ante a visão habitualmente atribuída ao novo constitucionalismo, que se explicitará logo adiante.

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Estado constitucional que, conforme Hesse, se apresenta como ordem

histórica e material, ligada a relações sócio-culturais que em um tempo presente

pretendem a direção e programação do futuro, sem perda das influências do

passado e da tradição (HESSE, 1998). O citado autor inadmite reconhecer, em

abstrato, um conceito de Constituição, que, em seu foco, aparece sendo ordem

fundamental jurídica de uma comunidade.

Em Hesse, Estado, burocracia e sociedade se relacionam, com precedência

desta última, ainda que verificável uma interação bipolar estabelecida entre o

societal e o estatal. A sociedade é fonte de legitimação para as ações estatais,

enquanto que cabe ao Estado, no plano fático, o exercício do poder por meio de

intervenções concretas, em torno de fins orientados pelos princípios estabelecidos

na Constituição (HESSE, 1998, p. 32-33).

A Constituição traça uma direção que confere à sociedade unidade política e

ao Estado programas e planificação de metas (HESSE, 1998, p. 32). Hesse (1998,

p. 40) abraça uma concepção de Constituição dirigente, pela qual normas

programáticas predefinem a ação estatal mediante organização da administração

pública, fundamentação da ordem jurídica, procedimentos de legitimação

democrática e de mediação de conflitos, e uma ordem de valores com uma

dinâmica, mutável e aberta, que admite a complexidade, as lacunas, a normatividade

implícita ao texto (HESSE, 1998, p. 39 e 44), aliada a um núcleo mínimo de

estabilidade (HESSE, 1998, p. 28 e 40).

Trata-se de uma Constituição aberta, que desenha grandes parâmetros

(HESSE, 1998, p. 39 e 46), e, todavia, assume a forma escrita, a reforçar sua função

socialmente estabilizadora de relações sociais juridicamente mediadas, mormente

porque referencia possibilidades de concretização constitucional (HESSE, 1998, p.

43), em que pese a inafastável iminência de contextos contingentes. Em resumo,

Hesse define o sentido de Constituição:

“A Constituição é a ordem fundamental jurídica da coletividade. Ela determina os princípios diretivos, segundo os quais deve formar-se unidade política e tarefas estatais ser exercidas. Ela regula procedimentos de vencimento de conflitos no interior da coletividade. Ela ordena a organização e o procedimento da formação da unidade política e da atividade estatal. Ela cria bases e normaliza traços fundamentais da ordem total jurídica. Em tudo, ela é o plano estrutural fundamental, orientado por determinados princípios de sentido, para a configuração jurídica de uma coletividade” (HESSE, 1998, p. 37)

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Ainda conforme o aludido autor, “a Constituição cria regras de atuação e

decisão política; ela dá à política pontos de referências dirigentes, mas ela não pode

substituí-los”, o que resulta em influências mútuas (HESSE, 1998, p. 42). A esse

respeito, Castanheira Neves (1998, p. 90) realça que “no plano da determinação, ou

do conteúdo que o jurídico será chamado a objetivar e a atuar, o decisivo estará na

intencionalidade definida por um ‘zweckprogramm’ (programa finalístico ou programa

de fins-objectivos seleccionados e postulados)”.

Hesse vai trabalhar, sob influência de Müller96, a noção de concretização da

norma constitucional. Para tanto, desenvolve os conceitos atrelados à metódica

concretista. Para Hesse, o direito se destina à solução de problemas concretos, o

que permite a criação normativa na aplicação do direito e implica não só uma

atividade tópica, mas condição efetiva de decisão, sempre embasada em

argumentação em torno dos casos e enredada com situações análogas e

precedentes (HESSE, 1998, p. 63). Hesse (1998, p. 66-67) admite o apelo à lógica

do razoável, à proporcionalidade e à pesquisa comparativa, prudência que se

efetivará ante situações concretas, nas quais não são completamente afastados os

métodos tradicionais de interpretação (HESSE, 1998, p. 60-62). Citando Müller,

Hesse atribui centralidade a seu conceito de norma como concretização jurídica,

admitindo as idéias de programa e âmbito da norma, unindo aspectos histórico-

concretos relativos ao contexto e texto normativo dotado de possibilidades

semânticas em uma relação de mútua dependência e vinculadas ao caso concreto.

A concretização da Constituição ocorre, para o autor, desde que esses elementos

agregados e em sintonia permitem uma adequada decisão (MÜLLER, 2000).

Hesse (1991, p. 23 e ss.) adere a essa noção de concretização constitucional

seu princípio da força normativa da Constituição, segundo a qual as decisões em

matéria constitucional devem contribuir para a estabilidade e vigor da Constituição.

Defende que as decisões nesse campo sejam marcadas pela “vontade de

Constituição”, tendo em vista estabelecer uma ordem normativa estável, ampliar os

processos de legitimação democrática, implementar a programação constitucional e

assegurar a abstenção de condutas movidas por interesses específicos e

circunstanciais alheios à direção constitucional, reconhecendo os limites que a

própria Constituição impõe a sua apropriação social (HESSE, 1991, p. 23-26). O

96 Ver Capítulo 8 desta tese.

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autor preleciona, ainda, que entre esses limites estejam a prevalência da posição

emanada da representação democrática, com a lei sendo presumivelmente

constitucional, e a contenção dos tribunais aos objetivos de suas atribuições

funcionais (HESSE, 1998, p. 74), com equilíbrio entre meios de controle abstrato e

difuso e restrição a declarações de inconstitucionalidade aos casos evidentes

(HESSE, 1998, p. 71).

Perceba-se, um conceito de Estado como diferenciação funcional (POGGI,

1981, p. 28) e de Constituição como aquisição evolutiva (LUHMANN, 1996b),

reconhecendo-se, ademais que a teoria constitucinal não se desenvolve senão em

um contexto, histórico e social (BARACHO, 2002, p. 271). Um Estado constitucional

que reflete uma noção forte de Constituição afirmada desde as últimas décadas do

século XX (FERRAJOLI, 1996, p. 69), que visa aprimorar a histórica relação entre

constitucionalismo e direitos humanos (HESPANHA, 2007, p. 285).

Nesse quadro apresenta-se, com impacto direto nas políticas públicas, o

problema da constituição dirigente (STRECK, 2009), descrito na primeira versão de

Canotilho (1998) como projeto a ser alcançado, e em sua revisão como

construtivismo e reflexividade (CANTILHO, 2006). Foco de tensão entre os que

advogam a inexistência de um sentido dirigente na Constituição (ARAGÃO, 2007) e

os que mantêm a defesa de um dado papel do Estado como tarefa constitucional

(BERCOVICI, 2006), o dirigismo constitucional evoca, bem assim, outra tensão,

entre constituição e democracia (ROSENFELD, 2003), deixando latente ainda

disputas por direitos inerentes às formas de apropriação social da constituição

(SUNSTEIN e HOLMES, 1999).

Constituição se apresenta, assim, como crença “nas possibilidades de as

formas jurídicas, assentadas em um padrão de valores e crenças positivadas,

mediarem os conflitos sociais” (SAMPAIO, 2004, p. 59), e a adoção de um caderno

de direitos sociais nas Constituições, com as dificuldades práticas de sua efetivação

(SUNSTEIN, 2004), recorda que questões constitucionais são, afinal, questões sobre

atribuição de direitos em sociedades que divergem sobre valores e bens coletivos

(SUNSTEIN, 2006). Tal complexidade torna admissível, sob uma concepção

pragmatista do sistema do direito, um modelo pluridimensional de Constituição, que

considera, reflexivamente, a Constituição como práxis lingüística (SAMPAIO, 2004),

aberta às disputas próprias das ambições democráticas instaladas na modernidade

tardia.

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A noção de Estado Constitucional vem sendo desenvolvida evidenciando as

faces politica e jurídica da sociedade moderna, de modo a identificar em um o outro,

nos termos formulados por Canotilho (2003, p. 142), percebendo-se em uma ordem

jurídica constitucionalizada um Estado dotado de certa fundamentação dada pelo

direito, ainda que um direito com estatura superior àquela verificada no direito

ordinário (HÄBERLE, 2000). O conceito possui uma trajetória na qual a apropriação

social da Constituição vem sendo, paulatina e crescentemente, dada pelo sistema

jurídico. Caminham em paralelo, nesse processo, elementos como a estrutura do

Estado constitucional, os textos constitucionais e a produção da doutrina jurídica,

podendo-se afirmar um constitucionalismo fruto desse contexto, que hoje se

apresenta de forma eclética, mas dotada de certas peculiaridades, que serão objeto

de breve análise crítica.

De uma maneira geral pode-se apresentar o Estado constitucional

caracterizado pela adoção de constituições rígidas, com um catálogo de direitos

fundamentais e suscetível de controle de constitucionalidade (ZAGREBELSKY,

2003, p. 37). A experiência constitucional contemporânea tem revelado dinâmica

voluntarista, que pretende contrapor um projeto constitucional a pretensões de

hegemonia política e cooptação ideológica (ARIZA, 2003, p. 251), prevalecendo-se

de texto abrangente, instrumentos de intervenção suficientes e doutrina apta a

justificar tais intervenções.

No caso Brasileiro, a Constituição de 1988 ampliou, de forma significativa, o

âmbito da dos direitos fundamentais, da cidadania social e da democracia,

conferindo ao direito protagonismo historicamente singular. Esse conjunto associado

a uma organização do Estado que favorece o ativismo judicial, estabeleceu um

terreno propicio à eclosão do chamado neoconstitucionalismo. Segundo Maia

(2007), as expressões neoconstitucionalismo e pós-positivismo são equivalentes,

embora no Brasil prevaleça a segunda nominação. O autor destaca a posição geral

dessa corrente de oposição ao positivismo que dominou o pensamento jurídico no

século XX, contudo, outros admitem compatibilidade entre neoconsitucionalismo e

positivismo jurídico (COMANDUCCI, 2003, p. 165), enxergando naquele um

aperfeiçoamento deste. O termo tanto pode se reportar a aspetos doutrinários ou

metodológicos do direito, quanto a elementos estruturadores de um tipo de Estado

constitucional (COMANDUCCI, 2003).

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O chamado neoconstitucionalismo tem sido intensamente discutido desde a

década de 1990 (VALE, 2007, p. 68), e sua inspiração está em uma obra variada,

não necessariamente congruente, de autores como Dworkin (2002), Zagrebelsky

(2003), Alexy (2004), Prieto Sanchís (2003), Nino (1989; 2003), ou Ferrajoli (2002;

2004), entre outros, os quais, todavia, compõem um conjunto que teria estabelecido

um novo paradigma no constitucionalismo (ATIENZA, 2004), consubstanciado na

experiência constitucional recente, a comportar denominações como “Estado

Constitucional de Direito” (FERRAJOLI, 2004), ou “Estado Democrático de Direito”,

que, para Baracho Júnior (2000), sintetiza dimensões do Estado e da sociedade,

“esferas complementares e essenciais uma à outra para configuração do regime

democrático”, uma vez que “o grau de complexidade a que as sociedades modernas

chegaram, não mais permite que o Direito seja justificado a partir da autonomia

privada, consoante o paradigma do Estado de Direito ou Liberal, nem a partir de

uma autonomia pública em nível do Estado, conforme o Estado Social” (BARACHO

JR., 2000, p. 166-168)97.

Esse novo constitucionalismo, de feição pós-positivista, teria, algumas

características fundamentais, entre as quais merecem destaque (POZZOLO, 1998,

p. 340 e ss.), o reconhecimento da normatividade jurídica de princípios e valores e

suas interações com a base constitucional; o reconhecimento de uma

interpenetração entre direito, moral e política; o uso de ponderação e

proporcionalidade como método de interpretação e aplicação do direito,

nomeadamente na resolução de conflitos jurídicos; uma abordagem totalizante da

Constituição, que, como Lei Fundamental, inundaria todas as áreas do direito com

sua força normativa, condicionando todo o âmbito da juridicidade, assim como

relações ético-políticas, em geral; e o protagonismo do Judiciário, como autêntico

conformador do direito. Prieto Sanchís (2003, p. 101) resume a matéria da seguinte

forma: mais princípios que regras; mais ponderação que subsunção; mais

Constituição que legislação; mais juiz que legislador.

Trata-se de uma percepção da Constituição como “invasora” das demais

esperas do direito e da política, conforme Guastini (2003, p. 153), que assume o

“modelo axiológico de Constituição como norma” (POZZOLO, 1998, p. 342). Note-

se, nas palavras de Torres (2005), esse sentido de novo constitucionalismo como

97 Perceba-se, todavia, nos termos expostos pelo autor, uma posição que não se enquadra exatamente nos termos gerais aplicáveis ao novo constitucionalismo.

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superação do positivismo e resgate de certo conteúdo moral na normatividade

constitucional (HESSE, 1991):

"De uns trinta anos para cá assiste-se ao retorno aos valores como caminho para a superação dos positivismos. A partir do que se convencionou chamar de ‘virada kantiana’ (kantische wende), isto é, a volta à influência da filosofia de Kant, deu-se a reaproximação entre ética e direito, com a fundamentação moral dos direitos humanos e com a busca da justiça fundada no imperativo categórico. O livro A Theory of Justice de John Rawls, publicado em 1971, constitui a certidão do renascimento dessas idéias" (TORRES, 2005, p. 41).

Segundo Barroso (2006), o novo constitucionalismo é demarcado

historicamente pelo constitucionalismo do pós-guerra, que se inicia na Alemanha e

Itália (ENTERRIA, 1991), se espraiando, posteriormente, por Espanha e Portugal. O

autor lembra que, no Brasil, esse movimento toma corpo após a democratização nos

anos 1980, que teve como marco a Constituição de 1988. No plano teórico, o novo

constitucionalismo presta tributo ao pós-positivismo, desde que busca superar os

limites do constitucionalismo exarado sob influência positivista ou jusnaturalista, com

algumas implicações relevantes, entre as quais, conforme já indigitado, a força

normativa da Constituição, a expansão da intervenção jurisdicional, e o

desenvolvimento de uma metodologia de interpretação mais aberta e flexível,

conforme aponta Calsamiglia (1998, p. 209):

"En un cierto sentido la teoría jurídica actual se pude denominar postpositivista precisamente porque muchas de las enseñanzas del positivismo han sido aceptadas y hoy todos en un cierto sentido somos positivistas. (...) Denominaré postpositivistas a las teorías contemporáneas que ponen el acento en los problemas de la indeterminación del derecho y las relaciones entre el derecho, la moral y la política".

Cumpre assinalar que o novo constitucionalismo não se refere a um

movimento coeso ou a um pensamento homogêneo, mas a posturas admitidas por

um grupo significativo que se empenhou para fornecer novas formas de tecer a

experiência jurídica nos Estados constitucionais, especialmente naqueles

organizados após a segunda grande guerra, cujas constituições se caracterizaram

por marcante conteúdo de direitos fundamentais, neles incluídos os sociais e pela

previsão de controle judicial da constitucionalidade.

Assinale-se, resguardando-se as especificidades teóricas do vasto e

heterogêneo grupo usualmente mencionado como neoconstitucionalista, algumas

questões que esse bloco teórico suscita. Assumindo-se uma crítica geral aos

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excessos do positivismo jurídico, cabe examinar determinados fundamentos e

consequências desse novo constitucionalismo pós-positivista, sem, contudo,

adentrar os meandros dos embates teóricos que derivem de tal exame, eis que nos

primeiros capítulos desta tese essa discussão de fundo já foi enfrentada.

Do ponto de vista epistemológico, a reação pós-positivista, em muitos dos

casos, se assenta em veios teóricos assemelhados ao jusnaturalismo ou a

fundamentos, em alguma medida, metafísicos. Uma visão fundamentalista acerca de

princípios, valores e direitos, e a defesa de um uso indiscriminado desses

elementos, consoante critérios abertos de decisão jurídica, são apenas algumas

dessas manifestações.

Assumir, indiscriminadamente, que direito, moral e política constituem campos

interseccionados, é desconhecer o específico processo de diferenciação social

vivido pelas sociedades modernas. Com efeito, a dificuldade de distinção desses

campos, percebida na obra de muitos dos chamados novos constitucionalistas,

reflete, mais que uma complexidade escapando à análise, um resultado que, por

uma via, reduz o direito a posição assessória, perfazendo um retorno a modelos pré-

modernos de organização social, e, por outra, conduz a um sistema jurídico mais

instável e a tradicionais mediações não jurídicas para a aquisição de direitos.

Consigne-se, então, uma relação entre democracia e Constituição que não

decorre de um conjunto dogmático assentado na hierarquia entre as fontes do

direito, mas de um elemento político central, o sentido de “Estado democrático”

(HESPANHA, 2007, p. 283), que tem na juridicidade sua peculiaridade mais

sensível. Uma juridicidade que se espraia por todas as esferas do funcionamento

estatal, nomeadamente nas políticas públicas, eis que um Estado constitucional

compromissado com direito e democracia é indissociável do acesso dos cidadãos a

direitos, abrangidas as tradições liberal e social (HESPANHA, 2007, p. 303-307),

além dos novos direitos (LIMA, 2007).

Cumpre, pois, tecer algumas considerações sobre o chamado Estado

democrático de direito, que, em termos paradigmáticos, está inserido em uma

trajetória histórica que, desde o ciclo das revoluções burguesas, tem trabalhado, sob

sucessivas modelagens e tipologias, a idéia central, paradigmática, de Estado

constitucional. . Observando as considerações de Kuhn (1994) sobre paradigmas

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científicos98, percebe-se que não há, de fato, com o novo constitucionalismo e a

emergência do Estado democrático de direito, uma ruptura paradigmática, com a

adoção de uma nova linguagem e de novas condições de compreensibilidade pela

comunidade de investigação científica, mas tão-somente mudanças ocorridas dentro

de um mesmo percurso, como ordinariamente acontece nos diversos campos do

conhecimento. Como paradigmático, no direito, foi o surgimento do regime de direito

público, por exemplo. É preferível considerar o constitucionalismo como definição

paradigmática que cobre o Estado soberano em sua feição assumida na

modernidade, na linha que limita direito e política, ou que os acopla estruturalmente

em sistemas especializados e diferenciados. É uma perspectiva que, ademais, está

em harmonia com a opção metodológica que permeia este trabalho, de admitir uma

modernidade reflexiva preferivelmente à noção de pós-modernidade.

O Estado democrático de direito se apresenta como síntese das contradições

dialéticas percebidas entre os Estados liberal e social, no âmbito paradigmático do

Estado constitucional.

O Estado liberal, ancorado no iluminismo, no contratualismo jusnaturalista,

nos ideais burgueses. Um Estado mínimo, nos termos smithianos, contudo

“insubstituível na prestação de algumas atividades para as quais o indivíduo isolado,

ou voluntariamente associado, é impotente” (BASTOS, 2001, p. 11-12), um

gendarme, portanto, no serviço da sociedade que o capitalismo concorrencial e as

revoluções industriais forjou (HOBSBAWN, 1995).

O Estado social, provedor de bem estar geral e compromissado com uma

idéia de cidadania social (MARSHALL, 1967); articulador de prestações nas áreas

da saúde, educação, previdência ou habitação; contraponto aos excessos do

liberalismo, a perceber que sem um mínimo de igualdade material a liberdade só

alcança as elites (SILVA, 1998, p. 102; RAMOS, 1988, p. 46 e ss.). Estado

interventor, a desconfiar, à moda keynesiana, da mão invisível do mercado e do

capitalismo monopolista.

O Estado Democrático de Direito busca superar essas duas formulações

anteriores. Cuida, assim, da manutenção dos direitos alcançados sob os tipos

estatais liberal e social, enquanto repudia o reducionismo neoliberal. Almeja a

superação da dicotomia entre público e privado, assume a perspectiva do “público

98 Ver, a respeito, no capítulo 2.

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não-estatal”, e investe em um Estado mais permeável às demandas sociais,

submisso a imperativos de governança e accountability. Investe na democratização

das relações sociais, amplia os meios de democracia direita e participativa, ao

mesmo tempo em que aperfeiçoa os controles sobre a representação. Reconfigura a

administração burocrática, assimila parcerias com o terceiro setor e reconhece

limites à intervenção no domínio econômico. Reconhece novas gerações de direitos.

A Constituição de 1988 demarca a construção do Estado Democrático de

Direito no Brasil, sinalizando a esse respeito já no preâmbulo e no título primeiro,

mormente nos fundamentos e objetivos da República, e adensa tal propósito ao

longo de seu texto, induzindo um horizonte de efetiva vivência constitucional.

Uma experiência constitucional dinâmica e assentada em práticas

socialmente relevantes abre a possibilidade de um Estado democrático de direito

fincado em uma perspectiva de vivência de Constituição construtiva e reflexiva.

Dessa forma, consente-se a convivência de cânones normativos alternativos,

conquanto se reconheça a necessidade de uma práxis fundada na consistência

entre direito, democracia e decisões jurídico-constitucionais.

Canotilho, nesse sentido, anuncia um horizonte de contratualismo

constitucional, reconhecendo uma concepção de Constituição como documento que

determina organização e direção da comunidade política e o estatuto de seus

membros (CANOTILHO, 2006, p. 26). O autor indica no conceito de democracia

representativa a síntese de elementos republicanos e deliberativistas e, apoiado em

Sunstein, advoga a ampliação das condições operacionais de realização

constitucional sob o Estado democrático (CANOTILHO, 2006, p. 8-9), esclarecendo

que “os tempos da Constituição nunca poderão ser tempos de irreversibilidade,

irrevogabilidade ou perpetuidade” (CANOTILHO, 2006, p. 15).

Neste ponto cabe refletir sobre o sentido de Constituição, na passagem de um

fundamentalismo para um contratualismo democrático mais claro, pluridimensional e

reflexivo, capaz de proteger suficientemente seus principais pontos de risco,

justamente os direitos fundamentais e a democracia, que somente são assegurados

pelo uso, afastando-se, em qualquer hipótese, qualquer pretensão de legitimidade a

simulacros constitucionais, cartas que residem na força traduzida politicamente em

esquemas autoritários e, por isso mesmo, sem relação com uma perspectiva de

constituição assentada em algum contrato social ou em um conjunto de direitos

fundamentais.

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Democracia e republicanismo se fundem nessa concepção moderna de

ordem política fundada em direitos fundamentais (BIGNOTTO, 1994), a justificar

uma república deliberativa baseada na confiança, que agrega legitimidade a

contratualismo, mas que se expõe a riscos de corrupção e crise de legitimação

(CANOTILHO, 2006, p. 20), que se abrem a partir dos paradoxos que sintetizam

democracia e constitucionalismo.

Ely (1980, p. 4-5), nessa seara, propõe um constitucionalismo sóbrio,

vinculado à idéia de democracia, o que deságua em um procedimentalismo que

atribui primazia às escolhas políticas empreendidas pelos representantes eleitos, e a

uma revisão judicial minimalista, atrelada ao controle do processo democrático e do

exercício legítimo das funções estatais (ELY, 1980, p. 101 e ss.) e à defesa dos

direitos fundamentais. Compatibiliza de forma satisfatória, em sua teoria, democracia

e constituição, afastando, outrossim, alternativas de fundo jusnaturalista, como as

esposadas por Rawls (1980) ou Dworkin (2000a). Para o autor aludido decisões

judiciais que substituem decisões de representantes eleitos são incompatíveis com a

democracia, que pretende conciliar consentimento da maioria com proteção das

minorias (ELY, 1980, p. 7-8). Critica, ademais, um sistema jurídico baseado em

decisões principiológicas e valorativas, na defesa de um direito dissociado da

filosofia moral, ainda que isso não signifique a defesa de uma sociedade amoral.

Observe-se os termos em que anota sua posição:

“Nossa sociedade não admite, certamente que não, a noção de um descobrível e objetivamene válido conjunto de princípios morais, pelo menos não um conjunto que pudesse plausivelmente servir para sobrepor às decisões de nossos representantes eleitos” (ELY, 1980, p. 54).

Perceba-se que a perspectiva de Ely, a par de conferir melhor resolutividade à

paradoxal relação entre constitucionalismo e democracia, presta-se diretamente à

avaliação da juridicidade das políticas públicas, especialmente via judicialização da

política, na medida em que repudia a dominância da revisão judicial sobre a

representação democrática, mas também na crítica que faz à subordinação dos atos

emanados dos poderes eleitos às decisões justificadas por valores e princípios que,

ditos gerais, geralmente são fruto de uma ação voluntarista particularizada, ditos

jurídicos, são, de fato, sobreposição da política sobre o direito.

Acentue-se, também, posições como a de Levinson (1988) e Balkin (2003, p.

553 e ss.), que chamam atenção para os limites intencionais da Constituição, que se

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apresenta como programa e texto a ser não só interpretado, mas concretizado, o

que implica um dado contingente, com a possibilidade de alternativas e a

perspectiva do pluralismo que, de certa forma, renovam o poder constituinte

enquanto operam essa realização constitucional. A dimensão da “real Constitution”,

tal como assumida por Levinson (1988), conduz menos à mediação pela revisão que

pela visão cidadã dos fenômenos jurídico-constitucionais.

Aponte-se, como elemento agravante, que a discussão sobre o

constitucionalismo no Brasil não pode prescindir de certas reservas, a considerar

aspectos ideologizantes de nossos processos político-jurídicos (SCHWARZ, 1992),

ou a perspectiva analítica aberta por Neves (2007, p. 93-94), da constitucionalização

simbólica, mediante a qual o direito se despe de sentido específico e se torna meio

de imunização de certa política (NEVES, 2007, p. 89-90), traduzindo um movimento

de pseudomodernização que não se reduz a mera questão de corrupção sistêmica

ou ineficácia normativa (NEVES, 2007, p. 92). Observe-se a posição do jurista:

“Embora constituintes, legisladores e governantes em geral não possam, através do discurso constitucionalista, encobrir a realidade social, totalmente contrária ao welfare state previsto no texto da Constituição, invocam na retórica política os respectivos princípios e fins programáticos, encenando o envolvimento e o interesse do Estado na sua consecução. A constituição simbólica está, portanto, estreitamente associada à presença excessiva de disposições pseudoprogramáticas no texto constitucional. Dela não resulta normatividade programático-finalística, antes constitui um álibi para os agentes políticos. Os dispositivos pseudoprogramáticos só constituem ‘letra morta’ num sentido exclusivamente normativo-jurídico, sendo relevantes na dimensão político-ideológica do discurso constitucionalista-social” (NEVES, 2007, p. 104).

