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Fundação Getúlio Vargas MBA em Relações Internacionais Módulo III: ‘O Brasil no Mundo’ Patricia Galves Derolle Artigo apresentado ao Prof. Mestre Guilherme Casarões O Brasil, as potências emergentes e a busca pela igualdade de status (Gleichberechtigung) no cenário internacional por meio da cooperação em concertações minilaterais. São Paulo, SP 2013

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Fundação Getúlio Vargas

MBA em Relações Internacionais

Módulo III: ‘O Brasil no Mundo’

Patricia Galves Derolle

Artigo apresentado ao Prof. Mestre Guilherme Casarões

O Brasil, as potências emergentes e a busca pela igualdade

de status (Gleichberechtigung) no cenário internacional por

meio da cooperação em concertações minilaterais.

São Paulo, SP

2013

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Índice

Introdução ............................................................................................................................................ 3

1. O que significa ser, no cenário internacional, uma potência emergente? ............................................ 3

2. O Brasil como potência emergente ................................................................................................... 5

3. Relações diplomáticas Brasil-Países emergentes ............................................................................... 9

3.1. Rússia ....................................................................................................................................... 9

3.2. Índia ........................................................................................................................................ 10

3.3. China ...................................................................................................................................... 11

3.4. África do Sul ........................................................................................................................... 12

4. Atuação conjunta do Brasil com os emergentes nas concertações minilaterais ................................. 13

4.1. IBAS ....................................................................................................................................... 14

4.2. BRICS..................................................................................................................................... 16

Conclusão .......................................................................................................................................... 19

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Introdução

Hodiernamente, ainda se nota que grandes decisões internacionais são tomadas pelas potências

estabelecidas. Entretanto, as potências emergentes, dentre elas o Brasil, vem demostrando que, de

fato, podem adicionar certo dinamismo no trato das questões difusas (meio ambiente,

desenvolvimento, crises econômicas etc.). A atuação unilateral das potências emergentes nem

sempre resulta em sucesso, o que as fazem cooperar entre si, a fim de ter suas opiniões ouvidas e

acatadas no cenário internacional. Concertações minilaterais, como BRICS e IBAS, e,

aglomerações com objetivos comuns, como G-20 comercial e financeiro, são exemplos, deveras

influentes, de cooperação e de inserção utilizados pelas potências intermediárias com o intuito de

fazer ecoar suas vozes em diferentes instâncias internacionais. Embora, às vezes, faltem tanto

institucionalização como coordenação entre os emergentes, o fato de se conseguir discutir temas

independentemente das potências estabelecidas é um grande avanço em um mundo que está

caminhando, cada vez mais, para a multipolaridade, implicando em novos equilíbrios de poder1.

Neste artigo procurar-se-á demonstrar a relação do Brasil perante as outras potências

intermediárias, a colaboração interestatal por meio das concertações internacionais, bem como a

cooperação interestatal, entre os emergentes, na busca de igualdade de direito

(Gelichberechtigung) no cenário internacional.

1. O que significa ser, no cenário internacional, uma potência emergente?

Embora existam apenas definições relativamente simplistas, entende-se que potência emergente é

aquele país cuja conquista de seu espaço no cenário internacional se dá, paulatinamente, por meio

de vias econômicas e políticas. Utilizar-se-á esta definição para os seguintes países: Brasil,

Rússia2, Índia, China e África do Sul; outros países, como Arábia Saudita, Argentina, Austrália,

Coreia do Sul, Indonésia, México e Turquia, que também são considerados potências emergentes,

não serão utilizados para efeito deste artigo.

A atuação de uma potência emergente no mundo atual é, geralmente, colaborativa, ou seja, de um

país que acrescenta nova visão às decisões anacrônicas das potências estabelecidas. Exemplo

disso é a vontade comum pelas reformas das instâncias multilaterais, como a ONU e as

instituições de Bretton Woods (Banco Mundial e FMI), que refletem uma Ordem Internacional

retrógrada pós-Segunda Guerra Mundial. Em contexto histórico-multilateral, pode-se

exemplificar a atuação das atuais potências emergentes em concertações pretéritas, como o

1 Em artigo denominado “O Brasil na iniciativa BRIC: soft balancing numa ordem global em mudança?”, o autor,

Daniel Flemes, diz que não somente os emergentes, mas os Estados Unidos também veem interesse na existência de instituições multilaterais, uma vez que, no futuro, esse país perderá o seu lugar de potência estabelecida para outros países, quiçá os emergentes. Além disso, o teórico realista Kenneth Waltz prevê a impossibilidade de os Estados Unidos manterem-se hegemonia por um longo período de tempo, abrindo espaço para novos equilíbrios, como por exemplo a ascensão chinesa no mundo atual. 2 É deveras questionável o apontamento da Rússia como potência emergente. Entretanto, no artigo “Potências emergentes, legitimidade e mudanças normativas internacionais”, de Xiaoyu Pu, o autor também considerou a Rússia como sendo emergente.

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Movimento dos Países Não Alinhados (Índia e África do Sul) e o G-77 (Brasil, Índia, China e

África do Sul), sob a égide da UNCTAD, em que esses países decidiram formar coalizões

reivindicatórias, contra deliberações de países centrais, demonstrando a vontade de se fazer ouvir

no cenário internacional. Com efeito, o multilateralismo, como forma de promoção estatal, foi

atributo utilizado pelas potências intermediárias (como também pelos países mais fracos) para

galgar seus espaços no cenário internacional.

Buscando uma definição teórica, pode-se apontar Robert Keohane3, o qual afirma que potências

intermediárias são “Estados cujos líderes reconhecem que não podem agir de maneira efetiva

sozinhos, mas que podem ser capazes de ter impacto sistêmico em um pequeno grupo ou por

meio de uma instituição internacional”. Dessa forma, o que significa ser, no cenário

internacional, uma potência emergente? Em outras palavras, com o auxílio de Keohane, significa

dizer que países denominados emergentes ou intermediários - aqueles que, segundo Xiaoyu Pu,

“não possuem legitimidade reconhecida para governar a hierarquia internacional”4 - podem ter

certa influência (em termos regionais, por exemplo), e dependem de instituições organizadas e

com regras pré-determinadas (ONU, OMC etc.) para conseguirem ter voz mais ativa em relação

aos mais fortes. Com efeito, a definição de potência intermediária ajuda a compreender que

sozinhos esses países não são tão eficazes quanto gostariam, quiçá consigam produzir efeitos

eficazes apenas em uma conjuntura regional, e, por isso, necessitam de estruturas sólidas,

oferecidas pelas instituições multilaterais organizadas.

