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Frevo e Samba: Pureza e Perigo no Carnaval do Recife 1 Hugo Menezes Neto (UFPA- Pará - Brasil) Resumo: Katarina Real (1990) em 1967, chama a atenção para as discussões expostas pela imprensa sobre a participação das escolas de samba no carnaval do Recife, uma relação conflituosa que chama de “batalha frevo-samba” e inadvertidamente nomeia um campo de representações e embates simbólicos entre o Recife e o Rio de Janeiro. A expansão e o fortalecimento das escolas de samba no carnaval mobilizam intelectuais e outros mediadores da segunda metade do século XX, a imagem construída das escolas era a de perigo à pureza do carnal do Recife. Deste modo, o trabalho proposto é um olhar histórico-antropológico para a elaboração do frevo como emblema do carnaval de Pernambuco, atentando para a participação de agentes colaboradores do processo de emblematização pouco visibilizados, nesse caso, o samba. Ou seja, analiso como a “batalha frevo-samba” atua na consolidação do status de símbolo identitário do frevo partindo do princípio de que símbolos ou emblemas de uma cultura têm força de representatividade proporcional a sua capacidade de condensar sentidos (Turner) e significados do universo simbólico do qual faz parte e o é anterior. Assim, a transformação do frevo em emblema identitário foi facilitada, ou conduzida, pela associação exitosa entre ele e os conteúdos da pernambucanidade (representações, do caráter/natureza/marca do povo pernambucano), tornando-o um representante da idéia de ser pernambucano em contraposição as estrangeiras e modernosas escolas de samba. Palavras chave: Patrimônio, Carnaval e Identidade. 1. O Frevo e a “Batalha Frevo-Samba” Este artigo é um recorte da minha tese de doutorado 2 sobre as escolas de samba do Carnaval do Recife, trata da participação de tais agremiações na consolidação do frevo; atualmente registrado “Patrimônio Imaterial do Brasil” e “Patrimônio da Humanidade”, pelo IPHAN e UNESCO respectivamente; como emblema do carnaval do Recife e da identidade pernambucana. O ponto de partida da pesquisa foi a histórica relação conflituosa entre o frevo e o samba, evidenciada por Katarina Real (1990) em 1967 ao chamar a atenção para as discussões expostas pela imprensa sobre a participação das escolas de samba no carnaval do Recife. A antropóloga denomina tal conflito de “batalha frevo-samba” e, inadvertidamente, nomeou um campo de representações e embates simbólicos entre o Recife e o Rio de Janeiro, que ressoa ainda hoje. O assunto das escolas de samba é um dos mais explosivos de todo o carnaval do Recife. Os jornais se deliciam com as fofocas que os prós e os contras na batalha ‘frevo-samba’ provocam. Qualquer opinião a respeito da crise entre o frevo e o samba pode provocar manchete. (Real, 1990, p. 52) O frevo surge nas ruas do Recife na segunda metade do século XIX - enquanto complexo carnavalesco de música, dança, organização popular (agremiações) e modelo de carnaval 3 . É elaborado durante o século XX como uma manifestação carnavalesca autenticamente pernambucana, democrática e popular, da qual todos participam. 1 “Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN. 2 Tese intitulada “Tem Samba na Terra do Frevo. As Escolas de Samba no Carnaval do Recife”, defendida em abril de 2014 no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGSA/IFCS/UFRJ. 3 Sobre a história do frevo e sua relação identitária ver Araújo (1996); Santos (2010), Lélis (2011).

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Frevo e Samba: Pureza e Perigo no Carnaval do Recife1

Hugo Menezes Neto (UFPA- Pará - Brasil)

Resumo: Katarina Real (1990) em 1967, chama a atenção para as discussões expostas pela imprensa

sobre a participação das escolas de samba no carnaval do Recife, uma relação conflituosa que chama de “batalha frevo-samba” e inadvertidamente nomeia um campo de representações e embates simbólicos entre o Recife e o Rio de Janeiro. A expansão e o fortalecimento das escolas de samba no carnaval mobilizam intelectuais e outros mediadores da segunda metade do século XX, a imagem construída das escolas era a de perigo à pureza do carnal do Recife. Deste modo, o trabalho proposto é um olhar histórico-antropológico para a elaboração do frevo como emblema do carnaval de Pernambuco, atentando para a participação de agentes colaboradores do processo de emblematização pouco visibilizados, nesse caso, o samba. Ou seja, analiso como a “batalha frevo-samba” atua na consolidação do status de símbolo identitário do frevo partindo do princípio de que símbolos ou emblemas de uma cultura têm força de representatividade proporcional a sua capacidade de condensar sentidos (Turner) e significados do universo simbólico do qual faz parte e o é anterior. Assim, a transformação do frevo em emblema identitário foi facilitada, ou conduzida, pela associação exitosa entre ele e os conteúdos da pernambucanidade (representações, do caráter/natureza/marca do povo pernambucano), tornando-o um representante da idéia de ser pernambucano em contraposição as estrangeiras e modernosas escolas de samba.

Palavras chave: Patrimônio, Carnaval e Identidade.

1. O Frevo e a “Batalha Frevo-Samba”

Este artigo é um recorte da minha tese de doutorado2 sobre as escolas de samba do

Carnaval do Recife, trata da participação de tais agremiações na consolidação do frevo;

atualmente registrado “Patrimônio Imaterial do Brasil” e “Patrimônio da Humanidade”, pelo

IPHAN e UNESCO respectivamente; como emblema do carnaval do Recife e da identidade

pernambucana. O ponto de partida da pesquisa foi a histórica relação conflituosa entre o frevo

e o samba, evidenciada por Katarina Real (1990) em 1967 ao chamar a atenção para as

discussões expostas pela imprensa sobre a participação das escolas de samba no carnaval do

Recife. A antropóloga denomina tal conflito de “batalha frevo-samba” e, inadvertidamente,

nomeou um campo de representações e embates simbólicos entre o Recife e o Rio de Janeiro,

que ressoa ainda hoje.

O assunto das escolas de samba é um dos mais explosivos de todo o carnaval do Recife. Os jornais se deliciam com as fofocas que os prós e os contras na batalha ‘frevo-samba’ provocam. Qualquer opinião a respeito da crise entre o frevo e o samba pode provocar manchete. (Real, 1990, p. 52)

O frevo surge nas ruas do Recife na segunda metade do século XIX - enquanto

complexo carnavalesco de música, dança, organização popular (agremiações) e modelo de

carnaval3. É elaborado durante o século XX como uma manifestação carnavalesca

autenticamente pernambucana, democrática e popular, da qual todos participam.

1 “Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN. 2 Tese intitulada “Tem Samba na Terra do Frevo. As Escolas de Samba no Carnaval do Recife”, defendida em abril de 2014 no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGSA/IFCS/UFRJ. 3 Sobre a história do frevo e sua relação identitária ver Araújo (1996); Santos (2010), Lélis (2011).

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Diferentemente do século XIX - quando o movimento de “civilizar” o carnaval, com o

enfrentamento ao entrudo e a instauração de bailes de máscaras, fazia do Rio de Janeiro um

modelo a ser seguido -, no começo do século XX, com a projeção do frevo, as práticas

carnavalescas associadas à capital federal parecem gradativamente ocupar outro espaço

simbólico, o da diferença ou contraponto negativo. Os clubes de alegoria e crítica nos anos de

1800, o corso nos anos de 1920, as marchinhas do carnaval carioca nos anos de 1930 (com a

difusão das rádios), e, especialmente, as escolas de samba a partir dos anos 1940, foram

representadas pelos intelectuais pernambucanos como elitistas, excludentes, modernas e

estrangeiras.

Entre os anos de 1930 e 19404 as escolas de samba foram vistas por intelectuais e

políticos como ameaça ao frevo, às tradições carnavalescas pernambucanas, um “perigo” à

“pureza” do carnaval do Recife5, instaurando-se então um campo de debates, de conteúdo de

extremo regionalismo, em torno das noções de tradição, identidade e pertencimento,

constitutivo do processo de emblematização do frevo.

1.2 O frevo, emblema identitário

Entendo que símbolos ou emblemas de uma cultura têm força de representatividade

proporcional a sua capacidade de condensar6 sentidos e significados do universo simbólico do

qual faz parte e o é anterior. Tais capacidades são atribuídas, em grande medida,

potencializadas por intelectuais e outros mediadores7 de reconhecida atuação.

