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Frank Sinatra esta resfriado Frank Sinatra, segurando urn copo de bourbon numa mao e urn cigarro na outra, estava num canto escuro do balcao entre duas loiras atraentes, masja urn tanto passadas, que esperavam ouvir alguma palavra dele. Mas ele nao dizia nada; passara boa parte da noite calado; s6 que agora, naquele clube particular em Beverly Hills, parecia ainda mais distante, fitando, atraves da fumaya e da meia-luz, urn largo sahio depois do balcao, onde dezenas de jovens casaisse espremiam em volta depequenas mesasou danyavam no meio dapista ao som trepidante do folk- rock que vinha do estereo. As duas loirassabiam,como tambem sabiam os quatm amigos de Sinatra que estavam por perto, que nao era uma boa ideiaforyar uma conversa com ele quando ele mergulhava num silencio soturno, uma disposiyao nada raraem Sinatra naquela primeira semana de novembro, urn mes antes de seu quinquagesimo aniversario. Sinatra estava fazendo urn filme que agora 0 aborrecia e nao viaa hora de termina-Io; estava cansado de toda a falayao da im- prensa sobreseu namoro com Mia Farrow, entao com vinte anos,

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Frank Sinatra esta resfriado

Frank Sinatra, segurando urn copo de bourbon numa mao eurn cigarro na outra, estava num canto escuro do balcao entreduas loiras atraentes, mas ja urn tanto passadas, que esperavamouvir alguma palavra dele. Mas ele nao dizia nada; passara boaparte da noite calado; s6 que agora, naquele clube particular emBeverly Hills, parecia ainda mais distante, fitando, atraves dafumaya e da meia-luz, urn largo sahio depois do balcao, ondedezenas de jovens casais se espremiam em volta de pequenasmesas ou danyavam no meio da pista ao som trepidante do folk-rock que vinha do estereo. As duas loiras sabiam,como tambemsabiam os quatm amigos de Sinatra que estavam por perto, quenao era uma boa ideia foryar uma conversa com ele quando elemergulhava num silencio soturno, uma disposiyao nada rara emSinatra naquela primeira semana de novembro, urn mes antes deseu quinquagesimo aniversario.

Sinatra estava fazendo urn filme que agora 0 aborrecia e naovia a hora de termina-Io; estava cansado de toda a falayao da im-prensa sobre seu namoro com Mia Farrow, entao com vinte anos,

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que alias nao deu as caras naquela noite; estava furioso com umdocumentario da rede de televisao CIIS sobre a vida dele, que iriaao ar dentro de duas semanas e que, segundo se dizia, invadia asua privacidade e chegava a especular sobre suas liga<,:oescom oschefes da mafia; estava preocupado com sua atua<;ao num espe-cial da NIIC intitulado Sinatra - Um Homem e (1 Sua Mltsica, noqual ele teria de can tar dezoito can<,:oes com uma voz que, na-quela ocasiao, poucas noites antes do inkio das grava<,:oes, esta-va debilitada, dolorida e insegura. Sinatra estava doente. Padeciade uma doen<;a Uio comum que a maioria das pessoas a cons ide-ra banal. Mas quando acontece com Sinatra, cia 0 mergulha numestado de angustia, de profunda depressao, panico e ate furia.Frank Sinatra esta resfriado.

Sinatra resfriado e Picasso sem tinta, Ferrari sem combus-tivel - s6 que pior. Porque urn resfriado comum despoja Sina-tra de uma j6ia que nao da para por no seguro - a sua voz -,minando as bases de sua confianc;:a, e afeta nao apenas seu esta-do psico16gico, mas parece tambem provocar uma especie decontaminac;:ao psicossomatica que alcan<,:a dezenas de pessoasque trabalham para ele, bebem com ele, gostam dele, pessoascujo bem-estar e estabilidade dependem dele. Urn Sinatra res-friado pode, em pequena escala, emitir vibrac;:6es que interferemna industria do entretenimento e mais alem, da .mesma formaque a subita doenc;:a de urn presidente dos Estados Unidos podeabalar a economia do pais.

Porque Frank Sinatra agora estava comprometido com tan-tas coisas que tinham a ver com tantas pessoas - sua companhiacinematografica, sua gravadora, suacompanhia aerea, sua indus-tria de componentes de misseis, seus titulos imobiliarios em todoo pais, seu staff pessoal de 75 pessoas - que san apenas umaparte do poder que ele representa. Agora ele parecia ser a perso-nifica<,:ao do macho plenamente emancipado, talvez 0 llI1ico da

America, 0 homem que pode fazer tudo 0 que desejar, tudo mes-mo, porque tem dinheiro, energia e nenhum sinal de culpa. Numaepoca em que os muito jovens parecem estar assumindo 0 con-trole da situa<,:ao, protestando e manifestando-se e exigindo mu-dan<,:as, Frank Sinatra se mantem como um fenomeno nacional,um dos poucos produtos do pre-guerra que resistiu a prova dotempo. Ele e 0 campeao que fez a volta triunfal, 0 homem quetinha tudo, perdeu tudo e de po is recuperou tudo, fazendo 0 quepoucos homens sao capazes de fazer: destruiu sua vida, deLxousua familia, rompeu com tudo que the era familiar, aprendendonesse processo que a unica maneira de conservar uma mulher enao ten tar segura-Ia. Agora cle goza da afei<,:J.ode Nancy, de Avae de Mia, a fina £lor de tres gera<,:6es de mulheres, c ainda e ado-rado pclos filhos, tern a liberdade de um homem solteiro, nao sesente vclho, faz com que homens velhos se sin tam jovens, fazcom que cles pensem que, se Sinatra e capaz de fazer algumacoisa, cia pode ser feita; nao que des meslIlos sejam capazes defaze-la, mas agrada-lhes saber que, aos cinqLienta anos, essa coisaainda e possive!.

Mas agora, naqucle bar em Beverly Hills, Sinatra estava res-friado, e continuava bebendo em silencio, parecendo estar a qui-lometn;s de dist~lI1cia, num mundo s6 dele, sem demonstrar rea-<,:aonenhuma, nem mesmo quando, de repente, 0 estereo do outrosalao passou a tocar uma canc;:ao de Sinatra, "In the wee smallhours of the morning".

E uma balada encantadora que ele gravou pcla primeiravez dez anos atras, e agora estimulava muitos jovens casais queestavam sentados, cansados de rodopiar, a se levantar case movi-men tar devagar, bem agarradinhos, pcb pista de dan<,:a. A 1110-dula<,:ao de voz de Sinatra, precisa e ao meSIllO tempo plena emclodiosa, dava maior profundidade a Ictra simples - "[n thewee small hours of the morning/ while the whole wide world IS

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fast asleep/ you lie awake, and think about the girL". ~ Comotantos de seus classicos, uma can<;:ao que evocava solidao e sen-sualidade, e, somada a meia-luz, ao alcoo!, a nicotina e as caren-cias das horas tardias da noite, se tornava uma especie de afro-disiaco etereo. Com certeza a letra dessa musica e de outrassemelhantes contribuiram para criar um clima entre milh6es decasais. Era uma can<;:ao para se ouvir na hora do amor, e com cer-teza embalou casais em toda a America, a noite, nos carros, en-quanto as baterias descarregavam, em cabanas a beira de lagos,em praias em fragrantes noites de verao, no recesso dos parques,em luxuosos apartamentos de cobertura e em quartinhos aluga-dos; em camarotes de cruzeiros, taxis e cabanas - em todos oslugares onde se ouviam as cany6es de Sinatra estavam aquelaspalavras que excitavam as mulheres, as cortejavam e as venciam,cortando os ultimos fios da inibiyao, e satisfaziam 0 ego mas-culino de amantes ingratos; duas gera<;:6es de homens se benefi-ciaram dessas baladas, 0 que os faz eternos devedores de Sinatra,e talvez os faya tambem odi,l-lo. Mas 18.estava ele, 0 homem empessoa, nas primeiras horas da madrugada, em Beverly Hills,inacessivel.

As duas loiras, que pareciam estar na casa dos trinta anos,cram elegantes e refinadas, os corpos maduros ligeiramente mol-dados por tailleurs pretos justos. Dc pernas cruzadas, empoleira-vam-se nos altos bancos do balcao e escutavam a mllsica. Entaouma delas pegou um Kent e logo Sinatra p6s seu isqueiro deouro debaixo dele. Ela segurou a mao dele, observou os dedosdele: cram nodosos e asperos, e os dedos minimos, esticados,pois a artrite os tornara tao dllros que de mal podia flexion<i-Ios.Como sempre, estava vestido de forma impedvel. Co!cte, terno

• Tradw;;io litcral: ..Na.' primclra, hora, da Illadrugada/ tjuando todo Illundoc,t;i dorlllindo/ voce rica acordado pcn,ando n;t garo!.!. .....(N. E.)

oxford cinza de corte tradicional, mas forrado com uma seda vis-tosa; os sapatos, britanicos, pareciam estar engra.xados ate 0 sola-do. Usava tambem, como todos pareciam saber, uma peruca pretabastante convincente, uma das sessenta que ele possui, a maioriaaos cuidados de uma discreta senhora de cabelos grisalhos que,carregando os cabelos dele numa pequena sacola, 0 acompanhaaonde quer que ele va can tar. Ela ganha quatrocentos d61ares porsemana. 0 que mais chama a atenc;:ao no rosto de Sinatra sao osolhos, azul-claros e atentos, olhos que em segundos podem ficargelidos de raiva, mostrar um brilho de temura ou, como agora,uma expressao de indiferenc;:a que mantem os amigos calados e adistancia.

Leo Durocher, um dos arnigos mais pr6x.imos de Sinatra,jogava sinuca nurna salinha no fundo do bar. De pe, junto iJ. por-ta, estava Jim Mahoney, 0 assessor de irnprensa de Sinatra, urnjovem um tanto atarracado, de queixo quadrado e olhos aperta-dos, que pareceria um duro policial irlandes a paisana, nao fos-sem os caros temos ellropeus e os finos sapatos, muitas vezesadornados com lustrosas fivclas. Ali perto tambem se encontra-va um ator alto, ombros largos, de noventa quilos, chamado BradDexter, que parecia enfunar 0 peito 0 tempo todo para disfaryara barriga.

Brad Dexter apareceu em muitos filmes e programas de tele-visao, exibindo um grande talento como ator, mas em BeverlyHills de e conhecido tarnbbn pdo pape! que representou doisanos atras, no Havai, quando nadou algumas centenas de metros,arriscando a pr6pria vida, para evitar que Sinatra se afogasseno. mar em ressaca. Desde entao Dexter se tornou um dos fieiscompanheiros de Sinatra e tambcm um dos produtores de suacompanhia cinematografica. Ele trabalha num luxuoso escrit6riopr6ximo il suite executiva de Sinatra. Dexter vive a procura detextos quc Sinatra possa c\trclar. Elc scmprc sc preocupa quando

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esta entre estranhos na companhia de Sinatra, porque sabe queele faz aflorar nas pessoas 0 que elas tem de melhor e de pior _alguns homens se mostram agressivos, algumas mulheres se poema fazer charme, outros ficam na 6rbita do idolo, avaJiando-o Comceticismo. A mera presen<,:a de Sinatra intoxica 0 ambiente de al-

gum modo, e as vezes ele pr6prio, quando nao esta muito bem,como naquela noite, se torna intolerante e tenso, e entao e fatal:manchetes nos jornais. Por isso Brad Dexter tenta preyer 0 peri-go e adverte Sinatra. EIe diz sentir necessidade de protege-1o, che-gando recentemente a confessar, em um momenta de auto-reve-1a<,:ao:"Por ele, eu seria capaz de matar".

Embora essa afirma<,:ao possa parecer exagerada, principal-mente se considerada fora do contexto, ela revela uma lealdadeferoz, muito comum no drculo de amizades de Sinatra. E umacaracteristica que Sinatra prefere, mesmo que nao admita: "Allthe way; All or nothing at aIr:" E 0 !ado siciliano de Sinatra; elenao permite aos seus amigos, se e que eles desejam continuar a se-10, nenhum daqueles arrufos tao comuns entre os anglo-saxoes.Se permanecem leais, porcm, entao nao ha nada que Sinatra naofa<,:apor eles - presentes fabulosos, gentilczas, estimulo quandoestao deprimidos, lisonjas quando estao animados. E bom quedes se lembrem, porcm, de uma coisa. Ele e Sinatra. 0 chefe. IIPadrone.

