fundamentos da economia - noções de macroeconomia

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NOÇÕES DE MACROECONOMIA Luiz Marques de Andrade Filho (*)

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Professor: Luiz Marques - Fundamentos da Economia

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Page 1: Fundamentos da Economia - Noções de Macroeconomia

NOÇÕES DE MACROECONOMIA

Luiz Marques de Andrade Filho (*)

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Luiz Marques de Andrade Filho

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1- Macroeconomia

1.1– Teoria Keynesiana

A economia teve seu entendimento como ciência, como campo próprio do saber e conhecimento humano, somente a partir do século XVIII. Antes, os estudiosos que pensavam o sistema econômico ainda não tinham formulado um campo de conhecimento próprio, capaz de transformar a economia em uma ciência. Os precursores deste movimento foram os filósofos mercantilistas do século XVI e XVII e os fisiocratas no final do século XVII e início do século XVIII.

Porém, com a explosão da Revolução Industrial na Inglaterra em meados do século XVIII, a economia passou a ser estudada e entendida de maneira própria. Os economistas clássicos como Adam Smith, Jean Babtiste Say e, pouco depois, David Ricardo, entendiam o sistema econômico como um sistema auto-equilibrável. De forma resumida as principais idéias destes autores eram:

Say

• existem dois tipos de trabalho, o produtivo (que produz um bem físico) e o improdutivo (que não produz bens físicos; músicos, soldados, funcionários públicos).

• toda produção cria a sua própria demanda, pois todo o processo produtivo gera a renda suficiente para remunerar os fatores de produção, sendo o excedente – o lucro do produtor – um fator que também ativa a demanda do sistema, assim, a economia está sempre em equilíbrio (esta é a famosa lei de Say ou lei dos mercados).

Smith

• foi o pioneiro da tese da divisão de trabalho como aumento da produtividade.

• também trabalha com a questão do trabalho produtivo e improdutivo.

• se o trabalho improdutivo reduz a capacidade econômica de um país, deve-se reduzir a sua parte relativa dentro do trabalho total deste país; daí a idéia de redução do Estado, dado que os funcionários públicos, por esta lógica, são improdutivos.

• teoriza sobre as áreas de atuação do Estado a partir da lógica da sua redução, seriam elas: segurança, diplomacia internacional e, com ressalvas, justiça e obras que estimulem o comércio e a indústria.

• discute a necessidade do orçamento equilibrado do governo pois o déficit é nefasto para a economia; analisa a problemática da dívida pública como inibidora da demanda.

Ricardo

• teoriza sobre as vantagens do comércio internacional e a especificação da produção.

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• discute o impacto da tributação como implicação negativa sobre os preços e a economia.

O único economista clássico que discordou da idéia de que a economia é auto-ajustável e que, devido ao Estado ter em sua maior monta trabalhadores improdutivos ele deveria ser reduzido, foi Malthus, que discordou destas teses afirmando que, a economia não é auto-regulável, e que o funcionário público não é improdutivo pois, com seu salário, ele move a economia através da demanda. Malthus foi o criador do princípio da demanda efetiva que influenciará um século depois as idéias de Keynes.

Durante o restante do século XVIII, afora a crítica Marxista ao regime capitalista, a teoria predominante foi a Teoria Clássica, com as teses já expostas acima, além de avanços microeconômicos e o entendimento de que não existe desemprego involuntário, pois se há desemprego em um dado mercado, os salários se reduzirão pelo excesso de oferta de trabalho fazendo com que os empresários contratem os desempregados.

Não obstante, em 1929 o crack da bolsa de valores de Nova York derrubando e levando à falência milhares de empresas e famílias nos EUA e Europa, cria uma situação em que a economia clássica não conseguia explicar o que estava ocorrendo, pois, dado que toda produção cria demanda, como poderia estar havendo uma crise de superprodução1?

Como exposto, toda a Teoria Clássica não conseguia explicar a crise de 29, pois seus postulados de que (i) não existe desemprego involuntário e que a (ii) oferta gera uma demanda em igual volume, não eram observados no mundo real.

Os governos tomaram ações diversas, e, em geral, optaram por aumentar os gastos como modo de evitar um caos maior2.

Como não havia uma teoria capaz de explicar e solucionar a crise, surge, somente em 1936, através da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, do economista inglês Jonh Maynard Keynes, uma nova teoria que explicaria o fenômeno e passaria a ser a mãe de toda a macroeconomia contemporânea.

1 A crise de 1929 foi uma crise de superprodução devido aos altos ganhos de produtividade, e uma crise de especulação financeira. Ela foi bem mais grave que a crise de 1870 (quando o capitalismo sofreu um refluxo no seu crescimento) e se adequa perfeitamente à Teoria Marxista de que o capitalismo, por explorar o trabalhador a ponto de reduzir seu salário real e incorporar constantemente tecnologia, criaria um exército industrial de reserva necessário à manutenção da taxa de mais-valia (parte do tempo do trabalhador não pago a ele mas, sim, absorvido como lucro do capitalista), e que ao final se autodestruiria. O fim do capitalismo seria um processo histórico previsível e irreversível, segundo Marx. 2 Isto aconteceu nos EUA com o programa governamental New Deal, e no Brasil, por exemplo, com o governo revolucionário de 30 atuando na compra dos excedentes do café, que – sendo nosso principal produto de exportação e fonte de toda a dinâmica econômica brasileira na época – sofreu uma grande queda em termos de receita cambial de exportação por ser um produto de demanda inelástica. Assim, a queda de preços do café no exterior foi contemplada com um aumento de consumo menos que proporcional à redução dos preços, diminuindo a receita de venda.

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O celebrado otimismo da teoria econômica tradicional – que levou os economistas a serem considerados como Cândidos, os quais, tendo-se retirado do mundo para cultivarem seus jardins, clamam, que tudo caminha do melhor modo no melhor dos mundos possíveis, contudo que deixemos as coisas andarem sozinhas – tem como origem, no meu entender , o fato de não haver sido levado em conta o empecilho que uma insuficiência da demanda efetiva pode significar para a prosperidade, pois em uma sociedade que funciona de acordo com os postulados clássicos deveria existir uma tendência natural para o emprego ótimo dos recursos. Pode muito bem ser que a teoria clássica represente o caminho que a nossa economia, segundo nosso desejo, deveria seguir, mas supor que na realidade ela assim se comporta é presumir que todas as dificuldades estejam removidas. (Keynes, 1982, p. 44)

Keynes inicia seu livro rebatendo e criticando todos os postulados clássicos e diz, em entrelinhas, que se não existe teoria capaz de explicar a realidade, ele criaria uma nova teoria capaz para tal. A síntese da teoria Keynesiana (que bebeu bastante das idéias anteriores de Malthus) é a seguinte:

1- Atividade econômica = ( ƒƒƒƒ) do nível de emprego

2- Nível de emprego = ( ƒƒƒƒ) da oferta agregada da economia

3- Oferta agregada = ( ƒƒƒƒ) da Demanda agregada da economia (demanda efetiva)

4- Demanda agregada = ( ƒƒƒƒ) Consumo e Investimento

5- Consumo = ( ƒƒƒƒ) Propensão a consumir da sociedade

6- Investimento = ( ƒƒƒƒ) (taxa de juros, eficiência marginal do capital - emgk)

Toda a Teoria Keynesiana critica a Teoria Clássica, mas o ponto de discórdia, talvez principal, se encontra no item 3 acima. Para Keynes a Oferta da economia, o nível de produção que o somatório dos empresários (e também o governo) estão dispostos a produzir é determinada pelo que se espera que a sociedade gastará em termos de bens de consumo e gastos com investimento3. Assim, a Oferta é explicada pela Demanda, e não a Demanda é explicada pela Oferta, como diziam os clássicos através da Lei de Say.

