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Universidade do Estado do Pará - UEPA Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Francisco Aires Neto CARNAVAL DAS CRIAS DO CURRO VELHO: Espaço Educativo de Produção de Saberes BELÉM 2016

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Universidade do Estado do Pará - UEPA Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação

Francisco Aires Neto

CARNAVAL DAS CRIAS DO CURRO VELHO: Espaço Educativo de Produção de Saberes

BELÉM 2016

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Francisco Aires Neto

CARNAVAL DAS CRIAS DO CURRO VELHO: Espaço Educativo de Produção de Saberes

Dissertação apresentada como requisito para ob-tenção do grau de Mestre em Educação no Pro-grama de Pós-Graduação em Educação na Uni-versidade do Estado do Pará. Linha de pesquisa: Saberes Culturais e Educa-ção na Amazônia. Orientadora: Prof.ª. Drª. Nazaré Cristina Carva-lho

BELÉM 2016

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

A298c

370.71

Aires Neto, Francisco

Carnaval das Crias do Curro Velho: Espaço Educativo de

Produção de Saberes / Francisco Aires Neto – Belém, 2016.

150p.il.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do

Estado do Pará, Belém, 2016.

1. Educação não formal. 2. Saberes. 3. Criança. 4. Carnaval.

5. Curro Velho. I. Título.

CDD – 23.ed. 370.71

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Francisco Aires Neto

CARNAVAL DAS CRIAS DO CURRO VELHO: Espaço Educativo de Produção de Saberes

Dissertação apresentada como requisito para ob-tenção do grau de Mestre em Educação no Pro-grama de Pós-Graduação em Educação na Uni-versidade do Estado do Pará. Linha de pesquisa: Saberes Culturais e Educa-ção na Amazônia. Orientadora: Prof.ª. Drª. Nazaré Cristina Carva-lho

Data da defesa: 13/08/2016.

Banca Examinadora

________________________________________________________________ Prof.ª. Drª. Nazaré Cristina Carvalho – Orientadora – UEPA ________________________________________________________________ Prof.ª. Drª. Denise de Souza Simões Rodrigues – (Examinadora interna) – UEPA ________________________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Jorge Martins Nunes – (Examinador externo) – UNAMA

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À minha esposa Ermecila de Fátima Meireles Aires, meu filho

Elias Colares Meireles Neto e minha filha Ana Letícia Meireles

Aires, pessoas que são parte de meu existir e que estão para

mim presentes neste trabalho de diversas formas.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho não teria existido sem a participação de algumas pessoas que,

de alguma forma, contribuíram para ser quem sou e chegar onde cheguei. Portanto,

gostaria de agradecer:

Ao meu pai, Walmir Capibaribe (in memorian), quem mesmo desconhecendo

a palavra escrita, deixou muitas lições escritas em minha vida; à minha mãe, Maria

Aires Capibaribe, quem me apresentou as primeiras palavras e números,

acompanhando-me com eles até onde seu conhecimento permitiu. Ambos me

seguiram em minhas descobertas do mundo, tão longe quanto minha consciência

pode lembrar.

À minha esposa, Ermecila de Fátima Meireles Aires, companheira de todas as

horas que me apoia sempre e a quem sou muito grato por ter decidido dividir os

prazeres e as angústias desta existência comigo. Agradeço todo o apoio dela e a

sua compreensão nas ausências que a dedicação aos estudos e ao trabalho

inevitavelmente me impôs.

Aos meus filhos, Elias Colares Meireles Neto e Ana Leticia Meireles Aires,

pessoas a quem tenho a honra de ser pai, que também tiveram compreensão em

minhas ausências cotidianas por conta desse trabalho. Vê-los na busca de seus

sonhos e no enfrentamento de suas angústias, crescendo com isso, sempre me dá

forças para seguir em frente.

À Nazaré Cristina Carvalho, que aqui omito o título formal uma vez que me

dirijo à pessoa, este trabalho jamais teria acontecido sem a sua orientação, pois

foram muitas as dúvidas e as angústias neste caminho e sempre pude contar com

sua presença ao meu lado. Para decidir ser educador num país como o nosso é

realmente necessário gostar do que faz.

À Denise de Souza Simões Rodrigues, pessoa a qual conheci neste

mestrado, passando a ter grande afeto; educadora de coração, que é dura quando

precisa ser, mas tem um colo enorme onde acolhe seus alunos. Passei a admirá-la

como pessoa e profissional que é.

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Ao Paulo Jorge Martins Nunes, poeta que me deu muitas indicações durante

minha qualificação, pessoa que tentou colocar um pouco de poesia no meu trabalho

inclusive no título. Um dos maiores desafios durante esta pesquisa me foi dado por

ele, ler Dalcídio Jurandir, agradeço sua atitude instigadora de quem quer oportunizar

ao pesquisador a sensibilidade do poeta.

À Fundação Cultural do Pará, na pessoa de sua presidente Dina Maria César

de Oliveira, pelo apoio à pesquisa na Instituição, compreendendo a importância de

pesquisar e de escrever sobre o trabalho desenvolvido com as crianças.

Aos pais das crianças participantes dessa pesquisa por sua compreensão e

confiança para que seus filhos fizessem parte deste trabalho, bem como às crianças

que, com suas vivências e alegria, deram sentido às palavras aqui presentes,

busquei representá-las da forma mais autêntica que minhas limitações permitiram.

Concluindo, agradeço a todos meus companheiros de mestrado, sei o quanto

é difícil, em nosso país, chegarmos onde estamos. São pessoas com quem dividi

muitos momentos de angústias e de alegrias nas disciplinas deste processo

educativo e que deram, algumas vezes até sem saber, suas contribuições para o

bom andamento desta pesquisa.

Por fim, aos meus amigos que a vida me deu, os quais sempre me apoiam e

incentivam nas minhas jornadas em busca do saber; o que, para mim, é a própria

essência da busca do meu ser e do meu existir.

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RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo a identificação e a análise dos saberes que

circulam durante a festividade do carnaval das Crias do Curro Velho na Fundação

Cultural do Estado do Pará (Fundação Curro Velho até o final de 2014), assim como

os possíveis processos educativos presentes no compartilhamento desses saberes.

Adotei como método a fenomenologia, porém, associado ao método fenomenológico

também fiz uso do método etnográfico, com o objetivo de dar conta de aspectos

culturais. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, utilizando como técnicas de coleta de

dados a entrevista focal, a observação participativa e os registros filmográficos e

fotográficos. Como técnica de análise fiz uso da descrição densa e da análise

fenomenológica. Foram identificados, ao final deste trabalho, diversos saberes nas

crianças, agrupados em categorias como: sociais, corporais,

estruturais/organizacionais, religiosos. Concluí que são diversos os saberes

presentes, trazidos e compartilhados pelas crianças durante o carnaval das Crias do

Curro Velho. Saberes estes que instrumentalizam as crianças em suas explicações e

apropriações do mundo que as cerca e que têm uma episteme que lhe é peculiar, a

qual passa pelo brincar, pelo compartilhar e pela ludicidade presente na festividade

carnavalesca.

Palavras-chave: Educação não formal. Saberes. Criança. Carnaval. Curro Velho.

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ABSTRACT

This research work aimed identifying and analyzing the knowledge circulate

during the carnival festivity of Crias do Curro Velho, in the State of Pará Cultural

Foundation (Foundation Curro Velho by the end of 2014), as well as the possible

educational processes present in the sharing of this knowledge. I adopted as method

the phenomenology; however, associated with the phenomenological method I also

made use of the ethnographic method with the aim to take account of cultural

aspects. This is a qualitative research, using as data collection techniques focal

interview, participatory observation and video recordings and photographs. As

analysis technique made use of dense description and phenomenological analysis.

They were identified at the end of this research work diverse knowledge in children

who were grouped in categories such as social, from body, structural/organizational,

religious. I concluded that there are several knowledge present, brought and shared

by children during the carnival of the Crias do Curro Velho. Knowledge that provides

tools to these children in their explanations and appropriation of the world around

them and have an episteme peculiar to it, which passes through the play, the sharing

and the playfulness in this carnival festival.

Key words: Non-formal Education. Knowledge. Child. Carnival. Curro Velho.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FOTO 1 Desenho camisa 2011 – Acervo do autor 15

FOTO 2 Desenho camisa 2012 – Acervo do autor 15

FOTO 3 Desenho camisa 2014 – Acervo do autor 16

FOTO 4 Desenho camisa 2016 – Acervo do autor 16

FOTO 5 Ensaio Bateria Crias do Curro 2011 – Acervo do autor. 17

FOTO 6 Representantes de diversas alas do desfile de 2011 – Acervo

do autor 18

FOTO 7 Crianças brincantes da comunidade – Acervo ao autor 19

FOTO 8 Vista frontal prédio das Oficinas Curro Velho – Acervo do

autor. 39

FOTO 9 Localização Geográfica das Oficinas Curro Velho –

Elaborado pelo autor a partir de imagens do Google 40

FOTO 10 Vista baía do Guajará – Acervo do autor 40

FOTO 11 Vista da Cidade – Acervo do autor 40

FOTO 12 O Matadouro – Foto extraída do relatório Antônio Lemos de

1905 que mostra o prédio do Curro visto da cidade. 72

FOTO 13 Matadouro Municipal – Foto extraída do Álbum de Belém

1902 que mostra o prédio do Curro visto da baía do Guajará. 72

FOTO 14 Curro Velho em 1989 – Foto de Paula Sampaio publicada em

reportagem de O Liberal, Ano III, nº- 594 de 21 de dez. de

1989, Caderno Cidades. 76

FOTO 15 Oficinas Curro Velho em 2016 – Acervo do autor 77

FOTO 16 Oficinas Regulares Curro Velho em várias áreas – Acervo do

autor 79

FOTO 17 Oficinas Núcleo de Produção em várias áreas – Acervo do

autor. 79

FOTO 18 Paisagem Ribeirinha – Carnaval de 2011 (Piracema) –

Acervo do autor 82

FOTO 19 Paisagem Urbana (Belle Époque) – Carnaval de 2016 (Chuva

de Amor Por Belém) – Acervo do autor 83

FOTO 20 Mosaico de fotografias dos desenho de alguns dos figurinos 97

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– Acervo do autor

FOTO 21 Mosaico de fotografias de alguns desenhos das crianças –

Acervo do autor 98

FOTO 22 Ensaio mestre-sala e porta-bandeira – Acervo do autor 105

FOTO 23 1º Casal mestre-sala e porta-bandeira - Boto e Belle Époque

– Acervo do autor 105

FOTO 24 O movimento da maré (ensaio) – Acervo do autor 106

FOTO 25 A prendendo a tocar com as baquetas – Acervo do autor 112

FOTO 26 Organização dos instrumentos na bateria – Acervo do autor 113

FOTO 27 Ensinar e aprender – saberes do compartilhar – Acervo do autor 129

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

1.1 Chegando ao Curro Velho 12

1.2 Problema, questão norteadora e objetivos 23

1.3 Perspectiva teórica-filosófica 24

2 TRILHAS METODOLÓGICAS 28

2.1 Procedimentos iniciais de pesquisa 28

2.2 Tipo de Pesquisa / Técnicas 32

2.3 O local da pesquisa 39

2.4 Sujeitos da pesquisa 42

2.5 Categorias de Análise 45

2.5.1 Os Saberes 45

2.5.2 A Educação 50

2.5.3 A Criança 52

2.5.4 O Carnaval 59

2.6 A estrutura da dissertação 68

3 O MATADOURO QUE VIROU ESCOLA DE ARTE 70

3.1 O Curro Velho 70

3.2 A arte como intervenção social 74

3.3 Oficinas Curro Velho: espaço de saberes 78

3.4 As crianças e o Carnaval 80

4 A ARTE E A VIDA NO RITMO DO CARNAVAL: o desfile das Crias do Curro Velho

84

4.1 Vivências iniciais 84

4.2 Aproximação para pesquisa 88

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4.3 A chegada das crianças 93

4.4 A apresentação do tema do desfile para as crianças 98

4.5 Os casais de mestres-salas e porta-bandeiras 103

4.6 As alas observadas 106

4.7 A bateria da escola de samba 110

4.8 As entrevistas 114

4.9 Um compartilhar educativo 127

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 133

REFERÊNCIAS 138

ANEXOS 145

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1 INTRODUÇÃO

1.1 Chegando ao Curro Velho

Sendo de origem nordestina cheguei à capital do Pará no início da década de

oitenta e maravilhei-me com a cidade, seus rios, igarapés, frutas, praças e seus

“túneis de mangueiras” que o cotidiano às vezes nos faz esquecer. Residi em

diversos bairros iniciando pela Cremação e passando pela Condor, Atalaia, Coqueiro

e finalmente em 2002 no bairro do Telégrafo.

Neste bairro já havia na época uma Instituição que trabalha fazendo uso da

arte-educação com crianças e adolescentes, mas pouco sabia sobre a mesma, o

que ouvia falar era sobre o carnaval promovido por ela e das oficinas de arte que lá

aconteciam. Levei algumas vezes meus filhos para ver o carnaval das Crias do

Curro Velho e foi assim que se deu meus primeiros contatos com este universo da

Fundação. Nestes desfiles me chamava a atenção a quantidade de crianças que

participavam, havia alas de crianças pequenas, onde algumas me pareciam ter

cerca de cinco a seis anos, e a partir desta idade estariam presentes nas diversas

alas até adolescentes, divididos mais ou menos por faixa etária.

Nestes desfiles também me chamou a atenção a ala da bateria da escola de

samba, nesta sempre estavam presentes crianças, algumas até bem pequenas

talvez com seis ou sete anos. Na ala da bateria havia uma maior diversidade de

faixa etária em comparação com as outras alas, já que havia muitos adolescentes, e

me chamava a atenção a participação de crianças tão pequenas desenvolvendo tão

bem o samba enredo do desfile.

O fato é que acompanhava o desfile mais para oportunizar aos meus filhos

uma experiência diferente do que propriamente para brincar o carnaval e não

chegava a ir até a Instituição, local onde sempre finda o desfile. Em 2008 o Governo

do Estado abriu concurso para a Fundação Curro Velho - FCV e nas vagas ofertadas

havia vagas para psicólogo, quando então fui aprovado e nomeado em novembro de

2010, iniciando a partir daí meu convívio mais próximo com o espaço da FCV, agora

na qualidade de servidor público.

Em 2010 ocorreram as eleições majoritárias em nosso país, e quando fui

nomeado de fato já havia sido concluídas as eleições e definidos os próximos

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governantes, de forma que a Instituição se encontrava numa fase de transição de

Governo. Naquele momento não estavam ocorrendo oficinas na Fundação1 e o

maior trabalho em que os servidores estavam engajados, eram os relatórios para a

transição de governo.

Porém, havia um único espetáculo sendo preparado naquele momento e este

foi meu primeiro contato com os trabalhos realizados na Fundação de uma forma

mais direta, pois agora estava na qualidade de servidor, participando do mesmo não

mais como espectador. Era uma peça a ser apresentada no de final de ano no Auto

de Natal intitulada “Semente 3000”, dirigida pelo Sr. David Matos2 que tratava de um

tema atual, o eterno embate entre tecnologia e meio ambiente, numa projeção

imaginária de nosso mundo no ano 3000. Participei deste trabalho acompanhando

as reuniões do grupo de instrutores e as crianças nos ensaios intervindo junto a

equipe de direção no que dizia respeito ao suporte de psicologia.

Além do olhar sob a ótica da psicologia, tendo sido minha primeira formação a

licenciatura, não pude deixar de ter um olhar sobre os processos ligados à educação

e, neste aspecto, me chamou atenção alguns processos educativo e de formação do

sujeito que ali se davam. As crianças e adolescentes que participaram do espetáculo

de fato foram coautores do mesmo, pois os personagens, falas e mesmo roteiro foi

construído junto com as crianças e com os adolescentes que participavam como

instrutores e como apoios3 da equipe técnica de direção. Esta equipe de direção

além de David Matos, contava com Aline Chaves4 e Antônio Segtowich5 (Xé).

Esta ação se apresentou para mim como um processo educativo, onde o mais

importante não é exatamente a apresentação de uma peça teatral, mas todo o

processo de composição, criação, produção, enfim, de formação de pessoas. Aqui o

caminho e o caminhar se tornara mais importante que o destino. Cada participante

sejam as crianças, os adolescentes, os instrutores, diretores e eu próprio enquanto

breve participante, tivemos possibilidade de crescer, de perceber-se construindo algo

e principalmente em equipe, de desenvolver laços de amizade, respeito, autoestima, 1 Neste trabalho utilizarei as referências, Fundação Curro Velho, Oficinas Curro Velho, Fundação ou Curro Velho para designar

a mesma instituição. Quando for referir-me a outra fundação esclarecerei. 2 Nome artístico de Luiz Evandro Passos, roteirista, dramaturgo, iluminador e profissional em arte. Blog pessoal:

<http://davmatos.wix.com/davidmatos#!about-me/cicd>. Acesso em: 25 de nov. de 2015. 3 Apoio é o nome dado as pessoas contratadas para dar suporte diverso nas ações da Instituição, em muitas ocasiões são ex-

alunos nas diversas áreas artísticas. 4 Artista visual e educadora, tem o teatro de bonecos e reaproveitamento de materiais como foco de seu trabalho. Blog pesso-

al: <http://hdaline.wix.com/aline-chavez>. Acesso em: 25 de nov. de 2015. 5 Diretor de arte multimídia, arquiteto, carnavalesco, fotografo, ator e bonequeiro, falecido em 2015. Blog pessoal:

<http://antoniosetowich.blogspot.com.br/>. Acesso em: 25 de nov. de 2015.

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enfim, valores humanos. Este trabalho atendia a finalidade da então Fundação Curro

Velho de desenvolver políticas públicas que auxiliem o jovem em situação de

vulnerabilidade social. Segundo Gonçalves(2010): As políticas públicas sociais representam, na sociedade brasileira contemporânea, um espaço de promoção de direitos, na direção da superação das desigualdades sociais. […] Neste sentido, as políticas públicas devem reconhecer a realidade social estruturada sobre a desigualdade e contribuir para sua superação. (GONÇALVES, 2010, p.19-20).

Ali iniciava meu novo contato com a Fundação e seu universo artístico e

cultural, e também com as histórias de vida dos moradores do entorno da Instituição,

um prédio que renasceu como uma fênix, com uma proposta bem distinta da qual foi

criado originalmente.

O espetáculo foi apresentado e iniciou-se o ano novo de 2011 com a posse do

novo Governo do Estado, então algo se impôs para mim de imediato como próximo

desafio, o Carnaval das Crias do Curro Velho. Este termo “Crias do Curro Velho” vim

a saber que se dava ao fato de que fundada deste 1990, a Instituição, já com seus

20 anos na época em que comecei a trabalhar na mesma, havia “criado” muitas de

suas crianças e adolescentes em suas oficinas de arte, e estas crianças vivenciaram

parte de suas infâncias e adolescências dentro da Instituição sendo, portanto,

denominados até hoje de “Crias do Curro Velho”. O termo “Crias do Curro Velho” faz

parte de um conjunto de significações que nas palavras de Castoriadis (2004, p.130)

“uma vez criadas, tanto as significações imaginárias sociais quanto as instituições se

cristalizam ou se solidificam, e é isso que chamo de imaginário social instituído”.

Com a mudança de governo a nova gestão, nas pessoas da Presidente e sua

equipe, reuniu com os técnicos para apresentar a proposta do desfile de carnaval

daquele ano. Nesta ocasião havia um grupo de servidores que já conhecia esta

realidade desde o início pois encontravam-se na modalidade de temporários desde a

constituição da Fundação, bem como uma nova equipe concursada e recentemente

nomeada, à qual fazia parte.

Chamou-me a atenção o envolvimento de todos durante o processo, num

regime de mutirão, onde mesmo com suas diversas funções e formações

profissionais todos de certa forma se transformaram num amálgama humano, numa

matéria prima para a criação de um novo, no já velho conhecido carnaval das

crianças, que nesta ocasião teve como tema a Piracema.

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Desta forma foi que as atividades desenvolvidas com as crianças foram

novamente meu cartão de visita da Fundação, pois isto já me ocorrera apenas como

espectador, antes de trabalhar como servidor público na mesma. Este fato muito me

agradou, pois tanto gosto do trabalho comunitário como o com crianças e

adolescentes. Agora porém, estava tendo a oportunidade de interagir mais próximo

com este processo de construção do desfile carnavalesco das Crias do Curro Velho.

Neste primeiro carnaval que participei, o tema foi escolhido pela gestão e

posteriormente apresentado aos técnicos, e com estes discutidos como seria a

estrutura do desfile. Aqui foram solicitados pela Gestão, ideias sobre as alas e o

tema de cada ala, de forma a ter um contexto coerente com o tema central da

Piracema. Neste momento não houve a participação das crianças. Mas penso da

importância de destacar o chamado dos servidores como um todo para discutir o

processo, isso de fato foi um cartão de visita dos recém-nomeados da Instituição.

Como o intervalo de preparação e ensaio do desfile de carnaval não é muito

grande, uma vez que sempre se tem um espetáculo do final de cada ano, o “Auto de

Natal”, que como o nome indica só termina no natal, sobra pouco tempo para

preparar o desfile das Crias do Curro Velho. Normalmente tem ocorrido que a gestão

decide o tema, e se elabora o samba enredo sem interlocução com as crianças.

Posteriormente se apresenta para elas o material inicial a partir de oficinas, e ai sim

se discute com elas os temas correlatos que elas trazem de sua vivência cotidiana, e

neste processo chega-se aos desenhos para as camisas, cartazes e todo material

promocional do evento, como nas fotos a seguir. Também daqui, algumas vezes,

surgem ideias para as fantasias e temas das alas do desfile.

Foto 1 – Desenho camisa 2011

Fonte: Acervo do autor

Foto 2 – Desenho camisa 2012

Fonte: Acervo do autor

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Foto 3 – Desenho camisa 2014

Fonte: Acervo do autor

Foto 4 – Desenho camisa 2016

Fonte: Acervo do autor

Em janeiro de 2011 começou o fervilhar de crianças que vinham à Instituição

nos finais de semana para o ensaio, estes aconteciam nos sábados à tarde e nos

domingos pela manhã, isso para que as crianças que estudam regularmente tanto

do turno matutino como vespertino pudessem participar. Sendo a grande maioria

residente do entorno do Curro Velho, chegavam arrastando seus irmãos, primos e

vizinhos menores pelas mãos e muitos sem a presença dos pais. Percebi que este

processo era o cotidiano das crianças, que muito à vontade tinham se apropriado

dos espaços da Fundação, como se estivessem em seu domicílio. Não foi

necessária divulgação pois as crianças e adolescentes já haviam incorporado o

evento ao calendário cultural da comunidade.

A lembrança da visão daquele movimento agitado das crianças ao

apoderassem dos espaços da Fundação, onde parece que “nasciam do chão”, me

remeteu ao que Pitta (2005, p.23) interpretando Durand chama de símbolo

teriomórfico do fervilhamento, símbolo este que vem fazer aparecer o arquétipo,

evocado por aqueles movimentos das crianças, da vivacidade, do novo, da

inquietude, da agitação aparentemente desordenada e fora do controle, de uma

energia que parece não poder ser contida, pois que surgiam de todos os lados e

agitadas em suas correrias e brincadeiras pareciam multiplicar-se ainda mais aos

meus olhos e ouvidos.

De fato nunca imaginei ver este espetáculo festivo e cultural sob o ângulo que

estava presenciando naquele desfile das Crias do Curro Velho, uma grande

brincadeira infantil, onde a criança vivencia em sua fantasia a realidade a que

pertence de uma outra forma, pois a piracema, o defeso, os diversos peixes das

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fantasias, o ambiente ribeirinho retratado nos carros alegóricos, no samba enredo e

fantasias, eram parte integrante de seus cotidianos. Muitos tinham pescadores na

família, além de conviverem com as histórias do rio num amálgama com as da

cidade, apropriando-se e reconstruindo seu meio social, seu cotidiano e sua cultura.

Em relação a parte musical, a bateria do desfile foi algo que me chamou a

atenção, nela crianças das mais diversas idades a partir de seis anos e

adolescentes, descobriam e compartilhavam ritmos, instrumentos diversos e mais

ainda uma harmonia imprescindível a existência do coletivo, do social, um exercício

do encontro com o outro. O ritmo tem íntima relação com o tempo, seu passar e seu

repetir, e o tempo é parte intima e constituinte do ser, nosso organizar do existir

passa necessariamente por uma temporalidade, seja como sucessão ou

pareamento.

A bateria da escola de samba, foto seguinte, me é muito interessante, pois os

diversos instrumentos têm seu próprio tempo, e necessitam harmonizar-se com dos

outros, como cada criança com relação a si e aos seus pares, criando um ritmo, uma

duração de tempo, e Sodré nos coloca que “o ritmo musical implica uma forma de

inteligibilidade do mundo, capaz de levar o indivíduo a sentir, constituindo o tempo,

como se constitui a consciência” (SODRÉ, 1998, p.19). O tempo é talvez uma das

noções mais antigas que temos, está na audição do bater cardíaco de nossas mães

ainda no útero, no nosso próprio coração e respiração, está no dia na noite, nas

fases da lua e nas estações do ano, sempre esteve ligado ao nosso íntimo e ao

nosso meio. Também está ligado ao vivenciar de nossas relações de apropriação do

mundo, há temporalidades distintas nas marés de nossos rios e na concretude da

nossa cidade.

Foto 5 – Ensaio Bateria Crias do Curro 2011

Fonte: Acervo do autor

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Logo cada instrumento deve vir a seu tempo e ritmo em acordo com os

outros, assim e só assim é que surge a grande magia do samba enredo. Deste

modo também são as crianças, que vindo cada uma com seus saberes, vivências,

interagem em acordos desenvolvidos em sua prática de modo a comporem o que

vem a ser a substância e a essência deste evento cultural. Ver crianças interagindo

neste universo, divertindo-se e apropriando-se da música foi realmente algo

diferente para mim.

Distribuídas por alas de acordo com a idade, as crianças ensaiavam,

experimentavam as fantasias, aprendiam o samba enredo e principalmente

divertiam-se, era notório como praticamente todas se conheciam, pois eram vizinhas

e companheiras de brincadeiras pelas ruas de sua comunidade, ou até mesmo

estudavam na mesma escola. Na foto a seguir se tem representantes de algumas

alas como a infantil, barqueiros, baianas e passistas, o momento foi capturado

durante uma apresentação para a gravação de uma chamada pública para o desfile

feita por uma rede de televisão local para o desfile de 2011.

Foto 6 – Representantes de diversas alas do desfile de 2011.

Fonte: Acervo do autor.

E assim foram meus primeiros contatos com a então Fundação Curro Velho,

hoje Oficinas Curro Velho - OCV, parte integrante da Fundação Cultural do Pará -

FCP, e sua arte, sua proposta educativa social e seu carnaval das Crias do Curro

Velho, contato que me instigou a buscar conhecer melhor este processo de

apropriação da realidade por parte das crianças e seus saberes ali presentes.

Esta jornada me levou por diversos caminhos, visitei uma Belém antiga onde

se iniciou a história do local onde hoje funciona as Oficinas Curro Velho, momento

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em que toda uma infraestrutura se criou para atender uma necessidade sanitária da

cidade, a criação de um novo matadouro. Nesta história vivenciei pelas palavras

impressas o abandono e o soerguer do local como um espaço de cultura e arte.

Viajei à Idade Média em suas festividades populares, origens de nosso

carnaval, e com as lentes de Bakhtin (1993) revi minha visão do carnaval, do riso e

do grotesco, entrando em contato com um estado humano que ainda não conhecia,

uma espécie de carnavalização da consciência, estado este predecessor e

preparador de grandes transformações sociais. Aproximei-me da chegada desta

festividade, o carnaval, ao Brasil, observando suas modificações até o modelo de

nossos dias. Através do olhar de Oliveira, A. (2006) vi um pouco da história do

carnaval em Belém e todo este caminhar me instrumentalizou a modificar meu olhar

sobre o carnaval e, consequentemente, me deu uma melhor segurança para

observá-lo.

Ao vivenciar o carnaval sob o olhar da carnavalização de Bakhtin (1993),

observei como toda a comunidade participa da festividade do carnaval, e não só a

que mora no entorno da Fundação, pois como o brincar se dá desde a praça Brasil

até sua chegada no Curro Velho, boa parte do bairro do Telégrafo acompanha a

festividade, que já se incorporou na temporalidade da cultura do bairro. Durante o

desfile é comum ver que muitas crianças são trazidas por seus pais fantasiadas de

super-heróis, fadas, palhaços, passistas, enfim, diversas fantasias para não só ver,

mas viver o carnaval junto com as Crias do Curro Velho, como na foto que se segue.

Foto 7 – Crianças brincantes da comunidade.

Fonte: Acervo do autor

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Portanto, há muitas atividades sendo desenvolvidas nas Oficinas Curro Velho,

mas o trabalho com as crianças sempre me chamou a atenção e tenho

acompanhado desde então os trabalhos da iniciação artística infantil, não só no

carnaval como nos espetáculos do auto de natal e da quadra junina. Nestes anos

que trabalhei nas Oficinas Curro Velho, já conheci muitos profissionais que iniciaram

seus aprendizados lá e que hoje tem sua autonomia e realização profissional através

da arte, pessoas que se incluem no instituído Crias do Curro Velho, pois cresceram

dentro da Instituição. Esta formação do ser em sua cultura, num processo que neste

caso não se dá dentro dos moldes das disciplinas regulares da educação escolar

padrão, é rica e multifacetada e de alguma forma transmite saberes que participam

da formação do seu aluno, seu iniciante artista, sua criança.

A criança neste espaço da Fundação, interage com seus pares através da

arte em suas múltiplas facetas, navega pelo rio de sua cultura, rio com maresias

como as da Baía do Guajará que banha a orla de Belém e onde muitas dessas

crianças se divertem em suas águas, mas são estas maresias das interlocuções com

seus pares, instrutores e novos horizontes que lhes apontam nos cursos do Curro,

que estas crianças constroem e reconstroem seus mundos, sua cultura.

Diversos saberes perpassam este ambiente e formam este sujeito da cultura,

que segundo Brandão (2002, p.16) é “alguém que pertence também ao mundo que a

espécie humana criou para aprender a viver”. Cultura, que Brandão nos coloca como

um lugar onde os fios da vida transformam-se em memória, palavras, gestos que a

todo instante recriam este mundo que inventamos para viver. No cotidiano, estas

crianças trazem para este espaço seus saberes e compartilham o momento do

encontro em torno da festividade do carnaval não apenas pelo espetáculo, mas pelo

prazer e pela atração que as diversas atividades que ali ocorrem tem sobre as

mesmas.

As crianças neste espaço das oficinas do Curro Velho compartilham seus

afetos, emoções, frustrações, desejos, saberes e enfim, fazem o que Brandão

(2002) chama a atenção, aprendem a fazer de fragmentos do meio ambiente uma

porção de coisas entrelaçadas e as vezes até contraditórias. Durante o carnaval, a

criança exercita o seu direito inalienável de ser humana, de interagir com esta

diversidade e buscar dar sentido a ela, entrelaçar de alguma forma suas vivências e

assim constituírem seus saberes. Saberes que retornam para sua comunidade e

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assim são coautores na construção das teias de significados de que nos fala Geertz

(2008), da construção de nossa cultura: O conceito de cultura que eu defendo [...] é essencialmente semiótico. Acreditando [...] que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado (GEERTZ, 2008, p.4, grifo nosso).

Não imune ao mergulho neste ambiente, também busquei nos diversos

fragmentos de minhas vivências tecer uma teia que fizesse sentido e tive minha

atenção despertada para este processo de assunção, compartilhamento e

elaboração de saberes por parte destas crianças. Isto instigou minha curiosidade de

como se dá este processo durante o carnaval das Crias do Curro Velho, pois é na

infância em que todos nós começamos a fazer parte do mundo e ser coautores em

nossa construção.

Penso que se de fato existiam pessoas se educando através da arte, nas

suas diversas linguagens, compartilhando e construindo saberes, havia um processo

educativo presente, processo de formação do ser humano, imerso em sua cultura,

sua comunidade, na qual, somos nas palavras de Brandão (2002, p.21), “como todos

os outros seres vivos, sujeitos de natureza, [mas] acabamos nos tornando uma

forma da natureza que se transforma ao aprender a viver”, e que se apresenta na

Fundação em diversas facetas haja visto a diversidade de linguagens artísticas

presentes, bem como a grande diversidade de pessoas que dividem os espaços.

Tudo isso me impactou de diversas formas, como psicólogo, como educador e

como ser em minha busca eterna da compreensão do existir. Porém, como a

realidade é sempre muito maior do que se pode falar sobre ela, torna-se necessário

ao se buscar pesquisar, delimitar o âmbito sobre o qual desejo discorrer, delimitar

meu discurso a um tempo e a um espaço.

Para buscar construir uma reflexão sobre estas vivências, é necessário

provocar uma ruptura epistemológica, sair da sensação imediata do percebido para

iniciar o processo de construir o conhecimento, necessito dialogar com esta

realidade, para que possa construir minhas próprias teias de relações, e nestas

buscar perceber as teias construídas pelas crianças, seus saberes. Senti então a

necessidade de questionar sobre exatamente o que pesquisar, pois nas palavras de

Bourdier (1999, apud BORBA; VALDEMARIN, 2010, p.31) “o real não tem

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competências nem para falar de si, nem para falar sobre si. Ele só pode falar quando

é interrogado, quando é perguntado”.

Esta necessidade, estes questionamentos, não se formaram de imediato,

foram tomando forma aos poucos, à medida que exercia uma criticidade sobre o

desejo imediato de compreender aquela realidade das crianças. Porém, ao

participar, há algum tempo, do processo do carnaval das Crias do Curro Velho,

percebi estar numa posição privilegiada para observá-las neste processo educativo,

e refletir sobre este.

Diante do vivido e experienciado por mim, necessitava de questionamentos

que me orientassem no sentido do que Merleau-Ponty (1999, p.4) chama de retorno

às coisas mesmas, o “retornar a este mundo anterior ao conhecimento do qual o

conhecimento sempre fala, e em relação ao qual toda determinação científica é

abstrata, significativa e dependente, como a geografia em relação à paisagem”.

Necessitava, então, delimitar meu olhar, no tempo e espaço, e optei por

delimitar no carnaval das Crias do Curro Velho, e durante o desfile que aconteceu no

carnaval de 2016. Entre os diversos trabalhos que existem na Fundação, escolhi o

carnaval, porque percebi neste uma maior interação com a comunidade como um

todo, pois extrapola os muros da Instituição e se espraia pelas ruas do bairro. Estas

crianças e seus saberes culturais dialogam com todos que observam e acompanham

o desfile pelas ruas do bairro do Telégrafo, há uma cumplicidade onde não se

distingue quem de fato participa da festividade, visto que quem estaria a assistir

também vivencia a festa. Para Bakhtin (1993, p.6-7) “o carnaval ignora toda distinção

entre atores e espectadores [...] as festividades (qualquer que seja o seu tipo) são

uma forma primordial, marcante, da civilização humana”.

Então, ali estava eu, depois de ter navegado no desfile das Crias do Curro

Velho que se inicia nos espaços da Fundação e culmina nas ruas do bairro do

Telégrafo, sentindo a necessidade de conhecer os saberes presentes nas crianças

neste fluir do Carnaval das Crias do Curro Velho, e de como este espaço se

relaciona com aqueles saberes.

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1.2 Problema, questão norteadora e objetivos

Este recorte social do carnaval das Crias do Curro Velho me irrompe à

consciência de muitas formas, e uma intencionalidade surge a partir de minha

cotidianidade com toda essa dinâmica relacional das crianças com a Fundação e o

carnaval, e aquela me permite ou me provoca a supor a existência de processos

e/ou práticas educativas, incluídas aqui nos eventos do carnaval.

Há a possibilidade de aceitar como Brandão (2007,) a ideia de que: Da família à comunidade, a educação existe difusa em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios do aprender [...] A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum, como saber, como ideia, como crença, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho ou como vida.[...] A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. (BRANDÃO, 2007, p.10)

Também me instiga a concordar com Charlot (2000), quando ele coloca que o

processo educativo, o aprender: Pode ser adquirir um saber [...] um conteúdo intelectual [...] aprender a gramática, a matemática [...] a história da arte... Mas, aprender pode ser também dominar um objeto ou atividade (atar cordões dos sapatos, nadar, ler...), ou entrar em formas relacionais (cumprimentar uma senhora, seduzir, mentir...) (CHARLOT, 2000, p.59)

Ou ainda me aproximarma de Freire (2011) ao concluir que: Outro saber de que não posso duvidar um momento sequer na minha prática educativo-crítica é de que, como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo. (FREIRE, 2011, p.96)

Com base nessas considerações, esta pesquisa se estrutura tendo como

norte a seguinte questão: que saberes emergem e circulam entre as crianças, dentro

do espaço do carnaval das Crias do Curro Velho?

