fundações de apoio - regime jurídico - autonomia universitária · 6.2. universidades públicas...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Thomas Augusto Ferreira de Almeida Fundações de Apoio - Regime Jurídico - Autonomia Universitária MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Thomas Augusto Ferreira de Almeida

Fundações de Apoio - Regime Jurídico - Autonomia Universitária

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Thomas Augusto Ferreira de Almeida

Fundações de Apoio - Regime Jurídico - Autonomia Universitária

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título de MESTRE EM DIREITO ADMINISTRATIVO, sob a orientação do Professor Doutor Clóvis Beznos

São Paulo

2013

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Banca examinadora:

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Dedicatória

A minha família pela eterna confiança

A meus mestres pelos ensinamentos

A meus amigos pelo apoio

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho científico não poderia ser concebido sem o precioso apoio e

contribuição de todos aqueles que de alguma forma estavam ao meu lado e por isso

fazem parte desta pesquisa acadêmica. Foi um privilégio poder contar com todos vocês

durante este período.

Camila Kühl Pintarelli, minha noiva, que conheci nos bancos do mestrado e à

medida que elaborávamos juntos nossos trabalhos, também construíamos nosso amor.

Querida, lhe conhecer e compartilhar contigo esses momentos tornaram minha vida, e

também este trabalho, muito mais especiais.

Meus pais Augusto e Adélia, que propiciaram minha formação e por serem um

eterno norte moral em minha vida; e meu irmão Joseph, pela interdisciplinaridade com a

área acadêmica da História.

Meu dileto orientador, Prof. Clóvis Beznos, pelos decisivos ensinamentos que me

conduziram ao longo desta pesquisa, em nome de quem agradeço a todos os professores

da PUC-SP, com especial menção aos ilustres mestres Prof. Márcio Cammarosano e

Prof. Luiz Alberto David Araujo pelas inestimáveis lições ditadas nas salas de aula, nos

corredores da universidade e na cafeteria da PUC.

O Magnífico Reitor da Universidade Federal de São Paulo, Prof. Walter Manna

Albertoni, pela oportunidade profissional de atuar na Procuradoria de uma das mais

tradicionais e conceituadas instituições de ensino do Brasil. A experiência prática

adquirida no cotidiano desta universidade foi determinante para uma compreensão da

realidade enfrentada pelas instituições públicas nacionais de ensino e pesquisa.

Os colegas professores da especialização em Direito Administrativo da PUC-

COGEAE, que nos debates no curso ampliaram meus conhecimentos no direito público.

Agradeço a todos em nome da estimada amiga Profª. Mariana Mencio.

E jamais poderia terminar esta página sem um distinto agradecimento a minha

amiga Flávia Giorgini Fusco Cammarosano e a meu irmão camarada Maurício Maia,

colegas de mestrado, conselheiros e, sobretudo, companheiros nesta e em muitas outras

jornadas que haverão de surgir.

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RESUMO

ALMEIDA, Thomas Augusto Ferreira de. Fundações de Apoio - Regime Jurídico -

Autonomia Universitária. 2013. 208 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo

Pretendemos, com este trabalho, elaborar uma análise do regime jurídico das fundações

de apoio às Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), com destaque para sua

singular conformação dentre os entes do Terceiro Setor. Será evidenciada sua especial

aproximação ao regime jurídico público decorrente das recentes alterações legislativas

promovidas pela Lei nº 12.349, de 15/12/2010, que modificaram significativamente o

marco legal das fundações de apoio, a Lei nº 8.958, de 20/12/1994. A origem das

fundações de apoio será contextualizada dentro do constante desígnio da Administração

Pública em buscar nas entidades de direito privado a flexibilidade de gestão administrativa

para execução das tarefas a que está incumbida. Esta fuga para o direito privado,

acentuada após os anos 1990 pela introdução da administração gerencial como política

de governo, será abordada sob a perspectiva das universidades públicas federais e a

autonomia universitária de gestão administrativa, financeira e patrimonial. A dependência

entre as fundações de apoio e as IFES apoiadas e a utilidade de suas parcerias

especialmente nas atividades de extensão universitária também serão objeto de reflexão

deste trabalho. Desenvolveremos nosso estudo a partir da história das universidades

públicas e do crescimento do Terceiro Setor após os anos 1990, passando ao regime

jurídico das fundações associado à evolução legislativa do tema e sua relação com a

jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Ao final, serão examinadas as

vulnerabilidades e potencialidades do atual arranjo jurídico previsto em lei para o

relacionamento entre fundações de apoio e IFES apoiadas.

Palavras-chave: fundações de apoio; universidades públicas; terceiro setor; autonomia

universitária.

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ABSTRACT

ALMEIDA, Thomas Augusto Ferreira de. Support Foundation - Legal Treatment - University Autonomy. 2013. 208 p. Dissertation (Master Degree in Law) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

This work intends to elaborate an analysis of the legal treatment about the support

foundations of the Federal Institutions of Higher Education (IFES), highlighting its unique

conformation among the entities of the Third Sector. It will be demonstrated his special

approach to the legal public regime resulted from recent legislative changes introduced by

Law No. 12,349, of 15/12/2010, which significantly changed the law of the support

foundations, Law No. 8958 of 20/12/1994. The origin of the support foundations will be

contextualized within the constant design of the government seeking in private entities the

flexibility of administrative management for implementation of the tasks assigned to it. This

runway to the private legal regime, sharply occurred after the 1990s by the introduction of

management administration as government policy, will be addressed from the perspective

of the federal public universities and university autonomy in administrative, financial and

patrimonial aspects. The dependence between the support foundations and IFES

supported and the usefulness of its partnerships especially in university extension activities

will also be the subject of reflection in this work. We will develop our study from the history

of public universities and the growth of the Third Sector after the 1990s, going to the

evolution of the legislative associated with the precedents of the Court of Audit in Brazil

(Tribunal de Contas da União). At the end, will be examined the vulnerabilities and

strengths of the current legal arrangement provided by law for the relationship between

support foundations and IFES supported.

Keywords: support foundations; public universities; Third Sector; university autonomy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO - 11

1. As Universidades Públicas - 22

1.1. Disposições Constitucionais - 22

1.2. Universidades Federais no Brasil - histórico legislativo - 24

1.3 Universidades como Instituições de Interesse Público - 38

1.4. Finalidades da universidade: ensino, pesquisa e extensão - 41

1.4.1. Extensão Universitária - 42

1.5. Autonomia Universitária - 45

2. Terceiro Setor - 58

2.1. Princípio da Subsidiariedade - 60

2.2. Atividade Estatal de fomento - 63

2.3. Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estatal - 65

2.4. Terceiro Setor - 68

2.5. A expressão Paraestatal - 72

2.6. Classificação das entidades do Terceiro Setor - 74

2.7. Anteprojeto de Lei Orgânica da Administração Pública - 76

3. Regime Jurídico das Fundações de Apoio às Instituições Federais de Ensino

Superior - 78

3.1. Classificação das Pessoas Jurídicas no Código Civil - 78

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3.2. Fundações - 79

3.3. Fundações e Associações - 83

3.4. Instituição das fundações - 84

3.5. Fiscalização das Fundações pelo Poder Público - 87

3.6. Regime tributário especial - 89

3.7. Fundações Públicas e Fundações Públicas de natureza privada - 91

3.8. Fundações de Apoio às IFES e ICTs - 101

3.8.1. Histórico - 101

3.9. Conclusão - 113

4. Legislação Federal sobre Fundações de Apoio - 115

4.1. Introdução e Proposta de Classificação - 115

4.2. Iniciativa - até a edição da Lei nº 8.958/1994 - 117

4.2.1. Lei 8.958/1994 - 122

4.3. Após a edição da Lei nº 8.958/1994 até o Decreto nº 5.205/2004 – Criação de

um Modelo - 127

4.4. Após a edição do Decreto nº5.205/2004 – Consolidação - 129

4.5. Conclusão: identificação de um movimento legislativo - 138

5. Jurisprudência do Tribunal de Contas da União - 140

5.1. Introdução - 140

5.2. O Tribunal de Contas da União – funções - 141

5.2.1. Influência do Tribunal de Contas da União na legislação das fundações

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de apoio - 144

5.3. Acórdãos paradigmáticos - 146

5.3.1. Tomada de Contas nº34.430/80, de 25/03/1982, Plenário - 146

5.3.2. Tomada de Contas nº004.117/87-5, de 10/12/1987, Plenário - 148

5.3.3. Decisão 528/1992 - Plenário, Tomada de Contas nº013.074/92-0, de

11/11/1992 - 154

5.3.4. Decisão 230/1995 - Plenário, Tomada de Contas nº 021.921/94-6, de

31/05/1995 - 157

5.3.5. Acórdão 655/2002 - Plenário - 161

5.3.6. Acórdão 276/2002 - Plenário - 167

5.3.7. Acórdão 2.731/2008 - Plenário - 168

5.4. Conclusão - 177

6. Identificação de Potencialidades e Fragilidades para Construção de um Modelo

Jurídico de Parceria - 180

6.1. Introdução - 180

6.2. Universidades Públicas Federais - em busca de uma conformação jurídica

adequada - 184

6.3. O papel das fundações de apoio - 189

6.4. Redefinição do papel do Estado em relação à sociedade - 191

6.5. Conclusão - 196

CONCLUSÃO - 197

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - 202

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INTRODUÇÃO

As fundações de apoio às Instituições Federais de Ensino Superior (IFES),

constituídas com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e

desenvolvimento institucional a estas, têm sua origem na década de 1970. Criadas

pelas comunidades universitárias ou pelas próprias universidades públicas, seu

objetivo, a princípio, era a instituição de pessoas jurídicas de direito privado que

absorvessem parte das atividades das universidades sob um regime de maior

flexibilidade gerencial para atender as atividades de pesquisa das universidades

públicas. O escopo, desta forma, era reverter um quadro de maior rigidez

administrativa que havia lhes sido imposto com a inserção das mesmas no regime

autárquico federal a partir da década de 1960.

Por intermédio da ação das fundações de apoio, as universidades públicas

federais instrumentalizaram uma autonomia administrativa paralela ao regime

jurídico público, especialmente na gestão de seus recursos orçamentários e

financeiros, vez que não estariam limitadas pelas restrições legais e burocráticas

inerentes à administração pública, como por exemplo o recolhimento de seus

recursos próprios ao caixa único do Tesouro ao fim do exercício financeiro. A

consonância das ações das fundações de apoio aos interesses das universidades,

por sua vez, era garantida pelo controle da direção institucional das fundações de

apoio.

Neste sentido, em defesa das fundações de apoio, eram recorrentes

discursos na própria academia sustentando que a autonomia universitária, prevista

constitucionalmente, seria concretizada pela ação das fundações de apoio, que

agiriam como uma longa manus das universidades públicas. O expediente não era

novidade no âmbito da administração pública, tendo em vista que outras instituições

públicas de natureza autárquica também haviam criado entidades, fora do regime

jurídico público, com o principal intuito de fornecer-lhes mão de obra e intermediar

contratações de compras e serviços.

Nas universidades públicas, entretanto, o fenômeno foi endêmico. Em razão

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de sua autonomia de gestão, sua projeção e prestígio na sociedade, e

especialmente pela possibilidade das fundações se inserirem no mercado de

prestação de serviços de consultoria e de ensino dentro da extensão universitária.

Neste cenário, as fundações de apoio expandiram-se e ganharam relevo a partir da

década de 1990, quando em razão de uma significativa redução nos orçamentos das

universidades públicas federais se empenharam de forma consistente em buscar

fontes adicionais de recursos junto à iniciativa privada e aos poderes públicos.

A expansão das fundações de apoio também coincide com o contexto do

Estado Pós-Social - de influência neoliberal -, com a concepção de uma

administração pública de natureza gerencial, e com a acelerada expansão do

mercado de ensino pelo desenvolvimento das tecnologias de ensino e transmissão

de dados à distância, além da difusão da internet.

Uma vez que tais entidades não eram fiscalizadas pelo Poder Público com a

mesma abrangência de controle ao qual um ente estatal estaria submetido, ou

mesmo tinham que obedecer princípios caros à administração pública nos seus

acordos, possuíam um maior potencial de captação de parcerias externas para o

financiamento de pesquisas, o que contribuiu para a consolidação dessas

instituições no cenário educacional e científico.

O modelo, entretanto, desvirtuou-se dos seus supostos propósitos de auxílio

às IFES e, ao longo dos anos, as fundações de apoio tornaram-se administrações

paralelas à administração das universidades públicas, implicando em contratações

de recursos humanos, sem concurso público, para suprir a carência de servidores,

complementações salariais aos servidores públicos, ou mesmo compras e

contratações de serviços sem a realização de um regular procedimento licitatório.

Esta sistemática era financiada por recursos provenientes de atividades

geradoras de receitas próprias às instituições como, por exemplo, serviços de

consultoria e capacitação de recursos humanos, realizadas, em regra, por servidores

das universidades e na própria estrutura física destas instituição de ensino. Os

recursos obtidos por tais atividades deveriam ser depositados na conta única da

universidade - vez que o serviço teria sido prestado pela instituição e pelos seus

funcionários -, e assim submetida aos princípios, regras e controles orçamentários,

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especialmente seu recolhimento ao caixa único do tesouro ao final de seu exercício

financeiro.

Os citados recursos, entretanto, permaneciam em contas vinculadas das

fundações de apoio, em semelhança a um segundo caixa que ficaria à disposição

das universidades federais e seus departamentos, porém, não submetido às regras

de gestão orçamentária pública.

Sem embargo, à medida que obtinham recursos, via parcerias com órgãos

públicos ou executando atividades que deveriam gerar recursos às universidades e

não a elas, as fundações de apoio começaram a executar não apenas as finalidades

institucionais das universidades federais (ensino, pesquisa e extensão), como

também começaram a aparelhar o instrumental administrativo dessas instituições

públicas, com a contratação de recursos humanos e aquisição de bens e serviços da

rotina administrativa. Em outras palavras, tornaram-se paralelamente a própria

administração pública, mas em um regime de direito privado.

Por outro lado, em razão de sua natureza privada, as fundações de apoio

estão mais sujeitas a interesses externos em comparação às universidades públicas,

já que não submetidas à aprovação de instâncias democráticas na tomada de suas

decisões institucionais, como as universidades. Neste cenário de integração entre as

duas entidades, motivações privadas passam a integrar o domínio público,

reduzindo, com isso, a autonomia da Administração Pública na tomada de decisões,

quando, em verdade, a ação pública deveria ser confiada exclusivamente a órgãos

integrantes do regime público, como forma de assegurar a conformação do serviço

prestado ao interesse público.

Esta situação gera preocupação quanto a suas implicações na pesquisa

científica nacional. Tendo em vista que as atividades de pesquisa no Brasil ainda se

desenvolvem principalmente em instituições públicas, as fundações de apoio

assumiram um papel de grande influência no direcionamento da pesquisa científica

nacional, porém, são mais vulneráveis a interferência de agentes externos não

necessariamente consonantes com os objetivos gerais da sociedade brasileira.

É importante frisar que esta sistemática não apenas era tolerada pelo Poder

Executivo Federal como também por ele fomentada, enxergando nesta fuga do

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regime jurídico administrativo uma compensação às IFES em contrapartida às

medidas de austeridade e controle que passaram a ser impostas às universidades

federais a partir do fim da década de 1970 e especialmente após a constituição de

1988, como por exemplo a criação de um regime único de cargos e de licitações.

Ao longo da primeira década do século XXI, todavia, o modelo foi duramente

combatido pelos órgãos de controle interno e externo da administração pública,

destacando-se entre eles o Tribunal de Contas da União (TCU), que em razão de

sua missão constitucional de controle das contas e contratações do Poder Executivo,

construiu sólida jurisprudência de limitação aos desvirtuamentos e violações aos

princípios e normas de direito administrativo.

Dentre os julgados, o mais influente é o acórdão 2.731/2008 (DOU

01/12/2008), produzido a partir de uma Fiscalização de Orientação Centralizada

(FOC) tendo por objeto a avaliação do relacionamento das instituições federais de

ensino superior com suas fundações de apoio. A decisão consolidava a

jurisprudência do Tribunal de Contas da União a respeito do tema e demonstrava um

posicionamento contundente da Corte de Contas em contrariedade à prática que

havia se consolidado no âmbito das universidades federais.

O citado julgado destacava especialmente um desvirtuamento dos propósitos

da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, e das finalidades institucionais das fundações de

apoio e, por conseguinte, um distanciamento das ferramentas de controle de

recursos públicos, vez que as universidades passaram a gerir seus recursos dentro

do caixa das fundações de apoio, com gestão típica de instituições privadas,

implicando em um afastamento do sistema de fiscalização da contabilidade pública;

não só do controle contábil, como também de princípios norteadores da

administração pública, entre eles a licitação e o concurso público.

A citada jurisprudência, por sua vez, após grande polêmica, foi incorporada

pelas alterações legislativas, que ao contrário da legislação inicial do tema da

década de noventa, possuem uma conformação de maior controle e interferência do

Poder Público às fundações de apoio, inclusive com sua submissão a diversos

princípios e mecanismos de controle apenas impostos a órgãos e entidades de

direito público, em oposição à natureza de direito privado das fundações.

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As fundações de apoio, desta forma, passaram a ter um regime jurídico de

maior controle se comparado às demais fundações privadas, estando submetidas a

princípios semelhantes aos impostos à administração pública. Ainda que a princípio

o propósito das universidades fosse a instituição das fundações de apoio para

execução de suas atividades no regime de direito privado, à medida que a relação

com as fundações de apoio vai sendo regulamentada, há uma crescente

aproximação destas ao regime de direito público. Esta aproximação deu-se em

razão de um enrijecimento dos instrumentos de controle aos quais estariam

submetidas, aos deveres de transparência bem como à limitação das atividades e

objetos de parceria, entre outras medidas que foram sendo impostas pela legislação

às fundações de apoio. Há, assim, uma aproximação ao regime público, como pode

ser constatada pela edição de diversas normas regulamentando o relacionamento

entre as instituições de ensino e as respectivas fundações de apoio, como bem

demonstram os dispositivos das Leis nº 8.958/1994 e nº 10.973/2004 e decretos nº

5.205/2004 e nº 5.563/2005, e mesmo o Projeto de Lei de Reforma do Ensino

Superior (PL-7200/2006), e o anteprojeto de reforma administrativa, que passa a

chamá-las de entidades de apoio.

Desta forma, se as fundações de apoio possuíam uma maior liberdade de

atuação na gênese de sua legislação, as posteriores alterações legislativas, reflexo

da construção jurisprudencial do Tribunal de Contas da União, são muito mais

controladoras que as normas as quais estão submetidas as demais fundações de

natureza privada. As fundações de apoio assumem, desta maneira, uma

conformação peculiar dentro do sistema jurídico.

É importante destacar que a própria instituição das universidades federais sob

forma de fundações e autarquias de regime especial era uma forma de fuga do

regime público administrativo, mas que acabou comprometida à medida que estas

entidades tiveram que se conformar ao regime dos demais órgãos da administração,

especialmente no âmbito de sua gestão administrativa, de recursos humanos e de

controle contábil. Este peculiar histórico suscita o debate a respeito de qual seria a

forma jurídica mais apropriada às instituições universitárias públicas, tendo por

paradigma a melhor maneira de implementar a autonomia universitária em seus

aspectos científicos, didáticos e administrativos.

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É justo neste campo da implementação da autonomia administrativa que o

debate a respeito das fundações de apoio ganha relevo, vez que estas entidades se

consolidaram no ambiente acadêmico e científico como a interface da universidade

pública na realização das atividades de prestação de serviços dentro da extensão

universitária, tornando regra a participação de tais entidades nestas atividades.

Tal constatação não passa despercebida ao Poder Público, tendo o próprio

Ministério da Educação, no projeto de reforma universitária de 2003, proposto as

fundações de apoio como viabilizadoras da autonomia administrativa das

universidades federais. A proposta acompanha tendência verificada na atividade de

fomento estatal ao terceiro setor, que vem aumentando significativamente nos

últimos anos proporcionalmente à consolidação de um modelo de administração

gerencial e ao desenvolvimento na ciência jurídica do princípio da subsidiariedade.

Este cenário preconiza que o Estado deve assumir um papel menos participativo na

realização de atividades de cunho social, que passariam a ficar a cargo da

sociedade civil organizada.

É compreensível que as universidades federais e as instituições públicas de

pesquisa devem buscar maneiras de ampliar sua ações e, por conseguinte, suas

fontes de recursos, para isso procurando modelos gerenciais mais adequados às

suas missões institucionais dentro da organização social do País. A questão que se

apresenta é a procura de uma fórmula que permita às universidades e às instituições

de pesquisa progredirem suas atividades em harmonia com as disponibilidades de

recursos e meios da realidade nacional, sempre de acordo com as normas de

controle da gestão administrativa, com o aproveitamento de todo o potencial desses

limitados recursos.

Na atual sociedade da informação, o desenvolvimento científico e tecnológico

é cada vez mais determinante para a riqueza e progresso das nações, assumindo as

universidades, como centro gerador de inovação, papel determinante no progresso

nacional; a perda de competitividade científica e capacidade de geração de

conhecimento, por outro lado, têm efeitos danosos ao desenvolvimento nacional.

Desta forma, se a submissão das universidades federais, por intermédio de regras

não apropriadas as suas finalidades públicas, implicar em uma inadequada limitação

de sua autonomia administrativa, não se estará contribuindo para o progresso da

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sociedade.

A análise jurídica do tema acusa pontos de vulnerabilidade na relação das

parcerias entre Instituições Federais de Ensino Superior e fundações de apoio,

especialmente em alguns fatores que mitigam a aplicabilidade de princípios caros à

Administração Pública brasileira, como a impessoalidade e a publicidade. Por outro

lado, constatam-se potencialidades no modelo, especialmente na captação de

parcerias externas com a iniciativa privada bem como a contratação temporária de

recursos humanos para a viabilização de políticas públicas descentralizadas à

universidade. Em outras palavras, a manutenção das parcerias com as fundações de

apoio pode ser proveitosa ao desenvolvimento institucional das instituições públicas

apoiadas, entretanto, deve ser aprimorada no sentido de se viabilizar um efetivo

controle dos recursos repassados a essas entidades e, igualmente, o retorno aos

cofres públicos dos recursos gerados às instituições dentro dessas parcerias.

Esta pesquisa tem por escopo abordar o tema das Fundações de Apoio das

Instituições Federais de Ensino Superior sob a perspectiva de entidades jurídicas

com uma conformação única, situada entre o regime jurídico público e o privado.

Entidades fundacionais privadas que aproximam-se do regime de instituições de

direito público, atuando como uma extensão das mesmas e instrumentalizadoras da

autonomia administrativa das IFES.

Inicialmente será elaborada síntese histórica das universidades públicas

federais e sua conformação na Administração Pública, destacando os regimes

jurídicos a que estiveram submetidas. Analisar-se-á, ainda, a conformação

constitucional da autonomia universitária e suas implicações na caracterização do

regime administrativo ao qual encontram-se submetidas as Instituições Federais de

Ensino Superior (IFES), além de uma reflexão acerca da forma jurídica mais

apropriada à institucionalização das universidades públicas.

Em continuidade, no segundo capítulo, será examinado o Terceiro Setor e

suas possíveis relações com o Poder Público, especialmente sob a perspectiva do

Estado Pós-Social. Sem embargo, com a evolução do Estado Social de um perfil

provedor para regulador - paralelamente à transposição da administração

burocrática para a administração gerencial - , constata-se uma grande expansão do

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Terceiro Setor e da participação de particulares nas atividades estatais, que

começam a assumir atividades e serviços estatais típicos do Estado Social. O

capítulo, desta forma, desenvolve não só a análise do fomento estatal, como

também o princípio da subsidiariedade e a fuga estatal para o direito privado,

buscando parcerias para execução de políticas públicas por intermédio de pessoas

privadas.

A terceira parte do trabalho, cuida do regime jurídico ao qual estão

submetidas as fundações de apoio, abordando a origem e natureza jurídica das

fundações, especialmente a classificação entre fundações de direito público e de

direito privado, diferenciando, ainda, as fundações de apoio das demais fundações

privadas. Há ainda um estudo do Projeto de Lei Complementar, atualmente no

congresso nacional, que regulamenta o art. 37, XIX, da Constituição Federal,

estabelecendo uma classificação para as fundações estatais. Outro anteprojeto

abordado relativo ao tema será o anteprojeto de organização administrativa do

estado, vez que trata diretamente das fundações de apoio, classificando-as como

―entidades de apoio‖, uma tendência do Poder Público relativo ao tema das

fundações de apoio.

A evolução legislativa da normatização das fundações de apoio e seu

relacionamento com as IFES apoiadas será o tema da quarta parte da dissertação,

onde se demonstrará a identificação de um movimento legislativo de fomento à

criação de tais entes como protagonistas da expansão do ensino superior nacional

na última década. O capítulo propõe uma divisão da evolução legislativa em três

períodos distintos: iniciativa; criação de um modelo; e consolidação. A divisão

procura didaticamente classificar, sob o critério temático, as normas editadas em

relação as fundações de apoio, identificando as disposições tematicamente comuns,

bem como o contexto em que foram editadas.

Em prosseguimento ao desenvolvimento do capítulo anterior, é feita uma

análise dos principais acórdãos e decisões do Tribunal de Contas da União e sua

influência na construção da legislação a respeito das fundações de apoio. O capítulo

elabora uma análise comparativa entre as decisões de tomada de contas e o reflexo

das mesmas na legislação, identificando, ao final do capítulo, a incorporação da

jurisprudência da Corte de Contas pela legislação e demonstrando que esta foi a

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principal propulsora da elaboração e modificação legislativa.

O último capítulo deste trabalho aborda as potencialidades e fragilidades

atualmente existentes no modelo de parceria entre as IFES e suas fundações de

apoio, posicionando-se no sentido da possibilidade de construção de um formato de

associação entre os citados entes. Uma parceria que proporcione maior segurança

jurídica, respeito aos princípios da administração e ao mesmo tempo adequada aos

propósitos da missão institucional das IFES de ensino, pesquisa e extensão.

A princípio, as universidades deveriam instituir mecanismos que

proporcionassem a dinâmica necessária de que se ressentem não possuir.

Compreende-se, por um lado, que medidas que lhes proporcionassem uma maior

dinâmica, entretanto, dependem de grande reforma e não é possível, neste

momento perder velocidade de pesquisa. Trata-se de um desafio de décadas. Neste

sentido, ainda que não sejam a melhor forma de executar os projetos, a sistemática

das fundações de apoio, em razão da expertise já instalada e da prática atual, surge

como uma forma valiosa de proporcionar às universidades a dinâmica necessária à

realização de suas atividades científicas. É preciso, em contrapartida, maior controle

por parte do Poder Público dos recursos públicos repassados às IFES.

Acredita-se que as parcerias com as fundações de apoio podem contribuir

positivamente ao desenvolvimento científico e tecnológico, sem que haja violação

aos princípios constitucionais administrativos. A conformação institucional das

fundações de apoio entre o regime público e o regime privado é, destarte, o fator

determinante que ao mesmo tempo permite uma maior dinâmica gerencial sem que

implique em um afastamento pleno das normas administrativas as quais submetem-

se as universidades públicas federais.

O formato valoriza a autonomia universitária, vez que proporciona maior

rapidez no planejamento da prestação de serviços e desenvolvimento de políticas

públicas pelas universidades e, por conseguinte, aumenta a fonte de recursos das

IFES e diminui sua dependência ao financiamento público. Porém, é preciso que

também exista um grande controle das diretrizes das fundações, evitando que se

desprendam do interesse público ou que este acabe capturado por interesses

privados.

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Implementadas as garantias ao interesse público, atuariam as fundações de

apoio como entidades que auxiliariam a efetivação da autonomia universitária, de

interesse de toda a sociedade em razão de sua instrumentalidade ao

desenvolvimento da ciência.

A pesquisa pretende contar a história das fundações de apoio sob a

perspectiva jurídica, de uma forma ainda não abordada por outros trabalhos,

contextualizando a criação dessas entidades dentro de um cenário descentralização

administrativa a partir da segunda metade do século XX, identificando um

movimento legislativo de atribuição de tarefas universitárias às fundações e

relacionando a influência do Tribunal de Contas da União neste, delineando por fim o

regime jurídico dessas entidades e visualizando suas potencialidades, vez que

atualmente não se pode mais prescindir da colaboração das fundações de apoio.

Serão abordados, desta forma, o ensino superior público federal e o Terceiro

Setor e, por conseguinte, a atividade de fomento do Estado e a colaboração de

particulares para desempenho de atividades estatais, dentro do tema fundações de

apoio. Tais entidades possuem um regime jurídico híbrido entre o público e o

privado, e atuam em conjunto com as universidades públicas especialmente na

execução das atividades de extensão universitária, sendo vistas como uma longa

manus das universidades sob um regime jurídico administrativo mais adequado aos

fins institucionais das IFES. A atuação da Administração Pública em parceria com

estas instituições, seu impacto no desenvolvimento científico e tecnológico nacional

e, principalmente, suas fragilidades e potencialidades são os fatores envolvidos

neste trabalho científico.

O objeto da pesquisa foi delimitado às fundações de apoio às instituições

federais de ensino superior, deixando de versar sobre as fundações de apoio de

universidades públicas estaduais ou de instituições de ensino privadas, tendo em

vista a diferente realidade destes dois últimos grupos diante do primeiro, o que

implicaria em uma perda de foco na pesquisa.

No tocante à terminologia, os termos ―universidade pública‖ ou "IFES" serão

utilizados indistintamente para designar todas aquelas instituições públicas

envolvidas nas contratações e acordos da Lei nº 8.958, de 1994, ou seja,

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―instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica‖. O

conjunto abrange as universidade federais e os Institutos Federais de Ensino,

Ciência e Tecnologia Federais, vinculados ao Ministério da Educação, além das

instituições de pesquisa vinculadas ao Ministério da Ciência e da Tecnologia.

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1 - As Universidades Públicas

O desenvolvimento preliminar do tema das universidades públicas federais é

central neste trabalho de pesquisa tendo em vista que as fundações de apoio

surgem no ambiente jurídico a partir da enrijecimento do regime jurídico das

universidades públicas, quando estas viram na criação de pessoas jurídicas de

natureza privada a elas vinculadas como uma solução para a rigidez do regime

jurídico administrativo. As fundações de apoio, surgem assim como braços

executivos das universidades públicas no desenvolvimento das atividades

universitárias.

1.1. Disposições Constitucionais

A Constituição Federal de 1988 elenca o direito à educação entre os direitos

sociais (CF art. 6º) como um direito de todos e dever do Estado e da família (CF art.

205)1. No tocante às universidades, o acesso aos níveis mais elevados do ensino,

da pesquisa e da criação artística foi erigido como uma diretriz constitucional

prevista no art. 208, V, reforçada pelo §2º do art. 213, que ao tratar do ensino

particular, previu que as atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão

receber apoio financeiro do Poder Público, garantido ainda no Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias (art. 61 do ADCT).

1 A respeito do conteúdo constitucional do direito à educação é a doutrina de André Ramos Tavares:

"A Constituição do Brasil proclama abertamente como direito social o direito à educação, no art. 6º. Não estabelece, contudo, de imediato qualquer especificação de conteúdo ou de alcance. Contudo, um conteúdo mínimo pode ser facilmente estabelecido. Nesse sentido, esse direito significa, primariamente, o direito de (igual) acesso à educação, que deve ser concedido a todos, especialmente para os níveis mais basilares do ensino. Assim, o conteúdo inicial (mínimo) do direito à educação é o de acesso ao conhecimento básico e capacitações, que devem ser oferecidas de forma regular e organizada. Foi no art. 205 que a Constituição especificou referido direito, estabelecendo que deve visar ao 'pleno desenvolvimento da pessoa', 'seu preparo para o exercício da cidadania' e sua 'qualificação para o trabalho'. Esses objetivos expressam o sentido que a Constituição concedeu ao direito fundamental à educação, como direito fundamental. Não se trata mais de qualquer direito à educação, mas daquele cujas balizas foram construídas constitucionalmente. Isso significa que o direito à educação o direito de acesso, mas não um acesso a qualquer educação, e sim àquela que atende às preocupações constitucionais". TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 836.

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As universidades igualmente ganharam novo status dentro do texto

constitucional de 1988, ao se prever no artigo 207 da constituição a "autonomia

didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial" bem como a

observância ao "princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão".

Anteriormente à constitucionalização do princípio, a regulamentação da autonomia

da universidade em nível infraconstitucional deixava as atividades das universidades

vulneráveis às ingerências do Poder executivo e às vicissitudes da conjuntura

política2. A expressa positivação constitucional do princípio, não só o assegura maior

perenidade ao princípio, como também condiciona o legislador infraconstitucional a

implementá-lo.

Deferido à União a competência privativa para legislar sobre diretrizes e

bases da educação (CF art.22, XXIV), foi editada em 1996 a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação - LDB. A citada lei que estabeleceu um princípio colaborativo

federal, ao criar uma divisão de prioridades no investimento do ensino em que há

uma atuação prioritária dos municípios no ensino fundamental, dos Estados da

Federação no Ensino Médio, competindo assim, à União os maiores investimentos

no ensino superior (LDB arts. 5º, 10 e 11)3.

Quanto à efetividade deste direito, filiamo-nos à diferenciação proposta por

Ingo Wolfgang Sarlet no sentido de que os artigos 205 a 208 da Constituição formam

o núcleo essencial do direito à educação, considerando-os como integrantes do

complexo normativo constitucional essencial nesta matéria4, enquanto os

2 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 844.

3 Consoante afirma Nina Ranieri: ―demonstra-se, basicamente, que a forma federativa utilizada para

organização do Estado brasileiro reflete-se na organização dos sistemas de ensino, o que significa descentralização política e administrativa no campo da educação, e autonomia na condução da matéria afeta a cada uma das unidades federadas; e que toda a atividade legislativa educacional, far-se-á sob a ação dos princípios da Constituição Federal, e na linha de coordenação nacional traçada pela Lei de Diretrizes e Bases. (…). Conclui-se também que do regime jurídico da educação superior no Brasil, dadas as condições específicas que o particularizam, resulta uma disciplina normativa peculiar, que se delineia em função da natureza pública da educação superior. Decorrem deste tratamento as seguintes consequências práticas: na esfera pública, a especificidade dos princípios constitucionais que informam o desenvolvimento das atividades educacionais permitem tratamento jurídico menos rígido das formas e processos; na esfera privada, a natureza pública da atividade educacional determina a derrogação parcial de prerrogativas inerentes ao regime privatístico por normas de Direito Público, em razão da prevalência da finalidade pública sobre o interesse particular.‖ RANIERI, Nina. Educação Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96). Editora da Universidade de São Paulo, 1994. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, FAPESP, 2000. p. 35.

4 "Com efeito, além da previsão, como direito fundamental básico e de caráter geral, no art. 6º da CF,

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dispositivos enumerados do artigo 209 ao 214 não integram este núcleo por

constituírem-se de normas organizacionais e procedimentais5.

1.2. Universidades Federais no Brasil - histórico legislativo

As universidades nascem no Ocidente por volta do século XII, a partir da

concentração de alunos e mestres. O ensino à época era monopolizado pela Igreja,

que conferia aos mestres a única permissão oficial para o ensino, a licenca docendi,

concedida pela diocese local. A universalização do conhecimento era facilitada pela

comunicação em latim.

Neste período, o saber e a difusão de conhecimentos eram uma espécie de

trabalho específico, cujo exercício – tanto quanto o dos demais ofícios –, exigia

organização própria e certa independência em relação aos interesses da Igreja e do

a educação (como complexo de deveres e direitos) foi objeto de regulamentação mais detalhada no capítulo III (arts. 205 até 214), razão pela qual também aqui se coloca a questão preliminar de quais os dispositivos que efetivamente podem ser considerados como fundamentais, à luz do disposto no art. 5º,§2º, de nossa Carta. Não há como deixar de considerar que a problemática da eficácia e efetividade do direito social à educação depende, em boa parte, de uma opção a respeito do regime jurídico atribuível aos diversos preceitos constitucionais que integram o capítulo da educação, especialmente se está a se tratar de normas de direitos fundamentais, ou não. Em suma, cuida-se de saber qual o complexo de normas que constituem o núcleo essencial do direito à educação, aqui tido no seu sentido amplo. Por esta razão, partiremos aqui da análise dos quatro primeiros dispositivos do Capítulo III da ordem social (arts. 205 a 208), já que entendemos que quanto aos mesmos não se verifica maior dificuldade em considerá-los como integrantes do que se poderá designar de complexo normativo constitucional essencial nesta matéria." SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional/ Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 592.

5 Contudo, como assevera o autor, o fato de não integrarem o núcleo essencial do direito à educação

não implica em baixa efetividade constitucional de tais dispositivos: "Ainda que as nem todas as normas integrantes do capítulo da ordem social, apenas pelo fato de guardarem relação direta com determinado direito fundamental social, passam a integrar os elementos essenciais de determinado direito fundamental social, no caso, do direito à educação, isso não significa que os níveis de eficácia e efetividade de tais normas sejam baixos. Será possível, por exemplo, sustentar que mesmo uma reforma constitucional não possa pura e simplesmente suprimir o dispositivo que assegura à iniciativa privada a possibilidade de participação na educação (art. 209) ou a previsão de um percentual mínimo da receita em matéria de impostos a ser aplicada em educação pela União, Distrito Federal, Estados e Municípios (art. 212), seja por força da proibição de regressividade (retrocesso) em matéria de proteção e promoção de diretos fundamentais, seja por força, dentre outros aspectos, das exigências de proporcionalidade, mas em especial se estiver sendo afetado, de modo indireto (não pela supressão direta de dispositivo constitucional) aspectos relativos ao núcleo essencial do direito à educação considerado como um direito em sentido amplo." SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional/ Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 592-593.

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Estado6. Dentro deste intento, os mestres passam a se organizar em corporações de

ofício autônomas, surgindo daí a origem da organização universitária.

Os evidentes benefícios resultantes da difusão do saber foram reconhecidos

pelos governantes locais, que passaram a ter interesse de sediar em sua cidade as

corporações universitárias, e com a formação dos Estados a partir do século XIV, os

grandes governos nacionais passam a fomentar a existência das universidades

como centros de formação profissional a serviço do Estado. O fomento estatal,

todavia, vem acompanhado da ingerência e controle do Poder Estatal sobre as

universidades - especialmente sob o regime absolutista -, o que não só reduz sua

autonomia com também a integra ao direito comum do reino7.

Com a consolidação da democracia e do Estado de Direito a partir do século

XIX, sob influência do liberalismo, as universidades reassumem em parte sua

autonomia como princípio inerente à natureza do trabalho acadêmico, recuperando

6 A origem das universidades é bem sintetizada por Nina Ranieri em sua obra Autonomia

Universitária: ―Foi então de forma espontânea, diante de necessidades de auxílio mútuo, defesa de direitos, discussão e melhoria das condições de trabalho, que mestres e alunos, inseridos no movimento geral de desenvolvimento urbano, lançaram mão dos modelos imediatos de organização do trabalho e vida corporativa. Coerentes com sua época, associaram-se, criando as chamadas universitas magistrorum et scolarium ou universitas studii, corporações de ofício voltadas à prosperidade do saber intelectual, à ajuda mútua de seus membros e à organização de sua profissão. De acordo com o latim medieval a palavra universidade designava simultaneamente a universitas e o studium (Verger, 1973-1990: 48-49). Studium era o estabelecimento de ensino superior; e universitas, a organização corporativa responsável pelo funcionamento do studium e pela manutenção de sua autonomia. Para que o studium funcionasse era imprescindível a ação da universitas. (...). Como as demais corporações medievais, as universidades ocuparam áreas e bairros determinados, gozaram de direito de recrutamento; estabeleceram sistema hierárquico e de controle de seus membros; organizaram empiricamente suas atividades; outorgaram-se estatutos; e, além de associações profissionais, constituíram importantes confrarias religiosas que, também neste plano, exerciam controle sobre os seus membros (Le Goff, 1985-1989: 69-71).‖ RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de 1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 37.

7 "Os grandes governos nacionais, por sua vez, sensíveis ao prestígio intelectual e religioso que as

universidades conferiam às cidades onde se estabeleciam, apoiaram igualmente o desenvolvimento dessas corporações e concederam-lhes privilégios civis, fiscais e militares que efetivamente distanciaram seus membros dos cidadãos comuns. Em contrapartida, também como a Santa Sé, exigiram-lhes a progressiva integração na vida burocrática dos reinos, com centros de formação de recursos humanos. (...). É de se observar que, se, por um lado, os privilégios especiais outorgados às universidades traíram seus fins e princípios, deturpando-as enquanto centros autônomos de saber e cultura, de outro, traíram-lhes a estreita ligação coma Igreja e o Estado, que ao longo dos anos se acentuará. Essa é a razão pela qual as universidades, não obstante a perda de sua autonomia, mantiveram sua eficácia histórica. Como instituições jurídicas estabelecidas e mantidas pelos poderes soberanos, tornavam-se agentes de desenvolvimento programado, sabendo assim desempenhar o papel que lhes exigia a sociedade de seu tempo (Verger, 1973-1990: 161)." RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de 1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 40-41.

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sua independência em face do Estado , que as mantinha e controlava8.

No Brasil, o ensino superior entre os anos de 1808 e de 1879, situou-se

exclusivamente no âmbito público e privativo do Poder Central, sob o modelo

napoleônico (integrado e subordinado ao poder público), sendo os primeiros cursos

e academias de estudos superiores voltados à formação profissional. Em 1880 há

uma tentativa em se conferir liberdade de ensino superior com a o Decreto nº 7.247

que, contudo, não foi referendado pela Assembleia legislativa.

Com a Constituição de 1891, foi estabelecida a competência concorrente dos

Estados e da União para criação de instituições de ensino superior, preconizando-se

a descentralização do ensino superior em favor dos Estados com a criação de

instituições públicas com diplomas nacionalmente reconhecidos se atendidos os

padrões curriculares das faculdades federais (Decretos nº 1.232-G e nº 1232-H, de

02/01/1891).

A primeira grande reforma do ensino superior apenas ocorre em 1911, com a

denominada Reforma Rivadária, que estatuiu a Lei orgânica do Ensino Superior e

Fundamental da República (Decreto nº 8.659, de 05/04/1911). O decreto é o primeiro

documento legal a falar de autonomia universitária (didática, administrativa e

financeira), estabelecendo que faculdades de ensino superior seriam consideradas

corporações autônomas, com a possibilidade de gerência do seu próprio patrimônio

e eleição direta de seu diretor (arts. 2º, 7º e 21)9.

A Reforma Carlos Maximiliano, segunda grande reforma do ensino superior e

secundário (Decreto nº 11.530, de 18/03/1915), investe o Conselho Superior de

Ensino da atribuição de órgão fiscalizador permanente do ensino superior, e entre as

inovações da reforma, previu a criação da Universidade do Rio de Janeiro (art. 6º),

que teria por Reitor o Presidente do Conselho Superior de Ensino. A Universidade foi

criada 5 anos depois pelo Decreto nº 14.343, de 07/09/192010.

8 RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de

1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 48.

9 RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de

1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 68.

10 "É de certa forma curioso indicar que o móvel de sua criação, a conveniência exigida pelo art. 6º,

do decreto nº 11.530/1915, foi a 'necessidade' diplomática de conferir um título universitário de Doutor Honoris Causa ao rei Alberto, da Bélgica, que visitou o Brasil naquele ano." RANIERI, Nina.

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Em 1925, há nova reforma do ensino superior com a Reforma Rocha Vaz

(Decreto nº 16.782-A, 13/01/1925), que aumenta o controle do governo federal sobre

o aparelho escolar (especialmente pela necessidade de aprovação dos Regimentos

Internos pelo Ministro da Justiça), posteriormente incrementado com a edição do

(Decreto nº 5.616, de 28/12/1928), regulamentando a criação de universidades nos

Estados. Outra forma de controle do governo federal decorreu da criação do

Ministério da Educação e da Saúde em 1930, passando a educação ter caráter

nacional, como preconizado na Reforma Francisco Campos que cria o Estatuto das

Universidades Brasileiras e as organiza em nível nacional (Decreto nº 19.851, de

11/04/1931).

A postura centralizadora no ente federal manteve-se com a Constituição de

1934, prevendo à União as competências para traçar diretrizes da educação

nacional (CF art. 151). Foi garantida, ainda, a Liberdade de cátedra (CF art. 155),

permanecendo semelhante estruturação na Constituição Federal de 1937. Neste

ano, cite-se, é criada a Universidade do Brasil que passará a ser o parâmetro de

organização para o ensino superior. A instituição, inicialmente foi criada como "uma

comunidade de professores e alunos, consagrados ao estudo" (art. 1º da Lei nº 452,

de 05/07/1937), passa a ser em 1945 uma "pessoa jurídica, com autonomia

administrativa, financeira, didática e disciplinar" (Art. 1º do Decreto-Lei nº 8.393, de

17/12/1945). Explicando a partir daí o modelo seguido pelas demais instituições

públicas.

Em 1961, sob a égide da Constituição de 1946, - que também não havia

inovado quanto à normatização do ensino superior -, foi editada a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação (Lei nº 4.024, de 20/12/1961), atribuindo ampla autonomia às

universidades federais e prevendo a expansão do sistema universitário. Analisando a

citada legislação, Nina Ranieri argumenta que foi consagrado um padrão

centralizador, porém dissociado de um projeto nacional de educação, tendo

provocado "o inchamento, a multiplicidade e a segmentação das instâncias

burocráticas centrais e intermediárias, além de propiciar uma expansão quantitativa

significativa (principalmente no ensino superior), não acompanhada de condições

Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de 1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 74.

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mínimas de funcionamento".11

No tocante à personalidade jurídica das universidades, a Lei nº 4.024, de

20/12/1961 previa às universidades a forma jurídica de autarquia, fundação ou

associação (art. 81), prevendo a gratuidade do ensino público àqueles que

provassem falta ou insuficiência de recursos (art. 83).

O fim do regime democrático no Brasil com a revolução de 1º de abril de

1964, e a instauração de um governo de características centralizadores, é refletido

na Constituição Federal de 1967 pela supervisão ministerial das instituições de

ensino e de pesquisa, que passaram a ter a denominação de órgãos autônomos12.

Neste sentido, foi garantida a tais órgãos a autonomia administrativa e financeira, no

grau conveniente, esta última, posteriormente incrementada pela possibilidade da

instituição de fundos especiais contábeis com a edição da emenda Constitucional nº

1, de 17/10/196913.

A edição de uma nova Constituição também gerou a edição de novas normas

de organização e funcionamento do ensino superior, estabelecidas na Lei nº 5.540,

28/11/1968, que extinguiu a cátedra (art. 33, §3º) e organizou as universidades

federais como autarquias de regime especial ou fundações (art. 4º), entretanto, sem

detalhar no que se consistiria este regime especial autárquico em relação às demais

11

RANIERI, Nina. Educação Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96). Editora da Universidade de São Paulo, 1994. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, FAPESP, 2000. p. 49-50.

12 CF Art. 172, com redação originária: "O Poder Executivo assegurará autonomia administrativa e

financeira, no grau conveniente, aos serviços, institutos e estabelecimento incumbidos da supervisão ou execução de atividades de pesquisa ou ensino, de caráter industrial, e de outras que, por sua natureza especial, exijam tratamento diverso do aplicável aos demais órgãos de Administração Direta, observada, em qualquer caso, a supervisão ministerial. Parágrafo único. Os órgãos a que se refere êste artigo terão a denominação genérica de Órgãos Autônomos."

13 CF Art. 172, com redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 29/09/1969: "O Poder Executivo

assegurará autonomia administrativa e financeira, no grau conveniente aos serviços, institutos e estabelecimentos incumbidos da execução de atividades de pesquisa ou ensino ou de caráter industrial, comercial ou agrícola, que por suas peculiaridades de organização e funcionamento, exijam tratamento diverso do aplicável aos demais órgãos da administração direta, observada sempre a supervisão ministerial. § 1º Os órgãos a que se refere êste artigo terão a denominação genérica de Órgãos Autônomos. § 2º Nos casos de concessão de autonomia financeira, fica o Poder Executivo autorizado a instituir fundos especiais de natureza contábil, a cujo crédito se levarão todos os recursos vinculados às atividades do órgão autônomo, orçamentários e extra-orçamentários, inclusive a receita própria."

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autarquias.14.

Se por um lado não se delineou o regime jurídico das universidades

classificadas como "autarquias de regime especial", o artigo 4º do Decreto-Lei nº

200, de 25/02/1967, equiparava as fundações públicas às empresas públicas15,

tendo sido previsto posteriormente, com a edição do Decreto-Lei nº 900, de

29/09/1969, que o formato das fundações seria utilizado para atividades não

lucrativas a serem prestadas pelo Poder Público Federal16.O Decreto-lei nº 900, de

29/09/1969, também criava condições cumulativas para a criação de fundações,

entre elas, ter por objeto institucional ―objetivos não lucrativos e que, por sua

natureza, não possam ser satisfatoriamente executados por órgão da Administração

Federal, direta ou indireta‖.

A edição da legislação do fim dos anos 1960 gerou um debate na doutrina

nacional a respeito de qual seria o regime jurídico de uma autarquia de regime

especial, e se este, ou o regime fundacional, seria o mais adequado às instituições

públicas de ensino superior. Acerca do tema, manifestou-se Celso Antônio Bandeira

de Mello:

14

Nota-se, da evolução legislativa, o intuito de diferenciação das universidades das demais pessoas jurídicas da Administração Pública. Note-se: dispunha o art. 81 da Lei nº 4.024, de 20/12/1961: "Art. 81. As universidades serão constituídas sob a forma de autarquias, fundações ou associações. A inscrição do ato constitutivo no registro civil das pessoas jurídicas será precedido de autorização por decreto do governo federal ou estadual." Igualmente, previa o art. 4º da Lei 5.540, de 28/11/68: "Art. 4º As universidades e os estabelecimentos de ensino superior isolados constituir-se-ão, quando oficiais, em autarquias de regime especial ou em fundações de direito público e, quando particulares, sob a forma de fundações ou associações."

15 Era a redação original do art. 4º, §2º, do Decreto-Lei 200, de 25/02/1967: "§ 2º Equiparam-se às

Emprêsas Públicas, para os efeitos desta lei, as Fundações instituídas em virtude de lei federal e de cujos recursos participe a União, quaisquer que sejam suas finalidades."

16 Previa o Decreto-Lei nº 900, de 29/09/1969 em seus artigos 2º e 3º: "Art. 2º Não serão instituídas

pelo Poder Público novas fundações que não satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos e condições: a) dotação específica de patrimônio, gerido pelos órgãos de direção da fundação segundo os objetivos estabelecidos na respectiva lei de criação; b) participação de recursos privados no patrimônio e nos dispêndios correntes da fundação, equivalentes a, no mínimo, um têrço do total; c) objetivos não lucrativos e que, por sua natureza, não possam ser satisfatoriamente executados por órgão da Administração Federal, direta ou indireta; d) demais requisitos estabelecidos na legislação pertinente a fundações (artigos 24 e seguintes do Código Civil). Art. 3º Não constituem entidades da Administração Indireta as fundações instituídas em virtude de lei federal, aplicando-se-lhes entretanto, quando recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da União, a supervisão ministerial de que tratam os artigos 19 e 26 do Decreto-lei número 200, de 25 de fevereiro de 1967."

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No Brasil, as descentralizações autárquicas, submetidas que foram a regime jurídico equivalente ou idêntico ao da administração Central, bem como a um controle excessivo, ficaram distantes das razões que inspiram a criação de tais pessoas. Frequentemente, terminaram por converter-se em duplicatas atrofiadas do aparelho administrativo central 'cópias carbono' miniaturais do estado em sua feição administrativa e por isso inaptas a preencher, satisfatoriamente, as expectativas que deveriam suprir, já que a disciplina jurídica que se lhes atribuiu não atendeu às especificidades de seus respectivos misteres (item 6).

O próprio fato da Lei 5.540, de 28.11.68 haver previsto, em seu art.4º, que as universidades oficiais poderiam constituir-se sob a forma de fundações dou de 'autarquias de regime especial', atesta o entendimento de que, ao menos no caso das universidades, é indispensável um regime específico,

adaptado à natureza destas pessoas.17

E prossegue o mestre, discorrendo sobre a conformação das universidades

públicas como fundações:

A frustação com o regime das autarquias levou o Poder Público a criar as novas entidades, sob distintos rótulos, na expectativa de obter através delas, uma agilidade, flexibilidade e dinamismo não alcançados com as pessoas autárquicas. Daí a proliferação de outras figuras - e entre estas as 'fundações governamentais - que foram prepostas a realização de objetivos nitidamente encartados no campo temático das atividades típicas das autarquias (item 8).

O debate jurídico citado deve ser contextualizado dentro de um ambiente

histórico de busca por um regime jurídico mais ágil à Administração Pública. Como

vetor da reforma administrativa empreendida em 1967 pelo governo brasileiro, no

17

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Universidades Oficiais: Natureza – Regime e Estrutura Cabíveis. Revista de Direito Público 73/50, 1985, p. 67. No mesmo sentido, Caio Tácito, em parecer emitido em 26 de maio de 1981: "A Lei nº 5.540/68 limitou-se porém, quanto às instituições oficiais de ensino superior, a prever, como um dos termos da alternativa, a natureza jurídica de autarquias de regime especial, sem, no entanto, ditar-lhes as características ou regalias em confronto com o sistema autárquico geral. Ficou, assim, inócuo - até que outra lei venha a complementá-la - o caráter excepcional que pretendia conferir-lhes um status peculiar. Como outro termo da alternativa, a Lei nº 5.540/68 indica, para as instituições oficiais de ensino, a forma das 'fundações de direito público'. São conhecidas as ambiguidades que se oferecem, no plano doutrinário ou normativo, quanto à disciplina das fundações instituídas pelo Estado. Tal como nas empresas estatais, o legislador foi buscar o paradigma no direito privado, mas a entidade assim criada tem a substância de um ente público, é uma pessoa administrativa, posto que se destina à prestação de um serviço pelo qual o Estado responde ou passa a responder. De outra parte, porém, a recepção de um instituto jurídico, moldado no direito privado, tem por fim alcançar maior liberdade de operação sem as limitações peculiares ao regime da administração pública." TÁCITO, Caio. Ensino Superior Oficial. Autarquia ou Fundação? In Temas de direito público. Rio de Janeiro, Renovar, 1997. p. 2004-2005.

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Decreto-Lei nº 200, de 25/02/196718, havia a intenção de racionalização e

modernização da administração pública com a introdução de procedimentos

gerenciais típicos do setor privado, visto como a antítese do estado lento e

burocratizado19. Era inclusive recorrente às entidades da Administração Indireta, à

época, a criação de fundações associadas a estas instituições públicas com o

intento principal de esquivar-se do regime administrativo para não terem de licitar

suas compras ou de fazer concurso público para suas contratações de pessoal20.

Com efeito, a criação de autarquias, e posteriormente de fundações, nada

mais era que a transformação de órgãos já existentes, que passariam a ter nova

forma jurídica com o objetivo de escapar das regras restritivas de gestão aplicáveis à

administração pública convencional21.

18

"A nova legislação estabelecia uma filosofia descentralizante (descentralização dentro do governo federal, do governo para a iniciativa privada e do governo federal para os estados) e definia o planejamento, a coordenação, o orçamento-por-programas, a delegação de competências, o controle em dosagem apropriada, a simplificação e a racionalização de tarefas como princípios norteadores. (...) A organização por sistemas estruturantes era obviamente inspirada no antigo conceito do Estado Maior, típico das organizações militares desde a fundação dos exércitos modernos nos séculos XVIII e XIX na Europa. De certa forma, o Decreto-Lei nº 200/67 trazia para a administração civil uma visão assemelhada, dotando os administradores de estruturas de apoio técnico nas áreas de informação e planejamento, administração financeira e controle, bem como de logística geral (pessoal, compras, contratações etc.)." CASTOR, Belmiro Valverde Jobim. O Brasil não é para amadores: estado, governo e burocracia na terra do jeitinho. Curitiba: EBEL:IBPQ-PR, 2000. p. 144-145.

19 Neste sentido: "No contexto da reforma, a gestão privada aparece como antítese da demora, do

desperdício, do centralismo, da ausência de controle, dos privilégios e do papelório. Ela se refere a uma racionalidade pragmática que confere ao planejamento o papel mediador para alcançar os objetivos do Estado. Portanto, trata-se de uma concepção de administração privada que se baseia na gestão por resultados, em busca dos quais devem ser organizadas as vocações e habilidade da administração pública. Para tanto, a descentralização e a flexibilização de procedimentos assumem papel central na reforma." SILVA, Leonardo Barbosa. em Administração Pública no Brasil: breve história política/ Organizadores Cristina W. Andrews, Edson Bariani. São Paulo: editora Unifesp. 2000. p. 71.

20 Neste sentido, bem ilustra o seguinte voto da Ministra Carmen Lúcia em julgamento do Supremo

Tribunal Federal: ―Lembro-me de que aqui, no início da década de 90, depois, portanto, da Constituição da República de 88, num voto do Ministro Paulo Brossard, chamava ele a atenção para a possibilidade de entidades da Administração Indireta criarem essas fundações exatamente, muitas vezes, para não ter de licitar, de fazer concurso público e, com isso, introduzir-se na Administração por vias transversas – não é o caso da Fundação Banco do Brasil. Por todas essas razões, não me comprometo absolutamente com isso.‖ MS 24.247-5/DF, DJU 24.11.2006.

21 O Autor bem sintetiza o que significou à administração pública, entre as décadas de 1930 a 1980, a

criação e o fortalecimento da administração indireta com as autarquias empresas estatais e fundações: "Pagando salários generosos e operando com grande flexibilidade, as autarquias, empresas e fundações logo atraíram uma elite intelectual e se transformaram em centros de excelência e emprestaram ao Estado uma agilidade que a máquina administrativa tradicional não era capaz de promover. Para burocratas eternamente às voltas com o papelório, licitações, ofícios exposições de motivos, editais de concurso público e outras liturgias do setor público, essa liberdade das autarquias, fundações e empresas estatais correspondeu à descoberta da pedra filosofal. As coisas ficaram espantosamente simples: caso o governo decidisse dar prioridade a uma atividade

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A escolha da forma jurídica de fundação ou de autarquia de regime especial,

desde o início foi objeto de críticas, vez que não poderia afastar as universidades

públicas do regime de direito público, diante do serviço público que desempenham22,

e deveria se mostrar apropriado às finalidades a serem desenvolvidas pelas

universidades, neste sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello faz abalizadas

críticas às implicações da previsão legal citada:

O regime que atualmente lhes é aplicável não satisfaz este requisitos, nem mesmo para atender às linhas básicas propostas na Lei 5.540, de 28.11.68. Cumpriria dotá-las de maior liberdade, particularmente, na área de pessoal e de gestão orçamentária e financeira.

23

qualquer, criava uma autarquia, empresa estatal ou fundação para explorá-la ou desenvolvê-la, pois essa nova organização estaria desobrigada de cumprir as regras restritivas que se aplicavam à administração pública convencional, podendo assim agir com incrível agilidade e independência. Encantados pela facilidade de que passaram a gozar, os governantes multiplicaram as organizações dotadas de autonomia financeira e operacional de maneira indiscriminada. Isso explica porque o governo criou dezenas de empresas que nunca tiveram um centavo de receita própria que não fosse oriunda dos próprios cofres do Estado, empresas muito peculiares que só tinham um cliente (ou poucos clientes, todos estatais) e não estavam sujeitas a nenhuma lei de mercado, simplesmente porque o mercado era moldado para elas (e por elas). Como tal, não tinham qualquer obrigação de eficácia ou eficiência porque seriam lucrativas de qualquer forma, apenas porque o Estado determinava que assim o fossem e, para isso, impunha preços monopolísticos, criava privilégios ou penalizava os potenciais competidores com proibições e encargos. (...). Os abusos eram inevitáveis e assim essa liberdade autoconferida levou ao total descontrole das autarquias, fundações e empresas estatais, transformando-as frequentemente em cabides de emprego e alvo da cobiça clientelística dos políticos." CASTOR, Belmiro Valverde Jobim, op. cit. 2000, p. 137-140.

22 ―Dado que princípios e normas constitucionais caracterizam o ensino oficial como atividade pública,

cumpre que as universidades oficiais sejam pessoas jurídicas de direito público, beneficiadas pelo regime protetor específico que defende as atividades desta natureza e, derivadamente, as pessoas que dispõem desta qualidade.‖ BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Universidades Oficiais: Natureza – Regime e Estrutura Cabíveis. Revista de Direito Público 73/50, 1985, p. 68.

23 Celso Antônio Bandeira de Mello também propõe um novo regime às universidades públicas,

observando-se um inafastável regime jurídico público: ―Convém, às universidades, a designação de corporações públicas ou corporações universitárias com personalidade de direito público, pois tal designação corresponde à natureza e à forma estrutural que lhes corresponde. Evita-se, assim, o uso de expressões comprometidas, como ‗autarquia‘ – embora fosse tecnicamente correto nominá-las desta forma – ou ‗fundação‘ – que é terminologia inadequada à índole destas pessoas, além de ensejadora de dúvidas doutrinárias sobre sua real natureza. Mais importante, todavia, que a forma estrutural é a adoção de um regime jurídico específico, adaptado ao tipo de atividade que desenvolvem e consagrador de ampla autonomia, respeitada sua categorização como pessoa de direito público.‖ BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Universidades Oficiais: Natureza – Regime e Estrutura Cabíveis. Revista de Direito Público 73/50, 1985, p. 68-69. No mesmo sentido, Nina Ranieri: ―Peculiar é o caso das universidades públicas brasileiras, quando criadas sob a forma de autarquias. Por desfrutarem de autonomia, em oposição à autoadministração normalmente consentidas às autarquias, o legislador ordinário desde 1968 atribui-lhes a denominação equívoca de ‗autarquias de regime especial‘, no intuito de lhes assegurar certa liberdade na condução dos assuntos que lhe são afetos. A autonomia não cabe porém no modelo autárquico e tampouco no fundacional, forma jurídica também utilizada para a constituição de universidades no direito brasileiro.‖ E propõe à autora uma reforma: ―A rigor, a recepção da autonomia universitária pela Constituição Federal exige a utilização de formas institucionais mais consentâneas à realidade jurídica que se encerra nas competências assim outorgadas às universidades estatais, realidade que as especializa no conjunto da

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As universidades públicas constituídas sob a forma de fundação, entretanto,

apenas passariam a integrar a administração pública federal indireta com a edição

do Decreto-Lei nº 2.299, de 21/11/1986, que as integrou inicialmente, para fins de

controle e fiscalização24 e com a edição da Lei nº 7.596, de 10/04/1987, que as

inseriu definitivamente na administração pública federal indireta, definindo um

formato jurídico para as fundações públicas universitárias, especialmente a

necessidade da sua criação em lei e sua destinação para o desenvolvimento de

atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público25.

Apesar de não haver uma reforma educacional, a incorporação das fundações

à administração indireta pelo Decreto-Lei nº 2.299, de 21/11/198626, demonstra sua

nítida vinculação ao corpo administrativo do Estado, porém, excluindo as mesmas do

plano de classificação de cargos do Serviço Civil da União e de suas autarquias

instituído pela Lei nº 5.645, de 10/12/1970, que só foi unificado para as

universidades (autarquias ou fundações) com a edição da Lei nº 7.596, de

administração pública e que lhes confere natureza particular: a de entes autônomos que, embora sob a égide do Estado, exercem podre político derivado e instrumental em matéria didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial." RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de 1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 30-31.

24 Previu o Decreto-lei nº 2.299, de 21/11/1986: "§ 2 º As fundações instituídas em virtude de lei

federal ou de cujos recursos participe a União integram também a Administração Federal indireta, para os efeitos de: a) subordinação aos mecanismos e normas de fiscalização, controle e gestão financeira; b) inclusão de seus cargos, empregos, funções e respectivos titulares no Plano de Classificação de Cargos instituído pela Lei n º 5.645, de 10 de dezembro de 1970. § 3 º Excetuam-se do disposto na alínea b do parágrafo anterior as fundações universitárias e as destinadas à pesquisa, ao ensino e às atividades culturais."

25 Foi a nova redação do art. 5º, do Decreto-lei nº 200, de 25/02/1967, dada pela Lei nº 7.596, de

10/04/1987: "Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: (...) IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes. (...). § 3º As entidades de que trata o inciso IV deste artigo adquirem personalidade jurídica com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, não se lhes aplicando as demais disposições do Código Civil concernentes às fundações."

