fórum inter-religioso do ghc

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE PSICOLOGIA PSICOLOGIA NO CONTEXTO SOCIAL – INSTITUCIONAL PROFESSOR: LEONARDO SILVA TURMA: 347 CLARICE OPPERMANN DANIEL PAIVA JULIA CONTESSA MONIQUE BREA THAÍS VIEIRA Trabalho sobre Fórum Inter-religioso do Grupo Hospitalar Conceição

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Este trabalho resultou da análise e observação das Instituições “Religiosidade” e “Ciência”, do contexto e do resultado do atravessamento destas duas instituições e de como algumas atividades, no âmbito da espiritualidade, podem influenciar nos sentimentos e na saúde do ser humano.

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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL

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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE PSICOLOGIAPSICOLOGIA NO CONTEXTO SOCIAL INSTITUCIONALPROFESSOR: LEONARDO SILVATURMA: 347

CLARICE OPPERMANNDANIEL PAIVAJULIA CONTESSAMONIQUE BREATHAS VIEIRA

Trabalho sobre Frum Inter-religioso do Grupo Hospitalar Conceio

Porto AlegreNovembro de 2012

SUMRIO

1 INTRODUO32 AS INSTITUIES RELIGIO E CINCIA 43 DIRETRIZES DO SUS E OS POSSVEIS ENGRAVIDAMENTOS74 O ESTABELECIMENTO GHC E O FRUM INTER-RELIGIOSO115 A IMPORTNCIA DA ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE NA QUALIDADE DE VIDA, RECONHECIDA PELA OMS216 CONSIDERAES FINAIS24REFERNCIAS25APNDICE A OBSERVAO 127APNDICE B OBSERVAO 228APNDICE C OBSERVAO 330APNDICE D HORRIOS DE ATENDIMENTOS RELIGIOSOS HCR33APNDICE E HORRIOS DE ATENDIMENTOS RELIGIOSOS HNSC34

1 INTRODUO

Este trabalho resultou da anlise e observao das Instituies Religiosidade e Cincia, do contexto e do resultado do atravessamento destas duas instituies e de como algumas atividades, no mbito da espiritualidade, podem influenciar nos sentimentos e na sade do ser humano. Para compreender o esprito das instituies Religiosidade e Cincia, faz-se necessrio a anlise da questo da subjetividade, caracterstica da poca, e dos paradigmas que a sustentam, como por exemplo, o capitalismo, os recursos do governo, modelos cartesianos, com uma viso dualista mente-corpo e a viso de que o sujeito uma mquina (reducionismo e mecanicismo); o paradigma biomdico, em que o foco o sintoma, no o sujeito (o que importa ausncia de doena); finalmente, o paradigma biopsicossocial, mais holstico e integrativo, em que o que importa a viso do sujeito, concebendo a doena como um processo de adoecimento.Atualmente, o modelo integrativo ganha espao no conceito de sade e vem se refletindo atravs da transformao das instituies, atravs de estabelecimentos como o Frum Inter-religioso do Grupo Hospitalar Conceio, foco de observao e estudo do presente trabalho.