Testemunhei algo desse lado siciliano de Sinatra no veraopassado no lilly's, em Nova York, alias a unica vez em que viSinatra de perto antes daquela noite no clube da Calif6rnia. 0

lilly's, que fica na West Fifty-Second Street, em Manhattan, e eonde Sinatra be be quando esta em Nova York, e ha uma cadeirareservada especial mente para de no salao dos fundos, junto a

• TradlJl;:ao literal: "Ate 0 fim: Tudo ou nada mesmo" (Versos de "All or noth-ing at all': de I.awrencc//\ltman. grande sucesso na voz de Sinatra). (N. F.)

parede, que mais ninguem pode usar. Quando ele a ocupa, sen-tado atras de uma vasta mesa rodeada de seus amigos mais pr6-xiroos em Nova York - entre os quais 0 do no do bar, lilly Rizzo,e sua mulher, Honey, de cabelos tingidos de azul, conhecidacomo "Judia Azul" -, assiste-se a um estranho ritual. Naquelanoite, dezenas desses admiradores, alguns dos quais amigos dis-tantes de Sinatra, outros meros conhecidos, outros nem umacoisa nem outra, surgiram na frente do lilly's. Eles se aproxima-ram do bar como se fosse urn santuario. Tinham vindo prestarseus respeitos. Eram de Nova York, Brooklyn, Atlantic City,Hoboken. Entre des havia velhos atores, ex-Iutadores de boxe,trompetistas fatigados, politicos, um menino com uma bengala.Havia uma senhora gorda que afirmava lembrar-se de Sinatraquando ele jogava 0 Jersey Observer em sua varanda em 1933.Havia casais de meia-idade dizendo ter ouvido Sinatra cantar noRustic Cabin em 1938 - e "percebemos entao que ele realmen-te tinha talento!". Ou entao 0 ouviram cantar com a banda deHarry lames, em 1939, ou com Tommy Dorsey, em 1941 CAb,isso mesmo, a musica era "I'll never smile again" - uma noiteele a cantou num lugar perto de Newark e n6s dan<;:amos ..."); aulembravam-se da epoca da Paramount, ele provocando des-maios, com aquelas gravatas-borboleta, The Voice; e umamulher se lembrou de um sujeito nefasto que conheceu naquelacpoca - Alexander Dorogokupetz, um baderneiro de dezoitoanos que jogara urn tomate em Sinatra e quase foi linchado porsuas fas adolescentes. 0 que foi feito de Alexander Dorogoku-petz? A tal senhora nao soube responder.

Elcs se lembravam de quando Sinatra estava em decadenciae cantava porcarias como" Mairzy Doats", se lembraram tambemde sua volta por cima, e naquela noite estavam la na porta dolilly's, a dezenas, mas nao podiam se aproximar. Alguns foramembora. Mas a maioria fiCOll, na esperan<,:a de logo poder abrir

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caminho ate 0 fundo do Jilly's por entre cotovelos e traseiros detres fileiras de homens bebendo no balcao, dar uma espiada e ve-la sentado lei no fundo. Era so 0 que eles queriam: ve-Io. E por ~alguns instantes fica ram olhando at raves da fumat;a. Depoisderam meia-volta, abriram caminho para fora do bar e forampara casa.

Alguns dos amigos mais pr6ximos de Sinatra, todos conhe-cidos dos homens que guardam a porta do Jilly's, conseguem setlevados ate 0 salao dos fundos. Uma vez la, no en tanto, eles temde se virar sozinhos. Naquela noite, 0 ex-jogador de futebol ame-rica no Frank Gifford conseguiu avant;ar apenas sete jardas, emtres tentativas. Outros que, de urn modo ou de outro, conse-guiam chegar perto a bastante para apertar a mao de Sinatra,nao 0 faziam; apenas tocavam-lhe 0 ombro, ou a manga da cami-sa, ou simplesmente ficavam perto 0 bastante para que ele osvisse e, depois de receberem de Sinatra uma piscadela de reco-nhecimento, um aceno, um movimento de cabet;a, ou depois deserem chamados pelo nome (ele tem uma memoria fantasticapara nomes), davam meia-volta e iam embora. Tinham conse-guido 0 que queriam. Tinham prestado seus respeitos. Enquan-to eu olhava todo aquele ritual, tinha a impressao de que FrankSinatra habitava simultaneamente dois mundos que nao per-tencem ao mesmo tempo.

Por um lado elc c gaiato por exemplo, quando fala ebrinca com Sammy Davis, Jr., Richard Conte, Liza Minelli, Ber-nice Massi, ou qualqucr outra pessoa do show busIness que sentaa mesa; por outro - quando balant;a a cabe<,:a ou acena para oschapas mais proximos (AI Silvani, empresario de boxe que tra-balha na companhia cinematografica de Sinatra; Dominic DiBona, 0 homem que cuida de seu guarda-roupa; Ed Pucci, ex-jogador de futebol que pesa mais de 130 quilos e c seu ajudante-de-ordens) - de c II Pallrol/e. au, melhor ainda, ele C 11111 dos

que na velha Sicilia seriam chamados de !/omini rispettati -homens de respeito: homens que sac ao mesmo tempo grandio-sos e humildes, homens amados por todos e generosos por natu-reza, homens cujas maos sac beijadas quando VaG de aldeia emaldeia, homens que sairiam pessoallllellte de seu caminho para

consertar alguma coisa errada.Frank Sinatra faz as coisas pessoallllellte. No Natal, ele vai

pessoalmente comprar dezenas de presentes para os amigos maischegados e para a familia, e nunca esquece do tipo de joia queeles apreciam, de suas cores preferidas, do tamanho de suas ca-misas e vestidos. Quando, ha pouco mais de um ano, a casa deum musico amigo seu foi destruida e a mulher dele morreu numdeslizamento de terra em Los Angeles, Sinatra foi ajuda-Io pes-soalmente. Procurou uma casa para ele, pagou todas as despesasdo hospital nao cobertas pelo seguro, cuidou pessoalmente dacompra da mobilia para a casa, inclusive novos talheres, roupas,

toalhas e len<,:ois.o mesmo Sinatra que fez tudo isso pode, de uma hora para

outra, explodir numa terrivd fLlria de intolerancia se algum deseus chapas cometer algum pequeno deslil.e no cumprimentode alguma tarefa. Por exemplo, quando um de seus homens Ihetrouxe um cachorro-quente com ketchup, que, como se sabe,Sinatra abomina, de jogou 0 frasco no homem, cobrindo-o deketchup. Muitos dos que trabalham com Sinatra sac granda-Ihoes, mas isso nao parece intimidar Sinatra nem refrear suasrea<;()es impetuosas quando esta furioso. Eles nunca iriam res-

ponder. Ele e II Padrone.Em outras ocasioes, querendo agradar, seus homens exage-

ram em atender aos desejos dde: uma vez, quando de comentoudistraido que seu grande jipe laranja de Palm Springs talvez pre-cisasse de uma pintura nova, esse desejo foi sendo rapidamentetransmitido pelas varias instancias ate tinalmente se transformar

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numa arc/em de que 0 veiculo fosse pintado agora, inJedintamen_

te, ontem. Para realizar esse desejo, seria preciso contratar Ulnaequipe especial de pintores para trabalhar durante toda a noite,recebendo horas extras; isso exigia que a ordem fizesse 0 cami-nho inverso, subindo pelas diversas instancias, para ser aprova-da. Quando ela chegou a mesa de trabalho de Sinatra, ele naosabia do que estavam falando; quando entendeu do que se trata-va, confessou, com urn olhar cansado, que nao estava nem atpara quando 0 jipe ia ser pintado.

Mas seria insensato ten tar preyer a sua rea<;ao, porque ele eurn homem totalmente imprevislvel, capaz de grandes varia<;:6esde humor, urn homem que reage por instinto, de forma instan-tanea - reage de forma desmedida e selvagem, e ninguem con-segue preyer 0 que vira em seguida. Uma jovem chamada JaneHoag, rep6rter da reda<;ao da Life em Los Angeles, que fora cole-ga de escola da filha de Sinatra, Nancy, certa vez foi convidada auma festa na casa da sra. Sinatra, na Calif6rnia. 0 anfitriao eraFrank Sinatra, que tern relac;6es muito cordiais com sua ex-mulher. Logo no come<;o da festa, a srta. Hoag encostou-se namesa e, sem querer, bateu 0 cotovelo em uma das duas pec;as deurn casal de passaros de alabastro, que caiu no chao e se espati-fou. De repente, lembra a srta. Hoag, a filha de Sinatra exclamou:"Oh, era uma das pe<;:asfavoritas de mamae ..." - mas antes quecia pudesse terminar a frase, Sinatra lan<;ou-lhe urn olhar duro,interrompendo-a. E, enquanto quarenta convidados olhavamem silencio, Sinatra se aproximou rapidamente da srta. Hoag,deu um peteleco no ol/tro passaro, que tambem escorregou damesa e se espatifou no chao; entao ele passou 0 bra<;:o nos om-bros de Jane Hoag e disse, num tom de voz que a deixou comple-tamente a vontade: "Esta tudo bern, garota".

A certa altura Sinatra disse algumas palavras as duas loiras..Em seguida, saiu do salao, dirigindo-se a sala de sinuca. Urn dosamigos de Sinatra se aprox..imou delas para Ihes fazer companhia.Brad Dexter, que ate entao ficara no canto conversando com ou-tras pessoas, foi atras de Sinatra.

A sala vibrava com 0 entrechocar das bolas de bilhar. Nasala, uma duzia de pessoas assistiam ao jogo. Quase todos eramjovens que viam Leo Durocher jogar contra dois jogadores naomuito bons. Aquele clube particular tern entre seus s6cios mui-tos atores, diretores, escritores, modelos, praticamente todos muitomais jovens que Sinatra e Durocher, e vestidos para a noite deurn jeito bem mais informal que os dois. Muitas das jovens, cabe-10s 10ngos e soltos, usavam calc;as lax apertadas que Ihes ressalta-yam a bunda, e sueteres caras; alguns dos jovens usavam camisasde veludo azuis ou verdes de colarinho alto, calc;as justas e mo-cassins italianos.

Era evidente, pela maneira como Sinatra olhava aquelas pes-soas na sala de sinuca, que clas nao faziam seu genero, mas ele serecostou num banco alto junto a parede, segurando 0 copo namao direita, sem dizer nada, apenas olhando Durocher atirar asbolas para urn lado e para outro. Os rapazes mais novos da sala,acostumados a ver Sinatra no dube, tratavam-no sem nenhurnadefercncia, embora nao dissessem nada ofensivo. Eles eram urngrupo de jovens cool, de uma informalidade bem californiana, eurn dos que encarnavam melhor esse tipo era urn cara baixinho,de movimentos bastante nipidos, trac;os bem marcados, olhosazul-claros, cabelos castanho-claros e 6culos quadrados. Usavacal<;:asde vcludo cotclc marrom, urn felpudo sucter verde de la deShetland, casaco rnarrom-claro de camurc;a, botas Game Warden,que comprara havia pouco tempo por sessenta d61ares.

Frank Sinatra, recostado em seu banco, fungando urn pou-co por causa do resfriado, nao conseguia tirar os olhos das botas

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Game Warden. Por urn instante, depois de mira-las durantealgum tempo, desviou 0 olhar, mas agora as fitava de novo. 0dono das botas, que simplesmente estava cal<;:ado nelas olhandoo jogo, era Harlan Ellison, urn escritor que acabara de escreverurn roteiro, The Oscar.

A certa altura, Sinatra nao se conteve."Ei", gritou ele com sua voz levemente aspera, mas ainda

assim suave e limpida. "Essas botas SaG italianas?""Nao", disse Ellison."Espanholas?"

"Sao inglesas?""Escute, nao sei, cara", retrucou Ellison, franzindo as so-

brancelhas para Sinatra, e voltou a prestar aten<;:ao no jogo.A sala de bilhar mergulhou em subito silencio. Leo Duro-

cher, inclinado sobre a mesa de bilhar, segurando 0 taco, ficouparado naquela posi<;:ao por urn segundo. Ninguem se mexia.Entao Sinatra se afastou do banco em que estava e foi andandoem dire<;:ao a Ellison com aquele seu gingado arrogante. 0 ruidodos seus passos eram 0 unico som que se ouvia na sala. Entao,olhando para Ellison com uma sobrancelha ligeiramente ergui-da e urn sorriso malicioso, Sinatra perguntou: "Voce est a espe-rando uma tempestade?".

Harlan Ellison deslocou-se urn pouco para 0 lado. "Por quevoce esta falando comigo?"

"Nao gosto da maneira como voce esta vestido", disse Si-natra.

"Sinto muito incomoda-lo", disse Allison, "mas eu me vistodo jeito que gosto."

Houve certo alvoro<;:o na sala, e alguem disse: "Vamos, Har-lan, vamos embora daqui". Leo Durocher deu sua tacada e disse:"Sim, vamos embora".

Mas Ellison nao saiu de onde estava.Sinatra disse: "0 que voce faz da vida?"."Sou encanador", disse Ellison."Nao, ele nao e", apressou-se em gritar outro jovem do outro

lado da mesa. "Ele escreveu The Oscar.""Ah, sim", disse Sinatra, "Eu assisti, e e uma merda.""Que estranho", disse Ellison, "porque 0 filme ainda nao foi

rodado.""Born, eu assisti", repetiu Sinatra. "E e uma bela merda."Entao Brad Dexter, bastante tenso, a figura corpulenta em

flagrante contraste com 0 pequeno Ellison, disse: "Vamos, rapaz,nao quero voce nesta sala".

"Ei'; Sinatra interrompeu Dexter. "Voce nao esta vendo queestou conversando com esse cara?"

