franklin vieira dos santos - domínio … limitações buscaram conduzir-me pelo caminho da...

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1 MESTRADO PROFISSIONAL EM PODER JUDICIÁRIO FVG DIREITO RIO FRANKLIN VIEIRA DOS SANTOS O MAGISTRADO E O ADOECIMENTO NO TRABALHO: ASPECTOS JURÍDICOS E PSICOLÓGICOS Porto Velho/RO 2009

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  • 1

    MESTRADO PROFISSIONAL EM PODER JUDICIRIOFVG DIREITO RIO

    FRANKLIN VIEIRA DOS SANTOS

    O MAGISTRADO E O ADOECIMENTO NO TRABALHO: ASPECTOS JURDICOS E PSICOLGICOS

    Porto Velho/RO2009

  • 2

    FRANKLIN VIEIRA DOS SANTOS

    O MAGISTRADO E O ADOECIMENTO NO TRABALHO: ASPECTOS JURDICOS E PSICOLGICOS

    Dissertao para cumprimento de requisito obteno de ttulo no Mestrado Profissional em Poder Judicirio da FGV Direito Rio. rea de Concentrao: Poder Judicirio.

    Orientador(a): Dr. Paulo Motta

    Porto Velho/RO2009

  • 3

    SANTOS, Franklin Vieira dos. Orientador: Prof. Dr. Paulo Mota.O magistrado e o adoecimento no trabalho: aspectos jurdicos e psicolgicos. v. 1, 132 pg. Porto Velho, 2009.

  • 4DEDICATRIA

    Dedico o trabalho primeiro a Deus, o Grande Arquiteto do Universo, que fez os homens para

    serem justos e perfeitos.

    Dedico minha me, Francisca, e a meu pai, Francisco (in memorian), que com seus esforos

    e limitaes buscaram conduzir-me pelo caminho da retido.

    Dedico tambm s minhas filhas, Daniele, Juliane e Ana Vitria e a meu rebento, Gabriel,

    cujos surgimentos deram novo significado minha existncia, transformando-me em homem

    mais responsvel e cheio de esperanas, compelindo-me a ajudar na construo de um mundo

    mais justo.

    Dedico, ainda, aos amigos e parentes, dos quais me afastei um pouco por imposio da

    carreira.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    No curso do Mestrado, tenho tanto a agradecer que seria injusto nominar apenas algumas

    pessoas.

    Na confeco desta dissertao, tambm tive grande ajuda, principalmente dos profissionais

    da psicologia, amigos, parentes que me auxiliaram com seus conhecimentos e orientaes,

    permitindo-me avanar numa rea que tenho curto conhecimento, mas que, ao final, me

    trouxe engrandecimento.

  • 6

    EPGRAFE

    JUIZ SE SUICIDA DENTRO DO FRUM DE MEDICILNDIA1

    Um juiz de direito da comarca de Medicilndia, teria cometido suicdio na manh de hoje

    (19). Joo Francisco Domingues da Silva estava na comarca da cidade, que fica a 90

    quilmetros de Altamira h cerca de quatro meses. Antes ele atuou por quase um ano em

    Altamira como juiz agrrio.

    De acordo com testemunhas, o juiz chegou cedo ao prdio, atendeu um advogado e uma

    promotora, teve duas audincias, mas teria se matado logo depois. Ele foi encontrado em seu

    gabinete, com uma perfurao de bala no rosto.

    Nos arredores do Frum de Medicilndia, uma multido se aglomerou. Joo Francisco era

    pacato, de poucas palavras e at agora no se sabe o que pode ter motivado o provvel

    suicdio. Ele era natural do Maranho, para onde o corpo dever ser trasladado, e morava com

    a famlia em Altamira. No momento, o Instituto Mdico legal j encontra na cidade para fazer

    a percia. (Dirio Online)

    Fato ocorrido em 19/11/2009

    1 http://www.diariodopara.com.br:80/noticiafullv2.php?idnot=68704 . Acesso em 20/11/2009.

    http://www.diariodopara.com.br:80/noticiafullv2.php?idnot=68704http://www.diariodopara.com.br:80/noticiafullv2.php?idnot=68704http://www.diariodopara.com.br:80/noticiafullv2.php?idnot=68704

  • 7

    RESUMO: Esta pesquisa o resultado da dissertao de mestrado em Poder Judicirio, ministrado pela Fundao Getlio Vargas. A pesquisa teve como objetivo geral compreender como o sofrimento psquico aparece no exerccio da atividade jurisdicional e as conseqncias advindas destes na vida do juiz, chamando a ateno para a necessidade de acompanhamento profissional, verificando a prevalncia dos sintomas de stress nessa atividade. Os sujeitos, que compuseram a amostra, atravs de suas respostas, foram cinqenta (50) magistrados do Tribunal de Justia do Estado de Rondnia, dos quais, oito (8) possuem entre menos de cinco anos de carreira; doze (12) possuem entre cinco e dez anos de carreira; nove (9) possuem entre dez e quinze anos de carreira; treze (13) possuem quinze e vinte anos de carreira; oito (8) com mais de vinte anos de carreira. Com suporte terico obtido na reviso da literatura, procedeu-se a aplicao dos instrumentos e anlise dos dados obtidos por meio do questionrio submetido populao alvo. Por meio das entrevistas, foi possvel constatar que a estrutura do judicirio atua de forma decisiva para o sofrimento profissional, em virtude da carga excessiva de trabalho e dos tipos de demandas ajuizadas, sendo necessrio um apoio psicolgico aos magistrados.

    Palavras chaves: Sofrimento. Trabalho. Juzes. Atividade jurisdicional. Psicologia.

  • 8

    ABSTRACT: This research is the result of the dissertation of a masters degree in Judicial Power, ministered for the Foundation Getlio Vargas. The research has as general objective to comprehend as the psychic suffering appears in the exercise of the jurisdictional activity and the consequences happened of these in the life of the judge, directing the attention to the necessity of professional accompanying, verifying the prevalence of the symptoms of stress in this activity. The subjects, which constituted the sample, through their responses, were fifty (50) judges of the Court of Justice of the State of Rondnia, of whom eight (8) have between less than five years of career; twelve (12) have between five and ten years of career; nine (9) have between ten and fifteen years of career; thirteen (13) have fifteen and twenty years of career; eight (8) with more than twenty years of career. With theoretical support obtained in the review of the literature, it procedures the application of instruments and analysis of obtained data through the questionnaire submitted to the target population.Through the interviews, it was possible to found that the structure of the judicial acts of decisive form to professional suffering, in view of the excessive burden of work and the types of judged demands, being necessary a psychological base to the magistrates.

    Keywords: Suffering. Work. Judges. Juridictional Activity. Psychology.

  • 9

    SUMRIO

    INTRODUO.............................................................................................................11

    CAPTULO I - O Trabalho..........................................................................................14

    1.1 O Significado do Trabalho para o Homem.......................................................16

    1.2 Trabalho e sofrimento ........................................................................................22

    1.2 Qualidade de vida no trabalho...........................................................................23

    CAPTULO II Aspectos do Poder Judicirio brasileiro.........................................29

    2.1 Garantias Constitucionais dos Juzes................................................................33

    2.2 Caractersticas do Estado de Rondnia.............................................................38

    2.3 Tribunal de Justia de Rondnia.......................................................................39

    2.3 Estrutura organizacional do Poder Judicirio do Estado de Rondnia.........42

    CAPTULO III PROCESSO DE SADE-DOENA E O SOFRIMENTO NO

    TRABALHO..................................................................................................................44

    3.1 Expresses de sofrimento e adoecimento somato-psicolgico ........................47

    CAPTULO IV METODOLOGIA, LEVANTAMENTO E ANLISE DE

    DADOS...........................................................................................................................54

    4.1 Hipteses da pesquisa..........................................................................................54

    4.2 Objetivos...............................................................................................................55

    4.2.1 Geral..................................................................................................................55

    4.2.2 Especficos.........................................................................................................55

    4.3 Pesquisa de campo...............................................................................................55

    4.4 Do local e dos sujeitos..........................................................................................56

    4.5 Da coleta de dados...............................................................................................57

    CAPTULO V DA APRESENTAO DOS RESULTADOS..............................58

    Grafco n. 1.................................................................................................................58

    Grafco n. 2.................................................................................................................60

    Grafco n. 3.................................................................................................................63

    Grafco n. 4.................................................................................................................65

    Grafco n. 5.................................................................................................................67

  • 10Grafco n. 6.................................................................................................................72

    Grafco n. 7.................................................................................................................76

    Grafco n. 8.................................................................................................................79

    Grafco n. 9.................................................................................................................81

    Grafco n. 10...............................................................................................................82

    Grafco n. 11...............................................................................................................85

    Grafco n. 12...............................................................................................................90

    Grafco n. 13...............................................................................................................94

    Grafco n. 14...............................................................................................................95

    Grafco n. 15...............................................................................................................97

    5.1 Dos Magistrados................................................................................................106

    5.2 Um olhas sobre o magistrado...........................................................................111

    CONCLUSO..............................................................................................................119

    REFERNCIAS..........................................................................................................121

    ANEXO.........................................................................................................................127

    QUESTIONRIO........................................................................................................130

  • 11

    INTRODUO

    Antes de adentrar ao mrito do trabalho propriamente dito, importante trazer um pequeno

    histrico deste mestrando.

    Nascido em Porto Velho/RO, onde viveu toda a sua vida. Filho de um Soldado da Borracha

    e de uma dona de casa, teve infncia pobre. Estudou exclusivamente em escolas pblicas,

    inclusive o ensino superior, tendo colado grau na Universidade Federal de Rondnia UNIR.

    Pelos motivos acima, o desafio de ser juiz em Rondnia deste mestrando diferente dos que

    participam do curso, onde a maioria absoluta so cidados de outras partes do Brasil e vieram

    para c em busca de realizao de sonhos. Tinham como principal desafio a adaptao

    cultura, ao clima e de forma geral, vivncia em um Estado to diferente das regies mais

    desenvolvidas.

    Inicialmente, para o subscritor, ser juiz em Rondnia a realizao de um sonho que parecia

    inalcanvel, notadamente na poca em que foi aprovado no concurso. Poucas pessoas

    nascidas no Estado j tinham conseguido a aprovao. O desafio a ser superado, portanto, no

    o da adaptao, mas o de tentar dar uma contribuio para a sociedade local encontrar e

    desenvolver a sua vocao.