2 AS INSTITUIES RELIGIO E CINCIA

Religio vem do latim, re-ligare, que significa religar-se com o Divino, uma necessidade humana primordial. Segundo Kuchenbecker (2004, p. 18), a pluralidade religiosa resultado das diferentes formas de entender e perceber o mundo e o prprio Homem. Por isto, a religio faz parte da vida do homem desde sempre.Ainda segundo o autor, o homem tem uma necessidade de acreditar no sobrenatural, espiritual e irracional, procurando descobrir as respostas das suas dvidas e ansiedades mais profundas. Entre todas as diversas religies que existem, todas procuram responder a questo de quem o Homem?. Esta questo mostra como a religio pode ter uma perspectiva investigadora. Inicialmente, as explicaes acerca do mundo eram religiosas e cientficas concomitantemente. Na Grcia Antiga, a religio estava vinculada com uma perspectiva de cosmos, era um campo de conhecimento com vida prpria e em pleno desenvolvimento (JULIATTO, 2012, p. 63), com discusses acerca da alma e do corpo, apontando uma diviso que se daria futuramente entre o que da ordem do transcendente e do cientfico, mas que tinha um carter multidisciplinar. A viso de mundo da Grcia clssica enfatizava o objetivo da atividade intelectual e espiritual como unificao essencial do homem ao cosmo e sua inteligncia divina, sendo que o universo no era dotado de inteligncia, mas somente o homem possua esta qualidade (TARNAS, 1999).Na Idade Mdia, no mundo ocidental, o homem vivia sobre a gide teocntrica da religio, que considerava Deus como centro do universo. E, com o cristianismo, as questes giravam em torno da relao entre Deus e as pessoas e que a imagem de Deus era refletida na alma humana (KUCHENBECKER, 2004, p. 20). Razo e f eram indissociveis, mas somente numa viso crist, numa proposta denominada de humanismo cristo (JULIATTO, 2012).Na Idade Moderna, a partir de Galileu, entra em cena a viso antropocntrica de que o homem o centro do universo, pois ele dotado da capacidade de pensar, conforme apontava Descartes. Com isto, a sociedade configura-se como criadora de tcnicas e instrumentos que mediavam e controlavam o mundo. Nasce a cincia conforme a entendemos hoje, com a marca da secularizao, foco nas coisas mundanas, e a crise da f (uma ciso entre a f e a razo). As estratgias e os princpios da cincia mostram ser de grande utilidade para a descoberta da verdade uma viso de mundo moderno e amadurecido (ao contrrio do mundo cristo medieval, diretamente governado por um Deus pessoal que exercia sua onipotncia). O universo moderno se apresenta como um fenmeno impessoal, regido por leis regulares naturais e compreensveis em termos exclusivamente fsicos e matemticos. Deus afastado do universo fsico, como criador e arquiteto, e no mais um Deus de milagre e redeno, mas uma suprema inteligncia e causa primeira, que estabelece o universo e suas leis imutveis (TARNAS, 1999).Com a Revoluo Cientfica, se passa a compreender que a natureza, a origem do homem e a dinmica das transformaes so atribudas a causas naturais e a processos empiricamente observveis. A teoria newtoniana estabelece uma nova estrutura e extenso da dimenso espacial do universo, enquanto a teoria darwiniana estabelece uma nova estrutura e extenso da dimenso temporal da natureza. A terra sai do centro da criao e torna-se mais um planeta: o homem sai do centro da criao e torna-se mais um animal. Nas circunstncias da Revoluo Cientfica, fica cada vez mais questionvel a crena (essencial para a viso de mundo grego e cristo), de que o Universo teria sido planejado e regulado pela inteligncia divina. Nesta fase, menos certo de que o homem teria sido criado por Deus do que se originado de formas primatas. A mente humana no mais considerada um dom divino, mas um instrumento biolgico; a estrutura e o movimento da natureza, no uma consequncia de um plano divino, mas uma luta pela sobrevivncia; o sucesso no mais decorre da virtude, mas da fora fsica. Para a civilizao do ocidente, em plena modernidade, a cincia e a razo e no a religio e a f que impulsionam o progresso. A vontade do homem, no a de Deus, reconhecida como origem da evoluo do mundo e da libertao cada vez maior da humanidade (IBID.).A dissociao entre religio e cincia ocorreu em funo de todas estas nuances e fatos histricos, responsveis por estas transformaes a reforma protestante veio para denunciar os abusos da igreja catlica, que usava preceitos da f em nome de interesses polticos e econmicos o surgimento do capitalismo e o fim do sistema feudal tambm enfraqueceu o poder da igreja que era detentora de grandes lotes de terra mudana de pensamento, onde a verdade est no que pode ser comprovado pelo conhecimento experimental (JULIATTO, 2012).Hoje, o homem se v confrontado com as questes ecolgicas, que os pressupostos reducionistas da modernidade no tm condio de explicar. A viso holstica a de que o homem um ser integral, biopsicossocial e espiritual, por isto no est desconectado do cosmos, mas parte integrante dele. Estamos na era do cosmocentrismo, que exige que razo e espiritualidade se aliem novamente, pois o homem no s razo, que compreende e decifra cdigos da natureza, mas tambm esprito que cr, que busca sentido naquilo que o transcende (IBID., p. 73). E o estabelecimento do qual trataremos fruto deste contexto.