Mesmo havendo uma categoria particular para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, seja

ela a de potências intermediárias, há, ainda, diferenças intrínsecas em cada um dos países, que

afetam a percepção que os outros países do cenário internacional têm em relação a eles. Para

demonstrar essas diferenças Robert Keohane5 categorizou quatro formas de se entender como os

países são percebidos em relação ao sistema internacional: i. system-defining States: países fortes

que definem as regras do sistema, ii. system-influencing States: países que conseguem mudar as

regras já definidas do sistema internacional, iii. system-affecting States: países que, embora não

consigam mudar as regras do sistema, podem ter suas vozes ouvidas e iv. system-ineffectual

States: países submissos às regras estabelecidas. A partir dessa categorização, nota-se,

claramente, que, se de um lado Brasil, Rússia, Índia e, em menor grau, África do Sul encontram-

se no rol de países que não podem alterar as regras já estabelecidas, mas que afetam de alguma

forma o mundo (system-affecting States), por outro, a China encontra-se no rol de países que

influenciam e podem mudar as regras pré-definidas do sistema internacional (system-influencing

States).

Outra maneira de as potências intermediárias contraporem-se aos mais fortes é por meio do soft

balancing ou buffering, que são exemplificadas pelas concertações pouco institucionalizadas,

como os BRICS, o IBAS, o BASIC e o G-20, nas quais esses países conseguem dialogar de

maneira mais autônoma em relação aos países centrais. É por meio desses diálogos que se tenta

3 KEOHANE, Robert. International Organization, Vol. 23, No. 2. (1969), pp. 291-310. 4 STUENKEL, Oliver et alii. Potências emergentes e desafiosglobais. Cadernos Adenauer XIII (2012), nº 2, Rio de Janeiro: Fundação Konrad, Adenauer, dezembro 2012. ISBN 978-85-7504-172-7. 5 KEOHANE, Robert. International Organization, Vol. 23, No. 2. (1969), pp. 291-310.

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chegar a consensos sobre determinados temas, com o intuito de fazer as posições dos emergentes

ganharem força, prevalecendo, dessa maneira, suas vontades. Casos bem sucedidos de diálogos

são os diversos acordos de cooperação estabelecidos entre os países, a fim de diminuir suas

divergências e de, possivelmente, conquistar seus respectivos espaços no cenário internacional.

Assim, ser uma potência emergente é poder utilizar-se dos mecanismos arquitetados pelas

grandes potências, como forma de autopromoção e de inserção no cenário internacional, uma vez

que ser detentor de uma posição de destaque é característica basilar do interesse nacional desses

países. Além disso, unir-se a outros emergentes, por meio de concertações políticas e

econômicas, mesmo havendo assimetrias entre eles, é uma maneira de promover o soft balancing

dos Estados.

2. O Brasil como potência emergente

Pode-se afirmar que o Brasil sempre demonstrou anseio de ser um país com grande visibilidade

no cenário internacional: a participação brasileira nas Grandes Guerras, bem como em suas

Conferências de Paz, o auxílio na criação de instituições multilaterais - a Liga das Nações e,

posteriormente, a ONU - a busca pelo assento permanente no Conselho de Segurança de ambas

as instituições e o engajamento em questões internacionais, seja em relação a quaisquer temas

pertinentes ao globo, podem ser dados como exemplos.

A percepção da emergência do Brasil pode ser correlacionada com os períodos que Letícia

Pinheiro6 chama de globalismo. O globalismo brasileiro, segundo a autora, pode ser dividido em

grociano e hobbesiano; no primeiro, sobretudo durante a Política Externa Independente dos anos

1960, infere-se que a ação dos Estados não é somente baseada nos ganhos relativos, mas também

nos ganhos absolutos; já no segundo, período embarcado entre 1974 e 1990, acredita-se na

anarquia do sistema internacional e, consequentemente, na ajuda recíproca dos Estados. Em

contrapartida, Guilherme Casarões7 ressalta que, embora sejam duas correntes distintas

(hobbesiana e grociana), o cerne delas nunca deixou de ser multilateralista, uma vez que o Brasil

sempre buscou seus ganhos, sejam relativos ou absolutos, por meio da atuação em organismos

internacionais (SDN e ONU) e da promoção da unidade regional (OPA). Os próximos parágrafos

serão os exemplos históricos dessa divisão periódica acerca da percepção e da ação emergente do

Brasil no contexto internacional, iniciando da política externa do patrono da diplomacia brasileira

e se estendendo até o governo Lula.

No início do século XX, com Barão do Rio Branco frente à chancelaria, o Brasil, agora uma

nação republicana, passou a moldar uma postura mais ativa no cenário internacional8. Embora

fosse uma postura americanista, na qual a parceria com os Estados Unidos se mostrava essencial,

6 PINHEIRO, Letícia. Política Externa Brasileira: 1889-2002. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 7 CASARÕES, Guilherme. “Multilateralismo na Política Externa Brasileira (1889-1964): um ensaio. Revista de Economia e Relações Internacionais, vol. 9, no. 7, 2010. 8CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Instituto Brasileiro de

Relações Internacionais/Editora da Universidade de Brasília, 2002.

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o Brasil deixou de ser, de certa forma, submisso aos interesses europeus e passou a buscar novas

parcerias em seu entorno geopolítico, com a finalidade de se inserir no mundo. Esse

‘aggiornamento’ deu um novo fôlego à política externa brasileira, que até então não tinha uma

diretriz bem estabelecida (vide as sucessivas mudanças de Ministros para a pasta das Relações

Exteriores)9, e aperfeiçoou a percepção que o Brasil tinha de si mesmo como um país.

À época de Getúlio Vargas, o Brasil também demonstrou sinais de potência emergente, no

sentido de se afirmar como um ‘system-affecting State’, ou seja, um ator que não é desprezível

nas Relações Internacionais. A posição chamada ‘equidistância pragmática’ fez a presidência e a

chancelaria barganharem frutos entre Estados Unidos e Alemanha e conseguir atingir bons

resultados, como a Companhia Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce, bem

como investimentos para a recente industrialização brasileira. Tal postura não poderia ser obtida

caso o Brasil se notasse como um ator submisso, incapaz de conseguir algo das grandes

potências.

Nos anos 1950, Juscelino Kubitschek reforçou o ânimo brasileiro. Com o tripé de investimentos

(capital privado, capital público e capital externo), o Brasil pode desenvolver-se economicamente

e, com isso, obter reconhecimento doméstico e internacional. A Operação Pan Americana, de

1958, é um símbolo de uma possível união continental, mas, ao mesmo tempo, de uma

supremacia dos interesses brasileiros em seu entorno geográfico, mesmo sendo eles relacionados

à contenção soviética no continente, favorecendo os objetivos estadunidenses. Segundo Daniel

Flemes10

, uma potência regional é aquela que, entre outras definições, “ostenta as capacidades

necessárias para projeção de poder regional” e “é altamente influente em questões regionais”;

para o autor, um país pode ser considerado, concomitantemente, potência intermediária e

regional. No caso brasileiro frente à OPA, entende-se, neste contexto de potências emergentes,

que a ambição de criar uma instância regional sob o cunho do desenvolvimento representa a

comprovação de que o Brasil se mostrava um país capaz de falar em nome da região e a OPA

serviria como meio para promover a sua capacidade de influenciar as Relações Internacionais da

época.