Dexter ficou desconcertado. Sua atitude mudou completa-mente, a voz abrandou e ele disse a Ellison, em tom quase desuplica: "Par que voce insiste em me atormentar?".

A cena estava ficando ridicula, e Sinatra parecia nao levaraquilo muito a serio. Quem sabe estivesse movido por um tedioprofundo, ou urn profundo desespero; depois que os dois troca-ram mais algumas farpas, Harlan Ellison saiu da sala. Aquelaaltura, ja se comentava na pista de dan<;:a 0 desentendimentoentre Sinatra e Ellison, e alguem foi procurar 0 gerente do c1ube.Mas outra pessoa disse que 0 gerente ja soubera do caso - e saiumais que depressa do bar, entrou no carro e foi para casa. Porisso 0 subgerente foi ate a sala de bilhar.

"Nao quero ninguem aqui sem palet6 e gravata", disse Sina-

tra em tom rispido.o subgercntc concordou com urn gcsto de cabc<;:a c voltou

para seu cscrit6rio.

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Na manha seguinte, come~ava mais urn dia tense para 0

assessor de imprensa de Sinatra, Jim Mahoney. Mahoney estavacom dor de cabe~a, preocupado, mas nao com 0 incidente Sina-tra-Ellison da noite anterior. Na hora em que aconteceu, Maha-ney estava com sua mulher na outra sala, e com certeza nem sedeu conta do pequeno drama. A coisa toda nao durou mais detres minutos. E tres minutos depois que acabou, Frank Sinatracom certeza J tinha esquecido, para 0 resto de sua vida - aopasso que Ellison certamente nunca have rei de esquecer, assimcomo centenJS de outros antes dele: numa hora qualquer entre aanoitecer e 0 nascer do dia, ele tiverJ uma alterca~ao com Sinatra.

E ainda bem que Mahoney n,io estava na sala de bilhar; elejei tinha coisas demais com que se preocupar naquele dia. Estavapreocupado com 0 resfriado de Sinatra, com 0 polemico docu-mentario da CIIS que, apesar de Sinatra ter protestado e retiradosua autorizac;ao, seria apresentado na tclevisao em menos deduas semanas. Os jornais do dia insinuavam que Sinatra ia pra-cessar a rede de tclevisao, os telefones de Mahoney tocavam semparar, e agora cle estava sondando Nova York, dizendo a KayGardella: "... certo, Kay... eles sclaram um acordo de cavalheirospara evitar certas perguntas sobre a vida particular de Frank, eai Cronkite saiu-se com esta: 'Frank, fale-me daquelas cone-xoes'. Essa pergunta, Kay - mia! Essa pergunta nunca deveriater sido feita ...".

Enquanto Mahoney falava, recostado em sua cadeira de cou-ro preto, balanc;ava a cabec;a devagar. Ele c um homem de cons-tituic;ao vigorosa, de 37 anos; tern 0 rosto redondo e corado, ma-xilar rijo, olhos claros, miLldos, e poderia parecer agressivo ebrigao se nao falasse com tanta clareza e sinceridade, e se naofosse tao cuidadoso no vestir. Seus ternos e sapatos cram de talheperfeito, uma das primeiras coisas que Sinatra notou nelc; em seuespJ<;OSOescrit<>rio, em frente ao bar, h,t um polidor de s,lpatos

eletrico com escovas vermelhas e urn mancebo de madeira, on-de Mahoney pendura seus paletos. Proximo ao bar hei uma foto-gratia autografada do presidente Kennedy e algumas fotas deFrank Sinatra, mas nao hei mais nada de Sinatra em qualquerdas outras salas da agencia de relac;6es publicas de Mahoney;ja houve uma grande fotografia dele na sala de recepc;ao, masaquilo incomodava 0 ego de outros astros de cinema clientes de

• Mahoney. Como Sinatra nunca dei as caras na agencia, a foto-grafia foi retirada.

Ainda assim, Sinatra parece sempre estar presente, e seMahoney nao tivesse, em rclac;ao a Sinatra, preocupac;6es ple-namente justificadas como naquele dia, podia muito bem in-vent,i-las - para ajudei-lo nisso, ele se cerca de pequenas lem-branc;as de momentos angustiantes do passado. Em seu estojode barbear, hei uma caixa de comprimidos para dormir, prescri-tos hei do is anos par urn farmaceutico de Reno, Nevada - adata do frasco indica 0 dia do sequestra de Frank Sinatra, Jr.Numa mesa do escrit6rio de Mahoney hei a reproduC;ao emol-durada do bilhete em que os sequestradores pediam a resgate aSinatra. Uma das manias de Mahoney, quando estei em suamesa esquentando a cabec;a, c brincar com urn trenzinho delata que fica em sua frente - 0 trem e urn souvenir do filme deSinatra 0 expressa Van Ryan; de e para os homens que traba-Iham para Sinatra ° que os prendedores de gravata 1'"1"-109 sacpara os homens que trabalharam com John Kennedy. Mahoneyfica empurrando 0 trenzinho para a frente e para t[(is, para afrente e para tras, nos quinze centimetros de trilhos; para a fren-te e para tr,is, para a frente e para tras, clic-clac c1ic-clac. Eo seubrinquedinho.

Agora Mahoney apressa-se em deixar 0 trenzinho de lado.Sua secretaria Ihe diz que h,i urn telcfonema muito importantepara cle. Mahoney pega 0 fone, e sua voz fica ainda mais bran-

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da e mais franca do que antes. "Sim, Frank", disse ele. "Certo ...certo ... sim, Frank ..."

Quando Mahoney pas 0 fone no gancho, devagar, informouque Frank Sinatra viajara em seu jato particular para passar 0

fim de seman a em sua casa de Palm Springs, um vao de dezesseisminutos, partindo de sua casa de Los Angeles. Mahoney agoraestava preocupado de novo. 0 Learjet em que Sinatra iria voarera identico, segundo Mahoney, ao que havia acabado de cair emoutra regiao da California.

Na segunda-feira seguinte, um dia nublado e excepcional-mente frio na California, mais de cern pessoas estavam reunidasnum estudio de televisao todo branco, urn salao enorme domina-do por um palco branco, paredes brancas, com dezenas de lumi-narias e lampadas penduradas no teto: 0 estudio mais pareciauma gigantesca sala de opera<;:6es. Naquela sala, dentro de mais oumenos uma hora, a NIIC estaria gravando urn especial de umahora, a ser transmitido, em cores, na noite de 24 de novembro.Tanto quanto possive! naquele curto espa<;:o de tempo, 0 progra-ma deveria abrilhantar os 25 anos de carreira de Frank Sinatracomo homem do show business. 0 programa nao se propunha aexplorar, como 0 documentario da CIIS, os aspectos da vida docantor que ele considera privados. 0 especial da NBC seria, basrca-mente, Sinatra cantando, durante uma hora, alguns dos sucessosque 0 levaram de Hoboken a Hollywood, e seria interrompidoapenas uma vez ou outra por trechos de filmes e comerciais dacerveja Budweiser. Antes de pegar 0 resfriado, Sinatra ficou muitoanimado com 0 especial; via nel~ nao apenas uma oportunidadede agradar os saudosistas, mas tambem de dar a conhecer seutalento a alguns apreciadores de rock'n'roll - de certo modo, eleestava querendo competir com os Beatles. Os press-releases que

estavam sendo preparados pela agencia de Mahoney ressaltavamisso: "Se voce esta cansado de jovens cantores com tufos de cabe-10 grandes 0 bastante para esconder urn engradado de mel6es ...pode ser uma agradavel surpresa urn especial de televisao intitu-lado Sinatra - Urn Hornern e Sua M~lsica ... ".

Mas agora, naquele estudio da NBC em Los Angeles, haviamuita expectativa e tensao devido a incerteza quanto a voz deSinatra. Os 43 musicos da orquestra de Nelson Riddle ja tinhamchegado, e alguns deles estavam na plataforma fazendo 0 aque-cimento. Dwight Hemion, urn jovem diretor de cabelos ruivosque fora muito e!ogiado por seu especial para a televisao comBarbra Streisand, estava sentado na cabine de controle envidra-<;:adacom vista para a orquestra e para 0 palco. Os cameras, ostecnicos, 0 pessoal da seguran<;:a, os publicitarios da Budweisertambem estavam de pe, esperando entre as luminarias e as came-ras, assim como uma boa duzia de mulheres que trabalhavamcomo secretarias em outras partes do edificio, mas tinham esca-pado para ver aquilo.

Poucos minutos antes das onze horas, correu pelos corredo-res a noticia de que Sinatra fora visto andando no estacionamen-to e que ja estava a caminho, aparentemente em plena forma.Houve urn grande alivio entre as pessoas que estavam no estu-dio; mas a medida que a figura esguia e elegante, foi se aproxi-mando, elas viram, decepcionadas, que nao era Frank Sinatra.Era Johnny Delgado, 0 duble de Sinatra.

Delgado anda como Sinatra, e da altura de Sinatra e seurosto, visto de determinados angulos, lembra 0 de Sinatra. Masele parece ser urn sujeito muito timido. Quinze an os atras, noinicio de sua carreira, Delgado candidatou-se para urn papel emA urn passo da eternidade. Foi contratado, e depois descobriu quedeveria atuar como dublc de Sinatra. No ultimo filme de Sinatra,Assalto a 11m trallsatlcl/ltico, uma hist6ria na qual Sinatra e alguns

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conspiradores tentam sequestrar 0 Queen ;\!1ary,Johnny Delgadoatuou como duble dele em algumas (enas na agua; agora, naque-Ie estudio da NHC, sua t;uefa era ficar sob os quentes refletores datelevisao, fazendo a marca<;:ao dos lugares de Sinatra no palco,para a equipe de filmagem.

Cinco minutos depois, 0 verdadeiro Sinatra chegou. Seu ros-to estava palido, seus olhos azuis pareciam urn tanto aguados. Elenao conseguira se livrar do resfriado, mas de todo modo ia ten-tar cantar, pois 0 cronograma estava apertado e aqucla altura jahaviam milhares de d()lares sido gastos com orquestra, equipesde filmagem e aluguel do estudio. Mas quando Sinatra, a cami-nho da salinha de ensaio onde ia aquecer a VOl.,olhou para estu-dio e viu que a plataforma da orquestra e 0 palco nao ficavampr6ximos urn do outro, como elc pedira expressamente, seuslcibios se crisparam e elc ficou muito perturbado. Alguns instan-tes depois, na sala de ensaio, ouviu-se 0 ruido dos socos que eledesferia contra 0 piano, e a VOl.do pianista, Bill Miller, dizendoem VOl.baixa: "Procure nao se exaltar, Frank".

Mais tarde Jim Mahoney e outro homem entraram na sali-nha, e entao falou-se da morte de Dorothy Kilgallen em NovaYork, na manha daquelc dia. Durante anos cia foi uma inimigafigadal de Sinatra, e cle tambem passou a destrata-la no showque fazia em seu nightclub. Agora, mesmo com cia morta, denao transigiu em seus sentimentos. "Dorothy Kilgallen morretl",repetiu cle, saindo da salinha em direc,:ao ao estudio. "Bem, achoque YOUter que reformular todo 0 meu show."

Quando ele entrou no estLldio, os musicos pegaram os ins-trumentos e endireitaram 0 corpo nas cadeiras. Sinatra temperoua garganta algumas Vezes e entao, depois de ensaiar umas poucasbaladas com a orquestra, cantou "Don't worry about me" de urnjeito que lhe pareCeU satisfat()rio e, como nao sabia quanto tem-po sua VOl.iria aglientar, ficou impacientc de repente.

"Por que a gente nao grava essa merda?", exclamou ele,olhando para a cabine de vidro onde estavam 0 diretor, DwightHemion, e sua equipe. Elcs pareciam estar de cabe<;:abaixa, con-centrados na mesa de controlc.

"Por que a gente nao grava essa merda?", repetiu Sinatra.o assistente de palco, que fica perto da camera usando fanes

de ouvido, repetiu a frase de Sinatra em sua linha de comunica<;aocom a sala de controlc: "Por que a gente nao grava essa merda?".

Hemion nao respondeu. Provavclmente seu switch estavadesligado. Era dificil saber, por causa dos reflexos nos vidros dacabine.

"Por que nao colocamos palctD e gravata", disse Sinatra, queestava vestido de pul6ver amarelo de gola alta, "e gravamos ..."

Dc repente ouviu-se a VOl.de Hemion no amplificador desom, dizendo calmamente: "O.k., Frank, voce nao se importariaem repetir. ..".

"Sim, eu me importaria sim", retrucou Sinatra.o silencio que se fez do outro lado, que durou um ou dois

segundos, foi interrompido por Sinatra: "Quando a gente pararde fazer as coisas aqui da forma como faziamos em 1950, talveza gente ...". E Sinatra continuou a atacar Hemion, criticando tam-bcm a falta de tccnicas modernas para a montagem desses espe-ciais; entao, possivclmente para poupar a VOl.,elc parou. E DwightHemion, bastante paciente, tao calmo e paciente que se poderiapensar que nao ouvira nada do que Sinatra acabara de dizer, fezuma descri<;:ao rapida de como seria a abertura do programa.Alguns minutos depois, Sinatra estava lendo suas falas iniciais,palavras as quais se seguiria 'Without a song", em grandes car-tazes junto a camera. Feito isso, de se preparou para repetir a falacom as cameras ligadas.