26 Era a redação do art. 4º, §2º, do Decreto-Lei nº 200, de 25/02/1967, dada pelo Decreto-Lei nº

2.299, de 21/11/1986 (as disposições, entretanto, foram posteriormente revogadas pela Lei nº 7.596, de 10/04/1987): "§2º As fundações instituídas em virtude de lei federal ou de cujos recursos participe a União integram também a Administração Federal indireta, para os efeitos de: a) subordinação aos mecanismos e normas de fiscalização, controle e gestão financeira; b) inclusão de seus cargos, empregos, funções e respectivos titulares no Plano de Classificação de Cargos instituído pela Lei n º 5.645, de 10 de dezembro de 1970. § 3 º Excetuam-se do disposto na alínea b do parágrafo anterior as fundações universitárias e as destinadas à pesquisa, ao ensino e às atividades culturais."

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10/04/1987, que criou o Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e

Empregos para o pessoal docente e para os servidores técnicos e administrativos do

Poder Executivo Federal27.

É importante frisar que a criação e a evolução das fundações de apoio estão

diretamente vinculadas à institucionalização e ao enrijecimento do controle

administrativo imposto às universidades federais. Desde o início pensadas como

uma forma de fuga do regime jurídico público pelas universidades, as fundações de

apoio podem ser consideradas como um reflexo do movimento restrição da

autonomia administrativa das universidades e conformação cada vez maior ao

regime autárquico. O fenômeno, todavia, não é isolado, tendo em vista ser

igualmente verificado em demais instituições públicas, o que leva à conclusão da

existência de um movimento maior da administração do Estado em fugir do regime

jurídico público28.

27

Previu a Lei nº 7.596, de 10/04/1987: "Art. 2º São classificadas como fundações públicas as fundações que passaram a integrar a Administração Federal Indireta, por força do disposto no § 2º do art. 4º do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, na redação dada pelo Decreto-lei nº 2.299, de 21 de novembro de 1986. Art. 3º As universidades e demais instituições federais de ensino superior, estruturadas sob a forma de autarquia ou de fundação pública, terão um Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos para o pessoal docente e para os servidores técnicos e administrativos, aprovado, em regulamento, pelo Poder Executivo, assegurada a observância do princípio da isonomia salarial e a uniformidade de critérios tanto para ingresso mediante concurso público de provas, ou de provas e títulos, quanto para a promoção e ascensão funcional, com valorização do desempenho e da titulação do servidor."

28 Esta disposição da Administração Pública de fuga do regime jurídico público é bem ilustrada pelos

exemplos trazidos por Belmiro Valverde Jobim Castor, ao discorrer a respeito das inúmeras formas de tentativa do Poder Público de criação de pessoas jurídicas vinculadas ao regime jurídico privado: "Confirmando nosso caráter inventivo e o proverbial jeitinho, os governantes brasileiros foram mais longe e começaram a estabelecer empresas 'vazias', ou seja, sem objetivos finalísticos que não fossem os de existir e servir como 'barrigas de aluguel' para operações de outras empresas e do Estado. Foi o caso da Baneser, Banespa S.A. Serviços Técnicos e Administrativos, criada em 1973 no Estado de São Paulo. A Baneser era uma empresa subsidiária do Banco do Estado de São Paulo, e sua missão precípua era prestar serviços auxiliares ao banco, na área de processamento de dados, além de contratar funcionários para limpeza e manutenção das agências bancárias. No entanto, por artes dos governantes paulistas, acabou sendo utilizada extensivamente para contratar pessoal para suprir os quadros da administração pública, burlando a Constituição, que exigia concursos públicos em tais nomeações. Só a Secretaria de Educação tinha mais de seis mil funcionários contratados dessa maneira, que foram dispensados quando o governo paulista, a partir de 1995, promoveu raros programas de enxugamento administrativo realmente executados no país. Na mesma linha, criaram-se no Brasil fundações cuja única finalidade era suprir outras instituições pertencentes ao Estado de recursos humanos ou servir de abrigo institucional para a contratação de serviços ou aquisição de materiais, como é o caso de dezenas de fundações universitárias, que operam em conjunto com as instituições federais de ensino superior. A inventividade foi mais longe: com a encampação das empresas estrangeiras concessionárias de serviços de eletricidade, o governo federal herdou a CAEEB - Companhia Auxiliar das Empresas Elétricas Brasileiras, que prestava serviços administrativos a mais de uma dezena de empresas pertencentes ao grupo americano AMFORP. O Ministério de Minas e Energia, apesar de vender as empresas encampadas aos governos estaduais, manteve a CAEEB para prestar serviços a ele próprio durante vários anos." CASTOR, Belmiro

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A Constituição de 1988, e a restituição de um regime democrático no Brasil,

traz nova luz à educação em âmbito nacional, especialmente em razão de não só

prevê-la como um direito fundamental básico de caráter geral, elencando-a entre os

direitos sociais, como também por conferir-lhe detalhada regulamentação nos artigos

205 a 214 do texto constitucional.

A Constituição Federal de 1988, também inova ao consagrar em seu texto a

autonomia universitária e a indissociabilidade das finalidades universitárias de

ensino, pesquisa e extensão, prevendo que ―as universidades gozam de autonomia

didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão

ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão‖ (artigo 207)29.

É estabelecido, no tocante à divisão da competência legislativa entre os entes

federativos, um regime cooperativo entre os entes da federação, competindo à

União o estabelecimento de diretrizes e bases da educação (CF, art. 22, XXIV) e aos

Estados e Distrito Federal a competência suplementar para dispor a respeito da

educação (CF, art. 24, IX).

A nova dimensão constitucional conferida à educação foi delineada pela Lei

de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394, de 20/12/1996, que, consoante

Nina Ranieri, "assinala, efetivamente, um marco inovador e modernizador em termos

de organização, oferecimento e controle das atividades públicas e privadas na área

da educação30. Neste sentido, os princípios basilares da estrutura jurídica das

Valverde Jobim. O Brasil não é para amadores: estado, governo e burocracia na terra do jeitinho. Curitiba: EBEL:IBPQ-PR, 2000. p 138-139.

29 Dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20/12/1996) a respeito

da natureza das universidades: ―Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: I - produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; II - um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; III - um terço do corpo docente em regime de tempo integral. Parágrafo único. É facultada a criação de universidades especializadas por campo do saber.‖

30 Prossegue a autora: "De maneira geral, não cria amarras institucionais e burocráticas, privilegiando

em seu conjunto orgânico ampla liberdade de conteúdo e forma para todos os níveis, em todos os sistemas de ensino. Destaca a importância da formação de profissionais da educação (Título VI), além de propor um sistema mais realista de financiamento da área pública (Título VII), o que demonstra um certo comprometimento com os objetivos da Nação (cf. artigo 3º, da CF). Não obstante, embora à primeira vista pareça contrastar vivamente com as formulações fechadas e exaustivas das leis de educação anteriores, e portanto avançar em direção a um novo modo de intervenção do Estado, concentra na União substantivos poderes de formulação, execução e avaliação da política nacional de educação, e poderes de controle que alcançam alunos, cursos e instituições, estendendo-se desde o rendimento escolar do ensino fundamental, médio e superior, aos

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universidades públicas foram fixados em lei e atentam às peculiaridades estruturais

e organizacionais das universidades, reconhecendo a necessidade de normas

especiais em relação aos demais órgãos públicos.

Não foi imposto pela LDB às universidades públicas a forma autárquica ou

fundacional como haviam feito expressamente as leis nº 4.024, de 20/12/1961 e nº

5.540, de 28/11/1968, apenas prevendo-se um regime jurídico especial às

universidades públicas (art. 54)31. A disposição genérica, por sua vez, tem

fundamento na pretensão do governo federal de impor às universidades oficiais a

personalidade jurídica de organizações sociais, conforme o Plano Diretor da

Reforma do Aparelho do Estado elaborado em 1995 pelo Governo Federal32. O

intuito de atribuir às universidades públicas a caracterização de organizações

sociais, todavia, não se concretizou.

Em 2001, em atendimento ao comando do artigo 214 da Constituição Federal,

cursos das instituições de ensino superior e aos estabelecimentos de seus sistema de ensino, sem prejuízo do comando do processo nacional de avaliação das instituições de ensino superior. A regulamentação de tantos atributos, definindo formas de atuação, órgãos e procedimentos, vem sendo feita por decretos, portarias e instruções baixadas pelo Poder executivo Federal, por meio do Ministério da educação. O problema dessa estratégia está na excessiva concentração de poderes no âmbito do poder público federal, com perigoso potencial para a organização federativa, na medida em que excessos na atuação federal podem inviabilizar a competência estadual e a cooperação entre os entes federados." RANIERI, Nina. Educação Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96). Editora da Universidade de São Paulo, 1994. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, FAPESP, 2000. p. 49-50.

31 Neste sentido, previu a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de

20/12/1996): ―Art. 54. As universidades mantidas pelo Poder Público gozarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos de carreira e do regime jurídico do seu pessoal.‖

32 Preconizava o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, em seu item 8.1.3, intitulado

"Organizações Sociais e Publicização": "A estratégia de transição para uma administração pública gerencial prevê, ainda na dimensão institucional-legal, a elaboração, que já está adiantada, de projeto de lei que permita a 'publicização' dos serviços não-exclusivos do Estado, ou seja, sua transferência do setor estatal para o público não-estatal, onde assumirão a forma de 'organizações sociais'. (...). Entende-se por 'organizações sociais' as entidades de direito privado que, por iniciativa do Poder Executivo, obtêm autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com esse poder, e assim ter direito à dotação orçamentária. (...). As organizações sociais terão autonomia financeira e administrativa, respeitadas condições descritas em lei específica como, por exemplo, a forma de composição de seus conselhos de administração, prevenindo-se, deste modo, a privatização ou a feudalização dessas entidades. Elas receberão recursos orçamentários, podendo obter outros ingressos através da prestação de serviços, doações, legados, financiamentos, etc. (...). A transformação dos serviços não-exclusivos estatais em organizações sociais se dará de forma voluntária, a partir da iniciativa dos respectivos ministros, através de um Programa Nacional de Publicização. Terão prioridade os hospitais, as universidades e escolas técnicas, os centros de pesquisa, as bibliotecas e os museus." Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, Presidência da República, Brasil, 1995.

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foi promulgada a Lei nº 10.172, de 09/01/2001, que instituiu o Plano Nacional de

Educação. A elaboração de um plano nacional tinha entre seus intuitos conferir

estabilidade às iniciativas governamentais na área de educação, além de fixar

diretrizes ao desenvolvimento da educação. Entre as diretrizes fixadas pela

legislação supracitada, consta entre as diretrizes elencadas no documento anexo ao

Plano Nacional de Educação:

Para promover a renovação do ensino universitário brasileiro, é preciso, também, reformular o rígido sistema atual de controles burocráticos. A efetiva autonomia das universidades, a ampliação da margem de liberdade das instituições não-universitárias e a permanente avaliação dos currículos constituem medidas tão necessárias quanto urgentes, para que a educação superior possa enfrentar as rápidas transformações por que passa a sociedade brasileira e constituir um pólo formulador de caminhos para o desenvolvimento humano em nosso país.

Nota-se que a reforma da gestão administrativa das instituições públicas

universitárias mostra-se como um ponto chave a modernização do ensino superior,

especialmente por intermédio da implementação de uma autonomia administrativa

às universidades. Neste mesmo sentido, foram as conclusões do grupo de trabalho

interministerial encarregado de analisar a situação das IFES e apresentar um plano

de ação de visando reestruturação, desenvolvimento e democratização destas

entidades, constituído em 200333. O projeto, é importante destacar, incluiu as

fundações de apoio como operacionalizadoras da autonomia administrativa das

universidades.

A diretriz de modernização da gestão administrativa foi mantida no Programa

de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

(Reuni), criado no Decreto nº 6.096, de 24/04/2007, com a proposta de revisão da

33

Decreto de 20/10/2003: "Art. 1º Fica instituído Grupo de Trabalho Interministerial encarregado de, no prazo de sessenta dias a contar da publicação deste Decreto, analisar a situação atual e apresentar plano de ação visando a reestruturação, desenvolvimento e democratização das Instituições Federais de Ensino Superior - IFES. Parágrafo único. O plano de ação a que se refere o caput deverá contemplar, entre outros aspectos, medidas visando a adequação da legislação relativa às IFES, inclusive no que diz respeito às suas respectivas estruturas regimentais, bem assim sobre a eficácia da gestão, os aspectos organizacionais, administrativos e operacionais, a melhoria da qualidade dos serviços e instrumentos de avaliação de desempenho."

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estrutura acadêmica34, bem como no Projeto de Lei da Reforma do Ensino Superior

(PL nº 7.200, de 2006), encaminhado ao Congresso Nacional, que estabelece

normas gerais da educação superior e regula a educação superior no sistema

federal de ensino, ainda em trâmite no Congresso Nacional35.

1.3 Universidades como Instituições de Interesse Público

Em razão dos fins e dos proveitos que reverte a toda sociedade, o suporte ao

ensino superior é de interesse público36, tendo em vista que a produção de

conhecimento constitui-se na base do desenvolvimento científico e tecnológico,

fatores geradores de riqueza e prosperidade às sociedades37. Com efeito,

34

É a redação do Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007: "Art. 2º O Programa terá as seguintes diretrizes: I - redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de ingresso, especialmente no período noturno; II - ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes curriculares e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários formativos, mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de estudantes entre instituições, cursos e programas de educação superior; III - revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação e atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante elevação da qualidade; IV - diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente não voltadas à profissionalização precoce e especializada; V - ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil; e VI - articulação da graduação com a pós-graduação e da educação superior com a educação básica.

35 Consta da Exposição de Motivos E.M.I No 015 /MEC/MF/MP/MCT, de 10 de abril de 2006,

encaminhada anexa ao Projeto de Lei nº 7.200, de 206: "5. São três os principais eixos normativos do Projeto de Lei em questão: (i) constituir um sólido marco regulatório para a educação superior no País; (ii) assegurar a autonomia universitária prevista no art. 207 da Constituição, tanto para o setor privado quanto para o setor público, preconizando um sistema de financiamento consistente e responsável para o parque universitário federal; e (iii) consolidar a responsabilidade social da educação superior, mediante princípios normativos e assistência estudantil."

36 "De maneira geral, a natureza pública da educação superior revela-se em face dos benefícios que

produz, tais como disseminação do conhecimento superior, formação de pessoal habilitado às ocupações sociais mais complexas, formação de grupos dirigentes, geração de conhecimentos que contribuem para o crescimento da produtividade e da competição do país, etc. Segundo as análises de Brunner (Kent, 1996:132), estas são as razões que legitimam, do ponto de vista econômico, o investimento público (note-se que esta avaliação é eminentemente tecnocrata; não está vinculada a valores, tais como os proclamados no artigo 205 da Constituição Federal, notadamente o do desenvolvimento da pessoa e do preparo para cidadania). Em suma: a educação superior tem natureza pública em razão de seus fins, e não porque é oferecida pelo Estado." RANIERI, Nina. Educação Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96). Editora da Universidade de São Paulo, 1994. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, FAPESP, 2000. p. 41-42.

37 Consta do item 4.2, do anexo da Lei nº 10.172, de 09/01/2001, que instituiu o Plano Nacional de

Educação: "O sistema de educação superior deve contar com um conjunto diversificado de instituições que atendam a diferentes demandas e funções. Seu núcleo estratégico há de ser composto pelas universidades, que exercem as funções que lhe foram atribuídas pela Constituição:

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39

demonstrando a importância social do ensino superior, a Organização das Nações

Unidas realizou em 1998, a "Conferência Mundial sobre a Educação Superior –

Declaração Mundial sobre a Educação Superior para o Século XXI: Visão e Ação",

no qual estabeleceu os parâmetros desejados para a educação superior neste

século. No documento, o ensino superior atua como transformador das mudanças e

progressos da sociedade, consistindo juntamente com a pesquisa, dentro de uma

sociedade do conhecimento, um componente essencial do desenvolvimento cultural

e socioeconômico de indivíduos, comunidades e nações:

Sem uma educação superior e sem instituições de pesquisa adequadas que formem a massa crítica de pessoas qualificadas e cultas, nenhum país pode assegurar um desenvolvimento endógeno genuíno e sustentável e nem reduzir a disparidade que separa os países pobres e em desenvolvimento dos países desenvolvidos. O compartilhar do conhecimento, a cooperação internacional e as novas tecnologias podem oferecer oportunidades novas para reduzir esta disparidade.

38

Com efeito, é notório o proveito revertido à sociedade quando se possuem

ensino, pesquisa e extensão. Esse núcleo estratégico tem como missão contribuir para o desenvolvimento do País e a redução dos desequilíbrios regionais, nos marcos de um projeto nacional. Por esse motivo, estas instituições devem ter estreita articulação com as instituições de ciência e tecnologia – como aliás está indicado na LDB (art. 86). No mundo contemporâneo, as rápidas transformações destinam às universidades o desafio de reunir em suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, os requisitos de relevância, incluindo a superação das desigualdades sociais e regionais, qualidade e cooperação internacional. As universidades constituem, a partir da reflexão e da pesquisa, o principal instrumento de transmissão da experiência cultural e científica acumulada pela humanidade. Nessas instituições apropria-se o patrimônio do saber humano que deve ser aplicado ao conhecimento e desenvolvimento do País e da sociedade brasileira. A universidade é, simultaneamente, depositária e criadora de conhecimentos. A diretriz básica para o bom desempenho desse segmento é a autonomia universitária, exercida nas dimensões previstas na Carta Magna: didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial."

38 Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação. Paris, 9 de outubro de

1998. Extraído de: http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/copy_of_20020319150524/ 20030620161930/20030623111830/view Ressalte-se, ainda do preâmbulo da declaração: "No limiar de um novo século, há uma demanda sem precedentes e uma grande diversificação na educação superior, bem como maior consciência sobre a sua importância vital tanto para o desenvolvimento sociocultural e econômico como para a construção do futuro, diante do qual as novas gerações deverão estar preparadas com novas habilitações, conhecimentos e ideais. A educação superior compreende 'todo tipo de estudos, treinamento ou formação para pesquisa em nível pós-secundário, oferecido por universidades ou outros estabelecimentos educacionais aprovados como instituições de educação superior pelas autoridades competentes do Estado'. (...). A educação superior tem dado ampla prova de sua viabilidade no decorrer dos séculos e de sua habilidade para se transformar e induzir mudanças e progressos na sociedade. Devido ao escopo e ritmo destas transformações, a sociedade tende paulatinamente a transformar-se em uma sociedade do conhecimento, de modo que a educação superior e a pesquisa atuam agora como componentes essenciais do desenvolvimento cultural e socioeconômico de indivíduos, comunidades e nações."

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instituições científicas autônomas e bem aparelhadas, consistindo em interesse de

toda a sociedade o apoio à educação superior em razão do seu papel na promoção

do desenvolvimento econômico, social e cultural sustentável.

Diante de tais benefícios revertidos à universidade, é inegável que às

universidades sejam propiciadas não só garantias como também instrumentos e

fomentado seu funcionamento. Neste sentido, é patente na doutrina que não ser

possível conceber o funcionamento de uma universidade sem que lhe seja garantida

autonomia nos aspectos didático-científico e administrativos. Esta autonomia, por

sua vez, tem razão em função das finalidades de ensino, pesquisa e extensão

desenvolvidas pelas universidades39.

Todavia, a universidade atualmente é chamada a assumir novos papéis

perante a sociedade, fornecendo as soluções para os problemas surgidos nos mais

diversos campos do saber social e tecnológico. A nova realidade impõe à outrora

distanciada universidade, dentro de sua função social, o dever de maior integração

com a sociedade que a circunda (e nela é refletida), especialmente por intermédio

da extensão universidade, inclusive com a execução de políticas públicas de

governo40. Estes novos desafios impostos às universidades - "de conciliar a alta

39

Caio Tácito, em aula Magma na abertura dos cursos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro lecionou sobre as funções da universidade brasileira: "Em verdade a universidade brasileira nasceu mais de um processo de associação ou aglutinação de escolas isoladas do que de um projeto sistemático e global. Cada universidade conserva sua história particular e original: os fatos comandam e superam planos e esquemas. (...). Há, todavia, um núcleo comum para o qual as universidades devem convergir em benefício de sua sobrevivência. A par da missão universitária impõe-se definir, em termos de eficiência, a função universitária a importar, a seu turno, em que se determinem, adequadamente, os meios de ação da Universidade. A presença da universidade deve corresponder à sua tríplice finalidade: a) transmitir o conhecimento adquirido, formando profissionais e especialistas e atualizando-lhes o preparo técnico ou artístico (difusão do conhecimento); b) criar conhecimento novo ou nova tecnologia, mediante pesquisa pura ou aplicada (conquista do desconhecido); c) prestação de serviços à comunidade, tanto no plano científico como no social (extensão universitária). A universidade tem como endereço precípuo servir de instrumento à promoção sistemática da cultura e de estímulo ao progresso, segundo as necessidade do meio social, que a um mesmo tempo ela reflete e modela." TÁCITO, Caio. A Universidade Brasileira: responsabilidade e autonomia. em Temas de Direito Público: (estudos e pareceres) - Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 874-875.

40 "Um tema presente no debate universitário são as funções públicas da universidade pública. Tendo

em vista o alargamento de suas funções, a universidade está sendo cobrada pela sociedade em diversas frentes, mediante a prestação de serviços que, prioritariamente, não compete a ela fornecer. Neste sentido, podem ser citados os hospitais universitário públicos, na prestação de saúde e os escritórios-modelos de assistência jurídica, na função de prestador de assistência jurídica gratuita". MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. Sergio Fabris Editor. Porto Alegre, 2001 p. 282

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cultura com a cultura popular, a educação com o trabalho, a teoria com a prática"41 -,

alteram a feição tradicional do tripé ensino, pesquisa e extensão, como será

abordado nos próximos itens.

1.4. Finalidades da universidade: ensino, pesquisa e extensão

Consoante exposto nos itens anteriores, a Constituição de 1988 previu em

seu texto não só prerrogativas às universidades como também fixou as finalidades

às quais esta autonomia seria instrumental42. Tais finalidades foram elencadas no

artigo 207 da Constituição que previu às universidades a observância do princípio da

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. São essas três atividades,

portanto, as finalidades essenciais da universidade.

Sinteticamente, pode-se entender o ensino43 como a transmissão do

conhecimento; a pesquisa como a produção de novos conhecimentos e a extensão

41

O Constitucionalista prossegue, todavia, alertando os risco desta nova busca de perfil pela universidade: "A necessidade de a Universidade enfrentar os diversos desafios que estão lhe sendo impostos, está gerando, em particular nas Universidades públicas, no Brasil, uma profunda utilização equivocada de estratégias, situações que, muitas vezes, distanciam-se das finalidade da Universidade e adentram em outros campos como o corporativismo, o clientelismo e os interesses particulares. Neste sentido, escreve Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro 'que a captação de recursos e a ideia de parcerias com o setor produtivo são apontadas como as grandes soluções para as universidades, para a sua modernização e as reformas em sua infra-estrutura e demais investimentos em laboratórios, salas de aulas, equipamentos, bibliotecas e em outros setores importantes da instituição. (...). Mas, mesmo que tais possibilidade sejam alvissareiras, os benefícios reais ainda são muito discutíveis, se comparados ao efeito de desagregação interna e de produção de um sem número de relações clientelistas que são daí decorrentes, pela falta de articulação com processos estratégicos mais amplos, nos quais se incluem o crescimento de áreas emergentes e a formulação de programas globais de desenvolvimento institucional e acadêmico'." MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. Sergio Fabris Editor. Porto Alegre, 2001. p. 263-265.

42 Consoante André Ramos Tavares: "A Constituição, ao tratar das universidades, atribui-lhes suas

funções, com o que acaba por traçar-lhes um perfil mínimo de atuação. Além de sua finalidade fundamental, que é a promoção do ensino, as universidades devem implementar outras duas: a pesquisa e a extensão." TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, 7ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2009. p. 845.

43 "Importa, portanto, saber em que consistem essas finalidades, o seu conteúdo. Assim, seguindo a

análise tradicional e histórica da Universidade, verifica-se que por muito tempo ela se ocupou quase que exclusivamente do ensino, mantendo como objetivo principal a transmissão dos saberes, selecionando, sistematizando e difundindo o conhecimento acumulado pela inteligência humana, tudo visando à formação profissional e às necessidades culturais de determinada época e local. Como o ensino necessita de aprendizagem, estabeleceu-se o processo 'ensino-aprendizagem', posto que o ensino deve ser partilhado entre professores e alunos." LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Autonomia Universitária no Direito Educacional Brasileiro. São Paulo: Editora Segmento, 2005. p. 72.

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como prestação de serviços à comunidade. O conceito foi consolidado no

julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº51-RJ, tendo o Supremo

Tribunal Federal acolhido o entendimento do Parecer vinculante da Consultoria-

Geral da República, SR-7844. Nas lições de Nina Ranieri:

Ensino, pesquisa e extensão são hoje as três missões da universidade". Conforme ensina a autora, "a relação entre ensino e pesquisa advém da própria essência da universidade. A extensão, por sua vez, decorre da natureza social do trabalho universitário (geração, organização e difusão de conhecimento) que, financiado por recurso públicos (em se tratando de escolas estatais), deve visar aos interesses mediatos e imediatos da população. Sob esse aspecto nota-se o conteúdo sócio-ideológico que impregna o princípio da indissociabilidade, e que reafirma a sociedade como patrocinadora e beneficiária da universidade.

45

1.4.1. Extensão Universitária

Tendo por objeto de pesquisa as fundações de apoio às IFES, para este

trabalho mostra-se necessário um desenvolvimento mais aprofundado do conceito

de extensão universitária, por esta compreender a prestação de serviços, atividade

em que as fundações de apoio são as principais intermediárias entre as

universidades e os contratantes dos serviços. Como anteriormente já esboçado na

introdução trabalho de pesquisa, dentro da finalidade de extensão é que se

desenvolve o principal relacionamento das universidades públicas com as fundações

de apoio. As fundações de apoio hoje constituem-se nas principais parceiras das

universidades na atividades de extensão como, por exemplo, no gerenciamento de

cursos de especialização e captação de serviços de pesquisa ou mesmo no apoio à

44

O conceito do parecer SR-78 da Consultoria-Geral da União, constou inclusive do Voto do Ministro Celso de Mello, no julgamento da ADIn nº 51-RJ, envolvendo decisão a respeito da autonomia universitária: ―A autonomia universitária qualquer que seja a dimensão em que se projete, objetiva assegurar às universidades um grau razoável de auto-governo, de auto-administração e de auto-regência dos seus próprios assuntos e interesses, sempre sob controle estatal, em função de sua tríplice destinação: o ensino (transmissão de conhecimentos), a pesquisa (produção de novos conhecimentos) e a extensão (prestação de serviços à comunidade)‖. DOU de 16/12/1988, pp. 24582-24585.

45 RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de

1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 134.

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execução de políticas públicas descentralizadas pela Administração Direta, por

intermédio de seus Ministérios. Desta forma, à medida que houve um incremente

das atividades de extensão, propiciou-se a consolidação das fundações de apoio

como a interface da universidade pública na prestação de serviços.

As atividades universitárias de extensão caracterizam-se principalmente pela

prestação de serviços à comunidade. Todavia, a integração do ensino e da pesquisa

com a sociedade por intermédio das atividades de extensão não pode ser reduzida

apenas a esta faceta, sob risco de deturpar-se o conceito de extensão universitária.

Sem embargo, o conceito de extensão universitária foi cunhado no Plano Nacional

de Extensão em 1988 e é de extensão mais abrangente:

A Extensão Universitária , cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão

-dupla, com trânsito acadêmica, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um

conhecimento acadêmico , docentes e discentes trarão um aprendi reflexão teórica, acrescido àquele conhecimento.

Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, como consequências a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão

. (Plano Nacional de Extensão, 1988).46

No âmbito da legislação o conceito de extensão e a definição de suas

46

-

FORPROEX.—Belo Horizonte: Coopmed, 2007, p. 12. No tocante às necessidades sociais a que devem atender as universidades públicas em suas atividades de extensão universitária, e a possibilidade das mesmas atuarem em uma dimensão mais ampla que as universidades particulares, tendo em vista estarem desobrigadas do retorno financeiro, é a lição de Nina Ranieri: ―A que necessidades sociais responde a universidade pública? Certamente àquelas não filtradas pelo mercado, desvinculadas de critérios de demanda e consumo, uma vez que estes podem ser oferecidos, com sucesso, pela iniciativa privada. Ensino, pesquisa e extensão na universidade pública, portanto, se relacionam, direta ou indiretamente, à promoção da cidadania, tal como expressa nos objetivos fundamentais da República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a redução das desigualdades; a promoção do bem comum (CF, artigo 3º)." RANIERI, Nina. Educação Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº9.394/96). Editora da Universidade de São Paulo, 1994. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, FAPESP, 2000. p. 236/237.

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atividades típicas foi cunhada pelo Decreto nº 7.416, de 30/12/2010, que

regulamenta a Lei nº 12.155, de 23/12/2009, que cuida da instituição de bolsas de

extensão:

Art. 7o Consideram-se atividades de extensão, para os fins deste Decreto:

I - programa: conjunto articulado de projetos e ações de médio e longo prazos, cujas diretrizes e escopo de interação com a sociedade, no que se refere à abrangência territorial e populacional, se integre às linhas de ensino e pesquisa desenvolvidas pela instituição, nos termos de seus projetos político-pedagógico e de desenvolvimento institucional; II - projeto: ação formalizada, com objetivo específico e prazo determinado, visando resultado de mútuo interesse, para a sociedade e para a comunidade acadêmica; III - evento: ação de curta duração, sem caráter continuado, e baseado em projeto específico; e IV - curso: ação que articula de maneira sistemática ensino e extensão, seja para formação continuada, aperfeiçoamento, especialização ou disseminação de conhecimentos, com carga horária e processo de avaliação formal definidos. (...) § 3

o Podem ser consideradas no âmbito da extensão as atividades de

inovação ou extensão tecnológica, as práticas culturais e artísticas e o desenvolvimento de políticas públicas prioritárias, entre outros. Art. 8

o A prestação institucional de serviços, se admitida como modalidade

de extensão, nos termos da disciplina própria da instituição, em vista de justificativa acadêmica não enseja a concessão de bolsas de extensão, aplicando-se as disposições sobre estágio, nos termos da Lei nº11.788, de 25 de setembro de 2008. Parágrafo único. A prestação institucional de serviços de que trata o caput refere-se ao estudo e solução de problemas dos meios profissional ou social, com a participação orientada de estudantes, e ao desenvolvimento, pelos docentes, de novas abordagens pedagógicas e de pesquisa, bem como a transferência de conhecimentos e tecnologia à sociedade.

Ainda que destaque a prestação de serviços pela universidade, o Decreto

evidencia também a realização de programas, projetos, eventos e cursos, incluindo

dentro destas atividades a inovação, práticas culturais e artísticas e o

desenvolvimento de políticas públicas prioritárias, expondo um conteúdo mais amplo

ao conceito de extensão universitária. Com efeito, uma nota característica das

universidades nas últimas décadas é a realização de políticas públicas, com a

descentralização às universidades da realização de diversas políticas públicas,

especialmente na área social.

Nada adiantaria, contudo, atribuir às universidades finalidades sem que lhe

fossem proporcionados meios para buscá-la. Foi assegurado às universidades,

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desta forma, pelo legislador constitucional, a autonomia didático-científica,

administrativa e de gestão financeira e patrimonial, como instrumental à realização

de suas finalidade de ensino, pesquisa e extensão.

1.5. Autonomia Universitária

Foram dispostos constitucionalmente como princípios da instituição

universitária a indissociabilidade da realização do ensino, da pesquisa e da

extensão. Para a consecução desses fins a Constituição previu às universidades

autonomia de cunho didático-científica, administrativa e de gestão financeira e

patrimonial, vez que sem outorgar às universidade prerrogativas que garantissem a

liberdade de busca e transmissão do conhecimento, não poderiam as instituições

efetivar as finalidades pelas quais foram criadas.

Muito já se falou e discorreu a respeito da autonomia universitária, sua

história47, sua essencialidade ao desenvolvimento das atividades universitárias e

47

Edivaldo M. Boaventura, bem sintetiza o histórico legislativo da autonomia universitária até sua constitucionalização em 1988: "A primeira tentativa de constitucionalizar-se a autonomia parece ter ocorrido, no Brasil, em 1823, com proposta de criação das Faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda. O projeto chegou a ser apreciado pela Assembléia Geral Constituinte, dissolvida pelo imperador Dom Pedro I. Assim, a Constituição Imperial, tão parcimoniosa em matéria de educação, como foram aliás as constituições do mundo inteiro até 1918, dispunha apenas sobre o exercício de profissões e afirmava que a instrução pública primária era gratuita para todos os cidadãos e mais que 'os elementos das Ciências, Belas Artes e Artes' seriam ensinados nos 'colégios e universidades', embora o Império não houvesse criado nenhuma universidade e, sim, algumas poucas faculdades. Depois da Revolução de 1930, com a reforma Francisco Campos, veio o primeiro reconhecimento explícito da autonomia universitária em legislação ordinária pelo Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931. Erigiu-se a autonomia como 'expressiva garantia de ordem institucional das universidades', no dizer de FÁBIO PRADO. A ausência de uma política universitária esclarecida e a falta de uma idéia dessa autonomia levaram o legislador a promulgar uma pletora de leis, decretos e portarias. A autonomia universitária, prevista na reforma Francisco Campos, foi praticamente anulada com o objetivo de garantir um alto nível do nascente ensino superior brasileiro, na observação de NEWTON SUCUPIRA. Com a Constituição de 1934, rica em enunciados de direitos sociais e de curta duração, é conferida privativamente à União a competência para tratar das diretrizes da educação nacional, fixar o plano nacional de educação, compreensivo de todos os graus e ramos. Já na vigência da Carta de 1946, veio a lei de diretrizes e bases, em 1961, que, segundo WILLIAM A. HARRELLL, foi a primeira lei geral sobre educação que tivemos. Essa lei manteve o princípio da autonomia no nosso sistema de direito positivo, prescrevendo que 'As universidades gozarão de autonomia didática, administrativa, financeira e disciplinar, que será exercida na forma de seus estatutos'. Na lei de diretrizes e bases da educação superior, de 1968, Lei nº 5.540, de 28 de novembro, o artigo 3º confirmou o mesmo princípio. (...). A inovação mais significativa acerca da universidade brasileira na Constituição de 1988 está justamente na constitucionalização da autonomia universitária, princípio já consagrado anteriormente na legislação ordinária, conforme vimos." (BOAVENTURA, Edivaldo M. A

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especialmente sua natureza instrumental a estes misteres. Para a finalidade deste

trabalho, envolvendo fundações de apoio às IFES, importa conhecê-la tendo em

vista que as fundações de apoio são vistas como instrumentalizadoras da autonomia

administrativa das universidades, como foi destacado no relatório elaborado pelo

Grupo de Trabalho Interministerial foi criado por Decreto de 20 de outubro de 2003,

composto por membros da Casa Civil e da Secretaria-Geral da Presidência da

República e dos Ministérios da Ciência e Tecnologia, do Planejamento, Orçamento e

Gestão, da Fazenda e da Educação tendo por objetivo sugerir ideias para enfrentar

a crise das universidades federais e orientar o processo de reforma da universidade

brasileira48.

Com a finalidade de contextualizar a origem das fundações de apoio com a

busca empreendida pelas instituições universitárias públicas de maior autonomia

administrativa e de gestão financeira e patrimonial, que ao longo das décadas

passadas foi trilhada pelo caminho de tentativa de fuga do regime jurídico de direito

público, será abordada a autonomia universitária especialmente sob a perspectiva

da sua implementação em seu aspecto administrativo.

A autonomia conferida constitucionalmente compreende os aspectos didático-

científicos, administrativos e de gestão financeira e patrimonial49. A autonomia

constitucionalização da autonomia universitária, Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 27, nº 108, out/dez 1990, p. 299-300).

48 Destaca-se no relatório, em seu item 2.5, intitulado "Regulamentação das relações entre as

universidades e as fundações de apoio": "Como forma de contornar a falta de autonomia legal, a partir dos anos 80, as universidades passaram a utilizar fundações de apoio, contratadas pelos órgãos de controle e pela comunidade. Na realidade de hoje não é possível prescindir das fundações, que têm um grande papel a cumprir no funcionamento autônomo das universidades federais, ao mesmo tempo em que se definem regras claras para o funcionamento delas, pela lisura e transparência. Nesse sentido, o MEC e o MCT elaboraram uma proposta de regulamentação das relações entre universidades e fundações de apoio, já em tramitação no Governo, na forma de proposta de Decreto‖. E conclui entre suas propostas para reforma universitária: ―Com esses dois instrumentos – autonomia e Fundação de Apoio – as universidades federais certamente disporiam de condições não só para aumentar a captação de recursos, mas também para gerenciar com mais eficiência e previsibilidade os recursos que conseguir captar‖. (BRASIL. Grupo de Trabalho Interministerial. Bases para o enfrentamento da crise emergencial das universidades federais e roteiro para a reforma universitária brasileira. Brasília, 2003. Mimeografado. Disponível em: http://www.anped.org.br/reformauniversitaria3.pdf – acesso em 24/10/2012).

49 Valemo-nos das considerações de Anita Lapa Borges Sampaio a respeito da síntese de cada uma

dessas expressões da autonomia: ―A autonomia didática conferiria à universidade a capacidade de organizar o ensino, a pesquisa e a extensão; criar e extinguir cursos; elaborar e estabelecer cursos; elaborar e estabelecer currículos; estabelecer critérios de acesso e conferir certificados e diplomas. A interferência estatal deveria resumir-se, contudo, à adoção de mecanismos de avaliação com vistas à garantia do padrão de qualidade e à eficácia na realização dos fins universitários. A autonomia científica compreenderia, também para a doutrina brasileira, a liberdade de aquisição e transmissão

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didático-científica expressa-se pela liberdade em se definir o conhecimento a ser

transmitido bem como sua forma de transmissão, ela compreende a criação, a

modificação e a extinção de cursos, a definição de seus currículos e organização,

além do estabelecimento de critérios de seleção e avaliação de seus estudantes e a

respectiva outorga dos graus de qualificação acadêmica50. Associa-se à ideia de

liberdade do conhecimento, de pesquisa, de formular seus próprios planos,

programas e projetos de pesquisa. Tais autonomias, são de fácil implementação

dentro de um Estado Democrático de Direito, de caráter pluralista consoante

existente na maioria das nações ocidentais.

A autonomia administrativa, pressuposto da autonomia de gestão financeira e

patrimonial, consiste no "direito de elaborar normas próprias de organização interna,

em matéria didático-científica, de administração de recursos humanos e materiais e

no direito de escolher dirigentes, consoante delineado nos incisos VII, VIII, IX e X do

art. 53 da LDB e, no tocante às universidades públicas, no §1º, do art. 54, desta

lei"51.

A autonomia universitária não implica em uma atuação das instituições de

ensino à margem da lei, possuindo a autonomia seu âmbito delimitado na

do conhecimento. A universidade estaria legitimada a eleger suas áreas e temas de pesquisa, embora o texto constitucional brasileiro autoriza uma vinculação da ‗pesquisa tecnológica‘ à ‗solução dos problemas brasileiros‘ e ao ‗desenvolvimento do sistema produtivo nacional‘ (art.218, §2º). (…). De modo geral, a autonomia administrativa é entendida como acessória a autonomia didático-científica. No âmbito da autonomia administrativa, reconhece-se como imprescindível o poder de autonormação das universidades para realização de seus fins. A autonomia financeira, possui, igualmente, um caráter instrumental ou acessório em face da autonomia didático-científica. Para a doutrina brasileira, a autonomia universitária implicaria um amplo poder de elaboração e execução orçamentária, bem como a possibilidade de constituição e emprego de patrimônio próprio. Entre as prerrogativas contidas na autonomia financeira, a doutrina chega a elencar: conceder aumentos distintos a seus servidores; alienar bens imóveis, decidir sobre a utilização e oneração dos mesmos; instituir fundações com bens de seu patrimônio e recursos de sue orçamento; contrair empréstimos; criar cargos próprios; investir em pesquisas; cobrar taxas de serviços; subsidiar restaurantes; realizar operações de crédito ou de financiamento, com a aprovação do Poder competente. A ampla dependência da universidade em relação aos fundos públicos mitigaria, contudo, a autonomia financeira da universidade. Critica-se, aqui, a carência de critérios para a alocação de recursos que garantam as transferências tempestivas e suficientes à manutenção das universidades, sugerindo-se a adoção de alocações específicas de recursos.‖ SAMPAIO, Anita Lapa Borges. Autonomia Universitária – Um modelo de interpretação e aplicação do artigo 207 da Constituição Federal. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 263/264.

50 RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de

1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 117.

51 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. Sergio Fabris Editor. Porto

Alegre, 2001, p. 272.

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discricionariedade conferida pela norma52. Não se confundem, assim, os conceitos

de autonomia com soberania, como ficou historicamente bem ilustrado no sempre

referido julgado do Supremo Tribunal Federal de 25.10.1989, prolatado na ADin

51/RJ, tendo como relator o Ministro Paulo Brossard.

Na decisão, apreciando a constitucionalidade de norma que previa ao

Presidente da República a escolha de Reitores após apresentação de lista sêxtupla

pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, o relator traça um paralelo entre as

instituições universitárias e o Ministério Público, destacando que apesar de ambas

serem autônomas, não implicava que não pudessem ter seu chefe nomeado pelo

Presidente da República. Entendeu que "por mais larga que seja a autonomia

universitária - didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial' -

, ela não significa independência em relação à administração pública, soberania em

relação ao Estado"53.

52

É lapidar a lição de Adilson Abreu: ―Algo semelhante está acontecendo com o vocábulo ‗autonomia‘, especialmente quando ligado à administração das universidades criadas pelo Poder Público federal, estadual ou municipal. Entendem alguns menos avisados (ou demasiadamente espertos) que, agora, em face da constitucionalização da autonomia universitária, povo (fonte originária e suprema do Poder) e seus representantes democraticamente eleitos teriam perdido toda e qualquer possibilidade de exercitar algum controle sobre as universidades públicas, que teriam sido entregues aos seus atuais dirigentes, que, doravante, passariam a dirigi-las debaixo de normas editadas por eles mesmos. Um corporativismo exacerbado (uma das formas de totalitarismo) tem levado a desvios e a verdadeiros desvairios, como se a Constituição Federal se resumisse em único artigo (precisamente o art. 207, que afirma a autonomia universitária).‖ DALLARI, Adilson Abreu, Autonomia das Universidades Públicas, Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros Editores. nº 1, 1993. p. 282.

53 Destacamos, ainda, do voto do relator: "De mais a mais, a Universidade integra a administração

pública; o serviço que ela presta é público e federal. (...). A autonomia, é de evidência solar, não coloca a Universidade em posição superior à Lei. Fora assim e a universidade não seria autônoma, seria soberana. E no território nacional haveria manchas nas quais a lei não incidiria, porque afastada pela autonomia. (...). Mas, independente disto, a autonomia não significa, nem pode significar que a Universidade se transforme em uma entidade solta no espaço, sem relações com a administração. Bastaria lembrar que à União compete legislar sobre diretrizes e bases da educação e a essa disciplina não é alheio o ensino superior, ou lembrar que, se a Universidade pode ter recursos próprios, a maior parte de sua despesa é custeada pelo erário. Sem embargo da autonomia, antes proclamada em lei, hoje consagrada pela Constituição, é preciso ter presente que a Universidade integra o serviço público e compete ao Presidente da República 'exercer a direção superior da administração pública federal', (art. 84, II, CF) bem como 'prover os cargos públicos federais, na forma da lei' (inciso XXV do mesmo artigo). O fato de a nomeação do Reitor ser feita pelo Presidente da República de uma lista sêxtupla escolhida pela própria universidade, nos termos da lei, não me parece que conflite com a mencionada autonomia, mas que com ela se concilia perfeitamente, bem como com o princípio da unidade do serviço público, cujo Chefe é o Chefe do Poder Executivo. É preciso ter presente esse dado elementar e, não obstante, fundamental. A Universidade não deixa de integrar a administração pública, e o fato de ela gozar da autonomia, didática, administrativa, disciplinar, financeira, não faz dela um órgão soberano, acima das leis e independente da república". Acompanhando o voto do relator, o Ministro Celso de Mello, apontou: "A autonomia universitária, qualquer que seja a dimensão que se projete, objetiva assegurar à Universidade um grau razoável de autogoverno, de auto-administração e de auto-regência dos seus próprios assuntos e interesses,

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Em decorrência de sua previsão constitucional, a autonomia universitária

deve ser ainda observada como uma garantia institucional, constitucionalmente

eficaz e autoaplicável, o que implica em tornar o conteúdo do art. 207 da

Constituição Federal não apenas um limite ao legislador infraconstitucional e um

vetor interpretativo das demais normas, como também uma diretriz a ser

implementada pelo Poder Público54.

A interpretação da autonomia universitária, outrossim, necessita ser

consentânea às finalidades e princípios universitários, bem como a todos os demais

princípios gerais estabelecidos no texto constitucional55, possuindo em relação a

sempre sob controle estatal, em função de sua tríplice destinação: o ensino (transmissão de conhecimentos), a pesquisa (produção de novos conhecimentos) e a (extensão prestação de serviços à comunidade)". No mesmo sentido, ressaltando que a dependência econômica ao Estado é fator que justifica a limitação da autonomia, manifestou-se o Ministro Francisco Rezek: "Hesito em acreditar, por mais que se liberalizem as instituições, que o Congresso Nacional vá um dia, no estabelecimento dessa disciplina, editar para as universidades federais um sistema de auto-governo, enquanto cada um dos professores dessas universidades recebe, à cada mês do calendário, sua remuneração à conta dos recursos do Tesouro Nacional; enquanto cada um dos seus estudantes recebe esse serviço gratuitamente - numa gratuidade bancada pelo inteiro quadro social; tudo isso dentro de um cenário custeado, em cada uma de suas paredes, móveis e equipamentos, pela sociedade, pelos contribuintes que a todo dia alimentam o erário. A posição que esta Casa assume, no sentido de desautorizar a norma estabelecida pelo Conselho da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, parece-me não apenas consentânea com a distribuição de competência normativa expressa na Carta de 88, mas também com o correto propósito de não prestigiar qualquer forma de auto-governo à revelia da entidade mantenedora, que é toda a sociedade brasileira. Isto seria mais do que a soberania - que já impressionou tão vivamente o Ministro relator - porque, de modo geral, a soberania não recolhe seivas nutritivas alhures, não encontra seu custeio fora de seu próprio âmbito. Seria algo surrealista, e rigorosamente impalatável." ADIn 51-9-RJ, decisão de 25.10.89. D.J. 17.09.93, Ementário n–1717-1.

54 A respeito da eficácia e aplicabilidade do art. 207, recorremos à lição de Ingo Wolfgang Sarlet: "Em

contrapartida, vislumbra-se que o art. 207 se caracteriza como típica garantia institucional fundamental, assegurando a autonomia universitária, o que já foi objeto de reconhecimento até mesmo pelo STF, não obstante tenha ficado claro que esta autonomia não assegura às Universidades uma absoluta independência em face do Estado, de modo especial no que diz com a possibilidade da edição de atos normativos autônomos. Vê-se, pois que, enquanto o art. 205 também assume a feição de norma impositiva de tarefas e objetivos aos órgãos públicos e, em especial, ao legislador, servindo, além disso, como parâmetro obrigatório para a aplicação e interpretação das demais normas jurídicas, a garantia institucional contida no art. 207, que a toda evidência, constitui norma plenamente eficaz e diretamente aplicável, atua como limite expresso contra atos que coloquem em risco o conteúdo essencial da autonomia da instituição protegida, atuando, assim, como direito fundamental de natureza defensiva." SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional/ Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 593-594. Vide, ainda, item 1.1 deste capítulo.

55 Sobre o terma, discorre Frederico da Silveira Barbosa: ―Verificamos que o princípio da finalidade

exige que a interpretação da norma de autonomia (especialmente a administrativa e financeira) tenha alcance necessário à garantia da autonomia didático-científica, o que, novamente, estende referida autonomia, pois, como o fim da autonomia didático-científica é também garantir a liberdade científica, conclui-se que toda autonomia universitária deve ter por objetivo a realização da ciência, tendo em vista que o legislador constitucional reconheceu que ciência é ciência livre. (…). Por esse motivo, a autonomia universitária implica a capacidade de as universidade (privadas e públicas) praticarem atos e firmarem negócios jurídicos necessários ou convenientes à boa realização de seus fins, como

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estes caráter instrumental, estando sempre vinculada à consecução destes objetivos

sociais56. Exatamente neste sentido, são as disposições contidas no art. 53 da Lei

de Diretrizes Básicas da Educação, estabelecendo na norma o alcance da

autonomia universitária57.

Em síntese, a autonomia atribuída à universidade é instrumental à realização

de suas finalidades de interesse público, representando um poder derivado dentro

dos limites fixados pela norma e em adequação aos fins ao qual foi instituída. Como

bem exposto por Adilson Abreu Dallari, "a autonomia administrativa é meramente

instrumental, destinada a assegurar a autonomia científica. Não é um fim em si, não

se destina a assegurar privilégios ou interesses de grupos, como poderia fazer supor

uma leitura marcadamente corporativista58.‖ As universidades, portanto, são

reconhecido por disposições expressas da Lei nº9.394/96‖. BARBOSA, Frederico da Silveira. Relacionamento de Fundações Educacionais com as Universidades Públicas, em Fundações Educacionais. São Paulo: Atlas. 2003. p. 275.

56 Por todos, Nina Ranieri: ―Hoje, no direito público, a autonomia pode ser conceituada como poder

funcional derivado, circunscrito ao peculiar interesse da entidade que o detém e limitado pelo ordenamento que lhe deu causa, sem o qual ou fora do qual não existiria. Não é, portanto, soberania mas poder derivado; e, quando atribuído a uma instituição pública, não implica liberdade absoluta, uma vez que a autonomia é restrita ao peculiar interesse da entidade. De fato, como as instituições públicas são criadas para desempenhar funções sociais específicas concernentes ao interesse geral da Nação, a autonomia de que venham a usufruir por delegação legal estará sempre vinculada à consecução daquelas funções sociais, cujo cometimento, obrigatoriamente deve otimizar. Esta é a finalidade instrumental da autonomia. Sua referência não é o benefício da própria instituição mas sim o da sociedade. É sob esse prisma que se coloca a questão da autonomia universitária, atualmente garantida pela Constituição Federal do Brasil.‖ RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de 1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 33/34.

57 - ―Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de

outras, as seguintes atribuições: I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino; II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes; III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão; IV - fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio; V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes; VI - conferir graus, diplomas e outros títulos; VII - firmar contratos, acordos e convênios; VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais; IX - administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos; X - receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas. Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre: I - criação, expansão, modificação e extinção de cursos; II - ampliação e diminuição de vagas; III - elaboração da programação dos cursos; IV - programação das pesquisas e das atividades de extensão; V - contratação e dispensa de professores; VI - planos de carreira docente.‖

58 DALLARI, Adilson Abreu, Autonomia das Universidades Públicas, Revista Trimestral de Direito

Público. São Paulo: Malheiros Editores. nº 1, 1993. p. 290.

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autônomas apenas no exercício de suas finalidades e dentro dos limites fixados

pelas normas constitucionais59.

No tocante às universidade públicas, em razão de seu especial

posicionamento na administração pública e pelo seu custeio público, a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de 20/12/1996) estabeleceu ainda

normas especiais relativas à autonomia universitária, procurando garantir às

universidades maior autonomia de gestão se comparada às demais entidades

públicas, com o intuito de atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e

financiamento60. Nina Ranieri aduz que a universidade pública seria um "ente de

natureza pública, criada e garantida pelo Estado, detentor de autonomia, qualidade

que lhe confere situação excepcional dentro da máquina estatal devido à capacidade

legislativa que encerra, e lhe garante, via de consequência, imunidade à legislação

ordinária que não tenha natureza diretivo-basilar".61

Com efeito, as universidades públicas possuem uma posição muito particular

dentro da Administração Pública Federal. Historicamente, como apontamos

anteriormente neste capítulo, o Poder Público sempre exigiu que as instituições

universitárias públicas se mantivessem em proximidade ao regime jurídico público 59

"A extensão da autonomia universitária é dada pelos objetivos das universidades, ou seja, no exercício de suas finalidades, as universidades são plenamente autônomas. Em um sentido mais amplo, a autonomia universitária está limitada pelos princípios constitucionais gerais que informam todo o ordenamento jurídico, em razão de que, mesmo no exercício de suas finalidades, as universidades devem respeitar todas as normas constitucionais, em especial os direitos fundamentais". MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. Sergio Fabris Editor. Porto Alegre, 2001, p. 263-265.

60 Lei 9.394, de 20/12/1996: "Art. 54. As universidades mantidas pelo Poder Público gozarão, na

forma da lei, de estatuto jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos de carreira e do regime jurídico do seu pessoal. § 1º No exercício da sua autonomia, além das atribuições asseguradas pelo artigo anterior, as universidades públicas poderão: I - propor o seu quadro de pessoal docente, técnico e administrativo, assim como um plano de cargos e salários, atendidas as normas gerais pertinentes e os recursos disponíveis; II - elaborar o regulamento de seu pessoal em conformidade com as normas gerais concernentes; III - aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, de acordo com os recursos alocados pelo respectivo Poder mantenedor; IV - elaborar seus orçamentos anuais e plurianuais; V - adotar regime financeiro e contábil que atenda às suas peculiaridades de organização e funcionamento; VI - realizar operações de crédito ou de financiamento, com aprovação do Poder competente, para aquisição de bens imóveis, instalações e equipamentos; VII - efetuar transferências, quitações e tomar outras providências de ordem orçamentária, financeira e patrimonial necessárias ao seu bom desempenho. § 2º Atribuições de autonomia universitária poderão ser estendidas a instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa, com base em avaliação realizada pelo Poder Público.‖

61 RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de

1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 139.

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em razão do seu custeio público e de sua função estratégica para o Governo62. As

universidades públicas, sempre clamaram por sua independência em relação ao

poder público, entretanto, sua dependência econômica às submetia à ingerência

estatal.

Existia no Poder Público desde a década de 1930, por sua vez, o intento em

permitir a determinadas instituições e atividades públicas se afastar do regime

jurídico público em razão das funções por elas desempenhadas, proporcionando-

lhes maior flexibilidade e agilidade de gestão. Esta intenção foi concretizada

inicialmente com a criação das autarquias e posteriormente com as empresas

estatais e fundações. A criação de tais entes, todavia, não se mostrou suficiente à

extensão de autonomia desejada, tendo em vista que ao longo do tempo foram

sendo criadas medidas que buscaram conformar tais entidades aos princípios da

administração pública, especialmente as normas de direito financeiro. Em

decorrência do gradual restrição da liberdade de gestão, tais entes públicos

passaram a constituir entidades subsidiárias, como se deu nas universidades com a

criação das fundações de apoio. Também buscou-se transformar as universidades

públicas em organizações sociais, sob forma de associações, como previsto no

plano de reforma do Estado de 1995, porém sem êxito neste intento.

Ainda que houvesse a intenção de conferir maior liberdade e autonomia de

gestão às IFES, o que pode ser explicado pelo fato de ao longo dos anos ter sido

atribuído às universidades públicas personalidade jurídica de autarquia de regime

especial ou de fundação, contudo, à medida que as próprias autarquias e fundações

como um todo acabaram incorporadas às mesmas regras do Regime Público

Tradicional, tornaram-se inócuos tais tentativas.

A conformação jurídica a ser adotada pela universidade pública está, assim,

diretamente vinculada à autonomia administrativa, pressuposto da autonomia de

gestão financeira patrimonial. De nada adianta garantir autonomia administrativa, 62

As razões de veto ao §3º do art.16, da Lei nº 5.540, de 1968, bem ilustram esta postura do Poder Público em relação às universidades por razão de seu custeio público: "A experiência colhida evidencia que a manutenção das Universidades, constituídas em Fundações de direito público, tem sido feita integralmente por meio de subvenções do poder público, razão por que é natural a escolha de seus dirigentes pelo próprio Govêrno. A referência de que a nomeação se fará na forma que estabelecerem os Estatutos, poderia dar margem a que se pusesse, regimentalmente, do modo contrário àquele princípio já consagrado". Sem publicação em D.O.; constante de Ensino Superior - coletânea de legislação básica - INEP, p. 145-149.

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especialmente de gestão de recursos financeiros, sem que lhe sejam

correspondentes os meios para ser exercida. A autonomia de gestão financeira e

patrimonial, está diretamente vinculada à conformação jurídica adotada pelo ente

público. Assim, em que pese a autonomia constitucional a elas garantida, as

universidades, tal qual as autarquias federais, revelam-se como simples

departamentos do organismo burocrático estatal63.

A definição de uma estrutura jurídica apropriada às universidades é, portanto,

essencial para a viabilização da autonomia administrativa e de gestão financeira e

patrimonial em toda sua potencialidade. O constitucionalista Marcos Augusto Maliska

levanta a questão:

A autonomia universitária, desta forma, significa que as universidade não estão sujeita a nenhuma espécie de ingerência naquilo que for de sua competência, situação que implica a análise da estrutura dos órgãos e entidades da administração pública, caracterizada pela hierarquia funcional. As universidades públicas em geral assumem o modelo autárquico ou fundacional. A questão que se coloca é em que medida essas estruturas jurídicas são receptivas ao conceito de autonomia, inerente à ideia de universidade.

64

Sem embargo, desde seus primórdios as universidades públicas brasileiras,

reclamam pelo estabelecimento de um tratamento jurídico próprio que lhes

proporcione os meios adequados para realização de suas finalidades, visto que sua

disciplina jurídica autárquica e fundacional nunca satisfez os anseios da comunidade

universitária. A respeito da inadequação do regime autárquico e fundacional às

universidades públicas manifestou-se Celso Antônio Bandeira de Mello65:

Se às pessoas descentralizadas em geral convém uma disciplina jurídica ajustada a suas finalidade e tipo de ação, parece até despiciendo sublinhar

63

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Universidades Oficiais: natureza - regime e estrutura cabíveis. Revista de Direito Público, nº73, jan/mar, 1985. p. 51.

64 MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. Sergio Fabris Editor. Porto

Alegre, 2001, p. 267

65 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Universidades Oficiais: natureza - regime e estrutura

cabíveis. Revista de Direito Público, nº73, jan/mar, 1985. p. 51.

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a indeclinável necessidade de que as universidades - instituições de cunho tão peculiar e original - sejam regidas por um quadro normativo específico para elas.

As características básicas das universidades, suas origens remotas, sua feição singular, seu projeto específico, seu sentimento autonômico - insuprimível, pois é condição elementar ao implementos das finalidades que a justificam - fazem-nas pessoas absolutamente inassimiláveis às demais descentralizações administrativas especializadas.

Por isso mesmo, seria completamente impróprio pretender que sua regência normativa reproduza características comuns encontradiças nas restantes autarquias e fundações.

Neste sentido, propunha o célebre administrativista, em 1985, a conformação

jurídica das universidades como corporações públicas ou corporações universitárias

com personalidade de direito público, resgatando a formação histórica da

universidade como corporações de ofício:

As universidades, por sua natureza, são entidades de substrato corporativo. Unificam uma categoria de pessoas unidas por fortes traços de identificação e nucleadas em torno de objetivos comuns. Tais pessoas - ao contrário do que se passa com as fundações - são componentes do substrato estrutural da entidade, internas à sua identidade lógica, apresentando o caráter de membros que a compõem. É inconveniente que o legislador as batize com rótulo designador de estrutura antinômica a que possuem (itens 43 a 49).

Convém, às universidades, a designação de corporações públicas ou corporações universitárias com personalidade de direito público, pois tal designação corresponde à natureza e à forma estrutural que lhes corresponde. Evita-se, assim, o uso de expressões comprometidas, como 'autarquia' - embora fosse tecnicamente correto nominá-las desta forma - ou 'fundação' - que é terminologia inadequada à índole destas pessoas, além de ensejadora de dúvidas doutrinárias sobre sua real natureza. Mais importante, todavia, que a forma estrutural é a adoção de um regime jurídico específico, adaptado ao tipo de atividade que desenvolvem e consagrador de ampla autonomia, respeitada sua categorização como pessoa de direito público (item 50)

66.

Nina Ranieri igualmente destaca que em razão da capacidade legislativa da

universidade pública em matéria didática, administrativa de gestão financeira e

patrimonial, "não é mais possível impor o desenho autárquico (ainda que qualificado

66

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Universidades Oficiais: natureza - regime e estrutura cabíveis. Revista de Direito Público, nº 73, jan/mar, 1985. p. 69.

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de 'especial') ou o fundacional" às mesmas67. Aduz, ainda, a autora68:

Por desfrutarem de autonomia, em oposição à auto-administração normalmente consentida às autarquias, o legislador ordinário desde 1968 atribuiu-lhes a denominação equívoca de 'autarquias de regime especial', no intuito de lhes assegurar certa liberdade na condução dos assuntos que lhes são afetos.

A autonomia não cabe, porém no modelo autárquico e tampouco no fundacional, forma jurídica também[em utilizada para a constituição de universidades no direito brasileiro.

A rigor, a recepção da autonomia universitária pela Constituição Federal exige a utilização de formas institucionais mais consentâneas à realidade jurídica que se encerra nas competências assim outorgadas às universidades estatais, realidade que as especializa no conjunto da administração pública e que lhes confere natureza particular: a de entes autônomos que, embora sob a égide do Estado, exercem poder político derivado e instrumental em matéria didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.

Alerta a autora, entretanto, que a configuração de uma nova figura jurídica

dependeria de lei complementar que lhe desse forma, além disso, poderia implicar

na perda dos privilégios autárquicos, especialmente as isenções tributárias e prazos

judiciais diferenciados conferidos às autarquias. Assim, a partir da argumentação de

que o direito público brasileiro aceita a existência de órgãos ou entidades

autônomas, faz analogia a outras instituições que possuem autonomia administrativa

prevista constitucionalmente em razão da proteção de determinados interesses,

como o Poder Judiciário, os municípios, os partidos políticos e as entidades

desportivas69.

A autonomia, entretanto, não pode ser interpretada como dispensa de controle

a respeito dos recursos transferidos às universidades, mostrando-se necessário o

estabelecimento de mecanismos de controle e de respeito aos princípios

administrativos mais caros aos entes públicos. Celso Antônio Bandeira de Mello já

67

RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de 1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 139.

68 RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de

1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 30-31.

69 RANIERI, Nina. Autonomia Universitária: As Universidades Públicas e a Constituição Federal de

1988. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. p. 138-139.

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alertava que "à ampliação da liberdade de se autogerirem corresponde

indeclinavelmente ampliação na responsabilidade de se conterem dentro dos limites

dotados70. No mesmo sentido, argumenta Adilson Abreu Dallari que "uma

universidade pública, não obstante dotada de autonomia, não deixa de ser um

instrumento de atuação do Poder Público e, como tal, não pode ficar imune aos

sistemas de controle criados para que a coletividade, o corpo de cidadãos, o povo,

faça prevalecer sua soberana vontade sobre a vontade de qualquer de seus

segmentos".71

Em busca de uma conformação jurídica mais apropriada aos escopos das

universidades públicas federais, que lhe proporcionasse maior flexibilidade e

agilidade de gestão, e meio a um contexto maior de privatização das atividades

públicas à iniciativa privada, foi inserido dentro do Plano de Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado de 1995 a proposta de transformação das universidades

federais em organizações sociais72. A proposta, entremeada a uma conjuntura de

expansão e delegação de atribuições estatais a entidades do terceiro setor, era tida

como a solução ideal pelos os formuladores do Plano Diretor.

A proposta de criação de universidades públicas sob a foram de organizações

sociais, entretanto, não se realizou, persistindo a criação de universidades sob o

regime autárquico como bem demonstram a Lei nº 12.189, de 12/01/2010, que cria a

Universidade Federal da Integração Latino-Americana - UNILA, e a Lei nº 12.289, de

20/07/2010, que cria a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-

Brasileira - UNILAB, que atribuíram a estas a personalidade jurídica autárquica.

Ao mesmo tempo, a busca por um regime jurídico que proporcionasse

agilidade e flexibilidade de gestão acabou sendo direcionado às fundações de apoio,

que se proliferaram e passaram a ser vistas como instrumentalizadoras da

autonomia administrativa, como pode ser extraído do Relatório contendo as "Bases

para o enfrentamento da crise emergencial das universidades federais e roteiro para

a reforma universitária brasileira", elaborada pelo Grupo de Trabalho Interministerial

70

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Universidades Oficiais: natureza - regime e estrutura cabíveis. Revista de Direito Público, nº 73, jan/mar, 1985. p. 57.