3 DIRETRIZES DO SUS E OS POSSVEIS ENGRAVIDAMENTOS

Segundo Carmem Teixeira (2003), o SUS pode ser entendido como uma poltica de estado, ou seja, a materializao de uma deciso adotada pelo Congresso Nacional no ano de 1988, que visa considerar a sade como um Direito de Cidadania e um dever do Estado. Esse processo resultou das mobilizaes de um conjunto de foras sociais contrapostas perspectiva liberal e neoliberal, que defende a reduo do papel do Estado na garantia das condies de vida (e sade) da populao brasileira. Nesse sentido, o SUS um projeto que assume e consagra os princpios da Universalidade, Equidade e Integralidade. um sistema de sade, capaz de garantir o acesso universal da populao a servios que garantam sua sade e bem-estar, de forma integral. Alm do que, cabe ressaltar os princpios estratgicos que dizem respeito s diretrizes polticas, organizativas e operacionais, que apontam a forma como deve vir a ser construdo o sistema que se quer institucionalizar. Tais princpios so basicamente a Descentralizao, a Regionalizao, a Hierarquizao e a Participao social.A autora aborda a universalidade como um ideal a ser alcanado, indicando, uma das caractersticas do sistema que se pretende construir e um caminho para sua construo. Para que o SUS venha a ser universal preciso se desencadear um processo de universalizao, ou seja, um processo de extenso de cobertura dos servios, de modo que venham a se tornar acessveis a toda a populao. Para isso, necessrio eliminar algumas barreiras como as jurdicas, econmicas, culturais e sociais que se colocam entre a populao e os servios (IBID.).O pleno exerccio desse direito, exige a superao das barreiras econmicas, sociais e culturais que ainda se interpem entre os usurios e o sistema de servios de sade. Do ponto de vista econmico, ainda que a populao no precise pagar diretamente pelos servios (o financiamento assegurado pelo estado com a utilizao de fundos pblicos), no se pode negar que grande parte da populao de baixa renda vive em pequenos municpios com baixo grau de desenvolvimento econmico, ou ainda vivem nas periferias das grandes cidades, sendo assim no dispem de condies de acesso aos servios. Muitas vezes at porque no tem como pagar o transporte para chegar a uma unidade de sade. Do ponto de vista sociocultural tambm existem barreiras, sendo a barreira da linguagem, da comunicao entre os trabalhadores do SUS e os usurios, uma das mais importantes. Ainda quando chega aos servios, grande parte da populao no dispe de condies educacionais e culturais que facilitem o dilogo com os trabalhadores da sade, o que se reflete, muitas vezes, na dificuldade de entendimento. A transposio dessa barreira cultural e comunicativa entre os usurios e o sistema de sade certamente um dos maiores desafios a serem enfrentados dentro da perspectiva da universalizao (IBIDEM).A autora ainda coloca em cena o princpio da equidade que diz respeito necessidade de se tratar desigualmente os desiguais de modo a se alcanar a igualdade de oportunidades de sobrevivncia, de desenvolvimento pessoal e social entre os membros de uma sociedade. O ponto de partida da equidade o reconhecimento da desigualdade entre as pessoas e os grupos sociais, e o reconhecimento de que muitas dessas desigualdades devem ser superadas. Em sade, especificamente, as desigualdades sociais se apresentam como desigualdades diante do adoecer e do morrer, reconhecendo-se a possibilidade de reduo dessas desigualdades, de modo a garantir condies de vida e sade mais iguais para todos. Nesse ltimo sentido, a busca de equidade se articula com a integralidade do cuidado sade. A noo de integralidade diz respeito s opes de aes possveis para a promoo da sade, preveno de riscos e agravos e assistncia a quem est doente, implicando a sistematizao do conjunto de prticas que vem sendo desenvolvidas para o enfrentamento dos problemas e o atendimento das necessidades de sade. A integralidade seria um modelo de ateno integral sade e contempla o conjunto de aes de promoo da sade. Sendo assim, podemos pensar que um modelo integral aquele que dispe de estabelecimentos, unidades de prestao de servios, pessoal capacitado e recursos necessrios produo de aes de sade. A descentralizao da gesto do sistema implica na transferncia de poder de deciso sobre a poltica de sade do nvel federal para os estados e municpios. A regionalizao e a hierarquizao dos servios, dizem respeito forma de organizao dos estabelecimentos entre si e com a populao. A regionalizao dos servios implica na delimitao de um territrio para o sistema de sade, que leva em conta a diviso poltico-administrativa do pas, mas tambm contempla a delimitao de espaos territoriais especficos para a organizao das aes de sade em rede. A hierarquizao dos servios, diz respeito possibilidade de organizao das unidades segundo grau de complexidade tecnolgica dos servios, isto , o estabelecimento de uma rede que articula as unidades mais simples s unidades mais complexas, atravs de um sistema de referncia e contra-referncia de usurios e de informaes. O processo de estabelecimento de redes hierarquizadas pode tambm implicar o estabelecimento de vnculos especficos entre unidades (de distintos graus de complexidade tecnolgica) que prestam servios de determinada natureza, como por exemplo, a rede de atendimento a urgncias/emergncias, ou a rede de ateno sade mental (IBID.).Segundo o conceito de engravidamento de Elias Merhy (2005), podemos pensar o SUS e a sua formao como um longo percurso histrico, ou busca de profissionais da sade (e demanda populacional) que atravs dos tempos puderam engravidar, ou seja, ir produzindo sentido para essa necessidade e parir esse sentido para as atuais transformaes na assistncia de sade aos brasileiros. Hoje em dia, fazendo um exerccio de anlise s equipes que trabalham no sistema nico de sade, acreditamos que latente a necessidade de repensar e problematizar sobre os princpios e diretrizes deste servio de sade, e trabalhar de fato com o usurio, empoderando-o em todo seu potencial. Merhy (2005) aborda essa questo quando aponta para o fato de que fetichizamos as palavras, ou seja, como se estas por si s pudessem ser portadoras de sentidos ou significados sem que ns no agssemos sobre elas.O autor ainda faz uma denncia quanto integralidade, trazendo luz o fato de que est sendo capturada por modelos de praticar a produo do cuidado em sade bem tradicionais, de maneira corporativa centrada. importante, como citado anteriormente, que possamos olhar para algumas prticas individuais e coletivas dentro do SUS que no correspondem aos seus princpios e diretrizes e mais atentamente aos estabelecimentos, cada qual em seu territrio que terminam por engravidar outros sentidos, podendo desfocar do cuidado e cumplicidade do usurio em seu tratamento. Poder evitar ou refazer este quadro um processo que se d no ato coletivo (mesmo que se d no plano individual) e que permite que faamos ressignificaes enquanto sujeitos morais (IBID.).Ainda no campo da sade, outras necessidades se fazem presentes, como a dos trabalhadores poderem pensar o seu fazer, ou seja, se este fazer est de fato beneficiando no auxlio com o usurio e se este trabalhador seria propriamente um usurio do que est fazendo com o outro. H trabalhadores que passam anos de suas vidas exercendo suas funes, mas no se vem como possveis usurios do que estes mesmo produzem. Porm, Merhy (2005) aponta que na rea da sade isso se torna impossvel. A qualquer momento, um trabalhador pode passar deste territrio situacional para outro, o de necessitado imediato da produo de atos de sade. O autor explana isso no pargrafo citado:

