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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DIREITO DE SUPERFÍCIE SOCIAL ROLE OF PROPERTY AND SURFACE LAW FUNCIÓN SOCIAL DE LA PROPIEDAD Y DERECHO DE SUPERFICIE Victor Hugo Tejerina Velázquez 1 Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenador e pesquisador do NEDAEPI. Professor e ex-Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIMEP. [email protected] Renato Franco Pacanaro Advogado. Especialista em Direito. Mestrando em Direito pela UNIMEP. Pesquisador do NEDAEPI. Email [email protected] RESUMO Este trabalho analisa a partir do núcleo fundamental dos direitos reais, a propriedade, o direito de superfície introduzido pelo Estatuto da Cidade e recentemente pelo Código Civil de 2002, pois oferece uma rara oportunidade de atender a função social da propriedade, expressão com a qual, a propriedade passa a ser encarada não apenas como uma “complexa situação jurídica subjetiva ativa e passiva”, insuficiente para a definição de função social da propriedade, sendo todavia importante encontrar seu significado 2 . Significado que poderia adquirir sentido pleno aplicando o direito de superfície para assentamentos humanos urbanos e rurais, em matéria de moradia digna nos planos urbanos e apoio efetivo ao homem do campo, especialmente quando o Estado é o titular do domínio. As Nações Unidas tem demonstrado profundo interesse sobre os assentamentos humanos e se acredita que o instituto poderia resolver grande parte dos problemas do campo e das cidades. A Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos de 1976, exige estudar outras ligadas ao cadastramento e a tenência segura da terra desenvolvidas pelo órgão internacional. No Direito Pátrio, a Clovis Beviláqua, quando da apresentação do "Projecto de Codigo Civil Brazileiro", lhe pareceu ociosa a inclusão do direito de superfície, dizendo que no Direito Alemão se reduziu a um direito cessível e transmissível, como se verá mais tarde. O Projeto de Código de 1916 já incluía entre os direitos reais o direito de superfície (art. 1.226). Mas há de reconhecer-se que no novo Código, que inclui o direito de superfície, mesmo que alguns autores considerem que se trata da antiga concessão de uso sob novas formas, o direito de superfície reveste-se de outras características. Os que consideram 1 Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2000. Atualmente é professor titular e foi Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito - Universidade Metodista de Piracicaba. Dentro da Linha de Pesquisa “A formação da Cidadania e os Direitos Difusos e Coletivos” dedica-se com ênfase a dois projetos: 1) Propriedade Intelectual e Desenvolvimento Humano e, 2) Função Social da Propriedade e Constitucionalismo Contemporâneo. 2 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 18 ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 107

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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DIREITO DE SUPERFÍCIE

SOCIAL ROLE OF PROPERTY AND SURFACE LAW FUNCIÓN SOCIAL DE LA PROPIEDAD Y DERECHO DE SUPERFICIE

Victor Hugo Tejerina Velázquez1

Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenador e pesquisador do NEDAEPI. Professor e ex-Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIMEP. [email protected] Renato Franco Pacanaro Advogado. Especialista em Direito. Mestrando em Direito pela UNIMEP. Pesquisador do NEDAEPI. Email [email protected]

RESUMO Este trabalho analisa a partir do núcleo fundamental dos direitos reais, a propriedade, o direito de superfície introduzido pelo Estatuto da Cidade e recentemente pelo Código Civil de 2002, pois oferece uma rara oportunidade de atender a função social da propriedade, expressão com a qual, a propriedade passa a ser encarada não apenas como uma “complexa situação jurídica subjetiva ativa e passiva”, insuficiente para a definição de função social da propriedade, sendo todavia importante encontrar seu significado2. Significado que poderia adquirir sentido pleno aplicando o direito de superfície para assentamentos humanos urbanos e rurais, em matéria de moradia digna nos planos urbanos e apoio efetivo ao homem do campo, especialmente quando o Estado é o titular do domínio. As Nações Unidas tem demonstrado profundo interesse sobre os assentamentos humanos e se acredita que o instituto poderia resolver grande parte dos problemas do campo e das cidades. A Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos de 1976, exige estudar outras ligadas ao cadastramento e a tenência segura da terra desenvolvidas pelo órgão internacional. No Direito Pátrio, a Clovis Beviláqua, quando da apresentação do "Projecto de Codigo Civil Brazileiro", lhe pareceu ociosa a inclusão do direito de superfície, dizendo que no Direito Alemão se reduziu a um direito cessível e transmissível, como se verá mais tarde. O Projeto de Código de 1916 já incluía entre os direitos reais o direito de superfície (art. 1.226). Mas há de reconhecer-se que no novo Código, que inclui o direito de superfície, mesmo que alguns autores considerem que se trata da antiga concessão de uso sob novas formas, o direito de superfície reveste-se de outras características. Os que consideram

1 Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2000. Atualmente é professor titular e foi Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito - Universidade Metodista de Piracicaba. Dentro da Linha de Pesquisa “A formação da Cidadania e os Direitos Difusos e Coletivos” dedica-se com ênfase a dois projetos: 1) Propriedade Intelectual e Desenvolvimento Humano e, 2) Função Social da Propriedade e Constitucionalismo Contemporâneo. 2 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 107

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que se trata de concessão de uso sob novas formas, afirmam com Moreira Alves que a concessão de uso de terrenos públicos e particulares aparece revestida de forma, a de superfície no Novo Código. Lembra que na exposição de motivos redigida por Miguel Reale consignava-se: "Tendo sido firmado o princípio da enumeração taxativa dos direitos reais foi mister atender à chamada 'concessão de uso', tal como já se acha em vigor, ex vi Decreto-Lei no. 271, de 28 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre loteamento urbano. Trata-se de inovação recente da legislação pátria..."3 Em função do Estatuto da Cidade que estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos (art. 1º.) e dentre outras coisas, ordena e controla o uso do solo, parece pertinente discutir comparando as normas contidas sobre o direito de superfície no Código Civil e no Estatuto. Como resulta importante discutir o significado da função social da propriedade. Com efeito, Gomes, seguindo Stefano Rodotà (Proprietá , verb. Novissimo Digesto Italiano, vol. XIV), analisa separada e sucessivamente os termos função e social afirmando que, segundo Rodotà, função contrapõe-se a estrutura e que serve para definir a maneira concreta de operar de um instituto ou de um direito de características morfológicas particulares e notórias”; que a função social se manifesta sobre o tríplice aspecto de 1) privação de determinadas faculdades, 2) a criação de um complexo de condições para que o proprietário possa exercer seus poderes e, 3) a obrigação de exercer certos direitos elementares de domínio. A funcionalização, assevera, se resolveria na distinção entre espécies particulares de bens, classificados mediante critério econômico, e pela modificação das normas que disciplinam a atividade do proprietário. Dirá que o pressuposto de fato da função social, o constituem apenas os bens produtivos os únicos idôneos à satisfação de interesses econômicos e coletivos. Palavras-chave: PROPRIEDADE - NOVO CÓDIGO CIVIL – ESTATUTO DA CIDADE - DIREITO DE SUPERFÍCIE - FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – FUNÇÃO SOCIAL E DIREITO DE SUPERFICIE.

ABSTRACT This study analyses property starting from the fundamental core of real state Law, the surface Law introduces by the City Statute and recently by Code Civil of 2002, due to the rare opportunity to attend the social function of property which means that the property is faced not only as a “passive-active subjective complex juridical situation” but remains insufficient to define the social function of property. Its meaning could be fully understood applying the surface law to urban and rural human settlements, in terms of worthy residence in urban planes and effective support to the rural men, especially when the State is the domain titular. United Nations has demonstrated profound interest on human settlements and it is highly credible that the institute could solve most of the problems in rural and urban areas. The Declaration of Vancouver about Human Settlements of 1976 demands more studies related to registration and secure land ownership developed by the UM. In Brazilian Law, Clovis Beviláqua thought that the inclusion of surface Law was idle when presenting the “Brazilian Code Civil Project”, arguing that in German Law it was reduced to a ceding and transmissible Law, as it will be seen later on. The Code Project of 1916 already included real state law and surface law (art. 1.226). It must be pointed out 3 V. MOREIRA ALVES, José Carlos. Posse - Estudo Dogmático. vol. II, T. I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 252-253.