Para dar conta deste questionamento tive como objetivo geral: identificar os

saberes trazidos e compartilhados pelas crianças durante o evento do carnaval das

Crias do Curro Velho. E ainda no sentido de nortear o andamento da pesquisa foram

utilizados os seguintes objetivos específicos:

• Identificar os saberes presentes e vivenciados pelas crianças durante a

realização do carnaval das Crias do Curro;

• Analisar os saberes identificados nas crianças que participam do

carnaval das Crias do Curro;

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• Constatar os possíveis processos educativos presentes no compartilhar

destes saberes pelas Crias.

Ao contextualizar, historicamente, a presença desse processo criativo de

assunção e compartilhamento de saberes envolvendo crianças, em sua maioria

oriundas de famílias de baixa renda, esta pesquisa tem a intenção de contribuir com

a ampliação da produção teórica no campo da história da educação voltada para o

estudo dos processos educativos mais amplos, isto é, que ocorrem para além dos

muros da escola, que ocorrem no cotidiano das comunidades e, no caso

pesquisado, dentro de uma manifestação cultural e festiva do carnaval e sob a ótica

da criança, processos esses ainda pouco conhecidos e que são formas de

intervenção no mundo.

1.3 Perspectiva teórico-filosófica

A partir de meu envolvimento com a iniciação artística das crianças desde

2011, já me encontrava imerso no espaço de pesquisa, isso me permite falar de um

lugar mais próximo, porém exige uma maior vigilância epistemológica.

Por realizar esta pesquisa dentro de um espaço de compartilhamento de

vivências, cabe aqui uma fundamentação interpretativa da realidade, tendo como

base pressupostos de uma abordagem fenomenológica, que busca mostrar a

essência do objeto estudado, e ainda que, segundo Melo (2014a) é como uma

“metodologia compreensivista da realidade [...] se baseando na experiência vivida entre o sujeito e o objeto [...] através de suas características e significados

básicos” (MELO, 2014a, p.3, grifo da autora), ou que segundo Peixoto (2003) “é uma

leitura dialética da realidade, uma forma de atender a realidade em todos os seus

aspectos: histórico, social, político, sentimental e de vivência do homem” (PEIXOTO,

2003, p.18-19).

A abordagem fenomenológica exige uma vivência com o objeto a ser

pesquisado, no qual o pesquisador interage com este e o resultado é a interpretação

desta experiência vivida, isto só é possível para quem tem uma vivência com o

objeto, como, por exemplo, nesta colocação de Husserl: O ver não pode demonstrar-se; o cego que quer tomar-se vidente não o consegue mediante demonstrações científicas; as teorias físicas e

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fisiológicas das cores não proporcionam nenhuma claridade intuitiva do sentido da cor, tal como o tem quem vê (HUSSERL,1989, p.25).

Convivo nas Oficinas Curro Velho apenas com recortes do cotidiano das

crianças, digo isto porque a cotidianidade do carnaval é uma parte muito pequena da

vivência delas, vivência esta que se constitui em sua família, brincadeiras de rua,

comunidade, escola e entre outros espaços no Curro Velho. Para Massine (2000) o

enfoque fenomenológico “caracteriza-se pela ênfase ao mundo da vida cotidiana,

pelo retorno àquilo que ficou esquecido, encoberto pela familiaridade (pelos usos,

hábitos e linguagem do senso comum)” (MASSINE, 2000, p.61, grifo do autor).

A intencionalidade da consciência parece ser inexoravelmente atraída para

esta cotidianidade pois “a tensão da consciência chega ao máximo na vida cotidiana,

isto é, esta se impõe a consciência de forma mais maciça, urgente e intensa. É difícil

ignorar e mesmo difícil diminuir sua presença imperiosa” (BERGER; LUCKMANN,

1985, p.38)

A intencionalidade em direção a esta cotidianidade das crianças durante o

carnaval só pode se concretizar por meio de interação social, o que me permite

entender a fenomenologia estando dentro das ciências sociais. O nosso existir traz

consigo inevitavelmente o existir de um “outro”, como a criança do carnaval do curro

em sua relação com seus pares ou com quem a pesquisa, ou seja, existimos em

uma relação, onde somos simultaneamente atores e diretores num mesmo ato.

Há portando uma socialidade implícita no “ser”, que de outra forma

poderíamos chamar de intersubjetividade, o “ser” se faz “sendo” num mundo

interpretado por ele na vivência conjunta cotidiana, e aqui temos a intersubjetividade,

e esta, é a objetividade que se pode alcançar.

Encaminho-me então para uma direção que não assume o “eu” como

solipsista e radical, vamos aqui ao encontro de Lyotard (1986) quando nos diz que

“com a análise intencional do outro, a radicalidade não se situa mais do lado do eu,

mas do lado da intersubjetividade absoluta ou, se preferirmos, primeira.” (LYOTARD,

1986, p.37, grifo do autor). Desenvolvi este pensar para expor que é a

intersubjetividade que me permite o encontro e a interpretação deste “outro”, aqui a

criança brincante do carnaval da Fundação.

Também é possível dialogar com outros pensadores como Heidegger e

Merleau-Ponty. Para o primeiro, “como atitude do homem, as ciências possuem o

modo de ser desse ente (homem). Nós o designamos com o termo pre-sença [que]

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se compreende em seu ser, isto é, sendo” (HEIDEGGER, 2005, p.25). Pre-sença é a

tradução do termo "Dasein", em alemão, pois "Da" quer dizer "aí" e "sein" é "ser". E

diz que o existir humano é "ser aí" (no mundo).

Retomando que consciência é “consciência de”, intencionalidade, não sendo

um constructo produto de si mesma e sim um movimento, também nos

fundamentamos em Merleau-Ponty (1999), que nos fala que a: "compreensão" fenomenológica distingue-se da "intelecção" clássica, que se limita às "naturezas verdadeiras e imutáveis", e a fenomenologia pode tornar-se uma fenomenologia da gênese. Quer se trate de uma coisa percebida, de um acontecimento histórico ou de uma doutrina, "compreender" é reapoderar-se da intenção total (MERLEAU-PONTY, 1999, p.16, grifo do autor).

Adoto então uma perspectiva fenomenológica nesta pesquisa, na busca da

descoberta e descrição dos saberes destas crianças e de um processo educacional

implícito nestas assunções e compartilhamento de saberes, que ocorrem não dentro

de espaços instituídos formalmente e funcionalmente para “educar”, como as

escolas, mas num ambiente não formal e comunitário. É possível pensar o processo

educativo dentro de uma leitura fenomenológica da realidade assumindo a

intencionalidade do: Ato de educar, ou seja, encarnar a educação como fenômeno presente na vida do ser humano que visa à melhor interação consigo mesmo, com os outros e com a sociedade. E sendo um fenômeno, devem ser percebidas as diversas formas de educar presentes no mundo (PEIXOTO, 2003, p.78, grifo nosso).

A presente pesquisa, também, se utilizou de algumas estratégias da

Etnometodologia, tendo como objetivo dar conta de elementos culturais que possam

permear os saberes presentes nas crianças, bem como dar ênfase ao objeto de

estudo como produto de uma cultura. Para Schutz apud Giddens (1999): O mundo é interpretado a luz de categorias e construtos do senso comum que são largamente sociais em sua origem. Esses construtos são os recursos com os quais os agentes interpretam suas situação de ação, captam as intenções e motivações dos outros, realizam compreensões intersubjetivas e ações ordenadas e, de maneira mais geral, navegam no mundo social (SCHUTZ apud GIDENNS, 1999, p.329)

Dentro desta linha do pensar utilizamo-nos além de Giddens (1999), autores

como: Watson e Gastaldo (2015), Melo (2008 e 2009) e Schutz (2012). Melo

(2008/2009) nos traz por exemplo o conceito de “Etnométodos”, que seriam

procedimentos lógicos próprios para resolver problemas cotidianos como: contar,

descrever, medir e explicar o mundo, que são segundo a autora tão antigos quanto a

humanidade. E também nos coloca como grande contribuição da Etnometodologia o

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fato de outorgar “ao ‘senso comum’ através da linguagem cotidiana, a mesma

competência da linguagem formal por ter a capacidade suficiente para explicar a

realidade social” (MELO, 2008, p.4).

Watson e Gastaldo (2015) defendem que a perspectiva etnometodológica

derivou da fenomenologia, esta tendo feito forte crítica à visão positivista da

objetividade da ciência possibilitou a visão de que as pessoas atuam

intencionalmente com relação aos objetos. Então, esta visão, foi aplicada à ideia de

“ação social” e esta influenciou pensadores como Parson e seu discípulo Garfinkel e

então “a etnometodologia começou com a leitura que Garfinkel fez dos textos de

Shütz, entre o final de 1950 e início de 1960” (WATSON; GASTALDO, 2015, p.20).

Portanto, são abordagens que a meu ver se complementam, a fenomenologia

nos traz a consciência não como uma “res cogito” mas como um “mover-se para”,

uma intencionalidade e uma relação; e a Etnometodologia nos convida à leitura do

cotidiano e suas relações e linguagens, com o mesmo status que se atribuía as

relações e linguagens formais de uma visão positivista e objetiva.

Entendo então que pelos motivos expostos, estas perspectivas teórico-

filosóficas são o aporte que necessito para compreender este universo de saberes

das crianças dentro da visão que entendo ser a mais adequada. Também esta linha

de pensar possibilita uma opção para que os estudiosos dos processos educativos

possam ter como referência uma visão não formal, cotidiana e infante da existência

de saberes dentro de espaços não escolares, como nas Oficinas Curro Velho.

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2 TRILHAS METODOLÓGICAS

2.1 Procedimentos iniciais de pesquisa

Em minha cotidianidade acadêmica, na intersubjetividade com meus pares e

com o conhecimento “disponível” ai, meu “campo semântico que poderia chamar-se

zona de intimidade” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p.61) não é o mesmo do que

vivencio com as crianças no carnaval, porém está em minha intencionalidade a

busca de uma significação para o encontro destes dois campos a saber, o

acadêmico e o comunitário de convívio com as crianças pesquisadas. Minha

consciência vai ao encontro destas duas realidades vivenciadas e da busca de uma

inter-relação destas. Aqui vou em busca de verificar que outros pesquisadores

também intencionaram esta reflexão sobre os saberes das crianças em um

acontecimento cultural como o carnaval e de um processo educacional de

compartilhamento e assunção de saberes fora dos muros escolares.

Como parte integrante do método desta pesquisa, tornou-se necessário uma

busca no universo já produzido de conhecimento, sobre a proposta apresentada de

pesquisa. Para tal, iniciei uma busca no banco de teses da CAPES compreendendo

o período de 2010 a 2014, a partir das seguintes palavras-chave: criança, saberes e

carnaval, todas juntas e combinações das mesmas.

Ao acessar o site da CAPES, buscando as palavras-chave em ocorrências

individuais, encontrei trinta e quatro trabalhos a partir de carnaval; quinhentos e sete

com criança (destes apenas sessenta e três relacionados à educação); cento e trinta

e três trabalhos relacionados aos saberes (oitenta e três na área de educação) e, de

imediato, destaco que não encontrei nenhum trabalho cujas palavras-chave fossem

simultaneamente saberes, criança e carnaval.

No tema carnaval, encontrei trinta e quatro registros. Na busca feita nos

resumos das referidas teses e dissertações, há estudos históricos, sobre o frevo,

consumo alimentar no carnaval, o samba, alegorias, as marchinhas, escolas de

samba, etc. Porém, apenas um faz breve referência a criança, o de Palheta (2012).

Palheta (2012), numa dissertação apresentada à banca examinadora do

Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará, como exigência para

o exame de qualificação do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Artes,

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com o título “Artes Carnavalescas: processos criativos de uma carnavalesca em

Belém do Pará”, teve como base pesquisa realizada entre 2005 e 2011 e reflete

sobre o carnaval em três escolas de samba de Belém, sendo que cada uma foi

acompanhada em um período específico: A Academia de Samba Jurunense em

2005, o Grêmio Recreativo Deixa Falar no período de 2006 a 2009 e a Associação

Carnavalesca Bole-Bole no período de 2010 a 2011.

No trabalho de Palheta (2012) a referência à criança limita-se a breve relado

das lembranças de sua própria infância com o carnaval, onde cita que “a lembrança

dos carnavais da minha infância encontrava-se nalgum lugar de minha memória

como uma reminiscência guardada/preservada em uma coleção de imagens”

(PALHETA, 2012, p.22). No entanto, em seu relato pessoal surge algo muito

interessante que me remete a algumas falas das crianças do Curro Velho e de como

as vejo em seus movimentos. A autora ao relatar suas vivências em dois bairros de

Belém nos fala que “achava o bairro do Marco longe e quieto e o bairro do Jurunas

movimentado e divertido” (Ibid., p.23, grifo nosso), e ela atribui essa diferença ao

fato de que “no bairro do Marco não tinha escola de samba, enquanto o bairro do

Jurunas tinha uma das maiores e mais famosas de Belém – O Rancho Não Posso

me Amofiná” (Ibid., p.23).

Destaco aqui os termos movimentado e divertido, referenciados por Palheta

(2012), pois eles como que representam a visão da infância para com o carnaval

com suas cores, figurinos, adereços, danças, samba e muita diversão para as

crianças. Percebo nos relatos da autora sobre sua infância semelhanças com a

vivência das crianças do Curro Velho, que relatam o carnaval como divertido o que

parece ser um grande atrativo ao mundo infantil. Porém o estudo de Palheta não se

centra nestas vivências que servem-lhe apenas como uma afetiva base pessoal para

suas escolhas subsequentes, inclusive a temática de sua pesquisa.

Seguindo a busca nas sessenta e três teses e dissertações relacionadas a

criança na área de educação, verifiquei que tratam de diversos temas como filosofia

com crianças, o educador, literatura, parceria família-creche, a educação e o

autismo, o braile, a deficiência visual, e muitos outros temas, porém tudo em

ambiente escolar, o que não é caso de minha pesquisa.

Nos oitenta e três trabalhos encontrados com a palavra-chave saberes

relacionados à educação, existiam temáticas como: saberes dos professores,

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saberes ligados a formação dos professores, a prática educacional, na educação

infantil, saberes em torno do currículo escolar, saberes indígenas ligados a

educação ambiental, saberes docentes na educação a distância, saberes na

enfermagem sobre a humanização do atendimento, saberes quilombolas e a

educação no campo. Novamente, não encontrei nenhum trabalho que tenha como

objeto os saberes das crianças, relacionados ao carnaval.

Não tendo encontrado no banco de teses e dissertações da CAPES nenhuma

pesquisa que trate da temática que proponho na minha, segui verificando se havia

materiais produzidos em outros tipos de trabalhos acadêmicos sobre o tema. Neste

sentido realizei busca na biblioteca Carmem Sousa, que fica nas Oficinas Curro

Velho, onde encontrei três trabalhos de conclusão de curso (TCC) apresentados em

cursos de ciências econômicas (1993) e pedagogia (2008 e 2013) respectivamente.

Nos trabalhos de Nascimento (1993) e Ataíde (2008) apenas falam

brevemente das crianças no carnaval e aludem, de forma sucinta, ao processo onde

as crianças são protagonistas nas confecções dos adereças e figurinos durante o

carnaval, mas de uma forma geral não há relação direta com a temática do meu

trabalho. No trabalho mais recente, Pantoja (2013), o tema é a educação não formal,

neste foco se discute este tipo de educação dentro da Fundação, existindo apenas

breve citação sobre o carnaval. Encontrei, então, outras intencionalidades nestes

autores acima, nenhuma próxima da minha, algo que envolva os saberes, a criança

e o carnaval, buscando ver todo este acontecimento a partir do olhar da criança.

Continuando a busca por produções correlatas a esta pesquisa aqui proposta,

encontrei uma publicação que mais se assemelha ao que busco pesquisar, o Livro

de Charone (2011) que tem por título: “Faz e Não Faz de Conta – A criança-

intérprete e sua compreensão do processo de encenação”. Este livro publicado em

2011 é o resultado da dissertação de mesmo título, apresentada para a obtenção do

título de Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia, em 2004.

Este trabalho foi desenvolvido dentro da Fundação Curro Velho e como

interlocutores Charone (2011) utilizou não só as crianças durante a feitura de um

espetáculo teatral, mas também instrutores, sendo dois de dança, dois de teatro,

dois de música, além do roteirista do espetáculo, onde ela colhe o olhar do instrutor

sobre a interação e aprendizado da criança.

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O trabalho centra-se no desenvolvimento do jogo para a construção da cena

teatral, e nesse jogo lúdico da criança ela traz consigo sua vivência, diria seus

saberes no exercício do “SE”, que é uma técnica teatral que “atua como uma

alavanca que ajuda a sair do mundo dos fatos erguendo-se ao reino da imaginação”

(CHARONE, 2011, p.65). O foco deste trabalho é uma melhor compreensão de

como o jogo lúdico em suas diversas formas (jogo dramático, teatro, psicodrama),

pode ser uma ferramenta para que as crianças possam perceber e empoderar-se da

dramatização teatral, construir e reconstruir seus universos de vivências e

conhecimentos trazidos de suas comunidades, de seus cotidianos. A autora conclui

que “a criança FAZ E NÃO FAZ DE CONTA, ela sintetiza dramaticamente o jogo

lúdico, o jogo simbólico, o jogo dramático, a improvisação e o teatro, integrando as

poéticas teatrais” (CHARONE, 2011, p.175, grifo da autora).

Charone (2011) não trata dos saberes das crianças, mas seu foco está

centrado no processo pedagógico utilizado no espetáculo citado no trabalho,

também verifica a ótica e dificuldades dos instrutores com relação ao trabalho. Seu

foco é o processo de aprendizagem e releitura da realidade por parte das crianças

através do jogo lúdico.

Esse processo pedagógico é a assinatura da Fundação, e há uma fala de

Charone (2011) que nos situa muito bem, diz a autora: “Acreditamos que o requisito

indispensável para que se tenha teatro infantil é colocar a criança como elemento

prioritário, respeitando-a em toda a dimensão de sua realidade” (CHARONE, 2011,

p.178). Esta é a ideia central que adoto quando proponho que estas crianças sejam

meus interlocutores nesta pesquisa, que seu olhar seja o prioritário, que seus

saberes sejam conhecidos e descritos aqui, portanto, neste aspecto, o da criança

como centro, me aproximo do pensamento de Charone (2011). Porém dois aspectos

me diferencia de seu trabalho.

O primeiro é que mesmo que consideremos o carnaval com suas máscaras,

seus personagens, suas representações, tendo íntima relação com o teatro, e o

espetáculo de carnaval como um grande espetáculo teatral onde as crianças

representam diversos papéis e personagens, há uma diferença crucial, durante o

carnaval não há atores e espectadores, pelo menos não há distinção entre eles visto

que todos, tanto os que estão desfilando como os que acompanham, fazem parte da

mesma festividade, a vivenciam conjuntamente. Para Bakhtin (1993):

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Durante o carnaval é a própria vida que representa e interpreta (sem cenário, sem palco, sem atores, sem espectadores ou seja, sem os atributos específicos de todo espetáculo teatral) [...] e por um certo tempo o jogo se transforma em vida real (BAKHTIN, 1993, p.07).

O segundo aspecto está relacionado ao fato de que meu foco centra-se nos

saberes das crianças, e não na pedagogia do ensino da arte, muito embora haja

íntima ligação entre os saberes e a forma com que se lida com eles ou propicia que

estes sejam reconhecidos, valorizados, vivenciados e compartilhados.

2.2 Tipo de Pesquisa / Técnicas

Para que possamos identificar os saberes destas crianças, sujeitos desta

pesquisa, será necessário primeiro o olhar, e lembremos que este leva consigo

sempre uma intencionalidade de quem olha e que modifica o objeto observado, a

vivência de quem observa, de quem irá fazer a descrição do que vê. Porém, este

descrever não será passivo, visto que a fenomenologia exige uma hermenêutica,

com seu ciclo completo de compreensão, interpretação e nova compreensão. E não

será uma descrição e análise apenas do sensível, mas também do que é

representativo nos aspectos social e humano.

Para que esta descrição não seja passiva, superficial, devemos ao olhar

acrescentar o ouvir, e o ouvir é o exercício de “esvaziar o copo” para que nova

substância o preencha. Ouvir é talvez o exercício mais difícil de qualquer encontro

humano, envolve empatia, abnegação de nossos pontos de vista pessoais em favor

do outro, no caso a criança, e este exercício faz parte da vigilância epistemológica.

Esta pesquisa caracteriza-se portanto como de cunho predominantemente

qualitativo, e foi realizada durante o carnaval de 2016 nas Oficinas Curro Velho.

Para Martins (2000): No que se refere à pesquisa qualitativa pode-se dizer que os dados são coletados através da descrição feita pelos sujeitos […] Na análise qualitativa a descrição não se fundamenta em idealizações, imaginações, desejos […] Na pesquisa qualitativa descreve-se e determina-se com precisão conceitual rigorosa a essência genérica da percepção ou das espécies subordinadas, como a percepção da coisalidade etc. […] Na pesquisa qualitativa, uma questão metodológica importante é a que se refere ao fato de que não se pode insistir em procedimentos sistemáticos que possam ser previstos, em passos ou concessões como uma escada em direção à generalização (MARTINS, 2000, p.58, grifo nosso).

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Aqui importa a concepção de que a construção do conhecimento é um fluxo

contínuo de vivência da construção deste, ele se faz no fazer e não de forma pré-

concebida, e a verdade: Experimenta-se sempre e exclusivamente numa experiência atual […] não há, então, uma verdade absoluta, postulado comum do dogmatismo e cepticismo; a verdade se define em devir, como revisão, correção e ultrapassagem de si mesma [...] a verdade não é um objeto, mas um movimento, e só existe se este movimento for efetivamente feito por mim (LYOTARD, 1986, p.41, grifo do autor).

Portanto, a pesquisa foi eminentemente qualitativa, construída num processo

que iniciou na minha intencionalidade ainda no projeto de pesquisa inicial para

posteriormente ir-se moldando nas interlocuções com meus pares na academia,

professores, orientador da pesquisa, condições e limites impostos pelo local de

pesquisa e, é claro, meus interlocutores, as crianças. Foi na interlocução com estes

diversos “outros”, e através da intersubjetividade que este trabalho foi se

constituindo.

A própria definição da abordagem teórico-filosófica, metodologia e escolha

das técnicas de pesquisa, se consolidaram ao longo ainda do primeiro ano de meu

mestrado acadêmico, e a pesquisa foi se consolidando na medida em que foi

realizada, por exemplo na forma de escolha dos sujeitos que dela participariam, que

no caso lhes foi dada autonomia para optar em participar ou não.

Esta opção de participar ou não das crianças pesquisadas, que traduz-se

numa autonomia frente a pesquisa, implicou nas escolhas das técnicas utilizadas,

onde a participação das crianças na entrevista, por exemplo, é mais ativa. Rocha

(2008) ressalta a importância de verificar a possibilidade da criança participar do

processo, podemos por exemplo solicitá-las a incluir perguntas, ou temas que não

foram previstos pelo pesquisador, durante as dinâmicas de entrevistas. Essa escuta

é imprescindível para que possa captar os saberes presentes e percebidos por estas

crianças, e esta escuta foi realizada através de entrevistas.

Devido à particularidade de nosso interlocutor neste caso, a criança, Rocha

(2008, p.45), nos lembra que “a entrevista direta normalmente mostra-se

inadequada” devido a uma série de “constrangimentos de várias ordens sociais”, que

podem dificultar uma maior autenticidade das respostas tais como: geracionais, de

gênero, de classe social, étnicos ou raciais e nestes casos as respostas “resultariam

numa relação que prevalece a desejabilidade social” (ROCHA, 2008, p.46).

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Ao me aproximar das crianças para a pesquisa, tenho que ter claro que há

papéis sociais presentes nesta interlocução, será uma aproximação de um adulto

junto aquela criança que já traz uma série de situações de sua historicidade na

família e na comunidade, de qual é o papel do adulto e o da criança por exemplo.

Isto por si só pode ser um complicador na autenticidade das respostas, pois o

pesquisador ao aproximar-se deste seu outro, a criança, propicia a esta também o

identificar como um outro dentro de uma posição sócio estabelecida por sua

historicidade cotidiana. Delgado e Müller (2008, p.150) nos chama a atenção para

não nos aproximarmos das crianças “da forma usual que os adultos se aproximam”.

Em certa ocasião durante meu trabalho com as crianças, ao chegar junto

delas fiz algo que já é habito fazer, ao ir ao seu encontro já fui me apresentando,

cumprimentando-os batendo na mão de várias formas: punho fechado de frente,

punho fechado um por cima do outro, invertendo a posição, mão aberta com o dorso

da mão, enfim criando um código de cumprimento que desafia a formalidade do

aperto de mão comum, e as crianças começaram a apresentar como eram seus

cumprimentos, a intervir e improvisar, de forma que logo se formou um aglomerado

de cumprimentos e lá estava eu no meio daqueles códigos de encontro.

Parece que a ação acima é óbvia e simples, mas é uma ação construída em

conjunto, em comum acordo, um elo criado e “personalizado” para aquele encontro,

podendo ou não se consolidar pra os próximos, é uma comunicação que respeita o

outro, e assim dele nos aproxima, de uma forma não verbal. Para Giddens e Tuner

(1999): A situação da ação [social] é tratada como um contexto de atividade essencialmente transformável que é inevitavelmente mantido, alterado ou restaurado nos e por meio dos cursos de ação [...] que o constituem e o reconstituem num processo continuo de renovação (GIDDENS; TUNER, 1999, p.255).

Assim não reifico a ação num contexto de atividade padronizado e

determinante, mas “dialogo” com meus interlocutores e através de uma ação,

aparentemente simples, nossas intencionalidades vão ao encontro uma da outra e

vivenciamos o prazer de um encontro.

Posteriormente uma colega de trabalho abordou-me comentando que

observara a cena e achava interessante, mas que ela “não tinha jeito para isso”, ela

lidava bem com adultos mas não sabia muito bem como trabalhar com crianças. O

caminho para o encontro com as crianças, minhas interlocutoras nesta pesquisa,

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tem que se dar de uma forma que elas me aceitem em seu meio relacional, não

deixarei de ser o adulto, mas não estarei ali na forma usual como nos chama

atenção Delgado e Müller (2008), para ele: As crianças nos evitam pela diferença de pontos de vista sobre atividades perigosas, pelo julgamento do que entendemos por maldade […] vamos sempre encontrar crianças fazendo coisas que não aprovamos, assim como elas fazem coisas para manter-nos à distância (DELGADO; MÜLLER, 2008, p.150).

Logo a qualidade deste encontro implica diretamente na qualidade dos dados

coletados, importando aqui atenção para a inevitável presença desta relação “sócio-

hieráquica” de que nos fala Souza (2008, p.61) entre os pesquisadores e as crianças

interlocutoras, fato também destacado por Campos (2008, p.106) como uma relação

assimétrica. Adotei então algumas estratégias para este encontro.

Uma estratégia, que é inclusive uma obrigatoriedade, é uma postura ética, a

da necessidade do aceitamento por parte das crianças na participação nesta

pesquisa. As crianças têm que saber que estão participando de uma pesquisa e têm

o direito de aceitar ou não participar, o que não invalida a corroboração dos pais

nesta participação. E esta aceitação ou não depende muito da forma de

aproximação que se faça com estes interlocutores. A aproximação com meus

interlocutores possivelmente foi facilitada pelo fato de já se encontrar instituída, visto

que já convivo com os mesmos em várias atividades ao longo dos últimos anos, e

minha presença e entrada em seu meio não foi fato estranho, detalharei mais este

fato no momento adequado desta pesquisa.

Uma outra estratégia foi a utilização da técnica de rodas de conversa, em

substituição às entrevistas individuais, pois aqui reduzi a questão hierárquica uma

vez que as crianças em grupos tendem a sentir-se mais à vontade. Também aqui

pude permitir com essa técnica: Compreender processos de construção da realidade por determinados grupos sociais, compreender práticas cotidianas, ações e reações a fatos e eventos, comportamentos e atitudes, constituindo-se uma técnica importante para o conhecimento das representações, percepções, crenças, hábitos, valores, restrições, preconceitos, linguagens e simbologias (GATTI, 2005, p.11).

Segundo Gaskel (2002), algumas das vantagens da entrevista focal seriam

primeiro, que uma sinergia emerge da interação social no grupo tornando-o maior

que a soma de suas partes; segundo podemos observar a dinâmica do grupo,

mudança de assunto, lideranças; terceiro, pode surgir um envolvimento emocional

que raramente vemos em entrevistas individuais. Isso pode fazer emergir os saberes

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comuns e particulares das crianças durante a roda de conversa, pois em sua maioria

compartilham seu cotidiano pelo entorno da Fundação e podem mutuamente

apoiarem-se afetivamente, diminuindo o efeito da relação “sócio-hierárquica” de que

nos fala Sousa (2008).

Definido a técnica de entrevista em roda de conversa, lembro da importância

da variação de perspectivas e técnicas de observação e registro, pois somente uma

via de coleta de informação não dariam conta das diversas facetas do objeto e seu

interlocutor. De fato nunca darei conta de forma completa de qualquer objeto que

seja, visto que a pesquisa será sempre fruto de diversas fronteiras impostas pelos

limites de quem observa, e a construção do saber é um fluxo contínuo. Para Lyotard

(1986) a coisa que me é dada à percepção sempre acompanha um horizonte de

indeterminação, cujas “faces”, passando de uma a outra, se fundem numa unidade

de percepção e aquela, então emerge através de retoques sem fim, sem haver

contradição.

Se estou falando do contínuo de conhecer este objeto, no caso os saberes

das crianças, devo lembrar que meu interlocutor, em especial, tem uma linguagem

própria e que devo estar atento a outros sinais de comunicação que não apenas a

oralidade sob o risco de se fragilizar a interpretação deste fluxo de vivências na

construção deste objeto. Rocha (2008, p.44-45) nos chama a atenção para este fato,

diz que na escuta de crianças importa o não ouvir só o verbal, o oralizado, porém

também uma sensibilidade para com as expressões corporais, gestuais e plásticas

também.

Fiz, portanto, uso da observação participante como método, para que com

esta pudesse identificar outras informações que me levassem aos saberes através

da observação do não verbal das crianças, de seus movimentos de entrada e saída

dos locais, de suas expressões corporais e faciais, do ritmo de seu corpo,

percebendo os momentos de suas agitações e calmarias.

Esta técnica permite a recuperação do “caráter relacional do processo de

construção do conhecimento […] [onde] há um sujeito informado historicamente que

se relaciona com o objeto construindo-o e sendo ao mesmo tempo construído nesse

processo.” (NORONHA, 2002, p.141). E que ainda segundo Melo (2014a) ocorre

que: O pesquisador, ao mesmo tempo em que observa o fato investigado, participa também em conjunto com outros sujeitos sociais do próprio

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cotidiano de vida do fato pesquisado, razão pela qual, é tanto observador, como pesquisado (MELO, 2014a, p.38).

Para dar suporte ao processo da observação participante, fiz uso de registros

filmográfico e fotográficos durante o acompanhamento do carnaval nas fases de

elaboração desde, de ensaio, do desfile e de apresentações da bateria em eventos

posteriores ao carnaval, desdobramento que sempre ocorre. As fotografias e

filmagens foram meu diário de campo digital, pois com a facilidade que temos hoje

com as mídias móveis posso a qualquer momento observando acontecimentos os

filmar para posteriormente, revendo-os poder perceber detalhes que possam me ter

escapado num primeiro momento.

Durante o registro procurei olhar para aspectos que segundo Delgado e Müller

(2008) devem ser priorizados tais como: o espaço físico, os sujeitos, o cotidiano, os

movimentos de entrada e saída nos locais pesquisados, e situações inusitadas que

pudessem ocorrer durante a observação.

O carnaval das Crias do Curro Velho tem participação de crianças desde

cinco anos de idade até adolescentes, incluindo alguns destes já como instrutores,

mas estes não serão meus interlocutores e sim a crianças. Com relação às técnicas

delimitadoras, utilizei duas formas: na primeira delimitei a faixa etária de oito a doze

anos, com os interlocutores que foram ouvidos nesta pesquisa. Esta decisão foi

tomada a partir de observações anteriores, para que possibilitasse a realização da

pesquisa em tempo hábil, pois devido ao quantitativo de crianças e ao pouco prazo

para coleta de dados, não daria conta de observar e entrevistar todas as crianças.

Na necessidade de optar por faixa etária, esta foi escolhida na intencionalidade de

que nesta faixa etária a criança já tenha um melhor domínio da linguagem e

vocabulário, o que facilita a comunicação e a identificação dos saberes trazidos por

elas.

Para que se tenha uma ideia do quantitativo de crianças que participam do

carnaval, na faixa etária escolhida, de oito a doze anos, no carnaval de 2015 tiveram

na ala de sete a oito anos, vinte e oito inscritos; na ala de nove a dez anos, vinte e

três; na ala de onze a doze anos, vinte; o que perfaz um total de sessenta e uma

crianças, isso sem conferir as que participam de outras alas como bateria, passistas,

destaques nos carros alegóricos, mestre-sala e porta-bandeira.

Como segunda forma de técnica delimitadora de amostragem, lembro aqui

que a abordagem fenomenológica faz uso da amostragem não probabilística por

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saturação, onde o critério da amostra não é estatístico, mas definido pelos

resultados dos relatos obtidos quando estes começam a se repetir, a saturar, ponto

em que podemos interromper a coleta das informações. Como toda técnica há

críticas e restrições quanto a mesma, Melo (2015) chama a atenção para: Convêm ressaltar que, os resultados alcançados através de uma Amostragem Não-Probabilística ainda que não possa ser generalizada para além do universo amostral dos sujeitos que fazem parte de uma determinada região de pesquisa, o seu nível de generalização se amplia consideravelmente, através da repetição do estudo em momentos diferentes e/ou cm estes grupos em situações semelhantes (MELO, 2015, p.64, grifo da autora).

O quantitativo de crianças ouvidas foi determinado durante a pesquisa pelos

fatores expostos anteriormente e por acessibilidade e afinidade, visto que ocorreu de

algumas das que desejaram participar, trouxeram consigo outras crianças que

também queriam, então, de acordo com a possibilidade de tempo, incluímos mais

algumas crianças na entrevista, na busca de atingir a saturação das informações

registradas.

Ao destacar que as crianças desejaram participar, isso remete a postura ética

frente a estes pesquisados, aqui todas as crianças na faixa etária escolhida foram

convidadas a participar das entrevistas, admitindo e respeitando sua autonomia, sua

intencionalidade. Exposto o tema e os objetivos da pesquisa eram convidadas a

participar, deixando claro da necessidade de autorização dos pais, aqui surgiram as

mais diversas situações que discutirei em momento oportuno desta pesquisa.

Após a coleta dessas informações veio a fase de análise, e nesta fiz uso da

análise do conteúdo, que é segundo Bardin (1979, p.31) “um conjunto de técnica de

análise das comunicações” e tem de maneira geral os objetivos de: “ultrapassagem

da incerteza”, ou seja, o questionar se o que julgava ver em determinada mensagem

está efetivamente lá e ai poder compartilhar essa minha visão. Também o

“enriquecimento da leitura”, pois ao analisar mais atentamente o que meu primeiro

olhar me trouxe, pude melhorar e desvelar o que possivelmente pudesse estar oculto

em minhas observações a priori, sei que esta dinâmica é um contínuo, mas que

inexoravelmente tem que ser concluída em algum momento.

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2.3 O local da pesquisa

Como já foi dito o local onde se realizou a pesquisa foram as Oficinas Curro

Velho – OCV, foto seguinte, que se constitui como parte integrante da Fundação

Cultural do Pará – FCP e funciona num prédio histórico que foi tombado como

patrimônio da cidade pela Secretaria Estadual de Cultura em 1984. Prédio que

chama atenção por sua simetria com relação a rua e possui, segundo Oliveira, D.

(1991), “linhas neoclássicas, forma arquitetônica introduzida no Brasil pelo arquiteto

Grandjean de Montigny6 integrante da missão artística francesa de 1816”.

Foto 8 – Vista frontal prédio das Oficinas Curro Velho

Fonte: Acervo do autor

Na página seguinte a primeira foto mostra a localização do Prédio das oficinas

Curro Velho, que encontra-se na Rua Professor Nelson Ribeiro 287, no bairro do

Telégrafo, em Belém do Pará. A segunda imagem retrata a vista dos fundos da

edificação, a Baía do Guajará, baía quase mar, formada pelo encontro de dois rios o

Guamá e o Acará, majestosa, tendo como paisagem após um espelho d’água de

cerca de 4,5 km, a ilha das Onças e embarcações das mais diversas a singrar suas

águas. A face do prédio, no entanto, volta-se para a concretude da “Metrópole da

Amazônia”, que hoje já não tendo como espalhar-se na horizontal, sobe com seu

concreto, talvez tentando imitar a floresta com suas árvores, tornando o clima da

cidade ainda mais quente, vista apresentada na terceira imagem da sequência.

6 Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny (Paris, França 1776 - Rio de Janeiro, RJ, 1850). Arquiteto, urbanista. Disponível

em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa214530/grandjean-de-montigny>. Acesso em: 08 MAIO 2016.

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Foto 9 – Localização Geográfica das Oficinas Curro Velho

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de imagens do Google7.

