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Universidade de Brasília
Faculdade de Educação
Uma professora-pesquisadora construindo
– com e para seus alunos – um Ambiente
Matematizador,
fundamentado na Teoria dos Campos
Conceituais de Vergnaud.
Nina Cláudia de Assunção Mello
Orientador: Prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz
Brasília – abril/2003
2
NINA CLÁUDIA DE ASSUNÇÃO MELLO
Uma professora-pesquisadora construindo – com e para seus alunos –
um Ambiente Matematizador,
fundamentado na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud.
Dissertação apresentada à Faculdade de Educação
da Universidade de Brasília, como exigência para a
obtenção de título de Mestre em Educação, área de
confluência: Magistério: Formação e Trabalho
Pedagógico, sob a Orientação do Prof. Dr.
Cristiano Alberto Muniz.
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz (Orientador, FE – UnB)
Prof. Dr. Luiz Carlos Pais (UFMS)
Profa. Dra. Stella Maris Bortoni-Ricardo (UnB)
Prof. Dr. Antônio Villar Marques de Sá (UnB)
Brasília, 2003
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NINA CLÁUDIA DE ASSUNÇÃO MELLO
MATRÍCULA 00/73563
Uma professora-pesquisadora construindo – com e para seus alunos –
um Ambiente Matematizador,
fundamentado na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud.
Dissertação apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de Brasília,
como exigência para a obtenção de título de Mestre em Educação, área de
confluência: Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico.
COMISSÃO EXAMINADORA
____________________________________________
Prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz (orientador)
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
____________________________________________
Prof. Dr. Luiz Carlos Pais
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
____________________________________________
Profa. Dra. Stella Maris Bortoni-Ricardo
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
____________________________________________
Prof. Dr. Antônio Villar Marques de Sá
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
BRASÍLIA, 08 DE ABRIL DE 2003.
4
“Eu queria uma escola que lhes ensinasse a pensar,
a raciocinar
a procurar soluções
Eu queria uma escola que desde cedo usasse materiais concretos para que vocês
pudessem ir formando corretamente os conceitos matemáticos, os conceitos de
número, as operações...
Usando palitos, tampinhas, pedrinhas ...só porcariinhas!!!... fazendo vocês
aprenderem brincando...”
Carlos Drummond de Andrade
DEDICATÓRIA
Aos meus filhos, Bruno e Marina
À minha mãe, Paula
Ao professor Cristiano Muniz, amigo-orientador
À professora Darlene e sua turma
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AGRADECIMENTOS
A Deus por estar ao meu lado em todos os momentos.
A Bruno e Marina, meus filhos, pela torcida, compreensão e carinho.
À minha mãe, Paula, pela presença constante e leitora entusiasmada deste trabalho.
Ao meu pai, Agenor, falecido, mas presente com seu amor pelo conhecimento.
Aos meus irmãos, Bernardo e Gustavo, pelo apoio tecnológico que tantas vezes
solicitei.
Às minhas amigas, Relcy e Natália, que me estimularam inicialmente a começar o
mestrado e estiveram presentes durante todo o percurso.
Ao professor Cristiano, orientador deste trabalho, pela disponibilidade, carinho e
competência que se fizeram presentes durante todo processo.
Aos amigos, em especial Larissa, Luciana, Simone e Juliana, que leram e releram o
trabalho, contribuindo para sua construção.
Aos professores da UnB, em especial Stella Maris, Renato Hilário, Lúcia Franca
Rocha e Benigna Villas Boas, pelas aprendizagens favorecidas e atenção
dispensada a este trabalho.
Aos amigos da UnB que tantas vezes ouviram atentamente a apresentação deste
trabalho, sugerindo mudanças importantes.
Às professoras e amigas da Escola Classe 312 Norte que, com suas críticas
carinhosas, muito acrescentaram a este trabalho.
Às leituras, estudos e discussões do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação
Matemática - GEPEM - que contribuíram para a construção teórica deste trabalho.
À Secretaria de Educação do Estado do Distrito Federal por possibilitar o
desenvolvimento desta pesquisa dentro da instituição, com apoio financeiro e
estrutural.
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RESUMO
O presente trabalho analisa a possibilidade de construção de um Ambiente
Matematizador, embasado na Teoria dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud.
A pesquisa foi desenvolvida considerando os princípios da pesquisa-ação. Ela
aconteceu na Escola Classe 312 Norte, uma escola pública, localizada na Asa Norte,
Brasília – Distrito Federal, em 2001 e 2002. Os dois anos da pesquisa acorreram em
turmas de 1ª série do Ensino Fundamental, que tiveram em comum a mesma
professora.
A partir dos quatros elementos presentes na Teoria dos Campos Conceituais:
conceitos, situações, procedimentos e representações simbólicas, todos permeados
pelo contexto histórico-social em que os alunos e professora-pesquisadora estão
envolvidos, buscou-se a transposição possível da teoria para a sala de aula, através
do Ambiente Matematizador. Este Ambiente propõe uma nova relação entre o
professor, o aluno e o conhecimento matemático, considerando cinco princípios
básicos: a relação existente entre os conceitos, a necessidade de se trabalhar a
lógica do aluno, a necessidade da socialização em sala de aula, a importância da
pesquisa no processo de aprender e ensinar e as novas concepções de se analisar
o erro e a avaliação.
Finalmente, são apresentadas as vantagens e as dificuldades encontradas na
pesquisa ao se trabalhar com o Ambiente Matematizador em turmas de 1ª série do
Ensino Fundamental.
Palavras-chaves: Teoria dos Campos Conceituais. Ambiente Matematizador.
Aprender e ensinar. Professora-pesquisadora. Pesquisadora-professora.
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ABSTRACT
This work analyzes the possibility of constructing a Mathematics Environment
based on Gerard Vergnaud’s Conceptual Field Theory. The research included the
principles of the action-research. The research took place at Escola Classe 312
Norte, a public school, located at Asa Norte, Brasília – Distrito Federal, Brazil, in
2001 and 2002. The two years of research were carried out in first grade classes of
elementary school and had in common the same teacher.
Considering the four elements of the Conceptual Field Theory: concepts,
situations, procedures, and symbolic representations, all of them absorbed by the
historical-social context in which the students and researcher-teacher are, this work
sought to transpose the theory to the classroom through the Mathematics
Environment. The Mathematics Environment proposes a new relationship among the
teacher, the student and the mathematical knowledge, taking into account five basic
principles: the relation between the concepts, the need to work the logic of the
student, the need to socialize in the classroom, the importance of the research in the
learn and teach process, and the new ways of approaching assessment and
students´ mistakes.
Finally, it is presented advantages and difficulties of implementing the
Mathematics Environment in first grade classes of Elementary school.
Key-words: Conceptual Field Theory. Mathematics Environment. Learn and Teach.
Researcher-teacher. Teacher-researcher.
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SUMÁRIO:
Introdução ..................................................................................................................11
Capítulo I – A origem da pesquisa ...........................................................................13
1. Historicidade do objeto: O Ambiente Matematizador.............................................13
2. Problematização ....................................................................................................20
2.1. Os conhecimentos matemáticos são importantes? .................................20
2.2. Por que mudar na sala de aula?...............................................................22
2.3. O que mudar em sala de aula? ................................................................25
Capítulo II – O projeto de pesquisa ..........................................................................30
1. Perguntas de pesquisa ..........................................................................................30
2. Objeto de pesquisa ................................................................................................30
3. Objetivos ................................................................................................................31
3.1. Objetivo geral ...........................................................................................31
3.2. Objetivos específicos da pesquisa............................................................31
3.3. Objetivos específicos da ação/intervenção...............................................31
Capítulo III – Fundamentos Teóricos .......................................................................33
1. Teoria dos Campos Conceituais e o Ambiente Matematizador ............................33
2. Avaliação no Ambiente Matematizador .................................................................40
3. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN de matemática....................................41
4. Representando o Ambiente Matematizador...........................................................43
Capítulo IV – Aspectos metodológicos .....................................................................48
1. Buscando a pesquisa-ação ...................................................................................48
2. Local e perfil dos atores da pesquisa.....................................................................50
3. Historicidade do núcleo de pesquisa .....................................................................50
3.1. Apresentando a escola ............................................................................51
3.2. Apresentando a professora-pesquisadora ...............................................54
3.3. Apresentando os alunos nos dois anos da pesquisa ..............................57
4. A dinâmica da pesquisa ........................................................................................58
4.1. Instrumentos utilizados na pesquisa .......................................................59
4.1.1. Professora-pesquisadora e pesquisadora-professora...........................59
4.1.2. Professora-pesquisadora e seus alunos...............................................61
4.2. Organização dos dados para análise e discussão ..................................62
9
4.2.1. Fichas de pesquisa para análise dos dados ........................................62
4.3. Representação do plano de ação metodológico .....................................63
5. Um olhar preliminar sobre os dois anos de pesquisa ...........................................64
Capitulo V - Professora-pesquisadora e pesquisadora-professora juntas,
estudando e analisando o Ambiente Matematizador ........................66
1. Natureza dos resultados: aspectos físicos, psicológicos e sociais .............66
2. Sistema de categorias para análise ............................................................69
2.1. A organização do trabalho pedagógico na construção do Ambiente
Matematizador ..........................................................................................70
2.1.1. Projetos de trabalho, favorecendo atividades extra-classe,
pesquisas, entre outros .......................................................................72
2.1.2. Organização espacial e temporal da sala de aula: passeios
brincadeiras, jogos, materiais concretos, etc .......................................78
2.2. Conceitos matemáticos no Ambiente Matematizador ..............................85
2.2.1. Conceitos matemáticos considerando o contexto histórico-social,
a lógica do aluno e o conteúdo escolar ................................................89
2.3. Situações matemáticas no Ambiente Matematizador ..............................94
2.3.1. Situações contextualizadas que levem o aluno à ação ........................94
2.4. Procedimentos dos alunos, da professora-pesquisadora e da
pesquisadora-professora..........................................................................98
2.4.1. Mediação e intervenção no Ambiente Matematizador ........................101
2.4.2. Relações interpessoais constituídas no espaço do Ambiente
Matematizador.....................................................................................111
2.4.2.1. Entre os alunos e seus pares ..........................................................112
2.4.2.2. Entre a professora-pesquisadora e os alunos .................................119
2.4.2.3. Entre a professora-pesquisadora e a pesquisadora-professora.......123
2.4.2.4. Entre a professora-pesquisadora e as professoras da escola.........124
2.4.3. Contrato didático constituído ..............................................................126
2.4.4. Avaliação no Ambiente Matematizador durante a pesquisa................130
2.5. Representações simbólicas no Ambiente Matematizador .....................136
2.5.1. Ação-registro-reflexão-socialização da professora-pesquisadora,
dos alunos e da pesquisadora-professora .........................................138
2.5.1.1. Ação-registro-reflexão-socialização da professora-pesquisadora ...138
2.5.1.2. Ação-registro-reflexão-socialização dos alunos ..............................139
10
2.5.1.3. Ação-registro-reflexão-socialização da pesquisadora-professora ...144
Capitulo VI - Aproximações entre teoria e prática: análise dos resultados ............145
1. Visão geral do processo pedagógico: vantagens e dificuldades
do Ambiente Matematizador ...............................................................................145
2. Refletindo sobre as diversas aprendizagens .......................................................147
3. A família no Ambiente Matematizador .................................................................149
Capítulo VII – Reflexões Finais ..............................................................................151
1. Considerações sobre o Ambiente Matematizador ...............................................151
2. Perspectiva sobre a pesquisa .............................................................................153
Referencial bibliográfico ..........................................................................................155
Glossário .................................................................................................................161
Apêndice A...............................................................................................................169
Apêndice B...............................................................................................................171
Anexo A....................................................................................................................175
Anexo B....................................................................................................................177
Anexo C....................................................................................................................184
Anexo D....................................................................................................................185
Anexo E....................................................................................................................186
Anexo F....................................................................................................................189
Anexo G....................................................................................................................190
Anexo H....................................................................................................................194
Anexo I.....................................................................................................................199
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INTRODUÇÃO
Estamos vivendo um momento de muita expectativa sobre o futuro do nosso
país. Foi eleito de forma representativa o novo Presidente da República, um homem
de origem simples, retirante da seca nordestina, que ressuscita palavras como
esperança e amor à pátria. Dentro deste contexto, concluir esta pesquisa me trouxe
muita satisfação.
Hoje, muito se discute sobre os milhões de analfabetos que ainda existem no
Brasil. O desafio fica cada vez maior, pois se há anos bastava saber escrever o
nome, hoje se espera de um cidadão alfabetizado que ele escreva seu nome, leia e
escreva pequenos textos e consiga resolver e representar pequenos cálculos
envolvendo as quatro operações.
O Ministério de Educação e do Desporto - MEC - divulgou amplamente o
índice de uma escolaridade nunca alcançado na história do Brasil: 93% das crianças
brasileiras em idade escolar estão na escola. Entretanto, matricular as 7% das
crianças que faltam, garantindo a qualidade das aprendizagens, deve ser o próximo
passo.
Aprender e ensinar matemática faz parte deste desafio. A matemática, que
está tão presente no dia-a-dia de cada um de nós, aparece como a grande “vilã”
entre alunos de diferentes níveis. Pesquisas atuais, como a realizada pelo Instituto
Paulo Montenegro, ligadas ao Ibope, e divulgadas na Revista Veja, de 18 de
dezembro de 2002, apresentam números preocupantes: 10% da população
brasileira têm dificuldades de ler os números; de cada dez brasileiros, sete não
sabem calcular porcentagens; e apenas metade deles consegue fazer uma conta de
divisão simples. Professores de matemática, pedagogos, psicólogos, entre outros,
discutem tal situação. O que está acontecendo com o ensino de matemática? Oito?
Onze? Quinze anos de escola. Por que nossos alunos temem tanto a matemática?
Por que tão poucas aprendizagens matemáticas?
Sem a pretensão de apresentar soluções mágicas, mas sim de buscar
cooperar na solução do desafio de ensinar a todos, com qualidade, apresento esta
pesquisa feita em uma escola pública de Brasília e baseada na Teoria dos Campos
Conceituais. Ela pretende mostrar uma possibilidade de mudança na escola
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brasileira. Acreditar e investir no professor, na minha opinião, deve ser o primeiro
passo.
Sendo assim, apresento a pesquisa dividida em sete capítulos. No capítulo I,
relato a origem do objeto da pesquisa: o Ambiente Matematizador. No capítulo II,
apresento o projeto de pesquisa. No capítulo III, defino os fundamentos teóricos,
dando maior destaque à Teoria dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud. No
IV, procuro detalhar a metodologia utilizada, apresentando a escola, a professora e
os alunos que fizeram parte da pesquisa. No V, apresento os dados da pesquisa,
organizados em cinco categorias e suas subcategorias. No capítulo VI, analiso as
aproximações entre teoria e prática. Finalmente, no último, faço algumas reflexões
finais sobre a possibilidade de utilizar tal teoria na atual realidade da escola
brasileira.
Apresento também um glossário, que não tem o objetivo de prescrever
definições, mas oferecer ao leitor uma melhor compreensão dos conceitos utilizados
ao longo da dissertação. Sugiro que seja consultado durante a leitura.
Nos apêndices e anexos, disponibilizo alguns materiais construídos e
utilizados durante a pesquisa.
Para concluir, gostaria de esclarecer que acatei a sugestão da banca durante
a qualificação do projeto e optei pelo termo professora-pesquisadora e
pesquisadora-professora. Neste trabalho, a professora-pesquisadora é a professora
Darlene Bento Luiz e eu, a pesquisadora-professora. Em alguns momentos da
pesquisa, parecia que esses papéis eram trocados, em consequência dos princípios
da pesquisa-ação utilizados. Quando me refiro ao professor de forma geral, mantive
a nomenclatura comum: professor ou professora.
Destaco que neste trabalho aprendi muito mais que teorias e argumentos.
Minha maior aprendizagem foram as riquezas de relações que obtive.
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Capítulo I: A ORIGEM DA PESQUISA
1. Historicidade do objeto: o Ambiente Matematizador
Pensar em educação, falar em escola, conviver com alunos e professores há
muito tempo faz parte do meu dia-a-dia. Não gosto da idéia de vocação de
professora anterior à profissão de professora, mas sou obrigada a reconhecer a
invasão de espaço que acontece. Ser professora mistura-se com ser mãe,
namorada, aluna, amiga, mulher...
Ainda menina, encostava meu quadro negro na parede e me divertia
ensinando minhas bonecas ou alguma amiga que quisesse brincar de ser aluna. Na
adolescência, comecei a dar aulas de catecismo – atividade que realizava com
grande prazer e que foi a minha primeira experiência como professora.
Lembro a discussão que surgiu em casa quando resolvi fazer magistério (que,
na época, correspondia ao 2º grau, hoje Ensino Médio). Meu pai achava um
desperdício o fato de eu ter estudado em boas escolas para, no fim, escolher uma
profissão que me pagaria tão pouco. Dizia ser uma profissão pouco valorizada e mal
remunerada. Minha mãe defendia a necessidade de se fazer o que gosta e dizia
que, certamente, um dia a educação seria valorizada neste país. Meu pai acabou
concordando e me matriculei em uma escola que oferecia o Curso Normal (curso de
formação de professores no antigo 2º grau). Esta discussão foi saudável e, de certo
modo, introduziu-me na política educacional do nosso país.
Durante o Curso, iniciei meu trabalho nas escolas particulares de Brasília.
Tudo era novidade! Fascinava-me a relação professor/aluno e o progresso da turma.
Adorava me sentir “professora de verdade”! Ainda acreditava na velha fórmula: eu
estava ali para ensinar e as crianças para aprender. As crianças que apresentavam
dificuldades nas aprendizagens escolares encontravam apoio junto à psicóloga,
psicopedagoga, fonoaudióloga, orientadora escolar, ou na aula de reforço e na
minha dedicação de rever, durante o recreio, as atividades que não conseguiam
terminar. Todos aprendiam a ler e escrever.
Em 1985, comecei a cursar Pedagogia, um curso que, na época, “ensinava
modelos” (assim como no Curso Normal que acabava de concluir) de como dar uma
boa aula, que nem sempre resolviam os diversos desafios do dia-a-dia de uma sala
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de aula. Hoje, reconheço que seria muito mais interessante se tivessem me
proporcionado o embasamento teórico necessário para que eu construísse minha
própria postura docente.
Em 1987, passei no concurso público do Governo do Distrito Federal - GDF,
que na época vinha pagando melhor que grande parte das escolas particulares,
além de representar a tranquilidade de não ser demitida no final de ano. Havia o
inconveniente de a escola ser longe da minha casa, mas isso não incomodava, era
solteira e queria muito conhecer escolas diferentes, ou seja, aquelas que só
conhecia pelos jornais ou pela TV.
Iniciei, dessa forma, uma nova etapa do magistério. Assumi a regência em
uma turma da zona rural do Gama. Levava uma hora e meia de ônibus para chegar
à escola e, caso perdesse a condução, só haveria outro ônibus à tarde. Mês de
setembro, turma de alfabetização, 22 alunos, entre 6 e 9 anos e apenas 2 dentre
eles sabiam ler e escrever conforme o esperado. Fiz o que sabia: apresentei as
famílias silábicas, treinei cada uma com as crianças, formei palavras, frases simples
e ... nada! Alguns pareciam ter entendido algumas daquelas famílias, mas era muito
pouco perto do que eu esperava deles.
Que decepção! Saí da escola, no fim do ano, inconformada com meu fracasso
em ensinar. O que acontecera com minha capacidade de alfabetizar? Não
conseguia acreditar que o problema em não aprender era dos alunos, afinal eram
tão inteligentes nas atividades livres, recreativas e jogos! Comecei a buscar
respostas em livros, revistas, cursos, seminários. Lembro a leitura do livro de
Dermeval Saviani, Escola e Democracia (2000, reedição), em que ele afirma que
precisamos de uma escola crítica, mas que não critique apenas reproduzindo a
sociedade e mantendo as crianças no lugar em que se encontram, marginalizadas
do conhecimento escolar. Era necessário democratizar o conhecimento. Mas como?
O que precisava ser feito para se ter uma escola democrática? Parecia que eu,
professora, falava outra língua, tentava ensinar e os alunos não aprendiam.
Houve também o mestre Paulo Freire, com o livro Pedagogia do Oprimido
(1987) e com suas diversas palestras, que alertava para o problema da “educação
bancária”1 e para a necessidade de se considerar, no processo educativo, o contexto
1 Educação Bancária: aquela “em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los” (FREIRE, 1987, p.58). Os alunos são vistos como recipientes a serem “enchidos” pelos conhecimentos do professor.
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sociocultural no qual estava inserido o educando. O que significava isso tudo? Como
fazer diferente? Essas dúvidas ainda hoje fazem parte da minha discussão e estarão
presentes neste trabalho.
Em 1990, já com 8 anos de magistério (rede particular e pública), tomei
conhecimento das pesquisas de Jean Piaget nos seminários, cursos, congressos e
na faculdade, mas tudo era muito superficial. Entre vários cursos, destaco um dos
melhores, com Orly Zucatto de Assis, da UNICAMP, chamado de PROEPRE
(Programa de Educação Pré-escolar). Acontecia fora de Brasília, em Águas de
Lindóia. Nesse curso, ouvi a professora Vera Manzanares, professora de uma classe
de alfabetização em Campinas. Ela afirmava que os rabiscos que apareciam em um
retroprojetor – e que para mim, não passavam mesmo de rabiscos - eram as escritas
de seus alunos. Eu começava, aí, a conhecer a psicogênese da escrita. Aquela
professora-pesquisadora destacava a importância do grupo na aprendizagem e
afirmava que o erro nem sempre era um erro. Fiquei tão estarrecida que permaneci
na sala e ouvi a palestra mais uma vez.
Comprei os livros de Emília Ferreiro (1985 e 1986), Esther Grossi (1990),
Madalena Freire e e Orly de Assis2. Endividei-me por conta do curso, viagem, livros e
jogos – esses, agora, deveriam ocupar um espaço não só de recreação, mas de
aprendizagem na vida dos alunos.
Foi um “achado” para a minha prática docente o chamado “construtivismo”.
Pude levar para a sala de aula atividades muito interessantes e meus alunos
passaram a ser bem mais felizes. Mas, foi no pós-construtivismo que pude
realmente acreditar que todos podem aprender (levar atividades interessantes para a
sala de aula é pouco para gerar o conhecimento!). A partir desse conceito, foi
necessário rever certos princípios, enraizados na minha postura de professora, que
influenciaram e influenciam a atual pesquisa e que discutirei mais detalhadamente
neste trabalho.
Outra forte influência que recebi veio dos diversos cursos e estudos que fiz no
GEEMPA3, mais especificamente com a professora-pesquisadora Esther Grossi4.
2 ASSIS, Orly Zucatto Mantovani de. Uma nova metodologia da educação pré-escolar. 5.ed.São Paulo: Pioneiras, 1987. 3 GEEMPA – Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação de Porto Alegre – RS. 4 A professora Esther Grossi participa ativamente do GEEMPA, entidade que ajudou a fundar. Pelo menos uma vez por ano, procuro participar de eventos (cursos, palestras, encontros) organizados pelo GEEMPA, em Porto Alegre ou Brasília. Dentro do possível, participava das reuniões de estudos
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Nesses cursos, conheci, estudei e discuti o Ambiente Alfabetizador, baseado na
Teoria dos Campos Conceituais, de Gerard Vergnaud, pesquisador e doutor em
Psicologia. Vergnaud (1996a, p.11) afirma que desenvolveu,
A Teoria dos Campos Conceituais para tentar melhor compreender os problemas de desenvolvimento específicos no interior de um mesmo campo de conhecimento.
De acordo com essa teoria, ao trabalharmos com um conceito, devemos
considerá-lo como participante de um Campo Conceitual, ou seja, um conceito está
sempre se relacionando com diversos outros conceitos. A compreensão de um
conceito implica a assimilação da lógica que constitui as relações deste com os
demais.
Como alfabetizadora, encantei-me com a descoberta do Ambiente
Alfabetizador baseado na Teoria dos Campos Conceituais, um ambiente rico em
letras, palavras e diferentes textos. Nele, o aluno é posto em contato com muitas
informações e desafios. Acontece uma relação de acolhimento e,
concomitantemente, de rupturas com suas hipóteses de como se escreve e lê. Ora o
aluno é acolhido no que faz, recebendo estímulo para continuar do seu jeito, ora é
desestabilizado, através de intervenções didáticas (que serão discutidas mais a
frente neste trabalho). Alfabetizar assim se tornou uma ação inteligente, um grande
jogo de descoberta. Cada hipótese apresentada pelo meu aluno era valorizada e
analisada. A psicogênese da leitura e escrita começava a fazer parte de minha
prática docente.
E a matemática? Assim como alfabetizar exigiu de minha parte muitas buscas
(que ainda venho fazendo), a matemática começou a me inquietar. Por que os
alunos da Educação Infantil e Alfabetização entram na escola tão interessados e
encantados pela matemática e depois ela se torna uma matéria chata e
incompreendida? Nas turmas em início de escolarização, as aulas de matemática
são proveitosas e divertidas. Mas isso vai acabando à medida que os alunos passam
de ano. Parece que, ao invés de aprender matemática na escola, eles desaprendem.
às terças-feiras, na casa da professora Esther Grossi, em Brasília, de 1996 a 2001. Ela é doutora em Psicologia Cognitiva, pesquisadora na área de psicogênese das aprendizagens e autora de vários livros. Foi Deputada Federal pelo PT/RS e ex-Presidente da Subcomissão de Desenvolvimento de Recursos Humanos para a Educação da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados.
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No meio dessas reflexões, fui convidada a assumir a coordenação
pedagógica da Escola Classe 312 Norte. Na escola, funcionavam vários projetos,
que além do apoio da direção, envolviam os professores, comunidade e, como não
poderia deixar de ser, os alunos. Aos poucos, fui-me inteirando de cada um deles,
mas um me chamou atenção especial: “O Projeto Experimental de Matemática”.
Esse projeto era coordenado por um pai de aluno e também professor de
matemática, Roberto Caribé. Nele, os professores da escola eram convidados a
pensar sobre os conteúdos matemáticos e na forma como vinham sendo
trabalhados. Comecei a perceber o grande problema do aprender e ensinar
matemática na escola. Por que a escola ensina tão mal uma disciplina tão
importante e, por que não dizer, tão “gostosa” de se aprender?
Na alfabetização, durante muito tempo acreditou-se que ensinar a ler e a
escrever se resumia ao mecanismo de juntar letras, mas diversas pesquisas
mostraram o equívoco dessa idéia. E a matemática também não estaria no “caminho
errado”?
Começo a perceber que para aprender e ensinar, deve-se envolver o aluno,
ativo na sua aprendizagem, dentro de um rico ambiente de informações e desafios,
relacionados aos conhecimentos que se quer alcançar, favorecendo assim a
reconstrução de conceitos.
Já que na alfabetização, alunos e professores trabalhariam num Ambiente
Alfabetizador em sala de aula, envolvendo letras, palavras, textos e outras
informações do mundo letrado, comecei a questionar a matemática. Existiria um
Ambiente Matematizador? Será que alunos e professores aprenderiam e ensinariam
mais matemática em um ambiente construído segundo os princípios da Teoria dos
Campos Conceituais de Vergnaud?
Interessando-me cada vez mais pela matemática, busquei conhecer melhor a
estrutura curricular dos anos iniciais do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série). Que
conceitos deveriam ser “ensinados” em cada ano? Lendo os PCN5 e comparando-os
com o antigo currículo das Escolas Públicas de Brasília6, percebi mudanças
significativas nos conteúdos matemáticos e também na postura que se esperava do
professor durante as aulas. Estudando e discutindo com os profissionais da
5 PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados pelo MEC em 1997. 6 Currículo da Educação Básica das Escolas Públicas do DF – FEDF –1993, entre os professores é chamado de “livro verde” ou “Hulk”.
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educação, alunos e pais de alunos, percebi o quão complexas eram essas
mudanças, que envolveriam um novo paradigma de “como se ensina” e de “como se
aprende”.
A vontade de ler e discutir o assunto me levou a me inscrever como aluna
especial no mestrado da Faculdade de Educação da UnB, na disciplina Currículo:
fundamentos e concepções.
Intensifiquei minhas leituras visando à prova de mestrado. Inicialmente, tinha
como projeto de pesquisa buscar hipóteses matemáticas presentes na alfabetização.
Queria comparar a proposta curricular atual com aquilo que o aluno de fato aprende.
Perguntava-me se a escola levava em consideração as atuais pesquisas sobre
aprender e ensinar. Será que a Teoria dos Campos Conceituais faz diferença na
aprendizagem?
Em uma palestra na UnB (nov./1999), intitulada “Jogo da criança e atividade
matemática”, conheci o professor Cristiano Muniz (atualmente meu orientador nesta
pesquisa). Nessa palestra, ele apresentou sua tese de doutorado, mostrando o olhar
cuidadoso de um pesquisador em busca da compreensão do brincar nas
aprendizagens. Ele estava também iniciando o projeto “A aprendizagem matemática
como reflexo da mediação construída pelo professor”, em algumas escolas de
Brasília. Vi, então, a oportunidade de iniciar uma pesquisa sob sua orientação, caso
ingressasse no mestrado.
No final de 1999, a direção, a coordenação (da qual eu fazia parte) e os
professores da Escola Classe 312 Norte convidaram o Professor Cristiano para
desenvolver seu projeto de matemática em parceria com a escola. E foi a partir daí
que ele passou a discutir, semanalmente, naquela escola, as aulas de matemática, o
conteúdo e a formação de conceitos matemáticos na sala de aula.
No ano 2000, iniciei, finalmente, meu mestrado, com a orientação do
professor Cristiano Muniz. Continuava na mesma escola, agora não mais como
coordenadora pedagógica, mas como pesquisadora-professora. Semanalmente, eu,
o professor Cristiano e seus alunos da Pedagogia e as professoras da Escola Classe
312 Norte nos reuníamos. Estudávamos, discutíamos a matemática, trabalhávamos
com os alunos e, assim, meu objeto de pesquisa foi se definindo melhor. Continuava
a focar a matemática, mas agora, de modo mais concentrado no dia-a-dia da sala de
aula. Passei, então, a considerar a seguinte questão: é possível construir um
19
Ambiente Matematizador, embasado na Teoria dos Campos Conceituais de
Vergnaud em sala de aula, aprendendo e ensinando matemática de verdade?
Novas oportunidades sugiram na minha vida profissional: iniciei como docente
no ensino superior. Comecei a lecionar nos cursos de Pedagogia e Licenciatura7 e,
mais uma vez, percebi a distância entre o que os pesquisadores (Piaget, Vigotski,
Freire, etc.) afirmam e o que acontece na sala de aula. A angústia mais perceptível
diz respeito ao “como” fazer diferente. Parece que todos (professores e alunos)
concordam sobre a necessidade de mudanças, mas resistem a fazer diferente da
ideia “tradicional” de como ensinar. O mais grave é que em se tratando de um curso
de formação de futuros professores, era de se esperar que as atuais propostas de
inovação do ensino estivessem acontecendo de fato e não ficassem somente nas
discussões sobre o assunto. Será que podemos sonhar com mudanças na
Educação, com cursos de formação de professores tão calcados em princípios
tradicionais e tecnicistas?
Entre os diversos desafios que encontrei na prática docente no Ensino
Superior, gostaria de destacar alguns que me incomodaram. Em primeiro lugar,
encontra-se a constância do trabalho individual na sala de aula, mesmo quando o
professor propõe trabalho em grupo. Segundo, o momento da avaliação, que vem
sendo o momento de terror. O dia da prova parece ser o dia do “acerto de contas”
entre o professor e os alunos. O último refere-se à crença na importância do
conteúdo a ser ensinado apresentar a organização linear e estanque. Sendo assim,
busquei (e busco) alternativas para aulas inovadoras que venho me propondo a
ministrar e que vão ao encontro dos princípios do Ambiente Matematizador. Os
trabalhos em grupos foram rediscutidos. A avaliação vem sendo discutida, no início
do semestre, com os alunos e introduzi a auto avaliação e o portfólio. Propus a
reorganização do espaço físico da sala, agora em semicírculo ou em pequenos
grupos. Iniciamos o semestre com nosso contrato didático, esclarecendo o que eu
esperava da turma e o que a turma poderia esperar de mim. Minhas angústias e
propostas foram bem aceitas pela coordenação, alunos e alguns colegas de
trabalho. Percebo que a didática do Ensino Superior começa a ser discutida, não
sendo uma preocupação particularmente minha. Lembro-me de meu pai, nas
7 Cursos de formação específica, que permitem que o aluno, futuro profissional, atue em sala de aula dos anos finais do Ensino Fundamental e/ou Ensino Médio, como por exemplo: Matemática, Geografia, História, Letras, Física, Psicologia, Química etc.
20
décadas de 70 e 80. Ele, que foi professor universitário, ficava indignado com a falta
de preocupação de seus colegas em planejar uma boa aula. Saber o conteúdo
parecia ser o suficiente. Mas essa discussão é longa e poderá ser feita em outro
trabalho.
Essas diversas experiências e as leituras citadas me fizeram perceber o
desafio que é construir uma didática para sala de aula que favoreça a aprendizagem
significativa. Gerard Vergnaud afirma que “a didática é uma provocação” (1995. Não
paginado). Precisamos repensar a relação professor-aluno, a ideia de como se
aprende e ensina, as prioridades nos conteúdos e, como não dizer, a avaliação
escolar. Minha trajetória profissional me fez acreditar na importância de uma sala de
aula rica em informações, tendo como autores professores e alunos, ambos
pesquisadores, envolvidos na aprendizagem que se quer alcançar.
Sendo assim e reconhecendo a relevância de todas as disciplinas, destaco a
matemática como a “menina dos olhos” deste trabalho. Embasada na Teoria dos
Campos Conceituais de Gerard Vergnaud, proponho a construção do Ambiente
Matematizador, que será meu objeto de pesquisa nesta dissertação.
2. Problematização:
2.1. Os conhecimentos matemáticos são importantes?
O conhecimento é mais do que simplesmente aprender, ele é construído pelo
sujeito ativo, em constante reflexão com suas próprias hipóteses. Quando
conhecemos algo ou algum conceito, devemos ser capazes de agir sobre ele, propor
soluções e levantar questões. O professor tem um papel fundamental neste
processo, como pesquisador-mediador. Ele deve buscar relacionar o que o aluno já
sabe com o conteúdo formal escolar. No livro Na vida dez, na escola zero (1988),
Schliemann, Carraher e Nunes comprovam, com sua pesquisa, os diversos
conhecimentos matemáticos que os alunos possuem quando chegam à escola, mas
que não são utilizados, perdendo-se um rico espaço de aprendizagens.
21
Não podemos achar que os conhecimentos trazidos pelos alunos são
suficientes para a construção da sua cidadania. Cabe à escola, partindo do que o
aluno já sabe, apresentar atividades que valorizem o saber cultural,
transformando-o em conhecimento sistematizado que possibilite a ampliação e
compreensão de diversos outros conhecimentos. Essa articulação entre o saber
cultural e os conteúdos escolares seria a “garantia” do aprender de verdade,
baseado no aprender a aprender.
A busca da aprendizagem significativa vem sendo intensificada nos últimos
anos no Brasil. Professores, sociedade e instituições questionam o que se vem
ensinando e aprendendo nas escolas, inclusive o atual progresso tecnológico.
Lidar com calculadoras e alguns tipos de programas de computador hoje faz parte
do dia-a-dia dos cidadãos. Aprender a ler e a escrever deixa de ser uma
preocupação única e começa a dividir a atenção com questões matemáticas.
Afinal, muitos dos conceitos matemáticos básicos são fundamentais para o
trabalho e para a vida diária, além de serem fundamentais para o entendimento
de outras ciências.
Fazer matemática é uma atividade humana. De acordo com Nunes (1994,
p.3):
Matemática é uma ciência de relações. É também uma maneira de pensar. Ao longo da história, a matemática desenvolveu sistemas de representação e modelos de análise que nos permitiram pensar sobre os eventos e fenômenos, fazendo análises que não seriam possíveis sem esses sistemas de representação.
Pode-se afirmar que, hoje, os conhecimentos matemáticos não são apenas
para matemáticos, mas para todos. É requisito para ser cidadão no mundo de hoje,
no qual interpretar gráficos, fazer análises de mensuração, calcular juros, fazer
previsões e outros conhecimentos matemáticos estão tão presentes no dia-a-dia.
Isso nos leva a mais questões: que matemática precisamos saber e que matemática
a escola vem ensinando? Como seria aprender e ensinar conceitos matemáticos na
escola? Que sala de aula conseguirá favorecer as aprendizagens significativas
matemáticas?
22
2.2. Por que mudar na sala de aula?
Será que a educação não poderia continuar como sempre foi? Para que tanta
“invenção de moda” nas salas de aula? Essas e outras questões rondam nossas
escolas. De um lado, estão os que afirmam que todos podem aprender, que
aprender é uma construção, que a escola deve criar relações entre o conhecimento
do dia-a-dia do aluno e o conhecimento formal sistematizado. Do outro lado, os que
preferem que tudo permaneça como sempre foi. No “frigir dos ovos” o que temos são
alunos que convivem, diariamente, com uma avalanche de conhecimentos e que
aprendem muito pouco.
Mas como se chegou a tantas inovações na sala de aula? O que realmente é
novo? Durante muitos anos, a educação no Brasil era guiada pela concepção
inatista ou empirista de como se aprende. Com as diversas pesquisas educacionais
(conflitantes ou não) feitas por Piaget, Vigotski, Wallon, Freire, Ferreiro, Grossi,
Vergnaud, entre outros, um novo olhar foi lançado sobre aprender e ensinar.
Na perspectiva pós-construtivista, seja Piaget, seja Vigotski, o sujeito constrói
seu conhecimento dentro de um processo ativo de aprender, no qual só enxerga o
que pode. Temos em nossas escolas um sujeito epistêmico – global, universal, que
aprende sempre e muito. Hoje, sabemos que nossos alunos aprendem nas diversas
relações que vivem dentro e fora das escolas. Essas escolas muitas vezes deixam
de ensinar, pois “esquecem” a importância deste processo ativo entre professor-
conhecimento-aluno, que constituem o triângulo pedagógico.
Para Piaget, o objetivo primordial de sua pesquisa era compreender a
questão do conhecimento. Rangel (1992, p.56), em sua pesquisa embasada em
Piaget, afirma que:
Para aprender, não bastam apenas treinamentos, exercícios, transmissão de informações que possibilitem ao sujeito saber realizar alguma coisa que se tem em mente. Por isto mesmo alunos que aprendem a fazer, sem a necessária compreensão do que realizam,
facilmente esquecem a aprendizagem quando a realização deixa de ser solicitada. Só se sabe fazer enquanto se está continuamente fazendo, pois não há tomada de consciência sobre o que se
executava. Quando se educa para o aprender, corre-se o risco de se formar indivíduos presos a valores pragmáticos, que se submetem
23
docilmente aos valores de uma sociedade. Em oposição, educar para o compreender é educar para o vir a ser, é educar para o conhecimento, e o conhecimento implica construção da própria inteligência. Neste sentido, a educação privilegia a ação reflexiva do sujeito com o mundo e as trocas interindividuais.
Piaget (1972) nos fala dos estágios da construção do conhecimento (sensório-
motor, pré-operatório, operações concretas e operações formais) tão discutidos
entre os professores, mas tão ausentes nos planejamentos, atividades e avaliações.
Sabemos que conhecimentos, como os de conservação, de tempo, de classificação,
de seriação, de números, entre outros, não podem ser ensinados, mas sim
construídos. De nada adianta o desespero do professor em repetir várias vezes
esses conceitos tão simples (na lógica da escola), pois eles serão percebidos na
ação-relação que o aluno fará com o meio e o conhecimento. O aluno precisa agir
pensando para entender um conceito.
Cabe falar um pouco de Vigotski, quando afirma que o princípio do pensamento é
fundado na linguagem. Enquanto Piaget acreditava que o conhecimento acontecia
em função da relação que o sujeito faz, agindo sobre o objeto, Vigotski foi mais
além, mostrando a importância da mediação na aprendizagem. O único bom ensino,
para Vigotski (2000, p.117), seria aquele que se adianta ao desenvolvimento.
O grande desafio para o professor é perceber “quando” e “como” interferir,
mediando o conhecimento, reconhecendo e favorecendo a zona proximal, em busca
do aprendizado real. Vigotski (2000, p.113) afirma que:
A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de brotos ou flores do desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento.
Sendo assim, o professor precisa ver no erro do aluno um aliado. Por meio dele,
professor e aluno poderão identificar o obstáculo epistemológico e refazer o
conceito. Esse processo de aprender e ensinar, observando e interpretando o erro,
faz do professor e do aluno atores e pesquisadores. Cada um (professor e aluno)
com seu olhar cuidadoso e carinhoso vai estar reconstruindo conceitos.
24
O grupo também tem uma função de destaque. Nele, os alunos colocarão em
“xeque” o que acreditam e poderão através do conflito cognitivo reconstruir os
conceitos. A linguagem tão discutida por Vigotski estará, mais do que nunca,
presente em sala de aula, nas atividades “de e em” grupo. Não cabe mais um aluno
sozinho durante toda a aula, em silêncio, ouvindo o professor e fazendo exercícios.
As pesquisas desses diversos teóricos citados e as novas posturas docentes por
eles sugeridas tornam possível a Escola Democrática, abordada por Saviani (2000),
no livro Escola e Democracia. Faço nesse sentido a seguinte analogia: imagine se
os médicos formados só soubessem tratar de pessoas saudáveis e os doentes
precisassem buscar soluções em outros lugares ou até mesmo aprender a conviver
com suas doenças, mesmo que essas dificultassem sua convivência na sociedade?
Assim vem sendo a escola: os professores ensinam a poucos alunos, somente a
aqueles que se “encaixam” nos moldes escolares. Quando o aluno apresenta algum
“desvio” em sua aprendizagem é encaminhado para algum especialista. E na falta
desse (por razões diversas), alunos e professores têm dificuldades de definir o que
fazer. Há também aqueles nos quais a razão de não aprender não é identificada e
vem daí a plena certeza de que o aluno é incapaz, ou seja, burro! Família, professor
e aluno acreditam que, em função da pobreza financeira, características sociais, ou
algo parecido, tal aluno nunca poderá aprender. E mais uma vez, reafirmo a
necessidade de se buscar uma didática que possibilite que a escola ensine a todos.
De acordo com Grossi (1994, p.93), “trata-se da convicção de que a inteligência é
um processo, fica-se inteligente porque se aprende e de que todos podem
aprender”.
Quando falo em didática, não me refiro apenas a uma metodologia de como
passar conteúdos, passos ou receitas do que fazer para ensinar a contar, somar ou
dividir. Refiro-me a uma didática provocativa, que leve aluno e professor à busca do
conhecimento. É necessário transpor para a sala de aula as diversas constatações
de como se aprende e ensina.