Durante a Política Externa Independente, nos anos 1960, as atitudes brasileiras coadunavam com

o conceito teórico de potência emergente: são exemplos as ações mais autônomas em detrimento

da ideologização da Guerra Fria, que entendia o mundo como Leste-Oeste, a busca de novas

parcerias comerciais (Leste Europeu, África, Oriente Médio e, em menor grau, Ásia) e a voz mais

ativa na ONU11

. Duas outras atitudes, que se deve atentar à época da PEI, são as posições acerca

do desarmamento, da não ingerência e da autodeterminação dos povos, bem como a relação

bilateral com a Argentina; tais atitudes demonstram que o Brasil não possuía os critérios

necessários para se promover com uma grande potência, cujo conceito de acordo com Andrew

Hurrell (2006) pode ser definido como: “i. capacidade para contribuir com a ordem internacional,

9 CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais/Editora da Universidade de Brasília, 2002. 10 FLEMES, Daniel. A visão brasileira da futura ordem global. Contexto Internacional, vol. 32, no. 2, 2010. 11

CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais/Editora da Universidade de Brasília, 2002.

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ii. coesão interna que permite uma efetiva ação estatal, iii. poder econômico, com altas taxas de

crescimento econômico e, por último, iv. poder militar, com capacidade de competir com outras

potências dominantes em uma guerra convencional”12

. Devido a um aparato militar fraco, a uma

incapacidade de influenciar as regras do sistema internacional e a uma economia pouco

consistente, o Brasil defende a narrativa de ser um ator, claramente, emergente.

No período militar ressalta-se o governo de Ernesto Geisel (1974-1979), cuja política exterior era

pautada sob o “Pragmatismo Responsável e Ecumênico”, foi criada pelo seu chanceler Azeredo

da Silveira. Neste período, o Brasil aproximou-se dos países árabes, em grande medida devido à

dependência do petróleo - em troca, exportava produtos primários -, adotou posições mais claras

na ONU em relação à descolonização africana e ao anti-sionismo e aprofundou as relações

bilaterais com diversos Estados. O nome da política exterior dado pela chancelaria demonstra a

posição de potência emergente que o país se encontrava neste período: o Brasil era pragmático,

no sentido de utilizar as vias multilaterais e bilaterais para o seu próprio ganho absoluto; era

responsável, que poderia ser traduzido pela escolha do nacionalismo em detrimento da guerra

ideológica entre Leste e Oeste; e, por fim, era ecumênico, pois, ao se afastar dos Estados

Unidos13

- por meio da busca de novas parcerias -, poderia promover uma política exterior

universal14

. Era, de fato, um reflexo da política interna do governo militar, que estava

caminhando para uma abertura lenta, gradual e segura.

Com a redemocratização e o fim da Guerra Fria, o Brasil passa a valorizar, ainda mais, seu

entorno geográfico. As primeiras bases do que viria a ser o Mercosul iniciam no governo Sarney,

com o Programa brasileiro-argentino de Integração e Cooperação Econômica (PICE), de 1986,

que são fortalecidas e devidamente estruturadas em 1991. No final dos anos 1980 e início dos

anos 1990, o Brasil aposta em uma conjuntura regional como forma de se afirmar no mundo. A

própria Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 4º, parágrafo único, eleva a América Latina

como a região mais importante para as Relações Internacionais brasileiras. Para além do entorno

geográfico, o Brasil se aproxima também i. da África: com destaque para a criação da Zona de

Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), de 1986 e do aprofundamento das relações com

os Países Africanos de Língua Oficia Portuguesa (PALOP); ii. da China: por meio da assinatura

de acordo para o desenvolvimento de satélite binacional “China-Brazil Earth Resources Satellites

(CBERS)” e, por fim, iii. do multilateralismo, o qual o Embaixador Gelson Fonseca Jr denomina

de ‘renovação de credenciais’15

.

Esse dinamismo, ou universalismo, da política multilateral brasileira, durante os anos 1980, foi

denominado de ‘autonomia pela distância’, em que o Brasil privilegia os foros terceiro-

12

HURRELL, Andrew. Os Brics e a Ordem Global. 1ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. 13 Autonomia pelo distanciamento, termo cunhado por Gelson Fonseca Jr. 14 VIZENTINI, P. G. F. . A Política Externa do Regime Militar Brasileiro: Multilateralização, Desenvolvimento e a Construção de uma Potência Média (1964-1985). 1. ed. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1998. v. 1. 401p . 15 A renovação de credenciais significa a mudança de rumos do Brasil em relação às instâncias internacionais, que pode ser exemplificada na retomada da posição acerca da reforma do CSNU, da ratificação de tratados internacionais, como os Pactos da ONU em matéria de Direitos Humanos e da proposição brasileira em ser o país receptor da CNUMAD (Rio-92).

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mundistas, como o G-77 (UNCTAD), a Assembleia Geral da ONU e o G-2416

e, nos anos 1990,

de ‘autonomia pela participação’, no qual o Brasil se projeta como um Estado capaz de ajudar e

de solucionar problemas internacionais, sob o aparato legal da ONU, em suas Missões de Paz,

sobretudo em Angola, Moçambique e Timor Leste. A utilização do multilateralismo para engajar

o Brasil nos temas internacionais foi reforçado à época da redemocratização, durante o governo

Sarney e perdurou nos governos posteriores.

No governo Lula, a combinação de altas taxas de crescimento econômico e de ênfase

desenvolvimentista foi símbolo da elevada autoestima17

brasileira no plano internacional. O

presidente e seu chanceler, Embaixador Celso Amorim, privilegiaram o que Tullo Vigevani

denominou de ‘autonomia pela diversificação’18

, por meio do estreitamento das relações e das

coalizões sul-sul, da postura cooperativa, proativa e propositiva, da confiança nos parceiros

tradicionais (Estados Unidos e Europa) e da integração regional.

Retornando ao conceito de soft balancing, o Brasil, por meio do BRICS, IBAS, BASIC e G-20,

consegue obter maior poder de barganha e dar maior legitimidade às suas ações, compartilhando

com seus parceiros objetivos comuns. Essas coalizões colaboram para a redução das assimetrias,

bem como buscam uma ordem justa e inclusiva, características bem vistas pelas potências

emergentes. Em relação à postura cooperativa, proativa e propositiva, o Brasil adotou estratégia

universalista, aumentando o número de representações diplomáticas e consulares, bem como

defendeu a democratização e a reforma dos foros internacionais decisórios, principalmente, o

Conselho de Segurança, o BIRD e o FMI. Às relações bilaterais tradicionais, o Brasil projetou-se

com uma postura mais madura e autônoma, reforçando os laços comerciais e diplomáticos com

esses países, estabelecendo diversas parcerias estratégicas que foram e são deveras benéficas. No

plano da integração, houve esforço para melhor institucionalizar as instâncias regionais, como a

UNASUL, a CELAC e o Mercosul, que, não se sobrepõem (teoria dos círculos concêntricos19

),

mas que complementam uns aos outros.