Foto 10 – Vista Baía do Guajará

Fonte: Acervo do autor.

Foto 11 – Vista da cidade

Fonte: Acervo do autor.

As Oficinas Curro Velho compõem-se de dois prédios, um principal e um

anexo e dispõe em sua estrutura de diversos ambientes. No prédio principal

7 https://www.google.com.br/maps/place/Funda%C3%A7%C3%A3o+Curro+Velho/@-1.430273,-

48.4933605,17z/data=!3m1!4b1!4m5!3m4!1s0x92a4894d217a7127:0xe826e88cada42b11!8m2!3d-1.430273!4d-48.4911718. Acesso em: 15 JUN 2016.

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localizam-se a biblioteca Carmen Sousa, a loja de produtos resultados das oficinas,

salas de aula, laboratório de fotografia, laboratório de gravação musical, área

administrativa, uma grande área multiuso chamada de Nave Central (onde na maior

parte do ano ficam em exposição os resultados dos alunos nas oficinas), laboratório

de serigrafia, laboratório de gravura, sala de tecelagem, sala de cerâmica e aos

fundos além de uma área com um quiosque, que é utilizada nos espetáculos juninos,

no alto de natal e nas Feiras da Beira que são realizadas, possui um anfiteatro na

beira da Baía do Guajará, cenário utilizado também em diversas apresentações e

utilizado como local lazer pelos moradores do entorno e alunos, como um dos

poucos espaços públicos que dão acesso à visão da Baía do Guajará e que se

transita com segurança.

No prédio anexo existe um teatro, sala de dança, sala de percussão,

infocentro, laboratório de animação, depósitos de materiais, galpão de uso geral,

sala de costura, salas de guarda-roupa de figurinos, oficina de serigrafia, de

cerâmica, de papel reciclado, marcenaria, luteria (local de fabrico e restauro de

instrumentos musicais) e uma segunda área administrativa.

O prédio principal possui uma boa área de circulação externa de ambos os

lados, o que facilita o arejamento e o uso da iluminação natural no mesmo, bem

como a movimentação de pessoas, estas áreas durante o carnaval facilita o

movimento dos carros alegóricos que são produzidos no galpão e já saem montados

pela lateral do Curro Velho.

Nas Oficinas Curro Velho os preparativos para o carnaval fizeram uso de

diversos locais do prédio como o teatro, sala de dança, sala de música, sala de

percussão, pátio externo, anfiteatro na beira do rio e da Nave Central. Cada ala do

desfile utilizou-se de algum desses locais para desenvolver suas coreografias e

ensaios. Outros lugares da Instituição são tomados pelas costureiras, construção

dos adereços, dos carros alegóricos e dos figurinos, de modo que praticamente toda

a Fundação é utilizada no período do carnaval. No dia do desfile todos os espaços

servem de apoio logístico para o lanche das crianças, da equipe de apoio e como

camarim para vestir os figurinos.

A Nave de entrada do prédio é utilizada para o baile de carnaval que acontece

no final do desfile que é aberto à comunidade, momento já esperado por todos. Este

encontro retoma o modelo dos bailinhos carnavalescos, com antigas marchinhas

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onde a comunidade e as crianças concluem o desfile num grande compartilhamento

prazeroso de alegria e confraternização.

Durante os ensaios há um momento em que se faz uso, o que já é uma

tradição, dos espaços das ruas do entorno da Fundação para ensaios externos, que

tem o objetivo de preparar as crianças para o desfile ao simular uma situação de rua

num deslocamento maior, e verificar os últimos detalhes que a equipe ainda

necessite resolver. Esta ação também não deixa de ser um chamativo para a

comunidade, que já espera o carnaval das Crias do Curro Velho. Contando com

acompanhamento de um carro som, dos músicos e com a bateria da escola já nos

ajustes finais para o desfile, a Fundação oferece, mesmo sem ainda se utilizar os

figurinos, adereços e carros alegóricos, uma boa prévia do desfile para a

comunidade do entorno durante estes ensaios de rua.

Como o carnaval das Crias do Curro Velho se realiza antes do carnaval

oficial, neste ano na véspera, com as Crias desfilando dia trinta de janeiro e o

carnaval oficial no dia seguinte, a bateria das Crias do Curro Velho apresenta-se em

diversos locais após o desfile, normalmente em instituições, que por estarem

comemorando seu carnaval, solicitam a parceira da Fundação com a apresentação

da bateria. Neste ano as crianças da bateria apresentaram-se em diversos locais,

incluindo outro espaço da própria Fundação Cultural do Pará, a Praça do Povo,

durante as festividades carnavalescas oferecidas ao público em geral na sua Sede à

Av. Gentil Bittencourt (antigo CENTUR).

Esta é portanto a localização e caracterização do local onde esta pesquisa

realizou-se.

2.4 Sujeitos da pesquisa

Meus interlocutores foram as crianças que participam do carnaval das Crias

do Curro Velho e, para me situar com relação a estas, fiz uso de autores como Cruz

(2008), Charone (2011), Carvalho (2010), Friedmann (2005), Rocha (1998) e Aries

(1981).

São crianças que, em sua maioria, por morarem na Vila da Barca, local onde

ainda existem palafitas, algumas famílias que ali residem tem suas vidas regidas

pelas águas, pela enchente a vazante da maré. Alguns dos pais dessas crianças

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pescam na Baía do Guajará para alimentar suas famílias e estas áreas também

servem de espaço de brincadeiras para as crianças que lá residem. Esta vivência

mesmo dentro da urbanidade da cidade traz características da cotidianidade das

crianças ribeirinhas pois: Para a criança ribeirinha o rio é o espaço principal de expressão da sua ludicidade. É na fluidez das águas do rio, que elas compartilham suas brincadeiras, que vivenciam suas experiências e constroem novos conhecimentos, brincar nas águas do rio faz parte, da realidade cotidiana das crianças ribeirinhas (CARVALHO, 2010, p.35).

Estas crianças também convivem com a vida urbana, com todos seus

benefícios e problemas, convivem com a tecnologia de celulares, redes sociais, mas

também com drogas que estão presentes no cotidiano de suas comunidades e a

partir destas com uma série de violências e preconceitos por pertencerem a uma

periferia.

Neste momento me vem à mente a lembrança de um outro encontro que tive

neste caminho da pesquisa, o encontro com Alfredo, personagem do livro Primeira

Manhã de Dalcídio Jurandir, o personagem vem à cidade grande mas não sem

trazer em seu peito sua vivência da infância, foi para escola da metrópole “repleto

dos meninos e meninas de Marajó” (JURANDIR; FARES, 2009, p.37). Veio repleto

de seus saberes infantis e marajoaras, que o fazia constantemente pensar sobre o

que fazia nesta cidade.

Alfredo vivia entre os saberes de sua infância e o conhecimento do Liceu, dois

mundos que tinham em sua família seus ícones, seu pai e mãe. “Na mãe, via as

ilhas, que sempre lhe parecem fabulosas [e no pai o intelecto] [...] ficava então entre

a cabeça do pai, na cauda do cometa e o pé da mãe no estrume da horta”

(JURANDIR; FARES, 2009, p.66-67). As Crias do Curro Velho vivem entre seus

saberes de botos, brincadeiras de rua, arte e o mundo infantil, tendo como um dos

contrastes o mundo do adulto, com trabalho, estreses, violências e drogas como foi

declarado nas entrevistas. E, neste sentido de contraste entre dois mundos, é que

faço um paralelo a história de Alfredo, é fácil perceber porque as crianças não

querem crescer, assim como Alfredo parecia não conseguir largar o Marajó. Nas

entrevistas em dado momento ao serem perguntadas se é bacana ser criança uma

responde: “É! Eu gosto! Não queria crescer!” (informação verbal)8. Elas não querem

8 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3

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abrir mão do lúdico, do mágico, do inusitado e criativo mundo infantil, suas raízes,

assim como Alfredo não queria abrir mão das suas no Marajó.

Outro aspecto a considerar é que devido a uma diversidade de poder

aquisitivo das famílias locais, muitas destas crianças não tem acesso a cinemas,

teatros, parques ou outros lazeres que não sejam os que oferecem a rua e o rio e

neste ponto as Oficinas Curro Velho tem um importante papel como resposta a esta

ausência.

Não se deve esquecer que estas crianças, não tendo acesso a estes lazeres

citados, tem seus próprios em suas brincadeiras de rua e de rio, brincadeiras que

lhes proporcionam uma inter-relação com seus pares e onde há troca e

compartilhamentos de saberes culturais. Há uma ludicidade presente em seu

cotidiano que também as constitui e não apenas as dificuldades.

Além desta grande maioria de crianças advindas da Vila da Barca, no

carnaval participam crianças vindas de outros bairros de Belém, com condições

sociais, familiares e econômicas das mais diversas. Como alguns destes meus

interlocutores moram longe, como Icoaracy ou Ananindeua, não tem em seu

cotidiano o hábito de vivências com os espaços das Oficinas Curro Velho como seus

vizinhos da Instituição e, praticamente, só vem participar do carnaval ou da quadra

junina.

As crianças que participaram da pesquisa, em sua maioria, frequentam as

escolas do entorno do Curro Velho, sendo política institucional, desde o cadastro, a

verificação da matrícula de todas as crianças em idade escolar, inclusive nas

oficinas regulares, de modo que todos frequentam a escola, sendo em sua maioria

escolas públicas.

Como podemos constatar, estas crianças trazem consigo um enorme

potencial, muitas que passaram pelas oficinas do Curro Velho, hoje já adultos, são

profissionais atuantes em diversas áreas, são artistas, professores e ou instrutores

na Fundação e este processo encontra-se em renovação constante, pois sempre há

outras crianças a assumirem o lugar das que crescem, são as Crias do Curro Velho.

Portanto este foi meu interlocutor, uma criança com voz, que optou por

participar da pesquisa; que convive com o rio e a cidade; que praticamente mora no

Curro Velho, mas que também vem de longe em busca da arte e do lazer; que

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conquista através da arte, da sua cultura, dos seus saberes e de seus potenciais, a

sua vida.

2.5 Categorias de Análise

Ao ir ao encontro de algo que me instiga a curiosidade vivencio este encontro

de diversas formas, porém quando tenho a intencionalidade da pesquisa entro numa

busca que procura olhar o objeto sob tantos ângulos quanto possa. Sei

antecipadamente que isto não me garante a apreensão e descrição exata do objeto,

visto que sempre há um horizonte de indeterminação nas coisas que me são dadas

à percepção, ou seja, jamais terei a “coisa” em absoluto. De fato, esta “coisa” se

apresenta a mim numa diversidade de percepções sucessivas que, ao se disporem

de modo contínuo, fundem-se em meu vivenciar como algo, mas nunca estará

completo o conhecer.

As categorias aqui pretendidas para análise, não me foram dadas de forma

absoluta, nem independente de meu desejo, logo sempre houve necessários

retoques e reformulações no apreender destas categorias que a vivência me

encaminhou. A busca foi de diversificar o olhar, no propósito de me aproximar melhor

da categoria pretendida. Descrevo a seguir o resultado da busca desse aproximar

das categorias de análise envolvidas nesta pesquisa, de algumas de suas “faces”

que pude obter e de meu direcionamento com relação a estas.

2.5.1 Os Saberes

A categoria principal de análise nesta pesquisa foram os saberes das

crianças. Segundo o dicionário on-line Michaelis (2015) da língua portuguesa saber é: capacidade ou habilidade que advém da experiência; ser capaz de; ter meios

para; poder explicar; compreender. No dicionário on-line Priberam (2008-2013) tem-

se que saber é: possuir o conhecimento de; estar habilitado para; experiência de

vida; prudência; sensatez.

Assim, o saber está relacionado tanto ao conhecimento adquirido como a

capacidade de utilizá-lo adequadamente, que seria a prudência, a sensatez.

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Também tem relação com o resultado da experiência prática, que instrumentaliza o

ser humano a agir.

Para dar suporte a análise destes saberes não me serve apenas a descrição

do dicionário. No que diz respeito aos saberes e sob que ótica olhá-los, me serviram

de base autores como Charlot (2000), Oliveira, I. (2012), Freire (1987, 1992),

Brandão (2009), Dussel (1993) e Santos (2010). Charlot (2000) por exemplo me

informa de uma concepção de saberes não escolares. Como diz o autor: A relação com o saber é a relação com o tempo. A apropriação do mundo, a construção de si mesmo, a inscrição de uma rede de relações como os outros – ‘o aprender’ – requerem tempo e jamais acabam. Esse tempo é o de uma história: a da espécie que transmite um patrimônio a cada geração; a do sujeito; a da linhagem que engendrou o sujeito e que ele engendrará. Esse tempo não é homogêneo, é ritmado por ‘momentos’ significativos, por ocasiões, por rupturas. Esse tempo por fim, se desenvolve em três dimensões que se interpenetram e se supõe uma à outra: o presente, o passado, o futuro (CHARLOT, 2000, p.-78-79, grifo do autor).

Podemos dizer que os saberes são muitos modos de se apropriar do mundo.

Para Charlot (2000, p.60) “adquirir saber permite assegurar-se um certo domínio do

mundo no qual se vive”, e isto se dá das mais diversas formas na sociedade

humana.

E sobre estas diversas formas de se apropriar do mundo Oliveira, I. (2012)

nos traz uma reflexão envolvendo diversos autores para discutir alguns conceitos

que, segundo ela, são fundamentais e que aqui trarei dois deles o pré-saber e o

saber. A autora ao interpretar Japiassu (1975), nos traz o conceito de pré-saber

como “estados mentais formados de forma espontânea que constituem as opiniões

primeiras ou pré-noções, propondo certas explicações”, e estes estão sempre em

relação com o saber, só que comportam “determinações contrárias ao saber (erro,

preconceitos, ideias preconcebidas, etc.)” (OLIVEIRA, I. 2012, p. 4- 5).

A criança no seu brincar, não está preocupada com uma coerência cartesiana,

muitas vezes seu brincar não tem sequer outro objetivo que não seja o próprio

movimento do brincar. Não há erro ou contradição no brincar, pois as regras podem

ser modificadas a qualquer tempo, onde num mesmo instante crianças brincam

juntas parecendo aos olhos do adulto que cada um está brincando separado, pois

elas por si só inventam diálogos e monólogos ao imaginarem personagens,

executarem ações compartilhadas, sem necessariamente ter concordância ou até

mesmo a escuta de seu par, o que me leva a admitir que podem estar presentes

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nestas ações pré-saberes com relação as regras, ao jogo ou aos objetivos do

brincar.

No carnaval, através do qual se pode inferir no cordão umbilical do tema uma

possível unidade no desfile, em suas alas as crianças muitas vezes estão em seu

mundo particular de fantasia. Não a fantasia concreta da roupa que o cobre naquele

momento, mas do que o momento remete ou provoca, onde vivenciam sua

realidade, experimentam o mundo e aqui podem estar presentes também pré-

saberes que lhes serão úteis em seu cotidiano.

Seguindo ainda Oliveira, I. (2012), o saber é produzido pelo sujeito em sua

relação com sua comunidade, e com o outro, e traz em seu bojo a objetividade e a

subjetividade deste sujeito, possuindo critérios de validação comunitários. Aqui me

interessa a categoria saberes populares de Brandão (2002), que seriam formados

pelas práticas cotidianas da comunidade, vivências, religiosidades, posturas éticas

de convivência, etc. Ou ainda os “saberes culturais” que segundo Oliveira I. (2012)

são: Produzidos nas práticas sociais e culturais e que refletem formas de viver, pensar e compreender o mundo, valores, imaginários e representações. Eles são diversos, multireferênciais e constituídos por magmas de significações, de relações, de conteúdos e práticas culturais. (OLIVEIRA, I., 2012, p.7)

Sendo, portanto, o saber um produto da relação do ser ao apropriar-se do

mundo, não há saber sem aquele que sabe, em outras palavras, o saber está

intimamente ligado aquele que vivência sua relação com o mundo. No caso das

crianças do carnaval das Crias do Curro, os saberes que trazem como frutos de seu

apropriar-se do mundo, são saberes que se constituíram em suas vivências, consigo

mesmo, com sua família, com sua comunidade e com toda a historicidade humana

do meio que vive.

Charlot (2000, p.61) nos afirma que “não há saber senão para um sujeito […]

não há saber sem uma confrontação interpessoal”, para ele a ideia de saber implica

a de sujeito, atividade do sujeito, relação deste consigo mesmo, e com seus pares,

chega inclusive a uma definição tal que “o sujeito é relação com o saber”

(CHARLOT, 2000, p.82). Ou seja, ser é relação, um modo de apropriar-se do mundo,

como o ritmo da bateria que leva a criança a sentir e constituir seu tempo, seu ritmo,

sua consciência, Sodré (1998) nos fala que “enquanto maneira de pensar a duração,

o ritmo musical implica uma forma de inteligibilidade do mundo, capaz de levar o

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indivíduo a sentir, construindo o tempo, como se constrói a consciência (SODRÉ,

1998, p.19).

Sobre estes modos de se apropriar do mundo, estes saberes, busco um olhar

sobre aqueles que estas crianças trazem de sua cotidianidade, que Freire (1992)

chama de “saberes de experiência feito”, que vem de sua prática social, de sua

apropriação do mundo e neste rol os que virem a se apresentar na vivência do

espaço do carnaval. Estes são os saberes que Brandão e Assumpção (2009)

chamam de saberes populares.

Posto quais saberes minha intencionalidade buscou, faz-se necessário que

chame a atenção para uma postura ética e política, com relação a estes saberes das

crianças, adotada aqui. Se, voltando aos saberes cotidianos, como os que as

crianças compartilham no carnaval, os colocar em oposição aos conhecimentos

científicos, estratificados e cumulativos vindos da escola e nesta oposição embarcar

na relação de poder implícita com relação à verdade, como inefável resultado

somente da ciência, estarei desmerecendo e desqualificando os saberes cotidianos

comunitários, e por consequência os desas crianças, como inferiores aos científicos.

Não admito esta posição, pois negaria um processo educativo de

compartilhamento e assunção de saberes que ocorrem na cotidianidade desas

crianças, que opõe-se à visão bancária da educação criticada por Freire (1987), uma

vez que “na visão ‘bancária’ da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam

sábios aos que julgam nada saber.” (FREIRE, 1987, p.33, grifo do autor). Assim

acontecendo, o saber “deixa de ser de ‘experiência feito’ para ser de experiência

narrada ou transmitida” (Ibid., p.34, grifo do autor).

Opto pois em buscar ouvir a melodia destes saberes culturais, saberes de

experiência feito, os saberes populares que estas crianças trazem e compartilham

durante o carnaval. Esta é pois uma opção política que vai de encontro com a visão

que Freire (1987) critica, do saber como uma doação dos que se julgam sábios, que

aqui tanto podem ser os adultos com relação à criança, como o pesquisador com

relação ao seu interlocutor durante a pesquisa. A opção é pelo saber da criança.

Também vivencio aqui, com relação aos saberes, uma posição ética do

respeito ao outro como alteridade, não diferença, no caso aqui a criança sendo este

meu outro, que muitas vezes não tem seus saberes respeitados.

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Retomando o pensamento de Charlot (2000) onde o sujeito é relação com o

saber, logo “é” o que “sabe”, é necessário quebrar o paradigma histórico da relação

de poder entre “aquele que é”, logo que pode portanto saber, e “aquele que não é”,

logo “não sabe”. Esta ideia segundo Dussel (1993), tem sua origem no conceito de

modernidade, e de um mito que o acompanha, mito este implícito que traz consigo

uma falácia eurocêntrica, pois “a modernidade aparece quando a Europa se afirma

como centro de uma História Mundial que inaugura, e por isso a periferia é parte de

sua própria definição” (DUSSEL, 1993, p.7), como correlato, muitas vezes os

saberes da criança são vistos como uma “periferia” dos saberes adultos.

Para o autor esse “Outro não foi descoberto como Outro, mas foi encoberto

como o si-mesmo que a Europa já era desde sempre” (DUSSEL, 1993, p.8). E é

justamente o contraste entre o conquistado e conquistador, explorado e explorador,

evoluído e bárbaro, que contribui para criar “o processo originário da constituição da

subjetividade moderna” (Ibid., p.16).

É esta subjetividade criada, este ego eurocêntrico, que subsidiará toda uma

série de exclusões de culturas, costumes e saberes da história humana, como se

fossem apenas uma pré-história a ser modernizada e o pior, a “culpa” seria dos

próprios povos “bárbaros”, este fato é o que Dussel (1993) chama de falácia

desenvolvimentista.

Tive, portanto, meu direcionamento inicial de identificar os saberes das

crianças ampliada pelo olhar de Santos (2010) e sua ecologia de saberes,

apresentada a mim pela disciplina de epistemologia no mestrado, na qual fui

despertado para a possibilidade de outras epistemes do saber, outras possibilidades

de explicar o mundo. Na verdade, Santos (2010) e Dussel (1993) me consolidaram a

necessidade e importância desta pesquisa sobre os saberes das crianças e de

buscar fazê-la a partir do olhar delas, de verificar que modo particular teriam para

explicar e vivenciar o mundo que as cerca.

Assumo, portanto, uma postura política e ética com relação aos saberes das

crianças durante o carnaval, e coaduno com a proposta de Dussel (1993) de rever o

olhar sobre este outro, o par complementar do dominador, do espoliador sob a pele

de moderno que vinha para ajudar, educar; para que possa com um novo olhar, o

olhar da vítima, respeitar a alteridade deste povo que teve pelo mito da

modernidade, sua história negada.

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O desafio aqui foi ouvir estas crianças e seus saberes, consciente da

possibilidade de outras formas de se apropriar do mundo, este é o caminho para o

que Santos (2010) propõe como uma ecologia de saberes, que parte da ideia de que

o conhecimento é interconhecimento, e do reconhecimento de que há uma

diversidade epistemológica no mundo e consequentemente pluralidade de

conhecimentos. Para uma ecologia dos saberes, o conhecimento como intervenção

no real – não o conhecimento como representação do real – é a medida do realismo.

E o desafio maior de fato foi falar sob o olhar da criança, a dificuldade foi: Procurar compreender quem são as crianças, ali onde, como e quando [...] experimentam entre eles próprios [...] e para eles próprios as sementes germinais de quase todas as interações que, adiante, irão criar e reproduzir os campos cotidianos e históricos da vida social dos seres até aqui considerados com “da cultura”: os adultos (BRANDÃO, 2002, p.193-194, grifo do autor)

2.5.2 A Educação

Mesmo sendo os saberes a categoria principal de análise, estes não surgem

sem uma relação, nem estão separados do “ser”, e a forma como eles são

compartilhados e apreendidos é um processo educativo, a construção daquela

história de vida social e dos campos cotidianos, mesmo que não ocorram dentro dos

muros das instituições tradicionalmente destinadas a tal fim, são um processo

educativo.

Portanto, nesta pesquisa, surgem categorias de análises associadas ao saber

como a educação, e no que diz respeito a ela, grande área do conhecimento na qual

se insere esta pesquisa, aproprio-me de contribuições de autores como Brandão

(2002, 2007, 2009), Freire (1987, 1992, 2011) e Charlot (2007). Brandão (2007), por

exemplo, nos coloca que: a educação é “inevitável [...] porque a educação existe de

mais modos do que se pensa” (BRANDÃO, 2007, p.99), e aproximando-me desta

visão é que verifico processos educativos na dinâmica de saberes das Crias do

Carnaval do Curro Velho.

Brandão (2007) inicia seu livro “O que é Educação” afirmando que ninguém

escapa à educação e Charlot (2000, p.51) nos fala que “quem se torna um sujeito, é

educado e se educa é um filho do homem”, concluo então que a educação é

intimamente ligada ao “ser”, pois é ela quem propicia o compartilhamento e

construção comum dos saberes, conhecimentos e de nossa humanidade, que

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vivenciamos, sob este ponto de vista, dentro de uma prática educativa cotidiana e

constante. Freire (2011) expõe diversos saberes que situam a prática educativa

como uma prática: cotidiana, ética, política, estética, curiosa, alegre e inacabada. E

remete a refletir sobre o respeito aos saberes dos educandos, o que me conduz ao

respeito para com os saberes presentes nas crianças do carnaval da Fundação,

saberes constituídos em suas curiosidades e cotidianidade.

Portanto ao nascermos estamos inexoravelmente destinados a aprender e

também a ensinar, pois a construção destes saberes não é uma via de mão única,

em nossas atitudes cotidianas, nas tentativas de encontro com nossos “outros”

criamos estruturas relacionais e modos de nos enxergarmos e enxergarmos o

mundo que nos cerca e até criamos um mundo para vivermos, e ao criarmos estas

condições já estamos dentro de um processo educativo mútuo.

Para Freire (2011, p.25) “ensinar inexiste sem aprender e vice-versa” e esta é

a visão que adoto no encontro com estas crianças, o que me permitiu admitir que em

suas trocas de vivências cotidianas de busca do ser, nas suas intersubjetividades,

na constante busca curiosa de si e de seu mundo, estas crianças desenvolvem

também saberes educativos, pois o ensinar, indo novamente ao encontro de Freire

(2011) se dilui na experiência fundante do aprender.

Estou aqui falando do educar e aprender como um único amplo ato de ser

humano, de ser um “ser da cultura” nas palavras de Brandão (2002), ato este que ao

longo da construção de nossa humanidade se institucionalizou em escolas e

universidades e, se institucionalizando, se formalizou de tal maneira que por um

tempo esquecemos como ela começa todo dia, no cotidiano e no simples desejo do

encontro do outro. Este ato de ir ao encontro do outro surge na intencionalidade de

nossa consciência de compreender quem somos e quem é este outro, nesta

tentativa de comunicar, de encontrar, criamos nossas formas de transmitir e/ou

compartilhar nossas vivências e neste ato já estamos praticando processos

educativos, estruturas de “como posso me explicar” e “como posso entender”.

Portanto ao ir ao encontro da dinâmica do compartilhamento e descoberta do

mundo por parte das Crias do Curro Velho no carnaval, fui de fato ao encontro de

seus saberes e de um processo educativo cotidiano e que ocorre fora da estrutura

educacional institucionalizada das escolas regulares, e longe da estrutura da

educação bancária, nas palavras de Freire (2011). Um termo frequentemente

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utilizado para aquele tipo de processo educativo é educação não formal, pois não é

estratificada, definida em leis, em diretrizes educacionais nacionais, visto que se

constitui e se efetiva no próprio fazer e viver do cotidiano.

O desfile das Crias do Curro Velho é uma manifestação cultural que traz

consigo toda uma série de patrimônios que compartilhamos num grande encontro

comunitário e festivo, ali estão nossos mitos, lendas, relações, medos, desejos,

conquistas que pertencem não só aos brincantes, mas a comunidade e a nossa

cultura. Logo aprender é também “participar de vivências culturais em que, ao

participar de tais eventos fundadores, cada um de nós se reinventa a si mesmo”

(BRANDÃO, 2002, p.26).

Esta é a visão de educação com que dialogo durante este trabalho de

pesquisa, uma educação implicada na cotidianidade das crianças, em sua cultura,

num ensinar que também é um aprender, que se dá no vivenciar de suas

intersubjetividades, na própria constituição de seus seres e de seus mundos. Uma

educação que é intimamente humana, e que tem em uma de suas manifestações

fenomênicas os saberes de meus interlocutores, as crianças.

2.5.3 A Criança

Pois bem, e as crianças, que seres são estes? No que diferem dos humanos

adultos? Porque o desejo de pesquisá-los? Aqui tentarei de forma breve me

posicionar com relação a estas questões, não tenho a pretensão de esgotar o tema,

apenas situar de modo breve qual é minha vivência com este universo.

Quando penso em criança, várias sensações me vem à mente, como, por

exemplo, um ser pequeno, ainda em formação, de pouca idade, que no nosso caso

já é definida em lei como “a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos”

(BRASIL, 1990, Art. 2º). Só que esta noção, por exemplo de idade para definição da

infância, nem sempre existiu.

Segundo Ariès (1981, p.21) houve um tempo em que a idade cronológica

exata não era prioridade, ele nos diz que por exemplo “na savana africana a idade é

ainda uma noção bastante obscura, algo não tão importante a ponto de não poder

ser esquecido”, e nos chama a atenção para três “mundos” que nos definem: o

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nome, que pertence ao mundo da fantasia; o sobrenome, que pertence ao mundo da

tradição e por último a idade, ligada ao mundo de um tempo mensurável.

Esta faixa de idade que hoje temos definida de forma legal também é

histórica, uma classificação retirada de textos da idade média diz que: A primeira idade é a infância que planta os dentes, e essa idade começa quando a criança nasce e dura até os sete anos, e nessa idade aquilo que nasce é chamado de enfant (criança), que quer dizer não falante, pois nessa idade a pessoa não pode falar bem nem formar perfeitamente suas palavras, pois ainda não tem seus dentes bem ordenados nem firmes [...] Após a infância, vem a segunda idade... chama-se pueritia e é assim chamada porque nessa idade a pessoa é ainda como a menina do olho, como diz Isidoro, e essa idade dura até os 14 anos. (ARIÈS, 1981, p.25-26).

E assim o autor vai através de diversos poemas do século XIII, XIV,

demostrando que por diversos motivos e sob diversas comparações, inclusive com

meses do ano, a vida humana foi estratificada de várias formas, de modo que esta

visão etária que temos da infância hoje também é um construto cultural, histórico.

Destaco que a infância pela categorização citada logo acima era dividida em

duas fases, que não existem pra nós, infância e pueritia, e que na infância o ser

humano era o “não falante” e isso com uma explicação “logica” da ausência ou

incompletude dos dentes.

Mas esta confusão é bem mais complexa, Ariès (1981) ainda nos coloca

diversas situações que por limite do idioma ou costume, pessoas com diversas

idades são chamadas de crianças, e estas idades variam e se estende em algumas

situações até os 26 anos: “segundo um calendário das idades do século XVI aos 24

anos ‘é a criança forte e virtuosa’” (ARIÈS, 1981, p.32).

Priore (2010) enfatiza que os manuais de medicina dos séculos XVI e XVIII

definiam as idades dos homens em: puerícia, até os quatorze anos; adolescência,

de quatorze a vinte e cinco. A infância seria dividida num primeiro momento até o

final da amamentação, num segundo até os sete anos e a partir daí já seguiam para

o trabalho através de escolas.

Até aqui tratei resumidamente de faixa etária. E quanto ao significado da

criança, sua importância, a atenção que a ela era dada, como isso se deu ao longo

dos tempos? Esse descobrir da infância também é tratado por Ariès (1981), ele nos

traz que no século XII a arte medieval desconhecia a figura infantil, não por

incompetência, mas o mais provável é que ela não tivesse significância para ser

representada.

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Ariès (1981) nos traz outro exemplo desse possível descaso ou significação

da infância neste período, ele nos relata sobre uma miniatura otoniana do século XI,

onde numa reprodução da passagem em que Jesus chama a ele as criancinhas,

estas são representadas com uma série de adultos em miniaturas, onde as figuras

em nada lembram as características do corpo infantil, só diferindo do adulto pelo

tamanho. Também nos fala que eventualmente quando figuras de crianças se

apresentavam nuas, o artista as representava com toda a musculatura e proporção

do corpo dos adultos.

Ariès (1981) ressalta que no período helenístico, século III e II a.C. os gregos

retratavam de forma mais realista a morfologia infantil, mas isto desapareceu nas

produções artísticas de séculos posteriores. Ao que perece a coisa só começou a

mudar a partir do século XIV, onde as figuras infantis já não pareciam com adultos

miniaturizados, mas com adolescentes. Mas ainda neste período começaria a surgir

uma outra classe de crianças, com características mais infantis nas obras de arte

religiosas, devido a representação do menino Jesus, que passou a ter aparência

mais graciosas, terna e ingênua, elementos próprio da primeira infância.

Por volta do século XVII começam a surgir diversas obras de arte com a figura

infantil, que não desapareceriam até o século XIX. Estas não eram representações

exclusivas de crianças, mas que segundo Ariès (1981) eram elas as protagonistas.

Mas a importância que era dado à criança ainda não era significativo, no Século XVII

“o sentimento de que se faziam várias crianças para conservar apenas algumas [...]

durante muito tempo permaneceu muito forte” (ARIÈS, 1981, p.45).

Ramos (2010) nos traz uma visão das crianças que vieram nas embarcações

para o Brasil, estas vinham na “condição de grumetes ou pajens, como órfãs do Rei

enviadas ao Brasil para se casarem com os súditos da Coroa” (RAMOS, 2010, p.15),

e a vida destas crianças nestas viagens era terrível. Segundo Ramos: Grumetes e pajens eram obrigados a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos. Crianças, mesmo acompanhadas dos pais, eram violadas por pedófilos e as órfãs tinham que ser guardadas e vigiadas cuidadosamente a fim de manterem-se virgens, pelo menos, até que chegassem à Colônia (RAMOS, 2010, p.15).

No caso do navio ser tomado por piratas, os pobres eram mortos, os mais

ricos mantidos vivos para resgate, e novamente as crianças eram utilizadas como

escravas e para serem prostituídas. Nos naufrágios os adultos cuidavam de si, e as

crianças ficavam à sua própria sorte.

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Acompanhando o pensamento de Ramos (2010), os Grumetes chegavam aos

navios muitas vezes com o consentimento das famílias, que viam no seu

“recrutamento” uma oportunidade de aumentar a renda familiar, pois era a família

quem recebia os “soldos”. A população de grumetes era algo em torno de 18% da

população do navio.

Os pajens já eram em quantidade menor, cerca de 3,8% e tinham mais

regalias e uma condição melhor na embarcação, podendo servir a oficiais. A estes

eram conferidas as tarefas mais leves e menos arriscadas, e raramente eram

castigados. Continua Ramos (2010), falando das crianças embarcadas citando que

havia uma categoria que eram passageiros, acompanhados pelos pais que eram

algo em torno de 2% da população do navio. Se fizermos as contas direito veremos

que cerca de um quarto do navio era formado por crianças, nas mais diversas

condições. Isso tinha também uma razão econômica, pois “Os meninos, embarcados

como grumetes, consumiam menos alimentos e podiam substituir os adultos em

inúmeras atividades” (VENÂNCIO, 2010, p.166).

Aqui no Brasil, com a chegada dos jesuítas, estes passaram a ensinar as

crianças indígenas, porém também ensinavam os filhos dos portugueses: Além da conversão do “gentio” de um modo geral, o ensino das crianças, como se vê, fora uma das primeiras e principais preocupações dos padres da Companhia de Jesus desde o início da sua missão na América portuguesa (CHAMBOULEYRON, 2010, p.46).

Aqui as crianças indígenas não eram respeitadas em sua cultura mas sim

utilizadas como estratégia de dominação, pois o ensinar desconsiderava seus

saberes culturais, e tinham a intenção de criarem adultos “catequizados”, e fiéis à

Coroa Portuguesa pois a dificuldade de fazer o mesmo com os adultos era

significativa. A ideia óbvia era que: Ocorreria, assim, algo que poderíamos chamar de ‘substituição de gerações’: os meninos, ensinados na doutrina, em bons costumes, sabendo falar, ler e escrever em português terminariam “sucedendo a seus pais” (CHAMBOULEYRON, 2010, p.50).

Havia diferenças entre o tratamento das crianças no nascimento de acordo

com sua origem cultural, para os portugueses: Os primeiros cuidados com o recém-nascido eram ancilares. Seu corpinho molengo era banhado em líquidos espirituosos, como vinho ou cachaça, limpo com manteiga e outras substâncias oleaginosas e firmemente enfaixado [...] As mães indígenas preferiam banhar-se no rio com seus rebentos. As africanas costumavam esmagar o narizinho de seus pequenos, dando-lhes uma forma que lhes parecia mais estética. Os descendentes de nagôs eram enrolados em panos embebidos numa infusão de folhas, já sorvida pela parturiente. O umbigo recebia as mesmas folhas maceradas, e

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num rito de iniciação ao mundo dos vivos, imergia-se a criança três vezes na água (PRIORE, 2010, p.72).

Priore (2010) nos fala dos castigos físicos que os portugueses costumavam

dar às crianças, e que para o índio era um horror, visto que não fazia parte dos seus

costumes, este tipo de atitude para com os pequenos. Nesta época as brincadeiras

das crianças eram um misto das diversas culturas que conviviam, ao brincarem

juntas, crianças negras, indígenas e portuguesas compartilhavam seus universos

culturais do brincar, e com isto surgia um amálgama de diversas brincadeiras como o

brincar no rio, brincar de arco e flecha, jogar peões, empinar papagaios, danças de

roda e outras.

Em relação as crianças escravas, muitas vieram no tráfico humano, porém

segundo Góes e Florentino (2010) há poucos indícios de comercialização e

interesses nelas. As que eram compradas “não eram o principal objeto de

investimento senhorial, mas sim as suas mães, que com eles se agregavam aos

cafezais, plantações de cana-de-açúcar e demais [locais trabalhos].” (GÓES;

FLORENTINO, 2010, p.151).

Entre as crianças escravas o índice de mortalidade era grande e até aos cinco

anos de idade cerca de metade delas já eram órfãs de acordo com Goés e

Florentino (2010), por diversos motivos como: os pais sumiam do inventário quando

eram vendidos, a alforria fazia desaparecer o registro dos pais e a mortalidade dos

pais.