71 DALLARI, Adilson Abreu, Autonomia das Universidades Públicas, Revista Trimestral de Direito

Público. São Paulo: Malheiros Editores. nº 1, 1993. p. 283.

72 Vide nota de rodapé nº 32.

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no ano de 2003.73

A busca por maior flexibilidade e agilidade de gestão administrativa pela

administração pública, em especial das universidades como expressão de sua

autonomia administrativa, contextualizada a um ambiente histórico de expansão das

parcerias do estado com o terceiro setor no fim dos anos 1990, criaram as condições

que levaram a um ambiente propício à criação das fundações de apoio às

instituições federais de ensino superior. Para o desenvolvimento da pesquisa faz-se

necessário neste momento um maior detalhamento das bases e princípios referentes

ao Terceiro Setor.

73

Vide nota de rodapé nº 48.

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2 - Terceiro Setor

O enfraquecimento do Estado Liberal a partir do fim do século XIX pelo

surgimento e consolidação do Estado Social, especialmente após a Segunda Guerra

Mundial, teve por uma de suas principais consequências o aumento das atribuições

do Estado, que passou a ser responsável por diversos serviços públicos. O Estado

Social refletia uma preocupação da sociedade com a garantia aos direitos sociais e

econômicos e expunha a incapacidade da concepção de um Estado Liberal, pouco

intervencionista, em provê-lo aos cidadãos tendo por objetivo uma vida digna.

Exigia-se do Estado, assim, uma nova postura de maior intervencionismo, pois

apenas com sua iniciativa seria possível prover, de forma igualitária, os serviços

públicos necessários à implementação dos direitos sociais, uma vez que não se

mostravam atrativos à iniciativa privada.

Se por um lado foram obtidas conquistas no campo social com este novo

perfil de Estado, por outro lado, aumentou-se significativamente o custo do aparelho

estatal74. Todavia, a forma de organização estatal e de seus mecanismos de controle

permaneciam pensados para o Estado Liberal, sistemática que quando aplicada

indistintamente a todas as novas atividades estatais levou a um ineficiência do

Estado na prestação dos inúmeros serviços que se propôs a fazer. Com efeito, os

meios de controles típicos do Estado Liberal (inclusive o judicial) têm como norte a

preocupação da salvaguarda das liberdades individuais75, o que contribuiu para uma

ineficiência estatal e por consequência uma insatisfação generalizada pelo

descompasso entre a capacidade estatal para prover os serviços públicos e a

74

As mudanças não se restringiram à infraestrutura estatal, possuindo implicações no equilíbrio político dos próprios Poderes do Estado (concebida sob a luz das ideias liberais). Maria Sylvia Zanella argumenta que a atuação do Estado em todos os setores da vida social, além de colocar em risco a liberdade individual, também implica em desequilíbrio na separação dos poderes. Com efeito, o aumento das atribuições estatais e seu consequente aparelhamento implica em fortalecimento do Poder Executivo, que passa a ser visto também como fonte normativa já que a dinâmica da atuação do Estado em diversas funções não poderia ficar à mercê de um complexo e demorado procedimento legislativo, que passa a expedir decretos-lei e medidas provisórias, enfraquecendo o princípio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito. Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas - 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2008. p. 12.

75 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na administração pública: concessão, permissão,

franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas - 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2008. p. 13.

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velocidade exigida pela sociedade para implementação efetiva de seus direitos

sociais.

A oferta dos serviços públicos de forma universalizada tinha como principal

efeito o incremento do correspondente custeio do aparelho estatal, inclusive de

forma superior a sua capacidade. Consoante exposto por Silvia Faber Torres, "a

hipertrofia do Estado intervencionista, em especial em virtude do incremento da

oferta estatal de bens e serviços à sociedade, acabou por gerar um espetacular

aumento do gasto público, que afinal depauperou-o. Com isso, colocou-se em xeque

o desenvolvimento sem precedentes da dimensão centralizadora e intervencionista

do Estado, que tem hoje seu ciclo encerrado, ensejando, então, a modificação e o

reexame de determinados aspectos daquele poder. Com efeito, a debilidade

econômica do setor público e a sua notória incapacidade de satisfazer as demandas

sociais denotam ser imprescindível a devolução à sociedade do seu papel principal,

da sua iniciativa e da sua liberdade"76.

As consequências negativas levaram a uma nova concepção da forma de

atuação estatal, em que se conclama aos particulares que passem a atuar

conjuntamente com o Estado na busca pela implementação dos direitos sociais. Este

denominado Estado Pós-Social assume uma posição intermediária entre o

intervencionismo exacerbado do Estado Social e a intervenção mínima preconizada

pelo Estado Liberal. A implementação do direitos sociais permanece como uma

ordem ao Estado, todavia, sua forma de realização passa a depender da

colaboração de instituições não vinculadas ao aparelho estatal, formadas pela

associação de particulares (sem a finalidade de lucro), entendendo-se que esta

conformação proporcionará maior eficiência às atividades que o Estado

comprometeu-se a realizar.

Esta nova estruturação da forma cumprimento das funções estatais encontrou

no princípio da subsidiariedade seu esteio filosófico e, em conjunto com a ideia de

eficiência, representam uma tendência dentro da ordem jurídica, especialmente após

a introdução da força normativa aos princípios trazida pelo neoconstitucionalismo.77

76

(TORRES, Silvia Faber, O princípio da subsidiariedade no direito público contemporâneo – Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 2)

77 Em virtude da normatização dos princípios jurídicos no ordenamento, deve ser superada a visão da

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2.1. Princípio da Subsidiariedade

Formulado dentro da doutrina social da igreja a partir no fim do século XIX, e

presente em diversas encíclicas desde lá, o princípio da subsidiariedade, assim

como o Liberalismo, tem como base a limitação intervenção estatal, deixando aos

particulares exercerem as atividades por sua própria iniciativa. Todavia, esta

limitação da intervenção estatal não deve ser por demasiado reduzida tal qual no

Estado Liberal, vez que o Estado deve assegurar a implementação das garantias

sociais, de forma igualitária e universalizada aos cidadãos.

O princípio da subsidiariedade fundamenta uma proposta intermediária entre

a intervenção estatal e o estado mínimo, surgindo "como algo de novo entre a

intervenção total do Estado e a supressão da autonomia privada e o Liberalismo

clássico e sua política de intervenção mínima do Estado"78. Ao Estado competiria,

assim, "as atividades que lhe são próprias como ente soberano, consideradas

indelegáveis ao particular (segurança, defesa, justiça, relações exteriores,

legislação, polícia); e devem ser regidas pelo princípio da subsidiariedade as

atividades sociais (educação, saúde, pesquisa, cultura, assistência) e econômicas

(industriais, comerciais, financeiras), as quais o Estado só deve exercer em caráter

supletivo da iniciativa privada, quando ela for deficiente".79

lei apenas sob a perspectiva formalista, de que a Administração Pública deve apenas um respeito formal à lei. O desempenho da função administrativa deve respeitar o ordenamento como um todo, inclusive os princípios - explícitos ou implícitos - contidos na ordem jurídica. Desta maneira, da leitura do ordenamento como um todo, pode-se extrair que o interesse público deixa de ter perfil utilitarista e passa a embutir uma ideia de justiça social, com uma atuação estatal para redução das desigualdades sociais. Nas palavras de Maria Sylvia Zanella di Pietro: "Em verdade, procura-se substituir a ideia de estado Legal, puramente formalista, por um Estado de Direito vinculado aos ideais de justiça. Pretende-se submeter o Estado ao Direito e não à lei em sentido apenas formal. Daí hoje falar-se em Estado Democrático de Direito, que compreende o aspecto da participação do cidadão (Estado Democrático) e o da justiça material (Estado de Direito)." Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas - 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2008. p. 15.

78 ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 13-14.

79 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na administração pública: concessão, permissão,

franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas - 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2008. p. 19-20.

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Pelo princípio da subsidiariedade, deve ser dada primazia à iniciativa privada,

competindo ao Estado fomentá-la, coordená-la e fiscalizá-la, proporcionando aos

particulares sucesso na condução de seus empreendimentos, podendo inclusive

atuar em parceria entre o público e o privado quando a iniciativa privada for

deficiente.80

Princípio da subsidiariedade atua como diretriz em uma forma de distribuição

de competências entre os indivíduos, os grupos sociais e o Estado, de forma a gerar

um equilíbrio entre a ideologia interventiva e a supressora do Estado. Nas palavras

da autora Silvia Faber Torres81:

Concebido, inicialmente, pela doutrina social da Igreja Católica, que o tem como verdadeiro princípio de justiça, o princípio da subsididariedade foi transposto para o direito público, acolhendo-o oportunamente a doutrina publicística como um dos suportes doutrinários aptos a definir a repartição de competência entre o ente maior e o ente menor, sendo utilizado, atualmente, para fundamentar uma nova concepção de Estado e indicar parâmetros constitutivos diversos ao poder público cujo poder é delimitado ao fito de se resguardarem a liberdade, a autonomia e a dignidade humana.

O princípio da subsidiariedade ressurge, enfim, como justificativa de um Estado 'subsidiário', em alternativa ao Estado de Bem Estar Social ou Providencial, valorizando a relação coordenada e integrada das instâncias pública e privada e exigindo que se atribuam as responsabilidades públicas às autoridades mais próximas dos cidadãos. Tem, ainda, por elemento primordial, a descentralização, enquanto coíbe a atribuição à autoridade

centralizada de tarefas que a entidade menor pode realizar por si mesma.

80

"No âmbito interno, o princípio da subsidiariedade esta na própria base da nova concepção do Estado de Direito Social e Democrático, ou seja, de um Estado em que os direitos fundamentais do homem já não constituem apenas uma barreira à atuação do Estado, como se via no período liberal, mas constituem a própria razão de ser do Estado. Cabe a este promover, estimular, criar condições para que o indivíduo se desenvolva livremente e igualmente dentro da sociedade; para isso é necessário que se criem condições para a participação do cidadão no processo político e no controle das atividades governamentais." Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas - 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2008. p. 15-16.

81 A respeito da dupla perspectiva de limitação de poder estatal e ao mesmo tempo de fomentador

das atividades privadas, complementa a autora Silvia Faber Torres a respeito do princípio da subsidiariedade: "É informado, em qualquer domínio em que se aplica - político, social e econômico -, por um aspecto negativo, segundo o qual uma entidade superior não deve realizar os interesses da coletividade inferior quanto esta puder supri-los por si mesma de maneira mais eficaz, e por um outro positivo, pelo qual somente cabe a ente maior atuar nas matérias que não possam ser assumidas, ou não o possam de maneira mias adequada, pelos grupos sociais menores. Dessa dupla perspectiva, extrai-se o paradoxo a ele inerente, qual seja, de impor limites à ação do Estado tornando indispensável, contudo, a ajuda e o estímulo daquela sociedade maior". TORRES, Silvia Faber, O princípio da subsidiariedade no direito público contemporâneo – Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 267-269.

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Para a autora, a grande virtude do princípio estaria em elevar a sociedade civil

a primeiro plano na estrutura organizacional do Estado. O próprio Estado, nesse

contexto, passa a ser uma entidade a serviço do organismo social, assumindo um

papel de auxiliar - e não substituir - os entes sociais quando incapazes de suprir

suas próprias necessidades. São reforçadas as ideias de cidadania ativa e

solidariedade pressuposto da subsidiariedade.

A autora Maria Sylvia Zanella di Pietro elenca diversas tendências que

decorrem da aplicação da subsidiariedade, como (i) a diminuição do Estado pelo

instrumento da privatização82; (ii) a multiplicação dos interesses a serem protegidos

em uma sociedade pluralista, com a ampliação do conceito de interesse público

como representativo dos vários setores da sociedade, o que implica na necessidade

da ampliação da atividade administrativa de fomento; (iii) o crescimento da atividade

de fomento e das parcerias do setor público com o privado; (iv) a

desregulamentação da economia, diminuindo a intervenção estatal porém

impedindo-se monopólio, atuando principalmente no campo dos serviços públicos,

como os de transporte e telecomunicações; (v) a mudança no conceito de interesse

público, que passa a ser entendido como o interesse dos cidadãos (interesse público

primário) e não o da máquina administrativa (interesse público secundário).

Como exposto, o princípio da subsidiariedade, ao ser transposto para a

ciência jurídica, traduziu-se no fundamento para a construção de um novo contorno

do papel estatal do desempenho das atividades de interesse público no Estado

Social. Neste Estado Pós-Social, o Poder Público, ao invés de ser provedor dos

serviços sociais, estimula a iniciativa privada para que as realizem, por intermédio do

fomento estatal.

82

Segundo a autora, a privatização empreendida pelo Estado brasileiro a partir da década de 80 foi movida por fatores de ordem financeira, jurídica e política: "Financeira, pelo intuito de diminuir os gastos públicos com empresas estatais deficitárias, de cujos riscos financeiros o Estado participa; jurídica, pela necessidade de retornar a formas de gestão privada dos serviços públicos, sem os controle excessivos e os formalismos próprios da Administração centralizada, que tanto emperram a atividade das empresas estatais; e política, pela presença da inspiração neoliberal, que aconselha a substituição do Estado pela iniciativa privada, por ser ela mais apta a gerir atividades comerciais e industriais. E mesmo em países de inspiração socialista, a mesma tendência se verificou, por razões de 'pragmatismo político' (cf. Lucien Rapp, 1986:8-15). Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas - 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2008. p. 17-21.

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2.2. Atividade Estatal de fomento

Dentro do contexto do Estado Pós-Social, e da aplicação do princípio

subsidiariedade, há o identificação e o reconhecimento de que algumas atividades

da iniciativa privada satisfazem interesses públicos e que, portanto, devem ser

incentivadas para que sejam efetivadas em todo seu potencial. Estas atividades

passam a ser estimuladas pelo Estado dentro da atividade estatal de fomento,

atuando de forma a coordenar quais dessas atividades devem ser priorizadas. Nas

palavras de Silvia Faber Torres:

Toda atividade de fomento efetuada pela Administração erige-se sobre o suposto de que existem atuações privadas que satisfazem interesses públicos e que, por isso, devem ser por ela instigadas e subsidiadas. Com efeito, o Estado já não monopoliza o processo de realização das necessidades de interesse geral, mas o dirige e, sobretudo, o incita, imprimindo, com essa missão, mobilidade à sociedade, à liberdade social e à iniciativa privada, sem absorvê-los, por um lado, e sem abdicar de suas competências, por outro.

83

Silvio Luís Ferreira Rocha, em definição cunhada a partir dos ensinamentos

de Hector Jorge Escola, define a atividade administrativa de fomento "como a ação

da Administração com vista a proteger ou promover as atividades estabelecimentos

ou riquezas dos particulares que satisfaçam necessidades públicas ou consideradas

de utilidade coletiva sem o uso da coação e sem a prestação de serviços públicos;

ou; mais concretamente; a atividade administrativa que se destina a satisfazer

indiretamente certas necessidades consideradas de caráter público, protegendo ou

promovendo; sem empregar coação, as atividades dos particulares".84

83

Complementa a autora: "Das funções do Estado a mais afeta ao princípio da subsidiariedade é, por certo, o fomento público. Aliás, repise-se, aí que está o busílis da doutrina subsidiária, que não afasta a intervenção administrativa mas impõe sua realização, preferentemente, sob a modalidade de fomento, conferindo, portanto, total prioridade a essa função como alento ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade." TORRES, Silvia Faber, O princípio da subsidiariedade no direito público contemporâneo – Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 164-165.

84 ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 19

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A vantagem do fomento em face da atividade prestação de serviço público

seria a contenção da expansão do aparelho estatal, vez que busca alcançar as

finalidades e objetivos específicos da Administração Pública indiretamente, por

intermédio da atuação dos particulares. A intervenção, todavia, não é coativa e a

atividade dos particulares é prestada por própria decisão dos mesmos. A

Administração Pública apenas direcionará, por intermédio do fomento estatal, esta

iniciativa dos particulares para as atividades que entende que deverão ser

priorizadas em razão do interesse público. O fomento, assim estimula uma postura

de cidadania pró-ativa, incentivando os particulares a desenvolverem atividades em

prol da coletividade85.

O fomento estatal pode ser classificado em positivo ou negativo, à medida

que estimula ou desestimula a vontade dos particulares por intermédio da concessão

ou retirada de benefícios, podendo assim classificá-lo em fomento positivo ou

fomento negativo. Em apertada síntese, o fomento positivo ocorre quando o Poder

Público oferece vantagens para que os particulares desenvolvam as atividades de

interesse coletivo; por sua vez, no fomento negativo, o Poder Público desestimula

que os particulares desenvolvam atividades que deseja diminuir ou fazer cessar, por

entendê-las contrárias ao interesse geral86.

Fomento positivo é aquele que objetiva que os particulares iniciem, prossigam, acentuem ou levem a termo, de maneira determinada, certas

85

ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 20-21.

86 Segundo o autor, as citadas vantagens, ainda podem ser classificadas em honoríficas, econômicas

e jurídicas. Alerta o autor, contudo, a inadequação técnica desta classificação, tendo em vista que por o fomento encontrar-se previsto em norma, as vantagens honoríficas e econômicas não deixariam de ser jurídicas. O fomento honorífico atuaria sobre o sentimento de honra dos particulares, promovendo ou acentuando o exercício de certas atividades de interesse público pelos particulares mediante a outorga de títulos e distinções. O fomento econômico consistiria na outorga de vantagens patrimoniais a pessoas ou entidades para que realizem determinada atividade de interesse público. Pode ser viabilizada tanto pela prestação e dação de bens e serviços ao particular (fomento econômico real), como pela concessão de vantagem financeiras (fomento econômico financeiro), que por sua vez podem consistir no desembolso de recursos pela Administração (fomento econômico financeiro direto) ou pela renúncia de receita em seu tesouro (fomento econômico financeiro indireto). Nestes dois últimos fomentos, o instrumento mais utilizado é a subvenção, definida por Hector Jorge Escola como "todo tipo de auxílio econômico, direto ou indireto, outorgado pela Administração". No tocante ao fomento jurídico, este atuaria sobre a condição jurídica dos particulares fomentados e consistiria na outorga de condição privilegiada a determinadas pessoas que, indiretamente, cria para elas diversas vantagens econômicas, como pela dispensa, isenção ou suspensão de proibições estabelecidas pelas leis e regulamentos. ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 22-27.

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atividades, mediante o oferecimento pela Administração de vantagens, prestações ou bens. Fomento negativo é aquele que objetiva obstaculizar ou desalentar os particulares a que desenvolvam atividades que a Administração deseja diminuir ou fazer cessar, por considerá-las contrárias ao interesse geral, sem chegar a proibi-las, como os impostos que oneram as bebidas alcoólicas e os cigarros.

87

Como toda a atividade administrativa, o fomento deverá submeter-se ao

regime jurídico administrativo, com previsão legal, vez que submetido aos princípios

da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, motivação,

igualdade e da finalidade, entre outros88.

2.3. Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estatal

Consoante exposto ao final do capítulo anterior, o Estado Brasileiro não ficou

imune às tendências globalizantes dos anos 1990. A consolidação do movimento de

globalização da economia gerou uma reflexão doutrinária a respeito do papel do

Estado na sociedade e os serviços públicos que deve gerir89.

87

ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 21-22. 88

ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 27-31.

89 Bem explica a irresistível coerção efetuada pelo movimento neoliberal Ricardo Marcondes Martins:

"Em 1947 Friedrich August Hayek e um grupo de intelectuais - dentre eles Milton Friedman - criaram a Mont Pelerin Society, entidade voltada à defesa do que ficou conhecido como neoliberalismo. Eles defendiam, em síntese, as posições dos economistas liberais, Adam Smith e John Stuart Mill: pregavam que o Estado deveria intervir o mínimo possível na economia. Friedman era professor da Universidade de Chicago, local que se tornara o maior pólo acadêmico do neoliberalismo. Nela vários economistas e juristas tornaram-se discípulos de Friedman, dando origem à chamada Escola de Chicago ou Escola Neoclássica da Economia. (...). A Escola de Chicago possui uma característica marcante: a pretensão de universalização. Não bastava implementar o projeto neoliberal nos Estados Unidos e na Inglaterra: quiseram implementá-lo no mundo. (...). Deveras, passaram a difundir seu projeto neoliberal pelo mundo, e o fizeram de duas maneiras: pelo convencimento e pela imposição. Para convencer os demais Países a adotar os projetos neoliberais, a escola de Chicago necessitou de uma gigantesca campanha de marketing, a qual foi chamada de globalização. (...). Demais disso, para impor o projeto neoliberal, os Estados Unidos valeram-se das instituições financeiras internacionais. Em 1989 reuniram-se em Washington economistas funcionários do Fundo Monetário Internacional/FMI, do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento/BID e do Governo Norte-Americano, convocados pelo Institute for International Economics - uma entidade privada - para avaliar as reformas econômicas que deveriam ser implementadas na América Latina, evento que recebera o nome Latin Americ Adjustment: How Much has Happened? John Willianson, Diretor do Instituto e promotor do encontro, apresentou 10 pontos tidos como consensuais entre os participantes e chamou as conclusões de Consenso de Washington. As três instituições financeiras passaram a condicionar os empréstimos financeiros ou a renegociação das dívidas externas à assunção do compromisso de cumprir as 10 propostas. O Consenso de Washington foi, nesses termos, o meio de difusão do neoliberalismo pela imposição. Enquanto a difusão nos Países ocidentais europeus dava-se exclusivamente pelo convencimento, pelo marketing da globalização, a difusão nos Países pobres contava com esse importante adicional: a imposição efetuada pelas

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Assim, a partir do governo Fernando Collor é empreendido um movimento de

redução significativa da participação do Estado na atividade econômica, por

intermédio da privatização de bens do Estado, a desestatização de setores

econômicos e a desregulamentação de atividades econômicas90.

Dentro deste contexto, inicia-se um debate a respeito do princípio da

subsidiariedade e da atuação da sociedade civil organizada em áreas sociais. A

justificativa é a de uma suposta inaptidão do serviço público estatal em fornecer os

serviços que a sociedade demanda e que podem ser melhor prestados pela

sociedade.

Em 1995 é formulado pelo governo federal o Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado. O Plano pretendia transpor a Administração Pública Federal de

um sistema burocratizado, com instrumentos de controle formais e a priori, focado na

gestão dos processos, para um administração pública gerencial, baseada no

controle de resultados. A diferença fundamental entre esses dois sistemas de gestão

reside na "flexibilização de procedimentos e na alteração quanto à forma de controle,

que deixa de ser formal e passa a ser de resultados".91

instituições financeiras internacionais". MARTINS, Ricardo Marcondes. A regulação administrativa à luz da Constituição Federal. Malheiros, São Paulo: 2011. p. 154-161.

90 Neste sentido, Marcos Juruena Vilela Souto conceitua os citados três institutos jurídicos:

Desestatização "é a retirada da presença de atividades reservadas constitucionalmente à iniciativa privada (princípio da livre iniciativa) ou de setores em que ela possa atuar com maior eficiência (princípio da economicidade); é o gênero, do qual são espécies a privatização, a concessão e a permissão". Desregulamentação "é a redução do volume de normas limitadoras da atividade econômica, de modo a reduzir os entraves burocráticos que elevam os preços das transações; ocorre através da desburocratização e da regulação, caracterizada esta como a atribuição legal de poderes a um órgão independente (agência de regulação) para estabelecer diretrizes, dentro de um marco previamente definido, a partir das quais dar-se-á a mediação e arbitragem de conflitos de interesses entre o Poder Público e a empresa particular e entre estes e os usuários de serviços públicos e demais titulares de interesses difusos". Privatização "é a mera alienação de direitos que assegurem ao Poder Público, diretamente ou através de controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade, Privatiza-se o que não deve permanecer com o estado, quer por violar o princípio da livre iniciativa (CF, art. 173), quer por contrariar o princípio da economicidade (CF, art. 70)". SOUTO, Marcos Juruena Villela. Desestatização, Privatização, Concessões e Terceirizações. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1997. p. 54-55. apud ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 32.

91 Bem sintetiza as diferenças entre a administração pública burocrática e a gerencial a autora. Maria

Sylvia Zanella di Pietro, em sua obra Parcerias na Administração Pública: "A chamada administração pública burocrática teria sido concebida na segunda metade do século XIX, na época do Estado Liberal, como forma de combater a corrupção e o nepotismo patrimonialista. Ela se baseia nos princípios da profissionalização, organização em carreira, hierarquia funcional, impessoalidade, formalismo. Os controles são formais e a priori. Como a ideia inspiradora desse tipo de organização é combater a corrupção e o nepotismo, parte-se de uma desconfiança prévia em relação aos administradores públicos. Daí a necessidade de procedimentos rígidos para seleção de pessoal, para

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Igualmente, o plano previa a descentralização de atividades aos particulares

pela administração de patrimônios públicos. Consoante Silvio Luís Ferreira da

Rocha:

A proposta do Plano Diretor da reforma do Aparelho do Estado completa-se com a admissão, ao lado da propriedade estatal e da propriedade privada, da denominada propriedade pública não-estatal de bens e serviços, a ser utilizada pelas organizações sem fins lucrativos. Ao setor de serviços não-exclusivos de atuação do Estado deve corresponder a propriedade pública não-estatal; e, por essa razão, bens e serviços de titularidade do Estado são transferidos a organizações sem fins lucrativos e de direito privado, por intermédio de um processo denominado publicização.

92

Este cenário é propício à proliferação de diversas organizações não

governamentais, visto que a atividade de fomento do Estado passa a ser um dos

pilares da reforma da Administração Pública na década de noventa, estimulando um

sensível crescimento do terceiro setor. A proliferação de parcerias com as

Organizações Sociais, especialmente para gestão de equipamentos de saúde,

entretanto, gera abalizadas críticas junto à doutrina administrativa, pois representaria

uma privatização indireta dos serviços públicos93.

celebração de contratos, para exercício do controle. Alega-se que o controle é voltado, internamente, para a própria Administração, sem grande preocupação com a eficiência na prestação dos serviços públicos ao cidadão, chamado de cidadão-cliente. Já a administração pública gerencial 'emerge na segunda metade do século XX, como resposta, de um lado, à expansão das funções econômicas e sociais do Estado e, de outro, ao desenvolvimento tecnológico e à globalização da economia mundial, uma vez que ambos deixaram à mostra os problemas associados à adoção do modelo anterior. A eficiência da administração pública - a necessidade de restringir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como beneficiário - torna-se então essencial. A reforma do aparelhamento do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores de eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações. (...). E há uma mudança na forma de encarar o interesse público. Na administração burocrática - alega-se-, o interesse público muitas vezes se confunde com o interesse do próprio aparelhamento administrativo, de tal forma que os recursos públicos são utilizados e as atividades são exercidas prioritariamente em benefício do próprio aparelhamento e de seus servidores. Já a administração gerencial deve ser voltada para o cidadão. Daí a preocupação com o controle de resultados. Não interessa se os meios ou procedimentos são os melhores; os fins é que são importantes." DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas - 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2008. p. 31-32.

92 ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 34.

93 Neste sentido, alerta Norberto Pasquatti: ―Assim como o Governo Federal, com as privatizações,

pretendeu estimular a migração de várias de suas atividades empresariais do Governo, ou seja, do Primeiro Setor, para o Segundo Setor (Entidades Privadas com fins lucrativos), da mesma forma, a Lei nº9.637 busca descentralizar do Primeiro Setor para o Terceiro Setor (entidades Privadas sem fins

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Com a multiplicação das parcerias do Estado com as organizações sociais,

inicia-se um aprofundado debate a respeito das implicações desta atuação conjunta

entre o Poder Público e entidades que desenvolvem atividades de interesse público

sem finalidade de lucro, integradas ao denominado Terceiro Setor.

2.4. Terceiro Setor

Até recentemente a ordem sociopolítica apenas compreendia dois setores: o

público (Estado, Administração Pública e sociedade) e o privado (Mercado, iniciativa

particular e os indivíduos). A partir dos anos setenta, por sua vez, começou a se

firmar um setor que se situa em uma posição intermediária entre os mesmos,

constituído por organizações privadas com adjetivos públicos e prestadoras de

serviços de interesse social sem as limitações do Estado, nem sempre evitáveis, e

as ambições do Mercado, muitas vezes inaceitáveis. O citado Setor seria constituído

pelas sociedades civis sem fins lucrativos, as associações civis e as fundações de

direito privado, conceituando o citado autor o Terceiro Setor "como o conjunto de

organismos, organizações ou instituições dotados de autonomia e administração

própria que apresentam como função e objetivo principal atuar voluntariamente junto

à sociedade civil visando ao seu aperfeiçoamento". 94

lucrativos, que preenchem certos requisitos) as atividades sociais. (…) Por sua administração necessariamente composta, em parte, por representantes do Governo, podemos comparar as Organizações Sociais a uma espécie de 'Sociedade de Economia Mista' do Terceiro Setor. Aí justamente incide a principal crítica a esse tipo de entidade, pois dificilmente poderão elas adotar procedimento operacionais mais dinâmicos em relação aos procedimentos burocráticos estatais‖ PANTALEÃO, Leonardo (org.). Fundações Educacionais. São Paulo, Atlas, 2003. p. 25-26.

94 PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis e tributários. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 55-56. O autor ao traçar um retrospecto histórico do Terceiro Setor, indica uma tradição maior dos países de formação protestante na constituição de entidades filantrópicas e organização da sociedade civil. Segundo o autor, "desde os primórdios da colonização, a construção da Igreja Protestante era sempre uma das primeiras preocupações dos colonos. E, depois de construída, ela funcionava como escola para as crianças, centro comunitário e instância de resolução de conflitos. Ao forte sentido de iniciativa individual das pessoas, aliava-se uma grande capacidade de associação das mesmas para a consecução de objetivos comuns e de auto-ajuda. A influência iluminista e o pagamento do dízimo entre os protestantes, aliado à noção religiosa segundo a qual é com 'boas ações' que se conquista o 'Reino do Céus' evoluiu para uma noção de responsabilidade do indivíduo para com os assuntos da comunidade em geral". No Brasil, por sua vez, o Terceiro Setor teria origem a partir das décadas de 1960 e 1970 a partir das "comunidades de base": "Devemos à Igreja e a outros setores cristãos progressistas a introdução desse tipo de organização no país. Juntamente com o trabalho pastoral

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Diante do dualismo existente entre identificar o Estado isoladamente como

primeiro setor e o Mercado como segundo setor, o Terceiro Setor, por exclusão,

ficaria identificado como a sociedade civil95. A setorialização da economia entre os

entes, Estado, Mercado e Sociedade, entretanto, está longe de uma uniformidade96.

alicerçado nas 'comunidades de base', entrou em circulação no Brasil uma visão política da maior importância: a ideia, o projeto de organizar e articular a sociedade pela base, independentemente dos partidos políticos existentes. (...). Foi assim que surgiram as organizações privadas de defesa do interesse público no país, e o nosso tradicional assistencialismo começou a dar lugar ao que estamos chamando de Terceiro Setor". op. cit. p. 60-61.

95 - A respeito da definição dos setores econômicos e a inclusão de até mesmo um quarto e um quinto

setor, discorrem os autores Airton Graziolli e Edson José Rafael: ―Como é de conhecimento geral, a economia de um país é dividida em primeiro, segundo e terceiro setores. Admitimos, ainda, hipoteticamente, a existência do quarto e do quinto setores. O Primeiro Setor econômico de um país é sempre o governamental. No Brasil, é a Administração Pública, dividida em vários órgãos, com a finalidade de gerir, guardar, conservar e aprimorar todos os bens, interesses e serviços da coletividade, para bem servir a todos os cidadãos. O setor produtivo de todo país, essencialmente capitalista é o denominado Segundo Setor. Nele estão insertos as indústrias, todas as empresas comerciais, as entidades agrícolas, o conglomerado de construção civil, comercial ou habitacional, enfim, todo setor de produção com objetivo eminentemente lucrativo. Já o Terceiro Setor é aquele no qual estão inseridas as fundações privadas e as associações de interesse social, que perseguem o bem comum da coletividade, com marcante interesse público. (…). São poucos os autores que atribuem a característica de independência ao Terceiro Setor, sob o argumento de que, além da dependência econômica em relação aos outros setores da economia, já outro problema sob o ponto de vista jurídico, uma vez que já existe a clássica divisão do Direito em dois grandes ramos: o público e o privado, e o Terceiro Setor deve se enquadrar num ou noutro. De fato, o Terceiro Setor está totalmente atrelado aos outros setores da economia. O investimento por parte das empresas culmina na existência de maior número de empregos e dinheiro no mercado (Segundo Setor), o que indiretamente eleva o nível de arrecadação governamental (Primeiro Setor). Mas ainda que dependa do Poder Público, o Terceiro Setor não pode ser considerado como pertencente ao Primeiro Setor, tendo em vista que ão se enquadra nas suas regras. Dessa maneira, o Terceiro Setor é uma categoria à parte, com finalidades voltadas quase que exclusivamente ao atendimento da sociedade, em projeto sociais e culturais‖. Por fim, refletem os autores, a respeito dos hipotéticos quarto e quinto setores: ―O Quarto Setor refere-se à economia informal, que tem crescido sobremaneira nos países em desenvolvimento, mormente pela falta de oportunidade de emprego nos grandes centros urbanos. Tal fato é atribuído a vários fatores, dentre eles, os mecanismos de proteção aos trabalhadores, que, numa vã tentativa de proteger o trabalhador empregado, acabaram contribuindo ainda mais para o desemprego, uma vez que as empresas não querem arcar com todos os custos trabalhistas garantidos pela legislação. Já o Quinto Setor, mera criação hipotética, é aquele o qual se incluem todas as pessoas em condições de miserabilidade, excluídas da sociedade‖. GRAZIOLI, Airton e RAFAEL, Edson José. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2009. p. 5-6.

96 Tarso Cabral Violin questiona a setorialização Estado-Mercado-Sociedade: "discute-se também se

realmente o Estado seria o primeiro setor, o mercado o segundo setor e sociedade civil o 'terceiro setor'. Romeu Felipe Bacellar Filho tem ressalva em relação ao termo e observa que se existe um setor intermediário entre o Estado (primeiro) e o mercado (segundo), este não seria um 'terceiro setor'. Carlos Nelson Coutinho é claro ao analisar que o neoliberalismo e o ideário do 'terceiro setor' alimenta a ideia de que a sociedade civil é algo além do Estado e do mercado. Para ele não é, sociedade civil é Estado, é política. Para Carlos Montaño, utilizando os ensinamentos de Engels e informando que Rifkin tem a mesma posição, o 'terceiro setor' na verdade seria o 'primeiro setor', pois este é identificado como sociedade civil, é ela que produz sobre as demais esferas'. Conforme Simone de Castro Tavares Coelho, para a maioria dos autores norte-americanos, o mercado é o primeiro e o governo é o segundo setor, pois o mercado foi o primeiro a se constituir historicamente." VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro Setor e as parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica. Belo Horizonte: Forum, 2006. p. 128-129. Prossegue o autor, elencando diversos sinônimos ao que se entende por Terceiro Setor: "Note-se que há várias outras designações para este 'setor', como

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Não há consenso na doutrina a respeito do conceito de Terceiro Setor,

confundindo-se sua definição com a identificação da natureza dos entes o compõem

ou identificando-se o setor com as atividades desenvolvidas por estas entidades97,

tendo-se como praxe entender por Terceiro Setor o conjunto dos entes situados

entre os setores estatal (Primeiro Setor) e empresarial (Segundo Setor)98, constituído

pelas pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, voltadas a consecução

dos direitos sociais, que colaboram com o Estado e por isso dele recebem um

especial regime jurídico. Neste sentido, Maria Sylvia Zanella di Pietro:

Os teóricos da Reforma do Estado incluem essas entidades no que denominam de terceiro setor, assim entendido aquele que é composto por entidades da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos; esse terceiro setor coexiste com o primeiro setor, que é o Estado, e o segundo setor, que é o mercado. Na realidade, ele caracteriza-se por prestar atividade de interesse público, por iniciativa privada, sem fins lucrativos; precisamente pelo interesse público da atividade, recebe proteção e, em muitos casos ajuda por parte do Estado, dentro da atividade de fomento; para receber

'setor não lucrativo' (non profit sector), 'setor de utilidade pública', 'economia social' (utilizado na França, onde, em vez de 'troisième secteur', os franceses chamam de 'troisième système'), 'setor público não estatal', 'setor voluntário' (voluntary sector, nos países anglo-saxões), 'setor independente' (independente sector), 'organizações não lucrativas' (também no países anglo-saxões), organizações não governamentais (nos países periféricos e semi-perifáricos), sociedade civil organizada, organizações voluntárias, etc". op. cit. p. 130-131.

97 Tarso Cabral Violin, elenca sinteticamente algumas definições sobre terceiro setor: "Boaventura de

Souza Santos define 'terceiro setor' como 'uma designação residual e vaga como que se pretende dar conta de um vastíssimo conjunto de organizações sociais que não são nem estatais nem mercantis', 'privadas', que 'não visam fins lucrativos', e são 'animadas por objectivos sociais, públicos ou colectivos'. Pra Gustavo Henrique Justino de Oliveira 'terceiro setor' é o conjunto de atividades voluntárias desenvolvidas por organizações privadas não-governamentais e sem ânimo de lucro (associações e fundações), realizadas em prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora deles possa firmar parcerias e receber investimentos (públicos e privados). José Eduardo Sabo Paes conceitua 'terceiro setor' como 'o conjunto de organismos ou instituições sem fins lucrativos dotados de organismos ou instituições sem fins lucrativos dotados de autonomia e administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar voluntariamente junto à sociedade visando ao seu aperfeiçoamento'. Conforme o autor e os demais defensores do ideário do 'terceiro setor', este não faz parte nem do 'primeiro setor', que seria o Estado, nem do 'segundo setor', que seria o mercado, composto por entes privados com fins lucrativos ou empresariais. Vital Moreira trata da tripartição dos setores econômicos: o setor privado, o setor público e o 'terceiro setor', este último um híbrido dos setores público e privado, 'um sector intermediário entre o Estado e mercado', um produto do descomprometimento do Estado em relação aos serviços públicos que a teoria do Estado-providência e do Estado social tinham acarretado e que a voragem neoliberal dos anos 80 veio repelir; do emagrecimento do setor público e da assunção de tarefas públicas por entidades privadas. Leandro Marins de Souza ensina que 'o Terceiro Setor é toda ação, sem intuito lucrativo, praticada por pessoa física ou jurídica de natureza privada, como expressão da participação popular, que tenha por finalidade a promoção de um direito social ou seus princípios." VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro Setor e as parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica. Belo Horizonte: Forum, 2006. p. 117-118.

98 ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 13.

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essa ajuda, tem que atender a determinado requisitos impostos por lei que variam de um caso para outro; uma vez preenchidos os requisitos, a entidade recebe um título, como o de utilidade pública, o certificado de fins filantrópicos, a qualificação de organização social. Esse tipo de entidade existe desde longa data, mas agora está adquirindo feição nova, especialmente com a promulgação da Lei nº9.790, de 22-3-99, que dispõe sobre as organizações da sociedade civil de interesse público. Normalmente, celebram convênio com o poder público, para formalizar a parceria.

99

É importante frisar que a Constituição Federal, apesar de não utilizar o termo

Terceiro Setor, em diversas partes de seu texto faz referência aos entes que a

constituem, como entidades beneficentes de assistência social (CF 195, §7º),

entidades filantrópicas (CF 199, §1º), entidades sem fins lucrativos (CF 199, §1º),

entidades beneficentes (CF 204), entidades de assistência social (CF 150, VI, d),

escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas (CF 213)100.

Entre as causas que levaram à proliferação das entidades integrantes do

Terceiro Setor, acarretando um ganho de importância destas na sociedade,

encontra-se a dificuldade do Estado em suprir as necessidades da coletividade, em

especial os serviços sociais.

No tocante às áreas de pesquisa e educação, destacam-se entre as entidades

do terceiro setor as fundações de apoio das instituições públicas universitárias, a

princípio, atuando como suporte ao incremento das atividades de ensino e

especialmente à pesquisa, por intermédio do patrocínio de bolsas de pesquisa e

prêmios, bem como financiamento de projetos de pesquisas e aparelhamento de

laboratórios101. A questão das fundações de apoio e sua participação junto às

99

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. ed. São Paulo: Atlas, 2007. No mesmo sentido, Silvio Luís Ferreira da Rocha: "Dentre os grupos intermédios que integram a sociedade e se colocam entre o indivíduo e o Estado temos a proliferação das entidades sem fins lucrativos, denominadas, também, de Terceiro Setor (aquele que se coloca entre os clássicos setores empresarial e estatal). Para que estes grupos intermédios atendam aos requisitos da subsidiariedade há necessidade de que eles - os entes intermédios - sejam autônomos; atendam às sua finalidades específicas; atuem com subordinação às exigências do bem comum; e realizem suas operações em colaboração mútua". ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 15.

100 VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro Setor e as parcerias com a Administração Pública: uma análise

crítica. Belo Horizonte: Forum, 2006. p. 130.

101A respeito da participação das fundações de apoio no desenvolvimento das atividades

universitárias, discorreu Norberto Pasquatti: ―As fundações de apoio ampliam a capacidade de relação da universidade com a comunidade. Registra-se ainda a questão de a Universidade Pública ser adstrita, em sua contabilidade, à inflexibilidade de um plano de contas de contabilidade pública. É

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universidades federais será melhor desenvolvida em item próprio deste trabalho.

É importante destacar, todavia, que com a ampliação da atividade de fomento

do Estado há também uma maior dependência das instituições do terceiro setor ao

financiamento público. Sem embargo, é importante destacar que diversas atividades

realizadas por entes do Terceiro Setor não seriam viáveis sem o auxílio estatal pelas

diversas formas de fomento. A dependência financeira destas instituições junto ao

Poder Público, desta forma, aproxima tais instituições do Regime Jurídico Público,

diante do fato que devem prestar contas de sua utilização todos aqueles que

recebem recursos públicos. O fato de firmarem instrumentos contratais ou de

convênio com a Administração Pública submeteria tais entes a regras típicas da

administração pública, atuando em parceria à Administração Pública na execução

das atividades de interesse público que lhes foram confiadas.

2.5. A expressão Paraestatal

No âmbito da ciência do direito administrativo, as entidades do terceiro setor

são associadas ao conceito de instituições paraestatais. A princípio, costuma-se

empregar o termo entidade paraestatal para designar entidades que caminham ao

lado do Estado mas que com ele não se confundem, assim, poderiam ser incluídas

dentro do conceito os serviços sociais autônomos, as entidades de apoio (em

especial fundações, associações ou cooperativas), as chamadas organizações

sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público102. Consoante

Maria Sylvia Zanella di Pietro:

Em todas essas entidades estão presentes os mesmo traços: são entidades

através das fundações de apoio que os projetos de pesquisas concebidos no âmbito da Universidade transformam-se em ações e serviços em benefício da comunidade. (…) Por suas características, e sem os ônus burocráticos típicos da Fundações Públicas, constata-se que é muito mais fácil dialogar com a Universidade através dessas fundações‖. E concluiu o autor: ―igualmente importante o papel de integração sinergética da fundação de apoio no trinômio universidade-empresa-governo, pois a fundação de apoio tem sido veículo para importantes contratos, convênios e doações para o desenvolvimento ou a transferência de processos e equipamento tecnológicos e científicos.‖ em PANTALEÃO, Leonardo (org.). Fundações Educacionais. São Paulo, Atlas, 2003. p. 38-40.

102 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 490.

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privadas, no sentido de que são instituídas por particulares; desempenham serviços não exclusivos do Estado, porém em colaboração com ele; recebem algum tipo de incentivo do poder público; por essa razão, sujeitam-se a controle pela Administração Pública e pelo Tribunal de Contas. Seu regime jurídico é predominantemente de direito privado, porém parcialmente derrogado por normas de direito público. Integram o terceiro setor, porque nem se enquadram inteiramente como entidades privadas, nem integram a Administração Pública direta ou indireta. Incluem-se entre as chamadas organizações não governamentais (ONGs). Todas essas entidades enquadram-se na expressão entidade parestatal.

103

O termo paraestatal, apesar de amplamente difundido na doutrina e na

jurisprudência, carece de definição legal ou de consenso doutrinário a respeito de

seu conteúdo e dos entes que o constituem, encontrando-se diferença conceitual

significativa à medida que lhe é dado maior ou menor amplitude 104. Prevalece na

doutrina a definição cunhada por Hely Lopes Meirelles, que abrange as empresas

estatais e as fundações de direito privado: ―entidades paraestatais são pessoas

jurídicas de direito privado, cuja criação é autorizada por lei, com patrimônio público

ou misto, para realização de atividades, obras ou serviços de interesse coletivo, sob

normas e controle do Estado. Não se confundem com as autarquias , nem com as

fundações públicas, e também não se identificam com as entidades estatais‖.105

Todavia, para fins deste trabalho, filiamo-nos ao conceito de Celso Antônio

Bandeira de Mello, por entendê-lo como mais apropriado a identificar as entidades

que atuam em conjunto com o Estado porém não se confundem com a estrutura da

Administração Pública. O prestigiado administrativista restringe o conceito de

paraestatal, cingindo a expressão para designar as pessoas jurídicas de direito

privado sem fins lucrativos que colaboram com o Estado, mas não fazem parte da

administração direta ou indireta. Dentro deste conceito de colaboradores podem ser

incluídos os serviços sociais autônomos, as entidades de apoio (especialmente as

fundações, associações e cooperativas), as organizações sociais e as organizações

103

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 491.

104 Cretella Júnior aponta a origem do termo indicando como paraestatal ou parestatal: ―é vocábulo

híbrido formado de dois elementos, a saber, a partícula grega pará, que significa 'ao lado de', 'lado a lado', e estatal, adjetivo formado sobre o nome latino status, que tem o sentido de Estado. À letra, paraestatal é algo que não se confunde com o Estado, porque caminha lado a lado, paralelamente ao Estado‖ (CRETELLA JUNIOR, José. Administração Indireta Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 140)

105 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, 15ª

edição, p. 312.

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da sociedade civil de interesse público106.

As entidades paraestatais não integram a Administração Pública, entretanto,

igualmente não se enquadram inteiramente como entidades privadas, visto que em

razão de parcerias com a Administração Pública, o regime de direito privado é

parcialmente derrogado por normas de direito público. Integram, portanto, o terceiro

setor.

As entidades do Terceiro Setor, desta forma, enquadram-se como entres

paraestatais, pois atuam conjuntamente com o Estado, sob um regime jurídico

específico híbrido, que derroga regras típicas do regime jurídico privado ao associar

tais entidades ao Poder Público.

2.6. Classificação das entidades do Terceiro Setor

No tocante às entidades que atuam no Terceiro Setor, adotamos a

classificação proposta por Maria Sylvia Zanella di Pietro, que classifica as entidades

deste Setor em quatro grandes grupos utilizando por critério a personalidade jurídica

das entidades: Serviço Social Autônomo; Entidades de apoio; Organizações Sociais;

Organizações da Sociedade civil de Interesse Público.

Serviço Social autônomo, consoante o habitualmente aludido conceito de Hely

Lopes Meirelles, seriam ―todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de

Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou

grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações

orçamentárias ou por contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de

cooperação com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios,

revestindo a forma de instituições particulares convencionais (fundações, sociedades

civis ou associações) ou peculiares a desempenho de suas incumbências

estatutárias. São exemplos desses entes os diversos serviços sociais da indústria e

do comércio (SENAI, SENAC, SESC, SESI, CENAFOR), com estrutura e

106

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. p. 353.

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organização especiais, genuinamente brasileiras‖. Acrescenta o autor que ―não

integram a Administração direta nem a indireta, mas trabalham ao lado do Estado,

sob seu amparo, cooperando nos setores, atividades e serviços que lhe são

atribuídos, por serem considerados de interesse específico de determinados

beneficiários. Recebem, por isso, oficialização do Poder Público e autorização legal

para arrecadarem e utilizarem na sua manutenção contribuições parafiscais, quando

não são subsidiadas diretamente por recursos orçamentários da entidade que as

criou‖107.

Por sua vez, organizações sociais seriam as entidades referidas no artigo 1º

da Lei nº 9.673, de 15/05/1998, que prevê que ―o Poder Executivo poderá qualificar

como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos,

cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento

tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde,

atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.‖

Trata-se, portanto, não de uma espécie de pessoa jurídica, mas de uma

qualificação obtida pelas pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos,

mediante preenchimento de determinados requisitos legais. Para obtenção do título,

as entidades interessadas deverão possuir entre suas finalidades sociais atividades

dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à

proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. O vínculo entre tais

entidades e o Poder Público é definido por um contrato de gestão, que prevê as

atribuições, responsabilidades e obrigações entre estes parceiros (art. 5º a art. 7º da

Lei 9.637).

Nos mesmos moldes das Organizações Sociais, a Organização da Sociedade

Civil de Interesse Público - OSCIP - constitui-se de uma qualificação obtida pelas

pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de

particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado, com

incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por

meio de termo de parceria. Foram previstas na Lei 9.790, de 23/03/1999.

107

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, 15ª edição, p. 331.

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As OSCIPs diferenciam-se das Organizações Sociais pois enquanto estas

recebem ou podem receber delegação para gestão de serviço público, aquelas

exercem atividade de natureza privada com o auxílio do Poder Público. As OSCIPs,

em regra, também são mais bem estruturadas que as Organizações Sociais, por

impor a lei requisitos mais rígidos para obtenção desta qualificação do que os

necessários à qualificação como organização social. O vínculo com o Poder Público,

por sua vez, é estabelecido mediante a subscrição de termo de parceria, previsto no

art. 9º e seguintes da Lei 9.790, de 23/03/1999, e que prevê diversas cláusulas

obrigatórias em seu conteúdo.

No tocante às entidades de apoio, Maria Sylvia Zanella di Pietro as define

como "pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por

servidores públicos, porém em nome próprio, sob a forma de fundação, associação

ou cooperativa, para a prestação, em caráter privado, de serviços sociais não

exclusivos do Estado, mantendo vínculo jurídico com entidades da administração

direta ou indireta, em regra por meio de convênio‖108. O conceito engloba as

fundações de apoio objeto deste trabalho a serem abordadas no próximo capítulo.

2.7. Anteprojeto de Lei Orgânica da Administração Pública

Não se pode deixar de mencionar, ainda, a conformação jurídica proposta

para as entidades do Terceiro Setor no Anteprojeto de Lei Orgânica da

Administração Pública, elaborado por comissão de juristas constituída pelo Ministério

do Planejamento e que traça novos balizas para o relacionamento do Estado com as

entidades do Terceiros Setor109.

A proposta contida no Anteprojeto classifica as entidades pertencentes ao

108

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 493.

109 A Comissão de Jurista, instituída pela Portaria do Ministério do Planejamento nº 426, de 6 de

dezembro de 2007, era composta pelos juristas Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Almiro do Couto e Silva, Carlos Ari Sundfeld, Floriano de Azevedo Marques Neto, Maria Coeli Simões Pires, Paulo Eduardo Garrido Modesto e Sergio de Andréa Ferreira. A proposta de Lei orgânica está disponível no link (acesso em 11/10/2012): http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/seges/ comissao_jur/arquivos/090729_seges_Arq_leiOrganica.pdf

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Terceiro Setor como "Entidades de Colaboração", compreendendo no conceito todas

as pessoas jurídicas não estatais, sem fins lucrativos, constituídas pela iniciativa

privada, para o desempenho de atividades de relevância pública. Consoante exposto

pela Comissão de Juristas, "a ideia é alcançar as diversas espécies de entidades

não estatais que estabelecem vínculo jurídico com o poder público, como as

organizações sociais, as organizações da sociedade civil de interesse público, as

filantrópicas, as fundações de apoio, as de utilidade pública e outras congêneres, já

existentes ou que venham a existir com denominações diversas110 ". As citadas

entidades estabeleceriam vínculo com a administração por intermédio de

instrumento jurídico denominado "contrato público de colaboração"111.

110

Consta do Anteprojeto: "Art. 73. .São entidades de colaboração as pessoas jurídicas de direito privado não estatais, sem fins lucrativos, constituídas voluntariamente por particulares, que desenvolvam atividades de relevância pública, essenciais à coletividade, objeto de incentivo e fiscalização regular do Poder Público. §1º Considera‐ se sem fins lucrativos a entidade que, cumulativamente: I ‐ não distribua, entre seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou fundadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos no exercício de suas atividades; II ‐ aplique eventuais excedentes financeiros integralmente no desenvolvimento de seus objetivos sociais, de forma imediata ou mediata, neste último caso pela constituição de fundo de reserva; III – preveja em seu estatuto a destinação de seu patrimônio social a outra entidade da mesma natureza ou a entidade estatal, em caso de extinção. (...). §3º O vínculo da entidade estatal com as entidades referidas no caput será estabelecido exclusivamente por contrato público de colaboração, inclusive nas modalidades de contrato de gestão, termo de parceria, convênio ou outra prevista em lei específica."

111 Prevê o anteprojeto a respeito da delimitação do objeto do contrato de colaboração: "Art. 74.

Vínculo de colaboração é o que tem por objeto: I ‐ o fomento, pela entidade estatal, de atividade de relevância pública de iniciativa da entidade não estatal; II ‐ a atribuição, a entidade não estatal, da execução de ação ou programa de iniciativa estatal, de relevância pública, mediante contrapartidas da entidade estatal; III ‐ a execução conjunta, por entidade estatal e entidade não estatal, de atividade de relevância pública. Parágrafo único. Para fins deste artigo, são de relevância pública as atividades, ações e programas relativos especialmente aos seguintes campos: a) assistência social; b) cultura, proteção e conservação do patrimônio histórico e artístico; c) prestação de serviços de saúde, de educação e de outros serviços sociais diretamente à população, em caráter complementar ou suplementar aos serviços estatais, de forma inteiramente gratuita ou predominantemente gratuita; d) incentivo ao voluntariado; e) segurança alimentar e nutricional; f) incentivo à prática de esportes; g) desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; h) promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; i) preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; j) experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio‐ produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; k) promoção de direitos e assessoria jurídica gratuita; ou l) estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades e finalidades mencionadas neste artigo. Art. 75. O contrato público de colaboração não pode: I ‐ contemplar atividade que não seja de relevância pública; II ‐ importar a delegação das funções de regulação, do exercício do poder de polícia ou de outras atividades exclusivas do Estado; e III ‐ destinar‐ se ao simples fornecimento, pela entidade não estatal, de mão‐ de‐ obra, serviço ou bens necessários à execução de atividade pela própria entidade estatal, salvo no caso do art. 79."

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3 – Regime Jurídico das Fundações de Apoio às Instituições Federais de

Ensino Superior

3.1. Classificação das Pessoas Jurídicas no Código Civil

Preliminarmente à abordagem das fundações de apoio, é oportuno uma breve

introdução a respeito das pessoas jurídicas, das quais são espécies as fundações,

bem como do histórico das fundações privadas e das fundações instituídas pelo

poder público (estas de natureza privadas ou pública), com a finalidade de melhor

desenvolvimento do objeto principal do trabalho.

As pessoas jurídicas são "entidades criadas pelo homem, às quais a lei

empresta personalidade, atuando na vida jurídica com capacidade diversa da dos

seus criadores, capazes, por si sós, de serem titulares de direito"112. Decorrem do

progresso da sociedade humana e em seu compasso a evolução da ciência jurídica,

tornando-se conveniente a instituição de figuras que personalizassem um sujeito de

direitos e de obrigações. Este sujeito de direitos e obrigações não necessariamente

é apenas o ser humano (pessoa física ou natural), como também poderá ser uma

entidade abstrata, instituída pelo homem, às quais também se atribui personalidade,

a qual se convencionou denominar pessoa jurídica113. As pessoas jurídicas tem

especial importância na utilidade de se realizar um agrupamento de pessoas para

realização de objetivos comuns, conscientes da dificuldade em se solucionar

individualmente os problemas e obstáculos enfrentadas ao longo da vida social.

O Código Civil brasileiro classifica as pessoas jurídicas em pessoas jurídicas

de direito público interno, direito público externo e pessoas jurídicas de direito

privados114. O diploma legal, ao caracterizar, as associações e fundações em

112

GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2009. p. 18.

113 GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2009. p. 16-17.

114 Nos termos do Código Civil: "Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou

externo, e de direito privado. Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno: I - a União; II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III - os Municípios; IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; V - as demais entidades de caráter público criadas por lei. Parágrafo único.

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capítulos específicos diversos das sociedades (delineadas no Livro "Direito de

Empresa"), associou àquelas a ideia de ausência de finalidade lucrativa. O

ordenamento, assim, organizou dois grupos distintos da personalização da

associação humana a partir do elemento lucro, como aduzem Airton Grazzioli e

Edson José Rafael:

Dessa forma, ficou claro que as associações e as fundações resultam da união de pessoas ou de um patrimônio em torno de uma ideia desprovida da finalidade lucrativa, ao passo que nas sociedades tal união sempre visa ao lucro. A norma do art. 44, portanto, elenca a sociedade como pessoa jurídica de finalidade lucrativa, ao passo que todas as demais espécies (art. 44, incisos I, III, IV e V) são pessoas jurídicas sem fim de lucro.

115

Dentre as pessoas jurídicas acima referidas, interessa-nos o aprofundamento

das características das fundações, particularmente a singularidade de representar

não uma associação de pessoas, mas a corporificação de um patrimônio para

realização de uma finalidade, característica que será determinante na construção de

seu regime jurídico.

3.2. Fundações

Explica o autor Francisco de Assis Alves que as fundações têm suas raízes no

Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código. Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público. Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações. IV - as organizações religiosas; V - os partidos políticos; VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada. §1º São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. §2º As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código. §3º Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica.

115 GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2009. p. 20.

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desejo humano de solidariedade, revelado já nos primórdios das civilizações, citando

o surgimento em Roma das primeiras instituições dedicadas ao culto funerário, à

distribuição de alimentos e à manutenção de crianças pobres. Destaca, ainda, que

apesar de não lhe atribuir personalidade jurídica, o direito romano clássico já admitia

vinculação de um patrimônio para a execução uma finalidade determinada116.

Acentuando as raízes das fundações no espírito de solidariedade inato ao ser

humano, Gustavo Saad Diniz aduz que "as origens das fundações podem ser

explicadas pelo espírito da solidariedade, apanágio do ser humano, presidindo uma

procura de meios de auxiliar as pessoas necessitadas. Se, por suas peculiaridades,

constituem as fundações uma figura específica de personalidade jurídica, contudo,

suas raízes sempre se encontram na vida e na ordem social, podendo-se afirmar

que há nelas, mais do que nas associações ou nas corporações, um sentido mais

elevado de cooperação, de solidariedade social e cidadania."117

No Brasil, cita-se como precedente histórico das fundações a criação, em

1738, por Romão de Matos Duarte, de um fundo juntamente à Santa Casa de

Misericórdia do Rio de Janeiro para auxiliar os órfãos cariocas. Apesar de presente

as característica de vinculação de um patrimônio a um objetivo específico, o fundo,

todavia, não possuía personalidade jurídica autônoma, razão pela qual não poderia

ser considerado como uma fundação, nos moldes atualmente conhecidos 118.

116

Destaca o autor, ainda, a importância da actio popularis na instituição das fundações constituídas por legado ou doação: "Segundo Ihering, a partir da constituição da actio popularis, no direito moderno, evidenciou-se um direito subjetivo dos destinatários (órfãos, viúvas, pobres, protetores das artes, da cultura) da fundação, 'porque os dois elementos do direito, o interesse e a proteção do interesse por si mesmo, se encontram efetivamente nela.' Para Ihering, a personificação das fundações é a forma apropriada de um patrimônio servir aos interesses e aos fins de pessoas indeterminadas. Por outro lado, as instituições de benemerência e culto, organizadas em torno das igrejas e dos conventos passaram a ser concebidas como sujeitos doe direito, distintas das Igrejas e dos Conventos, que s fundaram. Ressalta Ferrara, que esse desenvolvimento foi desencadeado pelo decreto Constantino que reconheceu as comunidades eclesiásticas cristãs. A partir deste decreto essa entidades adquiriram capacidade privada, passaram a ter patrimônio e a receberem doações e legados." ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: Ltr, 2000. p. 48-50.

117 DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas. 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p.38-39.

118 Neste sentido, aduzem Airton Grazzioli e Edson José Rafael: "Entretanto, o primeiro esboço de

fundação é encontrado no anto de 1738, quando Romão de Matos Duarte, solteiro, milionário, resolveu destinar parte de seu patrimônio à formação de um fundo para auxiliar no tratamento de órfãos cariocas. Nasceu assim a 'fundação Romão de Matos Duarte', que funcionava paralelamente à Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, tinha patrimônio próprio e finalidade exclusiva de dar proteção e apoio aos órfãos e desvalidos do local. (...). A despeito de a Fundação Romão de Matos

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As ordenações no Brasil, a propósito, sempre trataram de forma sintética as

fundações. Na Nova Convalidação das Leis Civis, elaborada no fim do século XIX,

em que Carlos Augusto de Carvalho recompilou todas a legislação civil vigente no

país em 11 de agosto de 1899, já se indicava a existência de fundações dentre as

pessoas jurídicas de direito privado no artigo 152, alínea "a", e no artigo 155 da

compilação119. A promulgação da Lei nº 173, de 10/09/1893, que regulamentou a

possibilidade das associações fundadas para fins religiosos, morais, científicos,

artísticos, políticos ou de recreio adquirirem individualidade jurídica, também é tida

como um marco no tema da filantropia. Com a promulgação do Código Civil de

1916, as fundações se consolidaram definitivamente na ordem jurídica em seu artigo

26120.

Atualmente, após a promulgação do código civil de 2002, as fundações

encontram-se regulamentadas nos artigos 62 a 69, que preveem expressamente que

apenas será possível a criação de fundações para finalidades religiosas, morais,

culturais ou de assistência.

O Código Civil de 2002, assim como o de 1916, omitiu da redação artigo 62,

parágrafo único, a finalidade educacional, cingindo-se a elencar os fins "religiosos,

morais, culturais ou de assistência". A omissão gerou um debate na doutrina a

Duarte possuir patrimônio próprio, como imóveis e dinheiro dado a juros, e mesmo uma ala especial no interior do hospital, a chamada Casa dos Expostos, a entidade não conseguiu assumir personalidade jurídica autônoma, funcionando como mero apêndice da Santa Casa de Misericórdia carioca. E tal segregação era desejo de seu instituidor, mais tarde denominado 'benfeitor magno dos expostos'. (...) A exemplo da fundação criada, foram feitos inúmeros testamentos em cidades onde existiam as 'Santas Casas de Misericórdia', os quais atribuíam um legado para servir determinado objetivo, já previamente determinado pelo testador. Entretanto, tais legados não tinham natureza jurídica fundacional, sendo considerados apenas um 'fundo', mero apêndice da entidade legatária." GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2009. p. 38-39.

119 DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas. 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 40.

Descreviam os artigos 152 e 155 da Legislação Civil Recompilada; "Art. 152. - São pessoas juridicas de direito privado a) as fundações, estabelecimentos de utilidade publica ou de fins pios, religiosos, moraes, scientificos, artisticos, taes como casas de educação, asylos, hospitaes misericordias, igrejas, capellas, ermidas, religiões, academias, universidades, escolas livres de ensino superior, collegios, seminarios, lyceus, monte-pios, montes de soccorro, caixas economicas, comtanto que tenhão patrimonio seu, sejão ou não subsidiados pelos cofres públicos; (...).Apt. 155. - Quando descenderem de doação ou disposição de ultima vontade, as fundações ficarão sujeitas ás respectivas regras de direito e á opposição de terceiros prejudicados, sendo prohibida a instituição de capellas vinculadas, de quaesquer vinculos e a clausula de inalienabilidade de todo o patrimonio ou de parte delle." CARVALHO, Carlos Augusto de. Direito Civil Brazileiro Recopilado. Rio de Janeiro: Livraria de Francisco Alves. 1899. p. 44-46. Disponível em http://www2.senado.gov.br/ bdsf/item/id/227295 - ultimo acesso em 27/03/2013.

120 DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas. 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p.41-42.

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respeito da possibilidade não só da criação, como também da manutenção das já

existentes fundações de finalidades educacionais.

Prevalece na doutrina, todavia, o entendimento de que a educação estaria

compreendida na finalidade cultura, tendo em vista que a cultura "inclui todos os

conhecimentos e aptidões adquiridas pelo homem durante sua vida e a educação,

por pressuposto, objetiva propiciar a formação necessária ao desenvolvimento das

aptidões (inclusive transmitindo informações e divulgando pedagogicamente, por

vezes, a estrutura de conceitos e conhecimentos), das potencialidades e da

personalidade do educando, impossível a dissociação de ambas, visto que é

flagrante que a educação é também objeto da cultura"121.