Nesse sentido, o que determinaria o nível de emprego seria os gastos com consumo e investimento. Através da equação da demanda agregada abaixo:

Y = C + I + G + (X – M)

Onde: Y, oferta agregada; C, consumo da sociedade; I, gastos com investimento de empresários e governo; G, gastos correntes do governo (salários, manutenção etc.); X, exportações e M importações, portanto, (X – M), saldo da balança comercial.

A função consumo é definida como:

3 Investimento em economia é todo gasto capaz de criar um novo bem de capital, ou seja, tudo o que agrega valor ao PIB. Assim, construir uma casa é um investimento mas comprar uma casa pronta não é, é uma inversão, pois o PIB já teria sido incrementado anteriormente com a construção da casa. Não confundir, também, com aplicação financeira.

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C = ca + cYd

Onde ca é o consumo autônomo, aquele consumo mínimo que independe da renda; cYd é o consumo induzido, que cresce quando a renda aumenta; Yd é a renda disponível da sociedade, ou seja a renda livre de tributos, após pagamento dos tributos e c; a propensão marginal a consumir, que nada mais é que a elasticidade do consumo em função da renda.

c (propensão marginal a consumir) = Var C/ Var Y

A propensão a consumir, que Keynes definiu como a principal variável a impactar no consumo total, nada mais é que o consumo total dividido pela renda da economia:

C/Y

Segundo Keynes, tanto a propensão marginal a consumir quanto a propensão a consumir são maiores em sociedades com renda menor, e menores em sociedades com renda maior, dado que as sociedades abastadas, justamente por isto, já possuem um nível elevado de consumo tendo pouco impacto um novo incremento da renda sobre o consumo total (propensão marginal a consumir); enquanto que dado o nível elevado do PIB (Y), o consumo total responde, em termos relativos, com uma mais baixa participação em relação às sociedades menos favorecidas.

Já a função investimento é definida da seguinte forma:

I = Ia + bY – ei + K

Onde:

Ia + bY - ei = investimento novo

K = gastos para repor o investimento que se deprecia

Ia = Investimento autônomo, que independe da renda

bY = Investimento induzido pela renda

b = propensão marginal a investir, elasticidade do investimento em função da renda

ei = impacto da taxa de juros sobre o nível de investimento

e = coeficiente de sensibilidade do investimento em função da taxa de juros

i = taxa de juros de mercado

Assim, as duas grandes variáveis a impactar no investimento seriam a taxa de juros do mercado, e a eficiência marginal do capital.

I = (ƒ) ( i, emgk) - +

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A taxa de juros teria uma relação negativa com os gastos com investimento pois quando os juros estão altos a atividade econômica tende a se reduzir, não somente porque os consumidores tenderão a gastar menos nas suas compras a prazo, mas também porque os empresários preferirão aplicar seus recursos em ativos financeiros e não em ativos reais.

Já a eficiência marginal do capital é um conceito de subjetividade trazido por Keynes à Teoria Econômica. Para ele os empresários investem quando imaginam que seu investimento será recompensado. Este “imaginar” pressupõe expectativa quanto ao futuro. Em termos práticos, a eficiência marginal do capital poderia ser avaliada através da taxa interna de retorno (TIR) de um novo investimento em relação à taxa de juros do mercado, através do desconto do fluxo de caixa estimado de um novo investimento.

Figura 1

Retornos anuais

0 1 2 3 4 5

Investimento

O VPL (valor presente líquido) do investimento á dado através do somatório dos desembolsos e retornos descontados à taxa e juros de captação ou à taxa e juros do mercado, custo de oportunidade do investimento (i).

A TIR (taxa interna de retorno) é a taxa efetiva de remuneração do investimento.

• Assim, quando a TIR > i, significa que o investimento possui uma rentabilidade superior à

taxa de captação ou à taxa de mercado, isto gerará um VPL >0, valendo a pena investir.

• Quando a TIR < i, significa que o investimento possui uma rentabilidade inferior à taxa de

captação ou à taxa de mercado, isto gerará um VPL <0, não valendo a pena investir.

• Assim, quando a TIR = i, significa que o investimento possui uma rentabilidade igual à taxa

de captação ou à taxa de mercado, isto gerará um VPL =0, não valendo a pena investir.

∑ ∑ +==

+=

nn TIR

tornosVPL

i

tornosVPL

)1(

Re0

)1(

Re

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Segundo Keynes, o empresário investirá quando a eficiência marginal do capital for alta, portanto, quando a TIR > i. No entanto, vários fatores influenciam nesta expectativa: (i) otimismo quanto ao futuro, (ii) expectativas de mercado, (iii) credibilidade no governo e nas instituições etc.

O que aconteceu em 29 foi que, dada a imensidão da crise, o governo inglês agiu reduzindo a taxa de juros, através de um aumento na emissão da moeda: a taxa de juros de mercado chegou a níveis muito baixos, mas mesmo assim, os empresários não investiam. Este fenômeno, conhecido como “armadilha da liquidez”, foi explicado, portanto, pelo receio que os empresários tinham em investir em uma situação de crise, pois as expectativas quanto ao futuro eram decepcionantes. Assim, a eficiência marginal do capital era muito baixa, fazendo com que – mesmo com os juros baixos – o investimento não crescesse.

Ora, se a demanda agregada estava recolhida pois os consumidores não queriam consumir em função do aumento do desemprego e os empresários não queriam realizar novos investimentos em função das péssimas expectativas, a solução seria ou incrementar a demanda através d aumento das exportações e redução das importações (através do incremento do emprego nos setores exportadores da economia) ou aumentar os gastos correntes do governo. Como a primeira opção era inviável pois a crise era mundial, a única solução seria aumentar a intervenção governamental via incremento de gastos públicos – algo totalmente contrário ao pressuposto clássico de redução do Estado, mas aderente à Teoria Malthusiana de que o funcionário público não é improdutivo pois consome, através de seu salário, e ativa a economia.

Keynes, portanto, propõe que – na hora da crise – apenas o Estado é capaz de intervir, gastar, para ativar a economia, pois as pessoas e empresas, pela lógica do lucro e da sobrevivência, sempre tendem a se retrair. Não obstante, ele acreditava que as intervenções estatais deveriam ser pontuais a fim de consertar a crise e – mais adiante – evitar a crise. O Estado deveria agir como um gerente, gerenciando as variáveis que impactam na demanda e no nível de emprego, a taxa de juros e a eficiência marginal do capital (expectativas). O Estado interviria na depressão através de políticas fiscais expansionistas e interviria novamente nos picos, a fim de evitar a inflação de demanda.

As idéias de Keynes foram seguidas por inúmeros governos do pós-guerra e, na Europa, consubstanciou o que se conheceu como Estado do bem estar (welfare state), quando o capitalismo se uniu a teses sociais democratas formando governos mais benevolentes às classes trabalhadoras através de uma legislação social e trabalhista amplamente favorável, e altos gastos sociais em saúde, educação e assistência social4.

A Teoria Keynesiana influenciou economistas e políticos durante décadas (até hoje), sendo a base da macroeconomia que conhecemos. Não obstante, durante a década de setenta, o capitalismo volta sofrer uma nova crise através do aumento do desemprego, queda da atividade econômica, aumento das taxas de juros e da inflação,

4 Uma excelente análise a respeito da relação entre as idéias de intervenção do Estado na economia e as políticas de bem estar, ver Przeworski (1995).