4 Pesquisadores e folcloristas pernambucanos (REAL, 1990; OLIVEIRA, 1971) contam que as primeiras escolas de samba do Recife surgem na década de 1930. Para Real (1990, p. 48) foram introduzidas por pernambucanos que, a serviço das forças armadas, passaram alguns anos na capital do país e, por isso, entraram em contato com o samba carioca e o trouxeram no seu retorno. Os historiadores Lima (2012) e Silva (2012) que trabalharam com essa temática problematizam essa perspectiva, alertam para os registros da palavra samba designando evento, brincadeira ou festa, em documentos históricos do final do século XIX. Informam que Batucadas e Turmas são outras designações anteriores às Escolas. Eram brincadeiras de samba cujo formato não se sabe ao certo. O jornalista e pesquisador José Teles (2008), contribuindo com a discussão, afirma que grupos de samba entre amigos em brincadeiras informais circulavam pelas ruas do subúrbio recifense durante o carnaval. Apenas na década de 1930, porém, fundam-se as primeiras agremiações, intituladas escolas de samba. 5 Inspirado em Mary Douglas (2012). Inspiração que não perde de vista o universo específico da antropóloga, os

propósitos e a análise estrutural do seu trabalho que trata de rituais de pureza e impureza: “Longe de serem aberrações do projeto central da religião, são contribuições positivas para a expiação. Através deles os padrões simbólicos são executados e publicamente manifestados. Dentro desses padrões, elementos díspares são relacionados e a experiência díspar assume significado.”. (DOUGLAS, 2012, p. 13). 6 Uso o termo ‘condensação’ de sentidos inspirado em Victor Turner (2005, p. 61). Para ele, tendo em vista o que lhe ensina Sapir, o símbolo dominante condensa vários significados em uma forma singular, essa é uma das suas principais propriedades. 7 Inspirado em Vianna (2004, p. 41) “A existência de indivíduos que agem como mediadores culturais, e de

espaços sociais onde estas mediações são implementadas, é uma ideia fundamental para a análise do mistério do samba”. Renato Ortiz (2012, p. 139) destaca a participação de determinados agentes na construção da memória e da identidade que se querem nacional. Para tanto, aciona a ideia de mediação como ação promovida parte de intelectuais na reinterpretação simbólica de algo que é particular, restrito a um grupo, para ser “universal”. Pensando em consonância com Dominichi Miranda de Sá (2006, p.26) que “Argumentos, enunciados e ideias têm assim, valor de ação. Em outras palavras, produzir criticamente já significaria intervir na ordem social”.

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Com efeito, a transformação do frevo em emblema identitário foi facilitada, ou

conduzida, pela associação exitosa entre ele e os conteúdos da pernambucanidade

(representações, do caráter/natureza/marca do povo pernambucano), tornando-o um

representante da ideia de ser pernambucano. O frevo precisou ser investido de sentidos que

permitiram sua transformação em um emblema da identidade pernambucana, mas, sentidos

conectados com a experiência, com vida social da cidade, bem como, com a história de

Pernambuco.

1.3 Que é Pernambucanidade?

De acordo com Hall (2006, p. 49), os conteúdos identitários passam pela ideia de

representação, o “inglês” só existe devido ao modo como a “inglesidade” veio a ser

representada. Assim atenta para a existência de “estratégias representacionais” que envolvem

a escolha de alguns elementos a serem investidos de significados e transformados em

representações. Neste processo, o que vai atuar na conformação da brasilidade e da

pernambucanidade são os múltiplos arranjos no compartilhamento dos repertórios disponíveis

na cultura, compartilhamentos que revelam as diferenças e os variados níveis de

comunalidade numa mesma sociedade. Assim, em consonância com Fredrik Barth (2000, p.

212): “Se você é balinês, você se vê como balinês. Há identidade, mas também enorme

diversidade do que é ou não compartilhado no interior do que essa identidade abrange”.

O intelectual pernambucano Nilo Pereira8 lança, a pergunta: que é pernambucanidade?

E responde ser um “Estado de espírito”, “modo de ser”, “sentimento”, “nota distinta”:

Que é Pernambucanidade? Pode-se entender por essa expressão um estado de espírito. Uma vivência histórica. Um modo de ser. O pernambucano, talvez mais do que qualquer outro brasileiro, tem a sua singularidade [...]. Se o mineiro é a sabedoria política, o pernambucano é a inconformação que gera as revoluções, um estado de insatisfação [...]. A pernambucanidade deve ter nascido na luta contra o flamengo. Uma luta de vida e morte. Aqueles vinte e quatro anos de dominação contribuíram para dar a Pernambuco o sentido histórico de sua pernambucanidade. Foi o sentido que venceu o intruso. Esse sentimento tem o nome de pernambucanidade. [...] Pernambuco tem sido fiel a essa herança. Daí ser pernambucanidade uma forma de vitalidade histórica. Um retrato nítido do povo que encarou vivamente, heroicamente, o espírito de rebelião, que terminou sendo o espírito de independência. (PEREIRA, 1983, p.167, vol. I) (grifo meu)

Trata-se de uma categoria usual na literatura sobre a cultura ou a história de

Pernambuco, entendida, grosso modo, como sinônimo para ‘identidade pernambucana’9, mais

precisamente, diz respeito a uma das formas de pensar e representar tal identidade.

8 Nilo Pereira foi Jornalista, professor da Universidade Federal de Pernambuco, ensinou história para os cursos de filosofia; foi também político gestor público. Sua obra intitulada “Penambucanidade” de 1983 replica os discursos da identidade pernambucana a partir da narrativa mítica da Restauração Pernambucana.

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Pernambucanidade designa um dos conjuntos de referências históricas e míticas,

norteadoras de elaborações identitárias para Pernambuco, forjado desde o século XVII, que

ganha força no final do século XIX e começo do XX, com a atuação do Instituto

Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco (IAHGP) e depois com a participação

do Movimento Regionalista e do Movimento Folclórico10. Em seu conteúdo, pretensamente,

há traços psicossociais determinantes de um “autêntico” pernambucano. Um léxico de

intenção generalizante atribuído ao universo simbólico (BERGER e LUCKMANN, 1985)11,

em que se alojam e operam representações imagéticas e chaves discursivas sobre

Pernambuco. Conecta a ideia de ser pernambucano a um passado comum, promovendo

perspectivas de pertencimento, coletividade e continuidade.

A Restauração Pernambucana contra o domínio holandês (1654) é considerada por

alguns historiadores como marco para a formulação da pernambucanidade, “mito de origem”

do “povo pernambucano”. Partindo dessa perspectiva, o historiador Evaldo Cabral de Mello

(2008, p. 20) analisa a construção do mito a partir da visão local da permanência holandesa no

Estado, mais especificamente do episódio da expulsão, preenchida por deformações,

“mistificação histórica à derrapagem de significados” (p. 19). Assim, desde as crônicas luso-

brasileiras do século XVII, sobre a guerra contra os holandeses, foram produzidas narrativas

com interpretações heróicas e patrióticas a nos contar a vitória triunfante dos pernambucanos

contra o “inimigo da pátria”.

Mello (1997, p. 66) destaca a importância da atuação do Instituto Arqueológico

Histórico e Geográfico de Pernambuco (IAHGP) para a produção e preservação da memória

da Restauração, para a reorientação da historiografia brasileira com vistas à valorização da

história produzida no Estado. Assim, a partir de 1862, com o IAHGP, “a memória

restauradora passa a dispor da armação institucional indispensável a sua preservação”, no

trabalho de “preservar a tradição histórica da província frente ao imperialismo da

historiografia do Rio, imperialismo na dupla acepção da atividade expansionista [...] e de

apologia dos valores ideológicos do regime imperial” (MELLO, 1997, p. 67). O Instituo,

portanto, tem como um de seus objetivos corrigir a orientação historiográfica nacional, de

caráter imperialista, que impõe como nacional a história produzida no Sudeste. 9 Sobre a ideia de pernambucanidade, origens e popularização deste léxico-conceito ver o trabalho do historiador Leandro Patrício da Silva (2012) . 10 Sobre a ideia de movimento folclórico, ver Rodolfo Vilhena (1997). 11 [o universo simbólico] “Localiza todos os acontecimentos coletivos numa unidade coerente, que inclui o passado, o presente e o futuro. Com relação ao passado, estabelece uma memória que é compartilhada por todos os indivíduos socializados na coletividade. Em relação ao futuro, estabelece um quadro de referências comum para a projeção das ações individuais. Assim, o universo simbólico liga os homens com seus predecessores e seus sucessores numa totalidade dotada de sentido [...]..” (BERGER e LUCKMANN, 1985, p. 132)

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Lilian Schwarcz (1993, p. 120), em suas análises acerca da produção do Instituto,

ressalta a grande quantidade de trabalhos e menções sobre a expulsão dos holandeses entre os

anos de 1870 e 1930. Sinaliza a recuperação da história da pátria com ênfase na participação

de Pernambuco nos destinos do país, atendendo aos desejos de “manutenção da hegemonia

pernambucana no interior da região nordestina”, ameaçada com a crise econômica e com o

crescente desprestígio político das províncias do Norte. Schwarcz (1993, p. 121) detectou a

recorrência da leitura maniqueísta da Batalha dos Guararapes12 - “de um lado o ‘ignominioso

jugo estrangeiro’ de outro a heróica resposta do povo pernambucano” - e os esforços da

aristocracia política, econômica e intelectual de Pernambuco do final do século XIX, em

forjar uma “raça pernambucana”, cuja “valentia, abnegação e patriotismo passam a constituir

adjetivações suficientes para a formação da identidade”.