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that the new Code which includes surface Law has new characteristics even though some authors considered it to be the old use concession under new forms. The ones that consider use concession under new forms state along Moreira Alves that the use concession of public and private land appears covered in form, the surface of the New Code. In the exposition of motives written down by Miguel Reale he wrote: “Having firmed the principle of taxing enumeration of real state Law was necessary to attend the so called ‘use concession’ as it was in effect, ex vi Decret Law #271, February 28, 1967, which disposes on urban division of land into lots. Deals with recent innovation of Brazilian legislation…” In function of the City Statute, that establishes public order and social interest norms which regulate the use of urban property in favor of collective good, security and well being of citizens (art. 1) and among other things controls and arranges soil use, seems pertinent to comparatively discuss the norms contained under the surface right in Code Civil and Statute. Gomes, following Stefano Rodotà (Proprietá, verb. Novissimo Digesto Italiano, vol. XIV), analyses separate and successively the terms function and social stating that, according to Rodotà, function goes against the structure and that it serves to define the concrete manner of an institute way of functioning or of a right of particular and notorious morphological characteristics; that social function manifests under a triple aspect of 1) privation of determined faculties, 2) creation of a complex set of conditions so that the owner can exercise his powers and, 3) the obligation to exercise certain elemental rights of domain. The functioning, according to him, would be resolved in the distinction among particular species of goods, classified according to economical criteria and by the modification of norms that discipline owner activities. It will state that the presupposed fact of social function is constituted only by productive goods, the only fit to satisfy collective and economical interests. Key-words: PROPERTY- NEW CODE CIVIL- CITY STATUT- SURFACE LAW - SOCIAL FUNCTION OF PROPERTY- SOCIAL FUNCTION AND SURFACE LAW

RESUMEN Este trabajo analiza a partir del núcleo fundamental de los derechos reales, la propiedad, el derecho de superficie introducido por el Estatuto de la Ciudad e más recientemente por Código Civil de 2002, pues ofrece una rara oportunidad de atender la función social de la propiedad, expresón com la cual, la propiedad pasa a ser encarada no solamente como una “compleja situación jurídica subjetiva activa y pasiva”, insuficiente para la definición de función social de la propiedad, siendo todavía importante encontrar su significado4. Significado que podría adquirir sentido pleno aplicando el derecho de superficie para asentamientos humanos urbanos y rurales, em matéria de vivienda digna em los planes urbanos y dando apoyo efectivo al hombre del campo especialmente cuando el Estado es el titular del domínio. Las Naciones Unidas han demostrado profundo interés sobre los asentamientos humanos y se cree que el instituto podría resolver grande parte de los problemas del campo y de las ciudades. La Declaración de Vancouver sobre Asentamientos Humanos de 1976, exige estudiar otras relacionadas con el catastro y la tenencia segura de la tierra desarroladas por el órgano internacional. En el Derecho brasileño, a Clovis Beviláqua, le pareció ociosa a inclusão Del derecho de superfície cuando presentó su "Projecto de Codigo Civil Brazileiro", diciendo que en el Derecho Alemán se redujo a um derecho cesible e transmisible, como verá más 4 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 107

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tarde. El Proyecto de Código de 1916 incluía entre los derechos reales el derecho de superfície (art. 1.226). Pero, hay que reconocer que em Nuevo Código Civil brasileño, que incluye el derecho de superficie, aunque algunos autores consideren que se trata de la antigua concesión de uso bajo nuevas formas, el derecho de superfície se reviste de otras características. Los que consideran que se trata de concesión de uso bajo nuevas formas, afirman con Moreira Alves que la concesión de uso de terrenos públicos y particulares aparece revestida de forma, la de superficie em el Nuevo Código. Advierte que em la exposição de motivos redactada por Miguel Reale se decía: "Habiendo sido confirmado el principio de la enumeración taxativa de los derechos reales ffue necesario atender a aa llamada ‘concesión de uso’, tal como ya se alla en vigor, ex vi Decreto-Lei no. 271, de 28 de febrero de 1967, que dispone sobre loteamiento urbano. Trata-se de inovação reciente de la legislación brasileña..."5 En función del Estatuto de la Ciudad que establece normas de orden público e interés social que regulan el uso de la propiedad urbana en favor do bien colectivo, de la seguridad y Del bienestar de los ciudadanos (art. 1º.) y dentro de otras cosas, ordena y controla el uso del suelo, parece pertinente discutir comparando las normas conteniidas sobre el derecho de superficie em el Código Civil y em el Estatuto. Como es importante discutir el significado de la función social de la propiedad. Em efecto, Gomes, seguiendo Stefano Rodotà (Proprietá , verb. Novissimo Digesto Italiano, vol. XIV), analiza separada y sucesivamente los termos función y social afirmando que, según Rodotà, función se contrapone a la estrutura y que sirve para definir la manera concreta de operar de un instituto o de um derecho de características morfológicas particulares y notorias”; que la función social se manifiesta sobre o triple aspecto de 1) privación de determinadas facultades, 2) la criación de un complejo de condiciones para que el propietario pueda ejercer sus poderes y, 3) la obligación de ejercer ciertos derechos elementales de dominio. La funcionalización, asevera, se resolvería en la distinção entre especies particulares de bienes, clasificados mediante criterio económico, y por la modificación de las normas que disciplinan La actividad del do propietario. Dirá que el presupuesto de hecho de la función social, lo constituyen apenas los bienes productivos los únicos idóneos a la satisfacción de intereses económicos y coletivos. Palabras-clave: PROPIEDAD - NUEVO CÓDIGO CIVIL – ESTATUTO DE LA CIUDAD - DERECHO DE SUPERFICIE - FUNCIÓN SOCIAL DE LA PROPIEDAD – FUNCIÓN SOCIAL Y DERECHO DE SUPERFICIE Introdução Este trabalho analisa a partir do núcleo fundamental dos direitos reais, a propriedade, o direito de superfície introduzido pelo Estatuto da Cidade e recentemente pelo Código Civil de 2002, pois oferece uma rara oportunidade de atender a função social da propriedade, expressão com a qual, a propriedade passa a ser encarada não apenas como uma “complexa situação jurídica subjetiva ativa e passiva”, insuficiente para a definição de função social da propriedade, sendo todavia importante encontrar seu significado6. Significado que poderia adquirir sentido pleno aplicando o direito de superfície para 5 V. MOREIRA ALVES, José Carlos. Posse - Estudo Dogmático. vol. II, T. I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 252-253. 6 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 107

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assentamentos humanos urbanos e rurais, em matéria de moradia digna nos planos urbanos e apoio efetivo ao homem do campo, especialmente quando o Estado é o titular do domínio. As Nações Unidas não só tem demonstrado profundo interesse como estimulado a efetivação de políticas sobre os assentamentos humanos, pois se acredita que o instituto poderia resolver grande parte dos problemas do campo e das cidades. A Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos de 1976, exige estudar outras ligadas ao cadastramento e a tenência segura da terra desenvolvidas pelo órgão internacional. Noção básica Para melhor compreender o direito de superfície, entendido como um direito real alienável e hereditário que autoriza a ter uma edificação em cima ou debaixo do solo de um imóvel7 e a conseguinte quebra do princípio da acessão, deve lembrar-se que a propriedade na sua extensão vertical, estende-se por em cima ou debaixo do solo até onde é útil e conveniente. A acessão deve ser entendida como a união física entre duas coisas, em que uma delas depende de modo indissolúvel da outra8. Para Gomes,

A palavra acessão é empregada em sentidos diversos. Na acepção lata, significa o aumento da coisa que constitui objeto de propriedade, seja por produção [plantações], seja por união [construções], sem alteração no direito do proprietário. Esse amento tanto pode ser dar no volume como no valor do bem. Deve-se a forças internas da própria coisa ou a forças externas. No primeiro caso, verifica-se por produção [acessão discreta]; no segundo, por união [acessão contínua]9.

Acontece que no direito de superfície, as construções e as plantações que existem sobre ou debaixo do solo são consideradas autônomas com relação ao solo. Por superfície não deve entender-se a crosta terrestre, ou seja, o solo que está em contato com o início do espaço atmosférico, porém, o que está incorporado ao solo (construções e plantações); é o que emerge do solo: é o sobre solo (superficiem). Precedentes No ordenamento jurídico brasileiro o direito de superfície não é instituto novo. Foi abolido “em meados do século XIX” 10 e reintroduzido no Estatuto da Cidade (Arts. 2º VI, e 21-24; LRP. Art. 167 I, 39) e no Código Civil (Art. 1.225, II).

7 ENNECCERUS, KIPP E WOLFF. Tratado de Derecho Civil. T. III, 2º, 3ª ed. Barcelona: Bosch, 1971. p. 1-22. 8 LIRA, Pereira Ricardo. O direito de superfície e o novo Código Civil, in: ARRUDA ALVIM et alii (Coords.). Aspectos Controvertidos do novo Código Civil. Escritos em homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo: RT, 2003, p. 541-556. 9 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 18ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 149. Os adendos entre parêntesis são nossos. 10 LIRA, Pereira Ricardo. Op. cit. in: ARRUDA ALVIM et alii (Coords.). Aspectos Controvertidos do novo Código Civil. Escritos em homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo: RT, 2003, p. 541-556.

