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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO OCTÁVIO LOPES SANTOS TEIXEIRA BRILHANTE USTRA O PLANEJAMENTO DE NEGÓCIOS ENVOLVENDO TRIBUTOS INDIRETOS E OS SEUS CRITÉRIOS ESPECIAIS DE RESOLUÇÃO SÃO PAULO 2015

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO

OCTÁVIO LOPES SANTOS TEIXEIRA BRILHANTE USTRA

O PLANEJAMENTO DE NEGÓCIOS ENVOLVENDO TRIBUTOS INDIRETOS

E OS SEUS CRITÉRIOS ESPECIAIS DE RESOLUÇÃO

SÃO PAULO 2015

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OCTÁVIO LOPES SANTOS TEIXEIRA BRILHANTE USTRA

O PLANEJAMENTO DE NEGÓCIOS ENVOLVENDO TRIBUTOS INDIRETOS

E OS SEUS CRITÉRIOS ESPECIAIS DE RESOLUÇÃO

Dissertação apresentada à Escola de Direito de

São Paulo da Fundação Getúlio Vargas como

requisito para a obtenção do título de Mestre

em Direito e Desenvolvimento

Campo do conhecimento:

Direito Tributário

Orientador: Elidie Palma Bifano

   

SÃO PAULO 2015

 

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Ustra, Octávio Lopes Santos Teixeira Brilhante. Planejamento de negócios envolvendo tributos indiretos e seus critérios especiais de resolução. /Octávio Lopes Santos Teixeira Brilhante Ustra. – 2015. 144 f. Orientador: Elidie Palma Bifano Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. 1. Planejamento tributário 2. Negócios - Planejamento. 3. Tributos. 4. Abuso de direito. 5. Atos jurídicos I. Bifano, Elidie Palma. II. Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. III. Título.

CDU 34::336.2  

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OCTÁVIO LOPES SANTOS TEIXEIRA BRILHANTE USTRA

O PLANEJAMENTO DE NEGÓCIOS ENVOLVENDO TRIBUTOS INDIRETOS

E OS SEUS CRITÉRIOS ESPECIAIS DE RESOLUÇÃO

Dissertação apresentada à Escola de Direito de

São Paulo da Fundação Getúlio Vargas como

requisito para a obtenção do título de Mestre

em Direito e Desenvolvimento

Campo do conhecimento:

Direito Tributário

Data de Aprovação:

__/__/____

Banca Examinadora:

____________________________________

Elidie Palma Bifano (Orientadora) – Direito

GV

Roberto França Vasconcellos – Direito GV

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha família. À Juliana Ustra, minha amada esposa, e a

minhas filhas Helena e Cecília. Vocês são o que há de mais importante em minha vida

e bem por isso as destinatárias naturais desta dedicatória.

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AGRADECIMENTOS

Não poderia deixar de iniciar meus agradecimentos sem mencionar novamente minha

querida esposa, pela paciência e companheirismo nesses momentos em que – ao lado

das questões profissionais - tive que me dedicar quase que exclusivamente a essa

dissertação.

Agradeço também à minha querida mãe, Evelin Maria Abreu Teixeira, pela amor e

confiança quase que cega, e aos queridos avós de minhas filhas, Ivan e Silvia Santos,

pelo enorme carinho e por estarem sempre tão presentes em minha vida.

A José Augusto Brilhante Ustra, meu saudoso pai, que mesmo de tão e tão longe fez

nascer a semente do amor ao Direito – e sempre, basta sentir, me ajudou nos

momentos centrais da minha vida.

Aos meus sócios, José Luís Finocchio Jr. e Veridiana Moreira Police, pela

compreensão que tiveram nas diversas vezes que tive que relegar as questões do

escritório para me dedicar a esse trabalho.

A Mario Engler Pinto Jr., coordenador do Mestrado Profissional da Escola de Direito

de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, e a todos os professores do Mestrado

Profissional que tanto contribuíram para meu “enriquecimento” jurídico e para minha

evolução profissional.

Ao co-orientador Roberto Vasconcellos, pelas lições a respeito do planejamento

tributário.

Especialmente, à minha orientadora Elidie Palma Bifano. Eldie, posso assegurar a sua

importância central para que este trabalho acontecesse – e a sua contribuição decisiva

para que alcançasse o seu melhor formato, tornando possível a minha humilde

contribuição à discussão do planejamento de negócios com efeitos tributários.

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RESUMO

O planejamento de negócios com efeitos tributários é assunto que gera grandes

discussões teóricas e práticas. O tema aumenta em interesse na medida em que se

abandona visão essencialmente legalista e formalista do que se pode fazer para

economizar tributos e se passa a considerar que outros vícios dos atos e negócios

empregados no “plano” devem repercutir na análise dos efeitos fiscais pretendidos.

Neste cenário de verdadeira insegurança jurídica, uma das principais formas de os

agentes privados assegurarem-se dos efeitos fiscais (pretendidos) decorrentes do

planejamento de seus negócios diz com a análise de casos já julgados pelas

autoridades administrativas ou judiciais. Contudo, a quase totalidade das

manifestações do Judiciário e das instâncias administrativas de julgamento referem-se

a operações que envolveram, basicamente, tributos diretos, carecendo a doutrina de

apontamentos específicos a respeito de casos de planos que envolvam a economia de

tributos indiretos, entendidos como aqueles que repercutem economicamente no

preço de bens e serviços. Analisando casos “típicos” de planejamento de negócios que

envolvem tributos indiretos, pôde-se constatar alguns padrões específicos a serem

aplicados nos juízos de (des)consideração dos efeitos fiscais almejados. Foi

identificado que (i) nos planos que envolvem a criação de novos estabelecimentos ou

novas pessoas jurídicas há – exceção feita aos casos de simulação – quase que uma

presunção da existência da substancia negocial, afastando eventuais juízos acerca do

abuso de direito ou de fraude à lei. Da mesma forma, foi observado que (ii) nas

hipóteses de planejamentos construídos com vistas à utilização de créditos

decorrentes da não-cumulatividade, esta – a não-cumulatividade – deve ser eleita

como um dos critérios determinantes para a resolução do caso prático, especialmente

naquelas situações em que todo um plano é realizado para permitir a fruição de

direitos creditórios já constituídos. Ademais, também (iii) o princípio da capacidade

contributiva merece adequada ponderação nos casos em que a economia tributária que

se busca é relacionada a tributos indiretos, pois pode acontecer que o ganho obtido

seja repassado para os consumidores dos bens ou serviços. É possível afirmar,

portanto, que o planejamento de negócios com efeitos tributários de economia de

tributos indiretos merece considerações específicas, que devem serem levadas em

conta pelos aplicadores do Direito.

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ABSTRACT

Business planning with tax impacts is an issue that generates great theoretical and

practical discussions. The theme increases in interest insofar as it abandons an

essentially legalistic and formalistic view of what can be done to save on taxes, and it

goes on to consider that other vices in the actions and business employed in the “plan”

should be reflected in the analysis of the intended tax purposes. In this scenario of

genuine legal uncertainty, one of the main ways for private agents to assure

themselves from tax effects (intended), resulting from the planning of their business,

is the analysis of cases already tried by administrative or judicial authorities.

However, almost all of the manifestations from judicial and administrative bodies for

trial relate to transactions involving, basically, direct taxes, lacking the doctrine of

specific remarks about cases of plans involving the economy of indirect taxes, defined

as those that impact economically on the price of goods and services. Analyzing

“typical” business planning cases involving indirect taxes, one can notice some

specific standards to be applied in judgment for the (dis)regard of targeted tax

purposes. It was identified that, (i) in the plans that involve the creation of new

businesses or new legal entities there is - except for simulation cases - almost a

presumption of the existence of the negotiating substance, removing any possible

judgments about the abuse of rights or fraud. Similarly, it was observed that, (ii) in

the event of planning built with a view to the use of credits arising from non-

cumulative situations, this - non-cumulative situation - should be chosen as one of the

determining criteria for the resolution of the case study, especially in those situations

where an entire plan is carried out to allow for the fruition of already-recorded

receivables. Moreover, (iii) the principle of ability also deserves proper consideration

in cases where the tax economy that is sought is related to indirect taxes, since it may

occur that the gain obtained is passed on to consumers of goods or services. Finally, it

seems possible to say that business planning with tax effects for the economy of

indirect taxes deserves specific considerations that should be taken into account by

law enforcers.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 09

2 OS TRIBUTOS INDIRETOS 13

2.1 Classificação dos Tributos em Tributos Direitos e Tributos

Indiretos 13

2.2 Características Relevantes dos Tributos Indiretos para Fins

do Planejamento Tributário 19

2.3 Os Tributos Indiretos “Em Espécie” 26

2.3.1 O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de

Transporte Intermunicipal e Interestadual e de Comunicação (ICMS) 26

2.3.2 O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) 32

2.3.3 O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) 38

2.3.4 As Contribuições ao Programa de Integração Social (PIS)

e para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) 41

3 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O PLANEJAMENTO

TRIBUTÁRIO 47

3.1 Definições Importantes: o Planejamento Tributário e a Elisão

Fiscal 47

3.2 O Planejamento Tributário na Doutrina 50

3.3. Os Institutos de Direito Civil Aplicáveis aos Juízos de

Desconsideração de Planejamentos Tributários 57

3.3.1 A Simulação como Causa de Desconsideração de Efeitos

Tributários 57

3.3.2 O Abuso de Direito como Causa de Desconsideração de Efeitos

Tributários 59

3.3.3 A Fraude à Lei como Causa de Desconsideração de Efeitos

Tributários 61

3.4 O Abuso de Formas e o Negócio Jurídico Indireto 64

3.5 Considerações sobre a Norma Antielisiva no Brasil 66

4 OS CRITÉRIOS USUALMENTE EMPREGADOS NA RESOLUÇÃO

DE CASOS DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 69

5. O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E OS TRIBUTOS

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INDIRETOS – ELEMENTO E CRITÉRIOS DE RESOLUÇÃO 75

5.1. Análise de Casos de Planejamento Tributários com Tributos

Indiretos – A Busca de Identificação de um Modus Operandi “Próprio” 75

5.1.1 Planejamentos Tributários com Tributos Indiretos Empregados a Partir

da Criação de Novas Pessoas Jurídicas ou Novos Estabelecimentos 75

5.1.1.1 A Criação de Pessoa Jurídica para a Distribuição de Produtos Fabricados

pelo Estabelecimento Industrial 76

5.1.1.2 A Constituição de Estabelecimento para Fruição de Alíquotas

Beneficiadas de ISS 86

5.1.1.3 A Constituição de Estabelecimento ou Pessoa Jurídica para Fruição

de Benefícios Fiscais do ICMS 91

5.1.2 Planejamentos Tributário para o Aproveitamento de Crédito Tributários

Decorrentes da Não-Cumulatividade 100

5.1.2.1 Incorporação de Pessoas Jurídicas com Vistas à Utilização de Créditos

Escriturais 101

5.1.2.2 “Operações Triangulares – Exportação” com Vistas ao Aproveitamento

de Créditos Escriturais 109

5.1.3.1 Outros Casos de Planejamento Tributário com Operações

Triangulares 113

5.1.3. Outras Casos de Planejamento Tributário 120

5.1.3.1 O Planejamento à Partir da Separação de Atividades da Pessoa

Jurídica 120

5.2 5.2. Critérios Empregados na Resolução dos Casos de Planejamento de

Negócios com Efeitos nos Tributos Indiretos 123

6 CONCLUSÃO 130

REFERÊNCIAS 135

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9    

1. INTRODUÇÃO

O planejamento de negócios que repercutem na diminuição, eliminação

ou diferimento de tributos é certamente um dos temas de maior relevância entre os

estudiosos do Direito Tributário no Brasil. Segundo entendemos, isso pode ser

creditado não apenas pelo impacto dos tributos nos negócios realizados por pessoas

físicas e jurídicas, mas também pela ausência de balizas seguras acerca do que se

pode ou não se pode fazer para economizá-los.

Essa realidade encontra-se refletida no número cada vez maior de

planejamentos de negócios com reflexos tributários que são submetidos a julgamentos

administrativos ou judiciais - parece ter se tornado realmente comum, nos dias atuais,

que atos e negócios jurídicos realizados com a finalidade de economia tributária

sejam questionados pelas autoridades fiscais.

Do ponto de vista jurídico, esse novo estado de coisas resultou da

superação do entendimento predominante até idos da década de 1990 (SCHOUERI,

2010), quando prevalecia a consideração de que, se porventura os atos e negócios

empregados fossem formalmente lícitos, restaria afirmada a legalidade do

planejamento e estariam garantidos os efeitos fiscais perseguidos, o que era

excepcionado apenas nos casos de simulação.

De fato, e especialmente no âmbito do contencioso administrativo federal,

passou-se a considerar com muito mais frequência, na análise de planejamentos de

negócios com efeitos tributários, a existência de outros vícios (dos atos e negócios

jurídicos) que não a simulação, questionando-se, por exemplo, se caracterizavam

eventual abuso de direito à livre estruturação dos negócios empresariais, se lhes

faltava um propósito negocial extratributário ou mesmo se haviam sido realizados em

fraude à lei tributária impositiva.

Essa “mudança de enfoque”, por evidente, significou enorme insegurança

jurídica para as empresas, que já não podem mais realizar a estruturação de seus

negócios com a garantia absoluta de que os efeitos tributários pretendidos lhes serão

garantidos. A segurança decorrente da prevalência do princípio da legalidade

enquanto vetor interpretativo do chamado planejamento tributário foi substituída por

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10    

considerações que privilegiam a análise efetiva do caso concreto e dos atos e negócios

jurídicos que o constituíram.

Diante desse quadro de incertezas, uma das poucas balizas de que se

socorrem os contribuintes é a identificação de julgados acerca do “tipo” de

negócio/planejamento que pretendem realizar. Nesse sentido, diversos estudos foram

levados a efeito para que se pudessem extrair vertentes interpretativas derivadas da

análise de casos, ganhando relevo a jurisprudência do atual Conselho Administrativo

de Recursos Fiscais (CARF), por ser esse o tribunal que mais se manifestou sobre o

tema1.

Contudo, se há farto material no que se refere a planejamentos de

negócios que envolvem o Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e a

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), típicos tributos diretos, não se

pode dizer o mesmo em relação a atos e negócios jurídicos com reflexos na economia

do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte e de

Comunicação (ICMS), do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do Imposto

sobre Serviços (ISSQN) e mesmo das contribuições ao Programa de Integração Social

(PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), carecendo os tributos

indiretos de uma análise doutrinária e mesmo jurisprudencial mais aprofundada.

Daí, portanto, o interesse pelo tema planejamento de negócios envolvendo

os tributos indiretos.

Nesse contexto, buscamos identificar no presente trabalho os critérios de

resolução de casos de planejamentos de negócios com reflexos na economia dos

tributos indiretos, ou, em outras palavras, lançar luzes à seguinte questão: há

critérios específicos para a resolução de casos de planejamento que envolvem

tributos indiretos?

Nosso interesse é, assim, perquirir se há elementos ínsitos aos tributos

indiretos – ou aos planejamentos de negócios que os envolvem – que devem interferir

no juízo de desconsideração dos efeitos fiscais dos atos e negócios empregados com a

finalidade de reduzir, eliminar ou mesmo diferir a obrigação tributária.

E quando dizemos elementos (dos tributos indiretos), não estamos nos

limitando, unicamente, às características normativo-estruturais próprias desses

                                                                                                               1 Uma das obras mais relevantes obras que abordaram os casos julgados pelo administração tributária é o livro “Planejamento Tributário e o ‘Propósito Negocial’”, coordenada por Schoueri (2010).

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11    

tributos – que, aliás, nesse particular, em muito se assemelham às dos tributos

diretos2. Afinal, o tributo indireto, como o próprio nome parece revelar, é muito

influenciado pelas operações jurídicas antecedentes e também pelas que lhe são

subsequentes, e essa característica, conjugada a outras ínsitas à ontologia desses tipos

tributários, hão de ser ponderadas na resolução de casos concretos de planejamento de

negócios com efeitos tributários.

Ou seja, iremos perquirir se as características – normativas e sistemáticas

– dos tributos indiretos devem refletir-se nos juízos de resolução de casos de

planejamento que envolvam tais exações – e é justamente nessa linha que poderemos

percorrer diversos pontos que lhes são inerentes, como, por exemplo: se o propósito

negocial pode ser pressuposto em determinados estruturas que envolvem tributos

indiretos; se isso é uma característica ínsita ao tipo de tributo envolvido ou mesmo

uma característica do plano; se o princípio da não-cumulatividade pode relativizar a

dicotomia legalidade x capacidade contributiva, e assim por diante.

Para conseguirmos responder à questão colocada, abordaremos,

inicialmente, a controversa classificação que distingue tributos direitos de tributos

indiretos, defendendo a sua pertinência para o tema do planejamento de negócios com

efeitos tributários – já que assentando na essencialidade (muitas vezes econômica) das

operações que se busca confirmar ou desconstituir – e discorrendo sobre as

características gerais e específicas desses tributos que possam interessar à temática do

planejamento/estruturação de negócios.

Focaremos também em considerações conceituais sobre o chamado

planejamento tributário e sobre os critérios usualmente empregados para a sua

resolução, ocasião em que percorremos, ainda que de forma breve, não apenas

algumas das relevantes posições doutrinárias sobre o tema, mas também as principais

figuras de Direito Civil que vêm sendo utilizadas nos juízos de desconsideração dos

efeitos fiscais de atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de economia

tributária3.

                                                                                                               2 Afinal, assim como os tributos diretos, os tributos indiretos são constituídos de um antecedente (hipótese de incidência) – constituído de um critério material, de um critério temporal e de um critério espacial – e de um consequente (obrigação tributária), em que se estipula o valor de tributo a pagar (i.e. base de cálculo e alíquota) e os sujeitos ativos e passivos da relação jurídica (CARVALHO, 2000) 3  É justamente nesse ponto, diga-se, que será possível discutir as figuras da tipicidade, da legalidade e dos demais vícios do ato ou do negócio jurídico (tais como a simulação, a fraude, o abuso de direito e outras figuras afins) que poderiam implicar a sua desconsideração para fins fiscais.  

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12    

Após esse percurso, necessário para estabelecer as bases de nossas

considerações, discutiremos os critérios que estão sendo empregados para a resolução

de casos de planejamento de negócios com efeitos tributários, buscando evidenciar

que eles foram – e continuam sendo – largamente aplicados em planejamentos que

envolvem, notadamente, os tributos diretos.

Só então partiremos para a busca de critérios específicos aplicados na

resolução de casos de planejamento que repercutem na economia de tributos

indiretos. E faremos isso através da análise de alguns casos emblemáticos desses

planejamentos e de decisões judiciais e administrativas a eles aplicadas. Ou seja, é a

partir da análise de casos “típicos” de planejamento com efeitos tributários, e de

manifestações doutrinárias e jurisprudenciais (judiciais e/ou administrativas) sobre

eles, que buscaremos extrair as considerações específicas a que devem se submeter

atos e negócios jurídicos empregados para economizar tributos indiretos.

Para extrairmos o máximo dos casos analisados, buscaremos, quando

possível, dividi-los segundo características que reputamos comuns: analisaremos

casos em que a criação de novos estabelecimentos (sejam eles pertencentes a novas

pessoas jurídicas ou não) são a pedra de toque do plano de negócios e discorrermos

também sobre aquelas estruturas criadas com a finalidade precípua de

utilizar/potencializar créditos escriturais decorrentes da não-cumulatividade. E

analisaremos também casos outros que, embora não possam se encaixar nessas

matrizes, nos ajudam a revelar aspectos específicos dos planejamento de negócios que

buscam a economia dos tributos indiretos.

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13    

2 OS TRIBUTOS INDIRETOS

2.1 Classificação dos Tributos em Tributos Diretos e Tributos Indiretos

É clássica a lição de que uma classificação não deve ser considerada

correta ou incorreta, mas útil ou inútil para a aproximação almejada do objeto de

análise4. Esse entendimento aplica-se ao presente estudo, especialmente porque

faremos uso de classificação muito criticada pelos estudiosos do Direito Tributário,

qual seja, a de que os tributos podem ser divididos em tributos diretos e tributos

indiretos.

Para que se contextualize a principal crítica à classificação pretendida, e

para que a relativizemos para fins de nosso objetivo, é necessário entender que ela é

usualmente empregada em um determinado e específico contexto, in casu, o contexto

do direito à repetição do indébito tributário.

De fato, o debate acerca do direito de repetir (recuperar) o tributo pago

indevidamente sempre foi intenso, tendo há muito resultado na redação de súmula

pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a prescrever que “embora pago indevidamente,

não cabe a restituição de imposto indireto”5.

Posteriormente, o próprio Código Tributário Nacional (CTN) incorporou

regra específica sobre o tema, determinando, para fins de disciplinar o direito à

recuperação do tributo pago indevidamente, a sua relativização em relação àqueles

que comportam a transferência do respectivo encargo financeiro, que passaram a ser

entendidos pela doutrina como tributos indiretos, in verbis:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la (Brasil, 1966)

A discussão que se travou a partir daí foi, pois, acerca do que viriam a ser

tributos que comportam a transferência do respectivo encargo financeiro, já que se

tratava de critério um tanto quanto incerto, na medida em que qualquer tributo, em                                                                                                                4 Nesse sentido, expõe Gordilho: “As características comuns que adotamos como critério para o uso de uma palavra de classe é uma questão de conveniência. Nossas classificações dependem de nossos interesses em reconhecer tanto as semelhanças, como as diferenças entre as coisas. Muitas classificações distintas podem ser igualmente válidas”. (GORDILHO, 2014, p. 128-129) 5 Súmula 546 do Supremo Tribunal Federal.

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14    

tese, pode ter o seu encargo transferido a terceiro, tal como acontece, por exemplo,

com o IPTU no caso de bens locados e com o próprio imposto sobre a renda, quando

se estabelece que o preço de determinado serviço deve ser “líquido” dos encargos

tributários6.

Justamente por isso foi que a doutrina se posicionou de maneira incisiva

no sentido de que, se admissível a classificação pretendida, deveria ela ser entendida a

partir de um conteúdo eminentemente jurídico, ou seja, a chamada “transferência do

encargo” haveria de ser deduzida não a partir de critérios econômicos, mas sim da

própria estrutura jurídico-normativa do tributo, o que, como notado por Schoueri,

ocorre com os tributos não-cumulativos:

A falta de base econômica para o argumento da translação, entretanto, exige que se tome o art. 166 do Código Tributário Nacional com toda a cautela. No lugar de se buscar o fenômeno da translação, age com acerto aquele que investiga se há uma transferência jurídica (i.e., prestigiada por lei) do montante do tributo. Esta será a situação do adquirente do produto sujeito a tributação não cumulativa, que o revende, tomando crédito do montante pago na etapa anterior. Se há um direito àquele crédito é porque ele lhe foi transferido por quem pagou na etapa anterior. (SCHOUERI, 2013, p. 617).

Assim, a existência da não-cumulatividade seria sinal de que se está

diante de um tributo indireto, notadamente quando operada através do sistema de

transferência de créditos a partir do valor pago na etapa anterior7, uma vez que no

caso não parece haver dúvidas acerca da requerida repercussão financeira.

Em outras palavras, como o que se paga a título do tributo na operação de

aquisição de determinado bem ou serviço se registra como crédito na escrita fiscal do

adquirente para abatimento em operações subsequentes, haveria uma transferência

jurídica do encargo financeiro, o que caracterizaria o tributo como indireto.

É interessante notar desde já que, como veremos mais à frente, a não-

cumulatividade tem por pressuposto a intenção do legislador constitucional de que

determinados tributos onerem essencialmente o consumidor final dos produtos e

serviços – ela (a não-cumulatividade) é o pressuposto de transferência do encargo

financeiro do tributos dentro de uma dada cadeia econômica.                                                                                                                6 Nesses casos, o prestador, por conhecer previamente o impacto tributário do imposto sobre a renda, determina que o mesmo seja suportado economicamente pelo tomador dos serviços, o que se dá, na prática, pelo reajustamento do preço, em prática conhecida como gross-up. 7 Ainda que, como veremos mais à frente, a transferência de créditos seja apenas uma das formas de operacionalização da não-cumulatividade.

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15    

Daí porque é correto afirmar que o ICMS e o IPI são os tributos indiretos

por excelência.

Por essa visão, tributos indiretos seriam aqueles tributos não-

cumulativos, que incidem sobre operações de circulação jurídica de um bem ou

serviço e que, por disposição constitucional, devam ser suportados, parcialmente ou

em sua integralidade, pelo seu adquirente.

Pimenta defende justamente essa linha interpretativa:

Sendo assim, pode-se extrair, em nosso entendimento, do ordenamento jurídico brasileiro o seguinte conceito sobre os tributos indiretos: são todos os tributos plurifásicos, incidentes sobre negócios jurídicos bilaterais, em relação aos quais se aplica a técnica da não-cumulatividade. Trata-se de conceito pressuposto pela Constituição Federal ao regulamentar o regime jurídico-constitucional do ICMS e do IPI. (PIMENTA, 2013, p. 359)

O vinculo necessário entre não-cumulatividade e tributo indireto, contudo,

não vem sendo acolhido integralmente pela jurisprudência. O Superior Tribunal de

Justiça (STJ) tem entendido, por exemplo, que o ISSQN, quando incidente sobre o

preço do serviço, assume a característica de tributo indireto, de sorte que apenas se

provado que não foi repassado ao adquirente é que poderia ser objeto de recuperação

pelo prestador:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.323.520 SP(2011/0185168-0) RELATOR: Ministro HERMAN BENJAMIN (1132) EMENTA: TRIBUTÁRIO. ISS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. BASE DE CÁLCULO. PREÇO DO SERVIÇO. TRIBUTO INDIRETO. ART. 166 DO CTN. PROVA DA REPERCUSSÃO FINANCEIRA. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. 1. Trata-se de Recurso Especial que versa sobre a legitimidade ativa para pleitear a repetição de indébito do ISS incidente sobre serviços bancários. 2. O recorrente afirma que houve, além da divergência jurisprudencial, violação dos arts. 165, I, e 166 do CTN, sob o fundamento de que tem direito à restituição do indébito tributário e que "improcede o argumento de que a Instituição Financeira ora Recorrente não fez prova de que não repassou o valor do tributo aos tomadores de serviço, nos termos do artigo 166 do Código Tributário Nacional e da Súmula do STF n° 546", uma vez que esse raciocínio não seria aplicável ao ISS (fl. 292). 3. O Tribunal a quo reconheceu a ilegitimidade do sujeito passivo tributário para pleitear a repetição do indébito, nos termos do art. 166 do CTN, uma vez que ele não se desincumbiu do ônus de demonstrar que não repassou o encargo financeiro do tributo ao contribuinte de fato. 4. A Primeira Seção do STJ definiu, sob o regime do art. 543-C do CPC, que o ISS é espécie tributária que, a depender do caso concreto, pode se caracterizar como tributo direto ou indireto (REsp 1.131.476/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 1.2.2010). 5. Nos casos em que a base de cálculo do tributo é o preço do serviço, a exação assume feição indireta, permitindo transferir o ônus financeiro ao

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16    

contribuinte de fato (EREsp 873.616/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 13.12.2010, DJe 1°.2.2011). 6. A mesma orientação é aplicável à presente controvérsia, cuja base de cálculo do imposto não é apurada em valor fixo, na forma do art. 9°, § 1°, do Decreto-Lei 406/1968. 7. Confirmada a incidência do art. 166 do CTN, a reforma do acórdão recorrido, segundo o qual "inexistem elementos indicadores de que o autor deixou de repassar aos tomadores dos serviços o encargo financeiro do tributo" (fl. 266), exigiria revolver fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 7/STJ. 8. Recurso Especial não provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2011)

Vê-se, assim, que, para a jurisprudência predominante, o elemento de

maior importância para a definição do tributo indireto é o fato de integrar o preço de

venda de bens ou serviços e não propriamente o fato de submeter-se ao princípio da

não-cumulatividade.

Ainda aqui, contudo, parece haver um elemento essencialmente jurídico –

e não meramente econômico ou financeiro - que determina a característica do ISSQN

como tributo indireto. É que, se bem verificado, há disposição expressa da grande

parte das legislações que disciplinam a incidência do imposto municipal no sentido de

determinar a sua inclusão na composição do preço do serviço e, pois, em sua própria

base de cálculo8, naquilo que se convencionou chamar de cálculo por dentro.

Diante disso, se para a doutrina majoritária apenas o IPI e o ICMS é que

são tributos indiretos, tem entendido a jurisprudência que também o ISSQN pode

assumir tal feição, na medida em que em grande número de casos há não somente a

presunção de sua integração no preço do serviço, mas também a determinação legal

dessa repercussão.

Contudo, nossa definição de tributos indiretos irá, para fins exclusivos

deste trabalho, um pouco além. Incluiremos dentre os tributos indiretos também o

PIS e a COFINS, por reconhecer que usualmente compõem o preço de venda bens e

serviços e por neles identificar determinadas características próprias de tributos que

oneram o consumo final, tais como a não-cumulatividade e a incidência plurifásica -

embora reconheçamos que a não-cumulatividade, aqui, opere de maneira bastante                                                                                                                8 Nesse sentido, por exemplo, dispõe o art. 14 da Lei 13.701/13, promulgada pelo Município de São Paulo, que assim prescreve: Art. 14. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço, como tal considerada a receita bruta a ele correspondente, sem nenhuma dedução, excetuados os descontos ou abatimentos concedidos independentemente de qualquer condição. (...) § 4o O montante do Imposto é considerado parte integrante e indissociável do preço referido neste artigo, constituindo o respectivo destaque nos documentos fiscais mera indicação de controle. (São Paulo/SP, 2013).

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17    

particular e que a plurifasia dessas contribuições seja apenas parcial e indireta,

meramente econômica e não jurídica, uma vez que tanto o PIS quanto a COFINS

incidem sobre a receita e não propriamente sobre operações – embora a receita seja

derivada, muitas vezes, dessas mesmas operações.

O que importa para fins deste trabalho, portanto, não é a repercussão

jurídica do tributo, mas sim a sua repercussão econômica direta no preço do bem ou

serviço, o que implica na sua transferência para o consumidor final, se bem que

desde a edição da Lei 12.973, parece-nos que a repercussão do PIS e da COFINS no

preço dos produtos tenha sido efetivamente positivada9.

Nesse sentido, não acreditamos que a classificação de um determinado

tributo como indireto deve pautar-se, obrigatoriamente, e para todos os fins, em suas

consequências quanto ao direito de repetir o indébito. Afinal, como anotado

anteriormente, a repercussão direta nos preços pode ter relevância jurídica, como é

o caso, entendemos, em considerar a repercussão econômica do PIS e da COFINS

para certos fins especialmente relevantes para o presente trabalho10.

Realmente, ainda que se trate de contribuições incidentes sobre a receita, é

fato que, indiretamente, parte dessa receita deriva de operações de venda de bens ou

serviços, o que permite ao legislador, por exemplo, construir normas e regimes

jurídicos próprios aos demais tributos indiretos – caso específico da regra da não-

cumulatividade e da sistemática monofásica.

Ou seja, ainda que a não-cumulatividade das contribuições seja dotada de

inúmeras considerações especiais – havendo mesmo quem questione se tratar,

efetivamente, de uma verdadeira sistemática não-cumulativa11, parece-nos correto

asseverar que o que levou à sua instituição pelas Leis 10.637/02 e 10.833/03 foi

justamente a consideração de que tanto o PIS quanto a COFINS, no que tange à

receita derivada da venda de bens e serviços, repercutem em cada uma das etapas de

                                                                                                               9 De fato, a Lei 12.973 alterou o art. 3o da Lei 9.718/1998 e os arts. 1o das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 e fez expressa remissão ao conceito de receita bruta insculpido no art. 12 do Decreto-Lei 1.598/1977, que prevê que a inclusão dos tributos “sobre ela incidentes”, caso do PIS e da COFINS. (BRASIL, 2014). 10 Não integrará o âmbito do presente trabalho o imposto sobre operações financeiras (IOF) em suas várias modalidades (IOF – Cambio, IOF – Crédito e IOF – Seguros). Isso porque, ainda que tais tributos sejam componentes do preço em operações financeiras, há uma séria de características específicas que os caracterizam e que não serão abordadas no presente trabalho. 11 Mais à frente discorreremos sobre as diversas formas de operacionalização da não-cumulatividade, dissociando-a da fórmula “crédito/débito” adotada classicamente no Brasil no que se refere ao ICMS e ao IPI.

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18    

circulação e comercialização desses bens e serviços, reconhecendo-se implicitamente

a onerosidade de uma tributação “em cascata” para o consumidor final (via repasse

nos preços).

Da mesma forma, é reveladora a adoção de sistema de incidência que, à

semelhança da substituição tributária “para frente” do ICMS, determina a

concentração do recolhimento das contribuições sobre a receita auferida na

comercialização de determinados produtos em um único iter da cadeia econômica, tal

como ocorre na chamada sistemática monofásica12.

Mais uma vez, a própria adoção da monofasia representa, em determinado

aspecto, a consideração pelo legislador de que, sob o prisma do efeito econômico, o

PIS e a COFINS, quando incidente sobre a receita auferida com a venda de bens e

serviços, podem ser considerados, ainda que indiretamente, tributos plurifásicos –

traço que reforça a potencial repercussão dessas contribuições, desde sempre, no

preço de produtos e serviços.

São essas as características que nos fazem incluir o PIS e a COFINS na

categoria de tributos indiretos, reconhecendo-se, desde já, que nossa posição pode ser

objeto de crítica. Todavia, como nosso intuito é discutir os critérios de

desconsideração de planejamentos de negócios com reflexos nos tributos indiretos

                                                                                                               12  Realmente, o chamado sistema monofásico é representado pela aplicação concomitante (i) de pesadas alíquotas sobre a receita auferida pelo estabelecimento industrial e/ou importador com a venda de determinados bens e (ii) pela desoneração, usualmente através de regra de alíquota-zero, sobre as receitas auferidas pelos estabelecimentos atacadistas ou varejistas com a comercialização desses mesmos bens, o que implica, na prática, na concentração da incidência citada. A título de exemplo, veja-se o que diz a lei 10.485/2002, aplicável à venda de veículos e autopeças: “Art. 3o As pessoas jurídicas fabricantes e os importadores, relativamente às vendas dos produtos relacionados nos Anexos I e II desta Lei, ficam sujeitos à incidência da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS às alíquotas de: I - 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) e 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento), respectivamente, nas vendas para fabricante: a) de veículos e máquinas relacionados no art. 1o desta Lei; ou b) de autopeças constantes dos Anexos I e II desta Lei, quando destinadas à fabricação de produtos neles relacionados; II - 2,3% (dois inteiros e três décimos por cento) e 10,8% (dez inteiros e oito décimos por cento), respectivamente, nas vendas para comerciante atacadista ou varejista ou para consumidores. § 1o Fica o Poder Executivo autorizado, mediante decreto, a alterar a relação de produtos discriminados nesta Lei, inclusive em decorrência de modificações na codificação da TIPI § 2o Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, relativamente à receita bruta auferida por comerciante atacadista ou varejista, com a venda dos produtos de que trata: I - o caput deste artigo; e II - o caput do art. 1o desta Lei, exceto quando auferida pelas pessoas jurídicas a que se refere o art. 17, § 5o, da Medida Provisória no 2.189-49, de 23 de agosto de 2001”. (BRASIL, 2002)

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19    

assim caracterizados em face da efetiva repercussão no preço de bens, produtos e

serviços, parece-nos que, sob esse aspecto, nossa decisão é justificável.

Para nós, portanto, essa visão mais elástica do tributo indireto assume

relevância não apenas porque essa característica de compor o preço de bens, produtos

e serviços acaba por repercutir nas questões aplicáveis à discussão do planejamento

dos negócios com reflexos tributários (p. ex., na aplicação do princípio da capacidade

contributiva), mas também porque os planejamentos que os envolvem possuem

determinadas características que são relevantes para a resolução de casos concretos.

2.2. Características Relevantes dos Tributos Indiretos para Fins do Planejamento de

Negócios com Reflexos Tributários

Como se viu nas linhas anteriores, a principal característica dos tributos

considerados indiretos, para fins deste trabalho, é o fato de repercutirem

economicamente no preço dos bens e serviços colocados em circulação. Essa

característica, é fato, acaba por refletir, direta ou indiretamente, no contorno

normativo dessas exações e também na criação, pelo legislador, de certos regimes

especiais de incidência, o que merece aprofundamento.

Iniciemos pela análise do princípio da não-cumulatividade. Trata-se de

mecanismo – erigido à categoria de regra constitucional no que tange ao IPI e ao

ICMS – destinado a neutralizar a incidência em cadeia ou cascata13, visando, assim,

evitar o encarecimento excessivo de bens e serviços para os seus consumidores finais.

A não-cumulatividade é instituto com substrato eminentemente

econômico, e é ancorada, ao menos no plano político, na ideia de um sistema

tributário ótimo. Daí porque a sua instituição é defendida amplamente pela doutrina,

tendo sido adotada por grande número de países, em especial no velho continente.

Nesse sentido é o entendimento de Maria de Conceição Sampaio:

Atualmente, na grande maioria dos países, o consumo passou a ser tributado por meio de um imposto sobre o valor agregado, que substitui o imposto cumulativo sobre as vendas. Essa substituição, considerada uma das mais importantes inovações dos sistemas tributários contemporâneos,

                                                                                                               13 Sobre a cumulatividade, assim se manifestou Sampaio: “Os impostos cumulativos, também conhecidos como impostos em cascata, aplicam-se ao faturamento e, portanto, incluem todos os estágios do processo produtivo. Como esse tipo de imposto implica tributação múltipla, ele conduz a uma excessiva verticalização da produção.” (SAMPAIO, 2004, p. 189)

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20    

encontra-se na base da maioria das reformas tributárias (vide Capítulo 16) bem sucedidas. (SAMPAIO, 2004, p. 190)

Essa lição, proveniente da doutrina econômica, já nos parece suficiente

para relativizar a noção de que a não-cumulatividade opera, necessariamente, via

concessão de créditos. De fato, ainda que a sistemática do crédito pago seja

classicamente utilizada no Brasil, isso não quer dizer, a nosso ver, que a aproximação

de uma tributação sobre o valor agregado, tal qual a utilizada pelo regime não-

cumulativo do PIS e da COFINS, não represente, em essência, uma sistemática não-

cumulativa.

Essa consideração não passou despercebida pela doutrina. Fernandes

(2013, p. 12-13) indica-nos ao menos quatro métodos de neutralidade tributária

aplicados internacionalmente: o Método Direto Subtrativo 14 , o Método Direto

Aditivo15, o Método de Crédito do Tributo – que, como visto, é o classicamente

escolhido pela legislação brasileira para operar a não-cumulatividade, e o Método

Indireto Subtrativo – através do qual se chega ao valor do tributo devido mediante a

aplicação da alíquota sobre o valor de compra e sobre o valor de venda, caso este,

justamente, o do PIS e da COFINS.

Dessa forma, para nós a não-cumulatividade opera em nosso sistema

jurídico via sistemática de transferência de créditos, como ocorre com o ICMS e com

o IPI, mas também a partir da apuração de créditos calculados com base em custos e

despesas vinculados à operação do contribuinte, como ocorre com o PIS e a COFINS,

sendo a diferença entre ambos uma questão não apenas de método, mas também de

amplitude16.

                                                                                                               14 Correspondente à aplicação da alíquota do tributo sobre a diferença entre a receita de vendas e as compras realizadas. 15  Aplicação da alíquota sobre os valores agregados pelo contribuinte, tais como insumos, mão-de-obra, despesas e margem de lucro. 16 “A constatação de uma distinção entre os focos aplicáveis à não-cumulatividade do IPI, do PIS e da COFINS revela desde logo que o valor constitucional (desoneração) será alcançado se, e somente se, a interpretação de custos, despesas e encargos creditáveis varias de acordo com a materialidade de cada tributo. (...) Mas a materialidade do PIS e da COFINS não é apenas a produção e a circulação de um determinado bem, mas sim a universalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, nos termos dos artigos 1o das Leis n. 10.637/02 e 10.833/03. Justamente por conta de ter esse critério material, diverso em relação ao IPI, é que o regime não cumulativo do PIS e da COFINS não pode ser o mesmo aplicado ao IPI” (BERGAMINI; PEIXOTO, 2011, p. 25).

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21    

Ou seja, enquanto os créditos de IPI e ICMS são vinculados17 ao valor

pago na operação anterior e em regra18 restritos àqueles bens que integram fisicamente

o bem ou produto vendido19, no PIS e na COFINS os créditos estão associados não ao

valor pago anteriormente, mas às alíquotas incidentes sobre a receita auferida pelo

contribuinte, abrangendo tanto os bens integrados nos produtos e serviços cuja receita

é tributada quanto outros custos necessários para o seu auferimento20.

