froberger suite № 20 (guitar)

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Froberger Suite № 20 (Guitar)

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE ARTES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA

    CSAR SOUZA FUNCK

    Trabalho Conclusivo de Mestrado

    O PROCESSO DE TRANSCRIO DA SUTE 20 DE JOHANN JACOB FROBERGER

    PARA VIOLO SOLO

    Trabalho conclusivo apresentado como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Msica rea de concentrao: Prticas Interpretativas (violo).

    Orientador: Prof. Dr. Daniel Wolff

    Porto Alegre

    2006

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo ao meu orientador Daniel pelo incentivo e disponibilidade;

    Aos violonistas Steffano Grondona e Tilman Hoppstock por terem cedido as

    edies de suas transcries especialmente para este trabalho;

    Aos professores Lcia Carpena e Edmundo Hora (Unicamp) por terem enviado as

    partituras originais das sutes de Froberger;

    Aos meus pais, por todo apoio em todos os momentos;

    CAPES pelo apoio durante o curso.

  • RESUMO

    Este trabalho trata do processo de transcrio da Sute 20 de J. J Froberger para

    violo solo. O objetivo geral descrever o processo de transcrio com base em modelos de

    transcrio dos sculos XVII e XXI. A partir destas anlises foi construdo um referencial

    terico para aplicao na transcrio da Sute 20. A identificao dos elementos tpicos do

    chamado stile bris a partir do referencial foi essencial para o processo de transcrio da sute

    20, que se utilizou de vrios procedimentos similares. No anexo deste artigo consta uma

    edio comparativa da verso original da Sute 20 com a transcrio, bem como outra edio

    com a parte do violo solo e sugestes de execuo.

    PALAVRAS-CHAVE: TRANSCRIO, VIOLO, FROBERGER, STILE

    BRIS.

  • ABSTRACT

    The present work discusses the transcription process of Johann Jacob Frobergers

    Sute 20, from harpsichord to guitar. The main purpose is to describe the transcription process

    based on models of transcriptions from the 17th and 21st centuries. From the analysis of such

    models was drawn the theoretical basis which was drawn from the analysis of such models,

    being subsequently applied to the transcription of Suite 20. The identification of typical

    elements from the so-called stile bris in the analysis was essential for the elaboration of the

    guitar transcription, in which several similar procedures were employed. The score of the

    transcription is included, along with a comparative edition between the transcription and the

    original harpsichord version.

    KEYWORDS: ARRANGEMENT, CLASSICAL GUITAR, FROBERGER,

    STILE BRIS.

  • SUMRIO

    INTRODUO ..................................................................................................................................................... 6

    1 METODOLOGIA ............................................................................................................................................ 10

    2 ANLISE DE TRANSCRIES ................................................................................................................... 13 2.1 FONTES DE TRANSCRIO DO SCULO XVII ................................................................................................ 13

    2.1.1 Caractersticas das transcries de D'Anglebert ................................................................................. 14 2.2 FONTES DE TRANSCRIO DO SCULO XXI .................................................................................................. 18

    2.2.1 Compresso de registro........................................................................................................................ 19 2.2.2 Disposio de acordes.......................................................................................................................... 19 2.2.3 Mudana de oitava ............................................................................................................................... 21 2.2.4 Supresso de notas ............................................................................................................................... 24 2.2.5 Aspectos idiomticos do violo ............................................................................................................ 25

    3 TRANSCRIO DA SUTE 20...................................................................................................................... 31 3.1 MUDANA NA DISPOSIO DE ACORDES ...................................................................................................... 31 3.2 SUPRESSO DE NOTAS .................................................................................................................................. 32

    3.2.1 Supresso de notas em acordes com disposio impraticvel no violo.............................................. 32 3.2.2 Supresso de notas para evitar distenso de mo esquerda ................................................................ 33 3.2.3 Supresso de notas para combinar vozes ............................................................................................. 33

    3.3 MUDANAS DE OITAVA ................................................................................................................................ 34 3.3.1 Mudana de oitava para evitar registro grave..................................................................................... 34 3.3.2 Mudana de oitava para evitar registro sobreagudo ........................................................................... 35 3.3.3 Mudana de oitava para manter ligaduras de sustentao.................................................................. 36 3.3.4 Mudana de oitava para compresso de registro................................................................................. 36 3.3.5 Mudana de oitava para utilizar digitao campanella....................................................................... 37

    3.4 DESLOCAMENTO RTMICO DE NOTAS EM STILE BRIS .................................................................................... 38 3.4.1 Deslocamento rtmico em acordes de longa durao........................................................................... 38 3.4.2 Deslocamento rtmico em acordes que geram distenso de mo esquerda.......................................... 39

    CONCLUSES ................................................................................................................................................... 42

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................................................................. 46

    ANEXO A EDIO COMPARATIVA DA SUTE 20 DE J. J. FROBERGER E A TRANSCRIO PARA VIOLO SOLO....................................................................................................................................... 48

    ANEXO B TRANSCRIO DA SUTE 20 DE J. J. FROBERGER PARA VIOLO SOLO................. 55

  • INTRODUO

    O violo um instrumento que apresenta uma situao peculiar: grande

    parte do seu repertrio tradicional composto por transcries. Boyd (2000) identifica a

    escassez de repertrio original como um dos elementos motivadores do processo de

    transcrever e afirma:

    Um grande nmero de transcries se originam por que executantes querem aumentar o repertrio de instrumentos que, por uma razo ou outra, no foram favorecidos com um repertrio vasto ou gratificante de composies originais. At que executantes como Segovia e Tertis elevaram o status dos seus instrumentos, violonistas e violistas dependiam consideravelmente de transcries. (Boyd, 2000, p. 627)1

    Wolff (1998) afirma que a necessidade de expandir o repertrio j era

    percebida pelos alaudistas e vihuelistas do sculo XVI. Instrumentistas desse perodo

    transcreviam obras vocais dos compositores franco-flamengos para as chamadas

    intabulaes. Boyd (2000) cita a transcrio para vihuela de Luiz de Narvaez da

    chanson Mille regretz de Josquin como um dos mais famosos exemplos (intitulada

    Cancin Del Imperador).

    No sculo XIX a tradio de transcrever foi continuada pelos violonistas

    Fernando Sor (1778-1839) e Mauro Giuliani (1781-1829), que produziram um grande

    nmero de transcries de sees de peras de Mozart e Rossini.2 O mesmo ocorreu

    1 A large number of arrangements originate because performers want to extend the repertory of instruments which, for one reason or another, have not been favoured with a large or rewarding corpus of original solo compositions. Until such players as Segovia and Tertis improved the status of their instruments, guitarists and viola players had to rely to a considerable extent on arrangements. 2 Giuliani comps 6 Rossianianas op. 119-124, baseadas em rias de peras de Rosssini. No caso de Sor, podemos citar as Variaes sobre um tema de Mozart Op. 9 (1821), com o tema O Cara Armonia do Segundo ato pera A Flauta Mgica, e as Seis rias da Flauta Mgica Op. 19.

  • 7

    com Johann Kasper Mertz (1806-1858) transcrevendo canes de Schubert para violo

    solo. Porm, conforme Wolff (1998), foi o violonista Francisco Trrega que conseguiu

    popularizar as transcries para violo. Alm de seu trabalho como compositor e

    professor, Trrega produziu um vasto acervo de transcries de compositores como

    Haendel, Bach, Chopin, Schumann, at seu conterrneo Isaac Albeniz. Andrs Segovia

    deu continuidade a essa tradio e transcreveu inmeras obras para violo solo. De

    todas as suas transcries que incluem obras de Mendelson, Schumann, Brahms a de

    maior pretenso e repercusso foi a Chacona da Partita II para violino solo de J. S. Bach

    (Betancourt, 1999).