Pernambuco bradava ideais libertários e revolucionários. Ser pernambucano estava

vinculado a uma inerente natureza insurreita, inconformada, rebelde, patriótica e corajosa13. A

produção intelectual do IAHGP propõe uma interpretação própria da história de Pernambuco

– ufanista, celebrativa, épica e fundante – apresentadas para intencionalmente acionar e

alimentar o orgulho por ser/pertencer a um lugar especial e de peso na trajetória da nação.

Nessa produção, Pernambuco é representado com características singulares diante do resto do

Brasil, ao mesmo tempo como indispensável à história nacional, lugar das revoluções, da

subversão, das lutas, e de um povo igualmente lutador, rebelde, cívico.

Nos primeiros anos do século XX, a partir da década de 1920, Freyre e o Movimento

Regionalista, também empreendem esforços para reaver a posição de supremacia regional e

destaque nacional para Pernambuco. Se, para Freyre, “a civilização do açúcar” foi a grande

matriz da sociedade brasileira, Pernambuco foi assumidamente “seu foco, seu centro, seu

ponto de maior intensidade”, e o pernambucano foi “a especialização mais intensa das

qualidades e dos defeitos dessa organização - monocultural, monossexual, e principalmente

aristocrática e escravocrática” (FREYRE, 1967, p. 176).

Em Nordeste, publicado em 1937, Freyre aponta a “luta contra os invasores louros”

como parte irreparável da história da Região e da Nação; o solo do Nordeste, como gerador de

uma “nacionalidade inteira”:

Nessas manchas de solo encarnado ou preto se lançaram os alicerces dos melhores engenhos. Foram elas que mais se avermelharam de sangue nos tempos coloniais.

12 Nome dado à definitiva batalha da Insurreição Pernambucana, em 1654. 13

Vale ressaltar, desse modo, que a restauração da possessão portuguesa do domínio holandês aparece como precursora de outros episódios, as chamadas revoluções liberais, portadoras dos mesmos ideais a mobilizar a mesma “natureza”, reafirmando o jeito de “ser pernambucano” - Guerra dos Mascates (entre 1710 e 1712), Revolução Pernambucana em (1817), na Confederação do Equador (1824), e Revolta Praieira (1848)

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Sobre elas que tanto luso brasileiros, tanto preto, tanto caboclo, tanto mulato, morreu em luta contra os invasores louros. Esses invasores não desejavam outras terras senão aquelas: as terras de massapé. As terras de barro gordo, boas para cana de açúcar. [...] Porque através daqueles dias mais difíceis de fixação da civilização portuguesa nos trópicos, a terra que primeiro prendeu os luso-brasileiros, em luta com outros conquistadores, foi essa de barro avermelhado ou escuro. Foi a base física não simplesmente de uma economia ou de uma civilização regional, mas de uma nacionalidade inteira. (FREYRE, 1967, p. 10)

Pernambuco, no pensamento de Freyre (1967, p. 11), desenvolve-se a partir dos

conflitos que impeliram os senhores de engenho a se defenderem dos estrangeiros, nasce sob a

égide da guerra e do patriotismo: “E defendendo seus canaviais, seus rios, suas terras de

massapê, começaram a perceber que estavam defendendo o Brasil”. Experiência detonadora

de um “sentimento de suficiência” que respalda as revoluções libertárias do século XIX e o

caráter de um povo: “Quando em 1710, em 1817 e em 1824 tentaram constituir-se em

república, já foi sobre esse sentimento de suficiência, sobre esse desejo de estabilidade que

lhes davam as terras férteis da cana”.

O movimento regionalista, ou regionalista ao seu modo modernista, nos termos de

Freyre (1976), acrescenta aos debates da época argumentos acerca da relevância cultural, das

experiências singulares do Estado, potencializa Pernambuco para as disputas simbólicas por

status no conjunto dos estados da nação14. O carnaval e o frevo são inseridos no repertório da

pernambucanidade e, devido à expressividade, à representatividade adquiridas, tornam-se

emblemas da identidade pernambucana, perpetuados pelo século XX, pontua Gilberto Freyre

na década de 1980:

A quem me pede que cite pernambucanismos com que Pernambuco tem enriquecido a cultura brasileira mais folclórica, mais popular, mais característica, não tenho hesitado em apontar estes três: o maracatu, a buchada, o frevo. Não que sejam os únicos. Mas me parecem os mais castiços no sentido de serem pela origem e pela permanência, pernambucanos. [...] E o terceiro muito daquela carnavalidade característica de um dionisíaco ânimo brasileiro: o frevo. Um frevo do qual não se pode dizer ter vindo desta ou daquela fonte mais evidente de cultura ou de carnaval brasileiro. Uma expressão de carnaval própria do Recife [...]. Que surgiu de pés e de ritmos de corpos brasileiros, em ruas do Recife, sob brilhos de um sol recifense e em harmonia com sons captados por ouvidos também recifenses: talvez batendo nos próprios recifenses. (FREYRE, [1981] 1991, VII) (grifo meu)

A emblematização do frevo, porém, é um trabalho apoiado na dinâmica cultural, viva e

ativa que torna o referido processo plausível e, de certo modo, eficaz. A escolha do frevo

como emblema do carnaval elemento representativo da identidade pernambucana levou em

14 Lady Selma Albernaz (2004, p. 38) observou movimento similar na construção da identidade maranhense. A antropóloga comenta a solução dada pelos intelectuais do século XX, frente à descontinuidade da história do Maranhão provocada pela decadência econômica: enaltecer o valor da cultura local e reposicionar o estado em relação à nação.

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conta suas potencialidades para condensar sentidos identitários disponíveis no universo

simbólico da pernambucanidade e de traduzir os qualificativos importantes para o ser:

“autenticamente pernambucano”.

1.4 O Frevo e os sentidos da Pernambucanidade

Eis a definição completa, profunda e abissal. O que há em Pernambuco como rescaldo de todas as paixões e agonias vibra no frevo, como se encontrasse nessa música alucinatória a evasão total dos seus recalques. [...] Mesmo fora da festa momesca, o frevo contagia, subverte, levanta velhos e moços, misturando-os na massa animada e demiúrgica, que ganha todos os espaços. A pernambucanidade não é só o heroísmo histórico; é também o heroísmo das ruas, o povo animado e feliz, com os seus esgares, seu historicismo, sua vocação libertadora, seu sensualismo, sua imoderação, sua indisciplina. O povo na plenitude de si mesmo. [...] O frevo é o fenômeno das massas. Ganha os espíritos, traz alucinações, desvarios, coreografias estranhas e sensuais, que fazem do carnaval de rua a expressão suprema do povo. É como se soltassem uma enorme serpente e deixassem que ela silvasse, dantesca, irreprimida, num assalto fatal à vida em seus estertores mais irrefreáveis. (PEREIRA, 1983, p. 167) (grifos meu)

Para Nilo Pereira, “O que há em Pernambuco como rescaldo de todas as paixões vibra

no frevo” (PEREIRA, 1983, p. 167). Assim o frevo é frequentemente representado como um

autêntico pernambucano, concebido à luz do heroísmo. Não apenas o heroísmo histórico, ele

encarna também o “heroísmo das ruas”, a “vocação libertária”, o “sensualismo”, a

“imoderação” e a “indisciplina” chaves constitutivas da ideia de ser pernambucano.

Na procura pelas aproximações entre o frevo e os conteúdos da pernambucanidade,

escolhi como caminho metodológico a investigação de narrativas de intelectuais produzidas

ao longo do século XX. A produção de tais narrativas operaram e/ou refletiram o processo de

transformação da manifestação carnavalesca popular – rejeitada e perseguida pelas elites –em

emblema de Pernambuco. A proposta, então, é burilar textos sobre frevo do final do século

XIX, mais precisamente de 1899, até a década de 1970, auge da batalha frevo-samba,

reunidos na obra de referência sobre o tema “Antologia do Carnaval do Recife” (1991),

organizada pelo historiador Leonardo Dantas e o folclorista Mário Souto Maior15. A obra é

um compêndio de escritos sobre carnaval do Recife de 34 autores e publicado, em 1991, pela

Fundação Joaquim Nabuco, com a apresentação assinada por Gilberto Freyre. Somam-se aos

organizadores, Limeira Tejo, Mário Melo, Paulo Fernando Craveiro, Paulo Nunes Viana, José

Lins do Rego, Valdemar de Oliveira, Mário Sette e Teôtonio Freire. Nomes reconhecidos,

pesquisadores orgânicos e vozes potentes na história do frevo.

15 Dantas Silva, prestigiado historiador pernambucano, dedicou grande parte de sua produção à temática do carnaval e do frevo, também foi gestor público na área de cultura. Souto Maior, renomado folclorista, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, autor de diversos livros sobre folclore.