Pode-se referir à falta de concretização de normas constitucionais

programáticas como constitucionalização simbólica, como expõe Pimenta (1999, p.

230-231), todavia, cabem alguns cuidados e reparos a essa vertente analítica. Na

medida em que se admite Constituição como uso de uma dada linguagem e

consequências práticas; normas constitucionais como comunicação especificamente

jurídica e processo concretizante; discurso constitucional como práxis reflexiva e

construtiva, deve-se admitir que a Constituição, programa e âmbito da norma

experienciados contingentemente, possa conter possibilidades jurídicas além

daquelas de cumprimento imediato e de materialização direta. Não obstante, é

principalmente no campo das políticas públicas que tais disposições constitucionais

devem se densificar e, de fato, a não concretização dessas normas, seja por

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corrupção sistêmica seja por constitucionalização simbólica, é um dado significativo,

pois expõe concordatária a possibilidade de direitos regidos por um Estado

Constitucional.

A questão aqui se reporta a um estágio de transição vivido pelo Brasil. Mais

especificamente, se refere à implementação do Estado Democrático de Direito

previsto na Constituição de 1988. De um lado, não se pode afirmar a completa

subordinação da Constituição jurídica à Constituição simbólica, pois a construção

constitucional dos últimos vinte anos evidencia não só o cumprimento, ainda que

parcial, de determinados compromissos sociais constitucionalizados (MONTEIRO,

1998), mas uma apropriação do discurso constitucional pelo sistema jurídico, que

vem se estabelecendo a par da manutenção de esquemas tradicionais ou

corrompidos de dominação.

Assim, não se pode afirmar, categoricamente, que a Constituição cumpre

exclusivo papel simbólico ou ideológico, embora não se possa olvidar uma

experiência recente ainda marcada por decisões, legislativas, administrativas e

judiciais, de caráter pseudojurídico, a revelar tramas decodificáveis pelas linguagens

da política ou da economia.

Igualmente, não é possível enfatizar somente esse último aspecto, já que, em

um processo tormentoso de democratização, o sistema do direito tem se aproximado

de sua função socialmente desejável, na medida em que, mesmo de forma

incipiente, um arcabouço normativo tem traduzido em termos jurídicos a dimensão

das políticas públicas que, pouco a pouco, vêm sendo juridicizadas de fato, o que se

pode notar na normatização de diretrizes, políticas setoriais e regionais, princípios

orientadores, além de planos e orçamentos, nos quais normas programáticas são

densificadas, permitindo que a ação da administração seja sindicada e que haja uma

apropriação socialmente generalizada de um discurso jurídico das políticas públicas,

ainda que entremeado a discursos tradicionais, de cunho clientelista ou

patrimonialista, ou sobrepujado por um discurso ideológico, forjado, principalmente,

pelos campos da economia e da política.

Resta pendente, entretanto, a defesa de posições menos centradas no

Judiciário. A uma, porque um órgão burocrático não deve se ocupar, senão como

controlador, de negócios atribuídos à resolução democrática. Essa constatação não

invalida sua contribuição à democracia, vinculada à universalização do acesso ao

direito, mas implica uma correção de rota em suas intervenções. A duas, porque o

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Judiciário não é a instância mais apta a lidar com questões de Estado complexas, o

que fica patente em inúmeras decisões precariamente justificadas, ora discursos

políticos travestidos, ora decisões jurídicas particulares aplicadas a relações sociais

gerais. A três, porque decisões judiciais não são sindicáveis, inexistindo freios e

contrapesos para equilibrar o alargamento e aprofundamento da revisão judicial. A

quatro, porque provocam disfunções sistêmicas, na política, com a obrigação de

reprogramação sem planejamento, e no direito, pela eventual atribuição de direitos

sem direito para a sociedade.

Perceba-se, ainda, que um Judiciário hipertrófico coíbe hipóteses de

apropriação democrática da Constituição e do direito (LEVINSON e BALKIN, 2000,

p. 400 e ss.), na forma preconizada, por exemplo, por Haberle (1999). Em Levinson

(1988), a par de certo reconhecimento das relações entre direito, política e moral, há,

como principal referência para a normatividade, não os tribunais, mas a “mediação

comunitariamente plural e heterogênea que constrói essa ordem e que

incessantemente a transforma” (AROSO LINHARES, 2008). Tal posição é coerente

com sua defesa da pluralidade canônica, razão pela qual uma posição como a da

Suprema Corte não é mais que, contigentemente, um discurso possível, entre

outros, o que se lhe não retira legitimidade, mas, tampouco, torna menos possível e

desejável que outras narrativas sejam oferecidas em uma experiência constitucional

diversificada, em uma espécie de protestantismo constitucional (BALKIN, 2003, p.

553 e ss.).

Por “protestantismo constitucional” Levinson (1988) entende em cada cidadão

o dever de interpretar a Constituição. Com isso, não apenas os tribunais são

investidos de legitimidade para definir a juridicidade da decisão jurídico-

constitucional, mas todos os indivíduos, de forma não hierarquizada (BALKIN, 2003).

Essa perspectiva confronta uma do tipo católico, que circunscreve decisões

dogmáticas acerca dos fundamentos e práticas constitucionais às Cortes. Tem-se,

então, uma forma descentralizada de experiência constitucional, que percebe a

legitimação de sua normatividade não apenas na palavra de tribunais ungidos, ou

mesmo na legislação e na burocracia, mas no agir individual (LEVINSON, 1988).

Observe-se que todas essas tendências referentes a um Estado

democratizado e uma normatividade constitucional mais influente e concretizável

evidenciam uma revitalização da noção de Estado de direito, a implicar mais

abrangência de um princípio da legalidade recomposto sobre uma base

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principiológica mais ampla (CAMARGO, 2002, p. 370 e ss.). Percebe-se, nessa

arena, uma constitucionalização do direito, como espraiamento do direito

constitucional sobre outros ramos do direito, na medida do alargamento do rol de

direitos fundamentais e seus efeitos horizontais (SILVA, 2005).

Emerge um Estado que deve se abrir às demandas populares (GORDILLO,

1997, p. 98), mormente em face dos desafios impostos pela ordem social

constitucionalmente estipulada (GORDILLO, 1997, p. 73-74). É, aliás, no texto

constitucional que se encontram definições prévias, de forma e conteúdo, acerca de

políticas públicas, o que torna mais sensíveis os jogos políticos desenvolvidos dentro

do Estado (REIS, 1975), mas, sobretudo, torna mais complexo o direito púbico.

Essas previsões constitucionais são estruturantes em um sistema

“autorizativo” de decisões governamentais (SALISBURY, 1968, p. 154), o que

evidencia sua posição de base e sua função de predefinir juridicamente espaços de

atuação estatal por meio de políticas públicas, sabendo-se que “no plano do sistema

jurídico, compreendido em sua complexidade, a regulamentação (da Constituição) é

possível apenas se é aceita sua auto-referência: normas que programam normas -

inclusive a si mesmas” (CORSI, 2001, p. 174-175).

Note-se que essa configuração constitucional tanto dá margem a que se

absorva, com Neumann (1968, p. 30), por exemplo, o papel da lei como

configuração de direitos, e as possibilidades de uma atuação judicial vinculada a um

sentido de atributividade previsto nas leis (NEUMANN, 1968, p. 27). Trata-se de uma

visão segundo a qual a construção democrática demanda vivência constitucional por

meio de procedimentos juridicizados, com a participação de atores sociais

compromissados com a regra do jogo (ELY, 1980). De maneira contrastante, autores

como Barroso (2006) ou Streck (2009, p. 18-19), em diferentes vertentes teóricas,

consideram que decisões que promovem a incidência direta da constituição sobre

situações particulares e concretas respondem aos apelos de uma concepção larga

de democracia, e, conforme Streck (2009, p. 15), ensejam um ativismo que se

conecta a uma proposta de um constitucionalismo brasileiro fundado em uma

hermenêutica da faticidade.

Em que pese a suposta efetividade e, por que não dizer, simplicidade da

defesa da aplicação direta, principiológica do texto constitucional, cabe considerar

que tal aplicação deveria observar o programa normativo constitucional de maneira

mais atenta, avaliando suas possibilidades de construção discursiva não apenas a

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partir de suas elevadas aspirações, mas dos procedimentos juridicamente

determinados para a busca desses fins. Assinale-se, a esse respeito, que tanto

quanto é importante associar modelos democráticos de Estados constitucionais a

enunciados normativos de reconhecimento e garantia de direitos fundamentais,

também o é, e talvez mais intensamente, a implementação de políticas que

defendam, de fato, os interesses das pessoas (FREEMAN, 2006), políticas essas

que, mais que contraponto democrático a um certo tipo de legalismo, sendo

juridicizadas são, igualmente, contraponto jurídico a um certo tipo de democratismo.

8.3. Estado Democrático de Direito e Direito Admini strativo

A forma elementar assumida pelas intervenções materiais promovidas pelo

Estado de direito constitucionalizado é a atividade administrativa submetida à

legalidade estrita. Sob tal noção estabeleceu-se desde o século XIX o chamado

regime jurídico administrativo (RIVERO, 1995).

Definir o regime juspublicista implica operar seus cânones, cujos alicerces

permanecem, ao menos em parte, válidos para a compreensão contemporânea das

relações jurídicas que envolvem o Estado e o interesse público. Tais fundamentos

fornecem importante substrato para se trabalhar juridicamente relações sociais que

envolvem questões gerais e bens coletivos, como as políticas públicas. Permitem,

bem assim, que esse ramo jurídico seja objeto de apropriação societal republicana e

democrática, ainda que se reconheça em sua origem o estado polícia e a justificação

da política hegemônica e da autoridade burocrática. Essa reconfiguração hodierna

ocorre em torno da perspectiva de um Estado poroso e aberto a uma sociedade

plural, da possibilidade de construção dialógica do interesse público, e da

colonização pelo direito dos espaços estatais tradicionalmente circunscritos às

racionalidades política e administrativa, inclusive e especialmente aqueles alvo do

patrimonialismo e do clientelismo.

O regime jurídico administrativo é fundado sobre determinados princípios

fundamentais (ROCHA, 1994), fontes normativas (FARIA, 2002) e uma racionalidade

essencialmente instrumental (FIGUEIREDO, 1994). Seu núcleo, conforme Bandeira

de Mello (2005), é a noção de interesse público, que, de um lado, consigna a medida

de relações jurídicas que se estabelecem sobre equilíbrio peculiar, e, de outro,

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impõe à administração pública constrangimentos singulares. Estritamente, é um

conjunto de traços, de conotações, que tipificam o direito administrativo, colocando a

Administração em uma posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-

administrativa, resultando em um conjunto de prerrogativas e sujeições (DI PIETRO,

2001). Cyrne Lima (1982) se referirá a uma normatividade em cujo cerne o âmbito

da norma indicará uma posição privilegiada da entidade estatal, que se presume

estruturada ao influxo de uma finalidade cogente, predefinida na lei.

A especificidade do direito administrativo é discutida pelo menos desde a

polêmica suscitada por Dicey e sua posição, inspirada em Tocqueville, de defesa da

sujeição da administração à “rule of law”, e consequente crítica com imputação de

autoritarismo ao sistema juspublicista, objeto da defesa então efetuada por Jeze

(CASSESSE, 2000).

Longas discussões foram travadas, desde os autores clássicos, para se

estabelecer critérios de cunho ontológico ou teleológico, metafísico ou empirista,

capazes de fixar um raio de ação desse ramo do direito consagrado pelo uso e por

um vocabulário dotado de inovadores jogos de linguagem. Hauriou (1932)

considerava que o critério deveria observar a pessoa administrativa e a noção de

serviço público. Em Zanobini (1946), o regime juspublicista incidirá sobre toda e

qualquer expressão do exercício da função administrativa. Segundo Alessi (1971),

no entanto, deveria prevalecer o critério material, centrado no Estado. Gordillo

(2000), por seu turno, advoga um critério eclético, pendendo para uma acepção

pragmática, que engloba os enfoques material e funcional, enquanto Cassagne

(2001) aponta a complexidade derivada da contemporânea “ruptura da equação

entre administração e direito administrativo”.

Verifica-se, não obstante, o regime jurídico administrativo como pano de

fundo de um cenário no qual um vocabulário distinto proporcionará, via de regra, a

concretização de uma normatividade caracterizada por soluções diversas daquelas

próprias do direito comum. Sob ótica pragmatista é indubitável a singularidade desse

ramo jurídico, assim como nele se percebe a tipicidade da organização da sociedade

moderna em sistemas sociais especializados e diferenciados, sendo o direito público

uma expressão da redução de complexidade que ocorre no interior do sistema.

Trata-se, pois, de um regime jurídico peculiar (BANDEIRA DE MELLO, 1999, p. 27-

28), historicamente sedimentado (NIETO, 1986, p. 11 e ss.) a partir do Estado liberal

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(ENTERRIA, 1981), e, no caso brasileiro, constitucionalizado em suas linhas básicas

desde 1988 (ROCHA, 1994, p. 15), com inclusão das políticas públicas (RUA, 2001).

A administração pública é considerada o instrumento fundamental por meio

do qual o Estado realiza suas tarefas. O termo Administração Pública pode designar

pessoas e órgãos públicos, no sentido formal, como pode descrever a própria

atividade administrativa, em sentido material (MEIRELLES, 1999, p. 79). Segundo

Faria (2002), “a Administração Pública, em sentindo amplo e do ponto subjetivo,

formal e orgânico, compreende os três órgãos do Estado: Poder Legislativo, Poder

Executivo e Poder Judiciário. Nessa macrovisão da Administração Pública, pode-se

dizer que o Estado é administrado pelos aludidos Poderes, sendo que o Executivo

detém a primazia dessa atividade”.

Em um contexto democrático, a administração pública deve estar vinculada à

realização de objetivos socialmente relevantes. Trata-se, assim, de mecanismo

burocrático-estatal destinado à gestão de bens, serviços e interesses da

coletividade, atividade que deve transcorrer conforme o direito (KELSEN, 1985, p.

278-280 e 309), salientado desde longa data por vasta doutrina. Pode-se afirmar que

o principal problema colocado para o direito público refere-se ao estabelecimento de

um equilíbrio entre a autoridade do Estado, o respeito ao interesse público e às

necessidades coletivas, e a garantia dos direitos inerentes à cidadania.

Esse aparato, que se dirige à execução da função administrativa assume

forma distinta consoante o modelo constante na programação constitucional, o que

implica disputas jurídicas relevantes, assim como normatização a refletir situações

de alta interatividade entre direito e política (DIAS, 1999). Com efeito, nos últimos

quinze anos assistimos, no Brasil, a disputas em torno de concepções de

administração pública, desde a denominada “Reforma do Aparelho do Estado”

(BRESSER-PEREIRA, 1995), promovida por Bresser-Pereira, que se dedicou menos

a discutir o papel do Estado, para debater o tamanho do Estado, como se possível

fosse estabelecer, de forma cabal, um tamanho ótimo e um conjunto limitado de

funções estatais (OLIVEIRA, 1998, p. 56).

Sua proposta teve por objetivo a passagem da administração pública

brasileira do modelo burocrático para o gerencial99, o que gerou reações de toda

sorte (DIAS e SORBILLI Fº, 2003) e revelou, além de evidente compromisso

99 Confira-se no Plano Diretor da Reforma do Estado (BRASIL, 1995).

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ideológico, desconhecimento da concepção weberiana de burocracia como

especificidade moderna, e do patrimonialismo como peculiaridade brasileira. O

paradigma burocrático se baseia em uma descrição geral de Weber acerca das

características da modernidade, que envolve uma dada racionalidade e distintas

formas de organização social, com ênfase na especialização e nos procedimentos.

Sua aplicação nas teorias da administração é coincidente com as fundações desse

campo teórico em suas concepções clássicas e científicas, esposadas por autores

como Taylor, Fayol e, no caso do setor público, Wilson. Alicerça-se, essencialmente,

na separação da administração da tomada de decisões políticas (WILSON, 1887),

pelo estabelecimento de métodos eficazes de execução da atividade administrativa

(TAYLOR, 1991) e pela aplicação de regras de impessoalidade, racionalidade e

organização no estabelecimento de uma burocracia profissionalizada e permanente

(WEBER, 1964, p. 1968; GERTH e MILLS, 1982, 264-265).

Weber (1999) enquadra a teoria da burocracia em sua teoria social, ancorada

na possibilidade de produção de uma ciência compreensiva. Parte, portanto, de

verificações acerca de acontecimentos e estruturas, contextualiza continuamente,

capta a interação necessária entre homens em sociedade e valores presentes no

ambiente cultural. O sentido da ação social é buscado mediante essa ótica

compreensiva, reveladora de comportamentos, valores, conexões e regularidades, e

que permite a interpretação racional dos fenômenos estudados. O modelo

burocrático não é criado por Weber, mas tem nele seu mais destacado pesquisador,

que procurou observá-lo com o rigor científico possível em seu tempo. Coube-lhe,

pois, estabelecer possibilidades relativas ao modelo ideal, as quais ganharam

concretude, gerando modelos adaptados, distorcidos ou corrompidos, conforme as

condicionantes histórico-culturais presentes nas sociedades contemporâneas a que

se submeteram. Pode-se, a partir do próprio trabalho de Max Weber (1999), verificar

alguns elementos, de natureza histórico-cultural, tendentes a relacionar

administração pública, governo e Estado ao termo burocracia. Esclarece Girglioli

(1992, p. 124 e ss.) que o termo burocracia foi empregado pela primeira vez no

século XVIII, em sentido negativo, por certo economista fisiocrata, para designar o

corpo de funcionários do Estado . O uso do termo nesse sentido se popularizou ao

longo do século XIX, sendo usado, por exemplo, por Balzac: “Em França se redige

um milhão de memorandos por ano: aqui impera a burocracia”. No mesmo sentido o

termo foi apropriado pela tradição marxista. Vê-se que, embora se trate do mesmo

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signo, estamos diante de significados diferentes, com trajetórias autônomas

(GIRGLIOLI, 1992).

Weber (1964) escreve, pois, sobre décadas de experiência de burocratização

do setor público. Seu uso do termo é bem diferente, vinculado à necessidade de

expressar tecnicamente determinada tendência ou modelo de administração, e de

dominação social, que verificou ajustado ao mundo industrializado da virada do

século XX. Observe-se que o modelo burocrático, conquanto pudesse ser

igualmente aplicado nas searas pública e privada, como sempre acentuou Weber

(1964, p. 147), guarda estreita relação com o moderno Estado, que se cristaliza a

partir de fins do século XVIII.

No bojo da crítica ao Estado social, o modelo burocrático de administração

estatal foi tido como lento, ineficiente, improdutivo e pouco responsivo, quando não

discriminatório e corrupto (OSBORNE e GAEBLER, 1995; BENH, 1998), deixando

transparecer preconceituosa impressão de que a administração burocrática seja,

necessariamente, marcada por tais atributos. No caso brasileiro são temerárias tais

afirmações, já que burocracia sempre foi experiência entremeada por

patrimonialismo100 e clientelismo (NUNES, 2003).

O cruzamento entre as perspectivas abertas pelo Estado democrático de

direito e as da nova gestão pública (PAULA, 2005) tendem a fornecer novos

contornos para o direito administrativo, que fica encarregado de responder

satisfatoriamente aos problemas trazidos por novas formas de organização na

sociedade pós-industrial. Os limites e as possibilidades da Administração Pública

traçados a partir da normatividade constitucional, dependem tanto do

comportamento da sociedade, quanto da dinâmica interna do aparelho estatal, com

destaque para os dilemas contidos na estipulação de fronteiras exatas para a

aplicação de princípios e regras na atividade da administração pública,

considerando, inclusive, que a efetividade desse direito é duvidosa, em vista de

situações complexas (BOBBIO, 1979, p. 76) e incertas (PEDERIVA, 1998, p. 22).

Nesse sentido, é fundamental discutir a idéia de interesse público, vetor do direito

administrativo.

100 Ver, a propósito, o texto seguinte, em Oliveira Viana (1987): ”Tudo o que na Europa estava dependente de uma decisão de tribunal popular, do povo da aldeia ou do domínio, seja assembléias ou corte judicial, sempre de origem eletiva, era aqui, de norte a sul, por toda parte, ato exclusivo e unilateral, arbitrário e irrecorrível do senhor da terra ou do senhor de engenho”100.

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O conceito de interesse público101 tem sido objeto de debate histórico

(MOREIRA NETO, 2003, p. 139-140)102 e pode, hoje, ser analisado a partir de

fundamentos constitucionais, conquanto seja, em geral, criticado pelas ciências

sociais de orientação liberal que, mais ou menos influenciadas pela idéia de escolha

racional individual, não admitem macro categoria sociais, mas defendem a primazia

de relações interindividuais, preferencialmente no mercado. Assim, é que embora a

questão fundamente o regime jurídico administrativo e esteja no cerne do controle

jurídico das políticas públicas, cuja manipulação não mais ocorrerá apenas ao sabor

de sentimentos morais ou como expressão de uma disputa política, autores como

Ávila (1999) pretendem rediscutir a noção de interesse público, desvinculando-a da

atividade estatal e estabelecendo que o público se constrói a partir de relações

privadas (ÁVILA, 1999, p. 10 e 14).

Sundfeld (1997, p. 145), a esse respeito, assinala que na lei se conforma o

conceito de interesse público. Segundo o autor, o Estado só tem poder em função

de interesse público, e tais poderes devem ser claramente conferidos pelo

ordenamento. Além disso, em caso de oposição entre o interesse público fornecido

pelo direito e o entendido como tal por eventual ocupante do poder, deve prevalecer

a primeira concepção.

Sobre o assunto, Borges (2003, p. 115-116) advoga a existência de “um

interesse público contido e delimitado pela Constituição e pela lei”, o qual apresenta

a forma de conceito indeterminado, ou “noção ideológica” que será preenchida “para

cada sociedade e para cada tempo”, em uma avaliação na qual “não deve entrar

nenhuma dose de discricionariedade do governante” (BORGES, 2003, p. 116). Note-

se, todavia, que a identificação do que seja “interesse público” é complexa e

improvável em termos essencialistas, e qualquer que seja seu conteúdo103, estar-se-

101 Para Bandeira de Mello (2005), por exemplo, "interesse público é a qualidade da coisa essencial ou relevante à realização ou manutenção do bem-estar e desenvolvimento da sociedade ou parte preponderante desta e que, ao mesmo tempo, seja ética, eqüitativa, imparcial, honesta e organizada, aloque eficazmente os recursos e seja eficiente na diminuição dos custos sistêmicos". 102 O autor afirma que, em nosso Estado democrático e fruto da evolução do constitucionalismo pós-positivista, com a afirmação da “regra da eficácia geral dos comandos constitucionais” houve um deslocamento para a sede constitucional da dicção fundamental do interesse público. Para ele não cabe restrição ao elenco de interesses públicos que devem ser atendidos pela Administração, mas tão somente uma avaliação de possibilidade e uma hieraquização desses interesses públicos. 103 Quanto à atribuição de certeza ou verdade para o que seja o conteúdo do interesse público, preferimos uma posição pragmatista, conforme explicitado no cap. 2. Descarta-se pretensão de verdade sobre o sentido de interesse público, criado ou revelado. Isso não impede, contudo, o manejo do termo e seu preenchimento de conteúdo, em vista de condições as mais variadas e, necessariamente, provisórias e reflexivas.

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á diante de uma possibilidade de escolha, que deverá ser enfrentada por meio de

um discurso jurídico, e não apenas político.

O sentido de juridicidade da matéria obriga a seu exame segundo o discurso

possível pelo direito. Saliente-se, então, que não é mais suficiente legitimar políticas

públicas na competência da autoridade de que emanam e na regularidade formal

dos atos que a produzem. Adiciona-se tanto a dimensão de juridicização das

modernas sociedades complexas, quanto uma pretensão republicana de bem

comum como pano de fundo da ação estatal e societal, que, no caso do Brasil, têm

como principal base o documento constitucional104.

A política pública se organiza em função de bens coletivos a serem

alcançados, e será definida em procedimentos determinados, que ocorrem em

arenas institucionais aptas a promover a interação entre poder público e sociedade

(COHEN e ARATO, 2000). Sua tradução pelo sistema jurídico ocorre através de

atribuição de juridicidade, que deve acontecer mediante lei editada sob razoáveis

condições poliárquicas (O´DONNELL, 1998a), a fim de gozar de legitimidade tanto

para assegurar seu “enforcement” e consequente impacto social (VAISON, 1973, p.

661-664), quanto para ser reconhecida como expressão de um ideal republicano,

expressão do bem comum (BIGNOTTO, 2000), que ultrapassa uma visão de

sociedade como ajuntamento de indivíduos e de poder público como espaço neutro.

Com a inserção de políticas públicas no regime jurídico administrativo atrela-

se esse poder público a fins constitucionais e parâmetros legais, ainda que se

reconheça ser essa normatividade de difícil concretização em certos casos

(SHEPSLE e BONCHEK, 1997, p. 80 e 93). Aperfeiçoa-se a proteção da coisa

pública pelo potencial de controle sobre a ação político-administrativa do Estado (DI

PIETRO, 1998, p. 130), no qual se insere uma programação governamental (BIN e

PITRUZZELLA, 2005, p. 182) guiada por princípios jurídicos superiores

(COMADIRA, 2003, p. 757). Revela-se em sua inteireza e complexidade o conjunto

de relações e estruturas administrativas a que se refere Juarez Freitas (1999, p. 96-

97), regido por princípios e regras que exigem interpretação, simultaneamente,

104 Note-se que aqui ficam atreladas dimensões distintas do direito, nota própria da modernidade, que o apresenta em termos de especialização funcional e instrumento de reflexividade, como visto, p. ex., em Luhmann e Giddens, citados, e outra assentada em uma concepção republicana, que deriva de suas origens (BRUGGER, 1999) e ecoa na versão contemporânea do republicanismo, como se vê em Bignotto (2000).

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tópica e axiomático-dedutiva, a sindicar as opções do administrador e a própria

racionalidade das suas decisões (ELSTER, 1989).

Alguns autores têm explorado as possibilidades de um novo direito

administrativo, ao influxo do novo constitucionalismo. Para Barroso (2009), as novas

tendências se orientam pela limitação à discricionariedade, imposição de deveres de

atuação ao administrador, e o fornecimento de fundamento de validade para a

prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente

da interposição do legislador ordinário. O autor ressalta, ainda, três alterações de

grande importância, a saber, a redefinição da idéia de supremacia do interesse

público sobre o interesse privado, a vinculação do administrador à Constituição e

não apenas à lei ordinária, e a possibilidade de controle judicial do mérito do ato

administrativo (BARROSO, 2009, p. 50).