"Especial Frank Sinatra, Parte I, p,igina 10, tomada I", an un-ciou em voz aita urn homem com uma claquete, saltando rapidoem frente da c;imcra - clap - c afastando-se imcdiatamcnte.

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"Voces ja pensaram em como seria 0 mundo sem uma can-<;:aot 0 mundo seria urn lugar nada interessante ... lsso da 0 que

- ? »pensar, nao ....Sinatra parou."Desculpe-me", acrescentou ele." Rapaz, preciso de urn drink."Eles tentaram novamente."Especial Frank Sinatra, Parte I, pagina 10, tomada 2", gri-

tou saltando 0 homem da claquete."Voces ja pensaram em como seria 0 mundo sem uma can-

<,:ao?.." Dessa vel. Frank Sinatra leu todo 0 texto sem parar. Emseguida ensaiou mais algumas can(,:6es, interrompendo a orques-tra uma ou duas vel.es quando 0 som de algum instrumento naoestava como ele queria. Era dificil saber por quanto tempo sua voziria aguentar, pois aquilo era s6 0 come(,:o do programa; atc aque-la altura, porem, todos na sala pareciam satisfeitos, principalmen-te quando ele cantou uma can<,:ao romantica, bastante popular,escrita mais de vinte anos atras por Jimmy Van Heusen e Phil Sil-vers - "Nancy", inspirada pcb primogenita de Sinatra - que epai de tres filhos - quando ela era bem pequena.

If I don't see her each day

I miss her ...

Gee what 1I thrill

Each time I kiss her ... •

Quando Sinatra cantou essa can(,:ao, ainda que a tenha can-tado centenas e centenas de vezes, de repente todos no estudioperceberam que alguma coisa especial se passava no cora(,:ao dohomem, algo especial cstava af1orando. Agora, resfriado uu nao,

• Tradu<;;10 literal: "Se nao a vejo lod" dial Sinto sua falta ../ Que grande emo-<;;}ol CaJa vcz que a beijo .. " (N. E.)

ele cantava com for<;:ae ardor, soltava-se, a arrogancia publicadesaparecera, seu mundo particular emergia naquela can<,:ao sa-bre a menina que, como diz a letra, 0 entende melhor que nin-guem e c a unica pessoa com quem de pode ser ele mesmo, semo menor constrangimento.

ancy tern 25 anos. Ela mora sozinha: seu casamento como cantor Tommy Sands terminou em div6rcio, a casa dela ficanum suburbio de Los Angeles. Agora esta fazendo seu terceirofilme e gravando para a gravadora do pai. Eles se encontramtodo dia; quando nao, ele liga para eIa, mesmo que esteja naEuropa ou na Asia. Quando as interpreta(,:6es de Sinatra se tor-naram populares no radio e ele causava desmaios nas fas, Nancyouvia suas can<,:6es em casa e chorava. Quando 0 primeiro casa-mento de Sinatra se desfez, em 1951, e ele foi embora de casa,Nancy era a unica, entre os filhos do casal, com idade para lem-brar dele como pai. Ela 0 vira com Ava Gardner, Juliet Prowse,Mia Farrow, muitas outras, e participou, com 0 pai, de encontroscom casais de amigos ...

She takes the winter

And makes it summer ...

Slimmer could take

Some lessons from her ... •

Nancy tambem se encontra com Sinatra quando ele vai visi-tar sua primeira mulher. Nancy Barbato, filha de um estucadorde Jersey City, com a qual ele se casou em 1939, quando ganha-va 25 d6lares por semana cantando na Rustic Cabin, pr6ximo aHoboken.

• Tradu<;;}o literal: "EJa transforma 0 invernol Em ver;}o .. I 0 vcr;10 tem muitolo que aprel1ckr com cia ....· (N. E.)

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A primcira sra. Sinatra, uma mulher notavd que nunca vol-tou a casar ("Quando d gente ja foi casada com Frank Sinatra ...",explicou certa vez a uma amiga), mora numa casa magnifica emLos Angeles, com sua filha mais nova, Tina, de dezessete anos.Entre Sinatra e sua primeira mulher nao existe nenhum ressen-timento, apenas um grande respeito e aEcto; faz tempo que ele ebem-vindo na casa deb. Sabe-se tambem qu.e ele aparece la forade hora, acende a lareira, deita-se no sofa e cai no so no. FrankSinatra consegue dormir em qualquer lugar, coisa que aprendeuna epoca em que costumava viajar em 6nibus com sua banda,por estradas esburacadas; nessa epoca aprendeu tambem, quan-do estava de smoking, a ajeitar as calc,:as e 0 palet() de forma quenao amarrotassem enquanto de dormia. Mas agora ele nao andamais de 6nibus, e sua filha Nancy, que na inbncia se sentia rejei-tada quando de adormecia no SOf,1em vez de Ihe dar aten<;:ao,mais tarde entendeu que 0 SOf,1era urn dos poucos lugares nomundo em que Frank conseguia ter alguma privacidade, ondeseu rosto famoso nao seria 0 centro das atenc,:oes nem provocariauma reac,:ao anormal nas pessoas. Ela entendeu tambem que ascoisas norma is sempre foram negadas a seu pai: a inffll1cia delefoi marcada pela solidao e pela busca de atenc,:ao, e desde que aconquistou, nunca mais conseguiu ficar a s6s consigo mesmo.Vez por outra, quando olhava pela janel.a de uma casa que tinhaem Hasbrouck Heights, Nova Jersey, via 0 rosto de adolescentesque 0 espiavam; em 1944, quando se mudou para a Calif()rnia-ecomprou uma casa protegida por uma sebe de tres metros dealtura em Lake Toluca, descobriu que a unica maneira de fugirdo telefone e de outras formas de invasao era sair em seu barcoa remo acompanhado de alguns amigos, uma mesa de carteadoe uma caixa de cerveja, e passar a tarde inteira a bordo. Mas se-gundo Nancy de procurou, na medida do possivel, ser como todomundo. Chorou no dia do casamento dela, pois c muito senti-mental e sensivel...

"Que diabo voce esta fazendo at em cima, Dwight?"Silencio na cabine de controle."Voces estao fazendo uma festa ou alguma coisa do tipo ai

em cima, Dwight?"De pc no palco, brac;os cruzados, Sinatra lan<;:avaolhares fe-

rozes, por sobre as cameras, para Hemion. Ele cantou "Nancy"com 0 que the restava de voz naquele dia. Nos poucos numerosque se seguiram houve notas dissonantcs, e por duas vezes a vozdele falhou completamente. Hemion estava na cabine de contro-Ie, fora de comunica<;:ao; depois ele desceu ao estudio, dirigindo-se ao lugar onde Sinatra se encontrava. Poucos minutos depois,os do is sairam do estudio e se dirigiram a cabine de controle.Rodaram 0 VT para Sinatra. Ele s6 0 viu por uns cinco minutos,depois come<;:ou a balan<;:ar a cabe<;:a e disse para Hemion: "Es-que<;:a, esquec;a. Voce estcl perdendo tempo. 0 que temos aqui",disse Sinatra fazendo urn sinal com a cabe<;:a em dire<;:ao a suaimagem no video, "e urn homem resfriado". Entao saiu da cabi-ne de controle, ordenando que todo 0 trabalho do dia fosse anu-lado e a gravac;ao fosse adiada ate que ele se recuperasse.

Tal como uma epidemia, logo a noticia chegou ao staff, es-palhou-se por Hollywood, atravessou 0 pais e foi parar no Jilly's,e tambem do outro \ado do rio Hudson, na casa dos pais de Sina-tra e de outros parentes e amigos em Nova Jersey.

Quando Frank Sinatra falou com 0 pai pelo telefone e disseque estava se sentindo pessimo, 0 velho Sinatra contou que ele tam-bcm estava pcssimo: seu brac;o e seu pulso esquerdo estavam taoduros, por causa de urn problema circulat6rio, que mal conseguia1110virnent,i-los. Acrescentou que aquilo devia ser resultado dos

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muitos ganchos que dera com a esquerda, na epoca em que luta-va boxe na categaria peso-gala, quase cinquenta anos atds.

Martin Sinatra, urn siciliano baixinho, tatuado, de olhinhosazuis, nascido em Catania, lutava boxe usando 0 nome "MartyO'Brien". Naquda epoca e naquelcs lugares, com os irlandesesdominando as esferas inferiores da vida da cidade, nao era inco-mum aparecerem italianos com nomes assim. A maioria dos ita-lianos e sicilianos que emigraram para a America pouco antesde 1900 era gente pobre e sem instrU<,:ao, excluida dos sindicatosdos trabalhadores da construt,:ao civil, que eram dominados pdosirlandeses, e em certa medida se sentia intimidada pda policia ir-landesa, pdos pastores irlandeses, pelos politicos irlandeses.

Excet,:ao not<lvcl era a mae de Sinatra, Dolly, uma mulhercorpulenta e muito ambiciosa que viera para os Estados Unidoscom os pais aos dois meses de idade. Seu pai era um lit<'>grafo deGenova. No final da vida, Dolly Sinatra, que tem 0 rosto redon-do e olhos azuis, muitas vezes passava por irlandesa e surpreen-dia muita gente pda rapidez com que brandia sua pesada bolsi-nha contra qualquer um que dissesse a palavra "carcamano",

Quando estava na flor da idade, Dolly Sinatra, desenvolveuuma habil politica com a maquina do Partido Democratico, emNova Jersey, e se tornou uma especie de Catarina de Medicis doterceiro distrito de Hoboken. Ela controlava seiscentos votos emseu bairro italiano, e isso era a base de seu poder politico. Quan-do disse a um politico que nomeasse 0 marido deJa para 0 Corpode Bombeiros de Hoboken, e ele Ihe respondeu: "Mas Dolly, naoha vagas no momento", cia rebateu: "Abram uma vaga".

E abriram. Anos depois cia pediu que 0 marido fosse pro-movido a capitao, e um dia recebeu um telcfonema de um doschefes politicos: "Parabcns, Dolly!".

"Por quC?""CI/pi{(/o Sinatra."

"Ah, final mente voces 0 promoveram. Muito obrigada."EnUio eia ligou para 0 Corpo de Bombeiros de Hoboken."Gostaria de falar com 0 capitao Sinatra", disse ela. 0 bom-

beiro chamou Martin Sinatra dizendo: "Marty, acho que sua mu-lher enlouqueceu". Quando de atendeu, Dolly 0 saudou:

"Parabens, wpitilo Sinatra."a filho unico de Dolly, Francis Albert Sinatra, nasceu, e por

pouco nao morreu, em 12 de dezembro de 1915. Foi um partodincil, e em seus primeiros instantes de vida ele sofreu marcas queo acompanharao ate a morte - as cicatrizes do lado esquerdo dopescot,:o foram consequencia de impericia medica no uso do f6r-ceps, e Sinatra preferiu nao fazer uma cirurgia para remove-Ias.

A partir dos seis meses de idade, sua educat,:ao ficou aos cui-dados da av(). A mae dele trabalhava em periodo integral numafabrica de chocolates. Era tao eficiente que certa vez a empresapropos manda-Ia para Paris para treinar outros funcionarios.Embora algumas pessoas de Hoboken se lembrem de Sinatracomo um menino solit;irio, que passava muitas horas na varan-da fitando 0 vazio, elc nunca foi um garoto tipico de bairro po-bre, nunca foi preso, estava sempre bem vestido. Ele tinha tantascalt,:as que muita gente em Hoboken 0 chamava de" PantalonasO'Brien".

Dolly Sinatra nao era uma tipica maezona italiana, que secontentava apenas com a obediencia e 0 bom apetite do filho. Elaexigia muito dele e era sempre muito rigorosa. Queria que elefosse engenheiro da aeronautica. Certa noite, quando ela viufotografias de Bing Crosby penduradas nas paredes do quarto deFrank e descobriu que elc queria ser cantor, ficou furiosa e jogouum sapato nelc. Depois, percebendo que nao conseguiria demo-vc-Io da ideia - "ele me puxou" -, passou a incentiva-lo.

Muitos meninos itaio-americanos de sua gerat,:ao perseguiamo mesmo objetivo - cram fortes nas cant,:6es e fracos ao lidar

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com as palavras: nao havia urn grande romancista entre des, ne-nhum O'Hara, nenhum Bellow, nenhum Cheever, nenhum Shaw;contudo, podiam se comunicar atraves do bel ((llltO. Tinha maisa ver com suas tradi<;:oes e nao havia necessidade de diploma; despoderiam, com uma can~ao, algum dia ver seus nomes em let rei-ros luminosos ... Perry Como ... Frankie Laine ... Tony Benllett ... VieDamone ... mas nenhum deles veria 0 pr6prio nome brilhar comoFrank Sinatra.