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No Direito Pátrio, a Clovis Beviláqua, quando da apresentação do "Projecto de Codigo Civil Brazileiro", lhe pareceu ociosa a inclusão do direito de superfície, dizendo que no Direito Alemão se reduziu a um direito cessível e transmissível. O Projeto de Código de 1916 já incluía entre os direitos reais o direito de superfície (art. 1.226). Conceito A superfície é um direito temporal ou perpétuo sobre uma coisa imóvel (construção ou plantação) que pertence a um proprietário diverso do solo. É caso de propriedade imobiliária com objeto absolutamente singular11. Ou melhor,

é o direito real sobre coisa alheia, autônomo, temporário ou perpétuo, de fazer uma construção ou plantação sobre ou sob o solo alheio, ficando a construção ou plantação da propriedade de quem constrói ou planta, bem como é o direito de manter essa propriedade sobre o solo alheio12.

Comparações necessárias

O direito de superfície não pode ser confundido com outros direitos reais, visto que ostenta um objeto absolutamente singular, por comportar algumas características diferenciadoras que o distinguem de outros direitos reais. Parece pertinente, para este trabalho apenas assinalar diferenças, se existentes, com a enfiteuse, o direito de uso especial para moradia e o direito real de uso. A antiga finalidade da enfiteuse, declarada no Art. 680 do Código de 1916, - terras não cultivadas ou terrenos que se destinem a edificação- não é suficiente para confundi-la com o direito de superfície, porque naquela se concede o domínio útil da propriedade alheia a câmbio do pagamento do laudêmio. Mesmo que o domínio útil seja transferido em favor de terceiros, inter vivos ou causa mortis, persiste a necessidade de se pagar o laudêmio para que a enfiteuse possa continuar a existir como direito real. Exigência que não acontece no direito de superfície13. A inclusão tardia da concessão de uso especial para fins de moradia14 como um direito real, por força da Lei 11.481/07, não é nada mais e nada menos do que a tradução da função social da propriedade, (V. Arts. 5º, XXIII, 170, III e 182, § 2º, da Constituição Federal de 1988), como o STJ15, tinha-se manifestado em caso parecido:

11 MESSINEO, Francesco. Manual de Derecho Civil y Comercial. T. III. Trad. San Tiago Sentís Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1971, p. 419-420. 12 LIRA, Pereira Ricardo. Op. cit. in: ARRUDA ALVIM et alii (Coords.). Aspectos Controvertidos do novo Código Civil. Escritos em homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo: RT, 2003, p. 542. 13 LIRA, op. cit. p. 542. 14 Código Civil, Art. 1.225, XI. 15 STJ.2ª Turma. ROMS 8766 / PR ; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 1997/0054105-3 DJ:17/05/1999 PG:00150. RSTJ VOL.:00121 PG:00160. Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS (1094).Data da decisão: 06/10/1998. Available: http://www.stj.gov.br/webstj

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O uso do solo urbano submete-se aos princípios gerais disciplinadores da função social da propriedade, evidenciando a defesa do meio ambiente e do bem estar comum da sociedade.

A concessão de uso especial não é assunto novo, basta lembrar que: O grande benefício trazido pela Lei do Parcelamento do Solo Urbano foi

reconhecer a competência dos Municípios para regularizar os parcelamentos feitos ilegalmente dentro de seus territórios (arts. 40 e 41). E trouxe ainda a possibilidade de parcelamentos especiais para a população de baixa renda (art. 4º, II, in fine)16.

Foi a Medida Provisória No. 2.220 de 04 de setembro de 2001 que disciplinou o art. 183 § 1º. da Constituição Federal. Nos termos da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998, modificada pela Lei 11.481/07,

A concessão de uso especial para fins de moradia aplica-se às áreas de propriedade da União, inclusive aos terrenos de marinha17 e acrescidos, e será conferida aos possuidores ou ocupantes que preencham os requisitos legais estabelecidos na Medida Provisória no 2.22018, de 4 de setembro de 2001 (Art. 22-A)

Concessão que não se aplica a imóveis funcionais e aos imóveis sob administração do Ministério da Defesa e dos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica por serem considerados de interesse da defesa nacional. ( Art. 22-A, §§ 1º e 2º L. 9.636/98). A concessão de direito real de uso é o décimo segundo direito real incluído recentemente no art. 1.225, XII do Código Civil. Mas é instituto que já era utilizado desde 196719. Meirelles20 assim o define:

16 SAULE, Nelson Jr. (org.); BRUNO, Fernando...et alii. A PERSPECTIVA DO DIREITO À CIDADE E DA REFORMA URBANA NA REVISÃO DA LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO. São Paulo: Instituto Pólis, 2008, p. 10. (Cadernos Pólis; 10). 17 A hipótese levantada por Terra ao tratar de parcelamento nas terras de marinha é assunto superado, toda vez que os novos direitos reais de uso acabaram com o conflito levantado por esse autor. Apenas se transcreve essa questão para avaliar o processo de evolução que vai da enfeiteuse ao direito real de uso hoje inscrito no Código Civil. Marcelo Terra afirmava in: “A propósito da Enfiteuse”. Available: http://www.anoregsp.org.br/boletimel227a.html, [capturado em 31-08-2000], diz que: “Se a gleba for objeto de enfiteuse, aprazamento ou aforamento, sua divisão depende do consentimento do senhorio (art. 681, C.C.). Por sua vez, o § 6.º, do art. 3.º, do Decreto-lei n.º 9.760/46, [na verdade, refere-se ao Decreto-lei no. 2.398, de 1987] com redação modificada pelo art. 32, [é o art. 33] da Lei n.º 9.636/98, estabelece ser "... vedado o loteamento ou o desmembramento de áreas objeto de ocupação sem preferência ao aforamento, (...), exceto quando: a) realizado pela própria União (...); b) solicitado pelo próprio ocupante (...)". Para logo indagar se é possível a incorporação imobiliária em terrenos de marinha, levando em conta que o foreiro tem apenas o domínio útil, inexistindo, portanto, título de propriedade. Diz que não há, na lei, referência “aos requisitos formais e substanciais para instituição de condomínio de edifício dividido em unidades autônomas, subordinado à Lei n.º 4.591/64 em terrenos de marinha.” Do ponto de vista registral, parece instalado um conflito, mas o Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de São Paulo, diz Terra, tem se pronunciado em sentido de “ser possível o registro de memorial de incorporação em terrenos de marinha, desde que haja contrato de aforamento ou enfiteuse, em vez de simples ocupação.” 18 V. especialmente os arts. 1º. a 8º. da M.P. 2.220/01. 19 Art. 7º. do Decreto-Lei nº 271, de 28.02.67.

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Concessão de direito real de uso – é o contrato pelo qual a Administração transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público a particular, como direito real resolúvel, para que dele se utilize em fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social.

Trata-se de uma concessão –sujeita a uma condição resolutiva- de terrenos urbanos ou rurais não apenas públicos, mas também particulares de caráter gratuito ou remunerado em que é fundamental a regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo de terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência e outras modalidades de interesse social em áreas urbanas. Se não vejamos: O art. 7º. do D.L. 271/6721 com a nova redação dada pela Lei 11.481/07, declara:

É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas.

Já o direito real de uso é o gênero, pois tem alcances muito mais amplos do que direito especial para fins de moradia que é a espécie. Naquele, alem de regularização fundiária de interesse social, se pretende atender interesses ligados à urbanização, à industrialização, ao comércio à edificação, ao cultivo de terras, à finalidades ecológicas como o aproveitamento sustentável de várzeas. Tais concessões podem e devem atender empreendimentos de pessoas físicas ou jurídicas. Preocupa-se também com a preservação do patrimônio histórico-cultural da Nação ao declarar a proteção das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas. A concessão de uso assegura Lira, “em momento algum enseja suspensão ou interrupção dos efeitos da acessão como se depreende do art. 7º. , § 2º. do Dec.L. 271, de 28/02/1967”22, o que a tornaria “substancialmente diversa do direito de superfície”, mesmo considerando as alterações introduzidas pela Lei 11.481/07. Os que consideram que o direito de superfície é concessão de uso sob novas formas afirmam com Moreira Alves que a concessão de uso de terrenos públicos e particulares aparece revestida de forma no Novo Código. Lembra referido autor que na exposição de motivos redigida por Miguel Reale consignava-se: "Tendo sido firmado o princípio da enumeração taxativa dos direitos reais foi mister atender à chamada 'concessão de uso', tal como já se acha em vigor, ex vi Decreto-Lei no. 271, de 28 de fevereiro de 20 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2001 p. 485. 21 In: http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/Del0271.htm 22 LIRA, op. cit. p. 542.