    Individualmente, a condio de ser juiz desperta no subscritor o compromisso de bem gerir os

    problemas que lhe so colocados. compreender que, em sua grande maioria, as pessoas que

    buscam a proteo vislumbram o Judicirio como a ltima alternativa. Algumas vezes (na

    verdade, na maioria das vezes), o Judicirio, que uma das funes do Estado, tem que se

    contrapor contra o prprio Estado, que avana no direito dos cidados e este quando busca a

    tutela, j se v em situao de desespero. bem verdade que nem sempre quem faz o pedido

    tem razo, mas, ainda assim, merece uma avaliao profunda do que apresenta.

    Neste ponto, inclusive, demonstra-se a contrariedade em aceitar-se um juiz que julgue

  • 12despindo-se de avaliaes subjetivas. Na verdade, como ser humano que o juiz no pode

    deixar de envolver-se no litgio.

    O texto acima, apesar de identificar um determinado juiz, o reflexo do perfil da maioria dos

    juzes brasileiros.

    Em Rondnia, antes de virar moda e depois ser introduzido na legislao especial, j se

    realizavam operaes de justia para pequenas causas. Quando foi introduzida na

    legislao, os Juizados Especiais, o Tribunal de Justia de Rondnia passou a melhorar as

    operaes j consolidadas, tratando-as como Operao Justia Rpida, levando a toda a

    populao um servio que antes no lhes era fornecido pelo Estado.

    J h algum tempo, o Tribunal de Justia de Rondnia preocupa-se com os jurisdicionados e

    vem desenvolvendo aes em busca de melhoria do servio prestado. Exemplo disso so os

    projetos desenvolvidos com vistas melhoria da qualidade jurisdicional, tais como 5S,

    Certificao ISO, Planejamento estratgico e o convnio firmado com a Fundao Getlio

    Vargas para aperfeioamento dos magistrados e tcnicos deste Poder Judicirio.

    Pensando nesse aprimoramento, elaborou-se este estudo com o fito de identificar o sofrimento

    psquico no exerccio da atividade jurisdicional e as conseqncias deste para a atividade do

    magistrado e sua vida pessoal, chamando a ateno para a necessidade de uma poltica de

    acompanhamento psicolgico para os magistrados.

    Para tanto, dividiu-se o trabalho em cinco captulos.

    No primeiro, estabelecem-se as definies do termo trabalho, seu sentido e significado para o

    homem, enquanto atividade produtiva que pode causar tanto prazer como sofrimento fsico e

    mental. Apresenta-se pesquisa sobre o que trabalho e, em seguida, pretendo apresentar

    apontamentos a respeito do processo de adoecimento no trabalho.

    O segundo captulo traz aspectos do Judicirio, enquanto instituio pblica, estruturada

    como um trs poderes da Repblica, culminando em aspectos do Poder Judicirio do Estado

    de Rondnia.

    O terceiro captulo aborda o processo de sade-doena e sofrimento no trabalho. Pautando-se

  • 13nas teorias de Dejours, que muito bem evidencia os aspectos do sofrimento, em relao s

    organizaes do trabalho.

    O quarto captulo retrata a metodologia adotada para a realizao da pesquisa.

    O derradeiro captulo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada e busca analisar as

    respostas apresentadas contextualizando a realidade dos magistrados.

  • 14

    CAPTULO I

    1. O TRABALHO

    O vocbulo trabalho tem origem da palavra tripalium, termo latim que designava instrumento

    de tortura. Buscando definies para o termo, pode-se citar Albornoz2 que conceitua tripalium

    como instrumento feito de trs paus aguados, algumas vezes ainda munidos de pontas de

    ferro, nas quais agricultores bateriam o trigo, as espigas de milho, o linho, para rasg-los e

    esfiap-los. Com este significado, no de estranhar a associao da expresso trabalho a

    tormento, agonia, sofrimento.

    O que chamamos de trabalho tem significado mais recente, advindo aps o perodo que ficou

    conhecido como revoluo industrial. Em outras pocas, ele teve significado e importncia

    diversas. Os historiadores afirmam que os gregos antigos nutriam forte menosprezo em face

    do trabalho manual, tarefa rotineiramente destinada aos escravos, ficando aos cidados a

    tarefa intelectual.

    A noo de trabalho nos tempos modernos ganhou outro significado. O trabalho, para o

    homem contemporneo, a forma como ele se constitui como sujeito pensante, como define

    sua carreira profissional.

    A respeito do significado do vocbulo trabalho, o stio Wikipdia3 diz:

    Estes significados esto relacionados a uma ocupao que necessitada de atividade fsica e intelectual. O trabalho origina uma sensao de completude ao homem, pelo fato de ocupar um grande espao em sua vida.

    Nesta noo de trabalho, a definio do vocbulo est associada tanto a uma atividade fsica

    quanto mental. Estas so interligadas e do ao homem uma sensao de completude por ser

    uma atividade que preenche grande parte do tempo do homem, tirando-o do cio.

    Mori4 entende trabalho de uma forma mais ampla, incluindo tambm o aspecto fsico do

    2 ALBORNOZ, S. O que trabalho? So Paulo: Ed. Brasiliense, 1994, p. 26.3 Disponvel em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Trabalho#Tipos_de_Trabalho>. Acesso em: 23 mai 2009.4 MORI, Marcos Massanobu. Aposentadoria e Trabalho: investigao sobre a (re)insero do idoso no mercado de trabalho. So Paulo: M. Mori, 2006. p.9.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Trabalho#Tipos_de_Trabalho

  • 15ambiente em que desenvolvido.

    Tudo o que a pessoa faz para manter-se e desenvolver-se e para manter e desenvolver a sociedade, dentro dos limites estabelecidos por esta sociedade. E o conceito de condies de trabalho inclui tudo que influencia o prprio trabalho, como ambiente, tarefa, posto, meios de produo, organizao do trabalho, as relaes entre produo e salrio.

    Para Cordi5, o trabalho a ao transformadora (material ou intelectual) do homem, realizada

    na natureza e na sociedade em que vive.

    Desta feita, pode-se dizer que o trabalho uma atividade executada pelo ser humano com

    objetivos de manter e de preservar a vida; atividade focada na execuo de projetos que

    mudam o ambiente onde o homem vive e que produz algo de valor para as pessoas.

    Segundo Dejours6, o trabalho a atividade coordenada desenvolvida por homens e mulheres

    para enfrentar aquilo que, em uma tarefa utilitria, no pode ser obtido pela execuo estrita

    de organizao prescrita.

    Pela natureza de investigador, o homem est sempre procurando uma definio e uma

    significao para o trabalho. Sendo fato que h no trabalho muito de realizao pessoal.

    Na viso de Wood7, o trabalho representa um valor importante, exerce uma influncia

    considervel sobre a motivao dos trabalhadores e tambm sobre sua satisfao e

    produtividade.

    Por outro lado, Aranha8 preceitua:

    O trabalho estabelece a relao dialtica entre a teoria e a prtica, pela qual uma no pode existir sem a outra: o projeto orienta a ao e esta altera o projeto, que de novo altera a ao, fazendo com que haja mudanas dos procedimentos empregados, o que gera o processo histrico [...] O trabalho se realiza como uma atividade coletiva, e alm de transformar a natureza, humanizando-a, alm de proceder unio dos homens, o trabalho transforma o prprio homem. O homem se autoproduz; desenvolve suas

    5 CORDI, C. et al. Para Filosofar. 3. ed. So Paulo: Scipione Ltda., 1997, p. 149.6 DEJOURS, Chistophe. Uma nova viso do sofrimento humano nas organizaes. In:CHANLAT, Jean Franois (Org.). v.1. So Paulo: Atlas,1997, p. 43.7 WOOD JR. Thomaz. Gesto Empresarial: o Fato Humano. So Paulo: Ed. Atlas, 2006, p. 14.8 ARANHA, M. L. de A. Trabalhar para que? In:Kupstas, M. (Org.) Trabalho em debate, 1995, p. 19.

  • 16habilidades e imaginao. Aprende a conhecer as foras da natureza e a desafi-las; conhece as prprias foras e limitaes; relaciona-se com os companheiros e vive os afetos de toda relao; impe-se uma disciplina. O homem no permanece o mesmo, pois o trabalho altera a viso que ele tem do mundo e de si mesmo.

    Do exposto, pode-se perceber que o homem tem buscado criar instrumentos que possam

    facilitar sua relao com o trabalho. Estes instrumentos serviram de ferramentas para

    transformar a matria-prima em produto final. No passado, o homem trabalhava para produzir

    apenas para seu consumo, sejam roupas, alimentos e moradia. Ao serem constitudas as

    primeiras sociedades, o trabalho era recompensado por meio das trocas de mercadorias,

    denominadas de escambo, passando o trabalho a constituir-se em tarefa incentivada e, at

    mesmo, compelida pela sociedade.

    Com a evoluo social, o trabalho comeou a ser remunerado economicamente e a se d

    origem ao emprego: a venda da fora de trabalho por um valor estipulado.

    Na viso de Wood9, emprego trata-se da ocupao de uma pessoa, correspondendo ao

    conjunto de atividades remuneradas em um sistema organizado economicamente.

    1.1 O Significado do Trabalho para o Homem

    O trabalho tem servido de meio de sobrevivncia desde o incio do mundo, a princpio apenas

    para a manuteno da prpria sobrevivncia. Depois, por exigncia do meio social e at

    mesmo por questes que extrapolam a mera sobrevivncia, como o caso de ser aceito no

    meio social em que vive, o homem viu-se compelido a produzir algo atravs de sua fora ou

    inteligncia.

    O nascimento da sociedade de consumo fez com que tudo gire em torno de um eixo e o

    trabalho passou a centralizar a vida das pessoas na sociedade, construindo sua identidade e

    delineando seus valores.

    9 WOOD JR., Thomaz. Gesto Empresarial: o fato humano. So Paulo. Ed. Atlas, p. 21.

  • 17O mundo moderno v o trabalho como um esforo coletivo e planejado, onde empresas

    necessitam de mo de obra qualificada. Portanto, a concepo de trabalho deu saltos, deixou

    de ser mero sacrifcio e passou a ser associada a uma remunerao, indispensvel

    sobrevivncia humana, ocasionando, por vezes, a submisso do homem ao capital.

    Na viso de Marx10:

    Antes de tudo, o trabalho um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua prpria ao impulsiona, regula e controla seu intercmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas foras. Pe em movimento as foras naturais de seu corpo, braos e pernas, cabea e mos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma til vida humana.

    Tambm importante ressaltar que, na relao do homem com o trabalho, existe a interao

    com a natureza, uma vez que muito se retira da natureza para o sustento. Para tanto, na

    maioria das vezes, o homem transforma o meio para melhor satisfazer suas necessidades.