Mas havia uma estratégia dos escravos onde dificilmente uma criança negra

órfã ficava só. Pois os laços de compadrio criavam laços familiares não

consanguíneo, que serviam de apoio entre eles. Numa época de intenso movimento de desembarque de africanos, os escravos aproveitaram este sacramento católico para estabelecerem, entre si e por sobre as fronteiras dos plantéis, fortes laços parentais [...] Os escravos puseram o catolicismo a seu serviço para fazer parentes e famílias (GÓES; FLORENTINO, 2010, p.154)

As crianças escravas desde muito cedo já eram postas no trabalho, pois seu

treinamento refletia no preço, de forma que aos doze anos de idade, segundo Góes

e Floriano (2010), já estavam adestradas para o trabalho (vejam só o termo utilizado,

o mesmo que para os animais), e a partir daí já eram consideradas adultas. Nesta

ocasião já tinham seu sobrenome, que lembrando novamente Ariès (1981)

representaria seu mundo da tradição, e este estava intimamente ligado ao trabalho:

“Chico Roça, João Pastor, Ana Mucama” (GÓES; FLORENTINO, 2010, p.155).

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Figueiredo (2010), fazendo um estudo sobre a infância na Amazônia, tece seu

texto com fios de memórias de outros autores, que escreveram sobre suas próprias

infâncias no Pará e no Amazonas nas primeiras décadas do século XX, trouxe à

tona costumes e vivências da época sob o olhar da criança, pois eram memórias da

infância dos autores que lhe serviram de referência em seu estudo.

Para Figueiredo (2010), a criança que tem sua rotina mais restrita a sua

residência, o mundo dela tem como centro sua casa e o resto é o seu quintal. Ou

seja, nas palavras de Figueiredo (2010, p.270) “a casa era o verdadeiro centro e o

começo do mapa do mundo”. A partir deste centro, quase sempre muito

movimentado, a criança explora os recantos de sua casa, seu quintal, seu bairro,

sua cidade. Para a criança “a janela que dá para um estreito canteiro abre-se para

um jardim de sonho, o vão embaixo da escada é uma caverna para os dias de

chuva”9 (BOSI apud FIGUEIREDO, 2010, p.270).

Figueiredo (2010) nos fala de um costume que a mim se destacou quando

cheguei em Belém na década de oitenta, este, a meu ver, permanece ainda hoje e

me permito chamar de grande vizinhança. Neste modo de viver comunitário, vizinhos

“não eram apenas os que moravam na casa ao lado, ao pegado, de parede e meia.

Eram também vizinhos os que moravam em frente ou até lá no outro quarteirão”

(MELLO apud FIGUEIREDO, 2010, p.276). Esta grande vizinhança ainda está

presente nas falas das crianças que participam do carnaval das Crias do Curro

Velho, principalmente as do entorno da Fundação, elas tratam como vizinhos várias

outras crianças que moram nas proximidades de sua casa e parecem conhecer

todas as histórias de vida das outras crianças, suas vizinhas na Vila da Barca.

Hoje a criança já possui uma série de direitos materializados em Lei, sendo

considerada como “a pessoa até doze anos de idade incompletos” (BRASIL, 1990,

Art.2º). Direitos que vão desde antes do nascimento, por exemplo, o ECA – Estatuto

da Criança e do Adolescente garante prioridades e ações específicas para as

gestantes de forma a garantir à criança seus direitos básicos de vida e saúde. Ainda

nesta linha de pensamento, o mesmo diploma legal determina que a

responsabilidade sobre garantia de efetivação dos direitos da criança é “da família,

da comunidade, da sociedade em geral e do poder público” (BRASIL, 1990, Art.4º).

9 Referência retirada por Figueiredo (2010) do livro: Ecléa Bosi. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T. A.

Queiróz/Edusp, 1987, p. 356.

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Esta consolidação legal da criança e seus direitos não se deu de repente,

uma vez que anteriormente existiram outros códices legais tratando do assunto

como o Decreto nº 17.943-A/192710 e o Código de Menores11, sendo o ECA o

resultado atual de uma grande discussão histórica da sociedade sobre a temática da

criança. Dado o exposto, o que se vê hoje é uma valorização da criança e da

responsabilidade sobre ela, responsabilidade esta que deve ser compartilhada por

todos os entes sociais. Neste aspecto o carnaval das Crias do Curro Velho é uma

ação do poder público que atende ao ECA em seu artigo cinquenta e oito, onde

preconiza para a criança a garantia da “liberdade da criação e o acesso às fontes de

cultura” (BRASIL, 1990, Art.58).

Não vejo a criança como um ser passivo, para mim toda relação é

intersubjetiva e construída num lugar entre o eu e o tu, é possível pensar que o eu e

o tu sejam uma unidade de existência, visto que para que um exista implica a

existência do outro e numa relação, num “ser-com”: Enquanto ser-com, a pre-sença "é", essencialmente, em função dos outros. Isso deve ser entendido, em sua essência, como uma proposição existencial. Mesmo quando cada pre-sença de fato não se volta para os outros, quando acredita não precisar deles ou quando os dispensa, ela ainda é no modo de ser-com (HEIDEGGER, 2005, p.175) O ente que existe tem a visão de ‘si’, somente na medida em que ele se faz, de modo igualmente originário, transparente em seu ser junto ao mundo, em seu ser-com os outros, momentos constitutivos de sua existência (HEIDEGGER, 2005, p.202)

Logo, não há como interagir com uma criança, ou com quem quer que seja, e

não se modificar um pouco, juntos num processo de ensinar e aprender construímos

nosso mundo de cultura e, a meu ver, somos todos protagonistas, cada um a seu

modo.

Concluindo, trouxe aqui um breve resumo de como a criança foi percebida e

de como se dava a relação com ela ao longo de parte da história, e neste caminho

busco um exercício de olhar esta categoria de análise de quantos ângulos puder, e

neste exercício buscar reduzir o que Lyotard (1986) chama de horizonte de

indeterminação no que diz respeito a percepção e compreensão desta categoria de

análise.

10 BRASIL. DECRETO Nº 17.943-A DE 12 DE OUTUBRO DE 1927.Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm. Acesso em: 15 JUL 2016. 11 BRASIL. LEI No 6.697, DE 10 DE OUTUBRO DE 1979. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-

1979/L6697.htm. Acesso em: 15 JUL 2016.

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2.5.4 O Carnaval

Antes para mim o carnaval tinha basicamente duas imagens, sendo a primeira

a dos blocos de rua como aqueles grupos que não tem um samba enredo e fazem

uso de marchinhas para percorrer as ruas, onde cada qual tem sua própria fantasia

ou não, e brincam de forma quase que desordenada pelos espaços de sua

comunidade. Alguns são chamados de blocos dos sujos, pois jogam farinha ou

maisena, ou ainda outros materiais uns nos outros ou mesmo em transeuntes

desavisados. Muitos destes blocos ainda permanecem em alguns bairros da cidade.

A segunda imagem que tinha do carnaval era a comercial e de exportação, a

que nos chega pela televisão, onde a imagem do carnaval que me chega parece

uma comercialização da exposição do corpo como um objeto de consumo, do luxo

exuberante contrastando com as crises que o país normalmente enfrenta, e uma

apologia ao consumo de bebidas, que se pode perceber pelas diversas propagandas

associadas ao evento.

Eram estas as duas formas de expressão do carnaval que conhecia, não

estou afirmando serem as únicas, nem poderia, apenas estas eram minha vivência

com esta manifestação cultural. Mas ao assistir as crianças ensaiando, falando

sobre os elementos do samba enredo, vivenciando em suas representações de

personagens durante o carnaval recortes de sua realidade, e simultaneamente

apropriando-se de saberes relacionados ao ritmo, a cooperação, encenação teatral,

enfim na troca e elaboração de muitos saberes que perpassam o evento do carnaval

no Curro Velho, passei apreender este mundo de festividade cultural de uma outra

forma.

No Curro Velho passei a ver o carnaval como uma possibilidade de aquisição

e compartilhamento de saberes por parte destas crianças, passei a ver uma

possibilidade pedagógica neste processo, uma possibilidade de educação popular,

uma educação que pode tornar possível o empoderamento da criança em diversos

aspectos de sua cultura através da arte.

Esta ação pedagógica é muito bem observada por Tramonte (2001), que ao

discutir os processos educativos presentes nas escolas de samba, evidencia uma

série de pedagogias que nomeia como: pedagogia da ação social, da ação política,

dos valores éticos e morais, da ação escolar, da ação cultural e da arte.

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Novamente me inquietou uma necessidade de ver quais outras

possibilidades, outros ângulos, esta festividade poderia ser percebida. Fui então

beber em diversas reflexões de autores como: Bakhtin (1993), Sodré (1998),

Tramonte (2001), Minois (2003), Oliveira, A. (2006) e Burke (2010). Pude, com estes

autores, ter breve visão do significado do carnaval na idade média, moderna, no

Brasil e, por fim, em Belém.

Bakhtin (1993) nos fala de uma cultura carnavalesca onde diz que: As múltiplas manifestações dessa cultura podem subdividir-se em três grandes categorias: [...] As formas dos ritos e espetáculos (festejos carnavalescos, obras cômicas representadas nas praças públicas, etc.) [...] Obras cômicas verbais (inclusive as paródicas) de diversa natureza: Orais, escritas, em latim ou em língua vulgar [...] Diversas formas e gêneros do vocabulário familiar e grosseiro (insultos, juramentos, blasões populares, etc.)” (BAKHTIN, 1993, p.04).

Minois (2003), trazendo conceitos semelhantes a Bakhtin (1933), nos fala que

as formas do riso na era medieval eram basicamente as festas, os ritos e

espetáculos públicos como o carnaval, as obras cômicas verbais e vocabulário

familiar grotesco. Estas eram as formas que o ser humano encontrava para rir e o

riso era de uma certa maneira uma forma de vitória contra o medo, uma libertação

do cotidiano de subjugação do povo através do riso. Para o autor esta forma de ser

tinha várias interpretações de sua origem, alguns atribuíam à perpetuação das festas

pagãs e outros a uma tradição cristã. Para Minois “a visão séria é acompanhada de

interditos, restrições e intimidação. Inversamente, a visão cômica, ligada à liberdade,

é uma vitória sobre o medo [...] e esse riso não é individual; para ser eficaz, deve ser

coletivo, social, universal”. (MINOIS, 2003, p.159).

O conceito de cultura carnavalesca de Bakhtin (1993) extrapola o da festa

popular do carnaval. O que de fato vai me interessar aqui é a do carnaval em si,

muito embora todas estas manifestações populares estejam interligadas numa

percepção de mundo. Na idade média as festas populares tinha diversos objetivos, e

um deles era uma oposição ao mundo do Estado com suas interdições e regras,

onde a população podia “rebelar-se” contra o instituído explorador e através do riso

vencer o medo de uma punição pelos seus atos e “isso criava uma espécie de

dualidade do mundo” (BAKHTIN, 1993, p.05).

A visão de Bakhtin (1993) sobre uma cultura carnavalesca, está relacionada a

um modo de viver do homem. Para ele: O riso e a visão carnavalesca do mundo, que estão na base do grotesco, destroem a seriedade unilateral e as pretensões de significação

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incondicional e intemporal e liberam a consciência, o pensamento e a imaginação humana, que ficam assim disponíveis para o desenvolvimento de novas possibilidades. Daí que uma certa "carnavalização" da consciência precede e prepara sempre as grandes transformações, mesmo no domínio científico” (BAKHTIN, 1993, p.43).

Este modo de viver se manifesta sem “amarras”, sem interdições do Estado e

Igreja, onde não há uma hierarquia e até uma inversão do social através do jogo

teatral, da festa popular, primordial para que o ser humano possa sobreviver, criar,

superar suas dificuldades cotidianas, onde se pode falar, expor, discutir, criticar,

propor e tudo de uma forma divertida onde todos são expectadores e protagonistas

de seu tempo.

O carnaval em si não se tem muito claro sua origem, pois tanto remonta as

festas pagãs e, segundo Bakhtin (1993), as saturnais romanas, como para alguns

advém de uma tradição cristã. Segundo Minois (2003) havia na idade média, certas

igrejas em que era costume os bispos e arcebispos deporem, por brincadeira, seus

atributos numa festa conhecida como dezembro. Isso era semelhante as festas

pagãs, na época da colheita havia grande comemoração, onde não se fazia

distinção entre os senhores donos das terras e seus servos, e comungavam de uma

mesma festa comemorando as boas colheitas. Cria-se portanto, um vínculo histórico

da época da quaresma com o das festas pagãs, isto aparece inclusive na própria

origem etimológica da palavra carnaval que: Repousa sobre a etimologia fantasista do currus navalis, o “carro naval”, utilizado pelos romanos para a festa de Isis, em 5 de março, enquanto a etimologia, quase certa, faz derivar “carnaval” de carne levamen, ou carne lavamine, ou carne lavale, expressão retirada de um texto romano de 1285 que significa o momento em que a carne vai ser “retirada”, proibida, durante a quaresma (MINOIS, 2003, p.162, grifo do autor).

O carnaval é uma festa coletiva e que tem sua origem num emaranhado de

representações e necessidades do homem, ele tem sua função social na medida em

que proporciona ao homem comum participar de forma mais ativa e igualitária, nem

que seja durante um instante, das relações de sua época discutindo, invertendo,

deturpando e criticando poderes estabelecidos e explorações já enraizadas. Na

fantasia e na festa realmente se perdia o medo e isso possuía uma necessidade de

existência para equilibrar as tenções cotidianas.

Ainda Bakhtin (1993) nos coloca o riso como uma segunda natureza do

homem, não só como uma necessidade imperiosa, mas como uma personalização

de nossa humanidade, pois “o homem é o único ser vivente que ri. [...] segundo

Aristóteles, a criança só começa a rir no quadragésimo dia depois do nascimento,

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momento em que se torna pela primeira vez um ser humano” (BAKHTIN, 1993,

p.59), e este pensamento é a essência da carnavalização da consciência, um outro

modo de viver e interagir com o mundo presente em diversas festas e manifestações

culturais, comunitárias e familiares do homem, este é o denominador comum de

todas elas o que Bakhtin (1993) chama de “tempo alegre”.

Na idade moderna, ou no século das luzes, a ênfase na razão tornou-se

referência de tudo o que podia existir de humano, e isto implicou também no modo

de ver o carnaval. Mas ainda que não tenha a significação que tinha antes este

permanece e “por toda parte onde o aspecto livre e popular se conservou, essa

relação com o tempo e, consequentemente, certos elementos de caráter

carnavalesco, sobreviveram” (BAKHTIN, 1993, p.191).

Sobre o carnaval na idade moderna, Burke (2010) nos relata da dificuldade de

encontrar fontes que relatem sobre a festa, e quando as encontra são referentes as

cidades e muito pouco sobre a área camponesa. Nestas cidades o carnaval era

como uma grande peça teatral que tomava as ruas da cidade, feita ao ar livre: “em

Montpellier, Place Notre Dame; em Nuremberg, a praça do mercado em torno da

prefeitura; em Veneza, Piazza San Marco” (BURKE, 2010, p.249), e assim era.

As praças eram tomadas e realizadas várias peças teatrais, a multidão não se

limitava a se fantasiar, mas também representavam papéis, onde por exemplo "um

se faz de doutor em direito, e sobe e desce pelas ruas com o livro na mão,

discutindo com cada um que encontra." (BURKE, 2010, p.250), de modo que a

população vivia uma grande festa onde não havia distinção entre ator e expectador.

O que mantinha semelhanças e uma continuidade com a idade média.

Neste período, ainda segundo Burke (2010), começou a surgir algumas festas

mais organizadas, estas feitas por clubes ou confrarias, que incluíam três elementos,

um desfile “em que provavelmente haveria carros alegóricos com pessoas

fantasiadas de gigantes, deusas, diabos e assim por diante” (BURKE, 2010, p.251),

algum tipo de competição e uma peça teatral, esta era realizada ao final do grande

carnaval.

Aqui no Brasil, o país do carnaval, ele ganha destaque como o maior traço de

identidade do país “entretanto, apresenta uma essência sob a capa da aparência

pública do desfile” (TRAMONTE, 2001, p.7). Aqui em nosso país, para essa autora,

“a escola de samba é uma ação cultural que processa e organiza as relações

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sociais, econômicas e políticas da parcela que aí convive no que convencionamos

Mundo do Samba” (TRAMONTE, 2001, p.8).

O carnaval surge no Brasil nos moldes do entrudo, mas neste os escravos

não podiam participar, pois seria impensável que eles revidassem as brincadeiras,

muitas brutais. Aqui já percebemos uma diferença da Europa na idade média

descrita por Bakhtin (1993), pois naquela época os servos dividiam de forma

igualitária a festa com os senhores. No entanto Tramonte (2001) destaca que por

volta do século XIX esta modalidade de festa passa a ser perseguida pela imprensa,

elites, polícia e algumas Leis que criminalizavam essas referidas práticas.

Neste período começa a surgir o Grande Carnaval, expressão utilizada por

Queiroz (1992) apud Tramonte (2001) que começa a configurar-se na segunda

metade do século XIX, nas grandes cidades brasileiras através de bailes públicos.

Aqui me chamou atenção o fato das músicas não serem o samba ainda, mas

diversos outros estilos como: “polca, valsas, tangos, quadrilhas, cake-walks12,

maxixes etc.” (TRAMONTE, 2001, p.16). O primeiro clube carnavalesco surge no

Brasil em 1855, Congresso das Sumidades Carnavalescas, no Rio de Janeiro, aqui

já surgiu o primeiro desfile com carros alegóricos, chamados préstitos.

Este tipo de carnaval viria a ser apropriado pelas elites. Mesmo no entrudo

não havia participação dos escravos, nem da classe mais pobres da sociedade, o

que não inviabilizava a festa popular, que começa a surgir na forma de cordões.

Assim, continuando com o pensamento da autora: O grande carnaval se definia [...] como um folguedo das camadas urbanas média e altas; as camadas inferiores forneciam mão de obra para sua realização e público para aplaudir ou vaiar os cortejos (TRAMONTE, 2001, p.19).

São os cordões e junto deles os “ranchos”, que começam a mudar lentamente

esta situação, estes eram formados por negros baianos de moravam no Rio de

Janeiro e possuíam uma forma herdada das procissões de pastoris nordestinos. Os

elementos dos cordões iam se juntando aos dos cucumbis13 e isso ia dando forma

aos conjuntos carnavalescos, “no ano da abolição da escravatura, em 1888, desfilou

12 “Traduzido ao pé da letra, Cakewalk significa "Passo do Bolo". Trata-se de uma dança de origem africana, criada como uma

sátira e forma de entretenimento entre os escravos em meados do Século XIX no sul dos Estados Unidos. A dança, como disse, era uma sátira das tradicionais danças vindas da Europa e da cultura do suposto homem branco superior. Acabou vi-rando mais um passatempo entre os escravos”. VINTAGE PRI. The Cakewalk. 2014. Disponível em: http://vintagepri.blogspot.com/2014/05/the-cake-walk_14.html. Acesso em: 10 MAIO 2016.

13 “Os Cucumbis eram grupos compostos por foliões socialmente reconhecidos como negros [...]Os Cucumbis misturavam brincadeiras europeias com elementos de festas negras, como as congadas.”. REVISTA DE HISTÓRIA. A Corte é dos Cu-cumbis. Eric Brasil. 2014. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/carnaval-por-liberdade. Acesso em: 15 JUN 2016.

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a Sociedade Carnavalesca Triunfo dos Cuncubis” (TRAMONTE, 2001, p.19). Nos

ranchos, em sua estrutura, existia uma orquestra, provavelmente percursora da atual

bateria, mas tanto os temas como a música ainda eram centradas em tradições

europeias.

Neste desenrolar, logo os ranchos: Começam a fazer sucesso [...] as roupagens eram uniformes, havia mestre-sala e porta-bandeira e a música era a marcha-rancho, de ritmo sincopado e melodia suave [...] [e] um enredo extraído de uma lenda, peça teatral ou fato histórico, o que dava unidade ao desfile [...] com os ranchos a população negra entra definitivamente no cenário cultural brasileiro (TRAMONTE, 2001, p.25)

Destaco aqui o conceito de Bakhtin (1993) de carnavalização e a ideia de que

o carnaval ao longo dos tempos passou por diversas transformações sempre ligadas

a movimentos populares, e reações políticas das classes dominantes que mesmo

participando e tentando domar a festa em seu favor não logrou fazê-lo, visto que a

população sempre encontrou seu caminho para o protesto via o carnaval, evento

que novamente lembrando Bakhtin (1993) é uma ferramenta de superação do medo

e de transformação social.

Este processo chega ao Pará rompendo mais uma vez distâncias

continentais, agora dentro de nosso próprio país, só que este movimento não está

imune à cultura local pois, ao chegar, ele é batizado com uma regionalidade que até

então não conhecia, adquirindo uma roupagem própria, criando termos,

enriquecendo os temas e até modificando a forma de construir o carnaval. Não

pretendo dizer com isso que o carnaval daqui veio só da influência da região sudeste

do Brasil, os portugueses já nos tinham trazido por volta do século XVII algo como

um carnaval nos moldes do entrudo. “Essa renitente molhadeira de mau gosto

persistiu até meados do século XIX, quando passou a ceder espaço a novas práticas

carnavalescas chegadas ao Pará” (OLIVEIRA, A., 2006, p.13). Percebe-se aqui pela

expressão “molhadeira de mau gosto” que este autor não coaduna com a leitura de

Bakhtin (1993), aqui me interessa mostrar que o carnaval existia aqui anterior ao das

escolas de samba. O autor também divide o carnaval em Belém em três fases o

“carnaval do entrudo, de 1695 a 1844 [...] carnaval pós-entrudo, de 1844 a 1934 [...]

Carnaval da era do, samba, a partir de 1934” (OLIVEIRA, A., 2006, p.13).

Oliveira, A. (2006) não se detém muito no período entrudo, limitando-se a falar

das poucas fontes de referência a este período e de que:

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O entrudo consistia num grotesco entretenimento nos dias de folia, que levava as pessoas a arremessarem líquidos umas nas outras. Os duelos usavam desde águas perfumadas a misturas mal cheirosas transportadas nos mais diversos tipos de recipientes. Tudo servia, de baldes e penicos a invólucros de cera chamados limões de cheiro (OLIVEIRA, A., 2006, p.13)

Não posso deixar de associar o relato as manifestações festivas da idade

média citadas por Bakhtin (1993), onde, ao que parece, a população se divertia

como um todo de forma não organizada, apenas pelo prazer de libertar-se do

cotidiano.

Oliveira, A. (2006) comenta que o primeiro Baile de Máscaras foi realizado em

Belém foi no Teatro Providência, no carnaval de 1844, ficando como uma referência

ao início do fim do entrudo na cidade. Chamou-me a atenção os ritmos utilizados

que eram a polca, a valsa, quadrilhas marcadas por um mestre, o lundu e o sensual

maxixe. Isso tudo antes do samba e da machinha.

Com a inauguração do teatro da Paz em fevereiro de 1978, Oliveira, A. (2006)

relata que, o teatro de imediato abriu suas portas para o carnaval da elite paraense.

E estes bailes carnavalescos da época ocorriam também em muitos locais, tais

como: “Assembléia Paraense, o Pavilhão de Recreio, o Passeio Público, a Alydea, o

Clube 7 de Janeiro, a Dhália Paraense, o Clube dos Girondinos, etc.” (OLIVEIRA,

O., 2006, p.14). Para este autor estes bailes de elite não eram os únicos, pois

ocorriam semelhantes em clubes suburbanos e até na zona do meretrício e compara

a Praça da República da época à Praça Onze do Rio de Janeiro, devido a

significação e concentração carnavalesca do local, pois para lá convergiam o Zé-

Pereira, bloco dos sujos, cordões, enfim a festa tomava o centro da cidade.

Neste período também haviam os corsos, que eram desfiles de diversos

carros abertos onde seus proprietários, membros da elite, fantasiavam-se e

desfilavam jogando confetes aos que assistiam. Já o Zé-Pereira “correspondia a

ruidosas passeatas pelas ruas, ao som de bumbos, com estratégicas paradas em

bares e botequins” (OLIVEIRA, A., 2006, p.14).

O terceiro período citado por Oliveira, A. (2006) inicia-se com a fundação da

primeira escola de samba de Belém, fundada no Jurunas por Raimundo Manito (este

homenageado na letra do samba enredo das Crias do Curro Velho de 2016), a

Escola de Samba do Rancho Não Posso me Amofiná. No mesmo período surgiram

outras, que pereceram pelo caminho como: Escola de Samba Tá Feio, fundada em 1935 no bairro da Campina, a Escola Mista do Carnaval, fundada em 1936 no bairro do Umarizal, a Escola

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de Samba Uzinense, fundada em 1937 no bairro da Cremação” (OLIVEIRA, A., 2006, p.17).

A partir daí surgem os personagens do carnaval, como o Rei Momo, neste

papel o pioneiro foi Nagib Elias Eluan, depois vieram outros, porém, seguindo as

informações de Oliveira, A. (2006) o principal só surgiria em 1966, Mário Alberto

Valério Coelho o popular “Cuia” (também homenageado no samba enredo das Crias

do Curro Velho de 2016). Outro personagem que surgiu foi a Rainha do Carnaval de

Salão, que surgiu a partir de uma iniciativa do Jornal Folha do Norte em 1947, e

segue até hoje sendo organizada pelas Organizações Rômulo Maiorana – ORM.

Oliveira, A. (2006) nos conta que o carnaval oficial de avenida foi iniciado só

em 1957, sob o patrocínio da Prefeitura Municipal de Belém – PMB. Entretanto aqui

comporta uma curiosidade: nos anos de 1958, 1959 e 1960 por divergências

políticas entre Governo do Estado e Município ocorreram dois desfiles a cada ano,

nessa a população parece ter saído ganhando.

Coexistem com estas escolas de samba desde o início do século XX blocos

que nunca se transformaram em escolas de samba como: 1) Unidos da Bandalheira. 2) Unidos da Vila Farah. 3) Piratas da Batucada. 4) Xavante. 5) Cacareco. 6) Estação Terceira. 7) Mocidade Unida de Nazaré. 8) Agüenta o Tombo. 9) Alegria-Alegria. 10) Em Cima da Hora (OLIVEIRA, A., 2006, p.87).

No caso do Cacareco, ainda hoje ele circula pelas ruas do Telégrafo.

Mesmo que as fundações das escolas de samba de Belém tenham tido

inspiração nos modelos do Rio de Janeiro, houve no Pará uma personalização local

do carnaval onde, por exemplo, se criou um termo que “constitui verdadeira jóia da

invenção popular: ‘brincante’ [...] pessoa que participa do desfile da escola, com a

função de brincar no asfalto. No Rio de Janeiro, equivale a componente da escola”

(OLIVEIRA, A. 2006, p.24, grifos do autor). É um termo bem papa-chibé14 e que traz

uma conotação especial ao ter em sua raiz a brincadeira, que remete a diversão e

alegria, tão próprias da carnavalização que Bakhtin (1993) destaca no carnaval.

Nesta influência regional ritmos locais, nos moldes que aconteceram no Rio

de Janeiro, miscigenam-se ao samba, e enriquecem nosso carnaval. Nas saídas primitivas da escola Jurunense [Rancho Não Posso me Amofiná], devido a mistura de aspectos inéditos com outros locais provenientes dos bumbás, as pessoas chegavam a murmurar: "Lá vai o boi do Manito!" (OLIVEIRA, A., 2006, p.22)

14 Termo utilizado para designar o paraense autêntico, aquele que se alimenta de chibé (água e farinha).

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Mas a regionalização não se deu só na letra e influências musicais do samba,

a própria construção do carnaval se regionalizou: O material nativo usado na confecção de alegorias representa outro item característico do carnaval paraense. [...] esculturas regionais feitas de paneiros (cestos vegetais), revestidas de papel grosso (tipo saco de cimento colado com goma de tapioca), depois pintadas e decoradas pelos hábeis artesãos [...] adornos de barro, de penas, de escamas de peixes graúdos, cuias, etc. podem estar presentes nas alegorias, assim como a madeira regional entra na montagem das bases e estruturas dos carros alegóricos (OLIVEIRA, A., 2006, p.24).

Esta prática de utilização de materiais locais, alternativos e do

reaproveitamento é ponto principal na construção dos adereços, figurinos e carros

alegóricos do carnaval das Crias do Curro Velho até os dias de hoje.

Tendo sida fundada em dezembro de 1990 pela Lei 5826, a Fundação Curro

Velho15, já em 1991 sai com seu primeiro desfile do Grêmio Recreativo Crias do

Curro Velho, de autoria de Davi Miguel e as Crias, intitulado: Curro Velho e tendo

como parte de sua letra: “No Curro Velho, No Curro Velho / Tem flores lindas pra se

brincar / No Curro Velho, No Curro Velho / Tem artes lindas pra se mostrar”

(FUNDAÇÃO “CURRO VELHO”, 2005, faixa-14).

O carnaval no Curro Velho sempre fez uso do reaproveitamento de materiais,

nos carros alegóricos é comum o uso do miriti na estrutura e do reaproveitamento de

sacos de cimento e de outras embalagens nas esculturas, que umedecido com

goma estruturam a imagem que se deseja para posteriormente receberem a pintura

que necessitarem, é a adaptação de matérias que nos fala Oliveira, A. (2006). Neste

fazer o carnaval das Crias do Curro é um momento de grande mutirão da equipe,

todos de alguma forma auxiliam na construção dos carros, figurinos, lanche das

crianças, organização dos espaços, etc.

Na relação do Curro Velho com o carnaval não só aconteceram os diversos

carnavais das Crias do Curro, mas a própria Fundação já foi homenageada por uma

escola de samba local. A Maracatu do Subúrbio, fundada em 1951 segundo Oliveira,

A. (2006), e que em 1958 passou a chamar-se Embaixada de Samba do Império

Pedreirense, em 2009 homenageou a Fundação Curro Velho com o samba

intitulado: As Crias da Alegria: Curro Velho 18 anos de Arte e Fantasia. Tendo sido a

Império Pedreirense campeã do carnaval daquele ano com seis pontos à frente da

segunda escola16.

15 Oficinas Curo Velho, parte integrante da Fundação Cultural do Pará. 16 DIÁRIO DO PARÁ. Império Pedreirense é a campeã do Carnaval de Belém. Disponível em:

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Minha convivência direta com este espetáculo se deu a partir de 2011 e já

passei por diversas temáticas como a Piracema, onde se discutiu o defeso, a

diversidade de peixes amazônicos, o ribeirinho; Nas Asas da Vovó, que discutia o

papel dos avós como referência para a criança na família e na comunidade; o

Passaredo, que trouxe a riqueza dos pássaros amazônicos; Criança o Maior

Espetáculo da Terra, que falou sobre o universo infantil, que enfim vieram a

desaguar no espetáculo deste ano onde fiz esta pesquisa: Chuva de Amor por

Belém.

O carnaval popular não sucumbiu em meio as diversas transformações e

adaptações aos locais e momentos históricos, encontrou seu caminho e manteve-se

como patrimônio da grande massa, talvez em parte pelo já destacado fato dele ser

como um modo de vida, um modo de estar no mundo, necessário inclusive para a

evolução de nossa civilização pela transgressão e criticidade que sua vivência

provoca. E o carnaval das Crias do Curro Velho vem propiciando as crianças um

espaço alegre e rico em temáticas, onde estas crianças podem vivenciar sua cultura

num grande prazeroso encontro, num desfile festivo que envolve sua comunidade.

Este espetáculo se configura numa política pública de apoio cultural e incentivo a

formação das crianças nas diversas áreas artísticas envolvidas no carnaval.

2.6 A estrutura da dissertação

Esta pesquisa se encontra a princípio organizada da seguinte maneira, na

introdução iniciei apresentado meus primeiros contatos com o carnaval das Crias do

Curro Velho e minha chegada à Fundação Cultural do Pará – Oficinas Curro Velho,

antiga Fundação Curro Velho. Momento que julgo importante para situar minha

vivência com este evento cultural e apresentar a forma como me relacionei com ele.

Nesta introdução apresentei minha motivação, a origem da problemática e meu

objeto de pesquisa.

Desta vivência foram amadurecendo várias intencionalidades que culminaram

na escolha da temática para este trabalho de pesquisa e este caminho é

apresentado. E a partir da apresentação da problemática apresento o objeto, a

http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=31639. Acesso em: 20 JUL 2016.

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questão norteadora e objetivos para então em seguida trazer a perspectiva teórico

filosófica que utilizo como referência.

Na segunda parte trago o detalhamento da metodologia utilizada, iniciando

com o estado da arte, onde descrevo a trajetória de busca do que já foi pesquisado e

produzido em relação ao meu objeto de estudo. Dialogo com os mais diversos

autores, produções desde a graduação até dissertações e teses, que buscam falar

sobre as temáticas que perpassam o estudo com a criança, do carnaval e dos

saberes destas crianças.

Descrevo ainda neste capítulo o tipo de pesquisa, as técnicas utilizadas, o

local onde esta se desenvolveu, os sujeitos da pesquisa, e discorro sobre as

categorias de análise, sendo a principal os saberes e outras que não se separam

destes na situação pesquisada como: a educação, a criança e o carnaval.

Na terceira parte entro na especificidade da pesquisa, melhor

contextualizando minha vivência e o local onde aquela se deu, como surgiu o espaço

das Oficinas Curro Velho, e o modo de operar deste através da utilização da arte

como intervenção no social e a consolidação deste como espaço de saberes.

Contextualizo a seguir o carnaval em Belém, sua relação com as crianças, sua

significação para estas a partir de nossa vivência na pesquisa.

Por fim, na quarta parte traz o desenrolar da pesquisa e seus

desdobramentos e análises, a cartografia de saberes. Em seguida as considerações

finais e referências.

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3 O MATADOURO QUE VIROU ESCOLA DE ARTE

3.1 O Curro Velho

Há muitas histórias em torno do prédio da antiga Fundação “Curro Velho”, o

próprio nome da Instituição já traz consigo uma, que a própria população ajudou a

construir. Tendo sido criado para ser o matadouro de Belém, local contraditoriamente

de morte e alimentação, portanto vida, transformou-se num local de construção de

saberes através da arte, da criatividade, da ludicidade e da cultura, direcionada

primeiramente a crianças, adolescentes e jovens advindos da escola pública.

A história do Curro Velho começou a muito tempo, informa-se no site17 da

Fundação Cultural do Estado do Pará que o prédio foi o “primeiro matadouro da

cidade, o Curro Público de Belém foi construído e inaugurado pelo presidente da

Província, Francisco Carlos Brusque, em 1861” (Fundação Cultural do Pará, 2015),

local que veio a ser a sede da Fundação Curro Velho. Antes disso, porém, “até 1726

[…] a vendagem de carne verde se fazia avulsamente pelas ruas, sem um ponto

determinado para a mercadoria desse gênero de consumo” (BELÉM, 1902, p.23).

Neste ano o Governador do Pará estabeleceu um “talho em uma rua perto do

convento dos Mercedários, que por esta circunstância passou a denominar-se Rua

do Açougue” (loc.cit.). Posteriormente, para atender questões de higiene, o Governo

institui “um curro nas imediações do arsenal de marinha. Ahi fez-se por longo tempo

a matança das rezes para o consumo público, utilizando-se processo rudimentares”

(loc.cit.).

Portanto, pelo que pude verificar, o prédio onde se localizam as Oficinas Curro

Velho não foi o primeiro matadouro, mas o primeiro com terreno próprio, como

veremos adiante. Podemos verificar na Lei nº-272 de 20 de outubro de 1854, que

orçou e fixou a despesa municipal para o ano financeiro de 1855, previa em seu

orçamento não só a construção de um novo matadouro como a despesa com o

“aluguel do terreno em que se achava o que existia e reparos ou concertos n'este ...

25:000$000 réis" (GOVERNO DO ESTADO DO PARÁ, 1967, p.46). Logo, havia um

matadouro anterior, nas imediações do Arsenal de Marinha, mas seu terreno era

alugado. Terreno pertencente ao Colégio N. S. do Amparo, como podemos averiguar

17FUNDAÇÃO CULTURAL DO PARÁ - FCP. Oficinas Curro Velho. Belém: 2015. Disponível em:

<http://www.fcp.pa.gov.br/index.php/espacos-culturais/oficinas-curro-velho>. Acesso em: 18 JUL 2015.

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em extrato de expediente do Governo da Província de outubro de 1861 onde

aparece: A' camara municipal, transmittindo, o officio do administrador do collegio de N. S. Amparo, datado de 23 do mez, em que requisita augmento de aluguel do terreno em que se acha estabelecido o curro público, para que informe sobre semelhante requisição (GOVERNO DA PROVÍNCIA, 1861c).

A criação do espaço, do matadouro, onde hoje são as Oficinas Curro Velho

deveu-se a necessidade de atender a população que crescia e que o antigo curro já

não dava conta, esta discussão se inicia em 1856, onde já se estudava a utilização

dos terrenos compreendidos entre o Arsenal de Marinha e o sítio Cacoalinho, tendo

sido aberta concorrência para a construção do novo curro, nesta localização (PARÁ,

1853).