    Atualmente, o violo conta com um repertrio de maior envergadura se

    comparado ao sculo XIX. Compositores renomados como Benjamin Britten (1913-

    1976), Luciano Berio (1925-2003) e Leo Brouwer (1939) passaram a escrever para o

    instrumento e sua representatividade no cenrio internacional cresceu de forma

    significativa. O incremento de repertrio no sculo XX, porm, no influenciou a

    produo de transcries. Elas continuam sendo feitas e gravadas por muitos

    concertistas da atualidade.3

    Diante da quantidade e diversidade de transcries disponveis atualmente,

    poderia se esperar que existisse muito material que seja referncia para tal tema.

    Entretanto, ao fazer uma busca por referenciais me deparei com a escassez de mtodos e

    materiais de instruo disponvel.

    Essa falta de material disponvel referente ao processo de transcrio me

    remeteu diretamente ao problema de pesquisa aqui proposto: quais so os

    procedimentos necessrios para se fazer uma transcrio de uma obra de outro

    instrumento para violo?

    Sendo assim, o objetivo geral do trabalho foi descrever o processo de

    transcrio da Sute 20 de Johann Jacob Froberger (1616-1667), original para cravo,

    para violo solo, com base em modelos de transcrio dos sculos XVII e XXI. Os

    objetivos especficos foram: analisar transcries de poca e modernas; identificar os

    procedimentos e recursos empregados no processo de transcrio de teclado para violo;

    aplicar esses procedimentos na transcrio da Sute 20 de Froberger; apresentar uma

    3 Nesse caso se aplicam todas as gravaes de obras de Bach, Albeniz, Granados, para citar os mais tradicionais.

  • 8

    edio comparativa entre o original e a transcrio da Sute 20, bem como outra edio

    somente com a parte para violo solo.

    Froberger foi um grande organista e cravista de sua poca, tendo trabalhado

    a maior parte de sua vida servio da Capela Imperial de Ferdinand III em Viena.

    Viajou para Frana, Inglaterra, Pases Baixos e Itlia, onde estudou por trs anos com

    Frescobaldi. Sharp (1972) afirma que, na poca da visita de Froberger a Paris em 1652,

    o alade dominava o cenrio musical, sendo seus principais representantes Denis e

    Ennemond Gaultier e Jaques Gallot. Nessa ocasio ele conheceu o cravista Jacques

    Champion Chambonires (c.16081672), que estava compondo no estilo dos Gaultier,

    utilizando-se das tcnicas tpicas do alade no cravo. Esse recurso do alade de arpejar

    acordes, prolongando a sonoridade de uma harmonia, chamado de stile bris e,

    somado a outros, est presente em grande parte das sutes de Froberger (Ledbetter,

    1990).

    Ainda nos dias de hoje, o termo transcrio pode ter mais de um

    significado na lngua portuguesa e importante fazer uma definio clara do tipo

    proposto por este trabalho. Segundo Boyd,

    No sentido comumente utilizado entre msicos, [ ] o termo pode significar ou a transferncia de uma obra de seu meio original para outro, ou a elaborao de uma pea com ou sem mudana de meio. Em ambos os casos o processo envolve algum nvel de recomposio, e o resultado pode variar de uma transcrio direta, quase literal, at uma parfrase, que est mais relacionada ao trabalho do arranjador do que ao do compositor original.4 (2000, p.627)

    O presente trabalho tem como foco a primeira definio, cujo o fator

    principal a adaptao de uma obra de um instrumento para outro. A escolha do tema

    em questo foi uma tentativa de relacionar a escrita deste artigo ao trabalho que venho

    desenvolvendo como intrprete, ora tocando transcries de outros, ora executando as

    feitas por mim. Essa escolha est diretamente relacionada nfase em prticas

    interpretativas do mestrado.

    4 In the sense in which it is commonly used among musicians, the word may be taken to mean either the transference of a composition from one medium to another or the elaboration (or simplification) of a piece, with or without a change of medium. In either case, some degree of recomposition is usually involved, and the result may vary from a straightforward, almost literal, transcription to a paraphrase which is more the work of the arranger than of the original composer. Essa traduo de Boyd (2000) refere-se ao termo arrangement em ingls, que para os fins deste trabalho, foi substitudo por transcrio. O termo transcription diz respeito a outra categoria de procedimento, relacionada s tcnicas de registro da etnomusicologia.

  • 9

    O presente trabalho est dividido em trs captulos. O primeiro trata da parte

    metodolgica. O segundo captulo engloba o referencial terico, que consiste na anlise

    de transcries. Est dividido em duas partes: a primeira demonstra transcries de

    alade para cravo de Jean-Henri DAnglebert, contemporneo de Froberger (sculo

    XVII); a segunda parte contm a anlise de transcries de outras obras de Froberger,

    feitas pelos violonistas Tilman Hoppstock e Steffano Grondona. No ltimo captulo

    esto as consideraes finais, seguidas dos anexos contendo as seguintes partituras:

    edio comparativa da Sute 20 original com a transcrio e edio da transcrio

    somente com a parte de violo.

  • 1 METODOLOGIA

    Tendo em vista os objetivos estabelecidos neste artigo e a escassez de

    materiais sistematizados e publicados que tratem especificamente da temtica em

    questo, o mtodo que me pareceu mais adequado para a realizao do trabalho foi a

    anlise de transcries.

    A primeira etapa desse processo consistiu em selecionar transcries

    existentes de Froberger. Nessa busca me deparei com os violonistas Tilmann Hoppstock

    e Steffano Grondona. Tilmann Hoppstock um violonista e professor alemo que vem

    desenvolvendo um trabalho na rea de transcries. A quantidade e diversidade de

    transcries publicadas o fez abrir sua prpria editora, publicando desde materiais

    didticos at obras de concerto. Alm da publicao, Hoppstock tem gravado discos

    com as suas transcries, incluindo obras de Froberger, L. Couperin, Buxtehude, Bach,

    entre outros5. Steffano Grondona um violonista italiano discpulo direto de Segvia.

    Possui transcries de obras de Bach, Scarlatti e Froberger que tambm foram

    registradas em disco6.

    Foram escolhidas as transcries de duas peas de Froberger feitas pelos

    violonistas Tilman Hoppstock e Steffano Grondona. O Tombeau sur la mort de

    Monsieur Blancrocher em D menor e Lamento em Mi Maior (da Sute 12). As

    partituras, apesar de serem publicadas, foram conseguidas atravs dos prprios

    transcritores. Aps serem contatados e informados da natureza deste trabalho, aceitaram

    5 HOPPSTOCK, Tilman. Piano works in Transcription for Guitar (Bach, Buxtehude, Froberger). CD B000001MYB. Signum, 1994. 6 GRONDONA, Stefano. Baroque Images. CD 5591397. Stradivarius, 2003.

  • 11

    enviar suas edies. As partituras originais de Froberger foram conseguidas atravs do

    cravista e professor Edmundo Hora, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

    A escolha de obras em comum transcritas pelos dois violonistas foi

    proposital, visando uma anlise comparativa dos recursos de transcrio de cada um

    frente mesma fonte. Foi feito um levantamento dos procedimentos mais utilizados

    pelos transcritores visando a criao de categorias para anlise., as quais so:

    Compresso de registro: recurso utilizado em transcries cujo instrumento

    alvo possui menor capacidade polifnica que o original.

    Mudanas nas disposies de acordes: alteraes na disposio das notas

    dos acordes para adaptar ao registro do violo;

    Mudanas de oitava: mudanas de oitava para evitar o registro sobreagudo

    ou o registro grave do violo;

    Supresso de notas: notas da verso original que foram suprimidas na

    transcrio;

    Deslocamento rtmico: prtica de execuo caracterstica do stile bris;

    Aspectos idiomticos do violo: preferncias dos transcritores quanto

    tonalidade, mudana de afinao, digitao e utilizao de recursos especficos do

    violo.