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A extensão da temporalidade dos escritos é um dado proposital e interessante, pois,

embora pertencentes a contextos históricos distintos, os intelectuais acionados refletem

conteúdos ligados a mesma matriz de sentidos, como se interconectados. Aqueles produzidos

no século XIX poderiam facilmente ser lidos e entendidos como recentes, sem grandes

problemas de anacronismo ou descontinuidade histórica, por apresentarem ideias similares

sobre o frevo e a pernambucanidade. Ao falarem do frevo, os textos parecem imersos em um

contexto atemporal, refletindo a força do processo de condensação de sentidos que o

transformou em síntese do povo pernambucano, repertório vivo e em constante revisitação.

1.4.1 A onda e o estado endiabrado

Nas narrativas analisadas, é recorrente a história-mito de um monstro que

ocupava/invadia as ruas do Recife durante o carnaval, nos anos finais do século XIX e

começo do século XX, tomando as pessoas de assalto, invadindo a alma. A “serpente silvando

dantesca”, nas palavras de Nilo Pereira, que derrota os projetos elitistas de um carnaval aos

moldes europeus e estabelece um modelo ou forma de brincar “tipicamente pernambucana”.

Ele é transgressor da ordem, das moralidades e hierarquias, valente, amedrontador, vence os

inimigos, invasores, aguerrido como um autêntico pernambucano.

O texto do escritor e romancista pernambucano Teotônio Freire é o mais antigo da

seleção de “Antologia do Carnaval do Recife” (1991), trata-se de um recorte de seu romance,

clássico da literatura de Pernambuco do século XIX, Passionário, escrito em 1897, publicado

em 1899. No trecho escolhido, o carnaval de rua do Recife é representado como “doidamente

misturado”, “uma loucura descabelada”, “sem ordem, sem rumo”, imagem amplamente

difundida no século XX.

[...] subia, oscilava, descia, falava, gritava, berrava, andando, pulando, correndo, dançando, aos saltos, aos pinotes, fazendo ziguezagues e passos ginásticos, sem ordem, sem rumo, desenfreadamente, carnavalescamente [...] Clubes ostentando orgulhosamente estandartes surrados e cheios de mofo, recortavam as ruas [...]. Havia no ar uma propagação infinita de ondas sonoras, distendendo-se, alongando-se, entrando pelos tímpanos auditivos adentro num ensurdecimento sem nome. Há uma amálgama de sons e de ruídos, de notas soltas, estacadas, de flauta, de clarineta, de violino, misturadas, com as vibrações abafadas, quase surdas dos realejos e os guinchos, os berros estridentes de vozes humanas a cantar, a rir, a gargalhar, tudo num concertante estapafúrdio e sem igual. (FREIRE, 1991, p. 127) (grifos meu)

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Quase quarenta anos depois, em 1938, Mário Melo aciona a imagem da multidão

imperativa, que ordena, rompe, a despeito de qualquer resistência, transforma a multidão em

uma “onda humana em ebulição”16:

Quando uma orquestra carnavalesca rompe uma marcha típica pernambucana, impossível alguém resistir. Todos dançam, pulam, saracoteiam. Quem a observa do plano elevado e vê aquela onda humana em ebulição tem idéia de um grande depósito de líquido em fervura. (MELO, 1991, p. 257).

No mesmo ano, 1938, Limeira Tejo17 também traz a imagem do arrebatamento que

transforma as pessoas em “diabos solto no meio da rua”, livres. O autor, no entanto, alertou

seus leitores para a necessidade de se interpretar o carnaval do Recife, não apenas vê-lo.

Descreve o frevo como “espelho da alma popular”, expressão das emoções coletivas a refletir

“arrancos e anseios de liberdade” do povo pernambucano. Para o autor, entendê-lo enquanto

fenômeno psicossocial é fundamental para não cair no encanto meramente “pitoresco”,

exótico. Assim, só a partir da “interpretação” seria possível compreender a violência e as

emoções que orbitam o carnaval e o frevo.

O Carnaval do Recife, esse já tão decantado Carnaval das ruas recifenses, não pode ser visto apenas. É preciso antes de tudo ser sentido. Não é uma festa somente para os sentidos. É uma festa que exige interpretação [...] é um espelho da alma popular. Ele reflete emoções coletivas nos seus arrancos e anseios de liberdade, nas suas quedas ao complexo social da escravidão. Quem não procurar ver o carnaval do Recife por esse prisma psicológico arrisca-se a descobrir-lhe um encanto apenas pitoresco, sem profundidade. Arrisca-se a assistir um espetáculo meio violento, de uma gente suada a pular como diabos soltos no meio da rua. (TEJO, 1991, p. 212) (grifo meu)

O jornalista, poeta e escritor, Paulo Fernando Craveiro, vinte e três anos depois, em

1961, retoma a ideia de imoderação do frevo. A música rompe o ar como quem invade para

atravessar “por dentro a multidão” para transformar o povo, “despertar os diabos que existem

escondidos”, libertá-lo. O frevo evoca um estado endiabrado:

Dêem-lhe uma camisa de três cores e um guarda-chuva esfarrapado. Ofereçam-lhe, talvez dois goles de cachaça. Deixem que um frevo rompa o ar, atravesse por dentro da multidão e vá despertar os diabos que existem escondidos no homem [...] frevo transforma o povo. Gente vira bicho. Homem vira mulher. Branco vira preto. A culpa é dos diabos que são incorporados às multidões. Carnaval não é festa de anjos: é território de demônios (CRAVEIRO, 1991, p. 301) (grifo meu).

Craveiro atribui ao frevo um ímpeto guerreiro, de possuir o folião, o invadir

deliberadamente. Para ele, o carnaval de Pernambuco, a despeito de tantas outras práticas

carnavalescas, “é igual a milhares de pessoas dançando frevo”. Uma força extraordinária que 16 A relação entre o frevo e a multidão em ebulição, fervendo, um coletivo em cortejo pelas ruas dançando e cantando é uma imagem-conceito muito comum. Está presente desde os primeiros registros jornalísticos e dela parte etimologia da palavra frevo, encontrada na imprensa pela primeira vez pelo historiador Evandro Rabello (2004) em 09 de fevereiro de 1907. Sobre a imagem do povo em ebulição ver Rita de Cássia B. Araújo (1996). 17Romancista, memorialista, ensaísta, tradutor, jornalista, sociólogo e economista.

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não deixa escolha, age como o “vento”, um “furacão”, intempestivo, vivido de forma violenta.

Craveiro recita:

Um homem é possuído pelo frevo assim como um homem é possuído pelo vento. Frevo e vento são coisas que quase não se deixam pressentir. Invadem, sem pedir licença, o corpo e a alma do homem [...]. Carnaval pernambucano é igual a milhares de pessoas dançando o frevo. Homens, mulheres, crianças numa interminável procissão sem soluços: a de fé na vida que tem que ser vivida com a violência de quem vai morrer amanhã de manhã. (CRAVEIRO, 1991, p. 301)

Poucos anos depois, em 1964, Antônio Maria18, poeta e compositor recifense, mas

residente no Rio de Janeiro por muitos anos, presenteia seus leitores com um dos mais

poéticos textos sobre o frevo: Carnaval Antigo... Recife. Nele, assim como em Craveiro, o

frevo também é livre como o vento. Antônio Maria lança mão de qualificativos caros à

pernambucanidade. Em suas palavras, o carnaval do Recife era “guerreiro”, “revoltado”,

“rebelde” e “liricamente subversivo”, um “furacão libertário”, emancipatório pertencente a

todos, do qual participavam “cada homem e cada mulher”:

[...] o Vassourinhas estourava numa esquina, acordando-nos na alma, uma alegria guerreira, impossível de explicar [...]. Eu era mais que um guerreiro. Era o vento. Cada homem e cada mulher eram uma parte daquele furacão libertário. Todos se emancipavam [eu digo por mim] e se tornavam magnificamente dissolutos... [...] Os meus carnavais eram revoltados. Não tenho a menor dúvida de que aquilo que fazia a beleza do carnaval pernambucano era a revolta – revolta e amor – porque só de amor, por amor, se cometem os gestos de rebeldia. [...] Nãos sei de vontade igual a esta, que estou sentindo, de ser o menino, que acordava de madrugada com as vozes dos metais e as vozes humanas daquele carnaval liricamente subversivo. (ANTÔNIO MARIA, 1991, p. 11 - 12) (grifo meu)

1.4.2 Transgressor dos corpos bem comportados.

O “sensualismo” de Nilo Pereira (1983) esteve anteriormente em Teotônio Freire

(1889). O autor expressa um teor sexual muito recorrente nas narrativas sobre o frevo. O

carnaval do Recife era uma “espécie de orgia”, de “loucura descabelada”. O frevo é, nessas

representações, permissivo, lascivo, subverte as moralidades cotidianas, as vergonhas, os usos

dos corpos; transgredia os bons costumes controladores da vida sexual.