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1967, que dispõe sobre loteamento urbano. Trata-se de inovação recente da legislação pátria..."23 O direito de superfície no Código Civil Nosso Código Civil o caracteriza como um direito cessível e temporário de construir ou de plantar (grifo nosso), a título gratuito ou oneroso, transmissível a terceiro, inter vivos, ou mortis causa, aos herdeiros, constituído através de escritura pública inscrita no Registro de Imóveis (V. Arts. 1369-1377). Não autoriza a realizar obras no subsolo, salvo se for inerente à natureza da concessão. Características: Além das características básicas de todo direito real, quais sejam: tipicidade, elasticidade, publicidade e especialidade, há que destacar as seguintes: a) é o direito de construir ou de plantar em terreno alheio; b) não está autorizada obra no subsolo, salvo se for pertinente à concessão; c) é um direito temporário; d) constitui-se por escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis; e) trata-se de contrato oneroso ou gratuito; f) os pagamentos podem ser feitos de uma única vez ou parceladamente; g) os ônus públicos são de responsabilidade do superficiário e, h) é transmissível inter vivos, mas a título gratuito, ou mortis causa. Constituição 24 A constituição da superfície pode ser feita por pessoa de direito público interno ou pelos particulares. Regular a concessão por pessoas jurídicas de direito público como Prefeituras, Estado, União, ou outras, em favor de pessoas particulares (físicas ou jurídicas), e mesmo outras de direito público, se torna uma propriedade considerando que inexistem requisitos mínimos e certas peculiaridades que até hoje não foram previstas. Daí que resulta importante que as pessoas de direito público regulem a concessão: a) de terrenos da sua propriedade, ou seja, os bens dominicais, enquanto constituem o

patrimônio das pessoas de direito público como objeto de direito real ou pessoal dessas entidades ou,

b) dos bens de uso especial tais como os edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal,

c) ou de outros conforme diretrizes da lei do parcelamento do solo urbano (Lei No. 6.766 de 19 de dezembro de 1979, publicada no Diário Oficial da União, de 20 de dezembro de 1979).

1) Falta regular, para o caso de edificações urbanas: a concessão dada ao

superficiário de construir, só se efetivaria no momento em que o concedente tivesse adquirido os direitos urbanísticos prévios à urbanização, ou concedendo o direito de superfície que já se encontre incorporado ao processo de urbanização. Ou seja, o direito para ter existência plena, precisa do cumprimento de deveres urbanísticos, levando em conta que nesta matéria, a aquisição do direito de edificar é faculdade

23 V. MOREIRA ALVES, José Carlos. Posse - Estudo Dogmático. vol. II, T. I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 252-253. 24 TEJERINA-VELÁZQUEZ, Victor Hugo. A Transcrição. Sistemas de Transmissão da Propriedade Imobiliária. Tese de Doutorado. São Paulo: PUC/SP, 2000, p. 460s.

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típica do superficiário mas, não pode ser exercido senão nas condições previstas pelo direito urbanístico. Anote-se, como nesta matéria e notória a franca prevalência e influência do direito público sobre os direitos reais, quer dizer sobre o direito privado.25

2) Ainda falta a vinculação de destino da construção superficiária: ou seja, que

quando se trata de terrenos de propriedade de pessoas de direito público, deve-se determinar o uso que se dará à construção, especialmente se a finalidade é moradia para camadas de baixa renda ou de edificações para diversos usos de interesse social.

3) Quanto à constituição do direito de superfície feita entre particulares, além da

observância de normas urbanísticas, prima a autonomia da vontade.

4) Faltam normas procedimentais para constituir o direito de superfície por

pessoas jurídicas de direito público interno, quer a título oneroso, quer a título gratuito. Se fosse, por exemplo, a título oneroso e se tratasse da construção massiva de moradia de franco interesse social, deveria, a pessoa jurídica de direito público interno, realizar prévia licitação, se várias entidades de caráter benéfico e social concorressem? Em sendo a título gratuito a construção de moradias pelo Município, a concorrência pública deveria ser básica na atribuição de tais direitos?

Ainda deve perguntar-se: sobre o conteúdo da contraprestação, por exemplo, o valor mínimo da contraprestação teria relação com o que os espanhóis denominam equivalência com “o valor urbanístico do aproveitamento real” que lhe corresponda ao bem dado em superfície? Dir-se-ia a mesma coisa quando de superfície de plantações se trate? Para superar as críticas feitas ao direito de superfície instituído pelo Código Civil Alemão, BGB, seguindo o pensamento de Wolff26 e, em sentido positivo, deveria estabelecer-se em nosso direito: a) clara relação de obrigações de caráter legal (semelhante às existentes no usufruto); b) existência de um dever para o superficiário de edificar, conservar em devida forma o edificado e contratar um seguro; c) estabelecer com clareza a sorte das edificações e das hipotecas que gravam o direito de superfície quando este se extingue; d) definir se a pensão superficiária (do direito alemão) nos contratos onerosos, adquire ou não caráter real, quer ampliando o conceito dos ônus reais, quer limitando o seu alcance; e) discutir se o direito de superfície é adequado ou não como base de crédito, levando em conta que, em tese, pode ser gravado (no direito alemão segundo o § 1.007 do BGG e, § 11 do Regulamento e, até pode ser condicionado ao consentimento do dono do imóvel) com qualquer tipo de direitos imobiliários e inclusive com superfícies, subsuperfícies, “Untererbbaurechten”, exemplo disto seria, segundo Wolff27, quando uma comunidade que tenha a superfície de um grande terreno e queira conceder seu direito de

25 V. FROMONT, Michel, RIEG, Alfred et alii. Introduction au Droit Allemand. Republique Fédérale. T. III Droit Privé. Paris: Éditions Cujas, 1991. p. 136. 26 ENNECCERUS, KIPP e WOLFF. Tratado de Derecho Civil. Tomo 3, v. 2º 3ª ed. Martin Wolff. Derecho de Cosas. Barcelona: Bosch, 1971, p.1-22. 27 ENNECCERUS, KIPP e WOLFF. Tratado de Derecho Civil. Tomo 3, v. 2º 3ª ed. Martin Wolff. Derecho de Cosas. Barcelona: Bosch, 1971, p. 6, nota 20.

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superfície a numerosos colonizadores, por divisão do terreno, mas sem despojar-se da sua qualidade de superficiária) e com hipotecas. Estatuto da Cidade O Estatuto da Cidade28 (EC), (art. 1º e parágrafo único), deve ser aplicado na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal estabelecendo “normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.” (grifo nosso), principalmente para: I – garantir o direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – cuidar da gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III – cuidem do planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; IV – cuidem da ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; Como da: V – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; VI – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; VII – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais; O direito de superfície em imóvel rural ou urbano Em função das disciplinas diferentes dadas ao direito de superfície pelo Código Civil (arts. 1.369 a 1.377) e pelo Estatuto da Cidade (arts. 21 a 24), percebem-se

28 O Estatuto da Cidade, LEI No 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001, regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

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características específicas do instituto quando onerado bem rural ou urbano29. Há autores que consideram que o CC é norma geral e subsidiária e, o Estatuto especial e específica. Outra doutrina considera que promulgado o CC está revogado o Estatuto da Cidade no que diz relação com o direito de superfície. Comparando: 1) Prazo de duração: o direito de superfície incidente sobre imóvel rural não pode ser

instituído por prazo indeterminado, deve sempre ser por prazo determinado (art. 1.369 do CC), ao passo que o urbano pode (art. 21 do EC);

2) Obras no subsolo: sendo o terreno rural, para o superficiário possa explorar o subsolo, precisa autorização expressa do concedente (art. 1.369, parágrafo único CC). No caso do imóvel urbano, o direito de superfície abrange a exploração do subsolo e do espaço aéreo (Art. 1.229 , 1.230 CC; Art. 176 § 2 CF) na forma indicada por lei, a menos que excluída pela concessão (Art. 21 EC);

3) Encargos tributários. Superficiário e concedente podem distribuir, a vontade, a responsabilidade pelos encargos ou tributos referentes ao terreno gravado. Em caso de omissão aplicam-se: se for rural, todos os ônus são por conta do superficiário (Art. 1.371 CC). Se for urbano, o superficiário só responde pelos encargos e tributos incidentes sobre a propriedade superficiária, e quantoa os demais relacionados ao imóvel, na proporção da área efetivamente ocupada dentrpo da concedida (Art. 21, § 3º EC).