Note-se que, em consonância com esse movimento, verifica-se tanto a

recomposição da idéia de espaço público105, quanto, seu corolário, a perspectiva da

nova gestão pública (SHEPARD, 1996; DINIZ, 1999; FLYNN e STRHEL, 1996;

KETTL, 1998; HOOD, 1998) e do ideal de boa governança (DINIZ, 1997, p. 1-15;

2005; ARAÚJO, 2002; CATALÁ, 1998), que arrostam o modelo burocrático estático e

a noção estreita de governabilidade como estabilidade. Nessa perspectiva, o direito

fornece, desde a matriz constitucional, os parâmetros para uma ação administrativa

pautada tanto pelo planejamento quanto pelo controle de resultados, por meio do

qual o gestor público classifica opções, mensura possibilidades e ordena

preferências em sede de políticas públicas (SANTOS, Wanderley, 1985, p. 43 e 57).

É nesse direito das políticas públicas que se percebe a regulação mais relevante da

atividade estatal, a qual permite a concretização de certas alternativas políticas

(SUNSTEIN, 1999, p. 111 e ss.).

Sundfeld (2009, p. 87) salienta, a propósito, que a tradicional preocupação

com os institutos típicos - atos, contratos, entes e procedimentos - e com

classificações, foi sucedida pelo direito dos princípios. Lembra o autor que o

operador do direito se tornou um “abstracionista prático”, gerindo as dúvidas do

cotidiano com sentenças vagas, como “a dignidade da pessoa humana a tudo

prefere”, ou “o interesse público prefere o privado”. Caminha-se do legalismo para a

105 Ver, como exemplo, Giddens (1998; 2001), Habermas (1997; 2002) e Santos (2006). Há nesses autores, entre outros, apesar da evidente divergência teórica, a preocupação com a reconstituição, em termos ampliados, do espaço público, que é o traço que se está a salientar.

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substantivação, conforme Moreira (2003, p. 73), que acentua a preferência à

legalidade da Constituição pela constitucionalidade das leis, tendo como

“conseqüência da afirmação de um princípio da constitucionalidade” o abandono, de

uma vez por todas, do critério meramente literal de interpretação da lei, ante a

constatação de que “obedecer a lei não é homenagear-lhe a forma, mas reverenciar-

lhe o conteúdo”.

Nessa matéria, recorda Binenbojm (2009) que o direito administrativo ficou,

durante muito tempo, vinculado à idéia de que “administrar é aplicar a lei de ofício”,

caminhando, hoje, para uma vinculação da atividade administrativa ao ordenamento

jurídico como um todo (bloco de legalidade), não a uma espécie normativa

específica (lei formal), com a Constituição se tornando “o elo de unidade a costurar

todo o arcabouço normativo que compõe o regime jurídico administrativo”, e

possibilitando a “superação do paradigma da legalidade administrativa” com a

“substituição da lei pela Constituição como cerne da vinculação administrativa à

juridicidade”. Similarmente, Freitas (2009, p. 312) propõe que o princípio da boa

administração conduza à efetivação de um “direito fundamental à administração

eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência,

motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena

responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas”.

O povo deve ter direito a “governo honesto, obediente à lei e eficaz”106. O

direito administrativo deve ser seu principal meio de garantia desse direito. Com

isso, pretende-se sugerir que não apenas pode se prestar, enquanto programa da

norma e possibilidade de concretização, à transformação social, como também que

devem, operadores do direito, administradores e cidadãos, assumirem empreitada

diversa do mero auxílio acrítico a um Estado107 dedicado a reprimir ou manipular os

anseios populares e subsidiar as classes dominantes (FREITAS, 2000, p. 151),

ainda que remanesça uma questão acerca das condições para que ocorra, de forma

equilibrada, a concretização do direito administrativo em sintonia com os princípios

maiores que informam esse regime jurídico (COMADIRA, 2003, p. 757).

106 Tal como escrito no art. 13 da Constituição do Estado de Minas Gerais. 107 Ver, a propósito, em Chauí (1982, p. 21). Para a autora “através da ideologia, são montados um imaginário e uma lógica da identificação social com a função precisa de escamotear o conflito, dissimular a dominação e ocultar a presença do particular, enquanto particular, dando-lhe a aparência do universal”.

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O direito administrativo assume, assim, características um pouco alteradas

sob o Estado Democrático de Direito, não rompendo com seus institutos tradicionais,

mas possibilitando novas leituras e aplicações. Entre as novas características, pode-

se destacar a adoção de um conceito de legalidade ampla, a participação da

sociedade nas decisões estatais, o controle societal sobre os negócios públicos, a

possibilidade do controle judicial do mérito administrativo, as parcerias com o

segundo e terceiro setores, a dimensão da accountabilty, a necessidade de

argumentação específica para os casos de intervenção no mercado, a juridicização

das políticas públicas.

Além disso, vê-se mais reflexividade e o uso da discricionariedade como

decisão dialógica e adequadamente justificada. O que torna uma decisão, um

discurso decisório, melhor são suas consequências, sua justificação, sua

consistência dentro de certo vocabulário, no caso o código do direito.

Ter-se-ia, no mesmo sentido, e diferentemente do que preconizam, por

exemplo, Barroso, Sarmento e Binenbojm, a precedência do administrador sobre o

Juiz, não por dar a última palavra, mas por dar a aplicação normativa e contribuir

cotidianamente para a fixação de sentido da juridicidade. A superação da decisão

jurídica como subsunção do fato à norma, especialmente em se tratando de casos

complexos é outra característica.

Nesse mesmo cenário, se insere o concerto da separação dos poderes, que

permite não só que se discuta a produção de políticas públicas (ROSE-ACKERMAN,

1992), mas fazê-lo sob a ótica de seu ideal de “independência e harmonia”,

considerando a racionalidade da programação governamental (BIN e

PITRUZZELLA, 2005) e as possibilidades de intervenção do Legislativo e do

Judiciário nas políticas desenvolvidas pelo Executivo (SCHWARTZ, 1991, p. 9 e ss.),

elementos relevantes para a proteção da coisa pública e para a efetividade dos

controles (DI PIETRO, 1998, p. 130) que devem ser exercidos sobre a ação político-

administrativa do Estado (FARIA, 2004).

O direito das políticas públicas pode ser visto como possibilidade de

contraponto às tradicionais formas de se exercer a administração pública. É fator de

permeabilização da ação estatal, já que atua nos dois pólos do direito administrativo,

ampliando as garantias do cidadão, possibilitando mais interferências em geral (mais

instabilidade no campo das demandas, portanto, o que deverá ser trabalhado

juridicamente para redução de complexidade e fornecimento de decisões

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consistentes) e de pauta para o agir da administração, na medida em que são

reforçadas essas pautas e permitida mais “accountabilitty”.

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9. POLÍTICAS PÚBLICAS NO DIREITO BRASILEIRO

9.1. Introdução

A presença das políticas públicas no direito brasileiro é fenômeno que se

distingue no curso da experiência de democratização verificada nas últimas

décadas, destacadamente influenciada pela edição da Constituição vigente. Cabe,

pois, evidenciar suas características principais, seus contornos e fundamentos,

assim como problemas decorrentes das perspectivas de concretização normativa

abertas.

Designar a juridicidade das políticas públicas implica não só admitir sua

referência em determinado tipo de estrutura social, mas, sobretudo, apontar sua

fonte imediata, sua caracterização e sua localização no sistema do direito. Políticas

Públicas são blocos de atividades realizadas pelo Estado, por meios normativos e

materiais, entre os quais as atividades de planejamento, coordenação, programação,

monitoramento, avaliação e controles, a envolver todas as funções estatais,

legiferante, administrativa e jurisdicional.

Note-se que se trata de conteúdo macrojurídico, uma vez que a complexidade

das relações que constrói obriga o olhar geral, capaz de enxergar sentido em

programas, atividades e projetos concatenados e orientados para determinada

finalidade. Políticas públicas, neste aspecto, não se confundem com atos,

procedimentos ou contratos administrativos, embora tais elementos concorram para

sua implementação. No entanto, da mesma maneira que deles se distingue, uma

política pública somente pode receber cuidado jurídico se analisada em sua

integridade, não sendo possível se afirmar, então, que a juridicidade das políticas

públicas se resuma a um somatório de atos administrativos.

Perceba-se, então, que a abordagem jurídica das políticas públicas evidencia

não apenas uma atividade governamental sujeita a controle de juridicidade, mas um

elemento da administração pública próprio do ambiente que se forma nos termos da

nova gestão pública, com o modelo burocrático assimilando ideais de “accountability”

e governança, bem como substituindo os tradicionais controles de meios por

macrocontroles de resultados verifiáveis no âmbito das políticas públicas.

Nesta seara cabem o exame da legitimidade das intervenções estatais e

societais, a análise do processo de produção das políticas públicas e as condições

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para intervenções jurídicas sobre políticas públicas, compreendendo, de forma

especial, o risco da antijuridicidade contida na intervenção pontual, particularizada,

própria do controle do ato administrativo.

Os contornos gerais da juridicidade das políticas públicas se mostram a partir

de uma principiologia que interage com a produção normativa, mas também na

configuração de um espaço de macrojuridicidade, que se consubstancia em vasta

legislação, a definir tanto orientações e diretrizes permanentes, quanto planos

temporários e meios para cada exercício fiscal. Tem-se, contando com esse

programa normativo, múltiplas possibilidades de concretização jurídica das políticas

públicas, alcançando alternativas e os limites da discricionariedade.

Perceba-se que a juridicidade das políticas públicas se funda no Estado

democrático de direito, e que, sob o princípio democrático e suas derivações que

conformam o regime jurídico administrativo, observamos tanto um princípio do

interesse público108, quanto um princípio da juridicidade (DIAS, 1999), que devem

pautar as atividades administrativas do Estado109. A esses princípios se juntam

outros, notadamente no caso brasileiro, em cujo ordenamento estão, em grande

parte, positivados.

De uma maneira sintética se pode afirmar que as opções políticas nesse

modelo constitucional democrático110 deverão ser filtradas pelo direito111. O direito

opera, neste caso, como redutor da complexidade e coloca em termos mais claros e

passíveis de controle ações originariamente processadas pelo código do poder

político. Trazer determinado conteúdo do sistema da política para o do direito

significa, especialmente em um ambiente democrático, proporcionar uma disputa em

termos de um código distinto, no qual o poder não é mais o elemento distintivo, mas

o direito, a identidade jurídica ou não de uma decisão. Isso acarreta, por exemplo, a

possibilidade ampla de discussão sobre políticas públicas, com objeções e

reivindicações a ela inerentes, envolvendo um diálogo no qual participam vários

108 Assume-se que um princípio dessa natureza está implícito e concreto em qualquer documento constitucional que consagre um Estado democrático de direito. A propósito, ver a noção predominante entre nós em Bandeira de Mello (2005). Para um visão alternativa, ver em Ávila (2001). 109 Segundo Reginaldo Santos (2002, p. 935), a Administração Pública é instrumento que serve a determinados objetivos políticos, os quais devem ser explicitados em forma jurídica e ecoam certos valores e compromissos ideológicos socialmente constituídos. 110 Que é potencialmente apto a transformar o caráter meramente regulatório do direito moderno em direito emancipatório, no sentido proposto por Santos (2003b). 111 Ver, em termos gerais, nas obras citadas de Luhmann e De Giorgi (1990), e, em uma concepção que aborda a disputa no campo político, conferir a abordagem de Jessop (1990), construída tanto sob a influência da teoria sistêmica, quanto pela obra de Poulantzas (1981).

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atores, porque deve ser democrático, no qual se constrói e reconstrói uma noção

instrumentalizável de interesse público, e que se realiza, como processo e como

produto, por meio do sistema jurídico112.

No âmbito do direito brasileiro, verifica-se que as políticas públicas têm lugar

no chamado direito público, ou, mais especificamente, no regime jurídico

administrativo, próprio dos ordenamentos de base romano-germânica (DAVID,

1999), que institucionalizam a opção dicotômica entre direito público e direito

privado113. Isso acontece porque tanto constitui matéria relacionada ao Estado, que,

direta ou indiretamente, decide sobre sua formulação e execução, quanto é, por

definição, ligada ao interesse público, o que justifica um tratamento jurídico peculiar,

aplicável aos fatos que envolvem a atividade administrativa do Estado114.

Assim é que serão trabalhados aspectos do regime jurídico das políticas

públicas no direito brasileiro, discorrendo-se sobre a inserção de políticas públicas

na estrutura do regime jurídico-administrativo, com uma explanação sobre suas

características, estruturas e elementos. Na sequência, serão vistas as políticas

públicas na organização da administração pública e em relação com a atividade

administrativa estatal. Suas relações com o ato administrativo serão analisadas, com

ênfase na discussão entre ato de governo e ato administrativo e no problema da

discricionariedade. Da mesma forma se discutirá a influência das políticas públicas

nas contratações e nos procedimentos administrativos. A responsabilidade civil do

Estado no âmbito das políticas públicas será, enfim, discutida, à luz da experiência

recente e do tratamento do tema, em geral, no direito administrativo.

Saliente-se, ainda, para a presença de políticas públicas no texto

constitucional, a induzir uma dinâmica construtivista, por meio da qual seus

programas se desdobrarão, especialmente aqueles que relacionam direitos

fundamentais a políticas públicas, aqueles que estabelecem diretrizes gerais, assim

como os que definem a distribuição das políticas públicas pela dinâmica federativa.

Outro ponto a ser abordado é a principiologia que cerca a matéria.

Reafirmando a posição expressada no capítulo 7, não se distingue uma natureza de 112 Embora não o seja sempre e exclusivamente. Mediante a análise sistêmica aqui esposada, pode-se notar pelo menos o seguinte: que o funcionamento do sistema jurídico não exclui o sistema da política (mas com ele não se confunde); e que, eventualmente, esses sistemas podem funcionar em um esquema funcional pressupondo um a operatividade do outro, no fenômeno que Luhmann denominou acoplamento estrutural. 113 Para uma discussão sobre o tema, ver, entre outros, Vilhena (1996). A propósito da discussão recente no direito público, ver em Estorninho (1996). 114 Ver, por exemplo, Rivero (1995, p. 95-97).

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princípios e regras, mas se reconhece naqueles uma finalidade de alicerçar o

ordenamento, orientando a produção de outras normas ou sua compreensão, razão

de ser de sua confecção semanticamente aberta. Com princípios as possibilidades

de controle ficam mais claras, inclusive no processo legiferante, conquanto os riscos

fiquem patentes em algumas situações, especialmente quando da concretização

jurídica mediante a aplicação direta de princípios.

Entre os princípios aplicáveis às políticas públicas citem-se o princípio do

interesse público, síntese entre republicanismo e democracia aplicada às

necessidades do direito administrativo; o princípio da legalidade, que

contemporaneamente alcança a idéia mais ampla de juridicidade; o princípio da

impessoalidade, vital para a interpretação das complexas teias de relações jurídicas

engendradas pelas políticas públicas; o princípio da publicidade, cuja não aplicação

a contento permite o desconhecimento geral sobre a matéria; além dos princípios,

também previstos no texto constitucional, da moralidade e da eficiência. Além disso,

se aplicam às políticas públicas dois princípios específicos, os da responsabilidade

social e da sustentabilidade, assim como outros três vinculados às condições gerais

de sua efetividade, quais sejam o da macrojuridicidade, que veda intervenções

pontuais em matéria de políticas públicas, o da motivação, que obriga a justificação

adequada, inclusive com a apresentação de amplos diagnósticos, projeções e

metas, e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que se fundem em um

bloco que, algumas vezes, serve para isoladamente justificar qualquer opção,

jurídica ou não, tomada pelo administrador ou por seus controladores com

capacidade de intervenção, notadamente o judiciário.

A normatização jurídica das políticas públicas passa pela produção legislativa,

por sua inserção na agenda governamental e por etapas de execução orientadas

pelo planejamento, estipulado nos termos do regime de direito público. Passa, ainda,

pela consolidação de direitos inerentes às políticas públicas, com reflexo na

cidadania e na democracia.

Problemas e comportamentos antijurídicos relacionados à produção e

execução das políticas públicas são observáveis desde a arena parlamentar, com

destaque para fenômenos como o planejamento ilimitado, a lei orçamentária inócua,

a desvinculação das receitas da União, o descumprimento das leis de planos e

diretrizes para políticas públicas, o planejamento e orçamento desconexos, a

autorização legislativa absoluta somada à ampla discricionariedade, os controles e

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responsabilização ineficientes, as restrições de fato opostas aos meios de controle

interno, os limites do controle de contas e da fiscalização parlamentar, a posição por

vezes dúbia do Ministério Público, que promove a defesa do indivíduo contra o

Estado e seus excessos no campo dos ajustamentos de conduta, semelhantes aos

vistos no Poder Judiciário com a judicialização da política, no curso da qual se

discute o chamado possível orçamentário, reducionismo técnico que minimiza as

relações jurídicas complexas envolvidas nas políticas públicas.

9.2. Aspectos das políticas públicas no direito bra sileiro

Apresenta-se os principais aspectos das políticas públicas no regime jurídico-

administrativo, a partir de uma exposição de seus elementos estruturantes e

característicos. Trata-se de uma abordagem geral da matéria, pela qual serão

apontados elementos que permitam identificar políticas públicas não só na atividade

administrativa do Estado, mas na forma de sua normatividade no direito brasileiro.

Observe-se que o tema em foco coloca em causa uma tradicional abordagem

jurídica, que se resumiria a afirmar o texto constitucional como carta de intenções e

o direito administrativo como forma subordinada. Nessa ótica, políticas públicas não

possuiriam caráter jurídico, pois seriam impróprias ao código do direito, que, como

visto, se aplica mediante distinção de juridicidade em cada caso. Manter-se-ia uma

dualidade, segundo a qual o direito aplicável à atividade da Administração Pública,

reconheceria, de um lado, a juridicidade de atos, contratos e procedimentos

administrativos e, de outro, discricionariedade política na definição e realização de

políticas públicas. Desconsidera-se a possibilidade de concretização, pelo manejo da

função jurídica, de políticas previstas na Constituição, as quais são delineadas a

partir de princípios aplicáveis à administração pública e de normas que tangenciam a

matéria mediante diretrizes, programas, planos e designação de recursos.

O desafio de se trabalhar com políticas públicas sob o direito público115

demanda tanto enfrentar uma concepção limitada do regime jurídico-administrativo,

quanto reconhecer a ampliação das fronteiras do direito sobre o campo da política,

conforme se observou nos capítulos anteriores. Neste passo, a questão da

115 Ver a respeito, por exemplo, em BANDEIRA DE MELLO, 2001.

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discricionariedade, oriunda da tensão entre a escolha pública e uma programação

normativa contida no direito positivo, deve ser encarada em vista de sua importância,

em matéria de políticas públicas, reconhecendo-se, com Faria, suas linhas

assumidas no contexto da democracia.

Note-se que o problema não é apenas o reconhecimento formal da

juridicidade das políticas públicas, mas a afirmação da possibilidade de se definir

como jurídicas ou não situações que envolvem sua formulação e execução, bem

como as conseqüentes condições de limitação, fiscalização e controle, em face do

interesse público116. Nesse ponto devem ser percebidos dois riscos. De um lado, o

de se proceder ao exame da política pública com os instrumentos de análise do ato

administrativo; de outro, o de se utilizar o código da política a pretexto de agir

juridicamente117.

A criação de políticas públicas como função governamental precisa e

permanente coincide com o aparecimento da sociedade capitalista moderna e se

consolida no Estado Social118 em paralelo com o alargamento dos direitos de

cidadania119. Uma Administração Pública de moldagem racional-legal apresenta à

sociedade inúmeras atividades prestadas por um aparato burocrático que age nos

limites e prerrogativas que lhe conferem um regime jurídico excepcional, estipulado

em nome do interesse público. E que hoje é envolvida por valores próprios do

Estado Democrático de Direito, e se apresenta à sociedade, sob o prisma

macrojurídico, por intermédio de políticas públicas. A concentração do direito público

nos tradicionais controles do ato administrativo é insuficiente se as políticas públicas,

que afetam à sociedade como um todo, permanecem sendo geridas sem controle

(BANDEIRA DE MELLO, 2001).

116 Schwartzman (1996), por exemplo, indaga, no cerne de sua reflexão sobre a reforma administrativa brasileira da década de 90, ‘como controlar as instituições de modo a que façam bom uso dos recursos públicos?’ Para o direito, esta questão, que é um problema concreto, se reveste de uma discussão sobre os limites e direcionamentos jurídicos que são impostos à ação do administrador público, inclusive e especialmente no que se refere à definição e execução de políticas públicas. 117 Não se trata, repita-se, de negar as relações entre esses dois campos, mas, antes, de se distinguí-los a fim de estabelecer suas funções e pretender a boa realização de cada uma delas. Só se justifica a juridicização de certo campo em virtude da possibilidade de uma ação jurídica. 118 Embora desde a antiguidade se possam destacar, em sentido amplo, atuações dos órgãos políticos caracterizáveis como políticas públicas. 119 As dimensões da cidadania dadas por Marshall e o conceito de gerações de direitos - criticável na medida em que é redudicionista, e compartimentaliza direitos que devem ser percebidos em unidade sistêmica – são úteis para efeito de visualização da introdução do conceito de políticas públicas no período recente. Sobre o conceito ver em Bobbio (1992) e Vasak (1984, p. 837-850).

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Note-se que esse enfoque tradicional, a reconhecer que a Administração

Pública age por meio de atos ou de contratos administrativos (TÁCITO, 2002, p.

143), reduz-se à análise de um exercício da função administrativa subordinado ao

princípio da legalidade, que dimensiona a legitimidade da atuação do administrador,

na qual se insere a discricionariedade para a tomada de decisões (TÁCITO, 2002).

Não admitiria a categoria políticas públicas, fenômeno ligado a outros campos do

conhecimento que, no plano jurídico, se expressaria atomizado em atos ou contratos

administrativos.

Nessa tradição, os atos seriam ponto jurídico de confluência de três princípios

historicamente atrelados à idéia de Estado de Direito, a saber, a tripartição do poder,

a legalidade dos atos da administração e sua possibilidade de controle jurisdicional,

em sentido amplo (CORREIA, 2001, p. 10). O controle jurídico ocorreria sobre essas

atividades (ato e contrato), nunca sobre a política como um todo. Assim, políticas

públicas ou não seriam matéria jurídica, ou no direito estariam ao abrigo da

discricionariedade. É que, dada a impossibilidade de se considerar, em princípio,

que todas as políticas públicas possíveis podem ser adotadas simultaneamente pelo

administrador120, os operadores jurídicos têm entendido que o direito vigente confere

larga margem de discricionariedade nesse campo121, razão pela qual as leis de

planejamento e orçamento seriam meros rituais destituídos de conteúdo efetivo e as

políticas públicas realizadas não se conectariam ao direito. Araújo (1992, p. 86-87),

por exemplo, afirma que “a discrição caracterizará dado aspecto do ato

administrativo sempre que a norma de direito positivo regulá-lo de modo a

transparecer que, na apreciação do direito e das circunstâncias em que este se faz

aplicável, está o administrador diante de um número determinado ou indeterminado

de opções que se caracterizam como indiferentes jurídicos, pelo que a consideração

axiológica da melhor alternativa se fará por meio de outros critérios que não de

direito”. À noção positivista esposada pelo autor escapa a juridicidade

necessariamente contida na decisão discricionária, que não se apresentará como

resposta unívoca e absoluta, mas, pragmaticamente, como resposta do sistema

120 Porque, do ponto de vista lógico, algumas são contraditórias entre si; e do ponto de vista prático, quer em vista da escassez de recursos, quer em vista da demanda, que é tendencial, são alternativas e, então, concorrentes entre si. 121 A tendência a se adotar um planejamento de políticas públicas aberto à demanda crescente é entendida, por alguns autores em teoria da administração, como March e Simon (1979), como benéfica, a par de sua insustentabilidade defendida por outros, em vista de imposições derivadas da gestão fiscal.

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jurídico que se legitimará nos termos de seu corpo linguístico e de suas

consequências em vista da função do direito.

Além disso, segundo essa mesma perspectiva tradicional, a ação estatal na

seara das políticas públicas decorreria não de atos administrativos, mas de atos de

governo, cujo núcleo seria intangível juridicamente. Nos termos empreendidos neste

trabalho, políticas públicas aparecem como conformadoras de uma noção atualizada

de Estado constitucionalizado, caracterizado pelo componente democrático aliado à

ação dos poderes estatais, à noção de juridicidade se sobrepondo à de legalidade

estrita e à possibilidade de múltiplos controles.

Consigne-se que no direito brasileiro a opção do administrador público, como

quer que se considere a sua natureza122, passa por um balizamento normativo que

confere juridicidade a essa ação e possibilidade de avaliação e controle segundo o

código do direito123. Demanda-se, todavia, uma superação de elementos analíticos

tradicionais, como a intangibilidade do ato discricionário, e as dicotomias entre

Estado e sociedade (SANTOS, 1999), legalidade e legitimidade (GARCIA, 2000), ato

administrativo e ato de governo (GARCIA DE ENTERRIA, 1981)124, além da

exploração de possibilidades conceituais acerca da noção de interesse público, a ser

utilizada como fundamento para a análise jurídica de políticas públicas.

Essa juridicidade pode ser percebida no plano do direito legislado, já que um

exame atento das normas constitucionais e legais nos permite inferir que não se

produzem políticas públicas senão pelas mãos do direito, porém, incorpora-se a um

espectro mais amplo de redimensionamento de estruturas sociais, no bojo do qual o

direito assume uma função destacada, na medida em que substitui ou condiciona a

política por meio de instrumentos mais precisos que o mero jogo do poder, tendentes

a operar de maneira mais adequada a redução de complexidade exigida pela

sociedade contemporânea (LUHMANN, 1998b).

Nesse sentido, não apenas políticas públicas constituem matéria de natureza

jurídica, como sua análise deve ser empreendida levando-se em consideração a

especificidade do código jurídico e da função do direito, quais sejam, afirmar o direito

122 E, neste sentido, nos se afasta uma infrutífera discussão sobre uma improvável distinção, de natureza, entre atos de governo e atos administrativos, e se concentra a discussão em uma prática orientada pelo código que identifica a realização da função jurídica e suas consequências práticas. 123 Sobre a noção de direito aqui utilizada ver, por exemplo, em Luhmann (2002); De Giorgi e Luhmann (1990); Ferrari (1987); Teubner (1993). 124 Para uma visão diversificada: García de Enterría (1981); Mayer (1949); Cuenca (1998); Irujo (1989); Cugurra (1973); Carlassare (1974); Sousa e Matos (2008); Queiro (1969).