[...] grupos, clubes, sociedades, sambas, maracatus, profusão de fitas, de rendas, de pandeiretas, castanholas soando, ventarolas abertas, cabelos revoltos, cintilações de olhares, maneios de ancas polposas sob fofas de cetim, arcarias de canela, coretos de músicas, postes com flâmulas galhardetes, carros de rodas enfeitadas a flores carregando famílias; serpentinas enroladas e enoveladas em pescoços alvos, confeitos pairando no espaço, entrando pelos colarinhos, pelos peitilhos, pelos decotes dos vestidos; pó de arroz recendendo ylang-ylang ou jasmim, ondulando no ar, entrando nas narinas, estonteando, embebedando; bisnagas de colônia e Ixora, de Rita Sangalli e Vitória, tudo doidamente misturado, numa espécie de orgia, de loucura descabelada, um atabalhoamento descomunal. (FEIRE, 1991, p. 127) (grifos meu)

18 Antônio Maria, cronista, poeta, letrista, morou muitos anos no Rio de Janeiro e firmou parceria artística com grandes nomes como Vinicius de Moraes. Antônio Maria escreveu “Carnaval Antigo... Recife”, em 07/02/1964.

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Na obra analisada, há o trecho de outro clássico da literatura pernambucana, “Seu

Candinho da Farmácia”, de Mário Sette19, publicada em 1933. Neste trecho seus personagens

falam sobre o carnaval do Recife e Sette revela apreensões similares às de Teotônio Feire, por

quem tinha reconhecida admiração. Descreve o frevo desgovernado, o “imperativo de

loucura”, a “multidão saracoteante”, e, especialmente, sexualizado, um tanto promíscuo:

Um imperativo de loucura, um contágio de desatinos, uma coceira de alegria. Ninguém mais se continha ninguém mais se governava… Todas as imediações do bairro atravessado pelo buliçoso cordão carnavalesco vibravam ao zumbido fortíssimo do contentamento. [...] Avistava-se por cima daquele movediço dorso cinzento-escuro, que era a soma da multidão saracoteante, o estandarte bordado a ouro com uma vassoura de penas no teso da haste. Zunzum promíscuo de frases soltas, de malícias, de contatos, de pruridos, de ditérios, de risozinhos, de perguntas, de desejos, de machucadelas, de afagos clandestinos… E um cheiro provocante de éter perfumado, evocando nudezas e lascívias carnavalescas, promissória sensual a vencer-se nos três dias próximos. (1991, p. 400 - 401) (grifos meu)

Em Sette, assim como em Freire, o frevo também aparece como a onda impetuosa e

permissiva, de poder subversivo frente à submissão moral. O comando é dado apenas pela

“cadência voluptuosa, ardente e volúvel da marcha”, à qual se devota “obediência absoluta e

gostosa”, à revelia das regras do cotidiano, leis e ordem pública. Um redemoinho movido a

frevo, em que eram permitidas atitudes “cômicas” e “delirantes”. Na onda, os corpos se

misturam, “se esfregam, se torcem, se enlaçam, se verticalizam, se cheiram, se beijam, se

apalpam, se agacham”, sob o comando da música que ordena e penetra as veias para fazer

“cócegas no sangue”:

O frevo! Aquela massa de corpos e de almas vinha numa obediência absoluta e gostosa à cadência voluptuosa, ardente e volúvel da marcha. A cada vez que a orquestra repetia num enfarofado de acordes a introdução todo o povo redemoinhava, refervia nas atitudes mais caprichosas, mais cômicas, mais delirantes. Dir-se-ia que tentavam misturar, confundir, trocar os membros, os troncos, as cabeças, para depois ir procurá-los de novo. E no seguimento da música lá se iam todos na impetuosidade da “onda”, no esbandalhamento do “passo”, de pernas abertas em tesouras, de cócoras em saca-rolhas, de bustos empinados para frente em rigidez, de nádegas oferecidas ao alto, de mãos trançadas nas nucas, de narizes a farejar os cangotes femininos, de braços dados em cordões, de barrigas coladas, de caras rentes, de bocas grudadas […]. Moviam-se todos num incessante ondeio, num provocador remexido de quadris, de bustos, de ancas, de seios […]. E de novo todos se movimentam, se esfregam, se torcem, se enlaçam, se verticalizam, se cheiram, se beijam, se apalpam, se agacham, como se a música lhes penetrasse veias adentro para ir fazer-lhes cócegas no sangue. [...] E a massaroca do povo, num remexido incessante, numa ‘onda’ perene, num bulício crescente, pernas que se arqueiam e se verticalizam, pés que se juntam e se distanciam, braços que se angulam e se amoldam, bocas que se escancaram e se trancam, torsos que se espigam e se flexionam, seios pontudos que se projetam em promessas e se retraem em negaças, dentes que se mostram, mãos que espanejam, cabeças que bamboleiam, como se todos estivessem atingidos de cócegas. (SETTE, 1991, p. 402 - 403) (grifos meus)

19 Mário Sette é um dos cronistas do século XX mais conhecidos de Pernambuco. Suas crônicas foram e são amplamente acessados na rede pública de ensino do estado até os anos de 1970.

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E “bustos empinados para frente em rigidez, de nádegas oferecidas ao alto, de mãos

trançadas nas nucas, de narizes a farejar os cangotes femininos, de braços dados em cordões,

de barrigas coladas, de caras rentes, de bocas grudadas”, a onda é, assim, sexualizada,

masculinizada e viril. As apreensões masculinas, heterossexuais, patriarcais e machistas

sobrecarregam o campo de representações sobre o frevo e o carnaval do Recife.

A “loucura descabelada”, de Teotônio Freire, e a “impetuosidade da onda” de Sette,

reaparecem na poesia de Antônio Maria, em 1964. Para este, o frevo é uma dança louca e

bela, grito de alforria a libertar o folião da submissão herdada. Submissão social que sujeita os

humildes ao silênco, mas também e sobretudo, moral, do controle cotidiano dos corpos - “bem

comportados” – à espera dos clarins do frevo para a sua libertação:

Não se pode fazer idéia do que era o povo do Recife, solto nas ruas do Recife após a declaração irreversível do carnaval. Faziam parte da corte imperial mulheres morenas, que suavam em bolinhas na boca e no nariz. Mulheres de olhos ansiosos, presas de todos os atavismos de religião e de dor, a dançar a mais verdadeira de todas as danças – o frevo. Ah, de nada serviriam suas heranças de submissão, porque o despontar do carnaval era um grito de alforria. E seus corpos, seus braços, seus pés, teriam sido repentinamente descobertos, assim que os clarins do “Batutas de São José” romperam o silêncio a que os humildes eram obrigados. Tão louca e tão bela aquela dança! Uma verdade maior que as verdades ditas ou escritas, saia dos seus quadris, até então bem comportados. (1191, p. 12) (grifos meus)

O frevo é o guerreiro, subversivo, invasor, desobediente... Qualificativos produzidos

sob o ponto de vista masculino, por conseguinte, o frevo é masculino, viril. Na década de

1970, os textos de Valdemar de Oliveira20 e o historiador Evandro Rabelo traduzem essa

virilidade. Oliveira (1991, p. 72), em seu trabalho sobre a dança do frevo, o passo, escrito em

1971, afirma que fazer o passo é para homens: “Mulher pode esbaldar-se em exibições de

passo. Não convence nunca. Falta-lhe virilidade, a virilidade indispensável ao combate da

dança. Passo não se fez para ela”21. Rabello, em 1978, convoca os leitores para participarem

do frevo, de uma espécie de combinação entre folia carnavalesca e interação sexual.

Melhor que falar sobre o carnaval é participar dele [...] sair como figurante numa agremiação ou no coice de uma delas, no desmantelo do passo, com os ouvidos entupidos de frevo [...]. Cair na onda com a cabeça cheia de aguardente, no saracoteio louco do passo, pernas em desmantelo, braços jogados para todos os pontos cardeais, cotovelos para proteger o corpo e se houver oportunidade ‘roçar’ ou bater no seio da passista que estava ou entrou no ruge-ruge. (RABELLO, 1991, p. 76/77)

20

Médico, professor, jornalista, musicólogo, teatrólogo, dedicado especialmente ao frevo ao folclore. 21 Na sua obra clássica, Frevo, Capoeira e Passo, Oliveira (1991, p. 50) fala sobre o caráter viril do frevo comparando-o às marchinhas do Rio de Janeiro. Pensa haver no frevo um ritmo motor que a marchinha carioca não tem por ser assexuada, enquanto o frevo é viril: “Ela [a marchinha carioca] convida a cantar, a entrar no coro, a assobiar baixinho [...]. Ele [o frevo] não convida: arrasta. Sua efervescência rítmica tem qualquer coisa de magnético, contra a qual é difícil resistir”.