Embora ele cantasse durante boa parte da noite no RusticCabin, levantava-se no dia seguinte e ia cantar de gra<;:aem emis-soras de radio de Nova York para divulgar seu trabalho. Maistarde come<;:ou a trabalhar para a banda de Harry James, e foinesse emprego que ele gravou 0 seu primeiro sucesso - "Allornothing at all". Ele ficou muito amigo de Harry James e dosmusicos da orquestra, mas quando Tommy Dorsey, que a epocatinha a melhor orquestra do pais, Ihe fez uma proposta, Sinatraaceitou; passou a ganhar 125 d61ares por semana, e Dorsey sabiadar destaque a urn vocalista. Mesmo assim, Sinatra ficou muitodeprimido ao sair da orquestra de James, e a ultima noite quepassou com eles foi tao memoravel que, vinte anos depois, foicapaz de conta-Ia em detalhes a urn amigo: "[ ... 1 0 6nibus partiucom os outros rapazes pouco depois da meia-noite e meia. Eutinha me despedido deles, e lembro que estava nevando. Naohavia ninguem por perto e fiquei sozinho com' minha mala, soba neve, olhando os far6is traseiros desapareceram na noite.Entao comecei a chorar e tentei correr atras do 6nibus. A anima-<;:aoe 0 entusiasmo na orquestra cram tamanhos que lamenteimuito deixa-Ia [... 1"·

Mas elc a deixou - assim como deixaria outros ambientesacolhedores, em busca de alga mais, sem jamais perder tempo,tentando fazer de tudo no intervalo·de apenas uma gera<,:iio, lu-tando em seu proprio nome, defendendo os injusti~ados, ,lterro-

rizando os cachorros grandes. Ele deu urn so co num musico quefez urn comentario anti-semita, defendeu a causa dos negrosduas dccadas antes que isso virasse moda. Alem disso, jogou umabandeja de copos em Buddy Rich, porque estava tocando a bate-ria muito alto.

Antes de completar trinta anos, Sinatra ja presenteara 50mil d6lares em isqueiros de ouro, e vivia 0 mais louco sonho daAmerica que urn imigrante poderia ter. Ele entrou em cena derepente, quando DiMaggio silcnciara, quando os compatriotasandavam pesarosos e na defensiva porque Hitler se encontravaem sua p:ltria. Sinatra se tornou, na epoca, uma especie de Liga- composta por urn homem s6 - Contra a Difama<;:ao dos Ita-lianos na America, 0 tipo de organiza<;:ao que eles nao poderiamcriar porque, segundo dizem, quase nunca chegam a urn acordosobre 0 que quer que seja, pois san extremamente individualis-tas: excelentes como solistas, mas nao tao bons num cora; 6ti-mos her6is, mas nao muito bons num desfile.

Quando apareceram muitos gfmgsteres, com nomes italianosno programa de televisao 05 Intoctiveis, Sinatra deixou bem claroo seu repudio. Sinatra e muitos milhares de italo-americanos fica-ram indignados quando Joseph Valachi, urn arruaceiro barato, foiapresentado por Bobby Kennedy como especialista em mafia, jaque, na verdade, a julgar pelo depoimento de Valachi na televisao,ele sabia menos que muitos gar<;:ons da Mulberry Street. Muitositalianos do circulo de amizades de Sinatra tambem consideravamBobby Kennedy uma especie de policial irlandes, com mais dig-nidade que nos tempos de Dolly, mas nao menos intimidador.Dizem que Bobby Kennedy e Peter Lawford come<;:aram a esno-bar Sinatra depois da elei<;:iiode John Kennedy, esquecendo-se desua contribui<;:ao tanto no levantamento de contribui<;:6es comono convencimento de italianos que tendiam a votar contra as ir-landeses. LJesconfia-se que Lawford e Bobby Kennedy tenham in-

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fluenciado John Kenncdy a se hospedar na casa de Bing Crosby, enao na casa de Sinatra, como fora planejado, um fiasco social queSinatra nunca havera de esquccer. Depois disso, Petcr Lawford foiexpulso do grupo de Sinatra em Las Vegas.

"Sim, meu filho e como eu", diz Dolly, com orgulho. "Se voceo contraria, ele nunca esquece." E embora reconhe~a a for~a dofilho, apressa-se em dizer: "Ele nao consegue obrigar a pr6priamae a fazer nada que ela nao qucira". E acrcscenta: "Ainda hoje,clc usa a mesma marca de cueca que eu comprava para elc".

Hoje Dolly Sinatra est.j com 71 anos de idade, um ou doismenos que Martin, e durante a dia todo as pessoas batem naporta dos fundos de sua ampla casa, para pedir conselhos e queela interceda por elas. Quando nao esta atendendo as pessoas outrabalhando na cozinha, cuida do marido, um homem caladomas teimoso, dizendo-lhe que mantenha 0 bra~o esquerdo naespuma sintetica que ela colocou no bra~o de uma cadeiramacia. "Oh, elc combateu terriveis incendios", disse Dolly a urnvisitante, fazendo um sinal com a cabe~<l em dire~ao ao marido,sen tado n<l cadei ra.

Embora Dolly Sinatra tenha 1'\7 <lfilhados em Iloboken eainda visite a cidade durante as c<lmpanhas elcitorais, agora vivecom 0 marido num<l bela casa de dezesseis c{)I11Odos em FortLee, Nova Jersey. A casa foi um presente do filho pelas bodas deoura, tres anos atras. E mobiliada com bom gosto c decor.!dacom uma notavel justaposi~ao do sagrado e do profano - foto-grafias do papa Joao e de Ava Gardner, do papa Paulo e de DeanMartin; v.jrias imagens de santos e agua benta, uma cadeira au-tografada por Sammy Davis, Jr. e garrafas de bourbon. Na caixade j6ias da sra. Sinatra ha um colar de pcrolas magnifico que daganhou ha pouco tempo de Ava Gardner, de quem cia gostavamuitissimo como nora. Dolly ainda mantcm contato com AV<l,efala muito nda; pendurada na parede h,j unla carta cnderc~ada

a Dolly e a Martin: "A areia do tempo transformou-se em aura,mas 0 amor continua a desabrochar como as petalas de uma rosano jardim da vida de Deus ... que Deus os ame eternamente.Agrade~o a Ele, agrade~o a voces pel a minha existencia. Seu filhoamoroso, Francis ...",

A sra. Sinatra fala com 0 filho por telefone uma vez porsemana, e ha pouen tempo elc the propos que, quando fosse aManhattan, ficasse em seu apartamento da East Seventy-SecondStreet, as margens do ria East. Trata-se de uma regiao cara deNova York, ainda que haja uma pequena fabrica no quarteirao,mas Dolly Sinatra usou esse detalhe para vingar-se do filho poralgumas descri~oes nada lisonjeiras que ele andou fazendo desua infancia em Hoboken.

"0 que? - voce quer que eu flque no sell apartamento,aqllcla espelllncll?", da perguntou. "Voce acha que vou passar anoite naquelc bairro horrivel?"

Frank Sinatra entendeu e disse: "Deswlpe-me, senhora FortLee".

Depois de passar a semana em Palm Springs, bem melhordo resfriado, frank Sinatra voltou a Los Angeles, uma cidade en-cantadora, replcta de sol e sexo, uma descoberta espanhola damiseria mexicana, uma terra estrelada de homens baixinhos emulheres esguias entrando e saindo de converslveis com cal<;:asapertadissimas.

Sinatra voltou a tempo de vcr 0 tao esperado documentarioda (liS com sua familia. La pelas nove da noite ele foi a casa desua ex-mulher, Nancy, jantou com ela e com suas duas filhas. 0filho, que agora des raramente encontram, nao estava na cidade.

Frank, Jr., que tem 22 anos, estava viajando com uma bandapara Nova York, onde se encontraria, na Basin Street East, com 0

grupo vocal The Pied Pipers, com 0 qual Frank Sinatra cantouquando estava na orquestra de Dorsey, na dccada de 40. Hoje

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Frank Sinatra, Jr., que seu pai diz ter batizado em homenagem aFranklin D. Roosevelt, passa a maior parte do tempo em hottis,janta toda noite no camarim de seu nightclub e canta atc duas damanha, ouvindo corn indulgencia, porque nao tem outra escolha,as inevit,iveis compara~oes. Sua VOl. C suave e agradavel, e estamelhorando com a pr,itica. Embora cle seja muito respeitoso emrcla~ao ao pai, fala dcle de forma objetiva, e as vezes nao conse-gue esconder uma nota de arrog~lI1cia no tom de VOl..

Uma das coisas que contribuiram para a farna precoce deseu pai, diz Frank, Jr., foi a cria~ao de um "Sinatra de pn:ss-relen-se'; concebido para "distingui-lo do comum dos mortais, separa-do da realidade: de repente cle se tornou Sinatra, a magnata ele-trizante, Sinatra que c supranarmal, nao sobre-hultli/no, massupranornllli. E ai e que esta", continua Frank, Jr., "a grande fala-cia, a grande mentira, porque Frank Sinatra e normal, e umsujeito com quem voce pode topar numa esquina. Mas esse ou-tro ser, essa figura supranormal, afetou Frank Sinatra da mesmaforma que afeta qualquer um que assista a um de seus especiaisna televisao au que leia um artigo de revista sobre cle ...".

"No inkio", continua ele, "a vida de Frank Sinatra era taonormal que ninguem imaginaria, em 1934, que aquelc garotinhoitaliano de cabelos ondulados haveria de se tarnar 0 gigante, 0

monstro sagrado, a grande lcnda viva ... Ele conheceu minha maenum verao, na praia. Ela era Nancy Barbato, filha de Mike Bar-bato, um estucador de Jersey City. E ela conhece 0 filho do bom-beiro, Frank, num dia de verao, na praia de Long Branch, NovaJersey. Os dois sao italianos, cat6licos, pertencentes a baixa clas-se media e vivem um romance de verao - como em um milhaode filmes ruins estrelados por Frankie Avalon ..."

"Elcs tern tres filhos", dil. Frank, Jr. "De todos os filhos, Nancy,a mais velha, foi a mais normal. Nancy era animadora de torci-ela, ia para acampamcntos ele verao, elirigia um Chevro!ct, tcvc

um elesenvolvimento normal, centrado no lar e na familia. Eusou 0 segundo. Minha vida na familia foi bastante normal atesetembro de 1958, quando, em total contraste com a educac;ao deminhas eluas irmas, fui mandado para uma escola preparat6riapara a universidade. Fiquei afastado do circulo familiar, e ate hojenao consegui me reintegrar. .. Tina e a terceira. Para ser muitofranco, eu nao saberia dizer como e a vida dela ..."

o programa da CIIS, narrado por Walter Cronkite, comec;ouas dez da noite. Um minuto antes, tendo acabado de jantar, afamilia Sinatra se reuniu em volta da televisao, unida para 0 quedesse e viesse. Os homens de Sinatra, em outros pontos da cida-de, em outros pontos do pais, faziam a mesma coisa. 0 advogadode Sinatra, Milton A. Rudin, fumando urn charuto, assistia a tudocom olhos atentos, a mente alerta para as implicac;oes juridicas.Brad Dexter, Jim Mahoney, Ed Pucci tambem estavam diante deseus aparelhos de televisao; 0 maquiador de Sinatra, Britton "E5-pingarda"; seu representante em Nova York, Henri Gine; seu for-necedor de roupas, Richard Carroll; seu corretor de seguro5, JohnLillie; seu criado, George Jacobs, urn negro bonito que ouve dis-cos de Ray Charles quando recebe garotas no apartamento dele.

E como tantos outros temores de Hollywood, a apreensaocom 0 programa da CllS revelou nao ter nenhum fundamento.Foi uma hora de grandes lisonjas que, ao contrario do que di-ziam os boatos, nao se deteve em examinar a vida amorosa deSinatra, nem a mafia, nem outros aspectos de sua vida privada.Embora 0 documentario nao tivesse sido autorizado por Sinatra,"bem que poderia ter sido", escreveu Jack Gould no dia seguinteno New York Times.

Imediatamente depois do programa, os telefones come<;:a-ram a tocar em todas as organiza<;:6es ligadas a Sinatra, commanifestac,:6es de alcgria e alivio. De Nova York, veio 0 telegramade Jilly: "N(l, IJ(),\.lINt\\.I(lS (l MUNIJ()I".

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No dia seguinte, no corredor do edificio da :'JBC, onde iarecomeyar a gravayao de seu especial, Sinatra conversava com al-guns amigos sobre 0 programa da CBS. A certa altura ele disse:"Oh, foi muito divertido".

"Sim, Frank, urn puta dum programa.""Mas acho que Jack Gould tern razao em seu artigo do Times

de hoje", disse Sinatra. "Deviam ter tratado mais do homem, enao tanto da musica ..."

Os outros aquiesceram, e ninguem menClonou a histeriaque houve no mundo de Sinatra quando se pensava que a CBS

iria se concentrar no homem; eles apenas balanyaram a cabeya edois deles riram pelo fato de Sinatra ter conseguido enfiar a pala-vra "passarinho" no programa - palavra que ele adora usar. Elesempre pergunta aos seus companheiros "Como vai seu passari-nho?"; e quando quase se afogou no Havai, ele explicou depois:"S6 molhei urn pouco meu passarinho"; e numa parede da casado ator Dick Bakalyan, amigo seu, h<i uma fotografia em queSinatra aparece com uma garrafa na mao, e sob a qual se Ie:

"Beba, Dickie! E born pro seu passarinho". Na musica "Come flywith me", as vezes Sinatra muda a letra "basta querer/ levamosnossos passarinhos para Acapulco ... ".