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mediante diferenciação entre o que é jurídico e o que não é, e estabilizar

expectativas gerais de comportamento (LUHMANN, 1998b; FERRARI, 1987).

Observe-se que essa peculiaridade tende a escapar à doutrina, na qual ainda

se percebe a adoção de “uma concepção de políticas públicas em direito” que

“consiste em aceitar um grau maior de interpenetração entre as esferas jurídica e

política” (BUCCI, 2002, p. 241), admitindo-se, aliás, que “na discricionariedade há

convivência entre essas duas lógicas (política e jurídica), haja vista a mesma

constituir um processo jurídico de decisão que admite a inserção controlada de

elementos políticos na formação e concretização da norma jurídica” (FRANÇA, 2000,

p. 40).

Ora, um direito que opera sob uma lógica política despe-se de sentido, já que

fica inapto ao cumprimento de sua função125. Se uma decisão jurídica pode ser

tomada conforme a política, não é necessário o direito126. Entendemos, pois, que a

análise jurídica de políticas públicas é possível e deve ser realizada conforme o

direito, ainda que se admita que o sistema jurídico colhe o que lhe comunicam os

outros sistemas, e que algumas vezes direito e política atuam em acoplamento

estrutural (LUHMANN, 1998a; PIRES, 2003).

Políticas públicas devem ser analisadas sob um enfoque jurídico e sistêmico,

incorporando o componente político que há no conceito, para delimitar sua esfera de

abrangência, evidenciando a especificidade do direito e os riscos de deturpação da

lógica que preside sua racionalidade pela política. Assume-se haver um espaço de

atuação propriamente jurídico, impondo uma análise de políticas públicas que

obedeça a uma linguagem apropriada, já que dela dependem eficácia e legitimidade

dessa intervenção.

Mesmo reconhecendo os notórios pontos de contato entre direito e política

(CORREAS, 1995, p. 94), seus conteúdos devem ser depurados em benefício da

precisão na indicação e manejo de um código diferenciador do direito127. É

necessidade que se coloca desde uma suposição segundo a qual é exatamente a

nebulosidade que cobre essa interpenetração entre política e direito que torna

125 Na realidade, o direito retornaria ao papel que tinha em organizações sociais do tipo tradicional (Weber), nas quais somente pode ser visto em esquemas multifuncionais (Parsons). 126 Ver, a propósito, como podem se relacionar tais elementos, na abordagem sobre o uso político das finanças públicas, em Pardini e Amaral (1999, p. 109-110). Não se nega o elemento político, apenas se defende que direito e política operam de forma distinta e que controle jurídico não se confunde com opção política. 127 Ver, a propósito, a posição de Barcelos (2005).

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possível o frágil tratamento jurídico tradicionalmente dispensado à questão. No Brasil

é, acima de tudo, porta aberta para que o direito se esquive de cumprir uma função

emancipatória (SANTOS, 1999) e permaneça a reforçar esquemas de

funcionamento internalizados no campo da política, que obstaculizam mudanças

(AMES, 2003, p. 18) e permitem a manutenção do favor sobre o direito, do

clientelismo sobre a impessoalidade (DIAS, 1999).

Perceba-se que a realização de políticas públicas é parte da função

administrativa desempenhada pelo Estado. Esse liame funcional permite o

estabelecimento de uma determinada morfologia, que será explorada a título

descritivo, com o auxílio de termos jurídicos consagrados, sem a pretensão de

estatuir uma identificação exata e absoluta.

O primeiro elemento estruturante das políticas públicas é sua matéria. Na

medida em que se adota uma ótica contextual para indicar as características do

Estado, tal pressuposto é refletido no conteúdo possível das políticas públicas.

Nesses termos, toda matéria é, em tese, passível de engendrar a formação de uma

política. Em que pese essa possibilidade geral de incorporação de temática variada

nas políticas públicas, deve-se assinalar que a escolha desses conteúdos obedecerá

a uma dada ordem de escalonamento.

É na base constitucional que aparecem certas matérias que,

necessariamente, deverão ser organizadas juridicamente como políticas públicas

(FREITAS, 2003, p. 174). Transparece, nesse reconhecimento de prioridade, a

tensão entre constitucionalismo e democracia (ROSENFELD, 2002), a exigir tanto

que se compreenda a concretização dessas políticas em um movimento longo de

construção constitucional (CANOTILHO, 2008), quanto que essa dimensão jurídico-

política de fundo permita, simultânea e permanentemente, uma experiência e uma

atitude reflexiva sobre seus próprios fundamentos (ACKERMAN, 2006). Observa-se,

assim, a presença de determinados temas relativos a políticas públicas no texto

constitucional redunda em consequências significativas, a serem exploradas.

Não menos importante, todavia, é a forma. Nesse campo, o direito brasileiro

não abre margem à imprecisão formal. Pelo contrário, é mesmo a Constituição que

determina padrões formais para a organização das políticas públicas sob o direito

(COMPARATO, 1995). No plano legal, um modelo de composição jurídica de

políticas públicas é disposto em normas permanentes, que tratam de finanças

públicas, gestão orçamentária e responsabilidade fiscal, e em normas temporárias,

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que disporão sobre planos, diretrizes, objetivos, metas e prioridades da

administração pública, e sobre receitas e despesas a serem realizadas anualmente

pelo poder público. A juridicidade de tais políticas implica, pois, a observância de

uma esfera de legalidade estrita, que compreende o atendimento à forma, a qual,

todavia, não se resume à mera produção de autorizações legislativas amplas e

imprecisas.

Não se admite, assim, que pela expressão políticas públicas possa se

designar todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do

poder público na vida social, conforme pretende Grau (2000, p. 21). Ou, ainda, que

seja qualquer ação do Estado destinada a efetivar direitos fundamentais ou o Estado

Democrático de Direito (FREIRE JR, 2005, p. 47). Trata-se de uma forma específica,

que agrega a ação governamental segundo seu sentido geral de atuação e que “não

consiste, portanto, em normas ou atos isolados, mas sim numa atividade, ou seja,

numa série ordenada de normas e atos, do mais variado tipo, conjugados para a

realização de um objetivo determinado” (SILVA, 2004, p. 103).

Verificada a juridicidade dos procedimentos que atuam sobre as definições de

forma e matéria das políticas públicas, não é admissível desconsiderá-la, nem por

meio da sobreposição de razões político-governativas sobre as jurídico-

normativas128, nem pela afirmação de haver uma principiologia, de fundo

constitucional, que traça a programação das políticas governamentais.

Afirmar que no conjunto de princípios presente no ordenamento é possível se

extrair um programa de ação apto a ser reivindicado (DWORKIN, 1977, p. 11) é

desconsiderar que a densificação normativa imposta a tais princípios é intrumento de

garantia. Afinal, a possibilidade de aplicação direta de princípios em matéria de

políticas públicas encerra uma contradição possível, nos termos da própria base

principiológica, e outra contradição, inafastável, consoante a lógica de construção da

política pública.

De um lado, deriva do conjunto de princípios inscrito no ordenamento

brasileiro uma concepção, também principiológica, de políticas públicas

procedimentalizadas. É improvável uma aplicação bem justificada de princípios

relativos a conteúdos de políticas públicas, que desconsidere sua dimensão

procedimental.

128 Ver a discussão sobre as possibilidades de corrupção do sistema jurídico ou de sua instrumentalização via normatização simbólica na seção 4.7.

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De outro lado, o que se denomina políticas públicas, em um sentido rigoroso,

só pode ser concebido mediante a composição de um conjunto de ações e

programas sobre determinada esfera de atuação estatal, estando bem definidos

fundamentos, objetivos e metas. Como já afirmado, essa estrutura complexa não é

fortuita, mas condizente com um Estado que se pretende democrático e permeável

às disputas oriundas do campo social, na medida em que permite uma

administração justificada, transparente e, em determinadas situações, dialógica. Se

uma intervenção estatal direta, realizada por qualquer dos Poderes, desconsidera

esse feitio, não apenas essa atividade não caracterizará uma política pública, quanto

carecerá de elementos de “accountability” e democracia integrados ao direito.

A complexidade das políticas públicas não permite a identificação, no plano

da administração, de um único agente responsável por sua implementação. Por um

lado, como sua concretização demanda uma rede de agentes a produzir atos,

contratos e procedimentos administrativos, pode-se captar, na especificidade dessas

atividades, uma pluralidade de competências a exercer funções vinculadas às

políticas públicas. Por outro lado, como são perceptíveis em nível macro, pode-se,

também, imputar ao Chefe do Executivo tal competência. Há, porém, a possibilidade

de previsão jurídica específica129, hipótese em que a competência fica claramente

identificada, encorpando-se o processo de accountability.

Note-se que a identificação de um agente responsável pela política pública

oferece um ponto de partida para a análise da mesma, já que todas as atividades a

ela vinculadas se sujeitam aos seus termos. Para fins de controle e fiscalização,

percebe-se uma dimensão abrangente, que condiciona atos, contratos e

procedimentos de uma política a sua racionalidade macro, e permite um eventual,

porém improvável, controle da juridicidade pelo foco do agente. Essa

improbabilidade, aliás, tem em vista o fato de, no mais das vezes, a gestão da

política pública ocorrer por meio de atividades microjurídicas (GRAU, 1981, p. 26 e

ss.).

As políticas públicas, como é próprio do regime jurídico-administrativo, devem

ser ligadas a motivos e fins. Dada sua instrumentalidade, podem ser vistas como elo

entre causas e consequências. Tema caro ao direito público, o motivo, originalmente

discutido na teoria do ato administrativo (FARIA, 2002), é categoria aplicável às

129 Observe-se, por exemplo, o caso da saúde (Lei 8.080, de 1990), ou o planejamento plurianual do governo federal (Lei nº 11.653, de 2008, especialmente o Anexo III; Decreto nº 6.601, de 2008).

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políticas públicas. Razões alicerçadas em objetivos compatíveis com uma noção de

interesse público ou bem coletivo a serem alcançados, constituem elemento

indispensável às políticas públicas. Observe-se que, como as políticas se

desdobram em programas, atividades e projetos, seus motivos devem ser,

igualmente, desdobráveis.

Formalmente, o motivo encontra razão na norma de direito, do qual não pode

se desgarrar. Materialmente, o motivo de uma política pública deve ser

consubstanciado em dados, diagnósticos, opções de governo (COMADIRA, 2003, p.

48), que devem ser objeto de análise jurídico-política, reconhecendo-se, nessa área,

uma situação de acoplamento estrutural entre os sistemas do direito e da política.

Resende (1996, p. 174), apoiado em Laubadere, acentua a importância do motivo,

como elemento essencial à ação estatal, eis que é o núcleo da justificação, a

definição do âmbito da norma, “o motivo de fato e de direito” (FARIA, 2004, p. 135),

que permitirá, associada ao programa da norma, a sua concretização (MÜLLER,

2007).

O motivo possibilita conferir legitimidade à política pública, caracterizando

uma ação estatal subordinada ao interesse público (SEABRA FAGUNDES, 1967, p.

38). Ressalte-se, enfim, que o reconhecimento do motivo como indispensável às

políticas públicas implica uma relação mais estreita entre aspectos ditos materiais e

formais, eis que a plataforma normativa deverá ser coberta por descrições de

cenários e projeções de situações concretizáveis. Diagnósticos e análises

prospectivas devem compor leis e regulamentos que tratam de políticas públicas,

justificando-as e possibilitando seu controle jurídico. Note-se que instrumentos

tradicionalmente tomados como destituídos de valor jurídico, constituindo, no

máximo, boas cartas de intenções, como a mensagem e o plano de governo

previstos no art. 84, XI, da Constituição da República, os relatos contidos nas leis ou

atos administrativos de planejamento setorial, regional ou plurianual, e mesmo, em

alguma medida, as propostas de atuação defendidas por candidatos, com previsão

no art. 11, IX, da Lei 9.504, de 1997, podem ser trabalhadas segundo enfoque

jurídico, isto é, são dotados de normatividade e devem ser observados, implicando

sua eventual violação as consequências próprias de um registro de antijuridicidade,

entre as quais a responsabilização de agentes e a invalidação de atividades em

geral.

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Assim como o motivo, a finalidade da política pública a caracteriza. Trata-se,

nesse caso, das consequências buscadas com a implementação da política, as

quais devem ser identificadas nas projeções e metas afirmadas nas leis de

planejamento e orçamento. Objetivos e metas expressos distinguem os fins

almejados e possibilitam controle e responsabilização. Conforme Silva, a finalidade é

que dá sentido a esse complexo de ações que constitui a política pública, ligada que

está a motivos originados de deveres do Estado, a limites fáticos, e a possibilidade

ampla de controles (SILVA, 2004, p. 103).

Ávila (2004, p. 21) associa finalidade a impessoalidade e enfatiza a

importância do aludido princípio em casos envolvendo políticas públicas, associadas

a metas e à finalidade pública (ÁVILA, 2004, p. 3 e 22), a implicar um dever de

objetividade, imparcialidade e neutralidade (ÁVILA, 2004, p. 46-50; 51-66; e 67-74),

que, ainda que improváveis de forma absoluta, devem ser buscados no

planejamento (ÁVILA, 2004, p. 172).

Perceba-se, nessa seara, a relação umbilical entre motivo e finalidade

(SEABRA FAGUNDES, 1967), o que alarga sua juridicidade. A finalidade pública

deve ser verificada segundo os marcos de cobertura social e territorial e os controles

temporais a que se sujeitará a política pública, mas sua expressão concreta não

pode ser desconsiderada. Vale dizer, uma política pública estabelecida a pretexto de

determinados resultados que, em seu curso ou ao final se vêem frustrados, pode,

em tese, ser invalidada, com efeitos imprevisíveis e responsabilização necessária.

Igualmente, situações de inexistência de finalidades definidas ou de finalidades

múltiplas concorrentes entre si, de impossível concretização, devem ser repudiadas

pelos controles jurídicos. Note-se, pois, que a possibilidade de desvio de finalidade

(BANDEIRA DE MELLO, 1998) é patente nas políticas públicas, desde que

finalidades nominais possam escorar uma gestão governamental alheia a tais

propósitos, ou que a formalização de uma finalidade possa esconder um objetivo

encoberto.

Bucci pretende que se funde em políticas públicas um novo paradigma

distintivo do regime jurídico administrativo (BUCCI, 2002). Observa-se, contudo, que

a incorporação das políticas públicas ao direito ocorre dentro do processo de

formação do direito público, como prolongamento de uma trajetória que, desde o

século XIX, marca relações nas quais o comportamento estatal ou a noção de

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interesse público vinculam certas situações a um direito que não se confunde com o

direito privado.

Não se trata da incorporação do fenômeno a um direito administrativo liberal,

e, paradoxalmente, por vezes justificador de um Estado autoritário, com governo

irresponsável juridicamente e burocracia insulada. Mas de verificar a assimilação do

tema em um direito administrativo democrático, marcado pela cidadania e por um

espaço público que não se resigna ao Estado, no qual políticas públicas assumem

roupagem jurídica. Há, nesse caso, uma adaptação evolutiva do direito

administrativo, em face de um contexto em mutação.

Políticas públicas, em uma abordagem pragmática e construtivista, se insere

no regime jurídico-administrativo como elemento reagente, provocando alterações

em conceitos e práticas, a reforçar, entretanto, seus fundamentos específicos, sobre

os quais a comunidade jurídica opera, inclusive seus pontos de referência

doutrinária e metódica.

Em outra vertente, Grau, na medida em que percebe o direito como função,

especialmente vinculado a um Estado intervencionista, pretende compreensão das

políticas públicas no bojo de uma concepção do direito como estrutura dotada de

potencial de transformação social, a atuar mediante formas de persuasão e

convencimento. O autor situa-se, contudo, vinculado a um enfoque econômico e a

uma teoria do direito na qual dificilmente se distingue nas relações ensejadas pelas

políticas públicas a especificidade funcional do direito.

Políticas públicas compõem a atividade administrativa do Estado, como os

atos administrativos, os contratos e os procedimentos, ainda que possua certa

singularidade130. Tal constatação implica relacionar discricionariedade, governança,

democracia e interesse público, em uma análise abrangente. E vai de encontro à

tradição da doutrina juspublicista, segundo a qual a Administração Pública age por

meio de atos ou de contratos administrativos (TÁCITO, 2002, p. 143), submissa

apenas à legalidade formal.

Há uma tendência de deslocamento da supremacia da legalidade sobre a

ação do Executivo, centrada na equação “lei-ato administrativo”, para a “dimensão

global ordenamento-Administração” (MEDAUAR, 1992, p. 144). Se não perde a

validade a afirmação de que o ponto distintivo do direito administrativo é sua

130 Sobre tal especificidade ver em Garcia (2009, p. 156 e ss). A autora pretende, contudo, certa autonomização da matéria.

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regência pelos princípios da indisponibilidade do interesse público pela

Administração e pela supremacia do interesse público sobre o particular (BANDEIRA

DE MELLO, 2005), é certo que o conteúdo dos conceitos que informam esses

postulados resta mais encorpado.

Mantém-se, de um lado, a Administração como sujeito de prerrogativas

especiais, que a colocam em posição de privilégio frente às regras do direito comum;

e de outro, sua sujeição à realização de deveres em vista de finalidades que lhe são

peculiares. Contudo, o deslocamento ocorre no interesse público, elo de ligação

entre os nomeados princípios fundamentais, que se corporifica em políticas públicas

passíveis de contenda não apenas segundo as regras do poder, mas consoante o

direito. É um interesse público que se propõe a ser disputado em um ambiente

democrático e traduzido juridicamente, com redução da discricionariedade e

expressão concreta em políticas públicas e condições de governança131.

A propósito, é da tradição do direito administrativo, considerar, com Cyrne

Lima (1987), que a relação de administração estrutura-se ao influxo de uma

finalidade cogente, de natureza pública, de forma a que inexista a vontade do

administrador, mas o dever e a finalidade, expressões do interesse público

previamente legitimadas pelo direito. Freitas (1995, p. 12-13) procura atualizar essa

constatação e, apesar de sua noção de valores como direito, percorre a trilha dos

princípios, o que imporá à Administração “princípios superiores”, destinados a

resguardar o interesse público. Daí se afirmar que ao direito, em uma sociedade

democrática, cabe legitimar o exercício do poder pelo Estado (RIVERO, 1995, p. 37),

o que fará estabilizando expectativas socialmente relevantes que cercam a atuação

estatal.

Na medida em que o direito administrativo se concentra nos fenômenos

próprios de seu regime jurídico peculiar, observando-os apenas de maneira unitária,

isolada, sua atividade fica restrita ao universo microjurídico (GRAU, 1981). Este

tratamento, talvez adequado às relações entre particulares132, não se amolda à

medida do direito administrativo, que deve responder à dinâmica ampla da

administração pública. A definição e a execução de políticas públicas são atividades

administrativas que só podem ser percebidas a partir de uma perspectiva

131 Sobre o conceito de governança, depois revisto por diversos autores, ver Banco Mundial (1992). 132 Ainda assim aquelas que poderíamos indicar como sendo relações privadas “puras”, ou seja que são indiferentes ou insignificantes para o interesse público.

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panorâmica, que permita a observação de sua dimensão complexa e múltipla.

Segmentadas, se reduzem a um amontoado de atos e procedimentos

administrativos que, apesar de merecer cuidado jurídico, não alcançam a

generalidade da política pública.

Situações singulares sob a tutela da administração pública se resolvem por

meio de atos e procedimentos. Agregados em categorias por semelhança a

centenas de outros, esses casos revelam a realização de políticas públicas pela

Administração. Perceba-se que a reivindicação jurídica específica somente poderá

se concretizar depois de definida a política pública geral; o ato administrativo que a

ela corresponde deve decorrer da política pública previamente estabelecida pelo

direito133. Note-se que o “policy making process” aparece como um processo uno,

porém complexo, que pode ser visto de forma segmentada, mas permite uma visão

geral (BALLART, 1992, p. 43).

Sob tal ótica pode-se verificar que as políticas públicas reorientam a

organização da administração pública, já que se espraiam pelas estruturas do

aparelho estatal. Desse movimento resulta, entre outros aspectos, mais

complexidade das relações engendradas pelo Estado, com a participação de vários

atores, e adoção de estratégias administrativas de desconcentração,

descentralização (SOUZA, 2001) e parcerias, além de intersetorialidade, com

articulação entre as políticas públicas através do desenvolvimento de ações

conjuntas, transversalidade, característica de uma política que perpassa as demais,

e interfederatividade, com políticas sob responsabilidade de várias unidades

federativas.

Observe-se, então, que são traços jurídicos característicos das políticas

públicas, conforme o tratamento que a matéria recebe no direito brasileiro, os

seguintes: 1) Circunscrição à esfera estatal, para fins de execução direta, indireta ou

associada; 2) Conteúdo material definido em lei, considerados objetivos, prioridades

e pré-definições de ordem constitucional; 3) Previsão legal a respeito de forma e

procedimentos a serem observados; 4) Identificação de ações e programas,

atividades e projetos, a serem desenvolvidos pelo Estado segundo objetivos,

prioridades e metas determinadas juridicamente; 5) Distribuição complexa de

133 Ressalte-se, novamente, que a afirmação do estabelecimento da política pública pelo direito não desconsidera suas demais faces, política, econômica, etc. Recorde-se, também, os casos de omissão no campo da produção da política pública, que ensejará solução pela via dos controles.

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competências, nela incluídas estratégias interfederativas, intersetoriais, transversais

e de descentralização e desconcentração administrativas; 6) Mensurabilidade, em

termos de custos, abrangência, objetivos e metas; 7) Sujeição a mecanismos

complexos de fiscalização e controles, abrangendo aspectos quantitativos e

qualitativos, procedimentos e resultados; impacto econômico, responsabilidade

social e eficiência financeira; e realização por órgãos internos e externos, vinculados

aos três Poderes, ao Ministério Público, aos tribunais de Contas e à sociedade

presente em entidades governamentais e não-governamentais.

9.3. Políticas públicas na Ordem jurídico-constituc ional

A Constituição brasileira expressa relações sociais e se apresenta tanto como

possibilidade emancipatória quanto como campo de disputa e núcleo de resistência

(SANTOS, Reginaldo, 2002, p. 938) em sua trajetória (CANOTILHO, 2006). Carrega

consigo a idéia de “promessas constitucionais” e a perspectiva de políticas públicas

como “fórmula que permita acomodar deveres legais, demandas sociais e limitações

econômicas” (BUCCI, 2002, p. 226).

Assumidamente democrática, a Constituição prefigura políticas públicas em

termos materiais e procedimentais. Em uma democracia constitucional, a escolha de

políticas públicas é condicionada por normas (FEREJOHN e PASQUINO, 2003, p.

23) e o sistema jurídico que a permeia, é uma “aposta institucionalizada”, que

envolve, de maneira especial, limitação sobre o Estado e os governantes a partir da

predefinição, em documentos normativos dos quais o mais importante é a

Constituição, de suas possibilidades de atuação, o que permite aferir a efetividade

do sistema legal (O’DONNELL, 1999b) e da democracia, e sujeitá-los a controle

jurisdicional, interferindo na proteção de minorias e mudança política (ELY, 1980, p.

148).

Na Constituição alinham-se políticas públicas, que, para Monteiro (1982),

compõem o compromisso constitucional. Explorando tipologia consagrada por Lowi

(1966), o autor discute o sentido das políticas em seus marcos jurídicos, recordando

que as chamadas políticas “constitucionais”, políticas públicas que estabelecem

regras sob as quais outras políticas serão selecionadas (MONTEIRO, 1982, p. 23),

definem a legislação infraconstitucional que permitirá o desenvolvimento efetivo de

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políticas públicas (MITNICK, 1997). Em ótica semelhante, Britto (2003) afirma o

dirigismo constitucional sobre as políticas públicas.

Pode-se, com efeito, perceber o espraiamento das políticas públicas pelo

texto constitucional, a condicionar suas condições de concretização em torno de

uma idéia de cidadania social (COMPARATO, 1985, p. 409).

O Estado Democrático de Direito (CARVALHO NETO, 1999) delineado pela

Constituição de 1988 demarca, assim, um compromisso constitucional, e na

normatividade que dele decorre, estão as bases para as políticas públicas, como, de

resto, para as demais atividades governamentais (LOWI, 1966).

A juridicização das políticas públicas acontece, pois, em um movimento de

reconstrução de relações sociais sob o Estado democrático de direito, que alicerça

uma ordem na qual pontificam um sentido de participação democrática, derivado do

reconhecimento da soberania popular134, de responsabilidade social e

sustentabilidade (CANOTILHO, 2003; BOSSELMANN, 2008; KAHL, 2008;

FRENZEL, 2005; FREITAS, 2007), e um princípio de juridicidade, que acolhe o agir

da administração pública em um direito admitido em sentido amplo, que não se

esgota na letra da lei (FIORAVANTI, 1983, p. 606 e ss.), e é sindicável (FARIA,

2004), já que passível de controle amplo pelos meios que proporciona135.

O marco democrático estabelecido na Constituição se caracteriza por uma

concepção de Estado e sociedade relacionados de maneira harmônica e

juridicamente equilibrada. Defere à Administração Pública não apenas um rol de

princípios, procedimentos e controles obrigatórios, mas prevê também que a

Administração atue de maneira planejada e ordenada. Nessa democracia

constitucional (FEREJOHN e PASQUINO, 2003, p. 23) se discriminam atividades

prioritárias136 e se condiciona a produção de políticas públicas. Desse arranjo

derivam um direito administrativo que não se resume a atos e procedimentos, uma

Administração organizada de forma sistêmica e programada, e um governo eficiente

e responsivo. É um perfil sob o qual a escolha pública incidente sobre as políticas

desenvolvidas pelo Estado fica passível de intervenção jurídica (FARBER e

FRICKEY, 1991, p. 132).

134 Ver, por exemplo, a discussão em Arato (2002) e Held (1989). 135 Ver, a propósito, em Antunes (2000) e Leisner (1997). 136 Como, por exemplo, o atendimento à criança e ao adolescente ou a educação, que inclusive dispõe de percentual orçamentário mínimo assegurado.