    Alm das edies modernas, considerei necessrio tomar como base

    transcries feitas no sculo XVII. Infelizmente, segundo Ledbetter (1989), at onde

    temos notcia, no restou nenhum material referente a transcries de cravo para alade

    desse perodo. Entretanto, o mesmo autor dedica uma seo de seu livro para analisar

    transcries feitas de alade para cravo pelo cravista Jean-Henry DAnglebert (1635-

    1691), contemporneo de Froberger, tendo como fonte obras dos alaudistas Ennemond

    Gaultier (1575-1651) e Denis Gaultier (1597-1672).

    As obras analisadas por Ledbetter (1989) escolhidas para este trabalho

    foram as transcries de D'Anglebert da Courante La pleureuse e Giga, de Ennemond

    Gaultier, e Sarabanda, de Denis Gaultier. O critrio de escolha dessas obras est

    relacionado s questes que aproximam o cravo do alade. Embora sendo transcries

    de alade para cravo, as adaptaes de D'Anglebert contribuem para esclarecer aspectos

    comuns do stile bris a ambos instrumentos como, por exemplo, a utilizao do efeito

    campanella e o deslocamento rtmico em acordes de longa durao e em teras

    paralelas.

  • 12

    O passo seguinte foi selecionar uma sute de Froberger para ser transcrita

    para violo solo. Dentre os critrios de escolha foram ponderados: tonalidade, amplitude

    de registro e questes de gosto musical pessoal. Frente a esses critrios, a Sute 20 foi

    selecionada e transcrita. A idia foi verificar se, durante o processo de transcrio, os

    procedimentos mais utilizados nas anlises poderiam ser utilizados de alguma maneira.

    Existe uma relao de complementaridade entre as categorias descritas por

    Ledbetter (1989) e as obtidas a partir das transcries para violo. As verses de

    D'Anglebert tratam de questes especficas de adaptao do alade para o cravo. Porm,

    essa adaptao tambm serviu para indicar at que ponto e, de que forma, isso

    traduzido para a linguagem do teclado, j que ocorreu uma adaptao de um

    instrumento de menor capacidade polifnica para outro com maior. J no caso das

    transcries para violo, ocorre a situao inversa. As obras necessitam de uma srie de

    adaptaes especficas, conforme procedimentos descritos acima, para funcionarem no

    instrumento.

  • 2 ANLISE DE TRANSCRIES

    Este captulo visa analisar transcries feitas nos sculos XVII e XXI. A

    primeira parte trata de transcries feitas de alade para cravo, a segunda, de

    transcries feitas de cravo para violo.

    2.1 Fontes de Transcrio do sculo XVII

    As transcries deste perodo compem uma fonte importante para a

    compreenso do stile bris. Apesar dos exemplos aqui mostrados serem transcries de

    alade para teclado (i.e. sentido inverso do presente trabalho), as anlises possibilitam

    identificar os recursos estilsticos e tcnicos utilizados por contemporneos de Froberger

    na adaptao de um instrumento para o outro.

    Todos exemplos aqui apresentados pertencem a uma coleo francesa de

    obras para teclado chamada Rs89ter (c.1677-1680). Contendo 48 obras, sendo 15

    atribudas ao alade, o transcritor dessas edies o cravista Jean-Henry DAnglebert

    (1635-1691). Ledbetter (1987) afirma que a coleo foi compilada por volta de 1670 e

    que demonstra as caractersticas do estilo tecladstico maduro de DAnglebert. Sobre ele

    o autor ainda acrescenta:

    O nico cravista conhecido por ter feito transcries de qualidade [na segunda metade do sculo XVII, na Frana] DAnglebert. Suas belas obras so a evidncia principal que temos do interesse de cravistas franceses pela msica para alade, e tambm como, em detalhes, os

  • 14

    aspectos da tcnica e estilo do alade foram incorporados prtica do teclado.7 (Ledbetter, 1987, p. 50)

    2.1.1 Caractersticas das transcries de D'Anglebert

    Os exemplos a seguir foram compilados por Ledbetter (1987) e descrevem o

    tipo de influncia que o alade exerce sobre o teclado e de que forma o transcritor lida

    com estas situaes. Constam nessa seo a Courante La pleureuse e Giga, de

    Ennemond Gaultier, e a Sarabanda de Denis Gaultier.

    Na abertura da courante La Pleureuse (Ex. 1) pode-se perceber as

    alteraes feitas por D'Anglebert baseadas no stile bris. As teras paralelas

    descendentes da verso para alade so separadas na verso para cravo. Esta separao,

    segundo Ledbetter (1987), gera a sensao de constante arpejamento, preenchendo o

    compasso de forma mais leve.

    Exemplo 1 - E. Gaultier: courante 'La pleureuse', compassos 1-4, com transc. de D'Anglebert

    Outro recurso utilizado por D'Anglebert a adio de notas de passagem em

    trechos com notas longas como no primeiro tempo do compasso 2 (Ex.1). Em vez de

    manter a durao do acorde de mi maior, como na verso original, o transcritor coloca

    apenas o baixo no primeiro tempo e preenche o acorde com notas de passagem. Este

    preenchimento com o motivo QTR imitado pelo baixo no tempo seguinte e pelo tenor

    no final do compasso 3. Sendo assim pode-se afirmar que tais preenchimentos no

    7 The only claveciniciste known to have made good-quality arrangements is DAnglebert. His remarkably fine pieces are the main evidence we have for the interest taken by French keyboard players in lute music and for how, in detail, aspects of lute technique and style were incorporated into keyboard practice.

  • 15

    cumprem funo meramente decorativa, mas tambm motvica, especialmente quando

    nos deparamos com a mesma figura no compasso 6 (Ex. 2).8

    Exemplo 2 - E. Gaultier: courante 'La pleureuse', compassos 6-7, com transc. de D'Anglebert

    O exemplo 3 apresenta outro procedimento caracterstico do stile bris. O

    acorde no segundo tempo do compasso 3 deslocado para a mo esquerda na verso de

    D'Anglebert, possibilitando manter a voz superior (nota l) ligada, estendendo a

    suspenso de quarta at o ultimo tempo do compasso.

    Exemplo 3 - E. Gaultier, courante 'La pleureuse', compassos 1-2, com transc. de D'Anglebert

    No compasso 9 (Ex. 4) a transcrio apresenta outra situao onde um

    acorde adicionado na mo esquerda do teclado. Entretanto, aqui a funo difere do

    exemplo anterior. A parte do alade no apresenta acorde algum neste trecho e a

    8 Sobre as adies de notas de passagem tpicas de D'Anglebert, Ledbetter afirma: Este uso sensvel de figuras padro uma das principais caractersticas das transcries de D'Anglebert e, freqentemente, do pea uma sutileza no encontrada no original. Tais pequenas adies decorativas so tambm um dos principais meios que D'Anglebert utiliza para melhorar a continuidade da linha.... [This sensitive use of standard figures is one of the principal features of D'Angleberts arrangements, and frequently lends a piece a subtlety not to be found in the original. Such small decorative additions are also one of the commonest means by which D'Anglebert enhances continuity of line...] (Ledbetter, 1987, pg. 68)

  • 16

    modificao de D'Anglebert ocorre provavelmente para dar nfase ao incio de uma

    nova frase.

    Exemplo 4 - E. Gaultier: courante 'La pleureuse', compassos 4-5, com transc. de D'Anglebert

    No compasso 10 D'Anglebert adiciona uma linha no soprano ornamentando

    a linha original do alade. Essa ornamentao feita com o mesmo motivo QTR do

    exemplo 1, e ocorre justamente quando h um acorde com notas longas no original.

    Esse tipo de movimentao meldica d nfase ao clmax do refro e tambm preenche

    a casa um no compasso 12, criando a anacruse para a repetio (Ex. 5).