Dali a dez minutos Sinatra entrou no estudio da NIlC, logodepois da orquestra, e 0 que se passou entao nem de longe lem-brava 0 que acontecera oito dias antes. Agora a voz de Sinatraestava 6tima, de fazia piadas entre uma musica e outra, e nada 0

abalava. A cena altura, quando elc estava no palco, junto de umaarvore, cantando "How can I ignore the girl next door", umacamera de televisao que estava em cima de urn carrinho se apro-ximou demais e bateu contra a arvore.

"Meu Deus''', disse urn dos tccnicos.

Mas Sinatra dava a impressao de mal ter notado."Tivemos urn pequeno acidente", disse ele, calmamente. E

recomeyou a cantar a musica desde 0 principio.Quando 0 programa acabou, Sinatra assistiu ao VT no mo-

nitor da sala de controle. Ficou muito satisfeito e trocou apertosde mao com Dwight Hemion e seus assistentes. Em seguida abri-ram garrafas de uisque no camarim. Pat Lawford estava la, assimcomo Andy Williams e muitos outros. Chegavam telegramas etelefonemas de todo 0 pais, elogiando 0 especial da CBS, Maho-ney disse ter recebido um telefonema de urn produtor da CBS,

Don Ilewitt, com quem Sinatra se enfurecera poucos dias antes.E embora Sinatra nao tivesse restriyoes contra 0 programa, aindaestava furioso, achando que a CBS 0 tinha traido.

"Devo escrever para Hewitt?", perguntou Mahoney."Voce consegue mandar um soco pelo correio?", perguntou

Sinatra.

Ele tem tlldo, 11110 collseglle dormir, da belos presentes, nao efeliz mas 1/(10 troearia 0 qlle ele e Ilem mesmo pela felicidade ...

Ele ji.zz parte de nosso passado - mas n6s envelhecemos, elenao ... n6s nos preoCllpamos com as coisas domesticas, ele mlo ... n6stemos remorsos, ele lIilo ... (/ ClIlpa e nossa, nao dele ...

Ele controla 0 menll de todos os restaurantes italianos de LosAngeles; se voce qlla comida do Norte da [tcilia, tern que pegar umaviao pa m M illio ...

Os homells 0 segllem, imitam-no, brigam para ficar pertodele ... ha nele algllma cois(/ de vesticirio, de caserna ... passarinho ...passarinho ...

Ele acha qlle a gente deve pensar grande, jogar aberto -quanto IIlIlis abertos nos somos, mais recebemos, mais aprofimda-mos lIossa dimel1slio illferior, mais crescemos, mais nos tornamos 0

qlle sOIlloS - malOrcs, IllCils Tleos ...

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"Ele e melhor qlle qllalqller olltra pessoa, all pelo menos eassim qlle as pessoas pensam, e ele tem de viver de modo a atendera essa expectativa." - l ancy Sinatra, filha.

"Par fora, ele e calma - par dentro, milhoes de coisas aconte-cem." - Dick Bakalyan

"Ele tem Ilm desejo insaciavel de viver cada momenta plena-mente, porqlle, segllndo me parece, sente qlle a Jim pode estar logoali, virando a esqllina" - Brad Dexter

"Em todos os mellS casamcntos, a Linica coisa qlle ganhei fa ramos dois (lnOS de analise qlle Artie Shaw me pagoll." - Ava Gardner

"Nc/O eramas mcle e Jilho - eramos amigos." - Dolly Sinatra"5011 a favor de qllalqller coisa qlle ajude a segllrar a onda

dllrante a noite, seja lima ora(:80, tranqliilizantes all uma garrafade Jack Daniel's." - Frank Sinatra

Frank Sinatra estava cansado de tantos coment<irios, detanta fofoca, de tanta teoria - cansado de ler referencias a siproprio, de ouvir 0 que as pessoas diziam sobre ele pela cidade.Aquelas tres semanas tinham sido muito chatas, ele comentou,e a unica coisa que queria agora era sumir, ir para Las Vegas,relaxar um pouco. Por isso ele pegou seu jato, sobrevoou as coli-nas da California, as planicies de Nevada, quilometros e quilo-metros de deserto, com destino ao hotel The Sands e a luta C1.ay-Patterson.

Na vespera da luta, ficou acordado a noite inteira e no diaseguinte dormiu atc 0 final da tarde, mas sua voz gravada podiaser ouvida no saguao do The Sands, no salao de jogos, e atenos banheiros, embora sempre fosse interrompida, depois de al-guns compassos, por chamadas como estas: "Telefone para 0 se-nhor Ron Fish. Senhor Ron Fish ... with a ribbon of gold ill herhair ... Telefone para 0 senhor llerbert Rothstein, senhor ~It:rbcrt

Rothstein ... memories afa time so bright, keep me sleepless throughdark endless nights ... "·

Naquela tarde, aglomerados no saguao do The Sands e deoutros hotcis na mesma rua, estavam os indefectiveis profetasde antes das lutas: apostadores, ex-(ampeoes, a arraia-miuda daEighth Avenue, os cronistas esportivos que criticam as grandeslutas 0 ana inteiro mas nunca perdem uma, os romancistas quesempre parecem identificar-se com este ou aquele boxeador, asprostitutas locais acompanhadas de gente de Los Angeles, e tam-bem uma jovem morena, num vestido preto de noite pregueado,postada diante da mesa do chefe dos mensageiros do hotel, gri-tando: "Mas eu quero falar com 0 senhor Sinatra".

"Ele nao est<i aqui", disse 0 chefe dos mensageiros."Voce nao pode ligar para 0 quarto dele?""Nao estamos em contato com ele, senhorita", disse ele.

Entao ela se voltou, vacilante, parecendo a beira das lagrimas, eatravessou 0 saguao em dire<,:ao ao grande e barulhento cassino,cheio de homens interessados apenas em dinheiro.

Pouco antes das sete da noite, Jack Entratter, urn homemalto, de cabelos grisalhos, que dirige The Sands, entrou no salaode jogos para anunciar a alguns homens numa roda de vinte-e-urn que Sinatra estava se vestindo. Disse tambem que nao conse-guiu cadeiras na primeira fileira para todos, por isso alguns deles- inclusive Leo Durocher, que estava com uma garata, e JoeyBishop, acompanhado de sua mulher - iriam ficar na terceira fi.-leira, e nao na frente, junto com Frank Sinatra. Quando Entratterentrou na sala para dizer isso a Joey Bishop, este ficou passado.Nao parecia estar com raiva; apenas olhou para Entratter numsilencio val.io, parecendo urn tanto aturdido.

. Tradll~;-l() literal: "com llma tita dOllrada !10 cahelo dela/ lembran~as de tem-

pos t;io dcl,·!tosos mc dClxam ,llort!.ldo por !1cgras !1oitcs sem rim". (~. E.)

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"Joey, sinto mllito'; disse Entratter quando viu que 0 outrose mantinha em silencio, "mas nao ha lugar para mais de seispessoas na primeira fila."

Bishop continuou calado. Mas quando todos foram assis-tir a luta, Joey Bishop estava na primeira fila, e sua mulher, naterceira.

A luta, chamada de guerra santa entre mouros e cristaos, foiprecedida de uma apresenta<,:ao de tres ex-campet")es j,l meio cal-vos, Rocky Marciano, Joe Louis, Sonny Liston - seguida do hinonacional, cantado por outro homem dos vdhos tempos, EddieFisher. la fazia mais de catorze anos, mas Sinatra ainda se lem-brava de cada detalhe: naquela epoca, Eddie Fisher era 0 novo reidos baritonos, junto com Billy Eckstine e Guy Mitchell, e Sinatraestava fora do pareo h,l tempos. Sinatra se lembrou de um diaem que ia entrando no estudio de uma emissora, por entre deze-nas de His de Eddie Fisher que esperavam no hall. Quando elas 0

viram come<,:aram a zombar dele: "Frankie, Frankie, me seguraque yOU riesnwiar". Era na epoca em que de vendia s6 uns 30 mildiscos por ano, quando, por algum engano terrivel, queriamvendc-Io como um sujeito engra<,:ado em seu programa de TV eem que gravou fracassos como" Mama will bark",' com Dagmar.

"Eu rosnava e latia na grava<,:ao", disse Sinatra, horrorizados6 de lembrar. "Se consegui fazer media com alguem, foi com oscachorros."

A voz e 0 gosto artistico dele cram incrivdmente ruins em1952, mas um fator que contribuiu de forma decisiva para 0 seudeclinio, na opiniao de alguns amigos, foi a corte que fez a AvaGardner. Na epoca, cla era a grande rainha do cinema, uma dasmais bdas mulheres do mundo. A filha de Sinatra, Nancy, lcm-bra-se de um dia ter visto va nadando na piscina de seu pai,

depois saindo da piscina com aquele corpo fabuloso, andandodevagar em dire<,:ao a lareira, inclinando-se sobre ela por urn ins-tante ... e de repente parecia que, miraculosamente, seus longoscabelos negros estavam enxutos, de volta ao lugar, sem que elativesse kito nada para isso.

Em rela<,:ao a maio ria de suas namoradas - dizem seusamigos -, Sinatra nunca sabe se elas 0 querem pelo que ele podefazer por elas agora ou pelo que podera fazer mais tarde. ComAva Gardner foi diferente. Ele nao tinha poder para fazer nadapor da mais tarde. Ela estava no auge de sua carreira. Se e queSinatra aprendeu alguma coisa em sua experiencia com ela, eque quando urn homem orgulhoso esta vencido, uma mulher naopode ajudar. Principal mente uma mulher que esta no auge.

Mesmo assim, com a voz cansada, ele conseguia expressaruma emo<,:ao profunda no que cantava durante aquele periodode sua vida. Uma can<,:ao da epoca, ainda hoje bem lembrada, e''I'm a fool to want you", e um amigo de Sinatra, que se encon-trava no estudio quando ele a gravou, relembra: "Frankie estavareal mente muito agitado naquda noite. Ele cantou a can<,:ao deuma vez, depois deu meia-volta, saiu do estLldio e pronto ...".

o empres:lrio de Sinatra ~lcpoca, um ex-locutor de radiochamado Hank Sanicola, disse: "Ava amava Frank, mas nao domodo como ele a amava. Ele precisa de muito amor. Ele queramor vinte e quatro horas por dia, ele precisa de gente a sua volta- hank e assim. Ava Gardner", continuou Sanicola, "era muitoinsegura. Eia temia nao poder conservar um homem ... Ele foi aAfrica duas vezes atras dela, prejudicando a pr6pria carreira ...".

"Ava nao qucria viver rodeada pdos homens de Frank 0

tempo todo", disse outro amigo de Sinatra. "Isso 0 deixava louco.Quando estava com Nancy, de costumava Icvar toda a orquestrapara casa, e Nancy, como boa esposa italiana, nunca reclamava- e providel1ciava um prato ck cspaguctc para cada um."

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Em 1953, depois de quase dois anos de casamento, Sinatrae Ava Gardner se divorciaram. A mae de Sinatra tentou pro-mover a reconcilia<,:5.o dos dois. Ava queria, mas Frank Sinatra,nao. Ele era visto com outras mulheres. Os ventos tinham mu-dado. aqucle periodo, Sinatra parece ter sofrido uma mudan-<;a:de menino cantor, de jovem ator vestido de marinheiro, tor-nara-se urn homem. Mesmo antes de ganhar 0 Oscar em 1953por sua atua<;ao em A lllll PI/SSO da eternidade, alguns laivosde seu antigo talento comeyavam a aflorar - em sua grava<;ao de"The birth of the blues", em sua apresenta<,:ao no nightclub Ri-viera, elogiada entusiasticamente pclos criticos de jazz; e agoraque a tendencia se orientava para 0 1.1', em detrimento das cur-tas gravayoes de tres minutos, 0 estilo de Sinatra, mais pr6ximodo concerto, fatalmente capitalizaria essa orienta<;ao, com ousem Oscar.

Em 1954, mais uma vez voltado inteiramente para seu tra-balho, Frank Sinatra foi considerado pela revista Metrollome "0

cantor do ano", tendo recebido tambem 0 premio da UPI, desban-cando Eddie Fisher - que agora, em Las Vegas, depois de cantaro hino nacional, desceu do ringue, e a iuta comeyou.