    Albornoz11 informa que no primeiro momento da economia havia simplicidade e no

    acumulao de riquezas, o trabalho humano era somente uma atividade que complementa a

    ao da natureza. Com o surgimento da agricultura, houve expanso dos territrios e

    surgimento do plantio e da propriedade. O produto excedente passou a ser trocado. Comeou

    a surgir as classes sociais e com a expanso capitalista gerou a Revoluo Industrial.

    A realizao do trabalho, ento, uma atitude consciente.

    Marx12 afirma que:

    O que distingue o pior arquiteto da melhor abelha que ele figura na mente sua construo antes de transform-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que j existia antes idealmente na imaginao do trabalhador.

    O significado do trabalho para homem est relacionado ao contexto histrico e social,

    10 MARX, K. O processo do trabalho e processo de produzir mais valia. In: O Capital: Crtica da economia poltica.v.1. 10. ed. So Paulo: Difel, 1985, p. 202.11 ALBORNOZ, S. O que trabalho? So Paulo: Ed. Brasiliense, 1994, p. 30.12 MARX, K. O processo do trabalho e processo de produzir mais valia. In: O Capital: Crtica da economia poltica.v.1. 10. ed. So Paulo: Difel, 1985.

  • 18considerando a evoluo histrica do trabalho e sua importncia para a sociedade, como, por

    exemplo, nas sociedades antigas, onde apenas as pessoas de classe inferior realizavam as

    tarefas manuais, ou seja, o trabalho, notadamente o manual, ficava reservado aos escravos.

    Aps a revoluo industrial, o trabalho ganhou novos elementos. Por meio do trabalho, o

    homem, inserido no contexto capitalista, tem uma vida socializada.

    Langer13 (s.d) escreve que O trabalho a roda que gira a economia e a sociedade. Uma vez

    que o trabalho colocado no centro da sociedade, essa passa a se identificar como sociedade

    do trabalho e na qual este o seu fundamento.

    O avano tecnolgico acarretou a automao do trabalho, e, com isso, um menor esforo

    fsico do homem moderno, possibilitando-o encontrar junto ao trabalho um sentido da vida.

    Depreende-se assim que, com o trabalho, o homem se faz homem, havendo uma dupla

    transformao dele com a natureza, conforme leciona Codo14 quando afirma que o trabalho

    o ato de transmitir significado natureza. H nesse processo uma interao do homem com a

    natureza e dessa com o homem, ele produz conhecimento e aprimora-se deste. um processo

    dialtico:

    Com o trabalho surge a oportunidade do ser humano atuar em contraposio natureza. O homem faz parte da natureza, mas com o trabalho, ele vai alm. Para Hegel, o trabalho o conceito chave para compreenso da superao da dialtica, atribuindo o verbo suspender (com trs significados): negao de uma determinada realidade, conservao de algo essencial dessa realidade e elevao a um nvel superior. Mas Marx criticou Hegel, pois Hegel no viveu nessa realidade, apenas em sala de aula e bibliotecas, no enxergando problemas como a alienao nesse trabalho15 (Wikipdia, s/d).

    Entretanto, h uma contradio: ao mesmo tempo em que o homem domina o trabalho, por

    ele dominado, portanto:

    O modo de produo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, poltica e intelectual em geral. No a conscincia dos homens

    13 Disponvel em: http://vinculando.org/brasil/conceito_trabalho/conceito_de_trabalho.html. Acesso em: 15 mai. 2009.14 CODO, Wanderley, SAMPAIO, Jos Jackson Coelho e HITOMI, Alberto Haruyoshi. Indivduo, trabalho e sofrimento. Petrpolis: Vozes, 1998, p. 25.15 Disponvel em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Dial%C3%A9tica>. Acesso em: 12 mai 2009.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Dial?ticahttp://vinculando.org/brasil/conceito_trabalho/conceito_de_trabalho.html

  • 19que determina o seu ser; o seu ser social que, inversamente, determina a sua conscincia. 16

    A anlise de uma sociedade deve ser feita em consonncia com a relao que esta tem com os

    meios de produo e as foras produtivas, bem como as relaes econmicas, histricas,

    polticas e ideolgicas. Na viso de Marx17, para se compreender as relaes de produo,

    necessrio entender a forma como o homem interage socialmente, ou seja, como o meio

    estabelece e determina suas relaes econmicas.

    Assim, historicamente, muda no o que o homem produz, mas sim as relaes estabelecidas

    pelo meio de produo, posto dependerem da poca e do tipo de sociedade em que est

    inserido. O que distingue as diferentes pocas econmicas no o que se faz, mas como, ou

    seja, com que meios de trabalho se faz.18

    A compreenso do trabalho no deve estar dissociada do envolvimento com o homem,

    enquanto sujeito e sujeitado, tampouco das questes sociais causadas pelo avano tecnolgico

    dos meios de produo e consumo.

    Nesse sentido, afirma Antunes19, o processo de trabalho se converte em meio de

    subsistncia. O salrio assume o ponto final do trabalho, a resposta do esforo concreto do

    homem.

    Marx20 aduz:

    A necessidade do dinheiro constitui, assim, a verdadeira necessidade criada pelo moderno sistema econmico, e a nica necessidade que ele produz. A quantidade do dinheiro torna-se progressivamente a sua nica propriedade importante [...] O excesso e a no moderao torna-se a sua verdadeira medida. o que se manifesta no plano subjetivo, em parte porque a expanso dos produtos e das necessidades se transforma em subservincia engenhosa e sempre baseada nos apetites inumanos, corrompidos,

    16 MARX, K. Prefcio. In: Contribuio crtica da economia poltica. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 24.17 Idem.18 MARX, K. O processo do trabalho e processo de produzir mais valia. In: O Capital: Crtica da economia poltica.v.1. 10. ed. So Paulo: Difel, 1985, p. 204.19 ANTUNES, R. As formas da violncia no trabalho e seus significados. In: SILVA, J., LIMA, R. e OSSO, S. (Orgs). Violncia e trabalho no Brasil. Goinia: Ed. UFG, 2005, 69.20 MARX, K. Necessidade , produo e diviso do trabalho. [Terceiro Manuscrito]. In: Manuscritos econmico-filosficos. So Paulo:Martin Cloret, 2003, p. 149.

  • 20antinaturais e fantasiosos.

    As transformaes do trabalho foram muitas, da produo artesanal at a era globalizada. O

    uso da tecnologia manteve o homem ligado ao, e no, trabalho vinte e quatro horas, em nome

    da produtividade e expanso do mercado. Por necessidade, o homem do atual faz do trabalho

    uma extenso da sua casa. As melhorias ocorridas no trabalho esto presentes no tipo de

    trabalho oferecido pelo trabalhador e pela empresa.

    Neste sentido, escreve Drucker21:

    Nos ltimos dois sculos, os servios afastaram-se da casa do trabalhador e das pessoas que trabalhavam sozinhas, passando a concentrar-se em uma sociedade de empregados que trabalham em organizaes. Ao mesmo tempo, o centro de gravidade da fora trabalhadora est transferindo-se do trabalhador braal para o intelectual. Uma parcela cada vez maior da fora de trabalho de todos os pases desenvolvidos no trabalha mais com as mos, mas com idias, abstraes e teorias. Ela no produz mais objetos fsicos e sim saber e informaes. Meio sculo atrs, esse servio intelectual era executado por um punhado de profissionais independentes, que trabalhavam sozinhos ou em grupos muito reduzidos. O grosso da fora trabalhadora era constitudo por trabalhadores braais.

    Com a mudana do trabalho, conseqentemente do emprego e do trabalhador, ocorreram

    mudanas tambm na forma como o trabalhador encara o trabalho. Antigamente, era somente

    uma forma de manuteno da vida. Atualmente, essa viso mudou. Alm da manuteno da

    vida, hoje significa uma realizao pessoal.

    As transformaes nos processos produtivos evidenciam que a sociedade contempornea

    segue a lgica do capital, isto , as alternativas que vm surgindo para superao da crise no

    mundo do trabalho sempre se apresentam vinculadas tica de mercado, produo.

    Etulain22 (s.d.) fala sobre a mudana ocorrida tambm no mercado de trabalho,

    Houve uma diversificao crescente nas formas de emprego e nos tipos de trabalho. A urbanizao, as modificaes nos modos de vida, as inovaes

    21 DRUCKER, P. Introduo Administrao. So Paulo: Pioneira Thomson Learning,1998, p. 198.22 ETULAIN, C. R.. Trabalho: Mal com ele, pior sem ele. Disponvel em:. Acesso em: 23 ma. 2009.

  • 21tcnicas alteraram essa unidade da realidade do emprego tal como era concebida tradicionalmente. A flexibilizao do emprego promovida pelas empresas trouxe mudanas fsicas (quanto ao local onde se executa a atividade), jurdicas (quanto forma do contrato de trabalho) e tambm polticas (quanto criao de medidas que atendem os trabalhadores que perderam o emprego, oferecendo treinamento e formao adequada e propiciando, na medida do possvel, a insero no mercado).

    Portanto, com a converso do trabalho em meio de subsistncia, o salrio assume o lugar

    central, e deixa de ser uma conseqncia. O dinheiro torna-se o centro de ateno na vida do

    homem, considerando que o salrio propicia o consumo. um ciclo vicioso, pois a produo

    se sustenta pelo consumo e este pela produo. Garantir o equilbrio desses movimentos a

    tarefa do sistema capitalista, como muito bem pontua:

    Se por um lado o modo de produo da existncia define-se pela relao entre meios de produo e fora de trabalho (e estas relaes so profundamente contraditrias), por outro lado o sistema se mantm na relao produo consumo. Ou seja, o equilbrio entre as duas unidades meios de produo e fora de trabalho garante o sistema de produo, e o equilbrio entre produo e consumo garante no s a existncia humana como a preservao do sistema.23

    Assim, o homem produz e consome bens. A busca constante pelo consumo, em decorrncia

    do trabalho, causa maior importncia ao produto do que ao produtor.

    A importncia do trabalho j chegou a servir de inspirao para artistas. O msico

    Gonzaguinha24, j falecido, comps e gravou uma msica na qual afirmava que [...] sem o seu

    trabalho o homem no tem honra [...].

    Da leitura desses versos, percebe-se a dimenso do trabalho na vida do homem, a ponto do

    poeta relacionar o trabalho com a honradez. Assim, o artista conseguiu ver o valor mgico do

    trabalho: da produo ao consumo; da fatiga ao prazer da realizao final. Essa deve ser a

    completude dada pelo trabalho ao homem, ele tem o poder de trazer uma gratificao que vai

    alm do simples ato de conseguir efetuar uma tarefa e receber a contrapartida, que o

    salrio.