                                                                                                               17 Ainda que, em relação ao ICMS, o critério do crédito físico tenha sido relativizado com a alteração do fato gerador do tributo pela Constituição Federal de 1988, conforme defendido por Ricardo Lobo Torres: “A adesão do sistema da não-cumulatividade ao regime de crédito físico afastou o tributo brasileiro do modelo europeu. Mas a CF 88 alterou substancialmente a definição do fato gerador do ICMS e, por consequência, o sistema de aproveitamentos dos créditos. O fato gerador, além das operações de circulação de mercadorias, entre estas compreendias também a energia elétrica, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País, passo a abranger ‘as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações ou prestações se iniciem no exterior’ (art. 155, II). Houve, assim, a necessidade de estender o direito à compensação aos créditos correspondentes às prestações de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Mesclou-se, sem a menor dúvida, o sistema do crédito físico com o do financeiro, este último consubstanciado no imposto pago nas operações anteriores de serviço, que fisicamente não se integram à mercadoria em processo de industrialização ou comercialização”. (TORRES, 2005, p. 60-61, grifo nosso). 18  Diz-se “em regra” pois, especialmente no ICMS, por vezes a concessão de créditos não possui qualquer vinculação ao consumo direto do bem ou serviço na atividade produtiva ou comercial, caso, por exemplo, dos créditos sobre o ativo imobilizado e mesmo sobre o serviço de transporte, autorizados expressamente pela legislação base do ICMS e replicados indistintamente pelas legislações dos Estados. 19 STF - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - RE 598048 AgR - 20/05/2014 RELATOR: Min. ROBERTO BARROSO - ÓRGÃO JULGADOR: Primeira Turma PUBLICAÇÃO: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-116 DIVULG 16-06-2014 PUBLIC 17-06-2014 - 17/06/2014 DATA DA DECISÃO: 20/05/2014 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPI. CREDITAMENTO. BENS DESTINADOS AO ATIVO FIXO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. O critério constitucional da não cumulatividade adota o regime do crédito físico. Assim, para que ocorra o lançamento escritural, os insumos devem integrar-se fisicamente ao processo de industrialização ou comercialização. Para que seja reconhecido o crédito na hipótese de que tratam os autos, na modalidade do regime financeiro, seria imprescindível previsão legal expressa nesse sentido. A legislação aplicável ao IPI não contempla a possibilidade de apropriação de créditos com relação às operações que envolvem o ativo permanente. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2014) 20 Nesse sentido, dispõe a Lei Federal 10.833/2003: Art. 3° Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: a) no inciso III do § 3º do art. 1º desta Lei; e b) nos §§ 1º e 1º-A do art. 2º desta Lei; II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI; III - energia elétrica e energia térmica, inclusive sob a forma de vapor, consumidas nos estabelecimentos da pessoa jurídica; IV - aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa;

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22    

Aprofundaremos sobre alguns desses aspectos mais à frente, quando

falarmos dos tributos em espécie. O que é importante ressalvar agora é que a não-

cumulatividade é bastante relevante para fins de planejamento de negócios com fins

tributários, seja porque na estruturação do planejamento a cadeia de créditos e débitos

deve necessariamente ser considerada, seja porque, como se verá, todo ele é por vezes

construído apenas para fazer valer o direito à fruição de um crédito decorrente da não-

cumulatividade.

Há outro aspecto dos tributos indiretos que é importante ressaltar, já que

acaba por refletir diretamente em planejamentos que os envolvem: o de que, por

vezes, o ganho tributário identificado em um tributo indireto deve ser repassado pelo

contribuinte à etapa subsequente da cadeia econômica.

Como veremos, essa não é uma regra absoluta, pois casos há em que o

ganho com a otimização fiscal pode sim ser “incorporado” pelo próprio contribuinte.

Todavia, se a principal característica do tributo indireto é o refletir no preço, é natural

que qualquer redução no encargo do ICMS, do IPI, do ISSQN e mesmo do PIS e da

COFINS deva ser sentido, efetivamente, pelo adquirente dos bens, produtos e

serviços.

Essa característica dos tributos indiretos pode ser exemplificada pela

análise de uma discussão bastante atual. Estamos nos referindo ao entendimento de

que o IPI não pode ser exigido do importador quando este for apenas um revendedor

do produto importado, isto é, quando sobre ele não realizar qualquer atividade de

industrialização, interpretação atualmente encampada pelo STJ21.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             V - valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES; VI - máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, adquiridos ou fabricados para locação a terceiros, ou para utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços; VII - edificações e benfeitorias em imóveis próprios ou de terceiros, utilizados nas atividades da empresa; VIII - bens recebidos em devolução cuja receita de venda tenha integrado faturamento do mês ou de mês anterior, e tributada conforme o disposto nesta Lei; IX - armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, nos casos dos incisos I e II, quando o ônus for suportado pelo vendedor; X - vale-transporte, vale-refeição ou vale-alimentação, fardamento ou uniforme fornecidos aos empregados por pessoa jurídica que explore as atividades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção; XI - bens incorporados ao ativo intangível, adquiridos para utilização na produção de bens destinados a venda ou na prestação de serviços. (BRASIL, 2003). 21  REsp 841269 / BA

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23    

Ora, se porventura um gestor tributário se debruçasse sobre o tema, não

poderia concluir de maneira automática que a discussão lhe seria vantajosa e que,

portanto, valeria o ingresso em juízo pleiteando a declaração de não-incidência do IPI.

Seria fundamental, para bem decidir, que analisasse o mercado de atuação da

companhia, que verificasse se os seus clientes são ou não industriais – i.e., se

precisam ou não do crédito do IPI –, se o seu foco é o mercado consumidor final ou

mesmo o varejo, e assim por diante.

Por exemplo, se o importador fornecer para pessoas jurídicas industriais22,

o fato de não mais tributar o IPI em sua operação de saídas não só não lhe traz

qualquer vantagem financeira (pois certamente o seu cliente exigiria o desconto do

imposto) como significará um efetivo acréscimo de preço, já que ao deixar de creditar

o IPI em sua operação de entrada23, o imposto acabaria compondo o custo de sua

operação de venda, refletindo, assim, em uma efetiva majoração de preço.

Por outro lado, se o cliente do importador for o consumidor final do bem,

ou mesmo um estabelecimento varejista que não se preocupa com o crédito de IPI

(incorporando-o, assim, ao custo de aquisição), a discussão faz todo o sentido, pois

que o desconto do IPI no preço possivelmente não será exigido – o que lhe permitirá

apropriar o ganho da redução da carga tributária e ainda praticar preços mais

competitivos – aliás, mesmo se o desconto lhe for solicitado, contará com um preço

muito competitivo, que poderá auxiliá-lo na conquista de uma maior fatia de mercado.

Portanto, esse aspecto da repercussão no preço deve ser recorrente em

planejamentos que envolvam tributos indiretos e os gestores de empresas devem

atentar-se cuidadosamente quanto aos efeitos econômicos efetivos que o plano

acarreta.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             RECURSO ESPECIAL 2006/0086086-7 EMPRESA IMPORTADORA. FATO GERADOR DO IPI. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. I - O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão. II - Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação. III - Recurso especial provido. 22 Para um cliente industrial, veja-se, como o IPI é recuperável, ele não integra o custo do produto, o que influi na percepção do preço líquido ou efetivo do bem adquirido. 23 Já que vinculada a uma operação subsequente não-tributada, o que implica, em tese, a obrigatoriedade de estorno do crédito, ex vi do parágrafo 1o do art. 251 do Decreto 7.212, conhecido como Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados – RIPI (BRASIL, 2012).

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24    

Outro ponto bastante relevante para nossos fins refere-se ao que se

denominou princípio24 da autonomia dos estabelecimentos. De fato, nos tributos

incidentes sobre operações, é regra que cada estabelecimento que se constitua em uma

unidade econômica autônoma deva ser considerado isoladamente para fins fiscais.

É justamente em razão do princípio de autonomia dos estabelecimentos

que as legislações do ICMS, IPI e ISSQN determinam que a apuração dos respectivos

tributos deve se dar “por estabelecimento” da pessoa jurídica que pratique o

respectivo fato gerador (na linguagem fiscal, que seja contribuinte do imposto),

fixando-se, para cada unidade empresarial, todo um específico controle dos elementos

influentes na tributação25.

Observe-se que a autonomia de estabelecimentos tem como pressuposto a

necessidade de controle das operações realizadas por unidade operacional da pessoa

jurídica, permitindo identificar com mais precisão (i) a concretização da não-

                                                                                                               24 Se considerarmos a atual importância e abrangência dos princípios jurídicos somos obrigados a concluir pela utilização indevida do termo no caso. De fato, a autonomia dos estabelecimentos constitui-se muito mais numa regra jurídica que num princípio. Todavia, optamos pela utilização do termo pelo seu uso corrente entre os profissionais que trabalham cotidianamente com os tributos indiretos. 25 Como exemplo temos a escrituração de livros de entrada, que permitem a identificação dos créditos decorrentes da não-cumulatividade; de livros de saída, para a identificação das operações tributadas praticadas; e de livros de apuração, que totalizam os elementos positivos (créditos) e negativos (débitos) para que se chegue ao saldo do tributo a pagar. Nesse sentido, assim dispõe o Regulamento do ICMS – RICMS (Decreto 45.5490/2000) do Estado de São Paulo: Art. 87. - Os estabelecimentos enquadrados no regime periódico de apuração, em relação às operações ou prestações efetuadas no período, apurarão (Lei 6.374/89, arts. 48, parágrafo único, e 49): I - no livro Registro de Saídas: a) o valor contábil total das operações ou prestações; b) o valor total da base de cálculo das operações ou prestações com débito do imposto e o valor total do respectivo imposto debitado; c) o valor fiscal total das operações ou prestações isentas ou não tributadas; d) o valor fiscal total de outras operações ou prestações sem débito do imposto; II - no livro Registro de Entradas: a) o valor contábil total das operações ou prestações; b) o valor total da base de cálculo das operações ou prestações com crédito do imposto e o valor total do respectivo imposto creditado; c) o valor fiscal total das operações ou prestações isentas ou não tributadas; d) o valor fiscal total de outras operações ou prestações sem crédito do imposto; III - no livro Registro de Apuração do ICMS, após os lançamentos de que tratam os incisos anteriores: a) o valor do débito do imposto, relativamente às operações de saída ou às prestações de serviço; b) o valor de outros débitos; c) o valor dos estornos de créditos; d) o valor total do débito do imposto; e) o valor do crédito do imposto, relativamente às entradas de mercadoria ou aos serviços tomados; f) o valor de outros créditos; g) o valor dos estornos de débitos; h) o valor total do crédito do imposto; i) o valor do saldo devedor, que corresponderá à diferença entre os valores mencionados nas alíneas "d" e "h"; j) o valor das deduções previstas pela legislação; l) o valor do imposto a recolher ou o valor do saldo credor a transportar para o período seguinte, que corresponderá à diferença entre os valores mencionados nas alíneas "h" e "d". § 1º - Salvo disposição em contrário, a apuração do imposto far-se-á mensalmente, no último dia do mês. § 2º - Os valores referidos no inciso III serão declarados ao fisco, conforme disposto nos artigos 253 a 258, observados, quanto ao imposto a recolher, os prazos a que se refere o artigo 112. § 3º - O regime de apuração previsto neste artigo poderá ser estendido, mediante requerimento, ao contribuinte não obrigado à escrituração fiscal que se comprometer a realizá-la e a observar as condições deste regulamento.

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25    

cumulatividade e (ii) o exercício da competência tributária atribuída aos entes

federativos periféricos (caso específico do ICMS e do ISSQN), além de (iii) trazer

evidentes vantagens em termos de controle e fiscalização (RIBEIRO, 2014)

Assim, além de facilitar, por parte do fisco, o controle do tributo incidente

sobre as operações realizadas pela pessoa jurídica, permite-se também, através da

regra de autonomia dos estabelecimentos, que cada ente federativo identifique o

tributo que lhe cabe regular e arrecadar – o que é muito importante quando falamos

em ICMS e ISS, que se sujeitam a intempéries próprias que decorrem do fato de

serem de competência dos Estados e Municípios, respectivamente.

Cabe ainda citar como característica relevante dos tributos indiretos a

existência de certos – e já citados - regimes especiais de concentração de incidência, a

exemplo da substituição tributária “para frente” do ICMS e do regime monofásico

aplicável a determinadas receitas tributadas pelo PIS e pela COFINS.

Vale ressaltar que ambos os regimes, tratados de forma mais detalhada

logo à frente, acabam por inverter a lógica da neutralidade26 tributária subjacente a

essas exações, ao transformá-las, do ponto de vista econômico, em tributos

“economicamente” monofásicos, já que o pressuposto da neutralidade é justamente a

existência da incidência do tributo em mais de uma etapa econômica.

Ora, como uma das principais consequências da neutralidade e de sua

principal ferramenta – a não-cumulatividade – é justamente evitar a tributação em

cascata e a integração vertical das sociedades empresariais (TORRES, 2005)27, não

estranha que regimes monofásicos e de substituição tributária “para frente” induzam

justamente a separação de atividades da pessoa jurídica em empresas distintas, caso

que será objeto de nossa atenção mais à frente.

                                                                                                               26 Interessante, neste sentido, a lição de Paulo Caliendo: “O princípio da neutralidade fiscal volta-se a encontrar a correta correlação entre a tributação e a busca pela prosperidade (eficiência). Trata-se aqui de encontrar a correta relação do contribuinte entendido como agente econômico e a esfera pública econômica (ordem econômica), permitindo identificar em que medida a tributação se insere no contexto econômico e social. O princípio da neutralidade fiscal volta-se aqui à promoção do sentido privado da tributação, como um valor essencial. (CALIENDO, 2005, p. 297) 27 “O princípio da neutralidade econômica do ICMS é importantíssimo. Significa, do ponto de vista da organização empresarial, que não favorece a integração vertical, com criar mecanismos que tornam desaconselháveis a união de empresas dedicadas a fases diferentes do processo de circulação e produção. Significa, também do ponto de vista do processo de circulação de riqueza, que não destorce a formação dos preços, pois, independentemente do número de operações, o imposto final será igual à multiplicação da alíquota pelo preço da última saída.” (TORRES, 2005, p. 333)

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26    

2.3. Os Tributos Indiretos “Em Espécie”

2.3.1. O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte

Intermunicipal e Interestadual e de Comunicação (ICMS)

O ICMS está dentre aqueles tributos classificados como indiretos e incide

(i) sobre operações mercantis de compra e venda, (ii) sobre a prestação de

determinados e específicos serviços (serviços de comunicação e serviços de transporte

intermunicipal e interestadual de transportes) e (iii) sobre a importação de bens e

serviços do exterior.

Os aspectos centrais da materialidade do imposto estão definidos, como

visto, no art. 15528 da Constituição Federal, que o atribui, para fins de divisão de

competência tributária, aos Estados, ainda que o produto de sua arrecadação deva ser

repartido também com os Municípios onde ocorridos os efetivos fatos geradores, por

força do disposto no art. 158, IV29 do texto constitucional.

O primeiro ponto a ser destacado em relação ao ICMS é que há grande

divergência de entendimento acerca do que configura a hipótese de incidência do

imposto. Por exemplo, para uma linha interpretativa ancorada nos dizeres da Lei

Complementar 87/96 e abraçada especialmente pelos fiscos estaduais, a materialidade

estaria na circulação física do bem, de forma que a mera saída do estabelecimento

revelaria o surgimento da obrigação tributária.

Esse não vem sendo, contudo, o entendimento de grande parte da doutrina

e mesmo do Poder Judiciário sobre o tema. De fato, o próprio STF enxerga como

necessária à incidência do imposto estadual não a mera circulação física da

                                                                                                               28  Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. (Brasil, 1988). 29  Art. 158. Pertencem aos Municípios: (...) IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. (Brasil, 1988)  

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27    

mercadoria, mas sim a sua circulação jurídica, entendida como operação que

promova a transferência de sua titularidade, in verbis:

STF - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº RE 765.486 - 13/05/2014 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE BEM ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO CONTRIBUINTE. AGREGAÇÃO DE VALOR À MERCADORIA OU SUA TRANSFORMAÇÃO. AUSÊNCIA DE EFETIVA TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE. INEXISTÊNCIA DE FATO GERADOR DO TRIBUTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - A mera saída física do bem para outro estabelecimento do mesmo titular, quando ausente efetiva transferência de sua titularidade, não configura operação de circulação sujeita à incidência do ICMS, ainda que ocorra agregação de valor à mercadoria ou sua transformação. II - Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2014)

A diferença de entendimentos é bastante importante. Ela implica

considerar que, para o Poder Judiciário, tudo aquilo que não configura a

transferência da titularidade jurídica do bem não pode ensejar, em relação ao ICMS,

o nascimento da obrigação tributária, contrariando a lógica fazendária segundo a

qual toda a circulação física de mercadorias, seja a que título for, enseja a cobrança do

imposto – nesse caso, para que não haja incidência, deve existir uma previsão legal

explicita que a afaste no caso específico, tal como ocorre, por exemplo, nas saídas

com destino a depósitos ou mesmo a armazéns gerais30.

Essas considerações acabam por refletir também na temática do

planejamento de negócios que reflitam na carga tributária. Muitas vezes, na análise do

impacto fiscal de uma operação incluída em um contexto de planejamento, pondera-se

a utilização de um e de outro critério, não sendo raro identificar-se, por exemplo, um                                                                                                                30 Nesse sentido dispõe a Lei 6.374/89, do Estado São Paulo: Art. 4° O imposto não incide sobre: I - a saída de mercadoria com destino a armazém geral situado neste Estado, para depósito em nome do remetente; II - a saída de mercadoria com destino a depósito fechado do próprio contribuinte localizado neste Estado; III - a saída de mercadoria dos estabelecimentos referidos nos incisos I e II em retorno ao estabelecimento depositante; IV - a saída de mercadoria, pertencente a terceiro, de estabelecimento de empresa de transporte ou de depósito, por conta e ordem desta, ressalvada a aplicação do disposto no inciso X do artigo 2º; V - a saída e o correspondente retorno, promovidos por pessoa jurídica indicada no inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal, de equipamentos e materiais utilizados exclusivamente nas operações vinculadas às suas atividades ou finalidades essenciais; VI - a saída de bem do ativo permanente; VII - a saída com destino a outro estabelecimento do mesmo titular de material de uso ou consumo; VIII - a saída de máquinas, equipamentos, ferramentas ou objetos de uso do contribuinte, bem como de suas partes e peças, com destino a outro estabelecimento para lubrificação, limpeza, revisão, conserto, restauração ou recondicionamento ou em razão de empréstimo ou locação, desde que os referidos bens voltem ao estabelecimento de origem; IX - a saída, em retorno ao estabelecimento de origem, de bem mencionado no inciso anterior, ressalvadas as hipóteses de fornecimento de mercadoria previstas no inciso III do artigo 2º. (São Paulo, 1989).

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28    

desenho que considere uma operação de transferência na qual, por força de decisão

judicial, não haja a incidência do ICMS31.

Também o fato de ser um tributo de competência estadual é bastante

relevante para o tema de nosso trabalho, uma vez que é justamente essa a raiz da

chamada guerra fiscal, como ficou conhecida a criação, pelos Estados, de políticas

fiscais estabelecidas unilateralmente para fins de atração de investimentos

empresariais.

Realmente, atribuir um tributo de vocação nacional aos Estados traz

inúmeras consequências econômicas e – evidentemente – tributárias. Aliás, foi

exatamente por isso que a própria Constituição cuidou de atribuir ao ICMS

determinados critérios de linearização, caso notório das politicas de desoneração

tributária, que devem atender ao disposto em lei complementar32.

É precisamente esse o escopo da Lei Complementar no 24/75, que –

recepcionada nesse específico pela Constituição – estabelece a obrigatoriedade de que

isenções e benefícios fiscais sejam referendados pela unanimidade dos Estados e pelo

Distrito Federal33, implicando ilegalidade e inconstitucionalidade a concessão de

qualquer incentivo que não se enquadre nesta situação, como já decidido pelo STF, in

verbis: ADI 4635 MC-AgR-Ref / SP - SÃO PAULO ���REFERENDO NO AG.REG. NA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ��� Relator(a): Min. CELSO DE MELLO

                                                                                                               31 É o caso, por exemplo, de determinados planejamentos em que, para alcançar a neutralidade tributária prevista na legislação de um determinado estado da federação, no qual a sociedade tem estabelecimento comercial, ingressa-se com ação judicial na qual se pleiteia a declaração de não-incidência do imposto na transferência de mercadorias promovida por seu estabelecimento industrial estabelecido em outro estado. 32  Lei complementar essa, diga-se, que se constitui em diploma de carácter nacional, no sentido de obrigar indistintamente os entes federativos central (União Federal) e periféricos (Estados, Distrito Federal e Municípios). 33 Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei. (…) Art. 2º - Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal. § 1º - As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação. § 2º - A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. § 3º - Dentro de 10 (dez) dias, contados da data final da reunião a que se refere este artigo, a resolução nela adotada será publicada no Diário Oficial da União. (Grifo nosso)

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29    

Julgamento: 11/12/2014 Órgão Julgador: Tribunal Pleno E M E N T A: ICMS – “GUERRA FISCAL” – CONCESSÃO UNILATERAL DE ISENÇÕES, INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS – NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DA RESERVA CONSTITUCIONAL DE CONVÊNIO COMO PRESSUPOSTO LEGITIMADOR DA OUTORGA, PELO ESTADO-MEMBRO OU PELO DISTRITO FEDERAL, DE TAIS EXONERAÇÕES TRIBUTÁRIAS – PERFIL NACIONAL QUE QUALIFICA A ESTRUTURA JURÍDICO-NORMATIVA DO ICMS – A EXIGÊNCIA DE CONVÊNIO INTERGOVERNAMENTAL COMO LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DE EXONERAÇÃO FISCAL DO ESTADO-MEMBRO/DISTRITO FEDERAL EM TEMA DE ICMS – RECEPÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 24/75 PELA VIGENTE ORDEM CONSTITUCIONAL – O SIGNIFICADO DA IMPRESCINDIBILIDADE DO CONVÊNIO INTERESTADUAL NA OUTORGA DE ISENÇÕES, INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS REFERENTES AO ICMS – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – INSTITUIÇÃO, PELO ESTADO DE SÃO PAULO, DE REGIME DIFERENCIADO DE TRIBUTAÇÃO EM MATÉRIA DE ICMS QUE CULMINA POR INSTAURAR SITUAÇÃO DE APARENTE “COMPETIÇÃO FISCAL INCONSTITUCIONAL” LESIVA AO ESTADO DO AMAZONAS E A SEU POLO INDUSTRIAL – MEDIDAS QUE SE REFEREM À PRODUÇÃO DE “TABLETS” – POSSÍVEL TRANSGRESSÃO, PELOS DIPLOMAS NORMATIVOS PAULISTAS, AO ART. 152 DA CONSTITUIÇÃO, QUE CONSAGRA O “PRINCÍPIO DA NÃO-DIFERENCIAÇÃO TRIBUTÁRIA” – PRECEDENTE DO STF – MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ICMS – “GUERRA FISCAL” – CONCESSÃO UNILATERAL DE INCENTIVOS E BENEFÍCIOS DE ORDEM TRIBUTÁRIA – INADMISSIBILIDADE – NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA DE RESERVA CONSTITUCIONAL DE CONVÊNIO – A existência de convênios interestaduais celebrados em atenção e em respeito à cláusula da reserva constitucional de convênio, fundada no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição da República, traduz pressuposto essencial legitimador da válida concessão, por Estado-membro ou pelo Distrito Federal, de benefícios, incentivos ou exonerações fiscais em tema de ICMS. – Revela-se inconstitucional a concessão unilateral, por parte de Estado-membro ou do Distrito Federal, sem anterior convênio interestadual que a autorize, de quaisquer benefícios tributários referentes ao ICMS, tais como, exemplificativamente, (a) a outorga de isenções, (b) a redução de base de cálculo e/ou de alíquota, (c) a concessão de créditos presumidos, (d) a dispensa de obrigações acessórias, (e) o diferimento do prazo para pagamento e (f) o cancelamento de notificações fiscais. Precedentes. INCONSTITUCIONALIDADES NÃO SE COMPENSAM – A outorga unilateral, por determinado Estado-membro, de benefícios de ordem tributária em tema de ICMS não se qualifica, porque inconstitucional, como resposta legítima e juridicamente idônea à legislação de outro Estado-membro que também se revele impregnada do mesmo vício de inconstitucionalidade e que, por resultar de igual transgressão à cláusula constitucional da reserva de convênio, venha a provocar desequilíbrios concorrenciais entre referidas unidades federadas, assim causando gravame aos interesses do Estado-membro alegadamente prejudicado. É que situações de inconstitucionalidade, porque reveladoras de gravíssima transgressão à autoridade hierárquico-normativa da Constituição da República, não se compensam entre si. Precedente. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2014).

Acontece que a despeito dessa realidade normativa e jurisprudencial, na

ânsia de promover o seu crescimento econômico e social34, diversos Estados adotam

políticas de incentivos fiscais que, mesmo desamparados de aprovação pelo Conselho

Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), acabam por atrair empreendimentos

                                                                                                               34 Objetivo esse, reforce-se, abraçado pela Constituição Federal, como defendido por André Eali (2007).

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30    

empresariais e, pois, por inserir-se no bojo de planejamentos adotados para reduzir o

impacto do ICMS na operação comercial e/ou industrial praticada.

Outro ponto de extrema relevância diz com a instituição, por parte dos

Estados, dos já citados regimes de substituição tributária, em especial aqueles das

chamadas substituições tributárias “para frente”, autorizada expressamente pelo

parágrafo 7o do art. 150 da Constituição Federal. Como o próprio nome sugere, a

substituição tributária é caso da atribuição da responsabilidade do recolhimento do

tributo a terceiro 35 , mas para bem entendê-la no âmbito do ICMS algumas

considerações adicionais se fazem necessárias.

Ocorre que, como já visto, o ICMS é tributo plurifásico e não-cumulativo,

de sorte que o ônus tributário deve recair para o adquirente do bem ou serviço

tributado, sendo possível antever, por meio da operacionalização da sistemática de

débitos e créditos, que o imposto onere, essencialmente, o consumidor final36.

Foi justamente essa característica específica que foi capturada pelas

administrações tributárias, sendo incorporada pelo legislador através da

implementação de sistema que substituía, para fins de recolhimento do imposto, a

“incidência plurifásica” e “em cadeia” pela concentração dessas múltiplas

incidências em um único “momento” da cadeia econômica, especificamente, no caso

da substituição tributária para frente, o primeiro dos seus elos operacionais, i.e., a

operação de saída (=venda) promovida pelo industrial ou pelo importador37.

                                                                                                               35 Como se sabe, o CTN, em seu art. 121, estabelece que dois são os possíveis obrigados a realizar o cumprimento da obrigação tributária: (i) o contribuinte, que é aquele que detém relação pessoal e direta com o “fato gerador”(aquela pessoa, natural ou jurídica, que realiza a hipótese de incidência) e (ii) o responsável tributário, que aquele que mesmo sem essa relação pessoal e direta com o fato gerador, acaba sendo obrigado ao recolhimento do tributo por conta de uma disposição legal expressa. 36  O que justamente lhe dá a pecha de imposto sobre o consumo, na medida em que a carga fiscal vai sendo transferida ao longo da cadeia produtiva e comercial e desemboca, obrigatoriamente, no consumidor final dos produtos e serviços tributados. 37 Nesse sentido, assevere-se que além da substituição tributária para frente, que concentra no primeiro dos elos econômicos a incidência do imposto sobre todas as operações posteriores, há também a substituição tributária para trás, também conhecida como diferimento do ICMS, na qual um dos elos econômicos posteriores é eleito como responsável pelo recolhimento do ICMS devido pela operação anterior nos moldes do determinado pelo art. 427 do Regulamento do ICMS no Estado de São Paulo, in verbis: Art. 427. - A sujeição passiva por substituição com responsabilidade pelo imposto relativo a operações anteriores se efetiva nas seguintes hipóteses, devendo o lançamento ser efetuado pelo estabelecimento em que ocorrer (Lei 6.374/89, art. 8º, § 10, na redação da Lei 9.176/95, art. 1º, I): I - a saída de mercadoria com destino a consumidor ou usuário final ou, ainda, a pessoa de direito público ou privado não-contribuinte; II - a saída de mercadoria ou prestação de serviço, amparada por não-incidência ou isenção; III - a saída ou qualquer evento que impossibilitar a ocorrência das operações ou das prestações indicadas neste Livro. (São Paulo, 2000)

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31    

Observe-se, por evidente, que todos esses regimes foram construídos em

prol das administrações tributárias, que, entre outros benefícios, precisam fiscalizar o

adequado cumprimento das obrigações tributárias principais apenas dos

estabelecimentos industriais ou importadores, relativizando-se a importância, ao

menos do ponto de vista arrecadatório, dos estabelecimentos atacadistas e varejistas

desses bens38.

Todavia, como veremos detalhadamente mais à frente, também para o

planejamento dos negócios das empresas essa técnica arrecadatória mostrou-se

extremamente relevante, tendo a substituição tributária para frente inaugurado ou

mesmo reforçado o interesse de diversos grupos empresariais industriais de atuarem

também na comercialização de referidos bens, na medida em que toda a margem de

lucro auferida na distribuição passava a não ser capturada pela incidência do ICMS.

Por fim, cabe falarmos um pouco mais sobre a operacionalização do

princípio da não-cumulatividade no ICMS. Dispõe o inciso II do parágrafo § 2º do art.

15539 da Constituição Federal que a não-cumulatividade no ICMS opera mediante o

sistema de transferência créditos, de forma que o imposto pago na operação anterior

seja compensado com o devido na operação (de venda ou de prestação de serviço)

subsequente.

Aliás, sobre o crédito de ICMS faz-se importante consignar que apenas

aquelas operações estritamente ligadas à operação de saída concedem o direito de

creditamento - como a aquisição de bens para revenda em operações puramente

                                                                                                               38 Nesse sentido, parece consenso que a principal função dos mecanismos de substituição tributária para frente seja mesmo facilitar a fiscalização, tanto que o instituto foi originalmente aplicado em cadeias econômicas problemáticas do ponto de vista arrecadatório, tal como os segmentos de combustível ou automotivo. Todavia, o que era para ser um regime jurídico excepcional vem aos poucos transformando-se em política arrecadatória geral, alargando-se a substituição tributária “para frente” para diversos segmentos da economia, tudo em prol da facilidade de fiscalização (e consequente simplificação de procedimentos), e também de outros benefícios mensuráveis para a administração, e exemplo de uma antecipação de recursos para o Estado (que recebe de uma só vez e em muitos casos antes que se complete o ciclo de operações do bem ou produto) e até mesmo de um efetivo de receitas, especialmente quando as margens de valor agregado sejam superiores às praticadas pelos agentes econômicos. 39  “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; (...)” (BRASIL, 1988).

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32    

comerciais, ou como a aquisição de insumos para aplicação em processos industriais -

, ainda que a Lei Complementar 87/96 tenha permitido também o creditamento de

bens do ativo imobilizado e à aquisição de serviços de transporte – e que ele é

relativizado sempre que vinculado a operação de entrada ou saída isenta40 ou não

tributada, exceto nos casos exportação, ex vi do § 2.º do art. 155 da Constituição

Federal:

Art. 155 (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: (...) a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores (BRASIL, 1988)

2.3.2. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)

O IPI é tributo indireto incidente sobre (i) operações com produtos

industrializados, (ii) sobre a arrematação de produtos industrializados apreendidos ou

abandonados e (iii) sobre a importação de produtos industrializados no exterior41.

                                                                                                               40  STF - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - RE 412336 AgR / RS - 23/03/2010 – 2a Turma Espécie: AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ICMS. SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL OU INTERESTADUAL. CUMULATIVIDADE. REGIME OPCIONAL DE APURAÇÃO DO VALOR DEVIDO. VANTAGEM CONSISTENTE NA REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. CONTRAPARTIDA EVIDENCIADA PELA PROIBIÇÃO DO REGISTRO DE CRÉDITOS. IMPOSSIBILIDADE DA MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO SEM A PERMANÊNCIA DA CONTRAPARTIDA. ESTORNO APENAS PROPORCIONAL DOS CRÉDITOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Segundo orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, as figuras da redução da base de cálculo e da isenção parcial se equiparam. Portanto, ausente autorização específica, pode a autoridade fiscal proibir o registro de créditos de ICMS proporcional ao valor exonerado (art. 155, § 2º, II, b da Constituição). 2. Situação peculiar. Regime alternativo e opcional para apuração do tributo. Concessão de benefício condicionada ao não registro de créditos. Pretensão voltada à permanência do benefício, cumulado ao direito de registro de créditos proporcionais ao valor cobrado. Impossibilidade. Tratando-se de regime alternativo e facultativo de apuração do valor devido, não é possível manter o benefício sem a contrapartida esperada pelas autoridades fiscais, sob pena de extensão indevida do incentivo. Agravo regimental ao qual se nega provimento. Decisão: Negado provimento. Votação unânime. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Eros Grau. 2ª Turma, 23.03.2010. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2010). 41 Há também, na legislação de regência do imposto, hipóteses em que o imposto é devido por conta de uma presumida equiparação do estabelecimento a um estabelecimento industrial, como ocorre, por exemplo, nas situação da saída interna do bem importado promovida pelo importador, ou mesmo quando determinados estabelecimentos atacadistas possuem relação de interdependência com o estabelecimento industrial, caso, ex vi do art. 7o da Lei 7.789/89. Em todos essas casos, há

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33    

O primeiro ponto que merece destaque é saber o que caracteriza a

atividade industrial, a materialidade mesma do imposto. Há, na legislação42, menção a

cinco formas de caracterização do processo industrial: (i) a transformação, que, a

partir da alteração da constituição física de bens (insumos), resulta na obtenção de

espécie nova; (ii) a montagem, quando da reunião de partes e peças se obtém uma

espécie nova; (iii) o beneficiamento, representado pelo aperfeiçoamento de bens ou

produtos sem que se altere a sua substancia; (iv) o acondicionamento, que significa a

embalagem de apresentação de produtos já existentes, agregando-lhes valor

substancial; e, finalmente, (v) o recondicionamento ou a restauração de produtos

usados para sua recolocação no mercado.

Há, entretanto, muitos casos de conflito de competência entre o IPI e

ISSQN. Isso acontece, por exemplo, nas chamadas operações de industrialização por

encomenda, quando bens são remetidos para o industrial para que este promova a sua

transformação ou mesmo o seu beneficiamento.

Grande parte da doutrina vem defendendo que, nesses casos, o tributo

incidente seria mesmo o ISSQN, e isso não apenas porque decorrente de disposição

expressa da Lei Complementar 116/03 43 , mas pelo fato de a industrialização

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             questionamento consistente sobre a possibilidade de incidência válida do IPI, na medida em que o imposto deveria incidir apenas sobre produtos que tenham sido de fato industrializados pelo contribuinte, como parece decorrer da construção da hipótese de incidência do imposto na Lei 4.502/64 (e mesmo no Código Tributário Nacional). 42 Nesse sentido, dispõe o RIPI: Art. 4° Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei 5.172, de 1966, art. 46, parágrafo único, e Lei 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único): I - a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação); II - a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento); III - a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem); IV - a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento); ou V - a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento). Parágrafo único. São irrelevantes, para caracterizar a operação como industrialização, o processo utilizado para obtenção do produto e a localização e condições das instalações ou equipamentos empregados. (BRASIL, 2010) 43 Assim dispõe a Lista de Serviços trazidas pela Lei Complementar 116/2003: 14.05 - Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer. (BRASIL, 2003). É interessante notar que o item 14.05 nada diz sobre o processo de fabricação por encomenda, que, como visto, consiste na obtenção de espécie nova., ou seja, o dispositivo poderia justificar, quando muito, o beneficiamento, acondicionamento e recondicionamento, é dizer, todos eles processos realizados sobre bens já existentes e que não alteram

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34    

encomendada significar a preponderância de uma obrigação de fazer, caracterizando,

portanto, a prestação de serviço, o que é referendando pelo Superior Tribunal de

Justiça (STJ)44.

Contudo, ignorar o papel do bem industrializado por terceiro na cadeia

econômica parece um estrondoso equívoco. Realmente, a caracterização da

industrialização por encomenda como serviço, demanda, a nosso ver, a análise da

finalidade do bem “industrializado” para o contratante e a sua posição na cadeia

econômica, de forma que no caso desse bem ser utilizado para posterior venda ou

industrialização, a incidência do IPI (e do ICMS) nos parece mais adequada45.

Andou bem o STF, portanto, quando entendeu que, em relação a serviços

gráficos em embalagens, haveria de se considerar o papel do bem no ciclo produtivo

para a definição do tributo incidente, in verbis:

Para o aparente conflito entre o ISS e o ICMS nos serviços gráficos, nenhuma qualidade intrínseca da produção de embalagens resolverá o impasse. A solução está no papel que essa atividade tem no ciclo produtivo. Conforme se depreende dos autos, as embalagens têm função técnica na industrialização, ao permitirem a conservação das propriedades físico-químicas dos produtos, bem como o transporte, o manuseio e o armazenamento dos produtos. Por força da legislação, tais embalagens podem ainda exibir informações relevantes aos consumidores e a quaisquer pessoas que com elas terão contato. Trata-se de típico insumo. Neste momento de juízo inicial, tenho como densamente plausível a caracterização desse tipo de atividade como circulação de mercadorias (“venda”), ainda que fabricadas as embalagens de acordo com especificações do cliente, e não como a contratação de serviço. Aliás, a ênfase na encomenda da industrialização parece-me insuficiente para contrariar a tese oposta. Diante da sempre crescente complexidade técnica das atividades econômicas e da legislação regulatória, não é razoável esperar que todos os tipos de invólucro sejam produzidos de antemão e postos, indistintamente, à disposição das partes interessadas para eventual aquisição. Nem é adequado pretender que as atividades

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             suas características fundamentais. 44  Superior Tribunal de Justiça - STJ - T1 - PRIMEIRA TURMA AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.361.444 RS(2010/0186344-0) RELATOR: Ministro SÉRGIO KUKINA (1155) EMENTA: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. "INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA". PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. INCIDÊNCIA DE ISS. PRECEDENTES. 1. As Turmas de Direito Público desta Corte têm entendimento consolidado no sentido de que a "industrialização por encomenda" caracteriza prestação de serviço sujeita à incidência de ISS, e não de ICMS. Precedentes: AgRg no Ag 1369818/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 11/03/2013 e AgRg no AREsp 328.624/ES, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/09/2013, DJe 25/09/2013) 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2013). 45 Nesse sentido a doutrina de Hugo de Brito (BRITO, 2006)

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35    

econômicas passem a ser verticalizadas, de modo a levar os agentes de mercado a absorver todas as etapas do ciclo produtivo. Assim, não há como equiparar a produção gráfica personalizada e encomendada para uso pontual, pessoal ou empresarial, e a produção personalizada e encomendada para fazer parte de complexo processo produtivo destinado a por bens em comércio (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2014).

Constata-se, assim, mais uma vez, que as características especiais dos

tributos indiretos revelam a necessidade de uma análise minuciosa para o exato

entendimento das consequências econômicas na “escolha” entre um tributo e outro.

Nesse sentido, embora o ISSQN tenha uma alíquota de incidência em regra menor

que a do ICMS e, em muitos casos, que a do próprio IPI, o fato de o produto resultado

da industrialização encomendada ser destinado à comercialização ou a um novo

processo industrial indica que esses tributos são muito mais eficazes, em termos de

neutralidade tributária, do que o ISSQN, uma vez que ambos, ao contrário do

imposto municipal, são recuperáveis pelo adquirente – não compondo, portanto, o seu

custo de aquisição46.

Outro ponto importante a ser citado em relação ao IPI é que o seu

contribuinte é, em regra, o estabelecimento industrial, o que implica desonerar a

cadeia comercial e, portanto, concentrar a sua incidência sobre a primeira operação

de circulação jurídica do bem industrializado.

Essa característica de incidir sobre a primeira operação de circulação

jurídica do bem industrializado sempre foi bastante relevante para fins tributários,

existindo diversos planejamentos tributários que buscam diminuir o ônus do imposto

através de operação de vendas a empresas ligadas (a exemplo das empresas de

distribuição que já citamos anteriormente), o que exigiu tratamento legal específico e

a edição de regras de cunho evidentemente antielisivo.

É o caso, por exemplo, do estabelecimento dos chamados valores mínimos

de transação, vale dizer, de normas que criam, em determinadas operações entre

                                                                                                               46 Nesse sentido, o art. 289 do Decreto 3.000/1999, vulgarmente conhecido como Regulamento do Imposto de Renda (RIR): “Art. 289. O custo das mercadorias revendidas e das matérias-primas utilizadas será determinado com base em registro permanente de estoques ou no valor dos estoques existentes, de acordo com o Livro de Inventário, no fim do período de apuração § 1º O custo de aquisição de mercadorias destinadas à revenda compreenderá os de transporte e seguro até o estabelecimento do contribuinte e os tributos devidos na aquisição ou importação § 2º Os gastos com desembaraço aduaneiro integram o custo de aquisição. § 3º Não se incluem no custo os impostos recuperáveis através de créditos na escrita fiscal.” (BRASIL, 1999).  

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36    

sociedades que tenham relação de interdependência47, uma base de cálculo mínima

para a incidência do imposto, ex vi do disposto no art. 15 da Lei 4.502/64, in verbis:

Art . 15. o valor tributável não poderá ser inferior: I - ao preço corrente no mercado atacadista da praça do remetente, quando o produto fôr remetido a outro estabelecimento da mesma pessoa jurídica ou a estabelecimento de terceiro incluído no artigo 42 e seu parágrafo único; II - a 90% (noventa por cento) do preço de venda aos consumidores, não inferior ao previsto no inciso anterior, quando o produto for remetido a outro estabelecimento da mesma empresa, desde que o destinatário opere exclusivamente na venda a varejo; III - ao custo do produto, acrescido das margens de lucro normal da empresa fabricante e do revendedor e, ainda, das demais parcelas que deverão ser adicionadas ao preço da operação, no caso de produtos saídos do estabelecimento industrial, ou do que lhe seja equiparado, com destino a comerciante autônomo, ambulante ou não, para venda direta a consumidor. (BRASIL, 1964).