Destaco, então, a Teoria dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud. De
acordo com Vergnaud (1998, p.26):
As conceitualizações que formamos são moldadas pelas situações que encontramos, se encontrarmos somente situações limitadas, e não uma ampla variedade, não haverá nenhuma razão para desenvolver conhecimentos gerais. Entre as condições, o fato de
25
incluir situações muito variadas e cada vez mais complexas será absolutamente decisivo para a conceitualização da criança.
Sendo assim, é necessário que os professores revejam o antigo princípio de
que o aluno precisa aprender uma coisa de cada vez, de forma organizada e linear.
Na Teoria de Vergnaud, o aluno vai aprender relacionando vários conceitos, sem
uma preocupação linear. Apresentar desafios e situações-problema é essencial para
favorecer as aprendizagens significativas. Esclareço que a aprendizagem
significativa nos permite uma tomada de consciência, a partir dela mudamos nossa
relação com o mundo.
Mais uma vez de acordo com Vergnaud (1998, p.26):
A tomada de consciência – que não é necessariamente, sempre explicitada – consiste em mudar nosso ponto de vista sobre os objetos, sobre as propriedades e os atrativos desses objetos, ainda em domínios muito complicados, como os da vida afetiva, da vida em família, entre marido e mulher, pais e filhos. Há muitas coisas que são objetos de uma mudança de ponto de vista.
Considerando o que foi dito, a grande questão passa a ser: o que mudar em
sala de aula?
2.3. O que mudar em sala de aula?
O objetivo de ensinar bem - e a todos - é ambicioso e reforça a necessidade
de rever certos princípios didáticos enraizados nas posturas pedagógicas presentes
em salas de aulas. Entre os diversos princípios didáticos, questionarei a organização
linear dos conteúdos, a visão inadequada do erro no processo da construção do
conhecimento e a convicção de que se aprende sozinho e em silêncio.
Quando se fala na organização linear dos conteúdos, percebe-se um
confronto entre a lógica do conteúdo escolar e a lógica do processo dos alunos. A
lógica do conteúdo escolar está presente na organização linear das grades
curriculares e também na organização dos livros didáticos. Já a lógica do processo
26
dos alunos é individual e dinâmica e muitas vezes imensurável. Confrontando as
duas lógicas e acreditando na lógica do processo, proponho uma sala de aula que
propicie aos alunos o acesso às diversas informações, com vistas a favorecer
relações próprias que possibilitem a construção de conhecimentos diversos.
Também são relevantes as trocas entre professor/alunos e alunos/alunos. Destaco,
ainda, a necessidade do conhecimento como um todo (e não em partes) para que se
possa reestruturar o conhecimento das partes.
De acordo com Grossi (1993c, p.97):
Não é mais possível uma programação linear do ensino, conteúdo por conteúdo, “ensenha” por “ensenha”, pedacinho por pedacinho, de cada disciplina. Aprendemos numa trama, ampla e rica de aspectos do real que entrelaçam conhecimentos social e historicamente já admitidos e sistematizados, transmitidos pela tradição cultural com a força do entendimento localizado e próprio de um aqui-e-agora prenhe das urgências que as necessidades mais imediatas impõem e das representações simbólicas, isto é, dos valores que direcionam nossas forças afetivas e grupais.
Outro ponto a ser revisto é o terror ao erro, tanto do aluno, como do professor
e dos familiares. O erro deve ser um importante aliado didático que possibilite ao
professor direcionar seu planejamento, favorecendo aos alunos uma reconstrução
de seus conceitos. Vale ressaltar que o conceito é um elemento dinâmico, passível
de revisão e reformulação. Para que ocorra a reformulação conceitual, o aluno deve
estar em um conflito cognitivo que o estimule a aprender mais. Quando tiramos do
aluno o direito de errar, de sofrer e de viver a alegria de compreender o conceito,
tiramos junto o direito dele construir seu conceito.
De acordo com Pinto (2000, p.149):
O que faz o aluno avançar é quando ele se percebe em situação de contradição: é nesse momento que ele toma consciência dos modos distintos de interpretar a realidade; é quando ele passa por um conflito cognitivo.
Em outras palavras, errar faz parte do aprender. Mas para que isso ocorra de
forma positiva, são necessárias atividades avaliativas que possibilitem aos alunos
demonstrarem suas hipóteses sobre o conhecimento, permitindo as respostas
“erradas”, diferentes das do professor ou incompletas. A partir daí a mediação do
professor deve favorecer a relação ativa entre o pensar do aluno e o conteúdo que
27
deverá ser sistematizado. A avaliação precisa deixar de ser um momento de punição
pela não aprendizagem e passar a ser dinâmica, formativa e diagnóstica de
fundamental importância para o processo de aprender e ensinar.
Por último, destaco a importância do grupo na aprendizagem. Muitos de nós
já vivemos situações em que aprendemos não com aquele que sabe mais sobre o
assunto, mas sim com aquele que por ser nosso par acadêmico consegue
compreender nossas dúvidas e direcionar nosso estudo. O fato de o professor
favorecer a troca entre os pares não o excluí do processo, ao contrário, coloca-o em
um papel bem mais atento, o de professor-pesquisador. Ele (o professor), agora,
deve buscar nas discussões e esquemas escolhidos pelos alunos, para resoluções
das atividades sugeridas, os dados que necessita para planejar novas atividades e
as intervenções necessárias. De acordo com Madalena Freire (In: GROSSI, 1992,
p.159):
Enfim, o educador ou o coordenador de um grupo é como um maestro que rege uma orquestra. Da coordenação sintonizada com cada diferente instrumento, ele rege a música de todos. O maestro sabe e conhece o conteúdo das partituras de cada instrumento e o que cada um pode oferecer. A sintonia de cada um com o outro, a sintonia de cada um com o maestro, a sintonia do maestro com cada um e com todos, é o que possibilita a execução da peça pedagógica. Esta é a arte de reger as diferenças, socializando os saberes individuais na construção do conhecimento generalizável e para a construção do processo democrático.
As propostas de mudanças citadas para o processo de aprender e ensinar
nos levam à necessidade de investir na Formação Inicial e Continuada dos
Profissionais da Educação. Faz-se necessário diminuir a distância entre a teoria
estudada e a prática no dia-a-dia da sala de aula, provocando mudanças na postura
pedagógica. Materiais satisfatórios foram elaborados, como o da Numerização, de
Nilza Bertoni8, mas ao serem colocados em prática pelos professores perderam seu
alcance de produzir conhecimento, porque se depararam com os velhos princípios
didáticos, tão enraizados em nossos docentes.
8 Projeto para melhoria do Ensino de Ciências e Matemática, coordenado por Nilza Eigenheer Bertoni, denominado “Um novo currículo de matemática da 1ª a 8ª série”, desenvolvido na Universidade de Brasília/Departamento de Matemática, com apoio do MEC/ CAPES/ PADCT/ SPEC, no período de 1985 a 1989 e utilizada na Rede de Ensino Público de Brasília.
28
As mudanças acima citadas tornam-se ainda mais necessárias ao considerar
que a educação brasileira é insatisfatória, tanto no senso comum, como nas
pesquisas científicas que apontam os péssimos resultados educacionais. O Brasil,
recentemente, foi o pior colocado na Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), prova que mediu o desempenho de estudantes de 15 anos nas redes
públicas e particulares de ensino de 32 países9. Sem querer entrar no mérito
político-social de tais pesquisas, mas considerando também os baixos rendimentos
dos alunos brasileiros em diversos exames nacionais, como ENEM (Exame Nacional
de Ensino Médio – MEC - Brasil) e SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica – INEP – MEC), tornam-se incontestáveis as necessidades de
mudanças no âmbito educacional. Vale ressaltar as dificuldades em fazê-las (até
porque a escola não para. É como se precisássemos consertar um trem em
movimento), como diz o ditado popular “falar é fácil, o difícil é fazer”. As mudanças educacionais precisam ser profundas, por isso vejo na Teoria
dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud uma proposta valiosa, uma “mola” na
transformação educacional, que será mais bem detalhada no capítulo III. A partir
dela, o professor e os alunos poderão reconstruir o processo de aprender e ensinar.
Lembro-me dos primeiros contatos com o Ambiente Alfabetizador, baseado
na Teoria dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud, que me foi apresentado
pela professora-pesquisadora Esther Grossi. Nesse ambiente, o aluno estaria em
contato com diversos conceitos e informações. Nele, eu, agora professora-
pesquisadora alfabetizadora, preciso oferecer esse rico ambiente e, ao observá-lo
trabalhando, analisar seus erros e propor situações didáticas desafiadoras que
favoreçam o conflito cognitivo. O mais interessante nesse ambiente é a “mudança na
alma” que me ocorreu. Se antes não ouvia o aluno, acreditando que minha função
de ensinar não permitia perder tempo com isso, agora com o Ambiente Alfabetizador
precisava criar situações-problema e permitir que o aluno aja sobra ela. Lembro a
pesquisadora Emília Ferreiro, que levanta a seguinte questão no livro Com todas as
letras (1999, p.50): “O que acontece se incluirmos as crianças como agentes
capacitadores do professor? ” Isso ocorreu comigo como alfabetizadora, tive meus
alunos agindo sobre mim. Precisei “fazer diferente”, embasada nos meus estudos e
leituras, pois fui fortemente desestabilizada pelos meus alunos: crianças e adultos.
9 Jornal O Estado de São Paulo, 05/12/01.
29
Comecei a perceber a importância de rever velhos princípios didáticos e construir
uma postura inovadora, embasada nas diversas pesquisas citadas neste trabalho.
Tenho consciência de que apesar das muitas mudanças ocorridas na minha prática
pedagógica, muitas ainda precisam acontecer. Percebo, cada vez mais, a
importância de estar ousando, para estar me aperfeiçoando como professora-
pesquisadora. Por isso passei a acreditar na possibilidade de o Ambiente
Alfabetizador acontecer não só na alfabetização, mas também em ciências, em
geografia, em história, no ensino médio, no ensino superior e muitos outros.
Como não posso “abraçar o mundo com as mãos”, venho nesta pesquisa
apresentar o Ambiente Matematizador, embasado na Teoria dos Campos
Conceituais de Gerard Vergnaud. Espero com ele, em parceria com a professora-
pesquisadora e os alunos, construir um ambiente rico em informações matemáticas
não só cognitivas, mas também sociais e culturais. A professora-pesquisadora e os
alunos deverão vivenciar situações diversas, em que seja possível verificar e
confrontar as diferentes estratégias de resolução de um problema matemático.
Essas situações devem favorecer a construção de uma professora-pesquisadora,
que revendo suas posturas, planeje atividades que levem os alunos a aprender mais
e melhor!
Em minhas diversas leituras, encontrei uma referência feita ao Ambiente
Matematizador pela pedagoga da CAP/UERJ, Olga Guimarães Germano, em
publicação feita pelo MEC (SALTO PARA O FUTURO, 1999, p.213). De acordo com
ela, seria um ambiente muito parecido com o proposto por mim nesta pesquisa, mas
diferenciado pela minha opção em embasá-lo, teoricamente, na Teoria dos Campos
Conceituais de Vergnaud.
30
Capitulo II: O PROJETO DE PESQUISA
Transpor a Teoria dos Campos Conceituais para a sala de aula se tornou um
desafio. Minha experiência inicial com essa teoria, a partir do Ambiente Alfabetizador
(relatado no início deste trabalho), trouxe-me a vislumbração dos ganhos didático-
pedagógicos possíveis nas aprendizagens matemáticas. Surgiu, desse modo, a ideia
do Ambiente Matematizador, ideia não tão original, mas carente de observação,
análise e reflexões mais sistemáticas. Apresento, assim, as questões de pesquisa
presentes neste projeto.
1. Perguntas de pesquisa
É possível construir um Ambiente Matematizador em sala de aula, nos
fundamentos da Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud?
Que vantagens e dificuldades são encontradas pela professora-
pesquisadora na construção do Ambiente Matematizador?
Como a professora-pesquisadora se relaciona com a proposta do Ambiente
Matematizador ?
Que mudanças podem ocorrer na postura pedagógica da professora-
pesquisadora ao trabalhar com a proposta do Ambiente Matematizador?
Quais serão os papéis da professora-pesquisadora e dos alunos na
constituição do Ambiente Matematizador?
2. Objeto de pesquisa
A construção, pela professora-pesquisadora dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, de um Ambiente Matematizador, fundamentado na Teoria dos
Campos Conceituais de Vergnaud.
31
3. Objetivos
Como utilizo, nesta pesquisa, princípios de uma pesquisa-ação, estarei
subdividindo os objetivos em geral, específicos da pesquisa e específicos da
ação/intervenção.
3.1. Objetivo geral
Analisar, com uma professora-pesquisadora dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, a construção do Ambiente Matematizador embasado na Teoria dos
Campos Conceituais de Vergnaud.
3.2. Objetivos específicos da pesquisa
Analisar:
As possibilidades de construção do Ambiente Matematizador, nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, por meio da didática da Teoria dos Campos
Conceituais de Vergnaud.
Os aspectos facilitadores e dificultadores encontrados na construção do
Ambiente Matematizador.
A possível mudança de postura da professora-pesquisadora ao trabalhar no
Ambiente Matematizador baseado na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud.
3.3. Objetivos específicos da ação/intervenção
Contribuir para a melhoria dos processos de aprender e ensinar matemática
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, estudando e discutindo com a professora-
pesquisadora os princípios do Ambiente Matematizador, embasado na Teoria dos
Campos Conceituais de Vergnaud.
32
Durante a pesquisa estarei participando:
do planejamento das aulas de uma professora-pesquisadora que se propõe
a construir um Ambiente Matematizador.
da construção de um Ambiente Matematizador, em parceria com uma
professora-pesquisadora e alunos de uma turma dos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
das avaliações formativas envolvendo professora-pesquisadora, alunos e
pesquisadora-professora.
33
Capítulo III: FUNDAMENTOS TEÓRICOS
1. Teoria dos Campos Conceituais e o Ambiente Matematizador
Lendo, estudando e refletindo sobre minha prática docente e as diversas
experiências que vivenciei no meu percurso profissional, acadêmico e pessoal,
reafirmo a necessidade de profundas modificações na educação. Acredito que eu e
outros professores, ao entendermos melhor como o aluno constrói um conceito,
poderemos planejar e organizar atividades bem mais interessantes que o levem a
uma aprendizagem significativa. Uma aprendizagem significativa ultrapassa o
“saber” e modifica as estruturas internas do ser humano, interferindo na sua maneira
de resolver problemas e de ver o mundo.
Ao ler os PNC10 de matemática: primeiro e segundo ciclos (BRASIL, 1997,
p.57), é possível visualizar a reviravolta esperada nas salas de aula. Os conteúdos
são reorganizados, buscando favorecer maior relação entre eles e os conhecimentos
trazidos pelos alunos. Também é possível encontrar atividades dinâmicas (BRASIL,
1997, p.97-133), em grupo e com a utilização de materiais diversos, inclusive a
calculadora, que durante muito tempo foi proibida nas aulas e provas de matemática.
O professor também deve modificar sua postura em sala. Espera-se que ele adote
outros procedimentos, deixando de ser o “sabe-tudo”, para se tornar um
pesquisador-mediador. O professor, como mediador, deve promover situações
didáticas que levem o aluno a querer aprender e pesquisar, sistematizando os
conceitos matemáticos. O professor, como pesquisador, deve não só promover a
busca de novos conhecimentos, mas também coletar, nas diferentes respostas e
esquemas dos alunos, informações sobre como cada um vem construindo seus
conceitos, as atividades que deve propor, os grupos de trabalho que deve estimular,
adiantando, assim, aquilo que o aluno demoraria muito mais tempo para aprender
sozinho. Mais uma vez, cito Vigotski (2000, p. 117) que dizia que o “bom
aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento. ”
10 PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados pelo MEC em 1997.
34
De acordo com Vergnaud (1993, p.83):
É importante mapear a zona proximal dos conhecimentos e saberes dos professores para planejar a nossa intervenção didática que propicie as rupturas fundamentais para a sua ação de processo
aprender e ensinar dentro da sala de aula.
Não basta o professor ter conhecimento dos conteúdos a serem ensinados,
pois saber “o que ensinar” não é suficiente para ensinar a todos. O “como” e “para
quê” ensinar também devem ser buscados pelos docentes. A didática deixa de ser
uma repetição, pois passa a exigir mudanças no olhar do professor sobre seu aluno.
Essa nova forma de olhar o aluno deverá provocar reflexões e mudanças nas
posturas pedagógicas do professor que, assim como seu aluno, está envolvido em
sua própria história sociocultural.
Perrenoud (2000, p.19) nos alerta para a dificuldade em provocar mudanças
nas práticas pedagógicas dos professores. Uma didática “politicamente correta” não
é assim tão fácil de se construir.
Várias propostas didáticas surgem como “receitas” de uma boa aula, mas não
é este o objetivo deste trabalho. Não busco um guia de “como fazer”, mas sim,
novos princípios e elementos que devem estar presentes no dia-a-dia escolar. Mas
como utiliza-los? Como relaciona-los? Este será o desafio diário do trabalho
docente, envolvendo professor e alunos.
Vale ressaltar que não vejo uma aula como algo estanque, entre quatro
paredes. Na perspectiva desta pesquisa, uma aula ultrapassa a escola e busca
outros espaços (exposições, parques, passeios, etc.), favorecendo a tão sonhada
contextualização, ou seja, a relação entre o conteúdo escolar e o conteúdo real do
mundo. Quando se pensar no espaço físico da sala de aula, limitado entre quatro
paredes, esse deve favorecer muita riqueza de informações e materiais que
permitam aos alunos circularem em sala, na busca da reconstrução de seus
conceitos matemáticos. Vejo, na Teoria dos Campos Conceituais, uma forma
didática de provocar mudanças no processo de aprender e ensinar não só dos
alunos, como também dos professores. Vergnaud (1993a, p.10) nos diz que “a
Teoria dos Campos Conceituais faz parte dessa ideia de integração: é justamente
porque um conceito não se desenvolve sozinho, nem em um só tipo de situação e
que uma situação não se analisa a luz de um só conceito, nem se colhe, com ajuda
35
de um esquema único, que é preciso estudar o desenvolvimento cognitivo nos
Campos Conceituais relativamente amplos e entretanto bem identificados”, ou seja,
envolver o aluno, ativo na sua aprendizagem, dentro de um rico ambiente de
informações relacionadas a um conhecimento que se quer alcançar e que favoreça a
constante reconstrução das hipóteses em que se acredita. Assim, a Teoria dos
Campos Conceituais extrapola o espaço e tenta compreender a aprendizagem nas
mais diversas situações, buscando entender o processo da aprendizagem de acordo
com as situações que os condicionam.
De acordo com Grossi (1993. Não paginado), um Campo Conceitual seria um
espaço constituído por quatro elementos: os conceitos, as situações, os
procedimentos e as representações simbólicas. Partindo de um conjunto de
situações que levem ao domínio progressivo do conhecimento, exigindo a utilização
de uma variedade de conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas
em estreita conexão, sendo que cada um deles é permeado pelo contexto histórico-
social em que se está inserido.
Transpondo essa teoria para o ensino da matemática, aconteceriam as
construções dos conceitos matemáticos a partir das diversas reformulações das
suas hipóteses sobre certo conhecimento. Um dos princípios básicos dos Campos
Conceituais é criar variadas situações, como atividades e situações-problema,
gerando um conflito cognitivo que favoreça aos alunos construírem e reconstruírem
um conceito. Quando os alunos não dispõem das competências necessárias para
resolver problemas relacionados à certa classe de situação, eles desenvolvem
estratégias próprias, às vezes bastantes complexas, às vezes elementares, que
integrarão as mais gerais, elaboradas posteriormente. De acordo com Vergnaud
(1994, p.71), o professor, ao buscar compreender o esquema de pensamento
apresentado pelo aluno, deve considerar o contexto da situação que é apresentado.
Ao trabalhar com frações, por exemplo, e propor a divisão de uma maçã entre
algumas crianças, elas poderão não se preocupar em dividir o resto, jogando fora o
que sobrou, por não gostarem de maçã. No entanto, se ao invés da maçã, elas
tiverem de dividir um chocolate, buscarão dividir da melhor forma possível, já que
não caberá jogar fora nenhum pedaço de chocolate tão apreciado por todos os
envolvidos.
Neste contexto, vejo o Ambiente Matematizador como uma proposta que
possibilite, tanto à professora-pesquisadora quanto ao aluno, reconstruir o processo
36
de aprender e ensinar matemática. Não é uma “receita de uma boa aula”, mas sim
uma reorganização do espaço escolar que deverá favorecer a relação de vários
conceitos, verificando as estratégias que os alunos utilizam durante o processo de
resolução dos problemas para que a partir delas, a professora-pesquisadora planeje
atividades que levem os alunos-pesquisadores a sistematizar seu conhecimento.
É interessante ressaltar que uma professora-pesquisadora estará contribuindo
para a formação de alunos-pesquisadores.
Sendo assim, o Ambiente Matematizador, considerando a Teoria dos Campos
Conceituais, seria um espaço de múltiplas relações sociais, em que a matemática é
vista como uma ciência dinâmica, inacabada e relacionada a diversos
conhecimentos. De acordo com Vergnaud (1994, p.71), Campo Conceitual é um
conjunto de situações que implica esquemas, conceitos e teoremas em estreita
conexão e que serão explicitados nas representações linguísticas e simbólicas
sucessivas de serem utilizadas.
Imagino uma aula planejada, considerando o Ambiente Matematizador, como
um momento de favorecer aos alunos uma rede de conceitos matemáticos. Nessa
aula, a professora-pesquisadora se preocuparia em fazer valer os quatros elementos
do Campo Conceitual, conceitos, situações, procedimentos e representações
simbólicas, permeado pelo contexto histórico-social em que alunos e professora-
pesquisadora estão inseridos. Por exemplo, supondo que o conceito matemático
principal da aula seja o de subtração, mas os conceitos de cálculo, adição,
igualdade, contagem, conceitos de outras disciplinas, entre outros, estão sendo
constantemente abordados e questionados. Não há a preocupação com uma
organização linear do currículo ou a preocupação de que o aluno não deva fazer do
seu jeito, buscando evitar o erro. As situações didáticas propostas devem estimular o
aluno a participar das atividades, levando em consideração não só o conteúdo a ser
estudado, mas também a ideia que o aluno tem sobre ele. Os alunos têm ao seu
redor, além das atividades propostas pela professora-pesquisadora naquele dia,
uma riqueza de materiais compondo o Ambiente Matematizador, permitindo que
pensem e construam seus próprios esquemas de resolução do problema, que
deverão ser acolhidos e confrontados pelos colegas e professora-pesquisadora. O
procedimento didático apresentado pela professora-pesquisadora deve levar o aluno
ao conflito cognitivo, estimulando a pesquisa e a descoberta. Finalmente,
professora-pesquisadora e alunos devem analisar as diferentes representações
37
simbólicas presentes no desenrolar da aula, que devem sofrer constantes
reformulações entre o que se sabia e o que se aprendeu. O conceito de subtração
trabalhado nessas aulas, como conceito principal, continuaria presente em outros
conteúdos matemáticos, sendo utilizado em outros momentos formais e informais,
buscando sempre a relação entre os diversos conceitos.
Outro ponto importante, a ser lembrado no Ambiente Matematizador, é a
autoestima, ponto chave para a participação de todos nas atividades. O aluno deve
acreditar que sua hipótese sobre determinado conceito será devidamente acolhida,
questionada e incrementada, favorecendo a sistematização do conhecimento.
Esse ambiente deve provocar a reflexão e o raciocínio lógico, propiciando a
construção e reconstrução de conhecimentos, levando o aluno a levantar hipóteses,
elaborar estratégias e explicar, oralmente ou por escrito, os caminhos que percorreu
(metacognição), confrontá-las e retomá-las. O processo da “explicação” implica um
posicionamento epistemológico diferente em relação ao objeto do conhecimento,
numa relação mais profunda e clara, requerendo uma tomada de consciência dos
procedimentos que nem sempre estão presentes no “fazer”. Portanto, o “fazer” e o
“falar sobre o fazer” têm estatutos psicológicos diferentes. A explicação e a produção
escrita dizem respeito ao “falar sobre o fazer” que deve estar ricamente presente no
Ambiente Matematizador. O aluno é visto como um sujeito histórico-social, composto
pelo sujeito cognitivo (que aprende), sujeito epistêmico (aprende várias coisas) e
sujeito didático (aprende em sala de aula). Neste ponto, vale ressaltar a importância
de provocar a reflexão, favorecendo o processo metacognitivo, fundamental para o
aprender e ensinar. De acordo com Golbert (2002, p.43),
A reflexão é um processo metacognitivo e, como tal, se refere tanto a uma consciência dos próprios processos cognitivos quanto ao controle ou regulação desses processos. Isto é de fundamental relevância, pois controle ou regulação dos processos cognitivos são cruciais na resolução de problemas, nos quais é indispensável o controle consciente dos procedimentos empregados.
Quando professora-pesquisadora e alunos trabalham em um Ambiente
Matematizador, é possível que tenham dificuldades em estabelecer os papéis de
cada um. Buscar uma forma de discutir as questões, explícitas e implícitas,
presentes no dia-a-dia da sala de aula também é um desafio, sendo sugerido o
contrato didático, apresentado por Brousseau e abordado por Pais (PAIS, 2001,
p.77)
38
O contrato didático diz respeito às obrigações mais imediatas e recíprocas que se estabelecem entre professor e alunos. Por certo, as ramificações dessas obrigações se estendem e se multiplicam para fora do espaço físico da sala de aula, revelando a multiplicidade de influências inerentes ao contexto escolar. Uma das características do contrato didático é o fato de suas regras nem sempre estarem explicitadas claramente na relação pedagógica.
Desta forma, o contrato didático aconteceria no Ambiente Matematizador,
como forma de favorecer a participação dos envolvidos no contexto escolar e
explicitar o que se espera de cada um: inicialmente, professora-pesquisadora e
alunos, podendo se estender para outros segmentos (como direção, coordenação,
pais etc.).
Sua importância é destacada por Nunes (1994, p.3) que afirma:
A necessidade de se considerar explicitamente o contrato didático, que resulta de tais representações dentro do sistema educacional atual, e de alterar esse contrato, são o foco de investigação e alvo de mudança em muitos dos esforços relacionados a propostas para a melhoria do ensino. É necessário alterar esse contrato implícito entre os alunos e professores, para que os alunos participem do processo de solução de problemas em Matemática de uma maneira que permita recriar a noção de uma comunidade que examina a validade dos conceitos científicos.
As experiências pessoais que venho tendo com o contrato didático, tanto na
Educação Infantil como no Ensino Superior, vêm reafirmando sua importância. Ele
realmente pode rediscutir os papéis e as expectativas de cada um dos envolvidos no
contexto escolar.
Partindo do contrato didático, no Ambiente Matematizador tanto os alunos
como a professora-pesquisadora participarão de sua construção, garantindo não só
o envolvimento e comprometimento, mas também a presença sociocultural de cada
um deles. Sendo assim, o ambiente será sempre único (de cada sala de aula) e
autêntico dentro de cada contexto escolar e será composto de muito material
concreto (canudos, elásticos, QVL, material dourado11, outros), de diferentes
utilizações de números (tabelas, gráficos, jornais, propagandas, embalagens,
11 Material Dourado foi criado pela médica italiana Maria Montessori (1870-1952) sendo amplamente utilizado nas escolas brasileiras. Ele é constituído de peças de borracha ou madeira em quatro tipos: cubo, placa, barra e cubinho. Ele permite que os alunos façam correspondência entre essas peças e o sistema de numeração decimal (unidade, centena, dezena e milhar).
39
endereços, etc.), de atividades de lógica, situações-problema e, principalmente, de
jogos que envolvam conceitos matemáticos (Apêndice A).
Os alunos serão organizados em grupos áulicos (será mais bem detalhado no
capítulo V, item 2.4.2), com 4 ou 5 alunos, que terão a função primordial de integrar
os alunos, estimular o confronto de ideias e favorecer as trocas das estratégias por
eles utilizadas nas resoluções das situações. Esses grupos serão formados através
de uma eleição entre os alunos, estabelecendo o líder e os outros componentes.
Depois de constituídos, deverão ser mapeados e registrados, com um prazo a
permanecer na mesma formação. Durante o período em que estejam trabalhando
juntos, os confrontos que, por ventura, surgirem deverão ser discutidos e resolvidos,
buscando não “desmanchar” o grupo antes do prazo estabelecido. Promover a
conversa e a resolução de problemas-reais, presentes na relação aluno-aluno, em
muito vai ajudar na formação de laços tão importantes em um ambiente que busca a
verdadeira e prazerosa aprendizagem. O líder do grupo terá como função principal
favorecer a harmonia e estimular a participação de todos nos trabalhos propostos. A
professora-pesquisadora precisa ver nos grupos áulicos um forte aliado para
resolver os diversos entraves do dia-a-dia escolar, como deveres de casa,
organização dos materiais, envolvimento de todos nas atividades propostas, etc.
A professora-pesquisadora tem o papel de mediar o conteúdo matemático
com o conhecimento dos alunos. Para realizá-lo, utilizará atividades matemáticas
didaticamente planejadas que avaliem, desafiem e estimulem o aprender,
amparando e valorizando os diversos raciocínios.
É importante, também, esclarecer o que seriam atividades matemáticas, já
que o aparecimento de aspectos quantitativos nas situações não significa
necessariamente situações de ensino matemático. De acordo com Grossi (1993b.
Não paginado):
Atividade didática digna do adjetivo matemática é aquela em que o aluno é desafiado a ampliar seu universo de conhecimento sobre esta disciplina. Além disso, ampliar conhecimentos não é memorizar informações. É, isto sim, ampliar sua capacidade de estabelecer relações entre os diversos elementos que interferem neste campo de aprendizagem.
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2. Avaliação no Ambiente Matematizador
Sendo a avaliação um tema sempre atual e de grande importância em
qualquer processo de aprender e ensinar, diversas considerações sobre “como” e
“para quê” avaliar vêm sendo discutidas. Não pretendo definir os vários tipos de
avaliação, mas acredito na sua importância no Ambiente Matematizador, “como um
meio e não um fim, com o objetivo de melhorar e regular progressivamente os
processos e os produtos do ensino e da aprendizagem” (MONTEIRO, 1996, p.12).
Por meio da avaliação, deverá ser possível observar e registrar as dificuldades e
aprendizagens ocorridas e ela poderá acontecer de forma informal, durante as
brincadeiras, jogos e conversas das crianças ou de forma formal, em atividades orais
ou escritas.
A avaliação poderá ser de diversos tipos:
Registros simples, que poderão ser escritos ou desenhados, acontecendo ao
final de cada aula, levando aluno e professora-pesquisadora a registrar as atividades
feitas e os conhecimentos adquiridos. Poderá acontecer na sala de aula,
individualmente ou em grupo;
Atividades didaticamente planejadas, individualmente ou em grupo, com ou sem
ajuda da professora-pesquisadora, buscando perceber os possíveis avanços nas
hipóteses dos alunos.
Durante jogos livres, possibilitando observar os argumentos e procedimentos dos
alunos.
É importante destacar que a avaliação é vista como parte do processo de
aprender e ensinar, ou seja, a atividade avaliativa, quando planejada para esse fim,
deve favorecer ao aluno a apropriação do conhecimento adquirido por ele. Ele deve
continuar aprendendo, inclusive quando avaliado.
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3. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN12 de matemática e o
Ambiente Matematizador
Os PCN foram lançados em todo Brasil pelo MEC, em meio a muita
discussão. Muitos educadores e pesquisadores alegavam se tratar de uma proposta
muito inovadora, considerando que havia na época um número expressivo de
professores leigos, ou seja, que apresentavam uma formação profissional muito
deficiente. Acredito que os PCN de matemática foram um passo positivo na proposta
de mudança educacional, apesar das diversas críticas que recebeu e recebe. A
partir deles, tornou-se legal (apoio do MEC e Secretaria de Educação) a busca de
um fazer diferente em sala de aula. Aquele professor-pesquisador, que antes fazia
diferente e precisava reafirmar a todo o momento a necessidade de tais mudanças,
encontrou nos PCN de matemática (BRASIL, 1997) um forte aliado que o legitimava
a continuar inovando.
Em 1999, ano em que os PCN (BRASIL, 1997) chegaram a Escola Classe
312 Norte, eu fazia parte da direção, como coordenadora pedagógica. Nas
coordenações com o grupo de professores, estudávamos, discutíamos e eu os
incentivava a inovar e dinamizar as aulas. No caso da matemática, foi proposta a
utilização de calculadora, tabelas, gráficos, mapa, passeios, visita a museus,
trabalhos com obras de arte, etc, mesmo com as crianças que ainda não sabiam ler.
Alguns pais e professores reagiram e argumentaram que tudo isso não tinha
respaldo teórico, que as crianças estavam sendo “cobaias”. Não adiantava, nem
mesmo, mostrar as recentes pesquisas na área. O que realmente fez diferença foi
mostrar a posição do MEC, editada e divulgada para todo o Brasil.
A Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud, que já fazia parte de nosso
estudo na escola, foi logo identificada na leitura dos PCN. Essa teoria, conforme
confirma Magina (2001, p.4), é uma das principais bases em que se apoiam os PCN
de matemática.
É possível encontrar, nos PCN de matemática: primeiro e segundo ciclos do
Ensino Fundamental (BRASIL, 1997, p.54) e na Teoria dos Campos Conceituais, a
preocupação de o professor perceber a relação entre os conceitos, mesmo em se
tratando de conceitos considerados simples. De acordo com Magina (2000, p.9),
12 PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados pelo MEC em 1997.
42
“nem um só conceito, nem uma situação isolada, dá conta do processo de aquisição
de um conhecimento”.
Considerando a preocupação de organizar os conteúdos matemáticos de
forma que se relacionem entre si, os PCN de matemática propõem quatro blocos de
conteúdo: números e operações (no campo da aritmética e da álgebra); espaço e
forma (no campo da geometria); grandezas e medidas (permitindo interligar
aritmética, álgebra e geometria); e tratamento de informações (dados estatísticos,
tabelas e gráficos, probabilidade e combinatória). Essa divisão é interessante, pois
com ela é possível abandonar a organização linear e fragmentada tão presente nos
currículos escolares e na maioria dos livros didáticos.
Destaco, abaixo, outras influências que os PCN de matemática: primeiro e
segundo ciclos do Ensino Fundamental (BRASIL, 1997), receberam da Teoria dos
Campos Conceituais de Vergnaud, legitimando, assim, a proposta do Ambiente
Matematizador proposto nesta pesquisa:
1. Propõe como recurso para uma aula inovadora, o uso de resoluções de
problemas, em que considera como “um problema matemático uma situação
que demanda a realização de uma sequência de ações ou operações para
obter um resultado. Ou seja, a solução não está disponível de início, no
entanto é possível construí-la” (p.44). Destaco não só a necessidade de uma
situação interessante ao aluno, como também um ambiente que permita a
busca/pesquisa da resposta, ou seja, o Ambiente Matematizador que, com
sua riqueza de recursos e relações, poderá favorecer ao aluno encontrar a(s)
resposta(s) do problema.
2. Propõe uma ruptura com a lógica linear dos conteúdos (p.57), buscando
favorecer a real relação entre os conceitos, que não podem e não devem ser
fragmentados.
3. Estimula o uso de jogos e recursos tecnológicos (p.46-47) nas aulas de
matemática.
4. Destaca a importância do trabalho em grupo, afirmando que muitas
“aprendizagens só serão possíveis na medida em que o professor
proporcionar uma ambiente de trabalho que estimule o aluno a criar,
comparar, discutir, rever, perguntar e ampliar as ideias” (p. 41).
43
5. Vê o erro do aluno como um aliado que, fazendo parte do processo de
aprender e ensinar, deve favorecer um replanejamento das atividades
propostas (p.45-59).
6. E, finalmente, propõe uma avaliação baseada em diferentes instrumentos que
possibilite o mapeamento do desenvolvimento das atitudes, estratégias e
conceitos (p.58-59).
4. Representando o Ambiente Matematizador
Transpor para a sala de aula uma teoria é um desafio. Nunca é, e nem pode
ser, uma transferência linear. A transposição implica mudanças, criação, adequação,
reflexões e críticas. O presente trabalho propõe-se a operar essa transposição a
partir da construção do Ambiente Matematizador e na tentativa de favorecer uma
visualização de como a Teoria dos Campos Conceituais estaria presente no
Ambiente Matematizador. Apresento, a seguir, um quadro-síntese da proposta desta
pesquisa. Gostaria de destacar os limites de tal quadro, pois tanto a teoria como o
ambiente proposto apresentam grande complexidade.
É importante ressaltar que o ambiente proposto é muito mais que um
laboratório matemático. O Ambiente Matematizador está envolvido por questões
sociais, emocionais, culturais e, como não poderia deixar de ser, didáticas, enquanto
um laboratório de matemática se resume ao aspecto físico, recursos que
possibilitaram ao professor representar um conceito, mas não necessariamente
rever seus princípios e posturas.
44
SÍNTESE REPRESENTATIVA DO AMBIENTE MATEMATIZADOR
Acreditando que a didática é uma provocação.
Algumas considerações: Conceitos, situações, procedimentos e representações
simbólicas são elementos, em estreita conexão, que compõem a Teoria dos Campos
Conceituais e estão presentes no Ambiente Matematizador. Existem, entre eles, as
relações que o sujeito estabelece entre os diversos aspectos e problemas e as
relações entre significados e significantes presentes no quotidiano (KOCH, 1993,
p.77). Eles têm a intervenção do contexto histórico-social em que estão inseridos o
professor-pesquisador e o aluno.
TEORIA AMBIENTE MATEMATIZADOR
DESAFIO METODOLÓGICO
CONCEITOS:
Não funcionam isoladamente, mas sim vinculados uns aos outros. Os conceitos guiam e são resultados da resolução de problema. É uma Tríade entre:
Conjuntos de situações que dão sentido ao conceito
Conjuntos de invariantes operatórias associadas ao conceito e teoremas
Conjuntos de significantes que podem representar os conceitos e as situações que permitam aprendê-las. (símbolos utilizados para sua representação )
CONTEÚDOS MATEMÁTICOS que, nos PCN, são organizados em 4 blocos: números e operações; espaços e formas; grandezas e medidas; e tratamento de informação.
Propor situações-problema sem a preocupação linear dos conteúdos.
Desenvolver estratégias que permitam ao aluno trabalhar com situações-problema com seus próprios esquemas e/ou hipóteses.
Sistematizar o conteúdo matemático (ex. algoritmo da subtração), respeitando o esquema utilizado pelo aluno.
45
TEORIA AMBIENTE MATEMATIZADOR
DESAFIO METODOLÓGICO
SITUAÇÕES: (cotidiano,
didática) Compostas de várias atividades cognitivas que vêm dar significado ao conceito.
Vivenciadas pelo aluno em diferentes ambientes e transpostas para sala de aula pelo professor e alunos.
Devem ser oferecidas pelo professor ao aluno, devendo partir do próprio aluno.
Uma forma de mediação entre a hipótese do aluno e o conceito que se quer aprofundar.
ATIVIDADES DIDÁTICAS, considerando a organização dos alunos na sala de aula:
Individuais que favoreçam a reflexão e re-construção de um conceito (conflito cognitivo).
Em grupo que favoreçam a troca entre os pares como estratégia didática para gerar conflito ou esclarecer esquemas.
Desenvolver atividades cognitivas que favoreçam o conflito cognitivo e anteceda aquilo que o aluno poderia demorar muito tempo para aprender sozinho.
Que ocorram além das atividades estruturadas dentro da sala de aula, como exposições, cinemas, passeios, etc.
Envolver alunos e pais nessas atividades, percebendo a riqueza das mesmas.
Avaliativas (orais ou escritas) que permitam ao professor diagnosticar a hipótese do aluno e planejar intervenções e mediações.
Auto-avaliação, englobando aspectos sociais e cognitivos do aluno e professor
Enxergar no erro do aluno o progresso em relação a sua hipótese anterior e verificar o que está faltando construir.
Identificar a hipótese do aluno.
Levar o aluno à ação reflexiva de suas ações e aprendizagens.
Organização dos recursos materiais na sala de aula:
Muito material concreto à disposição do aluno: material de contagem, medida, probabilidade, geometria, uso da tecnologia, etc.
Jogos e desafios que estimulem o raciocínio matemático.
Envolver os alunos na construção deste ambiente, permitindo que eles tragam de casa materiais diversos, jogos, revistas, livros, etc e utilizem nos momentos que acharem necessário, respeitando o contrato didático estabelecido.
46
TEORIA AMBIENTE MATEMATIZADOR
DESAFIO METODOLÓGICO
PROCEDIMENTOS:
o agir do professor e do aluno
OBSERVAÇÃO e INTERVENÇÃO que: acolham o aluno e desestabilizem-no, de acordo com sua Zona de Desenvolvimento Proximal, “aquela onde há chance de se trabalhar com alguma eficácia” (Vergnaud, 1993, p.77).
Trabalhem a auto-estima do aluno para que ele tenha coragem de responder e mostrar sua hipótese no momento.
Identificar a hipótese do aluno e desenvolver atividades cognitivas e/ou situações que levem o aluno ao conflito cognitivo, favorecendo “rupturas” importantes para a construção do conceito.
Provocar “apressando” o desenvolvimento cognitivo do aluno.
Durante uma situação questionar o obstáculo epistemológico, ou seja, colocar em xeque o conceito que não permite ao aluno e/ou professor sair de uma determinada hipótese.
Reconhecer o obstáculo epistemológico e conseguir agir sobre ele.
Contrato didático, entre professor-aluno-conhecimento deve favorecer:
* Alunos e professor pesquisador. * Discutir os conhecimentos. * Compartilhar objetivos. * Estimular desafios. * Acolher e romper nas mediações. * Respeitar as diferenças, favorecendo a crítica e autonomia. * Renegociá-lo constantemente.
Buscar explicitar o que está implícito no dia-a-dia da sala de aula
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TEORIA AMBIENTE MATEMATIZADOR
DESAFIO METODOLÓGICO
REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS:
Registrar e demonstrar o esquema mental utilizado na resolução de uma situação-problema.
REGISTRO DO CONHECIMENTO: Oralmente:
Informar o resultado final, fazendo um relato oral do esquema utilizado para a situação-problema apresentada.
Organizar para que todos falem e ouçam os colegas, favorecendo o conflito cognitivo e a re-construção do conceito.
Por escrito:
Representar a resposta e o esquema utilizados, através da escrita, com desenhos, esquemas, gráficos, letras, números, etc.
Organizar um portifólio com as atividades feitas pelos alunos em sala.
Analisar e tentar questionar a representação apresentada individualmente ou no grupo.
Corporal:
Representação através de material concreto, utilizando, inclusive, os dedos.
Observar os diferentes procedimentos utilizados nas situações.