A partir da linha histórica traçada acima, pode-se perceber que o Brasil vem projetando-se como

potência emergente desde os tempos de Barão do Rio Branco. O desafio brasileiro, no entanto, é

decidir se quer continuar ser uma potência emergente ou se quer ascender ao patamar das grandes

potências. No curto prazo, tornar-se uma grande potência parece inviável, devido,

principalmente, à posição desmilitarizada que o Brasil tem frente ao sistema internacional. Caso

seja do interesse nacional se tornar, de fato, uma grande potência, o Brasil poderia, a priori,

galgar uma posição mais assertiva em relação à região e se tornar, consequentemente, uma

potência regional. Embora os vizinhos ainda sejam relutantes em relação ao Brasil, o país já

reúne qualidades para representar as cercanias, como sua posição de destaque e colaborativa nos

foros regionais e sua maior proximidade com outros parceiros que estão em posição análoga em

16 CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais/Editora da Universidade de Brasília, 2002. 17 BURGES, Sean. “Auto-estima in Brazil: the logic of Lula’s South-South foreign policy”. International Journal, 2005. 18 VIGEVANI, Tullo and CEPALUNI, Gabriel. A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela diversificação. Contexto int. [online]. 2007, vol.29, n.2, pp. 273-335. ISSN 0102-8529. 19

Teoria cunhada por Golbery Couto e Silva.

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seus respectivos continentes. A partir disso, portanto, que o Brasil conquistará, paulatinamente,

seu devido reconhecimento político e econômico.

3. Relações diplomáticas Brasil-Países emergentes

A importância dos emergentes para a política externa brasileira é notável. Devido às assimetrias,

o trato dado a esses países é único e, por isso, as potências emergentes, além de estabelecerem

relações bilaterais tradicionais, expandiram, também, o lócus do diálogo para outras instâncias,

nas quais conseguem, de maneira mais autônoma, discutir semelhanças e dissensos. Entretanto,

não há como se alijar das relações diretas, uma vez que a diplomacia é pautada pela reciprocidade

das nações20

. Enquanto Rússia, Índia e China são, desde muito tempo, estratégicos, África do Sul,

vem, recentemente, tornando-se um parceiro cada vez mais próximo do Brasil. Dessa forma, o

estreitamento das relações bilaterais é, também, uma forma de inserirem-se conjuntamente no

cenário internacional.

3.1. Rússia

Brasil e Rússia estabeleceram relações diplomáticas ainda no início do século XIX, quando o

Imperador russo reconhece a monarquia de D. Pedro I, em 1828. Desde então, os dois países

rompem e reatam as relações diversas vezes. Delineando, brevemente, a história diplomática

entre os dois países, durante os anos 1960 Roberto Campos lidera a missão comercial ao Leste

Europeu e à União Soviética, estabelecendo a I Reunião da Comissão Mista Brasil-URSS. Nos

anos 1970, o comércio intensifica-se, principalmente, pela necessidade brasileira em adquirir

petróleo soviético. Além disso, acordos de cooperação técnico-científica, como a hidrelétrica de

Sobradinho, na Bahia, são firmados. Em 1989, o presidente Sarney retribui a visita do chanceler

soviético, feita em 1987, na qual parcerias são estabelecidas para a construção de hidrelétricas no

Equador, na Etiópia e em Angola. A partir de 1990 a relação entre os dois países fica um pouco

instável devido à transição do governo soviético e à crise russa, de 1998. Com o governo Lula, o

Brasil criou a Comissão de Alto Nível e elevou a Rússia a um parceiro estratégico. As principais

áreas de interesse bilateral são pautadas em comércio, em energia, em cooperação tecnológico-

militar e em questões políticas.

A Rússia, atualmente, é o maior mercado das exportações de carnes brasileiras. Embora a Rússia

tenha entrado com medidas fitossanitárias contra esse produto, o Brasil apoiou a entrada daquele

país na Organização Mundial do Comércio, uma vez que estar sob o arcabouço técnico-jurídico

da OMC é melhor para o comércio internacional como um todo. Após o apoio, a Rússia decidiu

retirar as barreiras, e o comércio bilateral vem crescendo, sendo o Brasil superavitário na Balança

Comercial, importando, sobretudo, fertilizantes. Em relação à energia, há, entre os dois países,

cooperação em matéria de (bio)combustíveis: a Rússia tem interesse no desenvolvimento de

biocombustíveis brasileiros e o Brasil pode vir a depender ainda mais do gás e do petróleo russos

(Gazprom). No quesito tecnológico-militar, há o desenvolvimento de centros tecnológicos em

ambos os países e o Brasil adquiriu, em 2008, 12 helicópteros de combate russos. Nas questões

20 Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1965, incorporada à legislação brasileira sob Decreto Nº 56.435, DE 8 DE JUNHO DE 1965. Artigo 2º “O estabelecimento de relações diplomáticas entre Estados e o envio de Missões diplomáticas permanentes efetua-se por consentimento mútuo”.

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políticas, é sabido que a Rússia faz parte dos 5 membros permanentes do Conselho de Segurança,

dessa forma, portanto, o Brasil ao apoiar a entrada russa na OMC, solicitou, em troca, o suporte

ao seu pleito naquela instância, no qual a Rússia aceitou oferecer. Ainda, os dois países

participam dos BRICS e do G-20. Os desafios dessa parceria são as opiniões divergentes acerca

de temas delicados, como, por exemplo, secessão de Estados (Chechênia). Os vetores externos

russos baseiam-se no Oriente (expansão para a Ásia – China e Índia) e no Ocidente (aproximação

com a União Europeia e Estados Unidos); já o Brasil contempla, em relação à Rússia, condições

geopolíticas, sobretudo no comércio e na cooperação industrial, na qual a Rússia pode transferir

tecnologia nessa área21

.

3.2. Índia

Índia e Brasil têm características bastante similares. As relações entre os dois Estados são deveras

antigas; assim como relembra Oliver Stuenkel22

, Brasil e Índia compartilham um histórico que

data do descobrimento do Brasil, no século XVI, por Pedro Álvares Cabral, o qual queria, em

realidade, chegar às Índias e acabou encontrando a costa brasileira. Desde essa época, há um

intercâmbio de produtos entre os dois países, como a introdução de frutas típicas indianas, a

exemplo da manga, no Brasil e, em contrapartida, a mandioca e a castanha são levadas ao país

asiático. O estabelecimento de relações diplomáticas, de fato, acontece em 1948, um ano após a

independência indiana. Devido à falta de complementariedade econômica, à distância e ao

protecionismo de ambos os países, eles afastam-se por 20 anos e retomam suas atividades

bilaterais no fim dos anos 1960: nessa época, Brasil e Índia possuem discursos reivindicatórios

similares quanto ao terceiro-mundismo (MNA e UNCTAD). Na década de 1970, há um

distanciamento quanto às posições acerca de questões nucleares: enquanto o Brasil denuncia o

Acordo Nuclear, a Índia lança o ‘Buda Sorridente’ (do inglês Smiling Buddha, é bomba nuclear

para fins pacíficos), em 1974. Dez anos depois, em 1984, o então chanceler Saraiva Guerreiro

visita a Índia com o intuito de vender o projeto ‘Proálcool’. Durante os anos 1990, Brasil e Índia

percorrem o mesmo caminho de liberalização econômica, de privatizações, de controle

inflacionário e de retomada do ciclo de crescimento. Assim, como para Rússia, o governo Lula

também elevou a Índia a uma parceria estratégica. As principais áreas de interesse bilateral são

pautadas em comércio, em questões políticas e em suas posições análogas quanto à governança

global (democracia e Direitos Humanos).

