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Foucault e a crise do sistema prisional brasileiro

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Foucault e a crise do sistema prisional brasileiro

• Prisão hoje é um lugar extremamente caropara tornar a grande maioria dos internospiores.

• Em 1996 a população carcerária brasileira erade 148.000 presos. Em 2006, a populaçãocarcerária já era de mais de 400.000 presos.

• A população carcerária brasileira dobra emmédia a cada 8 anos, enquanto a populaçãodo país dobra a cada 50 anos.

• Se continuarmos nessa média, em 2081, apopulação brasileira será de 570.000.00;enquanto a população carcerária será de510.000.00. Isso significa que cerca de 90%dos brasileiros estarão na cadeia.

• Essa situação melhora: em 2083 todos osbrasileiros vão estar morando empenitenciárias.

• Hoje, em 2016, o Brasil tem 4ª maiorpopulação carcerária do mundo, diz estudo doMJ (fonte UOL).

• Em números absolutos, o Brasil alcançou amarca de 607.700 presos, atrás apenas daRússia (673.800), China (1,6 milhão) e EstadosUnidos (2,2 milhões). Quando se compara onúmero de presos com o total da população, oBrasil também está em quarto lugar, atrás daTailândia (3º), Rússia (2º) e Estados Unidos(1º). Segundo o ministério, se a taxa deprisões continuar no mesmo ritmo, um emcada 10 brasileiros estará atrás das grades em2075.

• Em números absolutos, os Estados com amaior população carcerária são: São Paulo(219.053), Minas Gerais (61.286) e Rio deJaneiro (31.510). Os Estados com a menorpopulação carcerária são Piauí (3.224), Amapá(2.654) e Roraima (1.610).

• Quando os dados são comparados com apopulação dos respectivos Estados (taxa deencarceramento), o ranking é liderado porMato Grosso do Sul (568,9/100 mil), SãoPaulo (497,4/100 mil) e Distrito Federal(496,8/100 mil). Os Estados com a menor taxade encarceramento são Bahia (101,8/100 mil),Piauí (100,9/100 mil) e Maranhão (89/100mil).

• Portanto, entre 2006 e 2016, a populaçãocarcerária brasileira aumentou 80% emnúmeros absolutos, saindo de 336.400 presospara 607.700.

Quem são os nossos presos?

• Raça e escolaridade: 67,1% dos presos sãonegros e 31,3% são brancos.

• Em relação à escolarização, os dados indicamque oito em cada 10 presos estudaram, nomáximo, até o ensino fundamental.

Tipo penal

• Entre as causas de prisão, o tráfico de drogasera a mais comum. Segundo a pesquisa doMinistério da Justiça, 27% das pessoas presasno Brasil respondem por tráfico desubstâncias entorpecentes. Em segundo lugarno ranking do crime está o crime de roubo.

• O estudo mostra, porém, que a incidência dotráfico de drogas é diferente entre homens emulheres. Entre os homens, 25% dos homensforam presos por tráfico, enquanto entre asmulheres, esse percentual sobe para 63%.

E as mulheres?

• A população carcerária feminina subiu de5.601 para 37.380 detentas entre 2000 e2015, um crescimento de 567% em 15 anos.

• No total, as mulheres representam 6,4% dapopulação carcerária do Brasil

• Na comparação com outros países, o Brasilapresenta a quinta maior população carceráriafeminina do mundo, atrás apenas dos EstadosUnidos (205.400 detentas), China (103.766)Rússia (53.304) e Tailândia (44.751).

• Na avaliação do coordenador do DMF/CNJ, LuísGeraldo Lanfredi, esses dados são importantes namedida em que começam a tirar a mulher dainvisibilidade. “Quando abordamos o sistemaprisional, é necessário reconhecer que a mulherpertence a um dos grupos mais vulneráveis, emum segmento já vulnerável, que é a populaçãocarcerária. Esquecemos, muitas vezes, que sobrea mulher recai uma reprovação moral que vaimuito além do crime que ela praticou, tornando asanção muito mais pesada para ela do que paraos homens”

• Perfil: O estudo também revelou que amaioria das mulheres presas no país (68%) énegra, enquanto 31% são brancas e 1%,amarela.

OBS.: No Acre, 100% das detentas eram negrasem junho de 2015.

• Quanto à faixa etária, cerca de 50% dasmulheres encarceradas têm entre 18 e 29anos; 18%, entre 30 e 34 anos; 21%, entre 35e 45 anos; 10% estão na faixa etária entre 46 e60; e 1%, tem idade entre 61 e 70 anos.

• Quando o assunto é escolaridade, apenas 11%delas concluíram o Ensino Médio e o númerode concluintes do Ensino Superior ficou abaixode 1%. Metade das detentas possui o EnsinoFundamental incompleto, 50%, e 4% sãoanalfabetas.

Mas, afinal, quanto isso custa aos cofres públicos?