Direito Comparado 1. Direito alemão No Direito alemão, certos direitos sobre imóveis são juridicamente assimiláveis aos imóveis. O caso mais característico é o direito de superfície (Erbbaurecht), para o qual se aplicam todas as regras referentes a bens imóveis, a menos que exista uma restrição específica da lei, já que é um direito cessível e transmissível e sujeito a gravames de todos os direitos reais limitados, mesmo que se trate de uma servidão fundiária ou de um ônus imobiliário. Instituto antigo, já tratado no BGB nos §§ 1.012-1.017 (Código Civil Alemão) como sendo direito real limitado, transmissível e cessível. O leitor deve levar em conta que os §§ 1.012–1.017 do BGB foram revogados. Eiranova Encinas30 sobre o significado do direito de superfície, comenta:

1) Significado. Mediante o direito hereditário à construção se fomenta a construção de pequenas moradias e se combate a especulação imobiliária. O facultado pelo Direito economiza no preço de compra e é igualmente o proprietário da construção, que, com o Direito hereditário à construção, é alienável e hereditário. A mais valia (Wertzuwachs) no prédio reside no proprietário desta.

2) Base jurídica. a) Para o Direito hereditário à construção estabelecido antes de 22-1-1919 seguem valendo os §§ 1.012–1.017 (ErbbRVO, 35, 38); [...] Após essa data vigora o ErbbRVO (estabelecimento oficial Ranz, 1919, núm. 26). –EG, 131, 133 (Landesrecht) 181, 182,

29 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. V. 4. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 184. 30 EIRANOVA, ENCINAS, Emilio. Código Civil Alemán. Comentado. BGB. 1ª ed. Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 329-330.

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184, 189, 196 (Direito transitório). WEG 30 (Direito hereditário à construção da moradia).

3) O direito hereditário à construção é o direito, alienável e hereditário, a ter uma construção sobre ou sob um prédio alheio (§ 1012, ErbbRVO1 I). Os acordos conforme o ErbbRVO1 2, 5, 27 I 2, 32 I 2, convertem-se em conteúdo legal por registro e têm efeito sem a aceitação para e contra uma sucessão especial no Direito: sem o registro, tem efeito como outros acordos no Dieito de obrigações, apenas com a aceitação para e contra a sucessão especial no Direito (Hamm DNotZ 76, 534; LG Brschw administrador de justiça 76, 310). O Direito hereditário à construção é um direito real limitado sobre um prédio alheio, e igualmente, um direito equiparável ao prédio, que é tratado em princípio como um prédio (§ 1017 ErbbRVO11).

4) Há que diferenciar entre o negócio de “fundamento” obrigacional (ErbbRVO11 II) do Direito hereditário à construção e seu negócio real de construção (Bestellungsgeshchäft) (ErbbRVO11 Rn 2) (§ 854) também quando ambos os dois se solapam...

O direito de superfície é definido por Wolff31 como direito real alienável e hereditário que autoriza a ter uma edificação em cima ou debaixo do solo de um imóvel. Assegura que a sua origem encontra-se no direito romano e comum; porém, entre esta instituição e a do direito romano há diferenças consideráveis, até porque, no direito alemão, não existe mais, segundo Wolff, direito algum de superfície referido a plantações. Mas persiste nosso Novo Código Civil Brasileiro em caracterizar o direito de superfície como o direito... de construir e de plantar (V. Art. 1.369). Teve enorme repercussão no direito alemão porque vários municípios e até Estados resolveram através do instituto o problema da pequena moradia, concedendo imóveis em lugar de aliená-los, o que evitava especulações com edificações e terrenos, facilitava a valorização do solo em favor dos proprietários (Estado, municípios), influenciando na maneira de construir e favorecendo as classes menos favorecidas (como a operária e a média) com casa própria. Reconhece que tem sido obstáculo a um desenvolvimento mais amplo desta instituição, a insuficiente regulamentação legal. A este direito, deve agregar-se idéia de propriedade familiar. O que caracteriza ao direito de superfície no Direito alemão é: a) Ter direito a uma edificação na sua totalidade (não a uma plantação) sobre um

imóvel. Por edificação há de entender-se toda construção que represente um todo independente: edifício, ponte, muro, monumento, esclusa, fonte, bodega, entanto não seja parte de um edifício. Como a edificação, no direito alemão, cuja tenência é o conteúdo do direito de superfície, há de estar determinada pela sua espécie: um direito a ter “uma edificação de qualquer classe”, seria impreciso, diz Wolff. A “tenência” da edificação abarca em si a construção, a posse do edificado e do solo sobre o que se edifica, seu gozo e a faculdade de reedificar depois da demolição. O direito de superfície não implica necessariamente um direito a possuir aquelas partes do solo sobre as que não se edifica. Segundo do BGB (código civil alemão), o titular da superfície só é proprietário da edificação quando a tenha construído. Em nota de rodapé ( No. 12, p. 3, T. III, 2º) , Wolff, diz que se discute se a edificação é parte essencial ou pertença do direito de superfície. A doutrina dominante curva-se

31 ENNECCERUS, KIPP e WOLFF. op. cit. p.1-22.

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pelo primeiro. Em câmbio, diz, a legislação austríaca a considera meramente uma pertença;

b) O direito de superfície, não concede essencialmente a faculdade de usar as partes do solo que não são necessárias para a edificação, mas, segundo o BGB (§ 1.01332) pode ser estendida contratualmente a essa utilização quando represente uma vantagem para o gozo da edificação (pátios, hortas, etc.). Sob o nome do direito de superfície não poderia ocultar-se, por exemplo, o arrendamento hereditário de prédio rústico;

c) Segundo o direito anterior, os convênios que o superficiário e o proprietário celebrassem (conservação, benfeitorias, seguros, da edificação, sobre quem tinha de suportar ônus públicos e privados, etc.) somente produziam efeito obrigatório. A partir da regulamentação do direito de superfície, tais relações contratuais fazem parte do “conteúdo” do próprio direito de superfície;

d) Para Wolff, o direito de superfície não é um direito subjetivamente real, senão que corresponde necessariamente a uma pessoa individualmente determinada ou, a varias pessoas em comum, seja em cotas, seja ao modo análogo dos credores solidários; (V. § 428 da obra citada); caso parecido acontece com o usufruto, (V. § 114, nota 2 da obra de Enneccerus, Kipp e Wolff);

e) O direito de superfície é necessariamente alienável e transmissível por herança. Esta característica a distingue de uma maneira essencial de todas as servidões;

f) O direito de superfície é um direito, não uma coisa, mas é tratado como se coisa fosse, precisamente como coisa imóvel, ( BGB, § 1017 ap. 1º e § 11 do Regulamento). Conclui dizendo é um “fundus” jurídico.

O direito de superfície constitui-se: a) Através de negócio jurídico (contrato). No sistema alemão precisa-se de acordo e

inscrição no Registro Imobiliário. O direito de superfície pode, segundo o BGB, ser concedido sob condição e termo. Na prática, diz Wolff, não existe senão direito de superfície a termo (99 anos). ( direito austríaco, permite apenas direito de superfície de 30 a 80 anos). Estão proibidas as condições resolutórias.

b) Mediante usucapião “tabular” (registral), nos termos do § 900 do BGB, quando um direito de superfície indevidamente inscrito durante 30 anos, e o titular inscrito tem possuído o imóvel durante esse tempo, a título de direito de superfície a ele pertencente.

c) Através de desapropriação forçosa. 2. Direito italiano O direito de propriedade imobiliária, diz Messineo33, via de regra, estende-se, a tudo o que existe em cima e debaixo do solo (o terreno). Acontece que na superfície, as construções que existem sobre ou debaixo do solo são consideradas autônomas em relação ao solo. Portanto, um caso de propriedade imobiliária, circunscrita enquanto a seu objeto, quer dizer, limitada em relação ao seu objeto, está constituído pelo direito de superfície.

32 Veja supra nota 53 sobre os revogados §§ 1.012–1.017 do BGB. 33 MESSINEO, Francesco. Manual de Derecho Civil y Comercial. T. III, trad. da 8ª edição italiana. Buenos Aires: EJEA, 1971, p. 419.

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Por superfície, não deve entender-se: a crosta terrestre, ou seja, o solo que está em contato com o início do espaço atmosférico. É o que está incorporado ao solo (construções), quer dizer, é o que emerge do solo: é o sobre solo (superficiem). A superfície é um direito temporal ou perpétuo sobre uma coisa imóvel (construção) que pertence a um proprietário diverso do solo. É caso de propriedade imobiliária com objeto absolutamente singular. Inspira-se no direito medieval e está fundada sobre a possibilidade da divisão da propriedade imóvel, além do plano vertical, também por planos horizontais, o que constitui uma categórica derrogação do princípio de acessão. Considera-se propriedade superficiária enquanto emerge do solo e nasce em dois tempos: a) por constituição do direito (concessão) de fazer e manter e b) logo por efeito da execução da construção. Nasce de dois procedimentos: A. aquele que desemboca na propriedade do sobre solo (propriedade separada):

a) assim o superficiário é dono da construção e o dono do solo priva-se do direito de acessão. O direito do superficiário adquire-se a título derivativo-constitutivo;

b) a relação entre o dono do solo e o superficiário pode ser : b1) servidão oneris ferendi (servidão de apóio do edifício sobre o solo); b2) ou como servidão inominada.