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nos países centrais, originados da alta repentina do petróleo em 1973, e – hoje já se conhece – de uma modificação na base tecnológica de produção. Os governos do Estado do bem estar, e mesmo os EUA que sempre foram tradicionalmente muito menos intervencionistas que os europeus, identificados com o aumento dos gastos públicos, passaram a ser duramente criticados pois segundo pensadores como Friedman e Hayek, o aumento dos gastos governamentais e a legislação trabalhista benevolente seriam a base da crise capitalista: os gastos levam à déficits que precisam ser financiados, o que implica inflação ou aumento da taxa de juros, a depender do método de financiamento escolhido, através de emissão monetária ou endividamento público (Anderson, 1996).

Assim surgem as teorias sobre reforma de Estado, claramente identificados com a as idéias ligadas à globalização, à abertura do mercado e redução da intervenção estatal, sendo um retorno aos pressupostos clássicos de Smith, Say e Ricardo.

Não obstante, isto é uma injustiça com as idéias originais de Keynes que nunca pregou o Estado como produtor de bens e serviços, mas sim como interventor a fim de equilibrar o mercado; apesar de entendermos não haver injustiça em relação à deturpação de suas idéias utilizadas pelos políticos.

Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir. Se o Estado for capaz de determinar o montante agregado dos recursos destinados a aumentar esses meios e a taxa básica de remuneração aos seus detentores, terá realizado o que lhe compete. Ademais, as medidas necessárias à socialização podem ser introduzidas gradualmente sem afetar as tradições generalizadas da sociedade. (Keynes, 1982, p. 288)

1.2– Noções de inflação

A inflação é definida como um processo de generalizado de aumento do nível de preços em função da perda do valor aquisitivo da moeda.

A inflação é um problema pois ela gera impactos negativos para a economia, quais sejam:

• Impacta negativamente no poder de compra das classes menos favorecidas, que não conseguem se proteger da corrosão inflacionária aplicando seus ativos no mercado financeiro, como faz a classe média e a classe alta, pois não têm acesso ao mercado financeiro; assim, a inflação é concentradora de renda.

• Distorce os preços relativos da economia, fazendo com que se perca a noção “do verdadeiro preço dos bens e serviços”.

• Impacta negativamente no mercado de capitais, pois os investidores de longo prazo perdem a certeza da remuneração de seus ativos, devido à corrosão da moeda, prejudicando o financiamento de longo prazo as empresas.

Assim, a inflação é um problema que deve ser monitorado e gerenciado pelo governo. Sem embargo, os métodos de controle de um processo inflacionário dependem

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da origem deste processo, pois, se assim não fosse, correr-se-ia o risco de aplicar um remédio errado para uma determinada doença.

As causas da inflação são basicamente três: inflação de demanda, inflação de custos e inflação inercial.

A inflação de demanda, como diz o nome, ocorre quando a demanda está muito ativada, fazendo com que os consumidores entrem em um processo crescente de consumo, o que, no curto prazo, em função da restrição ao aumento da oferta da economia, implicará em um aumento dos preços devido à lei da oferta e da demanda (se há muita demanda para pouca oferta, o preço tende a se elevar para equilibrar o mercado).

Esta inflação é explicada pelo modelo da Curva de Philips, que demonstra a relação inversa entre inflação e desemprego.

Gráfico 1

A curva de Philips mostra que a variação da taxa de inflação5 é dada pela relação:

5 Ressalte-se que Philips não explica a estagflação, a ocorrência de inflação paralela a um processo recessivo, de queda da atividade econômica e do nível de emprego.

*)( uue −−=∆Π

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Onde:

∆∏ = variação na inflação

- e = coeficiente de impacto da variação do desemprego sobre a taxa de inflação (negativo)

u = taxa de desemprego atual

u* = taxa de desemprego histórico médio

Assim, quando o desemprego atual é inferior ao desemprego histórico médio (u < u*), significa que a demanda será maior que a demanda média histórica, reduzindo os estoques pelo incremento das vendas, levando os empresários a aumentarem os preços. Isso é demonstrado na parte I do Gráfico 8.

Quando o desemprego atual é superior ao desemprego histórico médio (u > u*), significa que a demanda será menor que a demanda média histórica, aumentando os estoques pela redução das vendas, levando os empresários a reduzirem os preços. Isso é demonstrado na parte II do Gráfico 8.

Isto significa que sempre que a demanda está ativada, acima da média histórica, os preços tendem a se elevar, e vice-versa. A inflação de demanda é a mais “tradicional” das formas de inflação e, devido à sua origem, exige medidas recessivas para o combate ao aumento dos preços.

Já a inflação de custos (ou choque de oferta) ocorre quando um insumo importante no processo produtivo tem sua oferta reduzida de maneira abrupta, fazendo com que seu preço se eleve, contaminando toda a cadeia produtiva6. Para controlar este processo de aumento de preços o governo pode realizar políticas setoriais de controle de preços e também adotar certas formas de restrição de consumo, se bem que o incremento de preços – mantendo-se a renda real inalterada – já é o principal agente de exclusão de consumo.

Por fim, a inflação inercial decorre de um elevado e legitimado processo de indexação na economia. Para entendê-la devemos entender um pouco da histórica brasileira nos anos oitenta.

O início da década de oitenta em nosso país foi marcado por profundas crises econômicas causadas pela crise do balanço de pagamentos. Isto se explica pelo modo de financiamento do grande salto de desenvolvimento que vivemos no regime militar, a partir de 1964, que se baseou na captação de recursos externos à taxas pós-fixadas (a alta liquidez externa da época, devido aos chamados petrodólares dos exportadores da OPEP facilitava tal endividamento).

6 Exemplo clássico de inflação por choque de oferta foi o aumento generalizado dos preços na economia com os dois choques do petróleo da década de setenta.

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No entanto, ao final da década de setenta com a alta das taxas de juros nos EUA promovida pelo governo Reagan que assumia o poder, implicou em um efeito dominó nas demais taxas internacionais, implicando em um incremento no pagamento dos juros relativos à dívida externa dos países e empresas que se financiaram com taxas pós-fixadas. O Brasil sofreu esse debacle e no início dos anos oitenta, através de medidas contracionistas, tentou controlar a crise externa - reduzindo importações e aumentando as exportações.

A crise coincidiu com o fim do modelo de desenvolvimento baseado no processo de substituição de importação (PSI), e fez com a década de oitenta fosse marcada por crise de crescimento e alta inflação (além do retorno ao processo democrático).

Ora, se havia redução na nossa atividade econômica causada pelas políticas de combate à crise externa, como poderia haver um processo inflacionário causado por excesso de demanda (inflação de demanda)?

Ao responder esta pergunta os economistas ligados ao MDB entenderam que o que acontecia aqui era parecido ao fenômeno observado na Argentina, Bolívia e Israel, países que conviviam com altas taxa de inflação apesar da queda do PIB (estagflação).

Assim foi criada a tese da inflação inercial, em que os preços sobem não porque a demanda está alta ou há um aumento de custos causado por um choque e oferta, mas sim porque o governo e a própria sociedade aceita e legitima um aumento de preços através da indexação7. Assim, através de um disseminado processo de indexação, todos os preços, contratos e cambio da economia passam a ser reajustados, fazendo com que os preços subam, independentemente de uma causa objetiva.

Utilizando o modelo das expectativas adaptativas, a inflação de hoje é dada por:

7 Indexação é um processo de alteração do preço de hoje em função da expectativa de inflação futura (expectativa racional) ou em função da efetiva ocorrência da inflação passada (expectativa adaptativa). A Tese da Inflação inercial é a que mais se adere ao conceito de que a inflação, acima de tudo, é um processo de conflito distributivo, onde os agentes econômicos tentam, a todo custo, manter sua fatia no PIB.