Fazer do mundo do trabalho, na sua micropoltica, um lugar para tornar estas intencionalidades e implicaes elementos explcitos, afim de constitu-los em matria-prima para a produo de redes de conversas coletivas entre os vrios trabalhadores, que habitam o cotidiano dos servios e das equipes de sade, explorar esta potncia inscrita nos fazeres produtivos, como atos pedaggicos. Por isso, o mundo do trabalho uma escola. lugar de se debruar sobre objetos das aes, de fazeres, saberes e agenciamentos de sujeitos. O mundo do trabalho, nos encontros que provoca, abre-se para nossas vontades e desejos, condenando-nos tambm liberdade e a estarmos diante de ns mesmos, nos nossos atos e nossas implicaes (ELIAS MEHRY, 2005, p. 4).

Torna-se necessrio pensarmos o cuidado alm do que est posto. dizer, o cuidado como referente simblico do campo da sade. E esse simblico muito mais amplo e largo que qualquer inteno ou possibilidade de realizao produtiva. Se a equipe puder adquirir essa percepo, a qualidade no servio de sade pode mudar satisfatoriamente, pois modifica a ao produtiva enquanto ato coletivo e acaba por abrir um leque de novas possibilidades e fazeres com o usurio, lado a lado, proporcionando a todos novos engravidamentos e novos partos. (IBIDEM.)A partir desta lgica e princpios que tambm precisa ser entendido o estabelecimento que abordaremos no seguinte captulo.

