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COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 4/2013 – UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA – LIVRANÇA EM BRANCO – DENÚNCIA DE AVAL Ricardo Costa, Consultor, Abreu Advogados Comentário: Um banco celebra contratos de financiamento para apoio à tesouraria de uma sociedade por quotas. Para garantia do cumprimento dos créditos eventualmente não pagos pela sociedade, foram subscritas duas livranças em branco pela sociedade, que o banco ficou autorizado a preencher com uma data de vencimento posterior ao vencimento da obrigação garantida e no montante que se mostrasse futuramente em dívida. Um dos sócios, que tinha subscrito aval nessas livranças, tendo em conta que tinha cedido a sua quota e deixado de ser sócio, veio de- clarar junto do banco a sua “liberação” enquanto avalista dos “contratos de abertura de crédito em conta-corrente” e solicitar que fosse retirado o seu aval das livranças. Reconhecendo-se a oposição de acórdãos (entre o acórdão relativo a este processo, datado de 10.05.2011 1 , e o acórdão tirado em 02.12.2008 2 ), colocou-se ao STJ a seguinte questão: “É admissível a denún- cia de um aval prestado pelo sócio de uma sociedade (avalizada), pelo facto de haver cedido as quotas de que era detentor na sociedade avalizada?” O STJ afadiga-se, numa primeira etapa, em configurar a “natureza, função e finalidade do aval”. Dá conta, nomeadamente, de se ter consolidado a “natureza autónoma e independente do aval relativamente à obrigação avalizada, ainda que formalmente dependente”; apoia a concepção do aval como “acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, abstracto e com as mesmas características de uma obrigação cambiária”, “conferido por escrito na letra [ou livrança], ou em folha anexa a ela, vinculado a uma obrigação cartular formalmente válida, que converte quem a outorga em responsável cambiário no pagamento do documento”; enfatiza o “carácter incondi- cional e intemporal do aval”. Daí retira a impossibilidade de desvinculação unilateral dos sócios avalistas em letra ou livrança, cujo preenchimento ulterior tinha sido acordado com o credor (na relação jurídica substancial) e tomador da livrança, a não ser que o avalista tivesse limitado quantitativamente a importância a pagar 3 . (continuação na página seguinte) 1 Processo n.º 5903/09.34TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. 2 Processo n.º 08A3600, disponível em www.dgsi.pt. 3 V. art. 30º, § 1.º («O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.»), aplicável às livranças por força do art. 77º, § 3.º, da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças. Fórum Jurídico www.abreuadvogados.com 1/2 Março | 2013 | Direito Comercial INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB A Livraria Almedina e o Instituto do Conhecimento da Abreu Advogados celebraram em 2012 um protocolo de colaboração para as áreas editorial e de formação. Esta cooperação visa a divulgação periódica de artigos breves e anotações nas plataformas electrónicas e digitais da Livraria Almedina. Para aceder, clique aqui.

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Page 1: Fórum Jurídico - Abreu Advogados · A Livraria Almedina e o Instituto do Conhecimento da Abreu Advogados celebraram em 2012 um protocolo de colaboração para as áreas editorial

COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 4/2013 –

UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA – LIVRANÇA EM BRANCO – DENÚNCIA DE

AVAL

Ricardo Costa, Consultor, Abreu Advogados

Comentário:

Um banco celebra contratos de financiamento para apoio à tesouraria de uma sociedade por quotas. Para garantia do cumprimento dos créditos eventualmente não pagos pela sociedade, foram subscritas duas livranças em branco pela sociedade, que o banco ficou autorizado a preencher com uma data de vencimento posterior ao vencimento da obrigação garantida e no montante que se mostrasse futuramente em dívida. Um dos sócios, que tinha subscrito aval nessas livranças, tendo em conta que tinha cedido a sua quota e deixado de ser sócio, veio de-clarar junto do banco a sua “liberação” enquanto avalista dos “contratos de abertura de crédito em conta-corrente” e solicitar que fosse retirado o seu aval das livranças. Reconhecendo-se a oposição de acórdãos (entre o acórdão relativo a este processo, datado de 10.05.20111, e o acórdão tirado em 02.12.20082), colocou-se ao STJ a seguinte questão: “É admissível a denún-cia de um aval prestado pelo sócio de uma sociedade (avalizada), pelo facto de haver cedido as quotas de que era detentor na sociedade avalizada?”