1*)( −Π+−=Π YYλ

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Enquanto utilizando as expectativas racionais8, a inflação é dada por:

Onde:

∏ = taxa de inflação de hoje

Y = Pib de hoje

Y* = Pib médio histórico

λ = coeficiente de impacto das variações do Pib sobre a taxa de inflação (positivo)

∏-1 = inflação de ontem

∏ +1 = inflação esperada de amanhã

A única possibilidade de modificar um processo de inércia inflacionária é reduzir por completo os métodos de indexação da economia, dado que as ações recessivas utilizadas para sanar uma inflação de demanda não são exitosas quando de fato, não há excesso de demanda.

Isto foi tentado no Brasil na década de oitenta durante o Plano Cruzado e demais planos econômicos que tinham como base de sustentação o congelamento de preços e salários. O não êxito destas tentativas reflete o fato que o mercado age de maneira a se livrar das imposições do congelamento, além de se criar o que se conhece como inflação reprimida – o aumento de preços que só não ocorre pois ele é proibido, mas, quando do descongelamento, os preços relativos tendem a voltar a se equilibrar, através de uma volta da elevação dos preços, antes reprimidos.

A tentativa mais eficaz de controle de um processo de inércia foi o Plano Real, que em 1994 através da URV e do congelamento do principal preço de uma economia aberta, o câmbio – e com a inestimável ajuda da âncora das altíssimas taxas de juros que acabaram por inibir o consumo – conseguir trazer o Brasil de um processo quase hiperinfalionário para uma inflação bem mais reduzida.

1.3– Políticas macroeconômicas

Entende-se que é obrigação dos governos nacionais, em qualquer país, a adoção das chamadas políticas macroeconômicas, que nada mais são que ações estratégicas e operacionais visando atingir metas de equilíbrio e controle de preços, de câmbio, e do nível da atividade econômica.

As três políticas macroeconômicas são a política cambial, a política fiscal e a política monetária. A importância de cada uma delas acaba por ser determinada pela

8 Segundo Dornbush e Fischer: “A hipótese das expectativas racionais é a hipótese de que as pessoas baseiam suas expectativas de inflação (ou quaisquer outras variáveis econômicas) sobre toda informação economicamente viável sobre o comportamento futuro desta variável.” (1991, p. 603)

1*)( +Π+−=Π YYλ

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escola e visão ideológica dos formuladores de políticas que as adotam. Não obstante, as três políticas se complementam, dado que se alguma delas estiver fora de sintonia com as demais (não aderência de políticas) os impactos na economia tendem a ser reduzidos e mesmo anulados, neutralizados.

Política cambial

A política cambial é executada pelo Banco Central (BC) (na grande maioria dos países, inclusive no Brasil), e objetiva, através do gerenciamento da quantidade de reservas monetárias em poder do BC e da quantidade de moeda estrangeira em circulação no mercado interno, regular a paridade, a relação de troca entre moeda nacional e moeda estrangeira, dado que esta paridade, o câmbio, é fundamental, para o resultado da balança comercial e para o equilíbrio do balanço de pagamentos.

Deve-se relembrar que o balanço de pagamentos é dividido em dois grandes blocos, a balança de transações correntes e a balança de capital, como demonstra o esquema abaixo:

Esquema 1

Balança Balança comercial ➲ exportações menos importações de bens (1) de Balança de serviços ➲ exportações menos importações de serviços Transações Balança de transações unilaterais ➲ entradas menos saídas de recursos a Correntes fundo perdido (sem contrapartida comercial, de

serviços ou financeira)

Balança Entradas menos saídas de financiamentos (novos créditos e amortizações) (2) de Entradas menos saídas de IED’S (investimentos estrangeiros diretos) Capital Entradas menos saídas de aplicações de curto prazo

(1) + (2) = Balanço de pagamentos

A taxa de câmbio (e) é dada pela relação moeda interna/ moeda externa. Por exemplo, uma taxa de câmbio está desvalorizada na seguinte relação:

R$ 1,00/ USD 0,50 = 2,0; onde 1 Real consegue comprar algo de valor de apenas 50 centavos de dólar. Isto tende a estimular a exportação dos nossos produtos nacionais, pois eles são coitados mais baratos lá fora, e desestimar as importações de produtos estrangeiros, pois eles se tornam mais caros para nossos importadores, tendendo a levar a um superávit na balança comercial.

Já em uma situação de taxa de câmbio valorizada, como:

R$ 1,00/ USD 2,0 = 0,5; onde um Real consegue comprar algo de valor igual a dois dólares, tende a estimular a importação de produtos estrangeiros, pois nossa moeda está

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valorizada e, portanto, com poder de compra e, ao mesmo tempo, desestimular as nossas exportações dado que nossos produtos passam a estar com preços altos no exterior.

Perceba-se que em um mundo hipotético de apenas dois países (A e B), se o país A possui superávit comercial (exportações superiores que importações), é óbvio que o país B possuirá um déficit comercial no mesmo montante (se medido à mesma moeda). O déficit do país B representa compras excessivas no exterior que devem (ou deverão) ser pagas. Assim, é o próprio país A que possui superávit comercial que, neste mundo hipotético, terá que emprestar recursos para que o país B, deficitário comercialmente, possa honrar seus compromissos com o país A. O país A não é obrigado a emprestar seus recursos para o país B, mas se ele não emprestar ele perderá os juros decorrentes do empréstimo, incorrendo em um custo de oportunidade (e, neste caso, o país B não terá como conseguir recursos para pagar os compromissos frente ao país A). Já o país B precisa conseguir os recursos emprestados para honrar seus compromissos.

No nosso mundo, com mais de uma centena de países, ocorre exatamente o mesmo: o somatório dos superávits comerciais de alguns países tem que ser igual ao somatório dos déficits comerciais dos demais países. Assim, os superavitários comercialmente emprestam para os deficitários, e o equilíbrio passa a ocorrer.

Esquema 2

Balança

(1) de se > 0 Transações Correntes

Balança

(2) de impacta em < 0 Capital

(1) + (2) = Balanço de pagamentos, tende a 0

Esquema 3

Balança

(1) de se < 0 Transações Correntes

Balança

(2) de impacta em > 0 Capital

(1) + (2) = Balanço de pagamentos, tende a 0

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Um déficit na balança comercial tende a impactar em um déficit na balança de transações correntes, pois a balança comercial na maioria dos países é a de maior peso relativo nas transações correntes.

Essa situação não é necessariamente ruim. O que ocorre é que este déficit deve ser financiado, e este financiamento tende a ocorrer com a elevação das taxas internas de juros, a fim de captar recursos para o mercado financeiro, “superativando” a balança de capital, este fato tende a derrubar a atividade econômica e o nível de emprego, pelas taxas de juros terem o impacto inverso na atividade econômica; ou mesmo, com a venda de empresas nacionais ao capital estrangeiro, fenômeno que se tornou comum no capitalismo a partir do final dos anos oitenta. O que se sabe é que o déficit em transações correntes deve ser controlado e ele não pode ser perene, pois este financiamento não pode ser “eterno” (é como as advertências do Ministério da Saúde: o uso com moderação não há problema, mas tome muito cuidado com o excesso).

Por fim, um déficit em transações correntes significa que uma determinada economia está consumindo mais do que a sua produção interna, enquanto que um superávit significa que uma economia está consumindo menos do que está produzindo internamente, como a seguir:

Onde Y, oferta da economia; C, consumo agregado; I, investimento agregado; G, gastos correntes do governo; (X-M), saldo em transações correntes (incluindo também a troca de serviços).

Assim, se (X-M) >0 =) Y > C+I+G, produção interna superior à demanda interna

se (X-M) <0 =) Y < C+I+G, produção interna inferior à demanda interna

Continuando: em teoria existem três tipos de política cambial, a (i) livre flutuação cambial, (ii) o câmbio fixo e a chamada (iii) flutuação suja.