4 O ESTABELECIMENTO GHC E O FRUM INTER-RELIGIOSO

Histria do Grupo Hospitalar Conceio

Ao citarmos a histria do Grupo Hospitalar Conceio, no podemos deixar de lado, em princpio, a construo do Hospital Cristo Redentor, que fora o primognito do grupo e segue em atividades at os dias atuais. Trouxe consigo, desde a origem, os sonhos, as esperanas e as incertezas de toda e qualquer iniciativa (AMORETTI, 2006).O Cristo Redentor foi ento fundado no fim da era Vargas, mais especificamente no ano de 1956, em uma poca de puro desenvolvimento capitalista e extenso industrial. A escolha da localizao deu-se em um bairro operrio, de periferia, onde se juntavam e organizavam novas indstrias. Havia uma ateno quanto s necessidades de bem estar social e de sade daquela populao. Jahyr Boeira de Almeida idealizou este hospital de bairro, inserido no corao do Passo da Mangueira (atual bairro Cristo Redentor). Era dono de uma farmcia que funcionava 24 horas e buscou parcerias para concretizar o sonho de colocar em p o hospital, e em, menos de 15 anos, conseguiu constituir a famlia do GHC (Grupo Hospitalar Conceio), formado pela construo de outros dois hospitais (Nossa Senhora da Conceio e Hospital da Criana Conceio), bem como a compra de aes, que vieram a lhe dar controle total, do hospital Fmina (IBID.).Segundo Amoretti (2006), com o passar do tempo e com as fortes mudanas no cenrio poltico e social de nosso pas, uma forte reao articulada entre grupos mdicos da elite, juntamente com os militares, desencadearam uma campanha difamatria atravs da mdia, que levou a desapropriao e interveno nos hospitais de Jahyr Boeira. Aps este fato, a interveno no GHC foi concretizada atravs da nomeao do Almirante Barroso como diretor presidente do grupo hospitalar. Um progressivo sucateamento (tanto das reas fsicas quanto dos equipamentos) foi acontecendo, e as opinies eram manifestadas com muita cautela e temor naquela poca de regime militar. Outro fato que deixou a todos perplexos, foi a notcia da morte de Jahyr Boeira, que at hoje gera dvida em algumas pessoas que se perguntam se este morreu em um acidente durante uma pescaria, suicidou-se, ou foi mais uma vtima direta dos militares. fato que a marca da desapropriao dos hospitais do GHC instalou-se como uma represso to severa que impedia seus funcionrios e pacientes de emitirem opinies. Foi uma represso democracia e necessrios cerca de dez anos para que a reao institucional, acompanhando o movimento nacional pela abertura democrtica, que promoveu aes em direo redemocratizao das relaes internas, com exigncias de participao do conjunto dos funcionrios nos destinos do GHC. O processo de abertura do grupo hospitalar foi realmente lento e gradual, comearam com algumas reunies fechadas em 1983 por parte de alguns mdicos do Hospital Conceio, e seu objetivo era fundar uma associao que desejava participar das definies dos rumos do hospital. Sendo assim, no ano de 1985, fundou-se a AMEHC (A Fundao da Associao dos Mdicos do Hospital Conceio), j em um cenrio de maior abertura poltica e luta pelas diretas no pas. Houve tambm neste momento, um forte movimento participativo dentro do hospital Conceio, com alcance externo em partidos polticos como o PMDB e que influenciou a escolha de seus diretores pelo governo federal (IBIDEM.).Ao remontar essa poca, Rogrio Amoretti (2006) recorda que tudo parecia correr bem comparado ao regime ditatorial vivido anteriormente, mas a aliana democrtica no GHC foi rompida pelas disputas internas e pela forte oposio dos funcionrios (fortemente organizados) contra os desmandos que ocorriam e colocavam em risco o atendimento aos pacientes. Houve represso aos funcionrios, mas mesmo assim o movimento no esmaeceu. Quando o anfiteatro do Hospital Conceio teve suas portas trancadas, os grevistas estacionaram um caminho no ptio do hospital aonde ocorreram duas grandes assembleias dos trabalhadores culminando na queda da diretoria do GHC. Neste momento, que foi o vcuo de poder no grupo hospitalar que o movimento dos funcionrios se fortaleceu e, em 1986, exigia eleies diretas com votos de todos os trabalhadores para os cargos diretivos. O movimento realizou-se com alta responsabilidade e organizao, nenhum paciente deixou de ser atendido, principalmente as emergncias que chegavam neste perodo. Durante as paralisaes foram pensados importantes e criativos programas assistenciais como a qualificao da organizao dos servios mdicos, a criao da unidade profiltica e teraputica de sade dos funcionrios do GHC (atual CREAME), o centro da dor, a central de alcoolismo, o servio de psicologia e sade mental, entre outros. Cabe ressaltar que se constituiu a um dos principais movimentos poltico-sociais na rea da sade irradiando-se como exemplo para as lutas na sade em todas as regies do Rio Grande do Sul. Aquele movimento estava inteiramente engajado nas propostas que, em 1988, foram consagradas na constituio federal com a criao do SUS.A situao democrtica transcorreu at metade de 1988, e acabou repentinamente o processo de escolha atravs de eleies diretas. Com o apoio de antigos aliados, o Grupo Hospitalar Conceio voltava a ser palco da falta de democracia e represso. Instalou-se um retrocesso poltico-administrativo que contou com a participao do ento governo estadual e do PMDB. Rogrio Amoretti (2006) relembra que houveram greves com a presena da brigada militar dentro dos hospitais, ocupando para forar o fim das manifestaes. Ao final da greve, foram demitidos 130 funcionrios e cabe lembrar que tais demisses foram seletivas, no atingindo o grupo de mdicos que tambm participaram das manifestaes e inclusive tiveram lideranas dentro do movimento. Outros trabalhadores foram perseguidos por algum tempo, mas retornaram ao trabalho por deciso judicial.A luta por democracia e pela defesa da sade pblica continuou no GHC. Passados alguns anos, o movimento dos trabalhadores ganhou fora novamente e encontrou novas formas de expresso. Em vrias oportunidades tentaram privatizar os hospitais, e na ocasio, um grande abrao por parte de funcionrios, usurios e polticos, foi a forma encontrada de dizer que os hospitais deveriam ser mantidos enquanto equipamentos pblicos de sade e vinculados ao governo federal. Desde ento, o sistema nico de sade fortaleceu-se cada vez mais no GHC, at 2003 que passou a ser 100% SUS (IBID.).