A Índia é o segundo parceiro comercial, intra-BRICS, do Brasil, cuja Balança Comercial

apresenta déficit brasileiro, que exporta petróleo, açúcar e cobre e importa diesel e têxteis. Em

2004, Mercosul e Índia firmaram um Acordo de Preferências Tarifárias Fixas, o primeiro

extrarregional efetuado pelo bloco, porém, somente em 2009 o acordo passou a vigorar – um

passo incipiente para uma possível área de livre comércio entre os dois países. Em questões

políticas os dois países compartilham narrativa similar: ambos fazem parte de BRICS, de IBAS,

do BASIC, do G-20 e do G-4. Nesses foros há diálogos frutíferos sobre diversos temas, inclusive

a vontade em fazer parte de um Conselho de Segurança reformado. A posição acerca da

governança global pode ser traduzida pelo fato do Brasil e da Índia serem democracias, que

21 CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: formação dos conceitos brasileiros. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 297 p. 22

STUENKEL, Oliver. The Case for Stronger Brazil-India Relations. In: Indian Foreign Affairs Journal Vol. 5, No. 3, Julho–Setembro 2010, 290-304.

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prezam os Direitos Humanos. Segundo Oliver Stuenkel23

, essas características democráticas

servem de contraposição para o mundo, que vê na China um modelo de desenvolvimento

exemplar, entretanto, pautado em autoritarismo. Os desafios entre os dois países são baseados no

déficit da Balança Comercial em relação à Índia, na posição, por vezes, protecionista e inflexível

da Índia na OMC, na posição de cada um no seu entorno geográfico: enquanto o Brasil se situa

em uma região pacífica, a Índia encontra-se em uma das áreas mais militarizadas do mundo, o

que os fazem divergir em questões nucleares e, ainda, na disposição do Brasil em fazer

concessões em termos de meio ambiente, diferentemente, do país asiático.

3.3. China

A China é, atualmente, um dos principais parceiros brasileiros e as relações bilaterais são de

longa data. Em 1881, Brasil e China assinam Tratado de Amizade, Comércio & Navegação, mas,

somente em 1974 que ocorre o estabelecimento efetivo das relações diplomáticas entre os dois

países. Vale ressaltar que durante 25 anos (1949-1974) o Brasil não reconheceu a República

Popular da China devido a divergências ideológicas, somente Taiwan, onde abriu uma

Embaixada, que, atualmente, serve como um escritório comercial sob o respaldo do Itamaraty. As

relações bilaterais mais maduras iniciaram-se na década de 1980, quando a China, após a

Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung, passou a promover o desenvolvimento interno ao estilo do

sistema capitalista de produção24

. Em 1984, há a primeira visita presidencial feita por Figueiredo,

em que foram abertas novas representações diplomáticas. Houve, nesse período, a percepção do

compartilhamento de princípios e valores, como o desenvolvimento, a estabilidade, a soberania, a

autodeterminação e a não intervenção e é nessa faixa de convergência que, em 1988, Sarney

promove o continuísmo e o estreitamento das relações interestatais. É nesse ano que ocorre

parceria em relação ao programa CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellites), sobre a

construção e a administração de satélites para rastreamento dos recursos naturais terrestres

(clima, sistematização e uso da terra, recursos hídricos, imagens para licenciamento e

monitoramento ambiental etc.). Em 1993, ambos os países consideram-se mutuamente

importantes e assinam acordo de parceria estratégica. As principais áreas de interesse bilateral

atuais são pautadas em comércio e política, em cooperação, em energia e em cooperação espacial.

Em 2009, a China ultrapassou os Estados Unidos nas relações comerciais brasileiras. Essa relação

é superavitária para o Brasil, que exporta ferro, soja e petróleo e importa produtos de valor

agregado, como componentes e peças. O Brasil, por meio do Mercosul, iniciou diálogos, em

1997, com o país asiático para estabelecer acordo extrarregional, porém as negociações

continuam incipientes. Em termos de investimento, a China é, em fluxos anuais, o maior

investidor no Brasil. Quanto à concertação comercial e política, destaca-se a COSBAN

(Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação), que é um mecanismo

permanente de mais alto nível entre os governos do Brasil e da China, em que se integram onze

subcomissões, responsáveis pelos campos político, econômico-comercial, econômico-financeiro,

agricultura, energia, ciência, tecnologia e inovação, cultural, educacional etc25

. Há, também, o

plano de ação conjunta Brasil-China (2010-2014), basicamente empresarial, em que envolve

23 Id ibid 24

CERVO, Amado Luiz. Inserção internacional: formação dos conceitos brasileiros. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 297 p. 25

Acesso em 17/04/2013, disponível em: http://www.itamaraty.gov.br

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promessa chinesa de investimento de 1 bilhão de dólares, por meio da abertura de empresas

chinesas no Brasil. Ainda, em relação à política, entre os anos de 2011 e 2012, Brasil e China,

além de Rússia e Índia26

, emitiram posições conjuntas sobre temas controversos, como a

resolução 1973 sobre a Líbia – ambos abstiveram-se - e como a questão da Síria, em relação à

qual demonstraram posição concertada, mas com divergências. No quesito cooperação, Brasil e

China compartilham diálogos e ideias no BRICS, no BASIC e no G-20, cuja atuação conjunta

será melhor compreendida no próximo capítulo. Sobre energia, a Petrobras e a Sinopec (China

Petroleum Corporation) são parceiras, em que a primeira busca apoio da segunda para finalizar as

refinarias Premium 1 e 2 localizadas no Ceará e no Maranhão. Ademais, o Brasil quer exportar

etanol para a China, que ainda se utiliza de carvão como principal forma de produção de energia.

A cooperação espacial gira em torno do programa CBERS: desde 1999 foram lançados três

satélites, o CBERS 1, 2 e 2b, sendo que o lançamento do CBERS 3 está previsto para o fim do

ano de 2013. É, de fato, uma parceria assimétrica, uma vez que a China ainda colabora com

grande parte do projeto. Os desafios dessa relação podem ser definidos pelo comércio,

principalmente quanto à perda de competitividade dos produtos brasileiros frente aos chineses

(guerra cambial), à concorrência com a China quanto ao continente africano, à preferência dos

vizinhos, sobretudo da Argentina, aos produtos chineses e, por fim, é uma parceria incômoda,

pois ambos os países possuem características intrínsecas distintas, como o valor dado à

democracia e aos direitos humanos.