    23 CATAPAN, A. H.; THOM, C. Trabalho & Consumo:para alm dos parmetros curriculares. Florianpolis: Insular, p. 1999, p. 77.24 GONZAGUINHA. Um homem tambm chora: guerreiro menino. LP Al Al Brasil. 1983.

  • 22Essa dimenso mgica decorrente da transio dos modelos de capital industrial para

    acumulao flexvel de capital, oriundas da crise entre os modelos fordismo-keynnessiano:

    [a acumulao flexvel do capital] marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo (...) se apia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padres de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produo inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de servios financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovao comercial, tecnolgica e organizacional. A acumulao flexvel envolve rpidas mudanas dos padres do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regies geogrficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado setor de servios, bem como conjuntos industriais completamente novos (...) 25.

    Essa flexibilizao est ligada as formas de produo. Desse modo, as relaes sociais

    tambm passam por este enfoque, considerando que sustentam e reproduzem as relaes de

    produo, possuem ligao intrnseca. Nota-se aqui outra relao surgindo, desta vez, a

    objetividade da organizao condicionada subjetividade do homem.

    Para melhor entendimento, destaca-se temas relativos motivao, liderana, trabalho em

    equipe, gesto de pessoas e cultura organizacional, dentre outros. Para ressaltar que o uso de

    uma destas abordagens diz como a organizao est direcionando sua estratgia, dentro do

    mercado, para vencer a competitividade.

    1. 2 Trabalho e Sofrimento

    As constantes transformaes da sociedade trazem reflexos para o campo profissional. O

    mundo globalizado acentuou a relao de consumo e a competio. As organizaes, para se

    manter no mercado consumidor, lanam mo da tecnologia e da administrao. Para que seja

    mantido o aumento da produo, muitos gestores utilizam tcnicas de gesto de pessoas. Esse

    ciclo visto como a ameaa da demisso, caso caia a produo. H a crena de que possvel

    superar sempre. O trabalhador passa a ser chamado de colaborador, mas a mudana de

    25 HARVEY, D. A condio ps-moderna. 9. ed. So Paulo: Loyola, 2000, p.140.

  • 23nomenclatura no altera a relao dentro da organizao. H sempre o fantasma da demisso.

    Dentro desta presso, improvvel no se ter uma vida profissional patognica.

    Trabalhar sobre presso causa sofrimento psquico. O mal passa a ser visto como algo

    necessrio, mais que necessrio, como algo que deve fazer parte do cenrio organizacional.26

    Este mal, causa de sofrimento psquico e emocional. A vida normal est atrelada ao binmio

    sofrimento e prazer. Dejour27 afirma que equilbrio se conquista mediante uma luta feroz

    entre as exigncias do trabalho e a ameaa de desestabilizao psquica e somtica.

    O trabalho constitui-se como espao de dominao e submisso do trabalhador pelo capital, mas, igualmente, de resistncia, constituio e do fazer histrico dos trabalhadores num processo lento, contraditrio e desigual. Assim, dominao, submisso e resistncia comportam uma conjuno de foras, na qual o conflito o elemento central. Falar em conflito falar em embate, portanto, em sofrimento. A expresso lento, contraditrio e desigual remete imagem de uma falta que abre possibilidade para a instaurao de uma diferena que se arrasta por uma temporalidade igualmente faltosa.28

    1.3 Qualidade de Vida no Trabalho

    A sociedade atual tem se preocupado com a qualidade de vida no ambiente de trabalho e com

    a eficcia do labor. Fala-se muito em produo e motivao. Esta questo levou as

    organizaes a destacarem alguns aspectos importantes, tais como o bem-estar do trabalhador

    e a participao destes nos problemas gerados pelo trabalho, bem como nas decises da

    organizao.

    A relao do homem com o trabalho deve ser vista no s como meio de subsistncia, mas

    tambm como meio de realizao pessoal, onde o homem pode exercitar sua capacidade de

    poder de criao.

    26 LANCMAN, Selma; UCHIDA, Seiji. Trabalho e subjetividade: o olhar da psicodinmica do trabalho. Caderno de psicologia social do trabalho. Disponvel em: . Acesso em: 20 mai. 2009.27 DEJOURS, C. Conferncias brasileiras. So Paulo: Fundap e Eaesp-FGV, 1999b, p. 19.28 BRANT, Luiz Carlos; Elizabeth, Costa Dias. Trabalho e sofrimento em gestores de uma empresa pblica em reestruturao. Cadernos de Sade Pblica. Rio de Janeiro, 20(4):942-949, jul-ago, 2004.

    http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/cpst/v6/v6a06.pdfhttp://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/cpst/v6/v6a06.pdf

  • 24Neste sentido, Rodrigues29 afirma que os empregados que possuem uma vida familiar

    insatisfatria tem o trabalho como o nico ou maior meio para obter a satisfao de muitas de

    suas necessidades, principalmente, as sociais.

    Desta feita, o trabalho tem uma grande participao na vida do homem. Pautado nesta

    participao, criou-se o movimento de qualidade de vida no trabalho, o qual data de 1950,

    conforme preleciona Moretti30:

    A origem do movimento de qualidade de vida no trabalho remontou em 1950, com o surgimento da abordagem scio-tcnica. Somente na dcada de 60, tomaram impulsos, iniciativas de cientistas sociais, lderes sindicais, empresrios e governantes, na busca de melhores formas de organizar o trabalho a fim de minimizar s efeitos negativos do emprego na sade e bem estar geral dos trabalhadores. Entretanto, a expresso qualidade de vida no trabalho s foi introduzida, publicamente, no incio da dcada de 70, pelo professor Louis Davis (UCLA, Los Angeles), ampliando o seu trabalho sobre o projeto de delineamento de cargos.

    Verifica-se que este movimento cresceu com a ajuda da qualidade total, uma poltica de

    incorporao de novas tecnologias e nova forma de pensar a empresa. A partir da implantao

    dessa poltica, ou melhor, desse movimento, que, num primeiro momento, estava associado s

    conformidades de especificaes. Num momento posterior, ganhou ares de satisfao dos

    clientes internos e externos da organizao. A ampliao desse conceito trouxe a criao da

    qualidade de vida no trabalho, mesmo porque passou a ter preocupao apenas com questes

    atinentes organizao e melhoria na forma de efetuar as tarefas, para depois centrar-se

    naquele que as efetuava.

    Paralelamente a esta evoluo, foram surgindo outras necessidades do mercado perante as

    organizaes. As constantes alteraes resultaram na competitividade cada vez maior no

    ambiente de trabalho: a empresa precisava ser a melhor e o trabalhador tambm. Este

    desempenho esperado tanto no mbito particular quanto pblico, ou seja, abrange a esfera

    do setor pblico e do setor privado.

    Como dito, h influncia da qualidade total no desenvolvimento da qualidade de vida no trabalho,

    29 RODRIGUES, Marcus V. C. Qualidade de Vida no Trabalho: evoluo e anlise no nvel gerencial. Petrpolis: Editora Vozes, 1994, p. 93.30 MORETTI,Silvinha. Qualidade de vida no trabalho x auto-realizao humana. Disponvel em: Acesso em: 20 mai. 2009.

    http://www.icpg.com.br/artigos/rev03-12.pdf

  • 25considerando que algumas das prticas preconizadas no programa de qualidade da realizao do

    trabalho, servem como parmetro para a melhoria das condies do trabalho.

    Ocorreu que, com a globalizao das relaes econmicas, houve um aumento da

    competitividade, cujos reflexos se fizeram sentir na esfera pessoal da vida do profissional. Isto

    porque, no ps-globalizao, o perfil humano teve que ser traado com base nos padres do

    mundo globalizado, mas as motivaes no seguiram esse mesmo padro, conforme assevera

    Morreti31:

    Respeitar o trabalhador como ser humano significa contribuir para a construo de um mundo mais humano e para um desenvolvimento sustentvel. Investimento em qualidade de vida significa investimento no progresso da sociedade e da economia global.

    A questo por trazida da QVT32 est ligada subjetividade dos colaboradores, que, na verdade,

    deixada de lado pela organizao quando este passa pela porta da entrada. O colaborador

    no mais uma pessoa individualizada, apenas mais um a juntar a sua fora de trabalho para

    consecuo do objetivo final, qual seja a produo.

    Estamos observando, nos ltimos anos, empresas nacionais passarem por uma revoluo na produtividade. Segundo pesquisas apresentadas recentemente em revistas e jornais, o Brasil foi o segundo pas em um ranking de aumento de produtividade na dcada de 1990. Essa revoluo transformou a vida das pessoas nos grandes centros urbanos, estabelecendo um ritmo de vida considerado alucinante, com excesso de horas de trabalho e uma presso excessiva para serem cada vez mais produtivas. O lado profissional passou, portanto, a ser a face predominante do ser humano, que se sentiu forado a ser um super profissional e, para tanto, no poupa esforos em jornadas de trabalho acima de 12 horas dirias.33

    Portanto, v-se claramente que a subjetividade dos colaboradores est ligada produo, pelo

    menos para a organizao, que reconhece sua importncia pelo avesso, uma vez que h a

    necessidade de cumprir as metas de produo. a quantidade em detrimento da qualidade.

    31 MORETTI,Silvinha. Qualidade de vida no trabalho x auto-realizao humana. Disponvel em: Acesso em: 20 mai. 2009.32 Qualidade de vida no trabalho.33 CONTE, Antnio Lzaro. Qualidade de vida no trabalho: Funcionrio com qualidade de vida no trabalho so mais felizes e trabalham mais. Revista Fae Business.n.7, nov/2003. Disponvel em: . Acesso em: 20 mai. 2009.

    http://www.fae.edu/publicacoes/pdf/revista_fae_business/n7/rev_fae_business_07_2003_gestao_10.pdfhttp://www.icpg.com.br/artigos/rev03-12.pdf

  • 26Conte34 afirma que a importncia reside no fato de que passamos em ambiente de trabalho mais de 8 horas por dia, durante pelo menos 35 anos de nossas vidas. Pautado nessa premissa, buscou-se medir e melhorar a satisfao dos profissionais das organizaes. O ambiente e a posio ocupada pelo funcionrio so fatores intervenientes na qualidade de vida e na organizao do trabalho.