No mesmo sentido, é a redação no enunciado 8 da I Jornada de Direito Civil

do Superior Tribunal de Justiça, ao prever que "a constituição de fundação para fins

científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no

CC, art. 62, parágrafo único"122.

Não obstante, a finalidade assistencial compreende uma interpretação

abrangente, permitindo a criação quase irrestrita de quaisquer fundações123 com

finalidades sociais124, devendo-se interpretar o dispositivo de forma a excluir apenas

as fundações com fins lucrativos125. Por outro lado, ainda que sejam admitidas

fundações de quaisquer finalidades de cunho social, a finalidade escolhida não pode

ser genérica, devendo ser estipulado as atividades sociais que serão realizadas pela

fundação.

121

PANTALEÃO, Leonardo (org.). Fundações Educacionais. São Paulo, Atlas, 2003. p. 190.

122 Jornadas de direito civil I, III, IV e V : enunciados aprovados / coordenador científico Ministro Ruy

Rosado de Aguiar Júnior. – Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. p. 17.

123 PANTALEÃO, Leonardo (org.). Fundações Educacionais. São Paulo, Atlas, 2003. p. 183.

124 Neste sentido, Airton Grazzioli e Edson José Rafael: "(...) é certo que a interpretação do art. 6,

parágrafo único, do Código Civil está a exigir entendimento de que as finalidades da fundação devem ser sociais. Assim depreende-se desse termo todo e qualquer tipo de atividade que seja de interesse da sociedade civil, como: política, ecologia, saúde, educação, cidadania, assistência social, proteção dos animais etc." GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2009. p. 86-87.

125 Enunciado nº 9 das Jornadas de direito civil I, III, IV e V : enunciados aprovados / coordenador

científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. – Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. p. 18.

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Gustavo Saad Diniz explica as vantagens da criação de Fundações se o

escopo do instituidor for a consecução de uma finalidade social:

A escolha da fundação, entre outros tipos de organização da pessoa jurídica, além da ingerência da sociedade, apresenta outros fatores: a) suas características peculiares permitem uma administração eficiente e com desenvoltura, obviamente, servindo de fonte alternativa de empregos; b) trata-se de instituição que tem respaldo de órgãos públicos e o apoio e uma fiscalização do Ministério Publico, para garantia de sua perpetuidade e continuação da função social que cumpre; c) permite um maior esforço através da institucionalização da empresa; d) a fundação possui característica de necessário cumprimento de escopos, pois a compra ou a contratação de qualquer serviço é pra realização da atividade-fim (assistencialista), tendo a certeza de benefício para a sociedade; e) as características próprias da fundação facilitam atividades de pesquisa, relacionamento com universidades, gerenciamento de empresa, garantindo a institucionalização dos fins.

126

3.3. Fundações e Associações

As fundações e as associações são pessoas jurídicas assemelhadas, tendo

em vista a ausência de finalidade lucrativa. Apesar dos propósitos sociais

coincidentes, a constituição dessas pessoas jurídicas difere significativamente. Nas

fundações há a prevalência do elemento patrimonial afetado à consecução de uma

finalidade, enquanto nas associações prevalecerá a vontade dos associados. As

associações, igualmente, poderão não necessariamente precisarão ter a finalidade

social. Airton Grazzioli e Edson José Rafael esclarecem a diferença entre as citadas

pessoas jurídicas:

O primeiro traço diferencial é relativo ao elemento central. Enquanto nas associações o que predomina é o elemento pessoal, nas fundações o que prevalece é o elemento patrimonial. De fato, ao se pretender criar uma entidade sem objetivo de lucro, teremos duas possibilidades: instituir uma associação, se inexistir patrimônio a alicerçar a instituição; ou uma fundação, desde que haja lastro patrimonial a embasar tal pretensão. (...). É

126

DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas. 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 525.

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certo que dificilmente haverá fundação sem a reunião de pessoas físicas para administrá-la, mas. até neste caso, a vital importância desta entidade ainda será o aspecto patrimonial, visto que seu traço essencial continuará sendo um patrimônio afetado à consecução de determinado fim. (...).

Notamos, então, outra diferença, no que diz respeito aos seus fins, já que a associação não necessita ter uma finalidade social, o que não ocorre com as fundações. A associação poderá ter ou não finalidade de interesse social. Tal entendimento extrai-se do próprio texto legal, que previu no art.62, parágrafo único, do Código Civil, que a 'fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência', sendo silente a esse respeito no que concerne às associações.

127

Na esteira do entendimento, José Eduardo Sabo Paes ressalta a prevalência

do elemento patrimônio nas fundações, apesar de ambas, fundações e associações,

possuírem os dois elementos patrimônio e pessoa:

Compreende-se que, tanto nas associações e sociedades como nas fundações existem os dois elementos - o elemento pessoal e patrimonial -, uma vez que não se pode conceber uma pessoa jurídica em que não haja uma coletividade de pessoas reunidas para constituí-la e um patrimônio próprio, um arca, como diziam os romanos. Agora, a importância de um e de outro elemento varia, conforme se trate de uma associação ou de uma fundação, sendo claro que na fundação o que diferencia é o patrimônio, e nas associações e sociedades são as pessoas.

128

3.4. Instituição das fundações

A instituição da fundação consiste na destinação de um patrimônio,

constituído por bens livres, para que seja utilizado dentro de uma finalidade social

específica. Consoante o artigo 62 do Código Civil brasileiro, as finalidades deverão

127

GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2009. p. 22 e 24.

A diferença entre as duas pessoas jurídicas ficam nítidas ao confrontarmos o artigo 53 e 62 do Codigo Civil: "Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. (...). Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la. Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência."

128 PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos,

administrativos, contábeis e tributários. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 37.

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vincular-se a objetivos religiosos, morais, culturais ou de assistência129.

Os bens poderão ser de qualquer natureza, tendo em vista não ter o

legislador limitado sua natureza. Todavia, deverão estar isentos de qualquer ônus,

atentando-se assim para que os bens sejam suficientes para o início do

desempenho das finalidades às quais foram destinados, sob risco de serem

destinado a outra fundação de objetivos sociais semelhantes, conforme previsão do

artigo 63130. É preciso certo grau de discernimento pelo representante do Ministério

Público na aferição da suficiência dos bens em relação às atividades pretendidas,

não sendo possível fixar-se um valor mínimo a priori.131.

O Instituidor ou instituidores - pessoa física ou jurídica - , deverão prever a

criação da fundação por intermédio de escritura pública, ou de testamento também

caso de pessoa física capaz. Prevista a criação, ainda é necessário que sejam

elaborados pelos responsáveis designados pelo instituidor, para posterior

encaminhamento ao Ministério Público antes de seu registro132. Destaque-se que o

órgão ministerial possui competência supletiva para elaboração dos estatutos se os

responsáveis não o fizerem dentro do prazo fixado pelo instituidor.

Tendo em vista que a existência de uma fundação está vinculada à existência

de um patrimônio, parte da doutrina sustenta a inalienabilidade dos bens das

fundações, destacando que os bens da fundação são de domínio social. Todavia,

129

"Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la. Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência."

130 "Art. 63. Quando insuficientes para constituir a fundação, os bens a ela destinados serão, se de

outro modo não dispuser o instituidor, incorporados em outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante."

131 Airton Grazzioli e Edson José Rafael. Prosseguem os autores: "Alguns membros do Ministério

Público fixam um valor mínimo para instituição de fundações, o que não nos parecer correto, porque o montante de bens deve ser aferido de acordo com o tipo de atividade a ser desenvolvida e da sua abrangência. (...). Por conta disso, é de todo recomendado que o instituidor apresente ao órgão do Ministério Público um estudo de viabilidade, como o fim de demonstrar as atividades a serem exercidas pela fundação e quais recursos deverão ser empregados na consecução de seus fins. Dessa forma, o Ministério Público terá melhores elementos para aferir a suficiência dos bens." GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2009. p. 74.

132 "Art. 65. Aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo ciência do

encargo, formularão logo, de acordo com as suas bases (art. 62), o estatuto da fundação projetada, submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente, com recurso ao juiz. Parágrafo único. Se o estatuto não for elaborado no prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo, em cento e oitenta dias, a incumbência caberá ao Ministério Público."

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entendemos que a rigidez desta regra pode implicar em prejuízo à própria fundação,

que por exemplo, não conseguiria se desfazer de um bem de manutenção onerosa

ou que lhe fosse inservível, sendo mais proveitoso o remanejar o recursos

proveniente da venda deste bem na aquisição de outro, ou mesmo na utilização em

prol de uma das atividades da fundação. Neste sentido, adotamos o posicionamento

de Airton Grazzioli:

Entretanto, a regra jurídica da inalienabilidade não é absoluta, pois é perfeitamente possível que o decurso do tempo e a alteração da realidade fática exijam a venda desses bens, objetivando o remanejo dos ativos.

Quando houver a necessidade de alienação, deverá, em um primeiro momento, haver deliberação interna da fundação a esse respeito, nos termo do seu estatuto social. Em seguida, deverá ser pleiteada a competente autorização judicial, por intermédio do ajuizamento do incidente processual pertinente, no qual intervém, necessariamente, o membro do Ministério Público que exerce as funções do Promotor de Justiça de Fundações.

133

Neste sentido, os estatutos das fundações também devem guardar o

mesmo intuito de rigidez e perpetuidade, evitando-se sua frequente mutabilidade,

para que se evite que desmandos ou atitudes temerárias esgotem o patrimônio

destinado à realização de um trabalho em prol da sociedade. Assim, as eventuais

alterações estatutárias não poderão desvirtuar os propósitos fixados por seu

instituidor, o que é assegurado pela exigência legal de quórum da maioria absoluta

dos representantes da fundação, além da aprovação Ministério Público134.

133

GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2009. p. 77.

134 Neste sentido: "Registrada a fundação, passa a existir no mundo jurídico, realizando as atividades

para as quais foi criada. entretanto, havendo expressa previsão no negócio jurídico instituidor e, por extensão, nos estatutos, poderá existir reforma estatutária, de acordo com os limites impostos no próprio estatuto inicial registrado. Qualquer expressa disposição do inciso II, do art. 67, do CC/2002, que busca proteger a vontade do instituidor. Uma eventual ampliação ou complementação de fins da fundação através do estatuto, por outro lado, deverá estar acompanhada de: não-contradição com o negócio de instituição; substância patrimonial suficiente; continuidade da atividade fundacional; e aprovação pelo MP. Além disso, a reforma só pode ser deliberada pela maioria absoluta dos dirigentes e representantes da fundação (art. 67 inciso I, do CC/2002) e sua validade depende da aprovação pelo Ministério Público (art. 1.203 do CPC), com recurso para o juiz competente, em sendo caso. Em seguida, a alteração estatutária deve ser levada a registro. (...). Resume-se didaticamente o procedimento pra alterações no estatuto: a) deliberação da maioria dos administradores e representantes da fundação; b) respeito a sua finalidade original; c) aprovação da autoridade competente (art. 1.203, §1º, do CPC); d) registro." DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas. 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 41-42.

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3.5. Fiscalização das Fundações pelo Poder Público

Tendo em vista que as fundações compõem-se da personalização de um

patrimônio para a realização de uma atividade de interesse social, é conveniente que

seja fiscalizada por uma autoridade pública desde sua constituição até sua extinção,

como forma de preservação deste patrimônio135.

No Brasil, era previsível que tal atribuição fosse cometida ao Ministério

Público, especialmente após a Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 127,

incumbiu-lhe "a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis", tendo o artigo 129 da Carta Magna enumerado

entre suas atribuições institucionais a proteção do patrimônio público e social, do

meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos 136. Desta forma,

constituindo-se o Ministério Público no principal guardião dos interesses difusos e

coletivos da sociedade, justificaria sua atribuição de velamento137 das fundações. A

135

Neste sentido, Airton Grazzioli e Edson José Rafael: "A intervenção estatal se justifica pelo fato de que toda fundação se confunde com um patrimônio investido de personalidade jurídica, para consecução de uma finalidade não-egoística a favor da coletividade e que, portanto, extrapola os interesses particulares de eventuais beneficiados, como também de seus dirigentes, passando a ser de interesse estritamente social." GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2009. p. 167.

136 José Afonso da Silva bem ilustra a respeito das incumbências institucionais do Ministério Público:

"Como já foi dito, a Constituição alargou consideravelmente as funções do Ministério Público, bem para além da persecutio criminis, que, no entanto, ainda é sua razão de ser; vai também para além da simples promoção dos interesses privados indisponíveis (curadoria de menores, curadoria de falências etc.). No essencial, sua função primordial permanece sendo velar e fazer velar pela observância de lei. Assim é mesmo quando a Constituição lhe incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Tudo isso se resume na sua finalidade de prover sobre a exata observância do direito objetivo, incluindo a Constituição. Por isso há que agir com imparcialidade, mesmo quando acusa, ou defende direitos indisponíveis; devem prevalecer sempre os fins da Instituição: assegurar a observância do direito objetivo e a defesa do interesse público. Nesses limites, pode-se aceitar que se trata de uma Instituição a serviço da cidadania, às vezes até[e com certo abuso de poder; mas, embora se possa ver nela alguma função de um ombudsman, não chega a essa caracterização, ainda que seus integrantes se esforcem para tanto. Ombudsman é instituição tipicamente de controle, e o Ministério Público não é assim". Ressalta, ainda, as funções de natureza executiva do Ministério Público: "Suas atribuições, contudo, não revelam função estatal ontologicamente diversa das dos três Poderes existentes, para que se o tenha como outro poder. A rigor, mesmo ampliadas aos níveis acima apontados, são ontologicamente de natureza executiva, sendo, pois, uma Instituição intrinsecamente executiva, funcionalmente independente, cujos membros integram a categoria dos agentes políticos, e, como tais, hão de atuar 'com plena liberdade funcional, desempenhando sua atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em leis especiais." SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8ª ed. São Paulo, Malheiros, 2012. p. 608-609.

137 Para Gustavo Saad Diniz, "velar pelas fundações (mesmo após o art. 66 do CC/2002, que

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respeito desta legitimação, entende Edson José Rafael:

Logo, a repercussão social das finalidades estatutárias é um primeiro quesito a conferir ao Ministério Público a missão de velamento prevista na legislação ordinária.

Há realmente um interesse indisponível envolvido na constituição, na administração e no alcance dos objetivos sociais de uma fundação, razão pela qual o Ministério Público, que representa nesse caso o Estado/Administração, é convocado a manter vigilância estreita sobre os órgãos diretivos fundacionais.

Se toda fundação acaba mesmo por confundir-se com um patrimônio investido de personalidade jurídica par a consecução de uma finalidade não egoística a favor da coletividade, certamente a vontade do instituidor, retratada por instrumento público, acaba extrapolando subjetivamente os interesses particulares de eventuais beneficiados, como também de seus dirigentes, motivando, dessa forma, a intervenção estatal no velamento da entidade de especial relevância social.

138

Gustavo Saad Diniz enumera didaticamente as funções do Ministério

Público139 em relação às fundações:

manteve o verbo) significa exercer toda a atividade fiscalizadora, de modo efetivo, em ação contínua, par verificar se os bens são suficientes, se os seus órgãos dirigentes realizam proveitosa gerência da fundação, alcançando, de forma mais completa, a vontade do instituidor. Além disso, velar as fundações, para o Ministério Público, significa uma 'guarda ativa', 'ação eficiente', 'vigia, proteção e patrocínio em Juízo', para utilizar a terminologia de M. SEABRA FAGUNDES." DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas. 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 261-262.

138 RAFAEL, Edson José. em PANTALEÃO, Leonardo (org.). Fundações Educacionais. São Paulo,

Atlas, 2003. p. 119.

139 Cite-se, ainda, as previsões do Código de Processo Civil constantes dos arts. 1.199 a 1.204: "Art.

1.199. O instituidor, ao criar a fundação, elaborará o seu estatuto ou designará quem o faça. Art. 1.200. O interessado submeterá o estatuto ao órgão do Ministério Público, que verificará se foram observadas as bases da fundação e se os bens são suficientes ao fim a que ela se destina. Art. 1.201. Autuado o pedido, o órgão do Ministério Público, no prazo de 15 (quinze) dias, aprovará o estatuto, indicará as modificações que entender necessárias ou Ihe denegará a aprovação. §1º Nos dois últimos casos, pode o interessado, em petição motivada, requerer ao juiz o suprimento da aprovação. §2º O juiz, antes de suprir a aprovação, poderá mandar fazer no estatuto modificações a fim de adaptá-lo ao objetivo do instituidor. Art. 1.202. Incumbirá ao órgão do Ministério Público elaborar o estatuto e submetê-lo à aprovação do juiz: I - quando o instituidor não o fizer nem nomear quem o faça; II - quando a pessoa encarregada não cumprir o encargo no prazo assinado pelo instituidor ou, não havendo prazo, dentro em 6 (seis) meses. Art. 1.203. A alteração do estatuto ficará sujeita à aprovação do órgão do Ministério Público. Sendo-lhe denegada, observar-se-á o disposto no art. 1.201, §§1º e 2º. Parágrafo único. Quando a reforma não houver sido deliberada por votação unânime, os administradores, ao submeterem ao órgão do Ministério Público o estatuto, pedirão que se dê ciência à minoria vencida para impugná-la no prazo de 10 (dez) dias. Art. 1.204. Qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público promoverá a extinção da fundação quando: I - se tornar ilícito o seu objeto; II - for impossível a sua manutenção; III - se vencer o prazo de sua existência."

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- função consultiva do MP, seja das fundações já constituídas, seja das fundações não reconhecidas e de fato;

- função fiscalizadora, exigindo prestação de contas e velando pela proteção de: finalidade (impugnando atos administrativos contrários aos preceitos estatutários); patrimônio (resguardando a integridade, observando o destino aos fins estatutários e controlando a administração); vínculo manifestado na vontade do instituidor projetada no estatuto;

- função substitutiva da administração, precedida de ordem judicial, em casos de impossibilidade e suprindo eventual deficiência nos órgãos administrativos da entidade;

- função interventora, que se desdobra na aprovação dos estatutos, imposição de modificações estatutárias e em casos de irregularidades (neste segundo momento, com a necessária e antecedente autorização judicial para intervir), além da intervenção em processos judiciais em que as fundações sejam parte.

140

O controle realizado pelo Ministério Público, por sua vez, não exclui a

fiscalização por outras autoridades públicas, pois em última análise, o Poder

Judiciário poderá, no desempenho da atividade jurisdicional, apreciar uma eventual

impugnação a um ato estatutário que afronta a lei, a ser postulado por qualquer

interessado. O Poder Executivo, por sua vez, exerce controle sobre as fundações

instituídas pelo Poder Público, bem como por aquelas que recebem aporte de

verbas públicas, destacando-se, ainda, o controle contábil realizado pelo Tribunal de

Contas neste último caso.

3.6. Regime tributário especial

O Poder Público, diante das atividades de interesse social desenvolvidas

pelas fundações, por intermédio da atividade estatal de fomento, outorga condição

privilegiada às fundações, renunciando a receitas tributárias para desonerar as

atividades das fundações e outras instituições sem fins lucrativos. Pelos

140

DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas. 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 264.

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mecanismos de isenção e imunidade141, o poder público autolimita-se em sua

competência tributária em relação às fundações.

Em relação às fundações privadas, a imunidade cinge-se aos impostos cuja

base de cálculo sejam o patrimônio, a renda e os serviços, consoante art. 150 da

Constituição Federal.

O regime diferenciado abrange não só as fundações privadas que atuam na

área de educação e assistência social, como também as fundações públicas, por

extensão da imunidade recíproca entre os entes da federação, prevista no §2º do

mesmo artigo142. Cite-se que o art. 195, §7,º da Constituição também as isenta do

141

As características dos conceitos de imunidade e de isenção são sintetizadas por Ricardo Lobo Torres: "Os positivistas tentaram estabelecer a diferença entre as três figuras tributárias com base em argumentos formais: a imunidade seria qualquer não-incidência constitucional; a isenção se confundiria com a exclusão do crédito tributário; a não-incidência corresponderia à inocorrência do fato gerador (cf. RUBENS GOMES DE SOUZA, op. cit., p. 69). Com o refluxo do positivismo, entretanto, outras explicações devem ser buscadas. A imunidade, como vimos, é limitação do poder d tributar fundada na liberdade absoluta, tendo por origem a natureza das coisas e por fonte a Constituição, escrita ou não; possui eficácia declaratória, é irrevogável e abrange assim a obrigação principal que a acessória. A isenção (ou o privilégio não-odioso) é a limitação fiscal derrogatória da incidência, fundada na ideia de justiça, tendo por origem o direito positivo e por fonte a lei ordinária; possui eficácia constitutiva, é revogável com efeito restaurador da incidência e abrange apenas a obrigação principal. A não-incidência, em sua acepção ampla, compreende a imunidade, a isenção e a não-incidência propriamente dita, que as três trazem a consequência de evitar a incidência do tributo. No sentido estrito ou t[técnico, é a limitação fiscal decorrente da falta de definição do fato gerador, tendo por fundamento razões lógicas (ex. o imposto sobre produtos industrializado não incide 'logicamente' sobre os bens imóveis) ou teleológicas - justiça ou conveniência (ex. o IVVCLG não incidia sobre o óleo diesel) -, por origem o direito positivo, e por fonte a Constituição, a lei complementar ou a ordinária; possui eficácia declaratória, é revogável sem efeito repristinatório nem restaurador da eficácia e abrange a obrigação principal e a acessória". TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 16ª edição. Rio de Janeiro, Renovar, 2009. p. 84. É importante, mencionar, por sua vez a abalizada crítica do autor Paulo de Barros Carvalho a respeito de eventual paralelo doutrinário entre imunidade e isenção: "Quanto ao mais, uma distância abissal separa as duas espécies de unidades normativas. O preceito de imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupões um encontro normativo, em que ela, regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da consequência da regra-matriz do tributo, como teremos a oportunidade de descrever em capítulo ulterior". CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18. ed. São Paulo, Saraiva, 2007. p. 198.

142 É o texto constitucional: "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é

vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. (...). §2º A vedação do inciso VI, 'a', é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes."

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pagamento de contribuições sociais destinadas à seguridade social143.

3.7. Fundações Públicas e Fundações Públicas de natureza privada

A criação de fundações de natureza privada e de natureza pública tem

tormentosa discussão jurídica na doutrina e jurisprudência nacional desde sua

adoção como uma política de governo. Por trás da criação de diversos órgãos

públicos com esta natureza, encontrava-se o intento de fugir do regime jurídico

administrativo imposto à administração pública convencional, consoante exposto no

primeiro capítulo desta pesquisa.

Se inicialmente foi buscado pela Administração Pública migrar suas atividades

para o regime privado por intermédio da instituição das autarquias, à medida que a

estas foram sendo impostos mecanismos de maior controle típicos do regime

público, foi idealizada a transposição de suas atividades para novas entidades

criadas pelo Poder Público sob a forma de as fundações públicas e empresas

estatais. O regime fundacional foi assim a opção da Administração Pública para a

instituição de pessoas jurídicas com finalidade afetas às questões sociais.

O tema é de importância a este trabalho científico em razão das

universidades públicas federais terem sido criadas como autarquias de regime

especial ou como fundações públicas e, em relação a estas últimas, haver a

compreensão de que este seria a formal ideal para a constituição jurídica destas.

Não havia, entretanto, um consenso a respeito da natureza jurídica destas: se de

direito público ou privado, trazendo implicações distintas a fixação de um ou outro

regime. A caracterização das universidades públicas federais como pessoas

jurídicas de direito público, vinculadas à administração indireta, e sua consequente

submissão as normas de gestão pública das demais autarquias, foi um elemento

143

"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...). §7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei."

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determinante no desígnio das instituição universitárias em criarem fundações de

apoio.

Recentemente o debate a respeito da personalidade jurídica de direito público

ou de direito privado das fundações públicas foi reativado com o encaminhamento

do Projeto de Lei Complementar nº 92/2007, que tem por conteúdo a

regulamentação do XIX, do art. 37 da Constituição Federal, parte final, para definir

as áreas de atuação das fundações instituídas pelo Poder Público. O projeto traz à

tona a instituição de um "regime administrativo mínimo", sem porém maior

detalhamento a respeito do que ele consistiria, mas sinaliza a adoção pela

Administração de Pública de uma diretriz de retorno da instituição das fundações

públicas.

A bem da verdade, muito da discussão envolvendo as fundações públicas

decorre das idas e vindas, bem como da falta de técnica e uniformidade, da

legislação relativa ao tema. Sem embargo, a regulamentação proposta em nada

inova quanto ao tema, apenas, sob outra roupagem o reinicia144.

Em apertada síntese histórica, originariamente, o §2º do artigo 4º do Decreto-

lei nº 200, de 25/02/1967, equiparava as fundações governamentais às empresas

públicas, contudo, com a edição do Decreto-Lei nº 900, de 29/09/1969, a matéria

144

A autora Maria Sylvia Zanella di Pietro, ao tratar dos novos institutos trazidos pela reforma do Estado, aduz que há uma falsa impressão de mudança, pois ora são institutos velhos que renascem com nova forma e sob novo impulso ou com nova roupagem: "Fala-se, em toda parte, em reforma do Estado, em reforma da Constituição, em reforma da Administração Pública. E isso tudo traz princípios novos, institutos novos e, especialmente, traz nova terminologia; muitas vezes são apenas vocábulos novos que surgem para designar fórmulas antigas que voltam impregnadas de nova ideologia. Fala-se em transparência na Administração Pública para designar o velho princípio da publicidade e agastar a atuação sigilosa. Fala-se em privatização para designar a transferência de ações de empresas estatais par o setor privado. Fala-se parceria entre poder público e iniciativa privada para designar fórmulas antigas, como a concessão e a permissão de serviços públicos. A terceirização é vocábulo emprestado à vida empresarial para designar antigos contratos de obras, serviço e fornecimentos, desde longa data utilizados pela Administração Pública. Fala-se em codificação do direito administrativo para trazer para o direito positivo princípios, teorias e regras que são de todos conhecidas e há muito tempo aplicadas pela Administração Pública, quando se quer descentralizar mais, diversificar o regime jurídico dos servidores, simplificar os procedimentos licitatórios e os procedimentos de controle. Ora são institutos velhos que renascem com nova força e sob novo impulso, como a concessão de serviço público; ora são institutos velhos que aparecem com nova roupagem. Não obstante isso, tem-se a impressão de mudança; fala-se em reforma do Estado, em reforma da Constituição, em reforma da Administração Pública. O que muda na realidade? Parece que o que muda é principalmente a ideologia, é a forma de conceber o Estado e a Administração Pública." DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 1-2.

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veio a ser melhor disciplinada, tendo este diploma legal previsto que o figura jurídica

da fundação seria utilizada para a instituição de entes para realização de para

atividades não lucrativas a serem prestadas pelo Poder Público Federal. O Decreto-

lei nº 900, de 29/09/1969, fixava condições cumulativas para a criação de fundações,

entre elas, ter por objeto institucional ―objetivos não lucrativos e que, por sua

natureza, não possam ser satisfatoriamente executados por órgão da Administração

Federal, direta ou indireta‖.145. Note-se que a legislação não considerava as

fundações como integrantes nem da administração direta ou da indireta, apesar de

custeados com recursos públicos.

Em seguida, o regime jurídico das fundações governamentais recebe nova

inovação com o Decreto-Lei nº 2.299, de 21/11/1986, que passa a incluí-las na

administração pública indireta, para fins de controle e fiscalização146. No mesmo

diapasão, a previsão legal inserida pela Lei nº 7.596, de 1987, que inseriu por

definitivo na estrutura da administração pública indiretas, delineando em linhas

gerais às fundações públicas um regime jurídico público, prevendo a necessidade de

sua criação em lei e sua destinação para o desempenho de atividades que não

exijam execução por órgãos ou entidades de direito público.147

145

Era a redação originária do art. 4º, §2º, do Decreto-Lei nº 200, de 25/02/1967: "Art. 4º § 2º Equiparam-se às Emprêsas Públicas, para os efeitos desta lei, as Fundações instituídas em virtude de lei federal e de cujos recursos participe a União, quaisquer que sejam suas finalidades." Por sua vez, previu o Decreto-Lei nº 900, de 29/09/1969 em seus artigos 2º e 3º: "Art. 2º Não serão instituídas pelo Poder Público novas fundações que não satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos e condições: a) dotação específica de patrimônio, gerido pelos órgãos de direção da fundação segundo os objetivos estabelecidos na respectiva lei de criação; b) participação de recursos privados no patrimônio e nos dispêndios correntes da fundação, equivalentes a, no mínimo, um têrço do total; c) objetivos não lucrativos e que, por sua natureza, não possam ser satisfatoriamente executados por órgão da Administração Federal, direta ou indireta; d) demais requisitos estabelecidos na legislação pertinente a fundações (artigos 24 e seguintes do Código Civil). Art. 3º Não constituem entidades da Administração Indireta as fundações instituídas em virtude de lei federal, aplicando-se-lhes entretanto, quando recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da União, a supervisão ministerial de que tratam os artigos 19 e 26 do Decreto-lei número 200, de 25 de fevereiro de 1967."

146 Era a redação do Decreto-Lei 200, de 25/02/1967, com redação pelo o Decreto-lei nº 2.299, de

21/11/1986: "Art. 4º § 2 º As fundações instituídas em virtude de lei federal ou de cujos recursos participe a União integram também a Administração Federal indireta, para os efeitos de: a) subordinação aos mecanismos e normas de fiscalização, controle e gestão financeira; b) inclusão de seus cargos, empregos, funções e respectivos titulares no Plano de Classificação de Cargos instituído pela Lei n º 5.645, de 10 de dezembro de 1970. §3º Excetuam-se do disposto na alínea b do parágrafo anterior as fundações universitárias e as destinadas à pesquisa, ao ensino e às atividades culturais."

147 Foi a nova redação do art. 5º, do Decreto-lei 200/67, dada pela Lei 7.596/87: "Art. 5º Para os fins

desta lei, considera-se: (...). IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público,

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As alterações legislativas, contudo, nunca foram capazes de afastar o debate

jurídico a respeito da personalidade jurídicas das fundações públicas148. Consoante

Maria Sylvia Zanella di Pietro:

Formaram-se, basicamente, duas correntes149

; de um lado a que defende a natureza privatística de todas as fundações instituídas pelo poder público, e, de outro, a que entende possível a existência de fundações com personalidade pública ou privada, a primeira das quais como modalidade de autarquia. Após a Constituição de 1988, há quem entenda que todas as fundações governamentais são pessoas jurídicas de direito público.

150

com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes. (...). § 3º As entidades de que trata o inciso IV deste artigo adquirem personalidade jurídica com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, não se lhes aplicando as demais disposições do Código Civil concernentes às fundações."

148 "Dessarte, as fundações públicas, no Direito brasileiro, foram inicialmente equiparadas às

empresas públicas, que, juntamente com as autarquias e sociedades de economia mista, compreendiam a Administração Federal indireta, segundo os ditames do Decreto-Lei nº 200/67, para, logo depois, como advento do Decreto-Lei nº 900/69, serem retiradas desse rol. Após essa contradição inicial do legislador, foram sendo ampliados os preceitos legais e regulamentares sobre a definição de sua natureza jurídica, sobre aspectos de seu funcionamento e de sua forma de controle. O que não evitou, por certo, que os doutrinadores brasileiro debatessem com inquestionável proficiência sobre a natureza jurídica das fundações instituídas pelo poder público - se de natureza privada, uma vez que todas as fundações são de direito privado, ou de direito público, na modalidade de autarquia, ou mesmo de personalidade jurídica de direito privado, mas criada e mantida pelo Poder Público. (...). A Constituição de 5 de outubro de 1988, não obstante referir-se às fundações de uma forma assistemática e até confusa, reconheceu, no âmbito do Direito Constitucional, a existência da fundação pública ou fundação instituída e/ou mantida pelo Poder Público." PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 120.

149 O Prof. Paulo Modesto classifica em três orientações os posicionamentos da doutrina pátria a

respeito das fundações: "Podemos classificar as orientações doutrinárias em matéria de fundações em três: (a) Para a primeira, monista, toda fundação instituída e mantida pelo Poder Público é fundação de direito público, é autarquia ou fundação autárquica, apenas com a peculiaridade de a criação ser realizada ou autorizada por lei e a área delimitada por lei complementar (Celso Antônio Bandeira de Mello após a Constituição Federal de 1988, Lucas Rocha Furtado, Lúcia Valle Figueiredo). (b) Para a segunda, monista também, tradicional e quase desaparecida após 1984, com a decisão no STF no RE 101.126-RJ (rel. Min. Moreira Alves), é impróprio falar em fundação de direito público, pois toda fundação é forma civil, isto é, de direito privado (Manoel Franco Sobrinho, Seabra Fagundes, Hely Lopes Meirelles antes da Constituição de 1988). (c) Para a terceira, dualista, o texto constitucional vigente refere dois tipos de fundação, como explicitou a nova redação do art. 37, XIX, sendo possível falar tanto em fundações de direito público, autênticas autarquias, como em fundações de direito privado, desde que a denominação tenha coerência com a finalidade e as competências efetivamente realizadas (Maria Sylvia Zanella di Pietro, Diógenes Gasparini, Alice Gonzalez Borges)." MODESTO, Paulo. As fundações estatais de direito privado e o debate sobre a nova estrutura orgânica da administração pública. Revista Trimestral de Direito Público, 47. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 55-56.

150 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 434.

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Parte minoritária da doutrina admitia as fundações públicas unicamente como

pessoas de direito privado, neste grupo, integrado por juristas de renome como

Themístocles Brandão Cavalcanti, Manoel de Oliveira Franco Sobrinho e Hely Lopes

Meirelles, entendia-se que as fundações por constituírem um patrimônio destinado a

uma finalidade determinada por seu instituidor, regia-se exclusivamente pelo direito

privado151.

Parte majoritária da doutrina, por sua vez, entendia pela possibilidade de se

estabelecerem igualmente fundações públicas de personalidade jurídica de direito

público. Neste sentido, bem ilustra Cretella Júnior, ressaltando a coexistência do

regime público e do regime privado, cada um com sua fundação:

"Errôneo, ainda, seria admitir a fundação de direito público, filiando-a à fundação de direito privado, quando entre os dois institutos a relação que existe não é a de matriz para filial, não é a de gênero para espécie, mas, sim, a identidade de irmãs paralelas, a fundação privada mais velha, a fundação pública, irmã caçula".

152

Para Gustavo Saad Diniz, a celeuma doutrinária diz respeito ao inciso IV do

art. 5º do Decreto Lei 200, de 25/02/1967, em alteração no ano de 1987, ter

outorgado equivocadamente à fundação pública a personalidade jurídica de direito

privado. Segundo o autor, as fundações públicas constituem-se em espécie do

gênero autarquia e, portanto, deveriam possuir personalidade jurídica de direito

público.153

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, sob a égide da Constituição

anterior, fixou entendimento no sentido da possibilidade da coexistência de

fundações públicas tanto no regime público como no privado, a depender da

151

ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: Ltr, 2000. p. 53-54.

152 CRETELLA JÚNIOR, José. Fundações de Direito Público. Rio de Janeiro, Forense, 1976. p. 329 e

segs - apud ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: Ltr, 2000. p. 55.

153 DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas. 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 168

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natureza jurídica fixada por sua lei de criação:

Ementa: - acumulação de cargo, função ou emprego. Fundação instituída pelo poder público. - nem toda fundação instituída pelo poder público é fundação de direito privado. - Às fundações, instituídas pelo poder público, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos estados-membros, por leis estaduais são fundações de direito público, e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. - tais fundações são espécie do gênero autarquia, aplicando-se a elas a vedação a que alude o parágrafo §2º, do art. 99 da constituição federal. - São, portanto, constitucionais o art. 2º, parágrafo 3º da Lei 410, de 12 de marco de 1981, e o art. 1º. do Decreto 4086, de 11 de maio de 1981, ambos do estado do Rio de Janeiro. Recurso Extraordinário conhecido e provido.

154

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, e debate havia

recebido nova luz, pois no texto constitucional originário em diversos momentos foi

indicado um tratamento especial ao que foi chamado de administração pública

fundacional. Previa o artigo 37 da Constituição em sua redação original a existência

da administração direta, indireta e fundacional, bem como citava expressamente em

seu inciso XIX original a existência de fundações públicas. A partir da expressa

citação da expressão ―fundação pública‖ no texto constitucional, parte considerável

da doutrina passou a sustentar a existência apenas do regime de direito público para

as fundações governamentais. Diante deste quadro, foi sustentado por parte da

doutrina que todas as fundações criadas pelo Poder Público possuiriam

personalidade de direito público e, portanto, submetidas ao mesmo regime das

autarquias.

Neste sentido, citamos Celso Antônio Bandeira de Mello, elucida a questão,

no sentido de ser necessário verificar o regime jurídico destas:

É absolutamente incorreta a afirmação de que as fundações públicas são pessoas de Direito Privado. Na verdade, são pessoas de Direito Público, consoante, aliás, universal entendimento, que só no Brasil foi contendido. Saber-se se uma pessoa criada pelo Estado é de Direito Privado ou de Direito Público é meramente uma questão de examinar o regime jurídico estabelecida na lei que a criou. Se lhe atribuiu a titularidade de poderes públicos, e não meramente o exercício deles, e disciplinou-a de maneira a

154

RE 101.126-2/RJ, DJ 01-03-85, Relator Min. Moreira Alves.

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que suas relações sejam regidas pelo Direito Público, a pessoa será de Direito Público, ainda que se lhe atribua outra qualificação. Na situação inversa, a pessoa será de Direito Privado, mesmo inadequadamente nominada.

O que se passou, entretanto, no Direito brasileiro é que foram criadas inúmeras pessoas designadas como 'fundações', com atribuições nitidamente públicas, e que, sob este aspecto, em nada se distinguiam das autarquias. O regime delas estaria inevitavelmente atrelando-se às limitações e controle próprios das pessoas de Direito Público. Entretanto, foram batizadas de pessoas de Direito Privado apenas para se evadirem destes controles moralizadores ou, então, para permitir que seus agentes acumulassem cargos e empregos, o que lhes seria vedado se fossem reconhecidas como pessoas de Direito Público.

155

Retratando este período ilustra o Prof. Carlos Ary Sundfeld:

Quando editada a Constituição de 1988, surgiu alguma polêmica sobre as fundações. Algumas pessoas chegaram a supor que a Constituição tivesse acabado com as fundações estatais privadas e que só admitiria as fundações estatais públicas. Mas o STF resolveu a dúvida quando, interpretando a Constituição, decidiu que continuava a existir a fundação estatal privada. Tendo sido aclarada essa questão, o resto é conseqüência.

156

Dez anos após a promulgação da Constituição, com a edição da Emenda

Constitucional 19, de 04/06/1998, prevendo na nova redação do inciso XIX do artigo

155

Prossegue o eminente administrativista sustentando que em razão dos servidores das fundações criadas pelo Poder Público possuírem tratamento equivalente ao dos servidores do Estado, leva-se à conclusão de que as fundações públicas seriam de direito privado: "Ora, seria um contra-senso que os servidores destas fundações recebessem tratamento equivalente aos servidores do Estado e de suas autarquias e que houvessem sido beneficiados pela estabilidade excepcional aludida se fundações públicas fossem pessoas de Direito Privado, tanto mais porque a disciplina de pessoal nas entidades estatais de Direito Privado, como se sabe, é a da Consolidação das Leis do Trabalho. Donde, não caberia supor que com a Emenda 19 alterou-se a fisionomia jurídica de tais fundações, ante o fato de haver sido atribuída nova redação ao inciso XIX do art. 37. Este hoje, fala em criação de autarquia por lei e em autorização legal para criação de fundação (tanto como em autorização legal para criação de sociedade de economia mista e empresa pública). Tal circunstância é insuficiente para incluí-las no universo das pessoas de Direito Privado em face da já aludida pletora de razões outras que conduzem a entendimento diverso. De resto, o próprio Decreto-lei 200, desde as alterações introduzidas pela Lei 7.596, de 10.4.87, já mencionava que tais pessoas adquiriam personalidade jurídica com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, mas não se submeteriam às demais disposições do Código Civil sobre as fundações." BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 183-185.

156 SUNDFELD, Carlos Ary, in, Fundação Estatal : metas, gestão profissional e direitos preservados /

Ministério da Saúde, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2007, p. 7.

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37 da Constituição Federal, foi reiniciado o debate. Se a redação original do citado

inciso falava expressamente em fundação pública, a nova redação veio a omitir-lhe a

palavra pública, renovando, assim, o debate doutrinário a respeito da possibilidade

do Poder Público instituir fundações com personalidade jurídica tanto de direito

público ou privado.

Prevalece na doutrina nacional o entendimento de que personalidade jurídica

de direito público ou privada seria assim definida pela lei instituidora da fundação.

Conforme Francisco de Assis Alves:

Nada impede que a fundação, que na sua concepção genérica, é definida como um patrimônio personalizado afetado a um determinado fim, se desdobre, a exemplo de tantos outros institutos, nas espécies, público e privada. O contrato, por exemplo, embora instituição típica de direito privado, foi transplantado para o direito público. A Administração Pública utiliza o contrato, tanto na sua versão original, ou seja, regido pelo direito privado, como com as adaptações necessárias aos negócios públicos, regido, nesse caso, pelo direito público, que é o contrato administrativo. A propósito, o próprio Texto Maior faz referência às fundações públicas como integrantes da Administração indireta, submetendo-as ao mesmo regime dos entes públicos (art.37).

157

No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella di Pietro argumenta que a conclusão

a respeito da personalidade jurídica direito ou privado ou público da fundação deve

extraída do caso concreto, examinando-se sua lei instituidora e seu respectivo

estatuto. E conclui:

À vista dessas considerações, pode-se definir a fundação instituída pelo

157

ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: Ltr, 2000. p. 55. No mesmo diapasão, Maria Sylvia Zanella di Pietro: "Colocamo-nos entre os que defendem a possibilidade de o poder público, ao instituir fundação, atribuir-lhe personalidade de direito público ou de direito privado. Isto porque nos parece incontestável a viabilidade de aplicar-se, no direito público, a distinção que o Código Civil de 1916 continha entre as duas modalidade de pessoas jurídicas privadas: associação e sociedade, de um lado, e fundação, de outro; a distinção se mantém no novo Código Civil. (...). Quando Estado institui pessoa jurídica sob a forma de fundação, ele pode atribuir a ela regime jurídico administrativo, com todas as prerrogativas e sujeições que lhe são próprias, ou subordiná-la ao Código Civil, neste último caso, com derrogações por normas de direito público. Em um e outro caso se enquadram na noção categorial do instituto da fundação, como patrimônio personalizado para a consecução de fins que ultrapassam o âmbito da própria entidade." DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 435-436.

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poder público como o patrimônio, total ou parcialmente público, dotado de personalidade jurídica, de direito público ou privado, e destinado, por lei, ao desempenho de atividades do Estado na ordem social, com capacidade de autoadministração e mediante controle da Administração Pública, nos limites da lei. Aí estão presentes as suas características: 1. dotação patrimonial, que pode ser inteiramente do poder público ou semipública e semiprivada; 2. personalidade jurídica, pública ou privada, atribuída por lei; 3. desempenho de atividade atribuída ao Estado no âmbito social; com isto fica presente a ideia de descentralização de uma atividade estatal e também a de que a fundação é a forma adequada para o desempenho de funções de ordem social, como saúde, educação, cultura, meio ambiente, assistência e tantas outras; isto precisamente pelo fato de ela objetivar fins que beneficiam terceiros estranhos à entidade; 4. capacidade de autoadministração; e 5. sujeição ao controle administrativo ou tutela por parte da Administração Direta, nos limites estabelecidos em lei.

158

A proposta de Lei Complementar 92/2007, que pretende regulamentar a parte

final do inciso XIX do artigo 37 da Constituição filia-se ao posicionamento doutrinário

de instituição de fundações governamentais de personalidade de direito público ou

de direito privado159, como constante de sua exposição de motivos. O Projeto de Lei

92/2007, todavia, vinculando a fundação estatal à administração indireta,

independentemente da personalidade jurídica de direito público ou de direito privado,

e direcionando seus fins apenas a atividades em que não seja necessário uso do

poder de polícia no caso desta última. Neste sentido, consta da Mensagem de

encaminhamento PLP 92/2007 ao Congresso Nacional (EM nº 00111/2007/MP,

Brasília, 04 de junho de 2007):

2. O Projeto de Lei Complementar estabelece que o Poder Público poderá instituir fundação estatal, sem fins lucrativos, integrante da administração pública indireta, nas áreas de saúde, educação, assistência social, cultura, desporto, ciência e tecnologia, meio-ambiente, previdência complementar do servidor público, para os efeitos do art. 40, §§ 14 e 15 da Constituição Federal, comunicação social e promoção do turismo nacional. 3. A criação de fundação estatal dar-se-á a partir de lei específica, que

158

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 435-436.

159 Gustavo Saad Diniz, denomina as fundações instituídas pelo poder público, com personalidade de

direito privado de fundações para-administrativas: "As fundações podem ser classificadas como fundações públicas e fundações privadas. Estas, por sua vez, comportam uma subdivisão: a) fundações privadas típicas, instituídas e constituídas por particulares; b) fundações privadas vinculadas ao Estado, as chamadas para-administrativas, ou paragovernamentais ou de cooperação (é o que se convencionou chamar de (descentralização por cooperação), surgidas a partir do momento em que o Estado visou a uma maior autonomia administrativa e financeira para determinados serviços públicos. DINIZ, Gustavo Saad. Direito das fundações privadas. 2ª ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 168.

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estabelecerá a sua personalidade jurídica, se de direito público ou privado. Cabe destacar que a proposta apenas autoriza o Poder Público a criar fundação estatal. 4. No caso da fundação estatal de direito privado, o Projeto prevê que somente poderá ser instituída para desempenho de atividades estatais que não sejam exclusivas de Estado, de forma a vedar a criação de entidade de direito privado para exercício de atividades em áreas em que seja necessário o uso do poder de polícia.

Nota-se que apesar do longo tempo de maturação, a questão a respeito da

natureza jurídica das fundações estatais com personalidade jurídica de direito

privado mostra-se ainda tormentosa, e continua demandando um maior

aprofundamento do estudo do tema. Se por um lado a instituição de fundações pelo

Poder Público pode ser proveitosa ao desenvolvimento de atividades de caráter

social, não se pode olvidar que em razão de sua origem público e por abrigarem

interesses públicos, nunca poderão se dissociar completamente do interesse

público, adquirindo uma vida própria. Com efeito, ao criar uma fundação, um

instituidor particular por ato de liberalidade destina um determinado patrimônio, que

adquire personalidade jurídica, para a consecução de uma finalidade social. Já o

Poder Público, ao criar uma fundação, não o faz por liberalidade, mas porque

pretende utilizá-la como instrumento da ação estatal. Desta forma, ainda que

possuam a mesma personalidade de direito privado, as fundações criadas pelo

poder público com personalidade de direito privado, tal qual as empresas públicas

em relação às demais empresas, jamais poderão ter tratamento idêntico ao das

demais fundações privadas, pois terão seus objetivos vinculados à ação do Estado,

que poderá alterá-los por meio de lei160.

160

Maria Sylvia Zanella di Pietro, traça um paralelo entre a fundação privada instituída pelo poder público e a fundação instituída por particulares, aduzindo que nesta, "o papel do instituidor exaure-se com o ato da instituição; a partir do momento em que a fundação adquire personalidade jurídica, ela ganha vida própria." (...). No âmbito da Administração Pública, por sua vez, "o Poder Público, ao instituir fundação, seja qual for o regime jurídico, dificilmente pratica simples ato de liberalidade para destacar bens de seu patrimônio e destiná-los a fins alheios que não sejam de interesse do próprio Estado. Este, ao instituir fundação, utiliza tal espécie de entidade para atingir determinado fim de interesse público; serve-se da fundação para descentralizar a execução de uma atividade que lhe compete, da mesma forma que o faz em relação às autarquias, sociedades de economia mista e empresas públicas, às quais confere a execução de serviços públicos. Por essa razão, a fundação governamental não adquire, em geral, vida inteiramente própria, como se fosse instituída por particular. É o interesse público que determina a sua criação; sendo variável o interesse público, o destino da fundação também pode ser mudado pelo ente que a instituiu, quer para alterar a lei que autorizou a sua criação, quer para revogá-la." E conclui a autora: "portanto, enquanto no direito privado a fundação adquire vida própria, independente da vontade do instituidor (que não poderá nem mesmo fiscalizar o cumprimento da sua manifestação de vontade, já que essa função foi confiada ao Ministério Público), a fundação instituída pelo Estado constitui instrumento de ação da Administração

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3.8. Fundações de Apoio às IFES e ICTs

As fundações de apoio são fundações de direito privado que têm por

finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino, extensão e de

desenvolvimento institucional, científico e tecnológico, de interesse das instituições

federais de ensino superior (IFES) e também das instituições de pesquisa, que

obtiveram junto ao Ministério da Educação o credenciamento como fundação de

apoio" destes entes. Não se confundem com as fundações educacionais públicas

que apoiam, constituindo-se de pessoas jurídicas autônomas ainda que mantenham

um vínculo especial com àquelas. 161

3.8.1. Histórico

Pública, que se cria, mantém ou extingue na media em que sua atividade se revelar adequada à consecução dos fins que, se são públicos, são também próprios do ente que a instituiu e que deles não pode dispor." DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 437-438.

161 Consoante José Eduardo de Sabo Paes, "A designação fundação de apoio reflete a posição das

fundações de direito privado que foram instituídas por pessoas físicas (entre os quais professores universitários) ou pessoas jurídicas (entre as quais as próprias universidades ou as próprias instituições de ensino superior), visando a auxiliar e fomentar os projetos de pesquisa, ensino e extensão das universidades federais e das demais instituições de ensino superior, públicas ou privadas. (...). Já vem de muitos anos a instituição de fundações de direito privado sob os auspícios de uma outra instituição na área de ensino, mormente as instituições de ensino superior públicas (as autarquias universitárias) ou as universidades particulares. Mesmo porque o campo do ensino e da pesquisa é um dos mais propícios e férteis à atuação fundacional, em face da característica da autonomia administrativo-financeira intrínseca à pessoa jurídica e que se amolda às necessidades e carências das instituições de ensino superior". PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p.134-135. Carlos Ari Sundfeld e Vera Scarpinella, diferenciando as fundações de apoio das fundações universitárias, esclarecem: ―Todavia, há outro grupo de fundações educacionais que não se confunde com as fundações educacionais estatais. São as que não foram criadas nem são mantidas exclusivamente pelo Poder Público, mas mantém um vínculo significativo com entidades educacionais estatais. São as conhecidas fundações de apoio, enquadráveis no grupo de fundações educacionais não estatais, as quais são instituídas para dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das instituições de ensino superior. Se, por um lado, as fundações educacionais estatais têm claramente o dever de observância do regime jurídico tipicamente estatal (deveres de licitar, de prestar contas ao tribunal de contas, de observar as regras constitucionais relativas aos servidores), por outro, as fundações de apoio (verdadeiras fundações educacionais não estatais) não possuem um regime tão claro. E não é difícil percebermos porquê. É que tais fundações, de algum modo, vinculam-se a estabelecimentos de ensino estatal sem, contudo, com eles se confundirem‖. em PANTALEÃO, Leonardo (org.). Fundações Educacionais. São Paulo, Atlas, 2003. p. 251)

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Consoante inicialmente esboçado no primeiro capítulo desta pesquisa, as

universidades públicas sempre buscaram uma configuração jurídica que lhes

vinculando ao Poder Público também lhes proporcionasse os meios de gestão mais

aptos ao desenvolvimento de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Tendo

por parâmetro a autonomia universitária, necessária pela própria natureza e

finalidades da instituição universitária, procurava-se uma forma jurídica que

proporcionasse uma posição de autonomia das universidades em relação à

Administração Pública para fins de maior agilidade de gestão, mas que ao mesmo

tempo não lhes afastasse do financiamento público e das prerrogativas inerentes ao

Poder Público.

A Administração Pública brasileira foi erigida sobre os primados da

administração burocrática weberiana, que tinha como diretriz o combate à

corrupção. Seus arranjos de controle, desta forma, concentravam-se no controle da

gestão do processo, e não do resultado, implicando, assim, em uma sujeição maior a

regras e procedimentos da execução da função administrativa. O atendimento de

regras que foram ganhando complexidade ao longo dos anos implicava em maior

tempo de execução das atividades, maior numero de recursos humanos e, por

conseguinte, mais demora na tomada de decisões e na adoção de medidas para

solução de problemas. Não podemos olvidar, entretanto, a utilidade deste tipo de

gestão da Administração Pública em uma sociedade com pouca maturidade

democrática e com instituições públicas sem uma cultura republicana, que padece

do fisiologismo político e da corrupção dos agentes do estado.

A falta de agilidade e flexibilidade administrativa do modelo burocrático

sempre foram tidas como entraves ao desenvolvimento das atividades universitárias.

Como recurso a superar tais adversidades, implementando-se um modelo de gestão

para as universidades pública que lhes oferecesse a desenvoltura e rapidez

administrativa colimadas, procuraram-se soluções já existentes dentro do direito

pátrio. Primeiramente as universidades públicas federais foram instituídas como

pessoas jurídicas de natureza autárquica especial ou de natureza fundacional,

contudo, à medida que tais entidades foram tendo sua autonomia restringidas e

aproximadas ao regime administrativo (muito em razão dos desvios, desmandos e

prejuízos decorrentes de uma autonomia sem controle) tornou-se inócua a adoção

da personalidade autárquica ou fundacional.

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O problema não era único das universidades, e a clama por autonomia era

disseminada por todos os entes da Administração Pública. Como subterfúgio a esta

falta de autonomia, com a nítida intenção de fuga do regime jurídico administrativo

(especialmente escapar às normas de direito financeiro e evadir-se do dever de

licitar), os órgãos, autarquias e fundações públicas passaram eles próprios a criarem

fundações, com objetivo social de apoio ao órgão, unicamente para funcionarem de

instrumento de fuga do regime administrativo de compras e contratações162.

No tocante às universidades, foram criadas fundações a partir do patrimônio

público da universidade ou por iniciativa dos particulares, sem recursos públicos.

Apesar de nítida a irregularidade da criação de tais entidades, e da realização de

suas parcerias e contratos com as entidades públicos, essas fundações (de apoio)

se disseminaram sem grandes problemas na administração pública sem grande

resistência. Com efeito, ao seu lado, possuíam as universidades não só a influência

política típica das academias, como também membros dos estamentos sociais de

grande influência no poder, compondo uma elite intelectual do Estado. Em um país

que culturalmente a formação universitária sempre esteve ligada a concessão de

títulos a uma elite, e que o diploma universitário sempre foi uma aspiração social, foi

mais fácil às universidades contar com a tolerância de órgãos de controle ou

formular soluções jurídicas que lhe proporcionassem a manutenção deste status.

Criadas as fundações de apoio, paulatinamente estas entidades foram

absorvendo todo o tipo de atividade administrativa desenvolvida pelas

universidades, da gestão dos hospitais universitários à serviços corriqueiros de

limpeza, segurança e copeiragem. Nestes sentido, vinculando o surgimento das

fundações de apoio ao declínio das autarquias e fundações, por não conseguirem

proporcionar a agilidade, eficiência e eficácia procuradas pelo Administração com a

criação destas, explica Francisco de Assis Alves:

Não demorou muito tempo para que essas entidades autárquicas e fundacionais fossem invadidas nas suas intimidades administrativas, dificultando-se-lhes o exercício da autonomia antes planejada para essas entidades. As autarquias, por certo, em razão de sua natureza jurídica de direito público interno, dificilmente estariam fora da sujeição burocrática

162

Vide notas rodapé nº 21 e 28.

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imposta à Administração Pública. As fundações, apesar da tentativa de dar-lhes dinamismo administrativo, atribuindo-se-lhes natureza jurídica de direito privado, a final, acabaram presas às leis que as submeteram a princípios que dificultaram o desempenho de suas atividades. Esse declínio das autarquias e das fundações públicas, deu lugar ao surgimento das chamadas fundações de apoio.

163

As fundações criadas a partir do patrimônio público das universidades

padeciam do vício de ilegalidade, visto que criadas sem autorização legal prevista no

Decreto-Lei 200, de 25/02/1967. Já as fundações de apoio criadas por particulares,

com patrimônio privado, não possuíam desta distorção, todavia, os ajustes firmadas

com as IFES por dispensa de licitação não possuíam previsão legal; e quando

firmados convênios, não possuíam objeto específico (apelidados de guarda-chuva),

pelos quais se transmitiam às fundações de apoio os recursos financeiros para o

atendimento de quaisquer atividades que eram indevidamente enquadradas como

desenvolvimento institucional para fins de um superficial atendimento às disposições

legais.

A questão dos vínculos institucionais firmados entre as IFES e suas

fundações de apoio será melhor desenvolvida nos capítulos de evolução legislativa e

de jurisprudência a seguir tratados no trabalho. Para fins do desenvolvimento

contínuo da argumentação deste item, cingimo-nos, neste momento, a apenas lidar

com a realidade da existência das fundações bem como de sua previsão legal.

Utilizaremos, inicialmente, a definição de fundações de apoio às IFES

empregada pelo Ministério da Educação, órgão de cadastramento daquelas, contida

no domínio eletrônico da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação –

MEC/SESU:

As Fundações de Apoio são instituições criadas com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino, extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico, de interesse das instituições federais de ensino superior (IFES) e também das instituições de pesquisa. Devem ser constituídas na forma de fundações de direito privado, sem fins lucrativos e serão regidas pelo Código Civil Brasileiro. Sujeitam-se, portanto,

163

ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: Ltr, 2000. p. 65.

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à fiscalização do Ministério Público, nos termos do Código Civil e do Código de Processo Civil, à legislação trabalhista e, em especial, ao prévio registro e credenciamento nos Ministérios da Educação e do Ministério da Ciência e Tecnologia, renovável bienalmente. As Fundações de Apoio não são criadas por lei nem mantidas pela União. O prévio credenciamento junto aos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia é requerido em razão da relação entre as instituições federais e as fundações de apoio ser de fomento ao desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa e extensão, sendo função das fundações dar suporte administrativo e finalístico aos projetos institucionais

164.

A definição sintetiza as disposições contidas no marco legal das fundações de

apoio, a Lei 8958, de 21/12/1994, com redação dada pela Lei nº 12.394, de

15/12/2010, que delineia as características básicas das fundações de apoio:

Art. 1o As Instituições Federais de Ensino Superior - IFES e as demais

Instituições Científicas e Tecnológicas - ICTs, sobre as quais dispõe a Lei no

10.973, de 2 de dezembro de 2004, poderão celebrar convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei n

o 8.666, de 21 de junho de 1993,

por prazo determinado, com fundações instituídas com a finalidade de dar apoio a projetos de ensino, pesquisa e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico, inclusive na gestão administrativa e financeira estritamente necessária à execução desses projetos. (...) Art. 2

o As fundações a que se refere o art. 1

o deverão estar constituídas na

forma de fundações de direito privado, sem fins lucrativos, regidas pela Lei n

o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e por estatutos cujas

normas expressamente disponham sobre a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência, e sujeitas, em especial: (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010) I - a fiscalização pelo Ministério Público, nos termos do Código Civil e do Código de Processo Civil; II - à legislação trabalhista; III - ao prévio registro e credenciamento no Ministério da Educação e do Desporto e no Ministério da Ciência e Tecnologia, renovável bienalmente.

Do conceito legal, podemos extrair as seguintes características essenciais:

1) Finalidade: "fundações instituídas com a finalidade de dar apoio a projetos

de ensino, pesquisa e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e

tecnológico, inclusive na gestão administrativa e financeira estritamente necessária à

execução desses projetos;" (art. 1º)

164

Ministério da Educação: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id= 12508:fundacoes-de-apoio-apresentacao&catid=336:fundacoes-de-apoio&Itemid=1017 - Acesso em 20-11-2012.

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2) Personalidade jurídica de direito privado sem fins lucrativos: deverão estar

constituídas na forma de fundações de direito privado, sem fins lucrativos, regidas

pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil;" (art. 2º)

3) Princípios de natureza administrativa pública: "estatutos cujas normas

expressamente disponham sobre a observância dos princípios da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência;" (art. 2º)

4) Fiscalização pelo Ministério Público: "fiscalização pelo Ministério Público,

nos termos do Código Civil e do Código de Processo Civil;" (art. 2º, I, c/c - Código

Civil art. 66 e Código de Processo Civil arts. 1.199-1.204)

5) Credenciadas a cada dois anos pelo Ministério da Educação e pelo

Ministério da Ciência e Tecnologia: " prévio registro e credenciamento no Ministério

da Educação e do Desporto e no Ministério da Ciência e Tecnologia, renovável

bienalmente". (art. 2º, II)

Passamos, agora, a abordar cada uma dessas características:

1) Finalidade: "fundações instituídas com a finalidade de dar apoio a projetos de

ensino, pesquisa e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e

tecnológico, inclusive na gestão administrativa e financeira estritamente necessária à

execução desses projetos;" (art. 1º)

As fundações têm por característica constituírem-se de um patrimônio afetado

à realização de uma atividade de interesse social. No caso das fundações de apoio,

deverão as fundações deste grupo possuir dentre suas finalidades o apoio a projetos

relacionados às atividades fim das universidades (ensino, pesquisa e extensão),

bem como de projetos de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico.

Entende-se como apoio, inclusive, a gestão administrativa e financeira desses

projetos.

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Em um primeiro grupo, classificaríamos por razões de similitude os projetos

de ensino, pesquisa e extensão em projetos acadêmicos. Com efeito, ensino,

pesquisa e extensão são as atividades fim da universidade, prescritas no artigo 207

da Constituição Federal regra que as universidade obedecerão ao princípio de

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão"165.

No tocante à definição do que seriam projetos de ensino, seriam aqueles

vinculados às atividades de transmissão de conhecimento aos indivíduos, voltados

especialmente à formação e capacitação de recursos humanos.

Por sua vez, projetos de pesquisa seriam aqueles voltados à investigação

científica e obtenção de conhecimentos a partir de um objeto de estudo. Inclui tanto

a pesquisa básica quanto a pesquisa aplicada166.

No tocante à extensão universitária, há uma maior abrangência do que

poderia ser incluído no conceito de projeto de extensão. Sem embargo, a extensão

universitária "é o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a

165

Cite-se, ainda, que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de 20/12/1996) elenca as finalidades do ensino superior: Art. 43. A educação superior tem por finalidade: I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.

166 Simon Schwartzman diferença entre pesquisa acadêmica, básica e aplicada: "O relacionamento

entre pesquisa acadêmica, pesquisa básica e pesquisa aplicada é uma das questões fundamentais de política científica e tecnológica em todas as áreas de conhecimento. Essencialmente, esta questão tem a ver com as motivações do pesquisador e com o destino, ou a apropriação social dos frutos de seu trabalho. Para efeito desta pesquisa, entenderemos por "pesquisa acadêmica" aquela que tem por motivação a descoberta de fenômenos empíricos importantes, que possam avançar o conhecimento em determinado campo, de acordo com o consenso da comunidade de especialistas. Por "pesquisa aplicada" entenderemos aquela que tem um resultado prático visível em termos econômicos ou de outra utilidade que não seja o próprio conhecimento; e por "pesquisa básica" aquela que acumula conhecimentos e informações que podem eventualmente levar a resultados acadêmicos ou aplicados importantes, mas sem fazê-lo diretamente." SCHWARTZMAN, Simon. Pesquisa acadêmica, pesquisa básica e pesquisa aplicada em duas comunidades cientificas. em http://www.schwartzman.org.br/simon/acad_ap.htm>. Acesso 19/03/2013. 107

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108

Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre

Universidade e Sociedade"167. Contudo, ao tratar a respeito da definição de bolsas

de extensão, o Decreto nº 7.416, de 30/12/2010, definiu, entre as ações de

extensão, o projeto de extensão como a "ação formalizada, com objetivo específico

e prazo determinado, visando resultado de mútuo interesse, para a sociedade e para

a comunidade acadêmica" (art. 7º, inciso II)168.

Ademais, o mesmo Decreto inseriu dentro da extensão universitária as

atividades de inovação ou extensão tecnológica, as práticas culturais e artísticas e o

desenvolvimento de políticas públicas prioritárias (art. 7º, §3º). Ensejou, ainda, o

enquadramento da prestação de serviços institucionais no conceito de extensão, se

assim entender a universidade compreendida dentre suas atividades de extensão

(art. 8º).

167

O conceito de extensão universitária foi cunhado no Plano Nacional de Extensão em 1988: "A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como conseqüências a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. (Plano Nacional de Extensão, 1988).‖

-Reitores de Extensão das Un . Coordenação Nacional do FORPROEX.— Belo Horizonte: Coopmed, 2007, p. 12.