3.4. África do Sul

As relações entre Brasil e África do Sul começaram durante a Primeira Guerra Mundial, quando

o Brasil abriu Consulado, na Cidade do Cabo, como forma de obter um entreposto comercial

entre os dois países. Em 1947, o Brasil abre Embaixada em Pretória e, devido à reciprocidade

prevista na Convenção de Viena/1969, a África do Sul abre representação análoga no Rio de

Janeiro. Durante os anos da Política Externa Independente, o Brasil se aproxima da África com

uma retórica a favor da descolonização desse continente. Nos anos 1970, o comércio brasileiro

para a África era feito, sobretudo, com a África do Sul (90%) e o Brasil tinha discurso

condenatório, na Assembleia Geral da ONU, em relação ao apartheid e ao sionismo como forma

de racismo. Com o fim do regime do apartheid, em 1991, a África do Sul volta à ONU, Nelson

Mandela é eleito e faz o país entrar na ZOPACAS (1986) e assina o Tratado de Não Proliferação.

As principais áreas de interesse bilateral atuais são pautadas em questões políticas, comércio, em

promoção de desenvolvimento e em defesa.

Em 2003, Lula reconhece o caráter estratégico da África do Sul, e, em 2010, firma declaração

elevando esse país à parceria estratégica de fato. É em 2003 que se lança o Fórum de Diálogo

entre Brasil, Índia e África do Sul, cuja base legal é a Declaração de Brasília, tendo como

objetivo a promoção do desenvolvimento, por meio do Fundo IBAS, e a concertação de temas,

como auxílio humanitário a outros países (Guiné-Bissau, Haiti, Palestina, Camboja, Laos e

Burunndi). A África do Sul apoia, também, a entrada do Brasil no Conselho de Segurança

reformado. Em relação ao comércio bilateral, o Brasil é superavitário na Balança Comercial, na

26 Acesso em 17/04/2013, disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Resolu%C3%A7%C3%A3o_1973_do_Conselho_de_Seguran%C3%A7a_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas

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qual exporta produtos de alto valor agregado (produtos automotores) e commodities (carnes,

frangos, açúcar e ferro) e importa carvão, partes de motores e minérios. Há negociações, desde os

anos 2000, entre Mercosul e SACU, com assinatura de um Acordo Quadro, incorporado pelo

Decreto Legislativo Nº 807, de 20/12/2010, entre os dois blocos, que ainda não entrou em vigor

devido à exigência de ratificação por todos os países membros. A cooperação na temática de

desenvolvimento envolve a contribuição brasileira na NEPAD (nova parceria para o

desenvolvimento da África), no envio de investimento por meio de empresas brasileiras, como a

Vale, a Petrobras, o BNDES etc. e a atuação conjunta nos foros multilaterais. Em questão de

defesa, desde 2006 os países desenvolvem um míssil ar-ar27

binacional, cujo investimento foi

contabilizado a 50 bilhões de dólares. Os desafios futuros envolvem a concorrência com a China

no continente, a falta de conhecimento do empresariado brasileiro nas oportunidades

provenientes da África do Sul e da África como um todo e as rivalidades e instabilidades locais,

que causam certa desconfiança, principalmente, na questão de investimentos provenientes do

Brasil.

4. Atuação conjunta do Brasil com os emergentes nas concertações

minilaterais

Assim como no século XX, o século XXI mostra-se como um período em que os países buscam

cada vez mais “Gleichberechtigung”, ou seja, direitos iguais, que envolvem o reconhecimento de

esferas de influência regionais e o ímpeto por igualdade de status dentro das instituições

internacionais formais e informais28

. São essas organizações informais, sobretudo o IBAS e os

BRICS e suas atuações conjuntas nessas instâncias que serão analisadas nesse capítulo. Acredita-

se que, por meio dessas concertações os países emergentes podem ganhar tanto mais

credibilidade como mais poder de influenciar outros Estados (system-influencing States) no

cenário internacional. São nessas coalizões que o diálogo se torna, de fato, ação - embora

assimetrias existam e devam ser superadas - e são nelas que os países emergentes conseguem,

independentemente e concomitantemente, traçar planos de política externa condizentes com as

suas restrições. Apresentar-se-ão os planos conjuntos dos emergentes, divididos em coalizões

distintas, que, por vezes, são sobrepostos por temáticas similares, mas cujos objetivos são

distintos. Dois autores entendem essas concertações da seguinte forma: para Maria Regina Soares

de Lima, enquanto o IBAS é uma coalizão de caráter cooperativo, que discute assuntos variados

como concertação política e cooperação, os BRICS são apenas uma coalizão; porém, para Daniel

Flemes, IBAS e BRICS são complementares, uma vez que fazem soft balancing em relação aos

países do norte. Neste artigo, respeitar-se-á a separação e a divergência de objetivos de ambas as

concertações, uma vez que temas delicados, como Democracia e Direitos Humanos, são

27 Um míssil ar-ar (AAM) é um míssil disparado de uma aeronave com o propósito de destruir outra aeronave. Mísseis ar-ar são tipicamente alimentados por um ou mais motores de foguete, geralmente com combustível sólido, mas às vezes também alimentados com combustível líquido. Fonte: wikipedia. 28

HURRELL, Andrew. Os Brics e a Ordem Global. 1ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.

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valorizados e respeitados por alguns países (IBAS), mas são deveras sensíveis em outros (Rússia

e China).

4.1. IBAS

“IBSA is a unique model of transnational cooperation on a common political identity. Our three

countries come from three different continents but share similar world views and aspirations”.

Manmohan Singh.

O Fórum IBAS é um agrupamento que reúne três democracias multiétnicas em desenvolvimento,

de três continentes distintos, são elas Índia, Brasil e África do Sul, que, ademais, possuem

política externa convergente. Embora seja considerado pelo governo brasileiro como o

mecanismo mais bem sucedido de sua política externa, ainda não possui personalidade jurídica.

Assim como dito anteriormente, o IBAS teve seu marco inicial em 2003, pela Declaração de

Brasília, e prevê quatro esferas de atuação: i. coordenação política, ii. cooperação setorial e iii.

Fundo IBAS.

A coordenação política pode ser traduzida pela Comissão Mista Trilateral, em que reuniões

anuais de chanceleres são realizadas. Desde 2006 cúpulas são celebradas: a primeira foi efetuada,

no mesmo ano, em Brasília, em 2007 em Johanesburgo, em 2008 em Nova Déli, em 2010 em

Brasília e em 2011 em Tswane. A coordenação entre os três países transcende o IBAS e é,

portanto, projetada para instâncias multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio

(OMC), a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) e o Conselho de Direitos

Humanos da ONU (CDH). Em 2011, os países do IBAS foram representados na ocupação de

assentos não permamentes no Conselho de Segurança da ONU (CSNU). A fins de exemplo, o

grupo, em 2010, decidiu coordenar política conjunta em relação à Síria, votando para a cessação

da violência e da guerra civil naquele país.

A cooperação setorial tem o objetivo de utilizar o potencial dos três países em benefício próprio,

como uma forma de complementação para aprofundar o conhecimento mútuo e explorar

possibilidades no campo da cooperação. O IBAS possui 16 grupos de trabalho, entre eles estão os

relacionados à Administração (Pública e Tributária), à Agricultura, à Ciência e Tecnologia, ao

Comércio e Investimentos, à Educação, ao Meio Ambiente e Mundança Climática, ao Transporte,

ao Turismo entre outros. É por meio dessa cooperação que os países conseguem tanto

desenvolver-se como complementar-se, galgando um espaço mais proeminente no cenário

internacional. Exemplo concreto dessa cooperação pode ser descrita pelos diversos foros, eventos

culturais e seminários realizados, como os Foros de Empresários, de Mulheres, de Parlamentares,

de Acadêmicos, de Pequenas Empresas e de Governança Global29

.