    Exemplo 5 - E. Gaultier: courante 'La pleureuse', compassos 6-7, com transc. de D'Anglebert

    A transcrio da Sarabanda de Denis Gaultier (Ex. 6), exemplifica a

    variedade de recursos que D'Anglebert emprega para buscar efeitos tpicos do alade no

    teclado. Cada refro inicia com os acordes caractersticos tirer et rabattre9, cujo efeito

    principal dar variedade rtmica harmonias estticas. A textura alaudstica das

    colcheias em stile bris mantida, porm expandida para outros registros atravs do

    deslocamento do baixo e soprano.

    9 Essa tcnica implica em um movimento alternado do dedo indicador em um acorde repetido. (Ledbetter 1987, p. Xii). It entails an alternating motion of the forefinger over a repeated chord.

  • 17

    Exemplo 6 - Denis Gaultier: sarabanda, compassos 1-4, com transc. de D'Anglebert

    A giga do exemplo 7 parece reprensentar a tentativa, por parte de

    D'Anglebert, de realizar o efeito da campanella10, tpico do alade, no teclado. No

    compasso 2 da transcrio, uma linha de baixo e outra de tenor so adicionadas,

    respectivamente, com o intervalo de dcima e de tera da linha superior. A

    engenhosidade de D'Anglebert est no fato de criar o efeito de sobreposio de notas

    atravs do baixo e do tenor, em vez de apenas aumentar as duraes da linha original.

    No compasso 4 o transcritor resolve adicionar uma dissonncia de segunda maior para

    gerar a tenso e resoluo na nota si.

    Exemplo 7 - Ennemond Gaultier, giga 'La cloche', compassos 1-5, com transc. de D'Anglebert

    As transcries de D'Anglebert, apesar de serem feitas de alade para cravo,

    foram importantes para esclarecer a viso de um influente cravista, contemporneo de

    Froberger, acerca da linguagem do alade na segunda metade do sculo XVII e sua

    10 Wolff utliza o termo em ingls cross string para definir campanella da seguinte maneira: Geralmente usada em obras barrocas, a digitao cross string distribui os graus conjuntos da escala em cordas diferentes, permitindo que vrias notas contnuas da escala soem simultaneamente, favorecendo o legato na execuo. (Wolff, 2001, p.15).

  • 18

    inter-relao com o cravo. Sobre esta inter-relao, Ledbetter (1987) descreve, de uma

    maneira geral, os processos mais utilizados por D'Anglebert:

    a) Figuras e texturas provenientes do estilo do alade transferidas para o

    teclado com pouca ou nenhuma modificao;

    b) Figuras que so adaptadas textura do teclado, mas que no so

    necessariamente referentes a texturas de alade;

    c) Passagens em estilo de teclado tradicional, sem representar efeitos de

    alade, mas demonstrando aspectos estilsticos comuns a ambos instrumentos e por

    vezes incorporando recursos expressivos caractersticos do estilo do alade.

    importante ressaltar que essas caractersticas no so uma tentativa de

    categorizar os procedimentos de forma rgida, j que os exemplos citados anteriormente

    podem enquadrar-se em mais de uma dessas categorias.

    2.2 Fontes de transcrio do sculo XXI

    As transcries do sculo XVII foram importantes para compreendermos

    melhor as caractersticas estilsticas do perodo e o processo de transcrio de um

    contemporneo de Froberger. Contudo, no temos notcia de transcries de cravo para

    alade que sobreviveram. Sendo assim, as fontes do sculo XXI so uma opo de

    anlise que oferecem informaes sobre transcritores atuais, cujo instrumento alvo o

    mesmo deste trabalho, e que escolheram obras de Froberger.

    Foram selecionados dois transcritores, buscando as obras em comum

    transcritas por eles, com vistas a fazer uma anlise comparativa entre a original e as

    verses de cada um. As duas obras em questo so o Tombeau sur la mort de Monsieur

    Blancrocher e o Lamento em Mi maior, com verses de Steffano Grondona (2004) e

    Tilman Hoppstock (2004)11.

    11 A fim de facilitar a comparao das diferentes verses, optou-se por transpor o original para a tonalidade da transcrio, com exceo dos exemplos que possuem duas transcries com tonalidades diferentes. Em todos exemplos musicais aqui apresentados as transcries possuem a sexta corda afinada em r.

  • 19

    2.2.1 Compresso de registro

    A compresso de registro uma tcnica muito utilizada em transcries cujo

    instrumento alvo possui menor capacidade polifnica que o original. No exemplo 8

    Grondona mantm a proporo de oitavas do original, enquanto Hoppstock prefere

    transpor a voz do soprano uma oitava abaixo, deixando-a prxima ao baixo e tenor

    como vozes intermedirias.

    Exemplo 8 J. J. Froberger: Lamento em R maior (orig. D maior) compassos 6-8, com transc. de Grondona e Hoppstock

    2.2.2 Disposio de acordes

    O cravo, por possuir maior extenso de oitavas, tem mais capacidade de

    executar acordes com disposio aberta do que o violo. Dessa forma, ocasionalmente

    so necessrias alteraes na disposio das notas dos acordes para adapt-las ao

    registro do violo.

    A opo de Grondona por manter a oitava original no compasso 7

    possibilitou manter tambm a disposio original do acorde de V65 (C#, A, e, gg). J

    Hoppstock, por ter escolhido mudar de oitava a voz superior, se encontra em uma regio

    do instrumento com pouco espao para acordes com disposio aberta. Sua soluo foi,

  • 20

    em vez de cortar notas, mudar a disposio do acorde com as notas C#, E ,A, g

    mantendo sua funo harmnica inalterada (exemplo 9).

    Exemplo 9 - J. J. Froberger: Lamento em R maior (orig. D maior) compassos 7-8, com transc. de Grondona e Hoppstock

    Na segunda seo da mesma obra, na anacruse para o acorde de V6/v,

    Hoppstock muda a oitava e a disposio das notas. O acorde original D#, A, B, f# passa

    a ter a disposio D#, f#, a, b, transformando a voz superior F#-G em voz intermediria

    (Ex. 10).

    Exemplo 10 - J. J. Froberger: Lamento em R maior (orig. D maior) compassos 15-16, com transc. de Grondona e Hoppstock

  • 21

    No quarto tempo do compasso 24 (Ex. 11) os dois transcritores encontraram

    solues similares para o acorde de l com a stima. Os acordes de quatro notas com

    disposio fechada so sempre problemticos para o violo devido afinao em

    quartas. A princpio imaginamos que para executar tal acorde seria necessrio quatro

    cordas adjacentes, sendo a nota mais grave localizada na corda mais grave e assim

    sucessivamente. Entretanto, o instrumento tambm permite disposies de acordes

    fechados com cordas soltas, como optaram os dois transcritores. No caso de Grondona,

    a nota mais aguda - sol - encontra-se na segunda corda, utilizando a primeira corda

    como quinta do acorde. Hoppstock opta por digitar a nota mi na quinta corda, liberando

    a corda r para manter a suspenso de quarta do acorde. Estas solues geram uma

    sonoridade bastante peculiar ao violo, denominada campanella e esteticamente

    relacionada ao stile bris no alade.

    Exemplo 11 -J. J. Froberger: Lamento em R maior (orig. D maior) compasso 24, com transc. de Grondona e Hoppstock

    2.2.3 Mudana de oitava

    No terceiro tempo do compasso 10 (Ex. 12), Grondona obrigado a fazer

    uma mudana de oitava na repetio do acorde de D maior (Si maior no original). Isto

    se d pelo direcionamento descendente da voz superior em direo ao r sustenido no

    compasso 12. Caso no houvesse esta mudana toda a continuao da seo estaria

    comprometida, deixando a voz superior em um registro muito grave. A verso de

  • 22

    Hoppstock, por estar em R menor, no necessita de nenhuma alterao de oitava nesta

    seo.