Observe-se que a existência de normas desse jaez acaba por tornar

despiciente a discussão sobre eficácia de determinados planejamentos que envolvem

o IPI, deslocando a discussão da possibilidade da livre organização econômica para

o campo do adequado cumprimento de norma cogente acerca do imposto.

Em relação à não-cumulatividade, afirme-se, que, a exemplo do ICMS, a

sistemática no IPI opera via transferência de créditos, e que, também como ocorre

com o imposto estadual, o critério básico para o creditamento é a estrita vinculação do

bem ao processo industrial (crédito físico).

                                                                                                               47  O Decreto 7.212/2010 assim define o que sejam firmas interdependentes: Art. 612. Considerar-se-ão interdependentes duas firmas: I - quando uma delas tiver participação na outra de quinze por cento ou mais do capital social, por si, seus sócios ou acionistas, bem como por intermédio de parentes destes até o segundo grau e respectivos cônjuges, se a participação societária for de pessoa física (Lei 4.502, de 1964, art. 42, inciso I, e Lei 7.798, de 1989, art. 9º); II - quando, de ambas, uma mesma pessoa fizer parte, na qualidade de diretor, ou sócio com funções de gerência, ainda que exercidas sob outra denominação (Lei 4.502, de 1964, art. 42, inciso II); III - quando uma tiver vendido ou consignado à outra, no ano anterior, mais de vinte por cento no caso de distribuição com exclusividade em determinada área do território nacional, e mais de cinquenta por cento, nos demais casos, do volume das vendas dos produtos tributados, de sua fabricação ou importação (Lei 4.502, de 1964, art. 42, inciso III); IV - quando uma delas, por qualquer forma ou título, for a única adquirente, de um ou de mais de um dos produtos industrializados ou importados pela outra, ainda quando a exclusividade se refira à padronagem, marca ou tipo do produto (Lei 4.502, de 1964, art. 42, parágrafo único, inciso I); ou V - quando uma vender à outra, mediante contrato de participação ou ajuste semelhante, produto tributado que tenha fabricado ou importado (Lei 4.502, de 1964, art. 42, parágrafo único, inciso II). Parágrafo único. Não caracteriza a interdependência referida nos incisos III e IV a venda de matérias-primas e produtos intermediários, destinados exclusivamente à industrialização de produtos do comprador. (BRASIL, 2010)

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37    

Cabe, ainda, uma observação adicional em relação à não-cumulatividade

no IPI. É que, diversamente do que ocorre com o ICMS, não há na Constituição

Federal qualquer restrição explícita quanto à vedação de créditos vinculados a

operações imunes, não-tributadas ou isentas, o que levou a doutrina a defender

veementemente que, mesmo nas hipóteses em que a aquisição dos insumos 48

industriais fosse “desonerada”, haveria, para preservação da neutralidade tributária

objetivada pela sistemática não-cumulativa, o direito de crédito.

Ou seja, defendeu-se que, mesmo quando a aquisição da matérias-primas,

produtos intermediários e materiais de embalagem não fossem, por qualquer razão,

objeto do imposto, ainda assim o adquirente teria um direito de crédito equivalente ao

da alíquota dos produtos resultantes do processo industrial, pois, do contrário, o

industrial adquirente acabaria “pagando”49 pelo imposto desonerado na etapa anterior.

A questão, contudo, foi resolvida pelo STF de maneira desfavorável aos

contribuintes50, tendo este tribunal entendido ser requisito para o creditamento do IPI

                                                                                                               48 O termo insumo, para o IPI, sempre foi tido como correspondente à matéria-prima, matérias intermediários e material de embalagem. Nesse sentido, inclusive, é o que dispõe o art. 226 do RIPI. É interessante observar, contudo, que a norma base que sempre deu amparo a esse entendimento, o art. 25 do Lei 4.502/64, só em sua redação original trazia referência a matéria-prima, matérias intermediários e material de embalagem, referindo-se atualmente apenas a bens empregados no processo de industrialização. 49 Para explicitar essa conclusão, vale lançarmos mão de exemplos numéricos. Imaginemos, inicialmente, uma cadeia “plenamente tributada”, em que não haja qualquer regra de isenção, imunidade ou afins, e que seja tributada sob uma alíquota uniforme de 10%. Em casos tais, e imaginando a existência de três etapas industriais necessárias para a confecção de um determinado produto final, teríamos o seguinte cenário: - Venda do insumo para o Industrial 01 – R$ 100,00 – IPI =R$ 10,00 - Venda do produto do industrial 01 para o industrial 02 – 150,00 – IPI = R$ 5,00 (R$ 15,00 débito – R$ 10,00 crédito op. anterior) - Venda do Industrial 02 para um estabelecimento atacadista = R$ 200,00 – IPI R$ 5,00 (R$ 20,00 débito – R$ 5,00 crédito op. anterior) Total do encargo do IPI na cadeia = R$ 20,00 (R$ 10,00 + R$ 5,00 + R$ 5,00). Imaginemos, agora, uma cadeia similar (três etapas industriais), mas em que um delas (digamos, a segunda etapa), sujeita-se a regra de isenção. Nesse caso, o cenário seria o seguinte: - Venda do insumo para o Industrial 01 – R$ 100,00 – IPI =R$ 10,00 - Venda do produto do industrial 01 para o industrial 02 – 150,00 – IPI = R$ 0,00 (em virtude da regra de isenção) - Venda do Industrial 02 para um estabelecimento atacadista = R$ 200,00 – IPI R$ 20,00 (R$ 20,00 débito – R$ 0,00 crédito op. anterior). Total do encargo do IPI na cadeia = R$ 30,00 (R$ 10,00 + R$ 0,00 + R$ 20,00). Veja-se que, no caso da cadeia isenta, o recolhimento efetivo do IPI foi superior (R$ 30,00 contra R$ 20,00), o que acaba subvertendo toda a lógica do “benefício” da isenção. 50  STF - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - RE 503567 AgR - 01/04/2014 EMENTA: IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI - DIREITO A CRÉDITO - INSUMOS ISENTOS, NÃO TRIBUTADOS E SUJEITOS À ALÍQUOTA ZERO - INVIABILIDADE - PRECEDENTES DO PLENÁRIO - DESPROVIMENTO DO AGRAVO DA CONTRIBUINTE. O Pleno, apreciando os Recursos Extraordinários nºs 353.657-5/PR e 370.682-9/SC, concluiu pela

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38    

que a aquisição dos insumos seja gravada por alíquotas positivas do imposto - e que o

crédito deve se dar no exato valor destacado nos documentos fiscais de aquisição.

Aliás, o STF foi além, estabelecendo também que, mesmo nos casos em

que o IPI esteja destacado no documento de aquisição, não haveria de se falar no

direito à manutenção do crédito 51 se o bem adquirido fossem empregado na

industrialização de produto não-tributado, imune ou isento, o que seria possível, em

relação a bens sujeitos à isenção ou à regra de alíquota-zero52, o que só veio a ser

permitido por conta da previsão expressa constante na Lei 9.779/199953.

2.3.3. O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN)

O ISSQN, segundo afirmamos anteriormente, pode ser classificado como

tributo indireto, incidindo (i) sobre a prestação onerosa de serviços a terceiros54 e

também (ii) sobre a importação de serviços do exterior55. Trata-se de um imposto que

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             inviabilidade de o contribuinte creditar-se, a título de IPI, na aquisição de insumos isentos, não tributados e sujeitos à alíquota zero. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2014) 51 Observe-se que a discussão sobre o direito ao crédito presumido do imposto difere em muito do direito à manutenção de créditos. De fato, no caso dos chamados créditos presumidos, o ponto é permitir o crédito numa operação de entrada “desonerada”, ao passo que nos casos em que se discute a manutenção do direito creditório, o que ocorre é justamente o contrário: há imposto destacado na entrada, mas não há imposto na saída. 52  STF - AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - AI 685826 AgR - 18/10/2011 EMENTA: Agravo regimental no agravo de instrumento. IPI. Princípio da Não Cumulatividade. Produto final isento ou sujeito à alíquota zero, matéria pacificada. Precedentes. Alegação de conexão. Inovação recursal. 1. Nos precedentes do Pleno desta Corte, consubstanciados no RE nº 562.980/SC e no RE nº 475.551/PR, assentou-se que o não creditamento do IPI pago na aquisição de insumos tributados, utilizados em processo produtivo, cujo produto final goza de isenção ou alíquota zero, em período anterior à Lei nº 9.779/99, não ofende o princípio da não cumulatividade previsto no art. 153, § 3º, II, da Constituição Federal. 2. Inovação recursal quanto à alegação de conexão. Questão não passível de apreciação. 3. Agravo regimental não provido. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2011) 53  Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei 9.430, de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal - SRF, do Ministério da Fazenda. (BRASIL, 1999) 54 Barreto (2005, p. 294) assim se pronuncia sobre a impossibilidade de prestação de serviço “a si próprio”: “Prestar serviço, por sua vez, indica, na técnica jurídica, atividade em proveito alheiro. É que a prestação de atividade em benefício próprio não exterioriza nem riqueza, nem capacidade contributiva. E, como visto, a Constituição só arrolou arquétipos evidenciadores de riqueza. É incompatível com a estrutura sistêmica constitucional a tributação dessas categorias de eventos. Juridicamente, não há prestação de serviço em proveito próprio. Só é reconhecida como tal a prestação que tenha conteúdo econômico mensurável, o que só pode dar quando o esforço seja produzido por outrem. Não há serviço para si mesmo: isto seria inaceitável contradictio in terminis.” 55 Para boa parte da doutrina, a tributação dos serviços importados do exterior pelo ISSQN é inconstitucional. Esse é o entendimento de Sergio André R. G. da Silva: “4.2.Para que dê nascimento a

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39    

demanda a existência de negócio jurídico próprio e específico: o contrato de serviço, a

estabelecer relação jurídica entre tomador e prestador em torno de um determinado

objeto (o serviço) e mediante a cobrança de determinada remuneração56.

Algumas das características do ISSQN são bastante relevantes quando se

fala em planejamento de negócios com efeitos tributários, destacando-se (i) a

problemática das chamadas atividades mistas e também (ii) o fato de se tratar de

imposto de competência municipal, o que acaba por ensejar, também aqui, a

existência de uma guerra fiscal.

De fato, em muitos casos, a atividade econômica realizada acaba

revelando a existência de uma conjugação de atividades comercial/industrial e de

serviços, ficando por vezes difícil identificar qual delas deve preponderar para fins

fiscais – e mesmo se é possível segregá-las para fins de tributação do ISSQN e do

IPI/ICMS.

A questão não passou à margem da legislação. Nesse sentido,

“consolidaram-se”, pela conjugação de normas dispostas nas Leis Complementares

116/03 e 87/96, as seguintes regras jurídicas:

(i) Estando o serviço previsto na lista de serviço da Lei Complementar no 116/03

sem qualquer ressalva da incidência do ICMS, falar-se-ia, unicamente,

na incidência do ISSQN;

(ii) Estando o serviço previsto na Lei Complementar no 116/03, porém havendo

ressalva sobre a incidência parcial do ICMS, haveria incidência

“concomitante”57 do ISSQN e do ICMS, cada qual sobre a parcela

previamente definida como autônoma para fins de incidência desses

impostos – tal como ocorre, por exemplo, na atividade de conserto, que

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             dever jurídico tributário, a atividade de prestação de serviços deve se desenvolver no âmbito dos limites territoriais de um Município brasileiro (...) na ausência de previsão constitucional específica autorizando a cobrança do ISS não sobre a atividade de prestar serviço, mas sim sobre a operação de importa-lo, não se afigura possível a previsão da incidência do referido imposto sobre operações em que o serviço tenha sido prestado, integralmente, no exterior. (SILVA, 2004, p. 95) 56 “O que parece correto afirmar é que a incidência do ISS pressupõe, inafastavelmente, remuneração e, em alguns casos, a perseguição ao fim lucrativo. Inversamente, não pode haver a exigência do imposto quando não houver preço, por se tratar de ‘serviço’ gracioso, altruístico, desinteressado”. (BARRETO, 2005, p. 298). 57 Obviamente que essa concomitância é apenas aparente: por detrás dela, o que há, é a consideração, pelo legislador de duas operações juridicamente distintas presentes na mesma atividade-fim.

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40    

enseja a incidência do ISSQN sobre a mão-de-obra empregada e do ICMS

sobre as partes e peças aplicadas na operação.

Parece-nos evidente que o fundamento por trás dos critérios acima

estabelecidos, validados, diga-se, pelo STJ58, é justamente que eles são extraídos de

lei complementar, que, conforme disposição constitucional expressa, tem como um de

seus papéis no Sistema Tributário Nacional justamente o de eliminar potenciais

conflitos de competência59.

Todavia, as normas estabelecidas não resolvem completamente o

problema, especialmente porque as legislações estaduais costumam determinar, com

base na Lei Complementar 87/96, que serviços associados à comercialização de

mercadorias devem ser alcançados pelo ICMS, critério que agride a repartição de

competência caso adotado indiscriminadamente, já que qualquer regra que se crie

sobre o tema deve respeito, antes de qualquer coisa, à hipótese de incidência dos

referidos tributos.

Ou seja, se em uma determinada atividade se identificar a coexistência de

contratos de compra e venda de mercadorias e de prestação de serviço, é dizer, de

relações jurídicas distintas e autônomas, não se pode admitir a incidência integral seja

                                                                                                               58  EDcl no AgRg no AgRg no REsp 1168488/SP EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2009/0208094-0  TRIBUTÁRIO – ISSQN – OPERAÇÕES MISTAS – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO COM FORNECIMENTO DE MERCADORIAS – ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ADOTADA NO RESP 732.496/RS JULGADO NESTA CORTE – ATIVIDADES CONSTANTES NA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA À LEI COMPLEMENTAR N. 116/2003 ESTÃO SUJEITAS AO ISSQN, DESDE QUE NÃO CONSTE EXPRESSAMENTE A EXCEÇÃO, COMO É O CASO DOS AUTOS. 1. Os embargos declaratórios são cabíveis para a modificação do julgado que se apresenta omisso, contraditório ou obscuro, bem como para sanar possível erro material existente no julgado. 2. O critério adotado por esta Corte para definir os limites entre os campos de competência tributária de Estados e Municípios relativamente ao ICMS e ISSQN, seguindo orientação traçada no Supremo Tribunal Federal, é o de que nas operações mistas há que se verificar a atividade da empresa, se esta estiver sujeita à lista do ISSQN o imposto a ser pago é o ISSQN, inclusive sobre as mercadorias envolvidas, com a exclusão do ICMS sobre elas, a não ser que conste expressamente da lista a exceção, como é o caso dos autos. 3. Na atividade de manutenção de elevadores (item 14.01 da Lista Anexa à LC n. 116/2003) consta, expressamente, que os materiais empregados ficam sujeitos ao ICMS. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para dar provimento ao agravo regimental e negar provimento ao recurso especial. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2009) 59 Assim dispõe o art. 146, I, da Constituição Federal: Art. 146. Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (BRASIL, 1988).

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do ICMS, seja do ISSQN, já que se estaria ferindo a própria divisão de competências

estabelecida pela Constituição Federal.

Aprofundaremos mais sobre o tema oportunamente, quando tratarmos dos

casos de planejamento com tributos indiretos.

Indo agora à questão da guerra fiscal entre Municípios, cabe atestar que se

trata de fator propulsor de inúmeros planejamentos e reorganizações societárias e

empresariais. Afinal, sendo o ISSQN um tributo de natureza municipal, e tendo como

um dos principais critérios de definição da competência para a cobrança e instituição

do imposto a localização do estabelecimento prestador, diversas municipalidades têm

utilizado como elemento de atração de empreendimentos a concessão de regime fiscal

menos gravoso, seja por meio da cobrança de alíquotas menores, seja por meio de

isenções ou reduções de base de cálculo que impliquem na efetiva desoneração do

ônus tributário60.

A questão, bem se sabe, não é simples, e envolve desde a configuração ou

não de simulação no caso prático até a correta interpretação de certas categorias

jurídicas relevantes – a exemplo do entendimento sobre o que seja o estabelecimento

prestador de serviços, permitindo também questionar, por exemplo, se a mudança de

endereço do estabelecimento empresarial poderia ser entendida como abuso de direito

caso a única ou maior razão da mudança seja a obtenção de economia tributária.

2.3.4. As Contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e para o

Financiamento da Seguridade Social (COFINS)

O primeiro ponto a se destacar no que tange ao PIS e à COFINS é que –

diferentemente do ICMS, do IPI e do ISS – esses tributos incidem (i) sobre a receita61

auferida pelas empresas e (ii) sobre a importação de bens e serviços (PIS –

Importação e COFINS – Importação). Esse aspecto (o de incidir sobre receitas

auferidas e não sobre operações) é bastante relevante no desenho institucional dessas

figuras tributárias, gerando reflexos também na operacionalização da não-

cumulatividade.                                                                                                                60  É de conhecimento geral que foram muitas as sociedades empresariais que passaram a prestar seus serviços em cidades vizinhas ao centro consumidor em busca de uma menor carga de ISSQN, caso notório das instituições financeiras. 61 Receita Bruta, no caso do regime cumulativo (vide Lei 9.718/98), e Receitas Totais, no caso do regime não-cumulativo (vide Leis 10.637/02 e 10.833/03).

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42    

Aliás, a não-cumulatividade do PIS e da COFINS já começa diferente

pelo seu fundamento constitucional. É que, segundo entendemos, a não-

cumulatividade prevista no texto constitucional (art. 195, § 9o da Constituição

Federal62) é cogente apenas no que se refere à vedação de cumulação entre o PIS e a

COFINS incidentes sobre receitas auferidas no mercado interno e o PIS-Importação e

a COFINS-Importação, de sorte que as regras trazidas pela Lei 10.637/02 e pela Lei

10.833/03 devem ser resolvidas, no que se refere à não-cumulatividade, apenas em

âmbito infraconstitucional.

Nesse sentido, defendendo a ausência de uma regra constitucional de não-

cumulatividade para o PIS e para a COFINS “sobre receitas”, vale citar a posição de

Mariz de Oliveira (2005, p. 34):

Ora, se o parágrafo 12 dissesse respeito à não-cumulatividade das contribuições por ele referidas, isoladamente consideradas, ele também seria aplicável isoladamente às contribuições sobre importações, as quais, contudo, são essencial e inevitavelmente monofásicas e de incidência única, dado que incidem sobre o fato isolado de cada importação, sem qualquer operação anterior em cadeia produtiva ou circulatória de uma coisa que pudesse gerar cumulatividade a ser excluída (não há importação de coisa anterior à importação da mesma coisa). (...) A segunda razão para que não se vislumbre no parágrafo 12 uma autorização constitucional da não-cumulatividade da COFINS e da contribuição ao PIS, isoladamente consideradas, mas sim a permissão para que sejam não cumulativas com a contribuição sobre importação de bens e serviços, consistente em que se trata de diferentes espécies tributárias.

Com isso não se quer dizer, obviamente, que os critérios de creditamento

instituídos pelas Leis 10.637 e 10.833 não careçam de reflexões de ordem sistemática.

Por exemplo, o termo insumo não deve ser visto no PIS e na COFINS assim como o é

no ICMS ou no IPI (i.e., como crédito físico), já que a materialidade da hipótese de

incidência dessas contribuições é de muito maior amplitude, o que deve gerar reflexos

nas regras de não-cumulatividade – a ponto de ser possível defender, por exemplo,

                                                                                                               62  Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (...) b) a receita ou o faturamento; (…) § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. (BRASIL, 1988)

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43    

que tudo o que concorra diretamente para a geração de receitas deveria, ao menos em

tese, outorgar o direito de crédito.63

Justamente por isso é que, a despeito da ausência de uma determinação

constitucional ampla para o PIS e para a COFINS incidentes sobre a receita auferida

no mercado interno, pode-se afirmar que as regras criadas pelas Leis 10.637/2002 e

10.833/2003 são as mais amplas no que se refere à neutralidade, prevendo-se o direito

creditório sobre uma grande gama de custos e despesas, que vai desde o já citado

insumo aplicado na industrialização de bens e serviços até a permissão para que se

tome créditos sobre aluguéis, arrendamentos mercantis, dentre outras despesas64.

                                                                                                               63 Em recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), assim se manifestou a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF): CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS CARF - Câmara Superior de Recursos Fiscais CSRF MATÉRIA: COFINS - ACÓRDÃO: 9303-003.069 Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins Período de apuração: 01/10/2005 a 31/12/2005 CONCEITO DE INSUMO. PIS E COFINS NÃO CUMULATIVOS. CREDITAMENTO. CRITÉRIOS PRÓPRIOS E NÃO DA LEGISLAÇÃO DO IPI OU DO IRPJ. A legislação do PIS e da COFINS não cumulativos estabelece critérios próprios para a conceituação de insumos para fins de creditamento. É um critério que se afasta da simples vinculação ao conceito do IPI, presente na IN SRF nº 247/2002, e que também não se aproxima do conceito de despesa necessária prevista na legislação do IRPJ. CONCEITO DE INSUMO. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA, SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA. LEIS Nº 10.637/2002 E 10.833/2003. CRITÉRIO RELACIONAL. ?Insumo? para fins de creditamento do PIS e da COFINS não cumulativos, partindo de uma interpretação histórica, sistemática e teleológica das próprias normas instituidoras de tais tributos (Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003), deve ser entendido como todo custo, despesa ou encargo comprovadamente incorrido na prestação de serviço ou na produção ou fabricação de bem ou produto que seja destinado à venda, e que tenha relação e vínculo com as receitas tributadas (critério relacional), dependendo, para sua identificação, das especificidades de cada processo produtivo. COFINS. CRÉDITO. RESSARCIMENTO. CUSTOS, DESPESAS E ENCARGOS VINCULADOS À RECEITA DE EXPORTAÇÃO. EMPRESA DE CELULOSE. São passíveis de ressarcimento os créditos de COFINS apurados em relação a custos, despesas e encargos vinculados à receita de exportação, inclusive os relativos à produção de matéria-prima usada na fabricação do produto exportado. No caso da recorrente, as despesas com a implantação, manutenção e exploração de florestas (ou produção de madeira) estão vinculadas ao produto exportado (celulose). A produção e a exportação de celulose somente é possível com a utilização de madeira na sua fabricação, sua principal matéria-prima. As despesas incorridas na obtenção de madeira empregada no processo produtivo (produção própria ou aquisição de terceiros) são custos ou despesas de produção e estão, inexoravelmente, vinculados à receita de exportação. EMPRESA DE CELULOSE. CRÉDITOS RECONHECIDOS. Tratando-se de uma empresa produtora de celulose, foram reconhecidos créditos com relação aos seguintes insumos: 1- Serviços Silviculturais; 2- Serviços Florestais Produção; 3- Outros Serviços Florestais, exceto os seguintes serviços, por não se enquadrarem no conceito de insumo: 3.1- Manutenção de Vias Permanentes; 3.2- Terraplanagem e Manutenção de Estradas; 3.3- Serviço de Pesquisa/Desenvolvimento/Planejamento/Controle Florestal. 4- Despesas com fertilizantes, formicida, Herbicida, Calcário, Vermiculita e outros insumos, e os respectivos fretes, combustíveis e lubrificantes, utilizados na produção de madeira usada como matéria-prima na fabricação de pasta de celulose; 5- Serviços industriais, ou seja, as despesas realizadas com a manutenção de máquinas e equipamentos industriais (partes, peças e serviços de manutenção), desde que não incorporados ao ativo imobilizado; 6- Despesas realizadas com a manutenção de máquinas e equipamentos agrícolas (partes, peças e serviços de manutenção), desde que não incorporados ao ativo imobilizado. Recurso Especial do Procurador Negado (Brasil. Conselho administrativo de Recursos fiscais, 2015).

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44    

Por outro lado, como a determinação da não-cumulatividade não é ampla

e irrestrita no que se refere à obrigatoriedade de sua adoção, convive-se hoje com dois

sistemas distintos de apuração desses tributos, vale dizer, o regime cumulativo e o

regime não-cumulativo, valendo tecer breves considerações sobre os critérios legais

de direcionamento para um ou outro desses sistemas.

Nesse sentido, as Leis 10.637/02 e 10.833/03 estabelecem como critério

central65 para a adoção ao regime não-cumulativo a base de cálculo adotada para fins

de apuração do IRPJ, é dizer: (i) se o IRPJ for calculado pelo lucro real, adota-se,

para fins de PIS e COFINS, o regime não-cumulativo, com a possibilidade de cálculos

de créditos sobre diversos custos e despesas incorridos pela pessoa jurídica e a

aplicação de uma alíquota majorada de 1,65% para o PIS e 7,65% para a COFINS; (ii)

se o IRPJ for calculado pelo lucro presumido ou arbitrado, não há qualquer direito de

crédito (o regime é, portanto, cumulativo) mas as alíquotas aplicadas são bastante

inferiores, da ordem de 0,65% para o PIS e 3,0% para a COFINS66.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             64 Assim dispõe a Lei 10.833/2003: Art. 3° Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: I - bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: a) no inciso III do § 3º do art. 1º desta Lei; e b) nos §§ 1º e 1º-A do art. 2º desta Lei; II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei 10.485, de 3 de julho de 2002 ( LGL \2002\465 ) , devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI ( LGL \2006\2488 ) ; III - energia elétrica e energia térmica, inclusive sob a forma de vapor, consumidas nos estabelecimentos da pessoa jurídica; IV - aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa; V - valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES; VI - máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, adquiridos ou fabricados para locação a terceiros, ou para utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços; VII - edificações e benfeitorias em imóveis próprios ou de terceiros, utilizados nas atividades da empresa; VIII - bens recebidos em devolução cuja receita de venda tenha integrado faturamento do mês ou de mês anterior, e tributada conforme o disposto nesta Lei; IX - armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, nos casos dos incisos I e II, quando o ônus for suportado pelo vendedor. X - vale-transporte, vale-refeição ou vale-alimentação, fardamento ou uniforme fornecidos aos empregados por pessoa jurídica que explore as atividades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção. XI - bens incorporados ao ativo intangível, adquiridos para utilização na produção de bens destinados a venda ou na prestação de serviços. (BRASIL, 2003) 65 Vale notar que paralelamente a esse critério central existem outros baseados na qualidade da pessoa jurídica (cooperativa, entidades imunes, instituições financeiras, etc.) ou na qualidade da receita auferida (receita decorrentes de serviços de construção civil, receitas de prestação de serviços de telecomunicações, dentre outras). 66 Essa é a regra geral, ainda que permeada de exceções. Realmente, há inúmeros casos em que, mesmo a pessoa jurídica sendo tributada pelo lucro real, há determinação de tributação cumulativa para determinadas receitas. Para confirmar a assertiva, basta analisar-se a numerosa lista constante no art. 10 da lei 10.833.

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45    

A questão, frise-se, é objeto de consideração em planejamentos com

reflexos tributários. Em muitos casos, por exemplo, estruturam-se aquisições tendo

como enfoque o aproveitamento de créditos das contribuições detidos pelas empresas

incorporadas e, em outros, a busca de vantagens fiscais está na geração de despesas

“intragrupo”, para que se aproveite da eventual dissimetria entre a alíquota de

pagamento no regime cumulativo (3,65%) e a alíquota de creditamento do regime

não-cumulativo (9,25%), tal como acontece, por exemplo, nos casos de constituição

de holdings imobiliárias e/ou de empresas de transporte tributadas no lucro

presumido.

Nessas situações, reforce-se, utiliza-se a desvinculação entre a alíquota de

incidência de uma empresa submetida ao regime cumulativo e a alíquota de créditos

de uma empresa submetida ao regime não-cumulativo pode gerar um ganho tributário

de mais de 5%67, o que resultou na edição, por parte do legislador ordinário68, de

regra antielisiva específica que proíbe que bens locados que já tivessem integrado o

ativo imobilizado da empresa tomadora pudessem gerar créditos das contribuições.

Também o regime monofásico, como se viu, é bastante influente na

elaboração de planejamentos com reflexos tributários.

Ainda que se vá explorar o tema em tópico próprio, cabe aqui apenas

referendar que a monofasia aplica-se de maneira algo diversa se comparada à

substituição tributária para frente, ou seja, ainda que seu efeito prático seja mesmo o

de concentração de carga tributária em uma das etapas da cadeia econômica, nela não

se opera mediante regime de substituição (que faz surgir a figura do substituto

tributário e também do substituído, com todas as discussões que lhes são inerentes),

                                                                                                               67 Correspondente à diferença entra a alíquota de tributação da receita pelo regime cumulativo, que é de 3,65% (0,65% para o PIS e 3% para a COFINS), e a alíquota de créditos no regime não-cumulativo, que é de 9,25% (1,65% para o PIS e 7,6% para a COFINS). 68 Trata-se do art. 31 da Lei 10.865/2004, que assim dispõe: Art. 31. É vedado, a partir do último dia do terceiro mês subseqüente ao da publicação desta Lei, o desconto de créditos apurados na forma do inciso III do § 1º do art. 3º das Leis 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, relativos à depreciação ou amortização de bens e direitos de ativos imobilizados adquiridos até 30 de abril de 2004. § 1º Poderão ser aproveitados os créditos referidos no inciso III do § 1º do art. 3º das Leis 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, apurados sobre a depreciação ou amortização de bens e direitos de ativo imobilizado adquiridos a partir de 1º de maio. § 2º O direito ao desconto de créditos de que trata o § 1º deste artigo não se aplica ao valor decorrente da reavaliação de bens e direitos do ativo permanente. § 3º É também vedado, a partir da data a que se refere o caput, o crédito relativo a aluguel e contraprestação de arrendamento mercantil de bens que já tenham integrado o patrimônio da pessoa jurídica. (BRASIL, 2004)

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46    

mas sim pela calibração de alíquotas, que são elevadas para o setor industrial e

importador e reduzidas a zero para os setores atacadistas e varejistas69.

Outro ponto relevante é o fato de tanto o PIS quanto a COFINS serem

classificados como contribuições sociais, o que lhes outorga todo um regime

tributário específico, ex vi dos arts. 149 e 195 da Constituição Federal.

Realmente, ambas as exações sofrem influência do princípio da

solidariedade decorrente de determinação constitucional explícita (195, caput, da

Constituição Federal) no sentido de que todos contribuíam para a seguridade social,

sendo esse um forte vetor axiológico de nosso sistema jurídico, que pode influenciar a

interpretação e a qualificação dos atos e negócios jurídicos empregados na

estruturação de um planejamento com reflexos tributários, como, aliás, já deu mostras

o STF:

AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 764794 AgR RELATOR: Min. DIAS TOFFOLI ÓRGÃO JULGADOR: Primeira Turma PUBLICAÇÃO: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-248 DIVULG 18-12-2012 PUBLIC 19-12-2012 - 19/12/2012 DATA DA DECISÃO: 20/11/2012 EMENTA: Agravo regimental no agravo de instrumento. Cofins. Pessoa Jurídica sem empregados. Conceito amplo de empregador, em prestígio à universalidade da cobertura. Conceito de referibilidade mitigado pelo princípio da solidariedade social. 1. O conceito de empregador que se extrai da legislação previdenciária deve comportar flexibilização com relação ao conceito trabalhista, de modo que compreenda o maior universo possível. 2. A solidariedade social e a universalidade na cobertura respaldam as interpretações extensivas em favor do recolhimento e mitigam a referibilidade das exações que mantêm a seguridade social. 3. Agravo regimental não provido. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2012).

                                                                                                               69 Nesse sentido é o posicionamento de Vanessa R. Canado: O denominado regime de “incidência monofásica” de apuração da COFINS caracteriza-se pela concentração da tributação nas fases iniciais de circulação de bens (produção ou importação), por meio de fixação de alíquotas superiores àquelas previstas ordinariamente para a receita bruta decorrente das demais atividades, com produtos que, em geral, são mais pulverizados ao longo da cadeira de comercialização, até a chegada ao consumidor final. (...) Diferencia-se do regime de substituição tributária especialmente pela inexistência de “presunção” da ocorrência dos fatos jurídico-tributários futuros, tendo em vista a própria redação da legislação, tornando, assim, inaplicável o artigo 150, § 7o, da Constituição (CANADO, 2001, p. 185)

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47    

3 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

O debate sobre o planejamento de negócios com efeitos tributários torna

necessário discorrer sobre o que se designou em doutrina como planejamento

tributário.

O apontamento se faz necessário para que situemos o problema central de

nosso trabalho (o planejamento de negócios que tenha efeito nos tributos indiretos)

em relação ao que vem sendo discutido pela doutrina sobre o que se pode e o que não

se pode fazer para economizar tributos, i.e., para que os atos e negócios praticados na

tentativa de redução, eliminação ou postergação da carga tributária tenham seus

efeitos fiscais garantidos.

Nesse sentido, analisaremos a definição de planejamento tributário –

quando abordaremos brevemente as figuras da elisão e da evasão fiscal, e

discorrermos sobre os seus limites de acordo com algumas das mais importantes

correntes doutrinárias existentes.

Ademais, teceremos também breves comentários sobre alguns institutos

de Direito Civil que vêm sendo usualmente associados ao tema e empregados nos

juízos de resolução de casos de planejamento tributário, finalizando nossa análise com

apontamentos acerca da Lei Complementar no 104/2001, por muitos entendida como

uma verdadeira norma geral antielisiva.

3.1. Definições Importantes: o Planejamento Tributário e a Elisão Fiscal

Como neste trabalho abordaremos a existência de critérios especiais de

resolução de casos de planejamento de negócios que envolvem os tributos indiretos,

necessário percorrermos os conceitos de planejamento tributário e também o da

chamada elisão fiscal, que lhe é inerente.

De imediato, já se pode afirmar que, acompanhando corrente doutrinária

majoritária, para nós planejamento tributário e elisão fiscal não se confundem.

Caliendo tem semelhante entendimento acerca da diversidade conceitual existente

entre o planejamento tributário e a elisão fiscal:

A elisão não se confunde com o planejamento. O planejamento tributário é o conjunto de atos ordenados do contribuinte na organização de seus

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negócios com o propósito de prever os efeitos tributários de seus negócios jurídicos. O planejamento tributário é a conduta fática que compõe o conceito de elisão, mas esta não se confunde e nem se esgota na noção de planejar. (CALIENDO, 2010, p. 326)

Numa primeira análise, portanto, o planejamento tributário seria o ato ou

negócio jurídico ou conjunto de atos ou de negócios jurídicos destinados à mitigação,

eliminação ou diferimento da carga tributária, ao passo que a elisão consistiria

justamente nos efeitos jurídico-tributários70 dos atos e negócios jurídicos empregados

com essa finalidade.

Mas não é só. Segundo entendemos, não há planejamento tributário se os

atos e/ou negócios jurídicos empregados configuram-se como atos e/ou negócios

ilícitos. Ou seja, se a economia de tributos é obtida, por exemplo, por meio da

sonegação (deixar de informar receitas tributáveis ao fisco), ou através da prática de

ato fraudulento (utilizar de notas “frias” para fins de creditamento do ICMS e do IPI),

não há que se falar em planejamento tributário (GRECO, 2011).

Aliás, quando falamos da licitude de meios como elemento necessário ao

planejamento tributário, não estamos a nos referir apenas a ilícitos de ordem penal. A

própria simulação, causa de desconsideração dos efeitos fiscais de atos e negócios

engendrados para economizar tributos, é prova de que também ilícitos “próprios” ao

Direito Civil podem ser considerados na descaracterização de um planejamento

tributário e na configuração da elisão.

Esse é o caso, justamente, da famosa “operação soja-papel”. Como se

sabe, o caso soja-papel sequer pode ser classificado como planejamento tributário, já

que envolve, na tentativa de economizar tributos, a prática de verdadeiros ilícitos

cíveis (e até mesmo criminais71), caracterizados pela existência de uma operação

fictícia de exportação (que na verdade revela que a operação como um todo era

simulada).

A licitude é, assim, elemento caracterizador do planejamento tributário,

ou melhor, dos atos e negócios jurídicos que o compõem. Mas cabe ainda avançarmos

algo mais: nem todos os atos e negócios jurídicos lícitos empregados com o intuito de

                                                                                                               70 Como veremos à frente, o fato de eventualmente não serem confirmados os efeitos tributários pretendidos não significa que os atos e negócios jurídicos realizados não tenham efeitos jurídicos quaisquer. Muitas vezes, não há o resultado tributário mas o ato ou negócio praticado produz esferas em âmbito civil ou societário. 71 Veremos mais à frente que o economizar tributos mediante atos ilícitos não está no campo do planejamento tributário.

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49    

reduzir, eliminar ou diferir a tributação podem ser entendidos como planejamento

tributário, ao menos no sentido estrito empregado no presente trabalho. Este - o

planejamento tributário -, entendido nesse seu sentido estrito, pressupõe, também,

uma tentativa de contorno da norma de tributação, situando-se, assim, numa possível

“zona cinzenta” quanto à manutenção dos efeitos fiscais pretendidos.

Dessa forma, em linha com os ensinamentos de Greco, a simples adesão

aos vários regimes fiscais disponíveis (opções legais), ou mesmo a adoção de

condutas incentivadas pela lei, não caracterizam o planejamento tributário72, ainda

que a análise do caso concreto possa indicar que, concomitante à opção legal ou à

adoção da conduta incentivada, existam a prática de outros atos e negócios jurídicos

que demonstrem que se está diante de um genuíno caso de planejamento tributário73.

Aqui, portanto, já se podem acrescer elementos à definição inicial do que

seja o planejamento tributário (em sentido estrito): ele é, sim, um conjunto de atos

e/ou negócios jurídico lícitos por meio do qual se busca a redução, eliminação ou

diferimento da tributação; mas ele não é qualquer conjunto de atos ou de negócio

jurídicos lícitos, mas sim um conjunto de atos ou de negócios jurídicos lícitos que

busca contornar a norma de tributação.

Esse é, portanto, o nosso conceito de planejamento tributário.

Vale, então, concentrar agora nossa atenção à figura da elisão fiscal. Em

primeiro lugar, cabe associá-la, assim como fizemos com o planejamento tributário, à

figura da licitude.

Elisão e licitude se interpenetram, ou melhor, segundo entendemos, não

há elisão sem licitude. Todavia, e como veremos mais adiante, o próprio conceito de

licitude, quando aplicado à temática do planejamento tributário, parece mais

abrangente na atualidade, uma vez que, por conta de figuras como a do abuso de

direito, a da fraude à lei, a do negócio jurídico “sem causa” e institutos afins, o mero

                                                                                                               72 Dividir a figura do planejamento tributário em planejamento tributário em sentido estrito e planejamento tributário em sentido amplo trata-se, a nosso ver, de mera opção metodológica. Afinal, numa opção abrangente, não recusamos que o planejamento tributário envolva tudo o que envolver um plano para reduzir tributo, mesmo que esse plano indique exercer uma determinada opção tributária ou aderir a determinada regra indutiva. Todavia, para nossos fins, é muito mais interessante focarmos na figura do planejamento em seu sentido estrito, afinal, o que buscamos é discutir os critérios de desconsideração dos planos, o que só se admite, a nosso ver, quando houver norma de contorno (jamais quando o caso é de mera opção legal, por exemplo). 73 Como se daria, por exemplo, se para fugir da opção legal consumada pelo lucro presumido o contribuinte construísse, através de uma operação societária de cisão ou incorporação, a possibilidade de alterá-la mesmo no curso do exercício fiscal.

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atendimento dos requisitos formais dos atos e negócios jurídicos não parece mais

suficiente para atestar a sua validade para fins fiscais.

Até mesmo por isso, torna-se desnecessário, para nós, falar em elusão

fiscal. A figura da elusão, como se sabe, é defendida por importantes nomes do

Direito Tributário como uma forma de ultrapassar a licitude como divisor de águas no

que se refere aos efeitos fiscais do planejamento tributário. Para Ricardo Lobo Torres,

por exemplo, a elusão estaria caracterizada em planejamentos tributários que

empregassem atos e/ou negócios jurídicos que, não obstante lícitos, fossem

desprovidos de “causa” ou caracterizados como fraude à lei. (TORRES, 2013)

Nada obstante, a partir do momento em que consideramos que a análise da

elisão não se restringe à licitude formal dos meios empregados em um determinado

planejamento tributário, mas também à sua adequação às demais categorias do

Direito, em especial do Direito Civil, não nos parece necessário o socorro a figuras

intermediárias entre a elisão e a evasão, como aliás defendido por Vasconcellos:

(...) acreditamos que a questão da “causa” subjacente ao planejamento tributário deveria ser antes melhor investigada. A ausência de “causa” implicaria realmente simulação, abuso de direito, fraude à lei, abuso de forma ou alguma outra patologia capaz de comprometer juridicamente o planejamento tributário? Pois se a resposta for positiva, entendemos se tratar de um caso de evasão fiscal, ainda que o descumprimento da lei não tenha sido direto. (VASCONCELLOS, 2013)

De fato, é inócua a elusão se dermos entendimento amplo às figuras da

elisão e da evasão, incluindo na caracterização de um ou de outro instituto não apenas

as questões de licitude de meios, mas também as que se referem à conformidade do

plano com o sistema jurídico como um todo, inclusive aos princípios e valores

cogentes em matéria tributária – de sorte a chamar de elisão apenas os efeitos do

planejamento que se adeque ao ordenamento considerado em sua integral amplitude e

de evasão tudo o que o contrarie.