Histria do Frum Inter-religioso do GHC Segundo Oliveira (2012), o Grupo Hospitalar Conceio (GHC) foi criado para dar assistncia sade de usurios e uma instituio pblica de sade 100% SUS. formado por quatro hospitais Hospital Nossa Senhora da Conceio (HNSC), Hospital da Criana Conceio (HCC), Hospital Fmina (HF), Hospital Cristo Redentor (HCR), mais 12 postos de Servio de Sade Comunitria, 3 CAPS (Centro de Ateno Psicossocial) e a Escola GHC. A Lei 9.982/2000, artigo 1, prev constitucionalmente que religiosos de todos os credos devem ter acesso aos hospitais pblicos e privados para prestar atendimento religioso a internados e familiares que requererem. A assistncia espiritual parte do acolhimento no atendimento pensado pelo Sistema nico de Sade e deve compor junto com os demais servios.Neste intuito, o GHC tinha assistncia espiritual garantida pela igreja catlica at 2001, quando esta resolveu abrir o espao para outras religies crists, constituindo um Frum Ecumnico, a partir do trabalho de qualificao para assistncia espiritual de um pastor da igreja luterana. Com isto, a capela catlica do HNSC passa a ser considerada capela ecumnica. Com a participao da Comisso Especial de Polticas da Igualdade Racial (CEPPIR) no processo, abriu-se a possibilidade da participao de religies no crists no frum a partir de 2007, inaugurando o Frum Inter-religioso. O Frum Inter-religioso (FIR) do Grupo Hospitalar Conceio foi criado com o objetivo de organizar o ingresso dos religiosos de vrias denominaes para a assistncia espiritual no GHC de forma a cumprir as diretrizes do sistema nico de sade com nfase no direito dos usurios deste sistema. Todo cidado tem direito ao tratamento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminao, diz o terceiro princpio dos direitos dos usurios do SUS. Segundo a Declarao Universal de Direitos Humanos, todo cidado tem direito de cultuar livremente sua religio. Conforme a OMS, a sade integral no apenas a ausncia de doena, mas a situao de bem estar fsico, mental e social de cada indivduo.Em 2008, com as reformas do Hospital Cristo Redentor, foi construdo um espao inter-religioso, sem smbolos de qualquer religio. No Hospital Nossa Senhora da Conceio, ainda usado o espao da capela ecumnica, mas com acesso de todos os religiosos. No Hospital Fmina, o frum tem um pequeno espao no saguo do hospital, ao lado da escada.O FIR do GHC composto pelas seguintes denominaes religiosas: Seicho-No-I do Brasil (filosofia de vida); religies de Matriz Africana e Umbandistas; Igreja Catlica, Sociedade Esprita, Igreja Evanglica Luterana do Brasil, Igreja Assembleia de Deus, Igreja Batista Palavra Viva, Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Evanglica Nova Jerusalm, Comunidade Evanglica Seara, Igreja Messinica do Brasil, Igreja quadrangular e doutrina Esprita. A coordenao do FIR composta de duas representaes por dominao religiosa e um representante do GHC, que se renem para debater e encaminhar as questes da assistncia espiritual, como as celebraes, visitas, encontros, etc. A coordenadora do FIR, representante do GHC, mantm parcerias com os setores administrativos e de assistncia do grupo, que facilitam a realizao do trabalho a que se prope.A partir do entendimento de que um desafio o dilogo entre as diversas religies, pois tm diferentes entendimentos de homem e de mundo, o FIR criou um regulamento para as visitaes de religiosos aos pacientes, promoveu a capacitao dos religiosos que compem o espao, com contedos informativos sobre as normas da instituio, funcionamento do SUS, Declarao Universal de Direitos Humanos, normas de segurana e lei que garante o acesso de religiosos a hospitais pblicos para a assistncia religiosa. A coordenao do FIR tambm conta com a parceria das equipes administrativas de cada unidade hospitalar da rede para que este trabalho seja desenvolvido com responsabilidade social.Uma contribuio concreta do FIR foi a incluso do item religiosidade na atualizao cadastral dos funcionrios do GHC, conforme o modelo do IBGE. Com isto, os sujeitos podem expressar sua religio de forma objetiva, pois, at o GHC tornar-se exclusivamente pblico, todos os funcionrios que no apontavam sua religio eram cadastrados como catlicos. A ideia expandir o item para os cadastros de usurios do SUS.Objetivos da assistncia espiritual1) Assistir aos usurios, familiares e funcionrios que precisam de apoio espiritual nos momentos difceis e no cotidiano durante a internao hospitalar2) Contribuir com a humanizao e a ateno integral sade, levando em conta o aspecto fsico, psicolgico, social e espiritual3) Proporcionar a todas as denominaes religiosas a possibilidade de expressar seus sentimentos de f, paz e de solidariedade para com o prximo, consolidando os princpios da participao, da cidadania e da humanizao no atendimento hospitalar4) Integrar diversas denominaes religiosas atravs de encontros, conhecendo as singularidades de cada uma e construindo uma proposta comum para o trabalho de assistncia espiritual no GHC, dentro da filosofia do SUS.Esta proposta vem para resgatar a dimenso do ser humano integral, carro-chefe do SUS, com foco na pessoa, ao invs da doena, com o reconhecimento de que o paciente um sujeito e no um objeto da ateno mdica.