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Capítulo IV: ASPECTOS METODOLÓGICOS
Definir a metodologia de uma pesquisa, pode se dizer que significa definir o
caminho a ser percorrido. A escolha desse “caminho” deve considerar o objeto a ser
pesquisado, assim como os objetivos e instrumentos da pesquisa. Neste capítulo,
apresentarei os aspectos metodológicos, os atores, o local e as circunstâncias que
ocorreram.
1. Buscando a pesquisa-ação
Minha volta aos estudos dentro da academia aconteceu depois de um longo
tempo, conforme relato apresentado. Durante esse tempo, minha prática docente me
colocava novos desafios que me levavam a buscar mais leituras e aprendizagens.
Pude perceber que, em diversos momentos, a teoria se afasta da prática, quando
essas deveriam ser como corpo e alma, ou seja, seria impossível separá-las e falar
de uma sem falar da outra. Voltar para a universidade, agora como pesquisadora-
professora, exigia de mim um olhar diferente. Não queria chegar e desenvolver a
pesquisa sozinha. Queria uma pesquisa que fizesse parte do dia-a-dia dos
envolvidos, uma pesquisa que saísse dos muros da universidade e favorecesse uma
relação de troca entre pesquisadora e pesquisados. Sendo assim, busquei os
princípios da pesquisa-ação, pois ela em seu procedimento metodológico apresenta
tais características. De acordo com André (1995, p.32), a pesquisa-ação:
Envolve o estabelecimento em uma série de ações que devem ser planejadas e executadas pelos participantes e devem ser sistematicamente submetidas à observação, reflexão e mudança. Apóia-se, em seus fundamentos, na teoria crítica.
Essa possibilidade de troca e crítica se encaixava no tipo de pesquisa que
buscava. Lendo Pesquisa-ação de Barbier (1996, p.34), identifiquei outros aspectos
da pesquisa-ação que me chamaram a atenção:
O problema nasce da comunidade que o define, o analisa e o resolve.
A meta da pesquisa é a transformação da realidade social e a melhoria de vida das pessoas envolvidas. Os beneficiários da pesquisa são, portanto, os próprios membros da comunidade.
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Exige a participação plena e total da comunidade durante o processo de pesquisa.
Envolve um leque de grupos de pessoas que não possuem o poder: explorados, pobres, oprimidos, marginais, etc.
Pode suscitar nos participantes uma melhor conscientização de seus próprios recursos e mobilizá-los de maneira a prepará-los para um desenvolvimento endógeno.
Trata-se de um método de pesquisa mais científico do que o tradicional, pois a participação da comunidade facilita uma análise mais precisa e mais autêntica da realidade social.
O pesquisador é aqui um participante engajado. Ele aprende durante a pesquisa. Ele milita, em vez de procurar uma postura de indiferença.
Acrescento nesta lista (BARBIER, 1996, p.81) a possibilidade de que o
pesquisador seja membro do grupo antes de começar a pesquisa e que traga daí a
historicidade de seu objeto de pesquisa. Esses aspectos foram muito importantes
para mim. Não tenho a pretensão de dizer que desenvolvi uma pesquisa-ação com
todos os seus princípios e aspectos presentes, mas foi na pesquisa-ação que mais
identifiquei este trabalho de pesquisa.
Lembro-me desde o início da pesquisa, de minha preocupação em
desenvolvê-la no mesmo espaço em que foi gerada. Ao retornar à historicidade do
objeto de pesquisa, foi possível perceber que a necessidade de pesquisar sobre a
construção de um Ambiente Matematizador surgiu com as discussões e estudos
feitos na própria escola pesquisada (apresentarei a seguir). Eu, na época,
coordenadora pedagógica, era constantemente abordada pelas professoras com
questões didático-pedagógicas do ensino de matemática. Lembro que, em nossos
diversos estudos, discutíamos sobre o currículo da matemática para cada série,
assim como atividades e situações inovadoras e interessantes. Poder fazer a
pesquisa no local em que me despertou essa angústia e contar com o grupo como
parceiro possibilitou um novo sentido para mim. A citada escola, três anos após
minha saída, ainda desenvolve um estudo sistemático sobre o ensino da
matemática, sob a orientação do Professor Cristiano Muniz (orientador desta
pesquisa).
Antes de apresentar a escola pesquisada e os participantes nela envolvidos,
gostaria de destacar a expectativa que a pesquisa-ação traz para os envolvidos,
pesquisados e pesquisador. Nela, ambos devem sofrer mudanças significativas,
possibilidade que se tornou concreta e poderá ser mais bem observada no decorrer
deste trabalho, em especial no capítulo V e nas Reflexões Finais.
50
2. Local e perfil dos atores da pesquisa
Foi definido no projeto inicial que a pesquisa seria realizada dentro de uma
sala de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental. A professora-pesquisadora
deveria ter, em sua postura pedagógica, a preocupação política de ensinar a todos e
a consciência do seu papel político-pedagógico no processo em que se encontra o
aluno. A professora-pesquisadora deveria participar de coordenações semanais,
possibilitando utilizá-las durante a pesquisa.
Considerando o perfil acima, voltei à Escola Classe 312 Norte, agora como
pesquisadora-professora e em parceria com a professora Darlene. Junto à direção
da escola, definiu-se como núcleo desta pesquisa a sala de aula da professora
Darlene que atua na 1ª série do Ensino Fundamental da Escola Classe 312 Norte,
em Brasília, Distrito Federal.
Durante a pesquisa, ficou estabelecido entre nós (professora Darlene e eu)
que ambas seriam pesquisadoras e professoras. Adotamos, então, a denominação
de professora-pesquisadora para a professora Darlene e pesquisadora-professora
para mim. Essa nomenclatura aparece diversas vezes no decorrer deste trabalho.
3. Historicidade do núcleo de pesquisa
O núcleo de pesquisa desta investigação é composto pela Escola Classe 312
Norte, pela professora Darlene e por seus alunos da 1ª série, nos anos de 2001 e
2002. Todos estão envolvidos num contexto histórico-social próprio e também na
minha própria historicidade.
A Escola Classe 312 Norte foi uma escola que me fez crescer muito
teoricamente. Na época, na função de coordenadora pedagógica, estudei e
acompanhei problemas diferentes dos que vivia em minha sala de aula. Foi nessa
função, nos diversos momentos de estudos e discussões com o grupo de
professores, que comecei a me interessar pelo ensino de matemática, discussão que
já estava presente na escola mesmo antes de minha chegada.
Havia, também, uma relação anterior com a professora Darlene que já
conhecia desde a faculdade e das assembléias de professores organizadas pelo
sindicato da categoria. Nosso reencontro na escola foi muito bom. Eu, na função de
51
coordenadora pedagógica, e ela, professora na turminha de 6 anos, conversávamos
sobre diversos assuntos, não só os problemas de sala de aula. A pesquisa nos
colocou ainda mais próximas.
As turmas de 1º série presentes nesta pesquisa normalmente são turmas de
alfabetização e também fizeram parte de minha trajetória de professora. Alfabetizar
foi uma das ótimas experiências que tive durante vários anos.
Na descrição a seguir de cada um dos integrantes da pesquisa, será possível
conhecer um pouco mais de cada um deles.
3.1. Apresentando a escola
Conforme já relatado neste trabalho, sou professora da Rede Pública do
Governo do Distrito Federal desde 1987. Em minha trajetória docente, trabalhei em
escolas públicas e particulares e atuei na Educação Infantil e nas séries iniciais do
Ensino Fundamental. Cheguei na Escola Classe 312 Norte em 1998, convidada pela
então diretora, para atuar na coordenação pedagógica. Nessa época, não pensava
em mestrado e muito menos em estudar o ensino da matemática nas séries iniciais.
A Escola Classe 312 Norte era na época uma escola referência, por
desenvolver um trabalho diferenciado. Seus alunos representavam os diferentes
níveis sociais. Havia filhos de porteiros, de domésticas, de comerciantes locais, de
médicos, de professores de outras escolas públicas e da UnB, etc. A escola contava
com uma comunidade participativa, uma Associação de Pais e Mestres - APM - bem
estruturada, um Conselho Escolar atuante e uma direção comprometida com a
educação de qualidade. Dentro desse contexto, não hesitei em matricular meu filho
na 1ª série, nessa escola. Minha filha, que estava terminando o 3º período da
Educação Infantil, foi estudar no Jardim de Infância 312 Norte. Acabei me mudando
para a quadra 312 Norte. No meu novo endereço, da janela de meu apartamento eu
via o pátio da escola.
Meus filhos permaneceram na escola até 2001, um ano após a mudança de
governo. Eu não estava mais satisfeita com os rumos educacionais tomados e os
levei para uma escola particular. Foi uma decisão sofrida, pois acredito na educação
pública como a base para uma verdadeira democracia. Adorava ver meus filhos
52
aprendendo entre as diferentes culturas e entre as diferentes relações sociais,
possibilidade muito remota dentro de uma escola particular.
Temos, no Distrito Federal, uma situação privilegiada em relação ao resto do
Brasil, conquistada após anos de luta da categoria, a chamada de carga horária
ampliada. Na carga ampliada, os professores trabalham 30 horas semanais em sala
e 10 horas semanais em coordenação. É interessante destacar que, inicialmente,
era dada a opção de escolha às escolas sobre a adoção ou não da carga ampliada.
Na prática, significava que os alunos e professores teriam 5 horas diárias de aula e
que os professores teriam mais 3 horas diárias de coordenação. Algumas escolas
não optaram pela proposta, pois nesse modelo todos os professores precisavam ter
contrato de 40 horas semanais, o que dificultava a vida dos professores que
trabalham em outros lugares. Hoje, em 2003, não existe mais a possibilidade de
opção. Agora, todas as escolas do Distrito Federal que atuam na Educação Básica
trabalham em regime de carga ampliada.
As três horas de coordenação diárias devem ser estruturadas de forma que o
professor possa estudar, planejar e atender seus alunos. Na época em que era
coordenadora da escola, eram muito valorizados os dias de estudos e de
atendimento ao aluno, prática que se modificou com o passar dos anos.
Por se tratar de uma escola pública, as questões políticas influenciam muito o
dia-a-dia escolar. A diretora que me convidou para fazer parte da coordenação havia
sido eleita pelo voto direto no governo do professor Cristovam Buarque, do Partido
dos Trabalhadores e atual Ministro da Educação no Brasil. Com a saída do
Governador Cristovam Buarque e o retorno do governador Joaquim Roriz, muita
coisa mudou. A política educacional passou a ser outra, inclusive deixando de
acontecer a eleição direta para os diretores das escolas. Outra característica do
atual Governo do Distrito Federal é o pouco estímulo dado para projetos e estudos
que poderiam acontecer dentro do ambiente escolar. Essa queixa sobre o atual
abandono das questões pedagógicas na escola será percebida em alguns
momentos da pesquisa.
No que se trata dos instrumentos de divulgação do desempenho dos alunos,
há alguns anos, as Escolas Públicas do Distrito Federal deixaram de usar pontuação
ou média para classificá-los. Atualmente, são utilizados relatórios bimestrais, nos
quais a professora escreve sobre o que foi trabalhado e sobre o desenvolvimento de
seus alunos.
53
A Escola Classe 312 Norte se localiza na Asa Norte, um bairro da classe
média do Distrito Federal. A quadra 312 norte é uma das mais antigas de Brasília,
sendo inclusive palco de movimentos culturais da cidade. Em 2002, terminou o ano
com 276 alunos e 13 professores em sala de aula. No ano de 1999, havia quase 500
alunos. No entanto, houve essa redução significativa no número de vagas a partir do
ano 2000, pois a escola tornou-se inclusiva, projeto nacional em que alunos com
necessidades especiais são incluídos nas turmas de ensino regular. Em todas as
salas, há um aluno nesta situação. Buscado um melhor acompanhamento, os
professores recebem turmas menores, de no máximo 25 alunos. Existe também uma
equipe de cinco profissionais (psicólogo, fonoaudiólogo, etc) na escola para
implementação desse projeto. Eles têm uma sala que foi carinhosamente chamada
de OPA – Orientação, Psicologia e Apoio. Esses profissionais atendem também a
outras escolas próximas, em dias previamente combinados.
A direção, no final de 2002, estava composta por uma diretora, uma vice-
diretora, um secretário, um apoio técnico-administrativo, um apoio-administrativo,
uma coordenadora pedagógica, uma professora de informática, uma professora
readaptada que atuou na biblioteca e uma psicóloga. Houve também, no ano de
2002, uma turma de aceleração13 de aprendizagem que contava com 2 professoras
e 15 alunos.
Entre os outros profissionais da escola, há os porteiros, os vigias, as
faxineiras e as merendeiras que trabalham em sistema de rodízio. Esclareço que é
servido na escola diariamente o lanche para todos os alunos, professores e
funcionários.
Trata-se de uma Escola Pública bem estruturada. Há na escola uma
biblioteca bem equipada, 12 computadores (bem antigos) que os alunos utilizam
uma vez por semana, um vídeo, duas televisões e muitos materiais didático-
pedagógicos, inclusive jogos. Os professores utilizam os recursos listados de acordo
com as atividades planejadas e podem solicitar livros e jogos para ficarem em suas
salas de aula.
13 Turmas de aceleração são formadas com alunos que estão atrasados na série em relação à sua idade. A proposta é trabalhar com esses alunos o conteúdo de forma mais abrangente, possibilitando retorná-lo ao ensino regular em uma série equivalente a sua idade. Os professores recebem orientação específica da Secretaria de Educação do GDF para desenvolver o trabalho, o que provocou um isolamento do resto da escola.
54
A escola sempre trabalhou com projetos coletivos, mas atualmente apenas
três permanecem em funcionamento: a Feira de Ciência, Tecnologia e Cultura –
FECITEC; a Festa do Livro e o Laboratório de Matemática, coordenado pelo
professor Cristiano Muniz, orientador desta pesquisa.
3.2. Apresentando a professora-pesquisadora
Conheci a professora Darlene Bento Luiz na faculdade, por volta de 1986.
Durante o curso de Pedagogia, fizemos algumas matérias juntas. Não éramos muito
próximas, fizemos algumas matérias juntas e nos encontrávamos nos corredores da
faculdade. Darlene chegou à Escola Classe 312 Norte em 1999. Eu já estava há um
ano na Coordenação Pedagógica da escola. Ao chegar, assumiu uma turma do 3º
período da Educação Infantil ou, como era chamada na época da Escola
Candanga14, turma de alunos de 6 anos da 1ª fase de formação. Apesar de ser
“nova” na escola, já estava trabalhando na Rede Pública do Governo do Distrito
Federal – GDF - desde 1986.
Darlene Bento Luiz nasceu em 18/10/66 e iniciou a docência com crianças
pequenas em 1983, em uma pequena escola particular, localizada em sua cidade
natal, Arraias - TO. Ao mudar-se para Taguatinga – DF, continuou trabalhando em
escolas particulares, até passar no concurso público para professores no DF.
Trabalhando em escolas públicas, pode desfrutar de mais autonomia e assim
desenvolver um trabalho mais gratificante, apesar das dificuldades.
A primeira escola que assumiu quando convocada pela Rede Pública do GDF
foi uma na Agrovila de São Sebastião, hoje cidade de São Sebastião - DF,
localizada próxima da Papuda, o maior presídio da região. Ela relata, com carinho,
histórias vividas na época, refletindo sobre como, apesar das dificuldades do local,
era possível perceber a solidariedade entre os professores da escola e entre os
moradores.
Darlene iniciou seus estudos em uma escola pública de Arraias. Ao chegar na
5ª série, passou a estudar no Colégio das Freiras, uma escola particular e a única na
14 Escola Candanga foi uma proposta educacional para a Rede Pública de ensino do Governo do Distrito Federal, no governo do professor Cristovam Buarque. Nesta proposta, os alunos eram divididos em 3 grandes fases, considerando dois critérios básicos e conjugados: idade e desenvolvimento global.
55
região que oferecia da 5ª série em diante. Seu 2º grau (atual Ensino Médio) foi
profissionalizante, optando pelo magistério. Continuou no Colégio das Freiras que,
no meio do curso, tornou-se público, pois o Estado o havia comprado.
Ao concluir o curso de magistério, mudou-se para Taguatinga – DF, cidade
próxima de Brasília, onde residiam seus irmãos mais velhos. Fez alguns cursinhos e
tentou o curso de Jornalismo, mas acabou passando para o curso de Pedagogia em
uma faculdade particular. Em sua análise, percebeu que aprendeu muito pouco na
faculdade e buscou sempre mais leituras indicadas por amigos e nas participações
em seminários e congressos.
Em sua trajetória profissional, deu aulas em diferentes escolas da Zona Rural
do Núcleo Bandeirante, em diferentes níveis da 1ª à 4ª série. No final de 1988 e
1989, com 22 anos, foi diretora de uma escola na Ceilândia - DF. Era uma escola
grande, com aproximadamente 2.000 alunos e 60 funcionários. Ela afirma ter sido
uma fase difícil e que só foi possível desenvolver um bom trabalho, por ela poder
contar com amigos leais, uma boa equipe de professores e funcionários. Ela se
lembra com pesar de algumas atitudes adotadas como diretora ao buscar organizar
o ambiente escolar, pois hoje percebe as quão excludentes elas foram.
Aliás, é interessante destacar a preocupação política existente em sua
postura e discurso. Ela conta que seu pai foi vereador da cidade onde nasceu pelo
partido político ligado aos militares, na época da ditadura militar no Brasil. Com
espanto afirma: “Acredite se quiser! Mas eu fiz campanha para a ARENA! Imagine
que loucura! ” Ela lembra as conversas com seu pai, que tentava lhe explicar os
perigos do comunismo. Quanto mais o pai explicava, mais ela pensava como seria
bom se desse certo!
Sua preocupação com a questão social brasileira foi aumentando à medida
que se envolvia com movimentos da igreja católica em sua cidade. Hoje, Darlene
apresenta um discurso claro e forte de convicções políticas, ideológicas, culturais e
sociológicas. Ela que teve uma infância bem modesta, com oito irmãos que usavam
o mesmo livro, hoje tem o hábito de ler jornais diários, livros de temas educacionais
e revistas alternativas, como “Caros Amigos” que apresenta uma forte conotação
política.
Durante a pesquisa, houve uma greve na Rede Pública e, na escola, apenas
ela e outra professora participaram de toda a greve. Gostaria de destacar que
durante a greve nos encontramos na casa dela. Lá, seu marido, professor na
56
Universidade de Brasília, fez questão de participar de nossa conversa, mostrando
seu apoio e indignação com a greve dos professores. Ele também estava saindo de
uma greve, de mais de um mês e encontrou na Darlene o apoio para o movimento.
Ela lembrou as diversas greves que já passou, inclusive tendo de vender bens para
pagar contas e comprar comida. Darlene ainda levantou a questão tão presente nas
reuniões de professores: por que era tão difícil parar as escolas do Plano Piloto, a
área nobre de Brasília? E relembrava o tempo da Agrovila de São Sebastião, onde a
solidariedade acompanhava as dificuldades e as escolas paravam em sua maioria.
Na escola em que atua, tentou conversar com as colegas sobre a necessidade de
apoiar o movimento, mas, apesar das colegas se mostrarem solidárias ao
movimento, não o aderiram.
Estou relatando esses pontos, pois gostaria de explicitar o que chamo de
consciência política, presente no perfil dos autores da pesquisa. Considerando o
prazo de dois anos para a pesquisa, não seria possível trabalhar todos os pontos
importantes para a construção do Ambiente Matematizador. Encontrar uma
professora disposta a ler, estudar, fazer diferente em sala e ainda por cima participar
ativamente da pesquisa não é uma tarefa possível com qualquer docente.
A Escola Classe 312 Norte já tem em sua história uma preocupação com a
formação continuada de seus professores. Quando iniciei a pesquisa de fato, alguns
professores se colocaram à disposição, mas acreditei que na professora Darlene
encontraria a parceria que procurava.
Retornando ao relato da professora Darlene, após seu período na direção da
escola e algumas especializações na área de gestão, ela resolveu iniciar o mestrado
na UnB. Iniciou, em 1992, mas não o concluiu, por problemas pessoais. Acabou
viajando para acompanhar o marido em seu doutorado na Itália, período em que
trabalhou numa ONG que busca integrar os estrangeiros nas escolas.
Voltando para o Brasil e retornando à Secretaria de Educação do DF, foi
trabalhar no Setor de Projetos Especiais, como responsável pela escolarização de
crianças e adolescentes em situação de risco psicossocial.
Darlene mostra sua insatisfação com a atual política educacional, ao reclamar
da falta de discussões pedagógicas profundas, embasadas em bons textos. Destaca
como foram bons os momentos de discussão e estudos que tivemos nesses dois
anos de pesquisa. Nem sempre eu estava fisicamente presente nesses momentos,
57
mas havia entre nós uma motivação mútua de achar respostas (e perguntas) para as
diversas situações que estávamos vivendo na sala com as crianças.
O ano de 2002 só foi concluído em 16 de janeiro de 2003, por causa da
greve. Durante o mês da reposição, a professora teve melhores condições de
atender individualmente os alunos, já que apenas 15 alunos estavam frequentando
regularmente as aulas. A professora Darlene ligou para alguns alunos, estimulando
a presença, pois eles ainda apresentavam dificuldades em alguns conteúdos. Ela
recebeu também na reposição dois alunos de outras professoras que não fizeram
greve, mas cujos alunos precisavam de reforço pedagógico.
Em 2003, a professora Darlene pretende continuar na mesma escola. Ela está
grávida de sua segunda filha que deverá nascer em maio.
Poder trabalhar com a Darlene nesses 2 anos de pesquisa foi muito
enriquecedor. Sua clareza de objetivos, sua busca por conhecimento e sua ética e
responsabilidade profissional com certeza enriqueceram muito a pesquisa.
3.3. Apresentando os alunos nos dois anos da pesquisa
Nos anos de 2001 e 2002, a professora Darlene atuou junto à turma de 1ª
série do Ensino Fundamental. Cada turma recebeu um aluno com Síndrome de
Down, como parte do Projeto de Educação Inclusiva. Esses alunos interferiram muito
pouco na pesquisa, as atividades eram propostas e eles acompanhavam dentro de
suas limitações. Gostaria de ter me atentado mais a eles, mas infelizmente não foi
possível.
Para descrever a turma, utilizarei o diagnóstico inicial feito pela professora
Darlene no início de cada ano. Esse relatório diagnóstico faz parte do diário de
classe oficial das escolas públicas do Distrito Federal.
Turma de 2001: A turma começou o ano letivo com 24 alunos, sendo que um deles (GFQ) é portador da Síndrome de Down. 90% da turma já conhece o alfabeto, faz relação letra x som e é capaz de escrever palavras de forma convencional. Todos os alunos reconhecem visualmente o próprio nome e somente dois alunos não foram capazes de escrever o próprio nome. Escrevem e fazem relação número/quantidade até dez cerca de 97% dos alunos.
58
A turma é muito participativa e falante. Às vezes é difícil conseguir a atenção de todos ao mesmo tempo. Alguns alunos têm sérios problemas de convivência e relacionamento, resolvendo muitas vezes seus conflitos com agressões verbais e físicas. No geral a turma é muito produtiva e participativa. Sem data. Turma de 2002: A turma é composta por 23 alunos, sendo um deles portador de necessidades educativas especiais (PNEE). Todos os alunos reconhecem visualmente o próprio nome e a maioria escreve o nome sem precisar de modelo. Fazem contagem oral até dez e muitos relacionam número x quantidade. A turma é participativa e frequente. Data: 06/03/02
4. A dinâmica da pesquisa
Posso dizer que a pesquisa se iniciou informalmente em fevereiro de 1998,
ano em que comecei a atuar como coordenadora pedagógica na citada escola, e
formalmente, em 06/08/01, após uma conversa com a direção da escola e com a
professora Darlene. Mostrei a ideia inicial da pesquisa, como parte de um projeto já
desenvolvido na escola sobre discussão e estudo do ensino da matemática. A partir
dessa data, busquei estar semanalmente na escola, ora somente com a professora
no horário da coordenação, ora na sala de aula com os alunos. Minha última ida à
escola em 2001 ocorreu no dia 06/12, retornando depois em 01/03/02.
Houve uma longa greve, de 45 dias, em 2002 na rede pública. Na escola
pesquisada, apenas a professora Darlene e outra professora participaram até o fim
do movimento de greve. Com isso, as aulas se estenderam no mês de janeiro de
2003. Eu estive presente na escola como pesquisadora-professora até 14/01/03,
encontrando-me depois mais algumas vezes com a professora-pesquisadora em sua
casa.
Durante a pesquisa, utilizei para registrar gravador, filmadora, máquina
fotográfica e um caderno de campo, que serão mais bem detalhados nos itens a
seguir.
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4.1. Instrumentos utilizados na pesquisa
A pesquisa aconteceu em dois tipos de momentos: um em que me encontrava
com a professora Darlene durante o horário da coordenação pedagógica e outro em
que desenvolvia a observação participativa na sala de aula. Para cada um desses
momentos, utilizei instrumentos diferentes, exceto pelo caderno de campo, comum
nos dois momentos, para o registro das observações e comentários imediatos.
4.1.1. Professora-pesquisadora e pesquisadora-professora
Os encontros entre mim e a professora Darlene foram muito proveitosos.
Normalmente chegávamos com algumas questões anotadas para serem discutidas,
mas outras acabavam surgindo durante a conversa.
Durante nossas conversas analisávamos as atividades dos alunos,
percebendo as dificuldades e os progressos. Discutíamos, também, sobre o
planejamento para o dia da minha próxima entrada na sala ou elaborávamos
atividades que poderiam ser desenvolvidas no decorrer da semana. Algumas vezes,
levei para casa algumas tarefas como: riscar uma tabela ou gráfico em cartolina;
fazer uma pesquisa sobre um assunto levantado pelos alunos; organizar jogos e
fichinhas; etc. Como dizia a professora Darlene: “Não sou nem doida de recusar sua
ajuda, eu só agradeço!”
Foram 14 encontros em cada ano da pesquisa. Alguns duraram menos de
meia hora e outros, uma tarde inteira. Em dois encontros em 2002, participaram o
professor Cristiano Muniz e a pesquisadora Sueli Freitas. Por vezes chegava à
escola e a professora-pesquisadora estava envolvida em alguma festa ou reunião, o
que tumultuava um pouco nossa conversa. Contudo, no geral, fui muito bem
recebida, não só por ela, como por todo o grupo. Lembro no dia 15/05/02 o seguinte
diálogo entre mim e a professora Darlene:
Darlene: Outro dia a professora X (uma professora da escola) estava reclamando que ninguém faz pesquisa na sala dela. Acho que ela pensa que vocês (Sueli e eu) estão na sala dando aula no meu lugar. Nina: Mal sabe ela que nos só trazemos problemas... Darlene: (risos) Eu estou lá “ralando para caramba” e pelo o que ela
falou, acho que pensa que é igual estagiária. A gente fica sentada vendo a aula rolar. Eu falei para ela: “Quem dera, minha filha! ”
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Nina: Mal sabe ela, a gente só fica criticando! Palpitando!
A escola, por ser próxima à UnB e ter uma tradição de inovadora, recebe
muitas estagiárias em fim de curso e, nos últimos 4 anos, foi o foco de 2 outras
pesquisas de mestrados, além desta e a da Sueli Freitas. Por isso esse comentário
da outra professora, reclamando por não haver ninguém pesquisando na sala dela.
Durante nossas conversas, levava sempre um caderno de campo no qual
anotava o roteiro de nossas conversas e diversas observações e questões que
surgiam.
Algumas de nossas conversas foram gravadas e depois transcritas para
análise.
Foi realizada uma entrevista aberta no início e na conclusão da pesquisa com
o seguinte roteiro:
1. O que é matemática?
2. Como se ensina matemática?
3. Qual a função do grupo nas aprendizagens matemáticas?
4. É possível trabalhar a lógica do processo do aluno com a lógica do conteúdo?
Por quê?
5. Aprendemos uma coisa de cada vez? De forma linear e organizada?
6. Nas aulas de matemáticas são utilizados materiais de contagem,
calculadoras, jornais e outros?
7. Todos os alunos precisam estar necessariamente fazendo a mesma
atividade, ao mesmo tempo?
8. Os jogos são para aprender, fixar o conteúdo ou passar o tempo?
9. O dever de casa é importante? Para quê? Que tipo de dever é utilizado?
10. Nos passeios e atividades fora de sala é possível aprender matemática?
Como é possível trabalhar esses momentos?
11. O que é certo e errado nas provas de matemática? Já pensou em fazer
diferente? Como?
12. O que é importante o seu aluno saber em matemática? Por quê?
13. Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
PERGUNTA PRESENTE NA ENTREVISTA FINAL:
14. O que mudou durante a pesquisa?
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Comparando a entrevista inicial com a final, foi possível identificar as
mudanças ocorridas na professora Darlene durante a pesquisa. Hoje percebo que
teria sido interessante se tivesse feito uma entrevista também com os alunos e
comigo, pois seria possível observar as mudanças ocorridas nos outros participantes
da pesquisa.
4.1.2. Professora-pesquisadora e seus alunos
Esses momentos que passei na sala com os alunos e a professora-
pesquisadora foram muito interessantes. Pude observar uma riqueza de detalhes
não percebidos quando se está no “comando” da sala de aula. Achei muito
confortável a posição de pesquisadora. Em alguns momentos, ficava no canto da
sala só observando, enquanto em outros, participava ativamente. Nos momentos em
que participava ativamente, minhas anotações ficavam prejudicadas. Pode-se
inclusive dizer que essa é uma das dificuldades em se optar pelos princípios da
pesquisa-ação.
No ano de 2001, tive 13 momentos com a turma e no ano de 2002, somente
4. Aos poucos fui me voltando mais para a professora Darlene, registrando suas
falas e suas angústias.
Nos momentos em que estava na sala de aula com os alunos, não utilizei o
gravador e sim uma filmadora. Filmei as aulas dos dias 18/10/01, 01/11/01, 29/11/01
e 08/05/02. Ao transcrever e analisar as fitas de vídeo, pude observar melhor as
diversas falas e atitudes presentes no dia-a-dia da sala de aula. Acredito que nas
aulas que filmei consegui perceber muito mais do que naquelas que somente
anotava no caderno de campo.
Também tirei várias fotos da escola, da sala e dos alunos trabalhando, que
serão apresentadas no decorrer deste trabalho.
Fui tratada com muito carinho e curiosidade pelas duas turmas. Na primeira
vez que cheguei à sala (tanto em 2001, como em 2002), a professora Darlene
estimulou os alunos a fazer uma rápida entrevista comigo, analisando se seria uma
boa ideia eu fazer a pesquisa na sala deles. Fui “aprovada” nas duas entrevistas!
62
4.2. Organização dos dados para análise e discussão
Um dos desafios de se trabalhar com os princípios da pesquisa-ação
encontra-se na análise dos dados. Há duas situações que merecem destaque: uma
em que a riqueza de informações coletadas pode distanciar a análise do objeto da
pesquisa; e outra que, nos momentos de participação ativa nas atividades, prejudica
as anotações detalhadas que terminam por apoiar-se nas gravações e nas
conversas com a professora-pesquisadora.
4.2.1. Fichas de pesquisa para análise dos dados
Buscando uma forma de favorecer a análise dos dados coletados pela
professora-pesquisadora e pela pesquisadora-professora, foram utilizados três tipos
de fichas (Apêndice B), preenchidas a partir das anotações do caderno de campo ou
das gravações (gravador ou vídeo) durante a pesquisa. Foi um “vai-e-volta” das
diversas questões. Apesar de não se definir quem preencheria o quê, as fichas
foram preenchidas por mim, pesquisadora-professora, e depois lidas pela
professora-pesquisadora nos nossos encontros ou individualmente. Em ambos os
casos, a professora Darlene fazia suas anotações, sugestões e críticas, que foram
devidamente lidas e consideradas.
A ficha 1, chamada de Ficha Preliminar, foi utilizada nos momentos que
antecederam a definição da pesquisa como local, turma e outros.
A ficha 2, Ficha de discussão e planejamento, foi utilizada nos encontros entre
pesquisadora-professora e professora-pesquisadora.
A ficha 3 foi chamada de Ficha das atividades desenvolvidas e utilizada no
momento em que professora-pesquisadora, alunos e pesquisadora-professora
estavam juntos em alguma atividade.
A organização das fichas teve como base a sequência de datas. Sendo
assim, as fichas foram organizadas e numeradas pela ordem cronológica. Para
visualizar o número de fichas de cada tipo, utilizei também uma numeração paralela
para cada um deles.
63
No final da pesquisa, foram preenchidas 48 fichas, sendo 3 Fichas
Preliminares, 28 Fichas de discussão e planejamento e 17 Fichas das atividades
desenvolvidas.
Acredito que essas fichas conseguiram alcançar seus objetivos, facilitando a
análise e o diálogo entre nós (professora Darlene e eu) e permitindo, inclusive,
algumas intervenções do professor orientador desta pesquisa.
4.3. Representação do plano de ação metodológico
O movimento esperado para uma pesquisa que considera os princípios da
pesquisa-ação é o movimento em progressão espiral. De acordo com Barbier (1996),
a discussão, a reflexão e a avaliação realizam-se durante o processo e cada
momento volta-se para uma nova ação, que é produzida por esse movimento e
também produtora dele.
Sendo assim, apresento o seguinte esquema que, apesar de não apresentar
a forma de espiral, mantém o princípio básico do ciclo permanente de ação-registro-
reflexão-socialização-ação.
PROFESSORA-PESQUISADORA, ALUNOS E PESQUISADORA-PROFESSORA ...
Estudo e transposição da Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud
Construção e descoberta do Ambiente Matematizador
DISCUSSÃO E ESTUDOS
PLANEJAMENTO SALA DE AULA
REGISTRO
E ANÁLISE
64
5. Um olhar preliminar sobre os dois anos de pesquisa
Os dois anos pesquisados tiveram algumas características comuns e outras
bem distintas. Em comum, há o fato de ambos os anos serem na mesma escola,
com a mesma professora-pesquisadora, atuando na 1ª série do Ensino
Fundamental. Nos dois anos, encontrei uma ótima receptividade por parte da
professora-pesquisadora, dos alunos e dos outros profissionais da escola.
Como distinção entre os dois anos de pesquisa, gostaria de relatar a
preocupação presente no ano de 2001 em estabelecer os passos para se montar o
Ambiente Matematizador. Em nosso primeiro encontro no dia 15/08/01, planejamos
um bilhete que seria entregue aos alunos para que eles trouxessem para a sala
materiais para a montagem do Ambiente Matematizador. No dia combinado, apenas
dois alunos trouxeram alguma coisa. Uma aluna trouxe um vasinho de flores que de
acordo com ela servia para contar. O outro aluno trouxe um saquinho cheio de
pedras, que representavam as pedras da história que a professora havia contando
sobre o início dos números, essa situação será melhor detalhada no capítulo V, item
2.1.2. Apesar de inicialmente a participação dos alunos ter sido pequena, demos
continuidade ao planejamento, apresentando outros materiais e jogos que havíamos
trazido. Depois da apresentação, discutimos algumas regras como a importância de
guardar o material utilizado, não misturar as peças, etc. Essas regras foram escritas
e fixadas no mural da sala, mas, infelizmente, foram pouco seguidas. Os alunos,
bem ansiosos para brincar, estavam organizados em grupos áulicos (capítulo V, item
2.4.2) e escolheram o que queriam entre os materiais e jogos apresentados. Tiveram
um tempo para jogar e brincar, enquanto a professora Darlene e eu andávamos pela
sala observando e intervindo. Buscávamos sempre observar os princípios presentes
no Ambiente Matematizador, que serão mais bem detalhados no decorrer deste
trabalho. Planejamos projetos e atividades que favorecessem visualizar o Ambiente
Matematizador, mas conforme observação feita pela professora-pesquisadora no dia
08/01/03, “o Ambiente Matematizador em 2001 ficou muito artificial. Em 2002, foi
bem mais natural”. Essa colocação da professora-pesquisadora foi muito importante
para o desenvolvimento da pesquisa. De fato, concordo com ela. No ano de 2002, a
pesquisa aconteceu com muito mais naturalidade.
65
Em 2002, ficou claro que a proposta do Ambiente Matematizador não era
minha e sim nossa. Não houve uma preocupação em estabelecer passos para sua
construção. A sala de aula da professora Darlene estava rica em informações e
materiais que os alunos traziam de casa, de acordo com as atividades planejadas. A
proposta do Ambiente Matematizador começou a aparecer em outras disciplinas,
não só na matemática. Os projetos surgiam a todo o momento, sem a preocupação
da organização linear dos conteúdos. Os alunos utilizavam material de contagem
sempre que era necessário e as regras estabelecidas em 2001 deram espaço para
um contrato didático discutido, refletido e respeitado pela turma (capitulo V, item
2.4.3). Essa seria realmente a grande distinção apontada pela professora-
pesquisadora, no dia 08/01/03: “Tivemos, em 2001, um Ambiente Matematizador
Artificial, enquanto que, em 2002, tivemos um Ambiente Matematizador Natural.
Agora, acredito que não conseguirei trabalhar matemática de outra forma que não
essa: dinâmica, contextualizada e divertida”.
66
Capítulo V: PROFESSORA-PESQUISADORA E
PESQUISADORA-PROFESSORA JUNTAS, ESTUDANDO E
ANALISANDO O AMBIENTE MATEMATIZADOR
1. Natureza dos resultados: aspectos físicos, psicológicos e sociais
Retornando aos objetivos gerais e específicos desta pesquisa, é importante
destacar a riqueza de situações, informações e reflexões obtidas na construção do
Ambiente Matematizador. Isso acaba por dificultar as conclusões finais, pois se faz
necessário desconsiderar muitos fatos interessantes durante a análise. A opção
pelos princípios da pesquisa-ação também enriqueceu ainda mais os dados para
análise observados na pesquisa que, acredito, continuará a acontecer após a
conclusão desta.
A construção do Ambiente Matematizador possibilitou aos envolvidos na
pesquisa estabelecer uma teia de relações e aprendizagens. Como já foi relatado no
Capítulo IV, o ano de 2001 foi muito diferente de 2002 e assim acredito que deva
ser, pois o Ambiente Matematizador será sempre dinâmico, epistêmico e exclusivo
para cada turma (Apêndice A). Dinâmico, por estar sempre em movimento e
modificar-se a cada dia, conforme o interesse dos envolvidos no processo de
aprender e ensinar. Epistêmico, porque se constitui a partir da capacidade dos
alunos e professores de aprender sempre, considerando o conhecimento em seus
aspectos sociais, culturais, cognitivos, históricos, linguísticos e lógicos. E, finalmente,
exclusivo, já que nunca haverá um Ambiente Matematizador igual a outro, mesmo
que no ano seguinte, com uma mesma professora, em uma mesma série. Ele será
sempre único a cada ano e a cada momento.
Quanto aos resultados físicos da pesquisa, esses são bem observáveis, pois
a sala de aula ganhou espaços ricos de informações e ultrapassou as “quatro
paredes”, utilizando atividades trazidas pelos alunos e também os espaços externos
como parque, campos, cinemas, exposições, entre outros.
Na questão psicológica, destaco como mais relevante a forma na qual a
matemática passou a ser encarada pelos envolvidos na pesquisa. Os alunos
desenvolviam as atividades matemáticas com prazer, sendo possível perceber tal
67
interesse no dia-a-dia da sala de aula e também nos relatos orais dos familiares nas
reuniões bimestrais com a professora-pesquisadora. A professora Darlene relata
com “espanto” a situação, pois os pais foram enfáticos em afirmar que os deveres de
casa que envolviam matemática eram feitos com muito mais interesse do que os
deveres de outras disciplinas.
A professora-pesquisadora, além de mostrar grande interesse matemático
durante a pesquisa, apresentou inquietude sobre alguns conteúdos matemáticos que
antes não lhe despertavam curiosidade, como no caso das tabelas e gráficos que
utilizou com os alunos na construção do Ambiente Matematizador. Ela relata que sua
relação com a matemática está bem mais “feliz”, prova disso é sua participação ativa
nos cálculos para a reforma em sua residência. Antes, seu marido assumia esses
cálculos, ficando ela de fora de tal atividade. Hoje, “mesmo contando nos dedos, faz
questão de participar e o melhor é que os resultados vêm sendo financeiramente
bem positivos, conseguindo previsões e economias compensadoras”.
Como não poderia deixar de ser, eu, a pesquisadora-professora, deparei com
as diversas possibilidades de situações (matemáticas ou não) que superaram
minhas expectativas. Por buscar os princípios da pesquisa-ação, a pesquisa foi
sendo modificada pelos diferentes participantes, em especial pela professora
Darlene. Em diferentes situações, parecia ser a Darlene a pesquisadora-professora
tamanho suas preocupações, reflexões e envolvimento nas situações propostas
durante a pesquisa. Nesses momentos, eu acabava por ocupar o lugar de
professora-pesquisadora e me via repensando a pesquisa sobre um prisma
diferente, o que enriqueceu a análise dos dados e, num aspecto mais abrangente,
modificou minhas relações sociais do dia-a-dia, tornando-me mais compreensiva e
melhor ouvinte.
Na dimensão social do Ambiente Matematizador, é possível perceber como a
turma desenvolveu e amadureceu em sua relação diária no grande grupo, em duplas
e nos grupos áulicos. Apesar de a ordem e o silêncio não fazerem parte do perfil das
turmas observadas (2001 e 2002), houve a incorporação de regras de respeito ao
outro, inclusive diminuindo muito a agressividade existente inicialmente. Outra
característica observável foi constatada pela professora da 2ª série, em 2002. Ela
procurou a professora Darlene e destacou a postura de discussão e justiça presente
na turma que havia participado da pesquisa no ano de 2001. Relatou que ao ocorrer
algum impasse ou alguma resolução a ser tomada, a turma rapidamente sugeria que
68
fosse feita uma votação, estabelecendo propostas dos caminhos possíveis. Na
escolha de ganhadores, líderes ou representantes queriam participar, questionando
quais os critérios utilizados para tal escolha.
Na relação entre a professora-pesquisadora e as outras professoras da
escola, houve um certo afastamento, sendo, inclusive, tema de discussão no grupo
de trabalho em que a professora Darlene foi verbalmente acusada de se isolar
durante o ano em sua sala. Tal questão será mais bem detalhada na categoria 2.4.2.
Há diferenças na relação da professora Darlene com seus alunos do ano de
2001 para 2002. Percebo, e ela confirma em nossas conversas, que estava muito
mais tranquila e segura em 2002 dos caminhos a seguir, o que refletiu de forma
positiva na relação com a turma.
Posso afirmar também que a relação entre nós, professora-pesquisadora e
pesquisadora-professora, foi se fortalecendo durante a pesquisa e hoje percebo a
relação de amizade, respeito e confiança que se estabeleceu.
Aprofundarei cada um desses resultados nas categorias que serão
apresentadas a seguir.