    A dinmica do mundo globalizado tem fragilizado o homem moderno. As necessidades

    humanas, elencadas por Maslow (1954) e Herzberg (1968), tomam hoje outras dimenses,

    apesar de serem as mesmas necessidades e os mesmos fatores motivacionais, conforme

    ilustrao abaixo:

    Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Hierarquia_das_necessidades_de_Maslow.svg

    Quando Maslow enumerou as necessidades, pretendia tratar da auto-realizao, assim foi que

    traou uma escala onde se afere a motivao. A base da pirmide tem as necessidades

    fisiolgicas e no topo a realizao pessoal:

    1. Necessidades Fisiolgicas: representam as necessidades instintivas de sobrevivncia tais como a alimentao, o descanso, a proteo

    34 CONTE, Antnio Lzaro. Qualidade de vida no trabalho: Funcionrio com qualidade de vida no trabalho so mais felizes e trabalham mais. Revista Fae Business.n.7, nov/2003. Disponvel em: . Acesso em: 20 mai. 2009.

    http://www.fae.edu/publicacoes/pdf/revista_fae_business/n7/rev_fae_business_07_2003_gestao_10.pdf

  • 27contra elementos naturais, etc.

    2. Necessidades de Segurana: surgem quando esto satisfeitas as necessidades fisiolgicas e representam as necessidades de estabilidade e segurana no emprego e de proteo contra privaes, perigos e ameaas.

    3. Necessidades Sociais: Incluem as necessidades de participao, de dar e receber afeto, amizade e amor. Surgem aps a satisfao das necessidades primrias e a sua no satisfao pode levar falta de adaptao social e auto-excluso.

    4. Necessidades de Auto-estima: correspondem s necessidades de respeito prprios (autoconfiana, aprovao e considerao social, prestgio profissional, dependncia e autonomia). A no satisfao destas necessidades pode conduzir a sentimentos de inferioridade e ao desnimo.

    5. Necessidades de Auto-realizao: surgem aps a satisfao de todas as restantes necessidades, representando as necessidades humanas mais elevadas tais como a necessidade de conseguir o desenvolvimento pessoal atravs da utilizao de todas as suas capacidades e potencialidades. 35

    O corpo terico preconizado por Maslow trazia as necessidades do homem, em relao aos

    seus anseios pessoais e profissionais. Atrelando as necessidades ao prprio funcionamento do

    ser humano, enquanto sujeito de direito e deveres e no asujeitado.

    A qualidade de vida no trabalho um tema muito abrangente. Sua definio est vinculada na

    viso integral do ser sob o enfoque biopsicossocial, considerando as posies do homem

    dentro das organizaes e as necessidades que este tem para serem satisfeitas.

    35 Disponvel em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Hierarquia_das_necessidades_de_Maslow.svg>. Acesso em: 20 mai. 2009.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Hierarquia_das_necessidades_de_Maslow.svg

  • 28

    O enfoque biopsicossocial do homem origina-se na medicina, cuja proposta de vida integrada

    ao ser humano, consoante demonstrado na figura acima, onde os fatores motivacionais esto

    ligados satisfao com o ambiente de trabalho. Estes aspectos condicionam a qualidade de

    vida ao trabalho. A negatividade de um dos fatores gera desequilbrio e estresse.

    A proposta visa entender o homem nos aspectos biolgico, psicolgico e social. um avano

    na compreenso dos fatores psicossociais da vida moderna, com nfase no ambiente de

    trabalho. Isto porque, o homem moderno tem no trabalho sua fonte de prazer, alm de meio

    de subsistncia. Entretanto o esforo fsico ou a tarefa alienante causam tenso, produzindo

    em efeitos psicolgicos negativos, mesmo que a pessoa esteja bem fisicamente. Encontrar o

    equilbrio a constante busca, mas tambm uma fonte de estresse. to srio este problema

    que algumas empresas investem no apoio psicolgico de seus funcionrios.

    CAPTULO II

    2. ASPECTOS DO PODER JUDICIRIO BRASILEIRO

    Para que seja possvel entender a relao entre trabalho e sofrimento, no que diz respeito ao

    exerccio da funo de juiz, fundamental respaldar essa atividade s normas estabelecidas

    pelo Estado nas funes desse profissional, enquanto rgo do Poder Judicirio.

  • 29Deve-se ter em mente que esse profissional visto como ente pblico, rgo, e, como tal,

    destitudo de subjetividade, visto que encarna valores representativos da sociedade, enquanto

    aplicador da justia, dentro de uma estrutura judiciria hierarquizada que, por si s, traz

    consigo presses inerentes ao prprio cargo. Nesse passo, antes de verificar a questo da

    sade fsica e mental do magistrado, preciso entender como funciona a estrutura na qual ele

    est inserido.

    Aos magistrados, compete a interpretao da norma, a qual se concretiza nas decises

    prolatadas.

    Aos critrios desse profissional estar subordinado o indivduo e toda a comunidade - quando depender de decises legais para os conflitos decorrentes da fruio de direitos que consubstanciam valores como a liberdade, o patrimnio, a segurana e a prpria sobrevivncia em grau de dignidade compatvel com o estgio cultural.36

    A composio do Poder Judicirio Brasileiro possui previso no artigo 92 da Constituio

    Federal, onde se escalona:

    Supremo Tribunal Federal;

    Conselho Nacional de Justia

    Superior Tribunal de Justia;

    Tribunais Regionais Federais (2 instncia) e juzes federais (1 instncia);

    Tribunais do Trabalho (2 instncia) e juzes do trabalho (1 instncia);

    Tribunais Eleitorais (2 instncia) e juzes eleitorais (1 instncia);

    Tribunais Militares (2 instncia) e juzes militares (1 instncia);

    Tribunas dos Estados, do Distrito Federal e dos Territrios (2 instncia) e juzes dos Estados, do Distrito Federal e dos Territrios (1 instncia).

    O Sistema Constitucional divide a Justia conforme sua especialidade: militar, trabalhista,

    eleitoral e comum. Essa diviso ocorre tanto no 1 grau (ou 1 instncia) quanto no 2 grau (ou

    2 instncia).

    36 NALINI, Jos R. Recrutamento e preparo de juzes. So Paulo: Revista dos Tribunais Ltda.,1992, p.16.

  • 30A diviso se justifica mais por fins prticos do que a necessidade do rgo jurisdicional.

    que existem princpios gerais comuns que devem ser observados em todas as especialidades,

    como o caso do princpio do juiz natural aplicvel a todos, e outros que so particulares a

    cada uma delas, como o caso do julgamento dos militares por seus pares, denominados

    juzes leigos, conjuntamente com o juiz de direito, denominado togado.

    Na forma como ficou estabelecido, pode-se concluir que o Constituinte entendeu o Estado e o

    Direito no com uma idia inata, mas como elementos necessrios para regular as relaes em

    sociedade.

    Dessa feita, a Carta Magna trouxe a distino dos poderes concernente ao Estado

    Democrtico de Direito, dentro de uma funcionalidade harmnica entre os trs poderes.

    No se exime de regulamentos a atividade de nenhum dos poderes. A magistratura tambm

    tem seu regramento, o qual est previsto na Constituio Federal, no captulo do Poder

    Judicirio, alm da legislao infraconstitucional, como o caso da Lei Orgnica da

    Magistratura Nacional - LOMAN. No Texto Constitucional, esto disciplinadas a forma de

    ingresso, carreira, funo e aposentadoria, esta preconizada em lei.

    O ingresso na magistratura, em regra, d-se por meio de concurso pblico. importante

    salientar que, excepcionalmente, existe possibilidade de ingresso na Magistratura sem

    concurso pblico, como ocorre quando membros do Ministrio Pblico e de advogados

    ingressam diretamente na magistratura de segundo grau por um sistema conhecido como

    quintos.

    De qualquer forma, o ingresso natural d-se por concurso pblico de provas e ttulos.

    Existe razovel crtica acerca da avaliao para o ingresso na carreira, posto que a prova mede

    apenas o conhecimento terico, no se aferindo a vocao do candidato para exercer o cargo,

    que requer compromisso com a jurisdio.

    H que se ter em mente o carter subjetivo da profisso, pois a misso de julgar rdua, e

    necessrio o preenchimento de requisitos subjetivos, no mensurados na prova escrita, mas

    apenas no exame psicolgico, uma das fases do concurso.

  • 31Dentre os requisitos pessoais para ingresso na magistratura, destacam-se: conduta idnea,

    temperamento, equilbrio emocional, discrio, honestidade, saber atuar sobre presso e bom

    relacionamento social.

    Miranda37 escreve:

    Na sociedade moderna o que se espera do juiz que este seja imparcial, honesto, digno, e que possa fazer justia na verdadeira acepo da palavra. O que se espera de um juiz, que tem em suas mos tamanho poder, que no fique apenas escravo das leis vigentes, mas que se preocupe em interpret-la de acordo com a realidade, e no apenas na forma gramatical, pois em assim agindo coloca-se j de plano em cheque sua imparcialidade.

    Ao juiz, compete a interpretao da norma jurdica e sua adequao ao caso concreto. Seu

    trabalho est vinculado aos bens mais preciosos do homem, qual seja, a vida, liberdade,

    patrimnio etc. Com a deciso prolatada, a parte pode perder sua vida (em caso de guerra),

    liberdade, seus bens, a guarda do filho, ser submetida indenizao ou a ressarcir algum. Por

    isso, sempre necessrio um juiz que julgue os fatos luz do direito e com imparcialidade.

    Nem por isso a pretendida imparcialidade ou neutralidade isenta de crtica. Alguns

    doutrinadores mais filiados filosofia do direito afirmam que todo juzo de valor emitido pelo

    julgador acaba por comprometer a sua neutralidade.

    Quando julga, o indivduo o faz utilizando seus conceitos e preconceitos, valores, ideologias

    etc., sem possibilidade de despir-se delas, sempre se posicionando.

    [...]discute-se contemporaneamente a pretensa neutralidade do conhecimento cientfico. A cincia seria neutra na medida em que factual, descritiva, isto , preocupa-se com a descrio e a explicao dos fenmenos, sem emitir juzos de valor, sem fazer prescries. Porm, deve-se reconhecer que o conhecimento cientfico, situado em um contexto histrico-social, corresponde a interesses, valores, preconceitos, dos prprios indivduos e grupos que produzem esse conhecimento e da sociedade que os aplica e utiliza. A cincia no estaria assim imune a elementos ideolgicos, no poderia ser neutra.38

    37 MIRANDA, Amarildo Alcino de. Imparcialidade ou parcialidade do juiz no modelo acusatrio. Disponvel em: . Acesso em: 30 mai. 2009.38 JAPIASSU, Hilton; Marcondes, Danilo. Dicionrio bsico de filosofia. 4 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, p. 200, 2006.

    http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2065/Imparcialidade-ou-parcialidade-do-juiz-no-modelo-acusatorio?src=busca_refererhttp://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2065/Imparcialidade-ou-parcialidade-do-juiz-no-modelo-acusatorio?src=busca_referer

  • 32Herkenhoff39 destaca que no existe a suposta neutralidade poltica e ideolgica dos juristas,

    inclusive dos juzes.