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1.4.3 Democrático, Popular e Mulato

Nas narrativas acessadas, o carnaval de rua do Recife é popular, todos participam, as

hierarquias de classe, geração e raça são diluídas na “onda”, os lugares sociais claramente

demarcados no cotidiano findam por se misturar no carnaval de todos. As representações

sobre o frevo o apresentam com o poder de congregar sujeitos cujas interações no tempo

ordinário seriam atravessadas por moralidades e distinções sociais, com o poder de apagar

temporariamente as hierarquias, subvertê-la. Mário Sette, em 1933, ilustra bem esse

argumento:

Gente de não acabar mais! Gente de todas as classes. Homens e Mulheres numa conjunção das mais bizarras, das mais pitorescas, das mais democráticas. Esplêndido programa de partido da oposição. A cara bigoduda e gorda junta do rostinho esguio e brejeiro; a face madurona vizinha da bochecha imberbe; a manga de brim puro-linho, trançada pela da blusa de voile barato; a casimira inglesa e clara manchada pela mão cor de café com leite; a tez ariana, toda preconceitos colada ao pigmento africano todo afoitezas; o braço moreno e túmido amparado na farda cáqui e arrogante; o georgete preço do pecado perfumando e o fraque na burocracia respeitável; a adolescência sexo calças-largas atritando-se na puberdade cabelos à ventania; a seriedade do professor cara da quaresma irrigada pelo assanhamento da cabrocha; a velhice de cabeça pintada esquentando-se na mocidade de vestidos transparentes; o carola de atitude angélicas desafiando os diabos de pixaim; o doutor cortejando a cliente gratuita; o namorado cutucando a pequena fácil; o caixeiro fazendo festas à freguesia caloteira; o industrial fraternizando com a operária; o senhor de engenho virando mel para a moradora; o diretor alisando os dedos da datilógrafa; o proprietário ranzinza com a inquilina astuciosa; o homem das prestações justando contas com a mulata em atraso; o patrão de uma casa com a copeira de outra…Frevo! [...] – O Diabo inventou, mas é do céu! – Oh! onda do outro mundo! (SETTE, 1991, p. 402 - 403)

“A tez ariana, toda preconceitos colada ao pigmento africano todo afoitezas”, é o frevo

representado como exemplo paradigmático das relações raciais constitutivas da sociedade

brasileira. Mário Sette, declaradamente inspirado nos conteúdos sociológicos sobre raça de

Gilberto Freyre, vê no frevo a síntese das relações raciais. O frevo sintetiza os sentidos de

democracia racial presentes nos discursos identitários para o Brasil da primeira metade do

século XX, é misturado, é mulato22.

José Lins do Rêgo também está na seleção de Antologia. De sua vasta obra literária,

foi escolhido, para compor o livro, um trecho de O Moleque Ricardo, de 1957. Diga-se de

passagem, José Lins do Rego e Mário Sette são reconhecidos por Freyre (2006) como os dois

principais nomes da literatura regionalista, “a pernambucana”, sendo o primeiro seu amigo e

um dos organizadores do Congresso Regionalista de 1926. A obra escolhida ainda é muito

lida na rede de ensino, como peça representativa da literatura regionalista. Nela o protagonista

22 Há uma vasta literatura que trata do frevo sob essa ótica. Para maiores detalhes, ver Silva (2010).

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sai do engenho, no interior de Pernambuco e, na capital, impressiona-se com o frevo, com a

mistura de raças, com a festa de todos, na qual “não havia nem preto nem branco”:

Há quatro anos no Recife, Ricardo não tivera conhecimento do que fosse mesmo o carnaval. Nos outros anos ficava numa porta de sobrado, vendo o povo de pé no chão, no frevo, os automóveis com mulheres enfeitadas, caminhões cheios, o povo doido na rua. [...] Viu negros velhos, meninos de três anos, mulheres feias, bonitas, brancas, pretas, tudo no frenesi se servindo de um prazer que lhe escapava. Não havia branco e não havia preto quando a música de um clube passava assanhando tudo. As moças de dentro dos automóveis, os que iam a pé, os homens importantes e iguais a ele, todos como se fossem da mesma casa. Todos se conheciam. A música era de todos. Gente cantando, gente de gravata e de pés no chão. ( REGO, 1991, p. 390) (grifos meu)

O texto de Paulo Fernando Craveiro, de 1961, exemplifica bem. Sugestivamente

intitulado “Uma Pátria Chamada Carnaval”, pontua o maracatu, o caboclinho e o frevo como

“divisões da alma mais geral: o Carnaval do Recife”, preocupando-se em hierarquizá-los a

partir de diferenças raciais. Enquanto o caboclinho representa os “índios do carnaval”, o

maracatu “[...] cantados por negros somente”, o frevo é da “multidão”, da “explosão coletiva”.

Frevo, para ele, o híbrido, superior no que concerne à dança e ao ritmo, comparado aos outros

dois, “monótonos”, “pobres” e “cansativos”.

Esse mundo está dividido não em países nem em cidades, mas em danças. Elas fazem parte de uma federação de sentimentos. [...] Caboclinho, maracatu e frevo são divisões de uma alma mais geral: O Carnaval do Recife. Os Caboclinhos são índios do carnaval, geralmente unidos em agrupamentos ao som de guizos atados em suas fantasias, pulam monotonamente. A cadência é certa como um pingo d’água caindo. Auditivamente cansativa [...] O Maracatu é espécie de religião. Sua pureza consiste sem ser cantado por negros somente. A coreografia é pobre e espontânea. Ao que entoam as loas respondem os outros negros. Sua influência vem dos séquitos africanos [...]. O frevo é a explosão coletiva. Violento como um susto. A multidão dançante parece ferver. Todas as vontades de libertação ficam a flor da pele. E o corpo individual e coletivo começa a vibrar; os pés em brasa e a alma voando. (CRAVEIRO, 1991, p. 302) (grifos meus)

Na década seguinte, o texto de Paulo Nunes Viana23, Carnaval de Pernambuco,

escrito em 1974, aponta mais diretamente o frevo, “uma mistura de ritmos” como o

representante pernambucano da “formação racial brasileira”. Em Viana, assim como para

Craveiro, o carnaval de Pernambuco está relacionado à miscigenação, ao popular, tem “maior

carga folclórica”, comparado a outros festejos, além de representar “o elemento híbrido que

caracteriza a nova geração brasileira” e herdar “hábitos e costumes dos antepassados”:

O carnaval de Pernambuco ganhou fama e prestígio em todo o país em virtude de possuir maior carga folclórica relativa a esses festejos populares e, além do mais, porque através de três ritmos distintos, originários de índios, pretos e brancos, ele também se assemelha, bem de perto, estabelecendo uma simbiose, ao processo

23Jornalista, escritor de diversos livros, fundador do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco, trabalhou para o Jornal do Commercio e o Diário de Pernambuco.

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de miscigenação que caracterizou a colonização e a formação racial brasileira, criando a sua cultura, formando seus hábitos e costumes. [...] Mas, a exemplo do que ocorreu no País, os três ritmos originários dos índios, negros e brancos também se mesclaram, fundiram-se e criaram um quarto ritmo, com sua música e dança características, que, simbolicamente, representa o elemento híbrido que caracteriza a nova geração brasileira. O ritmo [música] se chama ‘Frevo’; a dança se denomina ‘Passo’. E esse elemento híbrido, pelas suas próprias características, representa a nova raça: - o brasileiro, porque, assim como o ‘Frevo’ é uma mistura de ritmos, a Nacionalidade também é, hoje, o produto do caldeamento, da miscigenação das três raças que se juntaram e amalgamaram o tipo padrão do brasileiro dos tempos atuais, se, esquecer as heranças atávicas, os hábitos e costumes dos antepassados. (VIANA, 1991, p. 305 - 306) (grifos meus)

1.5 Frevo, Pernambucanidade e Escolas de Samba

Considerando que o universo simbólico da pernambucanidade tem na resistência anti-

holandesa a matriz de sentidos, de significados, tidos como fundamentais do “ser

pernambucano”, a batalha frevo-samba reifica o mito de origem, reafirma o ethos

pernambucano ao qual o frevo se conecta para ser/funcionar como importante emblema do

carnaval. Se no mito de origem da Batalha dos Guararapes, os pernambucanos (de caráter

heróico, forte, subversivo, revolucionário, combativo, rebelde, libertário) lutam bravamente

para expulsar o invasor (estrangeiro, inimigo holandês); na “batalha frevo-samba”, o frevo é o

herói pernambucano; o samba (as escolas de samba), o antagonista louro a ser expulso. O

frevo emblematiza o carnaval democrático, participativo do Recife, da tradição. As escolas de

samba, por sua vez, em franca ascensão, provocariam a decadência do frevo de tal modo que a

sua presença representa “perigo” à “pureza” do carnaval pernambucano.

Como visto, os intelectuais articulam uma imagem do frevo como transgressor, uma

onda humana, popular, participativa. Representa a desordem que confere ao carnaval do

Recife uma característica única, enquanto as escolas de samba são investidas de imagem da

ordem, foliões dispostos entre participantes e espectadores, não há mistura nem transgressão.

