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Um olhar sobre Frei Luís de Sousa Maria Serafina Roque

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Page 1: Frei Luis Sousa

Um olhar sobre

Frei Luís de Sousa

Maria Serafina Roque

Page 2: Frei Luis Sousa

Tragédia e Drama A Tragédia

“A tragédia é a imitação de uma ação elevada e completa,

dotada de extensão, numa linguagem embelezada por formas

diferentes em cada uma das suas partes, que se serve da ação

e não da narração e que, por meio da compaixão (eleos) e do

temor (phobos), provoca a purificação (katarsis) de tais

paixões.” Poética, Aristóteles, in prefácio de Maria Helena da Rocha Pereira(2008). Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian.

Page 3: Frei Luis Sousa

Tragédia e Drama

“O teatro antigo foi o que nasceu e se desenvolveu

dentro das duas civilizações antigas, a da Grécia e a

de Roma, causa e origem da nossa própria

civilização. Mas este teatro não pertence só ao

passado; a sua história interessa a toda a cultura

ocidental, sobre a qual exerceu uma influência muito

importante e, em certos momentos, determinante.”

Pierre Grimal (2002). O Teatro Antigo. Lisboa: Edições 70

Page 4: Frei Luis Sousa

Tragédia e Drama

Victor Hugo, o grande mestre do

romantismo francês, afirma que o drama

corresponde à valorização do Homem,

fruto das suas próprias paixões. O seu

objetivo era aproximar-se da realidade,

misturando o sublime e o grotesco já que,

no seu entender, a vida real era assim.

Desta forma, a linguagem deveria ser em

prosa, a personagem imaginária e sem a

presença do coro.

O DRAMA ROMÂNTICO

Page 5: Frei Luis Sousa

Tragédia e Drama

“Contento-me para a minha obra com o título modesto de

drama; só peço que a não julguem pelas leis que regem, ou

devem reger, essa composição de forma e índole nova;

porque a minha, se na forma desmerece da categoria, pela

índole há-de ficar pertencendo sempre ao antigo género

trágico.”

Almeida Garrett, Memória ao Conservatório Real de Lisboa (lida em 6 de Maio de 1843)

Page 6: Frei Luis Sousa

Tragédia e Drama

Características da Tragédia Clássica

• “lei das três unidades”(espaço, tempo, ação);

• anankê (destino);

• hybris (desafio ao destino);

• pathos (sofrimento);

• clímax (ponto mais alto da ação);

• anagnórisis (reconhecimento);

• katarsis (purificação);

• coro (personagem coletiva).

Page 7: Frei Luis Sousa

Tragédia e Drama

Frei Luís de Sousa: “tragédia pela índole”

• Anankê: o destino é uma força implacável que se abate sobre

a família, presidindo a todos os acontecimentos.

• Hybris: D. Madalena de Vilhena desafia o destino, quando

casa com Manuel de Sousa Coutinho, sem a confirmação da

morte de D. João de Portugal.

• Pathos: atinge toda a família, com a chegada do Romeiro,

embora perpasse toda a ação, sobretudo em D. Madalena,

que não sente um instante de tranquilidade.

Page 8: Frei Luis Sousa

Tragédia e Drama

• Clímax: chegada do Romeiro.

• Anagnórisis: identificação do Romeiro, no final do

II Ato.

• Katarsis: D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho

entram para a vida religiosa.

Page 9: Frei Luis Sousa

Tragédia e Drama

Frei Luís de Sousa: “tragédia pela índole”

• Não se respeita, na íntegra, a unidade de espaço, apesar de

a ação decorrer no mesmo espaço geográfico (Almada).

• A ação não decorre apenas em 24 horas, característica da

tragédia clássica, mediando oito dias entre o primeiro e o

segundo atos e algumas horas entre o segundo e o terceiro.

• Não existe o Coro da tragédia clássica, mas Telmo Pais tece

comentários que seriam próprios dessa personagem

coletiva.

Page 10: Frei Luis Sousa

Tragédia e Drama

• Texto em prosa.

• Linguagem coloquial:

- frases curtas;

- reticências;

- frases entrecortadas;

- interjeições;

- frases exclamativas.

• Proximidade do real.

Frei Luís de Sousa: drama pela forma

Page 11: Frei Luis Sousa

Estrutura

• Externa: Frei Luís de

Sousa apresenta-se

dividido em 3 atos com

12, 15 e 12 cenas,

respetivamente.

• Interna: exposição,

conflito e desenlace.

Page 12: Frei Luis Sousa

Estrutura

• No primeiro ato, a Exposição desenrola-se nas primeiras 4 cenas:

o leitor/espetador tem acesso ao contexto em que decorrerá a ação

dramática, aos antecedentes da ação e ao passado das personagens.

• No segundo ato, a Exposição decorre nas 3 primeiras cenas: o

que se passou depois de terem saído de casa após o incêndio.

• No terceiro ato, a Exposição corresponde à primeira cena: a

decisão de entrada para o convento como solução para o conflito.

-> Cada ato em Frei Luís de Sousa contém uma exposição.