O direito de superfície é alienável, transmissível, hipotecável, suscetível de perda por não uso. É direito pleno não limitado. A sua posse é posse de coisa, não posse de um direito. Os modos de aquisição da superfície são os mesmos da propriedade, enquanto compatíveis. B. aquele que nasce da concessão ad edificandum. 3. Direito espanhol O Direito de Superfície no ordenamento espanhol é de caráter constitutivo, quer dizer, se realiza com a inscrição registral (e tem função transformadora da realidade jurídico-real). Ou por melhor dizer, como se sabe, são poucos os casos em que a inscrição tem caráter constitutivo: como no da hipoteca por expressa determinação dos arts. 187534 do Código Civil e 14535 e 15936 da Lei Hipotecária, ou na constituição do direito de Os seguintes artigos ainda tratam do Registro: Artículo 607. El Registro de la Propiedad será público para los que tengan interés conocido en averiguar el estado de los bienes inmuebles o derechos reales anotados o inscritos. Artículo 608. Para determinar los títulos sujetos a inscripción o anotación, la forma, efectos y extinción de las mismas, la manera de llevar el Registro y el valor de los asientos de sus libros, se estará a lo dispuesto en la Ley Hipotecaria. V.http://209.130.77.85/legislacion/civil/CC%20Libro%20segundo.htm 34 Art. 1875.- Además de los requisitos exigidos en el artículo 1.857, es indispensable, para que la hipoteca quede válidamente constituida, que el documento en que se constituya sea inscrito en el Registro de la Propiedad. Las personas a cuyo favor establece hipoteca la ley, no tienen otro derecho que el de exigir el otorgamiento e inscripción del documento en que haya de formalizarse la hipoteca, salvo lo que dispone la Ley Hipotecaria en favor del Estado, las provincias y los pueblos, por el importe de la última anualidad de los tributos, así como de los aseguradores por el premio del seguro. V. http://209.130.77.85/legislacion/civil/CC%20Libro%20cuarto.htm 35 Art. 145 Para que las hipotecas voluntarias queden válidamente establecidas, se requiere: 1. Que se hayan constituido en escritura pública. 2.Que la escritura se haya inscrito en el Registro de la Propiedad.

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superfície, diverso do direito de sobreelevação e subedificação (derecho de sobreelevación y subedificación) entendido como ”Un derecho real limitado que faculta para construir un volumen determinado sobre o bajo un edificio total o parcialmente ajeno, y cuyo ejercicio convierte a su titular en propietario exclusivo de los departamentos privativos construidos, al propio tiempo que se le integra en el régimen de la propiedad horizontal del inmueble”.37 (nos termos do art. 172.2 do texto refundido da Lei do Solo de 09 de abril de 1976). O direito de superfície sobre terras não cultivadas (“montes vecinales”) a que se refere o art. 3º da Lei de 11 de novembro de 1980 é também objeto de inscrição constitutiva. 4. Direito canadense - Québec O novo Código de Québec (em vigor desde 1 de janeiro de 1994), como reconhecido em outra oportunidade, consolida 125 anos de experiência, codifica a doutrina e a jurisprudência, por adaptar-se aos tempos atuais e à evolução tecnológica (em matéria de informática, transporte, comunicações, meios de pagamento etc.). Ele se moderniza, pois adapta a lei civil às profundas mudanças sociais, morais e econômicas que Quebec tem conhecido desde 1866 (como aborto, eutanásia, fecundação in vitro, mudança de sexo etc.); segue a tradição francesa pela aspiração de claridade e acessibilidade do texto; representa uma transformação radical em matéria de publicidade de direitos, quer porque o legislador tem providenciado desenvolvimentos tecnológicos para instaurar um sistema informatizado gerenciador das inscrições de direitos, quer porque a sua estrutura nova e suas presunções de conhecimento ou de existência do direito inscrito, o novo sistema oferece uma grande segurança para os títulos, a livre acessibilidade recusada e uma rapidez nos exames dos títulos para os imóveis matriculados.38 O direito de superfície é tratado no Código de Québec como uma das modalidades do direito de propriedade, pois o art. 1.009 desse corpo legal declara que as principais modalidades do direito de propriedade são a propriedade e o direito de superfície.39 Para imediatamente defini-lo como sendo as construções, obras ou plantações situadas sobre um imóvel pertencente a outra pessoa, “le tréfoncier”40. O direito de superfície está topograficamente separado dos outros direitos reais sobre coisa alheia, usufruto, uso, servidão e enfiteuse, aos quais, O Code de Québec, dedica o Título IV Dos Desmembramentos do Direito de Propriedade, (Arts. 1119s). Em efeito, para o Código de Québec a propriedade superficiária, resulta da divisão do objeto de direito de propriedade sobre um imóvel, da cessão do direito de acessão ou da renúncia ao benefício de acessão (Art. 1110). Os direitos do proprietário superficiário V. http://bdd.unizar.es/pag6/pag3/LH/TITULO05.HTM#BM00 36 Art. 159. Para que las hipotecas legales queden válidamente establecidas se necesita la inscripción del título en cuya virtud se constituyan. V. http://bdd.unizar.es/pag6/pag3/LH/TITULO05.HTM#BM00 37 V. AMEIJENDA, Antonio. La utilización tridimensional de inmuebles en España in http://www.fortunecity.com/tattooine/ridleyscott/3/tesina.htm #5 EL DERECHO DE SOBREELEVACIÓN Y SUBEDIFICACIÓN 38 TEJERINA- VELÁZQUEZ, VICTOR HUGO. A Reforma da Publicidade Imobiliária em Québec. Anais do XV Encontro Preparatório do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006, p.166. 39 “1009. Les principales modalités de la propriété sont la copropriété et la propriété superficiaire.” Una versão fidedigna do Código Civil de Quebec pode ser consulta in: http://www2.publicationsduquebec.gouv.qc.ca/dynamicSearch/telecharge.php?type=2&file=/CCQ/CCQ.html 401011. La propriété superficiaire est celle des constructions, ouvrages ou plantations situés sur l'immeuble appartenant à une autre personne, le tréfoncier.

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ao uso do solo regulam-se por convenção. O solo será gravado com as servidões necessárias ao exercício desse direito. O proprietário do solo e o superficiário suportam os encargos correspondentes ao objeto de cada uma das propriedades. A propriedade superficiária no Code de Québec pode ser perpétua, mas nada impede que seja um direito temporário, pois um acordo pode fixar um prazo determinado. Extingue-se o direito de superfície pela reunião das qualidades do proprietário do solo e do superficiário em uma mesma pessoa, salvados os direitos de terceiros, pelo cumprimento da condição resolutiva, pelo cumprimento do prazo. Deve entender-se a que a perda total, inclusive por desapropriação, das construções, obras ou plantações não extinguem o direito de superfície. À extinção da propriedade superficiária, o dono do solo adquire por direito de acessão a propriedade das construções, obras ou plantações, pagando seu valor ao superficíário. Porém, se o valor é igual ou superior ao valor do solo, o superficiário tem o direito de adquirir a propriedade do solo pagando o valor ao proprietário do solo, a menos que ele no prefira desse modo, pudendo levar, às suas custas, as construções, obras ou plantações, deixando o solo no seu estado anterior41. Na impossibilidade de o superficiário exercer seu direito de adquirir a propriedade do solo nos próximos 90 dias seguintes à extinção da propriedade superficiária, o dono do solo conserva a propriedade das construções, obras e plantações. Havendo desacordo entre o dono do solo e o superficiário sobre o preço e/ou outras condições de aquisição do solo ou das construções, obras e plantações, poderão pedir ao Juiz fixar o preço e as condições de aquisição. 5. Direito Argentino A legislação argentina (Lei 25.509 de11-12-2001) criou um microsistema, o direito real de superfície sobre imóvel alheio suscetível de florestação ou silvicultura de acordo com o regime previsto na Lei de Investimentos para Bosques Cultivados (Lei 25.080). Já o Projeto de Código Civil Unificado com o Código Comercial desse país, estendeu a superfície a atividades florestais.42 Essa lei, estabelece um prazo máximo de duração de 50 anos. Inválidos prazos superiores (Art. 6º).43 Hoje na Argentina, em função da Lei 25.509/01, o direito real de superfície está legislado em estreita relação com o uso dos recursos florestais, razão pela qual se assevere que se criou um microsistema jurídico florestal. Se não vejamos:

1.- El microsistema: El derecho real de superficie forestal estudiado desde el punto de vista del conjunto de relaciones que establece con su

41 V. Art. 1116 do Code de Québec 42 GROSSO, Lydia E. Calegari de; GROSSO, Gustavo. El Derecho Real de Superficie Forestal. REVISTA ARMONIZACIÓN DE LAS LEGISLACIONES. Año 1. No. 2. In: http://www.salvador.edu.ar/vrid/di/r_prog_arm_rev01-02-a1.htm 43 Argentina. Lei 25.509 de11-12-2001. In: www.sagpya.mecon.gov.ar/new/0- 0/forestacion/revistas/revista22/real.pdf

Page 18: FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DIREITO DE[1] · que o proprietário possa exercer seus poderes e, 3) a obrigação de exercer certos direitos elementares de domínio. A funcionalização,

entorno jurídico inmediato, las condiciones espacio-temporales y tecnológicas donde se inserta y los efectos jurídicos que produce en su contexto. 2.- El mesosistema: El derecho real de superficie forestal estudiado considerando todos aquellos elementos externos pero próximos. que posibilitan o dificultan de cualquier modo su actividad y los efectos que estas situaciones tienen sobre el mismo, y tienen preponderancia las relaciones del sistema jurídico con el entorno. 3.- El exosistema: El derecho real de superficie forestal estudiado dentro del marco social e institucional (organizacional) en el que se desarrolla, como conjunto de estructuras sociales, formales e informales, que pueden afectar a los contextos natural, socioeconómico y productivo de los recursos, relacionado con un sistema de ordenamiento territorial44.