3.2. O Planejamento Tributário na Doutrina

Como já afirmamos anteriormente, existe um grande debate entre os

estudiosos do Direito sobre quais seriam os limites do planejamento tributário. A

razão central da discordância está muito associada à forma de se enxergar o Direito na

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51    

atualidade (GRECO, 2011), especialmente no que se refere ao entendimento sobre a

influência que os princípios da legalidade e da capacidade contributiva devem exercer

sobre o tema.

Nesse sentido, são muitos os autores que defendem que os limites do

planejamento tributário – e a definição do que seja elisão fiscal – deve ser encontrado,

essencialmente, a partir do princípio da legalidade, expressamente estampado como

garantia individual pela Constituição Federal74.

O princípio da legalidade, é bem verdade, está a exercer forte influência

no Sistema Tributário Nacional. E não apenas pela garantia, constante no art. 150 do

Texto Maior, de que “não há tributo sem lei anterior que o defina”, mas também

porque a própria repartição de competência tributária aos entes federativos central e

periféricos é calcada, em grande medida, na materialidade das hipóteses de incidência

tal como previstas na Constituição Federal.

Ou seja, a legalidade da tributação importa porque é um direito

fundamental75, mas sua configuração também estaria a requerer, por conta das regras

de repartição de competências, uma completa submissão do tributo à materialidade

pré-disposta no texto constitucional, o que significa uma necessária conformação da

lei tributária aos conceitos ali dispostos e também a indicação de uma menor

liberdade interpretativa na construção do sentido legal.

Ademais, significaria também uma decisão política acerca do sistema

tributário, a indicar, em nome da separação de poderes, limites à atuação do

                                                                                                               74  Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...) 75  A “fundamentalidade” decorrente da constitucionalização dos referidos direitos tem como reflexo natural a “fundamentalidade” da garantia a que se destina à sua proteção – o princípio da legalidade da tributação – fundamentalidade esta consistente em, tratando-se de normas colocadas no topo da ordem jurídica, constituírem limites materiais às emendas constitucionais, que sequer podem ser objeto de deliberação se atenderem à sua abolição (cláusulas pétreas). O objeto de proteção dada pela garantia instrumental do princípio da legalidade da tributação é, como se disse, o direito de propriedade e o direito de liberdade econômica. (...) Liberdade significa alternativa de comportamentos, pelo que a liberdade é não só a possibilidade de opção entre pluralidades de tipos ou modelos negociais (as “formas” de que fala o Direito alemão) que o Direito Privado oferece para a realização do escopo prático dos particulares, mas também a liberdade de configuração dos mesmos (Gestaltungsfreiheit) ao abrigo da autonomia da vontade”. (XAVIER, 2002, p. 31)  

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52    

interprete, sendo justamente esse o cerne daquilo que se convencionou chamar de

tipicidade cerrada, conforme defendido por Xavier:

O princípio da tipicidade da tributação encontra-se estritamente relacionado não só com o princípio da segurança jurídica, mas também com o princípio da separação de poderes, enquanto determina regras quanto à formulação das leis, tendo em vista impedir que a função legislativa do Poder Legislativo (ao qual foi constitucionalmente atribuída a competência exclusiva quanto à criação e aumento de tributos) possa vir a ser exercida, ainda que de modo indireto e oblíquo, pelo Poder Executivo e pelo Poder Judiciário. (XAVIER, 2002, p. 26).

A base, aqui, é a plena e absoluta liberdade de organização dos negócios,

de forma que, se os meios utilizados fossem lícitos, resguardados estariam os efeitos

fiscais do planejamento tributário, prevalecendo a visão de que o sistema jurídico

brasileiro – mesmo o inaugurado pela Constituição de 1988 – impingiria, para a

incidência de qualquer tributo que fosse, a completa caracterização do fato gerador

em concreto.

Assim, a única hipótese de incidência do tributo seria justamente a

realização fática daquilo que fora previsto no fato gerador abstrato, de forma que,

uma vez ausentes quaisquer de seus elementos essenciais (típicos), torna-se

impossível se falar em obrigação tributária válida.

Eis a razão por que, para esta corrente da doutrina, quando se menciona a

ilicitude, o ilícito do Direito Privado por excelência (para implicar na

desconsideração dos efeitos fiscais) é a simulação, e isso não apenas pela específica

previsão tributária constante no CTN76, mas também porque, como se verá, a

simulação representa uma mentira à qual se busca atribuir efeitos jurídico – e não

haveria de se supor que um algo “inexistente” pudesse gerar efeitos fiscais.

Cabe aqui, contudo, um breve parêntesis. É que não se pode confundir a

corrente legalista com a inadmissão de considerações de ordem econômica77 para fins

                                                                                                               76 Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: (...) VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; (...) Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública. 77 Nesse sentido é a lição de Bifano: “Sobre o tema do enfoque econômico, esclarecem Décio Zylbersztajn e Raquel Sztajan que se deve, nessa análise, considerar o ambiente normativo no qual os

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53    

de tributação. Xavier, por exemplo, distingue as normas tributárias de tipos funcionais

das normas tributárias de tipos estruturais, aduzindo que, enquanto estes últimos (os

tipos estruturais) ancoram-se em conceitos de atos ou negócios jurídicos, os tipos

funcionais referem-se sempre a um determinado fenômeno econômico, o que permite

configurá-los a despeito “da natureza dos atos ou negócios” 78 (2002, p. 35)

empregados, a exemplo do que sucede, por exemplo, com a norma base do imposto

sobre a renda, a exigir a incidência do imposto sobre “todos os ganhos e rendimentos

de capital, qualquer que seja a denominação que lhes foi dada”, ex vi do art. 51 da Lei

7.450/1985 (BRASIL, 1985).

Schoueri também adota a mesma linha de entendimento:

O conteúdo do dispositivo legal concernente à consideração econômica na interpretação da lei tributária seria, portanto, apontar, atrás da forma jurídica referida pela lei tributária, para uma circunstância econômica que deve ser vista propriamente como a hipótese tributária. Ou seja: é reconhecer que a expressão utilizada pelo legislador tributário, no lugar de exigir que se faça presente o negócio jurídico ou a forma jurídica que ele designa, demanda a ocorrência de fatos econômicos, esse sim o verdadeiro conteúdo da hipótese tributária. (SCHOUERI, 2013, p. 696)

Ou seja, mesmo na chamada corrente legalista, casos há em que o próprio

fato gerador abstrato prevê no tipo legal um fenômeno de índole econômica, de forma

que buscá-lo no caso concreto, longe de representar uma intromissão do aplicador, é

na verdade adequar-se à sua essência.

Atualmente, contudo, a visão legalista não é unânime na doutrina e vem

perdendo espaço na jurisprudência (em especial na jurisprudência administrativa). A

crítica, em sua essência, é que o positivismo não pode resolver integralmente os

problemas do Direito, relegando por vezes a Justiça substantiva a uma mera

representação da segurança jurídica.

Dworkin, por exemplo, apontou a fragilidade do positivismo naquilo que

denominou casos difíceis.

Focando essencialmente na atividade judicante, o prestigiado professor

americano identificou que em determinados casos (os casos difíceis) os juízes, para

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             agentes atuam, para não chegar a conclusões equivocadas ou imprecisas ao avaliar certas restrições que o Direito impõe aos agentes econômicos, por força das instituições existentes. Da mesma forma o Direito deve considerar as relações que entre as partes se estabelecem, para evitar conclusões diversas da realidade econômica” (BIFANO, 2011, p. 207). 78 Op. Cit. p. 35.

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54    

decidir, amparavam-se não apenas em regras, senão também “em princípios, políticas

e outros tipos de padrão” que haveriam de ser também considerados como

pertencentes ao Direito (DWORKIN, 2011, p. 36).

O pós-positivismo vai justamente nessa direção, merecendo atenção, nesse

sentido, o posicionamento de Barroso:

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a filosofia (BARROSO, 2009, p. 20).

Abre-se, assim, através do pós-positivismo, um maior espaço para atuação

dessa “leitura moral” a que se referiu Barroso, notadamente por meio dos princípios79

jurídicos e das regras programáticas (políticas), o que em tese possibilitaria a

reconciliação entre Direito e Justiça (substantiva).

Essa nova forma de entender o Direito irradiou-se para vários de seus

segmentos. No Direito Constitucional, por exemplo, deu origem ao chamado

neoconstitucionalismo, adotado expressamente por Barroso80.

                                                                                                               79 Não é que os princípios fossem ignorados pelos positivistas: eles os entendiam, é certo, como um instrumento de interpretação e integração do direito. 80 Para Barroso, chega-se, com o neoconstitucionalismo “à argumentação [26], à razão prática, ao controle da racionalidade das decisões proferidas, mediante ponderação, nos casos difíceis, que são aqueles que comportam mais de uma solução possível e razoável. As decisões que envolvem a atividade criativa do juiz potencializam o dever de fundamentação, por não estarem inteiramente legitimadas pela lógica da separação de Poderes – por esta última, o juiz limita-se a aplicar, no caso concreto, a decisão abstrata tomada pelo legislador. Para assegurar a legitimidade e a racionalidade de sua interpretação nessas situações, o intérprete deverá, em meio a outras considerações: (i) reconduzi-la sempre ao sistema jurídico, a uma norma constitucional ou legal que lhe sirva de fundamento – a legitimidade de uma decisão judicial decorre de sua vinculação a uma deliberação majoritária, seja do constituinte ou do legislador; (ii) utilizar-se de um fundamento jurídico que possa ser generalizado aos casos equiparáveis, que tenha pretensão de universalidade: decisões judiciais não devem ser casuísticas; (iii) levar em conta as consequências práticas que sua decisão produzirá no mundo dos fatos”. (BARROSO, 2009, p. 28-29).

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55    

Também no Direito Civil é nítida a influência da teoria pós-positivista,

reconhecendo o Código Civil de 2002, por exemplo, a ascendência de princípios

como o da boa-fé e o da função social dos institutos privados, alterando-se

substancialmente a interpretação de atos e negócios jurídicos e relativizando-se os

efeitos da forma jurídica adotada.

É fantasioso imaginar que o Direito Tributário estaria incólume a essas

ideias. Aos princípios protetivos dos contribuintes, muitas vezes revestidos de

características de verdadeiros limites objetivos (CARVALHO, 2000)81, acrescer-se-

iam outros tais quais o principio da igualdade (cristalizado também no princípio da

capacidade contributiva em sentido ativo), o da solidariedade social e mesmo o da

livre concorrência (VASCONCELLOS, 2013), tornando a atividade do interprete um

tanto mais complexa.

Taveira Torres, por exemplo, apoiando-se no conceito da elusão, defende

a ideia de que a consistência de negócios jurídicos que buscam produzir efeitos

tributários deve ser perquirida em face de sua causa objetiva, i.e., a partir da

compatibilidade entre perfil jurídico objetivo do negócio e a sua substancia

normativa.

Por evidente que para essa Linha interpretativa, a leitura completa do

ordenamento jurídico mostra que se deve atenção não apenas à legalidade, mas

também à capacidade contributiva e até mesmo a outros princípios do Direito Privado

como a boa-fé e a finalidade social dos contratos. Germano perfila-se no mesmo

entendimento:

No caso, o exercício da autonomia privada, que a priori é válido e apto a produzir resultados, pode ser considerado inválido e ter seus efeitos total ou parcialmente anulados em caso de ausência de “causa”, eis que aí os resultados produzidos não são compatíveis com o ordenamento jurídico. A análise que leva em consideração a causa dos negócios vai além da verificação das formalidades legais, permitindo que se declare defeituoso o negócio que, apesar de sua perfeição externa, não corresponda a um resultado social amparado pelo Direito, bem como se declare total ou parcialmente ineficaz um negócio que suponha um resultado contrário às normas jurídicas. (GERMANO, 2013, p. 87)

                                                                                                               81 Como acontece com o princípio da anterioridade, por exemplo. O conteúdo da anterioridade não exige profundas incursões axiológicas, bastante saber, afinal, se determinada regra foi editada em ano anterior ao de sua promulgação ou se de sua promulgação decorrera mais de 90 dias (caso da anterioridade mitigada aplicada a determinada sorte de tributos).

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56    

Assim, portanto, a ausência de causa equivaleria a uma espécie de fraude

à lei, ainda que seja consignado que a fraude aqui não é ao substrato econômico

constante na norma, mas sim à sua causa jurídica, que não se confunde com o motivo

do negócio, como esclarece Freitas:

Questão importante é saber se a vontade de economizar tributos pode representar alguma relevância nesse contexto. No plano da existência, conforme mencionado, a vontade interna não possui qualquer relevância. Contudo, a vontade pode ser importante no plano da validade do negócio jurídico. Não obstante, esta vontade é a vontade objetiva, diretamente relacionada aos elementos constitutivos do conteúdo do negócio jurídico (causa objetiva). A causa objetiva não se confunde com os motivos da realização do negócio (causa psicológica) que pode ser a economia tributária, entre outros. (FREITAS, 2010, p. 446)

Lobo Torres, por sua vez, defendendo o caráter unitário do direito,

encontra espaço para a aplicação tanto do abuso de direito quanto da fraude à lei na

resolução da questão própria dos limites do planejamento tributário (TORRES, R.L.,

2013). Greco, no mesmo sentido, defende não existirem razões para que apenas a

simulação seja vista como causa para as desconsiderações dos efeitos fiscais de atos e

negócios jurídicos empregados na economia de tributos:

Resulta assente na primeira fase que o contribuinte não pode cometer simulação, pois a simulação é um defeito do negócio jurídico, uma patologia que pode atacá-lo. Ora, se uma patologia do negócio contamina (perante o Fisco) o que o contribuinte fizer, pergunta-se: por que só esta patologia do negócio jurídico contamina? Porque outras patologias do negócio jurídico também não contaminam tributariamente o que o contribuinte fizer? Por que os efeitos tributários benéficos são obtidos apesar de existirem outras patologias no negócio jurídico celebrado pelo contribuinte? (GRECO, 2011, p. 194)

Ou seja, os vícios próprios de negócios jurídicos, tais como estabelecidos

no Código Civil, haveriam de implicar também na desconsideração de seus efeitos

fiscais, adquirindo importância para a resolução de casos de planejamento tributário

os conceitos de abuso de direito, fraude à lei imperativa e figuras afins.

Greco, contudo, vai além, defendendo o princípio da capacidade

contributiva não apenas como elemento interpretativo a indicar que os negócios sem

causa - ou viciados sob o prisma do Direito Privado – não podem gerar efeitos

tributários, mas que tal princípio deveria ser entendido em seu efeito ativo, o que

implica que “o intérprete deve buscar concretamente a plena eficácia da lei tributária,

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57    

com isto significando atingir todas as manifestações de capacidade contributiva que a

vontade da lei indica devam ser atingidas” (GRECO, 2011, p. 350).

Não se pode negar que a capacidade contributiva é um dos elementos que

vêm ensejando a análise sobre o chamado propósito negocial (e sobre uma certa

“coerência” entre o planejamento tributário e o planejamento estratégico da

empresa82), e que ele, como veremos, vem sendo efetivamente ponderado nos atuais

julgamentos sobre o tema.

Todavia, para nós, o chamado propósito negocial parece estar vinculado à

análise da higidez do negócio jurídico do ponto de vista de seus vícios, e mais

precisamente à figura do abuso do direito em seu sentido amplo (i.e., no sentido de

abusar-se do direito à livre organização dos negócios), de sorte que o princípio da

capacidade contributiva seria considerado não um elemento preponderante da

análise, mas sim como um fator de ponderação para determinar a abusividade do

direito de realizar o planejamento de negócios com efeitos tributários.

Embora pareça um ponto apenas retórico, acreditamos que seja importante

a ressalva para que não se desemboque, através do princípio da capacidade

contributiva, em considerações próprias da chamada interpretação econômica,

rechaçada pelo direito positivo e também pela própria história do pensamento

jurídico.

De fato, uma coisa é considerar a capacidade contributiva como

propulsora de considerações a respeito da necessidade de motivação negocial ou

extratributária e outra, bem distinta, é nela enxergar supedâneo para o alargamento do

fato gerador abstrato, para a busca da substância econômica na hipótese de incidência,

para fazê-la incidir no caso prático, o que poderia resultar, inclusive, na absurda tese

de ser obrigatório o caminho da maior carga fiscal possível para se realizar

determinado ato ou negócio.

3.3. Os Institutos de Direito Civil Aplicáveis aos Juízos de Desconsideração de

Planejamentos Tributários.

3.3.1 A Simulação como Causa de Desconsideração de Efeitos Tributários.

                                                                                                               82 Que a nosso ver pode ser visto apenas como elemento indiciário do motivo extratributário.

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58    

Em seu sentido estrito, a simulação pode ser entendida como a prática de

negócio jurídico destinado a esconder, falsear a realidade. Trata-se, em suma, de um

desacordo entre a vontade declarada e a real vontade das partes que celebram o

negócio jurídico, uma mentira, uma ilusão criada para enganar ou esconder a

realidade.

Vejamos o que dispõe o Código Civil sobre a simulação:

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. § 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado. (BRASIL, 2002)

 Observe-se, portanto, que a simulação é entendida, basicamente, como um

vício de vontade: há uma dissonância entre a vontade declarada ao celebrar-se o

negócio e a vontade real das partes envolvidas em sua celebração.

Essa concepção da simulação como vício de vontade é atacada por certa

linha doutrinaria (GRECO, 2011), que entende que o problema da simulação é

basicamente um problema de causa, isto é, aplicável no caso de ter havido dissonância

entre a causa (aqui empregada no sentido de motivação psicológica) e o negócio

celebrado.

Aliás, a leitura da simulação como vício de causa é muitas vezes adotada

pelas autoridades julgadoras para a desconsideração dos efeitos fiscais dos atos e

negócios realizados no âmbito de um planejamento com efeitos tributários, havendo,

nesses casos, nítida aproximação entre a simulação e a realização de negócios sem

motivação negocial relevante.

Contudo, em nosso entender, na ausência de um conceito tributário

positivado de simulação, devemos nos socorrer do que dispõe o citado art. 167 do

Código Civil, que mantém o contorno da simulação enquanto vício de vontade, sequer

citando a motivação do negócio como um seu elemento caracterizador, de sorte que

acreditamos existirem outras “localidades” em que o problema da causa – e o do

propósito negocial - possa ser mais bem alocado.

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59    

Esse entendimento estrito da simulação, a nosso ver, traz uma outra

vantagem: retira da expressão aquele condão de justificar todo o planejamento

que não deva produzir efeitos fiscais. Ou seja, adotá-lo, para nós, não significa

apenas uma questão de melhor técnica, mas também uma forma de conceder aos

juízos de desconsideração de efeitos fiscais maior clareza e precisão, pois, mais uma

vez, a figura da causa e da ausência de propósito negocial tem melhor “morada” em

outros vícios do negócio jurídico.

No mais, vale considerar que a doutrina tem entendido que a simulação

pode ser absoluta ou relativa. A simulação seria absoluta quando se pretendesse

apenas realizar o negócio simulado para enganar terceiros (pura mentira) e a

simulação seria relativa quando se buscasse, com o negócio simulado, esconder ou

dissimular a realização do verdadeiro negócio querido (a mentira não seria no sentido

de dizer que algo que não aconteceu teria acontecido, mas sim que algo que

aconteceu, não teria acontecido). É justamente por isso, aliás, que na simulação

relativa o negócio “escondido”, desde que válido na sua substância e na sua forma,

geraria os efeitos tributários que lhes são próprios.83

A questão é relevante no que se refere ao planejamento tributário. E isso

não apenas porque as simulações praticadas com a finalidade de economizar tributos

são, em sua maioria, casos de simulação relativa (dissimulação), mas também porque,

para muitos, a norma antielisiva trazida pela Lei Complementar no 104 trata apenas e

tão somente dessa forma específica de simulação – o que será discutido logo à frente.

3.3.2. O Abuso de Direito como Causa de Desconsideração de Efeitos Tributários.

Há muito discutido pelos civilistas, o abuso de direito foi expressamente

abarcado pelo Código Civil de 2002, quando, em seu art. 187, estabeleceu-se que

“também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou

pelos bons costumes”.

                                                                                                               83 Nesse sentido é a doutrina de Lívia Germano: “(...) com base no Código Civil vigente, apenas há que se distinguir entre simulação absoluta e simulação relativa e, nesta última, reconhecer o ato simulado e o dissimulado. A distinção é importante já que, na simulação relativa, apesar de o ato simulado ser nulo, subsistirá o ato dissimulado, se valido na sua substância e forma” (GERMANO, 2013, 102/103).

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60    

O abuso do direito está relacionado à ideia de que não há direito absoluto

e que, portanto, ao exercê-lo, deve o seu titular ater-se à finalidade estabelecida

quando da sua instituição. Tratar-se-ia, assim, de um mecanismo de autoproteção do

Direito, de correção de abusos, de eliminação de um afastamento desproporcional e

desarrazoado entre os fins e os meios84, entre a existência do direito e o modo de seu

exercício.

A questão essencial, no que toca à temática do planejamento com efeitos

tributário, é justamente saber se o exercício do direito à livre-organização econômica

– que redunda no direito de organizar os negócios da maneira menos onerosa sob a

ótica tributária – pode ser exercido de maneira abusiva, configurando-se, assim, como

ato/negócio ilícito.

A aplicação da figura do abuso em âmbito tributário no Brasil sofreu

severas críticas da doutrina. Alega-se, em suma, uma afronta ao princípio da

legalidade que informa todo o sistema tributário, de sorte que não haveria abertura

para se pensar no abuso do direito à livre-organização econômica se inexistente

mesmo o fato gerador tributário, representando a aplicação da teoria a utilização da

analogia como figura integrativa, o que é expressamente vedado85 pelo CTN, ex vi do

seu art. 10886.

Andrade Filho, por exemplo, manifesta-se contrariamente à aplicação do

abuso de direito em matéria tributária:

Em princípio, a elisão fiscal não se identifica com a ideia de abuso, posto que ela não concede vantagens indevidas a ninguém, mas visa a determinar a parcela de sacrifício em favor da comunidade que será beneficiaria final das receitas tributárias. Logo, é forçoso reconhecer que as pessoas procuram meios idôneos de redução da carga tributária não agem contra a finalidade do direito; agem, sim, no exercício regular de direitos fundamentais individuais para a preservação da liberdade e do patrimônio, que são bens jurídicos tutelados pelo direito positivo. (ANDRADE FILHO, 2009, p. 105)

                                                                                                               84 Para Marcos Abraham, o uso de um direito estaria sempre limitado pela razoabilidade, “conforme os parâmetros da boa-fé, dos bons costumes e do seu fim social e econômico”. (ABRAHAM, 2007, p. 205). 85 Interessante a observação de Schoueri, para quem “o sistema brasileiro, diversamente de outros ordenamentos, optou por positivar a prevalência do Princípio da Legalidade sobre o da Capacidade Contributiva, em caso de conflitos de ambos”. 86  Afirma-se, também, que para ser utilizado para fins tributários, deveria estar previsto em lei complementar, por ser questão afeta às chamadas normas gerais de tributação, previstas no art. 146, III, da Constituição Federal (ANDRADE FILHO, 2009. p. 102).  

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61    

Em sentido diverso, entende Greco que a aplicação do abuso do direito em

matéria tributária, especialmente na temática do planejamento, é decorrência do

próprio sistema constitucional inaugurado pela Constituição de 1988, defendendo sua

posição nos seguintes termos:

(...) num Estado Democrático de Direito, a interpretação e a aplicação do ordenamento jurídico supõem a conjugação e compatibilidade entre os valores típicos do Estado de Direito (liberdade negativa, legalidade formal e proteção à propriedade) com os inerentes ao Estado Social (igualdade, liberdade positiva, solidariedade) sem que isto, obviamente, implique institucionalizar mecanismos de dominação disfarçada ou destruição das garantias fundamentais da pessoa humana. (GRECO, 2011, p. 201)

A figura do abuso do direito se colocaria, assim, em matéria tributária,

como um limite ao direito à auto-organização dos negócios, à autonomia privada.

Haveria, no caso, uma concorrência entre o princípio da legalidade e o princípio da

igualdade, cristalizado, neste específico, no princípio da capacidade contributiva, de

forma que muito embora não se negue o direito de planejar, seja possível questioná-lo

sempre que se mostrar abusivo, excessivo e desproporcional.

Para nós, o que importa asseverar é que o abuso de direito foi a “porta de

entrada” para a consideração de outros vícios do ato ou negócio jurídico como forma

de subtrair-lhe os efeitos fiscais, na medida em que se passa a considerar que o

exercício do direito à livre-organização econômica não é absoluto e pode ser

considerado abusivo se realizado em descompasso com as suas finalidades sociais,

dentre as quais situam-se o dever de contribuir para os cofres públicos com o

pagamento de tributos.

Por essa razão é que entendemos que é na aplicação da teoria do abuso do

direito que um importantíssimo fator de análise do planejamento tributário encontra

efetiva morada: a existência ou inexistência de um propósito negocial extratributário,

que vem sendo empregado consistentemente em julgamentos de casos concretos,

especialmente na esfera administrativa.

De fato, e a despeito das inúmeras imprecisões acerca do abuso do direito

em matéria tributária, parece estar se consolidando na jurisprudência administrativa o

entendimento de que, para não ser considerado abusivo, o planejamento tributário

deve essencialmente possuir uma razão extrafiscal que lhe dê amparo, sendo este

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62    

atualmente um dos mais importantes critérios para a resolução dos casos práticos

submetidos ao crivo administrativo (SCHOUERI, 2010).

3.3.3. A Fraude à Lei como Causa de Desconsideração de Efeitos Tributários.

Por fraude à lei entende-se o contorno à lei imperativa por meio de uma

outra norma jurídica. Assim, na fraude à lei, uma dada regra legal, de cunho

imperativo, é frustrada não pela inocorrência dos seus pressupostos de incidência ou

pela prática de atos simulados ou fraudulentos, mas por outra norma válida e, ao

menos em tese, igualmente cogente, de sorte a ser possível afirmar a presença

obrigatória de duas normas jurídicas concomitantes: uma a norma imperativa, que se

diz fraudada, e outra norma que serviu de suporte para o seu contorno.

O instituto foi previsto no Código Civil como causa de nulidade do

negócio jurídico (art. 166, VI), e justamente aí está o fundamento legal daqueles que

entendem a sua plena aplicabilidade em casos de planejamentos que implicam na

economia de tributos. Afinal, como imaginar que um negócio nulo poderia implicar a

manutenção dos efeitos fiscais dele decorrentes?

Uma importante crítica à aplicação da figura da fraude à lei em matéria

tributária é que o instituto, classicamente, teria aplicação limitada a normas de caráter

proibitivo, ou seja, a fraude se daria pela realização de fim expressamente vedado em

lei, o que acabava, numa visão ampla, por conceder maior força à norma fraudada

que à norma de contorno.

Para essa linha interpretativa, como a estrutura da norma tributária não é a

de uma regra proibitiva, restaria clara a sua inaplicabilidade a casos de planejamento

tributário.

Xavier defende esse posição com bastante precisão:

Essencial ao conceito de fraude à lei é que a norma objeto de fraude seja uma norma proibitiva ou preceptiva, isto é, uma norma que determina a ilicitude do fim prosseguido ou uma norma que consinta a realização do fim só com a adoção de uma determinada forma. Certo, a norma fiscal é uma norma inderrogável por vontade das parte: mas não se reveste de qualquer destas naturezas, pois não proíbe a realização de qualquer fim, nem prescreve a adoção de certas formas jurídicas para a realização de determinados fins. (XAVIER, 2002, p. 100)

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63    

Não nos parece, contudo, que seja sempre assim, pois, muito embora as

regras de incidência não ostentem a figura de regras proibitivas, muitas vezes o

planejamento é utilizado como forma de contorno de normas que vedam determinados

efeitos fiscais, como acontece, por exemplo, nos casos em que se utiliza da chamada

incorporação às avessas com a finalidade de se utilizar prejuízo fiscal registrado na

sociedade que, não fosse isso, seria a incorporada87.

Realmente, diante da impossibilidade de aproveitamento de prejuízo fiscal

de incorporadas em operações de incorporação, discute-se modelo negocial pelo qual,

contrariando-se a estruturação usual empregada em procedimentos dessa natureza, é a

empresa deficitária que figura como a sociedade incorporadora, de forma que a

empresa superavitária pudesse “aproveitar” o prejuízo fiscal constituído

regularmente.

Ou seja, utiliza-se uma estrutura jurídica em si mesma válida 88 (a

incorporação às avessas) como forma de usufruir de um direito que em tese não teria

espaço em operações daquela natureza – i.e., em um procedimento de incorporação –,

o que gerou a lavratura de inúmeros autos de infração pelas autoridades fiscais89.

Todavia, quando de fato se está diante de norma imperativa de tributação

(e não de norma proibitiva), parece-nos mesmo que a crítica à fraude à lei como fator

de desconsideração dos efeitos tributários de atos e negócios jurídicos realizados é

procedente, especialmente pela aproximação, nesse caso, da tortuosa trilha da

finalidade prática buscada pelo legislador, o que em Direito Tributário poderia até

mesmo desvelar para a superada teoria da interpretação econômica90.

Para defendermos esse ponto, vale adiantarmos um pouco uma das

estruturas de planejamento que será comentada mais adiante, qual seja, a criação, por

sociedade industrial, de outra sociedade do grupo destinada especificamente à

distribuição e à comercialização de seus produtos.                                                                                                                87 Nesse sentido, dispõe o art. 33 do Decreto 2341/1987: Art. 33. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida. (BRASIL, 1987) 88  A incorporação às avessas é não apenas permitida pela legislação societária como foi expressamente prevista pelo § 4o do art. 264 da Lei 6.404/76 (BRASIL, 1976)  89 Não estamos defendendo que todos os casos de incorporação às avessas não possam gerar efeitos fiscais válidos, mas apenas que, ao menos em tese, eles poderiam ser entendidos como hipótese de fraude à lei. 90 Bifano bem esclarece o que representa a interpretação econômica: “Por essa formulação, ao Direito Tributário somente interessaria o fato econômico subjacente ao negócio jurídico formulado, sendo irrelevante a natureza do negócio ou instituto eleito pelas partes: a autoridade fiscal poderia colher o reflexo econômico que julgasse estar contido no negócio sob análise” (BIFANO, 2011, p. 208).

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64    

Uma das razões tributárias que levam a essa estruturação, como se verá, é

justamente o aproveitamento do sistema monofásico instituído para o PIS e a

COFINS em determinados segmentos econômicos, pelo qual se busca concentrar a

tributação, usualmente, na fase de produção, desonerando-se, por consequência, as

demais etapas da cadeia econômica (i.e., distribuição e varejo).

Ora, ao estabelecer-se na fase comercial por meio de sociedade

pertencente ao mesmo grupo econômico, acaba-se por capturar uma importante

vantagem tributária, pois a margem de lucro aplicada na distribuição fica “sem”

qualquer tributação do PIS e da COFINS91.

Entretanto, dizer que nessa operação tenha ocorrido fraude à lei que

instituiu o sistema monofásico do PIS e da COFINS nos parece demasiado excessivo.

Isso porque, muito embora o que tenha sido pressuposto pelo legislador seja

realmente a tributação concentrada das contribuições ao PIS e à COFINS em uma das

fases econômicas de um determinado setor econômico, não é lícito inferir esse

objetivo do corpo das regras legais que instituem o sistema monofásico, já que, da

contextura própria das (diversas) normas aplicáveis, o que se verifica é apenas a

determinação de uma alíquota majorada na indústria e a determinação da aplicação de

alíquotas-zero na receita auferida na sua comercialização, ou seja, a ideia da

concentração apenas se pode extrair da motivação do legislador, jamais da própria

contextura normativa.

Assim, o que queremos ressaltar é que a figura da fraude à lei, quando

empregada nesse sentido de justificação econômica para a elaboração da regra de

tributação, parece ser pouco consistente para relativizar os efeitos tributários de um

planejamento. Há, dessa forma, outros elementos que parecem mais consistentes para

se questionar planejamentos tributários que a fraude à lei definidora da hipótese de

incidência tributária.

3.3.4. O Abuso de Formas e o Negócio Jurídico Indireto

Muito embora o ataque ao planejamento tributário no Brasil se faça

essencialmente pelas figuras da fraude à lei e do abuso do direito (que abre espaço a

considerações dos negócios “sem causa” e do propósito negocial), algumas outras                                                                                                                91 Na verdade, o caso é de aplicação de alíquota-zero.

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65    

figuras de direito privado merecem breve menção, por serem lembradas em toda

discussão sobre o que se pode ou não se pode fazer para economizar tributos.

A primeira delas é o abuso de formas.

Utilizado expressamente pela legislação alemã na consideração da

eficácia do planejamento tributário, o abuso de formas pode ser entendido como a

utilização de figuras inusuais ou atípicas para se atingir um determinado fim

prestigiado pelo ordenamento – e em relação ao qual há forma usual ou típica para o

seu atingimento.

Com essas características, o abuso de formas é usualmente associado ao

abuso do direito ou à fraude à lei92. Realmente, em muitos dos planejamentos

tributários que tiveram seus efeitos fiscais relativizados por conta do abuso do direito,

da fraude à lei, da ausência de proposito negocial (que, como já afirmado, para nós é

figura afeta ao abuso do direito), podemos identificar no plano a utilização de formas

atípicas, engendradas especificamente para a fruição do ganho tributário.

Parece correto, assim, entender que o abuso de forma é, via de regra, um

meio de se realizar a fraude à lei ou o abuso do direito, de maneira que nos parece

impossível a sua análise como instituto “autônomo” de desconsideração de efeitos

tributários, até mesmo pela a falta de previsão em nosso direito positivo do abuso de

forma como causa suficiente de ilicitude ou nulidade de negócios jurídicos.

O negócio indireto, por sua vez, requer, ao contrário do abuso de formas,

a utilização de um negócio jurídico típico. A questão aqui é que o negócio típico é

usado para atingir fins não usuais ao instituto, ou seja, utiliza-se de um instituto

previsto em lei para atingimento de finalidade (jurídica) não abarcada em tese pela

regra93.

                                                                                                               92 Schoueri, contudo, prefere associá-lo especificamente à fraude à lei, o fazendo nos seguintes termos: “É intima, com efeito, a relação entre o abuso de formas jurídicas, conforme desenvolvido naqueles países, e a fraude à lei: dependendo do ponto de vista, sobressairá um ou outro aspecto, já que ambas as figuras se completam na elusão fiscal. Conforme se considere o caso a partir da norma eludida ou da norma ardilosamente utilizada, ter-se-á fraude à lei ou um abuso.” (SHOUERI, 2013, p. 701). 93 Tulio Ascarelli assim se refere ao negócio indireto: “As partes querem, efetivamente, o negócio que realizam; querem efetivamente submeter-se a disciplina dele, e não a uma disciplina diversa; querem também os efeitos típicos do negócio adotado, pois sem esse não alcançariam, o qual, embora não se identifique com a consecução de tais efeitos, necessariamente os pressupõe”. (ASCARELLI apud OLIVEIRA, 2009, 193).

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66    

Andrade Filho, embora tecendo relevantes críticas à doutrina do negócio

indireto94, traz interessante exemplo que ajuda entender o instituto: o de uma

sociedade que, querendo se desfazer de um ativo imobilizado, opta, em face da pesada

tributação do ganho de capital na pessoa jurídica, por reduzir o capital da empresa,

entregando ao sócio o bem que se quer alienar.

Ao contrário do que ocorre com os institutos do abuso do direito, da

fraude à lei e do abuso de formas, o negócio indireto normalmente é utilizado como

argumento de manutenção dos efeitos tributários de um planejamento tributário,

sendo muitas vezes aceito pelas autoridades administrativas de julgamento como fator

de validação do plano (SCHOUERI, 2010).

Isso porque, no negócio indireto, as partes, muito embora motivadas por

um fim não pressuposto pela norma legal, aceitam integralmente as consequências

jurídicas do ato praticado (REIS, 2008), o que torna de difícil aplicação o

entendimento no sentido de relativizar-lhe os efeitos tributários - é como se, no

negócio indireto, os fins extratributários (ou a “causa” objetiva do negócio)

estivessem pressupostos no aceite às consequências legais do tipo empregado95.

3.4. Considerações sobre a Norma Antielisiva no Brasil

Diante de tudo o que se disse até aqui, caberia considerar se os juízos de

desconsideração de planejamentos tributários no Brasil carecem de norma tributária

específica, i.e., de uma norma geral antielisiva, ou se os institutos de Direito Civil já

retratados acabam tornando-a desnecessária em nosso direito positivo.

A questão ganhou maior importância diante da promulgação da Lei

Complementar 104/2001, que inseriu, dentre outras normas, o parágrafo único do art.

116 do Código Tributário Nacional, que tem a seguinte redação:

                                                                                                               94 Para o autor, o “que comumente se diz ser negócio jurídico indireto não é mais que a simples escolha dentre opções válidas que a ordem jurídica põe à disposição de pessoas em geral para dar curso à circulação de bens e direitos” (ANDRADE FILHO, 2009, p. 191). 95 Nesse sentido o entendimento de Livia Germano: “O importante é perceber que a adoção de um negócio como meio para alcançar um escopo diverso pode – ou não – ser hipótese de elusão. Haverá negócios jurídicos indiretos qualificados como elusivos, por serem reais e produzirem todas as consequências jurídicas do negócio adotado (ou seja, está presente a causa do negócio adotado), embora a disciplina jurídica deste seja utilizada como meio para alcançar um escopo diverso.” (GERMANO, 2013, p. 116)

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67    

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Brasil, 2001, grifo nosso)

O dispositivo, é verdade, deu azo a uma séria de linhas interpretativas que

acompanhavam, em síntese, os posicionamentos já citados sobre os limites do

planejamento tributário.

Nesse sentido, para os adeptos da estrita legalidade como fator

preponderante, o parágrafo único do art. 116 ou não traz inovação alguma ao regular

apenas as hipóteses de simulação (tratar-se-ia, assim, de norma antissimulação e não

antielisão), ao passo que para os defensores da causa objetiva como elemento

determinante acreditam que o dispositivo nada mais fez do que trazer à baila a questão

da fraude à lei intrínseca para a desconsideração dos efeitos fiscais de atos e negócios

jurídicos empregados para a redução ou diferimento do ônus tributário96.

Não nos interessa, contudo, para fins do presente trabalho, tomar partido

nessa discussão. Cada uma das correntes possui seus fundamentos próprios, ainda que,

como já retratado, os juízos mais legalistas estejam perdendo força.

Todavia, o que vale sim asseverar é que, independentemente da

constitucionalidade, validade, operacionalidade e novidade do parágrafo único do art.

116 do CTN, os tribunais (especialmente os administrativos) vêm aplicando juízos de

desconsiderações sem qualquer menção à regra trazida pela LC 10497.

Ou seja, para os tribunais administrativos que têm analisado questões

afetas ao planejamento tributário, os juízos de desconsideração têm sido aplicados sem

qualquer consideração a uma norma geral antielisiva, de sorte que se pode assumir

                                                                                                               96 Nesse sentido, Heleno Torres defende que o dispositivo alcança “os atos elusivos praticados de acordo com a materialidade típica dos negócios sem causa (i), como fraude à lei (ii), ou como forma de simulação (iii) nas suas três modalidade: absoluta, relativa ou subjetiva”. (TORRES, 2003, p. 361/362). 97 Bifano tem interessante posicionamento no sentido de que a grande inovação da LC 104 é justamente o de estabelecer um procedimento para a desconstituição de atos e negócios jurídicos empregados no contexto de planejamentos de negócios com efeitos tributários, in verbis: “O parágrafo único do art. 116 do CTN determina, apenas, que se regule as condições para que o agente fiscal possa desconsiderar atos e negócios jurídicos anormais por tentarem afetar ou dissimular a ocorrência do fato gerador”. (BIFANO, 2011, p. 360).

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68    

que, para estes, a questão se resolve a partir do direito posto e de figuras como a do

abuso de direito e a da fraude à lei.

Portanto, ainda que entendamos que a questão da constitucionalidade e

eficácia do parágrafo único do art. 116 do CTN tenha que ser enfrentada seriamente

em algum momento – pois que não se pode negar a tentativa deliberada do legislador

em instituir norma geral antielisiva –, o fato é que, para o nosso escopo, as

considerações sobre os institutos de direito civil que potencialmente refletem nos

juízos de desconsideração de atos e negócios jurídicos realizados com a finalidade de

eliminar, reduzir ou diferir a tributação parecem ser suficientes.

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69    

4 OS CRITÉRIOS USUALMENTE EMPREGADOS NA RESOLUÇÃO DE

CASOS DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

Se queremos discutir casos de planejamento tributário com tributos indiretos

– e a existência de eventuais critérios especiais na sua resolução – faz-se necessário

ao menos uma referência à forma como têm se dado os julgamentos de casos práticos

de planejamentos tributários no Brasil.

Há certo consenso de que a grande maioria desses casos de planejamento

tributário foram analisados por tribunais administrativos, especialmente pelo tribunal

administrativo responsável pelo julgamento de questões tributárias federais, o CARF.

Isso ocorre especialmente porque a Secretaria da Receita Federal do Brasil

(RFB) é que tem abraçado mais fortemente as correntes interpretativas que

condicionam planejamentos tributários não apenas ao teste da licitude e da simulação

em sentido estrito, mas também à existência de outros vícios nos atos e negócios

jurídicos que lhe dão concreção, a exemplo das já comentadas figuras do abuso de

direito, da fraude à lei, do negócio “sem causa”, da ausência de motivação

extratributária e assim por diante.