Page 13: Frei Luis Sousa

Estrutura

• No primeiro ato, o Conflito decorre da quinta à oitava cena: face à

intenção dos governadores de Lisboa se mudarem para Almada,

ocupando a casa de D. Manuel de Sousa Coutinho, este decide

incendiar o palácio para impedir que tal aconteça.

• No segundo ato, o Conflito decorre entre a quarta e a oitava cena: D.

Manuel vai a Lisboa, levando Maria e Telmo e deixando D. Madalena

sozinha com Frei Jorge.

• No terceiro ato o Conflito decorre entre a segunda e a nona cena:

morte social das personagens e preparação para o desenlace.

-> Cada ato em Frei Luís de Sousa contém um conflito.

Page 14: Frei Luis Sousa

Estrutura

• No primeiro ato, o Desenlace decorre da nona à décima

segunda cena: incêndio do palácio.

• No segundo ato, o Desenlace decorre entra a nona e a décima

quinta cena: chegada de um romeiro com notícias

perturbadoras – reconhecimento de D. João de Portugal nessa

figura.

• No terceiro ato, o Desenlace decorre entre a décima e a décima

segunda cena: morte física de Maria e morte social dos seus

pais.

-> Cada ato em Frei Luís de Sousa contém um desenlace.

Page 15: Frei Luis Sousa

Ação

• Constitui-se no drama que se abate sobre a família de

Manuel de Sousa Coutinho casado com D. Madalena de

Vilhena (viúva de D. João de Portugal) de quem tem

uma filha.

• D. Madalena pressente que a sua felicidade e harmonia

familiar podem estar em perigo, sendo disso

prenunciadores os versos d'Os Lusíadas: “Naquele

engano d’alma ledo e cego, /Que a fortuna não deixa

durar muito...”

Page 16: Frei Luis Sousa

Ação

• O incêndio no final do ato I permite uma mudança dos

acontecimentos e, já na antiga casa de D. Madalena e de

D. João de Portugal, a ação atinge o seu Clímax,

proporcionando ao Romeiro a possibilidade de

reconhecer a sua antiga casa e de se identificar a Frei Jorge.

• Os presságios da desgraça iminente sucedem-se e tudo se

conjuga para um desfecho dramático: morte física de

Maria e a morte para o mundo de Manuel e Madalena.

Page 17: Frei Luis Sousa

Personagens

Todas as personagens têm

um relevo significativo.

As relações entre pais, e

pais e filha, entre o aio

(figura tutelar) e os seus

amos e a relação fraterna

com Frei Jorge assumem

um destaque particular.

Page 18: Frei Luis Sousa

Personagens • D. Madalena de Vilhena foi casada com D. João de Portugal e

tinha 17 anos quando este desapareceu na batalha de Alcácer

Quibir, junto com D. Sebastião. Foi procurado intensamente

durante 7 anos.

• Casou-se ao fim desse tempo com D. Manuel de Sousa Coutinho,

com quem vive há catorze anos. É uma mulher bela, de grande

caráter, que pressente que a sua felicidade é efémera, e que está

predestinada à tragédia.

• Teme inconscientemente a vinda de D. João de Portugal, que

nunca foi encontrado morto ou vivo. Fica transtornada quando

se vê confrontada com a necessidade de voltar para o antigo

palácio onde viveu com o seu primeiro marido.

Page 19: Frei Luis Sousa

Personagens

• D. Manuel de Sousa Coutinho é um nobre e honrado

fidalgo, que incendeia a sua própria casa para impedir que

nela se instalem os governadores que querem fugir à peste

que então grassava em Lisboa.

• Racional, equilibrado e sereno é dominado pelos

sentimentos quando se preocupa com a doença da filha. É

um bom pai e um bom marido (será Frei Luís de Sousa

quando entra para o convento).

Page 20: Frei Luis Sousa

Personagens

• Maria de Noronha tem 13 anos, é uma menina bela e

frágil que sofre de tuberculose (incurável na época), que

acredita que D. Sebastião regressará para pôr fim ao

domínio Filipino.

• Revela-se muito curiosa e pressente que pode ser filha

ilegítima. É em Maria que recai o desenlace trágico.

Page 21: Frei Luis Sousa

Personagens

• Telmo Pais é um velho criado, confidente privilegiado, que se

caracteriza pela lealdade, pela fidelidade e pelo grande amor que tem

a Maria, que viu crescer.

• Nunca acreditou na morte do seu antigo amo, D. João de Portugal.

• No fim, acaba por trair um pouco a lealdade de escudeiro para com D.

João pelo amor que o une à filha daquele casal, D. Maria de Noronha.

• Por um lado, representa o papel de coro da tragédia grega, com os

seus agoiros/presságios e com os seus apartes; mas por outro,

representa também o corte com o Portugal velho incarnado pela figura

de D. João de Portugal, abrindo a esperança de um novo Portugal.

Page 22: Frei Luis Sousa

Personagens • O Romeiro apresenta-se, inicialmente, como um peregrino da

Terra Santa, mas é o próprio D. João de Portugal que os vinte

anos de cativeiro transformaram num homem velho que ninguém

reconhece nem mesmo o seu velho escudeiro Telmo.