A livre flutuação cambial, como diz o nome, é uma situação em que o BC não intervém em nenhuma forma sobre a taxa de câmbio, deixando que o mercado defina o câmbio da moeda interna em relação às demais moedas. É uma situação prevista, porém abstrata, pois não se imagina que mesmo em situações de grave crise cambial (fuga de recursos), o BC de um determinado país não tome qualquer medida para acalmar o mercado e controlar o câmbio.

O câmbio fixo é uma situação em que por determinação legal, ou mesmo estratégica pelo BC, o câmbio é dado e não pode ser modificado (oscilado). A política

)(

)(

MXGICY

MXGICY

−=−−−−+++=

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15

adotada pelo BC deste país é segurar o câmbio no patamar fixo, através da compra de dólares, sempre que o dólar estiver desvalorizando e portanto a moeda local valorizando, ou vendendo dólares, sempre que o dólar estiver valorizando e portanto a moeda local desvalorizando (exemplo clássico do câmbio fixo é a Argentina, onde por determinação constitucional existe a paridade peso/dólar que não pode ser modificada).

Gráfico 2

A flutuação suja significa a mais comum das situações, onde o BC deixa o câmbio flutuar até determinados limites e, a partir do momento em que estes limites ameaçam serem ultrapassados, o BC entra no mercado comprando ou vendendo dólares, a fim de segurar a cotação da moeda. O BC atua no mercado através dos chamados “dealers” que são bancos autorizados por ele para atuar na compra e venda dólares no mercado financeiro.

O caso brasileiro é bastante ilustrativo em relação à flutuação suja, pois a partir de 1994, com a adoção do Plano Real, o BC criou as chamadas bandas cambiais, onde entre as bandas, a flutuação do câmbio é livre, e a partir do momento em que a cotação do câmbio tende a “estourar” uma das bandas o BC entra no mercado, intervindo em busca da volta do equilíbrio.

Política fiscal

A política fiscal significa o gerenciamento das receitas e despesas do governo. Em um país como o Brasil que é uma federação, que significa uma forma de Estado que abriga a existência de dois níveis de poder harmônicos, o soberano (a União) e o autônomo (estados e municípios), todos os níveis efetivam política fiscal, pois todos os entes federais possuem tributos próprios (elencados na Constituição federal) e executam

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16

despesas (pagamentos de salários dos funcionários, obras públicas, contratações de serviços etc.)

Não obstante, a política fiscal mais decisiva é a da União dado o peso do orçamento da União frente aos demais. E, ainda em nosso caso, quem executa a política fiscal na órbita da União, pelo lado da receita é o Ministério da Fazenda através da Secretaria da Receita Federal, e pelo lado da despesa é Ministério da Fazenda mediante a Secretaria do Tesouro Nacional (nos estados e municípios tal tarefa cabe às Secretarias de Fazenda ou de Finanças).

Neste sentido o orçamento é uma lei autorizativa em que o Poder Legislativo autoriza o Poder Executivo a arrecadar receitas e efetuar gastos a fim de manter a máquina pública (gastos correntes) e ampliar a prestação de serviços públicos (gastos de capital).

A rigor a política fiscal pode ser expansionista ou contracionista. Uma política expansionista significa que o governo está aumentando gastos públicos e/ou reduzindo arrecadação de tributos. Neste caso, a economia é impactada positivamente através do incremento da atividade econômica e do crescimento do nível de emprego. Não obstante, os juros tendem a se elevar pois o incremento da atividade econômica forçará o aumento do consumo que tende a impactar no aumento do consumo a crédito e, portanto, das taxas de juros dos crediários.

Já uma política contracionista significa que o governo está reduzindo gastos públicos e/ou aumentando a arrecadação de tributos. Neste caso, a economia é impactada negativamente através da redução da atividade econômica e da queda do nível de emprego. Não obstante, os juros tendem a se reduzir pois a diminuição da atividade econômica diminuirá o consumo a crédito, “despressionando” a demanda por crédito.

A curva IS (curva que equilibra o volume de investimento e poupança na economia) determina o comportamento das taxas de juros e da atividade econômica em função de modificações na política fiscal.

Gráfico 3

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17

É a partir da execução do orçamento público, da efetivação dos gastos e recolhimento das receitas, que determinada entidade produz os déficits ou superávits orçamentários, além de incorrer na dívida pública, a fim de financiar os déficits gerados.

A principal diferenciação conceitual a respeito de déficit e dívida pública diz respeito a como se apresentam, e se pode enxergar, estas variáveis temporalmente. Neste sentido, o déficit público, dado como a diferença entre as despesas e receitas orçamentárias do setor público, em um determinado período de tempo, é uma variável de fluxo, enquanto que a dívida pública – entendida como o montante dos débitos contraídos pelo setor público junto a outras entidades, públicas ou privadas, internas ou externas – é uma variável de estoque.

Uma variável de fluxo é uma magnitude econômica medida como uma taxa por unidade de tempo. Entendendo fluxo como movimentação, a diferença entre as despesas e receitas do setor público implica na geração de um determinado saldo, a cada nova movimentação. O déficit orçamentário do setor público é, então, a diferença entre o fluxo de despesas e receitas públicas em um dado período de tempo.

Já a dívida pública representa uma variável de estoque, pois ela, como o montante de obrigações a pagar (débitos do setor público), é dada como uma magnitude econômica em um ponto específico do tempo.

Matematicamente pode-se definir a dívida pública do período atual como função da dívida do período anterior e dos resultados fiscais (déficits ou superávits) do período atual.

Assim, a alteração do estoque da dívida atual (estoque atual menos o anterior) é idêntica ao déficit fiscal atual, que é um fluxo. A formulação seguinte exprime a função dívida pública, abrindo o item de déficit para considerar, separadamente, o pagamento dos juros.

DP DP DP G I Tt t r t= + + + −− −1 1

Sendo o déficit público dado pelo total das despesas menos o total das receitas, ou seja (G + I – T), (onde G, gastos correntes; I, investimentos públicos, e T, arrecadação) tem-se:

D P D P D P D E F

D P D P D P D E F

t t r t

t t r t

= + +− = +

− −

− −

1 1

1 1 (1 )

Com DPt, dívida pública no período atual; DPt - 1, dívida pública no período anterior;

rDPt - 1, juros gerados a partir do estoque da dívida pública do período anterior pagos no período atual; r, taxa de juros incidente sobre o estoque da dívida pública no período anterior; G, os gastos correntes do governo; I os gastos do governo em investimentos; T, a receita tributária do governo, e DEF, o déficit público do período atual. A equação (1) mostra que a variação no estoque da dívida pública do período atual é função direta da taxa de juros incidente sobre a dívida pública do período anterior, e do déficit público atual, dado que todo déficit incorrido precisa ser financiado (importante ressaltar que a

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dívida pública pode ser gerada também em função de um contrato específico de empréstimo com o objetivo de financiar um gasto de capital).

A medida mais simples e objetiva de déficit orçamentário é dada simplesmente mediante a diferença entre o total das despesas e das receitas correntes de uma dada entidade pública em um período de tempo. Tem-se então o resultado orçamentário corrente. Utilizando-se apenas os itens de capital, tem-se o resultado orçamentário de capital. Ao considerar todos os itens de receitas e despesas, correntes e de capital, tem-se o resultado orçamentário total, também definido como (i) resultado nominal. O conceito de déficit nominal refere-se às necessidades totais de financiamento do setor público e é obtido apurando-se a variação do estoque do endividamento público interno e externo entre o início e o final do ano.