Função social e direito de superfície. Para uma política sobre assentamentos humanos.

Para este trabalho é bom repetir que, do ponto de vista econômico-social, a propriedade

representa a estabilidade ou consolidação da posse exclusiva dos bens.45 É o poder de

fato, transformado em poder jurídico. É, do ponto de vista econômico, o “capital” em

contraposição ao “trabalho”46.

Para facilitar ou mitigar a sistêmica e endêmica falta de acesso à terra pelas populações

pobres -não só do Brasil mas de toda América Latina- o direito de superfície pode ser

um meio de acesso à propriedade de tal modo que do ponto vista econômico seja um

fator de estabilidade e, do ponto jurídico, seja o poder de fato transformado em poder

jurídico.

Alem do direito de superfície, a concessão de uso especial para moradia e o direito real

de uso47, poderiam servir como instrumentos que efetivem de modo concreto, a luta

contra a exclusão social, cuja faceta mais dramática é o quase impossível acesso à

44 GROSSO, Lydia E. Calegari de; GROSSO, Gustavo. El Derecho Real de Superficie Forestal. REVISTA ARMONIZACIÓN DE LAS LEGISLACIONES. Año 1. No. 2. In: http://www.salvador.edu.ar/vrid/di/r_prog_arm_rev01-02-a1.htm 45 Utiliza-se para esta parte, MESSINEO, Francesco. Manual de Derecho Civil y Comercial. T. III, trad. da 8ª edição italiana. Buenos Aires: EJEA, 1971, p. 247s. 46 TEJERINA-VELÁZQUEZ, Victor Hugo. Alguns Aspectos da Função Social da Propriedade no Novo Código Civil. In Revista Autônoma de Direito Privado. No. 1. Curitiba: Juruá, 2006, p. 45-86. ISSN 1980-0924. 47 As ponderações e aplicabilidade do direito de superfície como instrumento da função social da propriedade valem para os outros direitos reais tais como o direito de concessão de uso especial para moradia e o direito real de uso do Art. 12.225, XI e XII, do CC.

Page 19: FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DIREITO DE[1] · que o proprietário possa exercer seus poderes e, 3) a obrigação de exercer certos direitos elementares de domínio. A funcionalização,

moradia para uma larga parcela da população não apenas do Brasil como de toda

América Latina, considerando que por força constitucional o direito à moradia48 digna

se reveste de direito fundamental, nos termos do art. 6º. da Constituição Federal, sem

esquecer que a Declaração dos Direitos Humanos da ONU de 1948 já o fazia de modo

explícito em seu art. XXV49.

Milena Letícia Pfister assevera que a idéia não é nova, pois o anteprojeto do extinto

Conselho Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana, CNPU, já previa o

direito de superfície como instrumento para condicionar a propriedade urbana a sua

função social. Sem dúvida se corretamente aplicada a superfície se revestiria de

interesse jurídico, econômico e social superiores. A autora está convencida que o direito

de superfície incentivaria a construção civil, minoraria a crise habitacional e seria um

meio eficaz para a reforma agrária. Fortalece a sua tese com as declarações das Nações

Unidas, especialmente as declarações de Vancouver sobre Assentamentos Humanos e a

Industrialização e Globalização da Agricultura. E do ponto de vista constitucional, se

atenderia o imperativo da construção da cidadania a partir da dignidade humana50.

Como bem assevera Pfister51, o direito real de superfície não pode ser apenas encarado

como “mais um negócio jurídico de aquisição e sim como um direito real que busque

uma finalidade social”, pois o tratamento dispensado ao direito de superfície “[...]

modifica a concepção de propriedade absoluta...” Além do mais o instituto é uma

alternativa válida de controle do uso do solo urbano e rural na implementação de

políticas públicas adequadas e se, com ela, viesse a implantação, dentre outras coisas,

do cadastro urbano e rural “entendido como um sistema de informação territorial para o

desenvolvimento social e econômico de um país”, pois a ausência dele faz constatar

48 Constituição Federal: “Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000)”. 49 Sobre o conteúdo e possível eficácia do Direito à Moradia ver: SARLET, Ingo Wolfganf. Algumas Anatações a Respeito da Conteúdo e Possível Eficácia do Direito à Moradia na Constituição de 1988 in: Cadernos de Direito. Cadernos do Curso de Mestrado em Direito da UNIMEP. Vol. 3. No. 5. Dez. de 2003. ISSN 1676-529-X, p.107-141. 50 50 PFISTER, Milena Letícia. O Direito Real de Superfície um dos Instrumentos Garantidores da Função Social da Propriedade. Dissertação de Mestrado. Piracicaba:UNIMEP, 2007, p.. 51 PFISTER, Milena Letícia. op. cit., p.

Page 20: FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DIREITO DE[1] · que o proprietário possa exercer seus poderes e, 3) a obrigação de exercer certos direitos elementares de domínio. A funcionalização,

tardiamente a falta de controle efetivo da distribuição da terra, permitindo, por exemplo,

a inadequada concentração da terra em poucas mãos.

Do ponto de vista econômico-social, uma política de desenvolvimento sustentável com

preservação do meio ambiente deve incluir na função social da propriedade o direito de

superfície de tal modo que os assentamentos humanos sejam feitos não apenas com

apoio financeiro, mas com apoio da ciência e tecnologia.

Pfister52 afirma, com fundamento doutrinário, que propriedade sem cumprimento da sua

função social, não seria apenas inválida e ineficaz mas inexistente por inconstitucional.

O direito de superfície é essencial para a implantação de uma política de controle do

solo do solo urbano e na solução do problema da reforma agrária e proteção do homem

do campo como salientou som sabedoria 22 anos antes a VIII Conferência Nacional da

Ordem dos Advogados do Brasil de1980.

Uma reforma agrária, ou melhor, uma política sobre assentamentos humanos, implicaria

desenvolver sistemas protetores da propriedade imobiliária como fez em América a

Província de Québec ao implementar o registro cadastral, pois não há dúvida de que a

concessão de terras por direito de superfície no campo e na cidade, com apoio de um

cadastro registral, que ainda não existe no Brasil, contribuiria ao desenvolvimento

sustentável do país e a melhor executar a concessão de terras, quer por direito de

superfície, quer utilizando-se dos outros institutos como os direitos reais de uso. Em

outra oportunidade, escrevemos53:

A reforma em países desenvolvidos e a implantação em países em desenvolvimento dos sistemas imobiliários, protetores da propriedade imobiliária e dos direitos reais tem tido, nos últimos anos, inusitado interesse. Tal constatação, em princípio, pode ser explicada porque todo sistema de proteção dos direitos reais e especialmente da propriedade imobiliária pode constituir-se em importante fator de desenvolvimento como servir para uma adequada gestão territorial54, especialmente quando se constata em países como os da América Latina, a alta concentração de terra improdutiva em poucas mãos.

52 PFISTER, Milena Letícia, op. cit. p. 53 TEJERINA- VELÁZQUEZ, VICTOR HUGO. A Reforma da Publicidade Imobiliária em Québec. Anais do XV Encontro Preparatório do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. 54 ROBERGE, Daniel . La Protección de los Derechos Inmobiliarios, Factor Clave Del Desarrollo Sostenible - El Ejemplo de Quebec. In: http://www.mrn.gouv.qc.ca/cadastre/info/ (capturado em 11/12/05). Email: [email protected]. ( O autor é B.Sc.A, Agrimensor, Chefe do Service d'enregistrement des droits d'intervention Ministère des Ressources naturelles du Québec).