A construção do novo matadouro não foi um processo fácil, até setembro de

1860 ainda não havia sido iniciada as obras deste no terreno citado próximo ao

Arsenal de Marinha (GOVERNO DA PROVINCIA, 1860), só em agosto de 1861 a

Câmara Municipal celebra acordo com Bruno Alvares Lobo para a construção do

novo matadouro público (GOVERNO DA PROVÍNCIA, 1861a). Porém antes de

começar a construção o município recebeu uma doação de um terreno da Viúva

Danin & Cª na rocinha de sua propriedade no lugar denominado - Casa de Pau, local

em que seria construído o novo matadouro (GOVERNO DA PROVINCIA, 1861b).

Este novo curro só passou a orçar na receita do município em 1870

(GOVERNO DO ESTADO DO PARA, 1967, p.93), logo o Matadouro público que deu

origem ao prédio das Oficinas Curro Velho, não parece ter sido o primeiro matadouro

de Belém, talvez o primeiro com terreno próprio, tampouco inaugurado em 1861,

pois há previsão de orçamento para a construção do mesmo até 1864, e só aparece

nas receitas do município em 1870. A não ser que tenha sido inaugurado antes de

funcionar de fato, como parece ser uma prática ainda atual em muitas obras públicas

onde se “corta a fita” mas não entra em funcionamento.

O Matadouro, fotos a seguir, uma vez instalado foi de grande importância para

a cidade e principalmente para o entorno, pois toda uma infraestrutura se formou em

volta, currais, vila para os trabalhadores, logística de transporte da carne verde

abatida etc. Não é diferente hoje em dia quando uma grande empresa se instala em

um município, toda uma estrutura logística econômica e social se cria no entorno,

eventualmente com criação até de estradas para acesso. No caso do Curro Velho,

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sua simetria com relação a rua que fica em frente não é acaso, fazia parte da

estrutura de acesso e facilitava o escoamento da produção.

Foto 12 – “O Matadouro”

Fonte: LEMOS, 1905, p.132.

Foto 13 – Matadouro Municipal

Fonte: BELÉM, 1902, p.24.

Em 1891 já se começa a discutir a construção de um novo matadouro

(INTENDÊNCIA DA CAPITAL, 1891), e em 1897 o então Intendente Antônio Lemos,

pela Lei nº 173, de 30 de dezembro de 1897, abre concorrência pública para a

construção de outro matadouro (LEMOS, 1902, p.377 e 379) e em 1903 já se

delineia novo local para o este, a Vila de Pinheiros no Furo do Maguary, hoje Distrito

de Icoaracy (MONTENEGRO, 1903, p.48-49).

Na dissertação para obtenção do título de mestre em estruturas ambientais

urbanas de Oliveira, D. (1991), encontramos que o matadouro funcionou “até 1912,

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quando foi desativado e transferido para outro local por se tornar obsoleto e

impróprio à atividade por razões de higiene” (OLIVEIRA, D., 1991, p.85). A partir

deste período inicia a oscilação no uso do prédio, que ainda segundo Oliveira, D.

(1991) sediou neste período vários órgão devido ao seu espaço e localização.

Nascimento (1993) nos conta que em 1930 o prédio do Curro, foi utilizado para

guardar munição que os revolucionários tinham se apropriado da “Fortaleza da

Barra”, cerca de 122.000 tiros, plano posteriormente descoberto.

Podemos encontrar nos anos de 1950, muitas referências ao Curo Velho

como um bairro, não só em jornais da época como em documentos da Câmara

Municipal de Belém, ou seja, a atividade no local do matadouro, as estruturas que

foram criadas no seu entorno, a importância deste para a estrutura da cidade foi

tanta que se criou o bairro Curro Velho. No livro Primeira Manhã, de Dalcídio

Jurandir, seu personagem, Alfredo, estando no Ver-O-Peso e necessitando ir para a

José Pio, local onde o coronel Braulino lhe deu agasalho, descreve o narrador:

“esperou que a Sé tocasse e a luz apagasse e o bonde do Curro o levasse à José

Pio” (JURANDIR;FARES, 2009, p.57), o curro no caso era o bairro do Curro Velho.

E ainda segundo Nascimento (1993) a partir da década de 40, o prédio passa

a ser ocupado com diversas finalidades: oficina marítima, depósito da Paragás, da

Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), subordinada à

Secretaria de Saúde Pública, do Departamento de Estradas de Rodagem – DER e

da Superintendência para o Desenvolvimento da Pesca – SUDEPE, até que ficou de

vez abandonado a própria sorte havendo degradação do prédio e ocupação do

espaço inclusive por moradores de rua. Após todos estes anos, o prédio foi tombado

como patrimônio histórico pela Secretaria Estadual de Cultura em 1984.

Mas, por todo esse tempo, a memória do matadouro parece não ter

desaparecido das representações da comunidade do entorno, visto que o nome

Curro Velho fica registrado e mantêm-se como que uma referência geográfica e

histórica no cotidiano da comunidade.

A maioria das crianças que participam do carnaval das Crias do Curro

pertencem à comunidade do entorno. Comunidade esta que iniciou sua formação

devido a edificação deste espaço, criado para atender uma necessidade alimentícia

e sanitária da cidade de Belém, e convivem desde sempre com a presença daquele

prédio e suas histórias contadas pelos moradores mais antigos. Muitas não

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vivenciaram o momento de sua transformação no local que hoje usufruem e

compartilham, mas ouviram suas histórias, e em sua grande maioria sabem contar

que o local foi um matadouro.

3.2 A arte como intervenção no social

A utilização da arte-educação como intervenção no social é uma prática que

iniciou no Brasil há muito tempo, de fato ela iniciou fora dos muros escolares,

segundo Barbosa (1989) havia um movimento muito ativo chamado Escolinhas de

Arte que “tentava desenvolver, desde 1948, a auto-expressão da criança e do

adolescente através do ensino das artes” (BARBOSA, 1989, p.170), neste ano

segundo Costa (2010) foi fundada a célula-mater da arte-educação, a Escolinha de

Arte do Brasil fundada por Augusto Rodrigues18 no Rio de Janeiro, tendo sido

pioneira e criada “nas dependências da Biblioteca Castro Alves-RJ” (LIMA, 2012,

p.457).

A ideia desta ação surgiu meio que por acaso: Um dia, num café, encontrei a Margaret Spencer, pintora americana que me disse haver tido experiência com crianças nos Estados Unidos. Então, convidei-a para ir à Biblioteca Castro Alves, no 1º andar do IPASE, pertencente ao Instituto Nacional do Livro, em convênio com a Associação dos Servidores Civis do Brasil. Chegando lá, encontro o diretor, converso com ele com o propósito de conseguir sua permissão para utilizarmos o hall de entrada, que era uma espécie de jardim, circundando uma área coberta de pedrinhas, com dois banheiros que servia a toda a Biblioteca, para fazer uma experiência com crianças. Compramos o material — tinta, lápis, papel — e iniciamos a experiência. (RODRIGUES apud LIMA, 2012, p.456)

Neste trabalho o foco foi a valorização da criança, sua fala e suas ações, de

tal modo que o próprio nome escolinha acabou sendo assumido devido ao fato de

assim as crianças a chamarem, numa referência opositora a escola tradicional,

relato este dado por Rodrigues: Quando a Escolinha realmente começou, creio que a tendência era ela se chamar Escolinha Castro Alves, porque estava na Biblioteca Castro Alves [...] ai é que surgem as crianças que [...] só chamavam de escolinha [...] no diminutivo, com o componente afetivo. Uma era a escola onde ela ia aprender, a outra onde ela ia viver experiência, expandir-se, projetar-se. Então foram elas mesmas que deram o nome (RODRIGUES apud LIMA, p.457).

18 Augusto Rodrigues (Recife PE 1913 - Resende RJ 1993). Educador, pintor, desenhista, gravador, ilustrador, caricaturista,

fotógrafo, poeta. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2466/augusto-rodrigues>. Acesso em: 10 MAIO 2016.

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A partir desta ação pioneira, a Escolinha de Artes do Brasil – EAB, muitas

outras escolas desta natureza surgiram pelo país, ação conhecida como Movimento

Escolinhas de Arte, isto foi anterior ao ensino de arte previsto na grade curricular

regular de ensino, o que fez com que na época não existisse formação de

“professores de artes em escolas formais, portanto, é no espaço da EAB que vão se

configurando caminhos para os interessados em afirmar sua posição quanto ao

ensino de arte” (LIMA, 2012, p.458).

Mas, a formalização do ensino de arte na escola regular: Não foi uma conquista de arte-educadores brasileiros mas uma criação ideológica de educadores norte-americanos que, sob um acordo oficial (Acordo MEC-USAID), reformulou a Educação Brasileira, estabelecendo em 1971 os objetivos e o currículo configurado na Lei Federal nº-5692 denominada "Diretrizes e Bases da Educação” (BARBOSA, 1989, p.170)

Não estou aqui interessado na arte ensinada nas escolas regulares, mas na

arte-educação como intervenção no social de maneira não formal, que se aproxima

à forma utilizada nas Oficinas Curro Velho. Na expansão do Movimento Escolinhas

de Arte, “em 1950, Isabel Rocha Braga19 cria a Escolinha de Arte de Cachoeiro do

Itapemirim e em 06 de março de 1953, D. Noemia Varela e Ulisses Pernambucano

fundaram a Escolinha de Arte do Recife (EAR)” (LIMA, 2012, p.460). Então este

movimento se espalha por diversos locais do território nacional, “foram fundadas 132

Escolinhas de Arte no Brasil e mais 4 fora de nosso país: Argentina, Paraguai e

Portugal” (COSTA, 2010, p.15).

Esta linha de trabalho com crianças e adolescentes através da arte-educação

vai tomar novamente forma no espaço hoje chamado de Oficinas Curro Velho, que

começou a ter seu direcionamento mudado em 1988, a partir de um projeto anterior

que talvez não tivesse seus objetivos iniciais nas linhas das Escolinhas de Arte mas

um projeto que segundo Oliveira D. (1991) chamava-se: "Educação: Exercício de Vida e Arte", desenvolvido em dois bairros de Belém em janeiro e fevereiro de 1988, [onde a autora visava] precisamente verificar a qualidade do envolvimento de grupos de crianças com o meio e a relevância de sua imagem na vida prática, emocional e intelectual das mesmas (OLIVEIRA, D., 1991, p.15).

O trabalho buscava verificar as imagens públicas comuns às crianças, as

“áreas de acordo, cujo aparecimento pode ser verificado na interação de uma

realidade física única, uma cultura comum e uma natureza psicológica básica”

(OLIVEIRA, D., 1991, p.25). E esta investigação se deu via a utilização da arte. 19 Pintora e professora, nasceu em Muqui (ES), em 1914 e faleceu no Rio de Janeiro em 1997. Informação disponível em:

<http://www.sefaz.es.gov.br/painel/pint12.htm>. Acesso em: 15 MAIO 2016.

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Da boa aceitação e procura por parte das crianças das ações iniciais, veio a

busca de se criar um espaço num ambiente não formal de educação, onde se

pudesse dar continuidade ao trabalho com as crianças. Oliveira, D. (1991) nos fala

em determinado momento num modelo pensado de instituição que fosse: Um grande espaço, com vários ambientes menores no seu interior, [e que] possibilitaria a socialização da criança em diferentes situações e agrupamentos, possibilitaria dinamizar as atividades, despertar sempre novos interesses (OLIVEIRA, D., 1991, p.83).

E este pensar desaguou na Bahia do Guajará, bairro do Telégrafo, no antigo

matadouro da cidade. Em 1989 inicia-se um projeto para reutilização do espaço à

beira do rio, pela Secretaria de Estado de Educação - SEDUC, que segundo o jornal

O Liberal (1989a) foi: Elaborado por Dina Oliveira e uma equipe constituída pela própria titular da SEDUC [na época Prof.ª. Therezinha Moraes Gueiros], arquitetos Dulcídia Acatauassú e Jaime Bibas, sociólogo Emanuel Matos e jornalista Fátima Suely Maciel (O LIBERAL, 1989a, Cidades, p.5).

O prédio, como mostra a foto a seguir, encontrava-se abandonado.

Foto 14 – Curro Velho em 1989.

Fonte: O LIBERAL, Ano III, nº- 594 de 21 de dez. de 1989, Caderno Cidades, p.1.

Este espaço foi então pensado para atender um projeto educacional e social

através da arte e da cultura, buscando atingir especialmente um público infanto-

juvenil. Este processo de instituição do espaço do Curro Velho culmina em sua

oficialização em dezembro de 1990, quando a partir da LEI 5.628 fica criada a

Instituição de Direito Público chamada de Fundação Curro Velho, foto seguinte.

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Foto 15 – Oficinas Curro Velho em 2016.

Fonte: Acervo do autor.

Iniciou-se então um novo espaço em Belém, oferecendo arte em suas mais

diversas formas a população: pintura, gravura, cerâmica, marcenaria, desenho,

teatro, além de uma biblioteca local. A antiga Fundação surgiu com a finalidade de

ter “por missão a iniciação às formas de linguagem de arte e ofício, desenvolvendo

atividades nas áreas de ensino, extensão e pesquisa” (PARÁ. LEI nº- 5.628, Art-1º).

Aqui a comunidade do entorno passou a conviver e construir uma outra história

neste espaço da cidade, a instituir novas relações com este portal para o rio.

Toda esta historicidade encontra-se presente na comunidade do entorno, nas

famílias que ali residem há muitos anos, e a maioria das crianças que participam das

oficinas do carnaval residem no entorno da Instituição, elas cresceram ouvindo estas

histórias do Curro Velho de seus pais e seus avós. Assim, posso dizer que o Curro

Velho, sua história e seus fazeres, tem participado na formação dessas crianças e se

estende a vida cotidiana da comunidade em que vivem.

Hoje este espaço é chamado de Oficinas Curro Velho e está vinculado à

Fundação Cultural do Estado do Pará. Esta mudança foi parte da reestruturação

feita pelo Governo do Estado, onde por meio da LEI nº-8.096 de 1º de janeiro de

2015, alterou a estrutura da administração pública do poder executivo estadual. A

partir desta data a antes Fundação Curro Velho foi extinta e teve suas competências,

bem como a lotação dos servidores, absorvidos pela Fundação Cultural do Estado

do Pará.

Este espaço de educação através da arte-educação, traz em seu âmago

vários elementos como a arte, a cultura, a infância, a adolescência, o aluno, o

instrutor, a comunidade, as festas populares (como o carnaval, a quadra junina e o

natal), o Estado e o cidadão. O Curro Velho veio para movimentar e transformar

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através da arte, cultura e educação a vida de muitos cidadãos, partindo das crianças

e, principalmente, a vida da comunidade do entorno pela proximidade e fácil acesso

a ele.

3.3 Oficinas Curro Velho: espaço de saberes

Não sendo um espaço de educação formal, as Oficinas Curro Velho oferecem

um local onde a educação se dá através de oficinas que são, na verdade,

laboratórios, onde instrutores e alunos trocam suas experiências, curiosidades e

expectativas tendo como meio fluido a arte em suas diversas formas, e neste

vivenciar ganha quem ensina e quem aprende. Relembrando mais uma vez que

quem ensina não necessariamente é o instrutor ou que quem aprende seja

obrigatoriamente o aluno, neste vivenciar saberes são trazidos, compartilhados,

assumidos por quem na situação se envolve, e por esta razão chamei de laboratório

as horas em que ocorrem esta grande experimentação em arte.

O perfil de trabalho na Fundação aproxima-se de um formato educativo onde

Freire nos fala que: Embora diferentes entre si, quem forma se forma e reforma ao se formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado [...] ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado (FREIRE, 2011, p.25)

Atualmente as Oficinas Curro Velho tem diversas ações voltadas para o

campo da arte, abrangendo diversas áreas tais como: artes cênicas com o teatro e a

dança; artes visuais com desenho, pintura, gravura, cerâmica; audiovisuais com

animação, stop-motion, dublagem, fotografia e a área de música com bateria,

percussão, violão, cavaquinho e muitas outras. Nas oficinas são atendidas pessoas

das mais diversas faixas etárias, formações acadêmicas, necessidades especiais,

condições sociais, restrição de liberdade, porém, ainda a principal referência é a

criança e o adolescente. Estas oficinas são oferecidas em módulos que variam em

torno de 30h/a cada.

Há outra ação voltada aos alunos que se destacam naquelas oficinas

regulares, ações desenvolvidas no Núcleo de Produção, onde a carga horária é um

pouco maior e há a disponibilidade de uma ajuda de custo para o transporte do

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aluno. Neste Núcleo são oferecidas oficinas de cartonagem, serigrafia, cerâmica,

luteria, papel reciclado, cestaria e outras. Seguem algumas imagens destas ações.

Foto 16 – Oficinas Regulares Curro Velho em várias áreas.

Fonte: Acervo do autor.

Foto 17 – Oficinas Núcleo de Produção em várias áreas.

Fonte: Acervo do autor

Nas oficinas do Núcleo de Produção o aluno já recebe orientação para um

melhor acabamento de seu trabalho, apresentando-os de forma mais elaborada, e o

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produto destas oficinas são em sua grande maioria postos à venda em uma loja da

própria Instituição, tendo sua renda revertida em mais matéria prima para a

realização de novas oficinas. Alguns exemplos podem ser vistos no mosaico de fotos

anterior.

Há ainda um outro espaço da Fundação Cultural do Pará, a Casa da

Linguagem, a qual possui um ambiente onde ocorrem oficinas de redação,

interpretação de texto, linguagem de sinais/libras e outras na área de linguagem

verbal. Lá, além dessas, são oferecidas oficina de musicalização, teatro, dança,

pintura e desenho nos mesmos moldes das ofertadas nas Oficinas Curro Velho. Esta

aproximação dos espaços deve-se ao fato de ambos pertenceram a antiga

Fundação Curro Velho, sendo que o prédio onde funciona a Casa da Linguagem foi

anexada ao Curro Velho posteriormente.

Este perfil educativo, de um grande laboratório, é o que nos traz o trabalho de

Charone (2011), o espetáculo “Semente 3000” e também o carnaval das Crias do

Curro Velho.

3.4 As crianças e o Carnaval

O samba enredo é um dos elementos que une o carnaval e os saberes das

crianças, é o elemento que Sodré (1998, p.61) nos diz que “sempre nos conta uma

história [e que nele] a música não se separa da dança, o corpo não está longe da

alma, a boca não está suprimida do espaço onde se acha o ouvido”. Sodré (1998)

nos fala da expressão samba-de-morro que não só remete a uma geografia como a

uma condição sociocultural de quem vive no morro.

Parodiando poderia falar aqui do samba-de-rio ou samba-de-floresta, dado

que estes espaços geográficos trazem todos seus elementos imaginários para

desaguar nas estrofes dos sambas-enredo das Crias do Curro Velho. Aqui a criança

também tem através dos sambas-enredo ao longo desses anos, uma série de

informações que remetem à Amazônia seus mitos, comidas, costumes, paisagens,

sua história etc.

Esta personalização do carnaval é presente na história do carnaval das Crias

do Curro Velho, ao longo de seus 26 anos, que serão completados em dezembro de

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2016, as crianças já viveram o Passaredo20 e a Piracema21 em uma “Amazônia onde

o Mar é Doce”22; brincaram de “Quando Crescer Eu Quero Ser”23; disseram para o

brincar no carnaval, “Pira-Paz Não, Quero Mais!”24 e, ao longo de todos estes anos,

muitos saberes desfilaram e sambaram pelas ruas do Telégrafo embalados pelo

regionalismo paraense. E neste vivenciar dos personagens, histórias e

temporalidades de sua cultura a criança numa interlocução com seus pares,

aconchegam-se ao colo do samba enredo sem compromisso de resultados,

constroem suas verdades, representações do mundo que as cercam e de si

mesmas, validadas pela comunidade.

O samba enredo das Crias do Curro Velho traz consigo toda uma

regionalidade, uma geografia que pode propiciar um papel educativo junto a estas

crianças, como pode ser visto em um trecho do samba enredo do carnaval das Crias

do Curro no ano de 2000: Nosso povo era Tupy / Que falava o Guarany / O negro aqui chegou / Que tristeza a escravidão / Trouxe força e cultura / Fez-se a miscigenação / A história já contada / Importante deve ser / Porém quero é ser hoje / Brasileiro pra valer / Índio, branco, negro eu sou / É hora de transformar / Cantando paz, cantando amor, / Pra justiça alcançar (FUNDAÇÃO “CURRO VELHO”, 2005, faixa 7).

Sodré (1998) nos fala que: As palavras têm no samba tradicional uma operacionalidade com relação ao mundo, seja em situação de filosofia da prática cotidiana, seja no comentário social, seja na exaltação de fatos imaginários, porém inteligíveis no universo do autor e do ouvinte (SODRÉ, 1998, p.45).

É esta operacionalidade da vida cotidiana tem uma relação direta com os

saberes culturais, que são criados justamente para atender esta relação com o

mundo, este operar do ser em seu meio cultural. A grande responsável pela

condução dessa contextualização que o carnaval da Fundação traz para a criança é

a bateria da escola de samba, ela é quem dá o suporte ao ritmo e base para todo o

desenrolar de coreografias que ocorre na avenida, ela também traz a mensagem

que se quer repassar através do samba, ela é o suporte para a alegria, a dança, os

afetos e o samba que entoa está ligado a cada uma das alas através de seus

versos, como a seiva condutora da vida da escola, como o rio Guamá que desde

20 Samba enredo de 2013. 21 Samba enredo de 2011. 22 Samba enredo de 1999. 23 Samba enredo de 1995. 24 Samba enredo de 1994.

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sua fonte até a Baía do Guajará traz o ritmo de sua maré e suas correntezas a servir

de base para toda uma vida de seu entorno.

O carnaval como um todo é um grande momento de interação da criança com

sua cultura, não só no samba, nos carros alegóricos ela também vive diversos

recortes de sua cultura pois naquele momento assume diversos personagens, que

tem o diferencial de não trazer só o figurino das fantasias mas um cenário, um

microambiente que aumenta a fantasia do momento, as próximas fotos trazem dois

ambientes distintos em carros alegóricos, no primeiro um ambiente ribeirinho e no

segundo um espaço urbano uma representação do Teatro da Paz ao fundo, trazendo

um momento da Belle Époque em Belém.

Há sempre um grande interesse por parte das crianças sobre quem vai de

destaque nos carros alegóricos, muitas vezes são colocadas neles as crianças

menores para facilitar seu deslocamento ao longo do desfile, para que possam se

divertir sem ser muito cansativo, mas sempre tem crianças de diversas idades neles.

Foto 17 – Paisagem Ribeirinha – Carnaval de 2011 (Piracema)

Fonte: Acervo do autor

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Foto 19 – Paisagem Urbana (Belle Époque) – Carnaval de 2016 (Chuva de Amor Por Belém)

Fonte: Acervo do autor

E a criança brinca neste carnaval sem o compromisso de nada mais além do

se divertir, muito próximo do que Bakhtin (1993) nos define como “carnavalização da

consciência”, como um modo muito peculiar e necessário de vivência no mundo, e

esta é a relação básica observada neste vivencia da criança com o carnaval das

Crias do Curro Velho. Uma das crianças que participou da entrevista define o

carnaval das crias da seguinte forma: “Pra mim é ... como eu disse ainda agora...

alegria... pra ver lá todo mundo sambando... aquele monte de carro, mestre-sala e

porta-bandeira, bateria... aquele barulhão lá... é bem legal!” (informação verbal)25.

Esta é a relação da criança com o carnaval das Crias do Curro.

25 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3.

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4 A ARTE E A VIDA NO RITMO DO CARNAVAL: o desfile das Crias do Curro Velho

4.1 Vivências iniciais

Tendo dado início ao mestrado em educação já com uma intencionalidade

para a pesquisa, esta foi se modificando na medida em que as interlocuções iam se

realizando com os outros alunos do mestrado, professores, orientadora e com a

continuidade do convívio cotidiano no ambiente em que se realizaria a pesquisa.

Esta dinâmica se refletiu, em uma de suas formas, no desejo de utilização do espaço

do carnaval das Crias do Curro Velho do ano de 2015 como um espaço de

realização de uma pesquisa exploratória inicial, dado que a principal seria realizada

em 2016. Para Gil (2008) a pesquisa exploratória: Têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias, com vistas na formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para, estudos posteriores [...] são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Muitas vezes as pesquisas exploratórias constituem a primeira etapa de uma investigação mais ampla (GIL, 2008, p.44-45).

Portanto utilizei a experiência do carnaval de 2015 das Crias do Curro Velho

para melhor delimitar a faixa etária que utilizaria como meus interlocutores,

consolidar melhor a abordagem teórico filosófica e reduzir as categorias a serem

pesquisadas as que se mostraram mais relevantes à intencionalidade de meu olhar

sobre os saberes das crianças.

No carnaval de 2015 vivenciei seu acontecer com “outros olhos”, outras

intencionalidades, visto que nos anteriores não havia concretamente ainda o desejo

da pesquisa. Neste ano minha vivência com o carnaval das Crias do Curro Velho se

desenvolveu dialogando com os autores que me eram apresentados nas disciplinas

do mestrado, com as discussões nas salas de aula e com as supervisões. Nestes

diálogos aos poucos verificava as possíveis dificuldades e possibilidades concretas

que teria na efetivação da pesquisa. Isto tudo ia se configurando numa melhor

definição do objeto e na metodologia com que realizaria a pesquisa em 2016.

Passado este primeiro momento e com algo mais elaborado e refletido, porém

não completamente fechado ou determinado, fui ao encontro do carnaval das Crias

do Curro Velho de 2016 e podemos dizer que antes mesmo do final do ano de 2015.

Mesmo estando a Fundação ainda envolvida com o Auto de Natal, espetáculo que é

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sempre apresentado ao final de cada ano, já havia sido escolhido o tema do

carnaval de 2016, que seria a comemoração dos 400 anos de fundação da cidade

de Belém do Pará.

Em novembro de 2015 Paulinho Moura26 me apresentou a letra do samba

enredo em fase de elaboração, ainda faria a música, perguntando o que eu achava.

Era uma letra muito rica em diversas temáticas relativas a cidade de Belém, falava

de seus monumentos, artistas, trabalhadores de rua, brincadeiras e geografia da

cidade de tal forma que, declarei que tinha muito me agradado mas pensava que

seria difícil de aprender e cantar, porém, acabou não sendo. Eis a letra:

CHUVA DE AMOR POR BELÉM

Peguei o Zeppelin da memória, no Clipper da emoção eu desci,

Sou Cria do Curro Velho, 400 vezes sou louco por ti.

Belém!

Belém, cidade esperança

Senhora da nossa alegria

400 anos de história

Hoje a lembrança é folia.

As Crias do Curro Velho vêm aqui recordar

Belém dos igarapés, das ruas estreitas, do povo de fé.

Do requinte Art Noveau, da ladeira do castelo,

Da Pedreira do samba e do amor, das batalhas de confete

Coisas do tempo do meu tataravô.

Da Cidade Velha ao Marco da Légua

Sob a sombra de mangueiras caminhei

E nesse trajeto tão pai d’égua

Tantos monumentos avistei.

26 Músico violonista, compositor e coordenador da área de música da Fundação Cultural do Pará. Compositor de vários dos

sambas-enredo das Crias do Curro Velho.

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Largo do Carmo e o entorno da Sé, o Ver-o-Peso e o Teatro da Paz,

Emílio Goeldi, Basílica de Nazaré, e o imponente Mercado de São Braz,

No rumo da estrada ou no Porto do Sal, Belém das ilhas magia nos traz.

E os artistas?

Paranatinga e Max Martins, Edir Proença, Adelermo e Waldemar

Bruno de Menezes, Rodrigues Pinajé, Verequete, Tó Teixeira, Davi Miguel,

À esses vultos, eu tiro o meu chapéu.

Ruy Meira, Mestre Nato, Acácio Sobral, trinca de ouro da arte visual,

Mario Cuia, Manito, Eneida de Moraes, doces figuras de outros carnavais.

Depois das duas a chuva passou, rodei o meu pião, e um papagaio chinou,

Brinquei de pira esconde, fiz bolha de sabão, e o vendeiro na rua pregou:

Algodão doce, quebra-queixo, tapioca, broa, cascalho, raspa-raspa e paçoca,

O amolador soprou a gaita, frim frim! E olha o amendoim oim oim!

Peguei o Zeppelin da memória, no Clipper da emoção eu desci,

Sou Cria do Curro Velho, 400 vezes sou louco por ti.

Belém!

A letra do samba enredo é um convite a um passeio pelo tempo e pelo espaço

em Belém do Pará, traz os lugares, os ícones históricos não só do carnaval mas de

diversas áreas da cultura, a cotidianidade da comunidade e das crianças com suas

brincadeiras e até descrições geográficas com relação à cidade. Davi Miguel, por

exemplo, citado na letra do samba enredo, compôs por muito tempo para as Crias

do Curro até o ano 2000, pouco antes de sua morte, como podemos ver na história

contada abaixo: Em certa manhã de novembro de 1999 fui à casa de David Miguel, na Sacramenta em busca de autorização para a inclusão de alguns sambas de sua autoria num CD, que estava sendo produzido por Marco André, no Rio de Janeiro. Nessa ocasião, encontrei-o bastante abalado por tormento de complicações diabéticas. Apesar da doença grave, estava em companhia de Ademir do Cavaco, compondo um samba-enredo para a escola mirim Crias do Curro Velho, formado por crianças que freqüentavam as oficinas da Fundação Curro Velho, conforme fazia desde 1992. A cena deixou-me comovido, embora não soubesse que esse seria o nosso último encontro (OLIVEIRA, A. 2006, p.222)

Portanto, o samba enredo convida a um processo educativo de um grande

caminhar pela história, costumes e lugares que é feito e revivenciado pelas crianças.

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Neste brincar com o samba “cantando e vivendo o enredo na avenida, estes

conteúdos fixam-se para sempre na memória das crianças que participam da

experiência” (TRAMONTE, 2001, p.133).

Tramonte (2001) compara o samba enredo a verdadeiros “temas geradores”,

lembrando Paulo Freire e, mesmo considerando que a autora esteja analisando um

contexto social diferente, pois ela analisa um contexto comunitário que vive o

carnaval ao longo de praticamente todo o ano, diferente da vivência das Crias do

Curro Velho com relação ao seu carnaval, a analogia procede para as Crias do Curro

Velho, pois provoca não só o reviver cotidiano como reflexões acerca de sua vida

comunitária e novas informações para serem compartilhadas.

Em dezembro foi feita gravação básica do samba enredo, normalmente

apenas com voz, violão e percussão, que serviria de base para os ensaios das

crianças, depois são feitos uma série de ensaios com os músicos que irão puxá-lo

no dia do desfile da escola de samba, entre estes puxadores sempre se encontram

crianças. Também neste intervalo a bateria desenvolve a melodia do samba enredo,

com as paradinhas e tudo mais, aperfeiçoando o samba para o dia da festividade.

Neste período paralelamente as ações do Auto de Natal já se inicia o planejamento

das contratações dos instrutores que se responsabilizarão pelos ensaios de cada

uma das alas e dos profissionais que responderão pelas montagens dos carros

alegóricos e confecção dos figurinos. Boa parte destes instrutores são Crias do

Curro Velho, que já cresceram e hoje ensinam outra geração, o que reforça a

relação da comunidade com o carnaval do Curro Velho. Tramonte (2001) também

ressalta que o “viver em comunidade é o elemento chave das escolas de samba [...]

a comunidade em que se insere e desenvolve suas ações [é elemento básico] de

definição da escola de samba” (TRAMONTE, 2001, p.95).

Normalmente não se tem muito tempo para montagem do carnaval no Curro

Velho, pois acabadas as festas de final de ano resta praticamente um mês para se

colocar o desfile na rua, pois este é tradicionalmente feito antes do carnaval oficial.

No ano de 2015 o espetáculo do Auto de Natal intitulado “Uma Selfie de Natal” foi

apresentado nos dias 11 e 12 de dezembro e já se iniciaram os preparos para o

carnaval. Este é um período complicado pois neste intervalo acontecem as

festividades do Natal e Ano Novo, mas, mesmo assim, a organização do carnaval

inicia-se. Então o carnaval das Crias teve que ser preparado no curto intervalo entre

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o espetáculo do Auto de Natal e o desfile oficial do carnaval de Belém, que se deu

na noite do dia trina de janeiro de 2016, tendo as Crias do Curro Velho se

apresentado na manhã deste mesmo dia.

4.2 Aproximação para pesquisa.

Mas para se chegar a este desfile houve um caminho percorrido, caminho que

tive que trilhar junto das crianças Crias do Curro Velho, onde minhas vivências,

participações e observações foram possibilitadas, e até facilitadas, devido ao fato de

me encontrar na condição de servidor da Fundação Cultural do Pará. Nesta relação

institucional, ao ter tido meu projeto aprovado no Mestrado do PPGED/UEPA

apresentei-o a Superintendente do Curro Velho, Dina Oliveira, e falei do meu desejo

e da importância que via em realizar a pesquisa sobre os saberes das crianças, e

tive todo o apoio na realização da pesquisa por parte dela que, sendo também uma

educadora, ressaltou a importância de se ter produções acadêmicas sobre o

trabalho que é desenvolvido na Fundação. Com a reformulação do Estado em

janeiro de 2015 Dina Oliveira assumiu a nova estrutura da recém criada Fundação

Cultural do Pará, e pude continuar contando com o acesso Institucional à pesquisa,

mantendo-se, obviamente, todo o rigor ético com relação as informações que seriam

coletadas e analisadas.

Com relação as crianças, eu estava inserido no espaço do carnaval das Crias

do Curro, e a maioria delas já me conhecia de outros carnavais e de outros eventos

na Fundação Curro Velho, logo não houve um estranhamento com relação minha

presença. Na verdade muitas delas já possuem uma relação mais próxima comigo,

brincam, me cumprimentam, me abraçam, de modo que não tive maior dificuldades

para me aproximar de meus interlocutores para a pesquisa. Isso já é um grande

adiantamento de trabalho, pois alguns autores chamam a atenção para a dificuldade

imposta pela relação de poder adulto-criança na efetivação de pesquisas e da

necessidade de minimizar esta desigualdade na relação com ações prévias de

aproximação (LEITE, 2008; CAMPOS, 2008). Outros autores ressaltam que para

uma pesquisa etnográfica com crianças se faz necessário que o pesquisador não

haja como um “adulto típico [...] necessitamos tratar as crianças como crianças, mas

não da forma usual como os adultos as tratam” (DELGADO; MÜLLER, 2008, p.149-

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150), para Campos (2008) é importante o pesquisador se mostrar como pessoa,

colocar-se como parceiro falando sobre si próprio, neste aspecto eu já havia

passado este ponto com meus interlocutores.

Acompanhei desde a chegada das crianças e pude ver seus movimentos de

busca das alas, suas interações com o samba, com as danças, com os figurinos isto

me foi um grande facilitador para coleta de dados na observação participante. Nesta

dinâmica mesmo as crianças que não tinham uma vivência mais próximas comigo,

ou que não me conheciam, me reconheciam como um dos trabalhadores que

pertencia ao espaço do Curro Velho, já me viam por lá, e conviviam com minha

presença.

Algumas dessas crianças inclusive me conhecem como o psicólogo da

Instituição, pois já estiveram comigo em outras situações por diversos motivos, seja

na companhia dos pais ou responsáveis ou em grupos durante alguma intervenção

em diversas ocasiões. Toda essa vivência próxima de meu interlocutor e espaço de

pesquisa me trouxe facilidades e dificuldades, assunto que já tratei na definição de

minha opção teórico-metodológica pela abordagem fenomenológica na pesquisa.

Aos poucos, convivendo com o carnaval das Crias do Curro Velho, olhando-o

agora através de lentes que iam se modificando à medida em que mais observava, e

indo a este encontro com outra intencionalidade, lentamente descortinava-se um véu

que aos poucos me permitia observar os saberes das crianças. Esta descoberta não

era imediata, mas quase intuitiva, num dado momento, algo que me estava velado

exibia-se de repente ao meu ser e, a partir daquele momento, minha memória me

remetia a outras vivências onde meu objeto havia se ocultado de mim, mesmo

estando lá.

Houve dificuldades concretas neste caminhar, por exemplo, muitos ensaios

ocorriam simultaneamente e tive que dividir minha observação ora por intervalos no

mesmo dia, ora por alternação de dias nos diversos locais, esta situação

provavelmente restringiu o quantitativo de momentos que poderia ter observado,

mas não tenho como saber o quanto de fato isto prejudicou qualitativamente ou não

a pesquisa. Penso que os saberes revelam-se nos pequenos gestos, que se

perdidos não há como recuperar, mas também acredito que os relacionados ao

momento do carnaval são evocados em mais de uma ocasião, e eles acabam

retornando ao ato da criança, pois estão ligados de alguma forma aquele momento e

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outras oportunidades para observá-lo surgem. Este foi um dos meus horizontes de

incerteza, não poder acompanhar todos os momentos através da observação

participante.