O resultado nominal é influenciado por variáveis como a taxa e inflação e a desvalorização cambial. Em momentos conjunturais de descontrole do nível de preços este fato tende a inflar o resultado nominal, não havendo, porém, maiores impactos sobre este resultado, em fases de níveis de inflação reduzidos e controlados. A partir do resultado nominal, ao se retirar os efeitos da correção monetária e cambial, gera-se o (ii) resultado operacional. Do resultado operacional, retirando-se os itens de juros reais pagos relativos à divida interna e externa, tem-se o (iii) resultado primário.

Assim, o resultado operacional se baseia na eliminação, no cálculo de seus valores, do componente relativo à correção monetária e cambial da dívida pública. No Brasil, a constatação de que os resultados nominais eram muito sensíveis às altas taxas de inflação vivenciadas na década de oitenta (devido à indexação da economia), fez com que se buscasse no déficit operacional uma medida mais adequada do resultado do setor público.

O resultado primário, por sua feita, elimina do cálculo os valores dispendidos no pagamento dos juros da dívida pública. O resultado primário é, então, a diferença entre despesas e receitas públicas, desconsiderando os itens de juros da dívida pública e de correção monetária e cambial.

Além dessa primeira conceituação (primário, operacional e nominal), outra é bastante usada na prática pelas entidades que trabalham com o tema, quer seja o déficit “acima e abaixo da linha”.

O método “acima da linha” apura o resultado fiscal partindo dos dados das entidades geradoras do déficit, ou seja dos próprios orçamentos públicos. Devido à não tempestividade e mesmo ao não correto enquadramento legal dos lançamentos contábeis por parte de algumas entidades, o governo federal passou a trabalhar com o chamado déficit “abaixo da linha”.

O déficit “abaixo da linha”, diferentemente do anterior, parte das informações das entidades que financiam os déficits. Desta forma, enquanto o método “acima da linha” parte dos dados a partir dos orçamentos das entidades públicas (dos balanços), o déficit “abaixo da linha” trabalha com a o fluxo financeiro de recursos utilizados para cobrir o déficit.

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Esse conceito (abaixo da linha) indica o fluxo líqüido (exclusive amortizações) de novos financiamentos obtidos ao longo de um ano pelo setor público não-financeiro junto a cada órgão ou instrumento financiador, a saber: autoridade monetária, bancos comerciais, demais instituições financeiras, empreiteiros e fornecedores, dívida mobiliária e financiamentos externos.

O déficit “abaixo da linha” passou, a partir do final dos anos oitenta, a ser com maior intensidade utilizado pelas autoridades brasileiras (e mesmo pelas internacionais, FMI e Banco Mundial, em suas análises a respeito do Brasil).

Deve-se salientar que também existem divergências na apuração do déficit pelos dois modos devido aos regimes de reconhecimento da despesa, pois o método “acima da linha”, que trabalha com a execução orçamentária, trata as despesas pelo regime de competência (conforme a Lei no 4.320/64), enquanto que o método “abaixo da linha”, que trabalha com o fluxo financeiro dos empréstimos ao setor público, trabalha com tal fluxo pelo regime de caixa.

Todo déficit deve ser financiado pois ele representa uma necessidade líqüida de recursos financeiros do setor público. O déficit pode ser financiado mediante três formas: (i) tributação, (ii) emissão monetária, e (iii) endividamento, este via (iii.i) emissão de títulos interna ou externamente, (iii.ii) contratação de empréstimos diretamente junto ao setor financeiro (e também pelas ARO, antecipação de receita orçamentária), e através de (iii.iii) dívidas contraídas diretamente junto a fornecedores e empreiteiros, as chamadas dívidas contratuais.

Ressalte-se que o financiamento via emissão monetária é de competência exclusiva da União, enquanto que o financiamento via aumento de tributação sofre restrições legais (constitucionais) quanto ao princípio da anterioridade, dado que é proibido o aumento de alíquotas no mesmo exercício financeiro para a maioria dos tributos (Constituição Federal, Art. 150, inciso III, b)9, por isso a tributação é conhecida como a forma de financiar o “déficit de amanhã”.

Através do financiamento via tributação se retira do setor privado da economia uma maior parcela em tributos a fim de financiar as necessidades líqüidas do setor público. Tal política pode gerar um efeito ambíguo pois, apesar de um aumento da alíquota do tributo implicar maior receita tributária no período atual, a renda da sociedade tende a ser afetada negativamente devido à redução da parcela disponível para consumo e investimento privado. Essa situação gera impactos negativos sobre a receita tributária futura, em razão de um constrangimento da atividade econômica, dado o multiplicador da política fiscal ser afetado negativamente pelo aumento da alíquota tributária.

9 Exceção somente para o governo federal, quanto aos Impostos de Importação e Exportação, IPI e IOF, Art. 153, parágrafo VII, § 1o. Ainda, quanto à possibilidade de criação de novo imposto, cabe somente à União o poder de instituir novos impostos, mediante sua capacidade residual, através de lei complementar, caso não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios já discriminados (Constituição Federal de 1988, Art. 154, I). Ressalte-se que, neste caso, 20% da arrecadação federal gerada pelo novo imposto deve ser transferida para os estados da federação (Constituição Federal de 1988, Art. 157, II).

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O fenômeno descrito pode ser demonstrado através da formulação a seguir, pois, sendo a renda Y função do consumo, do investimento público e privado, dos gastos do governo e do saldo da balança comercial, o aumento da alíquota t do imposto reduz a magnitude do multiplicador da política fiscal e monetária, impactando na renda futura10.

Y C I G NXY Ca cYd Ia eY bi G Xa Ma mYY Ca c Y Ta tY R Ia eY bi G Xa Ma mYY cY ctY eY mY Ca cTa cR Ia G Xa Ma bi

= + + += + + + − + + − −= + − − + + + − + + − −− + − + = − + + + + − −

( )

Yc ct e m

Ca cTa cR Ia G Xa Ma bi

Y A bi

=− + − +

− + + + + − −

= −

1

1

[

(2)

(3)

[( ) ]

s e n d o

S u b s t i tu in d o (4 ) e m (3 ) : { [

(4 )M P k Y h i a s s im ih

k Y M P

Y Ab

hk Y M P

/ ; , ( / )

( / ) ] }

= − = −

= − −

1

α

Y Ab

hkY

b

hM P Y

b

hkY A

b

hM P = + = α α α α α α− + +/ ; /

Yb

hk A

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hM P

Yb

hk

Ab

hM P

b

hk

Y Ab

hM P

(

( assim,

= ( (5)

( ) / )

( )/ );

( )

/ )

1

1 1

+ = +

=+

+ =+

+

α α

α

αδ α

α

δ

10 Sendo Ca, o consumo autônomo; Yd, a renda disponível; c, a propensão marginal a consumir; Ta, parcela autônoma de tributos; t, incremento da alíquota dos tributos; R, transferências do setor público ao setor privado; Ia, investimento autônomo; e, propensão marginal a investir; b, parâmetro de reação da demanda por investimentos em função da taxa de juros; i, taxa de juros do mercado; G, gastos governamentais; Xa, exportações autônomas; Ma, importações autônomas; m, parâmetro de reação das importações em função da renda; α, multiplicador parcial da demanda agregada; A, componente autônomo da demanda agregada; k, parâmetro de reação da demanda por moeda em função da renda; h, parâmetro de reação da demanda por moeda em função da taxa de juros, e M / P, a oferta monetária real.

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A equação (5) representa o equilíbrio da renda a partir da interação entre as políticas fiscal e monetária. Derivando-se (5) em relação à parcela autônoma da renda, A, e em relação à oferta monetária real, M/P, passa-se a ter:

dY

dA

dY

d M P

b

h

=

=

, m ultip licador da po lítica fiscal

/ , m ultip licador da po lítica m onetária

(6)

(7 )

δ

δ

O multiplicador da política fiscal é uma medida macroeconômica que determina em quanto a renda de uma economia é afetada a partir de uma modificação na política fiscal governamental. Já o multiplicador da política monetária explica o mesmo fenômeno a partir de modificações no gerenciamento monetário por parte do BACEN.