Acerca do Fundo IBAS, que iniciou suas tarefas em 2004, pode-se dizer que é uma maneira de os

três países demonstrarem um pouco de seus respectivos ‘soft power’, uma vez que o Fundo

dedica-se, exclusivamente, ao financiamento de projetos autossustentáveis e replicáveis nos

29

Acesso em 17/04/2013, disponível em http://www.itamaraty.gov.br

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países de Menor Desenvolvimento Relativo (MDRs) ou em situação pós-conflito, bem como se

dedica ao cumprimento e consecução das Metas do Milênio, estipuladas pela ONU. O montante

do fundo é composto pela doação igualitária de cada um dos países (USD 1 milhão anuais).

Segundo o Itamaraty, a ajuda baseia-se no potencial para redução da fome e da pobreza, no

alinhamento com as prioridades do país recipiendário, no uso das capacidades disponíveis nos

países do IBAS e de suas experiências bem-sucedidas, na sustentabilidade, no impacto

identificável, na possibilidade de que a iniciativa seja replicada, na inovação e, por fim, na

realização do projeto no período de 12 a 14 meses. O IBAS concluiu projetos em cinco países:

Burundi, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Haiti e Palestina. Os projetos concluídos são:

Burundi: “Reforço à Infraestrutura e à Capacidade de Combate ao HIV/AIDS”

Cabo Verde: “Reabilitação do Posto Sanitário de Covoada”

Guiné-Bissau: “Desenvolvimento da Agricultura e da Pecuária” – Fase I

Guiné-Bissau: “Desenvolvimento da Agricultura e da Pecuária” – Fase II

Haiti: “Coleta de Resíduos Sólidos: uma ferramenta para reduzir violência e conflitos em

Carrefour-Feuilles” – Fase I

Haiti: “Coleta de Resíduos Sólidos: uma ferramenta para reduzir violência e conflitos em

Carrefour-Feuilles” – Fase II

Palestina: “Construção de Centro Multiesportivo e formação de Ligas Esportivas Juvenis”

Os projetos em execução estão sendo realizados nos seguintes países: Cabo Verde, Camboja,

Guiné-Bissau, Laos, Palestina, Serra Leoa e Vietnã, sendo eles:

Cabo Verde: “Dessalinização para o Aprovisionamento de Água Potável”

Camboja: “Desenvolvimento amplo dos Serviços Médicos para Crianças e Adolescentes

com Necessidades Especiais”

Guiné-Bissau (2º projeto): “Apoio à Reabilitação de Bolanhas e ao Processamento de

Produtos de Origem Agrícola e Animal”

Guiné-Bissau (3º projeto): “Eletrificação Rural com Sistemas de Energia Solar”

Laos: "Apoio à agricultura irrigada integrada em 2 Distritos Bolikhamxay"

Palestina (2º projeto): “Reabilitação Parcial do Centro Hospitalar e Cultural da Sociedade

do Crescente Vermelho Palestino na Faixa de Gaza (Hospital Al Quds)”

Palestina (3º projeto): “Construção de Centro para Pessoas com Necessidades Especiais”

Serra Leoa: “Desenvolvimento de Liderança e Capacitação Institucional para o

Desenvolvimento Humano e Redução da Pobreza”

Vietnã: “Estabelecimento de ‘hub’ de produção de sementes de arroz”.

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Figura 1: Mapa da atuação do Fundo IBAS

Fonte: MRE Brasil

O IBAS demonstra ser uma coalizão bastante ambiciosa tanto em sua atuação como em seus

projetos. E é essa ambição que pode debilitar os esforços do agrupamento no futuro. Caso os

países consigam lidar positivamente com seus desafios, essa plataforma de diálogo pode auxiliar

deveras o pleito de cada país em relação ao seus devidos posicionamentos no cenário

internacional.

4.2. BRICS

“Um grande legado do Barão do Rio Branco é a capacidade de apreensão das mudanças. Na

época em que o dinamismo econômico e o eixo de poder mudavam da Europa para os EUA, teve

a capacidade de estabelecer uma boa relação com os EUA. Transferido para hoje, seria a

capacidade de você se coordenar com os BRICS”. Antonio Patriota.

Os BRICS nasceram do termo cunhado pelo economista da Goldman Sachs, Jim O’Neill, e

desenvolveu-se, como realidade política, em 2006, quando foi realizada a primeira reunião de

chanceleres em Nova York. A coalizão demonstra que esses países representam 1/4 da economia

mundial, em que a China se encontra em primeiro lugar. Além de grandes economias, os países

também compartilham outros objetivos, como governança global, traduzida pela reforma das

instituições de Bretton Woods, diálogo e concertação político-econômica e cooperação setorial.

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Uma das posições uníssonas dos países dos BRICS é decorrente da vontade em reformar as

instituições de Bretton Woods, que não distribui o poder de maneira condizente com o cenário

internacional atual. Segundo Oliver Stuenkel, essa vontade em mudar as regras criadas pelas

potências estabelecidas é a mais poderosa identidade dos BRICS30

, uma vez que se caminha,

paulatinamente, para um mundo onde há uma desconcentração do poder mundial. Embora as

desejadas reformas não tenham sido concretizadas, pode-se considerar uma grande conquista

colocar tal discussão em pauta, sobretudo concernente à política de cotas no Fundo Monetário

Internacional e à votação dos países emergentes no Banco Mundial. O sistema financeiro, mas

mais especificamente a crise financeira de 2008, que se espalhou por todo o mundo, foi outra

posição comum que os países dos BRICS se utilizaram para propor soluções e garantir a

estabilidade do próprio agrupamento. Os temas das Cúpulas de Ecaterimburgo (2009) e de

Brasília (2010) foram, respectivamente, ‘A crise econômico-financeira global’ e ‘A superação

das consequências da crise financeira’, as quais demonstram a sensibilidade do tema para os

BRICS.