    A este respeito, escreve Pereira Filho40:

    Aquela imparcialidade do juiz, confundida com neutralidade, deve ser afastada, pois, o juiz tem o dever de decidir e, ao agir assim, ter de escolher uma ou outra parte. Em verdade, portanto, o juiz precisa ser parcial. Contudo, sua escolha dever mirar o dbil, o necessitado de proteo jurdica eficaz.

    Dessa forma, no h que se falar em neutralidade pura, como se o julgador no tivesse

    sentimentos, senso crtico, nem se angustiasse. Ao exercer seu mister, o juiz d vida letra

    morta da lei de forma flexvel e crtica. Para tanto, o sistema no apenas possibilita, mas

    tambm determina que o juiz aprecie as questes, utilizando-se de analogia, bem como de

    julgamentos baseados em equidade, algumas vezes at mesmo em contrariedade com a norma

    legal.

    Evidente que cada caso tem peculiaridades e similaridades, conforme assevera o jurista

    Calmon de Passos41, nenhum ato humano gratuito, porque a ele sempre se associa (salvo

    situaes patolgicas ou excepcionais) uma escolha que vincula o agente ao resultado de sua

    atividade.

    De qualquer forma, h muito se abandonou o sistema formulrio, onde competia ao juiz

    meramente enquadrar o fato trazido a conhecimento em frmulas j disponibilizadas pelo

    legislador, dando a soluo adequada.

    2.1 Garantias Constitucionais dos Juzes

    As garantias dos magistrados so de natureza jurdico-administrativa, correspondem

    39 HERKENHOFF, Joo Baptista. Direito e Utopia. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 60.40 PEREIRA FILHO, Benedito Cerezzo. O poder do juiz: ontem e hoje. Artigo publicado nos anais do XIV encontro nacional do Conpedi, 2005.41 PASSOS, Jos Joaquim Calmon de. Direito, poder, justia e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 13.

  • 33imparcialidade do juiz e a independncia do Poder Judicirio. Esta garantia est preconizada

    na prpria Constituio Federal que dispe no artigo 2 sobre os poderes da Unio: So

    Poderes da Unio, independentes e harmnicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o

    Judicirio.

    A Lei Maior deu o norte da independncia aos poderes para assim atuarem, pelo menos no

    que diz respeito ao aspecto formal, com autonomia, inclusive financeira. Tal disposio esta

    prevista nos artigos abaixo transcritos:

    Art. 96. Compete privativamente:

    I aos tribunais:

    a) eleger seus rgos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observncia das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competncia e o funcionamento dos respectivos rgos jurisdicionais e administrativos;

    b) organizar suas secretarias e servios auxiliares e os dos juzos que lhes forem vinculados, velando pelo exerccio da atividade correcional respectiva;

    c) prover, na forma prevista nesta Constituio, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdio;

    d) propor a criao de novas varas judicirias;

    e) prover, por concurso pblico de provas, ou de provas e ttulos, obedecido o disposto no art.169, pargrafo nico, os cargos necessrios administrao da Justia, exceto os de confiana assim definidos em lei;

    f) conceder licena, frias e outros afastamentos a seus membros e aos juzes e servidores que lhes forem imediatamente vinculados;

    II ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justia propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art.169:

    a) a alterao do nmero de membros dos tribunais inferiores;

    b) a criao e a extino de cargos e a fixao de vencimentos de seus membros, dos juzes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver, dos servios auxiliares e os dos juzos que lhes forem vinculados;

    c) a criao ou extino dos tribunais inferiores;

    d) a alterao da organizao e da diviso judicirias;

    III aos Tribunais de Justia julgar os juzes estaduais e do Distrito Federal e Territrios, bem como os membros do Ministrio Pblico, nos crimes

  • 34comuns e de responsabilidade, ressalvada a competncia da Justia Eleitoral.

    Art.99. Ao Poder Judicirio assegurada autonomia administrativa e financeira.

    Percebe-se, portanto, que o Judicirio tem independncia poltica e administrativa em

    decorrncia do labor judicial, que no raras vezes, contraria interesses poltico-econmicos

    muito fortes que, naturalmente, podero voltar-se contra a pessoa do juiz.42

    Estas garantias e prerrogativas legais pretendem dar ao juiz as condies para exercer a

    magistratura isenta de presses econmicas, polticas, administrativas.

    Vale ressaltar a distino da independncia do Judicirio e a do juiz.

    Na primeira, tem-se a independncia dos poderes da Repblica. O Estado um ente uno, mas

    a diviso operacionalizada em poderes distintos (alguns preferem denominar funo)

    possibilita a co-existncia harmnica entre eles, num sistema de freios e contrapesos,

    possibilitando a cada um o exerccio de seus misteres sem a influncia direta do outro.

    Neste particular, chama a ateno a forma como o Executivo, por sua indevida hipertrofia,

    tem desequilibrado a atuao dos demais poderes. Mas esta discusso demanda um trabalho

    prprio.

    No segundo formato de independncia, essa direcionada ao juiz, estabelece-se a forma de

    exercer a atividade jurisdicional isenta de influncia pessoal de quem quer que seja. Essa a

    proposta.

    O artigo 33 da Lei de Organizao da Magistratura Nacional LOMAN traz as

    prerrogativas legais do juiz, destinadas proteo da figura do magistrado:

    Art. 33. (omissis)

    I ser ouvido como testemunha em dia, hora e local previamente ajustados com a autoridade ou juiz de instncia igual ou superior;

    II no ser preso seno por ordem escrita do tribunal ou do rgo especial

    42 OLIVEIRA, Marcus Vincius Amorim de. Garantias da magistratura e independncia do Judicirio . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 29, mar. 1999. Disponvel em: . Acesso em: 23 mar. 2009.

  • 35competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafianvel, caso em que a autoridade far imediata comunicao e apresentao do magistrado ao presidente do tribunal a que esteja vinculado;

    III ser recolhido priso especial, ou sala especial de Estado Maior, por ordem e disposio do tribunal ou do rgo especial competente, quando sujeito priso antes do julgamento final;

    IV no estar sujeito notificao ou intimao para comparecimento, salvo se expedida por autoridade judicial;

    V portar arma de defesa pessoal.

    Dada as garantias aos magistrados, exige-se destes a grandeza de carter, ou seja, a norma

    jurdica lhe d a independncia na profisso, cabendo-lhes apenas respaldar sua atuao com

    aspectos morais. A independncia do juiz constitui viga mestra do processo poltico de

    legitimao da funo jurisdicional.43

    Feitas as devidas ressalvas acerca da independncia do Poder Judicirio, as garantias esto

    disciplinadas no texto constitucional:

    Art. 95. Os juzes gozam das seguintes garantias:

    I vitaliciedade, que, no primeiro grau, s ser adquirida aps dois anos de exerccio, dependendo a perda do cargo, nesse perodo, de deliberao do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentena judicial transitada em julgado;

    II inamovibilidade, salvo por motivo de interesse pblico, na forma do art.93, VIII;

    III irredutibilidade de vencimentos, observado, quanto remunerao, o que dispem os art.37, XI, 150, II, 153, III, e 153, 2, I.

    O inciso I trata da vitaliciedade do magistrado, o que significa dizer que, aps a posse, o juiz

    tem dois anos para adquirir a vitaliciedade. Depois disso, somente perder o cargo em

    decorrncia de sentena judicial transitada em julgado, em processo adequado onde lhe seja

    assegurado o direito de ampla defesa e de contraditrio.

    A inamovibilidade, tratada no inciso II, est ligada no-remoo do magistrado sem que a

    43 OLIVEIRA, Marcus Vincius Amorim de. Garantias da magistratura e independncia do Judicirio . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 29, mar. 1999. Disponvel em: . Acesso em: 23 mar. 2009.

  • 36esta ele esteja de acordo, com ressalva para os casos em que haja interesse pblico. A

    inamovibilidade busca concretizar a independncia sob o ponto de vista poltico,

    impossibilitando que o julgador seja compelido a afastar-se do local que trabalha por presso

    de foras ocultas. Tambm diz respeito recusa do magistrado em submeter-se a promoo.

    O inciso III diz da irredutibilidade dos vencimentos. Esta garantia traduz-se na

    impossibilidade de utilizao do salrio como forma de barganhar a posio do julgador com

    interesses do administrador, que normalmente possui foras para impor dificuldade

    oramentrias ao Poder.

    De qualquer forma, estas garantias buscam afastar a possibilidade de ingerncia poltica no

    ato de julgar.

    Tratando-se dos direitos e garantias impostas aos magistrados, Oliveira informa que:

    imperioso que os juzes sejam postos a salvo de influncias poltico-econmicas, tanto no mbito interno como no externo, e para tanto faz-se necessrio criar outros institutos jurdicos disciplinadores da atividade jurisdicional, caso contrrio, as garantias constitucionais da magistratura soaro falsas. Todas essas distores afetam a prestao da tutela jurisdicional, ferindo, portanto, o direito do cidado de obter acesso a uma ordem jurdica justa.44

    Ao lado dessas garantias, o Texto Constitucional tambm traz imposies, restries que

    devem ser observadas pelos juzes.

    Art. 95. omissis.Pargrafo nico. Aos juzes vedado:I exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou funo, salvo uma de magistrio;II receber, a qualquer ttulo ou pretexto, custas ou participao em processo;III dedicar-se atividade poltico-partidria.

    A LOMAN tambm traz diversos dispositivos restries que devem ser observadas.

    Por ltimo, recentemente, emergiu do CNJ um Cdigo de tica trazendo uma tabela de

    44 OLIVEIRA, Marcus Vincius Amorim de. Garantias da magistratura e independncia do Judicirio . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 29, mar. 1999. Disponvel em: . Acesso em: 23 mar. 2009.

  • 37comportamentos excepcionais que devem ser acatados pelos magistrados. Apenas para se ter

    noo da excepcionalidade com que deve a pessoa investida na magistratura apresentar,

    temos:

    Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a funo, cnscio de que o exerccio da atividade jurisdicional impe restries e exigncias pessoais distintas das acometidas aos cidados em geral.

    Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessrias para evitar que possa surgir qualquer dvida razovel sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situao econmico-patrimonial.

    Exige-se muito do julgador, mas pouco se lhe oferece para o cumprimento satisfatrio de sua

    tarefa.

    A estrutura do Poder Judicirio hierarquizada e autoritria. Em alguns Estados, os prdios

    ainda so antigos casares, fato que demonstra a dificuldade de inovar no aspecto e nas

    ideologias do profissionalismo, conforme preconiza:

    [...] a sua estrutura extremamente hierarquizada: uma cpula restrita centralizada quase todas as decises em mos dos mais antigos desembargadores, enquanto uma larga base, com um poder inversamente proporcional ao da cpula, hoje formada, majoritariamente, por juzes jovens e ainda poucos experientes, advindos de faculdades de Direito e cursinhos tecnicista.45

    Este pensamento traduz-se pelos estudos tericos e tecnicistas que no do ao acadmico do

    direito a dimenso exata do homem, como um ser total, globalizado, integralizado. Vrios

    estudiosos tem criticado o sistema adotado pela maioria das faculdades de direito, que no

    oferecem outra opo, que no seja preparar o acadmico para o litgio, ignorando outras

    possibilidades, como o caso da conciliao.

    E o magistrado tirado desse meio acadmico, correndo o risco de sua deciso acirrar ainda

    mais o conflito, quando o objetivo proposto a pacificao.

    45 SHCRITZMEYER, Ana Lcia Pastore. Por uma mudana no tempo do judicirio: percepes sobre seleo, formao e carreira de magistrados da justia comum do Estado de So Paulo. Revista de Cincias Criminais. RT/IBCCRIM, n. 24, 1998, p. 259.

  • 38Homem uma entidade real, no objeto de laboratrio, apartado da realidade, tem vida, tem reaes. Se o homem ele e suas circunstncias, ele s pode ser compreendido dentro dos seus contextos sociais, econmicos, sanitrios, religiosos, polticos, dentre outros.46

    Essa dimenso humana, dada ao direito, visa o magistrado para o centro das operaes

    jurdicas, bem como para o seu prprio centro. Sintonizar o juiz com suas dimenses sociais,

    ideolgicas e profissionais, buscando no fragmentar o homem, dissociando-o de seus

    aspectos sociais e emocionais.

    A cultura capitalista influencia grandemente na mentalidade cultural dos acadmicos de

    direito, futuros magistrados, sem regras de atuao interdisciplinar. Eis uma hiptese do

    porqu da banalizao das dimenses ideolgicas do direito.

    2.2 Caractersticas do Estado de Rondnia

    Rondnia est entre as vinte e sete unidades federativas do Brasil. A localizao geogrfica

    no norte do Brasil, fazendo fronteiras com os Estados do Amazonas, Mato Grosso, Acre e

    com a Bolvia.

    O Estado possui 52 municpios distribudos ao longo de 237.576 quilmetros quadrados.

    Segundo informao contida na ltima contagem de populao do Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica (IBGE 2008), sua populao est estimada em 1.493.566 habitantes,

    o que representa um crescimento de 2,738%, em relao a contagem de 2007. Rondnia o 3

    estado mais populoso, e o mais denso do norte do Brasil.

    Os municpios mais populosos, de acordo do estimativa do IBGE, so:

    Porto Velho - 379.186 hab.

    Ji-Paran - 110.707 hab.

    46 ZIMERMAN, David; COLTRO, Antnio Carlos Mathias. Aspectos psicolgicos da pratica jurdica. 2. ed. Campinas: Millenium, 2008, p. 8.

  • 39 Ariquemes - 84.581 hab.

    Cacoal - 78.263 hab.

    Vilhena - 68.405 hab.

    Jaru - 53.955 hab.

    Porto Velho possui relevo suavemente ondulado. Noventa e quatro por cento (94%) do

    territrio encontra-se entre as altitudes de 100 e 600 metros. Os principais rios do Estado de

    Rondnia so Madeira, Ji-Paran, Guapor e Mamor.

    O clima equatorial e a economia se baseia na pecuria e na agricultura (caf, cacau,

    arrozmandioca, milho), bem como no extrativismo da madeira, de minrios e da borracha,

    esta ltima responsvel por trazer grande riqueza e pujana durante o chamado ciclo da

    borracha. o Estado que mais cresceu no Brasil nos primeiros 30 anos depois da fundao,

    tendo em 2007 alcanado a impressionante marca de 48% de crescimento econmico e 28%

    em 2008.

    2. 3 Tribunal de Justia de Rondnia

    Para melhor compreenso das peculiaridades do Poder Judicirio Rondoniense,

    imprescindvel que se faa um breve histrico do Estado.

    Com o nome de Territrio do Guapor, atribudo pelo Decreto n. 5812, de 13-09-43, nascia o

    que depois passou a chamar-se Estado de Rondnia. Formado pelas terras do Estado do

    Amazonas e Mato Grosso, o nome Guapor foi escolhido em homenagem ao rio que nasce na

    Chapada dos Parecis no Estado do Mato Grosso e divide o Brasil da Repblica da Bolvia.

    O Territrio do Guapor teve seu nome alterado para Territrio Federal de Rondnia, atravs

    da Lei n. 2.731, de 17 de fevereiro de 1956. O nome Rondnia vem da indicao de Roquete

    Pinto, que, em 1915, na poca da implantao da linha telegrfica que ligava Cuiab a Santo

    Antnio do Rio Madeira, sugeriu que se denominassem Terras de Rondnia em homenagem a

  • 40Cndido Mariano da Silva Rondon.

    O Estado de Rondnia foi criado atravs da Lei Complementar n 041/81 de 22/12/81,

    assinada pelo General Joo Baptista de Figueiredo, Presidente da Repblica, e instalado em

    04/01/82. Teve como primeiro Governador o Coronel Jorge Teixeira de Oliveira, seguido,

    respectivamente, por ngelo Angelin, Jernimo Garcia de Santana, Osvaldo Pianna, Valdir

    Raupp de Matos, Jos de Abreu Bianco e, atualmente, Ivo Cassol.

    Enquanto territrio, o Poder Judicirio funcionava de forma adequada sua realidade. Com a

    criao do Estado, fez-se necessrio tambm a criao do Poder Judicirio Estadual.

    O Tribunal de Justia do Estado de Rondnia, inicialmente, composto por sete (7)

    Desembargadores, todos advindos de outras regies, a saber:

    Fouad Darwich Zacharias - Presidente

    Francisco Csar Soares de Montenegro - Vice-Presidente

    Jos Clemenceau Pedrosa Maia - Corregedor Geral da Justia

    Darci Ribeiro

    Aldo Alberto Castanheira Silva

    Hlio Fonseca

    Dimas Ribeiro da Fonseca

    Posteriormente, atravs do Decreto Lei 008/82, de 25/01/82, foi alterado para nove (9) o

    nmero de Desembargadores. Esse quadro foi alterado de acordo com a lei 157/96, de

    23/12/96 e, atualmente, o Tribunal de Justia composto de 17 desembargadores, com 16 em

    efetivo exerccio.

    O Tribunal de Justia do Estado de Rondnia possui 13 Comarcas de 1 entrncia, 10 de 2

    entrncia e 2 de 3 entrncia. A quantidade de magistrados no Estado de Rondnia de 121

    juzes, assim distribudos: 27 juzes substitutos; 6 juzes de primeira entrncia; 39 juzes de

    segunda entrncia e 49 juzes de terceira entrncia.

    Hoje, a justia apresenta uma nova feio voltada para os direitos decorrentes de pequenas

  • 41pendncias populacionais, outrora esquecidas nos distantes rinces do Pas. No contexto atual,

    a humanizao do Poder Judicirio se faz presente com prestao jurisdicional moderna,

    rpida e acessvel, atuando assim para o fortalecimento da cidadania, promovendo o equilbrio

    social e aproximando cada vez mais o cidado do Poder Judicirio.

    O servio primordial do Poder Judicirio do Estado de Rondnia, como nos demais Estados

    Membros, prestao jurisdicional, que uma das funes essenciais do Estado e um

    instrumento ao exerccio da cidadania. Trata-se de servios destinados soluo de conflitos

    entre indivduos, instituies e sociedade em geral, obedecendo legislao vigente e visando

    sempre a manuteno da estabilidade social.

    Basicamente, so oferecidos os servios a seguir:

    Realizao de audincias em busca da soluo de conflitos

    entre indivduos, nas esferas: cvel, criminal, infncia e

    juventude, famlia e registros pblicos;

    Emisso de certides negativa criminal;

    Emisso de mandados (priso, segurana, intimaes, entre

    outros);

    Emisso de alvar de soltura;

    Emisso de habeas corpus.

    A rea de atuao do Tribunal de Justia a aplicao das leis com finalidade de promover a

    justia e a estabilidade social.

    O negcio do Poder Judicirio a prestao jurisdicional. A misso do Tribunal de Justia

    do Estado de Rondnia cumprir as tarefas que a prestao jurisdicional exige, contribuindo

    para o desenvolvimento e expanso dos servios judicirios no Estado de Rondnia.

    O Poder Judicirio do Estado de Rondnia busca no dia-a-dia valorizar os seguintes

    princpios:

  • 42 Atuar na formulao de polticas pblicas voltadas

    para o desenvolvimento de aes jurisdicionais.

    Exemplo: Projeto de aplicao de penas alternativas;

    Promover aes para expanso da prestao

    jurisdicional. Exemplo: Operao Justia Rpida,

    Criao de novas varas e comarcas;

    Valorizao da tica;

    Ser referncia nacional em servios pblicos

    tcnico-administrativos, observado as leis, com

    qualidade, presteza e pontualidade, em ambiente

    agradvel.

    2.4 Estrutura organizacional do poder judicirio do Estado de Rondnia

    O poder judicirio do Estado de Rondnia possui duas atividades distintas, a saber:

    Atividade FIM: Prestao Jurisdicional

    1 Instncia > Fruns e comarcas

    2 Instncia > Tribunal de Justia SJ

    Atividade MEIO: Apoio Administrativo

    1 Instncia > Administrao do Frum

    2 Instncia > Tribunal de Justia - SA

    De acordo com as informaes obtidas no Tribunal de Justia do Estado de Rondnia, o

    Poder Judicirio constitudo por um Tribunal Pleno, composto por dezesseis (16)

    desembargadores, Presidncia do Tribunal, Vice-Presidncia, Corregedoria-Geral de Justia,

  • 43duas Cmaras Cveis, duas Cmaras Especiais, uma Cmara Criminal.