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É significativo, pois, na discussão do regime jurídico administrativo, o marco

principiológico determinado tanto pela Constituição de 1988, quanto pela evolução

da teoria do direito desde a última quadra do século XX. Uma compreensão do

direito que, como observado nos capítulos anteriores, ultrapassa os marcos do

positivismo que perpassou a razão jurídica no último século tem sido indispensável

para a análise de fenômenos complexos como as políticas públicas, já que permite

considerar o potencial de realização contido na programação governamental

(DWORKIN, 1977), e tal empreendimento não é alcançável satisfatoriamente sem

uma interpretação jurídica capaz de articular comportamento jurídico-estatal,

relações sociais e políticas públicas (VIEIRA, 2008). É que uma análise de

legalidade centrada apenas na regra, que autoriza ou abre a margem de

discricionariedade para a definição da política pública, carrega os riscos da

superficialidade, da ineficácia ou da exclusão da matéria do campo jurídico, o que se

evita com a análise mais ampla aludida (VIEIRA, 2008).

Mencione-se, nesse mesmo contexto, a ampliação de uma noção de

cidadania, simultânea ao reconhecimento de um conjunto crescente de direitos

fundamentais (LIMA, 2008). Tanto quanto reconhece tal dimensão da cidadania e

direciona políticas sociais, a Constituição atribui a um crescente número de atores

sociais o direito ou dever de agir em vista de políticas públicas jurídica e socialmente

demandadas (137.

No Brasil, a Constituição não somente predefine políticas públicas, como,

entre elas, prioriza as políticas sociais, reconhecendo o déficit nacional nessa área

mediante princípios e diretrizes claros (BONAVIDES, 2002). É uma normatividade

que se apresenta de forma abstrata e aberta, suficiente, todavia, para orientar as

instituições sub-constitucionais e dar-lhes consistência (TRIBE e DORF, 2007, p.

148). Verifica-se certo dirigismo constitucional138 sobre as políticas públicas

(BRITTO, 2003), na medida em que se impõe em termos jurídicos o compromisso do

Estado com programas atrelados à cidadania (COMPARATO, 1985, p. 409).

137 É o caso do papel desempenhado por Ministério Público, Defensoria Pública, Ongs, e pelos próprios cidadãos. A respeito da evolução do direito processual nesse campo, ver em Mancuso (2002, p. 751-798). Para o autor, deve-se destacar aqui a inserção de uma dinâmica processual diferenciada para os interesses difusos e coletivos, e o crescimento da judicialização do ato discricionário mediante controle da razoabilidade, além de outros como inversão do ônus da prova, desconsideração da pessoa jurídica, e o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para o âmbito das ações individuais e os juizados especiais. 138 Sobre o conceito, ver em Canotilho (1994). Sobre a posição do autor, revista, ver em Canotilho (2006b). Sobre a questão especifica, ver em Dantas (2007).

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Note-se que essa concepção ampla de cidadania (MARSHALL, 1967)139

consiste não apenas no alargamento do conjunto de direitos fundamentais (LIMA,

2008; BOBBIO, 1982), mas em suas possibilidades de efetivação, exatamente por

meio de políticas públicas. Seja no plano da eficiência da programação

governamental, seja no da eficácia para seus destinatários, essas políticas somente

podem ser tratadas como direito se juridicizadas. Do contrário, permanecerão como

força, favor ou barganha, passíveis de discussão apenas em termos morais ou

políticos.

Nesse raciocínio, a juridicidade das políticas públicas é imperativo de um

sistema social caracterizado pela síntese de elementos republicanos, democráticos e

liberais (O’DONNELL, 1998b), em uma teia de vínculos, na qual sociedade e

cidadania são sujeito da ação e o Estado a estrutura relacional central140. Dessa

premissa conclui-se que a juridicização das políticas públicas alarga tanto as

condições de exercício da cidadania quanto a legitimidade da atuação estatal.

Assinale-se, ainda, que, no cerne da opção entre um Estado juridicamente

vinculado e orientado para políticas públicas e um Estado manejado apenas pela

política e avesso a programação, está a alternativa entre, de um lado, modelos

tradicionais de organização social, baseados em relações sociais verticais e em

desigualdade entre as pessoas, e, de outro, formas tendentes a conferir

horizontalidade social e cidadania enquanto status universalizável.

No caso brasileiro, se trata de enfrentar o patrimonialismo incrustado na

burocracia oficial e a permuta clientelista que permanece instrumento de mediação

relevante, senão fundamental (BAHIA, 2003, p. 143 e ss.). A juridicidade das

políticas públicas e sua possibilidade de controle e reivindicação oferecem não um

maneirismo jurídico adicional, mas a oportunidade de opor uma gramática

universalista, democrática e republicana, a práticas políticas e administrativas

dissonantes da orientação constitucional (NUNES, 2003; DIAS, 2007), que,

presume-se, expressa um projeto legítimo e preferível a estratégias socialmente

excludentes.

Afirma-se, portanto, que políticas públicas contribuem para uma cidadania

emancipada, na qual cada cidadão é crescentemente protagonista no ambiente

139 A propósito da discussão sobre o tema, ver em Dias(2007b). Para o caso brasileiro, ver em Carvalho(2001). 140 Afinal, é o elemento em relação ao qual ocorrem atribuições de sentido normativo e reivindicações de direitos e de legitimidade política.

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social, e que a possibilidade de seu controle jurídico é vital para sua efetividade. Na

prática, que é melhor uma sociedade na qual o atendimento no posto de saúde não

dependa de um bilhete do vereador, mas de prioridades e procedimentos comuns a

todos; a vaga na boa escola pública seja uma questão impermeável à vontade de

um burocrata, parlamentar ou quem quer que seja; e que, na quebra dessas regras

ou procedimentos, possam o cidadão, o promotor de justiça ou o defensor público,

atuar na defesa dos direitos ameaçados ou violados. Políticas públicas tornam-se

jurídicas em um Estado democrático porque nessa circunstância não podem ser

mero favor, mas direito.

Não por acaso, políticas públicas se relacionam a direitos fundamentais,

compondo, não obstante, uma juridicidade complexa, já que a subjetivação de

direitos depende da política pública generalizada e qualquer tratamento exclusivista,

a pretexto de garantir o direito, nega-o quando nega o componente universalista e

macrojurídico da política pública.

A Constituição do Brasil, ao dispor sobre um extenso rol de matérias,

consigna em seu corpo inúmeras diretrizes, mais ou menos bem delineadas, sobre

políticas públicas. Perceba-se que tal dimensão comparece carregada de

juridicidade, a colocar em pauta tanto o problema da reivindicação direta pelo

cidadão de direitos previstos na Lei Fundamental, quanto a questão do caráter

cogente dessas diretrizes, a obrigar a ação dos poderes constituídos.

Diretrizes são linhas ao longo das quais se fazem correr outras linhas, ou

segundo a qual se traça um plano de qualquer trajeto. Diretrizes constitucionais

definem forma e conteúdo das políticas públicas, seja impondo rigor na definição de

planos, meios e objetivos públicos, seja tratando de vasta gama de temas, como a

política econômica, aludida nos arts. 170 a 179, na qual as diretrizes para políticas

públicas ficam sujeitas a níveis de planejamento, geral, regional e setorial, como

também a princípios.

Setores específicos são, igualmente, afetados pela Lei Fundamental, entre os

quais destacam-se as políticas urbana, agrícola e agrária; a política de seguridade

social, desdobrada nas políticas públicas de previdência social, assistência social e

de saúde; a política de saneamento e a de habitação; as de educação (CURY,

HORTA e FAVERO, 2001), de cultura, de ciência e tecnologia, de esportes e de

Lazer. Ainda são mencionadas a política ambiental (FERREIRA, 2001, p. 123), a de

defesa do consumidor e a política de comunicação social. Além disso, a política de

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proteção da família, de promoção do deficiente, do idoso, indigenista, de proteção à

infância e à adolescência, de igualdade racial e de promoção da juventude.

Pode-se afirmar, portanto, que a Constituição estabelece inúmeras definições

prévias no campo das políticas públicas, as quais ficam postas de forma normativa,

o que equivale a dizer que seus destinatários devem observá-las. Isso deve implicar

direitos e obrigações, além de eficaz responsabilização.

Esse modelo de organização do Estado e da Administração Pública exige

variados mecanismos de planejamento e execução de atividades e programas, que

consubstanciam as políticas públicas (TORRES, 2000, p. 60). Observamos políticas

públicas a partir da Constituição, na qual são referidas em diversos momentos. Na

repartição federativa de competências, aparecem nos arts. 21, 25, 30 e 23141.

Incluem-se, não obstante, na definição de objetivos republicanos e na declaração de

direitos, seja nos direitos individuais142, seja nos sociais143. Além disso, em inúmeras

outras cláusulas constitucionais há uma direção para as políticas públicas,

destacando-se saúde, educação, assistência social, previdência, meio-ambiente,

urbanismo, reforma agrária, desenvolvimento, cultura, bem como a própria

administração, tratada no art. 37 e seguintes. Na medida em que atribui ao Executivo

a tarefa de executar políticas públicas conforme a lei, a Constituição não permite que

falte o lastro jurídico144. Pelo contrário, ordena que sua definição ocorra de forma

específica e determinada, desde que induz seu raio de abrangência temática e

impõe que o planejamento público funcione em termos precisos145.

Note-se, assim, a regulação, em termos relativamente precisos, da atividade

estatal que leva à concretização de certas opções políticas (SUNSTEIN, 1990, p.

111 e ss.), e que torna possível haver balizas jurídicas para operações de 141 Respectivamente responsabilidade sobre políticas públicas da União, dos Estados, dos Municípios e as comuns. Recorde-se, nesse último, a inconstitucionalidade por omissão que permanece em face da inexistência da lei complementar a que se refere o parágrafo único do art. 23. 142 Embora o art. 5.° se refira mais claramente às cha madas liberdades negativas, conforme a clássica definição de I. Berlin, podemos verificar na garantia da função social da propriedade ou da defesa do consumidor a indução de políticas públicas. Além disso, é nele que se encontra a garantia da jurisdição, permitindo que toda questão jurídica seja jurisdicionável, tornando possível, no extremo, que a discussão sobre políticas públicas chegue aos tribunais. 143 Ver o art. 7.°, que demarca um extenso programa so cial, na linha do que vem desde a Constituição de 1934, inclusive nas cartas ditatoriais. 144 Ver os arts. 37, “caput” e 84, IV, que expressam essa juridicidade. Ver também em Dias (1999). 145 Dispõe o art. 165 da Constituição sobre a matéria, embora deixe o detalhamento para lei complementar. Em seus parágrafos a norma determina que o plano plurianual estabeleça as diretrizes, objetivos e metas da administração pública, inclusive os programas de duração continuada. A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração, e a lei orçamentária anual tratará das atividades que concretizarão os planos. Além disso, menciona a necessidade de harmonizar essa programação com os programas nacionais, regionais e setoriais.

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classificação e mensuração de políticas públicas, com o ordenamento de

preferências a que se refere Santos (1985, p. 43 e 57). Perceba-se, ademais, que

um juízo jurídico deve levar em conta as possibilidades contidas nos programas de

ação governamental146, à luz de diretrizes e princípios (VIEIRA, 2009) a envolver a

escolha pública juridicamente condicionada (FARBER e FRICKEY, 1991, p. 132).

Na medida em que se sustenta uma juridicidade das políticas públicas e se

enuncia sua fonte constitucional geral, cumpre, na sequência, traçar de forma mais

clara o enquadramento normativo da matéria no direito brasileiro, afinal é à

legislação que cabe o seu trato imediato (MITNICK, 1997). É, também, abaixo do

patamar constitucional, que se instauram disputas políticas, conflitos sociais,

relações as mais diversas, implicando perdas e ganhos para os atores sociais

envolvidos, as quais não “se resolvem nunca no círculo rarefeito dos elegantes

sistemas conceituais, mas na efetiva disputa em torno de políticas específicas”

(SANTOS, Wanderley, 1994, p. 12).

No plano infraconstitucional observamos as políticas públicas inseridas,

necessariamente, nas normas de natureza financeira. Programação governamental

com arrimo parlamentar, o plano plurianual, e as leis de diretrizes orçamentárias e

do orçamento anual devem conter, partindo de elementos mais gerais até os mais

específicos, quantitativa e qualitativamente, as políticas públicas. Embora a tradição

brasileira seja a de tratar essa programação como meras autorizações genéricas,

deve-se atentar para a inconstitucionalidade desse procedimento, pois a orientação

constitucional é justamente no sentido oposto, da perfeita determinação do

planejamento e do orçamento, com atividades, projetos, metas e recursos descritos

da maneira mais adequada possível, com respeito, também, ao princípio da

publicidade, que obriga a que esses textos sejam compreensíveis pelo cidadão. A

balizar a feitura dessas normas estão a Lei n.° 4.3 20/64 e a Lei de Responsabilidade

Fiscal. Nesse sentido, deve-se ressaltar que a ordem jurídica repudia, por

inconstitucionais, as meras aberturas de janelas no orçamento, as autorizações para

atividades gerais ou as regras exorbitantes de suplementação, que equivalem, na

prática, à inexistência de orçamento público e, portanto, da possibilidade do manejo

de políticas públicas (ou de sua inexistência) ao bel prazer do governante.

146 Ver a posição de Dworkin (1977) e o problema, a ser ressalvado, da menção do autor à relação entre direito e política quase como unidade.

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Há, ainda, um conjunto de normas, mais ou menos heterogêneo, que define

políticas públicas, de caráter nacional147, regional ou sistêmico148 e, ainda, planos

setoriais149. Existem, bem assim, leis que tratam de diretrizes para a realização de

políticas públicas150. Observe-se, ainda, em normas mais gerais, como a Lei de

diretrizes e bases da educação (CURY, HORTA e FAVERO, 2001), o Código de

Defesa do Consumidor, e os Estatutos da Criança e do Adolescente ou do Idoso, a

presença de diretrizes para políticas públicas.

Essas normas representam um importante condicionamento jurídico para a

administração pública, e refletem nos direitos do cidadão. Devem, em qualquer caso,

estar presentes na discussão sobre políticas públicas que ocorre quando algum dos

instrumentos de controle é acionado. Permitem o discurso jurídico, que, embora

complexo, coloca a matéria não apenas a serviço de disputas argumentativas, mas

de concretas reivindicações por direitos. Conduzem, enfim, a difícil realização de

transações intertemporais por parte da Administração, que é agente, frente ao

Legislativo, e, especialmente, ao povo, que comparece como principal (SOLA, 2006,

p. 884)151.

É, porém, por meio do planejamento que o Estado fixa suas diretrizes e metas

de trabalho. No direito brasileiro a adoção de um documento formal de planejamento

plurianual, contendo as bases da ação governamental em cada quatro anos, é

obrigatória, por força do disposto no art. 165 da Constituição da República e na Lei

Complementar nº 101, de 2000. Em Minas Gerais, além desse planejamento

quadrienal, a Constituição estadual prevê a necessidade de um planejamento de

longo prazo, que permite projetar estrategicamente a atividade estatal por um

período que incorpora o exercício de vários mandatos eletivos no Poder Executivo.

O planejamento se corporifica nos orçamentos anuais, os quais são balizados, de

forma imediata, pelas leis de diretrizes orçamentárias, todos previstos na

Constituição.

Pode-se afirmar que em um contexto de complexidade crescente, no qual o

Estado realiza inúmeras atividades, cada qual com a sua especificidade, o

planejamento se apresenta como função essencial, a permitir uma ação organizada, 147 P. Ex.: Lei n.° 6.938/81, que define a Política Na cional do Meio Ambiente. 148 P. Ex., as que definem o SUS (Lei 8.080/90) e o SUAS (Lei 8.742/93). 149 P. Ex., a lei n.° 10.172/2001, que dispõe sobre o Plano Nacional de Educação. 150 P. Ex., a Lei n.° 11.326/2006, que estabelece dire trizes para a política de agricultura familiar. 151 A abordagem do autor parte da distinção entre principais e agentes, estes subordinados àqueles, mas com margem de manobra em sua atuação.

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integrada (COMPARATO, 1995, p. 75 e ss.) e indutora do desenvolvimento. Note-se

que “o planejamento coordena, racionaliza e dá uma unidade de fins à atuação do

Estado” (BERCOVICI, 2006), razão pela qual deve constituir obra precisa e ajustada,

sendo medida de racionalidade da intervenção estatal (GRAU, 2000), juridicamente

constituída, eis que “é a condição do plano enquanto lei, debatida e aprovada pelos

representantes do povo, que dá o caráter democrático ao planejamento”

(BERCOVICI, 2006, p. 155), o que obriga à administração o respeito a hierarquias,

prioridades e estratégias, tal como definidos no planejamento (BERCOVICI, 2006).

Perceba-se que essa “hipercomplexidade” se apresenta no direito das

políticas públicas (GARCIA, 2009, p. 124) e implica a necessidade de compreensão

da matéria como “macropolítica pública” (GARCIA, 2009, p. 156), admitindo-se a

obrigação de planejamento e orçamento como decorrência do regime jurídico das

políticas públicas (SILVA, 2004, p. 123 e ss.). A juridicidade do planejamento impõe

a possibilidade de se exigir determinados comportamentos em vista de sua previsão

normativa (SOUTO, 1997, p. 43-44). Há necessidade, porém, de o plano refletir uma

verdadeira estratégia de concretização de políticas públicas (SOUTO, 1997),

devendo-se considerar, portanto, a relação com o princípio da eficiência (FREIRE

JR., 2005, p. 82-85) e a possibilidade de controle nos casos de disfunção estatal

(FREIRE JR., 2005, p. 68-71).

O caso da saúde é exemplar nesse sentido, já que se trata de uma estratégia

de política pública interfederativa, podendo-se citar o caso da divisão da

responsabilidade pela distribuição de medicamentos entre os entes federativos, nos

termos da Portaria n.º 2.981, de 2009, do Ministério da Saúde (SANTOS JR., 2010,

p. 644), em que pese decisões judiciais tanto corroborando os termos da medida

administrativa152, quanto em sentido divergente153. Observe-se que a intervenção no

campo da saúde ocorre rotineiramente, mas, em outras áreas assemelhadas, não

acontecem. Não se conhece, por exemplo, decisão judicial que tenha alterado o

valor do benefício previsto na Lei nº 10.714, de 2003, ainda que a lógica de

intervenção sobre a política pública pudesse ser a mesma. De fato, o corte linear

promovido no campo da assistência é mais respeitado que o verificado na saúde,

embora se trate de dimensões similares da política social (ORTIZ JR., 2006, p. 100).

152 Ver, por exemplo, na decisão do TJRS no Agl 70019855113 (Relator: Des. Araken Assis. J. em 26.09.2007). 153 Ver a decisão do STF em STA 328-AgR (Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, J. em 24.06.2010, Plenário, DJE de 13-8-2010).

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Levando-se em consideração condicionantes constitucionais e legais, os

objetivos do poder público, dentro de um dado período, são definidos no

planejamento, os quais devem ser priorizados e traduzidos em programas e

atividades, com especificação de metas, valores e prazos. É no planejamento, como

já visto, que as políticas públicas se delineiam e são dimensionadas. A partir desse

instrumento é possível se aferir o sentido das políticas públicas a serem realizadas

pelo Estado, com identificação de custos, compromissos políticos e públicos a serem

beneficiados (CAMARGO, 2006, p. 190).

No planejamento se coloca uma discussão sobre políticas públicas, que

envolve disputas a partir de variadas concepções de Estado e sociedade, e define

uma pauta de atuação estatal na qual a produção de bens coletivos, de direitos e

benefícios a grupos determinados, deve ficar expressa. Observe-se, por exemplo,

que, via de regra, o debate sobre o custo dos direitos relacionados à atividade

estatal é guiado segundo a ótica das elites154, que não discutem o gasto público

inerente aos bens coletivos que lhes interessam, dados como certos e evidentes155,

mas somente aqueles que tem o potencial de colocar em risco o seu modo de vida,

notadamente os direitos e políticas sociais.

Um planejamento apresentado de forma adequada exporá, de maneira clara,

que políticas serão desenvolvidas pelo Estado. Políticas públicas se relacionam a

direitos e estratégias de inclusão social (SUNSTEIN e HOLMES, 1999, p. 196 e ss.).

Assim, a despesa pública orientada para prioridades sociais é justificada por seu

potencial de reversão em benefícios gerais (SUNSTEIN e HOLMES, 1999, p. 197).

Cumpre ao planejamento estabelecer as possibilidades de intervenção estatal

(SUNSTEIN e HOLMES, 1999, p. 205), uma vez que determina as prioridades que

se pretende atingir156. Na legislação que define o planejamento público devem ser

encontrados as possibilidades e limites da ação governamental (SUNSTEIN e

154 Sobre o tema, ver, por exemplo, em Wright Mills (1981); Poulantzas (1982); Mosca (1982); Michels (1982); Putnam (1976); Stanworth e Giddens (Eds.) (1974); Heinz (2006). 155 Perceba-se a relação das elites, na sociedade capitalista, com princípios e direitos liberais, que, a par de se estabelecerem sobre um discurso de ação estatal negativa, na realidade também demandam custos, eis que a máquina pública é colocada a serviço da defesa da propriedade, dos contratos, do mercado em geral e, portanto, não da sociedade como um todo, presente apenas em um discurso universalista, mas daqueles que, concretamente, ocupam as posições mais favoráveis no sistema econômico. 156 O autor (p. 220) afirma, por exemplo, que “private liberties have public costs”, explicando, em seguida, que levar a sério o custo orçamentários de todos os direitos assegurados pelo estado (os sociais e os liberais – positivos e negativos) implica considerar objetivos e riscos envolvidos na prestação desses direitos, sob uma noção de bem estar social definida pelo direito.

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HOLMES, 1999, p. 9), tidos como razoáveis ou necessários (SUNSTEIN e HOLMES,

1999, p. 111).

Note-se que o planejamento guarda estreita relação com o princípio da

eficiência. Trata-se de uma juridicidade que, de fato, associa legalidade estrita e

eficiência, a permitir novas modalidades de ação administrativa, pautadas tanto pela

prevalência do consenso sobre a imposição unilateral, quanto pelo controle de

resultados sobre os de procedimentos (MEDAUAR, 1992, p. 198 e ss.), somados à

idéia de participação popular, embora, muitas das vezes, na administração pública, a

manutenção de práticas antigas se evidencie (DI PIETRO, 1997).

Uma das maneiras mais comuns de se burlar o planejamento é revesti-lo de

forma e despi-lo de conteúdo. Tal operação ocorre por meio de um estratagema

simples. Oferece-se um planejamento no qual cabem todas as políticas públicas.

Nele, quaisquer ações e programas, projetos e atividades, são admitidos. Em geral,

todos esses itens são colocados de forma bem aberta e genérica, incluindo todas as

possibilidades. Como os recursos são escassos, a projeção orçamental desse

planejamento apresentará valores irreais, para mais ou para menos. Nesse caso, o

administrador, na gestão desse planejamento, utilizará ampla margem de escolha, e,

no uso dessa discricionariedade ilimitada, definirá políticas públicas não conforme o

direito expresso na lei de planejamento, mas conforme os seus próprios interesses.

Muitas das vezes, não haverá qualquer política pública, já que o método de

administração será pautado pelo patrimonialismo, informado pelas necessidades das

redes clientelistas presentes na órbita das autoridades públicas.

Perceba-se que, em casos como o relatado nesse capítulo, o planejamento,

de fato, não existe, como não existirão políticas públicas. Quando muito, haverá

políticas que extrapolam uma única esfera de governo, como a de saúde, cuja

dinâmica interfederativa tende a forçar, minimamente, a existência da política pública

em todas as unidades da federação, independentemente de sua adequada previsão

no planejamento público.

Verifica-se, enfim, que a inexistência, de fato, do planejamento, tende a

obstaculizar a efetividade jurídica das políticas públicas, mesmo porque, repise-se,

nesse caso é forte o risco de não haver tais políticas. Cumpre, nessa hipótese,

afirmar a juridicidade das políticas públicas por meio dos instrumentos de

fiscalização, controle e responsabilização dos agentes que, dolosa ou culposamente,

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contribuíram para a inefetividade da prestação estatal. No plano dos direitos

individuais, a inexistência de planejamento torna complexo o reconhecimento de

direitos subjetivos e sua reivindicação na esfera jurisdicional. Isso não significa,

entretanto, uma impossibilidade absoluta, mas uma necessidade adicional de

justificação, sob pena de o comportamento jurisdicional equivaler ao administrativo

na negação das políticas públicas.

O orçamento seria a última etapa na definição legiferante das prioridades do

Estado em sede de políticas públicas (PINTO, 2008). Afinal, políticas públicas se

referem a “processos estatais de planejamento, de alocação de recursos e de

efetivação das ações que lhe correspondem” (PIRES, 2008, p. 177), respondendo a

incentivos, especialmente no tocante a recursos públicos (KRAAN, 1996, p. 33 e

ss.), e evidenciando a centralidade da questão governamental na discussão jurídica

das políticas públicas (BUCCI, 2008, p. 251).

Tanto quanto o planejamento, também a lei orçamentária pode apresentar

problemas para a efetividade das políticas públicas. É que, para haver política

pública deve haver orçamento de fato. No orçamento, como no planejamento, o

principal meio de violação é a produção de um instrumento formal sem o

correspondente conteúdo.

Orçamento Público pode ser conceituado como o ato por meio do qual o

Poder Legislativo autoriza a despesa pública em um dado período e, considerada a

estimativa de receita nele fixada (BALEEIRO, 1987). Observe-se que a peça

orçamentária é uma lei, em sentido formal, mas, materialmente, é uma autorização

parlamentar dotada de certa normatividade. Não vige, no Brasil, o princípio do

orçamento imperativo (LIMA, 2005), mas poder-se-ia extrair do orçamento

programas de ação reivindicáveis juridicamente, sem para isso adotar o modelo

imperativo (NASCIMENTO, 1995) ou violar o princípio da não-vinculação (PIRES,

1996).

O orçamento público é, então, positivado pela Lei Orçamentária Anual,

influenciada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias e pelo Plano Plurianual. Ele

contém a previsão das receitas, a autorização das despesas, busca o equilíbrio

financeiro e publica o demonstrativo de custos, a avaliação dos exercícios anteriores

e a estratégia para os próximos exercícios.