Além das reformas financeiras, as Cúpulas dos BRICS serviram, também, de plataforma para a

concertação política e para a cooperação dos países, em que temas de diversos assuntos foram

debatidos e aprofundados nesses eventos anuais. A variedade nos temas demonstra que, mesmo

em uma concertação minilateral como os BRICS, na qual é evidente as características políticas e

econômicas destoantes de todos eles e, na qual é, também, notável o distanciamento de alguns

deles extra-BRICS (exemplo de Brasil e Rússia), a vontade de dialogar e de chegar a consensos

se sobrepõe. Abaixo, mostrar-se-á os diversos temas e a discussão deles nas cúpulas, que se

iniciaram em 2009 e continuam a ser realizadas hodiernamente:

1ª Cúpula, em Ecaterimburgo (2009): Nesta cúpula, os países discutiram a questão

monetária, já que os países do agrupamento (excluindo-se África do Sul, que entrou no

grupo apenas em 2011, na Cúpula de Sanya) dependem do dólar norte-americano e

queriam encontrar uma saída para a independência monetária dos EUA. Discutiu-se,

também, questões sobre segurança alimentar, aprovando uma Declaração Conjunta

sobre o tema31

, em que não foi descartada a possibilidade de se produzir e utilizar

biocombustíveis para resolver os problemas neste assunto. Em relação à energia e ao

aumento de eficiência energética, os países intercambiaram opiniões sobre o

estreitamento de cooperação nessa área. Sobre o multilateralismo, os países acordaram

que a ONU, principal órgão multilateral, deve passar por uma reforma abrangente, que

seja condizente com os desafios globais modernos;

30

STUENKEL, Oliver. The BRICS and the incipient delegitimization of global order. 2013. Working paper não publicado. 31

Os líderes exigiram igualmente aos países desenvolvidos que honrem o seu compromisso de destinar 0,7% do seu

produto nacional bruto para ajuda aos países em desenvolvimento.

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2ª Cúpula, em Brasília (2010): A segunda cúpula previu a criação de uma infraestrutura

financeira, com novos instrumentos financeiros que “permitirão prestar serviços

financeiros e bancários aos projetos de investimento na área dos interesses das partes,

assim como favorecer o desenvolvimento das economias dos países BRIC e estudar as

possibilidades de criação de um sistema bancário integrado”32

. Além disso, foi analisada a

possibilidade da utilização das moedas nacionais para a facilitação das transações

comerciais entre as partes. Em relação ao Brasil e à China, diversas parcerias bilaterais

foram firmadas, incluindo acordos comerciais, projetos energéticos conjuntos e a

construção de uma usina metalúrgica chinesa no Brasil. Também se abordou o tema de

segurança;

3ª Cúpula, em Sanya (2011): A cúpula de Sanya incorporou a África do Sul no

agrupamento, mudando o acrônimo de BRICs para BRICS. Nesta cúpula, os países

reconheceram a necessidade de um novo sistema internacional de moedas e assinaram

um acordo aprovando a futura reforma do sistema monetário internacional. Foi assinado

um Plano de Ação, com 23 objetivos, para o estreitamento da cooperação entre os países

(reunião dos representantes dos BRICS, assuntos de segurança, reunião de ministros das

Finanças e Banco Centrais e agricultura). Sobre cooperação, os BRICS tiveram a

iniciativa de criar um fórum para a cooperação entre as cidades e as administrações locais,

bem como reunir os ministros da saúde. Ademais, acerca de cooperação técnica e

científica e de inovação, criou-se um grupo de trabalho para a área farmacêutica. Em

concertação política, os BRICS condenaram, conjuntamente, a intervenção militar na

Líbia;

4ª Cúpula, em Nova Déli (2012): Aprovou-se, nesta cúpula, a “Declaração de Nova Deli”,

que reforça a solidariedade intra-BRICS. Ademais, foram assinados dois acordos

intergovernamentais sobre a concessão mútua de créditos em moeda nacional e o

compromisso de processamento prioritário das transações dos bancos dos países BRICS.

Nesta Cúpula, surge a ideia do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, em que o

objetivo principal é a ajuda aos países em desenvolvimento, no caso de crises

econômicas. Por fim, os países dos BRICS pediram pelo aumento das reservas do FMI;

5ª Cúpula, em Durban (2013): Nesta cúpula, o principal tema abordado foi o papel dos

países dos BRICS em relação ao continente africano. Na cúpula, sob o título “BRICS e

África: parceria para o desenvolvimento, integração e industrialização”, os países

membros enfatizaram, na “Declaração de e-Thekwini”, de 27 de março de 2013, a

vontade de colaborar por meio de ações sustentáveis e replicáveis, erradicando a

pobreza e incentivando a industrialização de diversos países africanos. A ideia do

32

Declaração Conjunta dos BRICs, Brasília, 15 de abril de 2010.

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Banco de Desenvolvimento foi fortalecida, contando com a soma de 100 bilhões de

dólares, que auxiliará tanto projetos de infraestrutura dos países dos BRICS, sobretudo

Brasil, Índia e África do Sul, como projetos extra-BRICS, com foco nos países

emergentes e em desenvolvimento. Os projetos promovidos pelo Banco de

Desenvolvimento mostrar-se-ão essenciais para o desenvolvimento econômico dos países.

Os desdobramentos da 5ª cúpula BRICS ainda estão sendo firmados, entretanto, é válido

dar destaque para o acordo bilateral entre Brasil e China sobre troca de divisas, em que o

comércio entre os dois países deverá ser facilitado, independente da situação econômico-

financeira internacional.

O IBAS e os BRICS são as principais arenas de diálogo para o Brasil e para os outros países

emergentes. Além deles, o G-20 (comercial e financeiro) e o BASIC (meio ambiente) -

agrupamentos mais específicos - também são considerados palcos reivindicatórios em que os

emergentes podem discutir, analisar e viabilizar seus interesses nacionais. Tanto as reuniões do

IBAS como dos BRICS mostram-se focadas em temas de suma importância para o

desenvolvimento de cada um dos países das coalizões, bem como dos países que necessitam de

ajuda financeira e de cooperação setorial para a conclusão de seus objetivos. Embora falte

institucionalização, mostra-se válido o desempenho (sejam em agrupamentos ou em

estreitamento das relações bilaterais) que os países têm criado a fim de enfrentar os desafios

modernos globais.

Conclusão

As potências emergentes estão ganhando, cada vez mais, espaço no cenário internacional devido

a suas buscas pela igualdade de status. Quando se diz em igualdade de status, refere-se à vontade

de os países emergentes obterem reconhecimento econômico, político e de direito, no mundo que

é submetido, muitas vezes, aos interesses das grandes potências. As potências emergentes servem

de contraponto às potências estabelecidas, pois podem influenciar ou afetar o sistema

internacional de alguma maneira, diminuindo a influência e desconcentrando o poder absoluto

das superpotências. O Brasil, nesse caso, ao longo da história, reconheceu, com maior evidência,

em alguns momentos, a sua capacidade de poder afetar o sistema internacional e de obter seus

ganhos absolutos e relativos por meio da diplomacia autônoma, que, por vezes fora alinhada, com

base em princípios que variaram de acordo com os diferentes marcos históricos do país. As

relações diplomáticas entre o Brasil e as potências emergentes são importantes para a

visualização dos interesses nacionais, demonstrando a sua complementariedade em determinados

assuntos, mas também na ênfase em suas divergências, as quais mostram-se como desafios a

serem superados para a viabilização de interesses comuns. As concertações minilaterais são uma

nova realidade política para as potências emergentes e estão mostrando ser boas ferramentas para

a solução de problemas difusos e modernos e para a conquista, por parte dos emergentes, de

interesses econômicos, políticos, comerciais e de governança global. Com efeito, a igualdade de

status não exclui, de forma alguma, as relações com as grandes potências, mas acentua o diálogo

entre aqueles que são menos assimétricos e dá espaço para aqueles que, ainda, não têm.