  • 44

    CAPTULO III

    3. PROCESSO DE SADE-DOENA E O SOFRIMENTO NO TRABALHO

    A relao do homem com o trabalho sempre tem sido de prazer e sofrimento.

    O estresse do mundo moderno tem acometido o homem de algumas patogenias e

    desencadeamento de alguns distrbios psquicos. Permite-se concluir que esta conseqncia

    tem acontecido pela forma como o trabalho tem sido desenvolvido nos ltimos anos: o

    contedo da tarefa, sistema hierrquico, modalidades de comando, relaes de poder e

    questes de responsabilidade. Essas so as causas principais de adoecimento e sofrimento no

    mundo dos negcios.

    A temtica psicopatologia do trabalho, medida que vem despertando um crescente interesse,

    suscita a ateno dos profissionais da rea da sade, dos tericos e pesquisadores de diferentes

    reas e dos principais interessados trabalhadores e empresas.

    Conforme Dejours47:

    Contrariamente ao que se poderia imaginar, a explorao do sofrimento pela organizao do trabalho no cria doenas mentais especficas. No existem psicoses de trabalho, nem neuroses do trabalho. Apenas algumas interpretaes simplistas atribuem sociedade a causa de todas as doenas mentais.

    Dentro da relao homem/trabalho, o trabalho ocupa o centro do processo de humanizao do

    homem. Pelo trabalho, o homem domina e dominado pelo capital. Assim, dominao,

    submisso e resistncia comportam uma conjuno de foras, na qual o conflito o elemento

    central. Falar em conflito falar em embate, portanto, em sofrimento.48

    As organizaes tm constitudo um local eficaz para o surgimento do sofrimento, da

    violncia fsica e mental. Por outro lado, tem-se deixado a preocupao com a sade em

    47 DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. So Paulo: Obor, 1987, p. 122.48 BRANT, Luiz Carlos; Elizabeth, Costa Dias. Trabalho e sofrimento em gestores de uma empresa pblica em reestruturao. Cadernos de Sade Pblica. Rio de Janeiro, 20(4):942-949, jul-ago, 2004.

  • 45segundo plano. simples observar que os intervalos do almoo diminuram. No que a

    organizao o tenha feito, mas o prprio colaborador o fez para conseguir dar conta da

    demanda de servios que se acumulam em sua mesa. A sobrecarga de trabalho tem diminudo

    no s o horrio de almoo, mas tambm as frias, os finais de semana, a vida familiar,

    resultando que a existncia ou no de neuroses de trabalho um dos temas mais polmicos

    na psicopatologia do trabalho.49

    A cristalizao da forma de vida cotidiana no permite ao indivduo uma liberdade de

    movimento. O ser humano dividido em papis que o fazem perder sua unidade de ser

    humano. Condies de trabalho humanas, atividade produtiva realizadora, que no aliene o

    trabalhador do seu 'saber fazer' e do produto do seu trabalho, so condies absolutamente

    necessrias para a estruturao de uma identidade realmente humana.50

    Na viso de Dejours e Abdoucheli51 (1994, p.127),

    Sofrimento patognico o que emerge quando todas as possibilidades de adaptao ou de ajustamento organizao do trabalho pelo sujeito, para coloc-la em concordncia com seu desejo, foram utilizadas, e a relao subjetiva com a organizao do trabalho est bloqueada.

    Assim no a doena, mas como o indivduo se apia na idia de que sade est relacionada

    idia de mudar o mundo a sua volta. Deixando de ser uma questo objetiva e passando a ser

    subjetiva pelo fato do indivduo estar sempre querendo mudar o mundo a sua volta.

    O homem um animal simblico que reage aos significados que ele prprio constri historicamente, e no as leis em si. Estes smbolos mudam as coisas, o ambiente, a natureza, a sociedade de inscrevem-se no biolgico.52

    49 MENDA, Patrcia BUKSZTEJN. Anlise da dicotomia sofrimento e prazer na funo gerencial feminina. 1827. Dissertao de Mestrado apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Administrao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004, p. 33.50 Idem., p. 36.51 DEJOURS, Christophe e ABDOUCHELI, Elisabeth. Desejo ou motivao? A interrogao psicanaltica sobre o trabalho. In: DEJOURS, Christophe; ABDOUCHELI, Elisabeth e JAYET, Christian. Psicodinmica do trabalho: contribuies da escola dejouriana anlise da relao prazer, sofrimento e trabalho. So Paulo: Atlas, 1994, p. 127.52 SAWAIA, BB. Psicologia social: aspectos epistemolgicos e ticos. In: Lane STM. So Paulo: EDUC/Brasiliense,1994, p. 106.

  • 46Mascarenhas53 escreve a respeito:

    (...) vem sendo reduzido a mera atividade vital, cuja nica e exclusiva orientao ainda a subsistncia (...) no mais permite a possibilidade de afirmao pessoal, mas nos aprisiona junto ao impulso vital das necessidades imediatas.

    O trabalho aparece como mediador entre a relao homem sociedade, por meio do qual o

    homem realiza aes sociais, regulando-as conforme as necessidades. Porm, a organizao

    do trabalho deve oferecer a possibilidade de algo que tenha sentido para o indivduo.

    Com a Revoluo Industrial a emoo retirada do local de trabalho. A racionalizao a palavra mais repetida no mundo dos negcios. A programao e o controle so determinantes, tudo calculado, preciso. O cronmetro entra na fbrica, apodera-se dela, regula-a, domina-a, ultrapassa os seus muros e vai ditar formas de convivncia para uma nova sociedade.54

    A transformao do trabalho teve incio com a revoluo industrial, onde a fora de trabalho

    passou a ser vista como ingrediente para aumentar a produo das fabricas. O trabalho

    impregnado de sua subjetividade cedeu lugar ao contexto scio/econmico, submetendo o

    trabalhador vontade do dono da fbrica.

    O trabalho oferece ainda ao sujeito um lugar numa parte da rdua realidade humana e indispensvel preservao e justificao da existncia em comunidade. Embora possa se constituir tambm em fonte de sofrimento, no significa castigo, representao comum na tradio da moral judaico-crist, com seu ressentimento e ideal asctico. Portanto, apenas no relacionamento com outros homens que o trabalho pode vir a se constituir como dispositivo de sofrimento ou punio.55

    Percebem-se duas posies distintas do trabalho, a primeira ligada ao carter positivo, ganho/

    consumo; a segunda atrelada ao aspecto negativo do adoecimento pelo excesso de trabalho e a

    forma como se d essa relao.

    53 MASCARENHAS, F. Tempo de trabalho e tempo livre: Algumas reflexes a partir do marxismo contemporneo. Belo Horizonte: Cicene, v.3 , n.1, p.72-89, 2000, p. 76.54 Dispositivos de transformao do sofrimento em adoecimento numa empresa em processo de reestruturao.55 Idem.

  • 47Heloani56 tambm comenta:

    Se o homem passa a maior parte de seu tempo trabalhando, suas relaes pessoais fora de casa deveriam ter um valor afetivo de extrema importncia. No entanto, as relaes de companheirismo e de amizade no trabalho no se concretizam, pois elas so passageiras, imediatas, competitivas e as ligaes afetivas, os vnculos no podem estabelecer-se, j que com cada alterao rompem-se os laos, perdem-se as pessoas e da, alm do castigo do desemprego, h a solido, a perda irreparvel.

    3.1 Expresses de sofrimento e adoecimento somato-psicolgico

    A crena de que, a cada dia, o planeta se tornaria melhor j foi sepultada. O sculo presente

    trouxe uma guerra constante do homem com a natureza e desta com o homem. A primeira

    delas est ligada a prpria natureza humana. Na busca da perfeio, o homem esqueceu-se de

    que humano e, portanto, tem limitaes, dentre as quais est a da prpria natureza humana,

    ou seja, dos seus aspectos internos, da sua integralidade, visto ser biopsicossocial.

    Essa concepo no diferente na prtica jurdica. O juiz tem os mesmos anseios, desejos e

    angstias do homem moderno. Passa pelas mesmas aflies que qualquer pessoa.

    O pensamento jurdico do sculo XX enfatiza o papel do juiz na produo do direito, fenmeno que surgiu principalmente devido teoria da argumentao jurdica, muito importante na superao do formalismo. Existe tambm essa nfase na Sociologia do Direito e em trabalhos de autores integrantes do realismo americano, os quais evidenciam os reflexos sobre a sentena dos predicados do psiquismo do julgador.57

    Consolidou-se a imagem do juiz como uma pessoa rgida, desprovida de emoo e

    criatividade e inacessvel. Essa concepo, no entanto, no verdade.

    Tratando-se de ser humano que , o magistrado tem as mesmas emoes do homem comum.

    Diferenciando-se deste apenas pelo cargo que exerce. Fala-se aqui de profisso. Entretanto,

    sabendo-se que o homem um ser contextualizado. A frieza do magistrado aparente, visto

    56 HELOANI, Jos R. e CAPITO, Cludio G. Sade Mental e Psicologia do Trabalho. In: So Paulo em Perspectiva, v.17, n.2, p.102-108, 2003, p. 103.57 PRADO, Ldia Reis de Almeida. Racionalidade e emoo na prestao jurisdicional. In Aspectos Psicolgicos na Prtica Jurdica. (Org.) ZIMERMAN, David; MATHIAS COLTRO, Antnio Carlos. Campinas - SP: Millennium Editora, 2008, p. 39.

  • 48ser integrada sociedade e, como tal, ser biopsicossocial.

    Calamandrei58 escreve esta reflexo:

    Debaixo da ponte da justia passam todas as dores, todas as misrias, todas as aberraes, todas as opinies polticas, todos os interesses sociais. E seria bom que o juiz fosse capaz de reviver em si, para compreend-los, cada um desses sentimentos: experimentar a prostrao de quem rouba para matar a fome ou o tormento de quem mata por cime; ser sucessivamente (e, algumas vezes, ao mesmo tempo) inquilino e locador, meeiro e proprietrio de terras, operrio em greve e industrial. Justia compreenso, isto , abarcar e conciliar os interesses opostos: a sociedade de hoje e as esperanas de amanh, as razes de quem a defende e as de quem a acusa. Mas se o juiz compreendesse tudo, talvez no pudesse mais julgar: tout comprendre, cest tout pardonner. Talvez, para que possa alcanar os limitados objetivos que nossa sociedade lhe atribui, a justia necessite, para funcionar, de horizontes no demasiado vastos e de um certo esprito conservador, que pode parecer mesquinharia. Os horizontes do juiz so marcado