O STJ afadiga-se, numa primeira etapa, em configurar a “natureza, função e finalidade do aval”. Dá conta, nomeadamente, de se ter consolidado a “natureza autónoma e independente do aval relativamente à obrigação avalizada, ainda que formalmente dependente”; apoia a concepção do aval como “acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, abstracto e com as mesmas características de uma obrigação cambiária”, “conferido por escrito na letra [ou livrança], ou em folha anexa a ela, vinculado a uma obrigação cartular formalmente válida, que converte quem a outorga em responsável cambiário no pagamento do documento”; enfatiza o “carácter incondi-cional e intemporal do aval”. Daí retira a impossibilidade de desvinculação unilateral dos sócios avalistas em letra ou livrança, cujo preenchimento ulterior tinha sido acordado com o credor (na relação jurídica substancial) e tomador da livrança, a não ser que o avalista tivesse limitado quantitativamente a importância a pagar3.

(continuação na página seguinte)

1 Processo n.º 5903/09.34TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.2 Processo n.º 08A3600, disponível em www.dgsi.pt.3 V. art. 30º, § 1.º («O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.»), aplicável às livranças por força do art. 77º, § 3.º, da Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças.

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Março | 2013 | Direito ComercialINSTITUTO DO CONHECIMENTO AB

A Livraria Almedina e o Instituto do Conhecimento da Abreu Advogados celebraram em 2012 um protocolo de colaboração para as áreas editorial e de formação. Esta cooperação visa a divulgação periódica de artigos breves e anotações nas plataformas electrónicas e digitais da Livraria Almedina. Para aceder, clique aqui.

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COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 4/2013 – UNIFORMIZAÇÃO

DE JURISPRUDÊNCIA – LIVRANÇA EM BRANCO – DENÚNCIA DE AVAL (COMERCIAL)

A jurisprudência agora fixada pelo STJ concentra, depois, todos os seus esforços na viabilidade ou não de se extinguir os efeitos jurídicos do aval como negócio constitutivo de garantia pelo pagamento devido pe-los restantes obrigados. Opta pelo entendimento de que o aval não é susceptível de ser denunciado (ou, em alternativa, resolúvel), quando “prestado de forma irrestrita e ilimitada”, mesmo na circunstância de o sujeito avalista ter deixado de ser sócio da sociedade avalizada. Se outra fosse a solução, de acordo com o STJ, “frustrar-se-ia a função de garante cambiário que o aval desempenha e representa”, ficando o “cre-dor do direito de crédito à mercê das vicissitudes e variações das posições sociais que em cada momento vigoram numa sociedade e dos interesses particulares que os sócios decidam em cada momento para o destino societário”.

Porém, há razões para fazer enveredar a resolução do caso decidido pelo STJ por um outro caminho.

O enfoque não se deve colocar sobre o aval em si mesmo e na sua emancipação absoluta no que respeita à relação jurídica material que esteve na origem da subscrição do título de crédito. O nó górdio está na admissibilidade em operar, para determinadas circunstâncias – em que a permanência como garante se torna excessiva e irrazoável em face dos riscos abrangidos por essa mesma relação substancial da socie-dade avalizada –, a desvinculação do “pacto” ou “acordo de preenchimento” celebrado entre a sociedade avalizada, o portador (credor-sacador) da livrança em branco e o avalista. Nessas circunstâncias deverá ser considerada lícita a faculdade de resolução desse acordo por parte do avalista com base na invocação de uma causa de inexigibilidade superveniente, desde que atendível e não exercida abusivamente: parece ser o caso de uma cessão das participações sociais para o sócio que deixa de o ser na sociedade garantida, uma vez confrontado com um contrato de financiamento com entregas de montante variável e indetermi-nado à partida. Uma vez resolvido licitamente esse “acordo de preenchimento”, o ex-sócio garante deixa de responder por dívidas ulteriores à desvinculação; o preenchimento do título incompleto só pode aspirar, no que toca ao avalista, à satisfação do “quantum” de dívidas vencidas até à data da eficácia dessa desvinculação. Assim, (i) se ainda não houver dívidas constituídas e não for eliminada (“riscada”) a assinatura do avalista pelo tomador do título, ou (ii) se o montante que se inscreve no título for superior ao débito garantido até à desvinculação, o preenchimento torna-se “abusivo” pelo facto de ter sido completada a letra “contrariamente aos acordos realizados”. Nestes casos, o avalista pode opor-se à exigência de pagamento do (i) montante inscrito no título ou do (ii) montante superior à dívida garantida, nos termos do art. 10.º da Lei Uniforme (excepção de preenchimento abusivo)4: oponibilidade irrestrita nas “relação imediatas”; oponibilidade condicionada perante “portador mediato” (depois de haver endosso), ou seja, se esse sujeito tiver adquirido o título de má-fé ou cometido, nessa aquisição, “falta grave”.

4 Também aplicável às livranças por força do art. 77º, § 2.º, da Lei Uniforme.

Este Fórum Jurídico contém informação e opiniões de carácter geral, não substituindo o recurso a aconselhamento jurídico para a resolução de casos concretos. Para mais informações, por favor contacte-nos através do email [email protected]

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