Foto 1: Nesta foto, tirada dia 17/05/02, é possível visualizar a sala durante uma atividade
matemática. Os alunos estão sentados nos grupos áulicos. Pendurados no teto estão os nomes e os componentes dos grupos áulicos. No fundo da sala, está a professora Darlene. Também é possível visualizar os armários da sala com os materiais do Ambiente Matematizador. Destaco ainda o mural, construído a partir das atividades feitas em sala.
69
2. Sistema de categorias para análise
As análises dos dados coletados na pesquisa nos dois anos (2001 e 2002) de
trabalho foram organizadas em categorias. Estabeleceram-se cinco categorias
principais e suas respectivas sub-categorias, conforme descrito na tabela abaixo. As
categorias são baseadas nos elementos principais da Teoria dos Campos
Conceituais de Gerard Vergnaud (Apêndice A). Koch (1993, p.67) explica a Teoria
dos Campos Conceituais como “um conjunto de situações cujo domínio progressivo
exige uma variedade de conceitos, procedimentos e de representações simbólicas
em estreita conexão. ”
É interessante observar que nas análises, em alguns momentos, buscou-se
relações com fatos ocorridos antes de 2001, o que configura um procedimento
aceitável por a pesquisa utilizar princípios da pesquisa-ação.
CATEGORIAS SUB-CATEGORIAS
2.1. A organização do trabalho pedagógico na construção do Ambiente Matematizador embasado na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud.
2.1.1. Projetos de trabalho, favorecendo atividades extra-classe, pesquisas, entre outros.
2.1.2. Organização espacial e temporal da sala de aula: passeios, brincadeiras, jogos, materiais concretos, etc.
2.2. Conceitos matemáticos no Ambiente Matematizador
2.2.1. Conceitos matemáticos considerando o contexto histórico-social, a lógica do aluno e o conteúdo escolar.
2.3. Ofertas das situações matemáticas no Ambiente Matematizador.
2.3.1. Situações contextualizadas que levem o aluno à ação.
2.4. Procedimentos dos alunos, da professora-pesquisadora e da pesquisadora-professora.
2.4.1. Mediação e intervenção no Ambiente Matematizador..
2.4.2. Relações interpessoais constituídas no espaço do Ambiente Matematizador: alunos, professora e pesquisadora.
2.4.3. Contrato didático constituído
2.4.4. Avaliação no Ambiente Matematizador
2.5. Representações simbólicas no Ambiente Matematizador.
2.5.1. Ação-registro-reflexão-socialização da professora-pesquisadora, dos alunos e da pesquisadora-professora.
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2.1. A organização do trabalho pedagógico na construção do
Ambiente Matematizador
A possibilidade da construção do Ambiente Matematizador embasado na
Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud nos levou a discussão do significado
do termo construção. A professora Darlene, no dia 02/09/02, levantou a questão de
que “às vezes temos o material, mas não temos o Ambiente, pois esse não foi
construído”. Ela em sua reflexão percebe que construção foi o que aconteceu em
2002, ano em que o Ambiente não seguiu passos estabelecidos, mas que ocorreu
de forma natural, a partir dos objetivos estabelecidos. No ano 2002, também foi
grande a participação dos alunos e até dos funcionários da escola que encontravam
na turma abertura para trazer novidades, como no dia em que a professora de
informática, trouxe para eles um ouriço de uma castanheira. O Agente
Administrativo, abriu o ouriço e possibilitou a problematização da novidade. Os
alunos iniciaram uma pesquisa sobre a árvore, local que nasceu, a sua importância
na natureza e na sociedade, assim como a elaboração de situações-problema que
exigiram cálculos matemáticos. Conforme notado, é possível afirmar que a proposta
do Ambiente Matematizador pode despertar na coletividade da escola uma certa
prontidão na oferta de situações inusitadas e originais.
Ainda nesse dia, uma das atividades matemáticas desenvolvidas consistiu em
propor oralmente aos alunos a resolução da seguinte situação-problema: Dentro de
um ouriço, encontramos sempre 14 castanhas. Se tivéssemos 2 ouriços, quantas
castanhas teríamos? E 3 ouriços? E 4 ouriços? E assim por diante. Os alunos se
envolveram em buscar a resposta, usando representações escritas no papel,
utilizando-se de bolinhas. Enquanto alguns buscavam apoio nos palitinhos de picolé,
outros iam somando os números em uma folha. Destaco, nesta situação, a
importância de haver disponíveis materiais para esse fim, em uma turma que se
proponha a trabalhar no Ambiente Matematizador. A professora-pesquisadora
deixou que eles trabalhassem livremente, colocando à disposição deles folhas e
material de contagem15. Sem muita formalidade, eles iam chegando aos resultados.
15 Material de contagem são aqueles materiais utilizados pela professora-pesquisadora e seus alunos para visualizar as quantidades trabalhadas. Havia na sala tampinhas, canudos, palitos, elásticos, ábaco, material dourado e fichas com os números de 0 a 9, que eram utilizados a qualquer momento que fosse necessário.
71
Alguns foram até as centenas, enquanto outros ficaram nas dezenas mais próximas.
No olhar da professora-pesquisadora, com o qual concordo, este seria o significado
do termo construção, a possibilidade de envolver os alunos nas situações sugeridas
não só pela professora, mas por outros envolvidos no processo de aprendizagem.
Definimos, então, que a construção dar-se-á a partir de uma atividade que
envolvesse os alunos, possibilitando a eles participação ativa. Com isso,
ultrapassamos a ideia de construção como espaço estritamente físico, organizado
para aprender matemática.
Sobre a organização do trabalho pedagógico na construção do Ambiente
Matematizador, foi interessante perceber que os elementos centrais da Teoria dos
Campos Conceituais (situações desafiadoras, procedimentos que favoreçam a
relação entre os conceitos, etc) já estavam presentes na sala, esperando para ser
identificados. No início desta pesquisa (capítulo I – item 2.3), destaquei alguns
princípios didáticos que, considerando a Teoria dos Campos Conceituais,
necessitariam ser revistos no dia-a-dia da sala de aula, como a forma linear dos
conteúdos; a visão inadequada do erro e a convicção que se aprende sozinho e em
silêncio. Foi interessante notar que tais princípios já estavam sendo questionados
pela professora-pesquisadora não só em matemática, mas também em outras
disciplinas. Isso nos revela que a vivificação da teoria de Vergnaud extrapola os
muros curriculares da matemática, sendo uma teoria que compreende o fenômeno
da aprendizagem de forma mais ampla.
Sobre a organização linear dos conteúdos, a professora Darlene relata que,
desde o início de sua docência, definiu como uma boa aula aquela em que os alunos
se envolvem, participando, levantando questões. Ela diz se sentir entediada quando
é “obrigada” a seguir um planejamento, no qual o conteúdo é organizado um após o
outro, sem permitir a interação entre os conteúdos e entre as disciplinas.
Outro ponto presente na sala, mesmo antes de se falar da Teoria dos
Campos Conceituais, é a forma como o erro era encarado pela professora-
pesquisadora. Para ela uma prova já não dizia muita coisa, pois ela queria entender
o raciocínio de seus alunos para chegar naquela resposta, mesmo que errada. A
grande dificuldade encontrada é a realidade de 25 a 30 alunos em sala, o que nem
sempre possibilita um olhar mais atencioso sobre o pensamento do aluno, em
especial na revelação dos esquemas presentes nas resoluções das situações
propostas.
72
Por fim, a questão do grupo em sala de aula sempre fez parte da organização
dos trabalhos da professora Darlene com os alunos. Ela conta que, antes mesmo de
conhecer a dinâmica dos grupos áulicos (item 2.4.2), já havia percebido a riqueza de
relações observadas nos trabalhos em grupo. Apesar de não sistematizar e não
embasar teoricamente tal procedimento, ela já o desenvolvia em sua sala de aula.
Com essas ponderações, alguém poderia precipitadamente concluir que por
ser assim tão comum, a pesquisa perde sua validade, afinal a teoria não seria uma
grande novidade em termos de prática pedagógica no grupo escolhido para a
constituição do Ambiente Matematizador. Ao meu ver, é exatamente o contrário. A
Teoria dos Campos Conceituais permite a análise da realidade de forma tão crítica e
responsável que a torna tão especial. Fazer por fazer pode significar perder-se
facilmente no caminho, como diria o mestre Paulo Freire (1993, p.14) “pensar a
prática enquanto melhor maneira de aperfeiçoar a prática. Pensar a prática através
de que se vai reconhecendo a teoria nela embutida”.
2.1.1. Projetos de trabalho, favorecendo atividades extra-classe,
pesquisa, entre outros
Deve estar presente no Ambiente Matematizador a organização do trabalho
pedagógico com projetos que busquem favorecer atividades interessantes,
relacionando os conceitos (matemáticos ou não) entre si e utilizando diversos
espaços. A professora Darlene, mesmo antes de iniciar a pesquisa, sempre
acreditou na importância de ultrapassar os limites das “quatro paredes”. Durante os
anos de 2001 e 2002, ela desenvolveu projetos de trabalhos e levou os alunos ao
cinema, museus, exposições, parques ecológicos, entre outros. Cada vez que ia a
cada um desses espaços, desenvolvia projetos que previam atividades de
matemática, de português, de ciências, de história, de geografia e de artes. Os
alunos trabalhavam diferentes conteúdos de forma rica e integrada. Na entrevista
final da pesquisa, dia 21/01/03, a professora Darlene relata as mudanças ocorridas
nas atividades desenvolvidas fora da escola, após a pesquisa:
73
Antes da pesquisa eu já via isso, mas não com tanta organização. Por exemplo, íamos para o zoológico, mas era a coisa muito solta. Depois fazia um exercício. Perguntava quantas patas, quantas cabeças... Era muito solto. Hoje quando eu planejo sair com os alunos, monto um projetinho. Vamos estudar isso e isso, tais e tais conteúdos, como foi aquele do jogo da velha e outros. A gente saiu para o museu de artes. Nós fomos à vários museus. A gente trabalhou muito essa coisa do percurso, de ir e voltar. Hoje está mais organizado. No Ambiente Matematizador, surgiu essa coisa. Vai ter
um passeio? Então vamos organizar para que dentro do conteúdo que eu tenho que dar, verifico o que eu posso explorar, o que pode vir junto. A maioria das vezes extrapola, porque eu penso X e eles (os alunos) pensam X, Z e vão indo. A cabeça do aluno é assim.
Vale, aqui, esclarecer como definimos (Darlene e eu) um projeto de trabalho.
Partimos do princípio de que, para de fato acontecer de acordo com a proposta do
Ambiente Matematizador, o projeto deve partir do interesse dos alunos.
Considerando esse interesse, é necessário definir com os alunos questões para
pesquisa, organizar materiais sobre o assunto e elaborar situações-problema que
possibilitem relacionar diferentes conceitos, matemáticos ou não. Vimos nos projetos
de trabalho a possibilidade de trabalhar os conteúdos escolares de forma integrada
e contextualizada. Desde o início, ficou claro para nós que não era necessário saber
todas as respostas para as questões levantadas pelos alunos. Estabelecemos a
prática da pesquisa como nossa “aliada”. Durante todo o tempo, estávamos
pesquisando e estudando com os alunos os temas escolhidos.
Entre os diversos projetos desenvolvidos em 2001, destaco o da Feira de
Ciências, Tecnologia e Cultura - FECITEC e o da Lojinha. Em 2002, destaco o do
Jogo da Velha, o do Chocolate Quente e do Telefone. Em cada um desses projetos,
foi possível envolver os alunos com diversos conceitos matemáticos, dos mais
simples aos mais complexos. A professora Darlene tinha claro os conteúdos
matemáticos que faziam parte do currículo da sua turma (1ª série), mas permitiu que
as atividades fossem enriquecidas com conteúdo de outras séries, tendo a clareza
disso durante sua observação e avaliação dos resultados obtidos.
O Projeto da FECITEC envolveu toda a escola. Cada turma escolheu um
tema para ser desenvolvido em sala com a professora. No dia marcado com a
direção, alunos e professores organizaram-se para receber os familiares e a
comunidade. Durante a feira, os alunos se revezavam para apresentar as
descobertas e aprendizagens adquiridas durante o estudo.
74
A turma da professora Darlene apresentou os Projetos Digimom e do Fogo.
Os alunos estavam encantados com o desenho animado dos heróis japoneses
Digimom que passava na televisão. Eles levavam diariamente para a sala de aula
figurinhas, revistinhas e jogos do Digimom. No primeiro momento, a professora
Darlene conta que se irritava com tal situação, mas depois percebeu que poderia ser
tema de um projeto de trabalho e proporcionaria aprendizagens interessantes e
material para participar da FECITEC. Os alunos adoraram a ideia e passaram a
trazer para a sala o que tinham em casa sobre o assunto. A professora Darlene,
junto com seus alunos, estabeleceu as questões que gostariam de pesquisar, como
conhecer melhor o Japão, país em que se passava o desenho. No dia 23/08/01, a
professora Darlene pediu minha ajuda para elaborar atividades e organizar materiais
sobre o Japão. Fui à Embaixada Japonesa, consegui mapas e fotografias e verifiquei
a possibilidade de os alunos fazerem uma visita à embaixada. A professora-
pesquisadora convidou também a professora que atua na biblioteca da escola, de
origem japonesa, para conversar com os alunos sobre o Japão. Ela adorou o convite
e mostrou para os alunos as histórias, a música e algumas palavras japonesas. Mais
uma vez, destaco a possibilidade da proposta do Ambiente Matematizador favorecer
a coletividade da escola na oferta de situações inusitadas e originais.
Planejamos e discutimos algumas atividades matemáticas, envolvendo
tratamento de informações (tabelas e gráficos). Havia na sala de aula muito material
sobre o Japão: fotos, desenhos, mapas, cartazes, etc. No dia 30/08/01, participei da
aula em que os alunos escolheram a cidade japonesa que gostariam de conhecer e
anotavam em uma tabela. Para fazer a escolha, eles levaram em consideração as
histórias que ouviram, as fotos e o próprio desenho do Digimom.
Pude observar, neste dia, um dos problemas de se trabalhar com projetos. Os
alunos estavam sentados no chão, em círculo e enquanto a professora apresentava
o material e explicava a atividade, uma das alunas falou: “Vamos estudar o Japão a
vida toda? ” Foi um sinal de que o trabalho estava se tornando repetitivo. Apesar do
tema do projeto ser do interesse da turma, ele sempre corre o risco de “perder o
encanto”. É preciso que a sensibilidade da professora reconheça o momento de
mudar o foco. Por isso é importante que os prazos de um projeto sejam flexíveis e
durem enquanto existir o interesse da turma em continuar a trabalhar as questões
levantadas sobre o tema.
75
No dia 30/08/01, após uma discussão oral sobre os dados obtidos, os alunos
fizeram uma atividade escrita sobre questões envolvendo conhecimentos
matemáticos trabalhados naquela aula (Anexo A).
Nesta atividade, foi possível sistematizar com os alunos uma análise dos
dados obtidos na tabela e no gráfico e foi favorecida também a observação das
hipóteses presentes na escrita dos números. Grampeamos os trabalhos por grupos
e assim foi possível constatar que os alunos mantiveram a mesma resposta no
grupo, com exceção de 2 alunos que responderam diferente de todo o resto.
Falaremos mais sobre os trabalhos em grupos neste capitulo, item 2.4.2.
O projeto Digimom deu origem a outro projeto, o do FOGO. Nos desenhos
acontecem explosões e os heróis usam o fogo para se defender. Os alunos
começaram a questionar sobre quem “inventou” o fogo e, mais uma vez, essa
questão virou projeto. Ocorreram pesquisas, a sala de aula agora estava cheia de
informações, fotos, livros, desenhos, etc que falavam sobre fogo. A matemática mais
uma vez estava presente de forma lúdica e contextualizada. Foi trabalhado o
conceito de quente e frio, das diferentes temperaturas, da invenção da pólvora e foi
confeccionada uma linha do tempo sobre as descobertas do fogo. Os alunos, a
professora Darlene e eu pesquisamos diversas datas e informações que envolviam o
fogo. Antes de fazer a linha do tempo do fogo, buscamos uma forma de exemplificar,
para os alunos, o que seria uma linha do tempo. Planejamos (Darlene e eu), então,
uma atividade com os aniversários (Anexo H). No dia 20/09/01, cada um de nós
recebeu uma ficha com seu nome escrito e data de nascimento. Como na sala já
havia um calendário com todos os aniversários (inclusive o meu), bastou acrescentar
o ano de nascimento de cada um. Com a participação de toda turma, fomos colando
as fichas dos nascimentos em uma tira de papel bem comprida, na ordem dos mais
velhos para os mais novos. Essa atividade aconteceu com muita agitação. Os alunos
se agitaram, até porque a professora Darlene e eu estávamos muito agitadas, pois
faltavam 2 dias para a FECITEC que aconteceria no dia 22/09/01, um sábado. A
atividade foi tumultuada. Logo depois, iniciamos a linha de tempo do fogo, também
ocorrida com muita confusão. O ideal seria fazer a linha do tempo do fogo em outro
dia, mas o prazo da FECITEC já havia se esgotado. Os alunos participaram com
entusiasmo, eles perguntavam e comemoravam cada informação que era colocada
na linha. Novamente, pude observar outro problema de se trabalhar com projetos, as
possibilidades de situações são muitas e às vezes fica difícil conciliar tudo isso. Os
76
alunos, a professora e eu tínhamos mais coisas para aprender e ensinar sobre o
fogo, mas chegava a hora de terminar o projeto. Conciliar a proposta do Ambiente
Matematizador com o calendário escolar às vezes se torna um empecilho. Após
essa aula, o material dos dois projetos foi devidamente organizado para ser
apresentado na FECITEC, que no dia contou com a participação ativa dos alunos.
Outro projeto interessante foi o Projeto da Lojinha. Ele aconteceu várias vezes
durante o ano 2001 e algumas vezes no ano 2002 (não se repetindo mais em função
de outros projetos). Seu objetivo era favorecer as aprendizagens das quatro
operações (adição, subtração, multiplicação e divisão), com ênfase na adição e
subtração. Os alunos e a professora Darlene montaram um baú de “coisas” para
vender e brincar. Em um dia combinado, a turma organizava as “coisas” do baú,
colocando preço e expondo-as para venda. Cada aluno recebia uma quantia em
“dinheiro de mentira” e circulava pela sala para comprar o que quisesse, desde que
o dinheiro desse. A professora convidava dois alunos para serem os caixas. Depois
da compra, eles brincavam com o que compraram e, antes de terminar a aula,
devolviam para o baú. No dia 01/11/01, filmei os alunos trabalhando na Lojinha. Os
alunos estavam envolvidos na atividade, faziam contas e mais contas, comparavam
os preços, analisavam se o dinheiro dava e trocavam ideias com os colegas. As
duas alunas que estavam no caixa contavam os valores com a ajuda da professora
para mediar as transações de compra e venda. Os conhecimentos matemáticos
estavam presentes o tempo todo. Os alunos adicionavam, subtraiam, multiplicavam,
dividiam, faziam previsões, cálculos mentais, sem se preocuparem se era ou não
parte do currículo da 1ª série. Foi possível visualizar o princípio básico do Ambiente
Matematizador, relacionar diferentes conceitos em uma mesma atividade.
Em 2002, os projetos continuaram a acontecer. O Projeto do Jogo da Velha,
assim como do Digimom, aconteceu em função das brincadeiras dos alunos que, a
todo o momento, “atrapalhavam” a aula jogando o tradicional jogo da velha. A
professora, que no começo se chateava com o jogo, resolveu fazer um campeonato.
A turma adorou a ideia e começou a estabelecer as regras do jogo e a contagem de
pontos para se chegar ao vencedor. Os alunos pesquisaram outras formas de jogar,
confeccionaram as cartelas dos jogos (trabalhando conceitos geométricos),
selecionaram as tampinhas por equipes (classificando e ordenando o material),
organizaram uma tabela estabelecendo quem jogava com quem e muitas outras
atividades. Ao elaborar esse projeto, a professora-pesquisadora enumerou os
77
conteúdos que poderiam ser trabalhados, como formas de registros, soma dos
pontos, organização do espaço (na sala e no papel), entre outros. Em uma
conversa, no dia 02/09/02, o professor Cristiano (orientador desta pesquisa) alertou-
nos (professora Darlene e eu) em relação ao jogo da velha:
Olha o que você está fazendo. Você está pegando um jogo tal qual ele é e está problematizando no sentido matemático, na situação matemática do jogo, mantendo o jogo contra jogo. Essa é uma perspectiva fantástica! De registro, de comparação, de possibilidade e de probabilidade que você está montando.
Outro projeto interessante foi o do Chocolate Quente. Ele surgiu de um
comentário de uma aluna no início da aula: “Que frio... hoje está bom para fazermos
um chocolate quente! ” Foi discutido com a turma que esse era um costume da
região de que ela veio, o Rio Grande do Sul, e que poderia ser preparado na sala. A
turma “topou” e com a ajuda da pesquisadora Sueli Freitas, que estava na sala
naquele dia, foi escrita a receita de como preparar um chocolate quente. A
professora Darlene ao escrever o projeto, que durou quase dois meses, enumerou
os diferentes conteúdos que poderiam estar presentes:
Matemática: medida, comparação e proporção. Ciências: origem dos alimentos. Português: conhecer receitas, estudar o ch. Geografia: estabelecer as estações do ano. História: cidadania, embalagem, datas e prazos de validades.
A turma participou ativamente do projeto. Fez pesquisa de preço, calculou a
quantidade necessária para o número de alunos, arrecadou o dinheiro, fez as
compras, levou balança e fogão para sala, preparou e tomou o chocolate quente. Foi
uma verdadeira festa. Darlene afirma, na conversa do dia 02/09/02, a necessidade
da mudança de postura para se trabalhar no Ambiente Matematizador. Antes, esse
projeto poderia não sair pela preocupação de organizar tudo separadamente. Com a
proposta do Ambiente, ela afirma que “relaxou... antes ficava tensa com os
resultados. Tinha que ver todo mundo igual, aprendendo junto. Agora não, com as
leituras e discussões que “rolaram”, comecei a perceber que não é bem assim que
se aprende”.
Por último, destaco o Projeto do Telefone, que surgiu de uma brincadeira de
mau gosto de um dos alunos da sala que estava passando trotes em outras
78
pessoas, inclusive na escola. O problema foi discutido com os alunos e a professora
Darlene elaborou um projeto visando trabalhar com a turma o uso adequado do
telefone. Foram a uma exposição sobre telefone, fizeram pesquisa sobre a invenção
e evolução do aparelho, organizaram uma agenda dos telefones dos colegas da sala
e dos números úteis, como polícia, bombeiro, PROCON, hospitais, da escola, etc.
É interessante perceber que as aprendizagens ocorridas por meio dos
projetos de trabalho foram interdisciplinares. Houve melhoras significativas nas
aprendizagens em todos os conteúdos, inclusive na matemática. A partir dos
projetos desenvolvidos, foi possível envolver os alunos em atividades
contextualizadas de contagem, de relação número/quantidade, de situações-
problema envolvendo as quatro operações (com material concreto ou não), de
classificação, de registro, de composição e decomposição de números, etc. As
avaliações feitas durante o ano foram importantes para tranquilizar a professora, que
pode constatar que, apesar da suposta desordem dos conteúdos, esses vinham
sendo trabalhados e compreendidos pelos alunos. Em diversas de nossas
conversas, ela ressalta sua preocupação com a avaliação, com o quê os alunos
estão aprendendo. Voltarei a este assunto ainda neste capítulo, no item 2.4.4 que
trata de avaliação.
2.1.2. Organização espacial e temporal da sala de aula: passeios,
brincadeiras, jogos, materiais concretos, grupos, etc
Outro ponto importante para se conceber um Ambiente Matematizador é
buscar outras formas de organizar a sala e de trabalhar os conteúdos escolares com
os alunos. Utilizar outros espaços que ultrapassem as “quatro paredes” da sala de
aula é também fundamental para enriquecer o Campo Conceitual do que se quer
aprender e ensinar.
Sobre a organização espacial da sala de aula, destaco que muitas vezes a
dificuldade em organizá-la de uma forma diferente daquela tradicionalmente usada
aparece em questões diárias, como a relatada pela professora Darlene, no dia
15/05/02:
79
Em outras escolas que atuei, dividi sala com professoras que não utilizavam as carteiras da mesma forma que eu. Elas trabalhavam com os alunos enfileirados. Neste tempo, todos os dias no início da aula, era necessário reorganizar as carteiras formando os grupos. Na 312 norte, as auxiliares de ensino que assumiram a limpeza da sala não viram problema em deixar as carteiras organizadas conforme solicitei, o que facilitava bastante o início da aula.
O interessante desse relato é perceber que, apesar da dificuldade, a
professora Darlene não abandou a proposta da organização da sala em grupos. Ela
continuou mesmo precisando arrumar diariamente as carteiras no início da aula, pois
acreditava na importância da socialização dos alunos durante as atividades
planejadas.
Outra questão que merece destaque na organização espacial de sala de aula
é o acesso dos alunos aos jogos e materiais que fazem parte do Ambiente
Matematizador. Como já foi relatado anteriormente, a pesquisa ocorreu em uma
Escola Pública de Brasília que disponibiliza poucos armários nas salas. Sendo
assim, no dia 15/08/01, antes do início da minha participação nas aulas da
professora Darlene, como pesquisadora-professora, ofereci, como empréstimo, um
armário de aço com chave, para ser utilizado por ela na sala de aula. Ela aceitou
com alegria, pois como a pesquisa propunha a utilização de materiais e jogos
matemáticos, ela estava preocupada em como guardar todos eles, até porque a sala
era utilizada por outra turma no período vespertino, razão da importância da chave,
pois evitaria que o armário fosse aberto e os jogos utilizados sem o devido cuidado
pela outra turma.
No dia 23/08/01, os alunos começaram a levar materiais e jogos que
poderiam fazer parte do Ambiente Matematizador. Ficou combinado que o Ambiente
Matematizador deveria ser constituído de materiais e jogos que possibilitassem o
fazer matemático, ou seja, que tivessem números, contagens, comparação,
classificação, ordenação, formas e contas. No primeiro dia, dos 24 alunos, apenas 2
alunos apresentaram material para fazer parte do Ambiente. Uma aluna trouxe um
vasinho de flores, que de acordo com ela servia para contar. O outro aluno trouxe
um saquinho cheio de pedras, que representavam as pedras da história que a
professora havia contando sobre o início dos números. Destaco a preocupação
deles em deixar esses materiais na escola, queriam levá-los de volta para casa, só
se convencendo de deixá-los ao perceber que nós (as professoras) estávamos
deixando nossas coisas também. Durante o ano, foram aparecendo outros materiais,
80
como livros, jogos, revistas e tampinhas, acrescentados ao Ambiente
Matematizador. É interessante que, no primeiro momento, jogos de letras e palavras
não apareceram, ficando claro para a turma que isso não era matemática. Esses
materiais, à medida que eram trazidos, eram organizados no armário fechado que eu
havia disponibilizado para a turma.
Observei, nos outros dias que fui à sala, que o armário ficava trancado, sendo
aberto na hora em que a professora-pesquisadora havia planejado, o que fugia da
ideia inicial do Ambiente Matematizador. No dia 17/09/01, durante nosso encontro
para análise, discussão e planejamento de atividades, questionei a importância do
armário ficar aberto, com livre acesso aos alunos. A professora Darlene argumentou
que, além do medo de sumir alguma coisa de dentro, também era difícil controlar os
alunos, que a toda hora estavam mexendo no armário, mas de qualquer forma
pensaria a respeito. Ela havia colocado uma etiqueta com meu nome no armário,
como forma de garantir que não seria utilizado pela professora da tarde. Sugeri que
retirasse a etiqueta com meu nome e colocasse o nome da turma, mas acabou
ficando sem nome algum, o que acredito ter sido a melhor opção.
Depois de um certo tempo, a professora-pesquisadora começou a estruturar a
utilização dos materiais e jogos da seguinte forma: ela deixava trancado o que seria
utilizado somente com ela e organizou uma prateleira menor, onde ficavam
disponíveis alguns jogos (matemáticos ou não) e materiais de contagem, como
tampinhas, palitos, ligas e números e letras emborrachados.
No final do ano de 2001, durante a aula do dia 29/11, a professora Darlene
argumentou que para o ano seguinte não precisaria mais do armário, pois percebeu
que ele não era necessário. Para o ano de 2002, continuaria com o esquema que
estava utilizando, deixando alguns jogos e materiais trancados em seu armário e
disponibilizando o restante em uma prateleira que permitia o acesso dos alunos.
Assim aconteceu em 2002. Observei que no dia 08/05/02, no meio da aula,
alguns alunos pegaram alguns jogos e sentaram no canto da sala, no chão, como
que se escondendo da professora e começaram a jogar. Quando a professora
Darlene percebeu o que estava acontecendo, foi até eles e lembrou o combinado,
que não era a hora disso. Pediu que guardassem e precisou chamar a atenção
sobre a forma que estavam guardando o jogo, misturando as peças e estragando a
tampa. Alguns alunos gritavam: “Vai ficar sem recreio! Vai ficar sem recreio!”
Destaco o receio da professora, em 2001, de que os alunos mexessem nos jogos
81
fora de hora. Ele realmente se concretizou, mas ela, já bem mais tranquila em
relação a isso, fez um encaminhamento satisfatório, sem retirar o acesso livre dos
alunos aos materiais. Após a conclusão da atividade, a professora Darlene autorizou
os alunos a pegarem jogos na prateleira de madeira, olhando para aqueles que
haviam utilizando-os antes da hora combinada e dizendo: “Agora é hora... Podem
brincar! ” Eles então formaram grupos espontâneos, pegaram os jogos e se
arrumaram no chão e nas mesas da sala, conforme a foto 2, abaixo.
É interessante perceber que todos participaram das atividades e que na hora
de guardar o material, tudo aconteceu com tranqüilidade, não ficando peças para
trás.
Nesse relato, é possível notar que, inicialmente, a professora-pesquisadora
viu o Ambiente Matematizador como um espaço físico e que se agravou com minha
preocupação em emprestar um armário. Aos poucos, nas conversas, estudos e
planejamento, essas questões foram sendo melhor encaminhadas. É interessante
perceber que a solução veio da própria professora-pesquisadora. Mais uma vez, ela
não desistiu de ter diferentes jogos e materiais em sala, assim como não desistiu de
organizar as carteiras em grupos, apesar das dificuldades que encontrou. Na
categoria sobre procedimentos, falarei mais sobre o contrato didático (item 2.4.3),
que se mostrou um ótimo aliado para a professora nas atitudes comportamentais
dos alunos.
Ainda sobre a questão da organização espacial, ressalto uma postura que a
professora Darlene resistiu em ter: sair da sala a pé para explorar as redondezas
82
externas da escola. Ela, no dia 26/09/01 e depois no dia 15/05/02, fala de seu medo
do parque. Conta que uma vez um aluno caiu do balanço e ficou alguns minutos
sem se mover, deixando-a apavorada. A partir desse dia, ela só sai da escola com
alguém para ajudá-la a olhar as crianças. Como a escola não dispõe de funcionário
para acompanhá-la diariamente, ela optou por não sair da escola. Nos dias em que
os alunos saem para algum passeio, a escola se programa para que algum
funcionário acompanhe a professora com sua turma. Argumentei a necessidade de
explorar as redondezas da escola e a importância de atividades livres na rotina das
crianças, possibilitando trabalhar, inclusive, a noção de espaço, já que muitas vezes
as crianças em Brasília são criadas em apartamentos.
Ela prometeu pensar a respeito, mas durante 2001, sempre que tocava no
assunto, ela reafirmava seu medo. Já em 2002, ela conversou com a professora
Ângela, que acompanha o aluno com Síndrome de Down em sua sala e propôs que
ela a acompanhasse ao parque nas terças-feiras, já que esse costuma ser um dos
dias em que ela estava presente. A professora aceitou e antes de sair com a turma
para o parque, a professora Darlene elaborou uma autorização e encaminhou para
os pais, que assinaram e devolveram. A partir daí, ela passou a levar as crianças
semanalmente ao parque ou ao espaço gramado próximo da escola. No dia
08/01/03, em nossas últimas conversas de conclusão da pesquisa, ela conta que
“em 2002 se empenhou no parque e que foi muito bom! Foi uma das coisas boas
que fiz! Os alunos adoravam! ”
Quando estou em sala de aula, seja com crianças ou adultos, sempre planejo
atividades fora da sala de aula, por acreditar que são situações importantes para o
desenvolvimento cognitivo, cultural e social. No Ambiente Matematizador, tal
situação é um ótimo momento de favorecer a rede de conceitos, matemáticos ou
não. Por essa razão insisti tanto para que a professora Darlene estabelecesse uma
rotina de saídas com as crianças nas proximidades da escola. Com certeza não é o
momento ideal para propor atividades dirigidas que levem os alunos a este ou
aquele raciocínio, mas é um momento que permite aos alunos aprender trabalhando
sua criatividade, liberdade e responsabilidade.
Gostaria de destacar a fala da professora Darlene no dia 08/01/03, sobre sua
resistência em ir ao parque:
83
As minhas mudanças acontecem assim. Quando a mudança é muito impetuosa para a pessoa, ela resiste. Natural! Resistência. Mas se a pessoa insiste, mostra os prós e os contras... a coisa vai caminhando numa discussão.... Eu peguei uma autorização de todos os pais por escrito. Tão até aqui! Eu guardo tudo! Todos os pais, um a um, deixavam o filho ir para o parque. Eu organizei com a Ângela (professora do acompanhamento dos alunos de ensino especial), todo dia na hora do parque... ai o parque andou. Mas o que eu quero te dizer é isso. Eu acho que o Ambiente Matematizador não tem
necessariamente de ficar fixado na parede. Ele fica... o que for necessário, o que as crianças acharem legal! O que não acharem, sai. Mas ele não tem a necessidade de ficar estampado. Ele não é só físico.
Essa é a grande diferença entre o Ambiente Matematizador e um laboratório
de matemática. O ambiente está envolto por questões sociais, culturais e políticas. O
professor pode levar para a sala materiais diversos e continuar trabalhando de forma
tradicional, considerando apenas o aspecto cognitivo de seu aluno, assim como ele
pode propor atividades extraclasse sem explorar tais espaços, mantendo sua
postura tradicional de que se aprende em sala e em silêncio. Por isso é tão
importante o trabalho em equipe, favorecendo estudo, reflexão e ação. A mudança
da postura do professor deve acontecer, para que aconteça realmente a mudança
na sala de aula, já que de nada adianta recursos físicos inovadores, se o professor
mantém sua postura tradicional de ensinar. Como nos alerta Paulo Freire (1987,
p.132), “na sala de aula, fechada a porta, dificilmente seu mundo é desvelado”.
No aspecto da organização temporal da sala de aula, destaco a importância
da participação do aluno nesta organização dentro do Ambiente Matematizador. Ele
não é um mero executor das tarefas, ele precisa se envolver na organização do
tempo para cada atividade. A professora-pesquisadora, buscando favorecer essa
integração, optou pela utilização da agenda diária com os alunos. Nela a professora
Darlene discute com os alunos as atividades que vão ocorrer no dia. Às vezes em
função do pouco espaço no quadro, ela simplesmente falava, no entanto quando as
atividades do dia eram escritas no quadro, os alunos acompanhavam o que já havia
sido feito e o que faltava fazer. Em diversos momentos, a professora-pesquisadora
ou os alunos iam até o local onde a agenda estava escrita e marcavam onde
estavam. Tal procedimento permitia que os alunos estabelecessem uma relação
temporal, dinâmica e real com seu próprio tempo. A professora Darlene, no dia
15/05/02, após mais de um mês de greve, relata a importância que a agenda tem
para ela:
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Com a greve as coisas tumultuaram um pouco. Uma das coisas que eu quero introduzir é a agenda. É claro que tem toda a coisa em relação ao espaço e tempo e tal e tal, principalmente a organização temporal deles (dos alunos). Mas tem uma coisa imprescindível na agenda que me facilita a vida. Eu posso evitar falar. Eles falam depois disso tem isso. Eu pergunto: o que vem agora? Para eu não ficar o tempo todo repetindo.
Outra fala interessante em relação à organização temporal é o relato de sua
mudança na forma de trabalhar o conceito do tempo com os alunos. A professora
Darlene, em conversa no dia 19/09/02, destaca tal procedimento como um ganho no
Ambiente Matematizador: “Antes eu ensinava o conteúdo do tempo, agora eles
vieram para o dia-a-dia, na situação do momento”. O Ambiente Matematizador, ao
estimular a participação ativa dos alunos na construção e organização do espaço e
tempo da aula, acaba por favorecer as aprendizagens significativas desses
conceitos. A noção de tempo, apesar de estar presente em nossas atividades
cotidianas, é um conceito difícil para os alunos, por ser bastante abstrato (não é
possível pegar, sentir ou ver o tempo). Mas ao ser trabalhado diariamente, medido e
analisado pelos alunos, favorece o entendimento. A professora-pesquisadora
observou que, ao discutir com os alunos o tempo para as atividades, marcar
diariamente o dia no calendário, consultar o relógio com os alunos, contar quantos
dias faltam para tal passeio ou festa, marcar quanto tempo falta para começar o
recreio, os alunos realmente aprendem a utilizar tais instrumentos.
No Ambiente Matematizador, é muito importante que os conceitos sejam
trabalhados de uma forma contextualizada, ou seja, em se tratando de espaço, que
se viva o espaço; em se tratando de tempo, que se viva o tempo. É interessante
ressaltar a simplicidade financeira dessa proposta. Trabalhar o que já temos em
sala, buscar no mundo as situações que necessitamos. A maior dificuldade é
modificar as relações presentes na sala de aula, como diria Brousseau (In: PAIS,
2001, p.80), identificar para modificar o contrato didático presente no trinômio:
professor, aluno, conhecimento.
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2.2. Conceitos matemáticos no Ambiente Matematizador
Inicialmente, é importante esclarecer como são vistos os conceitos no
Ambiente Matematizador, pois, de acordo a Teoria dos Campos Conceituais de
Vergnaud, os conceitos apresentam um significado mais amplo que o comumente
utilizado. Primeiramente, na teoria, um conceito é dinâmico, ele se modifica a todo o
momento em função de intervenções externas (históricas, sociais, culturais e
políticas) e/ou reflexões pessoais. Durante nossa vida, sofremos situações de
acolhimentos e rupturas que podem modificar nossos conceitos. O que acreditamos
hoje como certo, amanhã ou daqui a pouco poderá não ser mais visto da mesma
forma, em função do que vivemos, do que lemos, do que conversamos, etc.
O segundo aspecto seria que ele não funciona isoladamente, mas sim numa
ampla e complexa rede (PIRES, 2000), na qual ao se modificar um conceito, este
modifica outros. É como numa situação em que a criança chama todas as cores de
vermelho, até que, após diferentes situações com diversas cores, ela sistematiza o
que seria o vermelho e passa a reconhecer outras cores (ou vice-versa), chegando
até a identificar as cores que conhece e as que não conhece. Foi preciso que ela
tivesse contato com diferentes cores, para poder entender cada uma delas. Hoje
tenho claro que não se aprende nada de forma isolada, mas sim na relação
dinâmica entre os conceitos.
O terceiro aspecto é a “função de multiplicidade” (VERGNAUD, 1995. Não
paginado) de um conceito, ou seja, um mesmo conceito está presente em diferentes
problemas, de diferentes áreas. Quanto mais utilizamos um conceito nas situações
escolares ou não escolares, mais aprendemos sobre ele. É importante lembrar que o
fato de um problema ser matemático não quer dizer que só usaremos conceitos
matemáticos. Sendo assim, utilizar a função da multiplicidade de um conceito na
escola seria buscar situações contextualizadas, nas quais um mesmo conceito é
utilizado várias vezes, em diferentes disciplinas, de forma integrada e relacionada.
E o último aspecto é a relação direta existente entre o conceito e a sua
capacidade de resolver problemas. A partir do momento que um conceito não
resolve mais um problema, ele passa por um processo de transformação, buscando
um novo significado. Na sala de aula, percebemos esse aspecto quando, durante a
construção de um conceito pelo aluno, ele se depara com uma situação (planejada
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pelo professor ou não) em que seu conceito não dá conta do problema. O aluno
muitas vezes passa até por um momento de “luto”, em função da perda de um
significado para um conceito e a partir daquele momento se inicia uma nova busca
de significado.
É importante destacar que são os conceitos que guiam os procedimentos e
esquemas utilizados pelo sujeito que aprende. Os procedimentos são as formas de
agir do aluno ou do professor e serão mais bem discutidos no item 2.4. Já os
esquemas se caracterizam “por uma organização invariante da conduta diante de
um tipo de situação apresentada. Destaco quatro elementos que o compõem:
objetivos e antecipações; normas de ação; invariantes operacionais (conceitos e
teoremas em ação); e inferências”. (VERGNAUD, 1995. Não paginado). Piaget
desenvolveu em suas pesquisas o conceito de esquema, com a ideia principal de
invariantes operatórias e a Teoria dos Campos Conceituais, aperfeiçoando o
conceito de esquema, utiliza-o como um importante instrumento de observação,
pesquisa e entendimento de um conceito. É preciso identificar os invariantes
operatórios de um esquema, para que o sujeito reflita sobre a possibilidade de
transposição ou a necessidade de modificação de um conceito.
Assim sendo, os conceitos matemáticos dentro do Ambiente Matematizador
seriam muito mais que os conteúdos escolares de matemática. Os PCN de
matemática (BRASIL, 1997, p.20) afirmam que “a seleção e organização de
conteúdos não deve ter como critério único a lógica interna da matemática. Deve-se
levar em conta sua relevância social e a contribuição para o desenvolvimento
intelectual do aluno. Trata-se de um processo permanente de construção”.
A escola pública pesquisada utiliza o Currículo da Educação Básica das
Escolas Públicas do Distrito Federal – Ensino Fundamental – 1ª a 4ª série
(DISTRITO FEDERAL, 2000). Ele foi elaborado por um grupo de professores da
rede pública e é baseado nos PCN (BRASIL, 1997) e apresenta a seguinte
afirmação (DISTRITO FEDERAL, 2000, p.28):
A discussão sobre a seleção e organização de conteúdos em eixos no ensino da matemática tem como objetivo contemplar o estudo do espaço e da forma (no campo da geometria), números e operações (no campo da aritmética e álgebra) e o estudo das grandezas e das medidas que permite interligações entre o campo de aritmética, álgebra e geometria. O desafio que se apresenta é o de identificar, dentro de cada um desses vastos campos, as competências, os
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hábitos e valores que são socialmente relevantes para os educadores, como, também, contribuir para o desenvolvimento intelectual do aluno, ou seja, coordenar o pensamento lógico-matemático, a criatividade e a capacidade de análise e de crítica que constituem referência para interpretar fatos e fenômenos dentro e fora da escola.