De acordo com Bastos (2001), a finalidade do orçamento público é “se tornar

um instrumento de exercício da democracia pelo qual os particulares exercem o

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direito, por intermédio de seus mandatários, de só verem efetivadas as despesas e

permitidas as arrecadações tributárias que estiverem autorizadas na lei

orçamentária”. Recorde-se que, a par da programação da despesa com políticas

públicas, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, em seu anexo de riscos fiscais, tem

contido os chamados riscos de dívidas, onde são estimados os títulos vincendos. Os

precatórios são previstos na Lei Orçamentária Anual. Não se consegue, contudo,

operar prevendo as sentenças de pequeno valor e, especialmente os gastos com

decisões judiciais, que tendem a desequilibrar o gasto público.

Políticas públicas devem ser compostas de forma organizada, como, por

exemplo, definido na Lei n.º 11.653, de 2008, que, ao definir o planejamento

plurianual da União, estabeleceu, em termos conceituais para fins de efetivação do

planejamento, os principais itens das políticas públicas. Tem-se, duas categorias, o

programa e a ação. O programa é tido como um instrumento de organização da

ação governamental que articula um conjunto de ações visando à concretização do

objetivo nele estabelecido, sendo classificado como programa finalístico, quando por

sua implementação são ofertados bens e serviços diretamente à sociedade e são

gerados resultados passíveis de aferição por indicadores, e programa de apoio às

políticas públicas e áreas especiais, aqueles voltados para a oferta de serviços ao

Estado, para a gestão de políticas e para o apoio administrativo. A ação é

instrumento de programação que contribui para atender ao objetivo de um programa,

podendo ser orçamentária ou não-orçamentária, sendo a orçamentária classificada,

conforme a sua natureza, em projeto, instrumento de programação para alcançar o

objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações, limitadas no

tempo, das quais resulta um produto que concorre para a expansão ou

aperfeiçoamento da ação de governo; atividade, o instrumento de programação para

alcançar o objetivo de um programa, o qual pode envolver operações que se

realizam de modo contínuo e permanente, das quais deve um dado produto; e a

operação especial, que são despesas que não contribuem para a manutenção,

expansão ou aperfeiçoamento das ações governamentais.

Perceba-se, todavia, que essa previsão rigorosa ainda é, via de regra,

burlada. Prevalecendo uma concepção de que políticas públicas são realizadas em

harmonia com as normas referidas, mediante obediência meramente formal ao

princípio da legalidade, traduzido em leis autorizativas que, no mais das vezes,

conferem ampla discricionariedade ao administrador que as ordena, tem-se um

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cenário no qual nessas disputas políticas se exaurem as definições sobre políticas

públicas. É a perspectiva tradicional e autoritária.

Adotando-se, porém, uma concepção de políticas públicas juridicizadas, o

elemento político não esgota as possibilidades de ação da sociedade sobre as

mesmas. Pelo contrário, em muitos dos casos o embate principal deverá ocorrer na

arena jurídica. Note-se a necessidade de a programação governamental atender às

diretrizes constitucionais acerca de políticas públicas, especialmente aquelas

referidas a direitos fundamentais (VALLE, 2009). Assinala Valle (2009, p. 116) que a

normatização das políticas públicas deve conter a indicação de resultados, o que

deve ser observado, por exemplo, quando decisões judiciais interferem em alguma

política, especialmente com impacto orçamentário. Embora a autora sustente a

possibilidade de ampla intervenção judicial na defesa de direitos fundamentais de

segunda geração, enfatiza a dimensão do resultado como atrelada à motivação da

decisão, argüindo a adoção de critérios técnicos no controle jurisdicional (VALLE,

2009, p. 116-117).

Perceba-se, neste ponto, o aprofundamento da sindicabilidade dos atos

administrativos (FREITAS, 2009), com possibilidade de controle de mérito (FARIA,

2004), em contraste com a posição tradicional de defesa da maior discricionariedade

de que gozaria o ato político (CAVALCANTI, 1955, p. 49), que, consoante Pontes de

Miranda (1970, p. 267), permitiria ao Chefe do Executivo realizar atos de comando

político não sindicáveis, com a fixação dos objetivos do Estado (MEIRELLES, 1990).

Nessa visão, desconsidera-se a incidência do direito sobre política e administração

(MEDAUAR, 1992, p. 141) e afirma-se que competências de governo derivam

diretamente da Constituição e não poderiam ser judicializadas (MALBERG, 1922, p.

525), ficando fora do direito, o que contradiz a dinâmica da ordem democrática

(HESSE, 1998, p. 398-399). Afinal, não se pode admitir ausência de controles em

um Estado Democrático de Direito, que demanda freios e contrapesos políticos, mas

também e, fundamentalmente, é conduzido por operações manipuladas pelo sistema

do direito.

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9.4. O problema da judicialização das políticas púb licas

O cenário jurídico alterado pelas políticas públicas gera inúmeras situações

novas, com diferentes arranjos a produzir possibilidades de intervenção que se

distinguem, porque revelam um escopo jurídico ampliado, na medida em que o

sistema do direito se assenhoreia de áreas antes restritas à política. Entre essas

situações, destaca-se a denominada “judicialização da política”, que tem refletido,

também no plano das estruturas estatais (e não apenas no dos subsistemas sociais),

um deslocamento de instâncias de atuação, que visa a atender esse movimento de

juridicização da política mediante uma atuação intensa do Poder Judiciário. Trata-se

de um contexto que tanto abre possibilidades quanto aumenta o risco,

especialmente, ao se observar que, nessa alteração de papéis sociais, muitas das

vezes os elementos juridicizados terminam apenas “judiciarizados”, verificando-se

tão-somente a sobreposição da política sobre o direito e a transferência das funções

política e administrativa para o Judiciário157.

Em nossa história recente temos, pois, assistido sucessivas e crescentes

incursões do Poder Judiciário sobre as políticas públicas158, invertendo o que

caracterizamos como a concepção tradicional. Por mais que sejam, por vezes,

auspiciosas essas intervenções159, cabe notar que, em inúmeros casos, são

realizadas sem o devido apuro. Ao contrário, escoram-se em um ativismo

voluntarista, sobre uma base jurídica frágil, e promovem resultados sociais

duvidosos. Inúmeras decisões judiciais interferem em políticas públicas

desconsiderando a juridicidade da matéria e as exigências dialógicas impostas por

sua normatividade.

Consigne-se que políticas públicas resultam de atividades políticas e decisões

jurídicas, e consistem em programas e ações, com o uso de recursos públicos. São

um meio para a constituição de direitos e efetivação da cidadania, tendo como

fundamento orientador o atendimento à sociedade como um todo, atingindo aos

grupos e cidadãos em geral (rua, 2001). A judicialização das políticas públicas, face

da Judicialização da Política, ocorre sempre que o Poder Judiciário toma decisões

157 Essa transferência deve incluir, igualmente, o Ministério Público, cujo protagonismo na experiência recente brasileira é saliente e, em termos, torna-a peculiar. 158 E, eventualmente, do Ministério Público, mediante termos de ajustamento de conduta oferecidos ao Executivo e com ele firmados. 159 Conforme se assinala, por exemplo, em Santos (2007).

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que interferem nas atividades juridicamente planejadas pelo poder público, que

devem ser concretizadas por meio de políticas públicas. A conceituação de

judicialização é ampla e vista por diferentes ângulos, conforme a análise teórica

proposta. Para Santos (2003), em conceito que sintetiza a idéia geral do termo, “há

Judicialização da Política sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas

funções, afetam de modo significativo as condições da ação política”.

Recorda, ainda Santos (2007, p. 24-25) que sistemas judiciais são orientados

para dar previsibilidade às relações sociais, razão pela qual atributos como

legitimidade, independência e capacidade são questões chave (SANTOS et alii,

1996, p. 20-21). Lembra, também, o autor, que nível de desenvolvimento sócio-

econômico afeta o desempenho dos tribunais, pelo tipo e grau de litigiosidade e pela

estabilidade ou instabilidade política que o cercam (SANTOS et alii, 1996, p. 35),

muitas vezes conferindo função política aos tribunais, que assumem o encargo de

“representação substitutiva”, com sobrecarga de trabalho (SANTOS, et alii, 1996, p.

53-55).

De forma análoga, Luhmann (1998a, p. 96) esclarece que, sendo o direito

vinculado à função de estabilizar juridicamente a sociedade, decisões judiciais,

mesmo sendo contingentes, devem guardar relações de identidade com outras

semelhantes (LUHMANN, 1998a, p. 190). Note-se, contudo, que embora atreladas

ao código jurídico/antijurídico, essas decisões, não raras vezes, são inconsistentes

entre si e desligadas do direito, impondo que não apenas se considere que decisões

judiciais muitas vezes não recebem a justificação devida, e que refletem menos

técnica que noções presentes no senso comum (KESLOWITZ, 2008), mas a

possibilidade de corrupção sistêmica, quando passam a utilizar a linguagem da

política.

Note-se que o controle judicial da administração é apanágio do Estado de

direito e se desenvolve desde as fundações do regime juspublicista, especialmente

sob a noção de legalidade. Carvalho, por exemplo, lecionava que o princípio da

legalidade admite tanto a ação legislativa quanto intervenções do Judiciário para

fixar a inteligência da lei (CARVALHO, 1951, p. 15-16). Decisões judiciais assinalam

uma busca de compatibilidade entre o princípio da inafastabilidade da tutela

jurisdicional com o da tripartição de poderes, a fim de dar efetividade ao controle

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jurisdicional da atividade administrativa não vinculada160. São percepções centradas

no ato administrativo, cuja doutrina avançou na elaboração teórica e na prática dos

tribunais, como ensina Faria:

“Os atos decorrentes do poder discricionário são vinculados aos motivos determinantes, à razoabilidade, à proporcionalidade, à finalidade, à capacidade e ao interesse público. Essa vinculação é suficiente para concluir-se que todos os atos administrativos, independente da margem de liberdade do agente, podem ser controlados pelo Judiciário, ressalvado, pela maioria dos autores, a sindicabilização do mérito do ato. (...) A posição atual sobre o assunto é no sentido de que entre as várias opções disponíveis ao agente somente uma atende à vontade da lei. (...) Assim, se a escolha não for a melhor, o Judiciário poderá declarar a nulidade do respectivo ato” (FARIA, 2004, p. 137-138).

Note-se que a judicialização da política passa não só por texto normativo,

mas por práticas e por uma consciência doutrinária que alargam o campo jurídico e

impelem o sistema do direito a abranger toda a esfera de atuação do Estado,

sobressaindo, nesse contexto, a emergência das políticas públicas, a acentuar esse

processo. Decisões judiciais, cada vez mais, investem contra decisões

administrativas, provocando consequências marginais as mais variadas, ainda que

com o intuito de favorecer o acesso à justiça como “garantia de efetividade dos

direitos individuais e coletivos” (CAPPELLETTI e GARTH, 2002).

Saliente-se, ainda, que as decisões que caracterizam esse ativismo judicial

oscilam (FARBER e FRICKEY, 1991, p. 63-85), a evidenciar seus próprios limites

(ELY, 1980), bem como a necessidade de se examinar criticamente decisões

tomadas com base em princípios largos e inconsistentes (BLACK, 1970). É que, ao

contrário, por exemplo, do que defende um autor como Posner (1993), para quem

essa instabilidade gera um pluralismo que favorece o funcionamento do sistema, o

direito deve, mesmo operando em uma dimensão contingente, comportando

necessariamente alternativas, buscar tal estabilização, o que ocorre mediante a

observância do código direito/não direito e pelas consequências produzidas a partir

dessa comunicação específica, produzida pelo sistema.

A possibilidade de intervenção judicial sobre as decisões e a execução de

políticas governamentais é decorrência do Estado democrático de direito (MASHAW,

MERRIL e SHANE, 1998, p. 744 e ss.). Em uma democracia constitucional, a

escolha de políticas públicas é condicionada por normas (FEREJOHN e PASQUINO,

160 Ver, a propósito, em Moraes (1999, p. 99 e ss).

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2003, p. 23), o que implica a eventual ação judicial nesse campo (CLARK, 1978),

que alcança, inclusive, sua elaboração no processo legislativo, especialmente

mediante intervenção de tribunais constitucionais (FIGUERUELO BURRIEZA, 1993),

cuja margem de atuação é, por vezes, bastante extensa (CAMARGO, 2004, p. 379-

380).

Democracia envolve controle jurisdicional, já que se refere a proteção de

minorias e alterações nas regras de decisões políticas (ELY, 1980, p. 148), assim

como à dimensão da cidadania social, que abre um amplo espaço para as

intervenções dos tribunais (SANTOS, 2007, p. 20). Santos (2007, p. 21) percebe,

nesse cenário, um deslocamento da legitimidade do Estado dos poderes Executivo e

Legislativo, para o Judiciário, já que se espera deste último a solução de problemas

que o ‘sistema político’ não consegue resolver. Lembra o autor que “como me referiu

um magistrado deste país, uma boa parte do seu trabalho é dar medicamentos”, eis

porque “temos, assim, o sistema judicial a substituir-se ao sistema da administração

pública, que deveria ter realizado espontaneamente essa prestação social”

(SANTOS, 2007, p. 19). Note-se, nessa sobreposição funcional, o risco de, no

processo de aplicação normativa, o código jurídico ser usurpado pelo código da

política (MÜLLER, 1998, p. 96), assim como o cuidado que se deve ter para

correlacionar o papel de grupos ocupantes do Poder Executivo e suas políticas com

o comportamento de mais ou menos independência do Poder Judiciário (HANSSEN,

2001).

Campilongo (2002) explora essa questão, tratando do aparelho judiciário sob

aspectos políticos e jurídicos, baseando-se na teoria dos sistemas, ainda que com

traço normativista. Segundo o autor, a figura do “juiz-político” “sugere a des-

diferenciação do direito e a quase identificação entre o sistema político e o sistema

jurídico”, com “a ‘dupla interdependência’ e o ‘acoplamento estrutural’ dando lugar a

uma sobreposição pura e simples dos dois sistemas” (CAMPILONGO, 2002, p. 102).

Lembra o autor, porém, que a possibilidade de revisão judicial é inerente ao sistema,

sabendo-se que “o juiz encontra a consistência de suas decisões no ordenamento

jurídico. Suas justificativas devem, obrigatoriamente, estar fundadas em provas e em

argumentos processados segundo o código direito/ não direito” (CAMPILONGO,

2002, p. 104), razão da finalidade limitada da magistratura judicial e do caráter

casuístico, descontínuo e fragmentário de suas tarefas, uma vez que, na sua ótica,

“o sistema político trata de decisões globais e o sistema jurídico trata de decisões

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isoladas” (CAMPILONGO, 2002, p. 10). Esse é, certamente, ponto decisivo da

questão, já que a coerência do sistema passa por um Judiciário cujas decisões

possam captar a macrojuridicidade das políticas públicas.

Segundo Appio (2005, p. 233), “através do Poder Judiciário demandas de

natureza social e econômica poderão ser problematizadas a partir de discursos

ancorados na Constituição”. O autor considera que intervenções judiciais em

políticas públicas decorrem de uma visão de democracia encorpada (APPIO, 2005,

p. 37 e ss.), que combina participação e representação, todavia, problematiza, como

o faz Valle (2009, p. 114), a legitimidade para a formulação de políticas públicas,

pois o órgão possui olhar parcial, e os juízes não estão sujeitos a controles

democráticos, já que o desenho constitucional dos freios e contrapesos não atinge a

magistratura judiciária (APPIO, 2005, p. 235).

Appio discorda, assim, da possibilidade de judicializar a formulação de

políticas públicas, admitindo, contudo, o “controle da execução das políticas públicas

já previstas na Constituição e na própria lei, pois a incumbência constitucional dos

juízes é a de concretizar as normas constitucionais” (APPIO, 2005, p. 236). O que o

autor não compreende é que as etapas de formulação e execução são

indissociáveis. E que, de fato, não existe formulação de políticas públicas no texto

constitucional, mas tão-somente a prévia definição de orientações e diretrizes a

serem seguidas, todas capazes de suscitar controles. Ainda assim, sua formulação

teórica percebe a necessidade de a aplicação do direito edificar um discurso que

abranja “um exame de todos os elementos específicos envolvidos no caso” (APPIO,

2005, p. 236), de forma a privilegiar antes um denso tratamento a partir da casuística

que uma jurisdição principiológica fixa (APPIO, 2005, p. 237).

O pano de fundo de uma compreensão tanto da possibilidade de intervenção

judicial nas políticas públicas, como a vinculação de sua linha argumentativa a

aspectos globais de uma juridicidade que não se esgota em relações bilaterais, a

envolver Estado e cidadão, é uma “idéia de que a Constituição é um sistema de

normas e de que a interpretação constitucional deve ser uma interpretação

sistêmica”, que deveria constar, por exemplo, nos trabalhos do Supremo Tribunal

(BARACHO JR., 2004, p. 510). As Cortes deveriam considerar que “existem normas

que normatizam a normatização” (LUHMANN, 1983, p. 15) fixando, por exemplo,

procedimentos que viabilizam a produção de regras para a concretização do direito,

e que, portanto, intervir sobre um direito material será intervir sobre toda essa

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procedimentalização. Na Constituição define-se “a forma de seleção do direito

variável”, pois “ela amplia o âmbito das normatizações possíveis; ela possibilita a

compatibilização da segurança e da expectabilidade com uma maior liberdade da

normatização e da alteração de normas, mobilizando amplamente um complexo

normativo e ao mesmo tempo mantendo-o sob controle” (LUHMANN, 1983, p. 15).

Assim, afirmar que direitos sociais teriam aplicação imediata (KRELL, 2002),

desconsiderando os procedimentos que legitimam qualquer política pública é negar

a possibilidade macrojurídica desse instituto, vale dizer, a sua condição de direito

generalizável e passível de apropriação universalizada. É o que ocorre, por exemplo,

quando em recente decisão, relatada pelo Min. Cezar Peluso, o STF (2010) reafirma

posição, segundo a qual o poder público deve fornecer determinados medicamentos,

ainda que não disponha de recursos para tanto, recordando, aliás, que a decisão de

origem delimitou os beneficiário conforme indicação médica:

"Para obtenção de medicamento pelo Sistema Único de Saúde, não basta ao paciente comprovar ser portador de doença que o justifique, exigindo-se prescrição formulada por médico do Sistema". (STA 334-AgR, Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, julgamento em 24-6-2010, Plenário, DJE de 13-8-2010.)

Santos, a esse respeito, consigna que direitos sociais constitucionais seriam

“direitos ‘prima facie’”, na medida em que apresentam razões que podem ser

suplantadas por outras razões opostas” (SANTOS, Fernando, 2007, p. 226). O autor

concorda com Krell no que diz respeito aos chamados direitos mínimos como direta

e imediatamente exigíveis (SANTOS, Fernando, 2007, p. 228-229), e admite a

exigibilidade imediata de um genérico “direito à saúde” (SCHWARTZ e

BORTOLOTTO, 2008).

Foge à defesa da aplicação direta desses direitos a percepção da

necessidade de compatibilização da complexa teia de procedimentos que se deve

tecer em torno de uma política pública. Somente com uma abordagem que alcance

toda essa dimensão pode o Judiciário intervir sem quebra da juridicidade, o que

envolve, é certo, mais trabalho judicante, com decisões mais bem justificadas, mas

também controle e responsabilização mais amplos. Em vez de meramente realizar

uma operação lógica e dela derivar um direito subjetivo, trata-se, em políticas

públicas, de proceder a amplos rearranjos, porque quem altera a destinação de

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recursos limitados deve não apenas justificar essa alteração, mas motivar e explicitar

todas as demais alterações dela decorrentes.

Não se trata, então, de usar argumentos como a “reserva do possível”, que se

apresentaria como impossibilidade prática (FREIRE JR, 20005, p. 75) e limite

material (BARCELOS, 2002), já que a própria definição do “possível” ficaria à mercê

da decisão concretizadora do direito. E tal concepção não reduz a crítica a esse

argumento, como o faz Krell (2002, p. 51-52), que simplesmente o critica como

falacioso e inservível quando a discussão de políticas públicas passa por direitos

relativos ao mínimo existencial. Como se da constatação de um mínimo não atingido

brotassem recursos. Mais equilibrada é, por exemplo, a posição de Lima (2004),

que, embora não aponte a necessidade de intervenções responsáveis, vinculadas à

política pública como um todo, afirma a validade do argumento, mas a necessidade

de sua demonstração.

O problema da judicialização resvala, outrossim, na questão da centralidade

dos tribunais na sociedade contemporânea. Uma sociedade democrática e pluralista

dificilmente será escorada em um direito cuja centralidade repousa em decisões

judiciais. Pelo contrário, a consistência do discurso jurídico deverá decorrer de

apropriações várias do direito estabelecidas em discursos socialmente construídos,

a partir de uma cidadania que toma para si a definição do sentido da experiência

constitucional. Cabe, pois, a crítica ao papel dos tribunais como intérpretes principais

do direito (SUNSTEIN, 1999; BALKIN e LEVINSON, 1998; TUSHNET, 1999).

Levinson (1995) recorda que o sentido dos dispositivos constitucionais deve

receber alguma consistência argumentativa, o que impõe limites à decisão, até

porque, em se tratando de matéria constitucional, não haveria, do contrário,

diferença entre interpretar, aplicar e alterar uma Constituição. Assim se refere o

autor a respeito da interpretação constitucional e do controle judicial de

constitucionalidade:

“Talvez o mais forte argumento em prol do controle judicial devesse ser rotulado ‘visão judicial’, ao invés de ‘revisão judicial’. Como apontou Charles Black, em muitas situações os tribunais examinam atividades em que ninguém se envolveu na contemplação refletida das exigências constitucionais antes de agir. (…) É certamente um pré-requisito do constitucionalismo que os agentes públicos dêem a devida consideração aos constrangimentos a eles impostos antes de agirem. Na ausência dessa consideração, o controle judicial oferece a única garantia de que ‘A Constituição” será de algum modo considerada” (LEVINSON, 1988, p. 49).

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Segundo Levinson (1988), o problema da decisão judicial que define um

sentido de constitucionalidade aparece quando cidadãos, ou instituições, como a

administração pública, reivindicam capacidade de análise refletida sobre o que a

Constituição deles requer. A solução simples, lembra o autor, seria reconhecer que o

Judiciário dispõe de autoridade e capacidade técnica para uma interpretação

constitucional superior à dos demais atores sociais. O problema que decorre dessa

solução é que rompe-se uma premissa por meio da qual se reconhece que a

Constituição é destinada a cidadãos que devem ser capazes de bem aplicá-la. Como

afirma Levinson (1988, p. 50):

“Em razão de que os tribunais podem avistar apenas uma porção muito pequena dos atos oficiais, é crucial à manutenção de uma ordem constitucional em que os indivíduos acreditem em si próprios como julgadores conscientes, mesmo na ausência dos constrangimentos coercitivos fornecidos pelos tribunais”.

Além disso, todo o cuidado dirigido aos poderes Legislativo e Executivo

deveria ser destinado ao Judiciário, uma vez que “as razões para a cautela podem

se aplicar também aos tribunais, uma vez que eles são em última instância criaturas

das estruturas políticas locais, estaduais, e nacionais que geram os agentes do

Legislativo e do Executivo” (LEVINSON, 1988, p. 50). Por isso, recomenda Levinson

que “a ‘revisão cidadã’ é uma necessidade vital para qualquer comunidade política

que se proponha a chamar a si mesma constitucional, em oposição àqueles regimes

que (…) simplesmente usam ‘A Constituição’ como um símbolo ideológico para

legitimar seus exercícios próprios de poder (LEVINSON, 1988)”.

Em autores como Levinson e Balkin é perceptível a preocupação com a

estruturação de modelos dinâmicos, a possibilitar metáforas multidimensionais que

incidam sobre os mecanismos complexos de ação presentes na sociedade moderna.

Especificamente na crítica ao Judiciário, não só reclama freios e contrapesos, mas

que controles societais se façam mais efetivos, o que implica a assunção de um

mais contundente compromisso democrático.

Note-se que a judicialização das políticas públicas tem produzido

multifacetado conjunto de decisões, salientando-se a diferença na aplicação de

direitos inerentes à cidadania civil e política (RINELLA, 2006). Observe-se a decisão

a seguir, na qual o STF defere direito a educação infantil é, textualmente, se refere à

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ausência de vínculo entre a justificação de sua decisão e os argumentos porventura

usados pela administração:

"A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das ‘crianças de zero a seis anos de idade’ (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo poder público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da CF. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da administração pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental." (RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-05, 2ª Turma, DJ de 3-2-06). No mesmo sentido: RE 464.143-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 15-12-09, 2ª Turma, DJE de 19-2-10; RE 594.018-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-6-09, 2ª Turma, DJE de 7-8-09; RE 463.210-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 6-12-05, 2ª Turma, DJ de 3-2-06).

No mesmo sentido as decisões abaixo, que intervêm em políticas públicas de

educação e saúde:

“A jurisprudência do STF firmou-se no sentido da existência de direito subjetivo público de crianças até cinco anos de idade ao atendimento em creches e pré-escolas. (...) também consolidou o entendimento de que é possível a intervenção do Poder Judiciário visando à efetivação daquele direito constitucional.” (RE 554.075-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 30-6-2009, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009.) No mesmo sentido: AI 592.075-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 19-5-2009, Primeira Turma, DJE de 5-6-2009; RE 384.201-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 26-4-2007, Segunda Turma, DJ de 3-8-2007. “O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço.” (AI 734.487-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.)Vide: RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-05, Segunda Turma, DJ de 3-2-2006; RE 271.286-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, Segunda Turma, DJ de 24-11-2000.

Perceba-se nessas decisões a onipotência de um Judiciário que, a pretexto

de aplicar diretamente o texto constitucional, se arroga o direito de decidir

desconsiderando regras de procedimento e a idéia de interesse público indisponível.

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Note-se que enquanto o controle sobre a administração impõe a esta

motivação suficiente, com narrativa de fundamentos de fato e de direito capaz de

designar programa e âmbito da norma em termos de legalidade e interesse público,

nos exemplos citados isso não acontece. Todo o ritual que envolve planejamento,

orçamento, levantamento de dotação orçamentária, verificação de plausibilidade da

despesa, análise da circunstância, é desconsiderado. Não se pretende, com isso,

que a decisão judicial citada esteja “certa” ou “errada”, mas verificar que carecem de

juridicidade, exatamente porque não decorrem de argumentação consistente em

torno do código jurídico/não jurídico, tampouco, exploram consequências para além

do plano individual, reduzindo a complexidade das políticas públicas a simples

operações de subsunção de um fato individual à norma. Contra a generalidade do

programa da norma sai-se com uma decisão particularista, que pouco difere das

decisões clientelistas encontráveis no Executivo e Legislativo.