168 "Art. 7º Consideram-se atividades de extensão, para os fins deste Decreto: I - programa: conjunto

articulado de projetos e ações de médio e longo prazos, cujas diretrizes e escopo de interação com a sociedade, no que se refere à abrangência territorial e populacional, se integre às linhas de ensino e pesquisa desenvolvidas pela instituição, nos termos de seus projetos político-pedagógico e de desenvolvimento institucional; II - projeto: ação formalizada, com objetivo específico e prazo determinado, visando resultado de mútuo interesse, para a sociedade e para a comunidade acadêmica; III - evento: ação de curta duração, sem caráter continuado, e baseado em projeto específico; e IV - curso: ação que articula de maneira sistemática ensino e extensão, seja para formação continuada, aperfeiçoamento, especialização ou disseminação de conhecimentos, com carga horária e processo de avaliação formal definidos. (...). §3º Podem ser consideradas no âmbito da extensão as atividades de inovação ou extensão tecnológica, as práticas culturais e artísticas e o desenvolvimento de políticas públicas prioritárias, entre outros. Art. 8º A prestação institucional de serviços, se admitida como modalidade de extensão, nos termos da disciplina própria da instituição, em vista de justificativa acadêmica não enseja a concessão de bolsas de extensão, aplicando-se as disposições sobre estágio, nos termos da Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Parágrafo único. A prestação institucional de serviços de que trata o caput refere-se ao estudo e solução de problemas dos meios profissional ou social, com a participação orientada de estudantes, e ao desenvolvimento, pelos docentes, de novas abordagens pedagógicas e de pesquisa, bem como a transferência de conhecimentos e tecnologia à sociedade."

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No tocante aos projetos de desenvolvimento institucional, houve grande

polêmica quanto à ampla interpretação dada ao conceito de "desenvolvimento

institucional". O histórico do tema será melhor desenvolvido no capítulo referente à

jurisprudência do Tribunal de Contas da União a respeito das fundações de apoio.

Para fins da classificação deste capítulo, será utilizada a definição contida no

Decreto nº 7.423, de 31/12/2010, que define como desenvolvimento institucional "os

programas, projetos, atividades e operações especiais, inclusive de natureza

infraestrutural, material e laboratorial, que levem à melhoria mensurável das

condições das IFES e demais ICTs, para o cumprimento eficiente e eficaz de sua

missão, conforme descrita no Plano de Desenvolvimento Institucional."169

Se inicialmente a norma apresenta o conceito como abrangente, em seguida

o limita, vedando a inclusão em seu conceito de objetos genéricos, desvinculados de

projetos específicos, bem como a melhoria de infraestrutura deverá limitar-se às

obras laboratoriais, aquisição de materiais e equipamentos e outros insumos

especificamente relacionados às atividades de inovação e pesquisa científica e

tecnológica. Por fim, elenca casuisticamente atividades e serviços que não

considera como desenvolvimento institucional, como "manutenção predial ou

infraestrutural, conservação, limpeza, vigilância e reparos"; além de "serviços

administrativos, como copeiragem, recepção, secretariado, serviços na área de

informática, gráficos, reprográficos e de telefonia, demais atividades administrativas

de rotina, e respectivas expansões vegetativas, inclusive por meio do aumento no

número total de funcionários"; e " outras tarefas que não estejam objetivamente

definidas no Plano de Desenvolvimento Institucional da instituição apoiada".

169

"Art. 2º Para os fins deste Decreto, entende-se por desenvolvimento institucional os programas, projetos, atividades e operações especiais, inclusive de natureza infraestrutural, material e laboratorial, que levem à melhoria mensurável das condições das IFES e demais ICTs, para o cumprimento eficiente e eficaz de sua missão, conforme descrita no Plano de Desenvolvimento Institucional, vedada, em qualquer caso, a contratação de objetos genéricos, desvinculados de projetos específicos. §1º A atuação da fundação de apoio em projetos de desenvolvimento institucional para a melhoria de infra-estrutura deverá limitar-se às obras laboratoriais, aquisição de materiais e equipamentos e outros insumos especificamente relacionados às atividades de inovação e pesquisa científica e tecnológica. §2º É vedado o enquadramento, no conceito de desenvolvimento institucional, de: I - atividades como manutenção predial ou infraestrutural, conservação, limpeza, vigilância e reparos; II - serviços administrativos, como copeiragem, recepção, secretariado, serviços na área de informática, gráficos, reprográficos e de telefonia, demais atividades administrativas de rotina, e respectivas expansões vegetativas, inclusive por meio do aumento no número total de funcionários; e III - realização de outras tarefas que não estejam objetivamente definidas no Plano de Desenvolvimento Institucional da instituição apoiada."

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Por sua vez, os projetos de desenvolvimento científico e tecnológico podem

ser incluídos dentre os projetos de pesquisa, uma vez que o desenvolvimento

científico e tecnológico está diretamente associado às atividades de inovação, fruto

da pesquisa científica.

2) Personalidade jurídica de direito privado sem fins lucrativos: deverão estar

constituídas na forma de fundações de direito privado, sem fins lucrativos, regidas

pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil" (art. 2º)

Ao estatuir que as fundações de apoio deverão ter a forma de fundações de

direito privado, visou o legislador impedir que outras pessoas jurídicas buscassem

habilitação como fundações de apoio. No tocante à inexistência de fins lucrativos,

ainda que não exista dissenso doutrinário a respeito de que as entidades que

exercem atividade de natureza social não podem ter fins lucrativos, assim entendido

como a distribuição de resultados financeiros entre seus associados170, tendo em

vista a omissão legal do código civil a esse respeito, reiterou a lei a necessidade de

que as fundações de apoio constem de seus estatutos a inexistência de finalidade

lucrativa.

3) Princípios de natureza administrativa pública: "estatutos cujas normas

170

Neste sentido, Airton Grazzioli: "Na presente obra, reiteradamente afirmamos não ser possível a existência de uma fundação com fins lucrativos. Essa assertiva, contudo, pode gerar dúvidas no leitor, pois podemos indagar como sobrevive uma entidade que não atue no mercado, que não se permita realizar atividade superavitária, um dos elementos mais importantes no mundo capitalista. Certamente, por maior que seja o seu patrimônio, com o decorrer dos anos ele será aniquilado. (...). Como já assinalamos por ocasião da introdução a este capítulo, o que não se permite às fundações é a sua atuação puramente empresarial, com vistas somente a obter o lucro e distribuí-lo entre seus responsáveis. Seria o mesmo que dizer que a fundação tem por finalidade a busca incessante do lucro, com vistas ao enriquecimento da entidade e de seus dirigentes, o que é vedado pela própria natureza do instituto. Se o Código Civil foi claro ao disciplinar que as fundações devem ter finalidades sociais, elas não podem, jamais, possuir finalidade lucrativa, que nada mais é que a vedação da distribuição de superávit entre seus componentes. Concluímos, portanto, que a fundação não pode desenvolver atividade econômica se estar for seu único escopo. Forma diversa ocorre quando essa atividade for apenas um meio para assegurar a realização de seus fins sociais como será analisado no item seguinte". GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2009. p. 144-145.

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expressamente disponham sobre a observância dos princípios da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência". (art. 2º)

Esta parte da definição denota a grande aproximação existente entre as

fundações de apoio e o regime jurídico administrativo. Com efeito,

independentemente das fundações firmarem contratos ou convênios com as

instituições apoiadas, exige a lei para qualificação destas como fundações de apoio

que sejam incorporados nos estatutos da fundação de apoio princípios típicos do

regime jurídico administrativo.

A determinação interfere diretamente na personalidade jurídica de direito

privado, publicizando as fundações, que passam a ter de seguir princípios típicos da

administração pública autárquica, aplicáveis às instituições que elas apoiam. Sua

razão de existência justifica-se na peculiar característica assumida pelas fundações

de apoio de se constituírem em uma longa manus das IFES, motivo pelo qual é

razoável que tenham de se submeter a princípios típicos da administração pública.

4) Fiscalização pelo Ministério Público: "fiscalização pelo Ministério Público, nos

termos do Código Civil e do Código de Processo Civil"; (art.2º, I) - CC 66 e CPC

1.199-1.204

A fiscalização pelo Ministério Público novamente reforça a natureza jurídica

de fundações de direito privada, diferenciando-as das fundações públicas, uma vez

que apenas aquelas são fiscalizadas pelo órgão ministerial. Remetemos às

considerações constantes do item "Fiscalização da Fundações pelo Poder Público"

constante deste capítulo.

5) Credenciadas a cada dois anos pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da

Ciência e Tecnologia: " prévio registro e credenciamento no Ministério da Educação

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e do Desporto e no Ministério da Ciência e Tecnologia, renovável bienalmente".

(art.2º, II)

O credenciamento das fundações privadas junto aos Ministérios da Educação

e da Ciência e Tecnologia, como condição prévia à caracterização como fundações

de apoio foi previsto no art. 1º do Decreto nº 7.423, de 31/12/2010171, que

regulamenta a Lei nº 8.958, de 20/12/1994. Entre os requisitos para aprovação do

credenciamento, está a necessidade de deliberação do órgão colegiado superior da

instituição apoiada, manifestando prévia concordância com o registro e

credenciamento (art. 4º, IV) acompanhado de norma que discipline o relacionamento

entre as entidades (art. 4º, V).

Outro requisito especialmente imposto às fundações de apoio como

mecanismo de controle e adequação de seus desígnios aos fins da instituição

apoiada, é a exigência de que na composição dos órgãos dirigentes da entidade,

mais da metade dos membros deverá ter sido indicada pelo órgão colegiado

superior da instituição apoiada e, no mínimo, um membro deverá provir de entidades

científicas, empresariais ou profissionais, sem vínculo com a instituição apoiada . 171

"Art. 1o A caracterização das fundações a que se refere o art. 1

º da Lei n

o 8.958, de 20 de

dezembro de 1994, como fundação de apoio a Instituições Federais de Ensino Superior - IFES e demais Instituições Científicas e Tecnológicas - ICTs, é condicionada ao prévio registro e credenciamento, por ato conjunto dos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, nos termos do inciso III do art. 2º da referida Lei e da regulamentação estabelecida por este Decreto. Parágrafo único. A fundação registrada e credenciada como fundação de apoio visa dar suporte a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das instituições apoiadas e, primordialmente, ao desenvolvimento da inovação e da pesquisa científica e tecnológica, criando condições mais propícias a que as instituições apoiadas estabeleçam relações com o ambiente externo. (...). Art. 4

o O pedido de registro e credenciamento

previsto no art. 3o deverá ser instruído com os seguintes documentos: I - estatuto social da fundação

de apoio, comprovando finalidade não lucrativa e que os membros dos seus conselhos não são remunerados pelo exercício de suas funções; II - atas do órgão colegiado superior da instituição apoiada e dos órgãos da fundação de apoio, comprovando a composição dos órgãos dirigentes da entidade, dos quais mais da metade deverá ter sido indicada pelo órgão colegiado superior da instituição apoiada e, no mínimo, um membro deverá provir de entidades científicas, empresariais ou profissionais, sem vínculo com a instituição apoiada; III - certidões expedidas pelos órgãos públicos competentes para a comprovação da regularidade jurídica, fiscal e previdenciária da fundação; IV - ata de deliberação do órgão colegiado superior da instituição apoiada, manifestando prévia concordância com o registro e credenciamento da entidade como fundação de apoio; e V - norma aprovada pelo órgão colegiado superior da instituição apoiada que discipline seu relacionamento com a fundação de apoio especialmente quanto aos projetos desenvolvidos com sua colaboração. § 1º No caso das demais ICTs, que não se configurem como IFES, o percentual da composição dos órgãos dirigentes da fundação de apoio a que se refere o inciso II do caput será definido por ato conjunto dos Ministros de Estado da Educação e da Ciência e Tecnologia. (Incluído pelo Decreto nº 7544, de 2011)"

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A respeito do credenciamento, deverão as fundações, ainda, preencher os

requisitos constantes da Portaria Interministerial nº 3.185, de 14 de setembro de

2004, com redação pela e artigos e incisos inseridos pela Portaria Interministerial nº

475/MEC/MCT, de 14 de abril de 2008, que além dos requisitos acima citados,

elenca elementos de comprovação da regularidade contábil e fiscal da fundação a

ser credenciada172.

3.9. Conclusão

Em decorrência das obrigações legais que lhes foram impostas as fundações

de apoio receberam uma condição peculiar em relação às demais fundações

privadas, adquirindo assim um regime jurídico peculiar de pessoas privadas

submetidas ao regime jurídico de direito público. São fundações privadas que se

preencherem determinados requisitos e forem reconhecidas como tal pelo conselho

superior das instituições apoiadas, adquirirão o credenciamento como fundações de

172

Portaria Interministerial nº 3.185, de 14/09/2004 (com redação pela Portaria Interministerial no 475/MEC/MCT): "Art. 1º-A. São condições para o registro e credenciamento de que trata esta Portaria: I - estatuto referendado pelo conselho superior da instituição apoiada; II - órgão deliberativo superior da fundação integrado por, no mínimo, um terço de membros designados pelo conselho superior da instituição apoiada; III - demonstrações contábeis do exercício social, acompanhadas de parecer de auditoria independente, bem como relatório anual de gestão, encaminhados ao conselho superior da instituição apoiada para apreciação em até 60 (sessenta) dias, após a devida aprovação pelo órgão deliberativo superior da fundação; IV - projetos de pesquisa ou extensão com a participação de no mínimo 2/3 (dois terços) de pessoal da instituição apoiada; V - incorporação de parcela sobre projetos captados ao orçamento da instituição apoiada, à conta de recursos próprios, na forma da legislação orçamentária. Parágrafo único. A comprovação do cumprimento das disposições contidas nos incisos II, IV e V deverá constar do relatório anual de gestão. Art. 2º. O requerimento de registro e credenciamento da Fundação de Apoio deverá ser instruído com os documentos, originais ou em cópias autenticadas, comprobatórios das seguintes condições: I - finalidade não lucrativa e exercício gratuito dos membros da diretoria e dos conselhos, comprovados mediante versão atualizada do Estatuto; II - regularidade fiscal comprovada por Intermédio das certidões expedidas pelos órgãos públicos competentes; III - inquestionável reputação ético-profissional, atestada ou declarada por autoridade pública ou pessoa jurídica de direito público; IV - ata da reunião do conselho superior competente da instituição federal a ser apoiada, na qual manifeste prévia concordância com o credenciamento da interessada como sua fundação de apoio; V - comprovar a sua boa e regular capacidade financeira e patrimonial, mediante a apresentação do balanço patrimonial e de demonstrações contábeis do último exercício social, acompanhados das respectivas atas de aprovação pelo órgão de deliberação máxima da Fundação, não podendo substituí-los por balancetes ou balanços provisórios; e VI - demonstrar, por intermédio de relatório de atividades e outros documentos, que a Fundação tem apoiado as instituições de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica na consecução dos seus objetivos. §1º. As certidões de que trata o inciso II referem-se ao Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, aos tributos federais e estaduais, às contribuições sociais e aos recolhimentos para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS."

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apoio. Seus representantes obrigatoriamente deverão compreender em sua maioria

membros indicados pelas instituições apoiadas.

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4. Legislação Federal sobre Fundações de Apoio

4.1. Introdução e Proposta de Classificação

A legislação federal referente às fundações de apoio é relativamente recente

e pode ser sintetizada nos seguintes diplomas legais:

1) Lei nº 8.958, de 20/11/1994 (marco regulatório);

2) Decreto nº 5.250, de 14/09/2004 (revogado pelo Decreto nº 7.423, de

31/12/2010);

3) Lei nº 10.973, de 02/12/2004 (Lei de Inovação);

4) Decreto nº 5.563, de 11/10/2005 (regulamenta a Lei de Inovação);

5) Lei nº 12.349, de 15/12/2010 (conversão da Medida Provisória nº 495, de

19/07/2010); e

6) Decreto nº 7.423, de 31/12/2010 (regulamenta a Lei nº 8.958/94, de

20/11/1994).

As fundações de apoio, mesmo antes da edição de seu marco regulatório, a

Lei nº 8.958/94, de 20/11/1994, já exerciam um papel importante no ambiente

universitário. A inexistência de uma legislação específica ao tema, entretanto, trazia

insegurança jurídica às parcerias e contratos firmados entre estas e as

universidades apoiadas. Neste sentido, verifica-se neste período algumas tentativas

de normatização das fundações de apoio e sua relação com as universidades

federais. Entre elas, o Projeto de Lei do Senado nº 88, de 07/11/1988 (Projeto de Lei

nº 1407/1988), vetado pelo Presidente da República em 13/05/1991 em razão de

falta de interesse público, por entender que a proposta permitiria uma fuga das IFES

dos controles internos, além de multiplicar as fundações de apoio; e a Portaria MEC

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nº 1.125, de 21/07/1992, dispondo a respeito dos requisitos para credenciamento

das fundações de apoio perante o MEC. A edição de uma lei específica para as

fundações de apoio às IFES veio de encontro aos anseios da comunidade

universitária, apreensiva com os posicionamentos desfavoráveis do Tribunal de

Contas da União a respeito da legalidade da realização de tais parcerias sem um

embasamento legal.

Para fins de melhor exposição da evolução legislativa das normas atinentes

às fundações de apoio, propõe-se classificar a legislação em três períodos

cronológicos, didaticamente denominados de (i) iniciativa, (ii) criação de um modelo

e (iii) consolidação:

i) Iniciativa - O primeiro período, anterior à existência de legislação específica

sobre o tema até a promulgação da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, é marcado pela

iniciativa das universidades na instituição das fundações de apoio. Este ciclo

compreende as normas ou tentativas de normatização do tema, como o Projeto de

Lei do Senado nº 88, de 07/11/1988, a Portaria MEC nº 1.125 de 21/07/1992 e a Lei

nº 8.958, de 20/12/1994.

ii) Criação de um modelo - O segundo período, abrangendo o intervalo de

tempo após a promulgação da Lei nº 8.958, de 20/12/1994 até a edição do Decreto

nº 5.205, de 14/09/2004, assinala a tentativa de criação de um modelo institucional

para as fundações de apoio.

iii) Consolidação - O terceiro período abarca o espaço desde a promulgação

do Decreto nº 5.205, de 14/09/2004 até o presente momento, passando pela edição

do Decreto nº 7.423, de 31/12/2010. Neste período nota-se a consolidação das

fundações de apoio como uma extensão das IFES, com a inserção legal daquelas

na política de inovação científica com a edição da Lei nº 10.973, de 02/12/2004 e

sua respectiva regulamentação, o Decreto nº 5.563, de 11/10/2005. Igualmente, a

alteração da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, pela Medida Provisória nº 495, de

19/07/2010 (posteriormente convertida na Lei nº 12.349, de 15/12/2010), e sua

regulamentação pelo Decreto nº 7.423, de 31/12/2010 (revogando o Decreto nº

5.205, 14/09/2004), trouxeram um maior detalhamento das hipóteses e modalidades

contratuais e das parcerias permitidas, apontando para um amadurecimento

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institucional de tais entes.

4.2. Iniciativa - até a edição da Lei nº 8.958/1994

O primeiro período - até a promulgação da Lei nº 8.958, de 20/12/1994 -, é

assinalado por uma iniciativa difundida pelas universidades de criação das

fundações de apoio, não havendo uniformidade na criação de tais entes ou em sua

conformação jurídica, ou mesmo quanto à origem dos recursos de sua criação e às

formas de sua interação com as IFES, não existindo identidade dentre as fundações

constituídas exceto pela finalidade de apoio às IFES.

Neste ciclo, a partir da jurisprudência do Tribunal de Contas da União, as

fundações de apoio às IFES foram classificadas em dois grupos distintos, tendo por

critério de diferenciação a origem do seu patrimônio: as (i) fundações de apoio

constituídas pelas IFES, criadas por iniciativa das próprias universidades e com

aporte de recursos públicos para a constituição de seu patrimônio; e as (ii)

fundações de apoio constituídas no âmbito das IFES, criadas sem aporte de

recursos públicos ao patrimônio destas173.

Anteriormente à edição da Lei nº 8.958/94, de 20/12/1994, tinha-se como

preocupação a legalização de tais instituições, que haviam se proliferado em âmbito

nacional, independente de disposição legal específica a respeito destas, implicando,

não raro, na irregularidade de constituição destas ou das suas parcerias com as

IFES apoiadas.

No tocante às fundações de apoio constituídas pelas IFES, entendeu a Corte

de Contas por considerá-las fundações públicas, pois constituídas por patrimônio

público. Neste caso, a ilegalidade verificava-se em razão de sua criação não ser

173

A classificação foi cunhada no ano de 1987, a partir de parecer elaborado pela 6º Inspetoria-Geral de Controle Externo do TCU, em Decisão do Plenário do Tribunal de Contas da União, na Tomada de Contas 004.117/87-5, de 10/12/1987: ―3. As conclusões acima transcritas implicam inclusive no atendimento parcial à solicitação formulada pelo Sr. Ministro de Estado da Educação, decorrem da classificação das referidas Fundações de Apoio Administrativo, propostas pela 6ª IGCE, em 2 (duas) espécies distintas, quais sejam: - AS INSTITUÍDAS PELAS UNIVERSIDADES; E - AS CONSTITUÍDAS NO ÂMBITO DAS UNIVERSIDADES.‖ Diário Oficial, Seção I, 04-01-1988, p. 51.

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precedida de autorização legal, em desacordo com o artigo 2º, alínea ―a‖, do

Decreto-Lei nº 900, de 1969, e posteriormente em desacordo com o art. 5º, inciso IV,

do Decreto-Lei nº 200, de 1967, com redação pela Lei nº 7.596, de 1987174.

Por sua vez, em relação às fundações de apoio constituídas no âmbito das

IFES, apesar de possuírem inegável personalidade jurídica de direito privado, a

ilegalidade frequentemente decorria da constituição de vínculos jurídicos contratuais

sem permissivos legais apropriados. Como exemplo, contratações das fundações de

apoio pelas IFES por intermédio de dispensa ou inexigibilidade de licitação com

enquadramento em dispositivos legais destinados a entes da administração pública;

prática comum (e sem qualquer embasamento jurídico) efetuada pelas IFES à

época175.

Na fase cronológica sob análise, assinala-se uma nítida intenção do legislador

em vincular as fundações de apoio ao regime jurídico privado (art. 1º, §1º),

diferenciando-as das IFES apoiadas. Bem demonstra esta preocupação nos artigos

1º e 9º do Projeto de Lei do Senado Federal nº 88, de 1988176:

174

Dispunha, antes de sua revogação pela Lei 7.596/1987, o citado artigo: ―Art. 2º Não serão instituídas pelo Poder Público novas fundações que não satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos e condições: a) dotação específica de patrimônio, gerido pelos órgãos de direção da fundação segundo os objetivos estabelecidos na respectiva lei de criação; (...)." Com a edição da Lei 7.596/1987, o art. Do Decreto-Lei 200, de 1967, passa a impedir a criação sem previsão legal: ―Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes. (…). § 3º As entidades de que trata o inciso IV deste artigo adquirem personalidade jurídica com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, não se lhes aplicando as demais disposições do Código Civil concernentes às fundações.‖

175 Por possuírem personalidade jurídica de direito privado, e não integrarem a Administração Pública,

não poderiam se beneficiar destas hipóteses de dispensa de licitação. Era a redação do Decreto-Lei nº 2.300, de 21/11/1986, que tratava a respeito das licitações no serviço público federal: ―Art. 23. E inexigível a licitação quando houver inviabilidade jurídica de competição, em especial: (...). IV - quando a operação envolver exclusivamente pessoas jurídicas de direito público interno, ou entidades paraestatais ou, ainda, aquelas sujeitas ao seu controle majoritário, exceto se houver empresas privadas que possam prestar ou fornecer os mesmos bens ou serviços, hipótese em que todas ficarão sujeitas à licitação.‖ Anteriormente à edição do Decreto-Lei nº 2300, de 21/11/1986, Previa o Decreto Lei nº 200, de 1967, a respeito da dispensa de licitação para contratação de pessoas jurídicas de direito público: ―Art. 126. As compras, obras e serviços efetuar-se-ão com estrita observância do princípio da licitação. (...). § 2º É dispensável a licitação: (...). f) quando a operação envolver concessionário de serviço público ou, exclusivamente, pessoas de direito público interno ou entidades sujeitas ao seu contrôle majoritário; (...).‖

176 Fonte: Diário do Congresso Nacional, Seção I, 15-12-1990, p. 14480. É importante notar que a

proposta de legislação restringia os objetivos da atuação das fundações ao projetos de pesquisa e de extensão, objetivos que posteriormente foram ampliados na Lei 8958/94: ―Art. 3º Compete às

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Art.1º. Ficam reconhecidas e legitimadas as Fundações de Apoio, sem fins lucrativos, instituídas pelas Instituições Federais de Ensino Superior, ou criadas no âmbito, com a finalidade de apoio ao desenvolvimento de seus projetos de pesquisas, extensão, gerenciamento das atividades de saúde e assistência ao estudante. §1º A entidade de que cogita esta lei é pessoa jurídica de direito privado. §2º O reconhecimento das Fundações de Apoio dependerá de aprovação prévia de seus estatutos pelo Ministério da Educação. (...). Art. 9º. As Instituições Federais de Ensino Superior poderão, por deliberação de seu órgão máximo, instituir Fundação de apoio desde que seja respeitado o disposto nesta lei.

O art. 9º igualmente demonstra a intenção do legislador em fomentar e

ampliar estas instituições, estabelecendo uma previsão legal às IFES para que

pudessem criar outras fundações de apoio, independentemente de previsão legal

específica. No entanto, a proliferação destas instituições não se mostrava

consonante à política do Poder Executivo, que optou por vetar o projeto de lei, pois

entendeu que o Projeto de Lei estimularia as universidades a se multiplicarem nas

fundações de apoio. 177

Fundações reconhecidas ou criadas na forma desta lei exercer as atividades de apoio técnico à execução de projetos de pesquisa e de extensão do interesse da respectiva Instituição Federal de Ensino Superior, participando elas diretamente do procedimento de apresentação, aprovação e gestão de projetos, após prévia autorização da Instituição Federal.‖ Destaca-se, ainda, certa preocupação do legislador com o respeito aos princípios administrativos de impessoalidade, bem como quanto ao controle pelas IFES: ―Art. 5º Na gestão financeira dos recursos oriundos do tesouro Nacional, obrigam-se as fundações de que trata esta lei a: I - observar os princípios e normas constitucionais e legais, referentes à contratação de obras, bens e serviços, bem como à alienação de bens móveis e imóveis, II- prestar contas dos recursos recebidos ao órgão financiador e ao Tribunal de Contas da União. Art. 6º Submetem-se as fundações de apoio ao controle finalístico das respectivas Instituições Federais de ensino Superior, sem prejuízo da fiscalização exercida pelo Ministério Público, na forma da legislação vigente.‖

177 Foram as razões de veto expostas pelo Presidente da República (DOU, Seção I, 13-05-1991, p

8966): ―Inequivocamente, a criação dessas Fundações de Apoio, a pretexto de flexibilizar e dinamizar as atividades universitárias, tem o propósito de subtraí-las dos controles internos e externos a que estão sujeitas todas as entidades que utilizam dinheiro público. São evidenciados os aspectos negativos manifestados com a intensa proliferação das fundações – verdadeiro abuso de direito – que são traduzidos pela flagrante superposição de esforços e ações, abrangendo recursos humanos, financeiros e materiais, para que sejam alcançados objetivos idênticos aos das entidades universitárias. Constituem, então, extensões das entidades de ensino, que atuam com a maior liberdade na aplicação dos recursos públicos que lhes são fornecidos. Muitas das fundações funcionam no recinto das universidades, usando gratuitamente seus bens, com infração da lei. Com o Projeto de Lei ora apreciado não são afastadas, nem sanadas, as sérias lesões ao interesse público acima expostas. Ao contrário: é consolidada a já extensa rede das Fundações de Apoio e estimulada a sua ampliação. Pois contempla as universidades com uma ilimitada faculdade de se multiplicarem nessas fundações, compreendidas as que sejam criadas no seu âmbito e que continuarão isentas da supervisão ministerial e até mesmo, pelo texto ora vetado, do integral controle que, ao Tribunal de Contas da União, é conferido pela Constituição (art. 71, incisos II, III e IV). Inconciliável, portanto com o interesse público esta proposição."

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Preocupou-se o legislador, ademais, no Projeto de Lei, em propiciar

preferência às fundações de apoio em contratações públicas das IFES, prevendo no

art. 4º do Projeto de Lei do Senado nº 88, de 07/11/1988, a hipótese de

inexigibilidade de licitação para o relacionamento entre as fundações de apoio e as

IFES apoiadas, bem como a possibilidade de uso da infraestrutura do órgão

público178.

O conteúdo das disposições legais refletia a influência da jurisprudência do

TCU neste período. Em uma das primeiras decisões do Tribunal em relação às

fundações de apoio, a Decisão do Plenário na Tomada de Contas nº 34.430/80, de

25/03/1982, em que se analisava a prestação de contas da Universidade Federal do

Espírito Santo (UFES), há a indicação de irregularidade por falta de previsão legal

para criação das fundações de apoio pelas IFES, bem como uma crítica da fuga dos

controles previstos para a Administração Pública. Posiciona-se o TCU, a partir deste

julgado, a tratar as fundações de apoio como órgãos públicos em extensão das

próprias IFES, em razão da origem pública de seus patrimônios. Desta forma,

submetia as fundações de apoio às mesmas normas ordinárias previstas para as

IFES.

Nota-se também uma influência direta do TCU na redação do anteprojeto de

lei em comento se confrontado com a Decisão do Plenário na Tomada de Contas nº

004.117/87-5, de 10/12/1987, que classificou as fundações de apoio em dois grupos:

1) Fundações de Apoio constituídas pelas IFES, cuja criação a IFES contribuiu, total

ou parcialmente, com recursos públicos; e 2) Fundações de Apoio constituídas no

âmbito das IFES, sem destinação de recursos públicos à formação do patrimônio.

Os dois precedentes serão abordados com melhor detalhamento no próximo

capitulo.

178

Constava do projeto de lei ―Art. 4º A fundação de Apoio de que trata esta lei, devidamente cadastrada no Ministério da Educação, poderá: I- celebrar contratos, convênios, acordos e ajustes de: a) apoio técnico com a respectiva Instituição Federal de Ensino Superior; b) financiamento e gestão de projetos científicos tecnológicos e culturais com agências financiadoras oficiais e particulares; c) prestação de serviços científicos, tecnológicos, médicos e culturais com entidades da administração pública e particulares; d) assistência ao corpo discente da respectiva Instituição Federal de ensino Superior. II – utilizar-se de bens, serviços e agentes da respectiva Instituição Federal de ensino Superior para o seu funcionamento, mediante procedimento legal próprio. Parágrafo único. É inexigível a licitação para o desempenho das atividades referidas neste artigo, quando a entidade contratante ou contratada for a respectiva Instituição Federal de ensino Superior, submetendo-se a fundação à legislação vigente sobre a matéria nos demais casos.‖ Diário do Congresso Nacional, Seção I, 15-12-1990, p. 14480.

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Ainda que não destinado especificamente às fundações de apoio, mas

atingindo diretamente o relacionamento das IFES com suas fundações, é importante

mencionar o Decreto nº 95.904, de 07/04/1988, que determinava que ―nenhum

benefício administrativo poderá ser concedido a pessoas jurídicas criadas, junto a

órgãos ou entidades da Administração Federal, sem autorização legislativa

específica, com ou sem a participação de servidores dos referidos órgãos ou

entidades, qualquer que seja a sua forma e finalidade" (art. 1º). Previa, igualmente,

que ―as pessoas jurídicas, instituídas por órgãos ou entidades da Administração

Federal, em virtude de mero ato administrativo, sem autorização legal, serão

dissolvidas no prazo de trinta dias‖ (art. 4º).

O Decreto nº 95.904/1988, entretanto, teve suas disposições prorrogadas e

suspensas pelos Decretos nº 96.017, de 06.05.88, e nº 96.263, de 01/07/1988, até

ser ver revogado pelo Decreto nº 99.509, de 05/09/1990.

Com o veto presidencial em maio de 1991 ao Projeto de Lei do Senado

Federal nº 88, de 07/11/1988, o TCU volta a solicitar a adoção de medidas para

regularização ou extinção das fundações de apoio instituídas pela IFES (TC

004.979/87-7, Sessão de 21.11.91), todavia, com a edição da Lei nº 8.958/94, o

próprio TCU revê seu entendimento quanto a remessa das contas das fundações

instituídas pelas IFES na Decisão nº 230/95, passando a tratar as fundações de

apoio como entidades privadas.

Foi buscado pelo Ministério da Educação, ainda, a regulamentação do

relacionamento das fundações de apoio com as IFES, com a edição da Portaria nº

1.125, de 21-07-1992 (DOU, Seção I, 22-07-1992, p.9743), que permitia às IFES a

utilização dos serviços das fundações de apoio desde que estas se encontrassem

cadastradas perante o Ministério. O cadastramento, por sua vez, exigia das

fundações a comprovação, entre outros requisitos, do controle finalístico pela IFES

bem como a participação no quadro estatutário de um representante da instituição

de ensino179.

179

Portaria nº 1.125, de 21/07/1992, Diário Oficial, Seção I, 22/07/1992, p. 9743. Previa a portaria: ―Art. 1º. A utilização, pelas instituições federais de ensino superior, dos serviços de fundações de apoio criadas com a finalidade de colaborar na elaboração e execução de seus projetos de pesquisa, ensino e extensão universitária e no gerenciamento das atividades dos hospitais de ensino, obedecerão ao disposto nesta Portaria. §1º As fundações de apoio, pessoas jurídicas de direito

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Com a obtenção do cadastramento, as fundações de apoio poderiam exercer

diversas atividades relacionadas às finalidades institucionais das IFES, como

participar da gestão de projetos, gerenciar atividades de prestação de serviços de

assistência médica nos hospitais de ensino180 e apoiar atividades culturais181.

Importante frisar que a Portaria nº 1.125, de 21/07/1992, do Ministério da

Educação, vedava expressamente que as IFES assumissem o pagamento de

débitos contraídos pelas fundações de apoio, especialmente no tocante à mão de

obra contratada, o que denota a disseminada prática de contratação das fundações

de apoio para contratação de pessoal para as universidades. A disposição foi

incorporada, posteriormente, pela Lei nº 8.958, de 20/12/1994182.

4.2.1. Lei 8.958/1994

privado deverão, para as finalidades previstas neste artigo, ser cadastradas no Ministério da Educação. §2º O cadastramento far-se-á mediante a comprovação dos seguintes requisitos: I - controle finalístico pela respectiva instituição federal de ensino superior, sem prejuízo da fiscalização exercida pelo Ministério Público, na forma da legislação pertinente; II - participação, no colegiado máximo da fundação de apoio, de um representante da instituição federal de ensino superior, indicado pelo colegiado máximo desta; III - exercício gratuito das funções de direção e de participação em órgãos de deliberação coletiva da fundação de apoio; IV - comprovação de sua capacidade financeira e patrimonial; V- regularidade de sua situação como pessoa jurídica; VI - comprovação, pela via estatutária, de sua finalidade não lucrativa.‖

180 Cabe frisar que a gerência dos hospitais universitários federais foi objeto em 2009 de um extenso

trabalho de auditoria pelo TCU, que diagnosticou diversas problemas envolvendo tal prática. Acórdão nº 2.813/2009 - Plenário, DOU 27/11/2009.

181 Era a redação da Portaria 1.125, de 21/07/1992, do Ministério da Educação: ―Art. 2º As fundações

de apoio, após o cadastramento, estão habilitadas a exercer, quando autorizadas pelas instituições federais de ensino superior, mediante convênios, contratos, acordos e ajustes, as atividades previstas no artigo anterior, inclusive: I - participar do processo de apresentação e gestão dos projetos; II - gerenciar as atividades de prestação de serviços de assistência médica nos hospitais de ensino; III - instituir e apoiar bolsas de estudos; IV - apoiar atividades artísticas, culturais e esportivas; Art. 3º Quando os convênios envolverem a aplicação de recursos públicos, as fundações de apoio se obrigam a: I – observar os princípios básicos nos procedimentos seletivos referentes à contratação e execução de obras, bens e serviços, bem assim na alienação e aquisição de bens imóveis, que envolvam tais recursos, com terceiros; II - prestar contas dos recursos recebidos, ao órgão repassador.‖

182 Constou da Portaria 1.125, de 21/07/1992, do Ministério da Educação: ―Art. 4º Ficam vedadas às

instituições federais de ensino superior o pagamento de débitos contraídos pelas fundações de apoio e a responsabilidade, a qualquer título, em relação ao pessoal por estas contratado. Posteriormente, foi previsto na Lei 8.958/94: "Art. 5º Fica vedado às instituições federais contratantes o pagamento de débitos contraídos pelas instituições contratadas na forma desta lei e a responsabilidade a qualquer título, em relação ao pessoal por estas contratado, inclusive na utilização de pessoal da instituição, conforme previsto no art. 4º desta lei.‖

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Com a edição da Lei nº 8.958, de 20/12/1994 (a partir do Projeto de Lei nº

4.460, de 1994), marco regulatório da legislação sobre fundações de apoio, é

realizada a esperada regulamentação a respeito do tema, como anunciado na

mensagem de veto presidencial ao Projeto de Lei do Senado nº 88, 07/11/1988. O

diploma legal tinha por seu principal escopo regularizar a existência das fundações e

sua relação com as IFES183. A edição da norma atendia à demanda dos dirigentes

das IFES, diminuindo a vulnerabilidade das parcerias e contratações destas com

suas fundações de apoio perante os órgãos de controle. A legislação propiciaria,

assim, a tão almejada liberdade de ação administrativa, que se daria por intermédio

de uma fuga das regras e princípios da administração pública pela atuação das

fundações de apoio.

Estes objetivos ficam nítidos ao visualizarmos o resumido conteúdo da

legislação, que prevê, em síntese:184

183

A Exposição de Motivos elaborada pelo Ministério da Educação deixa clara a intenção de se utilizar das fundações de apoio para intermediação de ações lucrativas das IFES, operando como instrumento de exercício da autonomia administrativa. Neste sentido, destacamos os seguintes excertos da exposição: ―Para que as IFES possam cumprir seus objetivos básicos e ao mesmo tempo participar e contribuir juntamente com outros órgãos na promoção do desenvolvimento científico, da pesquisa e da capacitação tecnológica do país, tornam-se necessários recursos complementares e extraordinários, bem como um aparelhamento gerencial adequado. (...). Procurou-se, então, elaborar o Anteprojeto de Lei, que definisse normas orientadoras das relações entre as IFES e as Fundações de Apoio, de forma a evitar eventuais desvios por falta de um parâmetro legal. Dentro desta ótica, estão previstos no texto do Anteprojeto os mecanismos de controle, necessários e compatíveis. Na verdade, Senhor Presidente, o Ministério da Educação e do Desporto, com base nas demandas das IFES e de consultas a elas endereçadas, buscou a formulação de uma proposta que contemplasse tanto a flexibilidade administrativa necessária à boa gestão dos projetos, quanto preservasse a autonomia universitária, contribuindo, inclusive, para o exercício da mesma.‖ Diário do Congresso Nacional, Seção I, 06/04/1994, p. 4802.

184 Era a redação original da Lei 8.958, de 20/12/1994: “Art. 1º As instituições federais de ensino

superior e de pesquisa científica e tecnológica poderão contratar, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e por prazo determinado, instituições criadas com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das instituições federais contratantes. Art. 2º As instituições a que se refere o art. 1º deverão estar constituídas na forma de fundações de direito privado, sem fins lucrativos, regidas pelo Código Civil Brasileiro, e sujeitas, em especial: I - a fiscalização pelo Ministério Público, nos termos do Código Civil e do Código de Processo Civil; II - à legislação trabalhista; III - ao prévio registro e credenciamento no Ministério da Educação e do Desporto e no Ministério da Ciência e Tecnologia, renovável bienalmente. Art. 3º Na execução de convênios, contratos, acordos e/ou ajustes que envolvam a aplicação de recursos públicos, as fundações contratadas na forma desta lei serão obrigadas a: I - observar a legislação federal que institui normas para licitações e contratos da administração pública, referentes à contratação de obras, compras e serviços; II - prestar contas dos recursos aplicados aos órgãos públicos financiadores; III - submeter-se ao controle finalístico e de gestão pelo órgão máximo da Instituição Federal de Ensino ou similar da entidade contratante; IV - submeter-se à fiscalização da execução dos contratos de que trata esta lei pelo Tribunal de Contas da União e pelo órgão de controle interno competente. Art. 4º As instituições federais contratantes poderão autorizar, de acordo com as normas aprovadas pelo órgão de direção superior competente, a participação de seus servidores nas atividades realizadas pelas

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a) a possibilidade de contratação das fundações de apoio por dispensa de

licitação;

b) constituição jurídica das fundações de apoio como entidades de direito

privado;

c) cadastramento das fundações de apoio pelos Ministério da Educação e da

Ciência e Tecnologia;

d) controle finalístico das fundações de apoio pelas IFES; e

e) autorização da utilização de bens, serviços e participação de pessoal das

IFES pelas fundações de apoio.

O escopo de legalizar a situação das fundações é igualmente nítido na

exposição de motivos da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, elaborada pelo Ministério da

Educação, afirmando textualmente o escopo da proposta legislativa de se evitar

desvios por falta de um parâmetro legal, bem como proporcionar ―a flexibilidade

administrativa necessária à boa gestão dos projetos‖ e o mesmo tempo preservar a

autonomia universitária.185

fundações referidas no art. 1º desta lei, sem prejuízo de suas atribuições funcionais. §1º A participação de servidores das instituições federais contratantes nas atividades previstas no art. 1º desta lei, autorizada nos termos deste artigo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, podendo as fundações contratadas, para sua execução, concederem bolsas de ensino, de pesquisa e de extensão. §2º É vedada aos servidores públicos federais a participação nas atividades referidas no caput durante a jornada de trabalho a que estão sujeitos, excetuada a colaboração esporádica, remunerada ou não, em assuntos de sua especialidade, de acordo com as normas referidas no caput. §3º É vedada a utilização dos contratados referidos no caput para a contratação de pessoal administrativo, de manutenção, docentes ou pesquisadores para prestarem serviços ou atender necessidades de caráter permanente das instituições federais contratantes. Art. 5º Fica vedado às instituições federais contratantes o pagamento de débitos contraídos pelas instituições contratadas na forma desta lei e a responsabilidade a qualquer título, em relação ao pessoal por estas contratado, inclusive na utilização de pessoal da instituição, conforme previsto no art. 4º desta lei. Art. 6º No exato cumprimento das finalidades referidas nesta lei, poderão as fundações de apoio, por meio de instrumento legal próprio, utilizar-se de bens e serviços da instituição federal contratante, mediante ressarcimento e pelo prazo estritamente necessário à elaboração e execução do projeto de ensino, pesquisa e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de efetivo interesse das instituições federais contratantes e objeto do contrato firmado entre ambas.‖

185 Consta da exposição de motivos: ―Procurou-se, então, elaborar o Anteprojeto de Lei, que definisse

normas orientadoras das relações entre as IFES e as Fundações de Apoio, de forma a evitar

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Com a edição da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, portanto, legaliza-se a situação

de jurídica de diversas fundações de apoio, bem como de suas parcerias e contratos

com as IFES, abrindo caminho para uma inserção definitiva e ampla das fundações

no ambiente universitário público, que se tornariam as principais interlocutoras das

IFES com o mercado, intermediando as principais ações rentáveis das

universidades186.

Sem embargo, a possibilidade de contratação das fundações de apoio por

dispensa de licitação legalizou a dispensa de licitação que era duramente criticada

pelo TCU187. Igualmente, a determinação legal de constituição das mesmas na forma

de entidades de direito privado sem fins lucrativos, implicou em uma definição de

apenas uma formatação jurídica para tais entidades, e tornou desnecessária a

classificação dualista do TCU188.

eventuais desvios por falta de um parâmetro legal. Dentro desta ótica, estão previstos no texto do Anteprojeto os mecanismos de controle, necessários e compatíveis. Na verdade, Senhor Presidente, o Ministério da Educação e do Desporto, com base nas demandas das IFES e de consultas a elas endereçadas, buscou a formulação de uma proposta que contemplasse tanto a flexibilidade administrativa necessária à boa gestão dos projetos, quanto preservasse a autonomia universitária, contribuindo, inclusive, para o exercício da mesma.‖ Inobstante o cumprimento dos preceitos legais, no que tange à fiscalização, o TCU tem levantado questionamentos, tanto no que se refere à significância de seu papel junto às IFES, quanto na sua natureza jurídica, ora classificando-as como instituições públicas, ora privadas, ambas sofrendo restrições que inviabilizariam seu relacionamento com as IFES." Fonte: Diário do Congresso Nacional, Seção I, 06/04/1994, p. 4803.

186 A respeito da edição da Lei nº 8.958, de 20/12/1994 e o real alcance de seus dispositivos

manifestou-se o Ministro do Tribunal de Contas da União, Valmir Campelo: ―O advento da Lei 8.95/94 representou um atendimento do Legislativo à demanda de dirigentes das universidade, cujos anseios abrangiam a conquista de maior liberdade de ação administrativa de modo a dar flexibilidade às regras clássicas vigentes sobre a administração pública. Entretanto, a abertura oferecida pela referida lei não foi tão generosa, em face de que não poderia contrapor-se a orientações já estabelecidas na Constituição Federal e em outros normativos precedentes, a exemplo da Lei nº 4.320/64, Decreto-Lei 53/66, Decreto-Lei nº 2.300/86 e Decreto-Lei nº 200/67. Creio que a contribuição maior da Lei nº 8.958/94 esteja na formalização e embasamento à existência das fundações, pois veja-se que na prática não as desvinculou da submissão aos normativos que regem a administração no que se refere ao gerenciamento de recursos financeiros e às contratações, notadamente de obras, serviços e pessoal. Pretensões nessa área foram contidas, pois legislador entendeu que mesmo as universidades não deveriam fugir à contribuição no esforço em ajustar-se às diretrizes estabelecidas pelo Estado, desde a década de 1960, ratificadas com a Constituição de 1988.‖ HENRIQUES, Antonio Manoel Dias; MALHEIROS, Telca Maria (Organizadores). A Universidade de Brasília e suas Fundações de apoio. Aspectos legais e administrativos. Brasília: FINATEC, FUBRA, FEPAD. 2003. p. 66.

187 Previu a Lei nº 8.958, de 20/12/1994, em seu primeiro artigo: ―Art. 1º As instituições federais de

ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica poderão contratar, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e por prazo determinado, instituições criadas com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das instituições federais contratantes.‖

188 “Lei nº 8.958/1994. Art. 2º As instituições a que se refere o art. 1º deverão estar constituídas na

forma de fundações de direito privado, sem fins lucrativos, regidas pelo Código Civil Brasileiro, e

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A legislação, entretanto, estabeleceu mecanismos de controle mais rígidos às

fundações de apoio que aqueles ordinariamente impostos às fundações. É

estipulado um controle finalístico das fundações de apoio pelas IFES, bem como a

observância das normas relativas à licitação. Tais disposições implicavam em uma

aproximação das fundações ao regime jurídico administrativo, tendo em vista que,

apesar de se constituírem em pessoas jurídicas de direito privado, haveria um

controle finalístico de tais entes pelas IFES, incremental ao já efetuado pelo

Ministério Público em relação às fundações189..

Cite-se, ainda, a legalização pelo artigo 6º da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, da

possibilidade de utilização de bens, serviços das IFES nos contratos ou convênios

firmados com as fundações de apoio, mediante ressarcimento às IFES por esta

utilização190. Foi prevista, igualmente, a participação de servidores das IFES nas

atividades realizadas pelas fundações, desde que em acordo com normas a serem

aprovadas pelas IFES.

A legislação, por sua vez, buscando evitar a contratação irregular de pessoal

no serviço público, vedou a contratação de pessoal administrativo, de manutenção,

docentes ou pesquisadores para prestarem serviços ou atender necessidades de

caráter permanente das instituições federais contratantes, conforme previsão do art.

4º, §3º191.

sujeitas, em especial: I - a fiscalização pelo Ministério Público, nos termos do Código Civil e do Código de Processo Civil; II - à legislação trabalhista; III - ao prévio registro e credenciamento no Ministério da Educação e do Desporto e no Ministério da Ciência e Tecnologia, renovável bienalmente.‖

189 ―Lei nº 8.958/1994. Art. 3º Na execução de convênios, contratos, acordos e/ou ajustes que

envolvam a aplicação de recursos públicos, as fundações contratadas na forma desta lei serão obrigadas a: I - observar a legislação federal que institui normas para licitações e contratos da administração pública, referentes à contratação de obras, compras e serviços; II - prestar contas dos recursos aplicados aos órgãos públicos financiadores; III - submeter-se ao controle finalístico e de gestão pelo órgão máximo da Instituição Federal de Ensino ou similar da entidade contratante; IV - submeter-se à fiscalização da execução dos contratos de que trata esta lei pelo Tribunal de Contas da União e pelo órgão de controle interno competente.‖

190 “Lei nº 8.958/1994. Art. 6º No exato cumprimento das finalidades referidas nesta lei, poderão as

fundações de apoio, por meio de instrumento legal próprio, utilizar-se de bens e serviços da instituição federal contratante, mediante ressarcimento e pelo prazo estritamente necessário à elaboração e execução do projeto de ensino, pesquisa e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de efetivo interesse das instituições federais contratantes e objeto do contrato firmado entre ambas.‖

191 ―Art. 4º As instituições federais contratantes poderão autorizar, de acordo com as normas

aprovadas pelo órgão de direção superior competente, a participação de seus servidores nas atividades realizadas pelas fundações referidas no art. 1º desta lei, sem prejuízo de suas atribuições

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Em razão da própria concisão da legislação, todavia, sua aplicação prática

assumiu uma amplitude talvez não imaginada pelo próprio legislador, implicando em

uma utilização deturpada de seus dispositivos pelos seus destinatários,

especialmente a disseminada transferência de diversas atividades próprias das

universidades para as fundações, como demonstrada pela farta jurisprudência do

TCU que seguiu à edição da Lei nº 8.958, de 20/12/1994.

4.3. Após a edição da Lei nº 8.958/1994 até o Decreto nº 5.205/2004 – Criação de

um Modelo

Aa edição da Lei 8.958, de 20/12/1994, proporciona a criação de um ambiente

propício ao aumento das relações entre as IFES e suas fundações de apoio. Sem

embargo, nota-se que os gestores sentem-se mais seguros em transferir às

fundações diversas atividades administrativas das IFES sob o manto do amplo e

vago conceito de desenvolvimento institucional contido na redação original da Lei nº

8.958, de 20/12/1994.

A própria Administração Pública Federal parecer ter visto nas fundações de

apoio uma forma de instrumentalizar a expansão das IFES, como fica nítido no

relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho Interministerial criado por Decreto de 20

de outubro de 2003, que enxergava nas fundações de apoio uma forma de

viabilização da autonomia universitária192.

funcionais. § 1º A participação de servidores das instituições federais contratantes nas atividades previstas no art. 1º desta lei, autorizada nos termos deste artigo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, podendo as fundações contratadas, para sua execução, concederem bolsas de ensino, de pesquisa e de extensão. § 2º É vedada aos servidores públicos federais a participação nas atividades referidas no caput durante a jornada de trabalho a que estão sujeitos, excetuada a colaboração esporádica, remunerada ou não, em assuntos de sua especialidade, de acordo com as normas referidas no caput. § 3º É vedada a utilização dos contratados referidos no caput para a contratação de pessoal administrativo, de manutenção, docentes ou pesquisadores para prestarem serviços ou atender necessidades de caráter permanente das instituições federais contratantes.‖

192 O Grupo de Trabalho Interministerial foi criado por Decreto de 20 de outubro de 2003, composto

por membros da Casa Civil e da Secretaria-Geral da Presidência da República e dos Ministérios da Ciência e Tecnologia, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda e da Educação tendo por objetivo sugerir ideias para enfrentar a crise das universidades federais e orientar o processo de reforma da universidade brasileira. Destaca-se no relatório: ―2.5 Regulamentação das relações entre as universidades e as fundações de apoio. Como forma de contornar a falta de autonomia legal,

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128

Com efeito, constata-se no ciclo sob análise a prática sistemática de

transferência às fundações de apoio das mais diversas atividades da universidade,

com fundamento no art. 1º da lei nº 8.958, de 20/12/1994, c/c nº 8.666, de

21/07/1993, art. 24, XIII, que sob o amplo conceito de desenvolvimento institucional

permitia enquadrar, em última análise, todas as atividades da universidade, visto que

todas elas implicariam, em tese, em um desenvolvimento institucional.

Após dez anos de sua edição, com o Decreto nº 5.205, de 14/09/2004, a Lei

nº 8.958, de 20/12/1994, recebeu sua regulamentação. Entre outros pontos

relevantes, o citado Decreto corroborou a (i) hipótese da contratação por dispensa

de licitação (art. 1º, §5º); (ii) a possibilidade de contratação de pessoal complementar

não integrante das universidades, desde que não utilizados na prestação de serviços

permanentes (art. 3º); e (iii) permitiu a participação de servidores das instituições de

ensino no conselho das fundações de apoio, desde que não remunerados e

aprovados pela entidade apoiada (art. 4º).

O Decreto não se limitou, todavia, a corroborar as disposições da Lei nº

8.958, de 20/12/1994, e regulamentou diversas áreas dessa lei que careciam de

melhor delineamento e, em razão deste seu caráter vago, propiciavam a

possibilidade de desvirtuamento da aplicação da lei. Assim, buscou a norma

estabelecer uma definição legal ao controvertido conceito de desenvolvimento

institucional, entendendo-o como ―programas, ações, projetos e atividades, inclusive

aqueles de natureza infraestrutural", que melhorasse as condições das IFES para o

cumprimento da sua missão institucional. Como forma de controle, as atividades em

comento deveriam estar consignadas em plano institucional aprovado pelo órgão

superior da instituição (art.1º §3º). A definição do conceito de desenvolvimento

a partir dos anos 80, as universidades passaram a utilizar fundações de apoio, contratadas pelos órgãos de controle e pela comunidade. Na realidade de hoje não é possível prescindir das fundações, que têm um grande papel a cumprir no funcionamento autônomo das universidades federais, ao mesmo tempo em que se definem regras claras para o funcionamento delas, pela lisura e transparência. Nesse sentido, o MEC e o MCT elaboraram uma proposta de regulamentação das relações entre universidades e fundações de apoio, já em tramitação no Governo, na forma de proposta de Decreto‖. E conclui entre suas propostas para reforma universitária: ―Com esses dois instrumentos – autonomia e Fundação de Apoio – as universidades federais certamente disporiam de condições não só para aumentar a captação de recursos, mas também para gerenciar com mais eficiência e previsibilidade os recursos que conseguir captar‖. (BRASIL. Grupo de Trabalho Interministerial. Bases para o enfrentamento da crise emergencial das universidades federais e roteiro para a reforma universitária brasileira. Brasília, 2003. Mimeografado. Disponível em: http://www.anped.org.br/reformauniversitaria3.pdf – acesso em 24/10/2012).

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institucional pelo Decreto nº 5.205, de 14/09/2004, entretanto, não logrou definir a

contento de forma a impedir a já difundida utilização deturparda do conceito. O

delineamento efetivo do conceito apenas veio a ocorrer com a edição da medida

provisória nº 495, de 19/07/2010.

O regulamento da lei balizou, outrossim, os parâmetros da participação de

servidores das IFES nas atividades das fundações de apoio, especialmente quanto

ao pagamento de bolsas, classificando-as como de ensino, pesquisa ou extensão,

conforme o objeto do projeto a qual estivesse vinculada. Neste sentido, o Decreto nº

5.205, de 14/09/2004, foi bem sucedido ao descrever em seu artigo 6º um proveitoso

detalhamento a respeito da caracterização das bolsas de ensino, pesquisa e

extensão previstas nos projetos das fundações de apoio193. O detalhado conceito de

bolsa, contudo, não foi reproduzido na legislação revogadora do decreto, ficando a

cargo de legislações específicas além da doutrina e da jurisprudência a definição de

seu conteúdo e caracterização194.

4.4. Após a edição do Decreto nº5.205/2004 – Consolidação

A regulamentação efetuada pelo Decreto nº 5.205, de 14/09/2004, contudo,

193

Constava da redação do Decreto nº 5.205, de 14/09/2004: ―Art. 6º As bolsas de ensino, pesquisa e extensão a que se refere o art. 4º, §1º, da Lei 8.958, de 1994, constituem-se em doação civil a servidores das instituições apoiadas para a realização de estudos e pesquisas e sua disseminação à sociedade, cujos resultados não revertam economicamente para o doador ou pessoa interposta, nem importem contraprestação de serviços. §1º A bolsa de ensino constitui-se em instrumento de apoio e incentivo a projetos de formação e capacitação de recursos humanos. §2º A bolsa de pesquisa constitui-se em instrumento de apoio e incentivo à execução de projetos de pesquisa científica e tecnológica. §3º A bolsa de extensão constitui-se em instrumento de apoio à execução de projetos desenvolvidos em interação com os diversos setores da sociedade que visem ao intercâmbio e ao aprimoramento do conhecimento utilizado, bem como ao desenvolvimento institucional, científico e tecnológico da instituição federal de ensino superior ou de pesquisa científica e tecnológica apoiada. §4º Somente poderão ser caracterizadas como bolsas, nos termos deste Decreto, aquelas que estiverem expressamente previstas, identificados valores, periodicidade, duração e beneficiários, no teor dos projetos a que se refere este artigo. Art. 7º As bolsas concedidas nos termos deste Decreto são isentas do imposto de renda, conforme o disposto no art. 26 da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e não integram a base de cálculo de incidência da contribuição previdenciária prevista no art. 28, incisos I a III, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991."

194 Neste sentido, a Lei nº 12.155, de 23/12/2009, regulamentada pela Decreto nº 7.416, de

30/12/2010, definem as atividades de extensão universitária e preveem as hipóteses de pagamento de bolsas de extensão.

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permanecia imprecisa no tocante ao controverso conceito de desenvolvimento

institucional. Consoante exposto anteriormente, o detalhamento do conceito de

desenvolvimento institucional na verdade implicou em uma maior abrangência do

mesmo. Com a inclusão na definição de desenvolvimento institucional de

programas, ações, projetos e até atividades de natureza infraestrutural que

levassem ―à melhoria das condições das instituições federais de ensino superior e

de pesquisa científica e tecnológica para o cumprimento de sua missão institucional‖,

qualquer atividade poderia, em efeitos práticos, ser incluída neste conceito se fosse

possível demonstrar um incremento de tais atividades. Se anteriormente à edição do

decreto nº 5.205, de 14/09/2004, ―desenvolvimento institucional‖ era um conceito em

branco, a definição trazida pelo Decreto ampliou por completo seus horizontes,

fornecendo um embasamento jurídico para transferência às fundações de apoio de

qualquer atividade realizada pelas IFES.

Também se constata um fortalecimento das fundações de apoio com a edição

da Lei nº 10.973, de 02/12/2004, que as incorporou ao sistema da Lei de Inovação

Científica, incluindo-as entre os principais atores da inovação científica e

tecnológica195. A inclusão das fundações na legislação científica era esperada, tendo

em vista que no Brasil a pesquisa científica, com raras exceções, está centralizada

nas IFES ou em órgãos estatais que costumam ser integrados por docentes e

pesquisadores das IFES196.

É indiciária desta política governamental a exposição de motivos da Lei nº

10.973, de 02/12/2004, ao explicar a inclusão na lei de inovação da possibilidade

das Instituições de Pesquisa e IFES adquirirem recursos com a utilização de seus

laboratórios por outras instituições, como forma de coibir a realização desta prática

195

O texto legal deixa clara a intenção do legislador e figurar as fundações como interlocutoras da relação universidade (pesquisa) e empresa (inovação): ―Art. 10. Os acordos e contratos firmados entre as ICT, as instituições de apoio, agências de fomento e as entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, cujo objeto seja compatível com a finalidade desta Lei, poderão prever recursos para cobertura de despesas operacionais e administrativas incorridas na execução destes acordos e contratos, observados os critérios do regulamento."

196 Apesar de não utilizado expressamente o termo ―fundação de apoio‖, a Lei nº 10.973, 02/12/2004,

definiu como ―instituição de apoio‖, as ―instituições criadas sob o amparo da Lei nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994, com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico."

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131

com intermediação das fundações de apoio, no denominado ―jeitinho brasileiro‖.197

A lei nitidamente também procurou legalizar, afastando uma crítica constante

do TCU, a cobrança pelas fundações de apoio de taxa de administração para

execução dos projetos, estabelecendo a possibilidade das instituições de apoio

preverem a cobrança de despesas operacionais e administrativas na execução dos

convênios e contratos firmados entre elas e as IFES198.

No final do ano de 2008, no entanto, o Tribunal de Contas consolidou sua

jurisprudência a respeito das fundações de apoio no acórdão nº 2.731/2008.

Resultado de uma ampla fiscalização instaurada pelo TCU para analisar em âmbito

nacional o relacionamento entre as IFES e suas fundações de apoio. O acórdão é

paradigmático para o tema, tendo traçado um diagnóstico geral da situação das

IFES e suas fundações de apoio. Neste diagnóstico, foram elencados possíveis

desvirtuamentos das finalidades institucionais das fundações de apoio e, por

conseguinte, um distanciamento dos instrumentos de controle de recursos públicos.

Este afastamento do controle ocorria em razão de muitas fundações de apoio terem

197

-, mas de maneira precária, na base do conhecido 'jeitinho

brasileiro', como demonstram, por exemplo, as fundações criadas para tal em várias universidades, de que são exemplos a FIP - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo, e a FINATEC, da Universidadelegal desse importante instrumento de crescimento e de desenvolvimento dessas entidades.‖ É a redação do art. 4º da Lei nº 10.973, de 2004: ―Art. 4º As ICT poderão, mediante remuneração e por prazo determinado, nos termos de contrato ou convênio: I - compartilhar seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações com microempresas e empresas de pequeno porte em atividades voltadas à inovação tecnológica, para a consecução de atividades de incubação, sem prejuízo de sua atividade finalística; II - permitir a utilização de seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes em suas próprias dependências por empresas nacionais e organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, desde que tal permissão não interfira diretamente na sua atividade-fim, nem com ela conflite. Parágrafo único. A permissão e o compartilhamento de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo obedecerão às prioridades, critérios e requisitos aprovados e divulgados pelo órgão máximo da ICT, observadas as respectivas disponibilidades e assegurada a igualdade de oportunidades às empresas e organizações interessadas." A

tecnológica. Não se pode pretender maiores avanços nesse setor se as universidades brasileiras e demais instituições de pesquisa ficarem na dependência apenas dos parcos recursos orçamentários, que, de ano para ano, decrescem de valor. Ora, podendo elas dispor de outras fontes de recursos, por certo poderão sempre melhorar os seus laboratórios e outros equipamentos necessários ao mister, como também aperfeiçoar os seus recursos humanos.‖

198 Dispõe o artigo 10 da Lei 10.973, de 02/12/2004: ―Art. 10. Os acordos e contratos firmados entre

as ICT, as instituições de apoio, agências de fomento e as entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, cujo objeto seja compatível com a finalidade desta Lei, poderão prever recursos para cobertura de despesas operacionais e administrativas incorridas na execução destes acordos e contratos, observados os critérios do regulamento.‖

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passado a realizar a gestão administrativa das universidades, gerindo recursos

públicos fora do regime administrativo público. O acórdão nº 2.731/2008 será melhor

abordado no capítulo seguinte, onde se demonstrará com maior detalhamento sua

grande influência na relação das fundações de apoio com as IFES.

O acórdão causou grande impacto no âmbito das IFES, tendo sido editada

aproximadamente dezoito meses após a deliberação, a Medida Provisória nº 495, de

19/07/2010, que em seus dispositivos legais incorporava parte significativa das

determinações da citada deliberação do Plenário do TCU.

A Medida Provisória nº 495, de 19/07/2010, posteriormente convertida na Lei

nº 12.394, de 15/12/2010, alterou substancialmente a Lei nº 8.958, de 20/12/1994,

acrescentando um maior detalhamento às prescrições deste diploma legal. Com a

edição da medida provisória, há uma grande aproximação das fundações de apoio

ao regime jurídico administrativo, bem como um maior controle de tais entes pela

IFES, que passam a exercer maior ingerência no direcionamento institucional das

fundações.