    Exemplo 12 - J. J. Froberger: Tombeau sur la mort de Monsieur Blancrocher em R menor (orig. D menor) compassos 9-12, com transc. de Grondona e Hoppstock

    No compasso 13 (Ex. 13) Hoppstock decide no preencher o acorde de L

    maior por estar em um registro muito grave do violo e tambm por ter a sexta corda

    afinada em r. Por esses motivos, muda a oitava do soprano e contralto no segundo

    tempo para poder finalizar a primeira parte com um movimento cadencial a trs vozes.

  • 23

    Exemplo 13 - J. J. Froberger: Lamento em R maior (orig. D maior) compassos 12-13, com transc. de Grondona e Hoppstock

    No compasso 18 do exemplo 14 ocorre uma das poucas passagens em que

    as duas transcries encontram-se no mesmo registro. Porm, no final da escala

    descendente em semicolcheias no terceiro tempo, Grondona muda de oitava

    abruptamente. provvel que esta mudana tenho sido feita para manter a separao do

    baixo da voz central. Hoppstock mantm a escala sem modificaes, mas s tem

    disponvel a nota d do baixo no compasso 19.

    Exemplo 14 - J. J. Froberger, Lamento em R maior (orig. D maior) compassos 18-19, com transc. de Grondona e Hoppstock

  • 24

    2.2.4 Supresso de notas

    Afora supresso de notas de acordes devido limitao de registro e/ou

    polifonia do violo, h tambm casos de supresso de notas que poderiam ser tocadas.

    Hoppstock suprime o baixo sol do incio do compasso 2, mesmo tendo

    condies de execut-lo no instrumento. Uma possvel razo para tal no antecipar

    esta sonoridade que aparecer no arpejo descendente logo no prximo tempo (Ex. 15).

    Exemplo 15 - J. J. Froberger, Tombeau sur la mort de Monsieur Blancrocher em R menor (orig. D menor) compassos 1-2, com transc. de Hoppstock

    Outra supresso ocorre no exemplo 16, onde Hoppstock suprime a nota l

    aguda no primeiro tempo, a qual Grondona mantm. Essa supresso est relacionada

    com a escolha de oitava de cada um. Hoppstock suprime essa nota para no antecipar a

    tera l-d, j transposta. Caso essa nota fosse adicionada ela anteciparia o efeito das

    teras seguintes. Grondona, por ter mantido a oitava original, no necessitou suprimi-la,

    j que esta nota tem apenas a funo de reforar o baixo, proporcionando maior

    sustentao.

  • 25

    Exemplo 16 - J. J. Froberger, Lamento em R maior (orig. D maior) compasso 10, com transc. de Grondona e Hoppstock

    2.2.5 Aspectos idiomticos do violo

    Cada transcritor apresenta critrios bem claros na tomada de decises sobre

    questes idiomticas. Grondona prefere utilizar os todos recursos necessrios para

    manter, na medida do possvel, as notas e disposio de acordes e oitavas do original.

    No terceiro tempo do compasso 10, exemplo 17, temos uma situao onde um acorde de

    r menor com disposio aberta encontra-se na oitava original, localizada no registro

    sobreagudo do violo. Entretanto, no cravo, essa passagem encontra-se em uma regio

    sonora com muito mais ressonncia e possibilidades de sustentao.

  • 26

    Exemplo 17 - J. J. Froberger: Lamento em R maior (orig. D maior) compassos 10-11, com transc. de Grondona e Hoppstock

    Na verso de Hoppstock percebe-se outro tipo de preocupao. Muitas

    vezes oitavas so mudadas e notas cortadas buscando uma maior fluidez de execuo no

    instrumento. A mesma passagem do compasso 10 transcrita oitava abaixo, utilizando

    cordas soltas gerando um efeito mais legato. Esse efeito pode ser observado na escolha

    da digitao da escala descendente em fusas no quarto tempo do compasso 10, onde as

    primeiras notas mi, r, d, si soam sobrepostas, como se fosse o arpejamento de um

    acorde. Essa digitao enfatiza as dissonncias de segunda e dando mais fluidez a este

    gesto em direo ao sol sustenido do compasso seguinte.

    Um detalhe importante a ser destacado na transcrio de Grondona so suas

    opes de digitao. No compasso 18 (Ex. 18) h uma linha pontilhada na ligadura da

    voz superior indicando uma troca de dedos na mo esquerda, mesmo que esta nota l

    no seja tocada novamente. O mesmo ocorre no baixo do compasso seguinte quando o

    dedo 1 substitudo pelo dedo 2. Em ambos os casos este recurso de translado por

    substituio tem como funo aumentar a capacidade de sustentao das notas em

    situaes onde outras vozes esto mais ativas. Esta uma tcnica bastante comum na

    digitao de instrumentos de teclas, mas pouco utilizada nas digitaes de mo esquerda

    para violo.

  • 27

    Exemplo 18 - J. J. Froberger: Lamento em R maior (orig. D maior) compasso 18, com transc. de Grondona

    Um dos empecilhos em tentar manter todos registros de oitava, como faz

    Grondona, a complexidade dos movimentos de mo esquerda, especialmente quando

    h ligaduras de sustentao ou passagens rpidas em direo a acordes. No exemplo 19

    encontramos a figura mi-r-d# em fusas com um movimento descendente em direo

    ao acorde de si com stima em primeira inverso (V6/V). Logo aps o ligado mecnico,

    necessrio reposicionar a mo esquerda para poder executar o acorde. Este tipo de

    movimento tende a interromper o gesto, comprometendo o legato. A mesma situao

    resolvida por Hoppstock de forma mais simples. Por estar com as vozes superiores uma

    oitava abaixo, foi possvel aproveitar as cordas soltas tanto na figura em fusas quanto no

    acorde de V6/V, utilizando os mesmo dedos da mo esquerda e, conseqentemente,

    tornando a passagem mais idiomtica.

  • 28

    Exemplo 19 - J. J. Froberger: Tombeau sur la mort de Monsieur Blancrocher em R menor (orig. D menor) compasso 21, com transc. de Grondona e Hoppstock

    As ligaduras de sustentao na msica de Froberger so, possivelmente o

    elemento mais difcil de reproduzir de forma fiel no violo. Muitas vezes temos

    passagens com movimentos escalares nas quais algumas notas so sustentadas. Os

    harmnicos do violo podem ser usados de maneira criativa em tais situaes para

    substituir notas reais, aumentando a capacidade de sustentao. A verso de Hoppstock

    utiliza um harmnico natural da nota l situado na stima posio da 6 corda (Ex. 20).

    Como a continuao da linha de baixo tocada na 4, possvel manter a ligadura at o

    terceiro tempo, conforme a verso original.

  • 29

    Exemplo 20 - J. J. Froberger: Tombeau sur la mort de Monsieur Blancrocher em R menor (orig. D menor) compasso 3, com transc. de Hoppstock, Grondona e Lorimer

    O mesmo ocorre no incio da segunda seo do Tombeau (Ex. 21), onde a

    primeira nota da escala (sol, no original) deve durar at o segundo tempo do compasso.

    Hoppstock e Grondona utilizam o recurso dos harmnicos naturais do instrumento para

    realar as notas longas. Dessa forma, uma vez que o harmnico tocado, a mo

    esquerda fica livre para outros movimentos. Estes harmnicos no apenas ajudam na

    sustentao de notas mas tambm em gerar diferentes cores tmbricas.