As religies que compem o FIR

Seicho-No-I (casa da pluralidade) considerada uma filosofia de vida, por ser um grupo que no segue uma estrutura rgida. Busca a fraternidade entre os homens atravs de ensinamentos tico-morais (KUCHENBECKER, 2004, p. 29). Foi criada no Japo em 1930 por Masaharu Tanigushi, que tinha uma preocupao com a cura dos males humanos.Os trs principais pensamentos da filosofia so a matria no existe, s o esprito; o mal uma iluso; no h pecado. Tudo isto um reflexo da mente humana e no acontece no mundo espiritual. Atravs do agradecimento, estas iluses so eliminadas (IBID.).As religies de Matriz Africana so referenciadas como um tipo de pensamento, prtica e perspectiva que percebe os africanos como sujeitos e agentes de fenmenos atuando sobre sua prpria imagem cultural e de acordo com seus prprios interesses humanos (ALVES apud ASANTE, 2012, p.26).

A comunidade tradicional de terreiro de matriz africana se materializa simblica, concreta e territorialmente por meio das inter-relaes, socializaes, conexes entre os universos visvel e invisvel; na singularidade e diversidade dos sujeitos e das naes e culturas negro-africanas que constroem a identidade de cada terreiro. (ALVES, 2012, p. 67).

Deste modo, a comunidade tradicional de terreiro de matriz africana se constitui por um sistema de alianas construdo a partir de uma organizao hierrquica que estabelece um parentesco comunitrio e ancestral entre seus membros; possui um sistema de crenas, normas, aes e valores que mantm coeso o sentimento de pertena, uma identidade coletiva; um smbolo de resistncia dos africanos ao processo de colonizao a eles imposto; e, portanto, um territrio poltico-mtico-religioso de re-elaborao, atualizao e recriao de culturas tradicionais africanas no contexto brasileiro. (IBID., p. 61).

Por isso, nos espaos concretamente construdos, mas que so simbolicamente representados, vive-se um sistema de valores e ideias que constri um modo especfico de observar, agir e compreender o mundo (IBIDEM., p. 60). A inteno manter viva a tradio da cultura africana, atravessada pelas questes negras da contemporaneidade. O Espiritismo surgiu na metade do sculo XIX, atravs de Allan Kardec, com ideias de reencarnao e pluralidade do mundo. O homem possui trs dimenses (corpo, esprito e perspirito) e o mundo composto de duas dimenses (material e espiritual) (KUCHEMBECKER, 2012). O Esprito o princpio inteligente da Criao. So criados todos da mesma forma, simples e ignorantes, sujeitos Lei da Evoluo (GRUPO ESPRITA BEZERRA DE MENEZES, 2012). Segundo esta doutrina, todas as verdades se encontram no Cristianismo; os erros que nele se enraizaram so de origem humana..." (EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, captulo VI, item 5 apud GRUPO ESPRITA BEZERRA DE MENEZES, 2012). Por isso, ela no rejeita a noo crist, pois seguem a doutrina de Jesus.

Os ensinamentos dos Espritos superiores resumem a questo, dizendo que o Espiritismo no s cristo, como o prprio Cristianismo que ressurge mais forte, trabalhando com a racionalidade, ampliando o conhecimento do homem e endereando o mesmo ao entendimento de si mesmo (ID.). Outra questo de que no h hierarquia na doutrina, os sujeitos so livres para praticarem o Espiritismo como quiserem. Tambm no h uma segregao entre Cincia e Religio.

Toda f dever ser fundamentada na razo, caso contrrio sucumbir s evidncias do progresso da cincia. Allan Kardec nos diz que "f inabalvel somente aquela que pode encarar a razo, face a face, em todas as pocas da humanidade". Com o progresso da humanidade, cincia e religio caminharo juntas. Assim a Lei (ID.).