Neste currículo, os conteúdos são apresentados em forma de habilidades e
procedimentos esperados para o aluno no final de cada série. É possível identificar
os conceitos matemáticos em diversas das habilidades listadas para a 1ª série, mas
destacarei a seguir algumas delas, nas quais os conceitos matemáticos estão mais
evidentes (DISTRITO FEDERAL, 2000, p. 38-39):
Estabelecer pontos de referências para situar-se, posicionar-se, deslocar-se no espaço, para identificar relações de posições entre objetos no espaço, interpretar e fornecer instruções usando terminologia adequada.
Dimensionar o espaço percebendo relações de tamanho e forma.
Construir o conceito de anterioridade, posterioridade e simultaneidade, identificando e relacionando as unidades de tempo.
Perceber semelhanças e diferenças entre objetos no espaço, identificando formas e suas dimensões em situações que envolvam descrições orais, construções e representações.
Construir o significado do número natural a partir da contextualização social, explorando situações-problema que envolvam contagem, medidas e códigos numéricos.
Interpretar e produzir escritas numéricas, levantando hipóteses sobre elas, com base na observação de regularidade, utilizando-se da linguagem oral, de registros informais e da linguagem matemática.
Compreender o processo de agrupamento e transferência das ordens no QVL, estruturado na base dez, como característica fundamental do Sistema de Numeração Decimal.
Formular hipóteses sobre a grandeza numérica pela identificação da quantidade de algarismos e da posição ocupada por eles na escrita numérica.
Analisar e interpretar situações-problema compreendendo alguns dos significados das operações, em especial da adição e da subtração, com noções gerais da divisão e multiplicação.
Reconhecer que diferentes situações podem ser resolvidas por uma única operação e que diferentes operações resolvem um mesmo problema.
Compreender o processo de adição com agrupamento para a dezena e da subtração com reserva.
Formular hipóteses sobre possíveis resultados de um problema de adição e/ou subtração.
Reconhecer grandezas mensuráveis comparando grandezas da mesma natureza, fazendo estimativas de resultados.
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Gostaria de destacar uma atual discussão entre os educadores matemáticos,
sobre a necessidade de ensinar ou não ensinar o algoritmo convencional para os
alunos das séries iniciais. Pesquisas atuais, como a da Golbert (2002), comprovam
os ganhos alcançados quando se proporciona ao aluno o tempo necessário para
que ele construa suas próprias estratégias de resolução das operações. “A
habilidade para dominar os conceitos matemáticos futuros pode ser favorecida ou
bloqueada nesta fase. É preciso acompanhar cada aluno em particular e procurar
suprir as dificuldades que possa apresentar nessa esfera”. (DISTRITO FEDERAL,
2000, p.17). É possível perceber, nos fundamentos do Currículo das escolas
públicas do Distrito Federal, a tendência educacional de não ensinar o algoritmo
convencional, estimulando o aluno a construir suas estratégias, de acordo com seus
conceitos matemáticos. Infelizmente, na prática não é isso que acontece. A pressa,
normalmente presente entre os professores e pais, em que os alunos vençam os
conteúdos escolares acaba por atrapalhar a construção de um conceito.
Durante a pesquisa, em diferentes momentos, a professora Darlene colocou
sua preocupação com o conteúdo escolar. Nas anotações do dia 17/09/01, faço o
seguinte relato de nossa conversa:
Lemos as anotações que eu havia feito e ela reconhece que sua ansiedade em relação à aprendizagem dos alunos é bem grande. Destacou sua preocupação com o algoritmo da subtração, pois não sabia como fazer com que os alunos aprendessem, respeitando o Ambiente Matematizador. Lembrei um encontro que aconteceu na
escola com o Professor Cristiano, no qual uma professora da 1ª série falou de sua decepção com as crianças que ela mesma viu fazendo as continhas de subtração certinho em um ano, mas no outro ano quando foi verificar na outra turma, com outra professora, essas crianças não sabiam mais como fazer. Esse com certeza é um dilema da escola. Seguir o currículo, mesmo sabendo que as crianças têm um ritmo próprio?
No ano de 2002, no dia 19/09, a professora-pesquisadora reafirma sua
preocupação com a seguinte fala: “Mas eu não posso me esquecer da escola real:
notas, provas, conteúdo... Não tenho na escola espaço para essa reflexão”. Apesar
da preocupação evidente, é possível perceber que durante a pesquisa a professora
Darlene passou a lidar e argumentar com mais segurança e tranquilidade com as
colegas de trabalho sobre as questões envolvendo a “cobrança” em relação ao
conteúdo escolar matemático. No dia 14/01/03, ela solicitou que eu trabalhasse com
dois alunos que apresentavam dificuldades na hora de representar o algoritmo da
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subtração. Eles faziam a operação com o material concreto, mas tinham dificuldades
na hora de registrar o que foi feito. Ela já havia observado que entre esses dois
alunos, um teria condições de ir para 2ª série, apesar da dificuldade em representar
a estratégia de resolução, pois estava claro para ele o processo da subtração e a
construção dos números. Mas o outro, apesar de entender que a subtração era uma
operação de “tirar algo”, não apresentava condições de ir para a 2ª série, pois além
de não reconhecer os números, também não aprendeu a ler. Ela relatou sua
tranquilidade em avaliar que o primeiro aluno citado deveria ir para a 2ª série, apesar
de não utilizar o algoritmo convencional: “Hoje estou segura que é a coisa certa. Se
fosse a um ano atrás, ficaria na dúvida se era a melhor coisa a ser feita”.
Nas escolas por onde passei no início de minha vida docente, era comum
ouvir algum professor afirmar que o aluno que não soubesse fazer o algoritmo
convencional da adição e da subtração com segurança, não deveria ir para a 2ª
série. Neste contexto, a aprendizagem do algoritmo se transformava numa repetição
interminável, visando que o aluno não errasse no processo. Golbert (2002, p.131)
afirma que “as repetições são desnecessárias quando as crianças inventam suas
soluções, com base na compreensão conceitual”. Conforme afirmei inicialmente,
cada vez mais a postura de respeito às estratégias do aluno é estimulada entre os
educadores matemáticos. Se antes quem defendia essa ideia era tido como
irresponsável, pois deixava seu aluno sem o conhecimento escolar necessário, hoje
esse profissional encontra o respaldo teórico e até legal (MEC e Secretaria de
Educação) de que não respeitar a estratégia desenvolvida pelo aluno pode dificultar
(e muito) o entendimento da operação e a construção de um conceito.
2.2.1. O conceito matemático considerando o contexto histórico-
social, a lógica do aluno e o conteúdo escolar
Como já foi possível perceber, o ensino da matemática na 1ª série não se
resume em saber contar até 100 e utilizar os algoritmos convencionais da adição e
subtração com segurança. A matemática, hoje, deve ser “vista pelos alunos como
um conhecimento que pode favorecer o desenvolvimento de seu raciocínio, de sua
capacidade expressiva, de sua sensibilidade estética e de sua imaginação” (BRASIL,
1997, p. 31).
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Durante o relato dos projetos citados no item 2.1.1, foi possível perceber
como os conceitos matemáticos foram trabalhados e relacionados entre eles e entre
os de outras disciplinas. A professora-pesquisadora considerou o contexto histórico-
social dos conceitos ao desenvolver o Projeto do Digimom, permitindo que os alunos
trouxessem para sala de aula as figurinhas que tanto os encantavam. Com esse
projeto, trouxe para a sala outro país: o Japão. Trabalhou com o mapa do mundo, as
diferenças culturais e dados matemáticos como população, distância do Brasil,
tamanho do país, etc. Os alunos tiveram contato com números imensos, com vários
algarismos e muitos zeros. Dando continuidade a esse projeto, construíram na sala
de aula a linha do tempo da descoberta do fogo, situação em que os alunos
visualizaram a trajetória histórica e puderam construir sua própria trajetória.
Sobre temas recorrentes fora da escola, na casa dos alunos, no parque da
escola e até mesmo no mundo, a professora Darlene trabalhou as habilidades
listadas anteriormente de forma contextualizada e rica. Vale destacar um alerta dos
PCN de matemática (BRASIL, 1997, p. 25) sobre os cuidados com o trabalho
partindo do cotidiano dos alunos:
Muitos conteúdos importantes são descartados ou porque se julga, sem uma análise adequada, que não são de interesse para os alunos, ou porque não fazem parte da ‘realidade’, ou seja, não há uma aplicação prática imediata. Essa postura leva ao empobrecimento do trabalho, produzindo efeito contrário ao de enriquecer o processo ensino-aprendizagem.
Outro aspecto importante presente no Ambiente Matematizador foi a forma
como os conteúdos apareciam nas aulas, buscando respeitar a lógica do aluno.
Aquela ideia de conteúdo organizado um após o outro deixou de ser uma
preocupação, os conteúdos eram vistos e apresentados com a perspectiva de
currículo em rede (PIRES, 2000), na qual os conceitos estão relacionados e
contextualizados, são esses aspectos que lhe dão sentido. Em diversas situações
planejadas pela professora-pesquisadora, é possível identificar o currículo em rede.
Na situação do início do ano, no dia 08/05/02 (atividade melhor detalhada no item
2.3.1.sobre situações), foram trabalhadas as tabelas e gráficos, apesar da maioria
dos alunos ainda não estar lendo. Os alunos utilizaram vários conceitos
(matemáticos ou não) de uma forma relacionada e rica, sem a preocupação se era o
conteúdo da 1º série ou não. Assim também no campeonato do Jogo da Velha
ocorrido no mês de agosto de 2002. A professora-pesquisadora conta que os alunos
91
jogavam o tempo todo, conforme seu relato no dia 02/09/02 em uma conversa entre
nós (ela, eu e o Professor Cristiano, orientador desta pesquisa):
Darlene: O jogo da velha surgiu quando eu não aguentava mais.
Tinha um aluno que riscava o quadro, riscava um cantinho do quadro verde e colocava o jogo da velha para todo lado. Ai eu falei: Vamos fazer um campeonato? Nina: Eles estavam o tempo inteiro jogando o jogo da velha? Darlene: Sim! Todo o horário provável e possível. Ai eu falei: Vamos
parar e fazer um campeonato. Agora, quem jogar fora do campeonato está desclassificado. Passaram umas semanas, elaboramos as regras do jogo da velha. Cristiano: Tal qual ele é? Darlene: A única diferença é que ao invés de usar o “X” e a bolinha,
nós usamos tampinhas. Nós temos uma caixa de tampinhas, cada uma de uma cor, aí marcamos, fizemos a regra do jogo da velha. Eu acho que isso está sendo assim como um Ambiente Matematizador,
coisa que eu não fazia há anos. Nina: Eles fizerem tudo? Darlene: Fizeram os tabuleiros, mediram, recortaram... Fizeram as
regras, escolheram os grupos... Foi uma animação! Tinha até torcida dos que iam saindo. Pintou até um clima de competição entre meninos e meninas que durante o jogo foi diminuindo, até porque uma menina ganhou o campeonato. Nina: Por que ela ganhou? Darlene: Ah... Ela se concentrava, prestava atenção nas jogadas dos
outros, foi muito legal!
Nesse campeonato, durante a construção do tabuleiro do jogo, foram
trabalhadas noções de geometria e de frações. Os alunos mediam a folha com a
régua e dividiam por três para achar a distância igual entre as linhas. Esses
conceitos estão presentes nas séries mais adiantadas e eles utilizaram com
interesse e sucesso. Houve também a contagem e o registro dos pontos que
exigiram o uso de uma tabela. A professora-pesquisadora, a partir dessa atividade,
elaborou situações-problema que envolviam as operações, a estimativa e a análise
combinatória. O conceito de análise combinatória é uma das atividades
multiplicativas mais ausentes nas aulas de matemáticas de 1ª série (TOLEDO, 1997,
p.120), e foi bem explorado durante o campeonato do Jogo da Velha. Logo no início
do jogo, foram formadas as equipes, discutidos quantos alunos deveriam ter em
cada uma e quantas equipes seriam formadas. Formaram-se 5 equipes, com 4
alunos, sendo que uma equipe tinha 5 alunos. Na hora de decidir como jogariam,
mais um problema da análise combinatória apareceu: decidir quem jogaria com
quem na própria equipe e depois como as equipes jogariam entre si. No dia
02/09/02, a professora-pesquisadora, durante uma conversa, relata as atividades do
campeonato:
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Darlene: Bom! Continuamos o jogo da velha. Nós fizemos as regras, fizemos
os tabuleiros, cada dupla fez um tabuleiro, foi muito interessante. Eu perguntei: se a gente fosse jogar com tampinhas, quanta tampinha a gente tinha que ter? Eles se “embananaram”. Cinco, seis, cinco, seis. Cristiano: A problematização! Darlene: Eles estão jogando com cinco tampinhas, porque um aluno provou
que basta cinco. E aí a professora de biblioteca entrou na hora e falou: “Seis, vocês estão errando”. Enfim, ficou nesta discussão, e ficou cinco. Eu vou retornar com eles nisso. Fizemos a primeira rodada e saíram dois vencedores de cada grupo, fizemos hoje a segunda rodada, eles estavam agitados. Eles registraram. Nina: Mostra o registro deles para o Cristiano. Darlene: (mostra o registro) Essa aluna foi à vencedora: 3 a zero. Aqui é 1 a
1. São três partidas e continuaram. Vai sair desse campeonato um vencedor. Cristiano: Você pode categorizar as formas de registro. É específico? Darlene: Não. Cristiano: É cultural? Darlene: É, porque a gente faz outros jogos assim, pode ser que eles tenham
copiado. Cristiano: Faz parte de sua cultura! Darlene: Bem.... Esses daqui, foram desclassificados por outros motivos de
comportamentos. Eles jogaram além das três partidas. Vou voltar com eles, problematizando com multiplicação: Se cada grupo fez 2 tabuleiros, quantos tabuleiros têm? Nina: Darlene, eu estava pensando de manhã. Esses que estão saindo do
jogo, que estão sendo desclassificados... Você podia sugerir que eles começassem um outro torneio, para que eles não ficassem à toa... Darlene: Mas ai é difícil eu controlar! Nina: Aí eles jogariam por conta própria. O que eles vão ficar fazendo? Darlene: Vão ficar assistindo e torcendo, essa é a minha proposta, mas meus alunos sempre sugerem mais. Por exemplo, são 5 grupos na sala, esse é o problema. No último grupo, ia sair um vencedor de cada. Esse jogador ia jogar com esse e esse ia jogar com esse e esse? Aí a idéia deles: Esse joga por sorteio, mas aí esse sorteado vai ter mais 2 chances. Cristiano: Isso é um raciocínio prático! Darlene: Aí eu falei: Sim, um grupo vai ter 2 chances e daí o que a gente faz?
Aí eles pensaram e pensaram. Foi legal que na hora eu não percebi esse problema. No outro dia um aluno chegou todo agitado com essa questão: Assim não vai dar certo, pois um grupo vai jogar mais que o outro. Ele mostrou no quadro para a turma, fez um esquema e tudo. Acabamos montando uma tabela como a da copa, na qual os times vão fazendo um rodízio.
Nas diversas atividades citadas nesta situação, os conceitos foram sendo
trabalhados, sem a necessidade de esperar pelo pré-requisito. Era um desafio para
os alunos e eles enfrentavam com a ajuda do grupo e da professora-pesquisadora.
Nos PCN de matemática, é possível encontrar a seguinte afirmação (BRASIL, 1997,
p.20):
93
O tratamento dos conteúdos em compartimentos estanques e numa rígida sucessão linear deve dar lugar a uma abordagem em que as conexões sejam oferecidas e destacadas. O significado da matemática para o aluno resulta das conexões que ele estabelece entre ela e as demais disciplinas, entre ela e seu cotidiano e das conexões que ele estabelece entre os diferentes temas matemáticos.
Sendo assim, não se pode esperar que os 20 ou 30 alunos de uma sala
estabeleçam uma mesma lógica no entendimento dos conceitos matemáticos. Neste
contexto, o planejamento das aulas exigiu um olhar muito mais atento da professora
Darlene. Ela utilizou observações individuais e do grupo para identificar as
aprendizagens e as dificuldades dos alunos. Essa questão envolvendo a avaliação
no processo de aprender e ensinar será mais bem apresentada no item 2.4.4.
A preocupação de como organizar os conteúdos durante o ano também
aparece em Vergnaud (1998, p.25):
É certo que não se pode estudar tudo de uma só vez, então será necessário tomar, por exemplo, formação das competências matemáticas ou as competências de leitura, de compreensão de textos, etc. Embora essa redução possa ser criticável em certos aspectos é um passo obrigatório (com a condição que não se tome um objeto de estudo demasiado pequeno). A Teoria dos Campos Conceituais aponta essencialmente no sentido de definir um objeto que seja de um tamanho razoável e de compreender como se desenvolvem os processos de conceitualização ao longo de vários anos.
A possibilidade de apresentar os conteúdos matemáticos com todas essas
modificações apresentadas acima é com certeza um dos pontos centrais do
Ambiente Matematizador. Como professora que sou, iniciando em turmas de
educação infantil e alfabetização, em algumas escolas me vi “amarrada” ao
conteúdo escolar, o que empobrecia minhas aulas. Já naquelas escolas que havia
espaço para inovações, as aulas se tornavam divertidas e interessantes.
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2.3. Situações matemáticas no Ambiente Matematizador
Na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud, as situações têm uma
posição de destaque, pois, a partir delas, podemos alcançar as aprendizagens
significativas em sala de aula, favorecendo os conceitos em rede e verificando os
procedimentos e as representações simbólicas dos alunos. Vivemos situações
diversas no dia-a-dia, mas, aqui, vamos especificar as situações matemáticas no
Ambiente Matematizador, no qual o aluno é desafiado a ampliar seu universo de
conhecimento matemático dentro de um trinômio professor, aluno e saber.
Brousseau (1996, p.49) nos alerta que:
O trabalho do professor consiste, então, em propor ao aluno uma situação de aprendizagem para que elabore seus conhecimentos como resposta pessoal a uma pergunta, e os faça funcionar ou os modifique como resposta às exigências do meio e não a um desejo do professor. Há uma grande diferença entre adaptar-se a um problema formulado pelo meio e adaptar-se ao desejo do professor. A significação do conhecimento é completamente diferente.
Outro objetivo importante das situações didáticas no Ambiente Matematizador
é favorecer à professora-pesquisadora condições de observar e “compreender o que
se passa na sala de aula, os procedimentos das crianças, as concepções que elas
têm, para planejar e propor problemas e desafios adequados e pertinentes”.
(VERGNAUD, 1993b, p.81).
2.3.1. Situações contextualizadas que levem o aluno à ação
A palavra contextualização hoje é muito ouvida e falada no âmbito
educacional. Neste trabalho já apresentei a idéia no item 2.2 e mais um vez destaco
os PCN de matemática que fazem referência a necessidade de contextualizar o
ensino em diversos momentos (BRASIL, 1997, p.39):
O processo de transformação do saber científico em saber escolar não passa apenas por mudanças de natureza epistemológica, mas é influenciado por condições de ordem social e cultural que resultam na elaboração de saberes intermediários, como aproximações provisórias, necessárias e intelectualmente formadoras. É o que se pode chamar de contextualização do saber.
95
Na prática, dentro da sala de aula, a contextualização seria a professora-
pesquisadora buscar situações que permitam que o conteúdo escolar seja utilizado
pelos alunos da forma como ele utiliza no seu dia-a-dia, fora da escola. Para isso, é
necessário propor situações didáticas matemáticas que o aluno reconheça como
dele, buscando resolvê-las com entusiasmo e com suas próprias estratégias. Neste
processo de apropriação dos conhecimentos matemáticos, deve se favorecer a
transferência e o aperfeiçoamento desses procedimentos para outros contextos.
No dia 27/09/01, houve na sala de aula uma situação, não planejada pela
professora Darlene, de grande riqueza de conceitos e possibilidade de análise sobre
os diferentes esquemas dos alunos. No início da aula, a professora-pesquisadora
costumava sentar no chão com os alunos e fazer a hora da novidade. Nesse
momento, os alunos e a professora falavam sobre assuntos diversos. Nesse dia, foi
lembrado que o dia de ir ao cinema estava chegando. Alguns alunos gritaram que
faltavam 10 dias e outros, 11 dias. A professora-pesquisadora sugeriu que olhassem
no calendário e fizessem as contas. Como estava no fim do mês e o passeio era no
outro mês, criou-se um problema a mais para resolver a situação-problema. Os
alunos foram para a mesa, pegaram lápis e papel, consultaram o calendário,
buscaram palitinhos, tampinhas, contaram nos dedos, mas os resultados não
coincidiam. Após um certo tempo, a professora Darlene chamou um voluntário para
mostrar como havia feito a contagem. Após muita discussão e contagem, chegou-se
à resposta de 10 dias. Pude observar o envolvimento da turma, os alunos buscavam
entender e achar sua própria resposta. As aprendizagens matemáticas desta
atividade envolveram medida de tempo, cálculos e tratamento de informação, além
da mudança na forma de lidar e entender o calendário, relacionando-o com outros
conceitos.
Além dos projetos já citados (item 2.1.1) que favoreceram situações criativas
e envolveram os alunos, relato a aula do dia 08/05/02, após um mês de greve.
Depois de uma semana de retorno às aulas, a professora Darlene havia observado,
em situações diversas, que havia na sala alguns alunos que ainda não contavam
com segurança, trocando a ordem dos números de lugar. Também percebeu que
alguns ainda não faziam relação número-quantidade. Em relação ao nome, a
maioria dos alunos já identificava seu próprio nome, mas ainda não identificava o
nome do colega. No dia 06/05/02, encontramo-nos para discutir e planejar. A
96
professora-pesquisadora relatou para mim suas observações. Visando trabalhar o
prenome dos alunos e relacioná-los com a matemática, planejamos para o dia
08/05/02 situações didáticas que envolviam atividades com o nome dos alunos,
contagem, ordenação, comparação e classificação.
Inicialmente, cada aluno recebeu seu crachá que teve, na sua entrega, o
destaque da quantidade de letras de cada nome. Após todos terem recebido os
crachás, a professora Darlene sugeriu que fosse montada uma tabela, organizando
os nomes pelas quantidades de letras. Ela iniciou com a quantidade de 4 letras.
Pediu que levantasse a mão quem tinha 4 letras no nome, contava quantos alunos e
seguia para a quantidade 5. Essa atividade despertou grande interesse dos alunos.
Eles contavam com a professora e acompanhavam o preenchimento da tabela (a
tabela construída aparece na foto 2, na página 87). Foi interessante quando os
alunos perceberam que um dos alunos, que dava a resposta sempre rápida e
correta, estava consultando um cartaz feito antes da greve. No primeiro momento,
eles acreditaram que essa atitude era errada e que a professora Darlene brigaria,
mas ela estimulou tal atitude, esclarecendo que só quem estava entendendo poderia
achar a resposta. O Ambiente Matematizador destaca a necessidade de
disponibilizar materiais e informações para os alunos, favorecendo a participação
ativa nas situações. O crachá e o cartaz permitiram aos alunos participar da
atividade com entendimento e entusiasmo.
Observe, na próxima página, na foto 3 , que a professora-pesquisadora
Darlene mostra um crachá para que os alunos identifiquem de quem é. Atrás da
aluna no final da sala, está o cartaz que mais tarde vai ajudar os alunos a verificarem
a contagem de quantos nomes há com cada letra.
97
Dando continuidade à situação didaticamente planejada, foi proposta a
construção de um gráfico com os dados da tabela. Após uma conversa, foi
constatado que os alunos nunca haviam feito um gráfico, mas sabiam o que era.
Eles continuavam muito atentos ao que a professora Darlene fazia no quadro. Eles,
que normalmente eram uma turma agitada e tagarela, estavam em silêncio e
prestando atenção. Depois do gráfico pronto no quadro, conversaram sobre as
informações nele contidas, compararam os dados, somaram, subtraíram e
receberam uma folha para construir seu próprio gráfico. Na folha já havia a base do
gráfico, mas faltavam os registros dos dados, os quais os alunos fizeram em suas
mesas individualmente, mas discutindo com o grupo.
Essa situação apresentada favoreceu uma riqueza de conceitos buscando a
aprendizagem significativa. Foi possível para os alunos visualizarem a utilização dos
números e suas quantidades, reforçando a relação número/quantidade. Outras
ações como comparar, adicionar, subtrair, trabalhar noções de geometria (medindo,
riscando e organizando o gráfico) e relacionar o conteúdo matemático com outras
disciplinas também foram proporcionadas. É importante destacar que o aluno
constrói o verdadeiro entendimento de um conceito, quando o utiliza em situações
desafiadoras e interessantes.
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Além de possibilitar ao aluno as aprendizagens citadas, a situação ocorrida
dentro do Ambiente Matematizador permitiu à professora-pesquisadora conhecer e
observar as hipóteses dos alunos sobre diferentes conteúdos, não só matemáticos.
De acordo com Vergnaud (1995. Não paginado):
A Teoria dos Campos Conceituais é primeiramente um meio, a maneira de como mudar a representação, enriquecê-la, de modo que a ação esteja mais adaptada, mais fina no diagnóstico e na ajuda e na proposição de situações.
A oferta de situações matemáticas contextualizadas e ricas exigiu da
professora Darlene uma postura diferente em sala de aula. Ela passou a rever certos
princípios e a apresentar procedimentos diferentes durante as situações do dia-a-dia
escolar. Essa questão será tratada no próximo item.
2.4. Procedimentos dos alunos, da professora-pesquisadora e da
pesquisadora-professora
Ao analisar os procedimentos, é interessante esclarecer que significa a forma
de fazer alguma coisa. Os procedimentos são guiados pelos conceitos que se tem
sobre algo e também pelo esquema de pensamento. Vergnaud (1995. Não
paginado) nos alerta para o problema de confundir procedimentos com esquemas:
Não gosto muito da palavra “procedimentos”. Nada tenho contra essa palavra quando ela expressa um modo de agir, mas há um desvio teórico quando lhe é dado um status teórico forte. Opor o saber processual ao saber conceitual. Caso não prestemos atenção o conceito de procedimento pode eliminar o conceito de esquema, e especialmente, minimizar o aspecto conceitual do esquema, que representa na minha teoria os invariantes operacionais.
Sendo assim, esclareço que o procedimento apresentado, ou seja, a
performance utilizada pelo aluno ou professor em diferentes situações, pode nos
fornecer dados sobre o esquema presente na situação. O esquema (melhor definido
no item 2.2) aqui é visto como uma organização de ações, compostas de invariantes
operacionais que se mantêm e são transferidas para outras situações. É muito
importante na aprendizagem, em especial no Ambiente Matematizador, que o aluno
99
e o professor tomem consciência do esquema que vêm utilizando, para poder
provocar em seus procedimentos as mudanças necessárias ou a transferência para
outras situações.
Nesta pesquisa tanto a pesquisadora-professora, como a professora-
pesquisadora e seus alunos apresentam procedimentos que devem ser observados
e analisados. Se o professor acreditar que o aluno aprende sozinho, em silêncio e
uma coisa de cada vez, assim ele vai proceder em sua aula. A partir do momento em
que ele acreditar que o aluno aprende num “amaranhado” de conceitos, discutindo
com seus colegas e refletindo seus esquemas, sua aula será estruturada de forma
diferente.
O mesmo ocorre com o aluno. Se ele se apresenta tal entendimento sobre
algum conceito, ele procederá de acordo com esse entendimento. Por exemplo, no
dia 18/09/01, cada aluno recebeu um relógio de cartolina, com ponteiros que se
moviam, enquanto que a professora Darlene desafiava os alunos a representarem
as horas que ela ia falando. Inicialmente, poucos alunos utilizavam a contagem de 5
em 5 minutos para marcar a hora, enquanto os outros necessitavam contar de 1 em
1. Pouco adiantava a professora Darlene e seus colegas afirmarem que bastava
contar de 5 em 5. Só com o passar dos dias, nos quais a professora-pesquisadora
repetia a situação, é que esses alunos foram modificando seu procedimento e se
convenceram que era possível contar de 5 em 5 os minutos. Acredito que a ação
exercida sobre o conceito, ou seja, o procedimento do aluno, estimulado pela
professora-pesquisadora, é que favoreceu a modificação no conceito.
É interessante como hoje me incomoda entrar em uma escola silenciosa,
onde os alunos trabalham cada um em sua carteira, enfileirados, olhando somente
para o professor e tendo como material de apoio apenas o livro didático. A
professora Darlene, no dia 14/01/03, na entrevista final desta pesquisa, levantou
essa questão. Ela afirma que se assusta quando vê uma sala com silêncio demais,
gosta de ver os alunos trocando ideias, buscando materiais, mesmo que com isso
receba críticas das colegas de que sua turma é muito agitada. Ela completa:
Respeito aquele aluno que quer trabalhar sozinho, que naquele momento fez a opção pela reflexão individual, mas toda a sala fez essa opção? Isso me assusta. Será que se aprende sozinho quando se precisa do grupo? Olha a Zona do Desenvolvimento Proximal ai!
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Para concluir este item, gostaria de destacar dois procedimentos da
professora-pesquisadora muito importantes para o Ambiente Matematizador: a
postura de que a professora também erra e a possibilidade de consulta de
informações. No dia 08/05/02, numa situação já relatada neste trabalho, no item
2.3.1, aconteceram os dois procedimentos. Nesse dia, a professora Darlene estava
preenchendo uma tabela com a quantidade de letras em cada nome. Ao perceber
que havia um aluno consultando um cartaz que estava na parede para achar a
resposta, ela chamou a atenção da turma para o que ele estava fazendo,
estimulando que todos fizessem o mesmo. Tal procedimento trouxe ainda mais
participação e entendimento dos alunos na atividade. Após a tabela pronta, a
professora-pesquisadora convidou os alunos a montarem um gráfico. Fez com eles
no quadro e depois entregou uma folha com a base do gráfico, para que cada um
fizesse o seu. Os alunos, assim que iam recebendo o gráfico, começaram a gritar
que estava faltando o zero. A professora Darlene reconheceu o seu erro e pediu que
todos arrumassem na folha.
A tranquilidade na qual a professora-pesquisadora encaminhou tais questões
são fundamentais para o Ambiente Matematizador. Enriquecer a sala de aula com
diferentes informações faz parte da proposta, os alunos precisam aprender a buscar
as informações disponíveis no ambiente. Durante os dois anos da pesquisa, a
professora-pesquisadora sempre manteve esse procedimento. A cada nova situação
ou projeto, enriquecia a sala com informações que permaneciam disponíveis,
mesmo durante as atividades dos alunos. Assim também os materiais de contagem
que os alunos podiam usar no momento que quisessem.
Proceder em sala, reconhecendo para os alunos que errou ou que não sabe
alguma coisa, exige uma mudança de postura do professor. Como as aulas da
professora Darlene eram enriquecidas com questões trazidas pelos alunos, diversas
vezes não sabíamos (Darlene e eu) as respostas. Nesses momentos, tínhamos a
tranquilidade de que o melhor procedimento era reconhecer que não sabíamos e
propor uma pesquisa sobre o assunto. No capítulo I, item 2.3, escrevo sobre a
necessidade de se trabalhar o erro de forma diferente. Se desejarmos que o aluno
apresente sua hipótese sobre certo conhecimento, mesmo que errada ou
incompleta, precisamos trabalhar com a tranquilidade que o errar e o não saber
fazem parte do processo de aprender e ensinar.
101
Conforme foi possível observar, os procedimentos em uma aula são bem
variáveis e envolvem a forma de agir de professores e alunos. Neste trabalho,
destacarei alguns aspectos dos procedimentos identificados na pesquisa, que serão
apresentados a seguir em quatro itens: intervenção e mediação; relações pessoais;
contrato didático; e avaliação.
2.4.1. Mediação e intervenção no Ambiente Matematizador
Conceituar e diferenciar os termos mediação e intervenção por vezes levam
educadores a discussões intermináveis. É possível identificar em nossa vida
diversas mediações e intervenções que ora fazemos e ora sofremos. De forma geral,
posso dizer que mediação é um processo de intervenção, que inclui um novo
elemento em uma relação (ou vice-versa). Ambos os termos estão tão relacionados,
que acredito na impossibilidade de defini-los isoladamente.
Vejo a mediação didática como uma “ponte” construída entre o conhecimento
e o sujeito que aprende e ensina. Na sala de aula, seriam as falas, as brincadeiras,
as situações, os materiais, os jogos, etc, que aparecem para favorecer a intervenção
durante o processo de aprender e ensinar um certo conhecimento. Vale ressaltar
que não é só o professor que faz a mediação e a intervenção. Alunos, leituras,
atividades, pessoas envolvidas ou não no processo de aprendizagem, entre outros,
também a executam.
A mediação e a intervenção aparecem durante o processo de aprender e
ensinar como uma “peça do quebra-cabeça” que está faltando em uma situação-
problema e podem acontecer de forma consciente ou inconsciente, ou seja, às vezes
com uma fala, um gesto, mesmo que não planejado, interferimos no resultado de um
problema. No Ambiente Matematizador, espera-se que a professora-pesquisadora
se utilize das mediações e intervenções possíveis para acrescentar no processo de
aprender e ensinar de seu aluno.
Aqui cabe destacar Vigotski (1998) que, em suas pesquisas, trabalhou com a
noção de que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas
fundamentalmente uma relação mediada. Ele, em seus trabalhos, apresentou o
conceito muito usado na esfera educacional, a Zona do Desenvolvimento Proximal
102
ou Zona do Desenvolvimento Imediato, denominação que aparece na nova tradução
feita por Paulo Bezerra para o livro A Construção do pensamento e da linguagem
(VIGOTSKI, 2000). Farei a opção por utilizar a terminologia mais comumente
conhecida, Zona do Desenvolvimento Proximal.
De acordo com Vigotski, é na Zona do Desenvolvimento Proximal que a
mediação e a intervenção são mais eficientes. “A zona do desenvolvimento proximal
define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo
de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em
estado embrionário” (VIGOTSKI, 1998, p. 113). Um grande desafio para o professor
é identificar esse momento. Às vezes cabe uma postura acolhedora do professor
para o aluno, às vezes cabe uma postura de ruptura. Um dos procedimentos mais
delicados que recai sobre o professor é o que se refere às rupturas. O professor
precisa conhecer o aluno, identificar sua hipótese e ter sensibilidade para identificar
o momento de acolhimento ou o momento de desestabilizar as convicções, sejam
elas implícitas ou explícitas. No dia 15/05/02, a professora Darlene relatou uma aula
em que organizou os grupos de forma a ficar mais próxima de um grupo de crianças
que a estavam preocupando. Ela queria observar os procedimentos desses alunos
em determinadas situações:
Hoje, na intervenção por grupo, foi bom, porque eu fiz a intervenção com o aluno X. Problema na conservação de quantidade: cinco tampinhas brancas e cinco vermelhas. Distanciava uma da outra e ele falava que tinha mais. Às vezes ele falava que tinha menos, até nas que estavam juntas. Não entendi a lógica dele! Eu deixei! Depois eu fiz com a aluna Y. Quando eu perguntei: “Onde tem mais? Tem mais brancas ou vermelhas?” Ela: “Do mesmo jeito”. Eu achei fantástico quando ela falou bem calma “do mesmo jeito”. Foi muito bom! Enquanto isso, nos grupos, eles trabalhavam muito. Teve um grupo fantástico e eu não tive como acompanhar. O problema era assim: cada latinha valia 3 pontos. Coloquei 11 latinhas, escrito em cada latinha 3 pontos. Eles foram para esse grupo e não sabiam o que fazer. “Por que vocês não inventam? Vamos contar os pontos das latinhas. Quantos pontos tem aqui?” E aí um falou: “Espera aí eu vou pegar o papel”. Eu não segui o processo, pois eram muitas situações, mas eles deram a resposta 33 pontos, sabe? Eu falei é mesmo? Que bom! Que bom! Mas eu não pedi pra eles me mostrarem o processo. Foi a minha falha.
Nesse relato, é possível perceber que, apesar da professora-pesquisadora
buscar situações que favoreçam um procedimento mais próximo dos alunos,
acolhendo e propondo desafios, ela esbarra em problemas reais da sala de aula:
103
uma professora para 23 alunos, sendo um portador de necessidades especiais.
Muitas vezes, mesmo percebendo que se trata de um momento rico para uma
intervenção, não é possível fazê-la. Nessa situação, o máximo que conseguiu fazer
foi uma mediação, que deixou os alunos estimulados a buscar uma resposta. Mais
uma vez, é possível perceber a importância, para o Ambiente Matematizador, de
deixar ao alcance dos alunos materiais de apoio. O aluno não esperou a professora
Darlene falar para pegar a folha e o lápis, ele sabia que seria necessário e não teve
dúvida em buscá-los.
Na situação relatada, a professora-pesquisadora, ao tentar intervir junto ao
aluno com dificuldade, optou por acolhê-lo, deixando-o tranquilo na própria lógica.
Esse aluno, na avaliação da professora-pesquisadora, vai precisar de mais tempo
para reorganizar seu raciocínio, por isso ela fez a opção de deixá-lo à vontade.
Durante todo o ano, a professora Darlene vai citar esse aluno como um desafio. No
dia 05/06/02, ela torna a verbalizar sua dificuldade em intervir com o aluno, citando
seu desinteresse e dificuldade: “Parece que não consigo alcançá-lo”. Apesar do
Ambiente Matematizador buscar favorecer a mediação e a intervenção, é possível
perceber nessa fala que uma mediação nem sempre acontece com tranquilidade,
sendo inclusive um ato de angústia e busca por parte da professora Darlene.
Vergnaud (1995. Não paginado) destaca como uma das características da Teoria
dos Campos Conceituais o estímulo dado ao professor para que ele observe, analise
e intervenha no processo de construção de um conceito pelo seu aluno. Ele afirma
que acredita “muito no bom senso dos docentes, sempre que lhes for oferecido
meios. (...) Necessitamos de muitos elementos para propor acolhimentos e ruptura, e
que os docentes desenvolvem um saber prático sobre isso, um certo diagnóstico,
uma intervenção, que mostra que a gente tem uma pequena ideia de que tipo de
informação suplementar ou estímulo devemos dar para a criança”. Ainda de acordo
com Vergnaud (1995. Não paginado), “o primeiro ato de mediação é a apresentação
de uma situação”, mas não uma situação qualquer, mas uma situação que vá ao
encontro do pensamento do aluno e o desafie. Quando a professora Darlene
verbaliza sua angústia “no como” mediar seu aluno, ela enfrenta um problema real e
que passa pela necessidade de ser uma professora-pesquisadora, buscando
sempre novas soluções. Esta é a proposta do Ambiente Matematizador: favorecer à
professora-pesquisadora condições de buscar os caminhos possíveis e escolher o
mais apropriado para cada caso, sem a necessidade de utilizar modelos ou regras
104
de como fazer em cada caso. Nesta ótica, podemos ver o Ambiente Matematizador
como um mediador entre a professora-pesquisadora e o objetivo de aprender e
ensinar aos seus alunos da melhor maneira possível. Nesta questão, destaco a
importância do grupo de professores na escola. Infelizmente, a professora Darlene
não encontrou na escola durante os anos pesquisados condições para discutir e
estudar sobre suas dificuldades em sala. Percebo que o professor Cristiano e eu
fizemos esse papel durante a pesquisa. A professora Darlene afirma em nossa
última entrevista, no dia 21/01/03, “que se sente segura com o professor Cristiano
por perto e que já sente saudades de nossas conversas e planejamentos juntas”.
Posso afirmar que essa foi uma forma de mediação que exercermos (professor
Cristiano e eu) sobre a professora Darlene.
No dia 29/11/01, fui para sala com a professora Darlene, filmar a aula. As
carteiras dos alunos estavam enfileiradas individualmente. A professora-
pesquisadora entregou uma folha com atividades matemáticas (Anexo B) que
visavam sistematizar as aprendizagens dos alunos em relação a contagem de 1 a
100, cálculos de adição e subtração e representações de quantidades utilizando o
material dourado16. A professora Darlene fazia a leitura da atividade da folha em voz
alta, explicava o que deveria ser feito e, andando pela sala, observava e parava nas
carteiras dos alunos, fazendo suas mediações e intervenções. Os alunos podiam
levantar e buscar os materiais de contagem caso achassem necessário. Ela
reforçava, porém, que cada um deveria fazer a atividade do seu jeito, sem copiar do
colega.
Durante a atividade, houve uma aluna que estava dando a resposta do dever
para uma colega com dificuldade e a professora Darlene pediu que deixasse que a
coleguinha fizesse do seu jeito. A aluna argumentou: “Você também está ajudando! ”
Darlene explicou que era diferente, que ela não estava dizendo a resposta, mas sim
explicando o dever. Meio a “contragosto”, a aluna não ajudou mais e se dispôs a
buscar o material dourado, deixando-o na mesa da colega.
Nessa situação, confesso que me assustei quando cheguei na sala e
encontrei os alunos enfileirados. No Ambiente Matematizador, o grupo é muito
16 Material Dourado foi criado pela médica italiana Maria Montessori (1870-1952) sendo amplamente utilizado nas escolas brasileiras. Ele é constituído de peças de borracha ou madeira em quatro tipos: cubo, placa, barra e cubinho. Ele permite que os alunos façam correspondência entre essas peças e o sistema de numeração decimal (unidade, centena, dezena e milhar).
105
valorizado, apesar de não eliminar o trabalho individual. No próximo item, 2.4.2,
estarei analisando melhor esse aspecto.
É interessante perceber que a mediação, feita pela professora-pesquisadora
durante a atividade relatada, não visava dar a resposta certa, mas sim esclarecer e
fornecer dados para que o aluno chegasse a uma resposta. Mas, mesmo assim, ela
foi questionada por uma aluna. No Ambiente Matematizador, a mediação e a
intervenção não ficam somente a cargo da professora-pesquisadora, elas podem
acontecer entre os colegas. Nesse caso, a tendência é de o aluno que já concluiu a
tarefa dar a resposta certa para o colega que não terminou. É importante trabalhar
nesse aluno uma forma diferente de ajudar o colega, sem dar a resposta, mas sim
mediar sobre o conhecimento, fazendo o colega pensar e enxergar o que está
faltando. A forma que a professora Darlene encontrou para trabalhar essa questão
foi estimular os alunos a buscar o entendimento e não somente a resposta certa. É
interessante que, após a professora-pesquisadora solicitar que a aluna não ajudasse
daquela forma, ela tenha buscado o material dourado, que naquele momento fazia o
papel de mediador entre o dever da folha e a resposta que deveria ser dada.
Reafirmo a necessidade de que no Ambiente Matematizador o professor favoreça
uma sala com diferentes materiais concretos, livros e cartazes que possam exercer
esse papel de mediador entre o conhecimento e o sujeito que aprende e ensina.