    Exemplo 21 - J. J. Froberger: Tombeau sur la mort de Monsieur Blancrocher em R menor (orig. D menor) compasso 3, com transc. de Hoppstock, Grondona e Lorimer

    Ledbetter (1990) afirma que as ligaduras em cada grupo de quatro notas no

    original (Ex. 22) contidos na escala final do Lamento so uma notao tpica do sculo

  • 30

    XVII para simbolizar, no cravo, o efeito campanella12. Os dois transcritores, atentos a

    este detalhe, digitam a escala ascendente de tal forma que as notas se sobreponham

    umas s outras, com o auxlio das cordas soltas. Hoppstock vai ainda mais longe,

    aproveitando os harmnicos naturais disponveis, gerando uma maior ressonncia nas

    cinco ltimas notas da escala.

    Exemplo 22 - J. J. Froberger: Lamento em R maior (orig. D maior) compassos 25-26, com transc. de Grondona e Hoppstock

    12 As ligaduras (chamados de tenue no repertrio do alade e cravo) aqui sempre significam notas sustentadas no sculo XVII. [The slurs here (called tnue in both lute and keyboard repertoires) virtually always mean sustained notes in the seventeenth century...] Ledbetter, 1990, p. 83.

  • 3 TRANSCRIO DA SUTE 20

    O presente captulo tratar da aplicao dos conceitos abordados no

    referencial terico - captulo 2 - na transcrio da Sute 20 de Johann Jacob Froberger

    para violo solo.

    3.1 Mudana na disposio de acordes

    No exemplo 23 foi necessrio uma mudana na disposio do acorde de l

    maior com stima em primeira inverso. A disposio original C#, A, e, gg foi alterada

    para C#, E, A, g, sem mudar a funo do acorde e, tambm, adaptando a linha oitava

    acima, j que o violo no poderia tocar o d original do teclado.

    Exemplo 23 J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Giga, compasso 17, com transc. Csar Funck

    Na cadncia final da primeira seo da Giga, exemplo 24 , optei por mudar

    as notas do arpejo descendente de l maior. Na verso original o tenor tinha a figura a,

    E, A, tendo o baixo preenchendo o ltimo l. Trata-se de um arpejo descendente que

  • 32

    ocupa trs oitavas, excedendo o registro do violo. A soluo encontrada foi substituir o

    segundo l do penltimo tempo pela nota d, resolvendo o arpejo no l da mesma

    oitava.

    Exemplo 24 - J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Giga, compasso 12, com transc. Csar Funck

    3.2 Supresso de notas

    Quando transcrevemos de um instrumento com maior capacidade polifnica

    (teclado) para outro com menor (violo), torna-se inevitvel a supresso de algumas

    notas. Dentre os diversos casos nos quais ocorreu este procedimento, foi possvel

    reconhecer as trs situaes mais tpicas.

    3.2.1 Supresso de notas em acordes com disposio impraticvel no violo

    O acorde de r maior invertido indicado no original (Ex. 25 ) tem uma

    disposio impossvel de ser reproduzida no violo de seis cordas. Das vozes superiores,

    foi necessrio optar entre o f sustenido e o mi. O f sustenido, alm de j estar presente

    no baixo, no tem continuao na conduo de vozes, ao contrrio do mi no tenor, que

    cumpre a funo de suspenso fundamental.

  • 33

    Exemplo 25 - J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Sarabanda, compasso 6, com transc. Csar Funck

    3.2.2 Supresso de notas para evitar distenso de mo esquerda

    No exemplo 26 da transcrio da Sarabanda ocorre uma supresso da nota

    mi no tenor. A incluso desta nota geraria uma posio um tanto desconfortvel para a

    mo esquerda e, certamente, comprometeria o legato nas duas principais vozes: baixo e

    soprano. Tal supresso tambm justificada pelo fato do tenor aparecer no terceiro

    tempo, no resolvendo conduo de qualquer voz anterior, tendo funo meramente de

    preenchimento.

    Exemplo 26 J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Sarabanda, compasso 7, com transc. Csar Funck

    3.2.3 Supresso de notas para combinar vozes

    Esta giga com carter imitativo de Froberger apresentou muitas dificuldades

    na adaptao para o violo, j que o tema da primeira parte apresentado por cada uma

    das quatro vozes em oitavas distintas. Manter quatro vozes ativas nesse tipo de textura

  • 34

    imitativa se torna impraticvel sem o recurso da compresso. No exemplo 27 ,

    compasso 15, foi necessrio comprimir as linhas do baixo e tenor em uma nica linha

    meldica, devido proximidade da linha superior que j se encontra transposta na

    transcrio. No compasso 16 foi possvel manter as trs vozes intactas at o terceiro

    tempo, quando o baixo retoma seu movimento e o tenor suprimido, dando preferncia

    a manter as vozes agudas.

    Exemplo 27 - J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Giga, compassos 15-16, com transc. Csar Funck

    3.3 Mudanas de oitava

    As mudanas de oitava, conforme j visto no captulo anterior, so um dos

    recursos mais utilizados para possibilitar a adaptao de obras originais para teclado.

    Elas podem ocorrer em diversas situaes mas, em sua maioria, esto antecipando uma

    seo cujo registro no se adapta s opes do violo. Sendo assim, os exemplos aqui

    apresentados so mais extensos, com o intuito de demonstrar no somente a passagem

    onde a mudana ocorreu, mas tambm a continuao do trecho e sua justificativa.

    3.3.1 Mudana de oitava para evitar registro grave

    No segundo tempo do compasso 15 (Ex. 28), quando o soprano,

    subitamente, passa a atuar no registro do contralto, optou-se por manter o mesmo

    registro na transcrio, transpondo a melodia para a oitava superior. Caso contrrio, no

    haveria cordas disponveis para completar o acorde de r maior no final do compasso

    16, com sua tera e quinta, conforme feito na transcrio.

  • 35

    Exemplo 28- J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Courante, compassos 13-16, com transc. Csar Funck

    Na Sarabanda do exemplo 29, j no segundo tempo do compasso 9 as

    oitavas do tenor, contralto e soprano foram mudadas visando a seo cadencial a partir

    do compasso 11. A justificativa para esta mudana est no fato de a passagem original

    no estar no registro grave do cravo, mas sim em uma regio com bastante ressonncia e

    brilho. J no violo, este mesmo registro grave possui uma sonoridade mais obscura,

    comprometendo o carter leve desta sarabanda.

    Exemplo 29 - J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Sarabanda, compassos 9-12, com transc. Csar Funck

    3.3.2 Mudana de oitava para evitar registro sobreagudo

    Ao contrrio do exemplo anterior, o exemplo 30 apresenta mudanas de

    oitava para evitar o registro sobreagudo do violo. No segundo tempo do compasso 7, a

    oitava do soprano foi mudada at o final do compasso 8. Esta mudana no ocorreu por

    motivos de sonoridade, mas para se manter os baixos na oitava original. Sem essa

    alterao perderamos a conduo de vozes sol#-l, essencial para o encadeamento

    V/V6-V da passagem.

  • 36

    Exemplo 30 J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Meditao, compassos 6-10, com transc. Csar Funck

    3.3.3 Mudana de oitava para manter ligaduras de sustentao

    Ainda no exemplo 30, compasso 6, foi necessrio mudar a oitava do baixo

    em mi visando manter as ligaduras de sustentao do soprano. Esta uma das situaes

    onde a scordattura exerce um papel desfavorvel j que, caso a sexta corda no estivesse

    afinada em r, teramos o mi grave solto sem interferir nas vozes superiores. Com a

    scordattura o mi na oitava original prenderia a mo esquerda na segunda posio,

    impossibilitando as digitaes campanella escolhidas.

    3.3.4 Mudana de oitava para compresso de registro

    Quando nos deparamos com peas com carter imitativo e quatro vozes

    ativas torna-se inevitvel a compresso de registro. No compasso 5 do exemplo 31, o

    contralto foi adaptado para atuar no mesmo registro do soprano. Isto s foi possvel

    graas inatividade do soprano aps o compasso 5. Para essa transio foi necessrio

  • 37

    mudar a conduo de vozes. O soprano, que finalizaria sua linha na nota l, foi

    finalizado em d, a primeira nota da linha do tenor.