Analisando-se a equação (2), juntamente com as equações (6) e (7), chega-se à conclusão que o aumento da alíquota t, ao reduzir a magnitude de α, o multiplicador parcial da demanda agregada, afeta também diretamente a capacidade dos multiplicadores das políticas fiscal e monetária. Assim, um aumento em t, tende a reduzir a renda no período subseqüente.

Deve-se ressaltar, no entanto, que esta teoria, originada dos escritos de Ricardo sobre os efeitos negativos da tributação sobre a atividade econômica, não esgota a análise a respeito do tema. Kalecki, por exemplo, teorizou sobre a capacidade da tributação de fomentar o investimento produtivo, dado ser ela uma fonte de financiamento ao capital produtivo do setor público que, em última instância, impacta positivamente na atividade econômica, sendo fonte de lucros para o capital privado. O mesmo autor analisou os déficits orçamentários também como fonte de lucros para os capitalistas, agora no sentido de uma maior transferência de renda para o setor privado.

Ressalte-se ainda que antes de Kalecki, e do próprio Keynes (cuja obra rompeu

com o padrão de entendimento Clássico), Malthus já chamava a atenção para a

necessidade de intervenção do setor público na economia, pelo fato dos gastos do

governo ativarem a demanda efetiva, negando os pressupostos de seus contemporâneos

clássicos. Desta forma, estas são duas concepções teóricas divergentes a respeito dos

efeitos da tributação sobre o sistema econômico: a Ricardiana – hoje base do

pensamento que prega a redução do papel do Estado na economia, e a Keynesiana

(creditando também a Kalecki e Malthus) que sustenta que a intervenção do Estado

mesmo financiada via tributação pode ser benéfica para a atividade econômica.

Continuando com a questão do financiamento do déficit, tal financiamento quando realizado através da emissão monetária possui efeitos positivos para a expansão da renda no curto prazo devido à redução das taxas de juros, ao incremento do consumo privado e conseqüente ativação da demanda agregada.

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Porém, a monetização do déficit gera efeitos também danosos, devido ao aumento da base monetária, dado que a base monetária ao ser ampliada tende a implicar aumento das taxas de inflação.

A ampliação dos índices inflacionários segue o sentido de reverter os aspectos positivos relativos à expansão da renda ocorrida anteriormente (quando da expansão da base monetária), pois o controle e redução do índice de preços tenderá a advir de políticas governamentais recessivas, anulando o ganho expansionista inicial.

A formulação a seguir comprova o efeito inflacionário gerado pelo financiamento do déficit orçamentário via emissão monetária. Neste caso o valor do déficit a ser financiado é igual à variação real da oferta monetária:

Onde M é igual à oferta monetária nominal no período atual; M-1, significa a oferta monetária nominal no período anterior; P representa o índice de preços no período atual, e M/ P, a oferta monetária real no período atual. Ou seja, o financiamento do déficit é todo efetuado mediante emissão monetária.

Multiplicando o segundo lado da equação por (M/M), e em seguida substituindo pela relação de equilíbrio monetário, MV=PY, onde Y, produção de bens e serviços finais da economia e V, a velocidade de circulação da moeda, tem-se:

Pressupondo-se Y e V constantes no curto prazo e substituindo na equação para o déficit:

DefM M

P=

− −1

DefM M

P

M

MDef

M M

M

M

P=

−=

−− −1 1 ; então,

( )

=

−=

===

−−

−−

P

M

V

PY

PPV

Y

DefP

M

V

PY

YP

V

PY

Def

V

YPM

V

PYMPYMV

-

; V

; ; ;

1 1

11

( );

1

−= −

P

M

P

PPDef Multiplicando por (P-1/P-1):

( ) ( )

−=

−= −

−−−

− P

M

P

P

P

PPDef

P

P

P

M

P

PPDef

1

1

111 ;

1

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Sendo o índice de inflação (variação do índice de preços do período atual sobre o anterior) dado como ∏, tem-se:

Demonstra-se que o déficit orçamentário financiado via emissão monetária, ou monetização do déficit, implica na formação de um imposto inflacionário sobre a oferta monetária real. O ganho do governo federal é proporcionado pelo financiamento de seu déficit diretamente por emissão monetária, através do imposto inflacionário.

Por fim, o financiamento via endividamento representa o resultado das operações de crédito efetuadas pelo setor público junto a outros agentes, no intuito de cobrir seus desequilíbrios orçamentários, seus déficits. Saliente-se que a dívida pode ser criada por duas razões, para financiar um déficit incorrido, ou mesmo para financiar despesas de capital que, devido às suas magnitudes, não devam ser cobertas pelo fluxo das receitas correntes.

Essas operações podem ocorrer através de lançamentos de títulos (divida mobiliária), através de contrato assumido pelo setor público como devedor a outros agentes (dívida contratual), e através de empréstimos tomados diretamente junto ao setor financeiro (de curto ou longo prazo), incluindo-se neste subitem as antecipações de receita orçamentária, ARO (dívida de curto prazo, que possui diversas restrições legais dadas as altas taxas de juros cobradas pelos bancos nestas operações).

Política monetária

A política monetária representa o gerenciamento estratégico do volume de moeda no mercado financeiro, realizado pelo Banco Central, objetivando o alcance de metas de controle de preços e do nível de atividade econômica.

Existem alguns instrumentos básicos da política monetária, quais sejam: emissão monetária, o open market, as taxas de redesconto e os depósitos compulsórios.

A emissão monetária (pura e simples) como diz o nome, representa a irrigação de moeda no sistema financeiro. A emissão quando realizada apenas para trocar as cédulas antigas, representa emissão líquida 0, mas quando ela ocorre acima do volume de cédulas antigas que devem ser dilaceradas representa emissão líquida positiva, representando uma política monetária expansionista. Obviamente, a emissão em valor abaixo do volume de cédulas a serem dilaceradas representa emissão líquida negativa, ou uma política monetária contracionista11.

11 No Brasil, a regulamentação legal do Plano Real desautoriza o Banco Central a emitir moeda a fim de cobrir o déficit orçamentário do governo federal, ou seja, desautoriza a monetização do déficit já abordada na seção em que é analisada a política fiscal.

Π Π ΠΠ

ΠΠ

=−

= =+

=

− −

P P

P

P

PDef

M

P

DefM

P

1

1 1

1

1; e 1+ ; assim,

1+

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O open market (mercado aberto), significa a compra e venda de títulos do BC a fim de controlar a liquidez da economia. Quando o BC vende títulos aos bancos e corretoras, ele retira moeda do mercado, diminuindo a liquidez, criando uma política monetária contracionista. Na data da recompra destes títulos (resgate da dívida junto aos detentores de títulos), o BC reinjeta moeda no mercado, não somente o principal vendido anteriormente mas também o valor referente aos juros dos títulos, representando uma expansão monetária (política expansionista).

Quanto às taxas de redesconto: após um dia normal de expediente bancário alguns bancos apresentam-se superavitários (receberam mais depósitos do que deles foram realizados saques), enquanto que outros encontram-se deficitários, com o caixa negativo (receberam menos depósitos do que deles foram realizados saques). Os bancos deficitários precisam cobrir o seu caixa pois não podem amanhecer com o caixa negativo, desta forma, os superavitários emprestam recursos a curto prazo para os deficitários, cobrando os juros relativos à operação. Este equilíbrio se dá no mercado interbancário, onde o BC não atua, e é regulado automaticamente pelos players do mercado financeiro (os bancos).