Floyd Patterson perseguiu Clay por todo 0 ringue no pri-meiro round, mas nao conseguiu atingi-lo. A partir da! ele setomou um brinquedo nas maos de Clay. A luta terminou em no-caute tecnico no 12v round. Meia hora depois, a luta estava pra-ticamente esquecida, e todos estavam de volta as mesas de jogoou faziam fila para comprar ingressos para 0 show habitual deDean Martin-Sinatra-Bishop, no palco do The Sands. Esse show,que conra tambem com Sammy Davis, Jr., quando de est,i emLas Vegas, consiste em umas poucas musicas e muiras interrup-y()CS,tudo muiro informal, muito especial, com graccjos e troca-dilhos sobrc a questao racial - Martin, com um drink na mao,pergunta a Bishop: Voce j,i viu um Jew jirsu?"; c Bishop, imitan-

do urn garyom judeu, diz aos dois italianos que ten ham cuidado"porque eu tenho a minha turma - a l'vfatzia". ~

Depois do ultimo show no The Sands, 0 grupo de Sinatra,que agora se compunha de umas vinte pessoas - inclusive Jilly,que viera de Nova York; Jimmy Cannon, 0 colunista esportivopreferido de Sinatra; Harold Gibbons, 0 segundo homem do po-deroso sindicato dos motoristas, que poderia assumir sua dire<;:aose Hoffa fosse para a cadeia -, formou uma fila de carros e se di-rigiu a outro clube. Eram tres da manha. A noite era uma crian<;:a.

Eles pararam no Sahara, ocuparam uma comprida mesa nofundo e fica ram assistindo ao show de urn humorista careca ebaixinho chamado Don Rickles, provavelmente 0 mais causticodo pais. Seu humor e tao grosseiro, de urn mau gosto tao abso-luto, que nao ofen de ninguem - e insultuoso demais para me-lindrar alguem. Tendo notado a presen<;:a de Eddie Fisher noshow, Rickles tratou de ridiculariza-lo como amante, dizendoque nao era de estranhar que ele tenha perdido Elizabeth Taylor;quando dois empresarios da plateia confessaram ser egipcios,Rickles come<;:ou a ataca-los por causa da politica do pais delesem rela<;:ao a Israel; e de ainda fez insinuay6es nada sutis de queuma mulher que se encontrava a uma das mesas com seu mari-do era prost it uta.

Quando 0 grupo de Sinatra entrou, Don Rickles nao cabiaem si de satisfa<;ao. Apontando para Jilly, Rickles gritou: "Comoe que voce se sente servindo de trator para Frankie? E isso mes-mo, lilly vai andando na frente de Frank, abrindo caminho". De-pois, fazendo urn sinal com a cabcya em dire<;:ao a Durocher,Rickles dissc: "Levante-sc, Leo, mostre a Frank como voce sai defininho". Depois assestou as batcrias contra Sinatra, nao deLxando

• /t'w: cm ingles, )udcll. !vfatzia: trocadilho de mafia com matzoh, pac azimojlldaico. (N. T.)

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de mencionar Mia Farrow, nem que ele usava peruca, nem queSinatra estava acabado como cantor, e quando Sinatra riu, todomundo riu, e Rickles apontou para Bishop: "Joey Bishop ficaolhando 0 tempo todo para Frank para saber 0 que e engrac,:adoeo que nao e".

Entao, depois que Rickles contou algumas piadas de judeu,Dean Martin se levantou e gritou: "Ei, voce vive falando em ju-deus, nunca sobre italianos", e Rickles 0 interrompeu: "Para queprecisamos de italianos? Eles s6 servem para espantar as moscasde nosso peixe".

Sinatra riu, todos riram, e Rickles seguiu nessa toada porquase uma hora ate que Sinatra se lcvantou e disse: "Est<i bern,vamos, acabe com isso. Eu tenho que ir".

"Cale a boca e senta aW, retrucou Rickles. "Tive que ouvirvoce cantar. .."

"Com quem voce pensa que esta falando?", perguntou Si-natra.

"Dick Haymes", respondeu Rickles, e Sinatra riu de novo.Entao Dean Martin derramou uma garrafa de uisque na pr6priacabeya, encharcando totalmente seu smoking, e esmurrou a mesa.

"Quem vai acreditar que aqucle sujeito que mal se equilibranas pernas c um astro?", disse Rickles, mas Martin gritou: "Ei, euquero fazer urn discurso".

"Cala a boca."

"Nao, Don, eu quero dizer", insistiu Martin, "que acho voceurn grande artista."

"Bern, obrigado, Dean", disse Rickles parecendo contente."Mas nao va por mim", disse Martin, caindo na cadeira. "Eu

estou bcbado."

"Vou fingir que acredito", disse Rickles.

Li pclas quatro da manha, Frank Sinatra saiu com seu gru-po do The Sahara, alguns com os copos de uisque na mao, bebe-ricando enquanto andavam na calyada em direc,:ao aos carros;entao, de volta ao The Sands, entraram no cassino. Ainda estavacheio de gente, as roktas a mil, os jogadores de dados gritandonum canto.

Frank Sin..atra, com urn copo de bourbon na mao esquerda,andou em meio a multidao. Ao contrario de alguns amigos seus,estava com a roupa impecavel, a gravata-borboleta no lugar cer-to, os sapatos imaculados. Ele parece nunca perder a dignidade,nunca baixa a guarda completamente, por mais bebado que este-ja, por pouco que tenha dormido. Ele nunca vacila ao andar, comoDean Martin, e nunca danc,:a por entre as mesas nem sobe nelas,como Sammy Davis.

Uma parte de Sinatra, esteja onde ele estiver, nunca est a la.Ha sempre uma parte dele, as vezes uma pequena parte, que con-tinua sendo II Padrone. Mesmo agora, apoiando 0 copo na mesade vinte-e-um, de frente para 0 crupie, Sinatra esta urn poucoafastado da mesa, e nao debruyado sobre e1a. Ele enfiou a maosob 0 palet6, pegou a carteira do bolso da cal<;a e tirou urn volu-moso mayo de notas, mas limpo e bem-arrttmado. Tirou devagaruma nota de cern d6lares e pas na mesa de feltro verde. 0 crupielhe deu duas canas. Sinatra pediu uma terceira, passou dos vintee urn, perdeu os cern d6lares.

Impassivel, Sinatra pas uma segunda nota de cern d6lares.Ele a perdeu. P6s entao uma terceira, e perdeu. Colocou entaoduas notas de cern d61ares' na mesa e as perdeu. Finalmente,depois de deixar a sexta nota de cern d61ares na mesa e perde-Ia,Sinatra afastou-se da mesa, fazendo urn sinal com a cabec,:a parao homem, dizendo: "Otimo ([upic".

A multidao que se juntara a sua volta abriu espayo para depassar. Mas uma mulhcr parou :\ sua frcnte e the estcndcu urn

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pedac;:o de papel para que ele autografasse. Depois de assinar 0

nome, ele Ihe dissc: "Muito obrigado".

No fundo do grande salao de jantar do The Sands havia umamesa comprida reservada para ele. Aquela hora, a salao estavaquase vazio, com pouco mais de vinte pessoas, entre elas uma mesacom quatm jovens desacompanhadas, sentadas perto de Sinatra.

o outro lado, em outra mesa comprida, sete homens estavamsentados juntos, contra a parede, dois deles de oculos escuros,todos comendo calmamente, quase sem dizer palavra, apenas co-men do, muito atentos ao que se passava em volta.

o grupo de Sinatra, de po is de se acomodar e de tomar maisalguns drinks, pediu alguma coisa para comer. A mesa era maisou menos do mesma tamanha da que If: reservada para Sinatra noJilly's, quando ele esta em Nova York; e as pessoas dispostas emvolta da mesa com Sinatra cram praticamente as mesmas que saovistas com Sinatra no lilly's, num restaurante da California, naltalia, em Nova Jersey ou onde quer que Sinatra esteja. QuandoSinatra senta-se para jantar, seus amigos de confian~a estao sem-pre perto; conde quer que ele esteja, e par mais elegante que sejao lugar, da para sentir um c1ima de suburbia, porque Sinatra, parmais alto que tenha chegado, continua sendo urn pouco 0 garotosuburbano - s6 que de pode levar 0 bairro consigo.

Dc certa forma, essa reuniao quase familiar numa mesa re-servada num espa<;o pllblico 15 a coisa mais proxima de uma vidade familia quc Sinatra tcm agora. Talvez, tendo tido um lar eabandonando-o depois, esse tipo de proximidade seja 0 m,iximoque ele procure ter; pode nao parecer exatamente assim, porqueele fala com muito carinho de sua familia, mantem estreito con-tato com a primeira mulher e vive insistindo para que cia naatome nenhuma decis<lo sem consulta-Io. Ele est<l sempre queren-do colocar scus m()veis e outras lembran<;as suas na casa dcla ouna de sua filha Nancy, e tem reia<JlcS amistosas com :\va Cardner.

Quando cle estava na ltalia fazendo 0 expresso Von Ryan, os doispassaram algum tempo juntos, sendo perseguidos, aonde querque fossem, pclos paparazzi. Correu 0 boato de que os paparaz-zi fizeram uma vaquinha e ofereceram 16 mil dolares para queele posasse com Ava Gardner; dizem que Sinatra fez uma contra-proposta de pagar 32 mil d6lares para poder quebrar a perna e abra<;o de um paparazzo.

Embora Sinatra goste de ficar em casa sozinho, podendapensar e ler sem interrup<;<"'Jes,h<iocasioes em que de se ve sozi-nho J noite, e mio porque 0 queira. Ele pode ter ligado para meiaduzia de mulheres e, por um motivo ou por outro, nenhumaestava livre. Entao ele chama seu criado, George Jacobs.

"Vou jantar em casa hoje, George.""Quantas pessoas virao?""So eu", diz Sinatra. "Quero uma coisa leve. Nao estou com

muita fome."George Jacobs divorciou-se duas vezes, tem 36 anos e se pa-

rece com Billy Eckstine. Ele viajou 0 mundo intciro com Sinatrae If: muito dedicado a ele. Jacobs mora num confortavel aparta-mento de solteiro no Sunset Boulevard, perto da Whiskey a GoGo, e 15 famoso na cidade por seu alegre grupo de garotas califor-nianas, suas amigas - algumas das quais, de admite, inicialmen-te 0 procuraram devido a sua proximidade com Frank Sinatra.

Quando Sinatra chega, Jacobs the serve na sala de jantar. En-tao Sinatra diz a Jacobs que ele pode ir para casa. Se numa des-sas noites Sinatra 0 convidasse para ficar mais um pouco ou parajogar algumas partidas de poquer, de aceitaria com prazer. MasSinatra nunca faz isso.

Era sua segunda noite em Las Vegas, e hank Sinatra ficoucom os amigos na sal,lo de jantar do The Sands ,lte umas oito

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horas da manha. Ele dormiu a maior parte do dia, depois voltoude aviao para Los Angeles, e na manha seguinte estava dirigindoseu carrinho de golfe no terreno da Paramount Pictures. Eledevia terminar as duas cenas finais do filme Assalto a !1m transa--tlantico com a ardente loira Virna Lisi. Quando manobrava 0

carrinho entre os predios do grande estudio, avistou Steve Rossi ,que, com seu parceiro de comedia Marty Allen, estava fazendourn filme com Nancy Sinatra em urn estudio ao lado.

"Ei, seu latino", gritou ele para Rossi. "Pare de beijar Nancy.""Faz parte do filme, Frank", disse Rossi, voltando-se para ele

sem parar de caminhar."Na garagem?""E meu sangue latino, Frank.""Trate de esfria-lo': disse Sinatra com uma piscadela, depois

dobrou a esquina e parou 0 carrinho diante de uma grande cons-trU<;:aoparda, dentro da qual seriam filmadas as cenas de Assalto.

"Onde esta 0 diretor, aquele gordo?", gritou Sinatra, entran-do a passos largos no estLldio cheio de assistentes tecnicos e atores,agrupados em torno de cameras. 0 diretor, Jack Donohue, urnhomem corpulcnto que trabalhou com Sinatra durante 22 anos,tivera mllita dor de cabe<;a com aquele filme. 0 roteiro foi corta-do, os atores pareciam inquietos e Sinatra ficou entediado. Masagora faltavam apenas duas ce as - uma curta, numa piscina, euma mais longa e ardente, em que Sinatra e Virna Lisi seriam fu-mados numa praia artificial.

A cena da piscina, em que Sinatra e seus comparsas seques-tradores nao conseguem pilhar 0 Queen Mary, foi facil e r<ipida.Depois de ficar com <lgua pclos ombros por alguns minutos, Si-natra disse: "Vamos rodar a cena, pessoal - a agua est •.l fria eacabo de sair de um resfriado".

Entao as cameras se aproximaram, Virna Lisi caiu na aguaperto de Sinatra, Jack Donohue gritou para os assistentes que

controlavam os ventiladores: "Vamos com essas ondas", urn ou-tro homem deu a ordem "Agitem a nglla!", e Sinatra comeyou acantar: "Agitem no ritmo", calando-se em seguida, momentos an-

tes de ligarem as cameras.Frank Sinatra estava na praia, para a cena seguinte, fingin-

do contemplar as estrelas, e Virna Lisi devia se aproximar, jogarum de seus sa~1dtos perto dele para anunciar sua presenya, depoissentar-se ao seu lado, preparando-se para uma cena t6nida. Pou-co antes de come<;ar, a srta. Lisi, para ensaiar, jogou 0 sapato emdire<;ao a Sinatra, deitado pregui<;osamente na praia. Quando elajogou 0 sapato, Sinatra exclamou: "Se voce acertar meu passari-

nho, eu YOU embora".Virna Lisi, que nao entende ingles muito bem, c com certe-

za nada do vocabulario particular de Sinatra, pareccu confusa,mas todos atras da camera riram. Ela jogou 0 sapato na direyaodele. Ele deu urn giro no ar e caiu na barriga dele.