Dentro do espírito de incorporação das recomendações do Tribunal de Contas

da União, a medida provisória alterou redação do artigo 1º da Lei nº 8.954, de

20/12/1994, para expressamente excluir do conceito de desenvolvimento

institucional atividades como manutenção predial ou infraestrutural, conservação,

limpeza, vigilância, reparos, copeiragem, recepção, secretariado, serviços

administrativos na área de informática, gráficos, reprográficos e de telefonia e

demais atividades administrativas de rotina199.

199

É a redação do artigo 1º da Lei 8.958/94 com redação dada pela Medida Provisória 495/2010, posteriormente convertida na Lei 12.394/2010: ―Art. 1º. As Instituições Federais de Ensino Superior - IFES e as demais Instituições Científicas e Tecnológicas - ICTs, sobre as quais dispõe a Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004, poderão celebrar convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, por prazo determinado, com fundações instituídas com a finalidade de dar apoio a projetos de ensino, pesquisa e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico, inclusive na gestão administrativa e financeira estritamente necessária à execução desses projetos. §1º Para os fins do que dispõe esta Lei, entendem-se por desenvolvimento institucional os programas, projetos, atividades e operações especiais, inclusive de natureza infraestrutural, material e laboratorial, que levem à melhoria mensurável das condições das IFES e demais ICTs, para cumprimento eficiente e eficaz de sua missão, conforme descrita no plano de desenvolvimento institucional, vedada, em qualquer caso, a contratação de objetos genéricos, desvinculados de projetos específicos. §2º A atuação da fundação de apoio em projetos de desenvolvimento institucional para melhoria de infraestrutura limitar-se-á às obras laboratoriais e à aquisição de materiais, equipamentos e outros insumos diretamente relacionados às atividades de inovação e pesquisa científica e tecnológica. §3º É vedado o enquadramento no conceito de

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Entre outras inovações conceituais trazidas pela nova legislação, é importante

destacar a proibição de subcontratação total, ou das parcelas mais relevantes, dos

objetos dos contratos ou convênios firmados entre as IFES e as fundações. Foi

vedada, assim, na redação do §4º, do artigo 1º, da Lei nº 8.958/94, de 20/12/1994, a

subcontratação total ou parcial que delegue a terceiros o núcleo do objeto

contratado200.

Foi introduzido também pela Medida Provisória nº 495, de 19/07/2010, a

específica previsão da possibilidade dos órgãos oficiais de fomento firmarem

diretamente com as fundações de apoio contratos ou convênios. Desta forma, foi

disposto em Lei que a Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, a Secretaria

Executiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT,

o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e as

Agências Financeiras Oficiais de Fomento poderiam realizar convênios e contratos

com as fundações de apoio, por prazo determinado, com fundamento no inciso XIII

do art. 24 da Lei no nº 8.666, de 21/07/1993. Os citados acordos deveriam ter como

finalidade o apoio às IFES e ICTs, permitindo-se inclusive a possibilidade de

atribuição às fundações da gestão administrativa e financeira dos projetos

mencionados no caput do art. 1º, desde que contassem com a anuência expressa

das instituições apoiadas201.

desenvolvimento institucional, quando financiadas com recursos repassados pelas IFES e demais ICTs às fundações de apoio, de: I - atividades como manutenção predial ou infraestrutural, conservação, limpeza, vigilância, reparos, copeiragem, recepção, secretariado, serviços administrativos na área de informática, gráficos, reprográficos e de telefonia e demais atividades administrativas de rotina, bem como as respectivas expansões vegetativas, inclusive por meio do aumento no número total de pessoal; e II - outras tarefas que não estejam objetivamente definidas no Plano de Desenvolvimento Institucional da instituição apoiada.‖

200 Previu o §4º do art. 1º da Lei 8.958/94 com redação dada pela Lei 12.349/2010: ―§4º É vedada a

subcontratação total do objeto dos ajustes realizados pelas IFES e ICTs com as fundações de apoio, com base no disposto nesta Lei, bem como a subcontratação parcial que delegue a terceiros a execução do núcleo do objeto contratado.‖

201 O TCU havia entendido como irregular o convênio direto entre as fundações e os órgãos oficiais

de fomento no acórdão nº 2.731/2008. O posicionamento, foi posteriormente flexibilizado nos acórdãos nº 510/2009 (Dou 04/06/2010), e nº 1.184/2010 (Dou 31/03/2009), ambos do plenário do TCU. Ao final, a divergência foi totalmente afasta com a nova redação do artigo 1º-A, da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, dada pela Lei nº 12.349, de 31/12/2010: ―Art. 1º-A. A Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, como secretaria executiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e as Agências Financeiras Oficiais de Fomento poderão realizar convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, por prazo determinado, com as fundações de apoio, com finalidade de dar apoio às IFES e às ICTs, inclusive na gestão administrativa e financeira dos projetos mencionados no caput do art. 1º, com a anuência expressa

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A medida provisória nº 495, de 19/07/2010, igualmente inseriu na lei o dever

de transparência das fundações de apoio com os recursos e pagamentos efetuados

na execução dos contratos firmados com IFES e ICTs, bem como dos relatórios

semestrais destes (art. 4º-A e incisos I a III). A previsão foi posteriormente ampliada

pela Lei nº 12.394, de 15/12/2010, que incluiu na obrigação de divulgação todos os

pagamentos efetuados pelas fundações na execução dos contratos e convênios

firmados com fundamento na Lei nº 8.958, de 20/12/1994 bem como da divulgação

da prestação de contas dos mesmos (art. 4º-A e incisos IV e V). Introduziu-se aos

órgãos e entidades públicas concedentes ou contratantes, ademais, a prerrogativa

do acesso aos processos, documentos e informações relativas aos recursos

públicos recebidos pelas fundações de apoio nos acordos efetuados com base na

Lei nº 8.958, de 20/12/1994, bem como aos locais de execução do objeto do

contrato ou convênio (art. 4º-C)202.

Com a conversão da Medida Provisória nº 495, de 19/07/2010 na Lei nº

12.349, de 15/12/2010, sobreveio a regulamentação deste diploma legal pelo

Decreto nº 7.423, de 31/12/2010. O Decreto elencou de forma temática suas

disposições, classificando em cinco capítulos suas disposições: registro e

credenciamento (capítulo I); relações entre fundações de apoio e instituições

apoiadas (capítulo II); bolsas (capítulo III); contratos e convênios (capítulo IV); e

acompanhamento e controle (capítulo V).

das instituições apoiadas.‖

202 ―Art. 4º-A. Serão divulgados, na íntegra, em sítio mantido pela fundação de apoio na rede mundial

de computadores - internet: I - os instrumentos contratuais de que trata esta Lei, firmados e mantidos pela fundação de apoio com as IFES e demais ICTs, bem como com a FINEP, o CNPq e as Agências Financeiras Oficiais de Fomento; II - os relatórios semestrais de execução dos contratos de que trata o inciso I, indicando os valores executados, as atividades, as obras e os serviços realizados, discriminados por projeto, unidade acadêmica ou pesquisa beneficiária; III - a relação dos pagamentos efetuados a servidores ou agentes públicos de qualquer natureza em decorrência dos contratos de que trata o inciso I; IV - a relação dos pagamentos de qualquer natureza efetuados a pessoas físicas e jurídicas em decorrência dos contratos de que trata o inciso I; e V - as prestações de contas dos instrumentos contratuais de que trata esta Lei, firmados e mantidos pela fundação de apoio com as IFES e demais ICTs, bem como com a FINEP, o CNPq e as Agências Financeiras Oficiais de Fomento. Art. 4º-B. As fundações de apoio poderão conceder bolsas de ensino, pesquisa e extensão e de estímulo à inovação aos alunos de graduação e pós-graduação vinculadas a projetos institucionais das IFES e demais ICTs apoiadas, na forma da regulamentação específica, observados os princípios referidos no art. 2º. Art. 4º-C. É assegurado o acesso dos órgãos e das entidades públicas concedentes ou contratantes e do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo federal aos processos, aos documentos e às informações referentes aos recursos públicos recebidos pelas fundações de apoio enquadradas na situação prevista no art. 1º desta Lei, bem como aos locais de execução do objeto do contrato ou convênio.‖

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O registro e o credenciamento das fundações tornou-se mais complexo com a

inserção de novos requisitos que não estavam previstos pela Portaria

Interministerial, dos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, nº 3.185, de

14/09/2004, com redação dada pela Portaria Interministerial nº 475/MEC/MCT, de

14/04/2008.

No tocante ao relacionamento entre fundações de apoio e instituições

apoiadas, há uma verdadeira evolução nas previsões legais sobre o tema se

comparado aos lacônicos dispositivos da redação originária da Lei nº 8.958, de

20/12/1994. Dentre as disposições relativas ao relacionamento entre IFES e

fundações de apoio, encontra-se a fixação de parâmetros estritos de participação do

pessoal da instituição apoiada, que em regra deverá ser de dois terços de

participação, excepcionalmente admitindo-se um número inferior a esta proporção

(art. 6º, §§ 3º a 11). Incentivou-se, igualmente, a participação do corpo discente da

IFES em tais projetos, com a peculiaridade de que em caso de participação destes

em projeto de extensão em que houver prestação de serviço, haverá um tratamento

equiparado ao de estagiários, observando-se a Lei nº 11.788, de 25/09/2008 (Lei de

Estágio).

Entre as previsões legais que demonstram um maior rigor e detalhamento do

relacionamento entre fundação de apoio e universidade, está a determinação legal

de sua disciplina em norma própria da desta, aprovada por seu órgão colegiado

superior, assim como os projetos, que também deverão ser aprovados pelos órgãos

colegiados (art. 6º, caput e §2º). Em cumprimento ao comando legal do art. 1º da Lei

nº 8.958, de 20/12/1994, de que os projetos realizados nos moldes desta legislação

deverão ter prazo determinado, o Decreto nº 7.423, de 31/12/2010, vedou a prática

da não fixação de prazo de finalização do projeto ou a sua reapresentação reiterada,

equiparando-as à indeterminação de prazo (§12, do art. 6) .

Procurando também implementar o comando do art. 6º da Lei nº 8.958, de

20/12/1994, que dispõe a respeito do ressarcimento às IFES pela utilização de seus

bens e serviços pelas fundações de apoio, estabeleceu o Decreto nº 7.423, de

31/12/2010, a necessidade de previsão em um plano de trabalho dos recursos da

instituição apoiada que serão utilizados, bem como os ressarcimentos a eles

pertinentes (art. 6º, §1º, inciso II). No mesmo escopo foi determinada a incorporação

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de parcela dos ganhos decorrentes dos projetos como recursos próprios da

instituição apoiada e não da fundação de apoio (art. 6º, §13º). O conteúdo mínimo

do plano de trabalho deve ainda compreender objeto, projeto básico, prazo de

execução bem como os resultados esperados, metas e respectivos indicadores

(art.6º, §1º, inciso I), reproduzindo o já aplicável art. 116 da lei nº 8.666/93, de

21/07/1993 (Lei de Licitações). O novo regulamento, contudo, amplia a transparência

e o controle sobre tais parcerias, prescrevendo a necessidade de constar do plano

de trabalho a identificação dos participantes, inclusive com seu registro funcional em

caso de servidores públicos, além do valor de eventuais bolsas pagas aos mesmos

(art. 6º, §1º, inciso III). Há também previsão no plano de trabalho dos pagamentos

previstos a pessoas físicas e jurídicas, por prestação de serviços, devidamente

identificados (art. 6º, §1º, inciso IV).

Relativamente às bolsas pagas pelas instituições, se por um lado a

regulamentação anterior, o Decreto nº 5.205, de 14/09/2004, preocupava-se

precipuamente em classificar as bolsas dentro das modalidades de ensino, pesquisa

e extensão, além de reforçar a natureza jurídica das mesmas como doação civil e

isentá-las de imposto de renda e contribuições sociais. Já as disposições do Decreto

nº 7.423, de 31/12/2010, possuem outro objetivo em mira. Com efeito, a ilação

resultante da leitura do art. 7º deste último Decreto é o intento em fixar-se

parâmetros para valoração e concessão das bolsas em razão do cargo e

qualificação acadêmica dos seus beneficiários, tomando como paradigma os valores

das bolsas concedidas pelos órgãos oficiais de fomento (art. 7º §§1º a 3º). Neste

sentido, foi estipulado um teto máximo ao pagamento de bolsas que, quando

adicionadas à remuneração do servidor, não poderão exceder o maior valor recebido

pelo funcionalismo público federal, estando a critério da instituição a fixação de valor

inferior a este teto (art. 7º §§4º e 5º).

Quanto ao conteúdo e limitações dos contratos e convênios a serem firmados

entre IFES e suas fundações de apoio, por sua vez, fica evidente a preocupação em

zelar pelo patrimônio, tangível ou intangível, das IFES apoiadas. Sem embargo,

apesar de não enfrentar a questão da opção entre uma ou outra forma de parceria,

tendo em vista que a escolha por contrato ou por convênio possui implicações

jurídicas completamente diversas, a legislação trouxe disposições que acabam por

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137

se aplicar indistintamente às mesmas203.

Em primeiro lugar, reforçou o Decreto nº 7.423, de 31/12/2010 a necessidade

de se especificar os objetos a serem contratados ou pactuados, relacionando-os às

finalidades institucionais como também as obrigações de cada um dos envolvidos

(art. 9º, incisos I a III).

Preocupou-se, igualmente, em inibir prejuízos, determinando a contabilização

nos convênios, com consequente ressarcimento em razão de sua utilização pelas

fundações de apoio, de todo e qualquer patrimônio da universidade utilizado na

execução do convênio ou contrato. A norma traz em seu texto um conceito amplo de

recursos públicos, nele abrangendo qualquer patrimônio, tangível ou intangível,

desde laboratórios a salas de aula, até mesmo o nome e a imagem da instituição

apoiada, bem como informação, conhecimento e documentação acadêmica gerada

(art.9º, §§ 1º e 2º)204.

O Decreto também vincula-se com a Lei de Inovação, prevendo que os

acordos fundados nesta Lei deverão disciplinar a retribuição dos resultados gerados

pela instituição apoiada, especialmente em termos de propriedade intelectual e

royalties, protegendo, assim, o patrimônio público da apropriação privada (art. 9º, §§

3º e 4º).

A vedação à subcontratação total do objeto a ser executado, ou a

203

A respeito da controvertida diferença entre convênios e contratos remetemos à diferenciação construída por Hely Lopes Meyrelles: ―Convênio é acordo, mas não é contrato. No contrato, as partes têm interesses diversos e opostos; no convênio, os partícipes têm interesses comuns e coincidentes. Por outras palavras: no contrato há sempre duas partes (podendo ter mais de dois signatários); uma que pretende o objeto do ajuste (a obra, o serviço, etc.); outra, que pretende a contraprestação correspondente (o preço, ou qualquer outra vantagem), diversamente do que ocorre no convênio em que não há partes, mas unicamente partícipes com as mesmas pretensões. Por essa razão, no convênio, a posição jurídica dos signatários é uma só idêntica para todos, podendo haver, apenas, diversificação na cooperação de cada um, segundo suas possibilidades para consecução do objetivo comum, desejado por todos.‖ MEYRELLES, Hely Lopes in Direito administrativo Brasileiro, 15ª edição, São Paulo, Malheiros, 1990, p. 350-351.

204 ―Art. 9º §1º O patrimônio, tangível ou intangível, da instituição apoiada utilizado nos projetos

realizados nos termos do § 1º do art. 6º, incluindo laboratórios e salas de aula, recursos humanos, materiais de apoio e de escritório, nome e imagem da instituição, redes de tecnologia de informação, conhecimento e documentação acadêmicos gerados, deve ser considerado como recurso público na contabilização da contribuição de cada uma das partes na execução do contrato ou convênio. §2º O uso de bens e serviços próprios da instituição apoiada deve ser adequadamente contabilizado para a execução de projetos com a participação de fundação de apoio e está condicionado ao estabelecimento de rotinas de justa retribuição e ressarcimento pela fundação de apoio, nos termos do art. 6º da Lei nº 8.958, de 1994.‖

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subcontratação de seu núcleo (art. 10º), é também prevista no Decreto nº7.423, de

31/12/2010, que ainda incorpora aos ajustes efetuados entre as IFES e suas

fundações de apoio a sistemática de prestação de contas por estas (art. 11, caput, e

§§ 1º e 2º). A prestação, consubstanciada em um relatório final, deverá abranger os

aspectos contábeis, de legalidade, efetividade e economicidade, bem como ser

instruída com a respectiva documentação contendo os demonstrativos de receitas e

despesas, além outros documentos pertinentes à demonstração da regularidade

destas e atingimento dos resultados esperados com a parceria.

No tocante ao acompanhamento e controle, o Decreto nº 7.423, de

31/12/2010 coaduna-se com a tendência legislativa de amplo controle e

transparência, contendo prescrições e obrigações às instituições apoiadas, que

deverão realizar um efetivo controle finalístico e de gestão nas fundações de apoio

(art. 12). No desenvolvimento desta função de controle, deverão fiscalizar

especialmente a concessão de bolsas aos servidores e o pagamento pela prestação

de serviços de pessoas físicas e jurídicas com a mesma finalidade (art. 12, §1º).

Como medida de boa prática de fiscalização, impõe-se a observância da segregação

de funções e responsabilidades na gestão dos contratos e convênios. Em

decorrência do abrangente conceito de recursos públicos, a execução dos contratos

que envolvam tais recursos submete-se não só à fiscalização do órgão interno de

auditoria da IFES apoiada, como também à fiscalização do TCU (art. 12, §2º).

Ao final, o Decreto nº 7.423, de 31/12/2010, elenca casuisticamente diversas

práticas vedadas pela legislação mas de frequente constatação em auditorias do

TCU realizadas junto às IFES e suas fundações de apoio. Neste sentido, é de claro

conteúdo instrutivo a determinação para que as IFES zelem para inibir a prática do

pagamento de bolsas como forma de complementação salarial a servidores da

universidade ou como retribuição ao exercício de cargos comissionados ou em

razão do cumprimento de atividades incluídas em seu conteúdo ocupacional

funcional.

4.5. Conclusão: identificação de um movimento legislativo

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A análise cronológica da legislação indica um movimento legislativo

fomentador do repasse das atividades das IFES às suas fundações de apoio,

indicando a intenção da Administração Pública de utilizar o regime privado para

realização das atividades afetas a suas instituições de ensino superior. Esta

sistemática, por outro lado, à medida que foram sendo editados os diplomas

normativos, implicou em uma aproximação das fundações de apoio ao regime

jurídico de direito público, instituindo-se sobre as mesmas diversos encargos de

controle e transparência, além de limitações contratuais, típicas de instituições

públicas, não impostas às demais fundações privadas.

Se inicialmente as fundações de apoio foram buscadas como subterfúgio das

IFES ao rigor, limitações e encargos do regime jurídico de direito público,

convertendo àquelas em verdadeiras administrações paralelas das universidades,

atualmente constata-se um cenário de maior aproximação entre os regimes jurídicos

das IFES e de suas fundações de apoio, decorrente das alterações legislativas

ocorridas. É importante destacar, ainda, na construção deste cenário, o papel da

jurisprudência do Tribunal de Contas da União como mola propulsora das mudanças

legislativas e, especialmente, da inclusão na legislação de instrumentos de controle

e transparência, como será demonstrado no próximo capítulo.

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5. Jurisprudência do Tribunal de Contas da União

5.1. Introdução

Ao longo dos capítulos anteriores procurou-se demonstrar que, apesar de

idealizadas como uma estratégia das universidades públicas de se evadirem do

regime jurídico de direito público na gestão administrativa, as fundações de apoio ao

longo do tempo se aproximaram do regime jurídico de direito público, em virtude da

previsão legal de diversos encargos de controle e transparência, além de limitações

contratuais, típicas de instituições públicas, não impostas às demais fundações

privadas.

A citada inserção de mecanismos de controle ou mesmo a definição de uma

conformação jurídica próprias das fundações de apoio teve na jurisprudência do

Tribunal de Contas da União sua principal fonte causadora. O objetivo deste capítulo

é demonstrar as particularidades deste vínculo de origem; das transformações

ocorridas no regime jurídico das fundações de apoio e as decisões e

posicionamentos da Corte de Contas.

Tendo em vista a baixa repercussão judicial do tema fundação de apoio,

motivo pelo qual optou-se neste trabalho científico pela utilização da jurisprudência

do Tribunal de Contas como fonte de pesquisa, em detrimento dos julgados junto ao

Poder Judiciário. Com efeito, durante muito tempo, a interpretação jurídica

predominante dos dispositivos legais da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, foi a conferida

pelo Tribunal de Contas da União. Nas palavras de Fernando Moutinho Ramalho

Bittencourt:

Assim, reconhecendo que a forma de redação original da lei poderia ensejar legitimamente dúvidas e lacunas nas primeiras etapas de sua execução, o TCU vem fazendo uma 'regulação por aproximações sucessivas', apontando em diferentes casos concretos a inobservância das demais normas legais (ainda que a literalidade da Lei 8.958/94 possa ser atendida nesses mesmos casos). A manifestação do Tribunal tem sido, até o momento, por meio das orientações corretivas permitidas pela sua Lei Orgânica. É preciso

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que o signatário e gestor desse tipo de contratos, no entanto, não deixe de levar em conta que as determinações corretivas já se acumulam há tantos anos, num volume e abrangência tais que é razoável supor que as próximas decisões da Corte passem a considerar irregulares os atos que se adotem com a inobservância dos preceitos legais tantas vezes mencionados e explicados pelo Tribunal.

205

Em continuidade às diversas referências à jurisprudência da Corte de Contas

na construção da legislação sobre o tema, citadas no capítulo anterior deste trabalho

científico, neste capítulo será abordada com maior profundidade a realidade fática e

as construções jurídicas que fundamentaram os posicionamentos do Tribunal de

Contas da União em comento.

5.2. O Tribunal de Contas da União – funções

Como introdução ao tema, faz-se oportuno uma breve exposição respeito das

funções do Tribunal de Contas da União e suas prerrogativas no Estado de Direito,

com o intuito de melhor compreensão dos motivos que levaram a essa proeminência

de seu papel na construção da legislação e, por conseguinte, do regime jurídico das

fundações de apoio.

Dentro dos mecanismos de freios e contrapesos que propiciam equilíbrio

entre os Poderes do Estado, compete ao Congresso Nacional, mediante controle

externo, o controle das contas do Poder Executivo. Neste sentido, previu o legislador

constituinte que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e

patrimonial da União e suas respectivas entidades será realizada pelo Congresso

Nacional. Este controle é efetuado sob as perspectivas de legalidade, legitimidade e

economicidade206.

205

BITTENCOURT, Fernando Moutinho Ramalho. Revista de Informação Legislativa. Brasília. Ano 43. nº 171 jul/set. 2006, p. 309

206 Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, assevera que as fiscalizações de natureza contábil e

operacional, por exemplo, acabam por ser absorvidas pelos controles de legalidade, legitimidade e economicidade: ―No modelo constitucional consagrado no Brasil, o controle – tanto externo, quanto interno – pode ser do tipo legalidade, legitimidade e economicidade. Em Congressos das Entidades de Fiscalização Superior, com pequenas nuanças, é essa trilogia que prevalece. É preciso esclarecer

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Nesta função de controle, o Congresso Nacional é auxiliado pelo Tribunal de

Contas da União207, órgão a quem a Constituição atribuiu, nos artigos 71 e 72 da

Carta Magna, entre outras funções, o julgamento das contas dos administradores

públicos e todos aqueles que façam a gestão de recursos públicos, tendo em vista o

dever de prestação de contas impostos a qualquer pessoa que utilize, arrecade,

guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos pelos quais a

União responda208.

que outros tipos, como o controle contábil, operacional, acabam sendo absorvidos pelos três apontados, sem que com isso se pretenda subtrair-lhes a importância. Nesse ponto, é preciso registrar que o Brasil acabou concretizando esferas normativas que produziram normas para estruturação científica, como ocorre com a contabilidade, por exemplo. De certo modo, por esse fato, as ações do controle contábil, operacional, ambiental se restringem ao acatamento do arcabouço normativo. Este fato nacional constitui uma garantia para os controlados, vez que os demais admitem certa relatividade de aferição. Assim, enquanto no controle da legalidade o gestor sabe previamente os limites da sua ação, no controle da legitimidade e da economicidade há que se aceitar a solução, que mesmo não sendo ótima esteja no campo da positivação desses tipos. Aqui o controle se satisfaz com o ato não-legítimo e o ato não anti-econômico. Nos controles dos atos de trato sucessivo ou de procedimento padrão é possível, porém, ao controle determinar a correção do ato para o futuro, indicando melhor solução à luz dos atributos da legitimidade e economicidade‖. FERNANDES, J. U. Jacoby, Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 47-48.

207 Na lição do constitucionalista José Afonso da Silva: "O exercício do controle externo pertence ao

Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas. Significa que o titular da função de fiscalização é o Congresso Nacional. O controle externo é feito, pois, por um órgão político, que é o Congresso Nacional. Daí deflui que se contamine de inegável teor político, que é amenizado pela participação do Tribunal de Contas, órgão que deve ser eminentemente técnico, sendo desvio de função a pretensão que às vezes se nota em algum ministro ou conselheiro do Tribunal de Contas quando envereda pelos caminhos da política para decidir sobre as contas de governos cuja posição ideológica não lhe agrade. O controle externo é basicamente de caráter político no Brasil, mas sujeito a prévia apreciação técnico-administrativa do Tribunal de Contas, que tem apenas a natureza de órgão auxiliar do Poder Legislativo no que tange à função de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração direta e indireta." SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8ª ed. São Paulo, Malheiros, 2012. p. 474.

208 Constituição Federal: ―Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido

com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso

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À medida que em um Estado de Direito vai se amplificando o dever de

transparência da Administração Pública e do acesso à informação pelos cidadãos,

houve um consequente destaque do papel do Tribunal de Contas da União no

exercício de suas funções. Muito contribui, igualmente, o desenvolvimento da

informática ao proporcionar uma ação mais efetiva com a possibilidade de

cruzamento de dados e informações, permitindo aos auditores a realização de um

trabalho de maior amplitude em um menor tempo.

Apesar da atribuição constitucional do julgamento de contas, o TCU não

exerce função jurisdicional, mas sim administrativa de tomada de contas, com a

possibilidade de revisão de suas decisões pelo Poder Judiciário209. As auditorias

realizadas pelo Tribunal de Contas com frequência fundamentam responsabilização

de agentes públicos pelos demais órgãos que efetuam o controle da Administração

Pública como o Ministério Público Federal e a Advocacia-Geral da União.

Diante de tais competências, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União

mostra-se relevante no estudo do controle dos atos administrativos de gestão do

Poder Executivo, visto que atuam diretamente no controle da função administrativa

realizada pela Administração Pública. Tendo em vista a dinâmica mais frequente de

Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. § 1º - No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. § 2º - Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito. § 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. § 4º - O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades.‖

209 Importante destacar ainda, que a súmula 347 do Supremo Tribunal Federal prevê que ―o Tribunal

de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público‖. Em sentido contrário, Alexandre de Moraes destaca voto do Ministro Gilmar Mendes a respeito da súmula: "essa possibilidade, porém, é colocada em dúvida pelo Ministro Gilmar Mendes, ao afirmar que 'a referida súmula foi aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, num contexto constitucional totalmente diferente do atual', para concluir que 'a própria evolução do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, verificada desde então, está a demonstrar a necessidade de se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em face da ordem constitucional instaurada com a Constituição de 1988' (MS 25888/MC - DF, Diário da Justiça, 29 mar. 2006, p. 11)." MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 8º ed. - São Paulo: Atlas, 2011. p. 1107.

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relação entre as IFES e suas fundações de apoio - o repasse de recursos públicos

mediante convênio ou por contrato-, para gerenciamento pelas fundações de apoio,

mostra-se a fonte de pesquisa mais apropriada ao tema abordado neste trabalho.

A preocupação com a fiscalização efetuada pelo Tribunal de Contas da União

também é grande, tendo em vista que na sua atuação a Corte de Contas pode

aplicar multas pessoais ao gestor e demais ordenadores de despesa, bem como

determinar a recomposição do prejuízo ao erário, o que se torna um receio constante

do administrador no seu exercício funcional. Sem embargo, uma eventual

condenação do TCU pode representar a perda da economia amealhada ao longo de

sua vida funcional para uma maturidade tranquila. Ainda que haja uma compreensão

do Tribunal de Contas da União a respeito das dificuldades enfrentadas pelo gestor

público no exercício de suas atribuições funcionais, é importante destacar que há

uma boa dose de discricionariedade na apreciação de contas realizada pelo

Tribunal, especialmente no controle sob o prisma da legitimidade, que pode inclusive

impor ao gestor multa em razão de atos legalmente perfeitos210, mas que sejam

caracterizados como antieconômicos.

5.2.1. Influência do Tribunal de Contas da União na legislação das fundações

de apoio

210

A respeito dos efeitos do julgamento das contas dos gestores públicos pelo TCU, prevê a Lei nº 8.443, de 16/07/1992: ―Art. 16. As contas serão julgadas: I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável; II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao Erário; III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências: a) omissão no dever de prestar contas; b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial; c) dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico; d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos. §1° O Tribunal poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no descumprimento de determinação de que o responsável tenha tido ciência, feita em processo de tomada ou prestarão de contas. §2° Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária: a) do agente público que praticou o ato irregular, e b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo haja concorrido para o cometimento do dano apurado. §3° Verificada a ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao Ministério Público da União, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis. (...). Art. 58. O Tribunal poderá aplicar multa de Cr$ 42.000.000,00 (quarenta e dois milhões de cruzeiros), ou valor equivalente em outra moeda que venha a ser adotada como moeda nacional, aos responsáveis por: (...). III - ato de gestão ilegítimo ou antieconômico de que resulte injustificado dano ao Erário; (...).‖

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A legislação relativa às fundações de apoio, previu que na execução dos

ajustes envolvendo recursos públicos, as fundações de apoio deverão submeter-se

à fiscalização do Tribunal de Contas da União, bem como ao controle interno do

órgão competente (Lei nº 8.958, de 20/12/1994 em seu artigo 3º, e o Decreto nº

7.423, de 31/12/2010, no artigo 12, §3º)211. De qualquer forma, ainda que não

houvesse tal previsão nestas normas, os acordos das fundações de apoio com as

IFES, nos moldes da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, continuariam sujeitos ao mesmo

perfil de controle, vez que envolvem a utilização de recursos públicos e desta forma,

tanto no repasse de recursos como na utilização de infraestrutura e recursos

humanos das IFES, tais acordos já estariam submetidos à fiscalização do Tribunal

de Contas e dos órgãos de auditoria interna.

A análise da jurisprudência do tribunal de Contas da União mostra-se ainda

mais importante se efetuarmos uma análise comparativa entre ela e a trajetória da

edição dos diplomas normativos pertinentes às fundações de apoio, constatando-se

uma nítida influência da jurisprudência da Corte de Contas na elaboração da

legislação e, por conseguinte, uma correlação entre essas duas fontes do direito.

Identifica-se, assim, a jurisprudência do TCU como a principal fonte geradora das

alterações legislativas no tema das fundações de apoio212.

A análise panorâmica da jurisprudência destaca a princípio um

posicionamento antagônico do TCU ao relacionamento das IFES com suas

fundações de apoio, tendo em vista as disseminadas práticas efetuadas entre estas

211

―Art. 3º Na execução de convênios, contratos, acordos e/ou ajustes que envolvam a aplicação de recursos públicos, as fundações contratadas na forma desta lei serão obrigadas a: I - observar a legislação federal que institui normas para licitações e contratos da administração pública, referentes à contratação de obras, compras e serviços; II - prestar contas dos recursos aplicados aos órgãos públicos financiadores; III - submeter-se ao controle finalístico e de gestão pelo órgão máximo da Instituição Federal de Ensino ou similar da entidade contratante; IV - submeter-se à fiscalização da execução dos contratos de que trata esta lei pelo Tribunal de Contas da União e pelo órgão de controle interno competente.‖ No mesmo sentido, prevê o Decreto 7.423/2010 em seu artigo 12, §3º: ―§3

o A execução de contratos, convênios ou ajustes que envolvam a aplicação de recursos públicos

com as fundações de apoio se sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União, além do órgão interno competente, que subsidiará a apreciação do órgão superior da instituição apoiada, nos termos do art. 3º, incisos III e IV, da Lei nº 8.958, de 1994.‖

212 Sobre a correlação entre a jurisprudência do TCU e a elaboração da legislação, v. nosso artigo

―Fundações de Apoio das Instituições Federais de Ensino Superior: Construção da Legislação e Reação do Tribunal de Contas da União‖. em Boletim de Direito Administrativo nº 10/2012, ano XXVIII, Editora NDJ, São Paulo.

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que afrontavam diretamente os princípios da administração pública, muitas delas

fundadas na interpretação equivocada ou deturpada das normas previstas na Lei nº

8.958, de 20/12/1994, e nos seus respectivos regulamentos.

Considerando as dezenas de IFES e o elevado número de fundações de

apoio credenciadas como tal perante o Ministério da Educação, há farta

jurisprudência a respeito do tema. Alguns precedentes, citados como paradigmas

pelos demais julgados, representam o entendimento da Corte de Contas relativo ao

período, bem como a interpretação dada aos dispositivos legais à época vigentes e

sua aplicação às prestações de contas submetidas ao Tribunal. A abordagem mais

detalhada de alguns desses julgados paradigmáticos mostra-se essencial ao

conhecimento do tema das fundações de apoio tendo em vista a influência da

jurisprudência na construção da legislação. Elencamos abaixo alguns desses

julgados que melhor ilustram o relacionamento entre as IFES e suas fundações de

apoio.

5.3. Acórdãos paradigmáticos

5.3.1. Tomada de Contas nº34.430/80, de 25/03/1982, Plenário

Uma das primeiras decisões do Tribunal de Contas da União em relação às

fundações de apoio, a Decisão do Plenário na Tomada de Contas nº 34.430/80, de

25/03/1982, em que se analisava a prestação de contas da Universidade Federal do

Espírito Santo (UFES) no exercício financeiro de 1979, já apontava irregularidades

na criação de fundações de apoio sem a respectiva previsão legal e, portanto, em

desacordo com o Decreto-lei nº 900, de 29/09/1969; destacando, ainda, a utilização

de parcerias com as fundações de apoio como estratégia de fuga do regime jurídico

administrativo pelas IFES.

O citado julgado é emblemático não só pela sua inovação como também por

posicionar-se no sentido de considerar as fundações de apoio como órgãos

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públicos, uma longa manus das próprias IFES. Este entendimento tem fundamento

na origem pública do patrimônio de criação das fundações, decidindo o Tribunal,

coerentemente, submeter as fundações às mesmas normas ordinárias previstas

para as IFES213.

É interessante notar que a intenção de fuga do regime jurídico administrativo

pelas IFES, apontada no julgado, e reiteradamente criticada pelo Tribunal de Contas

nos julgados recentes, já era indicada desde setembro de 1981, bem como utilizada

pelos gestores como justificativa de maior flexibilidade e dinâmica de ação214.

213

Destaca-se o voto do Relator, Ministro Arnaldo Prieto, na decisão: ―A proliferação de tais entidades é hoje uma realidade que não se pode negar, várias universidades criaram fundações - a pioneira foi a UFMG que instituiu em 1974 a FUNDEP- com amparo em Resoluções do Conselho Universitário e com os mais variados objetivos, destacando-se, entre outros os seguintes: - prestar serviços técnicos e administrativos à universidade; - promover e apoiar a pesquisa científica e tecnológica; - prestar apoio às atividades de ensino; - conceder bolsas de estudos em nível de pós-graduação; - colaborar com a universidade no preparo, execução e avaliação de programas de ensino e pesquisa; - divulgar dados e informações científicas, etc. Verifica-se, em razão da finalidade com que foram criadas, da forma com que são administradas e da própria localização física, que muitas dessas fundações se confundem com a próprias universidades, exercem e desempenham com maior rapidez e flexibilidade as atividades que são inerentes às entidades criadoras. Outro aspecto que deve merecer especial atenção das autoridades responsáveis pelas universidades federais é a multiplicação de fundações dentro de uma mesma entidade e que certamente acarretará concorrência e superposição de esforços, de recursos humanos, financeiros e materiais para alcançar objetivos que são os das próprias universidades. (...). Não há dúvida de que é inquietante a situação acima retratada e pela clareza com que foi colocada dispensa maiores comentários. No tocante às contas dessas fundações, embora criadas pelas universidades federais sem amparo legal, entendo que devem ser apresentadas ao Tribunal, separadas ou junto com as da universidade, por terem sido tais entidades instituídas pelo Poder Público. As contas ainda não prestadas devem ser requisitadas, desde a época da sua instituição‖. Decisão Plenário TC. 34.430/80, de 25/03/1982 – Diário Oficial, Seção I, 19-04-1982, p. 6829.

214 O posicionamento do Ministro Relator Arnaldo Prieto é emblemático, bem como as justificativas

apresentadas pelo Reitor da Universidade Federal do Espírito Santo, pontuando um debate jurídico a respeito da autonomia universitária que já perfaz três décadas: ―Diante dos principais objetivos da Fundação, da forma que são indicados e nomeados os membros dos Conselhos e da Diretoria Executiva, não há como negar que a indigitada entidade é uma extensão da própria Universidade Federal do Espírito Santo e a sua instituição objetivou dotar indiretamente a Universidade de maior flexibilidade administrativa e maior liberdade na aplicação de recursos financeiros. Aliás, essa intenção está claramente delineada nas justificativas apresentadas pelo atual reitor, ao fazer as seguintes afirmações: 'É de se ver que, sem objetivos de lucro, devidamente aparelhada e com a flexibilidade administrativa de pessoa jurídica de direito privado, melhor do que qualquer outra empresa particular, essa Fundação permite por em prática, mediante convênio, a descentralização de tarefas executivas, de planejamento, supervisão e controle que dificilmente poderiam ser cumpridas (como as pertinentes ao Hospital das Clínicas, repetimos), dentro dos estreitos limites da legislação e normas vigorantes aplicáveis ao pessoal administrativo do serviço público das autarquias. As universidades brasileiras, apesar da autonomia administrativa, financeira, didática e disciplinar que lhe é conferida pelos estatutos em sua atual condição de autarquia de regime especial, padecem, ainda, em sua estrutura, organização e funcionamento, da mesma incômoda rigidez que caracteriza as repartições públicas do tipo convencionais. Sua situação se sustenta, portanto, sobre um paradoxo. Por um lado sua forma jurídica bem definida com personalidade jurídica de direito publico, dispõe de patrimônio e receita próprios e objetivando um fim educacional, concede-lhe o direito a uma razoável autonomia de movimento no exercício de suas funções, seja no âmbito administrativo, financeiro, didático ou disciplinar. Por outro lado, porém ferindo frontalmente essa situação de direito,

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Da leitura do voto do relator, demonstrando compreensão com a justificativa

do Reitor da Universidade Federal do Espírito Santo, verifica-se que não há uma

crítica com foco na utilização do expediente como fuga do regime jurídico

administrativo, mas apenas uma análise superficialmente da legalidade da

instituição. Os futuros julgados, entretanto, passam a indicar uma maior

preocupação com os princípios administrativos215.

5.3.2. Tomada de Contas nº004.117/87-5, de 10/12/1987, Plenário

A decisão de 1982 teve impacto nas universidades que àquela altura já

haviam adotado a sistemática do repasse de recursos e atividades às suas

fundações de apoio. Neste sentido, o Ministro de Estado da Educação protocolou o

aviso nº 311/87, de 10/04/1987, junto ao Tribunal de Contas da União, em resposta

ao aviso nº010-SP/87 do TCU, dando ciência do decidido pelo TCU no processo de

prestação de contas da FADESP-PA. O Aviso nº 311/87 requeria a revisão do

julgado de 1982, no tocante à dispensa da apresentação das contas das referidas

entidades a partir de 1985.

O requerimento foi em parte acolhido pelo Tribunal de Contas da União, que

adotando sugestão da 6ª Inspetoria Geral de Controle Externo (IGCE), classificou

em duas espécies as fundações de apoio das universidade federais, utilizando como

critério a origem do patrimônio destas, e aplicando as disposições do acórdão a

as normas que regulamentam o funcionamento das Universidade cerceiam, pela inflexibilidade e rigidez, o livre e adequado exercício dessa mesma autonomia. É portanto, desfigurada e limitada a autonomia de que na prática, pode desfrutar as universidades brasileiras, por força dessa circunstância marcadamente anômala'. Não teríamos qualquer restrição a fazer às razões para a instituição da já nominada Fundação se houvesse sido observado o dispositivo legal que exige existência de autorização legislativa para a criação da entidade.‖

215 Esta compreensão a respeito das dificuldades enfrentadas pelo gestor público é bem ilustrada pelo

voto do Ministro Relator no citado julgado: ―Verifica-se, em razão da finalidade com que foram criadas, da forma com que são administradas e da própria localização física, que muitas dessas fundações se confundem com a próprias universidades, exercem e desempenham com maior rapidez e flexibilidade as atividades que são inerentes às entidades criadoras‖. E conclui, ao final, o relator: ―No tocante às contas dessas fundações, embora criadas pelas universidades federais sem amparo legal, entendo que devem ser apresentadas ao Tribunal, separadas ou junto com as da universidade, por terem sido tais entidades instituídas pelo Poder Público. As contas ainda não prestadas devem ser requisitadas, desde a época da sua instituição."

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apenas uma delas216.

A classificação proposta identificava dois grupos distintos entre as fundações

de apoio: 1) Fundações de Apoio constituídas pelas IFES, cuja criação a IFES

contribuiu, total ou parcialmente, com recursos públicos; e 2) Fundações de Apoio

constituídas no âmbito das IFES, sem destinação de recursos públicos à formação

do patrimônio.

As determinações constantes da Decisão do Plenário na Tomada de Contas

nº 34.430/80, de 25/03/1982, aplicar-se-iam, assim, apenas às fundações de apoio

do primeiro grupo, em atendimento ao disposto no art. 8º da Lei nº 6.223, de

216

Neste sentido, expôs o Relator Luciano brandão de Alves Souza: ―3. As conclusões acima transcritas que implicam inclusive no atendimento parcial à solicitação formulada pelo Sr. Ministro de Estado da Educação, decorrem da classificação das referidas Fundações de Apoio Administrativo, proposta pela 6ª IGCE, em 2 (duas) espécies distintas, quais sejam: - AS INSTITUÍDAS PELAS UNIVERSIDADES; E - AS CONSTITUÍDAS NO ÂMBITO DAS UNIVERSIDADES.‖ O Relator, adiante, em seu voto, acolhe expressamente a recomendação da 6ª IGCE, detalhando-a: ―5. O critério adotado pela instrução, de relacionar as chamadas Fundações de Apoio em dois grupos, segundo a participação ou não das entidades universitárias, mediante destinação de fundos, na constituição das ditas fundações, parece-me de todo apropriado, por estar respaldado tanto no Decreto-Lei nº 900/69 quanto na Lei 6.223/75. 6. Com base na citada classificação das Fundações de Apoio – umas instituídas pelas próprias universidades, outras constituídas no âmbito das Universidades – e considerando que a Decisão de 25.03.82, conforme se afirmou, alcançou apenas aquelas fundações instituídas pelas universidades, para cuja criação foram destinados recursos públicos; e além disso, tendo em vista o precedente relativo à Fundação CESGRANRIO (Anexo VI, da Ata nº 77/85), é que a 6ª IGCE propõe, em suma, que se conheça do pedido ministerial de revisão em exame, para provê-lo parcialmente, sem prejuízo das medidas que, em última análise, esclarecem o digno requerente e atendem, em parte, o solicitado, uma vez que ao firmar o entendimento sugerido (inciso II da promoção da unidade instrutiva) o Tribunal estará também revendo as deliberações que requisitaram as contas das Fundações de Apoio Administrativo não instituídas com bens e verbas das universidade, por isso não alcançadas pela Lei nº 622/75, art. 8º.‖ Consta, ao final, da conclusão do voto relator da decisão, ao final (TC. 004.117/87-5, de 10/12/1987): ―14. Diante do que se expõe, o meu Voto é pela adesão às conclusões da 6ª IGCE, prestigiadas pelo ilustre Titular do Ministério Público junto ao tribunal, no sentido de que se conheça do pedido de revisão objeto do AVISO Nº 311, de 10.04.87, do Sr. Ministro da Educação para, todavia, registrar a impossibilidade de acolhimento na íntegra pelas razões expostas e consideradas. É pois, em resumo, do seguinte teor o meu Voto: I- manter a Decisão de 25.03.82, que requisitou as contas das Fundações de Apoio constituídas pelas Universidades Federais, para cuja criação a respectiva Universidade, contribuiu, total ou parcialmente, com recursos públicos; (...). II- firmar o entendimento no sentido de que as Fundações de Apoio constituídas no âmbito das universidades sem a destinação de recursos públicos à formação do patrimônio das mesmas, não estão alcançadas pela Lei nº 6.223/75, artigo 8º, e, portanto não estão sujeitas a apresentarem suas contas ao Tribunal. IV- rever as decisões anteriores em contrário ao entendimento explicitado no item III supra; V- recomendar aos órgãos e entidades públicas que observem, em eventuais relacionamentos administrativos com as Fundações de Apoio constituídas no âmbito das Universidades, idêntico tratamento dispensado às pessoas jurídicas de direito privado que não integram a Administração Pública, especialmente no que concerne às exigências para participação em processos licitatórios, sendo-lhes defeso utilizar a qualquer título e sob qualquer forma, servidores, bens móveis ou imóveis pertencentes a instituições públicas federais‖. Decisão Plenário TC. 004.117/87-5, de 10/12/1987 – Diário Oficial, Seção I, 04-01-1988, p. 51-58.

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14/07/1975217. Por outro lado, no tocante às fundações criadas sem recursos

públicos, dever-se-ia dar-lhes o tratamento dispensado às pessoas jurídicas de

direito privado.

Para cada um dos citados grupos previam-se implicações diversas, vez que

as primeiras, no entendimento do Tribunal, estariam submetidas ao regime jurídico

da Administração Pública Federal, enquanto às segundas estariam sob o regime

jurídico privado. A submissão a dois regimes com princípios e regras

significativamente distintos, implicaria em consequências diversas no tratamento das

fundações de apoio pelo tribunal.

Fundações de Apoio constituídas pelas IFES - As fundações de apoio

constituídas pelas IFES estavam sujeitas a apresentar contas ao Tribuna de Contas

da União e eram tratadas como órgãos públicos. Com efeito, o entendimento

exposto pelo Tribunal de Contas era o de que, uma vez constituídas com recursos

públicos, seriam integrantes da Administração Pública, ainda que sua criação tivesse

a nulidade da falta de autorização legal, pois caracterizariam a participação do poder

público referida no Decreto-lei nº 900, 29/09/1969 e portanto estariam submetidas ao

controle governamental, nos moldes da Lei nº 6.223, de 14/07/1975.

A decisão solicitou, ainda, ao Ministro da Educação que providenciasse a

regularização ou extinção das fundações de apoio instituídas pelas universidades

federais, com o propósito de sanar a ilegalidade implícita nos respectivos atos

constitutivos, em virtude da inexistência da autorização legislativa de criação

daquelas. A solicitação também se estendia ao Ministro Chefe da Casa Civil para

que transmitisse aos demais Ministros de Estado a necessidade de adoção de

providência semelhante a entidades da mesma natureza criadas nas mesmas

condições das fundações de apoio.

Logo após a decisão, houve a edição pelo Poder Executivo do Decreto nº

95.904, de 07/04/1988218, que limitou significativamente a possibilidade de

217

Previa o artigo 8º da Lei nº 6.223, 14/07/1975, a respeito das instituições sujeitas a apresentarem suas contas ao Tribunal de Contas: "Art. 8º Aplicam-se os preceitos desta Lei, no que couber, às fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público."

218 As disposições do Decreto 95.904, de 07/04/1988, restringiam significativamente a

discricionariedade dos gestores das universidades quanto ao objeto dos ajustes que poderiam ser firmados com as fundações por elas instituídas, como se nota da redação dos artigos 1º a 4º do

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realização de parcerias com as fundações de apoio que permitissem a utilização de

recursos das Instituições Federais de Ensino Superior, vez que, nos termos do

Decreto, ―nenhum benefício administrativo poderá ser concedido a pessoas jurídicas

criadas, junto a órgãos ou entidades da Administração Federal, sem autorização

legislativa específica, com ou sem a participação de servidores dos referidos órgãos

ou entidades, qualquer que seja a sua forma e finalidade" (art.1º).

O Decreto também continha disposição determinando aos dirigentes da

Administração Pública Federal que dissolvessem, no prazo de trinta dias da

publicação do decreto, as pessoas jurídicas instituídas por órgãos ou entidades da

Administração Federal, em virtude de mero ato administrativo, sem autorização legal

(art.4º).

As disposições do Decreto nº 95.904, de 07/04/1988, contudo, foram

prorrogadas e suspensas, pelos Decretos nº 96.017, de 06/05/1988, e nº 96.263, de

01/07/1988, até a edição do Decreto nº 99.509, de 05/09/1990, que revogou o

Decreto nº 95.904, de 07/04/1988.

O Tribunal de Contas da União persistiu com a solicitação de regularização ou

extinção das fundações de apoio instituídas com recursos públicos pelas

universidades federais (TC 004.979/87-7, Sessão de 21.11.91) até a edição da Lei nº

8.958, de 20/12/1994 quando então o Plenário do Tribunal reviu, na Decisão nº

230/95, seu entendimento a respeito da remessa das contas das fundações

Decreto: ―Art. 1° Nenhum benefício administrativo poderá ser concedido a pessoas jurídicas criadas, junto a órgãos ou entidades da Administração Federal, sem autorização legislativa específica, com ou sem a participação de servidores dos referidos órgãos ou entidades, qualquer que seja a sua forma e finalidade. Art. 2° Os órgãos e entidades da Administração Federal somente poderão celebrar contratos, ajustes, acordos ou convênios com as pessoas de que trata o artigo anterior mediante licitação, não se aplicando as disposições dos arts. 22 e 23 do Decreto-lei n° 2.300, de 21 de novembro de 1986. Parágrafo único. Os contratos, ajustes, acordos ou convênios já celebrados com inobservância do disposto neste artigo serão imediatamente rescindidos. Art. 3° Em relação às pessoas jurídicas referidas no art. 1°, é vedada: I - a participação de dirigentes e servidores dos órgãos e entidades da Administração Federal, nessa qualidade, em órgãos de direção, gestão, orientação, fiscalização, apoio ou execução, ainda que prevista em estatuto ou contrato social; II - a cessão, a qualquer título ou forma, de bens ou serviços de órgãos e entidades da Administração Federal; III - a transferência de recursos financeiros não autorizados ou não previsto em lei. Art. 4° As pessoas jurídicas, instituídas por órgãos ou entidades da Administração Federal, em virtude de mero ato administrativo, sem autorização legal, serão dissolvidas no prazo de trinta dias. Parágrafo único. Caberá aos dirigentes dos órgãos e entidades da Administração Federal adotar as providências necessárias ao cumprimento deste artigo."

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instituídas pelas IFES219.

Fundações de Apoio constituídas no âmbito das IFES - No tocante às

fundações de apoio instituídas no âmbito das IFES, em razão de não serem

consideradas como integrantes da Administração Pública, um tratamento diverso

lhes deveria ser dado a respeito da verificação de suas contas. Revendo a decisão

proferida na Decisão do Plenário na Tomada de Contas nº 34.430/80, de 25/03/1982,

o Tribunal de Contas as considerou como não integrantes da Administração Pública

e, portanto, não alcançadas pelo artigo 8º da Lei nº 6.223, de 14/07/1975.

As fundações de apoio instituídas no âmbito das IFES, desta forma, apenas

estariam sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas da União nas hipóteses de

eventual transferência de recursos pelo Ministério da Educação ou das IFES, em

conformidade com o previsto no Decreto-Lei nº 772, de 19/08/1969, que tratava da

auditoria externa das entidades de direito privado que recebessem contribuições

para fins sociais ou transferências do Orçamento da União220.

219

É o Teor da Decisão 230/95 do Plenário: ―O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE: 1. estão desobrigadas as fundações de apoio constituídas ou instituídas no âmbito das Instituições Federais de Ensino Superior de apresentarem diretamente ao Tribunal de Contas da União Prestação de Contas, nos termos das disposições e princípios constantes da Lei nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994, aplicando-se à espécie o art. 33 e seu parágrafo único da IN-TCU nº 06, de 08 de junho de 1994; 2. ficam dispensadas as instituições a que alude o subitem 8.1 de apresentarem ao Tribunal, caso ainda não o tenham feito, prestação de contas de exercícios anteriores a 1994; 3. determinar às Secretarias de Controle Externo do Tribunal que examinem os processos de prestação de contas das fundações de apoio já recebidos, submetendo-os aos respectivos relatores, por intermédio do Ministério Público junto ao Tribunal, com proposta de arquivamento, salvo se verificada a ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiro, bens ou valores públicos, ou ainda a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, nos termos do art. 8º da Lei nº 8.443/92, hipótese em que deverão ser alvitradas as medidas previstas no art. 12 da mesma lei, conforme o caso; 4. determinar aos órgãos e entidades do Governo Federal, por intermédio das respectivas Secretarias de Controle Interno, que os recursos transferidos às Fundações de Apoio, mediante convênios, acordos ou outros instrumentos similares sejam objeto de fiscalização, obrigatória a prestação de contas dos referidos recursos, nos termos da legislação em vigor, instaurando, de imediato, processo de tomada de contas especial se constatada irregularidade de que resulte prejuízo ao Tesouro ou à entidade transferidora, ou, ainda, se verificada a omissão na comprovação da aplicação dos recursos; 5. determinar à Sexta Secretaria de Controle Externo e às Secretarias de Controle Externo sediadas nas unidades da federação o rigoroso acompanhamento, nas prestações de contas anuais dos órgãos e entidades mencionadas no subitem 4, acima, o cumprimento da determinação constante do mesmo subitem, tomando as medidas cabíveis de sua alçada, se verificadas irregularidades na aplicação dos recursos de que trata esta Decisão.‖ Sessão 31/05/1995, Dou 13/06/1995 - Página 8577.

220 Constava do texto do Decreto 772, de 19/08/1969: “Art. 1º Sem prejuízo do disposto no artigo 183

do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, as entidades ou organizações em geral, dotadas de personalidade jurídica de direito privado, que se utilizem de contribuições para fins sociais (Decreto-lei nº 27, de 14 de novembro de 1966) ou recebam transferências do Orçamento da União, estarão sujeitas também a auditoria externa a cargo da Inspetoria Geral de Finanças do Ministério em cuja área de competência se enquadrarem.‖

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Em contrapartida de não serem incluídas como integrantes da Administração,

contudo, estava o fato de que deveriam ser tratadas como órgãos privados e,

portanto, não poderiam ser beneficiadas com privilégios não extensivos às demais

pessoas privadas, especialmente, no concernente à participação em processos

licitatórios, bem como à utilização de servidores e bens móveis e imóveis

pertencentes às IFES. Assim, estavam impedidas as IFES de contratarem as

fundações de apoio instituídas no âmbito das IFES, por intermédio de dispensa ou

inexigibilidade de licitação, prática comum (e sem qualquer embasamento jurídico)

efetuada pelas IFES à época da publicação do citado acórdão221.

A intenção da decisão era de inibir as parcerias e, por conseguinte, a burla e

fuga do regime jurídico administrativo público, uma vez que as IFES valiam-se dos

serviços das fundações de apoio para contornar as obrigações e formalidades

impostas em normas, ficando clara a intenção de instituir as fundações de apoio

para tangenciar princípios legais e disposições regulamentares222.

O objetivo e os destinatários do conteúdo desta decisão ficam claros no

parecer da 6ª Inspetoria Geral de Controle Externo (IGCE), que registrou na sua

manifestação apresentada ao Relator que se não era possível diretamente coibir a

221

Era a redação do Decreto-Lei nº 2.300, de 21/11/1986, que tratava a respeito das licitações no serviço público federal: ―Art. 23. E inexigível a licitação quando houver inviabilidade jurídica de competição, em especial: (...). IV - quando a operação envolver exclusivamente pessoas jurídicas de direito público interno, ou entidades paraestatais ou, ainda, aquelas sujeitas ao seu controle majoritário, exceto se houver empresas privadas que possam prestar ou fornecer os mesmos bens ou serviços, hipótese em que todas ficarão sujeitas à licitação.‖ Anteriormente à edição do Decreto-Lei nº 2300, de 21/11/1986, previa o Decreto Lei nº 200, de 25/02/1967, a respeito da dispensa de licitação para contratação de pessoas jurídicas de direito público: ―Art. 126. As compras, obras e serviços efetuar-se-ão com estrita observância do princípio da licitação. (...). § 2º É dispensável a licitação: (...). f) quando a operação envolver concessionário de serviço público ou, exclusivamente, pessoas de direito público interno ou entidades sujeitas ao seu contrôle majoritário;‖

222 Neste sentido, bem ilustra o parecer da 6ª IGCE na decisão sob análise: ―4.1. A utilização desses

entes fundacionais pelas Universidades vem criando sérios transtornos ao bom desempenho do controle, na medida em que proporciona a argüida agilização às universidades. Sobre o tema, parece-nos oportuno destacar trechos do Parecer do Sr. Procurador, em substituição, no TC nº375.124/85-3 (Anexo XI da Ata nº 67/85): '5. A relutância e a resistência opostas por entes de tais tipos é, data vênia, sintomática. Tudo indica que a tarefa cometida a eles o é para fugir do alcance dos controles interno e externo. Ainda que funcionem muitas vezes em recintos da própria organização universitária e tenham por dirigentes pessoas vinculadas à universidade, essas entidades alegam não serem da administração direta nem da indireta. 6. Trata-se de uma forma de abuso de direito mediante criação de outra pessoa jurídica, dentro do campo privatista com tal peculiaridade sempre argüida mas que, criada pela Universidade ou por servidores seus, funciona como departamento da própria entidade oficial de ensino, mas especialmente e respeitando os formalismos enquanto pessoa que é, executa tarefas próprias do padrão de atividade universitária. 7. O argumento deles como de regra para eximir-se de fiscalização, é o de que são outra pessoa.‖

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criação das fundações de apoio instituídas no âmbito das universidades, que pelo

menos seria possível inviabilizar boa parte delas por medidas indiretas. Destaque-se

que entre tais medidas indiretas, ressaltando a condição de irregularidade do

relacionamento das IFES com as fundações de apoio, encontrava-se a

recomendação de observância rigorosa da lei, nada mais que o dever de todos os

órgãos da Administração Pública223.

5.3.3. Decisão 528/1992 - Plenário, Tomada de Contas nº013.074/92-0, de

11/11/1992

A decisão do Tribunal na Tomada de Contas nº 004.117/87-5, de 10/12/1987,

causou forte impacto na administração das universidades públicas federais e o

Ministério da Educação solicitou novamente revisão de um julgado, para que as

fundações de apoio fossem dispensadas de prestarem contas perante o TCU. O

pedido foi apreciado na Decisão 528/1992224, do Plenário do Tribunal de Contas da

223

Consta do parecer: ―4.2 Pela manifestação contida no Aviso de fls. 01/2, depreende -se que o próprio Ministério da Educação ainda reluta em aceitar tais 'Fundações de Apoio', refugindo, entretanto, às suas possibilidades jurídicas, concretizar uma eventual opção pela extinção das mesmas, mediante simples determinação superior diretamente nesse sentido. 4.2.1 Indiretamente, entretanto, sabendo-se que grande parte dessas fundações são totalmente dependentes das Universidades, seria possível, se não extingui-las, pelo menos inviabilizá-las, a ponto de desativá-las, bastando, para tanto, que fosse exigida das Universidades o rigoroso cumprimento da legislação, como por exemplo: a) não permitirem que as "Fundações de Apoio" ocupem, gratuitamente, os bens imóveis das Universidades, em observância aos termos do art. 5º da Lei 6.120/74; b) não permitirem o afastamento de seus servidores/professores sem observância do Decreto nº 84.033/79, e nos casos de acumulação legal de cargos de professores das Universidades com cargos técnicos de fundações, exigir a comprovação de compatibilidade de horários; c) não firmarem ―convênios" com tais "Fundações de Apoio", em observância ao disposto no Dec.-lei nº 200/67, artigo 10, e a IN/SECIN/SEPLAN/PR Nº 02/84, artigos 9 e 11, impedindo que através dos denominados "Convênios de Cooperação" tais fundações se utilizem, gratuitamente, dos laboratórios e equipamentos das Universidades; d) não contratarem serviços com as fundações sem a observância dos princípios da licitação, contidos no Decreto-lei nº 2.300/86; e) não transferirem para as "Fundações de Apoio", mediante "cláusulas de interveniência", as receitas de prestação de serviços, inclusive de pesquisas que, em última análise, são realizados por servidores/professores das Universidades com a utilização de seus laboratórios e equipamentos; e f) não participarem, os dirigentes das Universidades, da direção ou de órgãos colegiados das fundações, uma vez não autorizados pelos estatutos e regimentos das Universidades."

224 É a ementa da decisão: ―Pedido de revisão de Decisão. CISET MEC. Solicitação para que as

Fundações de Apoio sejam dispensadas de prestarem contas a este Tribunal. Baixada Portaria pelo MEC dando mesmo tratamento às Fundações de Apoio instituídas pelas Universidades Federais quanto àqueles constituídos no seu âmbito, contrariando a recomendação desta Corte. Conhecimento. Negado provimento. Mantença da decisão anterior. Levar ao conhecimento do

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União.

Na decisão em comento, solicitou a Secretaria de Controle Interno do

Ministério da Educação – CISET/MEC a revisão da paradigmática decisão do

Tribunal de Contas da União de 1987 sustentando que apesar de existirem

diferenças significativas entre as fundações de apoio instituídas pelas universidades

e as constituídas no âmbito delas, ambas possuiriam personalidade jurídica de

direito privado e, portanto, não estariam submetidas ao controle do Tribunal ou

poderiam ser equiparadas às fundações públicas instituídas com base no Decreto-

Lei nº 900, de 29/09/1969.

É interessante notar que o requerimento destacava que a revisão do

entendimento da Corte de Contas proporcionaria economia de recursos públicos,

enxugamento da máquina administrativa, moralização e transparência da gestão dos

administradores. O requerimento protocolado pelo Ministério da Educação

demonstra uma ação do Poder Executivo de fomentar não só a legalização de tais

instituições bem como de transferir às mesmas atribuições que deveriam estar sob o

encargo das universidades, sob o regime jurídico público.

Este intuito também ficava nítida na edição da Portaria nº 1.125, de

21/07/1992, (DOU, Seção I, 22-07-1992, p. 9743), que previa no cadastramento das

fundações de apoio a personalidade de direito privado, bem como previa a

possibilidade de utilização dos serviços das fundações de apoio225. A portaria

permitia que as IFES se utilizassem dos serviços das fundações, e

exemplificativamente elencava as principais atividades que poderiam ser com elas

contratadas ou pactuadas por intermédio de convênios, entre eles a gestão de

projeto, o gerenciamento dos serviços de assistência médica nos hospitais de

ensino.

Ministro o inteiro teor desta Decisão para revogação da Portaria. Determinado o levantamento dos convênios, contratos, ajustes e repasses a estas instituições.‖ Decisão 528/1992, Plenário, Ata 51/92, Processo nº TC-013.074/92-0, DOU 25/11/1992 – p. 16302-16305.

225 No artigo 1º da Portaria nº 1.125, de 21/07/1992, ficava clara esta intenção de transferência de

atividades administrativas para as fundações de apoio: ―Art. 1º. A utilização, pelas instituições federais de ensino superior, dos serviços de fundações de apoio criadas com a finalidade de colaborar na elaboração e execução de seus projetos de pesquisa, ensino e extensão universitária e no gerenciamento das atividades dos hospitais de ensino, obedecerão ao disposto nesta Portaria. §1º As fundações de apoio, pessoas jurídicas de direito privado deverão, para as finalidades previstas neste artigo, ser cadastradas no Ministério da Educação."

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Neste sentido, há novamente uma fundada crítica do Tribunal de Contas da

União, alertando para a possibilidade de distorções e fraude ao princípio da

licitação226.

O veto presidencial em maio de 1991 ao Projeto de Lei do Senado nº 88, de

07/11/1988, todavia, implicou no retorno das solicitações do Tribunal de Contas da

União para que o Poder Executivo adotasse medidas para regularização ou extinção

das fundações de apoio instituídas pela IFES, inclusive por informar nas razões de

veto que se previa o encaminhamento de um novo projeto ao Congresso Nacional.