Estes empréstimos criam o chamado CDI, Certificado de Depósito Interbancário, análogo ao CDB das pessoas físicas e jurídicas, somente que relativo aos empréstimos entre bancos.

Ocorre que, se os bancos superavitários – por qualquer informação de mercado – resolverem não mais emprestar recursos para um banco deficitário, este não terá outra saída senão recorrer ao BC. Neste sentido, este banco demandador de recursos passa a se enquadrar na linha de redesconto, empréstimos realizados pelo BC para ajudar bancos com graves desequilíbrios patrimoniais e/ou de fluxo de caixa, sendo que a taxa do redesconto é sempre mais alta que a taxa do CDI (interbancária). Assim, quando um banco vai ao redesconto ele pode resolver sua situação no curto prazo mas incorre em um custo financeiro maior pelo diferencial das taxas de juros.

Resumindo, ao aumentar a taxa de redesconto o BC sinaliza ao mercado que seja prudente e parcimonioso no seu processo de concessão de crédito, pois se algum banco tiver problemas de fluxo de caixa (maiores desencaixes que entradas) não resolvido no interbancário, ele será penalizado em ir à linha de redesconto. Isto é uma política monetária contracionista pois reduz o fluxo de oferta de crédito no mercado.

Já ao reduzir a taxa de redesconto, o BC está indicando o mercado que ele pode ser mais “liberal” na sua política de crédito, pois a ida ao redesconto não implicará em custo adicional elevado para o banco deficitário. Isto significa uma política monetária expansionista, pois facilita aos bancos que injetem mais moeda no mercado, dinamizando a atividade econômica.

Por fim a política de compulsórios representa a ação do BC obrigando os bancos a recolherem de forma obrigatória (portanto, compulsória) um percentual dos depósitos de

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seus clientes aos cofres do Banco Central, esterilizando estes recursos que não voltam à circulação12.

Um aumento no percentual dos compulsórios representa uma política monetária contracionista, enquanto que uma redução significa uma política monetária expansionista.

Os compulsórios criam um fenômeno conhecido como o multiplicador da política monetária (ou criação de moeda), pois a sua ação possibilita que os bancos criem endogenamente moeda no mercado financeiro.

Sendo M1 a variável denominada de oferta monetária, composta de duas outras variáveis, PA (percentual de moeda em poder do público) e D (percentual de depósitos do público, sociedade, nos bancos); e Mh a variável base monetária, composta também por PA e por R (percentual de compulsórios dos bancos depositados no Banco Central), temos:

M1 = PA + D (OFERTA MONETÁRIA)

Mh = PA + R (BASE MONETÁRIA)

Onde cd, significa a relação entre o percentual de moeda em poder do público e percentual de depósitos do público nos bancos; e rd representa a relação entre o percentual de compulsórios dos bancos depositados no Banco Central e o percentual de moeda em poder do público.

O fator (cd + 1/ rd + 1) é o multiplicador da política monetária, e a equação acima demonstra que M1 (oferta monetária) é função do comportamento de Mh (base) e do multiplicador. Portanto, M1 é uma variável endógena, enquanto que Mh é exógena. O BC

12 Uma exceção ao retorno destes recursos foi o PROER adotado no Brasil, cujos financiamentos tiveram como origem de recursos os valores dos compulsórios no BC.

++=

++=

+

+=

+=

+=+=

rdcd

cdMhM

rdcd

cd

D

R

D

PAD

D

D

PA

Mh

M

DR

D

PA

PA

Mh

M

MhM

RPAMh

DPAM

11

11

por equação da lado segundo o dividindo

1

por 1 dividindo

1

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26

ao controlar a base monetária (através dos compulsórios) controla indiretamente a oferta monetária.

O exemplo dado pelo Esquema 4, a seguir, demonstra que uma alteração inicial em 500.000,00 unidades monetárias (u.m.) realizada pelo BC na base monetária, sendo PA igual a 10%, portanto D igual a 90% e o compulsório (R) em 70%, provoca uma alteração final em 684.930,10 u.m., com um delta de 184.930,10 u.m., explicado pela ação do multiplicador.

Esquema 4

Uma política monetária expansionista tende a reduzir as taxas de juros pelo aumento da oferta de moeda no mercado financeiro, aumentando o volume de crédito, o nível da atividade econômica, o PIB e o emprego, mas tendendo ao aumento da inflação pelo fato da economia passar a se posicionar no lado inflacionário da curva de Philips.

Fases d Mh d PA d D d M1 d R NovosEmpréstimos

1 500.000,00 50.000,00 450.000,00 500.000,00 315.000,00 135.000,002 13.500,00 121.500,00 135.000,00 85.050,00 36.450,003 3.645,00 32.805,00 36.450,00 22.963,50 9.841,504 984,15 8.857,35 9.841,50 6.200,15 2.657,215 265,72 2.391,48 2.657,21 1.674,04 717,456 71,74 645,70 717,45 451,99 193,717 19,37 174,34 193,71 122,04 52,308 5,23 47,07 52,30 32,95 14,129 1,41 12,71 14,12 8,90 3,81

10 0,38 3,43 3,81 2,40 1,0311 0,10 0,93 1,03 0,65 0,2812 0,03 0,25 0,28 0,18 0,0813 0,01 0,07 0,08 0,05 0,0214 0,00 0,02 0,02 0,01 0,01

TOTAL 500.000,00 -- -- 684.930,10 -- 184.931,13

PA 10%D 90%1-R 30% R 70%Multiplicador 1,3699 ou 36,99%cd = PA/D 0,1111rd = R/D 0,7000

1,3699

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Gráfico 4

Já uma política monetária contracionista tende a elevar as taxas de juros pela redução da oferta de moeda no mercado financeiro, reduzindo o volume de crédito, o nível da atividade econômica, o PIB e o emprego, mas tendendo a diminuir a inflação pelo fato da economia passar a se posicionar no lado deflacionário da curva de Philips.

O Gráfico 9 demonstra o comportamento da curva LM, curva que equilibra oferta e demanda de moeda no mercado financeiro.

Conclusões

O correto entendimento das ferramentas e impactos das políticas macroeconômicas é de fundamental importância para a compreensão da situação atual de um determinado país, suas opções estratégicas de desenvolvimento e, portanto, oportunidades de negócios para a área privada.

O entendimento da ação do governo no controle da taxa de juros e do nível de atividade econômica é algo que não pode passar desapercebido, pelo fato dele significar o ambiente econômico macro que cerca as instituições e as empresas privadas.

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(*) Luiz Marques de Andrade Filho

Economista pela UCSAL, Mestre em Administração pela UFBA, com Especialização em Administração pela UFBA, em Economia pelo ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa), e com Aperfeiçoamento em Finanças pela Escola Superior de Administração Fazendária de Brasília.

Autor do livro Notas sobre finanças e federalismo no Brasil, e de diversos artigos sobre economia e finanças publicados em revistas acadêmicas.

Atuou como analista financeiro do Banco Econômico S.A., em Salvador, como analista de finanças da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda em Brasília, como coordenador do curso de Bacharelado em Administração da Faculdade Ruy Barbosa, e também como coordenador de projetos da Fundação Luis Eduardo Magalhães.

Atualmente é Superintendente da Fundação Escola de Administração da UFBA (FEA) em Salvador, Sócio-Diretor do Instituto de Economia e Análise Gerencial, professor da Faculdade Baiana de Direito, além de professor convidado de disciplinas da área de Finanças e Economia em programas de Pós-graduação da UNIJORGE (BA) e Faculdade Ruy Barbosa (BA), e articulista de economia da revista B+.