Nesse sentido, ganha destaque a obra “Planejamento Tributário e o

‘Propósito Negocial’”, coordenada por Schoueri, na qual se realiza interessante estudo

acerca das decisões proferidas pelo então Conselho de Contribuintes (atual CARF)

que se debruçaram sobre a questão da eficácia fiscal de negócios jurídicos

empregados no bojo de um planejamento de negócios com efeitos tributários.

É interessante notar que, como confidenciado por Schoueri logo no artigo

inaugural, já no início da pesquisa foi possível verificar que a análise dos vícios

usualmente alegados como causa de desconsideração (o abuso de direito, a fraude à

lei, o abuso de formas e figuras afins) era imprestável, já que “um mesmo instituto era

mencionado por diversos julgadores em situações em nada comparáveis, enquanto

situações bastante assemelhadas eram qualificadas de modo diverso” (SCHOUERI,

2010, p. 16)

Por outro lado, a pesquisa realizada revelou que a inexistência de motivação

extratributária é elemento bastante relevante para a desconsideração dos efeitos

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70    

fiscais dos negócios jurídicos empregados para a redução eliminação ou diferimento

de tributos, in verbis: Na tabela, verifica-se que o antigo Conselho de Contribuintes não identificou motivos negociais em quarenta e um acórdãos, e considerou inválido o planejamento tributário em trinta e quatro deles – o que corresponde a uma frequência relativa de oitenta e três por cento (83%). Logo, ainda que não seja possível se falar em uma regra determinística, pode-se ao menos afirmar que é provável que o tribunal administrativo considerará inválido os planejamentos tributários em que não identificar qualquer motivação empresarial. O reconhecimento de que existe um motivo extratributário para o planejamento também é relevante para o resultado dos julgamentos. O antigo Conselho de Contribuintes considerou válido nove dos dez planejamentos tributários em que identificou motivos empresariais não tributários para os negócios jurídicos julgados. Logo, também se pode afirmar que o planejamento tributário provavelmente tende a ser válido se o contribuinte convencer o órgão julgador da existência de razões não-tributárias para justificar os negócios praticados. (SCHOUERI, 2010, p. 432)

Assim, a despeito das diversas confusões conceituais empregadas pelo antigo

Conselho de Contribuintes (e que certamente persistem no atual CARF), pode-se

afirmar que a existência de motivos extratributários foi para o órgão administrativo o

elemento mais relevante na interpretação dos planejamentos tributários levados

a cabo pelos particulares, no que toca à sua oponibilidade ao fisco federal.

Observe-se, para confirmar essa linha de raciocínio, o acórdão 104-21675,

proferido pela então 4a Câmara do Conselho de Contribuintes, analisado na obra

coordenada por Schoueri. Trata-se de um planejamento que buscava, a toda evidência,

evitar a incidência do imposto sobre a renda incidente sobre o ganho de capital

auferido pelos sócios na alienação de participação societária, o que seria realizado por

meio da prática sucessiva de (i) um contrato de associação entre a empresa adquirente

e a empresa cujas cotas se queria alienar e (ii) de uma posterior operação de cisão,

mediante a qual o vendedor ficaria com o dinheiro (=caixa) e o comprador com os

demais ativos e passivos pertencentes ao negócio.

Referido planejamento, é verdade, foi considerado realizado a partir de

negócios simulados, porém a pedra de toque para essa conclusão foi justamente a

ausência de motivos extratributários para a realização da operação de associação, haja

vista a inexistência de qualquer affectio societatis entre os sócios:

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71    

Acórdão 104.21498 PAF - NULIDADE DO PROCEDIMENTO - AUSÊNCIA DE CIENTIFICAÇÃO NA FASE PRELIMINAR AO LANÇAMENTO - Não há que se confundir procedimento administrativo fiscal com processo administrativo fiscal. O primeiro tem caráter apuratório e inquisitorial e precede a formalização do lançamento, enquanto que o segundo somente se inicia com a impugnação do lançamento pelo contribuinte, resguardadas nesta fase as garantias do contraditório e da ampla defesa. SIMULAÇÃO - CONJUNTO PROBATÓRIO - Se o conjunto probatório evidencia que os atos formais praticados (reorganização societária) divergiam da real intenção subjacente (compra e venda), caracteriza-se a simulação, cujo elemento principal não é a ocultação do objetivo real, mas sim a existência de objetivo diverso daquele configurado pelos atos praticados, seja ele claro ou oculto. OPERAÇÕES ESTRUTURADAS EM SEQUÊNCIA - O fato de cada uma das transações, isoladamente e do ponto de vista formal, ostentar legalidade, não garante a legitimidade do conjunto de operações, quando fica comprovado que os atos praticados tinham objetivo diverso daquele que lhes é próprio. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO EXTRATRIBUTÁRIA - O princípio da liberdade de auto-organização, mitigado que foi pelos princípios constitucionais da isonomia tributária e da capacidade contributiva, não mais endossa a prática de atos sem motivação negocial, sob o argumento de exercício de planejamento tributário. OMISSÃO DE GANHOS DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA - SIMULAÇÃO - MULTA QUALIFICADA - Constatada a prática de simulação, perpetrada mediante a articulação de operações com o intuito de evitar a ocorrência do fato gerador do Imposto de Renda, é cabível a exigência do tributo, acrescido de multa qualificada (art. 44, inciso II, da Lei nº 9.430, de 1996). DECADÊNCIA - Caracterizado o evidente intuito de fraude, o termo inicial do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário passa a ser o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (arts. 150, § 4º, e 173, inciso I, do CTN). JUROS SELIC - INCONSTITUCIONALIDADE - Não compete aos Conselhos de Contribuintes a discussão acerca da suposta inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, cabendo ao Poder Judiciário manifestar-se sobre o tema. Preliminares rejeitadas. Recurso negado. Por maioria de votos, REJEITAR as preliminares argüidas pelo Recorrente e, no mérito, NEGAR provimento ao recurso. Vencidos os Conselheiros Remis Almeida Estol e Meigan Sack Rodrigues, que desqualificavam a multa de ofício e, conseqüentemente, acolhiam a decadência. O Conselheiro Remis Almeida Estol fará declaração de voto. (BRASIL. Conselho de Contribuintes, 2006)

Da mesma forma ocorreu em caso de incorporação às avessas (acórdão no

107-07596, proferido pela 7a Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes), em que

o fisco buscava glosar a utilização de prejuízos fiscais registrados na incorporadora

(que, era, no caso, a “empresa deficitária”). No julgamento do caso, considerou-se

válido o planejamento pela presença de motivos não-exclusivamente tributários,

senão vejamos:

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72    

“(...) Deveras, não é necessário nenhum grande esforço para se concluir que a empresa resultante da operação, em termos empresariais, ganhou eficiência e reduziu custos, sobretudo aqueles custos que são inerentes ao simples fato da existência da sociedade empresarial. Por outro lado, mesmo que em face dos ensinamentos daqueles que condenam o abuso de direito, a operação praticada pelo recorrente não se amolda à figura do abuso, muito menos de simulação se trata, seja porque única, seja porque não realizada com o único escopo de economizar tributo” (BRASIL, Conselho de Contribuintes, 2004)

A ausência de motivação extratributária, e, pois, a análise do propósito

negocial, tem sido a pedra de toque do planejamento com efeitos elisivos (i.e.,

oponível ao fisco) no contencioso administrativo federal, e a aplicabilidade do

conceito é bastante ampla em julgamentos administrativos.

A questão do propósito negocial, visto sob a dimensão da presença ou

ausência de motivação extratributária, tem para alguns forte ligação com o business

purpose doctrine, que teve origem nos Estados Unidos a partir do julgamento da

Suprema Corte norte-americana do caso Gregory v. Helvering, no qual se analisava a

oponibilidade fiscal de atos praticados com a finalidade precípua de economia

tributária.

No referido julgamento, entendeu a Suprema Corte que a reorganização

societária operada carecia de substância efetiva e que lhe faltava qualquer propósito

negocial e empresarial, como reconhecido pelo voto do Juiz Shutterland, transcrito

por Lobo Torres:

No doubt, a new and valid corporation was created. But that corporation was nothing more than a contrivance to the end last described. It was brought into existences for other purpose; it performed, as it was intended from the beginning it should perform, no other function. (TORRES, 2013, p. 146)

Desde então se construiu o chamado business purpose test, ancorado na

análise acerca da existência de transações fictícias (sham transactions), na verificação

do propósito econômico propriamente dito e também na verificação do caminho

trilhado na operação de estruturação (step transactions).

A aplicação da teoria do propósito negocial, ao menos quando vinculada

essencialmente ao motivo do ato ou negócio, é muito questionada pela doutrina, na

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73    

medida em que nossa tradição jurídica costuma afastar os elementos psicológicos

enquanto “causadores” de efeitos jurídicos, como bem ressalvado Bifano:

A motivação dos negócios jurídicos não tem qualquer relevância para o direito. Motivação, também denominada motivo individual por Orlando Gomes, é a razão principal que leva alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa buscando obter algo. Diversamente, a causa, às vezes denominada motivo típico ou causa final, é elemento fundamental na análise de um negócio jurídico, pois é o móvel do negócio (e não da pessoa), é o que se esconde por trás dele, é a consequência que as partes buscam (BIFANO, 2011, p. 199/200).

Freitas, da mesma forma, defende que o conceito de propósito negocial,

inclusive quando aplicado pelo então Conselho de Contribuintes, deve ser entendido

sob o enfoque da causa objetiva a que já nos referimos anteriormente, é dizer, dos

“elementos essenciais” do negócio jurídico tal como desenhado pela legislação:

Portanto, verifica-se que, em regra, quando o Conselho de Contribuintes analisa os motivos extratributários para a realização de planejamentos tributários, muitas vezes, está se deparando com o propósito negocial tal como conceituado no presente trabalho. Este propósito negocial, todavia, deve ser pautado em critérios objetivos intrinsecamente relacionados aos elementos essenciais do negócio jurídico, uma vez que (i) não é qualquer justificativa extratributária que irá conferir oponibilidade dos efeitos jurídicos da declaração de vontade; como também (ii) não é qualquer motivo extratributário que poderá ser exigido pelo Fisco; mas apenas (iii) aquelas justificativas correspondentes à causa objetivo do negócio jurídico. (FREITAS, 2010, p. 487-488)

Contudo, não se pode negar que a questão da existência de motivos

extratributários assume relevância preponderante em diversos julgamentos

administrativos e mesmo judiciais98, seja como motivo autônomo de desconsideração,

                                                                                                               98  TRF4 - AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 200404010444240 - 30/11/2004 Espécie: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a): DIRCEU DE ALMEIDA SOARES Ementa: INCORPORAÇÃO. AUTUAÇÃO. ELISÃO E EVASÃO FISCAL. LIMITES. SIMULAÇÃO. EXIGIBILIDADE DO DÉBITO. 1. Dá-se a elisão fiscal quando, por meios lícitos e diretos o contribuinte planeja evitar ou minimizar a tributação. Esse planejamento se fundamenta na liberdade que possui de gerir suas atividades e seus negócios em busca da menor onerosidade tributária possível, dentro da zona de licitude que o ordenamento jurídico lhe assegura. 2. Tal liberdade é possível apenas anteriormente à ocorrência do fato gerador, pois, uma vez ocorrido este, surge a obrigação tributária. 3. A elisão tributária, todavia, não se confunde com a evasão fiscal, na qual o contribuinte utiliza meios ilícitos para reduzir a carga tributária após a ocorrência do fato gerador. 4. Admite-se a elisão fiscal quando não houver simulação do contribuinte. Contudo, quando o contribuinte lança mão de meios indiretos para tanto, há simulação.

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74    

seja como pressuposto para a conclusão de que a vontade declarada na realização do

negócio jurídico é “desmentida”, para fins fiscais, pela análise do substrato

fático/concreto.

Antes de finalizarmos esta seção, é muito interessante notar que a quase

totalidade dos acórdãos analisados na obra de Schoueri referiam-se a planejamentos

tributários que envolviam tributos diretos, notadamente o IRPJ e a CSLL, ainda que o

PIS e a COFINS tenham sido analisados em diversos deles, porém apenas sob o

aspecto da tributação reflexa.

Ou seja, a carência de julgados acerca do planejamentos tributários que

envolvam especialmente tributos indiretos parece justificar realmente uma análise

específica sobre o tema, na tentativa de se buscar eventuais critérios ou considerações

específicas para a resolução desses casos.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             5. Economicamente inviável a operação de incorporação procedida (da superavitária pela deficitária), é legal a autuação. 6. Tanto em razão social, como em estabelecimento, em funcionários e em conselho de administração, a situação final - após a incorporação - manteve as condições e a organização anterior da incorporada, restando demonstrado claramente que, de fato, esta "absorveu" a deficitária, e não o contrário, tendo-se formalizado o inverso apenas a fim de serem aproveitados os prejuízos fiscais da empresa deficitária, que não poderiam ter sido considerados caso tivesse sido ela a incorporada, e não a incorporadora, restando evidenciada, portanto, a simulação. 7. Não há fraude no caso: a incorporação não se deu mediante fraude ao fisco, já que na operação não se pretendeu enganar, ocultar, iludir, dificultando – ou mesmo tornando impossível – a atuação fiscal, já que houve ampla publicidade dos atos, inclusive com registro nos órgãos competentes. 8. Inviável economicamente a operação de incorporação procedida, tendo em vista que a aludida incorporadora existia apenas juridicamente, mas não mais economicamente, tendo servido apenas de "fachada" para a operação, a fim de serem aproveitados seus prejuízos fiscais – cujo aproveitamento a lei expressamente vedava. 9. Uma vez reconhecida a simulação deve o juiz fazer prevalecer as consequências do ato simulado – no caso, a incorporação da superavitária pela deficitária, consequentemente incidindo o tributo na forma do regulamento – não havendo falar em inexigibilidade do crédito, razão pela qual a manutenção da decisão que denegou a antecipação de tutela pretendida se impõe. (BRASIL, Tribunal Regional Federal, 2004).  

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75    

5 O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E OS TRIBUTOS INDIRETOS –

ELEMENTO E CRITÉRIOS DE RESOLUÇÃO

Foi necessário percorrer todo este caminho para adentrarmos na questão

central deste trabalho: a existência de critérios específicos para a resolução de

casos de planejamentos que envolvam tributos indiretos.

Nosso interesse primordial, como já declarado, é justamente antever se o

tipo de tributo envolvido no planejamento, ou mesmo algumas características

especiais dos negócios empregados para eliminar, reduzir ou diferir o seu ônus

econômico, acabam por influir nos critérios utilizados para a desconsideração de seus

efeitos fiscais, dotando-os, nesse sentido, de algum caráter de especialidade frente aos

critérios usualmente aplicados, no Brasil, pelas autoridades julgadoras.

Assim, depois de nos debruçarmos sobre alguns aspectos conceituais que

julgamos relevantes, depois de definir o que consideraríamos, para fins deste trabalho,

como tributo indireto – e de descrever algumas de suas características específicas – é

momento de discorrer sobre casos de planejamento tributário que iluminam, de

alguma forma, essa nossa questão central.

Como se verá à frente, buscamos dividir os casos de planejamentos em

certos “tipos”, por entender neles elementos comuns que poderão auxiliar-nos na

sistematização do assunto, ainda que reconheçamos que nem todos os planejamentos

com tributos indiretos neles se encaixem.

5.1. Análise de Casos de Planejamento Tributários com Tributos Indiretos – A Busca

de Identificação de um Modus Operandi “Próprio”

5.1.1. Planejamentos Tributários com Tributos Indiretos Empregados a Partir da

Criação de Novas Pessoas Jurídicas ou Novos Estabelecimentos

A constituição de novas pessoas jurídicas ou novos estabelecimentos é por

nós considerada elemento recorrente em diversos planejamentos que envolvem

tributos indiretos.

Isso se dá, segundo entendemos, por razões vinculadas ora (i) à natureza

própria do tributo envolvido (caso notório do IPI, que incide sempre sobre a primeira

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saída do bem industrializado), ora (ii) à concessão de benefícios fiscais especiais por

determinadas unidades federativas periféricas (como nos casos em que a constituição

de nova pessoa jurídica ou de novo estabelecimento ocorra para fins de fruição de

benefícios fiscais concedidos unilateralmente por algum Estado ou Município), ora,

ainda, (iii) à existência de regimes especiais de tributação implementados no interesse

da fiscalização (a exemplo dos regimes de substituição tributária ou de monofasia).

Em todos esses casos, como se verá, a existência e constituição de um

novo estabelecimento (seja ele dotado ou não de personalidade jurídica própria)

parece trazer toda uma sorte de argumentos que são fundamentais na resolução de

casos concretos, argumentos esses que podem nos auxiliar na identificação dos

critérios ou considerações especiais aplicados aos juízo de desconsideração de atos ou

negócios jurídicos empregados para a economia de tributos indiretos.

5.1.1.1. A Criação de Pessoa Jurídica para a Distribuição de Produtos Fabricados pelo

Estabelecimento Industrial

A segregação de atividades sempre foi tema afeto ao planejamento

tributário – afinal, se bem analisado, é invariável que dentre os objetivos declarados

de uma sociedade empresarial encontre-se uma gama de atividades que, embora

correlatas, poderiam ser segregadas tendo em vista ganhos operacionais e, por vezes,

tributários.

O caso que abordamos nas linhas seguintes tem essa conotação. Trata-se

da criação, pelo grupo econômico de empresa fabricante de linha de produtos, de

uma sociedade comercial que tenha por objeto primordial distribuí-los ao mercado.

Esse “tipo” de planejamento, afirme-se, por mais que busque efeitos

fiscais, encontra campo fértil na atual estruturação de grupos empresariais no Brasil,

organizados a partir de holdings com a finalidade específica da gestão de

participações societárias (holding de participações ou holding pura).

Afinal, se a participação societária é administrada por sociedade

específica, fica mais fácil a separação ou criação de novas pessoas jurídicas para a

exploração de negócios distintos, já que, sob o prisma societário, o exercício dos

direitos de sócio fica sempre centralizado em holding de participações, senão

vejamos:

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77    

ESQUEMA 1 – Controle societário exercido através de uma holding de participações

Fonte: Elaboração própria

Todavia, para entendermos esse planejamento sob o prisma dos tributos

indiretos, faz-se necessário considerar todos os potenciais reflexos da estrutura no

âmbito do ICMS, do PIS e da COFINS e no âmbito do IPI.

Observe-se, incialmente, que o ICMS, como já afirmado, é tributo

plurifásico e não-cumulativo, de sorte que, atingindo potencialmente o consumidor

final dos bens colocados em circulação, não faria sentido aparente a implementação

do desenho do grupo a partir de sociedade fabricante e sociedade comercial, uma vez

que o que valeria, ao final, seria mesmo o imposto incidente na venda operada pela

distribuidora:

- Operação de Venda Estabelecimento Industrial INDUSTRIAL Valor da Operação 150 ICMS - Débito 27 Créditos Op. Própria 1299 ICMS à Pagar 15 ICMS Total 15

Quadro 1 – ICMS na venda por Estabelecimento Industrial

Fonte: Elaboração própria

                                                                                                               99 Valor “arbitrado” do crédito decorrente das compras de insumo pelo estabelecimento industrial.

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- Operação de Venda via Estabelecimento Comercial do Grupo INDUSTRIAL COMERCIAL ATACADISTA Valor da Operação 100 150 ICMS - Débito 18 27 Créditos Op. Própria 12 18 ICMS à Pagar 6 9 15

Quadro 2 – ICMS na venda por Estabelecimento Comercial do Grupo – Incidência

plurifásica

Fonte: Elaboração própria

NOTA: Em ambos os casos, o pagamento do ICMS é exatamente o mesmo

Todavia, essa equação altera-se radicalmente com a instituição dos

regimes de substituição tributária “para frente” que comentamos anteriormente. Isso

porque, na substituição tributária “para frente”, o pressuposto é a atribuição da

responsabilidade ao industrial/importador pelo ICMS devido por toda a cadeia

econômica do produto, o que, como veremos, traz importantes reflexos tributários.

Realmente, buscando alcançar o ICMS incidente ao longo de toda a

cadeia produção-consumo, a substituição tributária “para frente” opera a partir da

presunção do preço de sua venda a consumidor final, o que pode se dar (i) através da

implementação de tabelas de preços aprovadas ou publicadas pela administração

tributária ou, como é muito mais comum, (ii) pela adoção das chamadas margens de

valor agregado (MVA)100, quando se busca alcançar o preço final de venda a partir

da identificação de margens médias aplicadas de acordo com cada uma das fases

econômicas a que se submete o bem até o seu consumo final, é dizer, a indústria, a

distribuição e a venda a varejo.

A grande questão é que, nesses casos em que se utiliza o MVA para

alcançar o preço final de venda a varejo, a base de cálculo é construída justamente a                                                                                                                100 A margem de valor agregado busca basicamente o preço de venda do produto em sua última etapa comercial. Assim, considera a totalidade dos custos e margens de lucro aplicadas por uma cadeia hipotética do tributo, daí porque deva incluir, por exemplo, o preço do IPI ou mesmo o valor do frete. Veja, por exemplo, o que determina a legislação paulista em relação à formação da base de cálculo da substituição de materiais de construção civil (Decreto 45.490/2000): Art. 313-Z Para determinação da base de cálculo, em caso de inexistência do preço final a consumidor, único ou máximo, autorizado ou fixado por autoridade competente, ou do preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, aprovado e divulgado pela Secretaria da Fazenda, o percentual de margem de valor agregado previsto no artigo 41 será o Índice de Valor Adicionado Setorial - IVA-ST, divulgado pela Secretaria da Fazenda com base nas informações prestadas pelos contribuintes. (São Paulo, 2000).

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79    

partir do preço praticado pelo estabelecimento industrial/importador responsável pelo

recolhimento do ICMS-ST, o que acaba revelando a possibilidade de criação de

empresas intermediárias entre a produção e a comercialização do produto ao

mercado.

Ou seja, como o ICMS incidente sobre a cadeia seria estabelecido pelo

primeiro preço de venda, faz todo sentido econômico-tributário que se constitua uma

outra sociedade empresarial do grupo que, capturando margem de lucro não tributada

pelo imposto, realize a distribuição desses produtos ao mercado.

Assim, em vez de vender os produtos diretamente ao mercado, quando

toda a margem de lucro da sociedade industrial (e do grupo econômico) seria

alcançada pelo ICMS, aproveita-se a regra de substituição para, instituindo sociedade

comercial do mesmo grupo econômico, deixar fora do alcance do imposto parte dos

ganhos auferidos com a venda do bem produzido:

INDUSTRIAL COMERCIAL ATACADISTA Valor da Operação 100 150 ICMS - Débito 18 Créditos Op. Própria 12 ICMS - ST 7,2101 ICMS à Pagar 13,2 0 13,2

Quadro 3 – ICMS na venda por Estabelecimento Comercial do Grupo – Incidência

“monofásica” (substituição tributária)

Fonte: Elaboração própria

No âmbito do PIS e da COFINS o modelo de negócio também mostrou-se

interessante. É que com a instituição do regime denominado monofásico concentrou-

se toda a arrecadação e a fiscalização das contribuições sociais em um único iter da

cadeia econômica – na maioria das vezes, assim como ocorre com a substituição

tributária, o industrial ou o importador é o “eleito” para ser o agente arrecadador.

Muito embora haja substanciais divergências jurídicas entre a substituição

tributária para frente e a monofásica102, os efeitos econômicos de concentração de

                                                                                                               101 Valor do ICMS –ST calculado a partir de um MVA DE 40% (desconsiderado os valores de frete e IPI). 102 Como já observado, ao contrário do que ocorre com o ICMS – ST, o regime monofásico funciona através da concentração da alíquota das contribuições incidentes sobre a receita proveniente da venda de produtos pelo industrial ou pelo importador e da desoneração, via alíquota-zero, do PIS e da COFINS incidente sobre a receita auferida pelos comerciantes atacadistas e varejistas.

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80    

incidência (unicidade arrecadatória e fiscalizatória) equivalem-se, fazendo com que os

ganhos na estruturação e montagem de sociedade de distribuição sejam multiplicados,

atingindo não apenas o ICMS, como também as contribuições sociais ao PIS e à

COFINS.

Mas há também ganhos potenciais no IPI com a estrutura comentada.

Aqui, contudo, o ganho não deriva de um determinado regime arrecadatório (como

acontece com a substituição tributária para frente e com a monofasia), mas sim da

própria estrutura do tributo.

Ocorre que, como já citado, o IPI incide sobre operações com produtos

industrializados pelo contribuinte, atingindo em regra apenas a primeira circulação

jurídica do bem produzido, de forma que a estrutura fabricante-distribuidora acaba

por trazer potencial sinergia tributária – ainda que aqui, como já afirmado, seja

necessário ponderar os efeitos da norma antielisiva específica que determina a prática

de valor tributável mínimo nas operações entre empresas interdependentes.

Esse ponto, aliás, é muito importante para a estruturação prática do

planejamento tributário em questão, já que as regras de valores tributáveis mínimos

podem significar a adoção obrigatória de preços do mercado atacadista, o que poderia

inviabilizar os potenciais ganhos no que tange ao imposto.

Nesses casos, vale uma análise específica do local da constituição da nova

sociedade, buscando-se, para utilizarmos a linguagem da legislação fiscal, praça na

qual inexista mercado atacadista estabelecido, o que significaria permissão para

operar a partir do custo de fabricação e demais despesas incorridas, como já decidido

pelo CARF:

CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS CARF - Terceira Seção 4A CAMARA / 3A TURMA ORDINARIA MATÉRIA: IPI ACÓRDÃO: 3403-002.285 Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI Período de apuração: 31/03/2008 a 31/12/2010 VALOR TRIBUTÁVEL MÍNIMO. EMPRESA INTERDEPENDENTES. Inexistindo mercado atacadista na cidade em que está localizado o estabelecimento remetente, o valor tributável mínimo do IPI a ser observado nas vendas para empresa interdependente deve ser apurado com base na regra do art. 196, parágrafo único, II, do RIPI/2010, considerando-se apenas e tão-somente os custos de fabricação e demais despesas incorridas pelo remetente dos produtos. SUSPENSÃO DO IMPOSTO. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. É legítima a exigência do IPI, sobre o valor total da operação, nos retornos de industrialização por encomenda quando o executor da operação aplica

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insumo importado. (BRASIL, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, 2013)

Bem definidas essas premissas, vê-se que é significativo o potencial de

ganho tributário na constituição de empresas de distribuição por grupos empresariais

fabricantes de determinados produtos, a exemplo de medicamentos, cosméticos,

autopeças, dentre outros.

Eis então, precisamente, a razão pela qual inúmeros grupos empresariais

optaram por implementar tal desenho operacional, passando a operar a venda dos

produtos produzidos por suas empresas industriais valendo-se de distinta e específica

sociedade comercial.

Observe-se, já aqui, que o lucro auferido no processo comercial, agora

“deslocado” para pessoa jurídica diversa do grupo, encontra fundamento econômico

sólido: é que, se bem analisada, a operação comercial traz em si atividades tais quais a

operação logística, os pontos de vendas, a propriedade da marca, dentre outras;

atividades essas que não apenas podem ser “isoladas” em distinta pessoa jurídica

como justificam uma margem de lucro específica.

Mas seria esse planejamento tributário oponível aos fiscos federal e

estaduais? A economia gerada poderia ser considerada ilícita sob o aspecto tributário?

Haveria, no caso, a constatação de figuras como a simulação, o abuso do direito, a

fraude à lei? O negócio poderia ter seus efeitos fiscais relativizados a partir da

consideração de que não há outro motivo para a sua celebração que não o tributário?

Inicialmente, cabe identificar se há a prática de negócios simulados nesse

tipo de estrutura. Não nos parece, por evidente, que a estruturação do novo modelo

operacional do grupo resulte, necessariamente, em simulação, mas pode acontecer de,

em busca unicamente da vantagem tributária, a separação do negócio ocorrer apenas

formalmente – ou, como se diz em linguagem cotidiana, apenas “no papel” – e de, na

prática, ainda se tratar tudo como se fosse uma mesma pessoa jurídica, tal como

ocorrido, por exemplo, no conhecido “Caso Grendene”, que será comentado mais

adiante.

Nessas situações é realmente possível entender que o negócio é simulado,

de forma que seus efeitos fiscais sejam passíveis de desconsideração para fins fiscais.

Todavia, se de fato houver autonomia jurídica e operacional entre as sociedades

industrial e comercial; se de fato essas empresas existirem do ponto de vista jurídico

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82    

e econômico; se houver independência patrimonial, com a assunção de direitos e

obrigações específicos e individualizados103, a figura da simulação, ao menos se

tomada em seu sentido estrito, não deve ser considerada, não sendo prejudicial, como

muitas vezes quer a fiscalização, sequer se utilizada modalidade de administração

própria de grupos de empresa, como por exemplo a existência de estrutura de custo

compartilhada (via contrato de rateio de despesas), a elaboração de estratégia única

sob a ótica do grupo empresarial e assim por diante.

Outro ponto bastante relevante em relação ao planejamento discutido é

identificar a presença de eventual fraude à lei tributária. Sim, porque é evidente que

com a instituição do regime monofásico ou mesmo da substituição tributária para

frente, a vontade (pressuposta) do legislador seria apenas a de uma redistribuição do

ônus tributário ao longo da cadeia.

Há, contudo, como já comentado anteriormente, um grande óbice da

aplicação da figura da fraude à lei em casos como esse. É que, como dissemos, a

finalidade da norma de tributação deve ser encontrada na própria tessitura da

hipótese de incidência, jamais na intenção econômica do legislador.

Pensando especificamente no regime monofásico, parece-nos que a única

determinação legitimamente “extraída” do conjunto de normas aplicáveis seja que

haja, na receita auferida pelo industrial, a aplicação de uma alíquota majorada, sendo

as inferências quanto ao intuito econômico do legislador totalmente descabidas,

constituindo-se, com efeito, em matéria pré-jurídica.

Semelhante entendimento, afirme-se, já foi rechaçado pela jurisprudência

quando da análise do conteúdo econômico subjacente a regras de desoneração

tributária, sendo justamente o caso do entendimento do STJ quanto à extensão do

benefício do crédito presumido do IPI para aquisições provenientes de pessoas físicas

ou de cooperativas.

E para confirmamos a procedência do nosso entendimento, vale

descermos um pouco aos detalhes dessa discussão.

Tudo se deu justamente porque, sendo o benefício do crédito presumido

do IPI instituído para recuperar, para o exportador, o PIS e a COFINS incidentes (em

                                                                                                               103 Nesse sentido, o próprio art. 266 da Lei 6.404 prevê que as sociedades componentes do grupo preservam sua personalidade jurídica e seu patrimônio de maneira individualizada.

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83    

cascata104) nas operações internas, haveria o pressuposto econômico na norma

concessiva de que o cálculo do benefício deveria se dar apenas a partir de despesas

oneradas pelas referidas contribuições sociais, de forma que se na venda realizada

por pessoas físicas ou cooperativas não havia a incidência desses tributos, impossível

incluí-las no cômputo do benefício.

Não se pode negar que há certa lógica econômica nessa consideração105.

Contudo, o entendimento do STJ foi justamente no sentido de que, não havendo nada

na norma instituidora do crédito presumido que vedasse o cálculo nas aquisições de

pessoas físicas ou cooperativas, não caberia ao intérprete desconsiderá-las no cálculo

do benefício, in verbis:

REsp 1109034 / PR – Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES - T1 - PRIMEIRA TURMA. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. BASE DE CÁLCULO DO CRÉDITO PRESUMIDO DE IPI. LEI N. 9.363/1996. AQUISIÇÃO DE INSUMOS DE PESSOAS FÍSICAS E/OU COOPERATIVAS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA HIERARQUIA NORMATIVA. INTERPRETAÇÃO LITERAL DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. ART. 111 DO CTN. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ. 1. "Não consubstancia fundamento de natureza constitucional, a exigir a interposição de recurso extraordinário, a afirmação de que instrução normativa extrapolou os limites da lei que pretendia regulamentar. Trata-se de mero juízo de legalidade, para cuja formulação é indispensável a investigação da interpretação dada pelo acórdão recorrido aos dispositivos cotejados, incidindo, portanto, a orientação expressa na Súmula 636/STF, segundo a qual 'não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida'" (REsp 509.963/BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 18/8/2005, DJ 3/10/2005 p. 122) 2. No caso, interpretar-se a Lei n. 9.363/96 com a exclusão das aquisições de insumos de pessoas físicas e/ou cooperativas da base de cálculo do crédito presumido do IPI é fazer distinção onde a lei não a fez. Não há como, numa interpretação literal do citado art. 1º, chegar-se à conclusão de que os insumos adquiridos de pessoas físicas ou cooperativas não podem compor a base de cálculo do crédito presumido do IPI. É certo que a interpretação literal preconizada pela lei tributária objetiva evitar interpretações ampliativas ou analógicas (v.g.: REsp 62.436/SP, Min. Francisco Peçanha Martins), mas também não pode levar a interpretações que restrinjam mais do que a lei quis. 3. Com efeito, Instruções Normativas constituem espécies jurídicas de caráter secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis. De consequência, à luz dos art.

                                                                                                               104 Vale considerar que atualmente o crédito presumido do IPI não tem aplicabilidade para contribuintes sujeitos à não-cumulatividade do PIS e da COFINS, já que a recuperação das contribuições, nesses casos, se dá pelo próprio regime não-cumulativo. 105 Muito embora se possa conjecturar que mesmo o argumento econômico não convence, pois que os bens adquiridos e empregados pelas pessoas físicas e cooperativas na produção de bens podem ter sido atingidos pelo PIS e pela COFINS, o que geraria a repercussão “pressuposta” pela Lei 9.363/1996.

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97 e 99 do Código Tributário Nacional, Instruções Normativas não podem modificar Lei a pretexto de estarem regulando o aproveitamento do crédito presumido do IPI. 4. O acórdão recorrido está em perfeita sintonia com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, que tem entre suas atribuições constitucionais a de uniformizar a jurisprudência infraconstitucional. 5. Recurso especial não provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2008, grifos nossos)

Esse entendimento, afirme-se, já foi encampado pela própria

administração tributária. Referimo-nos ao caso da aplicação da regra de redução de

base de cálculo e/ou aplicação de alíquotas reduzidas no caso da venda de

equipamentos industriais e/ou agrícolas, quando ficou consignado pela Consultoria

Tributária da Fazenda do Estado de São Paulo que, como a estrutura normativa

empregada para conceder o benefício não o vinculou ao necessário destino industrial

ou agrícola do bem, não caberia ao intérprete fazê-lo. Senão vejamos:

Decisão Normativa COORDENADOR DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - CAT nº 3 de 17.12.2013 DOE-SP: 18.12.2013 ICMS - Operações com máquinas, aparelhos e equipamentos industriais e máquinas e implementos agrícolas . O COORDENADOR DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA decide, com fundamento no artigo 522 do Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - RICMS, aprovado pelo Decreto 45.490, de 30-11-2000, aprovar a proposta da Consultoria Tributária e expedir o seguinte Ato Normativo: 1. O artigo 34, § 1º, item 23, da Lei 6.374/89 fixou a alíquota do ICMS em "12%, nas operações com implementos e tratores agrícolas, máquinas, aparelhos e equipamentos industriais e produtos da indústria de processamento eletrônico de dados, [...] observadas a relação dos produtos alcançados e a disciplina de controle estabelecidos pelo Poder Executivo." 2. A relação das máquinas, aparelhos e equipamentos industriais e das máquinas e implementos agrícolas a que se refere o citado dispositivo está prevista na Resolução SF-4/98 (Anexos I e II). 3. Os adjetivos "industriais" e "agrícolas", como ocorre com a maioria dos termos, podem comportar mais de um significado. Especialmente no que diz respeito ao termo "industrial", ele pode ser tomado em um sentido mais restrito ou mais amplo, o que altera sensivelmente a construção do sentido da interpretação. Ou seja, uma máquina, aparelho ou equipamento pode ou não ser considerado industrial, dependendo do conteúdo semântico que seja atribuído a esse adjetivo. 4. Contudo, no caso em análise, há uma relação expressa de bens e mercadorias (com descrição detalhada e a respectiva classificação no código da NBM/SH) constantes dos Anexos I e II da Resolução SF-4/98. 5. Isso significa que o legislador, ao selecionar os bens e mercadorias que fazem parte da citada relação, já considerou, a priori, que os mesmos ostentam as características de industriais ou agrícolas. (...)

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85    

9. Ficam revogadas as Decisões Normativas CAT 6/2010, 8/2010, 1/2011 e todas as respostas a consultas tributárias que, versando sobre a mesma matéria, concluíram de modo diverso. 10. Esta decisão entra em vigor na data de sua publicação. (São Paulo. Coordenadoria da Administração Tributária, 2013)

Parece, assim, haver linha interpretativa suficientemente segura para se

afastar a possibilidade de o intuito econômico subjacente a regimes arrecadatórios –

como a monofasia e como a substituição tributária para frente do ICMS – sirvam de

justificativa para enxergar fraude à lei na constituição de empresa de distribuição pelo

grupo fabricante.

Caberia, então, verificarmos se o planejamento discutido configura abuso

de direito, e, mais especificamente, se lhe faltaria o chamado propósito negocial, tão

citado pelos julgadores administrativos.

Parece difícil pensar em abuso de direito em casos como esse. Realmente

– e mais uma vez afastando o caso de potencial simulação – imaginar que uma

estrutura empresarial efetiva, juridicamente autônoma, constituída não apenas para

uma única operação, mas para todas as operações de venda do grupo, possa ser

entendida como carente de propósito negocial contraria o direito positivo.

Pode ser, é claro, que uma das razões relevantes – talvez até mesmo a

mais relevante das razões – tenha sido de ordem tributária, porém, considerar que a

totalidade de novas relações jurídicas constituídas para que se opere na distribuição

dos produtos fabricados carece de propósito negocial nos parece totalmente

despropositado. O propósito negocial, nesses casos, é quase pressuposto, já que é

implícito em operações estruturadas para serem perenes, que implicam não apenas no

benefício fiscal almejado, mas um fluxo continuado de direitos e obrigações.

Esse entendimento, diga-se, já foi vencedor no CARF:

Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF - 3a. Seção 4A CAMARA / 3A TURMA ORDINARIA MATÉRIA: PIS MONOFÁSICO ACÓRDÃO: 3403-002.519 Contribuição para o PIS/Pasep Ano-calendário: 2000, 2001, 2002, 2003 PIS. REGIME MONOFÁSICO. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. SIMULAÇÃO ABSOLUTA . DESCONSIDERAÇÃO DE ATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS. ART. 116, P.U. DO CTN. UNIDADE ECONÔMICA. ART. 126, III, DO CTN. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Não se configura simulação absoluta se a pessoa jurídica criada para exercer a atividade de revendedor atacadista efetivamente existe e exerce tal atividade, praticando atos válidos e eficazes que evidenciam a intenção negocial de atuar na fase de revenda dos produtos. A alteração na estrutura de um grupo econômico, separando em duas pessoas jurídicas diferentes as diferentes atividades de industrialização e de distribuição, não configura

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86    

conduta abusiva nem a dissimulação prevista no art. 116, p.u. do CTN, nem autoriza o tratamento conjunto das duas empresas como se fosse uma só, a pretexto de configuração de unidade econômica, não se aplicando ao caso o art. 126, III, do CTN. Recurso voluntário provido. Recurso de ofício prejudicado. (BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, 2014)

Ora, como bem ponderado na ementa citada, o propósito negocial é

justamente o atuar na fase de revenda de produtos106. Não se trata, mais uma vez,

de um propósito transitório ou representado por uma única transação, como ocorre,

por exemplo, no caso da incorporação reversa ou do aproveitamento do ágio interno.

Trata-se, isso sim, de uma estrutura operacional perene, que envolve uma lógica

própria e nova estrutura de custos, denotando, inegavelmente, uma justificativa

empresarial forte para os negócios jurídicos empregados.

Não é a toa, portanto, que a tanto a União Federal quanto os Estados

parecem reconhecer que o mecanismo adequado para “fechar a porta” desse

planejamento seja mesmo a via legislativa107.

5.1.1.2. A Constituição de Estabelecimento para Fruição de Alíquotas Beneficiadas de

ISSQN

É realidade plenamente conhecida que alguns Municípios, na tentativa de

atrair para seus territórios empreendimentos empresariais, estabeleceram alíquotas

extremamente baixas do imposto, a ponto de se fazer necessária a criação de baliza

                                                                                                               106 Nesse sentido, vale citar passagem do voto proferido pelo relator do ACÓRDÃO: 3403-002.519, juiz Ivan Alegretti: “A concentração da incidência de PIS/Cofins é um mecanismo tributário por meio do qual, em nome da praticidade da arrecadação, o Governo decidiu extrair do produtor, logo no início da cadeia de circulação dos bens produzidos, toda a carga tributária que pretendia extrair ao longo de toda a cadeia de circulação destes bens. O efeito econômico desta medida é, naturalmente, tornar pouco atrativo produzir, desestimulando o ingresso de novos produtores – sobreonerados pelo peso maior para colocar seus produtos no mercado – e estimulando os produtores existentes a atuar como distribuidores, passando a atuar no mercado atacadista”. (BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, 2014) 107  A União Federal, por exemplo, já havia editado medida provisória – não convertida em lei, afirme-se – que determinava que, no sistema monofásico, quando indústria e distribuição fossem interdependentes, haveria a obrigatoriedade de recolhimento do PIS e da COFINS também pelo distribuidor. Em caso recentíssimo, o Governo Federal editou o Decreto 8393/2015, que, dando nova redação ao Anexo III da Lei 7798/1988, equiparou à condição de contribuinte de IPI os distribuidores de diversos produtos de higiene e beleza pessoal – em norma de constitucionalidade evidentemente duvidosa. Os Estados, por sua vez, também se movimentam nesse mesmo sentido, como se vê, por exemplo, na determinação de que, na venda de alguns produtos sujeitos à substituição tributária para sociedade interdependente, o fabricante deva aplicar índice de valor agregado (IVA) majorado, ou mesmo quando se estabelece que, caracterizada a interdependência, deve o distribuidor recolher novamente o ICMS-ST sobre as vendas realizadas.