Nesse contexto algumas situações “sui generis” são registradas, entre as

quais a que decorre do art. 208, §1º, da Constituição da República, cujo texto é

copiado no art. 5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no art. 54,

§1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse texto dispõe que “o acesso ao

ensino fundamental é direito público subjetivo”. Ora, direito subjetivo não nasce da

lei, mas da situação concreta de normatividade. A situação nasce de um programa e

âmbito da norma. Assim, por exemplo, direitos subjetivos públicos dependem não

penas de enunciados em texto, mas de meios concretos. No aspecto textual, deve

haver previsões legais quanto ao aspecto geral de incidência do preceito, quanto

aos meios para sua efetividade. Ambos compõem o programa da norma e a

codificação jurídica. Controle de constitucionalidade e controle de legalidade,

quando se refiram especificamente às leis de planos e meios, aos atos e

procedimentos que consubstanciam as políticas públicas, demandariam intervenção

incidental, pano de fundo que, nesses casos, deve ocorrer sobre a lei ou sobre o ato,

reorientando-os, realocando decisões, remanejando previsões em geral, já que se

trata de uma situação complexa. A justificação de uma decisão dessa natureza

nunca será apenas sobre o caso individual, mas sobre o caso individual em face do

todo, ou seja, não é confronto entre texto e caso, mas entre textos e casos

entrelaçados em rede. Afinal, é a própria Constituição quem obriga que a

configuração de um direito público subjetivo dependa dessa procedimentalização.

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A judicialização da política é fenômeno que atinge várias sociedades, a

promover experiência diversificada, além de variada conceituação pelos autores que

tratam do tema. Como já referido, trata-se de fenômeno vivido nas últimas décadas,

pelo qual se verifica um “protagonismo social e político dos tribunais” (SANTOS,

1996, p. 19), que deixam o espaço periférico e de suposto não envolvimento em

questões políticas e sociais relevantes, com a assunção de novos papéis e

estratégias (VIANNA, 1999).

Santos e outros (1996), investigando os tribunais nas sociedades

contemporâneas, notam que esse protagonismo é um fenômeno cíclico, sobre o qual

três questões importantes se colocam, a saber, a de sua legitimidade, a relativa à

capacidade do Judiciário, além da questão da independência para decidir (SANTOS

et alii, 1996, p. 20). Lembram, ademais, que o problema da legitimidade é acentuado

em regimes democráticos, já que a representação política nesse tipo de regime é

obtida eleitoralmente, e como magistrados não são escolhidos por eleição, mas por

seleção burocrática, sua legitimidade democrática é colocada em causa (ELY, 1980).

A questão da capacidade diz respeito aos recursos que os juízes possuem para

julgar e fazer cumprir suas decisões. Tribunais dispõem para fazerem cumprir suas

decisões. Santos et alii (1996, p. 20) fazem este questionamento por duas vias: os

recursos infraestruturais e humanos dos tribunais são limitados, assim, uma procura

exagerada da intervenção judiciária pode causar o bloqueamento da oferta; por

outro lado, os meios para executar as decisões tomadas não são próprios dos

tribunais, pressupondo-se, então, uma prestação ativa de outro qualquer setor da

Administração Pública. Assim, os serviços utilizados pelo Poder Judiciário para levar

a cabo suas decisões não estão sobre sua jurisdição, o que pode repercutir direta e

negativamente na eficácia da tutela judicial.

A questão da independência, ao contrário das anteriormente expostas,

tende a ser levantada pelo próprio Poder Judiciário, já que é um princípio

constitucional, como pode ser notado logo no segundo artigo da Constituição

Federal brasileira de 1988. A dita questão surge apesar da diferença de quem a

invoca, intimamente ligada às questões de legitimidade e de capacidade. No

primeiro caso, o questionamento pelos outros poderes da legitimidade de decisões

tomadas por magistrados os leva a tomar medidas que estes últimos entendem

como mitigadoras da sua independência. No segundo caso surge sempre que o

Poder Judiciário se vê dependente dos outros poderes financeira e

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administrativamente para dispor dos recursos considerados adequados para o

desempenho de suas funções.

Para fins de análise de políticas públicas esses três elementos são

fundamentais. A legitimidade é questão que se impõe desde logo, já que pela

judicialização da política, muitas vezes a revisão judicial se transforma em

usurpação de funções do Legislativo e Executivo pelo Judiciário, com quebra da

consistência operativa do sistema jurídico, que é corrompido pela política. A

capacidade é outro ponto que se evidencia, desde que o conjunto de decisões que

expressa a judicialização das políticas públicas no Brasil revela a absoluta

incapacidade de o Judiciário compor, minimamente, os arranjos complexos relativos

a essas políticas, limitando-se a nelas interferir de forma particularista, sem

preocupação com seus efeitos gerais. A independência, por seu turno, revela, de um

lado, amplas prerrogativas para o exercício do múnus público, as quais, todavia, não

são suficientes para uma intervenção mais incisiva no campo das políticas públicas.

Compare-se, por exemplo, a postura do STF em alguns casos, o primeiro deles

tratando de uma questão particular, os outros de questões gerais:

"Fornecimento de medicamentos a paciente hipossuficiente. Obrigação do Estado. Paciente carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que necessita. Obrigação do Estado em fornecê-los. Precedentes." (AI 604.949-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 24-10-2006, Segunda Turma, DJ de 24-11-2006.) No mesmo sentido: AI 553.712-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 19-5-2009, Primeira Turma, DJE de 5-6-2009; AI 649.057-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 26-6-2007, Segunda Turma, DJ de 17-8-2007. "Sistema único de saúde: reserva à lei complementar da União do estabelecimento de ‘critérios de rateio dos recursos e disparidades regionais’ (CF, art. 198, § 3º, II): consequente plausibilidade da argüição da invalidez de lei estadual que prescreve o repasse mensal aos municípios dos 'recursos mínimos próprios que o Estado deve aplicar em ações e serviços de saúde'; risco de grave comprometimento dos serviços estaduais de saúde: medida cautelar deferida para suspender a vigência da lei questionada." (ADI 2.894-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 7-8-2003, Plenário, DJ de 17-10-2003.) Ação direta de inconstitucionalidade por omissão em relação ao disposto nos arts. 6º, 23, V; 208, I; e 214, I, da Constituição da República. Alegada inércia atribuída ao Presidente da República para erradicar o analfabetismo no país e para implementar o ensino fundamental obrigatório e gratuito a todos os brasileiros. Dados do recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística demonstram redução do índice da população analfabeta, complementado pelo aumento da escolaridade de jovens e adultos. Ausência de omissão por parte do chefe do Poder Executivo Federal em razão do elevado número de programas governamentais para a área de educação. A edição da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e da Lei 10.172/2001 (Aprova o Plano Nacional de Educação) demonstra atuação do Poder Público dando cumprimento à

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Constituição. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão improcedente." (ADI 1.698, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 25-2-2010, Plenário, DJE de 16-4-2010.)

Todos os casos foram decididos nesta década. O primeiro caso é relativo a

fornecimento de medicamentos. Trata-se de situação particular, cuja decisão não

passou por princípios como legalidade, impessoalidade, interesse público ou

planejamento. Aparentemente, fazer o bem específico161 e próximo162 é mais

simples. Nas demais, estavam em causa, respectivamente, uma lei estadual que

regulamentava a aplicação de recursos públicos em saúde, e a omissão

governamental para a erradicação do analfabetismo no país. No primeiro caso, a

solução cômoda foi reforçar o centralismo federativo, impedindo que a política

pública de saúde avançasse, com a regulamentação da matéria no plano estadual, à

luz do conceito de competência supletiva, estabelecido na Constituição, negando

aplicação ao art. 24, § 3º c/c inciso XII. Deve-se explicar que no primeiro caso a

despesa pública seria concentrada em um único caso e o efeito perverso sobre a

política pública seria provavelmente suportado orçamentariamente. A lógica é mais

ou menos a mesma que aquela utilizada por um agente político quando interfere em

uma política para beneficiar um “cliente”. Em ambos os casos as decisões

contrariam a racionalidade geral da política pública, mas conta-se com a elevada

probabilidade de o tesouro se acomodar.

No segundo caso, a validação da lei implicaria reconhecer determinada

padronização para o gasto público, afinal, possibilitaria que o art. 198 da

Constituição, no que se refere a conteúdos e a forma da aplicação mínima de

recursos em saúde, fosse concretizável. Recorde-se que os entes federativos, em

geral, destacadamente União e Estados163, usam a ausência de regulamentação

para não assumirem o compromisso de dispêndio mínimo. Perceba-se que, tomando

a sério a questão da política pública de saúde, a segunda decisão seria muito mais

importante que a primeira.

No terceiro julgado, há uma ação requerendo uma medida judicial contra a

omissão governamental na erradicação do analfabetismo. Proposta em 1997, a ação

161 Ver, a propósito, em Levitt (2005). 162 Ver em Souza (2005); Cunha (2010). Note-se que, paradoxalmente, o exercício de atividade “legislativa” pelos tribunais ocorre, mais freqüentemente, em tribunais superiores (RIGAUX, 1997, p. 288). 163 No caso dos Municípios os controles dos tribunais de contas e as regras do SUS minimizam o prejuízo.

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foi julgada em 2010, 13 anos depois, ainda que na petição inicial se afirmasse a

necessidade de decisão urgente. Mais uma vez, em casos gerais sobre políticas

públicas, o Judiciário se encolhe. A decisão, ao final, é tão interessante quanto a

demora, já que considera a edição de leis critério satisfatório para comprovar a

licitude do comportamento governamental.

Exemplos como esses deixam antever que a judicialização das políticas

funciona bem quando o Judiciário se permite desconsiderar essas políticas.

Desautorizado pelo direito, age, no entanto, contra a procedimentalização

constitucional atinente ao tema. Perceba-se que em qualquer dos casos

exemplificados o Judiciário poderia, no exercício da jurisdição e desde que verificada

situação antijurídica na política pública, intervir. O que está em discussão é a forma

antijurídica dessa intervenção. Seja quando concede benefícios de forma

particularista, agindo sob um tipo de interpretação patrimonialista da Constituição,

seja quando se omite na discussão geral da política pública.

A análise de desempenho do sistema judiciário é explorada por inúmeros

autores (OLIVEIRA e CARVALHO NETO, 2006), entre os quais Cappelletti (1988),

que vincula a judicialização ao ativismo judicial, Garapon (1996), que pontua não

propriamente o aumento da litigância, mas um alargamento do sistema jurídico, a

criar mais textos legais e demandas por direitos, ou Tate (1995) e Vallinder (1995),

que salientam uma nova disposição dos tribunais judiciais no sentido de expandir o

escopo das questões sobre as quais devem formar juízos jurisprudenciais, vertente

também explorada por Rigaux (1997)

Vianna indica, na judicialização, a relevância do controle do Judiciário sobre a

vontade da representação eleita, resultante, de modo especial no caso brasileiro, da

adoção do modelo de controle abstrato de constitucionalidade das leis (VIANNA,

1999). Segundo o autor:

A formação da vontade do legislador constituinte, nessas condições, não teria como ser fruto de uma ação hegemônica, mas da composição e das soluções de compromisso entre forças díspares, cuja unidade se exercia melhor sobre temas tópicos do que na formulação de uma concepção sistemática e coerente de um novo projeto para o país. José Afonso da Silva, que, como constitucionalista, esteve próximo aos tomadores de decisão na Assembléia, pôde caracterizar a nova Carta como distante do ideal de qualquer grupo nacional, compreendendo tanto as suas virtudes quanto os seus defeitos como decorrentes do seu processo de elaboração. (Vianna et alii, 1999, p. 39).

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Esses vários entendimentos doutrinários podem ser divididos em um eixo

procedimentalista, no qual se encontram autores como Habermas e Garapon, e um

substancialista, com trabalhos como os de Cappelletti e Dworkin.

Sob o procedimentalismo O Estado Social, com a questão dos direitos para o

exercício da cidadania social, teria colocado os cidadãos uma excessiva

dependência do Estado, ao mesmo tempo em que não contribuiu para

comportamentos orientados para uma vida associativa, o que induziu a formação de

uma espécie de cidadão-cliente. A judicialização da política, neste sentido, é

resultado das contradições desse modelo, talvez exacerbadas em contextos de

sociedades periféricas, a serem enfrentadas por meio de democratização das

relações sociais. Para Garapon (1996), na raiz da judicialização da política está a

condição do indivíduo na modernidade, cujos vínculos comunitários se perdem no

esgarçamento dos vínculos sociais e a ação substitutiva e verticalizada do Estado

Social. O Judiciário entra nesse cenário no vácuo deixado pelo Estado Social, que é

reduzido nas últimas décadas. Trata-se de um proceder que, de um lado, revela o

funcionamento das instituições, com o Judiciário sendo escalado a cumprir este

papel, e, de outro, evidencia, nos termos colocados pelo autor, a necessidade de

correções e reformas por meio da representação de interesses e da deliberação

democrática. De maneira semelhante, mas passando por uma redefinição de marcos

filosóficos e sociológicos164, Habermas (1997), assentado em racionalidade

pragmático-comunicativa, pretende que a democracia deliberativa e a representativa

se vinculem sob procedimentos a partir dos quais fluxos comunicativos regrados

induzam um comportamento democrático. Impende observar que a democracia

entendida dessa forma opõe restrições à judicialização da política, já que o Poder

Judiciário ao cumprir funções próprias dos poderes políticos interferiria na

racionalidade do processo democrático. Justifica-se, assim, uma precedência da

atuação judiciária a partir de casos concretos, que o controle abstrato de normas.

Diferentemente, o eixo substancialista, assume perspectiva segundo a qual o

foco da judicialização deve ser a disposição dos sistemas legais e suas condições

de funcionamento da sociedade moderna. Para Cappelletti (1988), a reestruturação

do papel do Judiciário e a invasão do direito em áreas onde antes sua presença não

era notada são nada mais que uma extensão da tradição democrática a setores

164 Ver comentário a respeito nos capítulos 2 e 3.

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pouco integrados a sua ordem. Assim, valoriza o ativismo judicial, ao considerar os

juízes depositário de princípios e valores que alicerçam a vida comunitária, no

mesmo passo em que duvida que os poderes Executivo e Legislativo possam se

comportar como instituições de vocalização da vontade popular. O autor admite,

antes, que nesses poderes há uma complexa estrutura política, na qual grupos rivais

lutam por vantagens particulares. Em sua ótica seria o Judiciário o espaço de

acolhimento dos grupos marginais, que poderiam vocalizar suas expectativas.

Dworkin (2000), por seu turno, afirma que a criação jurisprudencial tem seu

fundamento na Constituição, e pelo poder decidir sobre a constitucionalidade das

leis e atos de governo, o Judiciário pode criar uma sociedade mais justa do que a

resultante dos atos das instituições majoritárias, que nem sempre representariam de

fato a vontade dos cidadãos.

As tendências doutrinárias e os autores citados expressam o reconhecimento

contemporâneo do papel social dos tribunais e, conquanto tenham contribuições

importantes, não se aprofundam em certas questões, especialmente no que toca ao

regime jurídico das políticas públicas. Com efeito, uma abordagem pragmatista e

sistêmica dessa matéria implica não apenas reconhecer a judicialização como

fenômeno social, mas, por meio da crítica, discutir sua experiência e os pontos sobre

os quais determinadas intervenções se apóiam.

No caso brasileiro deve-se realçar, além disso, o contexto específico no qual

ocorre a judicialização da política, que não apenas ocorre sobre situações próprias

da modernidade instalada nas contradições da periferia do sistema capitalista, como

no bojo de um processo de redemocratização que tem como marco institucional a

Constituição de 1988. Perceba-se que, naquela altura, a Assembléia Constituinte

opta por compensar um déficit geral de cidadania por meio de uma declaração dos

direitos fundamentais que incorpora inúmeros itens não redutíveis a conquistas

substanciais de alcance imediato, deixando para o porvir sua concretização, que

seria induzida por novos mecanismos institucionais, entre os quais o papel da

sociedade no controle abstrato de normas, o mandado de injunção, o desenho

institucional do Ministério Público e do Judiciário, entre outros.

A experiência a parir da década de 1990 evidencia uma crescente valorização

dos aludidos institutos constitucionais, com participação da sociedade, como

comentam Vianna e outros (1999, p. 42-43), nas passagens seguintes:

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Têm sido igualmente relevante para esse resultado (o da valorização dos institutos previstos constitucionalmente) a crescente internalização, pelo Ministério Público, do seu papel nas ações públicas, quando em muitos casos, atua como instituição que mobiliza a participação de grupos sociais, as mudanças ocorridas no Poder Judiciário, quer por influência de pressões democratizadoras externas a ele, quer por movimentos originários da própria corporação e, last but not least, as transformações por que tem passado o imaginário da sociedade civil, especialmente dos seus setores mais pobres e desprotegidos que, depois da deslegitimação do Estado como instituição de proteção social, vêm procurando encontrar no Judiciário um lugar substitutivo, como nas ações públicas e nos Juizados Especiais, para as suas expectativas de direitos e de aquisição da cidadania. (...) De fato, a Judicialização da Política e das relações sociais, se significar a delegação da vontade do soberano a um corpo especializado de peritos na interpretação do direito e a “substituição” de um Estado benefactor por uma justiça providencial e de moldes assistencialistas, não será propícia à formação de homens livres e nem à construção de uma democracia de cidadãos ativos. Contudo, a mobilização de uma sociedade para a defesa dos seus interesses e direitos, em um contexto institucional em que as maiorias efetivas da população são reduzidas, por uma estranha alquimia eleitoral, em minorias parlamentares, não pode desconhecer os recursos que lhe são disponíveis a fim de conquistar uma democracia de cidadãos. Do mesmo modo, uma vida associativa ainda incipiente, por décadas reprimida no seu nascedouro, não se pode recusar a perceber as novas possibilidades, para a reconstrução do tecido de sociabilidade, dos lugares institucionais que lhe são facultados pelas novas vias de acesso à justiça.

Observe-se que a judicialização da política ocorre simultaneamente ao

processo de construção de políticas públicas no Brasil, reflexo tanto da

redemocratização quanto das iniciativas de nova gestão pública verificadas em todas

as instâncias de governo, entre as quais a organização de sistemas interfederativos,

como o sistema único de saúde, a implementação de formas de participação

popular, como o orçamento participativo, e novos métodos de administração, como a

gestão por projetos. Verifica-se que a judicialização de conflitos envolvendo políticas

públicas não observa, necessariamente, o trajeto da matéria na experiência

governamental recente, o que tem produzido determinados impactos, entre os quais

o comprometimento de recursos não com as políticas, mas como decisões judiciais.

As prestações positivas requeridas judicialmente do Estado são, em geral,

atendidas para execução em um intervalo de tempo inferior a um ano, não sendo,

portanto, objeto de orçamentação prevista em lei, mas, pelo contrário, obrigam

realização da despesa pública sem a respectiva previsão. As situações mais

complicadas são as que envolvem tutela antecipada, como explica Piola (2008, p.

125):

“Adicionalmente, na maioria dos casos, os juízes vêm concedendo tutela antecipada, o que implica que o medicamento ou serviço será entregue imediatamente, ainda que depois a ação seja julgada improcedente. Isso

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porque a maioria das ações judiciais confere à norma constitucional no campo da saúde o status de norma de eficácia plena, na medida em que interpreta que desta deriva a garantia da plena efetividade do direito à saúde e sua aplicabilidade imediata”.

Em julgado do STF a Min. Gracie explica que quando os magistrados

decidem sobre ações que ensejam prestações positivas do Estado, procedem a uma

análise de cada caso, em concreto (CASTELO BRANCO, 2007), e, assim, “se

restringem ao caso específico analisado, não se estendendo seus efeitos e suas

razões a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual” (165. É a postura, já

comentada, do julgador que somente se preocupa com o benefício particular,

desconhecendo a teia de direitos envolvidos em sua decisão. Assim, ao afirmar que

“Incumbe ao Estado proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente

quando envolvida criança e adolescente”, e que “o SUS torna a responsabilidade

linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios166",

obrigando o gasto público com, por exemplo, a garantia de medicamento ao cidadão

sem que haja previsão para tanto167, o Judiciário não age de forma responsável,

porque, em inúmeras situações, não se preocupa com o resultado para além dos

autos.

Uma das diferenças de se pretender uma abordagem pragmatista, e,

portanto, consequencialista, do direito, é a necessária inclusão dessa dimensão na

análise jurídica. A questão do impacto dessas decisões sobre a realização da

política pública tem sido observada por inúmeros estudiosos.

Entre os meios de judicializar políticas públicas, destacam-se as concessões

de medicamentos que não constam da relação do sistema de saúde168. A prática

começa com demandas de antirretrovirais para pacientes portadores do vírus HIV,

na década de 1990, e se generalizou na época subseqüente (PIOLA, 2008). Trata-

se de evento verificável no Brasil como um todo. Exemplificando, no DF, o número

de mandados judiciais relacionados a medicamentos aumentou de 281, em 2003,

para 682, em 2007 (ROMERO, 2008). Na Bahia, passou de seis ações, em 2003,

165 Ver a decisão em STF. SS 3350 GO. J. 16.08.2007. 166 Ver a decisão em STF. RE 195.192, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 22.2.2000. 167 Ver a decisão em STF. STA 328-AgR, Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, j. em 24.6.2010. 168 Ver, a respeito, em trabalho de conclusão de curso de graduação realizado sob orientação do autor, no curso de Gestão Pública do Centro Universitário de Belo Horizonte. SOUZA, Aline Marcelle de. A judicialização da política e seus impactos na Administração Pública. Disponível em <http://www.monografias.brasilescola.com/direito/judicializacao-politica-seus-impactos-administracao-publica.htm>. Acesso em 12.9.2010.

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para 112, em 2007 (COSTA, 2008). No Rio Grande do Sul, onde o processo começa

antes, em 2002 já havia 1.846 ações, chegando a 4.550 em 2008, cerca de 3.500

relativas a medicamentos (NAUNDORF, 2006). No Rio de Janeiro, passa de 713

para cerca de 2.500, entre 2001 e 2005, um crescimento de mais de 350%. Esse

desempenho se reflete nos tribunais superiores, com registro, no Superior Tribunal

de Justiça, de dois processos em 2001, para 672 em 2004 (PIOLA, 2008).

O impacto financeiro dessas medidas é considerável, sendo tão expressivo

que em alguns orçamentos, como o do Estado de Minas Gerais (2009), existam

rubricas orçamentárias especificamente para tais medicamentos, com 12% do

orçamento do Estado para a assistência farmacêutica destinado a pagamento de

ações judiciais. Ainda em Minas Gerais (PIOLA, 2008), em apenas 12 meses de

2007 o Estado gastou mais de US$ 5 milhões com três medicamentos para atender

217 pacientes que obtiveram o direito por via judicial.

Ferreira apresenta estudo sobre o caso de pedido por vias judiciais de

medicamentos antirretrovirais e exames utilizados no caso de tratamento de

portadores do vírus HIV, no estado de São Paulo, no período compreendido entre

1997 e junho de 2004 (FERREIRA, 2004). Foram selecionadas e analisadas 144

decisões colegiadas e, examinados também os fundamentos levados em

consideração no momento de tomada de decisão, tendo como variáveis o critério

financeiro, no que tange ao impacto da decisão no orçamento público, a relevância

social, no que se refere ao impacto para a coletividade do desvio de recursos

públicos para o atendimento individual, e o impacto nas políticas públicas,

observando-se sua organização e funcionamento.

Quando negam a prestação pedida, 76,2% dos magistrados consideram que

os recursos públicos são escassos, muitas das vezes sob o argumento do “possível

orçamentário”, e que a administração está vinculada à previsão orçamentária. Nos

casos de concessão do benefício, apenas 8,9% admitem considerar o elemento

financeiro, ou seja, entendem que o direito vale em qualquer hipótese, cabendo ao

poder público, de alguma forma que não interessa à decisão, prover o direito

material (FERREIRA, 2004, p. 23). Sobre os impactos sociais da decisão, 66,7% dos

juízes que não concederam referiram-se aos prejuízos para a coletividade, enquanto

que nos casos de concessão em apenas 4,1% (FERREIRA, 2004, p. 25). A

consideração simultânea desses três fundamentos, importante elemento para a

fixação do âmbito da norma, não ocorreu em 96% dos casos, ao passo que em 62%

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dos casos de negativa, foram analisados por todos esses ângulos. Observe-se os

gráficos a seguir:

Gráfico 1: Fundamentos Jurídicos. Fonte: Ferreira et alii, 2004, p. 25.

Gráfico 2: Fundamentos Jurídicos – prestações concedidas. Fonte: Ferreira et alii, 2004, p.26.

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Gráfico 3: Fundamentos Jurídicos – prestações não concedidas. Fonte: Ferreira et alii, 2004, p. 26.

Perceba-se, a partir do julgado a seguir, do STF, o raciocínio que move o

julgador nesses casos. Da decisão, consta o seguinte:

"O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art.196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (...) O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/Aids, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF”. (RE 271.286-AgR, Rel. Min.

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Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, Segunda Turma,DJ de 24-11-2000.). No mesmo sentido: STA 175-AgR, Rel. Min. Presidente Gilmar Mendes, julgamento em 17-3-2010, Plenário, DJE de 30-4-2010. Vide: AI 734.487-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.

Tratou-se de uma decisão agravada pelo Município de Porto Alegre, que, em

suas razões, expôs o seguinte:

“Determina a Constituição Federal que são de iniciativa do Poder Executivo as leis que estabelecem os orçamentos anuais e é nessa lei que deverá ser previsto o orçamento da seguridade social, consoante o inciso III, do § 5.º, do art. 165 da Constituição de 1988. Assim, quando decide o acórdão com base na Lei 9.313/96, que estabelece que as despesas para aquisição de medicamentos para a AIDS serão financiadas com recursos da seguridade social da União, Estados e Municípios, deixou de considerar que a própria lei no seu art. 2.º remete sua eficácia à norma regulamentar, pois se assim não fosse, estaria a norma federal violando o art. 165, III, § 5.º, da CF de 1988”. (fl. 1413).