• Enquanto o país investe mais de R$ 40 mil porano em cada preso em um presídio federal,gasta uma média de R$ 15 mil anualmentecom cada aluno do ensino superior.

• Ou seja, o Brasil gasta com presos quase otriplo do custo por aluno

• Na comparação entre detentos de presídiosestaduais, onde está a maior parte dapopulação carcerária, e alunos do ensinomédio (nível de ensino a cargo dos governosestaduais), a distância é ainda maior: sãogastos, em média, R$ 21 mil por ano com cadapreso — nove vezes mais do que o gasto poraluno no ensino médio por ano, R$ 2,3 mil.

E como vão os nossos presídios?

• Superlotação: O Sistema prisional tem quase240 mil pessoas além da capacidade, quehoje, gira em torno de 300 mil.

• Todo esse dinheiro é gasto, mas não diminuiua criminalidade porque o estado prende muitagente que não é violenta e não deveria estarlá. Os presídios geram muito mais crimes edeveriam existir apenas para os criminososviolentos. O dinheiro deveria ser investido nosistema educacional

• Todos os custos poderiam ser relativizados se nãohouvesse tanta reincidência. Pesquisas eexperiências empíricas mostram que algo emtorno de 80% dos egressos voltam para a prisão.O problema não é gastar muito. Se o sistemacumprisse a função de ressocialização, essesvalores seriam viáveis. No entanto, nessecenário, qualquer valor investido, grande oupequeno, é desperdício. É como ter escola paraas pessoas não serem alfabetizadas e hospitaispara continuarem doentes.

Façamos uma análise mais profunda

• O sistema prisional brasileiro pode serresumido em uma palavra: “caos”.

• As cadeias são degradantes e, além da falta deassistência jurídica, há um sistema quecolabora com a superlotação dos presídios.

• É um encarceramento em massa, os presoscompletamente abandonados

• A insustentabilidade da política deencarceramento em massa é agravada pordois fatores: o déficit de vagas, que já supera230 mil, e a taxa de presos provisórios, quehoje somam 41,8% de toda a populaçãocarcerária brasileira.

Uma vez presos, essas pessoas não têm acesso à justiça

• O Brasil conta hoje com 11,8 mil juízes, 9,9 milpromotores e apenas 5 mil defensores.

• Somente no Fórum da Barra Funda, em SãoPaulo, cada defensor é responsável por 2,5 milprocessos criminais

• Portanto, temos que a primeira pendência aser resolvida no Supremo Tribunal Federal(STF) são os presos provisórios.

Prende primeiro, pergunta depois

• Francisco* estava no sofá assistindo televisãoe aproveitando seu primeiro dia de fériasquando a polícia quebrou o portão e invadiusua casa gritando, com armas em punho.Apesar de não saber do que se tratava, ocoletor de lixo não reagiu nem para dizer queera trabalhador de carteira assinada.

• Foi levado algemado para a delegacia do DHPP(Departamento de Homicídios e Proteção àPessoa), na capital. Só então ficou sabendoque a vítima de um sequestro, um homemque pagara R$ 400 mil de resgate, haviasupostamente reconhecido sua tatuagem emum álbum de pessoas com passagem pelosistema carcerário, apresentado pela polícia.

• Mesmo com provas e testemunhas de queestava trabalhando nos dias em que a vítimaafirmou ter ficado 24 horas sob olhares doalgoz, em outra cidade, Francisco ficou presopor dois meses no Centro de DetençãoProvisória de Pinheiros, em São Paulo, emuma cela "pequenininha assim", com mais de50 pessoas, "às vezes mais, às vezes menos",esperando que o delegado chamasse a vítimapara um novo reconhecimento.

• "O delegado dizia que não estava encontrando ohomem" conta a mulher de Francisco, queacabou ela mesma descobrindo o endereço epassando ao delegado. "Só aí que ele ficou semgraça e chamou pra reconhecer" lembra amulher. Durante os dois meses em que esteve noCDP, Francisco não viu as filhas, porque nãoqueria que as meninas passassem pelahumilhação da revista vexatória. O que mais omarcou foram as revistas com cães dentro dascelas, quando eram obrigados a se despir e seencolher "com os cães fungando no cangote".

• Quando saiu, perdeu o emprego. "Me disseramque foi porque a empresa foi vendida e tiveramque demitir algumas pessoas", explica. Diz que afilha pequena chora quando vê passar um carrode polícia na rua –tem medo que levem o paimais uma vez. Sua mulher tem trabalhadodobrado pra sustentar a casa enquanto eleprocura outro serviço. Mas, com seu nome aindanão liberado do processo, "tá bem difícil". (fonte:notícias uol).

• É somente com uma criação de uma audiênciade custódia (que garante o contato da pessoapresa com um juiz em 24 horas após suaprisão em flagrante) e a aplicação de penasalternativas em crimes envolvendo usuáriosde drogas e pequenos furtos, além doaumento do número de juízes, advogados evaras criminais no país, que o problema dospresos provisórios no Brasil pode serresolvido.