"Bem, foi s6 uns oito centimetros acima", de disse. Maisuma vez, cla se perturbou com os risos que vinham de t[<is da

camera.Entao Jack Donohue fez com que des ensaiassem as respec-

tiva falas, e Sinatra, 'linda cansado da viagem a Las Vegas, e an-sioso para vcr as cameras funcionando, disse: "Vamos ten tar gra-var uma cena". Donohue, embora nao muito convencido de queSinatra e Lisi soubessem direito as suas falas, disse que sim, e urnassistente com a claquete falou "419, tomada I". Virna aproxi-mou-se com 0 sapato, jogou-o em Frank, deitado na praia. 0sapato caiu perto de sua coxa, a sobrancelha direita de Sinatraergueu-se quase imperceptivdmente, mas a equipe cntcndeu a

inten<;ao e sornu."0 que as estrclas Ihe dizem esta noite7

", dissc ,I srta. Lisi,sentando-se ao lado de Sinatra na praia, como estav,1 previsto no

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"As estrelas me dizem que sou urn idiota, urn idiota com-pleto para me meter numa coisa dessas ..."

"Carta", disse Donahue. Havia sambras de microfane naareia, e Virna Lisi naa estava sentada no lugar certa, iunto deSinatra.

"419, tamada 2", disse 0 homem da claquete.A srta. Lisi aproximou-se novamente, jogau 0 sapato na

dire<;ao dele. Desta vez ele caiu mais perto de Sinatra - ele ape-nas expirou levemente - e cIa dis e: "0 que as estrelas lhe dizemesta noite?".

"As estrelas dizem que sou urn idiota, urn idiota completopara me meter numa coisa dessas " Nessa altura, segundo 0 ro-teira, Sinatra deveria continuar: " Voce sabe em que estamosnos metendo? No instante exato em que pusermas 0 pc no con-yes do Queen Mary, estaremos marcadas", mas Sinatra, que mui-tas vezes improvisa as suas falas, disse: "Vace sabe em que esta-mas nos metendo? 0 instante exato em que pusermos os pes noconvcs dessa parra de navio ...".

"NCIO, nao", interrompeu Donohue balan<,:ando a cabe<;a."Nao acho que isso est<l certo."

As cameras pararam, algumas pessoas riram, e Sinatra ficouolhando como se tivesse sido interrompido sem razao.

"Nao veja por que nao pode ser assim ...", principiou ele,mas Richard Conte gritou de tras da camera: "0 filme nao vaipoder ser exibido em Londres".

Donohue enfiou a mao em seus finos cabelos grisalhos e,embora nao estivesse de fato com raiva, falou: "Tudo ia muitobem atc que algucm esqueceu a fala ...".

"Sim", disse 0 camera, Billy Danieb, apontando a cabe<,:aportras da camera: "A cena cstava muito boa ...".

"Cuidado com 0 que fala", interrompeu Sinatra. Ent,lo Sina-tra, que tem enormc LapaLidadc de invcntar m()tivo~ para nao

regravar cenas, deu a ideia de aproveitar 0 filme e depois regra-var a fala que fugiu ao script. A ideia foi aceita. Entao as camerasforam ligadas. Virna Lisi estava se inclinando em dire<,:ao a Sina-tra na areia, e ele a apertou contra si. A camera aproximou-separa um close de seus rostos, por alguns longos segundos, masSinatra e Lisi nao paravam de se bcijar, simplesmente continua-ram deitados. na areia, nos bra<,:os um do outro, e entao a pernade Virna Lisi levantou um pouquinho, e todos no estlldio fica-ram obscrvando em silcncio, atc que Donohue disse:

"Se em algum momento voces decidirem terminar isso, meavisem. Estamos ficando sem filme."

Entao a srta. Lisi levantou-sc, ajeitou 0 vestido branco, pen-teou os cabclos loiros para tras e retocou 0 barom, que estava bor-rado. Sinatra levantou-se com um pequeno sorriso nos labios ese dirigiu ao camarim.

Ao passar por urn homem mais vclho perto de uma came-ra, Sinatra perguntou: "Como vai a sua Bell & Howell?".

o outro sorriu."Esta 6tima, Frank.""Que bom."

o camarim, Sinatra encontrou um designer de autom6veisque [he mostrou 0 projeto de urn novo modelo, pcrsonalizado,para substituir 0 Ghia de 25 mil d6lares que ele vinha usando nosltltimos anos. Seu secreta rio, Tom Conroy, tambem 0 esperavacom uma sacola cheia de cartas de fas, inclusive uma de JohnLindsay, prefeito de Nova York; esperava-o tambcm Bill Miller,seu pianista, que qucria ensaiar algumas das musicas que elesiriam gravar no final da tarde para 0 mais novo album de Sinatra,,vIoollliglzt Sill(/tm. Ernbora de nao se importe em comcter certosexageros de intcrpreta<,:ao no set de filmagem, e cxtremamenteserio quando se trata de SCSS(lesde grava<,:ao; como explicou a umescritor ingles, Robin [)ouglas-I {orne: "Quando voce esta gravan-

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Hilt now the days are shortI'm in the autumn of the year

Ami now 1 think of my lifeAs vintage wine

From time old kegs ... '"'

atraves da orquestra e se faz sentir na cabine de controle, ondeuma duzia de homens, amigos de Sinatra, acenam para ele detras do vidro. Urn desses homens e 0 lan<;:ador dos Los AngelesDodgers, Don Drysdale ("Ei, O!", grita Sinatra, "ei, baby"); outro

, e 0 jogador de golfe profissional Bo Wininger; ha tambem gran-,4e numero de mulheres bonitas na cabine de controle, atras dosengenheiros de som, mulheres que sorriem para Sinatra e me-neiam 0 corpo suavemente, no ritmo melifluo de sua musica:

do uma musica, e voce e ninguem mais. Se ficar ruim e houve""rcriticas, 0 responsavel e voce - e mais ninguem. Se ficar bom ,tambem e voce. Com urn filme nunca e assim; ha produtores.,roteiristas e centenas de homens em escrit6rios, e a coisa escapa .de suas maos. Na grava<;:ao de uma musica, e s6 voce ...". ~

A esta altura ja nao importa que musica ele esta cantando,ou quem escreveu a letra - todas sac letras dele, sentimentosdele, sao capitulos do romance da vida dele.

Will this be moon loveNothing but moon love

Will yOll be gone when the dawnComes stealing through ... '"

Life is a IJeautifitl thingAs long as 1hold the string*'"'

Quando ele termina, eles ouvem a grava<;:ao, e Nancy Sina-tra, que acaba de entrar, vai ao encontro do pai em frente aorquestra, para ouvir a grava<;:ao. Eles ouvem em silencio, 0 rei ea princesa, sob os olhares de todos; quando a musica termina,ouvem-se aplausos na cabine de controle, Nancy sorri, seu paiestala os dedos e diz, dando urn chute no ar: "Obadabadooo!".

Entao Sinatra chama urn de seus homens. "Ei, Sarge, seraque posso tomar meia xicara de cafe"

Sarge Weiss, que estava ouvindo a musica, se levanta devagar."Nao tinha a inten<;:ao de acordar voce, Sarge", diz Sinatra

sorrindo.Entao Weiss traz a xicara, Sinatra da uma olhada no cafe,

cheira-o, e diz: "Eu pensei que cle ia ser legal comigo, mas e cafemesmo ...".

Ha mais sorrisos, e entao a orquestra sc prepara para 0 nu-mero seguinte. Uma hora depois, encerra-se a grava<;:ao.

Quando Frank Sinatra se dirige para 0 estudio, e como sedan<;:asse pela cal<;:ada, no trajcto entre 0 carro e a porta de entra-da; entao, estalando os dedos, ei-Io diante da orquestra numasala acolhedora, isolada, e logo 1eesta dominando cada homem,cada instrumento, cada onda sonora. Alguns dos musicos ja 0

acompanham ha 25 anos, envelheceram ouvindo-o cantar "Youmake me feel so young".

Quando sua voz esta em forma, como naqucla noite, Sina-tra fica arrebatado, a sala vibra, ha uma excita<;:ao que se irradia

• Tradu.;ao literal: "1\,1.15agora os Jias sao curtDS/ 0 Dutono chegou para mim/E entaD vcjo minha vidal Como Ull1 vinho envelhecido/ elll hons e velhos bar-ris (N. E.)

.• Tradu<;Jo literal: ":\ Vida C llllla coisa bela/ De.sdc:que ell esteja no 1c1llC:':(N. E.)• Tradll<;JO literal: "Sed esta Ull1.1noite de amor/ Somente de Jll1or/ E voce jated iJo cll1bora/ Quando, dc:vagar, ChCgM a ,lUrora ...". (N. E.)

Page 26: frank sinatra está resfriado0001

Os musicos guardam os instrumentos, pegam os palet6s ecome<;am a sair, dando boa-noite a Sinatra. Ele sa be 0 nome decada urn delcs, sabe tan to sobre a vida pessoal deles, sobre a epocaem que cram solteiros, sobre seus div6rcios, seus altos e baixos,quanta eles sabem da sua. Quando Vincent DeRosa - um italia-no baixinho que toca trompa e que trabalha com Sinatra desdea epoca de The Lucky Strike "Hit Parade" no radio - passouperto dele, Sinatra se adiantou e 0 reteve por urn instante.

"Vincenzo", disse Sinatra. "Como vai sua filhinha?""Est,i bem, Frank."

"Oh, cla j:l nao c mais uma menininha", corrigiu-se Sinatra."Agora j,i c uma mo<;a."

"Sim, cla est,l na universidade. Na lISC."

"Otimo.""Acho que cia atc tern talento, Frank, para can tar."Sinatra ficou calado por urn instante, depois disse: "E, mas

e bom que ela cuide primeiro dos estudos, Vincenzo".Vincent DeRosa concordou com a cabe<;a."Sim, Frank", disse ele. "Bem, boa noite, Frank.""Boa noite. Vincenzo."Quando todos os musicos se foram, Sinatra saiu da sala de

gravac;ao e foi encontrar sells amigos no corredor. Ele ia sair parabeber lIm pouco com Drysdale. \Nininger e mais alguns ami-gos, mas antes atravessoll todo 0 corredor para dizer boa-noite aNancy. que pegava 0 casaco, e se preparava para ir para casa diri-gindo 0 proprio carro.

Depois de beijar-Ihe 0 rosto, Sinatra apressou-se em ir ao en-contro dos amigos, na porta. Mas antes que Nancy tivesse tempode sair do cstudio, UIl1 dos hOl11ens de Sinatra. AI Silvani, ex-empresario de boxe. a alcanc;ou.

"),i csta pronta para sair. Nancy?""Gh, IT1uito obrigada, AI". clissc ela. "1\las est<1tudo bCIl1."

"Ordens do Papa", disse Silvani, lcvantando as maos, as pal-mas bem ;1 mostra.

0<ancy apontou para dois amigos dela c;ue iam acompanha-Iaate em casa, Silvani os reconheceu, e S(l entao se decidiu a ir embora.

o resto dq mes foi ensolarado e refrescante. A gravac;ao ficouatima, as filmagens tinham terminado, os programas de '1'\' ti-nham ficado para tr,is, e agora Sinatra estava em seu Chia, a Gl-rninho do escritl)rio. para coordcnar os proximos projetos. Tinhaurn encontro no The Sands, um novo filme de espionagem cha-rnado a servi~'o secreta elll a~c1o, que seria rodado na Inglaterra, ernais dois ,ilbuns a serem gravados nos meses seguintes. E dentrode uma semana cle completaria cinquenta anos ...

Life is {/ bealltiflll thingAs lOlIg (/5 I hold the string

I'd be (/ silly so-a lId-soIf I shollld ever let go ...•.

Frank Sinatra paroll 0 carro. 0 sinal estava vermciho. Os pe-destres foram passando rapidamente na frente de seu para-brisa.mas como sempre acontece, um dos passantes nao foi embora.Era lima mo<;a de uns vinte anos. Ela ficou parada no meio-fio,olhando para cle. Sinatra a via pelo canto do olho esquerdo, esabia, po is isso acontece quase todo dia, que ela estava pensando"E. p(/recido com ele, m(/s sera qlle e eld".

Pouco antes de 0 sinal abrir, Sinatra voltoll-se para cia, olhou-adiretamente nos olhos, esperando peb reac;ao que fatalmente vi ria.Veio. c elc sorriu. Ela sorriu. e elc sc foi.

• Tr;ldu~',\" Iltl'r,d: ";\ Vld.t .: um,1 (OIS,1 be!.ll Dcsdc que cu es(ej.t no Icmc/ E eu

'l'rl,1 Ull1 I'"brc (onto! Sc ,I delX,ISSC i';lSS,lr Clll br.tnco". (N. E.)