226

Bem ilustram a citada crítica as considerações tecidas pelo Ministério Público junto ao TCU no julgado em comento: ―Não se pode deixar de vislumbrar as distorções que poderão advir, tanto da implementação da Portaria MEC nº 1.125, de 21-07-92, como da conversão de projetos de lei, como o estampado às fls. 32/33, em legitimação das Fundações de Apoio, pois, desde logo, tais fórmulas normatizadoras ignoram o princípio da licitação que deve preceder o vínculo de prestação de serviços de uma entidade privada com o Poder Público. Num segundo plano, esse relacionamento com as Fundações de Apoio frauda a gestão da coisa pública, tanto quando aplica recursos orçamentários duas vezes sobre uma mesma finalidade, como pelo interesse escuso que desperta nos agentes públicos envolvidos, de ter acesso a uma complementação financeira por via oblíqua ou de viabilizar a admissão de recursos humanos, a compra e a estocagem de materiais longe dos controles oficiais, embora às custas da verba pública." E o representante do Ministério Público prossegue na caracterização da fraude, na qual transcrevemos em razão da competente avaliação efetuada: ―A fraude se caracteriza melhor pela imagem de apoio ao desenvolvimento de pesquisa, extensão, gerenciamento das atividades de saúde e assistência ao estudante, funções que já se compreendem nas atribuições das Instituições de Ensino contempladas no Orçamento Federal, via de regra fazendo apelo às vantagens das flexibilidades típicas da iniciativa privada, esta participando sem o seu principal contributo, que é o aporte financeiro. Numa visão de longo prazo, podem antever-se os efeitos desse processo de intervenção na gestão administrativa, estranho e não previsto em qualquer compêndio de Direito Administrativo, o qual poderá derivar para uma gradual absorção da estrutura oficial pela da fundação privada, até reduzir aquela a formal unidade liberadora de recursos orçamentários, sem maior eficácia no atingimento dos seus objetivos legais. Percebe-se, então, que essa pressão pela legitimação das Fundações de Apoio tem origem nos anseios e necessidades de autonomia universitária, já que as formas autárquicas ou de fundações públicas mantêm as Instituições Federais de Ensino Superior atreladas a padrões de remuneração de pessoal e normas de licitação e contratação que limitam a produção acadêmica, prejudicando o seu entrosamento com a comunidade e com os mercados onde devem atuar. Esses anseios de autogestão, no entanto, são freqüentes em diversos segmentos da Administração Pública, não justificando a criação de mecanismos espúrios, tipo 'caixa-2', refugiados das auditorias convencionais na capa de fundações privadas. Enquanto se estimula a idéia de alimentar-se uma estrutura paralela, pouco se fará para soerguer-se a estrutura pública oficial. As debilidades desta podem não originar-se apenas das suas limitações legais, mas da atitude de mantê-la estagnada e exaurida pelos drenos representados pelos repasses às Fundações de Apoio. As medidas que a 6ª IGCE está propondo, tanto no parecer de 21 de julho, fls. 7/14, como agora, pelo seu Titular, parecem-nos, portanto, inteiramente pertinentes. A mantença das Decisões de 25-03-82 (TC-034.430/80) e de 10-12-87 (TC-004.117/87-5) confirmará a orientação que o Tribunal adotou frente às relações da Administração Pública com as Fundações de Apoio, depois de exaustivos estudos da matéria pela Secretaria de Auditoria e por esta Procuradoria. A requisição das contas das Fundações de Apoio instituídas com recursos públicos decorreu da própria natureza desse tipo de entidade, cuja existência jurídica se assenta na dotação de bens destinados a um fim especificado pelo instituidor. A Fundação deve ser identificada muito mais pelo seu patrimônio do que pela vontade dos que o administram. Se a Fundação foi instituída com recursos da Universidade, faz parte do patrimônio desta, comportando a fiscalização inerente a quaisquer elementos constitutivos do acervo da instituidora.‖

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5.3.4. Decisão 230/1995 - Plenário, Tomada de Contas nº 021.921/94-6, de

31/05/1995

A edição da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, entretanto, levou o próprio Tribunal

de Contas a rever seu entendimento quanto a remessa das contas das fundações de

apoio instituídas pelas IFES227.

Nota-se que com a edição da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, há uma

arrefecimento da jurisprudência do Tribunal de Contas da União contrária às

parcerias com as fundações de apoio, tendo em vista que com a possibilidade de se

realizar a dispensa de licitação com fundamento no art. 1º da Lei nº8.958, de

20/12/1994, combinado com a Lei nº 8.666, de 21/06/1993, art. 24, XIII, houve a

regularização da maioria dos ajustes firmados entre as IFES e as fundações de

apoio.

A edição da legislação, desta forma, proporcionou a legalização da anterior

situação de irregularidade de diversas fundações de apoio, propiciando uma

inserção definitiva das fundações de apoio nas atividades de ensino, pesquisa e

extensão da universidade.

A leitura do acórdão proporciona uma visão não só da origem das fundações

de apoio, como também da constatação que os mesmos problemas atualmente

verificados, já foram apontados pela Corte de Contas desde o início dos anos

oitenta.

O escopo de legalizar a situação das fundações é igualmente nítido na

exposição de motivos da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, que também evidencia

227

Neste sentido, decidiu o Tribunal de Contas da União na Decisão 230/1995, Plenário Tomada de Contas nº 021.921/94-6, de 31/05/1995: "O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE: 1. estão desobrigadas as fundações de apoio constituídas ou instituídas no âmbito das Instituições Federais de Ensino Superior de apresentarem diretamente ao Tribunal de Contas da União Prestação de Contas, nos termos das disposições e princípios constantes da Lei nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994, aplicando-se à espécie o art. 33 e seu parágrafo único da IN-TCU nº 06, de 08 de junho de 1994; 2. ficam dispensadas as instituições a que alude o subitem 8.1 de apresentarem ao Tribunal, caso ainda não o tenham feito, prestação de contas de exercícios anteriores a 1994; (...).‖ DOU, 13/06/1995, p. 8577.

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expressamente a influência do TCU na elaboração da legislação:

Inobstante o cumprimento dos preceitos legais, no que tange à fiscalização, o TCU tem levantado questionamentos, tanto no que se refere à significância de seu papel junto às IFES, quanto na sua natureza jurídica, ora classificando-as como instituições públicas, ora privadas, ambas sofrendo restrições que inviabilizariam seu relacionamento com as IFES.

228

A crítica do TCU, a partir deste momento, concentra-se no vago conceito de

desenvolvimento institucional que constava da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, uma vez

que em razão do seu vago sentido, permitia-se a inserção neste conceito de

praticamente qualquer atividade que promovesse qualquer incremento de

infraestrutura ou de serviços da universidade.

Com efeito, consoante a previsão legal do artigo 1º da Lei nº 8.958, de

20/12/1994, para o enquadramento da contratação nas exigências deste diploma,

era necessário o preenchimento requisitos específicos de natureza subjetiva (ser

fundação de apoio) e objetiva (objeto dos contratos deveria estar incluído entre os

objetivos institucionais das fundações de apoio). Em geral, não havia um

preocupação de um justo enquadramento, ou propositalmente era utilizado o termo

desenvolvimento institucional para acordos envolvendo quaisquer melhorias na

universidade.

Em razão da própria concisão da legislação, esta assume uma amplitude não

imaginada pelo próprio legislador, o que acabou desvirtuando a utilização da

legislação, especialmente a disseminada transferência de diversas atividades

próprias das universidades para as fundações de apoio, como podemos notar na

farta jurisprudência que se seguiu à edição da norma229. Esta transferência é ainda

228

Diário do Congresso Nacional, Seção I, 06-04-1994, p. 4803.

229 A vagueza do conceito de desenvolvimento institucional foi diversas vezes apontada pelo TCU,

como podemos notar no Acórdão nº 271/1997, do Plenário: ―Restaria, pois, o enquadramento da Fundação como voltada para o desenvolvimento institucional. Essa expressão, por sua vez, não é de definição pacífica na doutrina, admitindo variações de abrangência. 4.13.12 Para Marçal Justen Filho, na obra citada, a lei alude às instituições sociais e políticas, que envolvam todos os segmentos possíveis da população. Já o Professor Jorge Ulisses faz a seguinte assertiva: De todas as expressões utilizadas pelo legislador no inciso, o desenvolvimento institucional foi a mais ampla. Se a doutrina até agora debate-se por açambarcar e analisar as acepções da palavra instituição, a rigor, desenvolvimento institucional compreenderia crescimento, progresso, de qualquer coisa que possa

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mais sensível nos hospitais universitários230.

A extrema vagueza do conceito de desenvolvimento institucional pode ser

detectada em outros acórdãos que se seguiram à edição da Lei nº 8.958, de

20/12/1994, existindo controvérsias no próprio Tribunal de Contas a respeito do

entendimento de que o desenvolvimento institucional relacionava-se unicamente ao

sujeito a ser contratado, não seu objeto231.

A jurisprudência do TCU, no entanto, se consolidou no sentido de que não só

a instituição contratada deveria ter em seu escopo o desenvolvimento institucional

como também o objeto do contrato deveria estar contido no mesmo conceito232.

estar compreendido no termo instituição. Cuida do desenvolvimento institucional tanto uma empresa que possui um centro de controle de qualidade, como uma faculdade, como um sindicato, como uma associação de moradores, enfim, qualquer instituição que se dedique a um fim. Por óbvio, impõe o interesse público a restrição do termo a fim de que o mesmo se harmonize com o ordenamento jurídico.‖ Acórdão nº 271/1997 - Plenário, Relator Ministro Marcos Vinicius Vilaça - Ata 52/1997, Sessão 09/12/1997 Dou 26/12/1997 - Página 31374.

230 Neste sentido, citamos as seguintes decisões do TCU desta época: Decisão 443/95 - Plenário -

Ata 40/95 - Processo nº TC 475.052/95-1, Dou 18/09/1995 - Página 14404; Decisão 141/95 - Primeira Câmara - Ata 20/95 - Processo nº TC 325.293/93-7, Dou 26/06/1995 - Página 9371.

231 Consta da Decisão 657/1997: "5.1.2. Embora sua definição admita variações de abrangência,

percebe-se que ambos os autores associam a expressão desenvolvimento institucional a alguma forma de desenvolvimento social, ou seja, opera desenvolvimento institucional a entidade que contribui para o aperfeiçoamento da sociedade. Nesse sentido, podemos entender como instituição dedicada ao desenvolvimento institucional aquela cujos fins não se encontram na própria organização, nem em seus dirigentes ou proprietários, mas no meio em que se situam e para o qual direcionam suas ações e esforços. 5.1.3. Por outro lado, se há dúvidas quanto ao sentido exato da expressão, é certo que ambos os administrativistas associam o desenvolvimento institucional, assim como a pesquisa ou o ensino mencionados no dispositivo legal, não ao objeto da contratação - como fez o MMA -, mas às instituições passíveis de contratação direta. Com efeito, o texto da Lei preocupa-se tão-somente em qualificar as entidades que pretende privilegiar, omitindo qualquer referência ao produto da contratação feita sob tais condições. 5.1.4. No caso em exame, a nosso ver, nem o serviço prestado (processamento de dados) nem a instituição contratada se ajustam ao conceito de desenvolvimento institucional pretendido pela Lei. Contudo, é forçoso reconhecer que a FUNCATE inegavelmente - segundo seus estatutos (fls. 53/59) - realiza atividades de pesquisa, conformando-se, nesse aspecto, ao texto legal. 5.2. Definidas as instituições habilitadas à contratação por dispensa, a outra questão que se coloca diz respeito à natureza do objeto a ser contratado: deve tal objeto, necessariamente, ser voltado para o ensino, a pesquisa ou o desenvolvimento institucional? 5.2.1. A nosso ver, o propósito do art. 24, XIII, do Estatuto é estimular as instituições que menciona, favorecendo-lhes a obtenção de contratos com o serviço público como forma de ajudar-lhes no seu autocusteio. Com isso, o Estado estará estimulando, em cumprimento aos mandamentos constitucionais, ainda que por via indireta, as ações voltadas para o ensino, a pesquisa e o desenvolvimento institucional. Nesse sentido, pouco importa o objeto específico da contratação, desde que seja compatível com os objetivos sociais da instituição contratada e possa ser satisfatoriamente prestado com sua própria estrutura.‖ Decisão 657/1997 - Plenário, Relator Ministro José Antonio Barreto de Macedo Sessão 29/09/1997 Dou 14/10/1997 - Página 23209.

232 A jurisprudência viu-se uniformizada na Decisão, que apreciava pedido de recurso, recebido como

Embargos de Divergência pelo TCU, apresentado pelo Sindicato das Empresas de Serviços de Informática do Distrito Federal - SINDSEI/DF a respeito de contratação, por parte de diversos órgãos e entidades, de fundações de apoio vinculadas a universidades para prestação de serviços de

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Em outras palavras, eram necessários requisitos de ordem subjetiva (ser

instituição voltada ao desenvolvimento institucional) e objetiva (o objeto do contrato

deveria ser voltado ao desenvolvimento institucional)233. Sem embargo, a

contratação direta, apenas considerando a natureza jurídica da contratada implicava

em um extremo desvirtuamento das finalidades objetivadas pela legislação,

propiciando, por exemplo, a contratação de atividades típicas e regulares das

próprias universidades, tais como serviços de manutenção e especialmente a

contratação de recursos humanos, violando a obrigatoriedade de realização de

concurso público.

A prática irregular mostrava-se ainda mais endêmica nas IFES que possuíam

hospitais universitários, onde constatava-se uma difundida sistemática de

transferência às fundações de apoio da gestão administrativa desses equipamentos

de saúde, efetuando com as fundações de apoio contratos para prestação de

processamento de dados, com dispensa de licitação fundamentada no inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666/93. Na citada decisão, decidiu o TCU pela uniformização de sua jurisprudência, determinando-se a realização de processo licitatório nas contratações de serviços de informática e a utilização do dispositivo contido no inciso XIII, do art. 24, da Lei nº 8.666/93, somente quando houver nexo entre o objeto a ser contratado e as atividades de pesquisa, ensino e desenvolvimento institucional." Decisão 830/1998 - Plenário, Relator, Ministro Marcos Vilaça, DOU de 11/12/1998.

233 Como bem ilustra a Decisão 908/1999, do Plenário: ―22. Enfim, a contratação direta com base no

art. 24, XIII, da Lei de Licitações para ser considerada regular não basta que a instituição contratada preencha os requisitos contidos no citado dispositivo legal, ou seja, ser brasileira, não possuir fins lucrativos, deter inquestionável reputação ético-profissional e ter como objetivo estatutário ou regimental a pesquisa, o ensino ou o desenvolvimento institucional, há de observar também que o objeto do correspondente contrato guarde estreita correlação com o ensino, a pesquisa ou o desenvolvimento institucional além de deter reputação ético-profissional na específica área para a qual está sendo contratada.‖ Decisão 908/1999 - Plenário, Relator Ministro Valmir Campelo, DOU de 17/12/1999, T.C.U., Sala de Sessões, em 1 de dezembro de 1999. É importante destacar, ainda, da citada decisão sob análise: ―12. A esse respeito, lembra 'que o Exmo. Sr. Ministro Marcos Vilaça se manifestou no Voto que motivou a Decisão n° 881/97-Plenário, Ata n° 52/97, no sentido de que ao mencionado dispositivo legal (art. 24, inciso XIII) impõe-se uma interpretação rigorosa, 'de modo a exigir que a entidade contratada tenha objetivos condizentes com o objeto da contratação e estrutura que comporte o cumprimento pessoal dos compromisso assumidos'. Em sentido análogo se manifestou o então titular da 10ª SECEX em parecer exarado no processo TC-001.197-1 (Embargos de Divergência - Decisão Plenária n° 830/98, Ata n° 48/98): 'Na hipótese de desconsideração do objeto a ser contratado, estar-se-á concedendo às entidades em questão privilégios além daqueles que se pretendeu. Ademais, tal prática provocará um completo desvirtuamento do instituto da licitação, pois qualquer tipo de serviço poderá ser contratado sem licitação, bastando que a contratada possua os requisitos estabelecidos na lei. Ao se levar em conta somente a característica da contratada, estar-se-á permitindo, portanto, uma interpretação absurda do inciso XIII, art. 24, da Lei nº 8.666/93, absolutamente desconforme com o ordenamento pátrio, inclusive a Carta Magna'. Por essa linha de orientação, o Tribunal tem determinado às Unidades Jurisdicionadas a adoção de providências com vistas ao exato cumprimento da lei, consistentes na realização de procedimentos licitatórios, nos casos em que tenham sido constatadas contratações de fundações de apoio que não se enquadrem no permissivo do art. 24, inciso XIII, da Lei n° 8.666/93 (Decisão n° 657/97 - Plenário, Ata n° 38/97; Decisão n° 830/98 - Plenário, Ata n° 48/98; Decisão n° 252/99 - Plenário, Ata n° 19/99; Decisão n° 346/99 - Plenário, Ata n° 22/99)."

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serviços médico-hospitalares e de serviços especializados de manutenção,

supervisão, fiscalização e apoio na área de saúde. As contratações muitas vezes

retratavam a situação de dificuldade enfrentada pelas IFES na gestão de tais

hospitais, sendo justificado pelos gestores que a opção pelas fundações de apoio

era a única alternativa para suprir a extrema carência de recursos humanos nestas

unidades que em muitas unidades da federação constituem-se na principal unidade

de saúde pública234. Nestes sentido, tais contratos não poderiam ser efetuados por

intermédio da contratação direta, vez que não repercutiam em um efetivo

desenvolvimento institucional da IFES contratante.

5.3.5. Acórdão 655/2002 - Plenário

Outro importante posicionamento do TCU foi emitido no Acórdão nº 655/2002,

do Plenário, que efetuou uma consolidação de auditorias realizadas em

universidades a respeito de suas fundações de apoio235. O acórdão em comento

tinha por finalidade o cumprimento de deliberação constante da Decisão 64/2000, da

234

A justificativa da utilização das fundações como única alternativa à gestão dos hospitais universitários foi inclusive citada no voto do Ministro Relator Homero Santos na Decisão 443/1995 - Plenário, em auditoria realizada junto à Universidade Federal da Paraíba: ―Relativamente à contratação da Fundação José Américo para a prestação de serviços especializados ao Hospital Universitário Lauro Wanderley-HULW, objeto da Tomada de Preços nº 04/94 e do Contrato nº 08/94, compartilho do entendimento manifestado pela Unidade Técnica de que o procedimento da Autarquia de utilizar-se da mão-de-obra contratada por aquela Fundação infringe o disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal, por se tratar de desempenho, por via indireta, de atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo Plano de Cargos da UFPB. Cabe ponderar, no entanto, que a situação evidenciada na mencionada Universidade não se trata de um caso isolado, ao contrário, repete-se nas demais Instituições Federais de Ensino Superior, em cujos hospitais universitários haja insuficiência de pessoal. Conforme destacado no Voto do eminente Ministro Olavo Drummond, ao relatar o processo TC 015.813/93-2, no qual se apreciou questão análoga a que ora se examina, a falta de mão-de-obra nessas Unidades e os meios utilizados pelas Universidades para suprir tal deficiência, quase sempre por meio das fundações de apoio, são do conhecimento do Titular da Pasta da Educação, que, objetivando solucionar o problema, elaborou Projeto de Lei, ora em tramitação no Congresso Nacional, prevendo a criação de cargos para os referidos hospitais universitários. Segundo também informado no citado Voto, o Ministro da Administração e Reforma do Estado autorizou, em caráter excepcional, o Ministro da Educação a realizar concurso público para preenchimento de diversos cargos naqueles hospitais. Face a essas circunstâncias, e consentâneo com a deliberação proferida no aludido processo (Decisão nº 432 / 95 - Plenário), entendo que a solução ali preconizada deva ser igualmente adotada nestes autos.‖ Decisão 443/1995 - Plenário, Sessão 30/08/1995 Dou 18/09/1995 - Página 14404.

235 TCU. Processo nº 017.029/2001-2. Decisão nº 655/2002 – Plenário, DOU 08/07/2002, p. 165-171,

Relator Ministro Valmir Campelo.

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Primeira Câmara236, e efetuou a consolidação de auditorias realizadas em

universidades federais em seus relacionamentos com suas fundações de apoio,

tendo como foco principal da auditoria as atividades destas com desvirtuamento dos

propósitos da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, e sem obediência à Lei nº 8.666, de

21/06/1993.

O acórdão, por sua vez, não se limitava a avaliar as contratações diretas

efetuadas pelas universidades, como também a presença de recursos públicos na

constituição ou operacionalização das fundações, a legitimidade e a legalidade da

relação entre IFES e fundações de apoio, bem como o desrespeito às finalidades

previstas na Lei nº 8.958, de 20/12/1994.

O voto do Ministro Relator, Valmir Campelo, continha minucioso relatório

elaborado pela 6ª SECEX contendo a consolidação dos elementos obtido em

auditorias realizadas em universidades Federais dos Estados do Rio Grande do Sul,

Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pará, Rio Grande do Norte,

Paraíba, Pernambuco, Bahia, Mato Grosso do Sul e Goiás, além da Universidade de

236

Constava da Decisão 64/2000, da Primeira Câmara, Relator Ministro Humberto Souto, DOU de 06/04/2000: "8.5 determinar à 6ª Secex que promova estudos a serem submetidos posteriormente à SEGECEX, com a finalidade de analisar a atuação das fundações de apoio junto às instituições federais de ensino não só no Rio de Janeiro mas em âmbito nacional, objetivando a realização de futuras auditorias, de forma a verificar o comportamento daquelas fundações, em particular quanto aos aspectos mencionados no Voto do ilustre Ministro Luciano Brandão Alves de Souza no TC n.º 004.117/87-5, Ata n.º 93-87-Plenário, transcrito no relatório; (...).‖ Na citada decisão, já alertava a equipe de auditoria da SECEX-RJ, responsável pela trabalho técnico de verificação de contas contido no acórdão: ―27. Nessa reunião, embora tenha sido reconhecido por ambas as partes que a Fundação não fazia parte do alvo dos trabalhos de Auditoria, a qual restringia-se ao CEFET, foram colhidas informações interessantes sobre a operação da FUNCEFET, que serviram de base aos questionamentos aqui constantes. Foi também colhida uma planilha que continha o esboço dos registros contábeis da Fundação (fls. 52 a 58), a qual mostra a tênue fronteira que limita os recursos públicos federais envolvidos, quando não registra bem as diferenças entre recursos repassados ao CEFET como apoio ao Ensino e como pagamento por serviços, consultoria ou uso de equipamentos e laboratórios. Nessa planilha observa-se também o vertiginoso crescimento de arrecadação da Fundação, nos dois últimos exercícios e a quantidade de empregados da mesma envolvidos em prestação de serviços a terceiros, o que pode mostrar algum desvio em relação às finalidades estatutárias de apoio ao CEFET, bem como demonstrar a fragilidade da demonstração do não recebimento de remuneração por parte dos diretores da Fundação que fazem parte dos quadros de servidores/professores do CEFET e da dificuldade para a conciliação de horários de dedicação às duas entidades simultaneamente.‖ Ao final, propõe a equipe de auditoria ao Ministro Relator: ―4. Determinação à Unidade de Controle Interno do Poder Executivo em cuja clientela se inclua o Ministério da Educação para que: (...). 4.2 Verifique, nos próximos trabalhos de fiscalização no CEFET, a atuação da Fundação de Apoio ao CEFET, no que tange ao uso de recursos públicos federais, materializados nos seguintes aspectos: - uso indiscriminado do nome CEFET na publicidade da Fundação; - possível desvio de professores do CEFET para ministrar cursos na Fundação, com prejuízo da carga horária correta na instituição federal; - aspectos contábeis do reinvestimento de resultados financeiros da Fundação no CEFET; - circulação e uso de equipamentos do patrimônio do CEFET pela Fundação.‖

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Brasília.

A partir deste conjunto de amostras, o relatório abordou especialmente as

questões pertinentes à constitucionalidade da criação das fundações de apoio e a

legalidade e legitimidade do relacionamento das IFES com suas fundações de apoio.

No tocante à constitucionalidade da criação das fundações de apoio, o

trabalho de auditoria concentrou-se na situação das fundações instituídas pelas

IFES com recursos públicos em seu patrimônio inicial, porém sem a necessária

autorização legislativa, tendo em vista que não houve convalidação de tal situação

de ilegalidade pela Lei nº 8.958, de 20/12/1994. Nestes sentido, entendeu o corpo

técnico do Tribunal pela inconveniência de manutenção do posicionamento anterior

do Tribunal de Contas da União de extinção de tais fundações de apoio após mais

de vinte anos de sua constatação e notificação ao Poder Público. Entendeu assim,

pela priorização do princípio da segurança jurídica no caso sob análise,

fundamentando-se em ensinamentos dos doutrinadores Hely Lopes Meirelles e

Almiro do Couto e Silva237.

Por sua vez, no que se refere à análise da legalidade e legitimidade do

relacionamento das IFES com as fundações de apoio, um dos focos trabalho de 237

Destacamos do Relatório técnico: "70. Embora patente a ilegalidade do fato, por inexistir autorização legislativa, a proposta de se voltar a determinar a extinção desses entes nos parece, à essa altura, uma medida de questionável oportunidade. Esse juízo decorre da consideração de vários aspectos. (...). 73. Tanto a extinção quanto a convalidação restauraria a legalidade dos atos. Mas nos parece ser necessário questionar a conveniência de retomar essa discussão já transcorridos cerca de 20 anos desde que a situação irregular foi inicialmente detectada. Pelo menos para aquele conjunto de entidades já constituídas desde as primeiras decisões do Tribunal (o que se deu ainda em 1982), deveria prevalecer o respeito à segurança jurídica. (...). 78. Se a situação do pequeno grupo de fundações de apoio instituídas com participação das IFES é irregular, é forçoso reconhecer que ao longo do tempo o Poder Público se mostrou vacilante em invalidar seus atos constitutivos. Essa vacilação pode ser vista tanto no âmbito do Legislativo quanto do próprio Executivo. 79. No Legislativo, o Congresso Nacional chegou a aprovar a ratificação desses atos. O Projeto de Lei do Senado nº 88/1988, comentado antes, previa, em seu art. 1º, serem 'reconhecidas e legitimadas as Fundações de Apoio, sem fins lucrativos, instituídas pelas Instituições Federais de Ensino Superior, ou criadas no âmbito destas (...).' 80. No Executivo, apesar do veto integral aposto ao projeto de lei, como mencionado, já eram visíveis as dificuldades enfrentadas para regularizar a situação das fundações de apoio instituídas pelas IFES. Chegou-se a determinar a extinção delas, ao ser baixado o Decreto nº 95.904/88, mas o prazo estabelecido para essa medida foi prorrogado sucessivamente até que por fim esse Decreto veio a ser revogado, sem alcançar, nesse aspecto, seu objetivo inicial. 81. Parecem-nos perfeitamente aplicáveis, portanto, os ensinamentos de Almiro do Couto e Silva, citados na mesma obra de Hely Lopes Meirelles: no Direito Público, não constitui uma excrescência ou uma aberração admitir-se a sanatória ou o convalescimento do nulo. Ao contrário, em muitas hipóteses o interesse público prevalecente estará precisamente na conservação do ato que nasceu viciado mas que, após, pela omissão do Poder Público em invalidá-lo, por prolongado período de tempo, consolidou nos destinatários a crença firme na legitimidade do ato.' (p. 91 - grifamos)." DOU 08/07/2002, p. 167-168.

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auditoria foram as hipóteses de utilização regular das regras favoráveis previstas na

Lei nº 8.958, de 20/12/1994, tendo por parâmetro a finalidade das instituições

envolvidas. Consoante o relatório técnico, por a norma em comento não possuir

mecanismos intrínsecos de autocontrole, ambas as instituições envolvidas (IFES e

fundações de apoio) tinham interesse em interpretar o dispositivo legal de forma a

lhe conferir uma extensão não imaginada pelo legislador e que poderia implicar no

esvaziamento do próprio sentido da norma238.

Demonstra o órgão de controle externo, entretanto, compreensão a respeito

das dificuldades enfrentadas pelo administrador público especialmente nos objetivos

de transformação de pesquisa em inovação, indicando como fator de empecilho as

dificuldades em se estabelecer relações entre a iniciativa privada e as instituições

públicas de ciência e tecnologia, responsáveis à época por aproximadamente 79%

(setenta e nove por cento) da pesquisa desenvolvida no país. Aponta, inclusive, a

inadequação e rigidez das normas, especialmente de gestão de recursos públicos,

bem como as condições a que estão submetidas as universidades, como obstáculo

à flexibilidade de gestão e liberdade de iniciativa das IFES necessárias à captação

de parcerias científicas239.

O trabalho técnico reforça posicionamento externado anteriormente pelo

Tribunal de Contas no Acórdão nº 108/98, do Plenário, transcrevendo o voto do

238

Neste sentido, é o teor do relatório: "88. Também não são todas as contratações das IFES e dos institutos de pesquisa que podem se valer das regras favoráveis da Lei nº 8.958/94. Como será visto, as disposições desse diploma legal têm objetivo certo, que alcança apenas parte dos problemas que afligem essas entidades, devendo-se coibir qualquer tentativa de subsumir a essa Lei situações não contempladas em seus fins. (...). Se de fato é preciso certa rigidez ante os excessos que vêm sendo cometidos em nome de uma suposta liberdade conferida pela Lei nº 8.958/94, de outra sorte não se deve extrair desta Lei uma significação que lhe esvazie o sentido, interpretando-a em prejuízo, e não a favor, do relacionamento que ela veio proteger e fomentar. 92. É possível adiantar o juízo que se formulará a respeito. O relacionamento privilegiado que a Lei das fundações de apoio faculta é legítimo e necessário; no entanto, facilmente se desvirtua, por a norma não ter mecanismos intrínsecos de autocontrole: a ambas as partes envolvidas (fundações de apoio e instituições de ensino e pesquisa) interessa, por diversas razões, estender o permissivo legal para abranger situações distintas daquela que a Lei pretendeu compreender."

239 "102. De início é preciso levar em conta que as relações universidade-empresa exigem não só

certa flexibilidade de gestão como também uma maior liberdade de iniciativa. É forçoso reconhecer que as universidades e institutos públicos de pesquisa acham-se submetidos a condições e normas de funcionamento às vezes inadequadas e rígidas para esse propósito. 103. É bem sabido que os recursos públicos são quase sempre carimbados e de repasses incertos; nem sempre estão disponíveis no tempo requerido para a pesquisa nem é fácil ou viável remanejá-los de acordo com as necessidades supervenientes de um projeto em andamento."

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Ministro Carlos Átila neste julgado e destacando seus principais pontos240. O

relatório do órgão de controle externo também ressalta que a Lei nº 8.958, de

20/12/1994, como instrumento de geração e difusão da ciência e tecnologia

nacionais, deve ser como tal interpretada a partir do dever estatal de promover e

incentivar o desenvolvimento científico nacional, contido no artigo 218 da

Constituição Federal. Assim, os contratos previstos na Lei nº 8.958, de 20/12/1994,

devem ter por objeto esta finalidade, e não abranger atividades de rotina

administrativa dissociadas desta finalidade, estranhas aos objetivos pretendidos pela

lei, como aquisições rotineiras de bens, consoante constatado pelas auditorias do

TCU241.

Dentro deste intento de delimitar as parcerias e contratações que poderiam

ser incluídas dentro dos propósitos da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, o relatório sugere

a contratação das fundações de apoio pelas IFES como para atuarem como um

escritório de contratos de pesquisa e de transferência de tecnologia, pois tais 240

"107. No TCU, a abordagem mais direta ao tema parece ser a feita no Relatório que fundamenta o Acórdão nº 108/98 - Plenário. Nele, o Ministro Carlos Átila deixou registrado que: 'não só no caso das Universidades, mas sobretudo nele, o regime legal e regulamentar administrativo deveria conferir muito mais ampla liberdade discricionária aos administradores. As regras específicas de aplicação dos recursos que lhes são confiados deveriam ser formuladas, direta e exclusivamente, por instância própria da Escola, tal como, por exemplo, seu Conselho de Administração, ao qual a Lei deveria delegar competência para estabelecer procedimentos e parâmetros de gestão adequados às peculiaridades da entidade, e jungidos apenas aos princípios básicos da Constituição, em especial no seu art. 37. Não consigo vislumbrar fundamento racional na idéia de impor genericamente, aos reitores e pró-reitores das Universidades, minuciosíssimas normas sobre forma, oportunidade, métodos e valores de processamento e de pagamento de gratificações, diárias, despesas do quotidiano e quejandas, da entidade'."

241 "113. É nesse mesmo sentido que foi elaborada e deve ser interpretada a Lei nº 8.958/94: como

mais um dos instrumentos de geração e difusão da ciência e tecnologia nacionais. De acordo com a Exposição de Motivos que acompanhou o anteprojeto dessa Lei (fl. 61), deveria ser considerada, sobretudo, a finalidade precípua de se alcançar o desenvolvimento e o bem-estar social, através da produção, disseminação e aplicação de conhecimentos gerados pela ciência, tecnologia, [e] educação'. 116. O dispositivo deve ser interpretado não só como exigindo das instituições contratadas o compromisso institucional de apoiar os referidos projetos, mas também que os contratos tenham objetos afins. A exemplo do que o Tribunal vem decidindo em relação ao inciso XIII do art. 24 da Lei nº 8.666/93, aqui também não basta que a fundação tenha a incumbência estatutária de promover a pesquisa, o ensino ou o desenvolvimento institucional, científico e tecnológico. É preciso que os contratos de fato se refiram a essas atividades. Não teria razão de ser o apoio incondicional do legislador a uma determinada classe de pessoa jurídica, desvinculado de um propósito maior, necessário para dar, mais que um suporte legal, um fundamento legítimo para a exceção adotada (e as hipóteses de dispensa de licitação são sempre excepcionais, como se sabe). 117. Todas as propostas legislativas que visaram a disciplinar o relacionamento privilegiado das instituições federais com as fundações que lhes dão apoio, inclusive a que deu origem à Lei nº 8.958/94, buscaram amparo no art. 218 da Constituição, que diz que 'o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas', acrescentando, no §3º, que o Estado também apoiará as atividades de ciência, pesquisa e tecnologia, 'e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho'. A Lei resultante deve ser entendida, portanto, de modo fiel a esse propósito que a inspira."

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funções enquadrariam-se dentro do seu papel institucional de apoio, ao estimular e

acompanhar os projetos de ensino pesquisa e extensão242.

Conclui o relatório ao final que ações desempenhas pelas fundações de apoio

podem ser legítimas e necessárias à promoção científica nacional, caracterizando-se

as fundações como importantes intermediárias entre as universidades e o ambiente

empresarial, tendo em vista que a pesquisa nacional concentra-se em instituições

públicas e que estas precisam de mais flexibilidade e agilidade operacional. Todavia,

deve-se atentar para tentadores desvirtuamentos na interpretação da utilização das

hipóteses de contratação das fundações de apoio243.

As considerações do relatório técnico foram endossadas pela 6ª SECEX e

foram acolhidas pelo Voto do Ministro Relator, que destacou, entretanto, que o

processo objeto do acórdão tinha caráter avaliativo, tendo por finalidade a avaliação

de matérias aventadas pela Decisão nº 64/2000, posteriormente complementadas

por questões surgidas no julgamento constante da decisão nº 179/2001, ambas da

1ª Câmara do Tribunal de Contas. Todavia, as considerações externadas

embasariam futuras verificações a serem promovidas, fixando parâmetros para estas

análises, tendo por objeto o relacionamento das IFES com suas fundações de

242

"122. Portanto, parece-nos válido reconhecer nas fundações de apoio tanto a figura de um escritório de contratos de pesquisa quanto a de um escritório de transferência de tecnologia. No primeiro caso, teriam uma postura menos ativa, apenas realizando a mediação entre universidades e empresas, dando conseqüência a entendimentos já de interesse dessas partes. No segundo, promoveriam diretamente as pesquisas cujos resultados pudessem interessar ao setor empresarial, buscando, assim, clientes para futuros negócios, ou identificariam e trariam para a universidade demandas externas, viabilizando os acertos para seu atendimento. 123. Em ambos os exemplos, as fundações de apoio cumpririam o papel de estimular e acompanhar os projetos consorciados, com a vantagem de poderem se especializar na resolução de questões burocráticas, como a preparação de contratos, o acompanhamento de desembolsos, deixando os escassos recursos humanos da universidade livres para se dedicarem às atividades substantivas da pesquisa."

243 "138. Além das situações analisadas nesta oportunidade, há diversas outras que caracterizam fuga

da aplicação da Lei nº 8.958/94 a seus fins originais. No exame das auditorias recentemente feitas em decorrência da Decisão nº 64/2000 - 1.ª Câmara, outras situações deverão ser enfrentadas, não sendo necessário estender o presente estudo. As análises até aqui feitas são suficientes para permitir a conclusão, já adiantada no início, de que: 1º) as ações desempenhadas pelas fundações de apoio às instituições federais de ensino e pesquisa podem ser legítimas e necessárias para a promoção científica e tecnológica do País, de- vendo, porém, se limitarem a essa finalidade específica; 2º) representam, as fundações de apoio, um intermediário importante entre a universidade e o ambiente externo, devendo-se considerar que a pesquisa nacional - tanto básica quanto aplicada - ainda ocorre fundamentalmente em instituições públicas, que precisam de mais flexibilidade e agilidade operacional para bem cumprirem essa missão; 3º) é preciso, no entanto, estar alerta ante os desvirtuamentos da aplicação da Lei n.º 8.958/94, por a norma não ter mecanismos de autocontrole: tanto às instituições contratantes quanto às fundações contratadas interessa, justamente em função dessa maior flexibilidade e agilidade, estender o permissivo legal para abarcar situações distintas daquelas que a Lei pretendeu compreender.‖

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apoio244.

5.3.6. Acórdão 276/2002 - Plenário

Outra importante decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União antes da

regulamentação contida no Decreto nº 5.205, de 14/09/2004, foi a constante do

Acórdão nº 276/2002, do Plenário, que estabeleceu prazo de 360 dias para que a

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC afastasse de cargos públicos de

provimento efetivo os funcionários de fundações de apoio que os estivessem

ocupando, por representar violação da regra do concurso público insculpida no

inciso II do art. 37 da Constituição Federal.

O subitem 8.7 do aludido Acórdão estendeu a determinação a outras

instituições em situação semelhante. A determinação veio a ser prorrogada em duas

ocasiões por solicitações do Ministério da Educação, pelos Acórdãos nº 1.571/2003 -

Plenário e nº 1.068/2004 - Plenário.

244

"16. Finalmente, sou de opinião que as considerações endossadas pela Diretora e pelo Titular da Unidade Técnica, a seguir reproduzidas, devam servir de embasamento a verificações que de- verão ser feitas de modo a se definir adequação à Lei nº 8.958/94: I - identificar as Fundações de Apoio instituídas com participação integral ou parcial de recursos públicos, destacando: a) valor e proporção do dinheiro público na composição do patrimônio da fundação; b) modificações dos atos constitutivos da entidade, no que se refere à composição do seu patrimônio; c) valor do recurso aplicado pela Fundação, nos cinco anos anteriores da respectiva conta, com a finalidade de apoiar atividade da Universidade. II) Quanto à legalidade/legitimidade da relação entre a Fundação e a Instituição de Ensino e Pesquisa, considerar as orientações seguintes nas análises de contrato por dispensa de licitação, com base no art. 1º da Lei nº 8.958/94: a) são condições indispensáveis que: a 1) a instituição contratada tenha sido criada com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico; e a 2) o objeto do contrato esteja diretamente relacionado à pesquisa, ensino, extensão ou desenvolvimento institucional; b) a Fundação, enquanto contratada, deve desempenhar o papel de escritório de contratos de pesquisa, viabilizando o desenvolvimento de projetos sob encomenda, com a utilização do conhecimento e da pesquisa do corpo docente das IFES, ou de escritório de transferência de tecnologia, viabilizando a inserção, no mercado, do resultado de pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos realizados no âmbito universidades; c) o contrato deve estar diretamente vinculado a projeto a ser cumprido em prazo determinado e que resulte produto bem definido, não cabendo a contratação de atividades continuadas nem de objeto genérico, desvinculado de projeto específico; d) os contratos para execução de projeto de desenvolvimento institucional devem ter produto que resulte em efetivo desenvolvimento institucional, caracterizado pela melhoria mensurável da eficácia e eficiência no desempenho da instituição beneficiada; e) a manutenção e o desenvolvimento institucional não de- vem ser confundidos e, nesse sentido, não cabe a contratação para atividades de manutenção da instituição, a exemplo de serviços de limpeza, vigilância e conservação predial."

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5.3.7. Acórdão 2.731/2008 - Plenário

A jurisprudência do Tribunal de Contas da União a respeito das fundações de

apoio consolidou-se no acórdão nº 2.731/2008, fruto de uma ampla fiscalização

instaurada pelo TCU para analisar em âmbito nacional o relacionamento entre as

IFES e suas fundações de apoio. O acórdão é paradigmático para o tema e tem por

mérito traçar um diagnóstico geral da situação das IFES e suas fundações de apoio.

O acórdão elenca possíveis desvirtuamentos das finalidades institucionais das

fundações de apoio e, por conseguinte, um distanciamento dos instrumentos de

controle de recursos públicos, tendo em vista que muitas fundações de apoio teriam

passado a realizar a gestão administrativa das universidades, gerindo recursos

públicos paralelamente aos sistemas de controle de execução financeira e

orçamentária do Poder Executivo.

Apesar do Acórdão não inovar no tocante a diversos posicionamentos já

consolidados no Tribunal, ele tem importância em razão de suas determinações e na

sua influência nas alterações legislativas que sobrevieram após sua edição. Cite-se,

ainda, que o trabalho teve uma abrangência superior às anteriores realizadas nas

IFES e suas fundações de apoio, abrangendo um conjunto muito maior de

amostras245.

A decisão tem origem em uma Fiscalização de Orientação Centralizada,

aprovada na Sessão Plenária do Tribunal de Contas da União de 16/4/2008, tendo

como pano de fundo a crise envolvendo a Fundação Universidade de Brasília (FUB)

e uma de suas fundações de apoio, a Fundação de Empreendimentos Científicos e

Tecnológicos (Finatec). Diante da repercussão causada pelas graves denúncias de

malversação de recursos públicos divulgadas na imprensa, entendeu o Tribunal pela

realização de uma ação de controle voltada ao relacionamento das IFES com suas

fundações de apoio.

245

Sobre a correlação entre a jurisprudência do TCU e a elaboração da legislação, novamente remetemos ao nosso artigo ―Fundações de Apoio das Instituições Federais de Ensino Superior: Construção da Legislação e Reação do Tribunal de Contas da União‖. em Boletim de Direito Administrativo nº 10/2012, ano XXVIII, Editora NDJ, São Paulo.

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A fiscalização tinha por objetivo avaliar de forma abrangente o tema das

fundações de apoio, visando traçar um quadro geral das situações verificadas,

identificar irregularidades mais comuns e relevantes e propor o aperfeiçoamento nos

mecanismos de controle, no arcabouço legal e/ou no modelo de execução de

programa/ação.

O trabalho de auditoria, assim, não se restringia a traçar um diagnóstico,

como também recomendar aprimoramentos de gestão, além de embasar as

determinações a serem expedidas pelo Tribunal de Contas a respeito do

relacionamento entre IFES e suas fundações.

Neste sentido, foram os auditores do TCU preparados com um longo

questionário246 que em síntese, como bem exposto por Alexandre Pacheco da Silva,

246

Consta do Relatório de auditoria constante do Voto do Ministro Relator: "Objetivo e questões de auditoria. 4.11. Como já apontado, o objetivo da auditoria é examinar, no plano nacional, o relacionamento das IFES com suas fundações de apoio, nos termos das comunicações apresentadas pelos Ministros Aroldo Cedraz e Raimundo Carreiro na Sessão Plenária de 16/4/2008. 4.12. Para a confecção da Matriz de Planejamento e difusão da doutrina e da jurisprudência aplicável ao objeto auditado, foi realizado na Secex/MG, de 17 a 20/6/2008, um curso preparatório, ministrado por especialista em fundações de apoio, que contou com a participação da maioria das unidades executoras, além da 6ª e da Secex/RS. 4.13 A matriz elaborada no curso foi cotejada com matrizes que orientaram procedimentos similares no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, em amplo debate na lista técnica de discussão, resultando na produção de uma Matriz de Planejamento definitiva – e das respectivas matrizes de procedimentos e possíveis achados – com 14 (quatorze) questões de auditoria: 1 – A IFES tem normas internas (além dos contratos e convênios de parceria) regulando a sua relação com a FA, à luz das normas gerais que regem a matéria? 2 – Como tem ocorrido o processo de credenciamento das fundações de apoio da IFES e como estão sendo acompanhados os novos requisitos para os próximos processos? 3 – O Ministério Público Estadual, por meio de sua Curadoria de Fundações, tem fiscalizado regularmente a fundação de apoio? 4 – A formalização dos convênios, contratos e ajustes celebrados com a fundação de apoio está em conformidade com a legislação e jurisprudência que regem a matéria, incluindo a existência de projetos de ensino, pesquisa e extensão ou de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico elaborados e aprovados pelo órgão competente da IFES, para cada ajuste celebrado com a fundação de apoio? 5 – A execução dos convênios, contratos e ajustes celebrados com a fundação de apoio está em conformidade com a legislação e jurisprudência que regem a matéria? 6 – A IFES exerce um controle eficiente sobre os contratos, convênios e ajustes celebrados com a fundação de apoio? 7 – Existe cessão de pessoal da IFES para a fundação de apoio e, em caso positivo, é feita dentro das exigências legais e normativas, incluindo a sistemática de concessão de bolsas de ensino, pesquisa e extensão, considerando também o confronto com as possibilidades de pagamento alternativo por serviços eventuais prestados? 8 – Existe pessoal contratado pela fundação de apoio para atividades na IFES e, em caso positivo, é feita dentro das exigências legais e normativas, sem alocação para atividades permanentes e sem caracterização de ‗terceirização de serviços‘? 9 – Há ressarcimento, por instrumento próprio, devido pela utilização de bens e serviços da IFES, pelo prazo estritamente necessário à elaboração e execução de cada projeto firmado entre a IFES e a fundação de apoio? 10 – Há ressarcimento, por instrumento próprio, de parcelas arrecadadas pela fundação de apoio e devidas à IFES pela utilização de pessoal, conhecimento, imagem, bens e serviços, em projetos firmado entre ela e a fundação de apoio, inclusive cursos e concursos? 11 – Há casos de repasse, da IFES à fundação de apoio, de recursos orçamentários disponibilizados em final de exercício financeiro ou alocados para o programa REUNI, em especial para obras de expansão, reforma ou reaparelhamento? 12 – A IFES tem utilizado, de alguma forma, fundações de apoio para ações

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referiam-se ao controle institucional sobre as fundações de apoio, a finalidade de

seus contratos e parcerias e o controle sobre os recursos públicos tramitados pelas

fundações de apoio e eventual não contabilizados no caixa único da universidade:

Como se pode observar, boa parte das perguntas propostas pela fiscalização dialogam diretamente com os conceitos e temas tratados na Decisão nº 655/2002, podendo ser divididas em dois grupos: aquelas questões referentes a verificação do cumprimento do texto normativo da Lei nº 8.958/94 e de seu Decreto regulamentar de 2004, e questões que procuraram verificar a assimilação da jurisprudência do Tribunal e produzir novas informações sobre a atuação das fundações, como por exemplo o uso de fundações de apoio nos arranjos previstos na Lei de Inovação. (...).

De modo geral, os questionamentos estão relacionados a três preocupações fundamentais: (i) as universidades federais têm e exercem controle sobre as fundações de apoio? (ii) os contratos e convênios estabelecidos estão ligados à atividades de ensino, pesquisa, extensão e desenvolvimento institucional, tendo objeto, prazo, pessoal, e planejamento para sua realização? (iii) Há recursos públicos que não estão sendo revertidos para as universidades em razão de respostas negativas dos dois questionamentos anteriores?

247

Os achados de auditoria foram relevantes e destacaram o reiterado

descumprimento por parte dos gestores de recomendações anteriores expedidas

pelo Tribunal de Contas. Entre os principais achados de auditoria verificados,

resultantes da utilização de forma desvirtuada dos propósitos da Lei nº 8.958, de

20/12/1994, encontram-se desde de irregulares dispensas de licitação, contratações

de recursos humanos sem concurso público, fragilidades nos mecanismos de

controle, pagamentos irregulares a servidores, utilização não remunerada de

relativas à apropriação de resultados de pesquisas (patentes, royalties, etc.) ou em ações ligadas à Lei da Inovação Tecnológica (Lei no 10.973/2004)? 13 – A IFES tem utilizado, de alguma forma, a sistemática introduzida pela Lei no 11.314/2006, para pagamento de Gratificação de Cursos e Concursos, remunerando diretamente servidores envolvidos na logística, preparação e execução de cursos de pós-graduação ou extensão, bem como de vestibulares ou concursos públicos? 14 – Quais são as possíveis práticas de boa gestão existentes no cenário atual e quais as sugestões potenciais dos gestores e da equipe a serem acrescentadas às propostas já feitas pelo TCU acerca do relacionamento entre IFES e fundações de apoio, incluindo sugestões de mudanças legislativas ou de orientações ministeriais nos instrumentos que regem esse relacionamento?"

247 O autor efetua em seu trabalho de dissertação de mestrado um conceituado estudo a respeito do

acórdão nº 2.731/2008 e seus impactos nas parcerias entre universidades e empresas na área da inovação, o qual sugerimos a leitura: Antes de uma Fundação, um conceito: um estudo sobre a disciplina jurídica das fundações de apoio na cooperação entre Universidade e Empresa, São Paulo, 2011, Alexandro Pacheco da Silva, Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - p. 132-133.

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patrimônio público, além de violação a princípios caros à administração, como a

impessoalidade, a transparência e a licitação248.

Diante de tais achados de auditoria, recomenda a equipe de auditoria a

adoção de providências de caráter regulador, de transparência, de aprimoramento

dos instrumentos contratuais e de complementação à posicionamentos

jurisprudenciais do TCU, destinadas não só à Administração Pública como também

ao próprio Tribunal de Contas249. Entre as principais decisões encontram-se a

248

"1.4 São apresentados, por questão de auditoria, de forma descritiva, os achados mais relevantes detectados pelas Secretarias estaduais executoras e, à guisa de conclusão, uma síntese desses achados e propostas de encaminhamento para a mitigação de eventuais irregularidades. 1.5 O conjunto de achados desta FOC revela a persistência e a vitalidade das distorções que corroem, com maior ou menor intensidade, os pilares do marco regulatório preconizado pela Lei no 8.958/1994, que informa o relacionamento das IFES com suas fundações de apoio: a) a prática da contratação direta de fundações de apoio tem subvertido as hipóteses de dispensa de licitação previstas no art. 1º da lei de regência, em especial pelo uso elástico do conceito de desenvolvimento institucional; b) a fiscalização exercida pelas curadorias de fundações dos ministérios públicos estaduais é frágil; c) os achados demonstram, ainda que residualmente, a contratação de fundações de apoio não credenciadas no MEC/MCT por universidades federais; d) as fundações de apoio, em regra, não têm observado os procedimentos previstos na Lei no 8.666/93 nas contratações por elas efetivadas em projetos desenvolvidos com esteio na Lei no 8.958/1994; e) são frágeis, quando não inexistentes, os mecanismos de transparência e de prestação de contas dos contratos/convênios firmados pelas IFES com suas fundações de apoio; f) os achados evidenciaram a debilidade do controle finalístico e de gestão das fundações de apoio pelas instituições apoiadas e a ausência de regras claras de relacionamento que possibilitem a efetividade deste controle; g) os gestores têm desprezado as deliberações emanadas dos órgãos de controle interno e externo; h) os requisitos de participação dos servidores das instituições federais contratantes têm sido desvirtuados pela alocação continuada de servidores das IFES em projetos, com a percepção perene de bolsas e a caracterização de contraprestação de serviços; i) o pessoal contratado para os projetos tem sido muitas vezes deslocado para o exercício de atividades permanentes ou inerentes aos planos de cargos das IFES, configurando a terceirização irregular de serviços (burla à licitação) e a contratação indireta de pessoal (burla ao concurso público); j) o instituto do ressarcimento pelo uso de bens e serviços próprios da instituição federal contratante tem sido constantemente solapado pelo estabelecimento de percentuais fixos de remuneração e pela retenção de valores em contas privadas das fundações de apoio (fundos de apoio institucional); k) persiste a prática irregular de empenho de recursos para fundações de apoio, com dispensa de licitação, com o objetivo de assegurar a execução de recursos transferidos intempestivamente para as IFES ao final do exercício financeiro. Esse conjunto de achados impõe, paralelamente à proposta de retomada da agenda positiva da Autonomia Universitária, a adoção, pelo poder executivo federal e pelos órgãos de controle, de medidas indutoras de controle e transparência na execução de projetos das IFES realizados por intermédio de fundações de apoio, com fundamento na Lei 8.958/1994, em especial aquelas que possibilitem o autocontrole pela própria comunidade acadêmica.

249 "1.6 As propostas sugeridas na análise dos achados e descritas, com os respectivos critérios de

auditoria, na proposta de encaminhamento, são medidas destinadas à consecução deste propósito e podem ser sintetizadas nos seguintes grupos: 1) Propostas evolutivas de caráter regulador – são sugeridas determinações às IFES e, no que couber, às fundações de apoio, para a implantação de rotinas e procedimentos destinados a regular o relacionamento das IFES com suas fundações, a formalização de contratos e convênios e o acompanhamento de requisitos de credenciamento. 2) Propostas com foco em controle e transparência – são sugeridas, dentre outras, determinações às IFES e, no que couber, às fundações de apoio, para que adotem medidas destinadas a dar ampla publicidade, à comunidade acadêmica e à sociedade, dos fatos concernentes ao relacionamento das IFES com suas fundações e a induzir a segregação de funções nas ações de formulação, aprovação, execução, avaliação e prestação de contas de projetos. 3) Propostas de caráter original e inovador

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restrição à transmissão de recursos diretamente às fundações de apoio pelos órgãos

de fomento.

O Acórdão também firmou um entendimento abrangente a respeito do

conceito de "recursos públicos", não limitando o conceito apenas aos recursos

financeiros utilizados nos projetos contratados com a fundação de apoio, como

igualmente qualquer outro patrimônio tangível e intangível da instituição, que

deveriam ser contabilizados e recolhidos à conta única da instituição:

9.1. firmar o entendimento de que a expressão ―recursos públicos‖ a que se refere o art. 3º, caput, da Lei 8.958/1994 abrange não apenas os recursos financeiros aplicados nos projetos executados com fundamento na citada lei, mas também toda e qualquer receita auferida com a utilização de recursos humanos e materiais das Instituições Federais de Ensino Superior, tais como: laboratórios, salas de aula; materiais de apoio e de escritório; nome e imagem da instituição; redes de tecnologia de informação; documentação acadêmica e demais itens de patrimônio tangível ou intangível das instituições de ensino utilizados em parcerias com fundações de apoio, sendo obrigatório o recolhimento de tais receitas à conta única do Tesouro Nacional;

A determinação tinha por intuito contabilizar nos custos dos projetos tendo em

vista que os projetos contratados juntos com fundações de apoio, em regra,

acabavam sendo realizados nas universidades apoiadas, porém sem que tais custos

constassem da proposta de acordo ou mesmo fossem indenizados às IFES. No

conceito de recursos públicos, são incluídos, ainda, o nome e a imagem da

instituição.

– sugerem-se medidas de aprimoramento do controle dos ajustes regidos pela Lei no 8.958/1994 por meio de capitulo específico nos Relatórios Anuais de Gestão das IFES sobre seu relacionamento com as fundações de apoio, medidas destinadas a evitar as distorções observadas no modelo (bolsas irregulares, cursos de pós- graduação descolado das IFES, fundos de apoio institucional irregulares), propostas de alteração das normas que informam o relacionamento das IFES com suas fundações e proposta para retomada da agenda da autonomia universitária prevista no art. 207 da Constituição Federal. 4) Propostas complementares a entendimentos já firmados por este Tribunal – são sugeridas determinações às IFES e, no que couber, às fundações de apoio, também destinadas a mitigar distorções do modelo (entendimento menos elástico do conceito de ‗desenvolvimento institucional‘, abrangência do conceito de recursos públicos, correta incorporação de bens adquiridos por fundações de apoio ao patrimônio da IFES, substituição gradual de pessoal contratado irregularmente por fundações de apoio). 5) Propostas dirigidas aos ministérios supervisores e ao TCU – sugere-se que o TCU firme entendimentos sobre o relacionamento IFES x fundações e que o MEC, o MCT e o MPOG adotem medidas, entre outras, destinadas a agilizar o trâmite de suplementações orçamentárias e a alterar a redação de normas que informam o relacionamento em foco."

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Ao final, determinou o Tribunal de Contas da União ao Ministério da Educação

que no prazo de 180 instituísse ato normativo regulamentando o relacionamento

entre IFES e suas fundações de apoio, tendo por conteúdo o cumprimento de

medidas de natureza de controle, transparência e aprimoramento de gestão, tais

como:

1) No tocante aos contratos firmados entre IFES e fundações de apoio, medidas que compreendessem a individualização contratual (9.2.1.1) e da gestão de seus recursos (9.2.15), evitando contratos do tipo "guarda-chuva" (9.2.5), bem como concentração das decisões a ele relativas em um só servidor (9.2.7); o controle centralizado dos projetos (9.2.1.2) com segregação de funções entre coordenadores e avaliadores de projetos (9.2.1.4), que deverão analisar metodologicamente as metas e a execução dos projetos; elaboração de plano de trabalho detalhado (9.2.1.3); publicidade dos projetos (9.2.1.5) e garantia de impessoalidade na seleção de seus participantes (9.2.10); a fixação de teto para o recebimento de bolsas (9.2.1.6 e 9.2.1.7), critérios para participação de docentes nos projetos (9.2.1.8) e vedação do pagamento destas por contraprestação de serviço (9.2.22), a título de função comissionada (9.2.25) fora das hipóteses permitidas (9.2.24); a subcontratação total do objeto ou a subcontratação das parcelas mais relevantes (9.2.11 e 9.2.13); 2) Em relação ao controle e transparência no relacionamento entre a IFES e sua fundação de apoio, a divulgação de dados e informações das regulamentações, procedimentos e projetos desta natureza existentes na instituição (9.2.3). Também deveriam ser adotadas medidas que proporcionassem uma sistemática de gestão, controle e procedimentos interno, com pluralidade de dados que permitam acesso pelos órgãos de controle interno e externo (9.2.15, 9.2.16, 9.2.17 e 9.2.18); além da adoção de uma sistemática de prestação de contas pelas fundações de apoio (9.2.20); 3) Em relação ao conceito de desenvolvimento institucional, que os projetos classificados como de desenvolvimento institucional impliquem produtos que resultem em melhorias mensuráveis da eficácia e eficiência no desempenho da IFES, com impacto evidente em sistemas de avaliação institucional do MEC e em políticas públicas plurianuais de ensino superior com metas definidas (9.2.9); abstendo-se também de transferir às fundações de apoio recursos destinados à execução de obras ou serviços de engenharia, tendo em vista o não enquadramento deles no conceito de desenvolvimento institucional (9.2.29). 4) Em relação à vícios constatados na execução financeira da IFES, que não sejam realizados empenhos em nome da própria IFES ou em nome de fundações de apoio sob a alegação de inviabilidade de execução orçamentária temporal, em especial em proximidade de final de exercício (9.2.30); para o estrito cumprimento do Decreto nº 6.170/2007, que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse (9.2.37); inclusive não celebrando contratos que estabeleçam o procedimento de transferir à fundação a arrecadação de recursos provenientes de prestação de serviços a terceiros, ressalvados aqueles diretamente vinculados ao custeio de projetos específicos (9.2.40), ou mesmo para arrecadação de receitas não pertinentes ao objeto deste contrato (9.2.41), e seu respectivo

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embasamento contratual (9.2.42), recolhendo diariamente à conta única da universidade os ingressos de todos os recursos que lhe são legalmente devidos (9.2.43), promovendo inclusive o recolhimento de todos os recursos à época atualmente mantidos nas fundações de apoio a título de recursos devidos à instituição e às unidades acadêmicas como ressarcimento ou remuneração pela participação na prestação de serviços cuja arrecadação financeira esteja a cargo da fundação, bem como dos saldos dos contratos de mesma natureza atualmente existentes (9.2.44); (...). 6) Adoção de uma política de inovação que traga resultados que permaneçam na IFES, especialmente em termos de patentes e royalties, evitando a dispersão e apropriação, por agentes privados, desses resultados (9.2.31); 7) Em relação às atividades de extensão, especialmente cursos lato-sensu promovidos pelas universidades, a institucionalização de tais cursos, com a inserção dos cursos de pós-graduação lato-sensu porventura oferecidos em seus processos acadêmicos e administrativos regulares, sem a condução exclusiva por fundações de apoio, e em atenção às regulamentações do Conselho Nacional de Educação (9.2.32 e 9.2.36); adotando medidas para efetivo controle do pagamento de bolsas e da gratificação por encargo de curso e concurso aos servidores participantes destes cursos.

Determinou, ainda, aos Ministérios da Educação e do Planejamento,

Orçamento e Gestão que providenciem medidas que proporcionem às IFES maior

agilidade na gestão e suplementação orçamentárias, orientando as IFES a

contabilizarem à conta de recursos próprios arrecadados também os recursos

decorrentes de atividades feitas em parceria com fundações de apoio.

Uma das medidas determinadas aos Ministérios da Educação, do

Planejamento Orçamento e Gestão e da Ciência e Tecnologia, foi de que

orientassem todas as agências financiadoras, fundos e órgãos subordinados para

que não efetuassem contratos ou convênios de repasse de recursos financeiros,

com objetivos de fomento à pesquisa científica ou tecnológica, diretamente para

fundações de apoio a IFES, se destinados a projetos abrangidos pela Lei nº 8.958,

de 20/12/1994. Em tais hipóteses, os acordos deveriam ser feitos diretamente com

as IFES (9.4.1), abstendo-se de efetuar repasses de recursos financeiros de forma

inviáveis a serem executados nos termos das normas legais pertinentes, em

especial em proximidade de final de exercício financeiro, executando esses repasses

de forma planejada e tempestiva (9.4.2);

Determinou, por fim, ao Ministério da Educação, examinar a possibilidade de

adequar pontualmente a redação do Decreto nº 5.205/2004, de 14/09/2004, à

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jurisprudência da Corte de Contas (9.6.1), especialmente quanto ao conceito de

desenvolvimento institucional e pagamento de bolsas (9.6.1); também que

examinasse a viabilidade legal e técnica de aplicar aos casos de vacância dos

cargos técnico-administrativos os mesmos critérios utilizados quando da vacância

dos cargos da carreira docente, usualmente conhecido como ―professor-

equivalente‖, de modo a tornar mais ágil a substituição de servidores nos quadros

das IFES (9.6.3);

Ao final, em razão dos reiterados descumprimentos das determinações do

Tribunal de Contas pelos gestores de IFES, posiciona-se de maneira incisiva,

alertando aos dirigentes das IFES que a persistência das distorções detectadas na

presente auditoria poderá ensejar a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.443,

de 16/07/1992, inclusive a inabilitação dos responsáveis, por um período de cinco a

oito anos, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito

da administração pública federal e a declaração de inidoneidade da fundação de

apoio para participar, por até cinco anos, de licitação/contratação na Administração

Pública Federal (9.7).

Dentre os tópicos examinados do julgado, destaca-se a frequente

irregularidade de se entender por "desenvolvimento institucional" os mais diversos

serviços contratados, desvirtuando por completo o sentido conferido pela lei a este

conceito. O acórdão dispôs em três itens a respeito do tema, recomendando ao final

ao Poder Executivo que excluísse o termo "natureza infraestrutural" da redação do

artigo 1º do Decreto nº 5.205, de 14/09/2004. Cite-se que a recomendação foi

incorporada na Lei nº 8.958, de 20/12/1994, pela Lei 12.349, 15/12/2010, fruto da

conversão da MPV 495, de 19/07/2010, que previu a exclusão do conceito de

desenvolvimento institucional de atividades como manutenção predial ou

infraestrutural, conservação, limpeza, vigilância, reparos, copeiragem, recepção,

secretariado, serviços administrativos na área de informática, gráficos, reprográficos

e de telefonia e demais atividades administrativas de rotina

Outro ponto polêmico constante da decisão foi a proibição dos órgãos oficiais

de fomento efetuarem contratações diretamente com as fundações de apoio. O

Tribunal de Contas recomendou ao Ministérios da Educação e da Ciência e

Tecnologia proibissem suas Agências de Fomento (FINEP, CAPES, CNPq) a

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repassar recursos financeiros ligados a projetos de pesquisa, diretamente às

fundações de apoio. O entendimento gerou protestos no meio universitário, que

sustentou que a pesquisa científica neste ano havia parado no Brasil250, tendo sido

posteriormente flexibilizado nos acórdãos nº 510/2009, e nº 1184/2010, ambos do

plenário do TCU. Ao final, foi abordado pela Lei nº 12.349, de 15/12/2010, que

passou a permitir expressamente tais contratos no art. 1º-A da Lei nº 8.958, de

20/12/1994, com nova redação251.