Um outro aspecto a considerar é que paralelo as vivências das crianças uma

série de outras vivências acontecem com os familiares e com a equipe técnica do

carnaval, seja na construção dos carros alegóricos, nos adereços, nos

planejamentos, nos mutirões da equipe, na preparação e realização do bailinho final

na Nave do Curro Velho. Estas situações observo pelos anos que já participo do

carnaval das Crias do Curro Velho, mas não as trouxe para este trabalho, aqui

apenas foquei as vivências das crianças, busquei vivenciar o mundo pelos olhos

delas.

Tendo definido a faixa etária que ia observar (8 a 12 anos), acompanhei a

chegada das crianças como um todo mas depois me direcionei as alas que

observaria, e na medida em que iam chegando para matrícula as crianças me viam

circulando pelos grupos das alas. No início todas são recepcionadas na Nave

Central do Curro Velho e depois são orientadas à procurem os instrutores, que

formarão os grupos de cada ala e farão a matrícula das respectivas crianças que

participarão daquela ala.

Aproximei-me, portanto, das alas de 6 anos (chuva de amor por Belém), de 7

a 8 anos (mangueiras e ribeirinhos), de 9 a 10 anos (tacacazeiras, erveiras e

ribeirinhos), 11 a 15 anos (eletropop), da bateria (reis momos), da ala das passistas

(melindrosas, índias e mulatas cheirosas) e dos casais de mestres-salas e porta-

bandeiras.

Acompanhei os ensaios revezando a observação entre os grupos das

diversas alas, e ia na medida em que observava, registrando com fotografias e

breves gravações o desenvolvimento do movimento das crianças nas diversas

etapas de ensaio. Estes registros fotográficos e filmográfico me foram de grande

utilidade nas análises e como complementação dos materiais colhidos nas

entrevistas, pois pude revisitá-los várias vezes o que auxiliou na identificação e

análises dos saberes das crianças.

Este acompanhamento e observação se deram não só nos finais de semana,

como durante a semana em ocasiões que as alas reuniram para ensaio,

principalmente a bateria que tinha ensaios pela parte da tarde nos dias úteis. Estes

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ensaios extras, eram acordados com cada grupo e ocorreram pela necessidade da

urgência de prazo para o desfile do carnaval, que este ano foi curto como já citado.

O aprendizado das coreografias e da música da bateria da escola de samba é

um processo de ensaio repetitivo e que vai se consolidando aos poucos, fato que

não parece ser estranho à criança em seu processo lúdico de viver o carnaval, o

repetir é algo inerente ao brincar, sobre isso Benjamin (2002) nos fala da lei da

repetição “que para a criança ela é a alma do jogo; que nada a torna mais feliz do

que o ‘mais uma vez’. A obscura compulsão por repetição não é aqui no jogo menos

poderosa, menos manhosa do que o impulso sexual no amor” (BENJAMIN, 2002,

p.101, grifos do autor). Neste processo de repetir, a coreografia das alas e a música

do samba vão aparecendo e se consolidando na medida em que ocorrem os

diálogos entre os instrutores, normalmente mais de um por ala, e destes com as

crianças, que em algumas ocasiões também participam com ideias.

Tendo pelo menos seis grupos para observar, dividi meu tempo entre eles nos

momentos de ensaios simultâneo dos grupos, como nos finais de semana, com

relação aos outros ensaios durante a semana pude acompanhar sem maiores

dificuldades. E esta foi minha relação de encontro, com relação à pesquisa, com a

Fundação e com os grupos que acompanharia, vejamos minha aproximação com as

crianças da entrevista. Neste caso necessitei não só apresentar a proposta de

entrevista para as crianças, seus objetivos e o que aconteceria numa linguagem que

elas entendessem, como também necessitei fazer o mesmo com os pais e aqui

ocorreram muitos episódios distintos.

Muitas das Crias do Curro Velho já convivem a algum tempo com o evento de

entrevistas, é comum as redes de jornais, rádios e televisão acompanharem os

trabalhos do carnaval das Crias do Curro Velho e neste acompanhar realizam

entrevistas com as crianças. Assim, as crianças vivem seus momentos de fama nas

entrevistas, onde não só elas como os pais ficam logo querendo saber quando e

onde vai passar.

Sendo minha proposta de entrevista de natureza muito distinta, onde inclusive

a privacidade e o nome das crianças seriam preservadas, tive que explicar diversas

vezes do que se tratava, o que ficava até cômico com as crianças. Aproximava-me

de um grupo e convidava-os a participarem da entrevista, e vinha logo a pergunta:

Pra onde é? Vai sair onde? Quando? Então tinha que explicar que não era pra TV,

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rádio ou jornal (Ahhhh tio!! – decepção total), então alguma criança perguntava:

Como assim? Eu explicava que estava querendo escrever sobre os saberes das

crianças no carnaval, mas que queria ouvir só elas, não entrevistaria nenhum adulto,

também informava que necessitaria da autorização dos pais delas para que elas

pudessem participar. Informava também que este trabalho seria apresentado na

UEPA, que ficava próximo deles, muitos já conheciam a Instituição de ouvir falar.

Então, vendo a muvuca, outra criança se aproximava: O que foi? E lá ia tudo

de novo, e de novo, e de novo, até a explicação e o convite virar piada e brincadeira

no grupo e o que poderia ser considerado uma dificuldade, na verdade, contribuía

não só para a divulgação da informação como para meu vínculo com as crianças e

consequentemente a facilitação para a entrevista. Então percebi que, junto das

crianças, até o convite havia se transformado num brincar, e que esta é a linguagem

delas, o lúdico e a repetição, no brincar “não bastam duas, mas sim sempre de novo,

centenas e milhares de vezes [...] a essência do brincar não é um fazer como se,

mas um fazer sempre de novo” (BENJAMIN, 2002, p.101-102, grifos do autor).

O passo seguinte, a partir do desejo das crianças, era buscar o contato com

os pais, muitos estavam presentes pois costumavam acompanhar os ensaios o que

me facilitou a explanação da pesquisa, dos objetivos, da forma com ia se dá, de

como seria a apresentação dos resultados, do procedimento ético, do direito deles

de acompanhar e solicitar novas explicações a qualquer momento, etc.

A dificuldade aqui se deu com os pais que não acompanhavam os ensaios,

por serem vizinhos do Curro Velho muitas das crianças vão aos ensaios na

Instituição da mesma forma como vão brincar na rua, sozinhos. Este é um costume

de muitos moradores da Vila da Barca, pois como já disse, tendo a Fundação vinte e

seis anos no local e tendo seu trabalho reconhecido pela comunidade, sabem que

se as crianças estão no Curro Velho estão bem, ou talvez tratem a ida das crianças

às Oficinas Curro Velho como tratam a ida delas para brincar na rua. Neste caso tive

que explicar as crianças que elas deveriam trazer a autorização assinada, para que

elas participassem das entrevistas. Na autorização seguia em linguagem acessível,

o resumo da pesquisa, objetivos, procedimentos éticos tomados, meu número de

contato (a autorização era dada em duas vias, para que uma ficasse com os pais) e

espaço para dar ciência, tanto os pais como as crianças.

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Mais uma vez pelo fato de já pertencer a Fundação e lá trabalhar já a alguns

anos, não só as crianças mas muitos pais e mães já me conheciam, o que facilitou

meu acesso e a autorização para as entrevistas. De uma forma geral foi assim que

me aproximei de meus interlocutores e os acompanhei durante todo o processo do

carnaval das Crias do Curro Velho de 2016.

4.3 A chegada das crianças

Os ensaios para o desfile são realizados nos finais de semana, no sábado

pela tarde e no domingo pela manhã, com o objetivo de facilitar o acesso das

crianças pois durante a semana a maioria dos pais trabalha, não podendo levar as

crianças ao ensaio, bem como o de não atrapalhar o calendário escolar das

crianças.

A chegada das crianças para os ensaios começa a se dar de forma quase

espontânea, elas começam a vir aos poucos e de um dia para outro parecem brotar

do chão, dado o quantitativo que surge de repente, para matricular-se nas diversas

alas do desfile. É curioso para mim ver essa chegada, sempre me chamou a atenção

este momento, muitas das crianças menores são trazidas pelas maiores e algumas

vezes sequer estão acompanhadas dos pais. Alguns dos pais já foram crianças no

carnaval das Crias do Curro e hoje trazem as suas próprias para participar do

desfile.

Mesmo sem divulgação as crianças já sabem do carnaval, em uma das

entrevistas desta pesquisa ao ser perguntado como as crianças souberam do

carnaval do Curro Velho, uma delas responde: “sabendo!”, o que é acompanhado

por risos de outras. Parece realmente uma pergunta tola, pois parecia óbvio que

todos sabem do carnaval e de quando e onde ele ocorre.

Este saber das crianças que parece intuitivo, o tempo do carnaval e do

carnaval do Curro Velho, está intimamente ligado a um saber de temporalidade de

sua cultura e de sua comunidade. O tempo é uma das bases da consciência

humana que se funda em sua vivência do cotidiano na sucessividade e

simultaneidade de sensações e experiências, “todo ser dotado de consciência teria o

sentimento da duração [...] e isso seria mesmo um desses dados primitivos da

consciência” (HALBWACHS, 2004, p.97).

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O período do carnaval é um saber tão antigo e arraigado no cotidiano de

nossa cultura que fica clara a resposta da criança, “sabendo”. Este saber sobre a

temporalidade dos ciclos festivos de sua cultura é transmitido e compartilhado pela

criança e sua comunidade desde muito cedo. Burke (2010) nos fala que as pessoas

na idade média contavam o tempo pelas grandes festas, e hoje, mesmo convivendo

com o tempo do relógio digital, atômico, com parâmetro internacional de referência,

o tempo do cotidiano das culturas ainda parte muitas vezes da vivência comunitária

e coexiste ao tempo do relógio uma temporalidade ligada as festividades culturais.

No carnaval da idade média, “metade do ano restante se passa lembrando o último

Carnaval, a outra metade se esperando o Carnaval seguinte” (BURKE, 2010, p.245),

o que parece não ser longe da realidade atual para muitas escolas de samba e

comunidade que as mantêm, pois parecem viver o ano todo em função desta

manifestação festiva de nossa cultura.

Temos portanto um saber com relação a temporalidade do carnaval como um

todo, período arraigado na cultura de nosso país, mas há saberes que são locais da

comunidade, como o carnaval do Curro Velho. Nos vinte e seis anos da Instituição,

este evento festivo já está imerso, principalmente, no cotidiano da comunidade do

entorno, onde todos já sabem quando ocorre e as crianças já o procuram. Durante

as entrevistas as crianças relataram a participação e a informação sobre outras

festividades carnavalescas da comunidade que elas participam, estes são saberes

locais das crianças Crias do Curro Velho sobre o carnaval local e que fazem parte de

um contexto social no qual elas estão imersas. Ao demonstrar conhecer de forma

óbvia o existir do carnaval no Curro Velho, seu período de ocorrência, a criança está

demostrando não só um saber de temporalidade de um ciclo festivo maior que é o

carnaval, mas também um saber sobre os ritos de localidade como o carnaval das

Crias do Curro e outros do entorno que elas buscam e participam.

Ainda em relação a pergunta feita as crianças sobre como souberam do

carnaval no Curro Velho, elas também responderam que ficaram sabendo do

carnaval de outras formas e algumas histórias são compridas: O tio Jorge Falou pra mim. Eu soube porquê na antiga peça eu já estava aqui. Avisaram pra gente... falando lá na rua, né. Eu soube porque antes eu era do Curro Velho, eu era de dança.

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É, eu já sabia um tempão, eu fiz no ano passado, todo ano eu fiz carnaval. A mamãe que fica lembrando, ela conhece o Curro Velho a um tempão, ai vai se inscrever no carnaval. (informação verbal)27

O carnaval das Crias do Curro é realizado para a comunidade desde 1991, o

que faz com que já se saiba de sua ocorrência e este saber é difundido no cotidiano

da criança, e esta, quando não vai por si mesma em busca deste evento é

encaminhada por um tio ou pela mãe, como no caso da última criança que declara

que a mãe já conhece o Curro Velho a um tempão. As crianças que moram mais

longe e não tem um vínculo tão próximo com a Instituição, normalmente um familiar

é que de alguma forma descobre e leva a criança, um dos entrevistados declarou:

“foi o meu avô que me contou, aí ele me trouxe aqui, aí a mamãe mandou ele me

levar, aí ele me trouxe aqui me inscreveu deu meu nome todinho, aí eu fiquei aqui, aí

eu estou tocando repique” (informação verbal)28.

As crianças informaram nas entrevistas que não participam apenas do

carnaval na Fundação, muitas delas brincam em outros blocos de carnaval como o

Cacareco, o Maisena, o Mão Boba, o Boca de Jambu, o Pau no Tatú, o Império

Romano; e escolas de samba como a Grande Família e o Trem da Alegria que

segundo eles também é uma escola e não um bloco. Conhecem os locais de onde

sai, se são da Vila da Barca ou da Rodovia29, e alguns até a quem pertence o bloco,

pois segundo uma das crianças ao falar do bloco do Império Romano diz que “era o

marido da vovó o dono do bloco” (informação verbal)30. Este envolvimento das

crianças com o carnaval toma conta neste período de todos seus espaços, elas são

atraídas para a festividade, Tramonte (2001) ao discutir sobre uma pedagogia dos

valores éticos inseridos no carnaval nos fala que ele possui uma: Força ritual [...] uma atração da qual não se pode escapar [...] [e uma força] mítica [...] como elemento mágico que possibilita, congrega e fortalece o desenvolvimento de uma rede de relações (TRAMONTE, 2001, p.120).

Logo, é esta rede de relações, de saberes sobre o carnaval, que nos propicia

a visão desta chegada fervilhante das crianças ao Curro Velho para o início dos

ensaios do desfile de carnaval, segundo Pitta (2005), interpretando Gilbert Durand,

esta imagem da chegada das crianças pode ser interpretada como um símbolo

teriomórfico, o arquétipo do caos. A energia pungente das crianças imbuídas do

27 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3. 28 Loc.cit. 29 Rodovia Artur Bernardes, via de Belém próxima à Vila da Barca. 30 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3.

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desejo de brincar cria uma algazarra que pode vir a lembrar, em alguns momentos,

uma revoada de pássaros, como as dos periquitos nas samaumeiras em frente à

Basílica de Nazaré.

Esta revoada de crianças evidencia saberes sobre a sazonalidade dos

eventos culturais de seu tempo e de sua comunidade, saberes que no momento do

carnaval lhes são úteis pois as permitem se localizar em seu espaço e tempo social,

e facilita para elas a busca do brincar com os elementos de sua cultura e seu

transitar em meio a diversos saberes comunitários, que incluem não só o carnaval

do Curro Velho, mas diversos outros carnavais de sua vizinhança. É um movimento

de corpos que correm, procuram e se esbarram em meio a um grande prazer do

brincar, “sem corpos a ludicidade não consegue acontecer [...] a corporeidade da

atividade lúdica é como a sonoridade de um instrumento musical. O som é

inseparável do próprio instrumento” (SANTIN,1996, p.33).

As crianças vão chegando e vão se localizando por alas, as alas são

divididas por faixa etária e com temáticas próprias como: 6 anos – Chuva de amor

por Belém; 7 e 8 anos – Mangueiras e ribeirinhos; 9 e 10 anos – Tacacazeiras,

erveiras e ribeirinhos; 11 a 15 anos – Eletropop. Em outras alas porém há uma maior

variação de idades como nas passistas, os casais de mestres-salas e porta-

bandeiras e a bateria da escola de samba. Algumas crianças, quando sua idade

permite, transitam algumas vezes entre alas até decidirem onde ficar de acordo com

suas preferências.

Essas preferências não dizem respeito só as alas, paralelo a este movimento

a estrutura do carnaval segue, já são pensados os carros alegóricos e a temática por

ala, os figurinos começam a ir para o papel e nas mãos das costureiras criam vida e

as crianças começam a ter contato com as fantasias, seus desenhos, suas cores e

as escolhas das alas, por algumas delas, diz respeito justamente a escolha da

fantasia. Na próxima imagem temos um mosaico de fotos tiradas por mim de alguns

dos desenhos feitos para os figurinos, desenhos que são afixados pelos locais onde

vão ser feitos pois, a parte de tecido fica com as costureiras, mas alguns adereços

das fantasias são feitos em oficinas separadas. Apresento aqui apenas as fotos, pois

os desenhos originais pertencem a Fundação.

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Foto 20 – Mosaico de fotografias dos desenho de alguns dos figurinos

Fonte: Acervo do autor

O protagonismo e autonomia da criança é um dos grandes pontos

característicos do modo de operar do Curro Velho que, portanto, se estende também

para o carnaval. Sempre se busca ouvir e incentivar a participação e respeitar as

escolhas das crianças pois elas é que são o foco, o brincar é delas.

Aqui identifico dois tipos de saberes das crianças, um sobre a temporalidade

sazonal das festividades de nossa cultura e outro tipo que diz respeito a dinâmica

das festividades locais de sua comunidade, saberes que as situam em seus espaços

e tempos sociais, que as instrumentalizam a interagir com o meio em que habitam e

viverem o lado lúdico e prazeroso de sua infância na comunidade. As crianças

buscam estes espaços festivos com enorme prazer, e trazem consigo suas

expectativas de divertir-se, de viver suas fantasias, seus momentos de brincantes,

este parece ser o modo delas se relacionarem entre si e serem no mundo, o brincar,

a ludicidade. Este pensamento sobre o modo de ser da criança ao se relacionar com

o mundo coaduna com o pensamento de Santin (1996), para quem: A vida infantil é constituída pelo mundo do brinquedo. Um mundo criado pela criança, onde ela mesma se autocria. A criança traz para dentro dessa área do brinquedo objetos, fenômenos, personagens do mundo que a envolve. Em geral julga-se que a criança brinca somente quando é deixada em liberdade para manipular objetos, para se movimentar, para fazer o que bem entender segundo sua vontade e decisões; entretanto, tudo indica que

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ela continua com o mesmo espírito lúdico quando se relaciona com as outras pessoas, quando participa da vida familiar e, especialmente, quando está em companhia de outras crianças (SANTIN, 1996, p.20).

E neste aspecto a Fundação se prepara para receber estas expectativas das

Crias do Curro Velho, fornecendo um ambiente de liberdade onde elas podem

vivenciar o seu brincar, o seu construir de si e do mundo através da arte, imersas em

sua cultura que neste momento em particular é o carnaval.

4.4 A apresentação do tema do desfile para as crianças.

Para apresentar o tema do carnaval as crianças, foi realizado um encontro

onde se mostrou o samba enredo através da música onde, paralelamente, é

apresentada a letra através de uma exibição de uma projeção visual, bem como

imagens dos elementos que o samba traz, os locais, os personagens, as

brincadeiras, de modo que com recursos audiovisuais todos os elementos do samba

são apresentados para as crianças. Posteriormente as crianças são levadas para

desenhar suas percepções do que viram, esta prática busca não só fomentar a

relação do tema com as vivências das crianças, como muitas vezes os desenhos ou

parte deles são utilizados na confecção das camisas e materiais de divulgação do

evento. Abaixo um mosaico de fotos de alguns destes desenhos feitos pelas Crias

do Curro onde aparecem o Ver-o-Peso, o zepelim, o raspa-raspa, a pipa e o pião.

Mas uma vez lembrando que os desenhos originais são da Fundação, apenas fiz o

registro fotográfico.

Foto 21 – Mosaico de fotografias de alguns desenhos das crianças

Fonte: Acervo do autor

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Como mostra a foto anterior, os desenhos produzidos se reportam a

elementos do cotidiano paraense, atuais e históricos, contidos no samba enredo do

carnaval das Crias do Curro Velho de 2016, tais como o Ver-o-Peso, o zepelim (tanto

o dirigível como o ônibus no formato do zepelim), as brincadeiras de rua (papagaio e

pião), o raspa-raspa, o barco com o pescador. Entretanto o que mais apareceu nos

desenhos das crianças, trazido pela letra do samba enredo, foram os elementos do

cotidiano das brincadeiras, representadas no pião e na pipa ou papagaio. O samba

fala de diversas brincadeiras como a pião, o papagaio, a pira-esconde a bolha-de-

sabão, jogos e instrumentos do brincar presentes no dia a dia das crianças.

Durante as entrevistas esta temática foi muito animada, as crianças citaram

muitas brincadeiras, como: pira-se-esconde, pira-pega, bandeirinha, pirata, pira-

ajuda, pira-cola-americano, pira-maromba, bola, garrafão, sete pecados, queimada,

futebol e camisinha-no-meio. Eu não conhecia a brincadeira de pira-cola-americano,

o que despertou espanto e risos por parte de meus interlocutores: “o senhor não

sabe?!” (informação verbal)31. E foram logo tratando de me explicar: É ... É tipo assim ... você tem que passar por baixo da pessoa para descolar ... / Tipo assim a pessoa tem que ficar de perna aberta e a gente tem que passar por baixo da pessoa pra descolar... / É ... isso aí ... pra fugir ... (informação verbal)32.

A brincadeira de rua é um modo peculiar da criança apropriar-se de seu

mundo e sua cultura, como um jogo da vida que é tão antigo quanto a humanidade,

na verdade segundo Huizinga (1999, p.3) “o jogo é fato mais antigo que a cultura,

pois esta [...] pressupõe sempre a sociedade humana; mas, os animais não

esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica”, para o autor não só o

jogo é anterior à cultura como esta surge sob a forma de jogo, portanto, sob esta

ótica, poderíamos dizer que neste brincar na rua a criança está se inserindo em sua

cultura, numa atividade que é uma de suas bases. Nesta relação do jogo com a

cultura o mesmo autor nos coloca que: Regra geral, o elemento lúdico vai gradualmente passando para segundo plano, sendo sua maior parte absorvida pela esfera do sagrado. O restante cristaliza-se sob a forma de saber: folclore, poesia, filosofia, e as diversas formas da vida jurídica e política. Fica assim completamente oculto por detrás dos fenômenos culturais o elemento lúdico original. (HUIZINGA, 1999, p.53)

31 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3. 32 loc. cit.

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No brincar na rua o elemento lúdico não está oculto e ainda mantém sua

forma original do brincar, e representa a historicidade da cultura local das crianças,

pois “uma outra característica interessante do jogo [é] a de se fixar imediatamente

como fenômeno cultural [...] um tesouro a ser conservado pela memória [e] é

transmitido, torna-se tradição” (HUIZINGA, 1999, p.12).

Estas vivências, tradições das crianças em seu brincar na comunidade, veio à

tona no carnaval das Crias do Curro Velho a partir do fio condutor das brincadeiras

contidas no samba enredo, que despertou nas crianças a lembrança de tudo que

elas fazem em relação ao seu brincar, e neste aspecto as crianças possuem muitos

saberes sobre diversas brincadeiras de rua, saberes que comportam as regras e

suas variações; onde brincar, com quem brincar; como negociar sua participação e

possíveis modificações nas regras; esquemas corporais do movimento (o correr, o

pular, o agachar-se), etc. Estes saberes lhes garantem a inclusão e participação em

sua cultura através das brincadeiras e jogos infantis, auxiliam e atendem as

necessidades das crianças na busca de seus objetivos, que em grande parte parece

ser a satisfação do encontro e do prazer de compartilhar a alegria inerente ao

brincar, e a insere na vida social de sua comunidade, num amálgama que envolve a

criança, o jogo, os saberes necessários a estes, os movimentos e tudo isto é parte

de sua cultura, tudo faz parte do que Brandão chama de um grande tecido, pois: Antes de mais nada viver uma cultura é conviver com e dentro de um tecido de que somos criados, ao mesmo tempo, os fios, o pano, as cores, o desenho do bordado e o tecelão. A cultura configura o mapa da própria possibilidade da vida social. (BRANDÃO, 2002, p.24)

O samba enredo tem esta propriedade de convidar diversas vivências das

crianças a acompanhá-lo no desfile, pois ao trazer elementos do cotidiano, como no

caso as brincadeiras, também instiga a presença dos saberes necessários a

compreensão daquele brincar. Durante o desfile, de acordo com a temática, a

criança revive através do samba enredo um outro brincar. Ao ser apresentado o

samba enredo, muitos saberes são despertados, os que as crianças já trazem

consigo e outros que são instigados pelos versos do samba, e neste encontro da

criança com o carnaval ela os compartilha e apreende novos saberes. Nas próprias

brincadeiras citadas durante a entrevista há variações que elas discutem e adaptam

a suas necessidades do momento, e neste movimento compartilham estes saberes,

eu mesmo descobri maneiras de brincar que não conhecia.

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Mesmo tendo aparecido muitos piões nos desenhos das crianças, algo que

fez parte também de minha infância que foi vivida em outro estado, o Ceará, nem

todas as crianças entrevistadas possuem o saber necessário à brincadeira do pião,

uma delas declarou que: “brinco de pira-pega, de pipa também... de pião ainda não

porque não tenho ... não sei fazer isso daí não ... porque a vovó é que me ensina”

(informação verbal)33. Portanto, ao serem apresentadas ao samba, ao conviverem

com ele e com tudo que o envolve, os carros alegóricos, os figurinos, as danças,

estas crianças despertam em si parte de suas vivências e seus correspondentes

saberes, e passam a brincar com estas vivências pelas ruas durante o desfile do

carnaval das Crias do Curro.

A brincadeira de rua é uma das categorias de saberes presentes no samba

enredo das Crias do Curro Velho, saberes estes que permitem a inserção da criança

em sua cultura lúdica. Estes saberes fazem parte da vivência diária das crianças e

de suas relações entre si, observei em diversas ocasiões que nos intervalos dos

ensaios do carnaval as crianças brincam de alguns desses jogos de rua pelos

espaços do Curro Velho, é a uma das formas que tem de vivenciarem sua infância e

também uma demonstração do quanto se sentem à vontade nos espaços da

Instituição.

O enredo representa, segundo Tramonte (2001, p.134), um verdadeiro “tema

gerador34” que, no caso de sua discussão, desenvolve os processos de

conhecimento das classes populares. No caso de nossa vivência o enredo temático

dos 400 anos de Belém, passa a ser o tema gerador que provoca diversos saberes

nas crianças, o que se configura também como um processo educativo. O estudo de

Tramonte (2001) refere-se à escola de samba, instituição que tem sua existência

voltada exclusivamente para o carnaval e que envolve toda uma historicidade de

uma comunidade ao longo de todo o ano. Este não é o caso da ação desenvolvida

no Curro Velho, cuja finalidade não é apenas o carnaval, entretanto neste aspecto do

enredo creio caber um paralelo com relação a ação educativa sobre as crianças.

Além do enredo, “a letra do samba também contribui para o desenvolvimento

do universo cultural dos componentes, pela elaboração literária de sua apresentação

e enriquecimento do vocabulário e imaginário dos sambistas” (TRAMONTE, 2001,

33 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3. 34 Expressão tomada de empréstimo de Paulo Freire.

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102

p.135), aqui, no caso das crianças, diríamos dos brincantes, tomando de empréstimo

a expressão trazida por Oliveira, A. (2006).

O samba enredo também influencia na estrutura das alas do desfile, pois elas

tem de estar em sintonia com o tema do samba e da história que este conta, e a

distribuição das crianças é feita com os menores desfilando mais à frente. A

estrutura da escola de samba neste ano ficou assim:

• Carrinho de Raspa-Raspa

• Comissão de Frente (vendedores de rua)

• 1º Porta-estandarte (índio arara-azul)

• Senhoritas de época (crianças destaques)

• 1º Tripé (coreto)

• Carro Abre-alas (patrimônio histórico)

• 1º Casal de mestre-sala e porta-bandeira (boto e belle époque)

• Ala de crianças de seis anos (chuva de amor por Belém)

• Ala de crianças de sete a oito anos (mangueiras e ribeirinhos)

• 2º Tripé (barco pô-pô-pô).

• Ala de crianças de nove a dez anos (tacacazeiras, erveiras e

ribeirinhos)

• 2º Casal de mestre-sala e porta-bandeira (eletropop e professora)

• Carro som

• Bateria (reis momos)

• Passistas (melindrosas, índias e mulatas cheirosas)

• Ala de onze a quinze anos (eletropop)

• 3º Tripé (vitória régia)

• 2º Porta-estandarte (índio Tupi)

• 2º Carro (cultura)

• 3º Casal de mestre-sala e porta-bandeira (maestro e mulata cheirosa)

• Ala circense (urbanos)

• Auto da lua crescente (Belém)

• Ala da juventude (personalidades)

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Esta estrutura não foi apresentada desta forma para as crianças, as maiores,

na medida em que ensaiavam, sabiam se localizar na ordem do desfile, porém, as

menores, estas eram encaminhadas por seus instrutores para suas devidas

posições na escola de samba.

4.5 Os casais de mestres-salas e porta-bandeiras.

O casal de mestre-sala e porta-bandeira é um dos locais mais cobiçados

pelas crianças, neste ano o carnaval das Crias do Curro teve três casais, o primeiro

com a temática boto e belle époque; o segundo com eletropop e professora e o

terceiro nas figuras do maestro e mulata cheirosa. Mestre-sala e porta-bandeira não

existiam nos blocos de rua por exemplo, pois “o que caracteriza o bloco é a

manifestação espontânea de seus foliões. A rigor, para sair, não carece de enredo

[...] e dançarinos especiais, como os casais de mestres-salas e porta-bandeiras”

(OLIVEIRA, A., 2006, p.87), passou a existir nos ranchos e tem a importância de

apresentar a bandeira da escola de samba, que é destacada através da dança do

casal que a apresenta e enaltece.

Pude observar que há muitos saberes envolvidos neste encontro do mestre-

sala com a porta-bandeira, saberes sobre ritmo, sobre dança, sobre o corpo, sobre o

significado do casal para a escola de samba e sobre a cumplicidade do encontro.

Nos saberes do corpo estão a coordenação necessária à dança, à postura, à noção

espacial da localização com relação ao seu par, na expressão facial do sorrir ao

apresentar a bandeira da escola. Estes saberes são adquiridos e compartilhados em

repetidos ensaios que vão aos poucos, através da troca de informação, de olhares,

da imitação e exibição da forma, se moldando e aperfeiçoando progressivamente

para o desfile.

O jeito do corpo, a reverência do mestre-sala, o giro da bandeira que parece

ser uma extensão do corpo da porta-bandeira e, de fato, seu braço enroscado no

mastro da bandeira parece ser um membro só. Assim os corpos se aconchegam à

bandeira e ao samba num uníssono singular que misturado aos sorrisos do casal

encantam e apresentam a escola para a comunidade. O corpo é o caminho para o

vivencial, para o mundo, não é um objeto como os demais, Merleau-Ponty nos traz

que “longe de meu corpo ser para mim apenas um fragmento de espaço, para mim

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não haveria espaço se eu não tivesse corpo” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.149). Na

coreografia de apresentação mestre-sala, porta-bandeira e a bandeira como parte de

quem a empunha, tomam conta do espaço e do tempo à sua volta, “porque o

movimento não se contenta em submeter-se ao espaço e ao tempo, ele os assume

ativamente” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.149). Quanto a íntima ligação da porta-

bandeira com a bandeira, o objeto que a princípio é exterior, é incorporado e passa a

ter uma função que tem o corpo da porta-bandeira, o de meio para o vivenciar o

mundo. Merleau-Ponty exemplifica isso nas seguintes passagens: Habituar-se a um chapéu, a um automóvel ou a uma bengala é instalar-se neles ou, inversamente, fazê-los participar do caráter volumoso de nosso corpo próprio. O hábito exprime o poder que temos de dilatar nosso ser no mundo ou de mudar de existência anexando a nós novos instrumentos (MERLEAU-PONTY, 1999, p.199). As pressões na mão e a bengala não são mais dados, a bengala não é mais um objeto que o cego perceberia, mas um instrumento com o qual ele percebe. A bengala é um apêndice do corpo, uma extensão da síntese corporal. (MERLEAU-PONTY, 1999, p.211).

Estes saberes corpóreos alteram o modo de ser no mundo destas crianças,

suas referências e, num dado momento, esta vivência de apresentar a bandeira da

escola de samba no encontro através da dança, na experiência da tríade do casal e

da bandeira, os saberes do corpo se misturam aos de tempo e ritmo para que o

casal possa acompanhar o samba. Há tempo para o afastar, o aproximar, o andar

junto e o apresentar-se em separado, tempo para reverenciar a bandeira e beijá-la, o

símbolo maior da escola. Este ritmo é compartilhado numa cumplicidade, pois o

casal funciona como um só elemento, e o fazem como satélites a girar em torno de

sua estrela, a bandeira da escola, portanto, isso exige sincronia dos passos, dos

gestos, das expressões corporais, dos olhares.

Esta sincronia, harmonia, exige outros saberes, estes relacionais, o saber

olhar o outro, percebê-lo, senti-lo e comunicar-se com seu par. Comunicação que se

dá pelo gestual, pelo olhar e é adquirido no convívio dos ensaios e no saber de

como comunicar-se com seu par, saber trazido das experiências anteriores que as

crianças adquiriram em suas outras cumplicidades relacionais presentes nas

brincadeiras, nas relações familiares, nas amizades. É o saber comunicar-se por

outras vias que não são as palavras proferidas verbalmente, mas palavras do corpo

e do olhar. Sem este saber o casal não conseguiria trazer e mostrar a beleza deste

encontro.

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Durante os treinos, enquanto um dos casais ensaia, as outras crianças ficam

a observar, a imitar os gestos do casal e dos instrutores, vivenciando, sentindo e

assim ensinando seu corpo como pode ser observado na foto seguinte. As crianças

conversam, trocam dicas, e também encarnações e brincadeiras, nunca está

ausente o brincar, o fato de haver toda uma disciplina para a aquisição dos passos

não descarta o jogo da diversão através da representação daqueles papéis da

escola de samba.

Foto 22 – Ensaio mestre-sala e porta-bandeira.

Fonte: Acervo do autor

Ao chegar na avenida o público muda, passa a ser as pessoas que vão

acompanhar a festividade, como pode ser visto na foto seguinte de um dos casais de

mestre-sala e porta-bandeira.

Foto 23 – 1º Casal mestre-sala e porta-bandeira - Boto e Belle Époque.

Fonte: Acervo do autor

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Vemos, portanto, que estas crianças chegam ao carnaval minadas com

diversos saberes que as acompanham e de acordo com os eventos que o carnaval

propicia ou provoca, estes saberes são acionados, utilizados, compartilhados,

aprendidos e ensinados por todas as crianças envolvidas. Destaco que estas

divisões dos saberes são meramente didáticas, eles se imbricam e se entrelaçam

num grande rizoma de saberes que fica de fato difícil vê-los separados, porque

talvez de fato não existam assim. Eles perpassam por todas as alas e de acordo

com o que acontece nos ensaios ou mesmo fora deles, os saberes vão sendo

solicitados e vivenciados.

4.6 As alas observadas.

De acordo com a temática de cada ala uma coreografia é proposta e aos

poucos se desenvolve, por exemplo, na ala de sete e oito anos (mangueiras e

ribeirinhos) passos lembravam o movimento das folhagens das mangueiras ao

vento, com as crianças girando com os braços para o alto; o balanço da maré35 na

Baía do Guajará, com os braços a balançar, pendidos para baixo, de um lado para o

outro do corpo; o movimento que imita do ribeirinho a remar seu barco. Este último

não se encontrava no início dos ensaios desta ala e foi introduzido no decorrer dos

ensaios, o que faz parte da dinâmica da construção da coreografia.

Foto 24 – O movimento da maré (ensaio).

Fonte: Acervo do autor

35 Pelo grande volume de água que deságua no mar e pela relativa proximidade com este, os rios que banham a metrópole da

Amazônia, Belém do Pará, possuem tal qual o mar, marés. E este fenômeno faz parte da vivência cotidiana das maiorias das Crias do Curro que residem na Vila da Barca.

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Todos os movimentos das alas passam por momentos de samba no pé, este é

o principal ingrediente de todas as coreografias, é ele quem dá o tom do carnaval.

São utilizados nestas alas os saberes do corpo, que implica coordenação, noção de

posicionamento no grupo, o domínio do samba e da coreografia, e através do corpo

vivenciam diversos aspectos da temática do carnaval e de suas vidas cotidianas,

como o embalo que o movimento da maré provoca no rio, como se pode ver na

imagem anterior.

Novamente também a temporalidade está presente e consequentemente os

saberes necessários à noção do tempo e ritmo do samba enredo, onde o instrutor

conta os passos cadenciadamente (um, dois, três ...), demonstrando-os para as

crianças que ao os repetir aprendem a fundir seu corpo ao samba de modo que vai

ficar quase intuitivo o sambar quanto é o andar. Sodré nos ressalta a importante

relação entre o samba e o corpo, que seria um complemento do samba, algo

imprescindível como podemos ver em sua colocação abaixo: Dentro da dimensão de sentido gerada pelo samba tradicional, é imprescindível a presença física do corpo humano. [...] Junto com as palavras, junto com o som, deve dar-se a presença concreta de um corpo humano, capaz de falar e ouvir, dar e receber, num movimento sempre reversível (SODRÉ, 1998, p.67).