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87    

constitucional específica para o tema, ex vi da Emenda Constitucional 37/2002108, que

determinou a existência da alíquota mínima do ISS, estabelecida em 2%.

A existência de alíquotas diferenciadas do ISSQN revelam a existência de

uma efetiva guerra fiscal municipal e o tema é evidentemente importante para os

contribuintes do imposto e para os gestores ocupados com a questão tributária.

Imagine-se, por exemplo, o caso em que uma determinada sociedade

prestadora de serviços, estabelecida na cidade de São Paulo, tenha sua atividade

tributada pela alíquota de 5%. Imagine-se, também, que essa mesma atividade seja

tributada à alíquota de 2% em um Munícipio vizinho ou próximo da capital paulista.

Ora, faz todo o “sentido empresarial” que, buscando uma economia de 3%

na carga tributária (de ISSQN) incidente sobre o serviço prestado, a sociedade

prestadora de serviços estude alterar seu estabelecimento para a cidade vizinha. Isso

porque o ISSQN, regra geral, é devido no local do estabelecimento prestador109.

                                                                                                               108 A Emenda Constitucional 37/2002 deu a seguinte redação ao art. 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Art. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do § 3º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo: "I - terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei 406, de 31 de dezembro de 1968 ( LGL \1968\7 ) ; "II - não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I. (Brasil, 1988). 109  Art. 3o O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local: I – do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, na hipótese do § 1o do art. 1o desta Lei Complementar; II – da instalação dos andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas, no caso dos serviços descritos no subitem 3.05 da lista anexa; III – da execução da obra, no caso dos serviços descritos no subitem 7.02 e 7.19 da lista anexa; IV – da demolição, no caso dos serviços descritos no subitem 7.04 da lista anexa; V – das edificações em geral, estradas, pontes, portos e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.05 da lista anexa; VI – da execução da varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo, rejeitos e outros resíduos quaisquer, no caso dos serviços descritos no subitem 7.09 da lista anexa; VII – da execução da limpeza, manutenção e conservação de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.10 da lista anexa; VIII – da execução da decoração e jardinagem, do corte e poda de árvores, no caso dos serviços descritos no subitem 7.11 da lista anexa; IX – do controle e tratamento do efluente de qualquer natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos, no caso dos serviços descritos no subitem 7.12 da lista anexa; X – (VETADO) XI – (VETADO) XII – do florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.16 da lista anexa;

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88    

É verdade que, se analisarmos rigorosamente o quadro exposto, poder-se-

ia até mesmo entender que sequer se estaria tratando de hipótese de planejamento

tributário, já que se trata de mera fruição de incentivos fiscais. Todavia, a realidade

que envolve tais casos é sempre mais rica e dinâmica e via de regra envolve mesmo a

análise e elaboração de um plano para que se afaste a tributação agravada do ISSQN.

Nesses situações, o elemento central do planejamento consiste em

identificar o que seja o coração (core business) da atividade, o que configura em

essência o serviço prestado e quais são os insumos necessários para a sua realização,

para só então transferir a atividade para a outra municipalidade.

Pensando exemplificativamente na atividade de rastreamento de veículos

(e assumindo que ela se submete ao ISSQN e não ao ICMS), seria como identificar o

que é a substância do serviço prestado, garantir que o serviço seja realizado no novo

estabelecimento que se quer constituir e, a partir disso, sujeitar-se à aplicação da

alíquota beneficiada, ainda que a atividade administrativa (financeiro, contabilidade,

recursos humanos e outras) continue no estabelecimento anterior, situado na capital

paulista.

Veja-se que essa análise é mesmo essencial ao plano, já que, como dito, a

legislação do ISSQN dispõe que o imposto é devido onde situado o estabelecimento

prestador. Ou seja, ainda que muitas vezes haja coincidência absoluta entre a sede da

pessoa jurídica e o local onde se considera ocorrida a prestação de serviços, o

importante é identificar onde de fato o serviço é prestado, é dizer, onde estejam

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             XIII – da execução dos serviços de escoramento, contenção de encostas e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.17 da lista anexa; XIV – da limpeza e dragagem, no caso dos serviços descritos no subitem 7.18 da lista anexa; XV – onde o bem estiver guardado ou estacionado, no caso dos serviços descritos no subitem 11.01 da lista anexa; XVI – dos bens ou do domicílio das pessoas vigiados, segurados ou monitorados, no caso dos serviços descritos no subitem 11.02 da lista anexa; XVII – do armazenamento, depósito, carga, descarga, arrumação e guarda do bem, no caso dos serviços descritos no subitem 11.04 da lista anexa (Lei XVIII – da execução dos serviços de diversão, lazer, entretenimento e congêneres, no caso dos serviços descritos nos subitens do item 12, exceto o 12.13, da lista anexa; XIX – do Município onde está sendo executado o transporte, no caso dos serviços descritos pelo subitem 16.01 da lista anexa; XX – do estabelecimento do tomador da mão-de-obra ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, no caso dos serviços descritos pelo subitem 17.05 da lista anexa; XXI – da feira, exposição, congresso ou congênere a que se referir o planejamento, organização e administração, no caso dos serviços descritos pelo subitem 17.10 da lista anexa; XXII – do porto, aeroporto, ferroporto, terminal rodoviário, ferroviário ou metroviário, no caso dos serviços descritos pelo item 20 da lista anexa. (Brasil, 2003).

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89    

organizados os elementos essenciais à prestação, ex vi do art. 4o da Lei Complementar

116/03: Art. 4o Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas. (Brasil, 2003).

Evidente, assim, que é imperioso que se garanta que o serviço seja

prestado na outra municipalidade, ou seja, que aquilo que se determinou a sociedade

a prestar a terceiros seja configurado no novo estabelecimento.

Não basta apenas transferir a sede ou matriz da pessoa jurídica para essa

nova municipalidade e acreditar que com isso se faria jus à aplicação da alíquota

favorecida. Afinal, repita-se, o serviço deve ser cobrado onde efetivamente prestado,

o que se dá, via de regra, no chamado estabelecimento prestador.

Voltando mais uma vez ao exemplo proposto, caberia perquirir o que

caracteriza o “cerne” da atividade de rastreamento de veículo: seriam as instalações

tecnológicas? A colocação dos rastreadores apenas compõe o serviço prestado ou

constituem-se o elemento central da atividade?

Essas e outras perguntas devem ser resolvidas no caso prático para que se

chegue a um resultado efetivo e para que a economia tributária pretendida seja de fato

oponível ao fisco. Faz-se necessário entender a fundo a atividade realizada,

reconhecer o que caracteriza o núcleo do serviço prestado, o que nele é atividade-

meio e atividade-fim, para só então estruturar a mudança de endereço do

estabelecimento:

Não se pode, portanto, tomar as partes pelo todo. Tanto mais tratando-se de serviços tributados pelo ISS, cuja hipótese de incidência refere, expressamente, gêneros de atividades econômicas constitutivas de serviços, perfeitamente discriminados em diferentes itens normativamente desdobrados. Deveras, as leis municipais, ao descrevem os serviços tributados pelo imposto, discrimina-nos, perfeitamente, em itens específicos. Desse modo, coíbem a indiferenciação; obrigam os órgãos fiscais a perquirirem a efetiva natureza do serviço prestado; impedem a atividade-meio sejam tomadas em conta, em lugar do serviço integralmente considerado. (...) Se algumas atividades assessórias, tarefas-meio forem desenvolvidas em lugares diversos, isso não terá o condão de alterar o local da prestação dos serviços, que será, só e unicamente, aquele em que situado o local

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90    

escolhido para a ultimação, perfazimento ou conclusão do serviço (BARRETO, 2005, p. 338)

A partir do momento em que o negócio estiver assim estabelecido, ou

melhor, se a atividade tributável estiver sendo desenvolvida efetivamente (em seu

núcleo essencial) no novo estabelecimento, parece-nos impossível desconsiderar os

seus efeitos tributários sob o argumento, por exemplo, de que a única razão para o

movimento tenha sido a de economizar tributos.

Ou seja, a partir do momento em que se tenha constituído um negócio

efetivo na outra municipalidade, e que seja esse negócio o cristalizador do fato

gerador previsto abstratamente na hipótese de incidência, parece-nos de todo indevido

qualquer tentativa de relativização dos efeitos fiscais do plano. Mais uma vez, o

propósito negocial nos parece pressuposto.

Exatamente nesse sentido, por exemplo, o voto do Juiz do Conselho

Municipal de Tributos de São Paulo, Dr. José Alberto de Oliveira Macedo, que,

analisando caso de empresa que havia constituído o seu domicilio tributário em

município com tributação favorecida, assim se manifestou:

Processo Administrativo nº 2012-0.232.475-0 Conselheiro Relator: Renato Guilherme Machado Nunes Câmara Julgadora: 1º Câmara Julgadora Efetiva As provas constantes dos autos formam um feixe convergente no sentido de se concluir que o contribuinte estava perfeitamente ciente de que, em que pese a estrutura organizacional do estabelecimento localizado no Município de São Paulo caracterizar uma unidade econômica e profissional, nos termos do que dispõe o art.4º da Lei complementar nº 116/2003 e o art.4º, §1º, da Lei nº 13.107/2004, conforme veremos abaixo, preferiu apropriar 100% de sua receita para estabelecimento seu localizado no Município de Lins – SP, embora não haja nos autos qualquer prova da existência de estrutura desse estabelecimento como unidade econômica e profissional para fins de prestação de serviço (...) Prosseguindo, não entendo que a autuação da situação concreta aqui tratada encontraria fundamento no art.116, parágrafo único, do CTN. O parágrafo único do art.116, CTN, é o que a doutrina denomina de norma antielisiva, ou, de forma mais precisa, de norma anti-elusiva. Busca alcançar aqueles casos de elusão fiscal onde o contribuinte estrutura sua atividade negocial de forma pouco comum, pouco usual, com o único propósito de economizar tributos. Na elusão fiscal, em que pese não haver fraude ou simulação, e apesar de, observando-se os atos em si, considerados isoladamente, não haver qualquer ilicitude neles, o arranjo negocial mostra-se, no seu conjunto, desprovido de lógica que caracteriza o abuso das formas jurídicas (considerado esse arranjo seu conjunto), com única finalidade de economia tributária.

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91    

Ainda que a legislação municipal tenha regulamentado o referido dispositivo, à luz do art.19 da Lei nº 14.133/2006, salvo melhor juízo, a situação aqui não é de elusão fiscal, mas sim de simulação de que os serviços teriam sido prestados por estabelecimento de outro Município. E os casos de simulação já estão regrados com aplicabilidade plena pelo CTN desde a sua origem, em 1966, como consta no art.149, VII, CTN. (São Paulo, 2013).

Parece-nos que também a fraude à lei não poderia ser considerada no caso

e aqui não apenas porque, como concluído no tópico anterior, as considerações

econômicas que não compõem a norma de tributação não devem ser consideradas no

juízo de desconsideração, mas também por entendermos que para aplicação da figura

da fraude à lei deve-se estabelecer, ainda que para fins exclusivamente tributários, um

relacionamento de “gradação” entre a norma utilizada para a fraude e a norma tida

como fraudada, o que é totalmente impossível no caso, uma vez que o contribuinte do

exemplo, ao ‘escapar” da tributação na capital, acaba por realizar o fato gerador

abstrato previsto na norma da outra municipalidade (ainda que seja mais benéfico sob

o ponto de vista de ônus econômico ou financeiro).

Ora, será possível que se possa falar em norma fraudada e norma

fraudadora nesses casos? Haveria alguma hierarquia ou relação de subordinação entre

a norma tributária paulista e a norma tributária da outra municipalidade? Será que o

critério, no caso, seria o da norma mais gravosa? Admitir resposta positiva parece

subverter o princípio federativo. E o juízo de consideração não pode ir tão longe em

nome da arrecadação.

5.1.1.3. A Constituição de Estabelecimento ou Pessoa Jurídica para Fruição de

Benefícios Fiscais do ICMS

Como visto anteriormente, a Constituição Federal, em nome do equilíbrio

federativo, determinou um tratamento nacional uniforme no que se refere a normas

concessivas de benefícios fiscais, papel esse exercido pela Lei Complementar 24/75,

que exige a aprovação unânime dos Estados para a implementação desse tipo de

regra.

Nada obstante, a realidade na concessão de benefícios fiscais pelos

Estados vem sendo bastante diferente do idealizado no plano normativo, e a quase

totalidade deles editam (ou editaram), unilateralmente, normas que implicam a

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92    

redução ou o diferimento do imposto (mesmo que muitas vezes mascaradas de

benefícios meramente financeiros110).

Em que pese a já afirmada ilegalidade e inconstitucionalidade dessas

normas de tributação favorecida, é fato que muitas sociedades calcaram-se na sua

existência para a definição do local onde seriam estabelecidos seus empreendimentos

empresariais, sendo conhecidos inúmeros casos de grandes empresas111 que ergueram

novas unidades ou mesmos estabeleceram novos negócios em Estados agressivos na

concessão de benefícios fiscais unilaterais.

Quer nos parecer que, nesses casos, seja impossível qualquer

questionamento sério sobre o direito dessas empresas de escolherem o melhor local

para a construção de seus empreendimentos, ainda que ao gestor fiscal seja necessário

perquirir o efeito dessa escolha – já que, como veremos em seguida, o direito de

crédito pode lhes ser relativizado, isso sem falar nas consequências de uma eventual

declaração de inconstitucionalidade do benefício usufruído112.

Entretanto, casos há em que a utilização de benefícios fiscais é inserida no

bojo de um planejamento de negócios, como ocorre, por exemplo, quando o

estabelecimento erigido na unidade federativa que concede o tratamento tributário

favorecido realiza operações com outros estabelecimentos da mesma pessoa jurídica

ou mesmo com outras sociedades componentes do grupo empresarial situadas em

Estado diverso.

Isso faz sentido quando estamos falando em tributos indiretos, já que

nesses casos, o imposto repassado para fins de crédito seria muito superior ao

efetivamente pago ao Estado de origem, o que acabaria por resultar em substancial

ganho econômico para a pessoa jurídica – ou mesmo para uma das sociedades

componentes do grupo.

Em casos como esse, veja-se, o primeiro ponto a ser ponderado pelo

administrador diz com o risco de glosa de créditos, uma vez que os Estados costumam

negá-los quando o imposto não tenha sido efetivamente pago em função da concessão

                                                                                                               110 Apenas para ficarmos no exemplo mais famoso, é justamente o caso do FUNDAP, criado pelo Estado do Espírito Santo. 111 É bastante conhecido o caso da FORD, que estava para se instalar no Estado do Rio Grande do Sul em virtude da promessas de benefícios fiscais e que, com uma aparente negativa do Estado após a mudança no governo estadual, optou por instalar-se no Estado da Bahia. 112 Nesse sentido, há grande discussão acerca da possibilidade de o Ministério Público, nesses casos, exigir de volta aos cofres públicos o valor dos benefícios julgados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.

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93    

de benefícios fiscais unilaterais, como estabelece, por exemplo, o parágrafo 2o do art.

59 do RICMS do Estado de São Paulo, in verbis:

Art. 59. - O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação ou prestação com o anteriormente cobrado por este ou outro Estado, relativamente à mercadoria entrada ou à prestação de serviço recebida, acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco (Lei 6.374/89, art. 36, com alteração da Lei 9.359/96). § 1º - Para efeito deste artigo, considera-se: 1 - imposto devido, o resultante da aplicação da alíquota sobre a base de cálculo de cada operação ou prestação sujeita à cobrança do tributo; 2 - imposto anteriormente cobrado, a importância calculada nos termos do item precedente e destacada em documento fiscal hábil; 3 - documento fiscal hábil, o que atenda a todas as exigências da legislação pertinente, seja emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco e esteja acompanhado, quando exigido, de comprovante do recolhimento do imposto; 4 - situação regular perante o fisco, a do contribuinte que, à data da operação ou prestação, esteja inscrito na repartição fiscal competente, se encontre em atividade no local indicado e possibilite a comprovação da autenticidade dos demais dados cadastrais apontados ao fisco. § 2º - Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea "g" da Constituição Federal. (São Paulo, 2000, grifo nosso).

A questão é bastante polêmica. Afinal, parece justificável, ao menos sob o

prisma econômico, a negativa por parte do Estado de localização do estabelecimento

adquirente, já que deverá suportar um valor de imposto que em regra não foi pago

pelo estabelecimento vendedor (ou que promove simplesmente a saída do produto, no

caso da transferência).

Nesse caso, a pretensão de glosa de créditos parece ter guarida na própria

Lei Complementar 24/75, ex vi do inciso I do seu artigo 8, sendo esse, inclusive, o

entendimento majoritário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Senão

vejamos:

Relator(a): Aroldo Viotti Órgão julgador: 11ª Câmara de Direito Público Data do julgamento: 03/03/2015 Ementa: Execução Fiscal. Débitos de ICMS e Multa decorrentes de auto de infração e imposição de multa, por crédito indevido de ICMS. Remessa de mercadorias de filial da executada localizada no Estado de Goiás. Crédito presumido concedido pelo Estado de Goiás, de forma unilateral, sem o convênio e sem a necessária aprovação do CONFAZ. Sentença que acolheu exceção de pré-executividade e julgou extinta a presente Execução

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94    

Fiscal, anulando o título executivo e o auto de infração que o ensejou. Recurso da Fazenda Estadual buscando a inversão do julgado. Admissibilidade. Hipótese em que o benefício fiscal não pode vincular as demais unidades da federação, pois não foi realizado convênio entre os Estados e o DF a seu respeito. Inteligência do disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea "g", da Constituição Federal, e nos artigos 1º, parágrafo único, inciso III, e 8º, incisos I e II, da Lei Complementar nº 24/75. Recurso provido para cassar a r. sentença que acolheu a exceção de pré-executividade, prosseguindo a execução. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2015).

Contudo, queremos crer que o centro do problema é muito mais uma

questão federativa do que propriamente um problema de não-cumulatividade.

Realmente, e a despeito de entendimentos respeitáveis no sentido de que a não-

cumulatividade não opera nos casos de benefícios fiscais irregulares, para nós o caso

é exatamente o inverso: é justamente a não-cumulatividade que garante o direito

integral ao crédito do adquirente de bens e produtos oriundos de Estados que

aderiram à guerra fiscal.

Afinal, a Constituição é enfática em asseverar o direito de crédito sobre o

ICMS cobrado na operação anterior, ressalvando-o apenas e tão-somente nos casos

em que a operação de aquisição ou de saída seja alcançada por regra de isenção ou

não incidência (salvo exportação), e os créditos derivados da guerra fiscal não se

encaixam em quaisquer dessas exceções.

Realmente, impossível equiparar o crédito derivado da guerra fiscal a uma

isenção parcial ou mesmo à regra de redução de base de cálculo, e isso não apenas

porque (i) se trata de institutos juridicamente distintos, mas também porque (ii),

diferentemente do que ocorre com a isenção e a redução da base de cálculo, o imposto

derivado da guerra fiscal é integralmente destacado e, pois, cobrado – já que incluído

no preço do produto – do adquirente.

A guerra fiscal, assim, não opera via isenção ou redução de base de

cálculo. O débito do imposto, nesses casos, é integralmente realizado, ainda que seja

neutralizado em momento posterior por norma de crédito presumido ou mesmo pela

concessão de financiamento dos recursos financeiros para o seu pagamento.

Ora, já há muito se definiu na doutrina113 e na jurisprudência114 que,

mesmo nos tributos não-cumulativos, crédito e débito não se confundem,

                                                                                                               113 Nesse mesmo é o escólio de José Eduardo Soares de Melo e Luís Francisco Lipo: “A técnica da não cumulatividade, como se verá minudemente, incide em momento posterior à constituição da obrigação tributária.” (MELO, LIPPO, 1998, p. 115).

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95    

constituindo-se cada qual em normas jurídicas distintas, ainda que conjugadas para

que se chegue ao efetivo quantum debeatur do imposto.

Isso, por evidente, diferencia o crédito “derivado” da guerra fiscal da

isenção ou da redução da base de cálculo, entendida pelo Judiciário como uma

isenção parcial por atingir - sem mutilar - um dos critérios quantitativos (a base de

cálculo) da chamada regra matriz de incidência.

Portanto, o que usualmente acontece nos casos de guerra fiscal é que a

regra de débito vem acompanhada de outra regra, a de crédito, que lhe neutraliza os

efeitos, destoando, mais uma vez, de uma simples isenção ou redução de base de

cálculo, quando então o crédito poderia ser negado por critérios constitucionais

expressos.

É verdade que poderia ser alegado, nesse caso, que a operacionalização do

benefício via regra específica – normalmente de crédito presumido do imposto – é

mera questão de forma e que, na prática, o caso seria mesmo de se considerar o ICMS

como não cobrado.

Mas esse raciocínio não procede porque sequer é correto imaginar

que o ICMS não foi cobrado na operação. Ele foi cobrado sim, tanto que destacado

na nota fiscal. Afinal, o ICMS é integrante do preço, de forma que, mesmo tendo ele

sido reduzido em função dos ganhos auferidos com a guerra fiscal, o imposto acaba

sendo suportado integralmente pelo seu adquirente, exatamente como informado no

documento fiscal (se o vendedor tem posteriormente um ganho ao não recolhê-lo

integralmente, isso é coisa diversa).

Esse ponto, diga-se, foi expressamente reconhecido pelo STF em decisão

liminar recente, conforme demonstra o trecho do voto proferido pela Ministra Ellen

Gracie:

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             114 CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IPI. AQUISIÇÃO DE PRODUTOS ISENTOS DA ZONA FRANCA DE MANAUS. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. DIREITO AO CREDITAMENTO. PRECEDENTES DO STF. I. O princípio constitucional tributário da não-cumulatividade não é, em si, um valor, mas limite objetivo que se preordena à realização de um valor. II. Percussão de duas normas jurídicas distintas: a da regra-matriz de direito ao crédito pelo do imposto pago nas compras para o processo de industrialização e a da regra-matriz de incidência do IPI. III. A norma isentiva tem objetivo determinado: mutilar parcialmente a regra-matriz de incidência tributária. Daí porque não alcançar a estrutura da regra-matriz de direito ao crédito. (...) (Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 3ª T. Apelação Cível em Mandado de Segurança n° 95.03.027260-2/SP. Relator Batista Pereira. DJU 15.08.2001, p. 1556. Grifos nossos).  

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96    

A pretensão de suspensão da exigibilidade do crédito, com a conseqüente suspensão da execução fiscal, merece acolhida. Há forte fundamento de direito na alegação de que o Estado de destino da mercadoria não pode restringir ou glosar a apropriação de créditos de ICMS quando destacados os 12% na operação interestadual, ainda que o Estado de origem tenha concedido crédito presumido ao estabelecimento lá situado, reduzindo, assim, na prática, o impacto da tributação. Note-se que o crédito outorgado pelo Estado de Goiás reduziu o montante que a empresa teria a pagar, mas não implicou o afastamento da incidência do tributo, tampouco o destaque, na nota, da alíquota própria das operações interestaduais. Ainda que o benefício tenha sido concedido pelo Estado de Goiás sem autorização suficiente em Convênio, mostra-se bem fundada a alegação de que a glosa realizada pelo Estado de Minas Gerais não se sustenta. Isso porque a incidência da alíquota interestadual faz surgir o direito à apropriação do ICMS destacado na nota, forte na sistemática de não-cumulatividade constitucionalmente assegurada pelo art. 155, § 2º, I, da Constituição e na alíquota estabelecida em Resolução do Senado, cuja atribuição decorre do art. 155, § 2º, IV. Não é dado ao Estado de destino, mediante glosa à apropriação de créditos nas operações interestaduais, negar efeitos aos créditos apropriados pelos contribuintes (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2012).

Ademais, o entendimento de que o imposto da guerra fiscal não foi

cobrado efetivamente na operação nos parece frágil em um ponto bastante importante

quando falamos dos impostos indiretos não-cumulativos: quase nunca o valor

cobrado/destacado em nota fiscal é aquele recolhido aos cofres públicos.

E isso pelo simples motivo de que, como visto anteriormente, contra ele

(débito) devem ser lançados todos os créditos a que faz jus o contribuinte (derivados

das aquisições tributadas), de forma que sempre há uma alíquota cobrada e uma

alíquota efetiva, correspondente ao resultado da somatória da totalidade dos valores

cobrados e da subtração de todos os créditos apropriados.

Portanto, nunca o valor cobrado é o efetivamente recolhido, e não

conhecemos discussão séria sobre admitir, em operações interestaduais, apenas o

crédito sobre o valor da alíquota efetiva a que se submete o contribuinte vendedor!

Trata-se, portanto, não apenas de uma questão simples de glosa de crédito, mas de

uma questão eminentemente federativa, que se dissocia por completo da questão do

direito de crédito sobre o valor efetivamente pago.

E precisamente o reconhecimento dessa questão que permite vermos o

acerto da mais recente jurisprudência do STJ, que não admite a glosa de créditos

nesses casos, in verbis: AgRg no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 44.350 – MG (2013/0387149-2) RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES

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97    

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. OPERAÇÃO INTERESTADUAL. RESOLUÇÃO 3.166/2001 DA SECRETARIA DE FAZENDA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. RESTRIÇÃO AO CREDITAMENTO DE ALÍQUOTA INTERESTADUAL (ICMS) PELO ESTADO DE DESTINO EM FACE DE INCENTIVO FISCAL CONCEDIDO PELO ESTADO DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. DIFERENCIAÇÃO ENTRE IMPOSTO DEVIDO E RECOLHIDO. 1. Discute-se neste recurso ordinário se o estado de destino pode, com base em ato normativo por ele expedido (Resolução 3.166/2001 da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais), glosar o crédito de ICMS relativo a entrada de mercadoria vinda de outra Unidade da Federação que deixa de recolher o imposto na origem em face da concessão de benefício fiscal. 2. Não é o caso de aplicação da Súmula 266/STF, haja vista que a impetração busca, de forma preventiva, evitar novas autuações relativas à glosa de créditos de ICMS. 3. Deve ser reconhecida a legitimidade passiva do Secretário de Fazenda, pois, na espécie, a violação do direito líquido e certo vindicado pela impetrante decorre diretamente de ato de responsabilidade dessa autoridade (Resolução 3.166/2001 da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais), emitido no intuito de mitigar os efeitos de denominada "guerra fiscal", porquanto "veda a apropriação de crédito de ICMS nas entradas, decorrentes de operações interestaduais, de mercadorias cujos remetentes estejam beneficiados com incentivos concedidos em desacordo com a legislação de regência do imposto", gerando, portanto, efeitos concretos imediatos em relação ao creditamento do ICMS nas operações interestaduais. 4. Reza o art. 155, § 2º, I, da Constituição que o ICMS "será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal". "A expressão montante cobrado , contida na segunda parte do art. 155, § 2º, I, da CF, deve ser juridicamente entendida como montante devido e, não, como montante efetivamente exigido (CARRAZZA, Roque Antônio, in ICMS, 13ª ed., Malheiros, São Paulo: 2009, pg. 358-361). Assim, nos casos em que o benefício fiscal concedido não importa isenção ou não-incidência, o contribuinte faz jus o crédito integral do ICMS devido junto ao estado de origem. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.312.486/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 17/12/2012; EDcl no RMS 32.937/MT, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 09/03/2012; RMS 31.714/MT, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 19/09/2011; RMS 32.453/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 10/06/2011; REsp 1.125.188/MT, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 28/05/2010. 5. "Somente iniciativas judiciais, mas nunca as apenas administrativas, poderão regular eventuais conflitos de interesses (legítimos) entre os Estados periféricos e os centrais do sistema tributário nacional, de modo a equilibrar as relações econômicas entre eles, em condições reciprocamente aceitáveis" (RMS 38.041/MG, Rel. p/ Acórdão Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 04/11/2013). 6. Agravo regimental não provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2013)

Mas ainda assim fica a dúvida: poderiam as autoridades fiscais questionar

o planejamento tributário idealizado? Poderiam alegar as autoridades do Estado onde

estabelecido o adquirente que haveria abuso de direito na criação de uma nova pessoa

jurídica do grupo (ou novo estabelecimento) em Unidade Federativa que concede

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98    

benefícios fiscais à margem do CONFAZ? Ou mesmo que toda a operação teve como

finalidade única ou principal a economia tributária? Ou ainda que haveria uma fraude

a suas regras internas de incidência do imposto?

Em relação ao abuso de direito e à finalidade exclusiva tributária, a

conclusão parece ser a mesma dos casos de constituição de novas pessoas jurídicas ou

de novos estabelecimentos já analisados é dizer: ainda que o principal motivador da

constituição da nova unidade negocial tenha sido apenas e tão-somente a economia

tributária, parece-nos impossível relativizar os seus efeitos fiscais.

De fato, e desde que afastada a simulação, a existência efetiva de um

estabelecimento – ou mesmo de uma pessoa jurídica do grupo – no Estado que

concede os benefícios fiscais e de uma operação real (que implique entrada e saída de

bens, controle de estoque, contratação de fretes e assim por diante) não permite que

seja alegada a ausência de fundamentos extratributários.

Aqui, mais uma vez, há o pressuposto da existência do propósito

negocial, na medida em que, com a constituição do estabelecimento ou da nova

pessoa jurídica há a assunção de uma enorme gama de direitos e obrigações

decorrentes de operações contínuas e sucessivas, feitas, mais uma vez, para durarem

no tempo.

Contudo, merece cuidadosa analise a possível alegação de fraude à lei –

no caso de fraude à lei estadual que concede o direito de crédito sobre o tributo

efetivamente cobrado na operação anterior. Acreditamos que esse entendimento (o de

que houve fraude à lei) seria potencialmente aplicável aos casos em que os

estabelecimentos (o situado no estado que concede tributação favorecida e o

localizado no estado de “destino” do bem) fossem pertencentes à mesma pessoa

jurídica, já que aí seria possível presumir que o ganho tributário fosse de completo

conhecimento do contribuinte e que estaria sendo por ele integralmente apropriado.

Isso porque, no caso, e ainda que haja a efetiva cobrança do ICMS na

operação de transferência, é possível interpretar que a ausência de pagamento do

imposto no Estado de origem configuraria um ganho indevido para a pessoa jurídica,

em detrimento do Estado de localização do estabelecimento de destino.

Ou seja, neste caso, a autonomia dos estabelecimentos, regra que tem

origem e função muito bem estabelecida, seria derrogada em detrimento do

entendimento da pessoa jurídica enquanto cristalizadora de todo o fluxo de

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99    

direitos e obrigações dos estabelecimentos que a compõem, permitindo antever

ilegalidade na apropriação do benefício fiscal unilateral.

Essa inteleção, quer nos parecer, perde força quando se está diante de

duas pessoas jurídicas distintas, ainda que componentes do mesmo grupo empresarial.

Afinal, o juízo de unidade patrimonial necessário para amparar a fraude à lei estaria

ausente, prevalecendo a plena autonomia das personalidades jurídicas, até porque em

muitas situações os benefícios fiscais são concedidos em face de inúmeras

contrapartidas exigidas por parte dos estados, o que não pode ser ignorado para a

adequada resolução do problema.

Ou seja, se os ganhos fossem pertencentes a outra pessoa jurídica, mesmo

que integrante do grupo empresarial, o entendimento da fraude à lei restaria bastante

prejudicado, uma vez que, como já afirmado, a pessoa jurídica adquirente

efetivamente pagou pelo crédito, sendo os ganhos da operação presumidamente

apropriados pela pessoa jurídica vendedora.

Pensamos que em se tratando de pessoas jurídicas distintas, só uma prova

muito robusta que demonstre que a pessoa jurídica destinatária apropriou-se do ganho

tributário com a operação de aquisição pode sustentar a desqualificação do crédito

tomado por razões diversas do que até então discutido pelo Judiciário – que, como

vimos, debate essencialmente a legalidade estrita da transferência de créditos, é dizer,

se isso é possível perante as regras da Lei Complementar 24/75 e mesmo se ofende ou

não o princípio da não-cumulatividade.

Evidente que isso não quer dizer que o empresário que planeja a abertura

de uma unidade em Estado que adere à guerra fiscal esteja isento de riscos. Não, eles

existem, e isso seja porque a questão dos créditos ainda não foi resolvida de maneira

definitiva pelo Judiciário seja porque ainda está em aberto a questão da

responsabilidade dos contribuintes que usufruírem de benefício fiscal declarado

inconstitucional pelo STF.

Todavia, ao que nos parece, a questão aqui é, pelo menos por enquanto,

meramente legal, não sendo influenciada pelos juízos próprios acerca do

planejamento tributário quando o assunto é a estruturação de negócios para a

economia de tributos diretos (a existência de abuso do direito, da motivação

exclusivamente fiscal e institutos afins), exceção feita à fraude à lei, com os temperos

que levantamos acima.

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100    

5.1.2. Planejamento com Enfoque no Aproveitamento de Créditos Tributários

Decorrentes da Não-Cumulatividade

Os tributos indiretos, como se viu, são muitas vezes implicados pelo

princípio (no caso do IPI e do ICMS) - ou simplesmente pela técnica (no caso do PIS

e da COFINS) - da não-cumulatividade.

No Brasil, a sistemática não-cumulativa é usualmente operada através da

escrituração de créditos (chamados, por isso mesmo, de créditos escriturais), créditos

esses utilizados, essencialmente, para compensação dos débitos tributários apurados

no mesmo período fiscal ou mesmo em períodos fiscais posteriores.

A não-cumulatividade é elemento central em muitos planejamentos

tributários, a exemplo daqueles casos em que operações societárias são levadas a cabo

apenas para que seja possível a utilização de saldo credor pelo incorporador, ou

mesmo daqueles outros nos quais a estruturação de operações triangulares é realizada

para possibilitar a geração e/ou utilização de créditos.

O acumulo de créditos, frise-se, não é consequência almejada por um

sistema tributário ótimo115. Afinal, especialmente no que se refere ao IPI e ao ICMS,

há parcela do preço dos bens e serviços adquiridos que é composta – juridicamente -

por esses tributos, de sorte que se o contribuinte “paga” pelo seu crédito, deveria, por

consequência do princípio da não-cumulatividade, recuperá-lo sem maiores

dificuldade, de maneira a impedir que seja considerado como custo da operação - o

que significaria a sua integração no custo do produto vendido, e, em última instância,

a eliminação da neutralidade buscada pela não-cumulatividade.

Ainda que assim seja, é fato que o acumulo de créditos é realidade em

nosso sistema tributário, sendo histórica a dificuldade de os contribuintes nacionais

                                                                                                               115 É que pode acontecer, por vezes, que esses créditos escriturais acabam acumulando-se nos registros de apuração do tributo, o que, em face da legislação brasileira, pode ser ocasionado por uma enorme variedade de fatores. Por exemplo, pode ser que o contribuinte seja preponderantemente exportador de produtos ou mercadorias acumulando, em virtude da regra de imunidade constitucional, créditos de ICMS, IPI e de PIS e COFINS. Pode acontecer, também, de o contribuinte se submeter a alguma regra específica de incentivo, como regra que determina a suspensão do IPI apara a cadeia automotiva, ou com a regra de redução de base de cálculo do ICMS em virtude da prática de operações incentivadas, como ocorre com a venda de certas máquinas e implementos agrícolas.

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101    

recuperarem integralmente os tributos acumulados em virtude das diversas regras

“desonerativas”116 existentes no âmbito do ICMS, do IPI, do PIS e da COFINS.

Nas seções seguintes falaremos de alguns desses casos de planejamento,

buscando evidenciar que, quando o plano leva em consideração créditos decorrentes

da não-cumulatividade, outros elementos devem entrar na consideração de sua

oponibilidade ao fisco.

5.1.2.1. Incorporação de Pessoas Jurídicas com Vistas à Utilização de Créditos

Escriturais.

Iniciemos analisando casos de planejamentos realizados com a finalidade

de melhor aproveitamento de créditos escriturais através da realização de

procedimentos de incorporação.

De fato, casos há em que o principal ativo buscado pela incorporadora é a

utilização de créditos escriturais detidos pela incorporada, o que, nos moldes do que já

discutido até aqui, poderia ensejar questionamentos acerca da oponibilidade de seus

efeitos ao fisco.

Antes de adentrarmos nesse mérito, faz-se necessário comentarmos alguns

aspectos legais que devem ser considerados na estruturação da operação.

É que muito embora a utilização de créditos fiscais escriturais da

incorporada pareça decorrer do próprio regime jurídico-societário de uma operação de

incorporação, ex vi do art. 227 da Lei 6.404/76117, a questão merece ponderações

específicas trazidas pela legislação dos tributos envolvidos, forte no disposto no art.

109 do CTN118.

                                                                                                               116  Essa realidade, ao menos em âmbito federal, foi amenizada com a instituição, pela Lei 10.637/02, de sistemática de compensações que permite que grande parte dos tributos federais acumulados possam servir de moeda para o pagamento de outros tributos federais exigidos do contribuinte, tudo a partir de operação levada a cabo sem qualquer interferência prévia da administração – ainda que a atividade deva ser submetida ao seu crivo homologatório. No que tange ao ICMS, porém, o acúmulo de créditos é realidade ainda presente, sendo comum identificar contribuintes do imposto “pendurados” com vultosos valores de crédito em seus balanços, especialmente porque a possibilidade de recuperá-los é bastante difícil de ser operacionalizada. 117 Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. (Brasil, 1976) 118 Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários. (Brasil, 1966).

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102    

Analisemos, em relação ao ICMS, o exemplo do Estado de São Paulo. A

legislação do Estado, diga-se, é lacunosa no que se refere ao tema, ainda que a

existência de normas complementares pareça indicar que a administração admite a

possibilidade genérica de a incorporadora utilizar os créditos da incorporada, como

se denota a redação da Portaria CAT 17/2006119.

Contudo, há vinculação da utilização do direito creditório à manutenção

do estabelecimento titular dos créditos escriturais. Ou seja, se porventura o

estabelecimento detentor dos créditos for encerrado, haverá questionamentos por

parte da fiscalização estadual acerca da apropriação do saldo credor pela

incorporadora, realidade diversa da que se daria se o dito estabelecimento fosse

mantido em atividade, quando então o saldo credor “acumulado” poderia ser utilizado

para o abatimento das operações de saída promovidas posteriormente à incorporação -

esse entendimento, frise-se, parece decorrer do determinado pelo art. 69, II, do

RICMS120 do Estado de São Paulo.

A legislação do IPI segue a mesma lógica. Nesse sentido, a RFB,

amparada no princípio da autonomia do estabelecimento, entende que os créditos

pertencentes a estabelecimento filial da incorporada poderão ser utilizados “pelo

estabelecimento filial resultante da incorporação”, prevendo o Regulamento do IPI -

                                                                                                               119  Art. 1° Relativamente aos livros e documentos fiscais, deverão ser observados os seguintes procedimentos: I - a utilização dos livros fiscais a que se refere o artigo 213 do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto 45.490, de 30 de novembro de 2000, independe de visto prévio, devendo ser lavrado termo circunstanciado no livro Registro de Utilização de Documentos Fiscais e Termos de Ocorrências, modelo 6, observado o disposto no § 1º; (...) III - no caso de alteração cadastral decorrente de mudança de endereço do estabelecimento e no caso de aquisição de estabelecimento de outra pessoa jurídica, por compra e venda, doação, permuta, ou outra forma permitida em direito, que resulte na transferência da titularidade do estabelecimento o contribuinte deverá: a) indicar, por qualquer meio indelével, os dados cadastrais alterados, nos livros e documentos fiscais que continuarem a ser utilizados; b) inutilizar os impressos de documentos fiscais em uso, caso pretenda confeccionar novos impressos, hipótese na qual a numeração deverá seguir a seqüência. (São Paulo, 2006). 120  Artigo 69 - Ressalvadas disposições em contrário, é vedada (Lei 6.374/89, arts. 45 e 46): I - a restituição ou a autorização para aproveitamento como crédito fiscal do valor do imposto que tiver sido utilizado como crédito pelo estabelecimento destinatário; II - a restituição ou a autorização para aproveitamento, de saldo de crédito existente na data do encerramento das atividades de qualquer estabelecimento; III - a transferência de saldo de crédito de um para outro estabelecimento. (São Paulo, 2000).

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103    

RIPI (art. 452121), no mesmo sentido, que o incorporador deverá transferir para seu

nome os livros fiscais em uso.

Não há aqui, é verdade, qualquer menção direta à impossibilidade de uso

de créditos na hipótese de o estabelecimento ser encerrado, muito embora, na lógica

da administração, isso pareça decorrer da própria regra da autonomia dos

estabelecimentos.

Assim, tanto para o ICMS quanto para o IPI, vincula-se a apropriação e

utilização do crédito pelo incorporador à manutenção do estabelecimento da

incorporada que o registra, não havendo permissão legal (ao menos expressa) que

permita o saldo credor gerado pelo estabelecimento seja simplesmente transferido

para outro estabelecimento do incorporador.