Outra importante recomendação posteriormente incorporada pela legislação

foi a proibição da subcontratação total do objeto ou a subcontratação das parcelas

mais relevantes por parte das fundações de apoio. A determinação visava impedir a

atuação das fundações de apoio como meras intermediárias de outras contratações

250

Novamente recomendamos a leitura do trabalho de dissertação de Alexandre Pacheco, que: "No mesmo sentido, na X Conferência da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (ANPEI) 184, o presidente da FINEP, Luís Fernandes, discursou apontando que a decisão do TCU dificultou o apoio a projetos de pesquisa das instituições federais de ensino superior, pois o problema reside na falta de estrutura para o gerenciamento financeiro e administrativo destes projetos pelas universidades, papel executado pelas fundações de apoio. Naquele momento a FINEP se encontrava em uma posição delicada, não poderia mais repassar recursos para as fundações de apoio de forma direta, ao mesmo tempo que desconfiava do repasse direto às universidades federais em razão das questões orçamentárias envolvidas no tema. Entre mortos e feridos, em meio aos debates acalorados sobre os conceitos do Acórdão e as incertezas geradas por ele na condução de projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico com agências de fomento e parceiros privados, em 25 de março de 2009, a pedido do Ministro de Ciência e Tecnologia, Sergio Machado, a Recomendação 9.4.1. do Acórdão nº 2.731/2008, que proibia o repasse direto de recursos de projetos da FINEP para fundações de apoio, foi suspensa pelo Tribunal no Acórdão nº 510/2009, pelo prazo de 360 dias. As ponderações apresentadas pelo Ministro de Ciência e Tecnologia foram: '(...). a determinação do Tribunal de Contas da União contida no item 9.4.1 compromete os investimentos em pesquisa no país, uma vez que não leva em consideração, a ainda pouco efetiva autonomia administrativa, financeira e patrimonial das IFES, que tem previsão constitucional, mas que efetivamente está longe de ser implementada. Fato é que as universidades não têm estrutura para gerir os recursos oriundos dos repasses. Impedir o repasse direito às fundações de apoio significa inviabilizar todo o recurso a ser repassado, uma vez que as universidades terão de passar por ampla reforma para recomposição dos seus quadros, tempo esse que inviabilizará inúmeros projetos e estagnará, ou pelo menos prejudicará o desenvolvimento científico do país.‖

251 Consta do acórdão nº 2.731/2008: 9.4. determinar aos Ministérios da Educação, do Planejamento

Orçamento e Gestão e da Ciência e Tecnologia que: 9.4.1. orientem todas as agências financiadoras, fundos e órgãos subordinados para que não efetuem contratos ou convênios de repasse de recursos financeiros, com objetivos de fomento à pesquisa científica ou tecnológica, diretamente para fundações de apoio a IFES, se destinados a projetos abrangidos pela Lei nº 8.958/1994, hipótese em que tais avenças devem ser feitas diretamente com as IFES; Por sua vez, é a redação do art.1º-A da Lei 8.958/94 com redação dada pela Lei 12.349/2010: Art. 1º-A. A Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, como secretaria executiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e as Agências Financeiras Oficiais de Fomento poderão realizar convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do art. 24 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, por prazo determinado, com as fundações de apoio, com finalidade de dar apoio às IFES e às ICTs, inclusive na gestão administrativa e financeira dos projetos mencionados no caput do art. 1º, com a anuência expressa das instituições apoiadas."

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unicamente com o escopo de se fugir do regime público de compras e

contratações252.

Seja pelo profundo diagnóstico realizado no relacionamento entre IFES e

suas fundações de apoio, pela consolidação em uma só decisão de

posicionamentos anteriores do Tribunal de Contas, ou mesmo pelo impacto de suas

determinações e sua consequente influência na elaboração da legislação posterior, o

acórdão nº 2.731/2008, é um divisor de águas no tema das fundações de apoio253. A

partir dele diversos debates surgiram a respeito do tema, bem como as

universidades públicas federais começaram a tratar de forma mais apurada o

relacionamento com suas fundações de apoio, estando cada vez mais presente no

cenário da universidade brasileira a busca por um modelo de parceria entre estas

entidades que mais se adeque às características desse regime híbrido público-

privado.

5.4. Conclusão

A análise da jurisprudência do Tribunal de Contas da União ao longo das

últimas três décadas demonstra a grande influência que esta exerceu na elaboração

legislativa sobre a matéria e na definição do regime jurídico das fundações de apoio.

Tanto pelo fundamental trabalho de diagnóstico efetuado por seu corpo técnico nas

diversas auditorias realizadas nas IFES, apontando irregularidades e sugerindo

252

Consta do acórdão nº 2.731/2008: ―9.2.11. não permitam, nos contratos e convênios com fundações de apoio regidos pela Lei 8.958/1994, a subcontratação total do objeto ou a subcontratação das parcelas mais relevantes por parte dessas fundações, bem assim a subcontratação de outras fundações de apoio como executora da totalidade ou mesmo de partes do projeto; (...).‖ Neste sentido, previu o §4º do art. 1º da Lei 8.958/94 com redação dada pela Lei 12.349/2010: §4º É vedada a subcontratação total do objeto dos ajustes realizados pelas IFES e ICTs com as fundações de apoio, com base no disposto nesta Lei, bem como a subcontratação parcial que delegue a terceiros a execução do núcleo do objeto contratado.

253 Neste sentido, a Advocacia-Geral da União editou Orientação Normativa, de caráter obrigatório a

todos os órgãos jurídicos da Advocacia Pública federal, a respeito dos contratos efetuados entre IFES e suas fundações de apoio: "Orientação Normativa nº 14, de 1º de abril de 2009. Os contratos firmados comas fundações de apoio com base na dispensa de licitação prevista no inc. XIII do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993, devem estar diretamente vinculados a projetos com definição clara do objeto e com prazo determinado, sendo vedadas a subcontratação; a contratação de serviços contínuos ou de manutenção; e a contratação de serviços destinados a atender as necessidade permanentes da instituição. (DOU, 07/04/2009, p. 14)

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medidas jurídicas e administrativas para sua correção e aprimoramento, como pelas

determinações impostas aos gestores dentro deste mesmo escopo, o órgão de

controle externo foi contrapeso à utilização desmedida e descontrolada dos arranjos

entre IFES e suas fundações de apoio.

O Tribunal, dentro do seu mister institucional, atuou como verdadeiro controle

à utilização desvirtuada da lei pelos gestores públicos, porém, demonstrando

conhecimento da realidade vivenciada pelas IFES, especialmente em relação as

dificuldades enfrentadas pelos gestores para condução da máquina administrativa,

em razão da má prática institucionalizada no Poder Público Federal de repasse dos

recursos previstos na Lei Orçamentária apenas ao fim do exercício financeiro.

Diversos votos externados nos acórdãos e decisões proferidas pelo Tribunal ilustram

este posicionamento:

Mais ainda, entretanto, está claro que todo esse conjunto de problemas resulta da equivocada imposição, às Universidades, de normas e regulamentos administrativos especiosos, que parecem à primeira vista justificados por seus propósitos moralizadores e assecuratórios da austeridade de gestão, mas que na verdade somente resultam em criar obstáculos irritantes e irracionais ao bom funcionamento das entidades federais de ensino superior. (...) É pois com declarado constrangimento, por força da legislação vigente, que testemunho e participo deste tipo de fiscalização e de julgamento, esperando entretanto que o Governo da República - Executivo e Legislativo - promova com urgência a revisão do regime administrativo das Universidades, conferindo a seus gestores o assinalado maior grau de autonomia.

254

Manifestação de cunho semelhante foi expressada no acórdão

2813/2009, Plenário, que tratou de forma globalizada dos hospitais universitários

federais, demonstrando ciência do TCU quanto à necessidade de se recorrer às

fundações de apoio para viabilizar a melhor gestão de tais equipamentos de saúde:

3.78 Em que pese o risco de cometimento de ilegalidade, ressalte-se que o artifício da utilização das FA se torna, para o administrador, o único meio de garantir a agilidade e a flexibilidade necessárias para uma instituição de saúde, na utilização dos recursos, visto que, por serem os HU vinculados a autarquias, estão adstritos a procedimentos orçamentário-financeiros

254

Decisão nº 108/98 Plenário, DOU de 20/08/1998.

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rígidos, comuns da Administração Pública Direta e Indireta, que não permitem a mudança de rubrica na alocação dos recursos, impossibilitando, por exemplo, a utilização do orçamento destinado a custeio para a realização de investimentos. Outro aspecto é que recursos diretamente arrecadados pelos HU não são de livre disposição, conforme as regras orçamentárias vigentes.

255

Acima de tudo, as determinações do Tribunal de Contas da União foram a

mola propulsora das mudanças legislativas e da estimuladores da busca por uma

definição do futuro papel das fundações de apoio juntos às universidades e

instituições públicas científicas. Uma forma de parceria que gere a estas instituições

de pesquisa a agilidade e flexibilidade de gestão aspiradas, conciliando a

personalidade jurídica de direito privado das fundações de apoio com o respeito aos

princípios da administração pública das quais não podem as instituições públicas se

evadir.

255

Acórdão nº 2.813/2009, Plenário, DOU de 27/11/2009

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6. Identificação de Potencialidades e Fragilidades para Construção de um

Modelo Jurídico de Parceria

6.1. Introdução

Ao longo dos capítulos deste trabalho procuramos retratar que a hipertrofia do

aparelho estatal para cumprimento das funções assumidas pelo Estado Social,

provocou uma tendência da Administração Pública em descentralizar suas

atividades para entidades não integrantes da sua estrutura. Inicialmente esta

descentralização ocorreu por intermédio da criação de autarquias, fundações

públicas e empresas estatais com o objetivo de assumirem a execução de atividades

administrativas públicas sob o regime jurídico privado. Entretanto, à medida que

essas formas jurídicas deixaram de ser úteis em razão da gradual inserção destes

entes dentro do restritivo regime de direito público, submetendo-as aos mesmos

procedimentos burocráticos administrativos, especialmente de gestão financeira e

orçamentária, o Estado procurou nas pessoas jurídicas privadas a saída para

descentralizar o desempenho das funções.

O repasse de atividades estatais, inclusive de poderes públicos, para

desempenho por entidades privadas256 retrata uma tendência mundial257 dos anos

256

"Uma outra coordenada tem-se desenvolvido sob os motes da 'Nova Gestão Pública' e da empresarialização da máquina administrativa. O objectivo é, em geral, o da implementação de um sistema administrativo baseado na 'cultura da empresa', orientado para os resultados e dirigido por gestores que se pautam por regras de mercado e de gestão empresarial. Apesar de se tratar de um fenómeno de espectro mais largo, um dos vectores da empresarialização reside na designada 'privatização formal da Administração Pública', a qual se traduz na entrega da gestão de tarefas públicas a entidades criadas por iniciativa pública num formato de direito privado". GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. - (Teses de doutoramento). Portugal. Coimbra: Almedina. 2008. p. 18.

257 "Na presente investigação, interessa-nos destacar e enfatizar três momentos essenciais deste

profundo processo de transformação: i) A cooperação mais ou menos sistemática e a conjugação ordenada dos papéis de actores públicos e privados no desenvolvimento das tradicionais finalidades do Estado Social e de Serviço Público; ii) Sob o mote de uma 'modernização administrativa', um complexo processo de 'empresarialização' que, por vezes, passa pela 'privatização das formas organizativas da Administração Pública'; iii) A promoção de mecanismos de envolvimento e de participação de particulares 'interessados' na gestão de um claro leque de incumbências públicas. Conexo com a primeira coordenada assinalada, um dos sintomas da transformação aponta para a reconfiguração do papel e das funções do Estado e para o nítido reforço da contribuição dos actores

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1990, de declínio do Estado Social, decorrente de uma insatisfação da sociedade

com a eficácia estatal do Estado se comparada com seus custos. Como solução, foi

vislumbrado o repasse das atividades estatais para a iniciativa privada. Em relação

às atividades de produção de bens e serviços de mercado foi implementada a

privatização das estruturas empresariais do Estado. Por sua vez, na prestação de

serviços de caráter social, tendo em vista o desinteresse em sua prestação por

entidades empresariais, foi idealizada a parceria com entidades privadas sem fins

lucrativos como a solução para prestação dos serviços relacionados à educação,

saúde e assistência social. O movimento de descentralização das atividades do

Estado Social para iniciativa privada, e o consequente crescimento das entidades do

Terceiro Setor, encontraram no princípio da subsidiariedade sua base filosófica e na

campanha da globalização258 sua propaganda; e, no Brasil, no Plano Diretor para

privados para a governação pública. Esse vector consubstancia-se, desde logo, na implementação de novos arranjos de distribuição de tarefas e de partilha de responsabilidades entre os sectores público e privado baseados numa clara 'lógica de emagrecimento' e numa certa retracção estadual. Uma visão meramente empírica mostra-nos o Estado a querer acantonar-se na execução de missões mais discretas; em vez de actuar directamente, mostra preferência por usar instrumentos de regulação e de activação ou de mobilização do designado 'potencial endógeno da sociedade' e do património de conhecimentos, da criatividade e da capacidade dos actores privados para resolver problemas. O objectivo perseguido é, pois, o de aproveitar, na máxima medida possível, a 'capacidade privada para servir objectivos públicos'. Na miragem desse objectivo, o estado serve-se de duas estratégias fundamentais: a privatização de responsabilidades públicas e a activação de responabilidades privadas. Associadas a uma redistribuição dos papéis e das responsabilidades entre o Estado e a Sociedade, estas estratégias apontam para um nítido reforço da responsabilidade dos actores privados na realização do bem comum e estão na origem de inovadoras formas de 'auto-regulação privada publicamente regulada'. As razões que explicam a referida reordenação de papéis são múltiplas. A conjugação da crua realidade dos 'défices públicos' com a 'ideologia imperante', a qual vem sublinhando a 'glorificação da eficiência económica do sector privado', assume, neste cenário, um relevo decisivo. Mas a ideia e a lógica do 'regresso ao mercado' baseiam-se também na própria complexidade dos problemas do nosso tempo, os quais não se deixam solucionar sem o concurso de conhecimentos e de capacidades (empresariais, científicas e tecnológicas) de que o Estado efectivamente não dispõe. Neste sentido, diz-se, com razão, que o processo de privatização não tem sido só motivado por razões ideológicas, mas também por decisivos factores de ordem pragmática. O ambiente que vimos descrevendo, caracterizado por uma visível alteração do âmbito e dos conteúdos das responsabilidades públicas, apresenta-nos uma vertente da crescente intervenção dos particulares, apontando fundamentalmente para um alargamento do perímetro da esfera da Sociedade. envolvido nesse processo está, repete-se, a reordenação de papéis e, por conseguinte, uma alteração que se repercute no plano das relações externas, das relações que se processam entre Estado e Sociedade. GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. - (Teses de doutoramento). Portugal. Coimbra: Almedina. 2008. p. 14-16.

258 Nas palavras de Pedro António Pimenta da Costa Gonçalves, a respeito da globalização: "c)

Globalização ideológica do discurso sobre a bondade da participação privada na governança pública - Numa época em que parecer emergir um direito administrativo global, são igualmente nítidos, ao nível estadual, vários processos de imitação de modelos estrangeiros. Estes processos, combinados (o caso português) com um fenómeno de europeização, contribuem para uma harmonização dos sistemas administrativos e para a estruturação de modelos que, tendencialmente, adoptam as mesmas soluções para problemas, semelhantes, que defrontam. Exactamente neste contexto, apoiado num discurso que glorifica a eficiência privada e que enfatiza a capacidade dos privados para

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Reforma do Aparelho do Estado e as alterações constitucionais e legislativas dele

decorrentes o seu meio de sua execução. Criou-se, assim, um ambiente propício à

proliferação das entidades do terceiro setor, assim entendido como o Setor

composto por entidades da sociedade civil organizada sem fins lucrativos, em geral,

associações com objetivos sociais e fundações privadas.

As fundações de apoio, apesar de se enquadrarem como instituições do

terceiro setor, na verdade não guardam origem com as demais entidades. Com

efeito, sua origem reflete a criação de uma entidade de personalidade privada por

uma instituição pública, com o intuito de atuar como uma administração paralela

desta e executar as tarefas administrativas fora do regime público.

Diferentemente das outras fundações privadas, em que a partir da liberalidade

de um instituidor há a constituição de patrimônio para a realização de uma atividade

de fim social, nas fundações de apoio a motivação de sua criação é semelhante a da

criação de fundações pelo poder público: atuar como instrumentos de execução de

uma ação estatal. Em razão deste vínculo de origem, não gozariam da mesma

autonomia das demais fundações privadas, que após sua instituição desprendem-se

de seus instituidores, estando assim sempre vinculadas em seus desígnios às

vontades das universidades que as instituíram. Esta vinculação dá-se,

principalmente, pela exigência de composição de seu quadro diretivo por integrantes

da instituição apoiada e controle finalístico e gestão por esta, implicando na

vinculação da fundação à vontade de um ente estatal. A entidade estatal, por sua,

deve se adequar aos desígnios das políticas públicas do Governo Central.

As fundações de apoio, portanto, fizeram um movimento inverso ao das

demais instituições do terceiro setor: não foram uma iniciativa da sociedade civil para

a execução de uma finalidade social que oportunamente se associava ao poder

resolver problemas públicos, tem-se assistido, um pouco por toda a aparte, ao fomento da delegação de funções públicas em privados, ao incremento da montagem de parcerias público-privadas, bem como, um outro plano à instituição de múltiplos mecanismos de activação das responsabilidades privadas. Sem pôr em causa a retórica de afirmação da bondade da participação privada na governação pública e de insistência no designado 'potencial administrativo dos privados', pretendemos apenas registrar que, na base desse fio discursivo, encontra-se uma ideologia que, por muitos canais, se propaga, descobrindo as vantagens de uma 'market-style action' em sectores tão genuinamente públicos como a gestão das prisões ou o policiamento das cidades". GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. - (Teses de doutoramento). Portugal. Coimbra: Almedina. 2008. p. 1100.

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183

público para a realização de uma atividade social de interesse comum; na realidade

eram uma extensão do aparelho estatal no regime privado para execução das

atividades públicas sob o regime privado. Sua criação estava inserida em um

movimento inicial de fuga para o direito privado do poder público, assim entendido

como as "situações nas quais a Administração Pública adota as formas de

organização e/ou as formas de atuação jurídico-privadas, para com isso se furtar ao

regime de direito público a que normalmente está sujeita259."

Entendemos ser necessário corrigir este vício de origem ao situar as duas

entidades envolvidas, universidade e fundação de apoio, nos seus respectivos

regimes jurídicos. Neste sentido, as universidades cessariam a utilização das

fundações de apoio como instrumentos de execução administrativa paralela e as

fundações de apoio alcançariam sua autonomia como fundações privadas. A medida

será salutar e producente, à medida que preserva a autonomia entre as duas

instituições, inibe a confusão proveniente criação de um regime híbrido e reduz a

dependência entre as duas instituições.

Esta separação e diferenciação, todavia, deve ser empreendida de foram

gradual, com a adoção de medidas transitória que não comprometam as atividades

conjuntas desenvolvidas atualmente, em que as universidades não podem prescindir

das fundações de apoio e vice-versa. A solução, desta maneira, não é simples ou de

fácil implementação. Neste capítulo, a partir de questionamentos construídos em

cima da situação fática atual, procuraremos identificar os obstáculos atualmente

existentes e vislumbrar providências que possam contribuir para a busca de um

modelo que permita às universidades o exercício de todo o seu potencial nas

atividades de ensino, pesquisa e extensão e às fundações de apoio o exercício de

suas características de entidade do terceiro setor, autônoma e constituída para uma

determinada finalidade social.

A primeira questão que se coloca é a necessidade de transferir ao regime

privado a execução sob a justificativa de que a Administração Pública é ineficiente

para prestação dos serviços. A afirmação, repetida exaustivamente, em regra é

259

ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o Direito Privado: contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública - (Teses de doutoramento). Coimbra, Portugal: Almedina. 2009. p. 17.

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desacompanhada de uma explicação de suas causas, o que leva ao questionamento

de se não haveria uma solução para que o Estado fosse eficiente dentro do regime

jurídico administrativo. Sem embargo, os motivos que levam à insatisfação geral com

os resultados da atuação estatal são multifatoriais e envolvem elementos de

natureza econômica, cultural, social e política, não sendo correto atribuir unicamente

aos procedimentos e mecanismos de controle da administração pública a causa

desta ineficiência. Mas permanece a dúvida da possibilidade do atingimento das

metas e objetivos de interesse público dentro do regime jurídico administrativo.

Para fins do enfoque deste trabalho, a questão da delegação de tarefas e

partilha de responsabilidades entre a administração pública e o terceiro setor será

analisada a partir da perspectiva das instituições universitárias públicas e suas

fundações de apoio. Sendo possível executar, em tese, as tarefas da administração

pública dentro do regime público, quais seriam as razões por que se mostram tão

necessárias as fundações de apoio?

6.2. Universidades Públicas Federais - em busca de uma conformação jurídica

adequada

Conforme preliminarmente abordado no primeiro capítulo desta dissertação,

as universidades públicas federais, por consignarem entre seus misteres o relevante

interesse público da realização científica e da educação, necessitam de formato

institucional que lhes proporcione autonomia administrativa, didática e científica.

Uma vez que integram a administração pública, as universidades necessitam de um

arranjo institucional que apesar de dependente do financiamento público,

permaneçam autônomas em relação a este.

Para alcançar este desígnio, a conformação jurídica idealizada deve

compreender a autonomia para fazer sua gestão patrimonial bem como realizar a

captação de recursos próprios e utilizá-los consoante suas necessidades e

conveniências. As entidades da administração pública, contudo, devem recolher ao

caixa único do tesouro, ao final do seu exercício financeiro, todos os recursos

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existentes em seu caixa, sem compromisso do seu retorno, ou sua disponibilidade

imediata, no exercício seguinte, o que comprometeria esta autonomia de gestão.

Uma sistemática que permita às universidades essa garantia de recursos

mostra-se ainda mais essencial com o perfil assumido pela extensão universitária no

século XXI260. Com efeito, as universidades hoje são chamadas a desempenhar um

papel muito ativo dentro da sociedade, além das tradicionais atividades de formação

de recursos humanos qualificados e desenvolvimento de tecnologias, como grandes

prestadoras de serviços de interesse público. Seus destinatários, por sua vez, são

variados: o Poder Público, movimentos sociais, o setor industrial e de serviços, entre

outros. Os produtos são igualmente variados e compreendem desde consultorias,

desenvolvimento de tecnologias, realização de cursos de capacitação, elaboração

de material didático, etc. Este novo perfil da universidade pública implica em sua

inserção da no Mercado. Assim, deve-se aparelhar a universidade pública com

instrumentos de gestão que lhes proporcione atingir uma eficiência esperada de uma

instituição corporativa, como paradigma de prestadora de serviços.

A propalada falta de eficiência do Estado, e eficiência do setor privado, apesar

de disseminada doutrinariamente, é simplista e não compreende o aprofundado

debate a respeito da assunção de serviços públicos por tais entidades o qual nos

referimos ao longo deste capítulo. Existem instituições públicas extremamente

eficientes e instituições privadas ineficientes, como podem demonstrar grandes

grupos comerciais e financeiros que foram à falência nas últimas décadas.

260

No mesmo sentido, alerta o Prof. Boaventura de Souza Santos, o qual defende que as universidades não podem deixar de observar seu compromisso com a sociedade, uma vez que custeadas por recursos públicos: "A área de extensão vai ter no futuro próximo um significado muito especial. No momento em que o capitalismo global pretende funcionalizar a universidade e, de fato, transformá-la numa vasta agência de extensão a seu serviço, a reforma da universidade deve conferir uma nova centralidade às atividades de extensão (com implicações no curriculum e nas carreiras dos docentes) e concebê-las de modo alternativo ao capitalismo global, atribuindo às universidades uma participação ativa na construção da coesão social, no aprofundamento da democracia, na luta contra a exclusão social e a degradação ambiental, na defesa da diversidade cultural. Esta é uma área que, para ser levada a cabo com êxito, exige cooperação intergovernamental entre, por exemplo, Ministros da Educação, do Ensino Superior e Tecnologia, da Cultura e das Áreas Sociais. A extensão envolve uma vasta área de prestação de serviços e os seus destinatários são variados: grupos sociais populares e suas organizações; movimentos sociais; comunidades locais ou regionais; governos locais; o setor público; o setor privado. Para além de serviços prestados a destinatários bem definidos, há também toda uma outra área de prestação de serviços que tem a sociedade em geral como destinatária. A título de exemplo 'incubação' da inovação; promoção da cultura científica e técnica; atividades culturais no domínio das artes e da literatura." SANTOS, Boaventura de Souza. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. p. 73-74.

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Permanece, assim, o debate a respeito da melhor forma jurídica para as

universidades públicas, e quais os melhores instrumentos que lhe deveriam ser

outorgados que lhes proporcionasse uma agilidade de gestão para cumprimento de

seus ofícios. Sendo a maioria das universidades federais constituídas sob a forma

de fundações públicas, haveria necessidade de buscar em outras fundações a

flexibilidade de gestão desejada ou é possível outorgar a estas fundações públicas

meios que lhes permitam agir de forma mais ágil e flexível? Entendemos pela

segunda colocação. Se atribuídas às instituições públicas a autonomia que por lei

deveriam gozar, seria desnecessário a busca por sua execução no regime privado.

No tocante à realização de compras e contratações de serviços, deve-se

aprimorar o sistema de licitações públicas. Reconhecemos que houve grande

avanço neste sentido com a realização de pregões eletrônicos, mais transparentes e

dinâmicos, além do sistema de registro de preços. A padronização de produtos

também foi conveniente. Assim, qual grande dificuldade em se executar compras e

contratações no regime público? Em primeiro lugar, as inevitáveis exigências do

poder público. Em um país com uma alta carga tributária e complexos

procedimentos de pagamentos tributários, são poucas as empresas com escorreita

regularidade fiscal. Cite-se, ainda, as cláusulas exorbitantes da administração

pública que contribuem para reduzir o conjunto de fornecedores.

A capacidade de planejamento do poder público, igualmente, depende de

recursos humanos de qualidade. Falta ao sistema público de gestão de recursos

humanos uma aferição de produtividade de seus servidores. Uma implementação do

controle de produtividade e de jornada dos servidores públicos. Os atuais

mecanismos são meramente protocolares e não há um real instrumento de cobrança

dos servidores. Some-se a isto conquistas de natureza corporativistas e a pressão

política para manutenção destas, que atualmente se mostram dissociadas do

interesse público.

Dentro da solução buscada, existem princípios e normas que a universidade

pública, como integrante da administração pública, não pode se afastar. Estes

princípios refletem os valores e características da sociedade. Entre estes valores

estão a igualdade de oportunidade e a meritocracia (impessoalidade), a honestidade

(legalidade), a ética (moralidade) e competência (eficiência). Tais princípios

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permeiam não só a administração pública como também as corporações privadas,

razão pela qual, independente se seguido o regime público ou privada, as

universidades públicas deveriam obedecê-los.

Outro obstáculos constitui-se da extrema centralização da tomada de decisão

na pessoa dos dirigentes máximos em razão do sistema hierarquizado de

responsabilidades. É preciso propiciar maior rapidez nas comunicações e

autorizações entre ministério supervisor e órgãos públicos supervisionados, ou

atribuir a estes maior autonomia de decisão, funcionalidades possíveis com o nível

de governança administrativa e controle que a Administração Pública possui na

atualidade, especialmente com a evolução das ferramentas gerenciais e

comunicações eletrônicas e autenticações digitais.

A efetiva implementação da Lei nº 8.745, de 09/12/1993, de contratação de

funcionários temporários para atenderem a demandas temporárias de extraordinário

interesse público é um dos instrumentos para a agilidade no provimento de recursos,

mas sua implementação pelos órgãos depende de autorização pelo Ministério do

Planejamento.

A liberação dos recursos orçamentários às universidades em tempo hábil para

sua execução também é medida que se impõe, especialmente considerando que

sua efetivação representa o efetivo cumprimento da lei orçamentária.

Diante dos obstáculos de solução prolongada, deve-se ter em escopo como

prioridade a arrecadação de recursos próprios pela universidade. Mas esta captação

de recursos não pode estar dissociada dos valores públicos, transformando a

universidade num econômico fornecedor de serviços à medida que tenha suas

ações de extensão capturadas pelos interesses privados, promovendo o que o

sociólogo Boaventura de Souza Santos denomina de uma "privatização indireta da

universidade"261. Esta captação de recursos privados necessita estar relacionada

261

Para que a extensão cumpra este papel é preciso evitar que ela seja orientada para atividades rentáveis com o intuito de arrecadar recursos extraorçamentários. Nesse caso, estaremos perante uma privatização discreta (ou não tão discreta) da universidade pública. Para evitar isso, as atividades de extensão devem ter como objetivo prioritário, sufragado democraticamente no interior da universidade, o apoio solidário na resolução dos problemas da exclusão e da discriminação sociais e de tal modo que nele se dê voz aos grupos excluídos e discriminados". SANTOS, Boaventura de Souza. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. p. 73-74.

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aos objetivos acadêmicos da instituição, levando-se em consideração que as

universidades, ao atuarem diretamente em atividades abertas ao mercado, estariam

desenvolvendo uma competição desleal com outras empresas que prestam os

mesmos serviços.262

No cenário delineado, é preciso ainda, que as mudanças seja implementadas

de forma gradual e consistente, evitando-se choques de gestão que possam

interromper as atividades científicas atuais. A ciência é uma corrida, e corrida

significa velocidade; velocidade de transformação de conhecimento em inovação.

Para uma nação já atrasada na área da inovação, uma interrupção ou delonga para

efetuar as mudanças pode ser ainda mais prejudicial. As mudanças, todavia,

envolvem uma mudança cultural administrativa, que compreende o tempo de

aprendizado e assimilação dos novos procedimentos gerenciais. Isto significa tempo.

Assim, o atual arranjo entre IFES e fundações de apoio não pode ser desprezado.

Produto das vicissitudes enfrentas pela administração pública brasileira ao

longo do regime republicano, a utilização das fundações de apoio como

interlocutoras das universidades criou um padrão no mercado e hoje em dia as

universidades públicas que dispõem de fundações mais estruturadas são mais

propensas ao recebimento de recursos que as demais.

262

No alerta de Marcos Augusto Maliska: "Neste sentido, abordando a questão das fontes alternativas de custeio das universidades, Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro escreve que, sem desconhecer as imensas carências de recursos das universidades, questiona-se a 'pertinência da chamada captação de recursos', como é feita hoje, em várias universidades públicas, muitas vezes sem qualquer relação com os objetivos acadêmicos precípuos, ou até contra estes, competindo com a iniciativa privada, com prerrogativas ilegítimas, servindo-se da condição de ser uma instituição sem fins lucrativos e especializada, com vantagens da dispensa de processos licitatórios'. Segundo o professor Michelangelo Trigueiro, 'o poder paralelo de órgãos captadores de recursos e das fundações ao da reitoria e da administração superior das universidades é um dos grandes obstáculos internos a vencer na construção de um novo papel para essas instituições. É óbvio que tais órgãos são muito importantes, principalmente quanto à possibilidade de realizar inúmeras parcerias, acordos, convênios, melhorando a condição financeira das instituições universitárias, bem como propiciando, também, condições e oportunidades de trabalho adequadas aos membros da comunidade universitária'. A questão está em compreender até que ponto essas entidades de captação de recursos não estão desempenhando um papel que aumenta em muito as 'resistências internas às mudanças mais profundas e necessárias nas universidades, entre as quais a melhor definição da autoridade, a delimitação das atribuições e competências de cada nível ou instância decisória e o fortalecimento acadêmico. Estas mudanças também passam pelo estabelecimento dos limites precisos de atuação desses novos setores e órgãos captadores de recursos externos, bem como pela redefiniçao da política orçamentária da instituição." MALISKA, Marcos Augusto. O Direito à Educação e a Constituição. Sergio Fabris Editor. Porto Alegre, 2001 p. 278-279.

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Mas seria este o formato ideal para a realização da extensão universitária?

Entendemos que atualmente sim; mas futuramente não.

6.3. O papel das fundações de apoio

Ao contrário das outras fundações privadas, as fundações de apoio tiveram

um iniciativa desvinculada da sociedade civil organizada e têm origem na vontade do

poder público. Sua criação não refletiu a vontade da instituição de uma entidade

para realização de uma finalidade social, mas sim de uma instituição de um ente

para repassar ao regime privado atividades que deveriam ser realizadas no regime

público pelas suas instituidoreas. Em síntese, o intuito era de ser uma administração

paralela, configurando-se uma extensão do poder público no regime privado. Assim,

seu movimento foi inverso ao das demais fundações privadas, pois sua iniciativa

partiu do poder público, que ainda as controla de certa forma.

À medida que foram se consolidando, as fundações de apoio foram

assumindo sua identidade como entidades do terceiro setor. Todavia, o regime

público de tais fundações é mais aproximado do regime público que de outras

fundações. Além dos ordinários controles sociais e públicos impostos às demais

fundações privadas, as fundações de apoio para se qualificarem como tais

dependem, ainda, do preenchimento de requisitos como aprovação de contas pelas

instituições apoiadas, além do controle por estas por intermédio da composição de

seu conselho diretivo em sua maioria por integrantes indicados pelas universidades

apoiadas.

Esta conformação jurídica as torna extremamente dependentes da

administração pública para sobreviverem. Sem as parcerias que intermediam entre

as universidades públicas e a iniciativa privada, bem como sem as atividades

descentralizadas a elas pelas universidades, as fundações de apoio não teriam

assumido as dimensões que assumiram. Ademais, sua existência dependente das

universidades inibe o alcance de uma efetiva autonomia que deveriam possuir como

entidades autônomas. Em suma, em razão deste arranjo institucional atual, nunca

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adquirem vida própria como fundações, sempre estando vinculadas à vontade de um

ente estatal e, por conseguinte, atuando como uma longa manus deste e não como

uma instituição que atua em parceria com o ente público.

Assim, para que representem efetivamente uma fundação - um patrimônio

constituído para a realização de uma finalidade de interesse público - devem as

fundações de apoio adquirirem sua autonomia, diminuindo sua dependência com o

administração pública e atuando como uma verdadeira entidade do terceiro setor. A

aproximação ao regime público, por conseguinte, deve se restringir aos mecanismos

de controle impostos às demais fundações privadas, sem a dependência em seu

corpo diretivo da universidades, vez que tal controle só existe pois são tratadas

como uma extensão das universidades e não como entes autônomos desvinculados

destas. Como uma fundação, seu compromisso é com a sociedade como um todo, e

não só com uma instituição. Para isso, a fundação de apoio deve diversificar suas

parcerias com outras entidades, e o poder público deve poder contratar com elas

diretamente.

As fundações de apoio deverão superar, ainda, o preconceitos263 existente em

relação a estas em razão dos noticiados desvios ocorridos no passado264.

Reconhecemos aqui que as parcerias mostram-se extremamente úteis ao

desempenho das atividades de ensino, pesquisa e extensão da universidade. E com

a nova legislação, o relacionamento entre as IFES e suas fundações de apoio

aproximou-se tanto do regime público, como pode-se notar da extrema

263

―Se algo pode permanecer, no entanto, é a advertência da ‗teoria da curvatura da vara‘: os entes de colaboração privados associados à instituição universitária são uma realidade comum à experiência internacional, e representam significativo potencial de contribuição à missão da universidade. Caso porém sua utilização real venha a distorcer os princípios em que se assenta a própria universidade como instituição pública, corre-se o risco de ver rejeitada pela sociedade a totalidade desse instrumento, com o que perdem a comunidade universitária e a sociedade em geral os benefícios potenciais de uma cooperação tão necessária (como todos os demais esforços de cooperação) para que a educação e a ciência, gratuitas e de qualidade, possam enfim ser bens públicos no Brasil.‖ BITTENCOURT, Fernando Motinho Ramalho. Revista de Informação Legislativa. Brasília. Ano 43. Nº 171 jul/set. 2006.

264 "Por esse motivo, deve ser amplamente compreendido o relacionamento público-privado entre as

fundações de apoio e a respectiva instituição, quando esta for pessoa jurídica de direito público, para afastar eventuais críticas de que essas fundações se pautam pela ilegalidade ao pretenderem a privatização do ensino público, que se prestam a violar as normas de direto público, especialmente a obrigatoriedade de concurso público e de licitação, ao enriquecimento ilícito dos professores e a gerar conflito de interesses com a Universidade, à medida que alguns dirigentes da entidade fundacional também tem assento nos cargos de direção da Academia." GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: doutrina e prática. São Paulo: Atlas. 2009. p. 61.

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regulamentação de seus contratos e convênios efetuados 8.958, de 20/12/1994, que

as fundações de apoio estão mais próximas do regime público do que do privado.

Neste sentido, vide a obrigatoriedade de se observar a legislação federal de licitação

nos ajustes firmados com as universidades, bem como seus estatutos obedecerem

aos mesmos princípios da administração pública (legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade, economicidade e eficiência).

As parcerias entre IFES e fundações do apoio nos moldes previstos na

legislação, outrossim, mostram-se em sintonia a um novo papel governamental no

Estado Pós Social, em que o Poder Público adquire uma nova feição nas atividades

a serem realizadas em conjunto com a iniciativa privada nas áreas sociais, como

expressão do princípio da subsidiariedade. Portanto, compete à administração

pública fomentar estas parcerias, mas dentro do espírito de estimular a atuação

destas instituições de forma incremental à sua função e não como um repasse de

obrigações por ele indesejadas de serem prestadas.

6.4. Redefinição do papel do Estado em relação à sociedade

O delineamento desta nova feição do Estado é uma complexa tarefa à cargo

da ciência jurídica, uma vez que atuação destes entes interessa ao direito

administrativo265 na medida em que estas entidades privadas participam da função

265

Desafios para o direito administrativo Pedro Gonçalves: A expressão novo direito administrativo pretende exprimir "a exigência de adaptação e de renovação do direito administrativo como resposta ao relevo crescente dos amis diversos papéis que os actores privados são chamados a assumir na realização dos fins públicos". O clássico direito administrativo não assegura uma resposta adequada e cabal aos novos problemas estatais. "As coordenadas culturais que se impuseram a partir dos anos oitenta do século XX representaram uma ruptura evidente com a tradicional conexão entre interesse público e acção pública, aparecendo hoje os actores privados, no perímetro da esfera privada, como protagonistas da prossecução de interesses públicos e de finalidades estaduais. Neste contexto cultural, em larga medida favorecido, quando não imposto, por uma 'globalização ideológica' a apontar para a glorificação de tudo o que tem proveniência [privada, a resposta que se exige há de passar por (continuar a) apresentar o direito administrativo como o direito de garantia da realização do interesse público. Mas este papel que o direito administrativo deve continuar a desempenhar não pode ignorar que, em larga escala, está presente uma exigência de garantir a realização do interesse público pelos próprios particulares, na esfera privada e no mercado. (...). A compreensão do sentido exacto do papel do direito administrativo centrado na ideia de garantia exige, em primeiro lugar, ter-se presente que não cabe a esta disciplina questionar os fundamentos ideológicos do processo que conduziu ao reforço da intervenção privada na vida social. As opções políticas tomadas na direcção do aproveitamento do potencial da Sociedade criaram uma situação que constitui um pressuposto ou

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administrativa. Com efeito, é dentro da ciência jurídica que será regulada a atuação

destas entidades no desempenho da função administrativa, vinculando-a ao direito

administrativo à medida que passa a se submeter ao regime jurídico público266.

Esta configuração do Estado deve ter em mente o papel das instituições

privadas que com ele queiram colaborar, sem necessariamente privatizar seus

serviços ou meramente repassá-los a entes privados que desempenham tarefas

sociais 267. A simples adoção de soluções estrangeiras, sem a devida ponderação

dos fatores culturais do país, assumindo o Estado um perfil análogo ao das

um dado de facto sobre o qual o direito administrativo deve agora actuar. Ter bem presente este momento lógico da intervenção jus -administrativa torna-se essencial para não se incorrer no equívoco de publicizar juridicamente a acção privada ou de promover a estatização da vida privada e dos actores privados. Uma ingerência directa das normas administrativas na acção de particulares que se movem nas novas áreas privadas criaria um indesejável efeito paradoxal do processo de privatização; provocaria, além disso, uma inútil e perigosa indefinição das fronteiras de uma disciplina jurídica que, no nosso juízo, deve continuar a reger apenas acção da Administração Pública". GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. - (Teses de doutoramento). Portugal. Coimbra: Almedina. 2008. p. 1102-1103.

266 Maria João Estorninho: ―d) Na minha opinião, é possível falar hoje numa nova crise de crescimento

do Direito Administrativo, a qual obriga, sem dúvida, a uma redefinição das suas fronteiras conceptuais; e) Assim, a maioria das teorias explicativas da natureza do Direito Administrativo continua 'agarrada' aos quadros conceptuais tradicionais e é desajustada para enquadrar e explicar esta Administração Pública do Estado Pós Social dos anos noventa, tendo notadamente dificuldade em assimilar os fenômenos da actividade administrativa de prestação, bem assim como as actuações negociais, consensuais, informativas ou planificadoras que, como vimos, são hoje comuns na actividade administrativa; i) Assim, por um lado, o Direito Administrativo abrange hoje a actuação de toda a Administração Pública (e esta é formada, na minha opinião, como já referi, não apenas pelas tradicionais pessoas colectivas públicas, mas também pelas entidades administrativas organizadas sob formas jurídico-privadas, as quais continuam a ser 'públicas' e, por outro lado, abrange também, em certa medida, a actividade das verdadeiras entidades privadas que colaboram com a Administração. Esta ideia, só por si, implica a inevitabilidade de uma certa diversidade de regimes dentro do próprio Direito Administrativo e implica também a existência de graus diferentes de especificidade de tais normas jurídico-administrativas;‖ ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o Direito Privado: contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública - (Teses de doutoramento). Coimbra, Portugal: Almedina. 2009 p. 379-380.

267 Tarso Cabral Violin também aduz: "Ao contrário do ideário do 'terceiro setor' que proclama o

Estado prestador de serviços como antidemocrático e o Estado neoliberal que apenas exerce a regulação como democrático, opinamos que um Estado pode ser radicalmente democrático apenas buscando um engajamento da sociedade civil na discussão e constituição das políticas públicas sem, necessariamente, utilizar-se do chamado 'terceiro setor' para atendimento das demandas de responsabilidade direta do próprio Estado. Ou seja, um Estado pode ser 'substancialmente democrático', conforme lição já explanada de Celso Antônio Bandeira de Mello, sem necessariamente privatizar os seus serviços públicos, principalmente sociais, as entidades sem fins lucrativos, ou mesmo realizar a atividade de fomento junto ao 'terceiro setor'. A sociedade civil organizada, que é um importante instrumento de controle da Administração Pública, de propositura de ações a serem executadas pelo Estado, de reivindicações das classes trabalhadoras, na participação em Conselhos Gestores ou de Direitos, entre outras importantes atuações, passou a ser requisitada pelos governantes para firmarem acordos com o intuito de repasse de atribuições anteriormente estatais." VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro Setor e as parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica. Belo Horizonte: Forum, 2006. p. 146-147.

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democracias estrangeiras, com realidades diversas de um país em estágio de

desenvolvimento de corrupção endêmica nos poderes públicos, pode na verdade

levar a um retrocesso das conquistas sociais, sem que jamais tenha existido na

realidade a efetivação de tais direitos268. A solução a ser buscada deve ter em

consideração a realidade social brasileira269 e a dependência cultural que sempre

tivemos com o Estado, esperando a população que o Estado atue primeiramente e

não a sociedade270.

268

Tarso Cabral Violin, em análise da respeito do posicionamento de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre democracia e neoliberalismo, diz que: "O autor entende que atribuir ao Executivo poderes para disciplinar relações entre Administração e administrados é, nos países de democracia ainda imatura, comportamento que em nada concorreria para formação de uma consciência valorizadora da responsabilidade social de cada qual (cidadania) ou para encarecer a importância de instituições personalizadas como instrumento de progresso e bem-estar de todos. Mesmo com a tendência mundial de transferir poderes ao Executivo (como na França) por meio de, segundo o autor 'acrobáticas interpretações dos textos constitucionais', nos Estados sem um democracia sólida isso não seria compatível". VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro Setor e as parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica. Belo Horizonte: Forum, 2006. p. 56-57.

269 Maria Paula Dallari Bucci, também alerta quanto a busca por soluções importadas sem a devida

adequação a nossa realidade cultural: "Para entender a situação social peculiar do Brasil e todas as suas implicações jurídicas é necessário o desprendimento de modelos abstratos, cunhados sobre a base de experiências europeias ou norte-americanas, inadequados para apreensão das estruturas particulares de um Estado semiperiférico como o brasileiro. É válida a advertência de Boaventura de Sousa Santos quanto ao viés do centrocentrismo, no campo das ciências sociais (no qual se inclui o direito): 'apesar dos espaços teóricos inovadores das últimas décadas, a teoria sociológica continua a ser basicamente derivada das experiências sociais das sociedades centrais e, nessa medida, pouco adequada à análise comparada e inclinada a suscitar generalizações espúrias. Pode mesmo dizer-se que, quanto mais geral é a teoria sociológica, maior é a probabilidade de ser baseada na experiência social e histórica dos países centrais e enviesada a favor desses últimos'. A mesma crítica fizera Raul Prebisch no campo da economia: 'uma das falhas mais sérias de que padece a teoria econômica geral, contemplada da periferia, é seu falso sentido de universalidade'. Nesse sentido, é também pertinente a crítica de Boaventura de Sousa Santos quanto à inadequação conceitual da dicotomia Estado/sociedade civil para sociedades periféricas ou semiperiféricas, nas quais diferentemente das sociedade centrais, em que há relativo equilíbrio entre os vários modos de produção do poder social (a economia, a política, a família e a posição no mundo), há um visível descompasso entre eles. Isso faz com que haja uma relação entre o Estado e a sociedade civil 'forte' (a da classe dominante), de apropriação, e uma relação inteiramente distinta entre o Estado e a sociedade civil 'fraca' (os excluídos). (...). Neste quadro, o intervencionismo estatal típico do Estado-providência seria parcialmente substituído por um 'intervencionismo bicéfalo, mais autoritário frente ao operariado e a certos setores das classes médias (por exemplo, a pequena burguesia assalariada) e mais diligente no atendimento das exigências macroeconômicas da acumulação do capital': um estado externamente fraco e internamente forte." BUCCI, Maria Paula Dallari,. direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 4-5.

270 "No Brasil, o Estado gozou, por séculos, de poderes extraordinários que lhe permitiram cumprir um

papel central no processo de formação nacional. A rigor, pode-se mesmo dizer, como Guerreiro Ramos, que o Estado chegou antes da nação, precedeu a sociedade (1966:399), o que impregnou de maneira definitiva os contornos econômicos, sociais, políticos e culturais de nosso país. Talvez, como fruto indesejado dessa precedência, os governantes e a burocracia do Estado brasileiro nunca se consideraram como membros de uma instituição subordinada à nação e sim como seus mentores, tutores ou preceptores. A população, em contrapartida, sempre agiu em relação ao Estado de maneira reverente e submissa, aceitando como natural o fato de ter de recorrer a ele para tudo e vencer barreiras enormes de indiferença, descaso e intolerância para fazer valer seus direitos mais elementares ou conseguir as coisas mais comezinhas." CASTOR, Belmiro Valverde Jobim. O Brasil

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A noticiada incapacidade da Administração Pública em resolver os problemas

da sociedade é largamente difundida, entretanto, esta ineficiência também deve ser

questionada. Será que o Estado, com sua grande estrutura e técnicos competentes

não teria condições de solucionar tais problemas? Sua abrangência territorial e

estrutura hierarquizada não seria suficiente para a resolução destes problemas?271

A adoção de uma estrutura de administração gerencial em detrimento de uma

administração burocrática é conveniente desde que respeitados princípios caros a

Administração Pública que nada mais são que princípios que expressam valores da

sociedade brasileira como um todo. Assim, na pactuação da divisão de tarefas entre

o Estado e o Terceiro Setor, deve-se ter em mente que a atuação destes entes

privados deve ser incremental e controlada pelo poder público para que não haja

uma apropriação do aparelhamento público por interesses privados272, inibindo-se o

não é para amadores: estado, governo e burocracia na terra do jeitinho. Curitiba: EBEL:IBPQ-PR, 2000. p. 2.

271 São as palavras de CABM: "Em suma: como decorrência do progresso tecnológico engendrou-se

um novo mundo, um novo sistema de vida e organização social, consentâneos com esta realidade superveniente. Daí que o Estado, em consequência disto, teve que disciplinar os comportamentos individuais e sociais muito mais minuciosa e extensamente do que jamais o fizera, passando a imiscuir-se nos mais variados aspectos da vida individual e social. Este agigantamento estatal manifestou-se sobretudo como um agigantamento da Administração, tornada onipresente e beneficiária de uma concentração de poder decisório que desbalanceou, em seu proveito, os termos do anterior relacionamento entre Legislativo e Executivo. Com efeito, este último, por força de sua estrutura monolítica (chefia unipessoal e organização hierarquizada), é muito mais adaptado para responder o presteza às necessidade diuturnas de governo de uma sociedade que vive em ritmo veloz e cuja eficiência máxima depende disto. Ademais, instrumentado por uma legião de técnicos, dispõe dos meios hábeis para enfrentar questões complexas cada vez mais vinculadas a análises desta natureza e que, além disto, precisam ser formuladas com atenção a aspectos particularizados ante a diversidade dos problemas concretos ou de suas implicações polifacéticas, cujas soluções, dependem de análises técnicas - e não apenas políticas". BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. a democracia e suas dificuldades contemporâneas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro nº 212, abril/junho 1998. p. 57-70.

272 "O estímulo à expansão dessas organizações do Terceiro Setor não está livre de riscos e exige

cuidados especiais. Muito facilmente, organizações não-governamentais podem resvalar para a defesa de interesses particularísticos políticos e econômicos de seus criadores e gestores e, assim, recurso públicos serão utilizados como desenvoltura na defesa de tais interesses apenas sob uma roupagem teórica mais sofisticada que o velho e bem conhecido clientelismo. Um das políticas básicas de diminuição do tamanho do Estado, constante do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, que segue essa filosofia de aproximação com o setor privado, é a transformação de organizações públicas que executem funções não-exclusivas do Estado em 'organizações sociais autônomas', processo que o Plano Diretor denominou de 'publicização'(Presidência da República, 1995:58). (...). Tendo em vista a tradição brasileira, existe um risco real de que se desenvolvam, imediatamente, relações incestuosas entre o ex-burocratas públicos, agora empresários do Terceiro Setor, e seus antigos colegas, que passarão a ser seus financiadores e fiscais. A cessão de patrimônio público, o empréstimo de recursos humanos e materiais e a concessão de subvenções e auxílios para o funcionamento das novas ONGs, antigas repartições públicas, exigem cautela e controle efetivos, que até hoje não foram praticados pela administração brasileira. Daí, para um regime de favorecimentos mútuos e abusos, existe uma fronteira tênue, fácil de ser transposta, que transformaria o processo de 'publicização' em um processo de 'privatização' dos bens públicos para

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risco de intromissões particulares273 dissociadas do interesse público274

Respeitadas tais diretrizes, entendemos viável a construção de um modelo

juridicamente seguro de parceria entre as fundações de apoio e os órgãos apoiados,

partindo-se das premissas positivadas recentemente pela nova legislação, e que

aproximam as fundações de apoio do regime jurídico público.

Ainda que o regime jurídico implementado pela legislação tenha

proporcionado um maior controle público sobre as fundações, aproximando-as do

mesmo regime das universidades, ele ainda não se mostra como o ideal, vez que

contraria a natureza jurídica das instituições. Com efeito, as fundações não devem

ser vistas como mera extensão das universidades, mas sim como entidades

autônomas, um patrimônio instituído para a realização de uma finalidade, e não uma

pessoa jurídica instituída para se tornar uma administração paralela de um órgão

público. Sem embargo, muitas destas fundações possuem patrimônio irrisório perto

do volume de recursos geridos por elas em atendimento a compromissos assumidos

pelas universidades e a elas repassada sua execução.

A sistemática, entretanto, consolidou-se no ambiente universitário brasileiro e

hoje as fundações de apoio mostram-se eficientes na gestão de projetos de

pesquisa e como captadoras de recursos às universidades. Este modelo, ainda que

uso e fruição dos amigos do poder." CASTOR, Belmiro Valverde Jobim. O Brasil não é para amadores: estado, governo e burocracia na terra do jeitinho. Curitiba: EBEL:IBPQ-PR, 2000. p. 243-244.

273 "Embora chamados para auxiliar a administração na execução de tarefas que, no plano formal, se

mantêm sob direcção pública, os particulares acabam muitas vezes por ter a palavra decisiva sobre o conteúdo das decisões públicas, as quais, afinal, são pouco mais do que meros actos de ratificação ritual de propostas privadas. Fala-se, nesse contexto, de 'delegações fáticas' de funções e de poderes públicos'. (...).GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. - (Teses de doutoramento). Portugal. Coimbra: Almedina. 2008. p. 17.

274 Nas palavras de Pedro António Pimenta da Costa Gonçalves, a respeito do risco de intromissões

particulares em interesses privados: "d) Exercício do Poder Público e interesse público - Se tivéssemos de expor uma tese essencial da investigação efectuada, apresentaríamos sem hesitar, a formulação segundo a qual a acção pública deve, em princípio, ser confiada a entidades que se encontrem exclusivamente ao serviço do interesse público. Apesar dos desvios, compressões e acomodações que o princípio consente, acreditamos que a configuração optimizada do sistema administrativo reclama a adopção de soluções que viabilizem a convicção social de que a máquina administrativa trabalha apenas em função do bem comum. O risco da intromissão de motivações privadas em domínios públicos não pode deixar de ser tido como um factor a considerar na necessária ponderação dos custos e dos benefícios que podem resultar da participação de privados na acção pública." GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. - (Teses de doutoramento). Portugal. Coimbra: Almedina. 2008. p. 1100-1101.

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entendamos não adequado, é previsto em lei e com sua nova regulamentação mais

condizente com a realidade do papel das fundações de apoio. Deve assim este

arranjo jurídico ser utilizado em sua potencialidade, mas com efetivo controle, visto

que por ser externo à estrutura da administração pública, corre-se mais o risco de

distanciá-lo do interesse público geral.

Por fim, entendemos que a Administração Pública deve outorgar maior

autonomia às universidades públicas, que deve começar, inicialmente, com a

aproximação das mesmas ao regime das empresas públicas e da garantia do efetivo

cumprimento de seus montantes orçamentários, calculados de forma suficiente, que

lhes permitam desempenhar seus misteres públicos.

6.5. Conclusão

Em conclusão, apesar de nascidas como extensão dos entes públicos como

subterfúgio ao regime de direito administrativo, as fundações de apoio devem agora

adquirir sua verdadeira personalidade de terceiro setor e definir a partir daí seu

caminho. A mudança, entretanto, deve ser gradual e planejada, envolvendo à

caracterização de um modelo jurídico financeiramente mais autônomo às IFES que à

medida que for sendo implementado, irá diferenciar as duas entidades e permitir que

atuem autonomamente de acordo com seus objetivos institucionais, ainda que

coincidentes.

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CONCLUSÃO

A produção de conhecimento é a base do desenvolvimento científico e

tecnológico, fatores geradores de riqueza e prosperidade às sociedades.

Considerando que no Brasil as atividades de pesquisa estão concentradas nas

instituições públicas de ensino e pesquisa, o apoio e o desenvolvimento do ensino

superior é de interesse público em razão dos proveitos revertidos à sociedade.

As universidades públicas atualmente são chamadas a assumir novos papéis

perante a sociedade e sua função social lhes impõe o dever de maior integração

com a sociedade que a circunda (e nela é refletida), especialmente por intermédio

da extensão universidade, inclusive com a execução de políticas públicas de

governo.

Nada adiantaria, contudo, atribuir às universidades finalidades sem que lhes

fossem proporcionados meios para buscá-las. Foi assegurada, assim, às

universidades, a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira

e patrimonial, como instrumental à realização de suas finalidades de ensino,

pesquisa e extensão, elencadas no artigo 207 da Constituição.

A autonomia universitária, por sua vez, não implica em uma atuação das

instituições de ensino à margem da lei, possuindo tal autonomia seu âmbito

delimitado na discricionariedade conferida pela norma. Desta forma, ela necessita

ser consentânea às finalidades e princípios universitários, bem como a todos os

demais princípios gerais estabelecidos no texto constitucional, possuindo em relação

a estes caráter instrumental e estando sempre vinculada à consecução destes

objetivos sociais.

No tocante às universidades públicas, em razão de seu especial

posicionamento na estrutura do Estado e pelo seu custeio público, a Lei de Diretrizes

e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de 20/12/1996) estabeleceu normas especiais

relativas à autonomia universitária, procurando garantir-lhes maior autonomia de

gestão se comparada às demais entidades públicas, com o intuito de atender às

peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento.

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A conformação jurídica a ser adotada pela universidade pública está, assim,

diretamente vinculada à autonomia administrativa, pressuposto da autonomia de

gestão financeira patrimonial. De nada adianta garantir autonomia administrativa,

especialmente de gestão de recursos financeiros, sem que lhes sejam conferidos os

meios correspondentes para que aquela seja exercida. A definição de uma estrutura

jurídica apropriada às universidades é, portanto, essencial para a viabilização da

autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial em toda sua

potencialidade.

A busca por um regime jurídico que proporcionasse agilidade e flexibilidade

de gestão, entretanto, acabou sendo direcionada às fundações de apoio, que

passaram a ser vistas como instrumentalizadoras da autonomia administrativa.

As fundações de apoio foram criadas pelas comunidades universitárias ou

pelas próprias universidades públicas como pessoas jurídicas de direito privado com

a finalidade de absorver parte das atividades universitárias sob um regime de maior

flexibilidade gerencial. As fundações de apoio agiriam como uma longa manus das

universidades públicas.

Tais entidades expandiram-se e ganharam relevo a partir da década de 1990,

coincidindo com o contexto do Estado Pós-Social, da concepção de uma

administração pública gerencial e da expansão do mercado de ensino com a difusão

da internet. Iniciou-se uma busca por uma foram de atuação do Estado que não

implicasse em seu aumento estrutural e ao mesmo tempo lhe proporcionasse

eficiência.

A busca dessa nova conformação da Administração Pública encontrou no

princípio da subsidiariedade seu esteio filosófico e, em conjunto com a ideia de

eficiência administrativa, atuou para a descentralização das atividades estatais para

parceiros privados. No âmbito dos serviços sociais, tais tarefas foram

descentralizadas para instituições privadas sem fins lucrativos.

O princípio da subsidiariedade, ao ser transposto para a ciência jurídica,

traduziu-se no fundamento para a construção de um novo contorno do papel estatal

do desempenho das atividades de interesse público no Estado Social. Neste Estado

Pós-Social, o Poder Público, ao invés de ser provedor dos serviços sociais, estimula

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a iniciativa privada para que os realize, por intermédio do fomento estatal. O

princípio da subsidiariedade atua como diretriz em uma forma de distribuição de

competências entre os indivíduos, os grupos sociais e o Estado, de forma a gerar

equilíbrio entre a ideologia interventiva e aquela de um Estado mínimo.

Com a formulação em 1995 pelo governo federal do Plano Diretor da Reforma

do Aparelho do Estado, criou-se cenário propício à proliferação de diversas

organizações não governamentais, visto que a atividade de fomento do Estado

passou a ser um dos pilares da reforma administrativa na década de 1990. Tais

organizações compõem o chamado Terceiro Setor, que também engloba as

fundações, originariamente definidas e estruturadas sob a égide do direito privado.

As fundações de apoio - entidades privadas criadas, em regra, por

particulares -, em decorrência das obrigações legais que lhes foram impostas,

adquirem regime jurídico diferenciado das demais fundações privadas por

apresentarem características de instituições públicas: (i) sujeição aos princípios da

Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,

economicidade e eficiência); (ii) prévio registro e credenciamento no Ministério da

Educação e do Desporto e no Ministério da Ciência e Tecnologia, renovável

bienalmente; (iii) na execução de convênios, contratos, acordos e/ou ajustes que

envolvam a aplicação de recursos públicos, observância da legislação federal que

institui normas para licitações e contratos da administração pública, referentes à

contratação de obras, compras e serviços, bem como submissão ao controle

finalístico e de gestão da IFES; (iv) divulgação em sítio da rede mundial de

computadores dos instrumentos contratuais firmados com as IFES e agências

oficiais de fomento, acompanhados dos respectivos relatórios de execução,

pagamentos efetuados e prestações de contas; (v) composição diferenciada de seus

órgãos dirigentes.

A evolução legislativa das normas atinentes às fundações de apoio

compreende três períodos cronológicos, consoante nossa proposição, que

didaticamente denominamos de (i) iniciativa, (ii) criação de um modelo e (iii)

consolidação. O primeiro período, anterior à existência de legislação específica

sobre o tema até a promulgação da Lei nº 8.958, de 20/12/1994, é marcado pela

iniciativa das universidades na instituição das fundações de apoio, sem qualquer

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embasamento jurídico específico além do aplicável às demais fundações privadas. O

segundo período, abrangendo o intervalo de tempo após a promulgação da Lei nº

8.958, de 20/12/1994 até a edição do Decreto nº 5.205, de 14/09/2004, assinala a

tentativa de criação de um modelo institucional para as fundações de apoio, período

em que o regime jurídico das fundações de apoio vai sendo moldado por legislações

esparsas e pela jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Por fim, o terceiro

período abarca o espaço desde a promulgação do Decreto nº 5.205, de 14/09/2004

até o presente momento, passando pela edição do Decreto nº 7.423, de 31/12/2010.

Neste período, nota-se a consolidação das fundações de apoio como uma extensão

das IFES, e de seu regime jurídico característico.

A análise cronológica da legislação, por sua vez, indica um movimento

legislativo em que se estimula o repasse das atividades das IFES às suas fundações

de apoio, dentro de um contexto maior de intento da Administração Pública em se

utilizar do regime privado para realização das atividades estatais. Esta sistemática,

por outro lado, à medida que foram sendo editados os diplomas normativos, implicou

em uma aproximação das fundações de apoio ao regime jurídico de direito público,

instituindo-se sobre elas diversos encargos de controle e transparência, além de

limitações contratuais, típicas de instituições públicas e não impostas às demais

fundações privadas.

A construção legislativa reflete posicionamentos do Tribunal de Contas da

União, especialmente, na inclusão de instrumentos de controle e transparência.

Tanto pelo fundamental trabalho de diagnóstico apontando irregularidades e

sugerindo medidas jurídicas e administrativas para sua correção e aprimoramento,

como pelas determinações impostas aos gestores dentro deste mesmo escopo, o

órgão de controle externo foi o contrapeso à utilização desmedida e descontrolada

dos arranjos entre IFES e suas fundações de apoio, e contribuíram para uma

definição do futuro papel das fundações de apoio juntos às universidades e

instituições públicas científicas.

Se inicialmente as fundações de apoio foram buscadas como subterfúgio das

IFES ao rigor, limitações e encargos do regime jurídico de direito público,

convertendo aquelas em verdadeiras administrações paralelas das universidades,

atualmente constata-se um cenário de maior aproximação entre os regimes jurídicos

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das IFES e de suas fundações de apoio, decorrente das alterações legislativas

ocorridas.

As fundações de apoio devem agora adquirir sua verdadeira personalidade de

fundação privada, autônomas em relação às IFES apoiadas, e definir a partir daí sua

conformação jurídica e seu papel junto ao Estado e à sociedade, especialmente à

comunidade científica. O modelo buscado deve ser construído de maneira gradual e

planejada, abordando necessariamente maior autonomia de gestão financeira e

patrimonial às IFES, com o que as duas entidades serão diferenciadas. Essa

sistemática, ainda, permitirá que ambas atuem de forma mais consentânea aos seus

objetivos institucionais, coincidentes ou não. Este modelo, uma vez juridicamente

estruturado, possibilitará também a existência de parceria que gere a estas

instituições de pesquisa a agilidade e a flexibilidade de gestão almejadas, de forma a

conciliar a personalidade jurídica de direito privado das fundações de apoio ao

respeito aos princípios da Administração Pública.

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