Este saber de como através de seu corpo viver o samba, seu ritmo, dentro de

uma coreografia envolve noções do corpo, de tempo e de espaço onde algumas

crianças já possuem estes saberes, até porque elas tem um brincar mais livre, são

crianças que em sua maioria ainda brincam na rua, e isso dá esta liberdade do

corpo, estas habilidades que são desenvolvidas devido a autonomia corpórea que

elas tem no brincar cotidiano, que é um brincar livre, solto, na maioria das vezes sem

ingerência de um adulto. Estes saberes corpóreos são a chave para estas crianças

se apropriarem de seu mundo, apropriação esta feita através do lúdico, do prazer de

brincar e experimentar, Santin (1996) ao discutir sobre esta relação do corpo com o

brincar e consequente apropriação do mundo, diz que o corpo não sendo um

simples objeto do mundo, ele é a própria maneira de ser do homem, em suas

palavras: O corpo vive, pensa sonha trabalha e brinca. Ele não é o simples objeto, circunscrito aos limites inteligíveis, impostos pelo modelo epistemológico do enfrentamento entre o sujeito e o objeto. A inteligência se constrói como corporeidade; talvez mais radicalmente dito, a corporeidade se faz inteligente. Não se pode esquecer, em nenhum momento, que não se trata mais da corporeidade ou do corpo da antropologia clássica. A corporeidade, agora, torna-se a maneira de ser do homem, ou seja, a realidade que se constitui como mundo da vida ou lebens welt. A corporeidade é a construção

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espaço temporal do mundo da vida humana com todas as suas possibilidades e emoções (SANTIN, 1996, p.86)

Cada ala vivencia a seu modo a temática trazida no samba enredo e assim

seus conteúdos transformam-se em gestos, movimentos, expressões, onde a

criança de fato vive a festividade do carnaval de forma completa, com todo seu ser.

Em uma das alas o instrutor orientava sobre a postura e a expressão, alertava

para o sorriso e a cabeça erguida, dizia “faz carão!”36 E pegando no queixo das

crianças erguia suas cabeças, mostrando como se deveria fazer. Era mais um

detalhe do saber sobre a postura corporal, sobre a forma de apresentar-se na

avenida, com sorriso e glamour. Este saber sobre a forma da postura do corpo no

desfile serve a vários objetivos da criança, um deles é o de destacar-se durante o

carnaval, de brilhar, aparecer, isso foi uma das falas das crianças entrevistadas

quando perguntada sobre o que era o carnaval para eles, uma delas disse que o

carnaval é “amostrar pro pessoal [e completa], me amostrei tanto que me perdi”

(informação verbal)37.

Nas alas as crianças aos poucos vão tendo contato com as fantasias na

medida em que vão sendo feitas pelas costureiras, todas as crianças tem que tirar

suas medidas de seu corpo para que a fantasia seja feita no tamanho certo, e aí

muitas vezes elas mudam de ala apenas pela fantasia. É determinado um período

para que isso possa ocorrer, pois não dá para demorar para decidir, o tempo de

preparação é pouco.

Muitos pais circulam pelas alas durante os ensaios acompanhando as

crianças, até ajudam eventualmente na organização, principalmente nas alas das

crianças menores de seis a oito anos e ficam curtindo também o clima do carnaval,

filmando, fotografando, ou apenas reunidos para conversar. Pude ver muitas mães

que vem e agrupam-se para acompanhar os ensaios e aproveitam para ficarem

conversando, muitas são vizinhas no bairro onde moram, lembrando que ser vizinha

não significa ter sua casa exatamente ao lado da outra vizinha. Esta participação das

mães e alguns pais, avós e avôs é muito importante pois assim a família também vai

aos poucos se envolvendo com o carnaval das Crias do Curro Velho e a festividade

se amplia.

36 A expressão “fazer carão” é uma gíria que significa algo como fazer pose, esnobar, valorizar-se. 37 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3

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Durante o carnaval ou nos ensaios de rua as mães também apoiam dando

água para as crianças, pois com o sol e o calor é necessário manter as crianças

hidratadas, também ajudam a evitar que a população invada o desfile e atrapalhe a

coreografia das crianças. Isso é um fato que se não cuidar ocorre visto que o

carnaval é uma festividade onde o público e o brincante se confundem, muitos pais

levam suas crianças para assistir fantasiados, ou seja, vão também para brincar o

carnaval, compartilhar o momento, e se a equipe do Curro Velho descuidar o

carnaval das Crias do Curro Velho vira um bloco de rua.

Muitas crianças das alas, por residirem perto, aparecem durante a semana e

acabam ajudando na confecção dos adereços, colando, recortando, vivenciando um

pouco o clima dos bastidores do carnaval das Crias, de fato isso coopera para um

maior envolvimento de todos, servidores, famílias das Crias do Curro Velho,

crianças, adolescentes, enfim da comunidade como um todo.

As crianças nesta participação fazem uso de saberes que trazem consigo,

compartilham e adquirem sobre manufatura, uso de materiais alternativos, de como

fazer e criar. Para tal se faz necessário habilidade motora fina, criatividade,

observação e neste concretizar do carnaval, tornar visível aos poucos as fantasias e

adereços, seja pintando, colando ou recortando, as crianças desenvolvem e/ou

utilizam saberes sobre o fabrico em diversas áreas, saberes sobre manufaturas

diversas. O lidar com cola, recorte não é novidade para as crianças que fazem pipas

e papagaio, a fórmula do grude também não é novidade para muitas das crianças,

que o utilizam no cerol da linha do papagaio, o pintar e o uso da purpurina também

não é novo para quem já participa das oficinas de arte oferecidas no Curro Velho.

Estes saberes manufaturais fazem parte do cotidiano das crianças que

quando não tem, inventam seus brinquedos, que vivem utilizando diversos materiais

nas ruas para, mudando sua função, transformá-los em brinquedo ou em objetos

necessários ao desenvolver dos jogos coletivos de ruas. São saberes que são úteis

para as crianças em sua integração social, e na criação da possibilidade de interagir

de maneira prazerosa com seu mundo, mundo que elas criam também com suas

mãos e sua imaginação.

Este criar com as mãos e imaginação utilizando materiais do mais diversos a

serviço do brincar, do lúdico, mesmo dentro de um ambiente de trabalho, nos é

apresentado por Benjamin (2002), ele nos fala que:

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A terra está repleta dos mais incomparáveis objetos da atenção das crianças. É que as crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se processa de maneira visível. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos que se originam da construção, do trabalho no jardim ou na casa, da atividade do alfaiate ou do marceneiro. Nestes produtos residuais elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e somente para elas. Neles, estão menos empenhadas em reproduzir as obras dos adultos do que em estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo que criam em suas brincadeiras, uma relação nova e incoerente. Com isso as crianças formam o seu próprio mundo das coisas, um pequeno mundo inserido no grande (BENJAMIN, 2002, p.104).

Esta participação nas confecções permite a criança a vivência do fazer o

carnaval, o que dá todo um significado diferente para ela durante seu brincar, há

uma vivência de se sentir produtora, de participar do fazer de se saber também

responsável pela realização daquela grande festividade. Uma das crianças

entrevistadas declarou que “eu gosto das fantasias, da dança [...] é legal [...]

organizar estas coisas todas é bacana!” (informação verbal)38, ou seja, para a

criança não só o brincar o carnaval é divertido mas, o organizar a festividade

também o é, ou dito de outra forma, esta ação laboral de organizar e fazer o

carnaval é, na verdade, um grande brincar.

Com relação ao perfil das alas, pude observar que o maior número de

participantes é de meninas, o inverso do que ocorre com a bateria da escola de

samba, chegando a casos em que praticamente só ficam dois ou três meninos em

cada ala. Para estes meninos, parece que o maior atrativo é realmente os

instrumentos e o som ensurdecedor da bateira. Uma das crianças entrevistadas

declara “aquele barulhão lá [...] é bem legal” (informação verbal)39. Isto é uma

observação geral, podem ocorrer variações, mas neste carnaval foi o que observei.

4.7 A bateria da escola de samba.

A bateira é uma história a mais dentro do carnaval das Crias do Curro Velho,

é uma das alas mais concorridas pelas crianças, de fato as vezes falta instrumento

para tanta criança, neste ano muitos instrumentos novos foram comprados e

também foram comprados novas coberturas para os surdos, repiques e caixas, o

que ampliou e renovou os instrumentos da bateria.

38 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3 39 loc. cit.

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Com a chegada dos novos instrumentos e das coberturas novas para os que

já estavam furados, crianças e adolescentes da bateria reúnem-se para recuperar os

instrumentos. Entram em evidência novamente saberes manufaturais e musicais,

pois além de montarem e desmontarem o instrumento para colocar a lona, seja

surdo de primeira, segunda ou terceira, seja repique ou caixa, eles afinam dando o

tom certo para que cada instrumento seja tocado, isso envolve saberes sobre

musicalidade, o timbre e o tom de cada instrumento para correta afinação.

Habilidades manuais são utilizadas, saberes sobre como fazer são

compartilhados, e neste fazer, assim como as crianças que auxiliam nos adereços,

as da bateria participam do fazer o carnaval, dos bastidores da festividade e

apropriam-se dos saberes relativos à compreensão da organização que há por traz

do desfile das Crias do Curro Velho. Este participar alimenta a sensação de

pertencimento e também instrumentaliza a criança para que em outro momento

possa utilizar estes saberes em outras ocasiões, muitos adolescentes Crias do Curro

Velho hoje tocam em outras escolas de samba, são percursionistas que já ganham

com seu trabalho musical, e dominam não só a arte da música mas do preparo de

seu instrumento.

A musicalidade é um outro saber que as crianças da bateria trazem,

compartilham e desenvolvem nos ensaios. Quem inicia normalmente começa sem

instrumento, aprendendo o ritmo, com as baquetas ficam a bater em tudo o que

encontram pela frente contando, 1,2,3,4 ... 5 ... 1,2,3,4 e, ao mesmo tempo,

repetindo oralmente a contagem, isso repete-se e repete-se. O tempo é intimamente

ligado ao ritmo e aqui a criança aprende a observá-lo e acompanha-lo para depois

ter o domínio do instrumento e do samba.

Começam batendo nas mesas, sozinhas pelos cantos ou no próprio corpo

como instrumento (imagem seguinte), a criança leva as baquetas pra casa e imagino

que deva bater até nas panelas da mãe. A criança bate a baqueta no corpo, repete a

contagem em voz baixa, bate com as mãos, com os pés e, aos poucos, o próprio

corpo vai encontrando o ritmo, vai incorporando-se a magia do carnaval, saberes

sobre o ritmo corporal, coordenação motora e temporalidade se misturam dando um

significado diferente para o existir no mundo, aproximando a criança do prazer da

vivência do carnaval, o corpo é aqui o veículo, a estrutura para a experimentação da

criança, Merleau-Ponty nos coloca que:

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Os sentidos e, em geral, o corpo próprio apresentam o mistério de um conjunto que, sem abandonar sua ecceidade e sua particularidade, emite, para além de si mesmo, significações capazes de fornecer sua armação a toda uma série de pensamentos e de experiências (MERLEUR-PONTY, 199, p.178).

A seguir podemos ver uma criança concentrada batendo as baquetas no

próprio corpo, que naquele momento é seu instrumento, sua via de sensações de

ritmo. E ao lado, outras crianças treinando com as baquetas em uma mesa, onde

tudo se transforma num instrumento de descoberta da musicalidade.

Foto 25 – A prendendo a tocar com as baquetas.

Fonte: Acervo do autor

Aos poucos as crianças passam a conhecer todos os instrumentos e como

eles entram cada qual a seu tempo para criar a harmonia do samba enredo, por

exemplo tem o surdo de primeira, o de segunda e o de terceira. O surdo de primeira

faz a marcação e o de segunda entra no tempo seguinte e ficam revezando, o de

terceira traz a melodia do samba entre as duas batidas, saberes que nas palavras de

uma das crianças entrevistadas fica assim: “porque quando bota... quando tá tudo

parado... aí faz a partida, aí quando volta o surdo de primeira bate depois o surdo de

segunda bate logo em seguida e assim vai” e sobre o surdo de terceira completa:

“Sei! Só que é mais difícil!” (informação verbal)40. Mesmo não tendo conhecimento

sobre música no sentido de domínio de partitura, a crianças possui um saber que lhe

garante a execução do samba e participação na bateria, saber que pode depois ser

enriquecido e melhor elaborado com outros estudos, mas que já se encontram

presentes naquela vivência da criança. 40 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3

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Depois de ensaiar pelos cantos, forma-se uma fila para experimentar o

instrumento, e enquanto uns tocam os outros olham ávidos para cada instrução,

para cada movimento e mesmo com toda a tensão que o momento pode provocar,

tudo acaba sempre em brincadeira, pois estão sempre encarnando uns nos outros,

fazendo brincadeiras com os toques das baquetas, numa algazarra que dá

dificuldade para o instrutor manter o ritmo. A agitação do momento flui de sua

corporeidade para os instrumentos de modo que, com frequência ouvimos o

coordenador com o apito alto seguido do comando, silêncio! Como se fosse

possível, pois o fervilhar apenas diminui, não há como parar esta mistura de samba,

corpo, instrumento e desejo de divertir-se e brincar da criança.

Nesta dinâmica seguem os ensaios, e neste processo de preparo do desfile

da escola de samba as crianças também aprendem outros saberes, estes sobre a

estrutura organizacional de uma bateria de escola de samba, pois cada instrumento

é arrumado em uma posição correta para que o samba saia perfeito, assim como

num coral onde cada cantor tem sua colocação, assim são os instrumentos da

bateria. E as crianças aprendem esta estrutura, ao chegar para o ensaio cada um já

pega seu instrumento e verifica a alça, as baquetas, e os arruma na posição correta

pelo chão, numa bateria sem instrumentista, como pode ser visualizado na foto a

seguir, em que cada elemento já se encontra orientado como cada cantor num coral,

onde os surdos de primeira segunda e terceira se distribuem alternadamente com as

caixas e os repiques, de tal sorte que a sonoridade e a harmonia fica distribuída por

todo o conjunto.

Foto 26 – Organização dos instrumentos na bateria.

Fonte: Acervo do autor

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Os instrumentos ficam organizados no chão como que aguardando o seu

complemento, sua completude, que são os seus instrumentistas com seus saberes

que lhes vão dar vida e musicalidade onde, mais uma vez, teremos a junção de

corpo e instrumento, como a bandeira no braço da porta-bandeira, formando uma

vivência única para a criança.

Na bateria as crianças compartilham saberes de tempo, ritmo, música,

manufatura e estrutura organizacional da bateria e este compartilhar se tá através de

um processo que perpassa todo o carnaval e todas as relações das crianças durante

a convivência delas no evento, este compartilhar se dá através de saberes sobre o

aprender e o ensinar, esquemas e modos que as crianças tem e criam de troca e

compartilhar daqueles outros saberes. E este é um modelo de educação de discutirei

mais à frente.

4.8 As entrevistas.

As entrevistas ocorreram paralelamente aos ensaios, e tive algumas

dificuldades para sua realização, como explicar os objetivos, organizar os grupos, e

obter as autorizações, porém, o fato de já me encontrar incluso no cotidiano das

crianças também me gerou algumas facilidades de acesso a elas e aos pais. O

convite para participar da pesquisa foi feito inicialmente às crianças, após terem

aceito o convite fui ao encontro dos pais para informar da pesquisa e verificar a

possibilidade da autorização. Assim como as crianças, os pais também tiveram certa

dificuldade de entender o modelo de entrevista e seu objetivo, pois a maioria está

acostumado com as entrevistas para rádios e TV’s.

Primeiramente me aproximei das crianças das alas da faixa etária que havia

escolhido (8 a 12 anos), a medida em que as convidava e informava sobre a

entrevista começavam a surgir os primeiros interessados, mas havia a dificuldade

concreta de agrupá-los num horário específico para a entrevista, visto as diversas

atividades dos ensaios. Também não foi fácil o contato com os pais de algumas

crianças, alguns só autorizaram formalmente no dia do desfile quando assinaram o

termo de autorização, embora já tivessem autorizado verbalmente.

Ocorreram muitas situações na formação dos grupos de entrevistas, criança

que queria participar mas não houve autorização dos pais, mãe que queria que o

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filho participasse e este não quis, criança que mesmo depois da autorização dos

pais não quis mais participar mudando na última hora e criança que queria ir para

entrevista mas não queria falar nada.

O objetivo inicial era fazer entrevistas em grupo, utilizando a técnica do grupo

focal, para que juntas as crianças se sentissem mais relaxadas e pudessem falar

mais livremente, entretanto ocorreram três entrevistas fora do grupo focal. Uma

delas de uma criança que não pode comparecer no dia da entrevista do grupo, que

pertencia ala de sete a oito anos, outro caso foi de um garoto que também quis ser

entrevistado e mesmo estando sozinho a entrevista foi realizada. Nestes dois casos

os pais acompanharam as entrevistas com orientação para não intervirem nem

darem suas opiniões, o que foi cumprido. Pelos mesmos motivos metodológicos

uma outra entrevista foi realizada com um casal de passista e sambista, esta foi

acompanhada pela instrutora da ala, ela solicitou participar e as crianças não se

opuseram. Permiti porque a instrutora já tem uma relação próxima com as crianças,

o que poderia tranquilizar meus interlocutores, e mesmo que as crianças me

conhecessem suas relações com a instrutora são mais antigas e mais próximas.

Mais uma vez a instrutora foi esclarecida que seria só observadora, que não poderia

intervir ou dar qualquer opinião, o que foi cumprido.

Estas três entrevistas ocorreram fora do que havia sido pensado à princípio

como técnica de entrevista, o grupo focal, porém, o método fenomenológico permite

esta alteração ao longo do trabalho, a realidade se impõe e, neste caso, foi

necessário a entrevista por acessibilidade pois não foi possível inserir estas crianças

em nenhum grupo e todas desejaram participar. Como a técnica do grupo focal, tem

como um dos objetivos a diminuição da relação de poder adulto-criança, ou

pesquisador-criança, no sentido de que juntas as crianças possam se sentir mais

seguras e falarem mais abertamente, com este mesmo objetivo permiti a

participação dos pais durante a entrevista, para que a criança não se sentisse

constrangida estando só em minha presença, a figura do responsável poderia vir a

facilitar para que ela ficasse mais à vontade.

A entrevista com as crianças da ala de nove e dez anos, contou com a

participação de onze crianças. Além das onze crianças, quatro quiseram participar

apenas como observadores, sem nada falar, o que foi permitido, só riam junto com

as outras das respostas e comentários que surgiam no decorrer da entrevista. O riso

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não deixa de ser uma possível concordância ou cumplicidade, mas não verbalizaram

nada e também não insisti que falassem algo, respeitando o acordo feito.

A quinta entrevista, segunda do grupo focal, foi realizada com oito crianças, os

mestres-salas e porta-bandeiras, um porta-estandarte e um integrante da bateria,

porém o porta-estandarte e um dos mestre-sala quis ficar apenas como ouvinte, e de

fato só participaram dos risos sem falarem nada. Nesta entrevista também estava

presente um instrutor, que pelos mesmos motivos anteriores foi permitido sua

presença e que também se manteve sem intervir na entrevista.

Permiti a participação de crianças como observadoras na entrevista,

respeitando a curiosidade delas e na expectativa de que durante a entrevista

mudassem de ideia. A participação delas também fortalecia a segurança das outras

devido ao vínculo entre elas, o que as deixavam mais à vontade, ressalto que em

nenhum momento foi feito por parte das crianças objeções à participação ou

permanência das que estavam só observando.

Participaram das entrevistas ao todo vinte e sete crianças, sendo que

efetivamente apenas vinte e uma de fato responderam e interagiram com as

questões propostas. Essas questões foram elaboradas a fim de nortear as

entrevistas, permitindo que as crianças falassem sobre suas vivências no carnaval.

O registro das entrevistas foi feito com uso de gravação com câmera (audiovisual) e

com celular gravando o áudio, de forma a ter o registro não só do que foi falado

como do gestual das crianças.

Tendo como referência as categorias envolvidas na pesquisa: saberes,

criança, carnaval e educação, categorias que foram observadas na interação com o

carnaval dentro do espaço das Oficinas Curro Velho, foi utilizada a seguinte

sequência como guia inicial do desenrolar da entrevista:

• Identificação inicial (nome, onde mora, idade, ala)

• Como souberam do carnaval no Curro Velho?

• O que é o Curro Velho pra vocês? (relação deles com a Instituição)

• O que é ser criança?

• O que é o carnaval pra vocês?

• Como é o carnaval no Curro Velho? (o que é bom e o que não é)

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• Sobre o tema do carnaval (sobre o que fala, o que conhecem, quais

novidades para eles, se tem relação com seu cotidiano)

Este guia de entrevista foi utilizado com a intenção de verificar quais saberes

as crianças trazem consigo envolvendo o carnaval e as categorias relacionadas à

pesquisa, de como os saberes ocorrem e são compartilhados dentro do espaço das

Oficinas Curro Velho. Envolvendo assim a percepção das crianças com este local,

com o carnaval, com o tema do carnaval e com o fato de serem crianças. Alguns

saberes surgiram somente na entrevista, outros foram também verificados através

da observação participante nas alas, estes foram mencionados nas observações e

análises feitas nos itens anteriores deste trabalho (4.3 a 4.7).

A maioria das crianças entrevistadas mora no entorno do Curro velho e

principalmente na Vila da Barca, entretanto há crianças de outros bairros como

Marambaia, Sacramenta, Benguí, e na Doca, conforme declarado por elas.

Aqui ocorreu o seguinte fato, uma das crianças declarou morar na Coronel

(Tv. Coronel Luiz Bentes – bairro do Telégrafo) e sua irmã disse que morava na Vila

da Barca. A Vila da Barca não é um bairro embora ocupe uma área de

aproximadamente 135.000m2, o que equivaleria a cerca de seis por cento da área do

bairro do Telégrafo41 onde está inserida, ao responder a pergunta onde moram, a

primeira disse: “na Vila da Barca” ao que a outra retrucou: “não professor, eu moro

na Coronel” (informação verbal)42. Ao ser confrontado as duas respostas das irmãs

sobre onde moravam a contradição não se desfez: “- Mas pra mim é a Vila da Barca,

para ela é a Coronel. [...] - Mas Coronel é Vila da Barca? Não é não” (informação

verbal)43.

Uma das necessidades do ser, além de se localizar no tempo, é o localizar-se

no espaço, esta localização envolve não só seu espaço físico mas seu espaço

social, uma das crianças diz morar na Coronel, que é uma das vias do Bairro do

Telégrafo, mas ela não cita o bairro. A outra irmã fala que mora na Vila da Barca,

mas esta não é um bairro nem uma via, parece ser algo mais. Neste momento surge

nas outras crianças entrevistadas a necessidade delas falarem sobre os limites da

Vila da Barca, o que sabem sobre isso. Elas concluíram que faz parte da Vila da

Barca tanto a parte de palafitas como a parte de alvenaria já construída e, de fato, a

41 Cálculo estimado feito com auxílio do site https://www.freemaptools.com/area-calculator.htm, Acesso em: em 15 JUL 2016. 42 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3 43 loc. cit.

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Tv. Coronel Luiz Bentes findaria, dentro da Vila da Barca, que pela identificação que

as crianças tem do local, seria praticamente um bairro.

Em relação à pergunta de como tomaram conhecimento do carnaval do Curro

Velho (como já foi dito em parágrafos anteriores), o que me chamou a atenção em

relação as respostas, foi a simplicidade, a obviedade contida nelas, pois dão a

entender que o carnaval do Curro conhecem desde sempre. Então a pergunta de

como souberam do carnaval no Curro surgem respostas óbvias como: “sabendo” ou

“eu fiquei sabendo” (informação verbal)44.

Ao perguntar as crianças sobre o que é o Curro Velho para eles, cada uma

tem uma série de informações e significações a respeito do espaço Institucional,

principalmente sobre o que pode e o que não pode fazer, o que oferece, como se

utilizar do espaço, o afeto tem com relação ao local e as pessoas. São saberes que

lhes ajudam a significar o ambiente das Oficinas Curro Velho e as orienta como se

portar e quando procurar pelo local. Algumas colocações sobre o que é o Curro

Velho na fala das crianças: É o amor! Faz a pessoa ficar, sorrindo. A gente vem pra cá pra se divertir. Pra passear. O Curro Velho é uma janela que a gente se diverti. Assim, ele aprende coisas boas, segue tipo um caminho, tem teatro, é bom eu acho legal. É legal também porque tem um bocado de coisa pra gente fazer. O Curro Velho é alegria, todos os anos eu venho aqui tocar bateria, muito legal vim aqui. Faz parte de nossa infância! É um lugar muito bom. Pra mim é uma aprendizagem. A gente se desenvolve aqui no Curro Velho né, a gente cresce, é isso aí. O Curro Velho pra mim é um aprendizado também, pra mim, no meu critério, vamos falar assim, a gente vai falar e não sabe nem o que que tem. É, sei lá, é Curro Velho! É uma criação que é pra tirar a gente dessa rua que é tão violenta hoje em dia [uma criança aplaude levemente] pra gente não ir no rumo da droga, [mais aplausos] do assalto, é isso!! Ah, eu não sei, é tudo isso, é tudo isso! (informação verbal)45.

Pode-se perceber a íntima relação das crianças com o Curro Velho, a

afetividade envolvida e o quanto esta Instituição de Arte já se encontra inserida na

vida destas crianças, uma delas declarou: “com eu falei, já estava aqui quando

começou” (informação verbal)46, quando na verdade posso dizer que o Curro Velho é

44 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3 45 loc.cit. 46 loc.cit.

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que já estava lá quando ela começou. Nestas falas também é possível reconhecer o

espaço do Curro Velho como um espaço lúdico cultural, de acolhimento, de

realização do brincar, de alegria, de não violência e de liberdade, contraste com

muitos aspectos encontrados no cotidiano da rua de acordo com as falas das

crianças. Mesmo dentro de toda a seriedade do trabalho desenvolvido pelo Curro

em suas oficinas, seu modo de propiciar a educação não retira seu caráter lúdico e

isso é o grande diferencial e atrativo da criança, que lá se vê livre para experimentar,

para vivenciar o seu ser criança.

Uma das crianças entrevistadas contou a história de sua relação com o Curro:

“foi assim. Tava na barriga da mamãe, eu nasci, aí quando eu fiz um ano, aí a minha

vó me trouxe pra cá, e fiquei desde pequena ai quando eu fiz sete anos minha vó

mandava eu vir, aí eu vinha e, não dançava não é, pronto” (informação verbal)47.

Vale ressaltar que as crianças que frequentam o Curro Velho, quando bem

pequenas chegam acompanhadas por um adulto, mas isso não é regra, pois parte

delas vem sozinhas, o que mostra sua independência. Percebe-se que há uma

confiança por parte dos pais em relação à Instituição, fazendo com que a ida da

criança para o Curro Velho, seja encarada da mesma forma como se a criança

estivesse saindo para brincar na rua, como se pode verificar na fala acima da

criança, portanto, elas parecem possuir todo um conjunto de saberes necessários a

sua localização, orientação e independência para ir para rua. Há tantos afetos

envolvidos na significação do espaço do Curro para as crianças, e sem

similaridades, que uma delas respondeu: “sei lá, é Curro Velho” (informação

verbal)48.

De acordo com a fala de uma das crianças “o Curro Velho é uma janela que a

gente se diverte” (informação verbal)49, isso me remete ao fato de que na vida

cotidiana da criança, além de suas atividades em casa e na escola, que a fazem

seguir uma rotina diária, nem sempre alegre e feliz, o espaço do Curro Velho se abre

como uma janela, uma brecha, por onde ela pode sair e vivenciar sua infância, sua

ludicidade, onde ela vai em busca de outros saberes, e encontra a liberdade de criar

e brincar, essência da vivência infantil. Santin (1996) nos coloca da seguinte forma o

ato de brincar, o lúdico e a criança:

47 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3. 48 loc.cit. 49 loc.cit.

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A primeira revelação do ato de brincar parece ser uma denúncia da ideia corrente de que há atividades conhecidas como brincadeiras. Brincar, brinquedo ou brincadeira significam uma dinâmica, uma maneira de pensar e agir. O brinquedo é uma simbologia, uma linguagem, um modo de ser. Reduzir o brinquedo a um certo tipo de atividade é não entender sua semântica [...] Não resta dúvida de que o praticante inconteste do brinquedo é a criança. Ela, e, talvez, somente ela, seja capaz de brincar apenas por brincar. Simplesmente pelo fato de que a vida da criança é regida pela dinâmica, se quisermos falar filosoficamente, pela ‘lógica’ da ludicidade (SANTIN, 1996, p.19).

Porém, este brincar, esta ludicidade não se manifestaria se não houvesse no

espaço das Oficinas Curro Velho a possibilidade de liberdade da criança para este

fim, se não fosse o local uma janela lúdica na concretude da cidade. Neste aspecto

o espaço do Curro Velho é usado como área de lazer não só pelas crianças, como

também por adolescentes e adultos, que normalmente pela parte da tarde usam o

espaço à beira do rio como se fosse uma praça, enquanto uns conversam ou

simplesmente contemplam o rio, as crianças brincam.

Uma outra fala que muito me chamou a tenção foi quando uma das crianças

falou da função social do Curro Velho de dar uma alternativa para as crianças

afastarem-se da violência da rua. Naquele momento ele estava com um semblante

sério e as crianças aplaudiram com respeito e expressão de quem conhece o que

está sendo falado. As crianças conhecem as condições sociais de violência, crimes

e drogas de sua comunidade, os problemas que isso traz e a importância de se ter

um lugar onde se possa vislumbrar uma outra realidade.

Ao serem perguntadas sobre o que é ser criança para elas uma respondeu, “é

isto aqui que você está vendo” (informação verbal)50 seguido pelo riso de todos,

enquanto outra respondeu, “a gente!”. Mas que pergunta tola! Pensei eu novamente.

Nós adultos (ou pesquisadores) parecemos idiotas frente as crianças formulando

questões tão óbvias. Saber-se criança é ser criança, simples assim.

Mas para tentar ajudar o pesquisador, no caso eu, tentaram explicar este

saber óbvio com outras palavras, e ai saíram as seguintes explicações: É legal porque a gente brinca, faz várias coisas assim, a gente brinca. A gente se diverte muito, a gente tem que aproveitar bem, criança, acho legal, a gente se diverte brinca. Criança, é ser pequenininha, correr na rua. [vivência da comunidade, nem todas as crianças correm na rua]. Não ter os problemas que os adultos tem na cabeça. Não ter que acordar e ter um peso na consciência de ter que botar comida dentro de casa. Não ter que trabalhar. É. Eu gosto! Não queria crescer!

50 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3.

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Não ser estressado... comprar pão pra mãe. (informação verbal)51.

Pode-se perceber a presença de saberes sociais sobre papéis do adulto e da

criança, com contrapontos entre eles, e da definição da criança como um ser que

brinca e se diverte, que corre na rua, é pequenina e não tem problemas na cabeça.

Daí o desejo de não crescer e não ficar exposta ao mundo dos problemas, da

violência, do crime e das drogas. Para meus interlocutores ser criança é brincar,

divertir-se, não ser o adulto estressado com diversos problemas econômicos e

sociais. Esta forma simples e direta da criança explicar a si mesmo através do lúdico

e ao mundo adulto como o que não brinca, só trabalha e tem problemas, nos é dito

de uma outra forma por Santin: A grande diferença que há entre um adulto e uma criança poderia ser sintetizada assim: a criança sabe brincar e brinca; o adulto sabe e não consegue mais brincar. A criança ainda não percebeu limites para a liberdade de sua imaginação. O adulto está cercado por regras e princípios que aprisionam o poder de seu imaginário (SANTIN, 1996, p.21).

Tendo como próxima pergunta como é o carnaval das Crias do Curro Velho

para elas, as crianças deram como respostas: É samba no pé. É pra esquecer das coisas que dão pra gente dor de cabeça. É pra brincar, se divertir. Encontrar os amigos. Carnaval é uma época de muita alegria, e só. É Tudo! É o momento pra gente se divertir. Amostrar pro pessoal [risos] me amostrei tanto que até me perdi. Pra mim é, como eu disse ainda agora, alegria, pra ver lá todo mundo sambando, aquele monte de carro, mestre sala e porta bandeira, bateria, aquele barulhão lá, é bem legal. É ver a criança sorrir [risos] (informação verbal)52.

Para as crianças entrevistadas, o carnaval é encontrar os amigos num

momento pra se divertir, ou seja, não é algo individual, é coletivo, é uma festividade

coletiva do brincar e do sorrir, e “esse riso não é individual; para ser eficaz, deve ser

coletivo, social, universal. Ele não incide sobre o particular, mas sobre o mundo

inteiro, do qual revela a verdadeira natureza” (MINOIS, 2003, p.159). A criança com

seus saberes aproxima-se da reflexão filosófica em Minois (2003), aproxima-se ao

seu modo da concepção do carnaval como uma alternativa à vida cheia de

51 loc.cit. 52 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3.

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problemas e nos traz que o riso compartilhado com seus amigos o faz esquecer “das

coisas que dão pra gente dor de cabeça” (informação verbal)53.

A importância do carnaval para estas crianças é que “na festa carnavalesca,

destrói-se, reduz-se, inverte-se, zomba-se de tudo o que faz medo [...] ri-se daquilo

que se tem medo” (MINOIS, 2003, p.159). Neste momento as crianças são livres

pois “o riso e a visão carnavalesca do mundo [...] liberam a consciência, o

pensamento e a imaginação humana” (BAKHTIN, 1993, p.43).

Além do carnaval ter uma íntima ligação com os saberes que meus

interlocutores tem acerca de ser criança, aquele ser pequeno que brinca e se diverte

com o riso, com o brincar, eles se libertam de seus medos cotidianos que a vida

comunitária impõe. Para Bakhtin “O riso não é forma exterior, mas uma forma interior

essencial a qual não pode ser substituída pelo sério, sob pena de destruir e

desnaturalizar o próprio conteúdo da verdade revelada por meio do riso” (BAKHTIN,

1993, p.81).

A fala de uma das crianças nos mostra seu conhecimento em relação a

estrutura da escola de samba ao relacionar os elementos que a compõe como os

carros, os mestres-salas, as porta-bandeiras, a bateria, identificando-os e situando-

os no desfile da escola de samba. Um saber que vai além da estrutura de uma

escola de samba, e se estende ao saber da estrutura da bateria, a qual pode se

dizer que é a alma da escola de samba. É um saber estrutural e organizacional.

Mais uma vez os saberes das crianças se entrelaçam, sobre quem são, sobre

o carnaval, sobre os papeis sociais, sobre estruturas e organizações na escola de

samba, sobre os problemas de sua comunidade e sobre como enfrentar tudo isso.

Este entrelaçamento fez com que as crianças ao estarem discutindo este carnaval

de 2016 recordassem elementos de carnavais anteriores, como o da Piracema de

2011, e neste ponto passaram a trazer informações sobre os peixes presentes na

Baía do Guajará e da prática de algumas famílias da Vila da Barca de pescarem na

mesma Baía para alimento de seus familiares. A temática do carnaval também

evocou saberes sobre os blocos de carnaval que saem da Vila da Barca ou não e

até quem fundou um dos blocos de carnaval, bem como sobre a dinâmica dos

vendedores que circulam pela comunidade, enfim saberes que situam as crianças

em seu meio social.

53 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3.

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Neste entrelaçamento de saberes, como num rizoma, uma associação leva a

outra, o que faz vir à tona este ou aquele saber de acordo como o momento em que

algo lhe tem relação. Mesmo que o tema não faça alusão direta à pesca, duas das

alas, a de seis a oito e a de nove a dez anos, tem como personagens os ribeirinhos

e isso despertou a sequência de pensamentos e saberes.

Ao se identificarem como pertencentes a ala dos ribeirinhos uma das crianças

definiu o ribeirinho como: “é o homem que... tipo... anda em canoas [ou] que tomam

banho” (informação verbal)54 e, a partir daí, começaram a surgir os nomes dos

peixes e outros animais existentes na Baía do Guajará segundo as crianças:

piranha, pirarucu, arraia, siri, caranguejo e até boto. Ao ser perguntado se algum

deles já haviam pescado responderam que “não, mas os nossos vizinhos”

(informação verbal)55.

Num dado momento uma das crianças afirma que também há siris na Baía do

Guajará, que eles chamam de rio, ao que outra discorda e chama de caranguejo,

então inicia-se uma breve discussão sobre caranguejos e siris: O nome disso aqui é siri? [aponta em direção a Baía do Guajará] Não, é caranguejo, tem caranguejo e siri. Ei tio, não tem um rio aqui? [aponta em direção a Baía do Guajará] Quando a maré tá baixa aparece um monte de siri. É. Eles cavam assim ... [faz o gesto] Ei tio! O engraçado é que uma pata deles é pequena e outra é grande, eu assim, isso aí é mutante! Eu consigo pegar, quando eu vou pra praia eu pego caramujo, caranguejo. (informação verbal)56.

As crianças tem seus saberes sobre o rio e suas hipóteses sobre estes, como

no caso dos mutantes que o garoto deduziu em sua observação dos siris.