No que toca ao PIS e à COFINS, vale citar textualmente o que dispõe o

art. 30 da Lei 10.865/04, a garantir que todo o estoque de bens e direitos existentes na

incorporada e que são geradores de créditos das referidas contribuições também

possam “gera-los” na incorporadora, senão vejamos:

Art. 30. Considera-se aquisição, para fins do desconto do crédito previsto nos arts. 3º das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, a versão de bens e direitos neles referidos, em decorrência de fusão, incorporação e cisão de pessoa jurídica domiciliada no País. § 1o O disposto neste artigo aplica-se somente nas hipóteses em que fosse admitido o desconto do crédito pela pessoa jurídica fusionada, incorporada ou cindida.

Ainda que não haja qualquer dispositivo que permita expressamente que

os créditos acumulados – gerados, por exemplo, por conta de operações de exportação

– possam ser transferidos à incorporadora, quer nos parecer que uma negativa geral de

créditos é de todo despropositado no caso do PIS e da COFINS.

Isso porque, inexistindo norma restritiva expressa, os efeitos corriqueiros

da incorporação, no sentido de assunção, pela incorporadora, de todos os ativos e

passivos da incorporada, devem ser sentidos em sua integralidade, de sorte que se a

pessoa jurídica detentora dos créditos foi integralmente absorvida pela incorporadora,

                                                                                                               121  Art. 452. Nos casos de fusão, incorporação, transformação ou aquisição, o novo contribuinte deverá transferir para o seu nome, por intermédio da repartição competente do Fisco estadual, no prazo de trinta dias contados da data da ocorrência, os livros fiscais em uso, assumindo a responsabilidade pela sua guarda, conservação e exibição ao Fisco. Parágrafo único. A repartição poderá autorizar a adoção de livros novos em substituição aos usados anteriormente. (Brasil, 2010)

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104    

os créditos que lhe eram de direito deveriam poder ser utilizados pela

incorporadora122.

E aqui, frise-se, ao contrário do que acontece com o IPI e com o ICMS,

não impera o princípio da autonomia dos estabelecimentos, sendo o PIS e a COFINS

apurados de maneira uniforme e concentrada pela pessoa jurídica. Esse, aliás, foi o

entendimento ressalvado na Solução de Consulta 99.003, proferida pela Coordenação-

Geral de Tributação da RFB (COSIT), que, tratando de hipóteses de cisão parcial123,

reconheceu que não haveria como se negar a transferência do direito creditório para a

sucessora nos casos de incorporação e de fusão, in verbis:

15. A sucessão por incorporação ou por fusão não apresenta a problemática para reconhecimento do crédito como ocorre com a cisão, já que os sujeitos passivos originais deixam de existir e, regra geral, todo patrimônio é vertido a outra sociedade existente ou a uma nova, a depender do caso. (BRASIL, Coordenadoria-Geral de Tributação, 2014).

Ou seja, parece-nos que entende a administração tributária federal como

plenamente possível a “transferência” dos créditos entre incorporadora e incorporada

– e também a possibilidade de fazê-los “valer” economicamente para o incorporador,

através, por exemplo, da utilização do pedido de ressarcimento ou compensação

realizada em relação a créditos decorrentes da exportação ou de operações

desoneradas124.

Feitas essas considerações, interessa-nos questionar se incorporação que

por ventura tivesse por único ou principal motivo a utilização de créditos fiscais da

incorporada poderia ter os seus efeitos fiscais negados, relativizando-se o direito à

fruição do saldo credor detido pela incorporada.

Não parecem existir dúvidas de que uma incorporação que tenha por

motivação principal o aproveitamento da empresa desenvolvida pela sociedade

incorporada – especialmente pelo estabelecimento detentor dos créditos – não pode

                                                                                                               122 Esse entendimento, inclusive, parece decorrer do entendimento unanime do Poder Judiciário no sentido de que na incorporação há continuidade da empresa sob outra roupagem jurídica, in verbis: 123 Voltaremos a essa decisão logo abaixo. 124  Apenas as restrições atinentes ao próprio regime cumulativo é que podem vedar a transferência do referido direito creditório – como na hipótese de a incorporadora estar sujeita ao regime cumulativo, quando não poderia utilizar-se de créditos registrados pela incorporada que não sejam vinculados à exportação ou a operações desoneradas.  

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105    

ser considerada ineficaz sob o prisma tributário, inserindo-se os créditos fiscais dentre

os vários ativos adquiridos com a operação.

Contudo, será que a essa mesma conclusão poderia se chegar se a

operação tenha se estruturado, toda ela, com vistas à utilização de crédito escritural?

Imagine-se, por exemplo, que a incorporadora não tenha qualquer

interesse na manutenção do estabelecimento que registra os créditos acumulados e

que pretenda mantê-lo em operação apenas e tão-somente enquanto não aproveitados

os referidos direitos creditórios. Será que nesse caso a ausência de propósito negocial

poderia ser alegada como fator de desconsideração dos efeitos fiscais pretendidos?

A resposta, para nós, só pode se dar em um sentido: a operação é sim

lícita (sob o prisma fiscal) e deve operar todos os efeitos tributários pretendidos.

Contudo, o que há por detrás da afirmativa? Quais os predicados do caso hipotético

que permitem afastar as considerações do propósito negocial? Eis o ponto que

queremos atingir.

Para nós, o que está implícito na consideração afirmativa acerca da

validade do negócio sob o prisma tributário é que o crédito escritural resulta,

invariavelmente, do pagamento do tributo em operação anterior – ou, no caso do PIS

e da COFINS, da realização de operação de aquisição tributada pelas operações -, de

sorte que inadmitir a fruição do direito creditório implica não apenas em aceitar o

enriquecimento ilícito por parte do erário, mas também numa evidente negativa da

regra da não-cumulatividade.

Lembre-se, neste ponto, que a não-cumulatividade não é apenas, em

relação a alguns tributos, um direito do contribuinte, mas também uma regra de

calibragem do sistema tributário, evitando inclusive a inflação artificial de preços,

de sorte que considerá-la em casos práticos parece ser não apenas necessário, mas

uma vontade implícita do próprio sistema jurídico, se considerado em sua

integralidade.

Aqui se vê, portanto, a atuação específica de característica própria de

grande parte dos tributos indiretos, qual seja, a não-cumulatividade. E a sua presença

implica em agregar outros elementos à consagrada dicotomia legalidade x capacidade

contributiva. Afinal, se houve o pagamento pelos créditos do ICMS quando da

aquisição de bens e serviços, não nos parece caber ao fisco simplesmente negar o

direito à utilização por terceiro sucessor.

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106    

Nesse sentido, vale considerarmos toda a discussão ocorrida no bojo do

Processo Administrativo 5680521/08, do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São

Paulo.

No processo se discute, basicamente, o caso de uma operação de

incorporação em que uma sociedade incorpora outra que já não tinha mais qualquer

atividade operacional, mantendo-se “ativa” junto às repartições fazendárias apenas e

unicamente por conta de substancial crédito de ICMS registrado em suas contas

gráficas – os créditos, aliás, estavam atrelados a processo administrativo de

reconhecimento (na linguagem fiscal, o termo é apropriação) do chamado crédito

acumulado de ICMS125, o que permitiria, nos moldes da legislação paulista, transferi-

los a terceiros.

Ora, com a realização da incorporação, a incorporadora, optante pelo

regime de centralização da apuração do imposto, pôde utilizar-se dos referidos

créditos para abater do ICMS devido por outra (ou outras) unidade estabelecida no

Estado, ou seja, na prática o saldo credor da incorporadora foi utilizado para

compensar o imposto devido em suas operações tributadas.

Toda a discussão se deu porque para a fiscalização os créditos haviam se

perdido com o encerramento de fato do estabelecimento incorporado, conforme

determinado pelo já comentado inciso II do art. 69 do RICMS.

Após longo debate, entendeu o TIT que a operação era legitima porque o

estabelecimento incorporador, demonstrando evidente boa-fé, havia comunicado à

administração tributária sobre a manutenção de sua inscrição estadual enquanto

perdurasse o processo de créditos acumulados.

O mais interessante, contudo, é identificar as diversas passagens em que

se considera, explícita ou implicitamente, o direito do contribuinte (e, por

consequência, de seu sucessor) de utilizar o crédito existente e regularmente

escriturado, senão vejamos:                                                                                                                125 No Estado de São Paulo, o crédito acumulado é assim definido pelo RICMS: Artigo 71 - Para efeito deste capítulo, constitui crédito acumulado do imposto o decorrente de (Lei 6.374/89, art. 46, e Convênio AE-7/71, cláusula primeira): I - aplicação de alíquotas diversificadas em operações de entrada e de saída de mercadoria ou em serviço tomado ou prestado; II - operação ou prestação efetuada com redução de base de cálculo; III - operação ou prestação realizada sem o pagamento do imposto, tais como isenção ou não-incidência com manutenção de crédito, ou, ainda, abrangida pelo regime jurídico da substituição tributária com retenção antecipada do imposto ou do diferimento. (SÃO PAULO, 2000)

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107    

Há que se escolher entre uma linha de interpretação dos fatos e do direito que conceitue, para o caso específico, o que se entende por estabelecimento com atividades encerradas. A linha que sustenta o AIIM, ao mesmo tempo viabiliza que a demora do Fisco na resposta aos pedidos de crédito acumulado cause prejuízo irreversível aos que de maneira aparentemente lícita os geraram. A linha de defesa, parece privilegiar o direito à resposta aos requerimentos efetuados por parte de contribuinte que manteve, por opção sua inscrição estadual ativa até o momento em que tivesse seus pleitos atendidos ou negados. A primeira linha propicia um enriquecimento sem causa do Fisco, baseado simplesmente na demora na resposta a requerimentos lícitos e previstos na legislação. A segunda linha dá ao contribuinte o que lhe é de direito e confere ao Fisco a possibilidade de, não concordando com a geração dos créditos acumulados, autuar o estabelecimento gerador. Escolho, por conseguinte, abraçar a segunda diante das peculiaridades do caso em julgamento. (SÃO PAULO. Tribunal de Impostos e Taxas, 2008)

Portanto, o direito ao crédito, por conta da não-cumulatividade, foi a

pedra de toque, a impedir o “enriquecimento sem causa do Fisco” e ao dar ao

contribuinte “o que lhe é de direito”, afinal, se houve o pagamento pelos créditos do

ICMS pela incorporada, negá-los agora, mesmo que à incorporadora, seria frustrar o

dito princípio constitucional.

Veja-se que nada se discutiu, por exemplo, sobre a ausência de propósito

negocial na operação, aliás, muito pelo contrário, pois em determinado momento da

decisão 126 reconhece-se expressamente que a principal razão da operação de

incorporação foi mesmo a fruição do direito creditório, através da compensação do

saldo credor existente com o devedor gerado pelas outras operações da

incorporadora.

É verdade que, no futuro, operações como essa poderão ser questionadas

sob o prisma do abuso de direito e da ausência de motivação extratributária. Todavia,

a questão não se resolverá através da mera dicotomia legalidade x capacidade

contributiva, havendo aí a inserção de outro elemento tão ou mais decisivo: o direito

de crédito decorrente da norma constitucional que determina a não-

cumulatividade.

                                                                                                               126 Consta do voto vencedor o seguinte: “E se a Louis Dreyfus comprou empresa titular de estabelecimentos que possuíam créditos de ICMS fez, antes de qualquer irregularidade, entregar aos originais titulares dos estabelecimentos parte do que a eles pertencia por direito, vez que a origem dos créditos jamais foi contestada e que, ao final e após anos de demora, presumimos, receberam, no preço da incorporação, valor que os compensa parcialmente por créditos que ficaram parados por anos e que, na forma da legislação, sequer são corrigidos monetariamente.” (SÃO PAULO. Tribunal de Impostos e Taxas, 2008)

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108    

Por fim, cabe frisar, no que toca à operações societárias realizadas com o

a principal motivação de utilização de direitos creditórios derivados da não-

cumulatividade, que os casos cisão parcial merecem análise bastante cuidadosa,

especialmente quando o único ativo transferido forem os créditos de IPI, ICMS ou

mesmo de PIS e de COFINS, sendo oportuno mencionar novamente a Solução de

Consulta 99.003, proferida pela Coordenação-Geral de Tributação da RFB (COSIT):

ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO OPERAÇÃO DE CISÃO PARCIAL. AUSÊNCIA DE FIM ECONÔMICO. TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS DE NATUREZA TRIBUTÁRIA. CRÉDITOS DE TERCEIROS. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO PELA CINDENDA OU INCORPORADORA. A operação societária da cisão parcial sem fim econômico deve ser desconsiderada quando tenha por objetivo o reconhecimento de crédito fiscal de qualquer espécie para fins de desconto, restituição, ressarcimento ou compensação, motivo pelo qual será considerado como de terceiro se utilizado pela cindenda ou por quem incorporá-la posteriormente. Dispositivos Legais: Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 170; Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002, art. 5o, § 1º; Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, art. 18; Lei no 11.033, de 21 de dezembro de 2004, art. 17; Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, arts. 73 e 74; IN RFB no 1.300, de 20 de novembro de 2012. DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA PARCIAL. CONSULTA COM O OBJETIVO DE PRESTAÇÃO DE ASSESSORIA CONTÁBIL-FISCAL PELA RFB. Não produz efeitos a consulta formulada com o intuito de que a RFB preste assessoria relativa ao direito societário, não cabendo à Administração Tributária pronunciar-se sobre a legalidade da reestruturação societária pretendida. Dispositivos Legais: Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 2013, art. 18, inciso XIV. SOLUÇÃO DE CONSULTA VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 119, DE 22 DE MAIO DE 2014. (BRASIL, Coordenadoria-Geral de Tributação, 2014).

Observe-se que no acórdão destacado foi considerado que a realização de

cisão com a finalidade precípua de transferência de créditos equivaleria à ausência de

substancia negocial – ainda que o mais correto para se contestar a operação talvez

fosse a alegação de que houve fraude à “lei” que impede a transferência de créditos a

terceiros. De qualquer forma, não deixa de chamar a atenção – e até mesmo de

justificar o presente trabalho – que no caso prático a questão da não-cumulatividade

não tenha sido sequer considerada como um dos elementos para a sua adequada

resolução.

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109    

5.1.2.2. “Operações Triangulares – Exportação” com Vistas ao Aproveitamento de

Créditos Escriturais

As chamadas operações triangulares são bastante comuns no âmbito dos

tributos indiretos.

Realmente, tendo em vista a necessidade de se adequar as operações

comerciais a questões de eficiência logística, as operações triangulares há muito

foram incorporadas pela legislação tributária, conforme se observa, por exemplo, pelo

disposto Convênio SINIEF s/n, de 15/12/1970127, que, dentre outras coisas, prevê a

possibilidade de o comprador de determinada mercadoria solicitar ao vendedor da

mesma que a remeta diretamente a uma outra pessoa jurídica, haja vista a existência

de um novo contrato de venda e compra com ela pactuado.

Da mesma forma, o mesmo Convênio SINIEF s/n, de 15/12/1970128 autoriza

que operação triangular ocorra no âmbito de uma industrialização por encomenda -

                                                                                                               127 Art. 40. Nas vendas à ordem ou para entrega futura, poderá ser emitida Nota Fiscal, para simples faturamento, com lançamento do Imposto sobre Produtos Industrializados, vedado o destaque do Imposto sobre Circulação de Mercadorias. § 1º Na hipótese deste artigo, o Imposto sobre Produtos Industrializados será destacado antecipadamente pelo vendedor por ocasião da venda e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias será recolhido por ocasião da efetiva saída da mercadoria. (...) § 3º No caso de venda à ordem, por ocasião da entrega global ou parcial das mercadorias a terceiros, deverá ser emitida Nota Fiscal: 1. pelo adquirente originário: com destaque do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, quando devido, em nome do destinatário das mercadorias, consignando-se, além dos requisitos exigidos, nome do titular, endereço e números de inscrição, estadual e no CGC, do estabelecimento que irá promover a remessa das mercadorias; 2. pelo vendedor remetente: a) em nome do destinatário, para acompanhar o transporte das mercadorias, sem destaque do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, na qual, além dos requisitos exigidos, constarão como natureza da operação, “Remessa por Conta e Ordem de Terceiros”, número, série e subsérie e data da Nota Fiscal de que trata o item anterior, bem como o nome, endereço e números de inscrição, estadual e no CGC, do seu emitente; b) em nome do adquirente originário, com destaque do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, quando devido, na qual, além dos requisitos exigidos, constarão, como natureza da operação “Remessa Simbólica - Venda à Ordem”, número, série e subsérie da Nota Fiscal prevista na alínea anterior. § 4º Provado, em qualquer caso, que a venda se desfez antes da saída das mercadorias e que o comprador estornou o crédito correspondente à compra, poderá o vendedor requerer a compensação do Imposto sobre Produtos Industrializados. (BRASIL, 1970) 128  Art. 42. Nas operações em que um estabelecimento mandar industrializar mercadorias, com fornecimento de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagens, adquiridos de outro, os quais, sem transitar pelo estabelecimento adquirente, forem entregues pelo fornecedor diretamente ao industrializador, observar-se-á o disposto neste artigo. § 1º O estabelecimento fornecedor deverá: 1. emitir Nota Fiscal em nome do estabelecimento adquirente, da qual, além das exigências previstas no art. 19, constarão também nome, endereço e números de inscrição, estadual e no CGC, do

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110    

entendida como aquela na qual insumos são remetidos pelo estabelecimento

denominado de encomendante para o estabelecimento denominado de

industrializador, para que este realize uma ou todas as etapas de industrialização de

determinado produto -, admitindo-se, também aqui, que se remeta o produto acabado

para uma outra pessoa jurídica que não a encomendante, desde que essa já tenha

contratado uma venda e compra do produto industrializado.

As operações triangulares, assim, exercem grande importância na

otimização de processos produtivos e comerciais, permitindo redução substancial dos

custos logísticos.

Ocorre que as ditas operações são muitas vezes empregadas no âmbito de

planejamentos realizados com a finalidade de permitir a utilização - ou mesmo a

geração - de créditos tributários.

Vislumbremos, a título exemplificativo, a hipótese de duas pessoas jurídicas

pertencentes ao mesmo grupo empresarial, sendo que uma delas (SOCIEDADE A) é

detentora de substancial crédito acumulado de ICMS e a outra (SOCIEDADE B) é

regular pagadora do imposto. Imagine, ademais, que a pessoa jurídica acumuladora de

créditos (SOCIEDADE A) seja exportadora de produtos - o que inclusive é uma das

principais causas dessa acumulação.

Ora, em situação como essa, faz todo sentido estruturar planejamento para

que a exportação dos produtos se dê pela SOCIEDADE B, pois neste caso, haja vista

a aquisição dos produtos da SOCIEDADE A em operação regularmente tributada e a

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             estabelecimento em que os produtos serão entregues, bem como a circunstância de que se destinam à industrialização; 2. efetuar na Nota Fiscal referida no item anterior o lançamento do Imposto sobre Produtos Industrializados e o destaque do Imposto de Circulação de Mercadorias, quando devidos, que serão aproveitados como Crédito pelo adquirente, se for o caso; 3. emitir Nota Fiscal, sem destaque de impostos, para acompanhar o transporte das mercadorias ao estabelecimento industrializador, mencionando, além das exigências previstas no art. 19, número, série e subsérie e data da Nota Fiscal referida no item 1 e nome, endereço e números de inscrição, estadual e no CGC, do adquirente, por cuja conta e ordem a mercadoria será industrializada. § 2º O estabelecimento industrializador deverá: 1. emitir Nota Fiscal, na saída do produto industrializado com destino ao adquirente, autor da encomenda, da qual, além das exigências previstas no art. 19, constarão o nome, endereço e números de inscrição, estadual e no CGC, do fornecedor e número, série e subsérie e data da Nota Fiscal por este emitida, bem como o valor da mercadoria recebida para industrialização e o valor total cobrado do autor da encomenda, destacando destes, o valor das mercadorias empregadas; 2. efetuar na Nota Fiscal referida no item anterior, sobre o valor total cobrado do autor da encomenda, o lançamento do Imposto sobre Produtos Industrializados e o destaque do Imposto de Circulação de Mercadorias, se exigidos, que serão aproveitados como crédito pelo autor da encomenda, se for o caso.  

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111    

subsequente exportação sem a incidência do ICMS, haveria, na prática, a

transferência dos créditos acumulados na SOCIEDADE A para pagar o imposto

gerado pela SOCIEDADE B em suas outras operações.

Evidente que se concomitante à venda dos produtos da SOCIEDADE A para

a SOCIEDADE B houvesse o correspondente transito físico das mercadorias

exportadas, com a entrada dos bens em estoque de A e a posterior saída com destino a

exportação, a operação jamais poderia ser questionada pela administração fazendária,

afinal, seria impossível negar a efetiva ocorrência do fato gerador do ICMS na

operação realizada entre as empresas do grupo.

Todavia, faria todo o sentido pensar, para que se obtenha efetivos ganhos

logísticos, na utilização de uma das operações triangulares já retratadas, de forma que

a remessa física do bem exportado seja realizada não pela sociedade exportadora (no

caso a SOCIEDADE B), mas sim pela sociedade fabricante dos bens exportados (a

SOCIEDADE A), conforme desenho abaixo:

ESQUEMA 2 – Operação Triangular de Exportação

Fonte: Elaboração própria

A pergunta que se coloca, no caso, é se essa operação poderia ser

questionada pela administração fazendária. Ou seja, será que o fisco poderia alegar

que houve simulação? Que a lei do ICMS foi fraudada? Que a operação teve por

único fundamento a economia tributária e por conta disso os efeitos fiscais

pretendidos não lhe poderiam ser oponíveis?

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112    

A resposta a todas essas indagações nos parece negativa, porém faz-se

necessário abordarmos cada uma delas especificamente para que se chegue a

conclusão mais embasada e substancial.

Em relação à simulação, para nós é bastante difícil entender a sua presença

no caso retratado, afinal, alegar que o negócio foi simulado por conta de o destino das

mercadorias ter sido diverso do declarado no contrato de compra e venda celebrado

entre a SOCIEDADE A e a SOCIEDADE B seria negar que essa diversidade era

querida, explícita e inclusive regulada pela legislação – já que é pressuposto nas

operações triangulares que o formato jurídico da operação seja diverso do que ocorre

no “mundo fático”.

Caberiam, por evidentes, algumas ponderações adicionais em relação à

efetividade da relação contratual existente entre o comprador estrangeiro e a

SOCIEDADE B exportadora, de forma a se assegurar que a venda tenha sido

efetivamente por ela realizada, ainda que a eventual presença da SOCIEDADE A

como garante ou interveniente não nos pareça infirmar os contornos jurídicos da

exportação.

Em relação à fraude à lei, diga-se que sequer se poderia pensar no contorno à

norma tributária incidente, já que o ICMS foi efetivamente gerado na operação entre

as empresas do grupo, ou seja, como afirmar fraude à lei de uma operação que –

pasmem – foi regularmente tributada.

Talvez até se pudesse pensar que as normas que tratam do chamado crédito

acumulado do imposto e de suas formas de apropriação tenham sido fraudadas, porém

o raciocínio traria em si um dilema: a apropriação do crédito acumulado é um ato de

vontade do contribuinte, que deliberadamente dá início aos processos para sua

apropriação, ou seja, sem esse ato volitivo, cabe a sujeição à regra básica e pilar da

não-cumulatividade, é dizer, que os créditos escriturados sejam elementos de

subtração dos débitos apurados no mesmo período fiscal ou, por que não, em período

fiscal subsequente.

Mas é o eventual abuso de direito que merece maiores considerações nesse

caso. Afinal, teria o contribuinte abusado do seu direito de planejar livremente os seus

negócios se o fulcro principal da operação foi o ganho tributário?

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113    

A questão, aqui, da mesma forma que ocorrido no caso da incorporação com

vistas à utilização de créditos, não parece se resolver pela simples dicotomia

legalidade/capacidade contributiva.

Envolve, antes de tudo, uma ponderação acerca da não-cumulatividade,

afinal, não podemos esquecer que se gerou um débito na operação interna de venda da

SOCIEDADE A para a SOCIEDADE B, débito esse que se representa, por um lado,

receita para o Estado, por outro significa um crédito para o contribuinte adquirente.

Qual então, o prejuízo do fisco que lhe possibilite contestar a operação. O

crédito só foi gerado para a SOCIEDADE B porque vinculado a um débito do

imposto na operação de aquisição, e se esse débito não repercutiu em efetivo caixa

para o Estado foi porque este mesmo Estado já havia negado mecanismos efetivos de

recuperação do imposto para a SOCIEDADE A.

Quem, portanto, está abusando do seu direito no caso?

Parece-nos, assim, muito difícil de se defender a ilegalidade da operação para

fins fiscais, afinal aquele crédito que agora é utilizado para compensar o débito

gerado na apuração foi resultante de um pagamento do imposto em algum momento

passado, de forma que negá-lo em operação que não seja simulada parece ferir não

apenas a não-cumulatividade, mas a razoabilidade e até mesmo a boa-fé que se espera

da administração tributária.

5.1.2.3 Outros Casos de Planejamento Tributário com Operações Triangulares

A utilização de operações triangulares e “à ordem” no âmbito do

planejamento tributário não tem por justificativa prática apenas a utilização de saldo

credor de ICMS, mas também, por vezes, a própria geração de créditos e/ou na

obtenção de um menor ônus econômico do imposto.

No processo administrativo no DRT/11 – 3188/1997 o TIT analisou um

interessante caso em que o contribuinte, estabelecido em estado que outorga incentivo

fiscal às suas operações, mandava industrializar o seu produto em suas unidades

paulistas, vendendo-o através de operação “à ordem” aos seus clientes, é dizer, sem

que o produto lhe fosse enviado fisicamente.

O esquema gráfico ajuda a entender a operação:

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114    

ESQUEMA 3 – Industrialização por encomenda por filial da pessoa jurídica com a

remessa dos bens beneficiados diretamente para o comprador

Fonte: Elaboração própria

Veja-se, portanto, que com a idealização da operação havia a assunção

não apenas de ganhos logísticos, mas também uma presumível vantagem na venda

realizada via o estabelecimento encomendante, estabelecido nos Estados de Goiás,

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

A discussão que se travou na Câmara Especial do TIT é muito

interessante para fins desse trabalho. Buscava-se saber, basicamente, se no caso havia

– para usarmos o termo de um dos julgadores – “elisão lícita” ou “elisão ilícita”, o que

significou, para o referido tribunal administrativo, uma análise baseada

essencialmente na legalidade da operação, vale dizer, se era ou não permitida uma

operação simbólica entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica.

Vejamos, nesse sentido, as duas correntes defendidas no bojo do referido

processo, iniciando pela tese que antevê ilegalidade na operação, defendida, no caso

pelo juiz José Roberto Rosa:

10 - A meu ver, a operação, da forma como planejada, não pode ser aceita dentro do ordenamento vigente. Nas operações de remessa de mercadorias, ou insumos, de estabelecimento situado em determinado Estado com destino a outro estabelecimento do mesmo titular, situado em outro Estado, a legislação prevê a incidência e o recolhimento do imposto à unidade federativa de origem. Tal exigência é imperativo do sistema tributário nacional que objetiva garantir harmoniosa coexistência entre as unidades

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115    

da Federação, preservando uma justa distribuição da competência tributária. 11 - Assim, se determinado estabelecimento transfere produtos industrializados, ou produtos semi-industrializados, ou mesmo matérias primas para outro estabelecimento do mesmo titular, situado em outro Estado, o sistema tributário nacional garante ao Estado onde se situa o estabelecimento remetente o imposto sobre o valor que, até aquela época, foi agregado à mercadoria. (…) 13 - Como se vê, utilizando a atribuição constitucional que outorga à lei complementar competência para definir base de cálculo dos impostos, a Lei Complementar 87196 definiu expressamente tal valor nas transferências interestaduais, preservando o erário e a competência tributária do Estado remetente. 14 - Não poderá o estabelecimento remetente atribuir valor abaixo daquele determinado na lei complementar, sob pena de prejuízo à competência tributária do Estado remetente; sob pena de afronta à lei complementar e, por conseguinte, à própria Constituição que dividiu a competência do ICMS entre os Estados e atribuiu à lei complementar a responsabilidade de definir base de cálculo. 15 - No caso dos autos, a empresa não obedece os comandos da legislação complementar, sob argumento, a meu ver inconsistente, de que estaria realizando operação de "Remessa para Industrialização por Conta de Terceiros - CFOP 6.93", que conta com suspensão do ICMS. 16 - Na verdade, não ocorreu remessa para industrialização por conta de terceiros e sim pura e simples transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Ora, as filiais de Osvaldo Cruz e de Tupã não configuram "TERCEIROS" em relação às sua filiais de outros Estados. Estamos falando de uma mesma empresa; não há, no caso dos autos, industrialização por conta de terceiros. E a própria Granol que realiza a industrialização e não "terceiros". (SÃO PAULO. Tribunal de Impostos e Taxas, 2009).

Diametralmente oposta, contudo, a posição do juiz Luiz Fernando

Mussolini Júnior, in verbis:

Assumo, na inteireza, os fundamentos postos na decisão recorrida. Assim faço com a convicção de que, para os fins de incidência do ICMS, não há distinção, ex vi legis, entre saídas físicas e simbólicas de mercadorias, importando, sim, quem pratica e onde é praticada a operação relativa à circulação de mercadorias. Esta premissa e a própria dicção do artigo 388 do RICMS/91 levam à conclusão de que não havia impeditivo no ordenamento para a adoção dos procedimentos assumidos pelo contribuinte, que, conquanto tragam efeitos tributários, estão antes fundados na necessidade de se tornara econômica a produção e a comercialização de suas mercadorias, com a utilização de formas jurídicas lícitas e que implicam em obviar os custos de transporte de insumos e produtos acabados. (SÃO PAULO. Tribunal de Impostos e Taxas, 2009).

Portanto, para a linha de entendimento da ilegalidade da operação, (i) o

fundamento da negativa dos efeitos fiscais pretendidos estaria justamente na

impossibilidade de se configurar a industrialização por encomenda entre

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116    

estabelecimentos pertencentes à mesma pessoa jurídica – senão pela utilização

expressa, pela legislação, do termo “terceiros”, ao menos pela leitura sistemática da

legislação, que, por exemplo, exige uma base de cálculo mínima para operações de

transferência interestadual, em atenção a uma política maior de divisão de receitas

entre os entes federados –, ao passo que para os juízes que consideravam a operação

lícita, inclusive sob o prisma fiscal, (ii) o ponto estaria em considerar que há

equiparação legal entre as operações físicas e as simbólicas, de forma que se revela

completamente eficaz o planejamento tributário analisado.

A questão toda, portanto, parece estar centrada na possibilidade de

estabelecimentos pertencentes à mesma pessoa jurídica considerarem-se “terceiros”

seja para fins da prática de operações simbólicas e “à ordem”, seja para fins da

operação de industrialização por encomenda.

Em relação à venda “à ordem”, tal como disciplinada pelo Convênio s/n

de 15 de dezembro de 1970129, há de fato o aparente pressuposto de que a estrutura se

aplica apenas e tão-somente a operações de venda e compra, o que em tese estaria a

pressupor a existência de pessoas jurídicas distintas.

Isso significaria vedação à operação em que um estabelecimento da

pessoa jurídica, estabelecido, por exemplo, em Estado que conceda determinado                                                                                                                129  Art. 40. Nas vendas à ordem ou para entrega futura, poderá ser emitida Nota Fiscal, para simples faturamento, com lançamento do Imposto sobre Produtos Industrializados, vedado o destaque do Imposto sobre Circulação de Mercadorias. § 1º Na hipótese deste artigo, o Imposto sobre Produtos Industrializados será destacado antecipadamente pelo vendedor por ocasião da venda e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias será recolhido por ocasião da efetiva saída da mercadoria. § 2º No caso de venda para entrega futura, por ocasião da efetiva saída global ou parcial, das mercadorias, o vendedor emitirá Nota Fiscal em nome do adquirente, com destaque do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, quando devido, indicando-se, além dos requisitos exigidos, como natureza da operação, “Remessa - Entrega Futura”, bem como número, data e valor da operação da nota relativa ao simples faturamento. § 3º No caso de venda à ordem, por ocasião da entrega global ou parcial das mercadorias a terceiros, deverá ser emitida Nota Fiscal: 1. pelo adquirente originário: com destaque do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, quando devido, em nome do destinatário das mercadorias, consignando-se, além dos requisitos exigidos, nome do titular, endereço e números de inscrição, estadual e no CGC, do estabelecimento que irá promover a remessa das mercadorias; 2. pelo vendedor remetente: a) em nome do destinatário, para acompanhar o transporte das mercadorias, sem destaque do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, na qual, além dos requisitos exigidos, constarão como natureza da operação, “Remessa por Conta e Ordem de Terceiros”, número, série e subsérie e data da Nota Fiscal de que trata o item anterior, bem como o nome, endereço e números de inscrição, estadual e no CGC, do seu emitente; b) em nome do adquirente originário, com destaque do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, quando devido, na qual, além dos requisitos exigidos, constarão, como natureza da operação “Remessa Simbólica - Venda à Ordem”, número, série e subsérie da Nota Fiscal prevista na alínea anterior.

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117    

benefício fiscal sem o aval do CONFAZ, fizesse a compra de mercadorias ou insumos

diretamente de terceiros, e os mandasse entregar, sem trânsito físico, i.e., a partir de

uma operação simbólica, a outro estabelecimento da mesma pessoa jurídica, o que

poderia significar ganho tributário considerável130 – ainda que alguns Estados131

admitam esse tipo de operação se ocorrida entre estabelecimentos situados na mesma

unidade federativa.

Até se poderia alegar, por exemplo, que para a legislação do ICMS a

transferência é equiparada à venda para fins de incidência do imposto, e que,

portanto, seria incorreto diferenciar as referidas operações, ainda que simbólicas,

como aliás parece ter entendido o juiz Luiz Fernando Mussolini Júnior no julgamento

do processo citado.

Todavia, esse raciocínio parece enfraquecer-se (i) se relembrarmos que a

incidência do ICMS (e mesmo do IPI) sobre operações de mera transferência vem

sendo afastada pelo Judiciário, que não vê na operação a concretização da hipótese de

incidência do tributo e (ii) se ponderarmos que essa interpretação do Convênio s/n de

15 de dezembro de 1970 acaba por enfraquecer a repartição de competências

tributária estabelecida na Constituição Federal.

Algo diferente, contudo, é o caso da industrialização por encomenda.

Afinal, refere-se o art. 42 do mesmo Convênio s/n de 15 de dezembro de 1970 a

estabelecimento, de sorte que em tese aplicável a operações entre unidades

empresariais da mesma pessoa jurídica.

Ainda que nesse caso a descrição legal da operação pareça amparar o

planejamento idealizado, fato é que a regra da industrialização por encomenda

também deve sofrer a influência do desenho da regra-matriz do imposto, em especial

do seu critério pessoal ativo, que concede aos Estados a competência para a

                                                                                                               130 Com isso não se está dizendo que as operações entre estabelecimentos da pessoa jurídica, realizadas a partir de estado que concede benefício de guerra fiscal não possa se realizar, mas apenas que, em tese, estariam vedadas operações simbólicas. 131 Nesse sentido dispõe o RICMS: Artigo 125 - O contribuinte, excetuado o produtor, emitirá Nota Fiscal: (…) § 4.º - A entrega de mercadoria remetida a contribuinte deste Estado poderá ser feita em outro estabelecimento pertencente ao mesmo adquirente, quando, cumulativamente: 1 - ambos os estabelecimentos do adquirente estiverem situados neste Estado; 2 - constarem no documento fiscal emitido pelo remetente os endereços e os números de inscrição de ambos os estabelecimentos do adquirente, bem como a indicação expressa do local da entrega da mercadoria. (SÃO PAULO, 2000)

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118    

exigência do imposto exigível em função de operação de venda ocorrida em seu

território.

Afinal, quem promoveu a venda do produto industrializado? Foi o

estabelecimento “encomendante”, o estabelecimento “industrializador” ou foi mesmo

a pessoa jurídica? Se pensarmos sob o prisma da receita decorrente da venda, a

resposta será que quem realizou a venda foi a própria pessoa jurídica e não o seu

estabelecimento A ou B, o que acabaria por privilegiar, nesses casos específicos, o

transito físico como critério de atribuição de competência tributária.

Observe-se, ademais, que se porventura a operação de remessa e

devolução dos insumos não fosse suspensa, não haveria que se questionar a operação,

pois ambos os Estados envolvidos teriam sua parcela do tributo - e o contribuinte,

veja, teria garantida a neutralidade em nome da não-cumulatividade. Todavia, o fato

da inexistência de débito na remessa e retorno dos insumos para o industrializador

acaba por atrair solução protetiva ao Estado onde este último estiver localizado.

De qualquer forma, é importante consignar que se porventura as

operações de industrialização fossem realizada por pessoas jurídicas diversas,

ainda que do mesmo grupo empresarial, a conclusão poderia seria diferente (já que a

venda seria efetivamente realizada por pessoa jurídica diversa, nesse caso amplamente

amparada pela legislação aplicável, no caso o Convênio s/n de 15 de dezembro de

1970).

Ferragut (2012) também se debruçou sobre os efeitos tributários de

operações à ordem. Em interessante artigo, a autora analisa não apenas aqueles casos

operados via cláusula FOB 132 , em relação aos quais a jurisprudência 133 já se

                                                                                                               132 “Ao contrario da cláusula cif, a cláusula fob, constituída pela abreviatura das palavras inglesas free on board (posto a bordo ou franco a bordo), dá ao vendedor o encargo de entregar a mercadoria a bordo, pelo preço estipulado, correndo no entanto as despesas de frete e seguro por conta do comprador. Nesta, a mercadoria, até que seja posta a bordo, viaja por conta e risco do vendedor. E, tão logo seja cumprida, isto é, seja a mercadoria posta a bordo, o vendedor está isento de sua obrigação, pois que já a cumpriu, viajando as mercadorias por conta e risco do comprador”. (SILVA, 1982, p. 439) 133  Apelação 0228664-39.2009.8.26.0100 Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Público Data do julgamento: 24/03/2015 Ementa: APELAÇÃO. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. OPERAÇÃO INTERESTADUAL. SAÍDA DA MERCADORIA DO TERRITÓRIO PAULISTA NÃO DEMONSTRADA. CLÁUSULA FOB. CUMPRE AO REMETENTE DA MERCADORIA COMPROVAR, DE FORMA CABAL, A SAÍDA INTERESTADUAL, O QUE NÃO SE FEZ NO CASO. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ INSUFICIENTE PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. AIIM. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REFORMADA EM DIMINUTA

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119    

posicionou, mas também aquelas operações triangulares interestaduais nas quais

haveria um potencial ganho tributário.

Nesse sentido, a autora comenta caso imaginado em que um determinado

contribuinte, estabelecido em São Paulo, adquire de um contribuinte mineiro uma

dada mercadoria e solicita ao vendedor que a entregue no Estado do Espírito Santo, o

que ocasionaria um “ganho” tributário para o contribuinte paulista, já que a alíquota

da compra, de 12%, é superior à alíquota de venda, de 7%.

Sobre a contestação da operação por parte dos Estados, Ferragut

corretamente considera que não há base legal para a recusa dos efeitos fiscais

regulares, já que a hipótese de incidência do ICMS é justamente a circulação jurídica

da mercadoria, independendo, portanto, da circulação física, o que, aliás, seria

reconhecido pela própria Lei Complementar 87/96:

Ocorre, entretanto, que os arts. 12 e 20 da Lei Complementar n. 87/1966 preveem expressamente a possibilidade de ocorrência de circulação física, principalmente para fins de efetivação da não-cumulatividade constitucional, não se justificando, pois, a desconsideração da operação triangular que envolve várias Estados. Independentemente de circulação física, haverá fato jurídico tributário e crédito e débito de ICMS. (FERRAGUT, 2012, p. 102).

O posicionamento nos parece correto, valendo, talvez, um adendo sobre

os próprios efeitos “econômicos” da operação, que trazem, a nosso ver, evidentes

reflexos jurídicos, especialmente quando estamos tratando de tributo indireto: é que o

imposto destacado na nota fiscal foi cobrado e pago pelo adquirente, de forma que

negar-lhe o crédito significa ofensa à não-cumulatividade e ao princípio da

neutralidade.

De fato, e ao contrário do que é pressuposto em muitas autuações

realizadas pelos Estados que se sentem prejudicados por essas operações, o valor do

ICMS destacado na nota fiscal de aquisição é justamente o valor cobrado para fins de

operacionalização do mecanismo da não-cumulatividade, pouco importando, como se

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             PARTE, PARA SE REDUZIR A MULTA/PENALIDADE APLICADA PARA 20%, NA ESTEIRA DA JURISPRUDÊNCIA DO E. STF. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PROCEDÊNCIA PARCIAL. MANUTENÇÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. EMBORA CERTO QUE A MULTA ESTEJA PREVISTA NO REGULAMENTO DO ICMS É, NO ENTANTO, ADMISSÍVEL A SUA REDUÇÃO NA ESTEIRA DA JURISPRUDÊNCIA DO C. STF, QUE RECOMENDA A REDUÇÃO PARA 20%, SEGUNDO OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça de São Paulo, 2015)

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120    

viu, se o vendedor possui regimes tributários privilegiados no Estado onde é

estabelecido.