Page 21: FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DIREITO DE[1] · que o proprietário possa exercer seus poderes e, 3) a obrigação de exercer certos direitos elementares de domínio. A funcionalização,

Para entender e construir uma política efetiva sobre assentamentos humanos, sem sobra

de dúvida, as ponderações de Orlando Gomes sobre a função social da propriedade

parecem pertinentes. Com efeito, Gomes55, seguindo Stefano Rodotà (Proprietá , verb.

Novissimo Digesto Italiano, vol. XIV), analisa separada e sucessivamente os termos

função e social afirmando que, segundo Rodotà, função contrapõe-se a estrutura e que

serve para definir a maneira concreta de operar de um instituto ou de um direito de

características morfológicas particulares e notórias”; que a função social se manifesta

sobre o tríplice aspecto de 1) privação de determinadas faculdades, 2) a criação de um

complexo de condições para que o proprietário possa exercer seus poderes e, 3) a

obrigação de exercer certos direitos elementares de domínio. A funcionalização,

assevera, se resolveria na distinção entre espécies particulares de bens, classificados

mediante critério econômico, e pela modificação das normas que disciplinam a

atividade do proprietário. Dirá que o pressuposto de fato da função social, o constituem

apenas os bens produtivos os únicos idôneos à satisfação de interesses econômicos e

coletivos.

Afirma Gomes que para Rodotà “só apedeutas estendem aos bens de uso o princípio da

função social, falando em função social da propriedade edilícia, ou até mesmo, na dos

bens duráveis”. Há de entender-se aqui que “a propriedade a ser chamada a absorver o

princípio da função social não é a propriedade direito-subjetivo mas a propriedade

instituto-jurídico”56

Uma das funções que em larga escala pode cumprir o direito de superfície e com ele

mais dois outros direitos reais recentemente incrporados –direito especial

O direito de superfície se concedido pelo Estado em áreas florestais, poderia cumprir

em larga escala, com a devida assistência técnica, a execução de uma política de

proteção de bosques e de áreas silvícolas atendendo, pelo menos, dois princípios,

preservação da biodiversidade e o desenvolvimento humano.

A oportunidade que o Estado tem de administrar o direito de superfície, via concessão,

por tempo determinado, importa enfrentar um dos graves problemas com que se depara

a pretensão de estabelecer um regime jurídico sobre a propriedade imobiliária na ausência 55 GOMES, Orlando, op. cit. p. 107-108.

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de um cadastro, “entendido como um sistema de informação territorial para o

desenvolvimento social e econômico” de um país. A ausência dele, faz constatar,

tardiamente, os efeitos de uma falta de controle efetivo sobre a distribuição da terra

enfrentando um problema exponencial (overshoot) no sentido que Meadows et al.

consideram: "ir muito além inadvertidamente, sem ter-se proposto"57, permitindo, por

exemplo, uma inadequada concentração de terra em poucas mãos. Serias fundamental para

uma adequada concessão de do direito de superfície por parte ds pessoas jurídica a

efetivação dos cadastros físicos, inexistentes no país.

Com efeito, os cadastros físicos, utilizam-se caracteristicamente nas economias de mercado

aos efeitos de planejamento de cidades e povos, de desenvolvimento da infra-estrutura

pública, da gestão ambiental, da manutenção de políticas de utilização do solo e da

promoção das urbanizações58.

Do ponto de vista econômico-social, a propriedade, -e por conseguinte o direito de

superfície-, representa a estabilidade ou consolidação da posse exclusiva dos bens.59 É o

poder de fato, transformado em poder jurídico. É, do ponto de vista econômico, o

“capital” em contraposição ao “trabalho”.

Uma política de desenvolvimento sustentável deve incluir o direito real de superfície na

função social da propriedade e na preservação do meio ambiente proclamadas pela

Carta Fundamental, de tal modo que os assentamentos humanos levem em conta apoios

concretos da ciência e da tecnologia.

Com efeito, como manifestado em outra oportunidade:60

Junto com a multiplicação dos fenômenos da interdependência dos Estados, a preservação do meio ambiente exige, não apenas políticas internas ou condutas individuais, mas regionais ou globais, na medida em que o Estado, isoladamente, não consegue resolver os problemas

56 GOMES, Orlando, op. cit. p.108. 57 MEADOWS,Donella H. et al. Más allá de los límites del crecimiento. Madrid: El País/Aguilar,1992, p. 29. 58 V. o estudo de POVEDA DIAZ, José. El Registro de la Propiedad Español y las recomendaciones del Banco Mundial. Available: http://www.registradores.org/banco.htm [junho, 2000]. 59 Utiliza-se para esta parte, MESSINEO, Francesco. Manual de Derecho Civil y Comercial. T. III, trad. da 8ª edição italiana. Buenos Aires: EJEA, 1971, p. 247s. 60 TEJERINA-VELÁZQUEZ, Victor Hugo. Alguns Aspectos da Função Social da Propriedade no Novo Código Civil. In Revista Autônoma de Direito Privado. No. 1. Curitiba: Juruá, 2006, p. 45-86. ISSN 1980-0924.

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ambientais ou porque a solução estaria fora do seu alcance decisório, com origem fora do território nacional, como a nuvem radiativa de Chernobil, ou porque não pode arcar com os custos, ou para enfrentar os desmatamentos na Amazônia na exploração apenas extensiva da propriedade61.

De modo concreto, as concessões por direito de superfície condicionadas a evitar a

degradação do ar e do solo, a preservação de um bem precioso como a água, o combate

aos câmbios climáticos com políticas adequadas parece urgente se se quer evitar que a

produção agrícola caia substancialmente nas próximas décadas como um estudo do

Banco Mundial apresentado faz pouco tempo em Buenos Aires, Argentina, tem

anunciado.

Uma adequada política de preservação do meio ambiente via concessão direito de

superfície, poderia estar condicionada à preservação da água, o uso adequado dos

resíduos, a preservação do ar e do solo, o combate a certos tipos de energias

contaminantes e um efetivo combate ao esquentamento global.

A procura dos combustíveis alternativos com apoio da tecnologia, ou por melhor dizer,

das denominadas tecnologias emergentes em matéria de energia, deveriam ser

precondições que façam parte quando se fala de uma política de assentamento humanos

nas cidades e no campo que leve em conta a dignidade da pessoa humana.

Por intermédio da concessão do direito de superfície de terras de domínio estatal se poderá

estabelecer normas de tal modo que evitem o que hoje acontece “nos setores agropecuário e

florestal brasileiro [...] em que proliferam as grandes empresas rurais, com os seguintes

efeitos:- concentração da terra; - expansão das monoculturas de exportação (Ex.: soja,

laranja e cana-de-açúcar); - apropriação especulativa da terra; - ampliação das

desigualdades sociais no campo; - intensificação do desemprego e subemprego estrutural; -

redução da produção de alimentos e outros produtos básicos; continuidade e intensificação

do processo migratório rural-urbano [...]; e –empobrecimento sistemático de vasto

contingente populacional: pequenos proprietários, posseiros, arrendatários, parceiros e

assalariados rurais e urbanos. Cerca de 40% do território brasileiro é ocupado por

61 MARIANO, Marcelo Passini; MARIANO, Karina I. Pasquariello. As teorias de integração regional e os Estados subnacioanis in: IMPULSO. v. 13 No. 30. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2002, p. 47-68.

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estabelecimentos que se dedicam à agropecuária e à silvicultura”62 O fenômeno se traduz,

nos movimentos migratórios campo-cidade, no desemprego e nos movimentos camponeses

lutando pela posse da terra.

Considerações Finais O direito de superfície se concedido pelo Estado em áreas florestais, poderia cumprir

em larga escala, com a devida assistência técnica, a execução de uma política de

proteção de bosques e de áreas silvícolas atendendo, pelo menos, dois princípios:

preservação da biodiversidade e o desenvolvimento humano.

Parece oportuno desenvolver políticas de assentamentos humanos utilizando-se do

direito de superfície por períodos mais ou menos longos, como no caso alemão de 99

anos, sem violar norma constitucional, já que o direito de propriedade do solo

pertencerá sempre à União.

O desenvolvimento de uma política realista de assentamentos humanos no campo e na

cidade importa no efetivo cumprimento da função social da propriedade e na

preservação do meio ambiente.

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http://209.130.77.85/legislacion/civil/CC%20Libro%20segundo.htm 62 MORAES GONÇALVES, José Leonardo de; [coord]; ASSIS ALVES MOURÃO FILHO, Francisco de;et al. Desafios científicos e tecnológicos nas próximas décadas: subsídios para um plano de pesquisa e desenvolvimento (rel); Piracicaba: USP/ESALQ – Comissão de Pesquisa, 2002, p. 2.

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TERRA Marcelo. “A propósito da Enfiteuse”. Available: http://www.anoregsp.org.br/boletimel227a.html.