Retomando as recordações do carnaval de 2011 onde o tema foi Piracema,

este trazia assuntos como o defeso, o ribeirinho e o pescador. Surgiram então as

seguintes colocações: Eu saí no bloco Piracema. Tio, tinha o carro do boto cor de rosa! Por falar em boto já pareceu quatro ou cinco botos nesse rio ai. [aponta para a Baía do Guajará] Foi! Vocês viram? Eu vi o boto pessoa. [ninguém discorda] Já vi apareceu um rosa, um azul, um preto, um preto, um não sei o que. (informação verbal)57.

54 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3. 55 loc.cit. 56 loc.cit.

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Pode-se notar que os saberes sobre o rio e seus habitantes se misturam aos

mitos amazônicos, pois uma das crianças diz ter visto o boto pessoa e ninguém

contestou ou riu como estavam com frequência fazendo durante a entrevista. Talvez

não tenham percebido, mas isso não elimina o fato de que a criança apresentou um

indicativo de um saber sobre os mitos Amazônicos, no caso a lenda do Boto, o

quanto ela mesma crê na lenda também não vem ao caso, o fato é que existe a

presença deste saber.

Os saberes sobre os blocos que saem da Vila da Barca ou não, a quem

pertencem, surgiram na própria discussão sobre o carnaval como já citei. Já os

vendeiros da rua, foi o próprio samba enredo quem trouxe o tema, e aí de fato

muitos destes personagens ainda fazem parte do cotidiano das crianças em sua

comunidade, outros como o amolador de faca ou o raspa-raspa já não são mais

vistos pelas crianças. “Passa o pipoqueiro, de vender algodão-doce também passa

de noite. O raspa-raspa é o vovô que me contou, porque eu não sabia disso”

(informação verbal)58.

Uma das crianças relata que o vendedor de tapioca de sua comunidade é

muito chato, isso se deve ao fato dele torcer pelo Paissandu e tirar sarro com o

pessoal que torce para o Remo, o que não agrada nem um pouco a ela.

Uma outra categoria de saberes que surgiu nas entrevistas são os de cunho

religioso, mesmo que iniciais eles podem ser percebidos. Quando se conversava

sobre a letra do samba enredo uma das crianças chama a atenção: “do povo de fé

também [...] a gente sai por aí a rezar... nas procissões” (informação verbal)59. Numa

outra ocasião quando as crianças falavam que o carnaval era momento de brincar,

se divertir e encontrar os amigos, outra criança fala: “Boas palavras de Oxalá”. E

ainda quando se falava das personalidades ao se tocar no nome do compositor

Verequete60, de imediato, outra criança bate palmas, ergue os braços e os gira sobre

a cabeça e fala: “Ei! Chama Verequete ôoo ... Chama Verequete” e outra completa

“chama, chama, Verequete” (informação verbal)61.

57 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3. 58 loc.cit 59 loc.cit. 60 Augusto Gomes Rodrigues, cantor e compositor nascido em 1916, em Quatipuru, na região bragantina, no Pará. 61 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3.

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125

Percebe-se pela expressão corporal da criança e pelo canto do ponto do

Verequete62, bem como na referência a Oxalá por parte da outra criança, que estão

presentes saberes sobre as religiões afro-brasileiras, bem como na fala sobre as

procissões, saberes sobre a religião cristã. A associação do nome do compositor ao

rito afro-brasileiro deve-se ao fato de que este nome ele recebeu ao frequentar um

terreiro, e passou a utilizá-lo como nome artístico.

Logo o enredo do carnaval mais uma vez convida outros saberes para brincar

na avenida, agora saberes sobre práticas, entidades e ritos religiosos, onde as

crianças de alguma forma compartilham e vivencia-os sob uma outra ótica, a do

divertir-se e do brincar no carnaval.

A criança tem sua própria percepção sobre si e o mundo que a cerca, possui

saberes que definem para si mesmo quem ela é e onde ela se encontra, este saber

envolve uma séria de delimitações, explicações e significações de ordem pessoal e

social. Saber sobre sua posição no mundo envolve, por exemplo, saber o local onde

mora (Vila da Barca ou Tv. Coronel Luiz Bentes), a religião que pratica, o time que

torce, a família a que pertence e, além de outras coisas que poderia numerar, qual

sua naturalidade e que relação afetiva tem com o lugar em que reside ou nasceu.

O tema do carnaval desperta nas crianças esses tipos de saberes, o de como

ela está no mundo, que relação ela tem com este. Ao trazer o tema “Chuva de amor

por Belém” o samba enredo desperta uma série de relações que estas crianças tem

com seu mundo, no caso a cidade em que mora, ou que nela também nasceu, e

com toda a significação que este lugar tem para ela. Uma das crianças trouxe a

seguinte indignação com relação ao modo como as pessoas de fora tratam a cidade

de Belém: “é aquele vagabundo do [faz referência a um conhecido cantor brasileiro]

acabou sobre quem é paraense [...] Ele falou, falou disso, que as meninas são

piriguetes, que as ruas são imundas” (informação verbal)63. Sua indignação nos

demonstra a forma como ele se identifica com Belém, e tem uma relação direta com

o tema do samba enredo, amor pela Cidade. Em outro momento, quando a letra do

samba enredo fala do Teatro da Paz, o mesmo garoto fala “égua a Dira Paz

arrasou!” (informação Verbal)64, mais uma vez trazendo a forma e as referências que

62 Toy Averequete ou Verequete, também conhecido ritualisticamente por Adunoblé, na casa dos Jejes, é tido como um rapaz e

vem na frente trazendo os outros Voduns. Informação disponível em: https://afinsophia.com/2009/04/22/traslado-de-sao-benedito-1%C2%AA-parte/ Acesso em: 17 JUL 2016.

63 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador: AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3.

64 Loc.cit.

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126

ele utiliza para localizar-se no mundo, o seu saber-se paraense, que se indigna

diante de uma ofensa ao seu lugar e orgulha-se de seus ídolos locais.

Outros saberes de ordem social, são os que as crianças trazem sobre a

estrutura básica de qualquer sociedade, a família. Ao se identificarem no início da

entrevista, também veio à tona o número de irmãos, e sobre os pais, e neste caso

surgiram crianças com muitos irmãos, com poucos, com irmãos de genitores

diferentes, famílias onde os avós são a base desta, enfim, uma diversidade muito

grande de estrutura familiar, tivemos as seguintes falas sobre os irmão: Eu tenho um... Ciiinco! Um. Eu tenho sete! Mentira! Tem sim! Tem sim sete! Eu tenho dez! Eu tenho vinte e um! Eu tenho um. Eu tenho quatro, mas um por parte de mãe e três por parte de pai. Eu tenho sete! ... Só que meu irmão vale por dez! Eu valho por mil! (informação verbal)65

Estas vivências trazem para criança uma complexidade considerável em seus

saberes sobre o que é uma família. Também aqui ressalto a fala já citada

anteriormente onde a criança relata que “era o marido da vovó o dono do bloco”

(informação Verbal)66, ou seja não era seu avô, mas o marido de sua avó. Temos

então famílias de vários tamanhos, com irmão oriundos de mais de uma união, e de

reconstruções de famílias a partir de outras relações, como no caso da avó que hoje

se encontra em um outro relacionamento. Também destaco aqui, que na medida em

que umas crianças iam dando seus relatos suas vizinhas iam confirmando o que

estava sendo dito em relação a sua vivência comunitária o que as tornam bem

próximas umas das outras.

Outra categoria de saber que surgiu durante as entrevistas foram sobre

gênero. Ao ser perguntado sobre o carnaval do curro, o que tinha de bom e o que

não era bom surgiu a seguinte situação: Tudo legal aqui, mas só acho só movimento das pessoas, muito assim que [...] tipo eles, eu fui no banheiro ai tinha menina, tipo muita menina entraram no banheiro de homem, só este negócio que eu não gostei. Os meninos também entram no banheiro de mulher, por isso eu não vou.

65 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3 66 loc.cit.

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127

Eu entro no banheiro que eu quiser! (informação verbal).67

Aqui ocorrem duas situações, uma é do menino ou menina que entra de

propósito no outro banheiro apenas com o intuito de incomodar, de fazer pirraça, e a

outra situação é daquele que entra neste ou naquele banheiro por sua orientação

sexual, a escolha do banheiro é feita de acordo com seu gênero. Então daí surgem

situações distintas de acordo como esta ou aquela criança interpreta ou compreende

a ocorrência do fato. Muitas já convivem de forma mais madura com a diversidade

de gênero, mas há crianças que por questões familiares ou religiosas não aceitam

este tipo de convívio.

Estes saberes são discutidos entre as crianças e são de fato um reflexo do

que elas trazem de suas origens, do que ocorre em nossa sociedade, onde muitas

temáticas envolvendo a sexualidade ainda são motivos de muitas discórdias. O que

tem de bom é que, como se pode perceber, oportunidade é que não falta para

discutir o tema. Ressalto que este tipo de situação não ocorre apenas com as

crianças, já presenciei situações semelhantes com adultos nas Oficinas Curro Velho.

Resumindo, muitas categorias de saberes surgiram nas entrevistas,

religiosos, comunitários, estruturais e organizacionais, sociais, de gênero, de

significação de si e do mundo em que a criança vive, sobre brincadeiras de rua,

família e tudo de alguma forma relacionado ao momento de vivência do carnaval.

Estes saberes são trazidos e compartilhados por estas crianças, e neste

compartilhar pude perceber outra categoria de saber, o sobre o compartilhar.

4.9 Um compartilhar educativo.

Vivemos num mundo que não é só o natural, mas que é acima de tudo

cultural, e não nascemos prontos para ele, pelo contrário, somos introduzidos aos

poucos nele e neste convite, também passamos a intervir e participar em sua própria

construção e significação. Este processo se dá desde que nascemos e acontece

numa vivência conjunta, na intersubjetividade dos protagonistas da construção deste

mundo de cultura.

Esta construção se dá no compartilhar da cultura e do saberes, dentro de um

processo educativo de compartilhamento. Num primeiro momento pode-se pensar

67 CRIAS DO CURRO. Entrevistas das crianças concedidos durante o carnaval das Crias do Curro de 2016. Entrevistador:

AIRES NETO, Francisco. Belém: 2016. Arquivos sonoros digitais no formato mp3

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que o educar apenas acontece dentro dos muros das escolas e universidades

entretanto como nos diz Brandão (2007, p.99) “a educação existe de mais modos do

que se pensa e [...] alguns deles podem servir ao trabalho de construir um outro tipo

de mundo”.

As crianças que participam do carnaval das Crias do Curro Velho chegam a

ele com seus saberes e ao compartilhá-los adquirem outros saberes ou melhor

elaboram os que possuem. Esta troca e compartilhamento de saberes implica à

criança buscar formas de compreender um determinado saber de outra criança, bem

como, buscar formas de demostrar seu saber e transmiti-lo. Em relação à criança, o

compartilhar se dá de forma espontânea, nos momentos em que interagem com o

grupo, e tem como princípio básico o querer, o desejo de aprender com o outro, e

aqui retomo o pensamento de Brandão (2002, p.25) onde “mais do que seres morais

ou racionais, nós somos seres aprendentes”.

Ocorre aqui entre as crianças uma outra categoria de saberes que possuem

uma episteme diferente do modelo científico mas não menos eficaz, poderíamos

dizer que está presente um modelo de educação diferente da pedagogia formal, um

educar através do compartilhar, onde não existe de forma separada quem ensina e

quem aprende, nesta vivência infantil da busca do ensinar e aprender, para Freire: Quem ensina aprende ao ensinar [...] e quem aprende ensina ao aprender [...] não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro (FREIRE, 2001, p.35).

A criança que já sabe bater no repique, por exemplo, mostra para a outra e

esta repete o toque, ambas tentam verificar a similaridade dos atos de ambos e cada

um de seu lado tenta encontrar uma forma para que aquele saber seja

compartilhado, até que suas vivências lhes convençam que os toques estão

semelhantes, ao ponto de ambas admitirem que o saber foi compartilhado. Este é

um dos processos educativos mais básicos e mais eficazes, é ele que se faz

presente no cotidiano das crianças, é onde elas constroem seu mundo e imergem

em sua cultura.

Esta vivência educativa cotidiana, e sua face do compartilhar, é para a criança

o que Berger e Luckmann (1985) chamam de realidade predominante, onde a

tensão da consciência chega ao máximo e onde o cotidiano se impõe à consciência

de forma maciça, urgente e intensa, logo na maioria das vezes as crianças de fato

estão envolvidas com este educar cotidiano, onde compartilham seus saberes e

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neste compartilhar desenvolvem saberes educacionais necessários ao ato de

aprender e ensinar.

Pude verificar o saber como compartilhar em diversos momentos das

crianças, seja na bateria no tocar do repique, dos surdos, das caixas; nas

coreografias das alas, no casal de mestre-sala e porta-bandeira; no fabrico das

alegorias e recuperação e afinação dos instrumentos. Para onde se olha há algum

saber sendo utilizado no compartilhamento de outros saberes, o que mostra que há

um processo educativo em andamento, como na imagem a seguir, onde num lado se

vê uma menina que busca orientar a outra com relação ao desfile com a bandeira e

ao lado um grupo de garotos que estavam se revezando na tentativa de transmitir o

toque do repique.

Foto 27 – Ensinar e aprender – saberes do compartilhar.

Fonte: Acervo do autor

Este compartilhar apresenta-se para criança como um mundo intersubjetivo,

onde ela sabe intuitivamente que sua intencionalidade de aprender ou ensinar é

semelhante à intencionalidade da outra criança e, neste momento de vivência, é que

se concretiza a intersubjetividade em ambas.

Como seres aprendentes que somos, nas palavras de Brandão (2002),

“ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um

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modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela [...] todos os

dias misturamos a vida com a educação” (BRANDÃO, 2007, p.7).

Nesta pesquisa pude observar diversos saberes trazidos e compartilhados

pelas crianças durante o carnaval das Oficinas Curro Velho, saberes que são

compartilhados dentro de um processo educativo que envolve a presença de outra

categoria de saber por parte das crianças, saberes sobre o educar, sobre a

possibilidade de ensinar e aprender e de como fazê-lo.

Como uma organização apenas didática, a seguir forneço uma tabela onde

resumo os saberes identificados e analisados nesta pesquisa, não abandonando

minha afirmativa de que estes saberes formam um grande rizoma onde um existe

em relação como outro.

Tabela 1 – Resumo dos saberes identificados nas crianças que participaram do carnaval das Crias do

Curro Velho de 2016. (continua)

CATEGORIA SABER EXEMPLO Comunitários Informações sobre

costumes e práticas da comunidade em que vive.

- Conhecimentos dos peixes, tipos e quais podem ser pescados na Baía do Guajará na proximidade da Vila da Barca. - Conhecer quais blocos de carnaval saem da Vila da Barca ou do entorno, de onde e quando saem, em alguns casos quem fundou. - Conhecimento dos personagens vendeiros de sua comunidade.

Corpóreos Conscientização do corpo, controle e coordenação motora, noção espacial de localização.

- No domínio da dança (o samba), das coreografias, dos passos. Posição e ritmo dos movimentos corporais. - Sincronia no trabalho conjunto com seu par (mestre-sala e porta-bandeira), saber da posição um do outro, posição que se deve ocupar a cada instante na dança conjunta.

Utilização do corpo como instrumento de aprendizado e comunicação.

Uso das sensações corpóreas como recurso para aprender o ritmo (bater no corpo, bater com as mãos ou os pés), das expressões corporais para indicar intencionalidades.

Sobre compartilhar

Como utilizar e desenvolver métodos e técnicas necessárias para compartilhar saberes

- Ensinar e aprender os toques dos instrumentos, danças e coreografias, utilização de maquiagens, organização das estruturas das alas e dos instrumentos na bateira, afinação dos instrumentos, etc.

Estruturais e Organizacionais

Informações sobre organização de estruturas e processos.

- Conhecimento sobre a sequência das alas na escola de samba. - Saber sobre a organização da posição dos instrumentos na bateria.

Lúdicos Conhecimento sobre regras e variações das brincadeiras e jogos de rua.

- Ser capaz de descrever e executar diversos jogos e brincadeiras de rua, suas regras e suas principais variações e limites de alterações.

Manufaturais Conhecimento sobre fabrico em diversas áreas.

- saber como recuperar e dar manutenção nos instrumentos da bateria (surdo, repique, caixa). - Conhecer como fabricar os adereços e figurinos.

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Tabela 1 – Resumo dos saberes identificados nas crianças que participaram do carnaval das Crias do Curro Velho de 2016.

(conclusão) CATEGORIA SABER EXEMPLO

Mitos e lendas Ter informações sobre os mitos e lendas amazônicos.

- Uma das crianças declara ter visto um boto pessoa, fazendo referência à lenda do Boto onde um homem transforma-se em boto para seduzir moças.

Religiosos Ter informações sobe Práticas e costumes religiosos.

- Apresentação de expressão corporal, gestual e oral indicativa de conhecimento de religiões afro-brasileiras (Verequete). - Uso de expressão aclamativa acerca de um orixá, Oxalá, invocando uma benção. - Demostrar compreender o significado do Povo de Fé e utilizar como exemplo as procissões, que declara participar.

Sociais Noções sobre seu lugar no mundo e sua relação com ele.

- Localizar-se quanto ao espaço social e físico em que reside. Se Vila da Barca ou não. - Demostrar ter consciência acerca da violência existente nas ruas, das drogas e dos crimes. - Perceber a forma como se sente com relação à Belém e os preconceitos que algumas pessoas tem com relação ao Pará. - Significado que o Curro Tem para eles...

Papéis e estruturas sociais

- Conhecimento acerca das diversas formas de estruturas familiares. - Definições quem é o adulto e a criança, seus papéis e suas funções.

Sobre Gêneros - Aparece no ato de discutir sobre quem pode ou não ter acesso aos banheiros masculinos e femininos.

Relacionais - Domínio de esquemas e táticas de cooperações, boicotes, conluios, acordos e estratégias de disputa e conquista de objetivos.

Temporalidade Conhecer o calendário de eventos culturais gerais e específicos de sua comunidade.

- Ter conhecimento acerca do período do carnaval e principalmente dos diversos blocos de carnaval de sua comunidade, incluindo o carnaval das Crias do Curro Velho.

Domínio de ritmo - Apresenta-se no domínio do toque dos instrumentos, na harmonia do samba enredo e nas marcações das coreografias que acompanhando a melodia do samba em todas as alas.

Fonte: Observações e análises feitas nesta pesquisa pelo autor.

As crianças me trouxeram uma gama de saberes sobre o que são, de onde

são, como compreendem seu mundo e o do adulto, que sabem sobre sua

comunidade, seus medos, seus sonhos. A apresentação destes saberes se dá num

fervilhar intenso e dinâmico, que não é fácil observar, porém, na tentativa de

encontrar o logos deste caos busquei, fazendo uso da redução dos saberes

observados em suas essências, organizar estes em categorias maiores, tentando

organizar a fluência vivencial que me tomava o ser e, exigia minha vigilância no

cotidiano da pesquisa.

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Fiz a opção de organizá-los em categorias como: comunitários, corpóreos,

estruturais e organizacionais, lúdicos, manufaturais, mitos e lendas, religiosos,

sociais e os de temporalidade, não buscando seus nexos causais mas compreendê-

los “em suas relações com os sujeitos com os quais interage diretamente” (MELO,

2015, p.17), as crianças. E por último, a categoria que perpassa todas as outras

categorias que é a do compartilhar outros saberes.

Sobre esta última categoria, a do saber compartilhar, ela é a base de um

processo educativo que ocorre entre as crianças e que não possui uma episteme de

uma ciência moderna, mas uma episteme própria. Brandão ao discutir a educação

popular aponta que as dimensões de saber e educação desenvolvidos por estas

formas educativas de fato “são modalidades possíveis de organização de sistemas

de pensar, criar e transmitir o saber, e seu valor, de acordo com as possibilidades

reais de ação de seus produtores” (BRANDÃO, 2002, p.96), pensamento que a meu

ver encaixa perfeitamente na forma como as crianças compartilham seus saberes.

Esta modalidade de organização para transmitir algo implica possuir saberes sobre o

compartilhar e em dominarem um determinado processo educativo.

Na verdade posso destacar dois processos educativos nas oficinas Curro

Velho durante este carnaval, um primeiro pensado e planejado pela Instituição com o

objetivo de permitir a criança ser protagonista de seu aprendizado na arte e na vida

e, um processo de educar que as próprias crianças desenvolvem em sua vivência

conjunta, que faz parte de seu repertório de saberes. No processo educativo

Institucional, que não é o mesmo da escola formal, praticado pelo Curro Velho em

suas oficinas, que como o nome mesmo sugere não são cursos, mas oficinas, no

sentido de laboratórios, o aluno experimenta, pesquisa e participa do processo de

forma ativa, sendo o protagonismo do aluno perfil da Instituição. E no processo

educativo que ocorre entre as crianças, elas são o próprio protagonismo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciar esta pesquisa tive grande desafio, que foi procurar definir para onde

olhar, mais especificamente como delimitar este olhar pois muitas coisas me

chamavam, e ainda chamam, a atenção nas atividades que ocorrem nas Oficinas

Curro Velho. Poderia ter pesquisado a forma de ensino da Instituição, que preza pelo

protagonismo do aluno; o perfil dos instrutores, em sua grande maioria arte-

educadores; o trabalho de inclusão, através do qual, diversas categorias da

sociedade participam dos cursos oferecidos; a participação da terceira idade, os

adolescentes ou a iniciação artística, que tem como seu foco principal as crianças e

os adolescentes.

Nesta linha de pensar minha intencionalidade voltou-se para a criança, que

pessoalmente é uma linha de pesquisa que me agrada, a infância é o início de tudo,

onde se desenvolve a base dos potenciais do ser; onde este ser que vem ao mundo

é recebido e apresentado a este, passando a interagir e também protagonizar a

construção do mundo na medida em que o descobre.

Nas ações educativas das Oficinas Curro Velho vejo o respeito a este

protagonismo da criança presente, sendo este um dos grandes diferenciais dos

processos educativos que lá ocorrem, e a arte é utilizada como palco para estes

processos acontecerem e, desta forma, um modo de intervenção no social.

Trouxe o olhar desta criança através de seus saberes, que compartilham e

aprimoram durante o carnaval das Crias do Curro Velho. Esta pesquisa pode vir a

subsidiar outras ações pedagógicas, artísticas e culturais, principalmente por trazer

um olhar fora dos muros da escola regular e que busca mostrar o olhar das crianças.

A vida é interlocução e nada do que construímos é apenas nosso, até

podemos ter esta sensação pois a vida cotidiana, sua experiência, pode nos induzir

a este pensar, mas nós mesmos somos constituídos numa intersubjetividade e a

construção desta pesquisa não foi diferente para mim. Ela não é fruto apenas meu,

para aqui chegar necessitei de muitas interlocuções, com meus amigos do mestrado,

com os professores, com minha orientadora, com diversos autores e com as

crianças.

Esta é a grande dificuldade do trabalho de pesquisa e também o ponto que o

torna instigante e prazeroso de fazer, não tinha como saber onde ia dar a estrada

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que resolvi percorrer pois ela ia se construindo a cada instante. Tenho ciência de que

não cheguei ao seu final, mas há um momento em que temos que parar e prosear

sobre o que vivemos com nossos companheiros de jornada. Sei que estou longe de

esgotar o assunto, mesmo porque todo conhecer sobre um objeto traz um horizonte

de indeterminação e “tal horizonte brumoso, definitivamente incapaz de total

determinação, está necessariamente aí... O mundo” (LYOTARD, 1986, p.24).

Assim foi se constituindo minha jornada nesta pesquisa, aos poucos, fui

delineando melhor o objeto, o método, as técnicas e isso ia sendo construído à

medida em que ia ao encontro de minha curiosidade epistêmica sobre os saberes

das crianças. Neste caminho, esta vivência é muitas vezes angustiante e parece ter

mais perguntas que respostas, mas também é instigante e porque não dizer festiva

como o carnaval, pois cada descoberta que fiz me deu um prazer que não há muito

como explicar, apenas o vivi assim como vivi minhas angústias e ansiedades do

processo de construção desta pesquisa.

Minha busca foi ver pelo olhar da criança, descrever como ela vê, porém, em

verdade, o que o que trago é um resultado do olhar intersubjetivo meu e das

crianças para com estes saberes, esta nossa vivência conjunta, este mergulho numa

cotidianidade comum, me desvelou aos poucos seus olhares e saberes, pois, “no ato

do conhecimento, sujeito e objeto, embora distintos, não permanecem separados,

pois se ligam numa relação de complementariedade” (MELO, 2015, p.18). Quanto

aos limites concretos disto, desta possibilidade de se falar, colocando-se no lugar do

outro, sobre seus saberes e vivências, caberia outra pesquisa.

Nesta busca do olhar da criança me abstive de ouvir qualquer adulto, seja

servidor, instrutor ou familiar, não conversei com eles, não entrevistei e não discuti

nada no sentido da pesquisa, isto fez parte de minha vigilância epistemológica no

sentido de me obrigar a ter como meu único interlocutor, no local de pesquisa, as

crianças. Digo no local de pesquisa porque no mestrado a interlocução com outras

pessoas ocorreu, esta pesquisa foi muito discutida, inclusive em mais de uma

disciplina, onde o método empregado provocava este procedimento e, neste

aspecto, muitos de meus colegas me auxiliaram, alguns talvez até sem saber, no

moldar e evoluir de minha pesquisa, só que eles não interferiam no objeto, pois não

o vivenciavam, não faziam parte do local da pesquisa, suas influencias eram na

estrutura filosófica-teórica-metodológica.

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Percebi neste caminhar um verdadeiro rizoma de saberes nas crianças,

saberes tão entrelaçados e inter-relacionados que é difícil vê-los em separado.

Saberes que possuem para as crianças suas fórmulas de explicar e lidar com seu

mundo, com métodos e técnicas próprias de testá-los e aplicá-los. Destaco a

importância de se ter atenção a este ambiente de saberes, de atentar ao fato de que

não só existem como são eficazes na cotidianidade das crianças, possuem suas

verdades, mesmo não estando dentro de uma estrutura definida por nenhum método

científico.

Neste aspecto é realmente diferente e inovador o desafio que a linha de

saberes culturais do mestrado no PPGED/UEPA traz para a comunidade acadêmica,

pois chama a tenção para modelos de apropriação do mundo e estruturação de

saberes diferentes, populares, comunitários, ribeirinhos e outros, de forma que aos

poucos vai surgindo a ecologia de saberes proposta por Santos (2010). E nesta linha

de pensar os saberes das Crias do Curro Velho trazem uma possibilidade epistêmica

própria, e é neste sentido que defendo a importância deste tipo de pesquisa: Ao longo dos séculos, as constelações de saberes foram desenvolvendo formas de articulação entre si, e hoje, mais do que nunca, importa construir um modo verdadeiramente dialógico de engajamento permanente, articulando as formas do saber moderno/científico/ocidental às formas nativas/locais/tradicionais/ [infantis] de conhecimento. O desafio é, pois, de luta contra a monocultura do saber, não apenas na teoria, mas como uma prática constante de processo de estudo, de pesquisa-acção (SANTOS, 2008, p.154).

Estas crianças possuem uma epistemologia própria, saberes próprios

construídos em suas práticas sociais, incluso nessa prática está a vivência da escola

regular, pois, estas crianças, também são crias da urbanidade de uma metrópole,

Belém do Pará, mas justo por esta peculiaridade também são do crias do rio e da

floresta, este amálgama associado as especificidades do olhar infante dá uma

característica própria a estes saberes.

Um outro fato que também gostaria de ressaltar é que vejo o Curro Velho

como um espaço educativo único em seu perfil, lamento que não possua núcleos em

outros municípios do Estado, as ações que são feitas pelo interior do Estado são

modulares e pontuais e acontecem em parceria com municípios ou comunidades

como as quilombolas e indígenas. Mesmo sendo distribuídas ao longo do ano por

todo o Estado, não há um núcleo físico, uma presença constante de um espaço

concreto de arte e cultura como as Oficinas Curro Velho nos outros municípios, de

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modo que um evento como o Carnaval das Crias do Curro é realizado apenas em

Belém.

Seria de grande importância que se pudesse ter núcleos como este pelo

menos nos maiores municípios, que levassem esta forma de educar para o restante

do Estado. Este modelo educacional implica na criança não só em seu

desenvolvimento nas diversas artes, mas, ao fomentar o protagonismo da mesma

durante os processos de ensino-aprendizagem, propicia também o desenvolvimento

da criticidade e autonomia das crianças. Podemos ver isso nos trabalhos

anteriormente citados (no estado da arte) de Olinda Charone e David Matos, ambos

no teatro. Nestas duas ações há o perfil de a criança participar de forma ativa na

construção das mesmas, em ambas elas participaram inclusive na construção do

texto do espetáculo, na escolha das roupas e com sugestões em diversos momentos

de construção do trabalho.

Tenho expectativa de que muitos outros saberes poderão vir a ser observados

nesta festividade carnavalesca, pois a maneira e quantidade que estes se

apresentam numa pesquisa depende das crianças que participam, de suas

vivências, de onde elas vem, do tema do samba enredo e do que ele desperta, dos

temas trazidos nas alas, nas fantasias utilizadas, enfim, de uma série de eventos

que formam um momento único de vivências para aquelas crianças. Devido a estes

fatos, não dá para banhar-se duas vezes no mesmo rio de Heráclito68, e neste

sentido cada vivência com as crianças pode convidar o olhar do pesquisador para

novos saberes, bem como, aperfeiçoar ou até modificar a percepção e análises de

alguns deles que aqui apresentei, pois é assim que construímos nosso mundo e

nosso saber, como diz Freire (2014, p.15) “o saber se faz através de uma superação

constante”.

A redução fenomenológica é infinda, cada nova interlocução nos leva a um

novo olhar, cada caminhada na estrada da pesquisa nos abre novos horizontes e

possibilidades, cada novo autor nos traz algumas respostas e outras tantas

perguntas, e por esta razão torna-se imprescindível em dado momento escrever,

pois o pensar não se esgota, mas a pesquisa possui prazo determinado. Esta foi

68 Refiro-me aqui ao pensamento atribuído a Heráclito e Efeso, onde "Tu não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque

novas águas correm sempre sobre ti". (Editora Nova Cultural Ltda. Os Pré-Socráticos -Fragmentos, doxografia e comentá-rios. São Paulo, 1996. p.32. Coleção Os Pensadores. E-book). Disponível em: <http:://groups.googlle.com/group/Viciados_em_Livros>. Acesso em: 10/09/14

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minha angústia e meu prazer nesta pesquisa, o descortinar do saber de forma

inusitada e o constatar a existência de um nevoeiro que encobre o próximo passo. O maior ensinamento da redução é a impossibilidade de uma redução completa. Eis por que Husserl sempre volta a se interrogar sobre a possibilidade da redução. Se fôssemos o espírito absoluto, a redução não seria problemática. Mas porque, ao contrário, nós estamos no mundo, já que mesmo nossas reflexões têm lugar no fluxo temporal que elas procuram captar (porque elas sich einstromen, como diz Husserl), não existe pensamento que abarque todo o nosso pensamento (MERLEAU-PONTY, 1999, p.10).

Encerro, portanto, aqui estas considerações na ciência de que este caminho

não está findo, é apenas uma pausa para prosear com meus pares, pausa

necessária pelo pragmatismo do tempo acadêmico, que exige prazo não só meu

mas também do mestrado acadêmico que me incluo. O descobrir de si e do mundo,

e do ser-no-mundo, é algo sempre inacabado, logo não diferente é qualquer

pesquisa, conclui-se sem terminar as questões por completo, para Freire (2011)

somos na verdade seres inacabados e conscientes do inacabamento, inconclusos

pois, “onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o

inacabamento se tornou consciente” (FREIRE, 2011, p.50).

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ANEXOS

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TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DA PESQUISA

Eu, Mª de Fátima Carvalho de Melo Dantas, Presidente da Fundação Cultural

do Estado do Pará, em exercício, RG N° 1825868, CPF N° 058.040.002-68,

AUTORIZO o Sr. Francisco Aires Neto, RG nO-3068564-SEGUP/PA, CPF N°-

256.014.822-68, servidor sob matrícula nº-57234032, a realizar observação, registro

fotográfico e/ou gravações em áudio, realizar entrevista e/ou aplicar questionários,

com os participantes da ação do Carnaval das Crias do Curro de 2016, para a

realização do Projeto de Pesquisa: "CARNAVAL DAS CRIAS DO CURRO VELHO:

Espaço Educativo de Produção de Saberes", que tem por objetivo primário '':

identificar quais os saberes trazidos e compartilhados pelas crianças durante o

evento do carnaval das crias do curro". O pesquisador acima qualificado se

compromete a:

1. Obedecer às disposições éticas de proteger os participantes da pesquisa,

garantindo-lhes o máximo de benefícios e o mínimo de riscos.

2. Assegurar a privacidade das pessoas citadas nos documentos institucionais e/ou

contatadas diretamente, de modo a proteger suas imagens, bem como garante

que não utilizará as informações coletadas em prejuízo dessas pessoas e/ou da

instituição, respeitando deste modo as Diretrizes Éticas da Pesquisa Envolvendo

Seres Humanos, nos termos estabelecidos na Resolução CNS N° 466/2012, e

obedecendo as disposições legais estabelecidas na Constituição Federal

Brasileira, artigo 5°, incisos X e XIV e no Novo Código Civil, artigo 20.

Belém, 02 de fevereiro de 2016.

Presidente da Fundação Cultural do Estado do Pará, em exercício

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Seu Filho (a) está sendo convidado(a) como voluntário(a) a participar do estudo CARNAVAL DAS “CRIAS DO CURRO VELHO”: Espaço Educativo de Produção de Saberes e que tem como objetivo identificar quais os saberes trazidos e compartilhados pelas crianças durante o evento do carnaval das Crias do Curro. Acreditamos que ela seja importante porque traremos o olhar desta criança através de seus saberes que elas mesmas trazem, compartilham e reeditam durante este evento cultural do carnaval das Crias. Esta pesquisa pode vir a ajudar outras ações pedagógicas, artísticas e culturais, que ouvindo estas crianças, possam ser mais efetivas e facilitarem estas crianças em sua autonomia enquanto cidadão. PARTICIPAÇÃO NO ESTUDO A participação no estudo será de participação em uma entrevista feita em grupo com as crianças, onde estas falarão sobre suas vivências com o carnaval do Curro, sobre o que gostam ou não gostam, sobre o que aprendem e o que já trazem de seus conhecimentos para o Curro. BENEFÍCIOS E RISCOS O estudo pode trazer como benefício para as crianças, apoio no desenvolvimento de outras ações pedagógicas, artísticas e culturais, que ouvindo estas crianças, possam ser mais efetivas e facilitarem a estas crianças sua autonomia enquanto criança, aluno e futuro cidadão. O estudo não envolve risco para a criança participante de nenhuma natureza, seja física ou psicológica.

SIGILO E PRIVACIDADE

A privacidade de seu representado será respeitada, ou seja, seu nome ou qualquer outro dado ou elemento que possa, de qualquer forma, identificá-lo, será mantido em sigilo. O pesquisador se responsabiliza pela guarda e confidencialidade dos dados, bem como a não exposição dos dados de pesquisa. AUTONOMIA É garantido o livre acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas consequências, enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da participação de seu filho. Também o responsável pode recusar a participação de seu dependente no estudo, ou retirar o consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar e de que, por desejar sair da pesquisa, este não sofrerá qualquer prejuízo à assistência que vem sendo recebida.

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CONTATO O pesquisador envolvido com o referido estudo é o Sr. Francisco Aires Neto, mestrando em educação pela Universidade do Estado do Pará – UEPA e psicólogo da Fundação Cultural do Pará e com ele poderei manter contato pelos telefones: (91) XXXXX-XXXX e (91) XXXX-XXXX (Curro Velho). USO DE IMAGEM Autorizo o uso de minha imagem ou gravação em áudio exclusivamente para fins do estudo, sendo seu uso restrito ao trabalho que venha a ser produzido pelo estudo, não podendo ser utilizada de outra forma. DECLARAÇÂO Declaro que li e entendi todas as informações presentes neste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e tive a oportunidade de discutir as informações deste termo. Todas as minhas perguntas foram respondidas e eu estou satisfeito com as respostas. Entendo que receberei uma via assinada e datada deste documento e que outra via assinada e datada será arquivada nos pelo pesquisador responsável do estudo. Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui mencionado e compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre consentimento a participação de meu dependente, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor econômico, a receber ou a pagar, por minha participação. Dados do participante da pesquisa (criança) Nome: ________________________________ Idade: _________ Assinatura: ______________________________ Dados do responsável pelo participante da pesquisa Nome: ________________________________ Telefone:_____________ Assinatura: ______________________________ Belém, _____ de janeiro de 2016. Francisco Aires Neto Mestrando em Educação PPGED/UEPA (Pesquisador no Estudo)

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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação Travessa Djalma Dutra, s/n – Telégrafo

66113-200 Belém-PA www.uepa.br/mestradoeducaca