As escolas demandam uma audiência, um público de espectadores para contemplação e, por

isso, nem todos participam dela, é seletiva e excludente.

Os defensores do frevo representaram o pernambucano a defender seu território,

pronto para expulsar os invasores estrangeiros, para negar submissão, para se rebelar contra a

“colonização do carnaval brasileiro” (VIANNA, 2004, p. 11) pelo Rio de Janeiro, metrópole

colonizadora, insistente em disseminar propostas estrangeiras, urbanas, modernas.

Todavia, tal como Mary Douglas (2012, p. 195) diz não haver ordem sem desordem,

pois um precisa necessariamente do outro, na trama de uma batalha não existe herói sem

vilão, nem combate sem inimigo e o samba como antagonista da “batalha frevo-samba” é

peça importante nessa história.

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Para Simmel (19 83, p. 122) o conflito é uma forma indelével de sociação, distinto da

indiferença, puramente negativa (p. 123). Portanto, esta contenda simbólica ilumina relações,

entre as agremiações de frevo e as de samba na cidade, e concede às escolas de samba um

papel de destaque diante de outras manifestações carnavalescas que, fora do conflito

tornaram-se coadjuvantes nas narrativas históricas, ocupando lugares menos expressivos na

história do carnaval do Recife e na hierarquia simbólica que ordena o repertório de práticas

carnavalescas da cidade.

Por esse ponto de vista, a “batalha frevo-samba”, como todo conflito, contém algo de

positivo (SIMMEL, 1983, p. 123). Neste caso, foi importante tanto para a história do frevo,

por serem os debates expostos na imprensa um espaço de defesa irrestrita e de sua (a do frevo)

valorização, como para a das escolas de samba. Constantemente acionadas, expostas, trazidas

à baila, as escolas de samba ganharam certa projeção. Diferentemente de bois, ursos, tribos de

índio e de outras manifestações, as escolas recebem atenção e são evidenciadas como efeito

inadvertido do embate. Essa visibilidade indireta pode ser apreendida no artigo de Lima

(2013) que traz uma expressiva relação de matérias jornalísticas dedicas à contenda entre o

frevo e o samba nos anos de 1960 e 1970.

As representações acerca das escolas de samba inadvertidamente serviram para

projeção do conjunto de significados identitários chamado de pernambucanidade. Penso, com

base em Mary Douglas, que ao evidenciar o samba como elemento atípico (anômalo) frente

ao repertório carnavalesco pernambucano, evidencia-se o próprio repertório: “Quando algo é

firmemente classificado como anômalo, o esboço do conjunto no qual ele não é considerado

membro se torna claro” (DOUGLAS: 2012, p. 53). A batalha frevo-samba, então, evidencia o

conjunto do qual não deveria fazer parte, o das tradições pernambucanas.

As escolas de samba, portanto, podem ser consideradas o exterior constitutivo do

frevo, nos termos de Stuart Hall (2012, p. 110) 24:

As identidades são construídas por meio da diferença e não fora dela. Isso implica o reconhecimento radicalmente perturbador de que é apenas por meio da relação com o Outro, da relação com aquilo que não é, com aquilo que falta, com aquilo que tem sido chamada de seu exterior constitutivo [...]. Toda identidade tem, à sua ‘margem’, um excesso, algo a mais [...] toda a identidade tem necessidade daquilo que lhe falta.

1.5.1 Os primeiros carnavais e a “Guerra às Escolas de Samba”

24 Com a ressalva de que esse exterior constitutivo é uma imagem produzida sobre o outro, não o outro real. A escola de samba, no âmbito da “batalha frevo-samba”, é apenas a imagem construída por pernambucanos, representados pela intelectualidade, em um dado momento da história, eficazmente perpetuada. De igual maneira, o raciocínio se aplica ao frevo. Dessa forma, falta à imagem construída para o frevo exatamente o que foi imputado às escolas de samba, quando da produção da sua imagem, e vice-versa.

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As escolas de samba a

modelo do em expansão na capital federal. Silva (2012) indica esse período como o início das

resistências dos intelectuais para com as escolas recifenses. Na opinião de Teles (2008, p. 41)

resistências herdadas de antigas rivalidades entre os carnavais recifense e carioca

Os que combatiam as marchinhas cariocas nem imaginavam a ameaça que estas supostamente irrelevantes ‘turmas’ seriam para o frevo dentro de pouco mais de dez anos. Organizadas asuficiente para desfilar na avenida, e começar a preocupar os defensores do frevo.

O jornal, O Maskarado, foi a referência mais antiga e diretamente relacionada com a

batalha frevo-samba, que encontrei

Publicada em 1949, a preocupação com as escolas de samba aparecem de forma mais

evidente. O Maskarado, uma publicação independente que circulava nas ruas do Recife, pelo

segundo ano consecutivo, traz um texto i

identificada por Real, na década de 1960. A manchete de capa estampava: “Guerra às Escolas

de Samba”. A matéria abaixo transcrita traz categorias norteadoras das representações da

rivalidade entre o frevo e o samba. Nela as escolas de samba são descritas como intrusas,

invasoras, importadas, externas às tradições do carnaval pernambucano, pondo em xeque não

só a tradicionalidade, a autenticidade da festa, mas também a “dignidade do povo

pernambucano”. Elas são um perigo eminente e intencional a ser sanado, com “enérgica

repressão”, “reação vigorosa e imediata”, uma guerra cuja arma seria o “desprezo” à sua

participação. “Perniciosas”, iludem o povo com “objetivos inconfessáveis”, portanto,

moralmente comprometidas, “degradadas”, ruins, atacam ou contaminam

Recife; o frevo, moralmente “bom”, tradicional,

partida isso são coisas que se passam lá no sul do país, até onde não chega a nossa voz e

a partir da década de 1940 crescem em número e força, seguem o

modelo do em expansão na capital federal. Silva (2012) indica esse período como o início das

resistências dos intelectuais para com as escolas recifenses. Na opinião de Teles (2008, p. 41)

de antigas rivalidades entre os carnavais recifense e carioca

Os que combatiam as marchinhas cariocas nem imaginavam a ameaça que estas supostamente irrelevantes ‘turmas’ seriam para o frevo dentro de pouco mais de dez anos. Organizadas a partir de 1940. Na década seguinte já eram em número suficiente para desfilar na avenida, e começar a preocupar os defensores do frevo.

O jornal, O Maskarado, foi a referência mais antiga e diretamente relacionada com a

samba, que encontrei na pesquisa ao Arquivo Público de Pernambuco.

a preocupação com as escolas de samba aparecem de forma mais

evidente. O Maskarado, uma publicação independente que circulava nas ruas do Recife, pelo

segundo ano consecutivo, traz um texto ilustrativo, precursor da “batalha frevo

identificada por Real, na década de 1960. A manchete de capa estampava: “Guerra às Escolas

de Samba”. A matéria abaixo transcrita traz categorias norteadoras das representações da

samba. Nela as escolas de samba são descritas como intrusas,

invasoras, importadas, externas às tradições do carnaval pernambucano, pondo em xeque não

só a tradicionalidade, a autenticidade da festa, mas também a “dignidade do povo

um perigo eminente e intencional a ser sanado, com “enérgica

repressão”, “reação vigorosa e imediata”, uma guerra cuja arma seria o “desprezo” à sua

participação. “Perniciosas”, iludem o povo com “objetivos inconfessáveis”, portanto,

das, “degradadas”, ruins, atacam ou contaminam

o frevo, moralmente “bom”, tradicional, um “patrimônio de Pernambuco”.

Guerra às Escolas de Samba. O povo se aglomera nas ruas durante os três dias de reinado de momo, está na obrigação de reagir contra esses intrusos que pretendem impor ao Carnaval pernambucano, já tão descaracterizado e em tão lamentável decadência, uma modalidade de folguedo que coaduna em absoluto com nossos costumes, por vários motivos que seria ocioso enumerar. São as tais escolas de samba, importadas lá das favelas cariocas, onde a malandragem já se tornou um lugaronde o samba, música tipicamente brasileira sem dúno índice de, vamos dizer, degradação tal que se constituiu um espelho fiel daquela mesma malandragem inegavelmente policiável. Em todo o caso este estado de coisa existia apenas lá para as bandas da capital do país, essas perniciosas ‘Escolas’ só grassavam naquelas paragens, às custas de ‘cavações’ dos facadistas das favelas. Aliás, por si só esse evidente aviltamento de uma música popular brasileira deveria dar lugar a uma enérgica repressão, não dizemos policial, mas pelo menos

partida das próprias camadas mais sadias do nosso povo. Mas, como acentuamos, isso são coisas que se passam lá no sul do país, até onde não chega a nossa voz e

crescem em número e força, seguem o

modelo do em expansão na capital federal. Silva (2012) indica esse período como o início das

resistências dos intelectuais para com as escolas recifenses. Na opinião de Teles (2008, p. 41)

de antigas rivalidades entre os carnavais recifense e carioca:

Os que combatiam as marchinhas cariocas nem imaginavam a ameaça que estas supostamente irrelevantes ‘turmas’ seriam para o frevo dentro de pouco mais de dez

partir de 1940. Na década seguinte já eram em número suficiente para desfilar na avenida, e começar a preocupar os defensores do frevo.