No dia 01/11/01, a turma pesquisada desenvolveu o Projeto da Lojinha, já
citado neste capitulo, no item 2.1.1. Nesse dia, os alunos simulavam uma lojinha de
brinquedos, estipulando o preço das mercadorias, e depois compravam com o
dinheiro de mentira que recebiam. Alguns alunos ficavam no caixa e a professora
Darlene passava a maior parte do tempo ali do lado, observando, mediando e
intervindo nos pagamentos e nos trocos. Várias vezes ela precisou pedir calma para
que os alunos dessem tempo para que os colegas entendessem o que estava
acontecendo, deixando claro que não queria somente a resposta certa, mas também
que todos entendessem da melhor maneira possível. Um aluno que foi pagar suas
compras ficava na fila gritando o valor do troco. A professora Darlene pedia calma,
solicitando respeito ao colega. Foi interessante que, na vez dele, ele apresentou
suas compras já organizadas em grupos de 2 reais, acredito que para facilitar o
entendimento do caixa, o que realmente facilitou. Essa foi a forma que o aluno
encontrou de ajudar o colega que estava no caixa, sem necessariamente dar a
106
resposta certa. Ele fez sua mediação entre a atividade que deveria ser feita e o
resultado final.
Ainda nessa atividade da lojinha, os alunos davam o troco por etapas,
calculando um brinquedo de cada vez. Eles contavam nos dedos e quando o
número era muito grande, juntavam os dedos da professora na contagem. A
professora Darlene, após perceber que os alunos do caixa já resolviam bem essa
situação, fez a seguinte intervenção: “Vamos juntar tudo para depois dar o troco? ”
No primeiro momento, os alunos do caixa não consideraram a proposta, mas a
professora insistiu e eles acabaram modificando a forma de calcular. Foi
interessante que nesse momento um dos alunos do caixa sugeriu que os preços
fossem anotados em um papel, ficando claro o caráter positivo da intervenção da
professora. O registro é uma forma ainda mais refinada de se trabalhar um conceito,
mas essa questão será mais bem detalhada no item 2.5, sobre representação
simbólica.
Destaco a importância da mediação e da intervenção nas situações, afinal
uma situação bem planejada não é garantia de que os alunos utilizarão os
conhecimentos matemáticos esperados. Muniz, em sua tese de doutorado (1999),
observou que, mesmo em jogos com regras que visem levar as crianças a utilizar
contas diversas, elas utilizavam outras estratégias, diferentes das contas esperadas.
Durante os jogos, as crianças estavam preocupadas em possibilitar ao grupo a
visualização de suas jogadas e deixar claro que não estavam “roubando” no jogo.
Sendo assim, é importante que a professora-pesquisadora, na medida do possível,
faça mediações e intervenções que conduzam o aluno às questões matemáticas
esperadas e tenha a tranquilidade de propor atividades interessantes várias vezes
durante o ano, possibilitando um “vai e volta” de conceitos.
Apesar da dificuldade em garantir que durante um jogo o aluno estará
construindo ou reconstruindo um conceito, ele é uma ótima forma de mediação, além
do fato de que durante um jogo os alunos se sentem fora do contexto escolar e
costumam utilizar procedimentos espontâneos, favorecendo observar o conceito e o
esquema presentes.
No dia 21/01/03, durante uma entrevista, a professora Darlene afirma que vê
no jogo a possibilidade de ensinar e fixar um conteúdo ou simplesmente passar o
tempo. O jogo está presente também na proposta do Ambiente Matematizador que
107
sugere que os alunos tenham acesso a diferentes jogos e que sejam planejadas
situações que envolvam todos os alunos.
No dia 23/08/01, os alunos estavam jogando nos grupos áulicos. Cada grupo
tinha um jogo diferente e Darlene e eu íamos passando nos grupos, fazendo nossas
observações e intervenções. Parei no grupo do tangram17. Buscando favorecer a
construção e a sistematização dos conhecimentos geométricos, dei duas sugestões.
A primeira, aceita pelo grupo, era que tentassem formar as figuras que estavam
desenhadas nas fichas que acompanhavam o jogo, possibilitando observar as
formas e os tamanhos. Eles, que estavam misturando as formas sem muita ordem e
começavam a se desinteressar pelo jogo, entusiasmaram-se com o desafio. Já a
segunda sugestão não foi levada em consideração. Sugeri que formassem seus
próprios desenhos e fizessem o registro na folha branca, buscando sistematizar as
descobertas. Alguns alunos do grupo começaram, mas logo abandonaram o registro
sugerido, levados pelo primeiro desafio, o de formar os desenhos que estavam nas
fichas do tangram. Acredito que caso não houvesse acontecido minha intervenção
na forma de brincar com o tangram, ele logo seria abandonado pelo grupo, o que
mais uma vez vem mostrar a importância da intervenção.
Nesse caso, é possível perceber como a professora Darlene realmente deixa
as crianças à vontade, com a possibilidade de estabelecer suas próprias regras.
Confesso minha frustração quando não fui ouvida pelo grupo, mas essa é a proposta
do Ambiente Matematizador, que exige uma mudança de postura da professora-
pesquisadora. É importante acreditar, nesse momento, que o aprender e ensinar não
vem somente da atividade da professora, mas que o grupo age sobre esse
processo, inclusive levando em consideração o momento em que cada um se
encontra.
Outra dificuldade, envolvendo os princípios da pesquisa-ação, é a
impossibilidade de observar, neste momento, a professora-pesquisadora
trabalhando. Havíamos planejado previamente para esse dia que ela e eu
estaríamos observando e interferindo nos grupos, assim me envolvi com as crianças
e deixei a professora Darlene sozinha. Não acredito que tenha sido uma perda, mas
sim uma opção coerente com a pesquisa-ação.
17 Tangram é um milenar jogo de quebra-cabeça chinês. Ele é formado de 7 peças geométricas, que juntas formam um quadrado. Utilizando todas as peças e sem colocar nenhuma em cima da outra formam-se diversas formas.
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No dia 27/09/01, mais uma vez os alunos estavam jogando. Eles estavam
organizados em grupos áulicos e trabalhavam com jogos escolhidos por eles, sendo
que todos os jogos envolviam conhecimentos matemáticos. Nesse dia, a professora
Darlene e eu íamos aos grupos observando os alunos e jogando com eles. Eu
estava envolvida na atividade e não pude observar os procedimentos da professora
Darlene, mas destaco minha participação no grupo do Tiro ao Alvo. O grupo fazia
bastante barulho, brigando pela vez e pela contagem de pontos. Cheguei perto e
intervim, sugerindo que cada um jogasse 3 vezes e tivesse os pontos anotados
numa folha e depois somados. Eles concordaram e começaram a anotar. Fiquei
observando mais um pouco, eles agora esperavam a vez deles com tranquilidade e
olhavam com atenção as anotações que eram feitas na folha por uma aluna. Em
alguns momentos, a aluna espelhava18 os números e os colegas a corrigiam,
dizendo que estava ao contrário. Ela com calma consultava o mural da sala que
continha os números, apagava o número que estava espelhado e fazia de novo. No
meio do jogo, chegou mais um aluno querendo jogar. Ele, então, foi orientado pelo
grupo que precisava esperar pelo fim da jogada. Pude observar que, em outras
situações de jogos surgidas após essa, esses alunos começaram a utilizar o registro
dos pontos em pedaços de papéis, ficando clara a mudança de procedimento na
forma de organizar o jogo, eles agora anotavam os pontos. O jogo foi interrompido
pela chegada da hora do lanche, eles somaram os pontos de 10 em 10 oralmente e
definiram o vencedor. Tive a impressão de que um aluno não conseguiu
acompanhar a contagem dos colegas de 10 em 10, mas ele não discutiu o resultado.
Relatei para a professora Darlene como aconteceu a contagem e ela me informou
que vinha trabalhando a contagem de 10 em 10 quase que diariamente. Ela se
preocupou com o aluno que pareceu não acompanhar a contagem e estabeleceu
como meta observá-lo mais de perto. Coloco no Anexo C o registro dos pontos feito
pela aluna.
18 Espelhar um número ou uma palavra significa escrever o número ao contrário, nos anexos D e G é possível visualizar esse procedimento. No ensino tradicional acredita-se que para o aluno não espelhar é necessário copiar o número ou palavra várias vezes. Hoje se sabe que a cópia não resolve, pois essa dificuldade envolve questões de espaço e lateralidade, que são corrigidas à medida que a criança estabelece uma relação mais saudável com seu próprio corpo.
109
Foto 4: O alvo, uma flanela preta, está fixado na parede. As bolinhas com velcro, quando
jogadas, ficam presas no alvo. É interessante notar a aluna sentada no chão com uma folha, ela, naquele momento, estava encarregada de anotar os pontos.
No dia 08/05/02, após os alunos terminarem uma atividade planejada pela
professora Darlene, foi permitido que pegassem os jogos. Os alunos foram até a
prateleira de jogos, pegaram os jogos que queriam (não só envolvendo a
matemática) e sentaram no chão ou nas carteiras para jogar. Participei de um grupo
que jogou o Pega Vareta, um tradicional jogo de varetas coloridas, na qual os alunos
espalham as varetas no chão e precisam pegar o maior número delas, sem mexer
nas outras.
Eu – Posso filmar vocês jogando? Alunos – Pode. (Sem ligarem para a câmera) Eu – O que vocês estão jogando? Aluno 1 – Palito Eu – Que jogo é esse? Aluno 2 – Palito (sem parar de jogar) Eu – Como é que se joga? Aluno 1 – Se mexer já era. Eu – E quem ganha o jogo? Aluno 1 – Quem tiver mais palitos. OBS: Os alunos não se preocupam em responder minhas perguntas, estão
bastante envolvidos no jogo e respondem sem parar de jogar. Eu – E a cor?? OBS: Continuam jogando e sou abandonada pelo grupo.
110
Eu – (insisti) E a cor?? Não vale nada? O que vocês acham se a gente
colocasse pontos para a cor? OBS: Ínsito, mas continuam jogando. Ignoram totalmente minha fala. Darlene – Iiii... Sua proposta não passou!! Aluno 3 – Roubou! Eu – O que é roubou? Aluno 1 – É que tem hora que ele mexe e não pára. OBS: As crianças estão discutindo quem joga depois de quem. Eu – Quem joga primeiro? Aluno 2 – Eu Eu – E depois? Aluno 2 – Ela! Eu – E ela? Aluno 2 – É depois. (eles não seguem a tradicional ordem do relógio.)
Continuei observando o jogo mais um pouco. Nesta situação, destaco a
indiferença com que fui tratada pelo grupo. Eles estabeleceram suas regras e seus
procedimentos durante o jogo e não aceitaram minha interferência. Quando intervim
no jogo das varetas, sugerindo que usassem as cores para valer ponto nas
contagens das varetas que iam retirando, imaginei que assim pudessem aparecer as
operações e os registros da adição e da multiplicação e, quem sabe, até uma tabela.
Entretanto, eles não se interessaram pela proposta, queriam simplesmente tirar as
varetas e estavam muito preocupados em fiscalizar se o colega estava “roubando”
ou não. Continuaram a jogar do jeito deles e no final ganhou o que tinha mais
varetas. Para meu desapontamento, não quiseram nem anotar os pontos, afinal já
“sabiam de cor”.
Mais uma vez, observo a postura de autonomia dos alunos em não concordar
comigo, uma consequência do procedimento da professora Darlene, que procura
sempre discutir com os alunos as regras e problemas que surgem durante a aula,
respeitando os diferentes pontos de vista. Os alunos são estimulados a escolher os
jogos e estabelecer as próprias regras. Quando a professora-pesquisadora sente a
necessidade de apresentar uma nova regra, ela apresenta ao grupo e se dispõe a
jogá-lo com os alunos. É interessante destacar que nem sempre o grupo aceita as
regras da professora-pesquisadora. Eles jogam do jeito dela quanto ela está no jogo,
mas depois voltam para o jogo do jeito deles. Vergnaud (1998, p.25) alerta para a
necessidade de oferecer situações que propiciem “novas competências, não só
matemáticas, mas competências para discutir, para seduzir, elaborar e cooperar,
entrar em conflito com os outros, para manejar o conflito”. O Jogo de Pega Varetas
poderia ser um jogo de adição, de relação cor e valor e de organização de dados,
111
mas os alunos encontraram um jeito de jogar, sem que esses conhecimentos
estivessem presentes. Eles simplesmente contavam as varetas. Foi um
procedimento escolhido por eles e que, em contra-partida, encontrou o procedimento
de respeito da professora-pesquisadora e o meu, pesquisadora-professora. A
mediação seria a forma possível de modificar o jogo, mas dessa vez não alcancei o
resultado cognitivo esperado. Contudo, outras competências foram trabalhadas,
como a de contagem, observação e estratégia, respeito às regras e coordenação
motora. Com a transformação do jogo pelos alunos, a questão do “valor”
apresentada por mim foi expurgada da atividade, porque exigiria estruturas mais
complexas dos alunos.
Nesses relatos, foi possível observar diversas mediações e intervenções,
ocasionadas nas atividades. O mediador nem sempre era eu ou a professora
Darlene. Os jogos, os colegas, os cartazes, os materiais de contagem, entre outros,
fizeram o papel de mediador. Conforme já foi dito, essa postura deve ser estimulada
no Ambiente Matematizador, já que o conhecimento deixa de ser algo de domínio do
professor para passar a ser de toda a sala.
2.4.2. Relações interpessoais constituídas no espaço do Ambiente
Matematizador
As relações interpessoais são as que existem ou se efetuam entre duas ou
mais pessoas. Neste trabalho, destacarei as que estiveram presentes no processo
de aprender e ensinar, dentro do Ambiente Matematizador. Abordarei as ocorridas
entre os alunos e seus pares, entre a professora-pesquisadora e alunos, entre a
professora-pesquisadora e a pesquisadora-professora e, finalmente entre a
professora-pesquisadora e as outras professoras da escola. As relações
interpessoais presentes no Ambiente Matematizador diferenciam-se em razão dos
procedimentos e das situações propostas e tratadas neste trabalho.
112
2.4.2.1. Entre os alunos e seus pares
Entre os diversos procedimentos que a professora-pesquisadora precisava
estar disposta a adotar para trabalhar dentro da proposta do Ambiente
Matematizador está o de proporcionar diferentes relações em sala de aula.
O ensino tradicional vê no silêncio e na obediência requisitos indispensáveis
para a aprendizagem. Em função dessa preocupação, a arquitetura da sala de aula
é usualmente a das carteiras enfileiradas, uma atrás da outra. Dessa forma, os
alunos não conversam, não discutem, possibilitando ao professor o controle
esperado para que consiga ensinar. No Ambiente Matematizador, ocorre exatamente
o contrário: a professora-pesquisadora não é a única que possui o saber, a resposta
certa. Os alunos discutem entre si, encontram respostas diferentes da professora-
pesquisadora, tornam-se realmente atores no processo de aprender e ensinar. Não
é possível que essas trocas aconteçam com os alunos enfileirados. Sendo assim, no
Ambiente Matematizador, o trabalho em grupo é muito estimulado e as carteiras
organizadas em grupos passam a ser a arquitetura principal da sala. A importância
do trabalho em grupo na sala de aula é valorizada também nos PCN de matemática
(BRASIL, 1997, p.41):
Trabalhar coletivamente, por sua vez, supõe uma série de aprendizagens, como:
Perceber que além de buscar a solução para uma situação proposta devem cooperar para resolvê-la e chegar a um consenso.
Saber explicitar o próprio pensamento e tentar compreender o pensamento do outro.
Discutir as próprias dúvidas, assumir que as soluções dos outros fazem sentido e persistir na tentação de construir suas próprias ideias.
Incorporar soluções alternativas, reestruturar e ampliar a compreensão acerca dos conceitos envolvidos nas situações e, desse modo, aprender.
O trabalho em grupo, nos dias de hoje, não é novidade para aqueles
professores que buscam um ensino participativo. A professora Darlene, no dia
21/01/03, relata a importância que o grupo tem para ela:
113
Sempre acreditei no grupo. Talvez porque eu tenha formação de grupo, né? Eu vinha de grupo de jovens, dessa história toda, eu sempre acreditei no grupo. E as idéias quando surgem... É dificílima a convivência e os conflitos que a gente tem que botar para fora. O par, eu acredito na mediação do par. Ela é imediata e poderosa. Ela é altamente poderosa. Eu posso lhe mostrar como eu faço e ver como você faz. Essa mediação... Ela é assim, eu tenho situações na sala de aula que não adiantava a intervenção minha, do pai, da mãe, da orientadora, foi a mediação de quem estava juntinho. O par que funcionou. Então eu acredito muito nisso.
A novidade do grupo no Ambiente Matematizador é a possibilidade de
trabalhar em grupos áulicos. Nesses grupos são estipulados o tempo de trabalho
junto, buscando favorecer as aprendizagens destacadas acima e presentes nos
PCN de matemática. Por definição, grupos áulicos significam grupos de sala de aula.
Fui apresentada a essa proposta através dos cursos do Grupo de Estudos sobre
Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação – GEEMPA, que funciona em Porto
Alegre. A formação dos grupos áulicos deve acontecer após alguns dias de aula, a
fim de que os alunos se conheçam. É interessante que se sigam alguns passos nas
formações dos grupos. Esses passos não são obrigatórios, mas a professora
Darlene utilizou durante todo o ano, nos diversos grupos áulicos que formou.
1º passo: Estabelece-se com a turma quantos grupos serão formados e quantos
alunos em cada grupo. Aqui é possível trabalhar as noções matemáticas do todo, da
divisão e da multiplicação. Acredito ser de bom tamanho um grupo com quatro
alunos, no máximo cinco. Três alunos pode ser pouco e seis alunos, muito.
2º passo: Discutir a importância do trabalho em grupo e as características
necessárias para um bom trabalho. É interessante estabelecer as regras que estarão
presentes durante o processo de formação dos grupos áulicos, como: ninguém pode
ficar sozinho; não vale grupo só de mulher ou só de homem; ou “fulano” e “sicrano”
não podem mais ficar juntos; e outras que se fizerem necessárias. É importante
combinar o dia da próxima eleição, deixando claro que até lá devem permanecer no
mesmo grupo. Aquela história que “briguei com meu colega, quero sair do grupo”
não vai valer. As discussões deverão ser resolvidas no próprio grupo, com a ajuda
da professora se for o caso. Destaco que toda regra deve ser discutida e em alguns
momentos ela poderá ser modificada. A professora Darlene relata, no dia 21/01/03, a
dificuldade enfrentada com um grupo que era formado por três meninas e um
menino:
114
Foi um problema. Ele fazia a maior confusão, brigava, não fazia os deveres, não rendia. Nem ele e nem elas. No começo estava tudo bem, mas depois os colegas começaram a dizer que ele estava no grupo de “mulherzinhas” e começou... Acabei chamando-o para conversar, conversei com o grupo, ele foi para outro grupo e tudo acalmou. Não sei se foi o mais certo, mas não vi outra saída.
Não é possível dizer se está certa ou errada a atitude de “quebrar a regra” e
permitir que o aluno mude de grupo, vale destacar a importância da autonomia da
professora. Hoje ela resolveu assim, mas em outra situação, outro procedimento
pode ser adotado. Por isso, esses passos são sugestões que deverão ser
analisadas, refletidas, discutidas e adaptadas sempre que necessário.
3º passo: Cada aluno vota no colega que gostaria de trabalhar junto. Os alunos mais
votados serão os líderes. Lembro-me de uma situação em 1999, em que era
coordenadora pedagógica da Escola Classe 312 Norte. Estava substituindo uma
professora de licença médica por 15 dias e sua turma era muito desunida. Todos
tinham apelidos e se tratavam de forma agressiva e impaciente. Propus a formação
de grupos áulicos, fizemos a eleição para a escolha dos líderes e na hora da
contagem dos votos, dois alunos tinham dois votos e os outros, um cada, mostrando
que cada um havia votado em si mesmo. Tal situação foi uma surpresa e me
mostrou como eles estavam se sentindo sozinhos na sala. Propus uma nova eleição,
com a condição de que não votassem neles mesmos, mas buscassem na sala um
colega para trabalharem juntos. Foi, a partir daí, que encontrei condições de
trabalhar com a turma conceitos de solidariedade, amizade e respeito.
4º passo: Contagem dos votos, marcando no quadro o voto que cada aluno tem.
Pode-se fazer uma lista ou uma tabela para ir anotando no quadro o voto de cada
aluno.
5º passo: Observando os alunos mais votados, selecionam-se os lideres. Os alunos
escolhidos são consultados se aceitam o cargo, eles podem ou não aceitar. Caso
haja empate ou faltem líderes para formar os grupos estabelecidos no 1º passo,
mantêm-se os já eleitos e faz-se uma nova eleição, com os nomes empatados. Só é
possível passar para o próximo passo após ter definido quais serão os líderes dos
grupos. É importante a lisura nesse processo, sendo os líderes apenas aqueles
escolhidos pelos alunos. Em alguns momentos, nós, professores, queremos intervir,
escolhendo aquele que no nosso ver seria um bom líder, mas essa não é a
proposta. A proposta é que os alunos escolham seus líderes, o que dará ao grupo a
115
responsabilidade sobre a escolha. No dia 08/01/03, a professora Darlene relata um
fato ocorrido durante a eleição de grupo:
Acho que o aluno X foi eleito por peninha, eu li assim. A aluna Y é uma líder nata, faz seu “lobby”... Na hora que o aluno X foi eleito, quando ele foi compor o grupo, ele chamava um, que respondia: Eu não quero. Ele chamava outro que dizia: Eu não quero. Outro não quero. Outro não quero. Então um aluno levantou e falou assim: “Espera ai, mas vocês não votaram nele? Por que vocês votaram nele, se vocês não queriam participar do grupo dele?” E ficou sem resposta. Eu falei: “Muito bem! Eu também concordo com você. Eu acho quem votou no aluno X para ser líder, tem um compromisso com ele”. E ai ficaram “hememememe”... e acabaram formando. Eu tive que dar uma entrada. Isso tudo só vem à tona com a eleição.
Nesse relato, é possível visualizar a importância de respeitar a escolha dos
alunos, pois é ela que vai dar o comprometimento necessário à escolha feita. O voto
dado é um voto de confiança no colega escolhido, não pode ser vendido, negociado
ou qualquer outra coisa. Esse é um importante conceito de participação cidadã.
6º passo: Os líderes vão para frente da sala convidar os colegas para fazerem parte
de seu grupo. Chamam um e passam a vez para o outro líder. É necessário que a
partir do momento que o líder não estiver mais sozinho, ele ouça os que já integram
o grupo para continuar a formação do mesmo. Proceda dessa forma até a penúltima
rodada. Então inverta o processo. Os alunos que ficaram de fora dos grupos agora
vão escolher o grupo em que gostariam de participar. Ninguém é obrigado a ir para o
grupo e nem o grupo a aceitar mais um elemento, é sempre um processo de
conquista. Nesse passo, costumam ocorrer alguns choros e discussões entre
aqueles que não são escolhidos. É um momento doloroso, mas importante. Aqui é
possível trazer à tona questões que normalmente não são discutidas em sala:
discriminações e preconceito. Essas questões existem independentemente da
eleição dos grupos áulicos. Esse momento exige muita sensibilidade da professora.
Ela precisa acreditar na possibilidade de mudança, na força do grupo para modificar
as relações. Há aquele aluno que não é escolhido porque não faz os deveres,
porque bate, porque é bagunceiro, é o momento de conversar com ele, buscando
uma postura de compromisso perante os colegas. Mas há também aquele aluno que
não é escolhido porque é negro, deficiente, vem com uniforme sujo, é o momento de
discutir esses critérios com o grupo. É válido destacar como as relações na sala se
tornam mais respeitosas e fraternas no decorrer das eleições. Alguns alunos só são
116
líderes uma vez, encontrando depois uma rejeição por sua autoridade e impaciência,
enquanto outros líderes, que no primeiro momento são rejeitados pelos colegas por
razões menores, podem virar o jogo, mostrando-se líderes natos. No geral, todos
querem ser líderes em algum momento, mas não necessariamente o tempo todo.
Alguns alunos recusam a liderança, querendo participar do grupo, sem ser líder.
7º passo: após o grupo formado, eles organizam suas carteiras e vão juntos escolher
um nome para o grupo.
8º passo: Mapear a sala, fazendo um desenho representando o lugar de cada grupo
e os alunos que o integram. Eu, como professora, costumava fazer um cartaz com
essas informações e fixar na parede. A professora Darlene encontrou uma forma
diferente de fazer esse mapeamento. Cada grupo escreve em uma folha branca o
nome escolhido para o grupo e os nomes de seus integrantes e, ao terminar,
entrega a folha para a professora, que dependura-a no teto com um barbante.
Foto 5: Tirada no dia 08/05/02, ainda no início da aula. É possível observar as folhas
penduradas no teto para identificar os grupos. Destaco também o fundo da sala com diversos materiais de apoio para os alunos e professora-pesquisadora utilizarem durante as aulas.
O grupo áulico foi uma alternativa, mas na constituição do Ambiente
Matematizador outras formas de formação de grupo são possíveis: O importante é a
constituição de um espaço de socialização, confronto e troca. O trabalho com grupos
117
áulicos já fazia parte do planejamento da professora Darlene desde 1999, ano que
chegou à Escola Classe 312 Norte. Tal procedimento de formação de grupo era
estimulado pela direção e coordenação (da qual eu fazia parte) da escola na época
e a maioria dos professores a utilizava. Após a mudança da direção, algumas
professoras permaneceram com a proposta e outras não. A importância dos grupos
áulicos no Ambiente Matematizador passa pela necessidade de se estabelecer na
sala de aula um ambiente de respeito e solidariedade, no qual os alunos possam se
sentir entre amigos, num ambiente em que se discutem as questões que poderiam
atrapalhar o processo de aprender e ensinar. Realizar a eleição não é um princípio
essencial para que aconteça o Ambiente Matematizador, mas acredito que fez
diferença na relação estabelecida entre a professora-pesquisadora e seus alunos e
entre os próprios alunos.
A professora Darlene fazia a eleição dos grupos áulicos todo mês. Os alunos
trabalhavam a maior parte do tempo nesses grupos, mas havia também os grupos
espontâneos que normalmente surgiam na hora de pegar um brinquedo. Os alunos
escolhiam o brinquedo e sentavam no chão ou na mesa, considerando apenas os
que queriam brincar com aquele jogo ou não.
Foto 6: Tirada no dia 08/05/02, os alunos estão jogando livremente. Eles escolheram os
jogos e os grupos em que gostariam de participar. A professora definiu apenas os jogos que poderiam ser usados naquele dia.
118
Um dos problemas de se trabalhar em grupos é a dificuldade em conseguir o
silêncio e a atenção dos alunos. Nesses momentos, a professora-pesquisadora
costumava convidar os alunos para sentarem no chão na “rodinha”. No dia 20/09/01,
cheguei na sala e os alunos estavam organizados enfileirados e em duplas. No dia
26/09/01, em nossa conversa de planejamento, questionei o porquê de os alunos
estarem em duplas e ela explicou que eles estavam muito agitados e, assim, ela
conseguiria maior silêncio. A organização da sala em duplas pode ser uma
alternativa interessante, mas não foi muito explorada pela professora Darlene nos
anos de 2001 e 2002 e, no caso acima, foi utilizada como forma disciplinar. No
Ambiente Matematizador, a dupla pode ser uma ótima proposta, inclusive buscando
favorecer a troca entre alunos no mesmo nível cognitivo ou em níveis diferentes.
Conforme afirmado por Golbert (2002, p.41), “ainda são necessários mais
estudos sobre como é possível coordenar as atividades e conteúdos comuns às
classes, como um todo, a pequenos grupos e aos alunos individualmente”. Respeitar
o processo de seu aluno e, ao mesmo tempo, atender à diversidade da sala de aula
é com certeza um desafio presente no Ambiente Matematizador.
Pela importância dos trabalhos em grupo no Ambiente Matematizador, as
atividades individuais deixam de ser uma rotina e passam a acontecer em situações
em que o aluno assim prefere, ou quando a professora-pesquisadora acredita que é
necessário.
No dia 29/11/01, conforme já relatei no item anterior sobre mediação e
intervenção, assustei-me ao chegar na sala e encontrar os alunos enfileirados. A
professora Darlene estava fazendo uma atividade (Anexo B) para verificar algumas
aprendizagens e dificuldades e acreditou ser necessário desfazer os grupos áulicos.
Oferecer em sala situações individuais para os alunos não fere os princípios do
Ambiente Matematizador, desde que se preserve a possibilidade dos alunos
buscarem as informações que necessitem no ambiente da sala. Seriam como nas
turmas mais adiantadas, as “provas com consulta”. É importante criar na sala de
aula um clima de desafio e não de terror. A professora Darlene conseguiu tal
situação. Os alunos não estavam nervosos, estavam calmos e faziam a atividade
individualmente e com entusiasmo (Anexo B). Ela andava pela sala mediando
quando necessário e, a todo o momento, afirmava que gostaria que cada um fizesse
a atividade do “seu jeito” e não do “jeito do colega”. Os alunos eram orientados a
119
não perguntar para o colega, mas sim buscar a respostas nos materiais de
contagem e esquemas próprios.
Essa busca dos alunos pelos materiais disponíveis na sala foi observável em
diferentes dias. Bastava surgir um desafio ou uma situação nova, para eles saírem
de seus lugares para pegar algum material de contagem, folhas brancas para fazer
suas representações e buscar as respostas nos cartazes e revistas disponíveis na
sala.
Outra forma de ocorrer trabalho individual no Ambiente Matematizador seria
como no dia 08/05/02. Nesse dia, os alunos acompanharam no grande grupo a
professora Darlene elaborar um gráfico, para depois irem para seus grupos áulicos e
fazerem os gráficos individualmente. É interessante essa forma de registro, pois,
apesar de ser individual, o aluno tem possibilidade de discutir e aprender no grupo.
Ainda destaco, no mesmo dia, os diferentes momentos que os alunos tiveram na
aula. A professora Darlene iniciou no grande grupo, apresentando a agenda do dia.
Depois, foram formados dois grupos com mais de 10 alunos, para jogarem o Jogo do
Amarradinho (atividade apresentada no item 2.5.1). Eles ainda foram para os grupos
áulicos e desenvolverem uma atividade e, por último, formaram grupos espontâneos
para jogos escolhidos por eles. Essa possibilidade de diferentes formas de trabalho
é muito importante no Ambiente Matematizador, por favorecer a troca entre os
alunos e propiciar uma aula mais interessante e participativa.
2.4.2.2. Entre a professora-pesquisadora e os alunos
No Ambiente Matematizador, espera-se uma relação amorosa (LUCKESI,
1999) entre o professor e seus alunos. Uma relação em que o respeito e o ato de
ouvir estejam presentes em ambos os lados. É essencial que o aluno sinta-se à
vontade para “arriscar” respostas, sem medo da repreensão do professor. A
professora Darlene se preocupou em construir essa relação amorosa e respeitosa
com seus alunos durante a pesquisa. Posso afirmar que faz parte do perfil da
professora Darlene (relatado no início deste trabalho) a preocupação em valorizar
seu aluno em diferentes aspectos. Ela sempre buscou situações e procedimentos
que favorecessem o ato de ouvir os alunos, mostrando o valor que cada um tem
dentro do grupo. Em nossas conversas, constantemente estava presente sua
120
preocupação com os alunos que não estavam aprendendo. No dia 15/05/02,
discutimos atividades e procedimentos que poderiam favorecer uma melhor
aprendizagem. Durante o ano, tais procedimentos estiveram presentes nas aulas,
mostrando seu empenho com esses alunos. O grupo de alunos que despertou na
professora-pesquisadora uma preocupação especial encontrou uma professora
atenta, carinhosa e persistente, prova disso é que, mesmo durante a reposição da
greve, em janeiro de 2003, um grupo representativo de alunos estava presente
diariamente nas aulas.
Por estabelecer uma relação com sua turma baseada na autonomia e no
respeito, a professora Darlene foi muito questionada pelas outras professoras da
escola sobre o “mau” comportamento de seus alunos. Ela relata, no dia 26/09/01,
sua preocupação com o comportamento de sua turma.
Eles são tão agitados. Parece que todos os problemas estão na minha sala. Será que sou eu? Parece que as outras salas não têm esses problemas.
Para tal colocação, ponderei que acreditava que ela realmente favorecia tal
situação, mas que não via isso como um problema e sim como um ponto positivo.
Os problemas existem em todas as salas, mas ela com sua preocupação em acolher
os alunos, valorizando e respeitando as diferenças, acabava por estimular que os
alunos levassem para a sala os problemas de casa. O desafio era conseguir
trabalhar esses problemas em sala, sem que esses atrapalhassem a aprendizagem.
Acredito que tal desafio foi vencido nos dois anos observados. Apenas um aluno
saiu da turma em 2002 (durante a greve de professores), trocando de escola e os
alunos tiveram progressos cognitivos evidentes, especialmente na leitura e na
matemática.
Ao se propor essa aproximação entre a professora-pesquisadora e o aluno no
Ambiente Matematizador, não se espera uma presença somente acolhedora da
professora. Os momentos de ruptura são de grande importância no ambiente em
que se pretende aprender e ensinar. Esse alerta nos é dado por Zagury (1999, p.12):
A relação professor/aluno é importante, sim, no processo de aprendizagem. De preferência ela deve ser amistosa e afetuosa de ambas as partes. Porém não pode, em hipótese alguma, ser
confundida com igualdade. A relação pedagógica deve embasar-se
121
numa hierarquia (não rígida, nem autoritária), em que deve estar bem definido para o aluno que o professor é a autoridade na relação. Mesmo que exerça essa autoridade de forma democrática e participativa, em uma última análise, o professor tem o direito e o dever de manter em classe as condições que permitam ocorrer a aprendizagem. Sejam seus alunos adolescentes ou crianças.
Destaco os projetos, relatados no item 2.1.1, que em sua maioria partiram de
temas gerados pelos próprios alunos. Nesta perspectiva, a professora buscava
temas de interesse dos alunos, que se envolviam nas atividades com alegria e
entusiasmo. No dia 21/02/03, a professora Darlene relata com satisfação o seguinte
fato:
Eu tive uma experiência engraçada, no final do ano passado. Uma irmã de um aluno de 2001 foi para minha sala. Era um sábado e nós fizemos a lojinha. E ela disse: “Ai que bom! Meu irmão falava tanto das suas lojinhas”. Eu fiquei tão feliz e pensei: Então ele fala em casa?
Perceber o entusiasmo dos alunos nas atividades propostas é sempre uma
satisfação para o professor. Os alunos em tal situação estão bem mais próximos das
aprendizagens significativas. No dia 08/05/02, os alunos se envolveram na
construção de uma tabela e de um gráfico que mostrava o número de letras nos
nomes dos alunos. A professora Darlene apresenta um gráfico de barras, pergunta
quem já o viu e começa a desenhá-lo no quadro, de acordo com os dados da tabela.
Os alunos estão atentos, curiosos com a atividade. Quando ela termina o gráfico no
quadro, entrega uma folha com a base do gráfico, para que cada um faça o seu de
acordo com a tabela. Logo que os alunos começam a atividade, alguns gritam que
está faltando o 0 (zero) no início da linha do gráfico. Espantei-me com tal
observação vinda de alunos de 1ª série que trabalhavam pela primeira vez com
gráficos. Nesse momento, foi possível constatar a clareza que alguns alunos
alcançaram em relação aos gráficos. A professora Darlene rapidamente reconhece
sua falha e pede que todos corrijam na folha. Alguns alunos levantam e ajudam os
colegas a localizar o local em que deveria ser colocado o número 0 (zero). A
tranquilidade com a qual os alunos corrigiram a professora Darlene e a rapidez em
que a professora reconheceu seu erro demonstram a boa relação construída entre
eles.
122
Como em todas as relações, aconteceram problemas de enfrentamento,
como no dia 20/09/01, em que faço o seguinte relato em minhas anotações:
Um dos alunos está bem agressivo hoje, atrapalhando a escrita da agenda, gritando e fazendo barulho com a carteira. A professora tentou conversar, chegou perto carinhosamente, mas foi agredida verbalmente pelo aluno, que fingia que não ouvia nada que ela dizia. Após algumas tentativas, a professora abriu a porta da sala e sugeriu que ele saísse da sala e só voltasse quando estivesse mais calmo. Ele saiu. Depois de algum tempo, voltou em silêncio, sentou na carteira e ficou quieto num canto sem atrapalhar, mas também não participou da atividade.
O procedimento da professora Darlene de convidar o aluno a sair da sala e
voltar quando estivesse mais calmo é uma das alternativas possíveis para tais
situações. Não pretendo classificá-la como boa ou ruim, mas como uma situação
possível e real. Vale destacar que, por diversas vezes a professora-pesquisadora
tentou conversar com o aluno, mas durante o recreio, quando estavam a sós, é que
teve algum sucesso na conversa. Em outros momentos da pesquisa, a professora
Darlene perdeu a paciência em sala. Em alguns períodos, até começou a gritar
demais com os alunos, tema de nossa conversa no dia 29/10/01. Ela ponderava
como se sentia mal e cansada quando gritava com os alunos. Eu a acolhi em tal
desabafo, destacando as diversas vezes em sala que também perdi a paciência.
Sugeri que tivesse mais tranquilidade durante as aulas, que não esperasse tanto dos
alunos, que poupasse sua voz, falando menos e mais baixo. Ela concordou e
destacou que, em função da FECITEC, apavorou-se com o pouco “tempo” disponível
para desenvolver tudo que havia planejado e isso estressou os alunos e ela mesma.
É interessante destacar como em 2002 a professora Darlene desenvolveu
com seus alunos uma relação bem mais tranquila. Como ela mesma diz: “hoje sei
que eles vão aprender mais cedo ou mais tarde, basta eu propor atividades
interessantes”. Essa tranquilidade alcançada pela professora-pesquisadora foi
essencial para o Ambiente Matematizador que, em 2002, foi muito mais natural e
abrangente.
123
2.4.2.3. Entre a professora-pesquisadora e a pesquisadora-
professora
Durante a pesquisa, ocorreram 28 encontros entre mim e a professora
Darlene e outros 17 momentos em que os alunos também estavam presentes.
Nossa relação foi muito proveitosa e respeitosa. Conforme apresentado no início
deste trabalho, nós nos conhecíamos desde o tempo da faculdade. Não éramos
grandes amigas, mas nos encontrávamos em algumas matérias. Em 1999, nós nos
revimos na Escola Classe 312 Norte e depois nos aproximamos bastante durante a
pesquisa. Encontrei a liberdade de discutir sobre a construção do Ambiente
Matematizador, sobre as aprendizagens matemáticas e sobre diferentes questões
observadas, como: o porquê das carteiras enfileiradas ou em grupo; a importância
de levar os alunos ao parque; a necessidade de dar menos comandos em sala; a
forma de lidar com os alunos mais agitados; entre outras questões. Foi interessante
perceber que, durante nossas conversas, minhas observações eram ouvidas pela
professora-pesquisadora, mas nem sempre colocadas em prática. Algumas vezes,
na mesma hora que apresentava uma proposta, já ouvia um “não acho uma boa
idéia” como resposta. Outras vezes, a proposta era vista como uma ótima idéia.
Essa sinceridade foi fundamental para a pesquisa. Nosso respeito se fortaleceu com
essa postura.
Na filmagem da aula do dia 08/05/02, é possível observar a professora
Darlene construindo uma tabela com os alunos. A tabela informava a quantidade de
letras em uma coluna e o número de alunos com essa quantidade de letras no nome
na outra. Ao chegar na quantidade de 6 (seis) letras, foi detectado que não havia
nenhum aluno com essa quantidade de letras na sala. A professora Darlene, então,
pulou para a quantidade 7 (sete), sem anotar a quantidade 6 (seis). Sugeri, falando
baixo e discretamente, que ela colocasse a quantidade de 6 (seis) letras na tabela,
informando que 0 (zero) aluno na sala tinha essa quantidade. Ela concordou e na
mesma hora conversou com os alunos sobre minha sugestão, esclarecendo que era
uma observação da “professora Nina”. Apagou o que já havia feito e refez os dados.
Esse é um exemplo de como nosso relacionamento foi tranquilo (a tabela construída
pode ser vista na foto 2, p.87). O fato de considerar os princípios da pesquisa-ação
124
foi fundamental para essa boa relação, afinal a pesquisa passou a ser nossa e não
somente minha.
Em alguns dias, eu chegava na escola e a professora Darlene trazia trabalhos
dos alunos para me mostrar, destacando que acreditava que tal procedimento ou
atividade era importante para a pesquisa. Mesmo quando eu não estava presente na
sala, ela tomava a iniciativa de anotar ou guardar aquilo que acreditava ser
importante. Ela afirmava que transferia algumas atividades para o dia em que eu
estivesse na sala, pois sabia que estavam relacionadas com o Ambiente
Matematizador. Quando não era possível mudar a data da atividade, ela me avisava
o dia em que estava prevista, para que eu pudesse estar presente.
2.4.2.4. Entre a professora-pesquisadora e as professoras da escola
O trabalho em equipe tem grande importância no trabalho docente atual.
Perrenoud (2000a) destaca o trabalho em equipe, como uma das 10 (dez) novas
competências para ensinar. No Ambiente Matematizador, tal procedimento deve ser
explorado, buscando favorecer a autonomia, a reflexão e a troca de experiências.
Entretanto, durante esta pesquisa, a discussão em equipe se restringiu entre mim, a
professora Darlene e o professor Cristiano (orientador desta pesquisa). No ano de
2002, a professora e pesquisadora Sueli Freitas participou também de algumas
discussões.
No dia 08/01/03, nós nos encontramos na casa da professora Darlene e ela
falou sobre “os custos” para o professor, ao trabalhar no Ambiente Matematizador.
Ela afirma que é um desafio preparar uma aula diferente da que você estava
acostumada. Agora ela se preocupa em planejar situações que estimulem os alunos
a participar, que favoreçam o trabalho em grupo, que estimulem a pesquisa, que
utilizem outros espaços além da sala de aula e que permitam que os alunos façam
do seu jeito, pensando e aprendendo de verdade. Isso tudo exige tempo para
preparar o material para a aula, estudo sobre o tema e autonomia para mudar o
planejamento da aula em função dos alunos.
A professora-pesquisadora conta sobre uma reunião ocorrida com os outros
professores da escola que reclamaram que ela tinha se isolado:
125
Primeiro colocaram um rótulo em mim esse ano, dizendo que eu não dividi. Que eu não dividi? Como é que eu divido? Como eu divido um projeto deste do chocolate? Feito pelos meus alunos? Mas falei dele para o grupo... Quem se dispôs? Ninguém! Entendeu? Eu dividi também a questão do jogo da velha, eu falei, mas ninguém se dispôs... Então? Eu vou ficar insistindo em que? Mas eu fiz uma autocrítica. Será que eu me fechei mesmo? Olha, a professora X ainda citou um exemplo que é o seguinte: “No dia que eles foram apresentar o projeto de ciências para as 1ª séries, eu fui, participei e depois só dei os parabéns!” Falei que se precisassem de ajuda, eu estava ali, mas eu não quis agregar. Realmente eu não quis. Mas é pecado não querer? Meus alunos tinham escolhido artes. Eu tinha que mudar para música só para me juntar às 1as séries! Não! Em 1º lugar, o meu aluno. Eu respeitei o interesse deles, entendeu? Me custa. Me custou para caramba! Mas é isso... E olha que eu ajudei o tempo inteiro o projeto da música, eu estava ali. Eu não vi quando é que eu me isolei.