    Exemplo 31 J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Giga, compassos 4-6, com transc. Csar Funck

    3.3.5 Mudana de oitava para utilizar digitao campanella

    Outra categoria de mudana de oitava diz respeito opo de digitao

    campanella. O compasso 17 foi transposto uma oitava abaixo a partir da ltima nota do

    compasso 16 (Ex. 32 ). Essa seo apresenta um carter livre, quase improvisativo, no

    qual a textura contrapontstica da seo anterior abandonada para dar lugar a apenas

    uma linha sobre um baixo em sol. A mudana de oitava propicia no somente a

    digitao campanella, para dar mais fluidez e legato passagem, mas tambm sustentar

    o baixo sol at o compasso 18.

  • 38

    Exemplo 32 J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Meditao, compassos 15-17, com transc. Csar Funck

    3.4 Deslocamento rtmico de notas em stile bris

    Conforme visto nos exemplos 1 e 2 das transcries de D'Anglebert, o

    deslocamento rtmico de notas em acordes notados em bloco um recurso

    constantemente utilizado. Tal recurso foi utilizado na Courante em dois tipos de

    situao: acordes de longa durao e acordes que demandavam uma distenso de mo

    esquerda.

    3.4.1 Deslocamento rtmico em acordes de longa durao

    O exemplo 33 da Courante demonstra o processo de deslocamento de notas

    no stile bris. No compasso 8(a) o acorde de l maior foi preenchido com sua quinta

    para ampliar o deslocamento rtmico (b). No caso do exemplo 34(a), compasso 10, as

    mesmas notas do acorde original de sol maior foram deslocadas em movimento de

    arpejo descendente (b).

  • 39

    Exemplo 33 - J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Courante, compasso 8, com transc. Csar Funck

    Exemplo 34 - J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Courante, compasso 11, com transc. Csar Funck

    3.4.2 Deslocamento rtmico em acordes que geram distenso de mo esquerda

    No exemplo 35(a) temos uma situao muito similar aos anteriores,

    ocorrendo um preenchimento justamente em um acorde de r maior de longa durao.

    Porm, aqui o deslocamento (b) no ocorre apenas por uma questo estilstica, mas

    tambm para facilitar a passagem da pestana da casa dois para o acorde de l maior

    invertido. Foi priorizada a conduo de vozes do compasso anterior, resolvendo

    primeiro o tenor, de si para l, e depois adicionando o baixo e a quinta. Este , portanto,

    um exemplo em que um recurso do stile bris contribuiu tambm para resolver uma

    dificuldade tcnica.

  • 40

    Exemplo 35 - J. J. Froberger: Sute 20 em R maior, Courante, compassos 4-5, com transc. Csar Funck

    Sobre a transcrio da Sute 20 de Froberger, pode-se dizer que cada

    movimento apresentou dificuldades e procedimentos distintos. O primeiro movimento

    Meditation possui uma caracterstica de diversidade de carter e dramaticidade.

    Portanto, estamos tratando de uma pea com a alternncia de sees rtmicas

    movimentadas e passagens com carter improvisatrio. A transcrio deste movimento

    teve como princpio manter este contraste de elementos atravs de poucas alteraes,

    confiando na escrita j bastante ornamentada de Froberger. As mudanas de oitava

    ocorreram por questes de adaptabilidade ao violo nas seguintes situaes:

    Mudanas de oitava para evitar o registro sobreagudo; Mudanas de oitava para manter ligaduras de sustentao; Mudanas de oitava para favorecer a digitao campanella.

    A Courante foi o movimento onde os recursos de deslocamento rtmico

    utilizados por D'Anglebert puderam ser aplicados. A situao tpica onde D'Anglebert

    empregava este tipo de arpejamento era em acordes de longa durao. Este tipo de

    passagem tambm pode ser encontrado em vrias instncias neste movimento. Porm,

    surgiu outra categoria de deslocamento de notas que beneficiou a parte idiomtica da

    transcrio. Nas situaes onde a disposio dos acordes de teclado gerava uma

    distenso de mo esquerda, o deslocamento serviu tambm para separar o acorde em

    bloco, facilitando a parte da mo esquerda no violo.

    Na Sarabanda ocorreram casos de acordes com disposio impraticvel no

    violo. Nestas situaes a supresso de notas foi inevitvel. Os critrios de escolha da

    nota a ser suprimida estavam subordinados a questes de conduo de vozes e

    eliminao de notas repetidas no acorde.

  • 41

    A Giga apresentou dificuldades muito distintas para ser transcrita. Este

    movimento possui uma abertura em movimento imitativo a quatro vozes, sendo cada

    uma realizada em um registro distinto do teclado. Isto apresenta um desafio para um

    instrumento como o violo que, salvo raras excees, comporta contraponto a trs

    vozes. Esta transcrio exigiu a compresso de registro para se acomodar ao mbito do

    violo. Entretanto, a escrita de Froberger novamente contribuiu no sentido de no

    manter uma rigidez de movimentao na realizao das vozes. Os nicos momentos nos

    quais quatro vozes atuam simultaneamente so em trechos com imitaes temticas, o

    que favorece a utilizao da compresso.

  • CONCLUSES

    O objetivo geral deste trabalho foi descrever o processo de transcrio da Sute 20

    de Johann Jacob Froberger (original para cravo) para violo solo, com base em modelos de

    transcrio dos sculos XVII e XXI.

    O processo de transcrio considerado por muitos uma arte que se aprende

    essencialmente com a experincia, sem frmulas rgidas preestabelecidas. possvel que por

    essa crena, ainda no exista uma quantidade de material sobre o processo de transcrio

    compatvel com o nmero de transcries disponveis para violo. Frente a essa situao tive

    que criar um referencial terico a partir de transcries j existentes baseadas em duas fontes

    principais: a primeira foram as transcries feitas na segunda metade do sculo XVII pelo

    cravista Jean Henry D'Anglebert de obras dos alaudistas Ennemond e Denis Gaultier. Essas

    partituras contriburam para identificar elementos comuns da linguagem musical do stile bris

    a ambos instrumentos tais como o efeito campanella e os procedimentos de deslocamento

    rtmico em acordes de longa durao e teras paralelas.

    As transcries dos violonistas Tilman Hoppstock e Steffano Grondona serviram

    de base para o estudo de procedimentos peculiares do violo. Ambos, coincidentemente,

    transcreveram as mesmas obras de Froberger para o violo solo. Esse fato possibilitou fazer

    essa anlise comparativa e constatou-se que cada um possui preferncias estticas e tcnicas

    muito distintas quanto ao processo de transcrio. Para a anlise foi necessria a criao dos

    critrios apresentados na metodologia, baseado nos procedimentos mais utilizados pelos

    transcritores.

    Hoppstock utiliza com freqncia procedimentos de mudana de oitava e

    compresso de registro, dando muita importncia ao aspecto da fluidez e facilidade de

    execuo. Na maioria das vezes a voz soprano deslocada uma oitava abaixo para acomodar

    os acordes em posies de mo esquerda mais confortveis. Por outro lado, essa mudana

  • 43

    gera a necessidade de mudar a disposio de acordes, j que o registro original teve de ser

    comprimido. Os casos de supresso de notas esto, na maioria das vezes, atrelados a opes

    de digitao que evitam distenses exageradas de mo esquerda, proporcionando maior

    naturalidade digital no instrumento. As digitaes campanella foram utilizadas com muita

    freqncia, provavelmente com o intuito de expandir a capacidade de sustentao do violo.