Apesar de ser uma argumentação totalmente baseada em texto legal, é,

igualmente, uma argumentação que, se não defende bem o seu ponto de vista,

explora devidamente a insuficiência da conduta judicial, de desconsideração da lei e

adoção de critério que lhe possibilitou tal escolha. A referência do Min. Celso Mello a

que “entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde (...) ou fazer

prevalecer (...) um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo que razões

de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que

privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana”, não pode enganar pelas

belas palavras. Compreender o direito à vida como “direito subjetivo inalienável

assegurado a todos pela própria Constituição da República”, como faz o magistrado,

e desconsiderar não só o contexto geral de aplicação, mas também todos os

procedimentos que a Constituição define para a política pública, é atitude de um

Judiciário que não está só apegado à análise solipsista, mas que joga com a

ausência de responsabilização. Perceba-se no voto citado que nenhuma das três

considerações propostas na metodologia de análise de Piola ocorreu, já que se

considerou apenas a “inalienabilidade” do direito.

Há muitos casos socialmente relevantes e doutrinariamente instigantes a

serem trabalhados nessa área. Recorde-se, ainda, pela estatura hierárquica que

detém, a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 45, na qual se firmou

entendimento segundo o qual o tipo de ação manejado é “instrumento idôneo e apto

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a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta

Política”, pois “a dimensão política da jurisdição constitucional” conferida àquela

Corte, impunha o “gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos,

sociais e culturais” previstos na Constituição, “sob pena de o Poder Público, por

violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a

integridade da própria ordem constitucional”169. Em breve comentário, e sem

adentrar o mérito da questão tratada na ação, ou desvalorizar o sentido geral desse

reconhecimento de competência, cabe apontar que o STF se equivoca, ao menos

em parte, na compreensão de seu papel e da função do direito, assim como da

juridicidade das políticas públicas e dos direitos delas decorrentes.

A dimensão política da jurisdição constitucional, que merece referência em

sentido amplo, porque todos os temas podem ser políticos e sua inserção em

Constituições e leis é prova disso, ou, radicalizando na expressão sartreana, porque

“tudo é política”, não é tecnicamente correta. O STF é órgão do Poder Judiciário,

conforme o texto constitucional170, e é estrutura estatal incumbida, primordialmente,

de decidir confitos jurídicos no exercício da função jurisdicional171. Qualquer decisão

política do STF é, nesse sentido, uma disfunção e corrompe o sistema do direito.

Indaga-se: se é para decidir politicamente, qual o sentido da baliza jurídica?

A função social do direito é afirmar o jurídico ou o antijurídico, a fim de

estabilizar expectativas generalizadas de comportamento. Em se tratando de

políticas públicas, cumpre averiguar a juridicidade levando em consideração todo o

aparato normativo incidente sobre a questão, não cedendo à tentação de decidir

escorado em apenas um dispostivo, tanto mais quando se trata de tema

constitucional, que requer interpretação sistemática, guiada pelo sentido de unidade

da Constituição.

Insista-se no cuidado, porque a Constituição deve ser preservada não apenas

na efetividade dos direitos sociais mediante políticas públicas, mas também no

respeito ao princípio democrático e à independência e harmonia entre os poderes. A

intervenção judicial em políticas públicas implica um trabalho de desconstrução da

decisão administrativa atacada, que considere todos os seus aspectos, porque

169 A passagem é feita em ‘obliter tantum’, com o evidente interesse de demarcar posição. 170 Art. 92, I da Constituição da República. 171 Evidentemente que não são desconsideradas as funções outras do Supremo, inclusive as políticas, como a iniciativa no processo legislativo.

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políticas públicas implicam custos, são interdependentes e intercambiáveis; e

envolvem uma reconstrução posterior da mesma envergadura.

Não se trata, aliás, de reduzir o problema à reserva do possível. Na mesma

decisão, afirmou o STF que “a cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a

ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo

Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações

constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder

resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais

impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade”. A dicção da Corte é

truncada, já que se vale de ressalva em conceito aberto e desconsidera que, na

maioria dos casos, haverá uma situação complexa, com direitos e políticas

constitucionais em rota de colisão. A reserva do possível é uma forma de controle ou

de balizamento (TORRES, 2000, p. 61) que só faz sentido em uma análise integrada

que envolva a política pública como um todo e no conjunto geral da programação

governamental.

A judicialização da política envolve, especialmente, as relações entre os

sistemas do direito e da política, em situações nas quais o poder de decidir atribuído

ao Judiciário traz consigo o risco de decisões políticas a pretexto do exercício de

função judicante, que deve operar conforme o código jurídico/ não jurídico. Envolve

reconhecer que não há correlação funcional entre Executivo e Judiciário, como

diferem a conduta dos grupos ocupantes do Poder Executivo e suas disposições

políticas e o comportamento, de mais ou menos independência, do Poder Judiciário

(HANSSEN, 2001), cujos juízes operam com a norma aberta, mas segundo a

possibilidade de sua adequação aos casos concretos (LEVI, 1949).

Também para o Judiciário, o exercício legítimo do poder pressupõe respeito à

regra do jogo e a própria justiça substantiva depende da ordem legal e legítima para

se impor em um Estado de Direito, no qual “ninguém, nem mesmo os juízes, pode

sentir-se acima da lei” (MERQUIOR, 1983, p. 133). Assim, mesmo admitindo o

controle dos chamados atos de governo pela jurisdição, tal procedimento não

autorizaria a decisão judicial politizada (PALU, 2004), desde que não houvesse o

direito na decisão, mas, antes, um tipo de retorno a métodos tradicionais, pré-

modernos, de composição de conflitos.

Assinale-se que o direito, dotado da função de estabilizar expectativas

(LUHMANN, 1998c, p. 92-93), deve realizar seu ofício a partir de seus próprios

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parâmetros, razão pela qual afirma Luhmann que “o significado social do direito é

reconhecido quando provoca consequências sociais devido precisamente a que se

tenham estabilizado as expectativas temporais” (LUHMANN, 1998c, p. 93). Na

sociedade brasileira atual, notam Grau e Beluzzo (2001, p. 112), há o risco da

substituição da insensibilidade própria da racionalidade formal do direito moderno

pela racionalidade de conteúdo, assumida pela opinião pública, especialmente pela

mídia, que se resolve no bojo da dicotomia violência/direito, com primazia daquela.

Cabe, nesse ponto, mencionar o problema da legitimidade de um órgão

burocrático-aristocrático, ante os poderes considerados democráticos. Se, de um

lado, é evidente essa legitimidade, decorrente de preceito constitucional que

configura o Judiciário, de outro, essa mesma legitimidade repousa não em mandatos

transitórios, renováveis ou não, mas em um critério burocrático e de mérito, que só

vale na medida em que sua racionalidade jurídica for observada. Ou seja, no

Executivo e Legislativo a legitimidade repousa no exercício do mandato, ao passo

que no Judiciário a legitimidade reside no exercício da função. Essa é uma distinção

que não pode passar desapercebida, já que a assunção de uma judicatura alargada

implica, além do dever de justificação suficiente e de decisão conforme o direito, a

implementação de novos mecanismos de freios e contrapesos.

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10. CONCLUSÃO

Esta tese reconhece políticas públicas como matéria sujeita ao sistema

jurídico, bem como admite existirem problemas concretos associados a sua

introdução no direito brasileiro. Não apresenta, contudo, nem uma definição precisa

acerca do que seja esse fenômeno, nem uma solução pronta e acabada para os

problemas a serem enfrentados. Fazê-lo seria contradizer os fundamentos que

assume e desenvolve. Assumindo o risco, a incerteza e a complexidade, aponta, não

obstante, certas possibilidades de abordagem, em uma percepção pragmatista do

fenômeno jurídico na sociedade.

O esforço de redescrição teórica presente nesta tese é seu componente mais

importante. Como o título deixa antever, há uma preocupação central com

fundamentos que possam alicerçar de maneira consistente o estudo do direito das

políticas públicas. Considera-se que as situações problemáticas vividas no âmbito

dessa matéria tenham origem nesse ponto, e são resultados induzidos pela

permanência de uma razão metafísica, positivista ou empirista no direito, a produzir

gramáticas desconexas e diálogos enviesados. Assim, o sistema do direito, por

vezes, produz comunicação dissonante de seu código peculiar e de sua função

social.

Note-se que essa centralidade conferida às discussões de fundo está

conjugada com o problema explorado, qual seja o referente a possibilidades de uma

abordagem especificamente jurídica das políticas públicas. A adoção, na tese, de

uma posição pragmatista tenciona não apenas uma atualização epistemológica de

cunho reflexivo, mas sobretudo conferir às políticas públicas um tratamento pelo

sistema jurídico que leve em consideração a complexidade do cenário em que estão

inseridas.

A urdidura do presente trabalho recai sobre temas fundamentais, e toca

menos a superfície das políticas públicas, não em função de um intuito manifesto e

deliberado de aluir a teoria jurídica tradicional ou de uma provocação iconoclasta. Na

realidade, as diversas tradições jurídicas são respeitadas e consideradas como

fontes indutoras de jogos de linguagem, conquanto se reconheça a falência de sua

base epistemológica e a insuficiência de sua pretendida racionalidade para lidar com

as situações complexas geradas pelo sistema do direito na alta modernidade.

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Não se trata de produzir um direito mais idôneo, capaz de vislumbrar a

juridicidade das políticas públicas despida de turvação e incerteza. Pelo contrário, o

que se insinua pragmaticamente é que o direito das políticas públicas se distingue

pela dúvida, pela complexidade, pela contingência. É um direito que não será

amansado ou enquadrado, mas sujeito à lida firme e incessante. Nessa peleja,

cumpre ao operador do direito agir com esmero na atualização de descrições e

narrativas, sabendo-as, todavia, fugazes; zelo na percepção dos contextos espaço-

temporais nos quais a normatividade jurídica se processa; atenção reflexiva para as

consequências sociais que legitimarão a concretização da norma.

Tratar a fundamentação do direito das políticas públicas de maneira

pragmatista implicou, no alinhavar desta tese, percorrer determinadas veredas do

pensamento filosófico, jurídico, político e sociológico, enredando-as. Admitir o

fundamento que decorre dessa construção envolve certas consequências, as quais

foram também exploradas no trabalho.

Argumentou-se que políticas públicas constituem categoria jurídica e, nessa

condição, demandam uma abordagem específica pelo sistema do direito, cuja

função social, código e referências não se confundem com os da política

(LUHMANN, 2002). Esse fenômeno decorre de um dado desenvolvimento social, no

qual sobressaem traços característicos da modernidade reflexiva associados a

componentes próprios das sociedades periféricas, em um contexto de

democratização e peculiar experiência constitucional172. Dele decorre, por exemplo,

a necessidade de um discurso jurídico a justificar os atos estatais, os quais ficam

sujeitos a sindicabilidade ampla.

Admite-se que o direito das políticas públicas está inserido na órbita do

regime jurídico administrativo, que vem se reestruturando nas últimas décadas a

partir do diálogo com a teoria social contemporânea, com o constitucionalismo

democrático e com a nova gestão pública.

No direito brasileiro, as políticas públicas são mencionadas no texto da

Constituição de 1988, no qual há referência a princípios e diretrizes que alcançam

grande parte dessas políticas; repartição de competências federativas, muitas das

quais indutoras de um arranjo institucional que enreda e obriga todos os entes da

federação com determinadas políticas; e definição rigorosa de procedimentos e

172 No sentido que pode ser visto, por exemplo, em Neves (2007) ou em Canotilho (2006a, p. 121-122).

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formas que devem ser respeitados para a elaboração, execução e controle de

políticas públicas.

A par dessas grandes linhas normativas, observa-se no plano

infraconstitucional a edição de legislação que estabelece políticas - gerais, setoriais

e regionais -, diretrizes específicas para determinadas áreas, planos setoriais

temporalmente demarcados, organização do serviço público para a realização das

políticas, disciplina de repartição de recursos públicos e ordenação de despesas,

além da legislação periódica que define planos plurianuais, diretrizes orçamentárias

e orçamentos anuais.

Essa ordem normativa é própria de uma sociedade complexa e exige uma

manipulação jurídica reflexiva, com instrumentos que ultrapassam os limites das

tradicionais vertentes de interpretação jurídica. Além disso, essa juridicidade das

políticas públicas encontra respaldo em um desenho institucional cuja trajetória, sob

o constitucionalismo de 1988, reconhece a legitimidade de um amplo rol de atores

sociais para intervir juridicamente e acrescenta novos instrumentos ao repertório do

direito processual.

Há, de um lado, a instauração de um sistema de controles e

responsabilização que envolve mecanismos internos e externos à Administração e

articula os Poderes do Estado. A criação de órgãos de controle interno, de auditorias

permanentes, de ouvidorias, a organização da advocacia de Estado, e os controles

parlamentar e das Cortes de Contas, evidenciam aperfeiçoada “accountability”. Um

Judiciário encorpado e cercado de prerrogativas, em uma lógica organizacional

extensiva ao Ministério Público, realça, em uma crescente atuação, as possibilidades

de aprofundamento democrático que essas inovações encerram.

De outro lado, verifica-se a ação da sociedade, que tanto é chamada a

compor órgãos oficiais de deliberação e monitoramento de políticas públicas, quanto

a participar de várias delas associada ao setor estatal. O cidadão e entidades

podem, ainda, contribuir para um controle mais efetivo, já que, na maior parte das

situações, têm meios de apelar ao controle judicial.

Note-se que, ao mesmo tempo em que essa normatividade relativa a políticas

públicas possibilita a juridicização das mesmas e a consequente subjetivação de

direitos, ela acarreta também a necessidade de um diálogo jurídico que considere a

sua macrojuridicidade, sob pena de o controle jurídico ser corrompido, prevalecendo

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a linguagem de outro sistema, como o político, com prejuízo social em termos de

funcionalidade e alcance do direito.

Exemplo eloqüente é o direito coletivo à política pública de saúde enlaçado ao

direito de cada cidadão a atendimento adequado no sistema público de saúde. Este

depende daquela, ou seja, o direito individual a determinada prestação do SUS é

vinculado ao direito coletivo à política pública de saúde. Quando um controle jurídico

põe em causa um conflito entre essas duas dimensões da política pública, compete

ao analista dialogar tanto com o pretenso direito do indivíduo, quanto com o direito

da sociedade à política pública, para fixar a estrutura normativa de aplicação.

Nesses casos cabe não apenas reconhecer que a operação jurídica envolve

mais que um silogismo básico, por meio do qual se extrairia o enquadramento da

situação dentro de certa moldura normativa, mas o exame de um direito à luz do

outro, e ambos em um dado contexto. Um pretenso direito individual pleiteado

poderia ser deferido173 se, e somente se, houvesse deficiência jurídica na

formulação ou execução da política pública, a determinar, em vista disso, um

rearranjo da mesma.

Neste ponto cabem duas observações: uma, a regularidade jurídica da

política pública, conforme já se argumentou, não decorre apenas da formalização de

atos normativos e administrativos, mas de aspectos substanciais vinculados a sua

execução; duas, tanto quanto a análise que apontar uma antijuridicidade, também o

rearranjo da política pública deve obedecer a um sentido macrojurídico, respeitando

a complexidade da matéria em seu contexto de concretização.

Os inúmeros casos vistos no Brasil incidentes sobre a concessão de

medicamentos para usuários do sistema de saúde mediante ato judicial em geral

padecem, segundo a visão abrigada neste trabalho, de evidente antijuridicidade, já

que não tocam na questão geral e, potencialmente, prejudicam a sociedade para

garantir um direito individual.

Essas decisões só seriam jurídicas se respeitassem o aspecto sistêmico que

a questão contém. Vale dizer, nessas decisões dever-se-ia tanto apontar a falha

jurídica da política pública – que não é a mera negativa do medicamento, pois esse

ato é simples “manifestação” da política pública, não “é” a política pública –, quanto

decidir também como ficaria a política pública, quando menos traçando as diretrizes

173 Pela Administração, via de regra; excepcionalmente pelo Poder Judiciário.

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para o seu rearranjo. Note-se, ademais, que, hipoteticamente, em ações desse tipo

outro cidadão qualquer, também usuário do sistema, poderia defender juridicamente

que se negasse o medicamento, em face do seu direito à manutenção da política

pública tal como concebida e em execução.

A juridicização das políticas públicas é, a um só tempo, fenômeno indutor e

resultado de um processo de mudança e reacomodação que ocorre na sociedade e

atinge o exercício da cidadania e a esfera público-institucional. Essa dimensão

comporta riscos, alguns dos quais foram apontados, especialmente os vinculados a

uma reconhecida, porém delicada, possibilidade de intervenção judicial sobre as

decisões que envolvem políticas governamentais. A judicialização da política vem

acompanhada da semente da politização da justiça e envolve, de um lado, um

cuidado para que autoridades aptas a decisões jurídicas não operem consoante o

código da política, e, de outro lado, uma atenção para a preservação da harmonia

entre os poderes, que implica parcimônia nessas intervenções judiciais.

A análise jurídica de políticas públicas é matéria complexa, porque envolve

uma teia normativa interconectada, pluralidade de intervenientes potenciais, e

interesses diversos, razão pela qual é impossível se alterar a parte sem afetar o

todo. Essa complexidade é a medida do direito das políticas públicas e a qualidade

da decisão jurídica nessa seara resulta da juridicidade das políticas públicas

observada em sua integridade, a exigir justificação suficiente conforme a linguagem

do direito e consequências devidamente consideradas.

Procurou-se, neste trabalho, apontar fundamentos relevantes para uma

compreensão jurídica das políticas públicas no direito brasileiro, com o objetivo de

contribuir para tornar mais denso o estudo do tema, e conferir mais efetividade a

suas aplicações, cuja intensidade social (SANTOS, 2009a) será diretamente

proporcional às formas de sua apropriação pela sociedade. Cumpre, enfim, assinalar

algumas questões sob a ótica dos fundamentos aqui esposados.

A primeira questão decorre das dificuldades de processos de mudança em

uma dada trajetória. O direito das políticas públicas se distingue por conferir

abrangência jurídica a um tema tradicionalmente ligado apenas à política, por exigir

tratamento macrojurídico, por induzir um Estado mais democrático e permeável, por

afetar a relação entre os Poderes estatais, por produzir relações jurídicas

complexas. Os operadores do direito trabalham com vocabulários herdados,

preconceitos e tradições próprios, além daqueles presentes no contexto brasileiro.

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Seu comportamento, a permitir que o sistema do direito se comunique, parte de tais

elementos, que compõem suas crenças e, na prática cotidiana, reduzem seus custos

de transação. Modificá-los é oneroso e demanda conciliar respeito às tradições e

práticas habituais, e uma pedagogia de abertura à ação reflexiva e pragmatista, que

supere tanto posturas conservadoras quanto as meramente voluntaristas.

A questão do respeito ao código do direito sobressai nesse intento. Cabe

reconhecer que as intervenções no campo das políticas públicas exigem justificação

jurídica e resultados especificamente conforme o direito. Trata-se de um meio de

controle das decisões estatais, legiferantes, administrativas ou judiciais.

Casos como a partilha de emendas parlamentares individuais, a ação

administrativa clientelista, fonte de prendas para afilhados de agentes estatais, ou as

decisões judiciais particularistas em matéria de políticas públicas, como a

distribuição de medicamentos, são exemplos de corrupção do código do direito pela

política. Despreza-se, nessas situações, a linguagem do direito, inexistindo a

justificação jurídica e, igualmente, consequências socialmente desejáveis.

Obstaculiza-se a produção de bens coletivos e a universalização das políticas

públicas.

A observância de uma razão jurídica no âmbito das políticas públicas impõe o

reconhecimento de sua macrojuridicidade. Qualquer decisão estatal – lei, ato

administrativo, sentença – tomada nessa seara deve levar em consideração

aspectos gerais da política atingida, especialmente sua programação no texto

normativo, seus objetivos, suas metas quantificadas. Qualquer intervenção implica

necessidade de reacomodação, de maneira que não haja a ação pontual, mas,

sempre e necessariamente, um proceder macrojurídico.

Essa constatação leva a determinadas consequências, entre elas um Estado

aberto, inclusivo e democratizante, a afetar diretamente os processos de escolha

pública e a utilização da discricionariedade. Em políticas públicas, não cabe o

agente estatal, administrador ou juiz, decidindo com base em uma razão política ou

a partir do caso isolado. Cumpre-lhe justificar macrojuridicamente sua decisão,

apresentando dados relativos a textos normativos incidentes sobre o caso, contexto

de aplicação normativa, consequências gerais previsíveis ou projeções de

resultados. Não há que se falar em indiferentes jurídicos, tampouco no ato

discricionário como reserva de escolha ampla ou ação política do agente público,

pois está o Estado, com suas políticas públicas, submetido ao sistema jurídico.

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O direito das políticas públicas é parte do regime jurídico administrativo e,

nessa condição, se sujeita a princípios como os da impessoalidade e da supremacia

do interesse público. Assim, são antijurídicas as decisões, administrativas ou

judiciais, de cunho personalista e as que não levam em consideração o bem coletivo

a ser produzido pelo Estado. Que, eventualmente, prevaleçam pela força política da

autoridade que as impôs é outro problema.

A orientação jurídica individualista, de matriz liberal, não tem lugar no direito

das políticas públicas. Assim também, as reivindicações de direito subjetivo público

nessa esfera nunca serão pretensões exauríveis em uma relação jurídica simples,

do tipo bipolar. Ao contrário, a subjetivação de direitos oriundos de políticas públicas

deve obedecer a um processo de análise do direito requerido em vista de uma

complexa teia de direitos, que deve ser tecida segundo critérios de impessoalidade,

generalidade e universalidade.

A referência a um direito das políticas públicas impõe a existência de

controles jurídicos para a matéria. Esses controles devem partir do cidadão e das

organizações da sociedade civil, cuja interação com o Estado deve lhes permitir

vocalizar preferências e acompanhar o agir estatal, nos termos da principiologia

jurídica que rege o Estado brasileiro. Trata-se não apenas de alargar instrumentos

de democracia participativa mas, de forma especial no campo das políticas públicas,

dar publicidade à ação estatal. A densificação de um direito das políticas públicas

exige que essas políticas sejam apresentadas de forma clara e explícita à

sociedade. Assim, as primeiras formas de controle devem ser a verificação da

existência da política pública na programação governamental e de sua publicidade,

com a consequente compreensibilidade.

Ao Ministério Público compete um controle que incida mais sobre as políticas

públicas que sobre casos individuais174. Verificando-se as deficiências existentes na

formulação, publicização e execução dessas políticas, haveria um amplo espaço de

atuação, seja para assegurá-las, seja para responsabilizar os agentes incumbidos

de sua realização. Os tribunais de contas, por sua vez, para atuarem no controle de

políticas públicas, deveriam deslocar seu foco da fiscalização financeiro-contábil

174 Observando-se a trajetória institucional brasileira após 1988, pode-se aventar uma possível ênfase do Ministério Público nas políticas públicas e questões gerais, ficando a tutela de problemas individuais sob responsabilidade da Defensoria Pública.

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para análises operacionais e de resultados. Não deveriam, outrossim, admitir a

juridicidade de peças orçamentárias meramente formais.

O problema das leis de planejamento e orçamento, já referido neste trabalho,

merece mais controle. Orçamentos repletos de janelas orçamentárias, com altas

margens de suplementação e sem definição clara de ações, projetos, fins e metas,

devem ser objeto de controle mais eficaz, com possibilidade de sua

desconsideração, total ou parcial, cabendo, por exemplo, a glosa de rubricas

incompatíveis com seu escopo ou autorizações por demais genéricas.

O Poder Legislativo deveria exercer o controle mais efetivo sobre as políticas

públicas, afinal analisa-as antes de torná-las texto legal. Não é o que ocorre, todavia

(DIAS, 2010). Ao contrário, aliás, os parlamentares, usualmente, optam por

assegurar, à margem das políticas públicas ou a elas entremeados, benefícios

estatais específicos para suas “bases”. Cabe ao Legislativo, todavia, acompanhar

políticas públicas, inclusive intervindo nas situações em que o Executivo é omisso ou

extrapola no exercício da administração estatal.

O controle efetuado pelo Poder Judiciário é, atualmente, o mais controverso.

Inúmeras são as interferências desse Poder sobre o funcionamento das políticas

públicas. Note-se que não se trata de ingerência na política pública, de ação

macrojurídica. São decisões específicas, particularistas, que garantem um direito

individual em detrimento da racionalidade coletiva que permeia as políticas públicas.

Nesse agir, residem alguns problemas. É que essas decisões raramente têm, de

fato, fundamento jurídico. Escoram-se, no mais das vezes, em princípios genéricos e

em normas constitucionais que projetam direitos passíveis de individualização tão-

somente no bojo da execução de políticas públicas, o que é solenemente ignorado.

Decisões judiciais desse naipe não são, realmente, decisões jurídicas, mas

atos de poder que, politicamente, se impõe. Há um evidente problema de

letigimidade nessas ações, já que a função do Poder Judiciário é a emissão de

decisões juridicamente justificadas. A usurpação de atribuições dos demais poderes

evidencia-se, aprofundando o por demais conhecido processo de judicialização da

política.

Incidindo sobre a microjuridicidade de situações que envolvem relações

complexas, essas decisões provocam, além disso, toda sorte de efeitos colaterais, já

que o atendimento a essas medidas judiciais particularistas obriga à Administração

pelo menos redimensionar a política pública afetada.

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Não se trata de negar o controle judicial sobre as políticas públicas, mas de

perceber problemas decorrentes dessa prática, que não vem se realizando, na

maioria das vezes, da maneira devida, com análise macrojurídica, justificação

fundada no código do direito, e consequências vislumbradas atreladas a uma idéia

de interesse público e de produção de um bem coletivo, que não se resume à soma

de benefícios particulares.

É desejável que o Poder Judiciário intervenha no âmbito das políticas

públicas, contudo essa intervenção, além de parcimoniosa, em atenção ao equilíbrio

entre os poderes, deve ocorrer observando características que singularizam e

tornam árduo o manejo do direito das políticas públicas. Agindo de forma

particularista o juiz apenas repete, em outros termos, uma tradição paternalista e

patrimonialista que a administração pública busca superar.

O móvel desta tese foi o fato da juridicização das políticas públicas, com os

vários problemas e desafios a ele inerentes. A opção por um trabalho centrado nos

alicerces que suportam a matéria vem ao encontro da necessidade de,

simultaneamente, se reconhecer sua complexidade e instabilidade e as dificuldades

geradas por sua introdução ao sistema jurídico, e fornecer uma narrativa capaz de

facilitar seu manejo, tornando-o juridicamente consistente e consequencialista.

Trata-se de um percurso que explora fundamentos, a fim de possibilitar resultados

práticos diversos dos que hoje ocorrem, a permitir um direito das políticas públicas

democrático, inclusivo e universalizável.

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