Juntas chegamos à conclusão que seria ótimo que toda a escola se
envolvesse em criar o Ambiente Matematizador, que poderia ser chamado de
Ambiente Educativo, mas esse processo de conquista é lento. É necessário que ela,
Darlene, integre-se mais ao grupo, troque mais ideias e assim, quem sabe, envolva
o grupo na proposta. A escola vem passando por mudanças constantes na direção,
o que vem dificultando uma discussão pedagógica mais profunda. Além disso, houve
a greve que deixou a professora-pesquisadora mais distante do grupo que não a
aderiu. Ponderamos que, apesar das dificuldades, é possível tentar se aproximar
mais do grupo, até porque a proposta do Ambiente Matematizador deverá continuar.
É interessante perceber em tal relato a dificuldade de integrar os diferentes
interesses das turmas da escola. No caso citado, poderia ter havido um
encaminhamento conciliador, partindo do princípio que ambos os temas estão
relacionados, afinal música também é arte. Mas não foi isso que ocorreu. Darlene,
que sempre valorizou o trabalho em grupo em sua prática docente, sentiu a
dificuldade em fazê-lo na prática, com seu grupo de trabalho. Para o Ambiente
Matematizador, o trabalho em grupo é muito importante e buscar envolver toda a
escola é mais um desafio. Relatei, no início deste capitulo, no item 2.1, a
participação de alguns profissionais da escola em uma atividade desenvolvida no
Ambiente Matematizador, mas ao mesmo tempo, na mesma escola e ano, outro
grupo reclamou do isolamento da professora. Acredito que o impasse surgido é real
e que o caminho para resolvê-lo seria realizar encontros semanais, que possibilitem
a troca entre os professores. É importante que fique claro que o fato de todos
126
fazerem a mesma coisa, do mesmo jeito não significa união. O desafio é trabalhar no
coletivo, mantendo a individualidade. Essa é uma discussão que acontece com
muita frequência no atual mundo globalizado. Como bem lembra o mestre Paulo
Freire (1987, p.122) “o seu quefazer, ação e reflexão, não pode dar-se sem a ação e
a reflexão dos outros, se seu compromisso é o da libertação”.
Atualmente, os professores da Rede Pública dispõem de uma carga diária
para coordenação pedagógica (conforme relato no Capítulo IV, item 2) que poderia
beneficiar o trabalho em grupo. No entanto, na atual política educacional, ela não
vem sendo utilizada neste sentido. Esclareço que o espaço para o trabalho em
grupo não seria aquele em que avisos e questões burocráticas são apresentados,
mas sim um espaço para que os professores pudessem levantar diferentes questões
com autonomia, buscando encaminhamentos para resolvê-las.
2.4.3. Contrato didático constituído
A relação entre professores, alunos e conhecimento na sala de aula é
permeada por regras explicitas e implícitas. Estabeleceu-se, por exemplo, que na
escola o professor ensina e o aluno aprende. Dentro deste contrato, o professor
deve planejar situações organizadas linearmente, em que ele (o professor) possa
controlar e saber todas as respostas. Também vale destacar o erro, que é visto
como um desvio de aprendizagem. Essas regras acabam por interferir na relação
professor-aluno. O Ambiente Matematizador propõe rediscutir essas regras,
estabelecendo-se um novo contrato. Nesse novo contrato, o professor passa a ser
pesquisador, “desafiando” seus alunos a elaborarem questões e encontrarem as
respostas. O professor deixa de ser o único a possuir o saber e o erro passa a ser
visto como parte do processo de aprender e ensinar, um fator importante para o
professor descobrir as hipóteses dos alunos. O papel do professor no Ambiente
Matematizador torna-se bem mais complexo, ele agora não vai só ensinar a resposta
certa, seguindo uma organização linear dos conteúdos. Ele aprende e ensina em
parceria com seus alunos.
Nesta perspectiva, podemos afirmar a importância de se discutir o contrato
didático na construção do Ambiente Matematizador, tentando tornar explícitas, as
atribuições antes implícitas, entre o professor e seus alunos, durante a aquisição do
127
conhecimento (só ensina quem aprende). O que inicialmente aparece implicitamente
na sala de aula é discutido e avaliado a fim de que se torne explicito. O contrato está
totalmente relacionado ao procedimento e existe em função do aprendizado dos
alunos e professores de forma ativa. Ele poderá ser renovado e renegociado durante
o processo de aprendizagem, visando às condições necessárias para gerar as
aprendizagens esperadas.
Atualmente Brousseau é um dos pesquisadores que mais se atenta ao
contrato didático. De acordo com Pais (2001, p.78), “as raízes da noção de contrato
didático estão associadas ao conceito de contrato social, proposto por Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) e também ao conceito de contrato pedagógico analisado por
Filloux (1974)”.
Inicialmente, em nossa conversa do dia 22/08/01, sugeri à professora Darlene
que discutisse e elaborasse com seus alunos um contrato didático para o Ambiente
Matematizador. Ela aceitou a sugestão e, no dia 23/08/01, após apresentar alguns
jogos e materiais que fariam parte do Ambiente Matematizador, elaborou com seus
alunos um contrato, que ficou bem próximo de regras sobre o que não se pode
fazer.
REGRAS DO AMBIENTE MATEMATIZADOR: 1. É UM AMBIENTE DE TODOS DA TURMA. 2. TODOS PODEM CONTRIBUIR TRAZENDO ALGUM JOGO OU MATERIAL. 3. O MATERIAL SERÁ UTILIZADO PARA AJUDAR NOS DEVERES OU PARA BRINCAR. 4. CUIDAR COM CARINHO PARA TÊ-LOS SEMPRE. 5. ARRUMAR OS MATERIAIS DIREITO E COLOCÁ-LOS NO LUGAR COMBINADO. 6. VERIFICAR SE FICARAM PEÇAS NO CHÃO OU EMBAIXO DAS MESAS E COLOCA-LAS NO LUGAR CERTO. 7. ARRUMAR OS MATERIAIS E JOGOS QUE ESTEJA USANDO ANTES DE PEGAR OUTRO.
Esse contrato (ou regras) não agradou a professora Darlene, que se sentiu
incomodada, ao ver no contrato uma lista de regras e não uma proposta de
discussão e reflexão. Os alunos, por sua vez, também não incorporaram o contrato,
repetindo as posturas listadas nele e questionadas por ele. O contrato foi escrito em
folha grande de papel pardo e esquecido pela turma. Em nossa conversa, no dia
20/05/02, faço o seguinte relato:
128
Questionei sobre o contrato didático. Coloquei que seria interessante discutir com os alunos e reescrevê-lo. Ela discordou. Disse que esse negócio de escrever não havia funcionado bem (em 2001), mas ainda não sabia outra forma de fazê-lo. Argumentei a importância de não desistir quando uma ideia na prática não dá certo. Pela importância do contrato didático no Ambiente Matematizador, valia a
pena tentar de novo. Ela ficou de pensar.
No dia 08/01/03, durante nossa conversa, a professora Darlene relata novas
tentativas de discussão e elaboração de um contrato didático com os alunos:
Nina: (Mostro o contrato escrito) Aqui você está falando do Líder. Como é que
você fez esse contrato? (Começo a ler) Em julho... O Líder deve:
Ajudar seu grupo.
Trazer a tarefa de casa.
Ser amigo.
Resolver os problemas conversando ou chamando a professora.
Faltar só o necessário.
Na falta do líder, a professora resolve. Darlene: Fiz no estêncil. Eles falaram como é que eles queriam e eu fiz, mas
uma coisa que deu certo não foi isso ai! Isso ai ajudou, mas depois eu conto. E o que nós fizemos? Nós fizemos um contrato, todo mundo assinou, depois de fazermos a eleição de grupo. O líder assinava esse termo escrito (mostra o contrato na minha mão). Ficava com uma cópia e me dava a outra. Qualquer “pé atrás” que havia, eu mostrava: “Você assinou”! Ou então o grupo falava. Mas isso nem funcionou tanto. Sabe o que funcionou? Uma historinha que deve estar ai dentro, que chama Deixa a raiva secar. Não, aliás, não começou
com isso. Começou com uma conversa com a psicopedagoga da escola, sobre a agressividade da minha sala. Ela falou: “Darlene, eu fiz o curso do Paz na Escola19 e tem muita sugestão legal.” Eu falei: “Ah, é mesmo, aquele livrinho azul!” Deu um insight e fui atrás do livro! Achei guardado no meu
armário. Fui atrás e li. Gostei de uma sugestão, assim: você lista o que dá mais briga na sua sala e vai anotando. Por exemplo, hoje, quantas brigas tiveram de “frenteira”... Nina: Olha o professor pesquisador aqui! Darlene: É mesmo! Mas olha, “frenteira”, a gente dá o lugar na fila, quantas vezes? A gente anotava. Hoje tiveram tantas brigas por “frenteira” e punha a data. Que mais que dava briga? Chutar a mochila dos outros dava briga. Provocação! Botar apelidos! Listei tudo que dava briga e fui marcando e mostrei para eles. (mostrando o papel) Essa é a parte que eu marquei. Marquei e fizemos assim: todo dia no final da aula eu lia. Hoje tiveram tantas brigas por isso, tantas brigas por aquilo. Era tremendo. Eu me assustava. Eu saía de lá com vontade de chorar. E foi... Fizemos isso duas semanas. Quando chegamos num total que já era razoável, coloquei uns cartazes. Nos cartazes, eu escrevia as dificuldades: dar “frenteria”, pegar coisa sem pedir emprestado. Isso estava um caos! Então eu punha a dificuldade, o problema e eles colocavam como tinha que fazer para resolver, as sugestões, o que a
19 Paz na Escola, curso organizado em 1999, pela Fundação Educacional do DF, atual Secretaria de Educação, que distribuiu para as escolas públicas um livrinho com sugestões de atividades que poderiam estimular uma relação saudável entre os alunos.
129
gente podia fazer para melhorar, tudo no mesmo cartaz. Coloquei no varal da Arte Itinerante20, que não estava funcionado. Nina: Legal, muito legal! Darlene: Todos os dias nós líamos! O que vamos fazer? Isso. E quando
acontecia alguma coisa grave, a gente lia. Olha aqui, isso aqui não fui eu que escrevi. Foi você que me falou como é que ia fazer. E tem uma historinha que a Solange me deu: Deixa a raiva secar. Li pra eles e falei: “Quando a gente está com muita raiva de uma pessoa, não adianta resolver na hora”. Nina: Que legal! Lembra que você disse que não acreditava no contrato
escrito e ia procurar outra solução? Essa foi sua solução. Olha o que eles falaram: pedir emprestado, trazer de casa... legal! (olhando as anotações da Darlene) Guarda isso com carinho! Darlene: Foi muito, muito bom. O que funcionou foi isso! Porque os cartazes
tiveram uma época. Que eu achei fantástico! Eles passaram, ficaram obsoletos e não precisou mais. Não é que todos os alunos viraram anjos, alguns continuam aprontando, mas melhorou muito! E melhoraram muito. A Sueli (outra pesquisadora que estava na escola) chegou em minha sala e disse: “Como eles melhoraram!” Agora vou resumir pra você a história da Deixa a raiva secar. É a história de
uma menininha que emprestou seu conjunto de chá novinho para sua melhor amiga e saiu com a mãe dela. Quando ela voltou, encontrou o brinquedo novo todo arrebentado, quebrado, todo “lascado”. Ela queria ir à casa da amiga, pra detonar a amiga. Xingar de tudo que é nome. E a mãe falou: “Você vai esperar aqui, vai se acalmar e depois vá lá conversar”. Bem... Ela estava sentada, vendo televisão e a amiga chega e fala para ela: “Você lembra aquele menino da frente? Eu estava brincando com seu conjunto de chá e ele chegou e jogou tudo pela janela da garagem quebrando tudo. Eu vim trazer um novo pra você”. Até hoje eu me emociono. (com os olhos cheios d’água). Ai... Eu tô chorona, chorona demais (Darlene se encontra no quarto mês de gravidez). A amiga pede desculpas e coisa e tal. A menina então diz: “Não tem problema, porque a raiva já secou”. E elas vão brincar juntas. Nina: Ótima história, simples e direta! Darlene: Quando eu contei essa história, fez um sucesso! Eles eram desse jeito, não deixavam a raiva secar e iam lá e botavam pra quebrar. Quantas brigas violentas eu tive que separar, de machucar mesmo! Agora acabou. E essa história foi a base para o contrato. Enfim, foi isso!
Nesse relato, é possível perceber a importância da autonomia do professor
para que a teoria funcione. A importância do contrato didático estava clara para mim,
mas tive dificuldade em encaminhá-la, foi preciso que a professora Darlene, no seu
dia-a-dia, estabelecesse como deveria acontecer. Acredito que seu resultado foi
muito positivo para o Ambiente Matematizador. As mudanças de posturas esperadas
no trinômio presente na sala de aula não poderão acontecer, se não se identificar e
discutir o contrato didático presente na sala de aula.
20 Projeto Arte itinerante, um projeto que acontecia na gestão anterior, no qual os professores recebiam gravuras de quadros de artistas famosos para ficarem expostos na sala de aula.
130
2.4.4. Avaliação no Ambiente Matematizador durante a pesquisa
Em uma rápida observação nas escolas brasileiras, é possível perceber que
algumas inovam no dia-a-dia, mas a “hora da avaliação” continua da mesma forma.
Durante os dois anos da pesquisa, presenciei diferentes formas de avaliação na sala
da professora Darlene. A proposta do Ambiente Matematizador não exclui a
avaliação, ao contrário estimula-a como parte do processo de aprender e ensinar. É
interessante a diferenciação entre exame e avaliação feita por Luckesi no seu livro
Avaliação da aprendizagem escolar (1999). De acordo com o autor, o exame é
pontual, classificatório e seletivo, enquanto a avaliação é dinâmica, incluente e não
pontual. Nessa perspectiva, o que normalmente acontece nas escolas brasileiras
são exames. Avaliar para incluir, essa é a proposta do Ambiente Matematizador.
Ainda de acordo com Luckesi, qualquer adjetivo dado à avaliação como diagnóstica,
processual, formativa, entre outros é redundante, pois assim deve ser sempre uma
avaliação. No Ambiente Matematizador, a avaliação deixa de ser o momento final da
aprendizagem, o momento de punição pela não aprendizagem e passa a ser
dinâmica, formativa e diagnóstica, de fundamental importância dentro do processo
de aprender e ensinar.
Em nossas últimas conversas, no dia 21/03/03, a professora Darlene fala de
como se relaciona com a idéia da “prova”, ou como diria Luckesi (1999) exame:
Eu nunca dei prova, nunca ministrei uma prova neste sentido único da coisa. Nunca tinha pensado isso... Mas o máximo que aconteceu foi eu bolar um exercício, para ver como é que estavam os alunos, fazer um diagnóstico. A avaliação sempre fez parte do tudo e acontecia de várias formas. Agora eu já sofri muito com prova de matemática, até na faculdade. Pra mim, a prova existe como parte de um todo, pra poder intervir, “medir” o conhecimento, ver o que está faltando e jamais uma coisa fechada, uma média única.
Foi muito importante para a construção do Ambiente Matematizador essa
clareza da professora-pesquisadora de que a prova “não é uma coisa fechada”. Mas
isso não quer dizer que não houve atividades avaliativas no decorrer da pesquisa.
Logo no início desta, no dia 15/08/01, a professora Darlene e eu listamos os
conhecimentos matemáticos essenciais que os alunos deveriam apresentar na 1ª
131
série. Nós nos baseamos no Currículo Oficial das Escolas Públicas do Distrito
Federal (DISTRITO FEDERAL, 2000) e fizemos a seguinte lista:
Escrita dos números (grandes e pequenos).
Seqüência numérica: antecessor e sucessor.
Relação número e quantidade.
Adição e subtração, sem necessidade de um algoritmo único, mas que o
aluno fosse capaz de representar seu raciocínio com um desenho ou com os
números.
Geometria: localização, espaço e forma.
Calendário, identificando dias do mês e da semana.
Nessa conversa, percebemos a necessidade de um teste avaliativo, que nos
mostrasse como estavam os alunos. Discutimos e acabamos elaborando um teste
(instrumento avaliativo não tão inovador) que seria apresentado e discutido com as
outras professoras da escola. Esse teste aconteceu na sala de aula, no dia 04/10/01,
os alunos fizeram todos ao mesmo tempo, mas individualmente. A professora
Darlene lia o comando e os alunos iam fazendo. Após o teste, no dia 18/10/02,
sentávamos (Darlene e eu) para analisá-los e elaborar algumas atividades que
favorecessem a mudança nas hipóteses apresentadas pelos alunos. Esta é a grande
função de uma avaliação no Ambiente Matematizador: oferecer dados para o aluno
e para o professor sobre o que precisa ser trabalhado. Acredito que mudar a forma
de utilizar os instrumentos avaliativos é mais importante do que simplesmente
buscar novos instrumentos avaliativos. Em outras palavras, podemos até utilizar um
teste avaliativo, como o relatado acima, mas o que não devemos é utilizar o teste
como punição ou como instrumento de classificação e exclusão. E, na mesma linha
de raciocínio, podemos até levar para a sala de aula instrumentos inovadores, mas
se não for revista a utilização da avaliação, esses se perdem em uma postura
tradicional de avaliar.
No dia 29/11/01, ocorreu novamente um novo teste (Anexo B), com a mesma
organização da sala do dia 04/10/01: alunos enfileirados e trabalhando
individualmente. Mais uma vez, não demos para esse teste um caráter de punição
ou classificação, ele foi feito com tranquilidade pelos alunos que, em nenhum
momento, foram avisados de que se tratava de uma atividade avaliativa punitiva, que
“valia nota”, mas não é possível negar sua forma tradicional de avaliar. O resultado
132
desse teste e o conjunto de atividades feitas pelos alunos forneceram dados
importantes para o relatório bimestral e final dos alunos (relatório citado no capitulo
IV).
No ano de 2002, o teste matemático (Anexo D) aconteceu de forma diferente.
Planejamos (Darlene e eu) algumas questões e no dia 15/05/02, enquanto a
professora Darlene trabalhava com os alunos em sala, eu chamava de um a um,
para fazerem individualmente as atividades planejadas. Enquanto o aluno resolvia
as questões, eu fazia algumas anotações que julgava pertinente. Depois organizei
minhas anotações e passei para a professora Darlene. No dia 20/05/02, discutimos
sobre as minhas observações, comparando-as com as dela, feitas durante o dia-a-
dia da sala de aula. Organizamos os alunos em grupos, de acordo com suas
dificuldades e listamos algumas atividades que poderiam ser sugeridas. Esse
momento vai ao encontro das propostas do Ambiente Matematizador: avaliar para
incluir. No entanto, vale destacar a importância de o professor ter tempo para
analisar e refletir sobre as hipóteses e esquemas apresentados pelos seus alunos.
Seria melhor ainda se ele pudesse discutir no grupo de professores as performances
dos alunos. A professora Darlene, convencida de tal necessidade, já planeja para
2003 propor momentos de discussão com os professores que estiverem dispostos a
isso.
Além dos testes, outras formas de avaliação aconteceram durante esta
pesquisa. No dia 15/08/01, no mesmo dia que começamos a elaborar o citado teste,
sugeri que a avaliação também fosse feita durante as atividades espontâneas, nas
quais os alunos desenhariam ou escreveriam sobre o que fizeram e aprenderam
naquela aula. A professora Darlene aprovou a ideia e, no final das aulas, ocorria um
registro espontâneo dos alunos em uma folha branca. Esse registro nos mostrava
como estavam as hipóteses dos alunos. Um problema verificado nessa forma de
registro é que em alguns momentos não “aparecem” as questões matemáticas
esperadas. Foi possível verificar esse problema no registro feito pelos alunos no dia
23/08/01 (Anexo E). Nesse dia, planejamos um rodízio de jogos matemáticos e
alguns materiais que os alunos utilizariam nos grupos áulicos. Após 1 hora de
atividades, a professora Darlene deu o sinal para a conclusão e iniciou-se a
arrumação da sala, dos jogos e dos materiais utilizados. Solicitou também que
fossem feitos os registros em uma folha branca sobre as atividades de que haviam
participado. Nos registros feitos pelos alunos, apareceram as mais diferentes
133
representações, pois, além de cada grupo áulico ter trabalhado com um material ou
jogo matemático diferente, a professora não definiu a forma de fazer os comentários.
Nas representações (Anexo E), alguns alunos só desenharam e outros (a maioria)
desenharam e escreverem. Na escrita apareceram pequenos textos ou somente a
nomeação do desenho. A professora Darlene e eu havíamos feito uma prévia
seleção dos jogos, buscando garantir atividades matemáticas, mas das 22 folhas
entregues, apenas 2 apresentavam algarismos soltos e três apresentavam formas
geométricas soltas. Foi um pouco decepcionante para nós e percebemos os limites
de se utilizar o registro espontâneo. Mesmo assim, utilizamos essa forma de registro
mais algumas vezes, como no dia 27/09/01 (Anexo G). Nesse dia, os alunos
começam a utilizar em seus registros os conceitos matemáticos trabalhados, como
na foto abaixo, em que o grupo utilizou canudos, palitos, botões, dados e elásticos.
Foto 7: Tirada no dia 27/09/01, observe a preocupação da aluna em representar o botão da
forma mais real possível. No anexo F, o registro é apresentado.
Nos registros do dia 27/09/01 (Anexo G), foi possível perceber uma outra
análise dos registros espontâneos. Nesse dia, diferente dos registros do dia
23/08/01, os alunos utilizaram em sua maioria os números, operações, desenhos
seguidos de contas e até tabela. Observamos que alguns alunos copiavam a
tabuada do mural da 3ª série, ao mesmo tempo em que representavam os
resultados com os palitos. Concluímos que os alunos, à medida que vão entendendo
134
a proposta do registro espontâneo, começam a representá-lo com maior riqueza de
informações.
No ano de 2002, sugeri também o registro no caderno, que favoreceria uma
melhor análise das diferentes hipóteses e esquemas dos alunos. A professora
Darlene gostou da ideia e o caderno foi utilizado para todas as matérias com os
registros dirigidos pela professora-pesquisadora e os registros espontâneos.
Várias vezes, a professora Darlene fala sobre sua angústia em relação à
avaliação matemática, como no dia 02/09/02:
A gente precisa pensar sobre como o professor registra o progresso de cada aluno dentro do Ambiente Matematizador. Eu não tenho isso sistematizado. O
que eu tenho? Faço um testezinho, tenho a minha mesa, os cadernos. O que eu tenho é tudo muito informal. Se me perguntarem hoje sobre os meus alunos, eu sei dizer quem está escrevendo um número, quem sabe contar de um até dez, quem tem noção até cinqüenta, quem não tem, mas falta sistematizar.
Essa angústia é real. Buscar uma avaliação diferente do exame é um desafio,
afinal fomos formadas nessa perspectiva de exame apresentada acima por Luckesi
(1999). É preciso tempo, estudo e discussão para que os professores possam
admitir a avaliação num contexto mais amplo e dinâmico. Muniz (No prelo.
Paginação irregular.), no texto Avaliação em Educação Matemática, afirma:
É altamente questionada a formalização que se faz em torno do momento da avaliação, criando um clima de tensão e angústia coletiva. Faz-se mesmo desnecessário o conhecimento por parte do aluno de que em determinada atividade e em um momento preciso ele está sendo sujeito a julgamento por parte do professor. O momento da avaliação deveria ser ao longo do próprio processo da aprendizagem e de construção do conhecimento matemático, dentro ou fora de sala de aula.
Outro instrumento de avaliação utilizado durante esta pesquisa foi o de uma
folha numerada e dividida em seis partes. No dia 20/09/01 (Anexo H), foi utilizado
esse modelo de folha. Não havia nada escrito e a professora fazia uma pergunta que
deveria ser colocada dentro de um dos quadrados, de acordo com o número da
questão. Essa forma foi repetida algumas vezes, pois os alunos gostaram, além de
mostrar-se prática e eficiente. Com ela foi possível observar algumas hipóteses
matemáticas interessantes sobre as aprendizagens dos alunos.
135
A observação também foi muito utilizada pela professora Darlene durante as
aulas. Enquanto os alunos trabalhavam ou jogavam, ela participava de alguns
grupos observando as hipóteses dos alunos. Muniz, em seu texto Avaliação em
educação matemática (No prelo. Paginação irregular.), sugere que “considerando o
grande número de alunos em sala faz-se necessária a seleção de um grupo de
alunos que será o foco de observação a cada dia”. Essa seria uma situação
possível, que traria uma riqueza de informações sobre a hipótese matemática do
aluno, e muito mais rica do que uma prova aplicada a todos de uma vez. Ao utilizar
esse procedimento sugerido por Muniz, a professora Darlene encontrou alguma
dificuldade, conforme relatado por ela no dia 15/05/02, “é frustrante, porque eu sei
que preciso eleger um grupo para participar e observar mais naquele dia, mas não
consegui ainda essa disciplina”.
Ainda no mesmo texto, Muniz afirma a importância de observar o aluno
trabalhando com seus pares de forma espontânea. Essa situação é muitas vezes
difícil de se construir em sala, mas pode ser alcançada no decorrer de um jogo, pois
ele envolve os alunos e permite que eles sejam eles mesmos, jogando e discutindo
com seus pares.
É interessante destacar que cabe, nesta avaliação proposta para o Ambiente
Matematizador, um novo contrato didático, em que seja possível uma nova
concepção sobre as regras que definem a produção matemática dos alunos. No
Ambiente Matematizador, a produção matemática não se resume a atividades
individuais e escritas. Ela acontece no contexto de um jogo, em uma brincadeira, em
um desenho, em um passeio, durante uma conversa, etc. A dificuldade aqui é
identificá-la e analisá-la nas diversas situações da sala de aula.
No dia 13/01/03, folheando os cadernos utilizados pelos alunos durante o ano,
questionei a professora Darlene sobre a razão dela sentir-se insegura em relação às
aprendizagens dos alunos, tendo na mão um material tão rico, como esses
cadernos. Ela sorriu para mim e disse: “Ainda preciso de algo mais sistematizado,
mas já melhorei bastante de 2001 para 2002”. O melhorou, citado pela professora
Darlene em sua fala, tem o sentido de acreditar na possibilidade de avaliar todos os
dias, a todo o momento, utilizando diversos instrumentos, que poderiam até ser os
testes, sem, contudo, necessitar tanto deles para sentir-se mais segura.
136
2.5. Representações simbólicas no Ambiente Matematizador
Representações simbólicas no Ambiente Matematizador são vistas como a
forma, utilizada pelo sujeito (aluno, professora-pesquisadora ou pesquisadora-
professora), que se encontra dentro de um Campo Conceitual, de representar seu
entendimento sobre o conceito que está “aprendendo”. O Ambiente Matematizador
tem como um de seus objetivos enriquecer ou até mudar essa representação
simbólica. De acordo com Vergnaud (2001, p.15):
O ser humano não se relaciona de forma mecânica ou imediata com o outro e a realidade. Para essas relações é necessária a dimensão simbólica ou representacional. O ser humano enfrenta as situações de vida armados com suas representações, vale dizer, com conhecimentos, com conceitualizações, embebidas do contexto de sua vida.
Nessa afirmação, é possível perceber a importância que as representações
simbólicas têm nas aprendizagens. Quantas vezes, no decorrer de nossas vidas,
durante uma atividade escolar ou não, temos a impressão de que nada foi
aprendido. Entretanto, ao nos propor a organizar uma representação sobre essas
informações, tomamos consciência das aprendizagens ou dúvidas ocorridas. Pode-
se dizer que é o início da metacognição, ou seja, a partir das representações
simbólicas, é possível que o aluno reflita e tome consciência de sua própria
aprendizagem.
Nas representações simbólicas, ocorre a interação entre o sujeito, o meio e o
conhecimento. Nelas é possível tornar explícito o esquema ou a hipótese que se tem
sobre o que se está aprendendo. Sendo assim, são vistas como parte integrante da
avaliação. Na sala de aula, as representações mais valorizadas são as que ocorrem
na forma escrita, mas os alunos podem representar seu conhecimento utilizando o
próprio corpo, a fala, uma pergunta, etc.
Um dos desafios presentes no dia-a-dia escolar é resgatar a riqueza de
informações que ficam de fora das atividades desenvolvidas pelos alunos. Os
esquemas, as hipóteses, o raciocínio do aluno, tudo que fica nos rascunhos, nas
carteiras e que não é entregue para o professor. No dia 29/11/01, os alunos estavam
fazendo uma atividade no livro de matemática. Uma das situações-problema
propostas no livro questionava quantos pacotes de farinha seriam utilizados para
137
fazer 5 bolos grandes, se em um bolo foram utilizados 3 pacotes. Uma das alunas
veio me pedir ajuda. Sugeri que fizesse um desenho para representar o problema e
ajudar no seu raciocínio. Ela, a partir do desenho, chegou na resposta: 15 pacotes.
Desafiei que ela então representasse com números o desenho. Sua primeira
tentativa foi o 5 + 3, resultando 8. Ela apagou, pensou, pensou, olhou para o
desenho e fez 3 + 3 + 3 + 3 +3 = 15. Ficou feliz com a descoberta e ameaçou apagar
o desenho. Pedi então que não fizesse isso e argumentei que a professora Darlene
adoraria ver o desenho da conta. Meio desconfiada, deixou o desenho e foi mostrar
para a professora-pesquisadora seu dever, valorizado por ela, que disse ter ficado
muito feliz com o desenho e com a conta. No Ambiente Matematizador, as
representações simbólicas precisam ser valorizadas em suas diferentes formas,
inclusive propondo aos alunos que deixem seus rascunhos na folha. Alguns livros
didáticos mais inovadores deixam na própria página do livro o espaço para que os
alunos façam seus rascunhos, um procedimento que vai ao encontro da proposta do
Ambiente Matematizador.
Vale destacar que o livro didático tem uma participação importante no
Ambiente Matematizador, desde que não seja o principal condutor das aulas e
atividades. Ele pode enriquecer as aulas e auxiliar nas sistematizações do conteúdo,
permitindo que a lógica do processo dos alunos seja considerada.
Durante esta pesquisa, várias representações simbólicas ocorreram
(espontâneas ou dirigidas), conforme apresentado no item anterior sobre a avaliação
no Ambiente Matematizador. Elas exigiram da professora-pesquisadora e da
pesquisadora-professora maior atenção com as diferentes representações dos
alunos.
138
2.5.1. Ação-registro-reflexão-socialização da professora-
pesquisadora, dos alunos e da pesquisadora-professora no
Ambiente Matematizador
A Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud tenta oferecer um quadro de
análise para o estudo do desenvolvimento e da aprendizagem dos conceitos. Esse
quadro de análise torna-se possível a partir das representações simbólicas,
propondo uma relação ação-registro-reflexão-socialização (não necessariamente
nessa ordem).
2.5.1.1. Ação-registro-reflexão-socialização da professora-
pesquisadora
O Ambiente Matematizador não se propõe a ditar regras e estabelecer “um
guia” de como fazer, mas sim a favorecer a ação-registro-reflexão-socialização,
como o fato ocorrido na construção do contrato didático, relatado no item 2.4.3.
Nesse relato, a professora-pesquisadora buscou na reflexão de sua prática uma
forma de discutir e registrar o contrato didático diferente da sugerida por mim, a
pesquisadora-professora. Vergnaud (1995, Não paginado) nos alerta para o perigo
de buscar as regras de “como fazer”:
Perigo de interpretar a Zona de Desenvolvimento Proximal e Teoria dos Campos Conceituais, de modo mecanicista: ‘a criança sabe fazer isso, então devemos fazer aquilo’. Às vezes damos pequenos passos, às vezes grandes passos, para desestabilizar as concepções das crianças. Digo filiação e rupturas. Não se pode fazer rupturas o tempo todo, mas é necessário saber que em alguns casos a ruptura é essencial. O docente é o “diretor de cena”, ele deve buscar o que fazer.
A professora Darlene, no dia 15/05/02, relata sua necessidade de um espaço
de socialização na escola, um espaço para falar sobre seus alunos no grupo de
professores. Ela diz: “Tem hora que me sinto muito sozinha. Será que vou conseguir
resolver todos os problemas da minha sala?” O ideal para o Ambiente
Matematizador é que a professora Darlene possa levar para o grupo de professores
139
suas angústias, favorecendo a ação-registro-reflexão-socialização, mas isso nem
sempre foi possível, como relatado no item 2.4.2. Novamente, no dia 19/09/02, a
professora-pesquisadora afirma com pesar: “Não tenho espaço para reflexão na
escola”. Mais uma vez afirmo ser essa uma dificuldade do Ambiente Matematizador:
o trabalho em equipe com respeito à individualidade de cada turma. O dia-a-dia das
escolas nem sempre propicia esta troca entre os professores.
Em diversos momentos, durante nossas conversas, socializo com a
professora Darlene os registros de suas falas e dos alunos. Assim, a professora-
pesquisadora reflete sobre sua prática, buscando identificar os fundamentos que
estão “embutidos” e analisando a necessidade de mudança ou não. Na nossa
conversa final, no dia 21/01/03, relata que, durante a pesquisa, discutindo e
refletindo sobre sua prática, refez algumas posturas, como: um novo olhar sobre os
conceitos matemáticos; a importância de registrar os projetos; a possibilidade de
avaliar nas atividades espontâneas dos alunos; a organização dos conteúdos de
forma dinâmica e não na forma linear; a busca de outros espaços além da sala de
aula, como parques, cinemas; a tranqüilidade de respeitar o “tempo” do aluno; etc.
Além dessas, relata também a possibilidade de reforçar as posturas que já
acreditava importantes, como: a relevância do trabalho em grupo; a importância de
contextualizar os conteúdos; a certeza de que um conceito é dinâmico; a importância
de se discutir com os alunos diferentes assuntos; etc.
2.5.1.2. Ação-registro-reflexão-socialização dos alunos
No dia 01/11/01, dia do Projeto da Lojinha, relatado no item 2.1.1. e depois no
item 2.4.2, a professora Darlene faz uma intervenção solicitando às alunas que
estavam no caixa naquele momento que somassem tudo que lhes era apresentado,
para depois subtrair e achar o valor do troco. As alunas encontraram dificuldades
para desenvolver tal raciocínio, até que uma delas buscou uma folha branca para
registrar de forma espontânea os esquemas e os cálculos que deveriam ser feitos. À
medida que as alunas representavam o raciocínio matemático na folha, foi possível
que a professora-pesquisadora e as próprias alunas se socializassem e
entendessem o raciocínio utilizado pelo grupo para chegar à resposta final.
140
Outro momento em que a representação simbólica espontânea esteve
presente ocorreu no dia 27/09/01, durante o Jogo de Tiro ao Alvo, citado no item
2.4.1. Nesse dia, os alunos estavam jogando diferentes jogos nos grupos áulicos.
Aproximei-me do grupo que jogava Tiro ao Alvo e observei que cada aluno jogava
na sua vez, sem anotar ou somar os pontos. Fiz então uma intervenção, levando
uma folha branca e sugerindo que fossem anotados os pontos de cada aluno, para
depois somar e descobrir o vencedor. No Anexo C, é possível visualizar o registro
feito por eles e observei, na hora da contagem dos pontos, a contagem de 10 em 10,
conteúdo matemático que estava sendo trabalhado pela professora Darlene. Foi
interessante perceber que, mesmo em outros jogos, os alunos começaram a utilizar
o registro dos pontos. O fato de registrar os pontos durante um jogo é um dificultador
importante, entre crianças e adultos. Para registrar, é necessário buscar a melhor
forma de registro, organizar uma contagem e calcular os pontos de todos os
jogadores, ou seja, ao se propor o registro de um jogo, são necessárias uma análise
e uma reflexão do próprio jogo.
No dia 08/05/02, os alunos estavam brincando com o Jogo do Amarradinho.
Nesse jogo, a sala foi dividida pela professora Darlene em dois grupos de 11 alunos
cada. Cada grupo recebeu palitos, elásticos e um dado. Um aluno jogava os dados,
pegava o número de palitos que estava no dado e amarrava os palitos, de dois em
dois, com os elásticos. Depois de uns quinzes minutos, a professora recolhia o dado
e perguntava quantos amarradinhos cada aluno tinha feito. Ganhava quem tivesse
mais amarradinhos.
141
Foto 8: Os alunos divididos em dois grandes grupos, jogando o Jogo do Amarradinho. É possível observar a atenção e envolvimento dos alunos na atividade.
A professora variava o número de palitos que seriam amarrados para formar
os amarradinhos, até chegar no 10, ou seja, a dezena. Os alunos adoravam esse
jogo, era uma animação geral, mas que aos poucos foi perdendo o “encanto”. Sugeri
então que, ao invés de abandonar o jogo, fosse feito o registro dos pontos pelos
alunos. Eles marcariam o número que havia saído no dado e a quantidade de
montinhos feitos. A possibilidade de registrar deu “nova alma” ao jogo, que voltou a
despertar o interesse dos alunos e que, mais tarde, facilitou o entendimento da
formação das dezenas e das centenas, dentro do Sistema de Numeração Decimal.
Outra situação que gostaria de destacar, envolvendo a representação
simbólica, neste caso dirigida por mim, pesquisadora-professora, foi gravada em
vídeo, no dia 29/11/01. Após os alunos concluírem os deveres e estarem jogando
livremente, chamei ao quadro uma aluna e um aluno. Pedi que eles mostrassem
como resolveriam tal situação-problema: Eu tinha 100 figurinhas e perdi 33. Com
quantas fiquei? Ambos afirmaram que se tratava de uma subtração e apresentaram
o seguinte registro:
142
ALUNA: ALUNO:
100 100 - 33 - 33 400 77
Eles fizeram as contas de subtração rapidamente e quando pedi para explicar
a resposta, buscando o confronto e a socialização, a aluna se “enrolou” toda para
explicar o algoritmo utilizado. Observando sua fala e sua representação simbólica,
ficou evidente que sabia o que era uma subtração, mas que não estava claro para
ela como deveria ser o registro. Ela ficou atenta, tentando entender a conta do outro
aluno e também minhas explicações, mas havia muito barulho na sala, pois os
alunos estavam brincando e havia chegado a hora de lavar as mãos para o lanche, o
que impossibilitou continuar a atividade com a aluna, mesmo ela mostrando
interesse. Expliquei que haveria ainda muitos deveres na sala para ajudá-la a
entender a “continha”. Ela concordou e foi se preparar para o lanche. É possível
perceber as informações valiosas que essas representações simbólicas trouxeram
para o trabalho no Ambiente Matematizador. A partir delas, conversei com a
professora Darlene e com o professor Cristiano (orientador desta pesquisa) sobre
situações e procedimentos que poderiam ajudar não só essa aluna, como outros
alunos que se encontravam na mesma situação.
Estimular as representações simbólicas dos alunos e depois confrontá-las
dentro do próprio grupo é uma forma de socialização que esteve muito presente nos
procedimentos da professora-pesquisadora durante a pesquisa, em situações
diversas, não só matemáticas. Quando os alunos erravam muito uma palavra, as
diferentes representações eram escritas no quadro e confrontadas, inclusive
consultando o dicionário. Quando a turma se dividia defendendo uma ideia, uma
atividade ou um passeio, eram discutidas e listadas as possibilidades e feita uma
votação. No dia 27/09/01, em uma situação não planejada pela professora Darlene e
já citada no item 2.3.1, houve um confronto de resultados muito interessante. Os
alunos iam fazer um passeio e quando foram contar quantos dias faltavam, a turma
se dividiu. Alguns alunos gritaram que faltavam 10 dias e outros, 11 dias. A
professora-pesquisadora sugeriu que olhassem no calendário e fizessem as contas.
Como estava no fim do mês e o passeio era no outro mês, criou-se um problema a
mais para resolver o confronto. Os alunos foram para a mesa, pegaram lápis e
papel, consultaram o calendário, buscaram palitinhos, tampinhas, contaram nos
143
dedos, mas os resultados não coincidiam. Após um certo tempo, a professora
Darlene chamou quem quisesse para representar no quadro, para os colegas, como
havia feito a contagem dos dias. Após uma variedade de representações, chegou-se
a resposta de 10 dias. Pude observar o envolvimento dos alunos, que buscavam
entender e achar suas próprias respostas. As aprendizagens matemáticas dessa
atividade foram enriquecidas pela socialização e confronto das representações
simbólicas que cada aluno tinha a respeito de como chegar à resposta final.
Essas situações citadas acima vão ao encontro da proposta do Ambiente
Matematizador, à medida que favorecer a ação-registro-reflexão-socialização de um
conceito.
144
2.5.1.3. Ação-registro-reflexão-socialização da pesquisadora-
professora.
Hoje tenho claro o ganho desta pesquisa por optar pelos princípios da
pesquisa-ação. Poder contar com a professora Darlene, a professora-pesquisadora,
como aliada nesta pesquisa foi muito enriquecedor. Muitas vezes cheguei com uma
proposta para ser apresentada e discutida com a professora Darlene. No entanto,
ela, além de contestar e modificar a proposta, mostrava-me outros caminhos que
não havia percebido, como no exemplo já citado do contrato didático, item 2.4.3, ou
no nosso primeiro encontro, após a qualificação do projeto desta pesquisa, no dia
02/09/02, na qual a professora Darlene lê para mim suas anotações e sugestões,
apontando o que poderia ser visto com mais carinho na pesquisa. Esses registros
feitos pela professora-pesquisadora apontaram a necessidade de discutir o que seria
o termo construção, assim como a diferença entre o Ambiente Matematizador
Artificial e o Ambiente Matematizador Natural. Na análise da professora Darlene
(com a qual concordo), o que aconteceu no ano de 2001 foi o Ambiente
Matematizador Artificial e em 2002, o Ambiente Matematizador Natural. O ideal para
nós é o Ambiente Matematizador Natural, reforçando a necessidade de que a ideia
do Ambiente Matematizador não é somente minha, mas de todos os envolvidos na
proposta. Acredito que em 2002 a professora Darlene e eu visualizamos melhor o
que seria o Ambiente Matematizador, possibilitando um avanço significativo em sua
construção, com a incorporação, de fato, da Teoria dos Campos Conceituais em sala
de aula.
145
Capitulo VI – APROXIMAÇÕES ENTRE TEORIA E PRÁTICA:
ANÁLISE DOS RESULTADOS
1. Visão geral do processo pedagógico: vantagens e dificuldades
do Ambiente Matematizador
Falar das vantagens e dificuldades do Ambiente Matematizador me causou
uma certa dificuldade, pois imaginei, inicialmente, analisá-las separadamente, o que
se mostrou impossível, pois as vantagens e dificuldades, normalmente, aparecem
juntas, de forma dialética, assim como nas grandes questões da vida.