    Grondona apresentou critrios muito distintos, utilizando a mudana de oitava

    com menos freqncia, sem evitar os registros sobreagudos do violo. A rigidez no seu

    processo de transcrio dificilmente emprega a supresso de notas, gerando muitas

    dificuldades no quesito tocabilidade. Em muitas situaes existe a preferncia por uma

    transcrio literal, mantendo o distanciamento original das vozes. Para isso ele utiliza recursos

    interessantes de digitao de mo esquerda como o translado por substituio. Para manter

    ligaduras em situaes onde outras vozes se movimentam, dedos da mo esquerda so

    substitudos, liberando o que sai para outras funes. Grondona tambm utilizou as digitaes

    campanella sempre que possvel, tanto para acordes quanto para passagens escalares.

    Foi constatada a importncia da consulta de referncias bibliogrficas sobre a

    questo estilstica da obra a ser transcrita. Em Ledbetter (1989, 1990) consta um trabalho com

    informaes valiosas da questo estilstica musical em voga na Frana no sculo XVII. O

    autor apresenta anlises de partituras de difcil acesso por serem, em sua maioria, manuscritos

    e obras pertencentes a museus ou colees privadas.

    O captulo trs abordou aspectos da transcrio da Sute 20 de Froberger para

    violo solo utilizando os critrios encontrados a partir das anlises do captulo anterior. A

    idia foi verificar se, durante o processo de transcrio, os procedimentos mais utilizados nas

    anlises poderiam ser aplicados de alguma maneira.

    Sobre a transcrio da Sute 20 de Froberger, pode-se dizer que cada movimento

    apresentou dificuldades e procedimentos distintos. O primeiro movimento Meditation possui

    uma caracterstica de diversidade de carter e dramaticidade. Portanto, estamos tratando de

    uma pea com a alternncia de sees rtmicas movimentadas e passagens com carter

    improvisatrio. A transcrio deste movimento teve como princpio manter este contraste de

    elementos atravs de poucas alteraes, confiando na escrita j bastante ornamentada de

    Froberger. As mudanas de oitava ocorreram por questes de adaptabilidade ao violo nas

    seguintes situaes:

    Mudanas de oitava para evitar o registro sobreagudo; Mudanas de oitava para manter ligaduras de sustentao; Mudanas de oitava para favorecer a digitao campanella.

  • 44

    A Courante foi o movimento onde os recursos de deslocamento rtmico utilizados

    por D'Anglebert puderam ser aplicados. A situao tpica onde D'Anglebert empregava este

    tipo de arpejamento era em acordes de longa durao. Este tipo de passagem tambm pode ser

    encontrado em vrias instncias neste movimento. Porm, surgiu outra categoria de

    deslocamento de notas que beneficiou a parte idiomtica da transcrio. Nas situaes onde a

    disposio dos acordes de teclado gerava uma distenso de mo esquerda, o deslocamento

    serviu tambm para separar o acorde em bloco, facilitando a parte da mo esquerda no violo.

    Na Sarabanda ocorreram casos de acordes com disposio impraticvel no violo.

    Nestas situaes a supresso de notas foi inevitvel. Os critrios de escolha da nota a ser

    suprimida estavam subordinados a questes de conduo de vozes e eliminao de notas

    repetidas no acorde.

    A Giga apresentou dificuldades muito distintas para ser transcrita. Este

    movimento possui uma abertura em movimento imitativo a quatro vozes, sendo cada uma

    realizada em um registro distinto do teclado. Isto apresenta um desafio para um instrumento

    como o violo que, salvo raras excees, comporta contraponto a trs vozes. Esta transcrio

    exigiu a compresso de registro para se acomodar ao mbito do violo. Entretanto, a escrita de

    Froberger novamente contribuiu no sentido de no manter uma rigidez de movimentao na

    realizao das vozes. Os nicos momentos nos quais quatro vozes atuam simultaneamente so

    em trechos com imitaes temticas, o que favorece a utilizao da compresso.

    Conclu que os procedimentos explanados no referencial terico no s serviram

    as anlises, mas tambm foram essenciais no processo de transcrio. Os recursos utilizados

    por D'Anglebert serviram de base para a aplicao de conceitos referentes a deslocamento

    rtmico, em especial na Courante e Sarabanda. Esses deslocamentos puderam tambm ser

    aplicados para facilitar passagens que apresentavam distenso de mo esquerda, favorecendo

    uma execuo com mais legato e fluidez. Os critrios utilizados para analisar Grondona e

    Hoppstock foram a referncia para tomar decises quando me deparei com as situaes nas

    quais passagens no funcionariam no violo da forma que estavam escritas para teclado. Alm

    disso, percebi que esses dois transcritores tm vises muito distintas quanto rigidez no

    processo de adaptao. Grondona apresentou um postura muito rgida no sentido de manter ao

    mximo as disposies de oitava do original. Hoppstock preferiu fazer mais alteraes, dando

    preferncia a uma execuo mais idiomtica.

    Constatei tambm que o estudo de outras transcries, bem como outras

    referncias estilsticas, uma maneira de se aprofundar em diferentes aspectos da prtica

    instrumental. O processo de buscar solues instrumentais na adaptao de obras de outros

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    instrumentos tambm contribui para aumentar a gama de possibilidades ao enfrentarmos obras

    compostas originalmente para o instrumento.

    Finalmente, espero que este trabalho, alm de adicionar a transcrio de uma nova

    obra ao repertrio, estimule outros instrumentistas a fazerem suas prprias transcries. Das

    30 sutes compostas por Froberger, existem muitas outras que se adaptam bem textura do

    violo e podem ser exploradas. O presente trabalho tambm aponta para a necessidade de

    investigao de outras temticas que no foram aqui abordadas. Dentre elas, destaco as

    questes de ornamentao e digitao deste tipo de obra para violo.

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BOYD, Malcolm. Arrangement. The New Grove Dictionary of Music and Musicians. Org. Stanley Sadie. London: Mcmillian, v. 1, p. 627-632, 2001.

    LEDBETTER, David. Harpsichord and lute music in 17th-century France. London: Macmillan, 1987.

    _______________. What the Lute Sources tell us about the Performance of French Harpsichord Music. The Harpsichord and its Repertoire: Utrecht 1990, 59-85.

    SCHOTT, Howard.. Froberger, Johann Jacob. The New Grove Dictionary of Music and Musicians. Org. Stanley Sadie. London: Mcmillian, v. 6, p. 858-862, 2001.

    SHARP, G. B. J. J. Froberger: a link between the Renaissance and the Baroque. Early Music, vol. 4, no. 3 (Jul 1976), 1093-1097.

    WOLFF, Daniel. Como Digitar uma Obra para Violo. Violo Intercmbio. So Paulo, n.46, p.15-17, 2001.

    _______________. Daniel. Transcribing for guitar a comprehensive method. Nova Iorque: s.ed., 1998.

    Partituras

    FROBERGER, Johann Jacob. Complete Keyboard and Organ Works, Vol.4. Brenreiter 8066, 2003.

    _______________. Lamento e-flat major and Suite 2 a-minor com transcrio para violo solo de Tilman Hoppstock. Darmstadt. Prim-Musikverlag, PRIM 04495, 2001.

  • 47

    _______________. Tombeau sur la mort de monsieur Blancroche com transcrio para violo solo de Tilman Hoppstock. Darmstadt. Prim-Musikverlag, PRIM 21801, 2001.

    _______________. Tombeau sur la mort de monsieur Blancroche, Suite 2 e Suite 6 com transcrio para violo solo de Steffano Grondona. Tquio. Gendai Guitar CO., 2004.

    Gravaes

    GRONDONA, Stefano. Baroque Images. CD 5591397. Stradivarius, 2003.

    HOPPSTOCK, Tilman. Piano Works in Transcription for Guitar (Bach, Buxtehude, Froberger). CD B000001MYB. Signum, 1994.

  • ANEXO A Edio comparativa da Sute 20 de J. J. Froberger e a transcrio para violo

    solo

  • ANEXO B Transcrio da Sute 20 de J. J. Froberger para violo solo