Como devem ser tratados os criminosos?

• Bom, certamente não como estamos tratando...

Viatura da PM arrasta mulher por 250 metros em rua da Zona Norte do Rio

Justiça com as próprias mãos?

“Mulher espancada após boatos em rede socialmorre em Guarujá, SP”: Ela foi agredida apósser acusada de praticar magia negra comcrianças. Moradores registraram vídeosmostrando a agressão e postaram na web.

(fonte: G1)

Michel Foucault e a análise da sociedade punitiva.

“Desde o começo a prisão devia ser um instrumentotão aperfeiçoado quanto a escola, a caserna ou ohospital, e agir com precisão sobre os indivíduos. Ofracasso foi imediato e registrado quase ao mesmotempo que o próprio projeto. Desde 1820 seconstata que a prisão, longe de transformar oscriminosos em gente honesta, serve apenas parafabricar novos criminosos ou para afundá- los aindamais na criminalidade. Foi então que houve, comosempre nos mecanismos de poder, uma utilizaçãoestratégica daquilo que era um inconveniente. Aprisão fabrica delinquentes, mas os delinquentessão úteis tanto no domínio econômico como nopolítico (FOUCAULT, 1986: 131- 2).

• Foucault analisa e discute uma profundametamorfose quanto à forma de punição econdenação dos presos e criminosos naEuropa.

• Anteriormente, o espetáculo de execuçãopublica de condenados a morte era utilizadocomo instrumentos disciplinar.

• O poder era, portanto, exercido erepresentado através dos suplícios, da força eda violência. “A arte equitativa do sofrimento”

• Depois do século XVIII e XIX, um nasceu umnovo modelo disciplinar de punição docriminoso consistia em não tocar ouaproximar-se do corpo do individuo.

• Surgem as prisões como forma demanutenção da lei e ordem, de novoparadigma para legitimação do poder estatal,de validação do contrato social ante umamudança nas relações sociais, causadaprincipalmente pela economia de mercado ecirculação de bens de consumo, alvosconstantes de pilhagens e de roubos.

• Foi realçada a existência de princípiosmínimos a serem observados na aplicação dapena, que não mais atinge o corpo docondenado (antes coisa do rei, e agora “bemsocial, objeto de uma apropriação coletiva eútil”), mas sim sua alma.

• Em seu estudo, Michel Foucault identifica adisciplina mantida nas prisões como algo amoldar os corpos dos indivíduos, enquantoprocesso de docilização para sujeição davontade e controle da produção de energiaindividual voltado ao capitalismo.

• Dá-nos uma clara visão dos processos deadestramentos desenvolvidos no cárcere,semelhantes em seminários, quartéis,escolas, locais em que a supressão do tempoé um forte aliado neste processo de sujeição.

• Foucault realizou importante trabalho sobre opoder nas prisões em seu livro “Vigiar ePunir”, publicado em 1975, comparandoalguns comportamentos em outras situaçõesas sociedade e afirmando que a disciplinasocial é tão rígida quanto numa prisão.

“A norma, está inscrita entre as “artes de julgar”,ela é um princípio de comparação. Sabemos quetem relação com o poder, mas sua relação nãose dá pelo uso da força, e sim por meio de umaespécie de lógica que se poderia quase dizer queé invisível, insidiosa”.

• Ele afirma que as relações estabelecidas entreos indivíduos e as instituições mantinham-sepor meio de controles, havendo formas dedomínios sobre os indivíduos e grupos portoda a sociedade de maneira disciplinar.

• Ao circularmos em um Shopping, porexemplo, por mais relaxados que estejamos,nos mantemos com uma postura desejávelsocialmente, seja de acordo com as exigênciasdo grupo ou do próprio shopping.

“O poder, acho eu, deve ser analisado comouma coisa que circula, ou melhor, como umacoisa que só funciona em cadeia. Jamais ele estalocalizado aqui ou ali. [...] O poder funciona. Opoder se exerce em rede e, nessa rede, não sóos indivíduos circulam, mas estão sempre emposição de ser submetidos a esse poder etambém de exercê- lo”. (FOUCAULT, 2005: 35).

• Caso o nosso comportamento se desvie doesperado, recebemos olhares de reprovaçãoou seremos surpreendidos pelos segurançasdo shopping.

• Foucault também se fere aos padrões depensamento que aprendemos socialmente, osquais nos predem em determinadasinterpretações da realidade e formamrepresentações sociais de nossas vivências erelações.

• Ou seja, nossas crenças e princípios seconstroem com base na socialização quetivemos, definindo em nossa mente formas denos relacionarmos e pensarmos. Essa é umamaneira de aprisionamento do pensamentodos indivíduos.

• Por mais que tentemos nos desvencilhardessas amarras, dificilmente conseguimos,pois a vivência em sociedade estabelece ocumprimento de padrões por todos.