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  • 7/29/2019 FSP2003-Presidente Lula Da Silva

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    Presidente Lula da Silva

    Fbio Wanderley Reis

    H menos de dois anos, a hiptese da vitria de Lulanas eleies de 2002 era razo para um debatenacional a respeito da possibilidade de golpe deEstado. Durante a campanha, no mais que algunsmeses atrs, a turbulncia econmico-financeira,associada s pesquisas eleitorais que reforavamaquela hiptese, permitia a Rubens Ricupero e outros

    falar de "golpe de mercado" para apontar, igualmente,ameaas estabilidade poltico-institucional do pas.No entanto, empossado Lula, o que vemos somercados tranquilizados, dlar e risco-Brasil emqueda, investidores que voltam, empresrios otimistas,nimo popular festivo...

    Um aspecto do que observamos certamente se ligacom a ntida mudana na imagem de Lula ocorrida

    nos ltimos tempos e consumada ao longo doprocesso eleitoral recente: do chefe beligerante de umpartido de ideologia revolucionria e socialista aoretirante e operrio alado Presidncia etransformado em smbolo do acesso do povo aopoder. At aqui, a nica via aberta ascenso e afirmao populares em nossa sociedade elitista edesigual tem sido a via ldica e "folclrica" do Brasildo futebol, do Carnaval e da msica popular. Napoltica, a presena do povo sugeria "populismo",

    entendido como contrafao em que lideranas alheiasao eleitorado popular o manipulam e enganam. Agora,o pas com cuja cara nos acostumamos nosprotagonistas vitoriosos de Copas do Mundo ou naMarqus de Sapuca, e que at aprendemos a reclamarcomo nosso em sua simpatia folclrica (apesar de,com frequncia, aborrecer-nos nas notcias de coisascomo greves e violncias), deixa de atuar como merofigurante nas tramas cotidianas do Brasil "srio" eergue-se, com o presidente Lula, como parte decisivadele.

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    Dificilmente se poderia subestimar a importncia dosimbolismo a contido. Mas cabe assinalar umparadoxo aparente. Por um lado, o Lula chefe

    partidrio e seu partido inicialmente insurrecionalsuscitavam temores ou mesmo o veto de certossetores, e foi preciso o aprendizado de realismo emoderao por parte de ambos para que se rompessemas resistncias e se tornasse possvel a convergnciaque parece se dar no momento. Por outro lado,contudo, por seu longo investimento na construode uma instituio partidria autntica que Lula ganhadensidade e no pode ter sua liderana confundidacom os populismos de sempre, mesmo se o

    simbolismo que se liga a ele suscita o entusiasmopopular. Quanto inspirao ideolgica e principistaque d a marca de origem ao PT, ainda que fatalmentemitigada no aprendizado imposto pelo jogo poltico-eleitoral da democracia e pelas circunstnciaseconmicas e polticas da cena mundial, ela talvez oque permite a expectativa de que o necessriopragmatismo no desande em mera fraude populistaou capitulao.

    clara a ironia. Por longo tempo reclamamos partidosideolgicos ou "autnticos" e xingamos nossospartidos pragmticos ou "fisiolgicos". Quando,porm, o processo poltico do pas enseja osurgimento de um partido que se aproxima do modelodesejado, passamos a reclamar dele pragmatismo erealismo e as circunstncias tornam a exigncia mais

    justificada do que nunca. Com um pouco de sorte,talvez venhamos a ter o desfecho saudvel de que, tal

    como nas melhores experincias social-democrticas,as fantasias do modelo de poltica ideolgica, erigidoem paradigma de poltica "virtuosa", sejam superadasna condio em que se combinem ideologia epragmatismo em doses adequadas.

    O aspecto especial a destacar que o aceleradoaprendizado a que o PT se viu forado culmina agorana necessidade de encontrar o equilbrio e coloc-loem prtica j no exerccio do poder presidencial e emcircunstncias em que o que se espera do governo

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    extraordinariamente complexo e difcil. Do ponto devista poltico-institucional, certamente possvelsustentar que, diante dos velhos temores e resistnciasao PT, um governo Lula que chegue ao fim em

    condies de normalidade institucional, mesmo comdesempenho apenas razovel (ou nem isso),significar importante avano em nosso processodemocrtico e a provvel consolidao da democraciano pas. O desafio, porm, governar bem tanto "direita", assegurando a insero to benigna quantopossvel do pas na dinmica econmico-financeirainternacional, quanto " esquerda", atendendo demaneira consistente, e no meramente emergencial ousimblica, s expectativas que o governo Lula suscita

    no plano social.

    Assim, as condies gerais, especialmente no planointernacional, so sem dvida muito mais negativas doque no comeo da "era FHC". Mas um governo Lulaque obtivesse, ao cabo, os xitos relativos deFernando Henrique, com realizaes como algumaestabilidade econmico-financeira (apesar das apostaserradas, da vulnerabilidade externa e da estagnao),alguma reforma do Estado e alguns avanos sociaisem itens como sade e educao, seria certamenteavaliado como tendo resultado em rotundo fracasso.Fica a indagao de at que ponto, diante daperplexidade que nos envolve a todos nessaconjuntura difcil, Lula e o PT tero a acuidade e acriatividade necessrias para responder dificuldadedo desafio. E o conforto de que, se a respostasatisfizer em algum grau, o avano representado pelogoverno que agora comea, alm de ultrapassar o

    plano das instituies polticas, adquirir, comcerteza, relevncia mundial.

    Folha de S.Paulo, 12/1/2003

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