• Identifica-se como "Ninguém" ao defrontar-se com a

impossibilidade de um lugar na vida de D. Madalena e, por

conseguinte, na sociedade.

• A sua existência constitui a impossibilidade da felicidade daquela

família, tornando inválido o casamento de D. Madalena e

ilegítimo o nascimento de Maria.

Page 23: Frei Luis Sousa

Personagens

• Frei Jorge Coutinho é irmão de Manuel de Sousa, é o confidente e

amigo nas horas de angústia.

• Desempenha um papel importante na identificação do Romeiro,

que à pergunta Romeiro, quem és tu, responderá com um gesto ao

indicar o quadro de D. João de Portugal, sem olhar para ele

(sabendo, portanto, exatamente a localização do quadro,

denunciando, deste modo, a sua verdadeira identidade).

• Aconselha a entrada de D. Madalena e D. Manuel Coutinho na

vida religiosa como solução para o conflito.

Page 24: Frei Luis Sousa

Tempo

• A ação reporta-se ao final do século XVI, embora a descrição

do cenário do Ato I se refira à "elegância" portuguesa dos

princípios do século XVII.

• O texto é, porém, escrito no século XIX, acontecendo a

primeira representação em 1843.

• A ação dramática de Frei Luís de Sousa passa-se 21 anos após

a batalha de Alcácer Quibir, durante o domínio filipino, em

1599:

Page 25: Frei Luis Sousa

Tempo

• "A que se apega esta vossa credulidade de sete... e hoje mais catorze...

vinte e um anos?" Pergunta D. Madalena a Telmo (Ato I, cena II).

• "Vivemos seguros, em paz e felizes... há catorze anos" (Ato I, cena 11).

• "Faz hoje anos que... que casei a primeira vez, faz anos que se perdeu el-

rei D. Sebastião, e faz também que... vi pela primeira vez a Manuel de

Sousa", afirma D. Madalena (Ato II, cena X).

• "Morei lá vinte anos cumpridos" (...) "faz hoje um ano... quando me

libertaram", diz o Romeiro (Ato 11, cena XIV).

Page 26: Frei Luis Sousa

Espaço

• O ato I passa-se numa “câmara antiga com todo o luxo e caprichosa

elegância do século XVII”, no palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em

Almada. Este espaço elegante pretende corresponder à felicidade e

harmonia familiar que aí se vive.

• O ato II acontece “no palácio que fora de D. João de Portugal, em

Almada; salão antigo, de gosto melancólico e pesado, com grandes

retratos de família...” As memórias do passado e soturnidade deste espaço

indiciam fatalidade.

• O ato III passa-se na capela, que se situa na “parte baixa do palácio de D.

João de Portugal”. “É um casarão vasto sem ornato algum.” O espaço

simboliza e caracteriza o mundo da espiritualidade em que os bens

materiais não fazem sentido.

Page 27: Frei Luis Sousa

Atmosfera

• Sebastianismo (crença no regresso do monarca

desaparecido e consequente libertação do domínio

filipino). Telmo Pais alimenta estas crenças, e Maria

mostra-se uma fervorosa partidária. Existe uma

atmosfera de superstição em redor de D. Madalena.

Page 28: Frei Luis Sousa

Simbologia

• A leitura dos versos de Camões refere-se ao trágico fim dos amores de D.

Inês de Castro que, como D. Madalena, também vivia uma felicidade

aparente, quando a desgraça se abateu sobre ela e a sua família.

• O tempo dos principais momentos da ação acontece num dia aziago,

sexta-feira:

– fim da tarde e noite (Ato I), sexta-feira, tarde (Ato II), sexta-feira, alta

noite (Ato III);

– D. Madalena casou-se pela primeira vez a uma sexta-feira; a uma

sexta-feira viu Manuel pela primeira vez;

– à sexta-feira dá-se o regresso de D. João de Portugal; a uma sexta-feira

morreu D. Sebastião, vinte e um anos antes.

Page 29: Frei Luis Sousa

Simbologia

• A numerologia parece ter sido escolhida intencionalmente:

– Madalena casou 7 anos depois de D. João ter

desaparecido na batalha de Alcácer Quibir;

– há 14 anos que vive com Manuel de Sousa Coutinho;

– a desgraça, com o aparecimento do Romeiro, sucede 21

anos depois da batalha

(21 = 3 x 7).

Page 30: Frei Luis Sousa

Simbologia

– O número 7 liga-se ao ciclo lunar e representa o descanso

no fim da criação.

– O número 3 é o número da criação e representa o círculo

perfeito e exprime o percurso da vida: nascimento,

crescimento e morte.

– Na crença popular o 13 indicia azar. Maria vive apenas 13

anos.

Page 31: Frei Luis Sousa

Referências

Almeida Garrett, Memória ao Conservatório Real de

Lisboa (lida em 6 de Maio de 1843).

Poética, Aristóteles, in prefácio de Maria Helena da

Rocha Pereira(2008). Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian.

Pierre Grimal (2002). O Teatro Antigo. Lisboa:

Edições 70.