O jornal, O Maskarado, foi a referência mais antiga e diretamente relacionada com a

na pesquisa ao Arquivo Público de Pernambuco.

a preocupação com as escolas de samba aparecem de forma mais

evidente. O Maskarado, uma publicação independente que circulava nas ruas do Recife, pelo

batalha frevo-samba”,

identificada por Real, na década de 1960. A manchete de capa estampava: “Guerra às Escolas

de Samba”. A matéria abaixo transcrita traz categorias norteadoras das representações da

samba. Nela as escolas de samba são descritas como intrusas,

invasoras, importadas, externas às tradições do carnaval pernambucano, pondo em xeque não

só a tradicionalidade, a autenticidade da festa, mas também a “dignidade do povo

um perigo eminente e intencional a ser sanado, com “enérgica

repressão”, “reação vigorosa e imediata”, uma guerra cuja arma seria o “desprezo” à sua

participação. “Perniciosas”, iludem o povo com “objetivos inconfessáveis”, portanto,

das, “degradadas”, ruins, atacam ou contaminam o carnaval do

um “patrimônio de Pernambuco”.

O povo se aglomera nas ruas durante os três dias de reinado de momo, que pretendem impor

já tão descaracterizado e em tão lamentável decadência, uma modalidade de folguedo que não se

, por vários motivos que seria ocioso enumerar. São as tais escolas de samba, importadas lá das favelas cariocas, onde a malandragem já se tornou um lugar-comum, e onde o samba, música tipicamente brasileira sem dúvida alguma, caiu no índice de, vamos dizer, degradação tal que se constituiu um espelho fiel daquela mesma malandragem inegavelmente policiável. Em todo o caso este estado de coisa existia apenas lá para as bandas da capital do

colas’ só grassavam naquelas paragens, às custas de ‘cavações’ dos facadistas das favelas. Aliás, por si só esse evidente aviltamento de uma música popular brasileira deveria dar lugar

, não dizemos policial, mas pelo menos das próprias camadas mais sadias do nosso povo. Mas, como acentuamos,

isso são coisas que se passam lá no sul do país, até onde não chega a nossa voz e

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onde devem de existir vozes outras com o mesmo pensamento e os mesmos propósitos que os nossos. Pois bem, é isso, apenas isso, esse espetáculo de degradação e malandragem organizada que se quer impingir ao povo pernambucano, com perspectivas as mais desastrosas [...] para as nossas festas tradicionais carnavalescas, como também para a própria dignidade do povo pernambucano. São esses dois aspectos da questão que merecem ser refletido por todos: além de concorrer de maneira a mais perniciosa para uma maior descaracterização do carnaval de Pernambuco, essas indecorosas “Escolas de Samba” constituem também uma verdadeira afronta e um verdadeiro perigo às nossas tradições de povo sério e trabalhador como quem mais o seja. Quem diz ‘Escola de Samba’, diz malandragem, diz degeneração de costumes, diz tudo enfim quanto falta, felizmente, ao povo pernambucano. E não se venha afirmar que estamos precisando importar músicas de outras terras para o brilho do nosso carnaval. Temos aí o ‘frevo’, o contagiante ‘frevo’ que os nossos clubes entoam todos os anos pelas ruas do Recife, espalhando pela cidade uma atmosfera de alegria e de contentamento invulgares. A esses Clubes que todos os anos, enfrentando as mais diversas dificuldades e arcando com os maiores sacrifícios, saem às ruas, é que devemos dar o nosso apoio decidido, pois além do mais eles já se constituem, uma verdadeira tradição, um autêntico patrimônio de Pernambuco. Maskarado, que desde o primeiro número se propôs a incentivar por todos os meios o brilhantismo das tradicionais festas de Momo em Pernambuco, não poderia faltar com sua palavra de combate decidido às esdrúxulas ‘Escolas de Samba’ que se organizam no momento pela cidade iludindo a boa fé de muitos e com objetivos inconfessáveis. O nosso carnaval não precisa delas para nada e o nosso povo haverá de repudiá-las com toda a veemência, numa campanha grandiosa em defesa do que é nosso e do que é bom. Mas, o que é preciso é uma reação vigorosa e imediata. Não estamos aqui pregando a violência e a desordem, mas tão somente advertindo a população de Pernambuco contra esses inqualificáveis processos com os quais se pretende descaracterizar o carnaval de Pernambuco. Contra as ‘Escolas de Samba’ estamos na obrigação de erguer o nosso grito de guerra. E guerra significa, no caso, o desprezo total. Incentivemos de todos os modos os clubes carnavalescos do Recife, o ‘Vassorourinhas’, as ‘Pás’, o ‘Batutas de São José’, o ‘Prato Misterioso’, o ‘Pavão Dourado’ e tantos outros que existem por aí, lutando há muitos anos com os mais terríveis empecilhos e contribuindo de maneira decisiva para o brilho do carnaval. E repudiaremos, com toda a força energia, esses ‘cavadores’ intrusos que se reúnem com o rótulo de ‘Escolas de Samba’. (O Maskarado, Guerra às Escolas de Samba, 1949.) (grifos meus). Figura 01: O Maskarado, 1949. Fonte: Arquivo Público de Pernambuco.

A reivindicação exposta no Jornal O Maskardo, em 1949 por uma “campanha

grandiosa em defesa do que é nosso e do que é bom” não surtiu o efeito esperado, não houve

desprezo pelas escolas; ao contrário, longe de serem “facilmente dispensadas “continuaram a

crescer, como confirmou Real (1990) em 1967. A existência das escolas era importante como

contraponto para os discursos e práticas das agremiações de frevo, para as políticas públicas, e

consolidação, mais tarde, constante afirmação do frevo como emblema do carnaval da cidade,

elemento do repertório da pernambucanidade. Como diz Mary Douglas: “Aquilo que é negado

não é, todavia, removido. O resto da vida, aquilo não se enquadra exatamente nas categorias

aceitas está ainda presente e exige atenção.” (DOUGLAS, 2012, p. 198). A discussão segue

com menos vigor a partir dos anos de 1980, mas, ainda persiste na imprensa e a cada carnaval

reaparece. Ao menos nos últimos quatro anos em que estive envolvido com a pesquisa, não

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faltam matérias a falar do samba, alertar

“desconhecidas”, e, claro, a evocar uma relação conflituosa com o frevo. A exemplo da que

foi feita pelo Diário de Pernambuco em fevereiro de 2013, as vésperas do carnaval.

O samba e o Rio de Janeiro são o “outro” a serviço da diferença. Foram, em

Pernambuco, historicamente elaborados como o contraste útil para a construção de matrizes

argumentativas, representações imagéticas e discursi

estruturantes do modelo de festa carnavalesca recifense. Essa relação ainda

assunto merecedor de reflexões e aprofundamentos

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faltam matérias a falar do samba, alertar recifenses para a existência dessas agremiações

“desconhecidas”, e, claro, a evocar uma relação conflituosa com o frevo. A exemplo da que

foi feita pelo Diário de Pernambuco em fevereiro de 2013, as vésperas do carnaval.

Figura 02: Diário de Pernambuc

2013. Acervo pessoal.

O samba e o Rio de Janeiro são o “outro” a serviço da diferença. Foram, em

Pernambuco, historicamente elaborados como o contraste útil para a construção de matrizes

argumentativas, representações imagéticas e discursivas, forjadas ao longo do século XX,

estruturantes do modelo de festa carnavalesca recifense. Essa relação ainda

sunto merecedor de reflexões e aprofundamentos.

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recifenses para a existência dessas agremiações

“desconhecidas”, e, claro, a evocar uma relação conflituosa com o frevo. A exemplo da que

foi feita pelo Diário de Pernambuco em fevereiro de 2013, as vésperas do carnaval.

Diário de Pernambuco, Fevereiro de

2013. Acervo pessoal.

O samba e o Rio de Janeiro são o “outro” a serviço da diferença. Foram, em

Pernambuco, historicamente elaborados como o contraste útil para a construção de matrizes

vas, forjadas ao longo do século XX,

estruturantes do modelo de festa carnavalesca recifense. Essa relação ainda ressoa e se faz

em Atenas: instituições, experiências e . 2004. 346f. Tese. (Doutorado em Ciências Sociais)

rada e frevo no carnaval do

. Rio de Janeiro: Ed.

Petrópolis: Ed. Vozes,

Um Tempo do Recife. Recife: Ed.

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Page 20: Frevo e Samba: Pureza e Perigo no Carnaval do Recife 1 ... · Frevo e Samba: Pureza e Perigo no ... 8 Nilo Pereira foi Jornalista, ... alguns historiadores como marco para a formulação

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