Ou seja, tratando-se de operações interestaduais entre pessoas jurídicas

distintas (e não de estabelecimentos da mesma pessoa jurídica), negar o direito de

crédito do adquirente originário implica não só uma desobediência às regras dispostas

na Lei Complementar 87/96 – lei essa, frise-se, que, nos termos da Constituição

Federal, é o instrumento próprio para tratar das questões de conflito de competência –

mas também uma negativa ao próprio princípio da não-cumulatividade, tal como

desenhado no texto constitucional.

5.1.3. Outros Casos de Planejamento Tributário

5.1.3.1 . A “Separação” de Atividades como Planejamento Tributário

Já vimos anteriormente que a existência de mais de uma atividade

exercida pela pessoa jurídica pode ser utilizada para fins de planejamento tributário a

partir da constituição de nova sociedade (novo estabelecimento ou mesmo nova

pessoa jurídica), como no caso da constituição de pessoa jurídica destinada à

distribuição de produtos fabricados por outra empresa do grupo.

Agora, contudo, queremos comentar outro tipo de estrutura, justamente

aquela na qual o mesmo estabelecimento identifica realizar atividades que podem ser

consideradas juridicamente distintas para fins tributários, separando-as formal e

estruturalmente para esse fim.

Isso acontece muito, por exemplo, com fornecedores de determinados

produtos que, em concomitância, prestam serviços a eles agregados, que podem ou

não ser considerados decorrentes de relações jurídicas distintas – e não meramente

acessórias, ou “atividades-meio”, assumidas apenas em razão de um (outro) fim

contratualmente estabelecido.

Essa possibilidade sempre foi identificada pela doutrina. Nesse sentido,

falando sobre o papel da lei complementar na resolução de conflitos de competência

entre o ISSQN e o ICMS, Barreto faz algumas considerações valiosas sobre o

assunto:

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121    

(...) vários autores não distinguem duas situações absolutamente diferentes: a) o exercício, pela mesma pessoa física ou jurídica, de duas ou mais atividades; b) o exercício, pela mesma pessoa, de uma única atividade. No primeiro caso, (a) o contribuinte estrutura seus negócios visando a, concomitantemente, promover operações relativas à circulação de mercadorias e prestar serviços. Exemplo típico dessa alternativa é o dedicar-se à circulação dado contribuinte a1) ao negócio mercantil de vender peças para automóveis a serem aplicadas por terceiros e a2) à prestação de serviço de reparação ou conserto de veículos, em que é inafastável a aplicação de materiais. Nesse caso, submete-se ao ICMS relativamente à primeira atividade (a1); e ao ISS, no pertinente à segunda (a2). BARRETO, 2005, p. 234)

De Santi, por sua vez, comenta um interessante caso no qual, no interior

de aparente unicidade, haveria relações jurídicas nitidamente distintas – e com

consequências tributárias obviamente diversas: a realização da venda de lentes de

óculos de grau e os serviços de montagem “montagem, coloração, tratamento, ajuste

de armação das lentes e armações” (DE SANTI, 2011).

Para o autor, não haveria qualquer problema na emissão de nota fiscal

que destacasse o ICMS relativo à venda das lentes e o ISSQN sobre o serviços de

montagem (enquadráveis no item 14.05 ou 14.06 da lista anexa à Lei Complementar

116/03).

A jurisprudência, contudo, tende a olhar a “divisão” da atividade em

comercial/industrial e serviços com ressalvas. De fato, o Judiciário aplicou em casos

análogos o chamado princípio da preponderância, decidindo pela incidência de um

único imposto no caso de atividades em que se confundem obrigações de dar e de

fazer, in verbis:

STJ - RESP - RECURSO ESPECIAL - 139921 - 15/08/2000 Superior Tribunal de Justiça - STJ - PRIMEIRA TURMA Espécie: RESP - RECURSO ESPECIAL – 139921 Relator(a): FRANCISCO FALCAO Relator(a) Ac.: JOSÉ DELGADO Ementa: TRIBUTARIO. PREPONDERANCIA DA ATIVIDADE COMERCIAL SOBRE A ATIVIDADE DE PRESTAÇAO DE SERVIÇO. INCIDENCIA DO ICMS. PRECEDENTES. 1. Empresa que tem como atividade principal o exercício de comércio, representação, importação e exportação de materiais de construção, móveis e objetos de decoração, inclusive artesanatos, e secundária a prestação de serviços de construção civil. 2. Transação da empresa que envolveu a venda de piso de madeira a um cliente e contratou os serviços de sua aplicação. Emitiu duas faturas separadas, fazendo constar na primeira a venda da mercadoria e na segunda o preço do serviço. É, portanto, preponderante a atividade comercial da recorrida. 3. Ocorrência das chamadas operações mistas, aquelas que englobam tanto o fornecimento de mercadorias como a prestação de serviços.

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122    

4. Em uma atividade mista, em que ocorre tanto o fornecimento de mercadorias como a prestação de serviços, incidirá o ICMS ou o ISS conforme prepondere o fornecimento da mercadoria (ICMS) ou a prestação de serviço (ISS). 5. Incidência do ICMS sobre o valor total da circulação da mercadoria a título de compra e venda, por ser essa a atividade preponderante da empresa. 6. Precedentes desta Corte Superior. 7. Recurso provido. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2000)

Ainda que existam outros precedentes nesse sentido, parece-nos que a

divisão de atividades exercidas por um mesmo estabelecimento empresarial pode sim

ser adotada, desde que se trate, efetivamente, de atividades juridicamente

autônomas.

Essa constatação, afirme-se, é reconhecida pela própria Lei

Complementar 116/03, quando define algumas situações em que haverá a incidência

concomitante do ICMS e do ISSQN – caso específico da atividade de conserto (que

tem a ressalva da incidência do ICMS no fornecimento de partes e peças) e da

atividade organização de festas (na qual se ressalva a incidência do imposto estadual

em relação ao fornecimento de alimentos e bebidas).

Ora, evidente que não podemos considerar que a Lei Complementar

116/03 esteja, nesses casos, a atribuir legalmente a tais atividades uma autonomia

para fins tributários, afinal, sua função é justamente a de positivar as regras de

competência delineadas, em sua materialidade, pela Constituição Federal. O que fez o

legislador complementar foi, assim, apenas reconhecer que em tais situações há

atividades autônomas “concomitantes”.

Portanto, a possibilidade de atividades “concomitantes” e juridicamente

autônomas é expressamente reconhecida pela legislação, não sendo de se supor que

as situações previstas na Lei Complementar 116/03 representem todas as

situações em que isso pode se dar, eis que a base da regra é justamente a

materialidade do ICMS e do ISS tal como previstas no texto constitucional – de forma

que se houver outros casos em que a autonomia da relação jurídica se mostre presente,

deve ela repercutir na coexistência dos tributos, tudo a depender, portanto, da situação

fático-jurídica e da estruturação levada a cabo pelo contribuinte.

De qualquer forma, vale considerarmos que aqui também não há espaço

para considerações a respeito do abuso de direito, fraude à lei ou motivação

exclusivamente tributária, já que toda a estruturação deve ter por base a essência

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123    

jurídica da operação – a indicar, eventualmente, a possibilidade de considerar as

atividades de venda e serviços autônomas para fins fiscais.

5.2. Critérios Empregados na Resolução dos Casos de Planejamento de Negócios com

Efeitos nos Tributos Indiretos

Depois de percorridos alguns casos de planejamento que envolvem

tributos indiretos, cabe consolidarmos nosso entendimento acerca da existência de

considerações ou critérios específicos no juízo de desconsideração, para fins fiscais,

de atos e negócios jurídicos empregados para a sua economia ou diferimento.

Nesse sentido, e como vimos nas linhas anteriores, parece-nos haver, sim,

considerações especificas aos juízos de desconsideração nos casos analisados, o que,

se muitas vezes não pode ser atribuída a uma característica direta e específica dos

tributos indiretos, são ao menos vinculadas ao tipos de plano que usualmente os

envolvem.

Antes, contudo, vale uma observação adicional. É que a análise dos

julgados utilizada para iluminar os critérios de desconsideração de planejamento com

tributos indiretos pode atestar que, de uma forma geral, os tribunais administrativos

estaduais e municipais valem-se, para desconsiderar os seus efeitos fiscais, muito

mais da figura “clássica” da simulação do que de outros vícios potencialmente

existentes, como a fraude à lei ou abuso do direito, muitas vezes aplicados em

planejamentos tributários com tributos diretos.

Realmente, pelo que se viu, em regra a análise pauta-se muito mais na

legalidade da operação, i.e., na discussão sobre a possibilidade dos efeitos pretendidos

em face da legislação dos tributos, e na verificação da presença ou não da simulação

em sentido estrito do que propriamente na existência de considerações mais amplas

sobre a liberdade de planejar, que aliás é expressamente ressalvada em inúmeros

julgados.

Veja-se, nesse sentido, o seguinte acórdão proferidos pelo Conselho de

Contribuintes do Estado de Minas Gerais:

É certo que a norma antielisiva introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por força da Lei Complementar nº 104, de 2001, é instrumento destinado a fortalecer o Fisco, ao autorizar a desconsideração do ato ou

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124    

negócio jurídico. Porém, a leitura do parágrafo único do art. 116 do CTN não autoriza, também, uma interpretação simplesmente literal do texto normativo nem pode desvinculá-lo de outros dispositivos legais igualmente importantes. É que a lei complementar, ao dizer que o Fisco poderá desconsiderar os atos dissimulados, não implica dizer que ao agente fiscal bastará a simples afirmativa com base em indícios. Na verdade, nunca se dispensou a necessidade de o agente fiscal demonstrar, mediante elementos de provas cabais, a inexistência de um ato ou negócio jurídico realizado entre as partes intervenientes. O agente fiscal, como agente público, não se encontra livre de provar a ilicitude dos atos que se pretende desconstituir. Distante se encontra o entendimento de que o atributo de presunção de veracidade dos atos administrativos desobriga o agente público de provar a acusação, sempre que esta se destinar a impor obrigações ou sanção ao administrado. Em sede de direito processual, da mesma forma que não se admite negativa geral, também não se admite acusação sem provas. E o ônus de provar incumbe a quem acusa. Mas todas as vezes que os fatos afirmados implicarem em impor obrigação ou pena ao administrado a demonstração dessa veracidade não prescinde da prova das alegações. Inexiste no direito administrativo ou no processo administrativo tributário, em regra, a possibilidade de inversão do ônus da prova, ressalvadas as presunções legais, iuris tantum e iuris et de iure. No caso concreto, caberia ao Fisco demonstrar, de forma contundente, que as mercadorias realmente não adentraram no estabelecimento da Autuada Tripan ou que não teria havido a industrialização nas indústrias mineiras, tratando-se apenas de operações fictícias. Caso a mercadoria recebida pela Tripan tenha sido industrializada pela Lopesco apenas simbolicamente, conforme se demonstra nas informações prestadas pela Autuada, tanto na resposta à intimação, quanto na impugnação apresentada, é certo que não haverá a circulação física da mercadoria entre a Lopesco de Tatuí e a Tripan de Araguari. E não havendo circulação física certamente não haverá carimbos a serem apostos nos documentos fiscais recebidos pela Autuada Tripan Ltda, como tampouco haverá “transporte” a ser realizado entre os estabelecimentos das coligadas. (MINAS GERAIS, Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais, 2009).

Observe-se que na decisão não se questiona a legitimidade do

planejamento realizado – se poderia ou não valer a autuada da figura da

industrialização por encomenda para fins de reduzir o custo fiscal de sua operação –,

centrando-se claramente o julgamento na efetiva realização da operação, vale dizer, na

existência ou não de indícios sérios de que fora ou não simulada.

Portanto, a análise da existência de motivos exclusivamente tributários ou

mesmo sobre dos efeitos da livre organização econômica e da livre organizações dos

negócios parece não estar na pauta ativa desses julgadores, que se fixam muito mais

em questões de legalidade e na análise de eventual simulação no caso concreto.

É possível que essa realidade de coisas seja apenas uma questão eventual,

desatrelada de considerações a respeito da estrutura própria dos tributos indiretos. De

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125    

qualquer forma, mesmo que a evolução jurisprudencial – administrativa e judicial –

acerca dos tributos indiretos passe a adotar conceitos mais amplos, o fato é que os

critérios usualmente aplicados em casos de planejamento com tributos diretos

merecem a consideração de critérios adicionais – e por vezes específicos.

Caso notório, como vimos, é a constituição de novas pessoas jurídicas

ou de novos estabelecimentos como elemento de um plano para economizar tributos

indiretos.

Afirme-se que tal modalidade ou tipo de planejamento não é utilizado

exclusivamente para a economia de tributos indiretos, sendo clássico o uso de pessoas

jurídicas para otimizar a tributação sobre a receita, caso específico da “divisão” de

faturamento para que se possa usufruir de regime de tributação sobre o resultado mais

favorável (notadamente o regime do lucro presumido).

Contudo, ainda que não seja exclusivo de tributos indiretos, é possível

dizer que o plano que envolve a constituição de novas pessoas jurídicas ou de novos

estabelecimentos é muito característico de planejamentos com esses tributos (os

indiretos), na medida em que são estruturados, via de regra, não apenas para uma

única operação, mas para um conjunto sucessivo de operações, e, como vimos, são

justamente os tributos indiretos os incidentes, via de regra, sobre operações.

E foi nesse contexto que identificamos quase que uma confirmação tácita

da substancia negocial em tais casos de planejamento, elemento esse tão requerido

nos mais atuais julgamentos sobre o tema.

Evidente que não se está a afirmar que essa substância exista

obrigatoriamente. Há situações em que a constituição de novas empresas, ainda que

tenham obedecido a procedimentos formais exigidos, são carentes de realidade

substancial, e até mesmo por isso os efeitos tributários jamais poderiam ser garantidos

ou confirmados pelo sistema jurídico.

Contudo, se bem analisado, o que se tem nesses casos nos parece

característico de simulação, ou seja, ainda que os elementos formais estejam

presentes, eles não representam a efetiva realidade da operação.

Vale menção, nesse sentido, o famoso “caso GRENDENE”. Como se

sabe, no “caso GRENDENE”, a indústria de calçados de mesmo nome constituiu nada

menos que 8 empresas para a distribuição de seus produtos, o que permitiu um ganho

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126    

tributário por meio da adoção do regime do lucro presumido por esses novas

empresas.

É bem verdade que nesse caso discutiu-se, de forma genérica, a fraude à

lei fiscal pela adoção “indevida” do lucro presumido, tendo inclusive sido citada a

questão concorrencial (CASTRO, 2014).

No entanto, a pedra de toque do julgado esteve associada, a nosso ver, à

ausência de substância das novas pessoas jurídicas criadas, já que eram constituídas

pelos mesmos sócios e muitas sequer possuíam empregados e estrutura física

compatível com uma atividade de distribuição, constituindo-se como “empresas de

papel” (também conhecidas como P.O. Boxes companies”).

Justamente nesse sentido o entendimento de Castro:

Todavia, já vem se desenvolvendo, paulatinamente, certo entendimento por parte do Fisco e por parte da doutrina de que, no caso de uma empresa não possuir funcionários (ou apenas um), possuir o mesmo endereço de outras várias (apenas com a clássica menção “parte”, ou até mesmo “parte A”, “parte B”, etc.), possuir os mesmos sócios (ou sócios comuns) e os mesmos diretores ou administradores (ou diretores/administradores em comum); possuir exclusividade de fornecedor ou de cliente; apesar de tais requisitos não culminarem, necessariamente, à constatação de que houve simulação (ou dissimulação) no planejamento tributário, eles contribuem de forma considerável para tal cenário presuntivo (CASTRO, 2014, p. 43).

Todavia, afastada a hipótese de simulação, cremos que a operação que

envolve a constituição de novas pessoas jurídicas ou novos estabelecimentos para

exploração dos negócios do grupo acabam por pressupor mesmo a substância material

exigida para a manutenção dos efeitos fiscais planejados, posto que se assume toda

uma sorte de consequências que não são apenas consequências legais, mas

operacionais mesmo, tais como novos custos administrativos, logísticos e etc.

Ou seja, (a) na medida em que se assume com a nova pessoa jurídica ou

com o novo estabelecimento uma série de obrigações específicas, (b) na medida em

que se é submetido a toda uma sorte de consequências não apenas legais ou formais,

mas fáticas – a exemplo da assunção de novos custos, potenciais alterações logísticas,

reestruturações administrativas e afins –, não se pode dizer que uma motivação

tributária prevalente equivalha à falta do propósito negocial.

E veja-se: se a substância negocial é argumento importante para a defesa

da licitude ampla (inclusive para fins fiscais) de planejamentos em que se busque a

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127    

economia de tributos, quer nos parecer que os planejamentos estruturados para

economizar tributos indiretos são mais fortes do ponto de vista de sua higidez,

especialmente porque, segundo entendemos, não se poderia falar em fraude à lei de

incidência tributária – ainda que a figura possa ser alegada quando da existência de

eventuais regras limitativas, como acontece nos casos em que, como visto, se discute

o direito de crédito “cobrado” nas operações realizadas entre estabelecimentos da

mesma pessoa jurídica em relação às quais haja a obtenção de benefício fiscal

desamparado do aceite unânime dos Estados.

Já aqui, portanto, é possível concluir que o tributo envolvido – e,

reflexamente, o tipo de planejamento empregado – parece impactar, definitivamente,

nos juízos de desconsideração de atos e negócios jurídicos empregados com a

finalidade de redução do custo tributário.

Reforça esse nosso entendimento de existência de considerações

específicas em planejamentos com tributos indiretos as questões atinentes à não-

cumulatividade.

Realmente, os casos analisados bem demonstraram que o juízo de

desconsideração não deve levar em conta apenas o confronto entre a legalidade e a

capacidade contributiva – refletida, segundo entendemos, na figura do abuso de

direito e especialmente na exigência do propósito negocial –, mas também da regra

(ou, para o ICMS e IPI, do princípio) da não-cumulatividade.

Se é verdade que nos juízos sobre as transações que geram reflexos

tributários devem ser considerados não apenas os aspectos formais, se é verdade que

se deve buscar a substância negocial (iluminada por princípios tal qual a capacidade

contributiva), parece-nos igualmente verdadeiro que a não-cumulatividade deve ser

muito bem considerada em casos práticos, especialmente porque ela revela não

apenas direito subjetivo atribuído ao contribuinte de tributos indiretos, mas também

porque indica, em último grau, uma determinação econômica bastante central, qual

seja, a neutralidade do ônus de tributos plurifásicos.

Interessante, nesse sentido, a posição de Brazuna:

(...) o princípio da neutralidade tributária deve ser respeitado como limite à atividade estatal de arrecadação de tributos, seja no que diz respeito à construção de normas de incidência tributária, seja no que se refere à imposição de deveres instrumentais aos contribuintes e, em especial, à concessão de incentivos fiscais (BRAZUNA, 2009, p. 187)

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128    

Ora, se a neutralidade deve sim ser considerada na “construção” da

hipótese de incidência dos tributos plurifásicos, se inclusive o princípio deve ser

considerado quando se erigem obrigações acessórias e regras de incentivos fiscais,

também se deve mensurá-la nas hipóteses em que o crédito decorrente da não-

cumulatividade esteja no centro de planejamentos empresariais.

Afinal, se o imposto foi cobrado e pago pelo adquirente134, qualquer

estrutura que viabiliza a utilização do crédito do imposto deve ser ponderada também

sob o viés da não-cumulatividade, como se viu, por exemplo, no caso da incorporação

de empresa com saldo credor do ICMS, ou mesmo na utilização de operação

triangular que permita o seu aproveitamento por outro estabelecimento.

Cabe aqui também mencionarmos a necessidade de uma correta leitura da

capacidade contributiva quando se fala em planejamentos tributários com tributos

indiretos, já que a capacidade contributiva deve ser vista a partir de critérios

específicos, quando se tem por pressuposto que quem arcará economicamente com o

ônus tributário é o consumidor final.

Se é o consumidor final que irá arcar com o ônus tributário, há pelo menos

que se questionar se, no caso prático, o ganho tributário repercutiu ou não na

formação do preço, pois se a resposta for positiva, eliminar o ganho do contribuinte

com bases em considerações sobre a capacidade contributiva seria como erro de

diagnóstico: quem ganhou, de fato, com a transação, foi o consumidor dos produtos,

ainda que o contribuinte tenha obtivo vantagens adicionais tais quais o incremento nas

vendas ou mesmo uma maior margem de lucro – que, aliás, será tributada pelo IRPJ e

pela CSLL135.

                                                                                                               134 Aliás, seria mesmo de se considerar se os efeitos fiscais podem ser relativizados nos casos em que não existe qualquer prejuízo econômico efetivo para a administração. Ora, se o crédito operacionalizado resultou de um pagamento anterior, então não há qualquer decréscimo de receitas para o Erário: ele já obteve o recurso derivado do pagamento feito anteriormente e agora, por conta da não-cumulatividade, deve submeter-se ao crédito fiscal legitimamente constituído em favor do contribuinte. 135 Se é verdade que nessas situações possa se alegar eventual ofensa aos princípios concorrenciais, não podemos deixar de considerar também que está se efetivando o princípio da eficiência, que também permeia todo o nosso sistema jurídico. Sobre os reflexos do princípio da eficiência na temática do planejamento tributário, assim esclarece Andrade Filho: “A realização concreta do princípio da otimização ou eficiência é um dever do Estado imposto pela Constituição Federal e, pelo menos, um direito de todo o cidadão que, se agir nos limites da lei, pode buscar uma redução da carga tributária.” (ANDRADE FILHO, 2009, p. 3)

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129    

Veja-se, assim, que a questão da repercussão ou não dos ganhos

tributários no preço dos bens e serviços mostra-se essencial e deve sempre ser

considerada em casos que envolvam tributos indiretos.

Com isso, mais uma vez, não se está querendo afirmar que todo

planejamento que envolva a constituição de novas pessoas jurídicas ou novos

estabelecimentos ou mesmo que estruturados para a utilização de créditos de ICMS

seja oponível ao fisco, mas que os critérios de desconsideração precisam

obrigatoriamente ser iluminados seja pela substância negocial inerente à efetiva

criação ou desmembramento de outra unidade negocial do grupo, seja pelo princípio

da não-cumulatividade.

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130    

6. CONCLUSÕES

Como visto, na medida em que o Direito ultrapassa a visão essencialmente

legalista do fenômeno da tributação e que se começa a considerar que os vícios dos

negócios empregados na estruturação de transações podem relativizar os efeitos

fiscais pretendidos, as questões atinentes ao planejamento com reflexos tributários - e

aos limites para que os contribuintes estruturem negócios para a economia de tributos

- gera mais dúvidas que certezas.

Há, de fato, inúmeros casos de julgamentos administrativos que consideram,

na relativização dos efeitos fiscais de atos e negócios jurídicos, a figura do abuso do

direito, da fraude à lei, da ausência do propósito negocial e tanto doutrina quanto

jurisprudência ainda não conseguiram entender-se quanto à criação de critérios

uniformes que resolvam a questão de maneira “definitiva” – se é que isso será

possível.

De qualquer forma, como resultado da pesquisa realizada neste trabalho,

quer nos parecer que a espécie do tributo envolvido no planejamento tributário – ou o

tipo de estruturação que o envolve – tem sido relegada a um fator ainda secundário,

sendo raro136 encontrar considerações específicas à natureza da exação como fator

preponderante da resolução de casos práticos.

Quando analisamos os tributos indiretos isso fica bastante evidente. Esse tipo

de tributo – que para fins desse estudo foi definido como aquelas exações que

repercutem no preço de bens e serviço e que por isso são “repassados” ao seus

adquirentes – parece trazer uma sorte de argumentos que não são facilmente

                                                                                                               136 Numa das poucas exceções a esse cenário, Bifano esclarece com precisão como o ambiente minunciosamente regulado das operações financeiras, inclusive quanto aos seus aspectos fiscais, acaba por fornecer uma maior segurança na elaboração de planejamentos tributários que busquem a economia dos tributos incidentes: “É importante observar que, no mercado financeiro, o uso de operações planejadas para gerar economias fiscais é objeto de regras específicas que não criam, necessariamente, sanções, mas tratam de buscar fundada lógica de tributação, sob pena desse mercado perecer. Nada é mais interessante do que a regra geral de tributação do mercado de renda fixa, já discutida anteriormente, que considera prazos mínimos e máximos para gravar aplicações financeiras; assim, aplicações de até 6 (seis) meses tem seu rendimento tributado à alíquota de 22.5%, entretanto, aquele que remanesce 6 (seis) meses e um dia terá sua renda tributada à razão de 20%, não indagando o legislador se o investidor agiu propositadamente, ao manter apenas mais um dia seus recursos investidos, apenas para beneficiar-se da alíquota mais reduzida. Regulada a matéria, nos termos expostos, o planejamento tributário no que se refere a investimentos no mercado financeiro parece efetivamente equacionado, de tal sorte que o contribuinte pode operar sem surpresas. A conclusão, por óbvio, não abrange operações efetivadas com o intuito de simular ou fraudar.” (BIFANO, 2011, p. 362, grifo nosso)

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131    

encontrados em discussões sobre planejamentos tributários – ao menos não

sistematicamente.

A análise de casos parece indicar que há sim critérios e considerações

específicos quando tratamos de estruturas que envolvam tributos indiretos, como a

quase-presunção de substância negocial (e, pois, ausência de abuso de direito) na

estruturação de novos estabelecimentos para exploração de atividades realizadas por

grupo empresarial, ou ainda a consideração obrigatória do princípio da não-

cumulatividade.

Diante de tudo o que se viu, é possível ventilar os seguintes padrões

específicos de consideração em planejamentos realizados para a economia de tributos

indiretos:

a) Consideração Implícita do Propósito Negocial em operações que

envolvam a criação de novas pessoas jurídicas ou de novos

estabelecimentos empresariais:

Como vimos ao longo do trabalho, inúmeros são os planejamentos tributários

com tributos indiretos organizados a partir da constituição de novo

estabelecimento ou de nova pessoa jurídica do grupo econômico. Nesses

casos, e desde que não haja simulação do novo estabelecimento (tenha ele

personalidade jurídica ou não), há uma presunção relativa de que há

substância negocial existente no caso, o que afasta muitos pontos de

questionamento no que tange à higidez fiscal da operação.

Ademais, em relação à fraude à lei, há sempre de se perquirir que o instituto

não pode ser aplicado para salvaguardar a intenção implícita (muitas vezes do

ponto de vista econômico) do legislador, sendo aplicável apenas quando se

busque driblar não uma regra imperativa de tributação, mas sim eventual

proibição decorrente da legislação – como eventualmente no caso da tomada

de créditos “não-pagos” em função da guerra fiscal, especialmente quando

emitente e destinatário forem estabelecimentos da mesma pessoa jurídica).

b) Necessária consideração da regra de não-cumulatividade quando a

operação envolver a apropriação de direitos creditórios:

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132    

Quando a estruturação é toda voltada ao aproveitamento ou geração de

créditos escriturais decorrentes da não-cumulatividade, o princípio/técnica

deve ser obrigatoriamente considerado em eventual juízo de desconsideração.

Ademais, nesses casos também se deve sempre considerar que, se o tributo foi

pago na operação anterior, a proibição à fruição do direito creditório afronta

não apenas a não-cumulatividade, mas também o princípio geral que veda o

enriquecimento ilícito (no caso da administração), o que acaba até mesmo por

resvalar na afronta ao princípio da moralidade administrativa;

c) Específica consideração acerca do princípio da capacidade contributiva:

Se porventura o resultado econômico da transação resultante do planejamento

tributário representar o repasse do benefício auferido para o consumidor dos

bens, produtos ou serviços, faz-se necessário considerar que a capacidade

contributiva não foi relevada como base teórica de tributação. Essa afirmação

aplica-se mesmo quando considerado que os tributos indiretos porventura são,

por hipótese, dissociados da geração de riqueza nova137, já se trata de uma

questão de princípios: ainda que se permita que uma operação com margem

negativa seja alcançada pelos tributos indiretos, é fato de que há pressuposto

de que ele incide sobre uma parcela de riqueza (a revelar a capacidade

contributiva), de forma que se demonstrado que essa riqueza não foi

apropriada pelo contribuinte “de direito”, isso deve ser ponderado na análise

do caso prático.

Essas considerações – além de representarem critérios jurídicos a serem

necessariamente aplicados ou ponderados na resolução de casos de planejamentos

que tenham por efeito a economia de tributos indiretos – podem servir de “guia” para

os gestores que tenham dentre as suas atribuições a estruturação de novos negócios.

Deverão esses gestores, por exemplo, mensurar, no caso de o plano

envolver a criação de novos unidades de negócio, se o novo estabelecimento ou a

nova pessoa jurídica tem existência fática e jurídica efetiva, isto é, se não envolvem

operações meramente simuladas e que tenham por único intuito a criação de

                                                                                                               137 Afinal, admite-se até mesmo que as operações de venda se dê com margem negativa de lucro.

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133    

vantagem tributária, já que se assim for os efeitos fiscais não são – e nem poderiam

ser – protegidos.

Ou seja, deverão assegurar-se de que a nova unidade de negócios

representa de fato uma realidade factual e – principalmente – jurídica, dotando-a de

patrimônio – ou parcela de patrimônio, no caso de filial – próprio, de autonomia

operacional e decisória, fazendo-a cumprir com todas as obrigações138 (e implicações)

legais que de sua instituição decorre, além de inseri-la devidamente no contexto do

planejamento estratégico da companhia139 (no caso da filial) ou do grupo (no caso de

uma nova pessoa jurídica).

Ademais, quando o planejamento for influenciado por questões próprias

da não-cumulatividade, algumas anotações específicas merecem ser realizadas.

Há de se verificar, inicialmente, se o planejamento “busca” apenas uma

adequada vazão aos créditos decorrentes da não-cumulatividade, como acontece nos

casos de operações de incorporação para aproveitamento dos créditos de operações

triangulares para fins de exportação.

Nessas situações, a negativa dos efeitos tributários pretendidos equivale a

fazer tabula rasa do princípio/técnica da não-cumulatividade, o que contraria as

diretrizes de nossos sistema jurídico, de forma que os principais cuidados na

realização de planejamento deve ser garantir que haja completa aderência à legislação

dos tributos envolvido.

É recomendável, por exemplo, que, no caso de créditos de ICMS ou IPI,

o estabelecimento incorporado detentor dos créditos não esteja encerrado e que após à

operação de incorporação o mesmo seja mantido até o integral consumo dos

créditos140, da mesma forma que se deve evitar141 operações de cisão parcial que

                                                                                                               138 Vale consignar que na obra coordenada por Schoueri uma dos “filtros” a que se submeteram os acórdão analisados foi justamente o da adequação da estrutura às exigências legais e regulamentares que lhe são específicas. Cortela consigna, por exemplo, que “nos dez planejamentos tributários em que houve a violação de norma cogente, o julgador considerou inválido nove”. (CORTELA, 2010, 434). 139 Nesse sentido, Greco elenca como um dos critérios positivos de validação de planejamentos tributários justamente a inserção do negócio jurídico no âmbito do planejamento estratégico da empresa, in verbis: “b) externo ao negócio jurídico – inserção da operação no âmbito do empreendimento do qual a pessoa jurídica é vestimenta; vale dizer, sintonia da operação com o planejamento estratégico da empresa, ligado à atividade econômica que desempenha” (GRECO, 2011, p. 376) 140 - seja pela centralização da apuração, no caso do ICMS, seja pela realização de procedimento de compensações via PER.DCOMP no caso do IPI. 141  A  própria  Solução  de  Consulta  99.003,  já  comentada  anteriormente,  que  nega  a  transferência  de  créditos  em  operação  de  cisão  parcial,  deixa  expresso  que  a  negativa  deve  se  dar,  em  regra,  a  operações   “sem   causa   econômica”   efetiva.   A   despeito   das   criticas   à   utilização   da   motivação  

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134    

envolvam apenas a transferência de direito creditório, na medida em que pode-se estar

contrariando as regras que estabelecem a forma de transferência de créditos entre

estabelecimentos diversos.

Por fim, é imprescindível ao gestor ponderar os casos em que, entendendo

o grupo empresarial a necessidade de criação de nova unidades de negócios, a

constituição de uma nova pessoa jurídica seja mais recomendada, seja porque a

operação requisitará, por exemplo, os efeitos de operações triangulares entre os

estabelecimentos empresarias do grupo, seja porque envolverá benefícios concedidos

isoladamente por algum estado da federação sem a chancela do CONFAZ142.

A adoção desses procedimentos não implica, por evidente, numa aceitação

automática da economia de tributos indiretos buscado no planejamento de negócios.

Todavia, por estarem amparados em considerações específicas a essas figuras

tributárias, ou atrelados à natureza dos planos que as envolvem, acabam por conferir

um grau de maior segurança jurídica aos contribuinte ou, ao menos, por fornecer um

maior arsenal de discussão na hipótese de o planejamento ser contestado pelas

autoridades fiscais.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             psicológica  como  fator  de  resolução  de  casos  práticos  de  planejamento  de  negócios  com  efeitos  tributários   –   e   da   já   apontada   ausência   de   ponderação   efetiva   da   não-­‐cumulatividade   -­‐,   isso  significa  que  nem  a  toda  cisão  parcial  pode  ter  negado  o  efeito  da  transferência  de  créditos.  142 Quando, como visto, o argumento de fraude à regra de não-cumulatividade do Estado lesado perde força.

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135    

6 REFERÊNCIAS

ABRAHAM, Marcus. O Planejamento Tributário e o Direito Privado. São Paulo, Quartier Latin, 2007. ANDRADE FILHO, Edmar de Oliveira. Planejamento Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009. BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2005. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Themis : Revista da ESMEC, Fortaleza, v. 4, n. 2, p. 13-100, jul/dez/ 2006. Disponível em: <http://portais.tjce.jus.br/esmec/wp-content/uploads/2008/10/themis_v4_n_2.pdf> Acesso em: 30 de março de 2015 BERGAMINI, Adolpho; PEIXOTO, Marcelo Magalhães. O conceito de insumos aplicável ao cálculo de créditos de PIS e COFINS segundo o entendimento do CARF. In Gilberto de Castro Moreira Junior; Marcelo Magalhães Peixoto (coord.). PIS e COFINS à luz da jurisprudência do CARF. São Paulo: MP Editora, 2011 BIFANO, Elidie Palma. O Mercado Financeiro e o Imposto sobre a Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2011. __________. Estruturação de Operações no Mercado Financeiro e o Tema do Planejamento Tributário. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga (Coord.). O direito tributário e o mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em 30 de março de 2015. BRASIL. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7212.htm> Acesso em 17 de abril de 2015. BRASIL. Decreto-Lei nº 2.341, de 29 de junho de 1987. Dispõe sobre a correção monetária das demonstrações financeiras, para efeitos de determinar o lucro real, e dá outras providências. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/88686593/trf-3-judicial-i-capital-sp-26-03-2015-pg-360?ref=topic_feed> Acesso em: 05 de janeiro de 2015. BRASIL. Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999. Disponível em <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3000.htm> Acesso em: 05 de janeiro de 2015 BRASIL. Decreto nº 8.393, de 28 de janeiro de 2015. Inclui produtos no Anexo III à Lei nº 7.798, de 10 de julho de 1989, que altera a legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados. Disponível em

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136    

<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8393.htm> Acesso em: 27 de abril de 2015 BRASIL. Emenda Constitucional nº 37, de 12 de junho de 2002. Altera os arts. 100 e 156 da Constituição Federal e acrescenta os arts. 84, 85, 86, 87 e 88 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Disponível em <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc37.htm> Acesso em: 10 de janeiro de 2015 BRASIL. Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp24.htm> Acesso em: 15 de março de 2015 BRASIL. Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Lei Kandir. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp87.htm> Acesso em: 20 de fevereiro de 2015 BRASIL. Lei Complementar no 104, de 10 de janeiro de 2001. Altera dispositivos da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp104.htm> Acesso em: 20 de dezembro de 2014 BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm> Acesso em: 20 de dezembro de 2014 BRASIL. Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Imposto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L4502.htm> Acesso em: 10 de janeiro de 2015 BRASIL. Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm> Acesso em: 20 de dezembro de 2014 BRASIL. Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404compilada.htm> Acesso em: 25 de abril de 2015 BRASIL. Lei no 7.450, de 23 de dezembro 1985. Altera a legislação tributária federal e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7450.htm> Acesso em: 05 de março de 2015. BRASIL. Lei no 9.718, de 27 de novembro de 1998. Altera a legislação tributária federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9718.htm> Acesso em: 20 de dezembro de 2014

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137    

BRASIL. Lei no 9.779, de 19 de janeiro de 1999. Altera a legislação do Imposto sobre a Renda, relativamente à tributação dos Fundos de Investimento Imobiliário e dos rendimentos auferidos em aplicação ou operação financeira de renda fixa ou variável, ao Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES, à incidência sobre rendimentos de beneficiários no exterior, bem assim a legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, relativamente ao aproveitamento de créditos e à equiparação de atacadista a estabelecimento industrial, do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros ou Relativas a Títulos e Valores Mobiliários - IOF, relativamente às operações de mútuo, e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, relativamente às despesas financeiras, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9779.htm> Acesso em: 05 de janeiro de 2015. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm> Acesso em: 22 de dezembro de 2014. BRASIL. Lei no 10.485, de 03 de julho de 2002. Dispõe sobre a incidência das contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), nas hipóteses que menciona, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10485.htm> Acesso em 07 de janeiro de 2015 BRASIL. Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002. Dispõe sobre a não-cumulatividade na cobrança da contribuição para os Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), nos casos que especifica; sobre o pagamento e o parcelamento de débitos tributários federais, a compensação de créditos fiscais, a declaração de inaptidão de inscrição de pessoas jurídicas, a legislação aduaneira, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10637.htm> Acesso em: 07 de janeiro de 2015 BRASIL. Lei no 10.833, de 29 de dezembro de 2003. Altera a Legislação Tributária Federal e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2003/l10.833.htm> Acesso em: 07 de janeiro de 2015 BRASIL. Lei no 10.865, de 30 de abril de 2004. Dispõe sobre a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens e serviços e dá outras providências. Disponível em <http://www .planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.865.htm> Acesso em: 07 de janeiro de 2015 BRASIL. Lei no 12.973, de 13 de maio de 2014. Altera a legislação tributária federal relativa ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas - IRPJ, à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, à Contribuição para o PIS/Pasep e à Contribuição para

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o Financiamento da Seguridade Social - Cofins; revoga o Regime Tributário de Transição - RTT, instituído pela Lei no 11.941, de 27 de maio de 2009; dispõe sobre a tributação da pessoa jurídica domiciliada no Brasil, com relação ao acréscimo patrimonial decorrente de participação em lucros auferidos no exterior por controladas e coligadas; altera o Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977 e as Leis nos 9.430, de 27 de dezembro de 1996, 9.249, de 26 de dezembro de 1995, 8.981, de 20 de janeiro de 1995, 4.506, de 30 de novembro de 1964, 7.689, de 15 de dezembro de 1988, 9.718, de 27 de novembro de 1998, 10.865, de 30 de abril de 2004, 10.637, de 30 de dezembro de 2002, 10.833, de 29 de dezembro de 2003, 12.865, de 9 de outubro de 2013, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, 9.656, de 3 de junho de 1998, 9.826, de 23 de agosto de 1999, 10.485, de 3 de julho de 2002, 10.893, de 13 de julho de 2004, 11.312, de 27 de junho de 2006, 11.941, de 27 de maio de 2009, 12.249, de 11 de junho de 2010, 12.431, de 24 de junho de 2011, 12.716, de 21 de setembro de 2012, e 12.844, de 19 de julho de 2013; e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2011-2014/ 2014/ Lei/ L12973.htm> Acesso em 30 de março de 2015. BRASIL. Convênio S/N, de 15 de dezembro de 1970. Disponível em <http://www1.fazenda.gov.br/confaz/confaz/convenios/sinief/cvsn_70.htm> Acesso em 10 de abril de 2015. BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho de Contribuintes. Recurso Voluntário Operações estruturadas em sequencia. Ausência de motivação extratributária. Acórdão nº.: 104-21498 Recorrente: Paulo Celso Dihl Feijó. Recorrida: 4a Turma/DRJ – Porto Alegre. Relator: Maria Helena Cota Cardoso. Brasília, em 06/09/2007. Disponível em <http://161.148.1.141/domino/Conselhos/SinconWeb.nsf/b51ea9ebd0dcdaee032566f7006e567c/8de5630705899af30325713f0004fbc1?OpenDocument> Acesso em 01 de maio de 2015 BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho de Contribuintes. Recursos Voluntário. Incorporação às avessas. Acórdão nº.: 107-07596. Glosa de Prejuízo Fiscal. Recorrente: Martins Comércio e Distribuição de Serviços S.A. Relator: Luiz Martins Valero Brasília, 14/04/2004. Disponível em <http://161.148.1.141/domino/Conselhos/SinconWeb.nsf/%20b51ea9ebd0dcdaee032566f7006e567c/c28b1301363c2c8403256e7f00752bb3?OpenDocument> Acesso em 02 de maio de 2015 BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Recurso Especial do Procurador. Conceito de insumo para fins de PIS e COFINS. Acórdão 9303-003.069. Recorrente: Jari Celulose, Papel e Embalagem S.A. Relator: Rodrigo Cardoso Miranda. Brasília, em 02/02/2015. Disponível em <http://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/consultarJurisprudenciaCarf.jsf> Acesso em: 01 de maio de 2015. BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Recurso Voluntário. Valor mínimo tributável do IPI. Acórdão nº.: 3403-002.285. 16/07/2013. Recorrente: Celupa Industrial Celulose e Papel Guaíba S.A. Relator: Antonio Carlos Atulim. Brasília, em 16/07/2013. Disponível em

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