Sendo assim, analisando os relatos do Capítulo V à luz da Teoria dos
Campos Conceituais, apresentada no Capítulo III, em especial no quadro-síntese do
item 4, e buscando sistematizar as vantagens e as dificuldades observadas durante
a construção do Ambiente Matematizador, apresento um quadro resumo que com
certeza sofrerá mudanças a cada nova proposta de construção. Esclareço que
provavelmente o que para nós (Darlene e eu) aparece como uma vantagem ou
dificuldade, para outro pode ser que seja visto de outra forma.
VANTAGENS para a professora e para os alunos
DIFICULDADES da professora e dos alunos
CONTEÚDOS
Favorecer uma rede de conceitos na mesma atividade, princípio importante na Teoria dos Campos Conceituais.
Avaliar o que está sendo aprendido e o que precisa ser revisto, considerando o currículo escolar vigente.
A possibilidade de mudar o planejamento a todo o momento que for necessário.
Trabalhar em alguns momentos com o imprevisto, sem um planejamento prévio da atividade.
ATIVIDADES
Atividades contextualizadas, centradas em projetos e situações-problema.
Contextualizar sem se distanciar do conteúdo escolar e organizar os projetos de forma que não se tornem repetitivos. .
Envolvimento dos alunos nas atividades lúdicas.
Organizar o momento das atividades lúdicas, pois é normal que os alunos queiram brincar e jogar o tempo todo.
146
SALA DE AULA
A possibilidade de usar em sala materiais diversos, inclusive os trazidos pelos alunos, favorecendo a contextualização e a relação entre diferentes disciplinas.
Não ter o controle habitual sobre as questões que serão levantadas pelo aluno, colocando a professora em uma situação não planejada, até de não saber a resposta de alguma pergunta.
Organizar a sala de aula de forma diferente e criativa, que permita aos alunos trabalharem em grupo e terem acesso aos diversos materiais e informações disponíveis na sala.
Encontrar uma forma de arrumação dos armários e carteiras diferente da tradicionalmente utilizada, que favoreça a troca e o movimento dos alunos.
A possibilidade de os alunos buscarem nos espaços da sala a informação que precisam.
Perceber que buscar a informação é uma etapa importante no processo de aprender e que se difere do ato de copiar.
A liberdade para desenvolver diferentes atividades, utilizando outros espaços além das “quatro paredes” da sala de aula, como passeios, museus, parques, campos, mercados, etc
Possibilitar a estrutura necessária para a saída da sala, já que ela envolve questões financeiras, de pessoal, de locomoção e de segurança.
ALUNOS E PROFESSORA-PESQUISADORA
Fazer com que todos os alunos participem, buscando um revezamento entre quem tem as respostas.
Estabelecer uma relação em que o espaço é descentralizado e a professora deixa de ser o centro das atenções.
Valorizar o trabalho em grupo, favorecendo o trabalho mútuo, discussões e o entrosamento da turma.
Rever a postura do silêncio em sala de aula, buscando desenvolver nos alunos o respeito ao outro, considerando que ao trabalhar em grupo os alunos ficam mais agitados e barulhentos.
Possibilidade de a professora respeitar o processo dos alunos, permitindo que eles usem o esquema que quiserem para resolver uma situação-problema.
Trabalhar com a variedade de esquemas dos alunos, exigindo da professora um esforço para entender a lógica presente em cada uma delas.
AVALIAÇÃO
Condição de a professora avaliar os alunos trabalhando de forma espontânea, discutindo e argumentado seus procedimentos e esquemas.
Organizar a dinâmica da sala de aula, possibilitando a avaliação espontânea pela professora dos alunos trabalhando.
Trabalhar o erro de forma inovadora, estimulando a participação, desenvolvendo a auto-estima e o senso crítico.
Trabalhar o medo em relação ao erro com os envolvidos no processo de aprender e ensinar: os pais, o próprio aluno, os outros alunos e o próprio professor. .
Deparar-se com uma variedade de representações simbólicas sobre um mesmo conteúdo.
Analisar a variedade de material obtido nas representações simbólicas dos alunos.
147
ESCOLA E COMUNIDADE
Propiciar a discussão no grupo de professores, surgindo sugestões criativas de atividades e a necessidade de estudo sobre assuntos gerais ou pedagógicos.
Envolver o grupo de professores em um planejamento flexível, respeitando as diferenças de cada sala.
Envolver as famílias na elaboração, construção e execução do Ambiente Matematizador.
Discutir as questões teóricas com os familiares dos alunos, buscando uma parceria na construção do Ambiente Matematizador.
2. Refletindo sobre as diversas aprendizagens
Os conteúdos escolares matemáticos das escolas brasileiras sofreram
mudanças a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCN (BRASIL, 1988)
lançados pelo MEC em 1997 e apresentados neste trabalho no Capítulo III. A escola
observada nesta pesquisa, conforme relato apresentado no Capítulo IV, é uma
escola pública que segue o Currículo para a Educação Básica das Escolas Públicas
do Distrito Federal (DISTRITO FEDERAL, 2000), formulado a partir dos PCN.
O Ambiente Matematizador buscou conciliar o conteúdo escolar estabelecido
nesses currículos com a lógica do processo dos alunos. Durante os dois anos desta
pesquisa, a professora Darlene e eu não nos preocupamos em organizar os
conteúdos de forma linear. Sabíamos os conteúdos que deveriam ser trabalhados e
durante todo o ano, em diversas situações, eles estavam presentes. Gostaria, no
entanto, de destacar dois momentos da pesquisa. O primeiro ocorreu em 2001,
quando nos deparamos com o algoritmo da subtração. Apesar de no currículo não
aparecer literalmente escrito que os alunos precisam saber o algoritmo convencional
presente nas escolas, nós (professora Darlene e eu) nos preocupamos em fazer
com que os alunos o aprendessem, sem ferir os princípios do Ambiente
Matematizador. Tal façanha se tornou impossível. Os alunos desenvolveram
algoritmos próprios, muitas vezes incompreensíveis para nós e apresentaram muita
dificuldade para entender o algoritmo convencional da subtração. Em algumas aulas,
a professora Darlene apresentou o algoritmo convencional da subtração, mas
poucos alunos acompanharam o raciocínio apresentado. A maioria dos alunos
permanecia com seu próprio algoritmo, diferente do convencional. Foi interessante
perceber que assim como nós (professora Darlene e eu) tínhamos dificuldades para
148
entender o algoritmo de alguns alunos, eles também tinham dificuldade de entender
o nosso, ficando clara para nós a questão real do ser humano: as diferenças. O
professor Cristiano (orientador desta pesquisa) em nossas conversas sempre
questionava o porquê de estarmos tão preocupadas em ensinar o algoritmo
convencional. Explicávamos que era uma preocupação escolar, enraizada há anos
no currículo da 1ª série. O Ambiente Matematizador, com sua proposta de análise e
reflexão, fez com que percebêssemos que essa preocupação precisava ser
contestada e abandonada. Em 2002, ela não esteve presente nos nossos
planejamentos. Foram planejadas situações e atividades matemáticas em que a
professora-pesquisadora valorizava as estratégias utilizadas pelos alunos. Eles
terminaram o ano com seus próprios algoritmos de subtração, alguns ainda
deficientes, mas nós tínhamos a certeza de que eles dominavam o conceito da
subtração. De acordo com Golbert (2002, p.114), em sua pesquisa:
Os alunos que usaram estratégias inventadas, antes que tivessem aprendido os algoritmos convencionais, demonstraram melhor conhecimento sobre os conceitos do sistema da base dez e foram mais bem-sucedidos em estender seus conhecimentos anteriores para as situações novas, que os estudantes que aprenderam, inicialmente, os algoritmos convencionais.
O segundo momento a ser destacado ocorreu no final da pesquisa, em
08/01/03. A professora Darlene estava repondo as aulas da greve ocorrida em 2002
e, durante nossa conversa, fala de seu arrependimento em ter ficado tanto tempo
trabalhando o valor posicional dos números. Ela levou para a sala vários jogos e
situações-problema que utilizavam os conceitos de composição e decomposição dos
números, assim como as operações de adição e subtração, para que os alunos
entendessem o sistema de numeração decimal. Ela relata que agora achava que
poderia ter ido mais depressa e ter ensinado, diretamente, a adição e a subtração.
No dia seguinte, 09/01/03, eu estava em sua sala de aula e ela me chamou para
mostrar como os alunos estavam entendendo bem a formação dos números. Eles
decompunham os números com rapidez e segurança, mesmo aqueles que
apresentavam alguma dificuldade em acompanhar as atividades propostas. Sentei
perto de dois alunos que pensavam sobre uma situação-problema apresentada e
resolviam as operações de adição e subtração com suas próprias estratégias. Um
deles só usava desenhos e o outro escrevia os números, à medida que riscava na
149
folha os “pauzinhos” que representavam as quantidades. Observando os alunos
trabalhando, cheguei perto da professora Darlene e disse: “esse é o resultado do
’tempo que perdeu’ trabalhando o sistema de numeração decimal.” Ela me olhou
espantada e no final da manhã veio me dizer que gostou muito do que falei e que
estava mais tranquila sobre o ganho que seus alunos tiveram em ter trabalhado
demoradamente o sistema de numeração decimal, até porque trabalhou de forma
integrada com outros conceitos, o grande princípio do Ambiente Matematizador.
Nesses dois relatos apresentados, é possível perceber as diversas
aprendizagens ocorridas no Ambiente Matematizador, no qual aprenderam não só
os alunos, mas também a professora-pesquisadora e a pesquisadora-professora.
Como é possível perceber, o Ambiente Matematizador não propõe que os alunos
aprendam sozinhos, ele estimula o olhar atento do professor e a relação em diversos
níveis: aluno-aluno, professor-aluno, professor-professor, etc. Há na proposta a
preocupação com as aprendizagens curriculares, mas acreditando que ensinar por
ensinar não é a melhor proposta. O nosso foco foi favorecer a aprendizagem
significativa.
3. A família dos alunos no Ambiente Matematizador
Posso afirmar que o Ambiente Matematizador vai ao encontro dos PCN de
matemática, mas será que vai ao encontro das expectativas das famílias? Essa
questão ficou ausente neste trabalho. Durante os dois anos de pesquisa,
aconteceram reuniões bimestrais da professora-pesquisadora com as famílias,
totalizando 4 por ano. Infelizmente não participei de nenhuma delas. Como prática
na escola, o primeiro momento da reunião com os familiares é com a direção, que
apresenta as questões gerais da escola, e depois as famílias são encaminhadas
para as salas dos professores. A frequência das famílias nas reuniões da professora
Darlene ficou na margem dos 50%. Acredito que poderia ser melhor. Ela relata, no
dia 15/03/02, que fez uma reunião com as famílias de seus alunos antes de entrar
em greve, que havia apresentado esta pesquisa e que os pais presentes a
receberam com interesse. Depois, na reunião de final de ano, os pais contaram com
satisfação que seus filhos costumavam fazer os deveres de casa de matemática
com mais interesse do que os das outras disciplinas. Darlene afirma, no dia
150
21/01/03, que se assustou com tal afirmação. Isso, para ela, mostrou como a
matemática ficou mais interessante e divertida e como os alunos estavam
entendendo melhor os conteúdos trabalhados.
Apesar dessas boas falas dos pais, no dia 19/09/02, durante uma conversa, a
professora Darlene conta que a mãe de um aluno, no meio da greve de professores,
trocou o filho de escola, pois achou que o trabalho não estava bom. A professora-
pesquisadora fala de como essas atitudes a entristecem e de como gostaria de
poder contar com o apoio de todos os pais. O ideal para o Ambiente Matematizador
é que a família participe de todos os processos: da elaboração, da construção e da
execução. Infelizmente, durante esta pesquisa, isto não foi possível, o que não deixa
de ser uma grande perda.
151
Capítulo VII: REFLEXÕES FINAIS
1. Considerações sobre o Ambiente Matematizador
Entre as diversas linhas pedagógicas, é possível identificar dois modelos de
escolas: as que adotam o ensino tradicional, em que se ensina por meio de
apresentações de conceitos e repetição das regras; e as que buscam um ensino
inovador, que se baseia os princípios presentes na Teoria dos Campos Conceituais,
mesmo sem identificá-lo. Durante esta pesquisa, refletindo a minha própria trajetória
docente e observando a prática da professora Darlene, conclui que muito já se faz
nas salas de aula de acordo com os princípios da Teoria dos Campos Conceituais.
Muitas vezes o professor acredita na necessidade de mudança e começa a realizá-la
de forma intuitiva e insegura. Um grande desafio é fazer com que esses professores
embasem teoricamente sua prática os outros, que permanecem no ensino
tradicional, a necessidade e a possibilidade de buscar novos paradigmas de
aprender e ensinar.
Esta pesquisa buscou embasamento metodológico na pesquisa-ação,
conforme esclareci no capítulo IV. Sendo assim, não gostaria que fosse vista como
uma possibilidade de transposição imediata para toda e qualquer sala que pretende
trabalhar nos princípios do Ambiente Matematizador. Thiollent (2000, p.101) nos faz
o seguinte esclarecimento sobre essa questão:
Um dos objetivos de conhecimento da pesquisa científica consiste em estabelecer generalizações a partir de observações delimitadas no tempo (o que foi constatado hoje ainda será constatável no futuro) e no espaço (o que foi constatado aqui, localmente, existe também globalmente na sociedade). Nas pesquisas orientadas em função de objetivos práticos, como no caso da pesquisa-ação, o objeto principal nem sempre é a generalização, especialmente em pesquisas voltadas para a aplicação do conhecimento disponível para a resolução de problemas e para a organização de ações específicas.
Procurei, neste trabalho, com o Ambiente Matematizador, alternativas para
dia-a-dia da sala de aula da professora Darlene. Observando, anotando, refletindo e
discutindo buscamos uma nova prática sobre o “como” se aprende e “como” se
ensina. Tenho a clareza que em cada escola, em cada sala de aula um Ambiente
152
Matematizador diferente e único poderá ser construído. Para isso acredito na
necessidade de se investir na formação continuada dos professores, assim como
incentivar o professor-pesquisador, sua própria sala de aula. Vergnaud (1993b, p.83)
afirma que “mapear os conhecimentos dos professores para planejar nossa
intervenção, que propicie as ‘rupturas’ fundamentais para a sua ação de aprender e
ensinar”. Temos uma riqueza de pesquisas e teorias que precisam ser divulgadas e
discutidas pelos professores, como uma possibilidade real de mudanças. O
Ambiente Matematizador não tem um poder mágico de mudança, ele como qualquer
projeto, poderá perder se não houver empenho e compreensão dos professores
questões teóricas nele apresentadas.
Hoje temos os princípios filosóficos, epistemológicos e metodológicos dos
PCN (BRASIL, 1988) como referência para educação brasileira. Eles, em sua
concepção curricular, sugerem prioridades, atitudes e atividades que: incluem e
excluem conteúdos; estabelecem um papel diferente para o professor e para os
alunos; levantam novas questões, antes consideradas “tabus” para a sala de aula; e
propõem novas relações entre o dia-a-dia dos alunos e a escola entre outras. Vale
destacar a importância dos PCN (BRASIL, 1988) ao legitimar a necessidade de
mudança. Propostas como as do Ambiente Matematizador deixam de ser uma
questão ideal e passa a ser uma questão de política educacional nacional. Não se
pode ignorar que a escola tem, em sua trajetória histórica, números que
constrangem, mesmo aos menos observadores. Não se trata somente dos
brasileiros que não sabem ler e escrever, mas também do grande índice de não
aprendizagem que ronda nossas escolas.
Falando especificamente da matemática, de acordo com os PCN (BRASIL,
1988), est área de conhecimento deve ser conduzida de forma a estimular a
capacidade de raciocínio e de compreensão. O aluno deve se sentir desafiado pelo
jogo d conhecimento, percebendo sua capacidade de aprender sempre. Deve
adquirir espírito de pesquisa e desenvolver a capacidade de raciocínio e autonomia.
Deve usar seus conhecimentos como elementos de interpretação e intervenção no
mundo, fazendo da matemática um trampolim para estruturar o pensamento e o
raciocínio dedutivo, além de uma ferramenta para tarefas específicas em quase
todas as atividades humanas. Todas essas aprendizagens são um desafio para o
153
professor e seu aluno, e acredito que o Ambiente Matematizador vai ao encontro
desses objetivos.
É fácil perceber a amplitude de mudanças que se fazem necessárias
esbarrainclusive, na precária formação dos professores que atuam em sala de aula.
Todavia acredito na possibilidade de mudança por meio de um maior
comprometimento político. Esse comprometimento deve acontecer todos os setores,
mas especialmente dos governantes, eleitos para coordenar as diversas
necessidades da população brasileira.
Acredito que a proposta do Ambiente Matematizador seja possível nas
escolas brasileiras (respeitando as devidas diferenças e incentivando o estudo, a
pesquisa e o trabalho em equipe), lembrando que maior investimento na formação
continuada dos professores, promovendo uma mudança nos princípios enraizados
em algumas posturas dos professores brasileiros.
Hoje começo a ver no Ambiente Matematizador um Ambiente Educativo, que
favoreceria a análise e a reflexão em todas as disciplinas. Afinal o professor que
incorporar as propostas do Ambiente Matematizador estará automaticamente
transferindo seus princípios e posturas para o processo de aprender e ensinar em
sua amplitude.
2. Perspectiva sobre a pesquisa
Ter optado pelos princípios da pesquisa-ação para desenvolver esta pesquisa
me colocou numa situação de inquietude, mesmo com sua conclusão formal.
Acredito que, apesar da conclusão desse trabalho, essa pesquisa não chegou ao fim
nem para mim, pesquisadora-professora, nem para Darlene, a professora-
pesquisadora. Muitas mudanças aconteceram em nossa própria formação conforme
relatado neste trabalho. Essas mudanças, tão profundas, são levadas para fora dos
espaços da sala de aula pesquisada.
Eu, em minha prática docente (atualmente na formação de professores) não
concebo mais uma aula com um momento único. Busco em meus planejamentos
favorecer uma nova relação entre o professor, o aluno e o conhecimento,
considerando os cinco princípios básicos presentes no Ambiente Matematizador: a
154
relação existente entre os conceitos, a necessidade de se trabalhar a lógica do
aluno, a necessidade da socialização em sala de aula, a importância da pesquisa no
processo de aprender e ensinar e as novas concepções de se analisar o erro e a
avaliação. As mudanças ocorridas na minha prática em função da pesquisa ainda
mais intensas por considerar os princípios da pesquisa-ação. Não me vi na pesquisa
como a “dona da verdade”, a possuidora de “todas as respostas”, ao contrário, fui
parceira da professora-pesquisadora e seus alunos. Eles é que, em diversos
momentos, mostraram-me respostas que não havia enxergado.
A professora Darlene, a professora-pesquisadora deste trabalho, também sai
diferente desta pesquisa. De acordo com seus relatos, ela refez princípios
enraizados em suas posturas, modificando inclusive sua relação com a matemática
no seu dia-a-dia. Contas que antes se recusava a fazer, hoje desenvolve com prazer
e persistência. No dia 19/09/02, ela relata algumas de suas mudanças:
Eu já fi professora de 2 páginas de livro por dia, mas o aluno não aprendia! Agora estou mais feliz, pois percebo que meus alunos aprendem! Está muito melhor. Não trabalho o calendário só naquela semana, trabalho todo dia, o ano todo, assim acontece com a hora no relógio, a contagem, as medidas... E o registro? Sempre gostei de escrever, de anotar, mas agora é lei: Tem um projeto acontecendo? Escrevo. “Rolou” algo na sala? Anoto. Vai tudo para o meu caderno. Olha a grossura que já está!
Vejo no Ambiente Matematizador uma proposta possível e real, apesar das
muitas reflexões e mudanças de postura que o professor precisa estar disposto a
fazer. Acredito que há muito que se pesquisar sobre a Teoria dos Campos
Conceituais, o que só vai acrescentar ainda mais às práticas diárias escolares.
155
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161
GLOSSÁRIO O objetivo deste glossário não é prescrever definições, mas oferecer ao leitor
uma melhor compreensão dos conceitos utilizados ao longo da dissertação.
A
Ambiente Matematizador: espaço de múltiplas relações sociais, em que a
Matemática é vista como uma ciência dinâmica, inacabada e relacionada a diversos
conhecimentos.
Esse ambiente, através de situações-problema, deve provocar o pensamento
e o raciocínio lógico, propiciando a construção e reconstrução de conhecimentos,
levando o aluno a levantar hipóteses, elaborar estratégias e explicar, oralmente ou
por escrito, os caminhos que percorreu (metacognição), confrontá-las e retomá-las.
O aluno é visto como um sujeito histórico-social, composto pelo sujeito cognitivo
(que aprende), sujeito epistêmico (aprende várias coisas) e sujeito didático (aprende
em sala de aula).
Busca-se, por meio de um contrato didático (Brousseau e Douady),
estabelecer a importância da participação de todos no Ambiente Matematizador e o
que se espera de cada um dos envolvidos: a professora-pesquisadora e os alunos.
O ambiente será composto de muito material concreto (canudos, elásticos,
QVL, material dourado, outros), diferentes utilizações de números (tabelas, gráficos,
jornais, etc), atividades de lógicas, situações-problema e principalmente jogos que
envolvam conceitos matemáticos.
Os alunos participarão da construção desse ambiente, garantindo não só o
envolvimento e comprometimento, mas também a presença sócio-cultural de cada
um deles.
Os grupos áulicos (grupos de sala de aula) terão função primordial, nos quais
será estimulado o confronto de idéias e das estratégias utilizadas pelos alunos, nas
resoluções de situações-problema.
O professor e os alunos têm o papel de pesquisadores. A professora-
pesquisadora deve mediar o conteúdo escolar e o conhecimento que os alunos
trazem de sua vivência. Utilizará atividades didaticamente planejadas que avalie,
desafie e estimule o aprender, amparando e valorizando os diversos raciocínios.
162
Algoritmo: é uma técnica com passos e regras estabelecidos que levam a um
resultado desejado. As operações possuem algoritmos próprios, que podem ser os
convencionais, tradicionalmente ensinados nas escolas, ou os espontâneos,
elaborados pelos alunos e professores.
Aprendizagem significativa: ultrapassa o “saber” e modifica as estruturas internas
do ser humano, interferindo na sua maneira de resolver problemas e de ver o
mundo.
Atividade escolar: pode ser livre, avaliativa, mediadora, provocativa, etc. As
atividades poderão ser desenvolvidas de diferentes formas, como: verbalmente, por
escrito, utilizando o corpo, entre outras. É importante que despertem o interesse do
aluno. Sendo bem orientadas, poderão ser um rico momento para observações e
anotações das hipóteses dos alunos.
Atividade Matemática: o aparecimento de aspectos quantitativos nas situações não
significa, necessariamente, situações de ensino matemático. “Atividade didática
digna do adjetivo Matemática é aquela em que o aluno é desafiado a ampliar seu
universo de conhecimento sobre essa disciplina. Além disso, ampliar conhecimentos
não é memorizar informações. É, isto sim, ampliar sua capacidade de estabelecer
relações entre os diversos elementos que interferem neste campo de
aprendizagem.” (GROSSI, 1993b, Não paginado.)
Avaliação: deverá ser formativa, diagnóstica, processual, etc. Ela deve deixar de ser
o momento final da aprendizagem, o momento de punição pela não aprendizagem e
passar a ser dinâmica, formativa e diagnóstica, de fundamental importância dentro
do processo de aprender e ensinar.
C
Cálculo: “Procedimento que leva ao resultado de uma operação. O significado mais
antigo da palavra cálculo é pedra, pedregulho. Esse significado nos recorda que,
para efetuar cálculos matemáticos, usaram-se pedrinhas, às vezes as do ábaco,
durante séculos e séculos.” (IMENES, 1998, p.48)
Campo Conceitual: é um espaço de aprendizagem, constituído de quatro
elementos: os conceitos, as situações didáticas, os procedimentos didáticos e as
representações simbólicas. Um dos princípios básicos da Teoria dos Campos
Conceituais é que, através da exploração das diversas invariantes operacionais
presentes nas mesmas situações-problema, que um conceito vai ganhando sentido
163
para os alunos. Quando os alunos não dispõem das competências necessárias para
resolver problemas relacionados à certa classe de situação, eles desenvolvem
estratégias próprias, às vezes elementares, que integrarão as mais gerais,
elaboradas posteriormente.
De acordo com Vergnaud (1995. Não paginado), Campo Conceitual é “um
conjunto de situações cujo tratamento implica esquemas, conceitos e teoremas, em
estreita conexão, assim como as representações da linguagem e representações
simbólicas possíveis de serem utilizadas para representá-los”.
Conceito: é um elemento dinâmico, passível de revisão e reformulação. É a ideia
que se tem sobre determinado assunto e deverá ser construído pelo aluno dentro do
Campo Conceitual, favorecendo uma relação de reestruturação constante até que se
chegue ao conceito cientificamente aceito.
Conflito cognitivo: momento em que o sujeito toma consciência de sua ignorância
e percebe a necessidade de buscar mais informações sobre o que se quer aprender.
Contextualização: favorecer, na sala de aula, um “elo” entre o que se quer ensinar
(currículo escolar) e o que o aluno vivencia. Destaco a necessidade de não
desmerecer um conhecimento em função de outro, mas sim de estabelecer relação
entre o que a escola ensina e que o aluno aprende na vida. Com certeza um grande
desafio!
Contrato didático: objetiva tentar tornarem explícitas as atribuições, antes
implícitas, entre o professor e seus alunos, durante a aquisição do conhecimento (só
ensina quem aprende). O que inicialmente aparece implicitamente na sala de aula é
discutido e avaliado buscando tornar-se explicito. O contrato está totalmente
relacionado ao procedimento e existe em função do aprendizado dos alunos e
professores de forma ativa. Ele poderá ser renovado e renegociado durante o
processo de aprendizagem, visando às condições necessárias para gerar as
aprendizagens esperadas.
D
Didática: é um dos principais temas de estudo da pedagogia, sendo mais que o
estudo das metodologias de como passar conteúdos, passos ou receitas do que
fazer para ensinar a contar, somar ou dividir. Vejo seu significado como uma
provocação, que leve aluno e professor à busca do conhecimento.
164
E
Ensino tradicional: visão empirista, associacionista e linear dos conteúdos
matemáticos. Esses conteúdos são “ensinados” por partes, isoladamente,
dificultando a ideia do todo matemático. Os alunos trabalham individualmente,
mesmo quando sentados em grupos e veem na figura do professor aquele que tem
a resposta certa para as diversas questões discutidas em sala de aula. A avaliação
acontece no final de cada bloco de conteúdo, levando o aluno a perceber a
importância de dar as respostas corretas.
Epistêmico: relativo à capacidade de aprender sempre e construir conhecimento,
considerando o conhecimento em seus aspectos sociais, culturais, cognitivos,
históricos, linguísticos e lógicos.
Erro: faz parte da aprendizagem. O professor não deve enxergá-lo como algo a ser
evitado, mas sim como um aliado do processo da aprendizagem. É, a partir dele,
que o aluno reestrutura suas hipóteses, buscando avançar nos níveis sócio
psicogenéticos.
Esquema: é a performance demonstrada pelo sujeito diante da construção de um
conceito ou a aquisição de um conhecimento. De acordo com Gerard Vergnaud
(1993, p.78), o esquema “representa as organizações invariantes de condutas,
relativamente a uma classe de situações e é composto de quatro elementos
indispensáveis: invariantes operatórios, inferência, regras de ação e antecipações”.
G
Grupo áulico: grupo de sala de aula, que poderá ser formado através de eleição.
Deverão ser mantidos por, no mínimo, 1 mês, possibilitando o confronto de idéias e
conclusões das discussões surgidas durante o processo de aprender e ensinar.
Deverá ter sua dinâmica de trabalho avaliada e discutida em grupo. Caberá ao
professor planejar atividades que possibilitem e valorizem o trabalho em grupo.
H
Hipótese: é a ideia incompleta e provisória que se tem sobre certo conhecimento
I
165
Invariante operatória: é um dos elementos presentes em um esquema de
pensamento. Sem ele o esquema não existe. Vergnaud (1993b, p.78) define como
“instrumentos de conceitualização de situações de referências do domínio
considerado”.
Intervenção didática: Intervenção e mediação são termos que por vezes levam a
discussões intermináveis. Vejo-os como uma “ponte” entre o conhecimento e o
sujeito que aprende e ensina. De forma geral, posso dizer que a intervenção é o
processo da mediação, que inclui um novo elemento em uma relação (ou vice-
versa). Ambos os termos estão tão relacionados que acredito na impossibilidade de
defini-los isoladamente. Na sala de aula, as mediações seriam as falas, as
brincadeiras, as situações, os jogos, etc que aparecem para favorecer a intervenção
durante o processo de aprender e ensinar um certo conhecimento. Vale ressaltar
que não é só o professor que faz a mediação e a intervenção. Alunos, leituras,
atividades, pessoas envolvidas ou não no processo de aprendizagem, entre outros,
também as executam.
L
Lógica do conteúdo X lógica do processo: são as diferentes formas de conceber
o conhecimento. Enquanto na lógica do conteúdo é apresentada uma coisa de cada
vez, respeitando certas prioridades estabelecidas, na lógica do processo o todo é
mantido, permitindo que o sujeito construa suas relações lógicas dentro de um
Campo Conceitual, sendo constantemente mediado pelo professor em suas
construções cognitivas.
M
Mediação: Mediação e intervenção são termos que por vezes levam a discussões
intermináveis. Vejo-os como uma “ponte” entre o conhecimento e o sujeito que
aprende e ensina. De forma geral, posso dizer que a mediação é o processo da
intervenção, que inclui um novo elemento em uma relação (ou vice-versa). Ambos os
termos estão tão relacionados que acredito na impossibilidade de defini-los
isoladamente. Na sala de aula, as mediações seriam as falas, as brincadeiras, as
situações, os jogos, etc, que aparecem para favorecer a intervenção durante o
processo de aprender e ensinar um certo conhecimento. Vale ressaltar que não é só
o professor que faz a mediação e a intervenção. Alunos, leituras, atividades,
pessoas envolvidas ou não no processo de aprendizagem, entre outros, também as
executam.
166
Metacognição: diz respeito à tomada de conhecimento sobre o que se aprendeu.
De acordo com Muniz (No prelo. Paginação irregular), “a metacognição se relaciona
ao aprender, à tomada de consciência dos próprios processos de construção de
conhecimento”.
N
Neo-construtivismo: corrente teórica que utiliza as ideias de Piaget sem grandes
questionamentos teóricos, buscando apenas contextualizar as ideias construtivistas
ao momento atual.
Nível sócio psicogenético: o resultado de uma estruturação lógica que se
caracteriza por sua incompletude e parcialidade, provisórias, até que o sujeito
incorpore novos elementos ao seu conhecimento.
O
Obstáculo epistemológico: “termo proposto por Bacherlard, caracteriza o
desenvolvimento do conhecimento, seja por um sujeito ou por um grupo social, em
que os conceitos prévios dificultam a construção de novos conceitos. Longe de ser
um fator negativo ao desenvolvimento humano e cultural, os obstáculos apresentam-
se como chaves propulsoras do esforço cognitivo no avanço científico e tecnológico.
Compreender esses obstáculos requer o entendimento de mudanças de
paradigmas, permitindo visualizar o processo evolutivo do conhecimento ao longo da
história da civilização e nas diversas culturas humanas”. (MUNIZ, 2002. Paginação
irregular).
Operação: adição, subtração, multiplicação e divisão são exemplos das quatro
operações matemáticas básicas trabalhadas nas escolas. Em uma operação, os
números são associados na busca de um resultado. “União e interseção também
são operações, só que entre conjuntos: dois conjuntos são associados a um terceiro,
que é o resultado. “ (IMENES, 1998, p.214)
Organização linear: é forma tradicionalmente utilizada na apresentação e
organização dos currículos escolares. A organização linear parte do princípio do pré-
requisito, no qual acredita-se que o aluno deve aprender uma coisa de cada vez e
numa sequência pré-estabelecida. Pires (2000), em suas pesquisas, apresenta a
ideia de rede como alternativa para a reestruturação curricular.
167
P
Pesquisadora-professora: a pesquisadora que, sendo também professora,
estabelece uma relação de participante na pesquisa e desenvolve uma dinâmica
ativa de trabalho, estudo e pesquisa com a professora e alunos pesquisados. Neste
trabalho, a pesquisadora-professora sou eu.
Pós-construtivismo: estudos e pesquisas que vieram acrescentar novas idéias ao
construtivismo e, às vezes, até modificá-lo. Esse grupo discute diversas questões
presentes no processo de aprender e ensinar, como a função do grupo, da
mediação, da cultura, entre outros, partindo das idéias construtivistas, mas
acrescentando novos olhares a ela.
Procedimento: é o “como” utilizado pelo aluno ou professor em determinada
situação. É importante destacar que o procedimento utilizado em determinada
situação pode demonstrar o nível conceitual do sujeito. Sendo assim, o
procedimento se modifica sempre que acontece uma alteração conceitual. Podemos
especificar os procedimentos em didáticos, quando são planejados em função do
que se quer aprender e ensinar.
Professora-pesquisadora: aquela que, estando dentro da sala de aula, busca
compreender as hipóteses de seus alunos em diferentes situações, refletindo sobre
os procedimentos utilizados e as representações simbólicas apresentadas e, a partir
daí, revendo seu planejamento diário. Neste trabalho, a professora-pesquisadora é a
Darlene.
R
Reconstrução: Nessa ação, o aluno e/ou professor constrói e reconstrói,
conjuntamente, seu conceito no caso matemático.
Registro: forma escrita de demonstrar o caminho percorrido ou a conclusão
provisória alcançada após diferentes atividades. Neste momento, o sujeito deve
retomar sua aprendizagem, refletindo sobre o conhecimento adquirido.
Representação simbólica: é a forma utilizada pelo sujeito, que se encontra dentro
de um Campo Conceitual, de representar seu entendimento sobre o conceito que se
está “aprendendo”. Essa representação é tanto mental quanto gráfica.
168
S
Situação didática: situação cognitiva planejada, com fins didáticos, em função do
que se quer aprender e ensinar e que favoreça uma mediação “saudável”, levando o
aluno a continuar sua busca ao aprender.
Situação-problema: atividade didática que leva os alunos ao envolvimento cognitivo
sobre certo conhecimento. Deve-se estimular a utilização de estratégias próprias, o
confronto entre os pares, buscando a sistematização do conhecimento. De acordo
com Vergnaud, os problemas aditivos envolvem soma e subtração e os
multiplicativos, multiplicação e divisão. Não sendo raro que envolvam 3 ou 4
operações diferentes. Pode-se enriquecer as situações-problema, com o uso de
gráficos, tabelas, calculadoras, porcentagens e outros do dia-a-dia dos alunos.
T
Teoria do Campo Conceitual: de acordo com Vergnaud (1996a, p.11), essa teoria
busca “melhor compreender os problemas de desenvolvimento específicos no
interior de um mesmo campo de conhecimento”. Em Koch (1993, p.67), é possível
encontrar a seguinte definição “é um conjunto de situações cujo domínio progressivo
exige uma variedade de conceitos, procedimentos e de representações simbólicas
em estreita conexão.”
Transposição didática: de acordo com Vergnaud (1996b, p.68), é a transformação
de um conhecimento de referência em um conhecimento de ensino. Distingue-se em
duas fases importantes: a transformação do saber de referência em um
conhecimento a ser ensinado e a transformação do conhecimento a ser ensinado
em ensinamento efetivamente aprendido em sala de aula.
Trinômio: é a relação didática existente entre o professor, o aluno e o
conhecimento. No Ambiente Matematizador, essa relação deve ocorrer com base
nos princípios da Teoria dos Campos Conceituais e devem ser discutidos durante a
elaboração de um contrato didático.
169
APÊNDICE A: Painel da representação do Ambiente Matematizador
embasado na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud
170
Nina Claudia Mello – [email protected]
REPRESENTANDO O AMBIENTE MATEMATIZADOR (dinâmico, epistêmico e exclusivo para cada turma) Conceitos, situações, procedimentos e representações simbólicas: todos permeados pelo contexto histórico-social dos atores envolvidos na
aprendizagem formal que se quer construir.
Um ambiente construído a partir “de e com” todos envolvidos no processo de aprender e ensinar. Professores e alunos utilizando o ambiente para refletir e representar seu raciocínio e seu entendimento sobre certo conceito, possibilitando assim a socialização, discussão, re-construção e sistematização do
que se quer aprender e ensinar. Acreditando que aprendemos quando fazemos a relação com o que já sabemos e o que se quer aprender.
Contexto histórico-social Lógica do processo do aluno Conteúdo escolar
Materiais didáticos:
Jornais, revistas, receitas diversas, embalagens, gráficos, tabelas etc
Materiais de medidas: relógio, calendário, fita métrica, balança, trena, litro etc
Materiais de contagens: canudos, material dourado, ábaco etc
Blocos lógicos, sólidos geométricos, compassos, réguas, calculadoras etc
Situações contextualizadas, que levem o aluno a ação (que implica uma devolução):
. Jogos matemáticos, envolvendo raciocínio e lógica
Atividades desafiadoras e situações-problema.
Além da sala de aula: passeios, exposições, entrevistas, cinemas, obras de arte etc
Atividades didáticas: constituídas em um Contrato didático Arquitetura didática da sala de aula: em grupos áulicos, em duplas e individuais.
Professor: Mediação pedagógica: ora acolhendo, ora rompendo. Aluno: Esquemas de ação para resolver as situações.
Aluno socializando, discutindo, refletindo as diferentes representações: idéias, conceitos, ação e escrita.
Professor: Avaliação diagnóstica (oral e escrita): o que o aluno sabe sobre esse conceito? Como raciocina sobre certo conhecimento matemático? Avaliação processual e formativa (oral e escrita): O que se esta aprendendo e ensinando? O que re-planejar?
Professor: Observar, analisar, estudar e refletir buscando a mediação para aprender e ensinar “mais e melhor”
Aluno: sistematizando e revisando suas próprias hipóteses.
171
APÊNDICE B: Fichas de análise
172
Pesquisa: Uma professora-pesquisadora construindo – com e para seus
alunos – um Ambiente Matematizador, fundamentado na Teoria dos Campos
Conceituais de Vergnaud.
Ficha 1: Preliminar
Local: Escola Classe 312 Norte
Data/hora:
Material coletado:
Relato livre Análise Considerações
173
Pesquisa: Uma professora-pesquisadora construindo – com e para seus
alunos – um Ambiente Matematizador, fundamentado na Teoria dos Campos
Conceituais de Vergnaud.
Ficha 2: Discussão e planejamento
Local: Escola Classe 312 Norte
Data/hora:
Material coletado:
Relato livre Análise Considerações
174
Pesquisa: Uma professora-pesquisadora construindo – com e para seus
alunos – um Ambiente Matematizador, fundamentado na Teoria dos Campos
Conceituais de Vergnaud.
Ficha 3: Atividades desenvolvidas
Local: Escola Classe 312 Norte
Data/hora:
Material coletado:
Relato livre Análise Considerações
175
ANEXO A – Atividades feitas pelos alunos no dia 30/08/01.
Roteiro da atividade:
A professora convidou os alunos para participarem de um jogo de perguntas e
respostas. Eles toparam com animação. Ela entregou uma folha branca para cada
aluno e pediu que colocassem o seu nome e a data do dia de hoje que estava no
quadro. Pediu que cada um escrevesse sua resposta em silêncio, sem atrapalhar os
colegas (eles estão sentados em grupos áulicos). A professora orientou que bastava
colocar o nº 1, 2, 3, 4 e 5, não sendo necessário copiar a pergunta. Foram feitas as
seguintes perguntas:
1. Escreva o maior número da tabela.
2. Quantas pessoas vão para Quioto?
3. Quantas pessoas vão para Tóquio e Osaka?
4. Duas pessoas perderam o vôo para Hokaipo, quantas conseguiram embarcar?
5. Quantas pessoas vão para o Japão?
Considerando a agitação inicial da turma, até que eles fizeram silêncio.
Alguns alunos respondiam em voz alta, mas logo entenderam que atrapalhava o
jogo. Apesar da professora pedir que cada um fizesse o seu, eles conversavam
sobre as questões antes de escrever a resposta. Sendo assim, optamos por
grampear as folhas por grupo, para posterior análise.
Apresento a seguir alguns dos trabalhados desenvolvidos pelos alunos.
176
177
ANEXO B – Modelo da atividade iniciada pelos alunos no dia 29/11/01.
Esclareço que essa atividade foi feita em dias alternados para não cansar os alunos.
178
179
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181
182
183
]
184
ANEXO C: Registro feito pela aluna durante o Jogo de Tiro ao Alvo, no dia
27/09/01, foto 4, na página 109.
185
ANEXO D: Modelo da atividade feita pelos alunos no dia 15/05/02.
186
ANEXO E: Registros espontâneos dos alunos no dia 23/08/01.
187
188
189
ANEXO F: Registro da aluna no dia 27/09/01, correspondente a foto 7 da página
133.
190
ANEXO G – Registros espontâneos dos alunos no dia 27/09/01.
191
192
193
194
ANEXO H: Atividades feitas pelos alunos no dia 20/09/01.
Roteiro da atividade:
Após a construção de uma linha de tempo com o nascimento dos alunos da
sala, cada um recebeu uma folha divida em seis partes numeradas. Cada pergunta
feita deveria ser respondida na parte correspondente.
As perguntas foram:
1. Em que ano nasceram mais crianças desta sala?
2. Quantas crianças nasceram neste ano?
3. Se eu colocar mais três crianças neste ano, quantas ficariam?
4. Se só houvessem nascido sete crianças e eu colocasse mais três, quantas
ficariam?
5. Como você fez para descobrir?
6. Escreva o número 1759.
Os alunos fizeram as atividades com entusiasmo. Alguns foram buscar apoio
no material de contagem e outros contavam nos dedos. Foi possível observar
diferentes hipóteses e esquemas nesses registros.
Apresento a seguir alguns dos trabalhados desenvolvidos pelos alunos.
195
196
197
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199
ANEXO I: Alguns momentos da professora-pesquisadora.
200
Foto 9: Tirada no dia 27/09/01, a Professora Darlene distribui jogos e materiais nos grupos áulicos. Alguns alunos saíram de seus lugares para buscarem no armário os jogos que queriam.
Foto 10: Tirada no dia 27/9/01, a professora Darlene atende os alunos nos grupos áulicos,
observe que os alunos “passeiam” pela sala com liberdade, participando e conversando com outros grupos.
201
Foto 11: Dia 18/10/01, dia do aniversário da professora Darlene, na comemoração com
bolo, pão de queijo e refrigerante.
Foto 12: Dia 08/05/02, observando e intervindo no Jogo do Amarradinho.
202
Foto 13: Dia 08/05/02, os alunos na fila do lanche, enquanto a professora Darlene serve
cada um deles. Observe atrás da professora o gráfico feito por ela e com os alunos.
Foto 14: Dia 15/05/02, final da aula, a professora-pesquisadora organiza os armários.
Observe que, conforme relatado na pesquisa, há dois armários para guardar os jogos e materiais, um aberto e um trancado.