A Igreja Catlica, Igreja Evanglica Luterana do Brasil, Igreja Assembleia de Deus, Igreja Batista Palavra Viva, Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Evanglica Nova Jerusalm, Comunidade Evanglica Seara, Igreja Messinica do Brasil, Igreja quadrangular so religies de origem crist, com fonte no judasmo de Jesus Cristo. Aqui, Deus nico, eterno e governador do mundo. O homem foi feito sua imagem e vive no mundo diante da dualidade entre o bem e o mal (IBIDEM.).

O entendimento institucional do Frum Inter-religioso

Atravs da histria do Frum Inter-religioso, e do Grupo Hospitalar Conceio como um todo, podemos pensar como se do as transformaes sociais que produzem e so produzidos pelos sujeitos. medida que os atores sociais sentem-se sufocados diante das regras e normas institudas no seu cotidiano novas regras urgem.Baremblitt (1992) aponta trs formas de entendermos a sociedade: atravs da instituio, que so as leis que pautam os sujeitos atravs da organizao, que a forma como a instituio se materializa e atravs do estabelecimento, que a unidade menor da organizao. No presente trabalho, apontamos a instituio religio, atravessada pela sade e cincia, materializada atravs do Ministrio da Sade, pelas propostas do SUS, e chega at o Grupo Hospitalar Conceio e ao Frum Inter-religioso. Por isso, a preocupao do FIR em capacitar as pessoas quanto s leis da instituio religio e sade, pois ele no pode atuar alheio a elas.Estas trs formas de funcionamento da sociedade compem dentro de si processos que levam a transformaes e processos mantenedores da ordem atual. No caso da instituio, os primeiros so as foras instituintes e os segundos, institudas (IBID.). Por isso, o FIR o resultado de um movimento instituinte, que aparece em toda a histria do grupo hospitalar, diante da impossibilidade da coexistncia de um espao exclusivamente catlico, que contempla uma parte da populao e um entendimento de sujeito, dentro de um grupo hospitalar que segue os princpios do respeito integralidade do sujeito, que o percebe como ser humano biopsicossocial e espiritual.Neste intuito, podemos pensar que o frum est no momento de produo do novo, num processo de funcionamento. Agora, o esforo do FIR, atravs da firmao de normas e capacitao de seus agentes, transformar esta fora, legitimada pela organizao ministerial (Estado), em instituda para dar norte ao estabelecimento, para legitimar uma funo e poder reproduzir o que foi perpetuado (IBIDEM.). Um exemplo disto que a atuao dos religiosos no se d de forma igual nos espaos do GHC o Hospital Cristo Redentor tem um local prprio para o acolhimento de todas as religies que compem o frum, que dividem a ocupao dele atravs de horrios marcados. O mesmo se passa no Hospital Nossa Senhora da Conceio, mas ainda num espao semelhante a uma capela. E o Hospital Fmina ainda no conseguiu sequer articular com a coordenao os horrios dos religiosos[footnoteRef:1]. [1: Nos apndices, atravs dos relatos das observaes e das tabelas de horrios do FIR, isto fica bem ilustrado.]

Dito de outra forma, toda relao social se faz nos grupos, o que tambm se faz presente na realidade do FIR do Grupo Hospitalar Conceio. Os grupos tm a marca da instituio nos horrios, nos ritmos de operao, nas normas, nos sistemas de controle, nos papis. Seu objetivo manter a ordem, organizar o aprendizado e a produo do objetivo. Uma submisso necessria a uma rotina que prev dias de funcionamentos, horrios, formas de trabalhar, de relao, ou seja, o que restou institudo (LAPASSADE apud GUIRADO, 1987).Num segundo nvel da realidade social, aparece a organizao, com seus regulamentos e normas de funcionamento, com a consequente burocracia que aponta uma estrutura e hierarquia (LAPASSADE apud GUIRADO, 1987). Falando sobre a instituio, Lapassade, conforme dito anteriormente, faz uma distino entre o institudo (a cristalizao das formas de relao) e o instituinte (o movimento de criao: a capacidade de inventar novas formas de relao). A assistncia religiosa, que inicialmente era reponsabilidade exclusiva da igreja catlica, passou a ganhar uma nova configurao atravs de um poder instituinte com a criao do FIR. Salienta-se que este movimento institucional tambm conta com um atravessamento da esfera jurdica uma vez que surgiu com o objetivo de organizar o ingresso dos religiosos de vrias denominaes para a assistncia espiritual no GHC de forma a cumprir as diretrizes do sistema nico de sade com nfase no direito dos usurios deste sistema. A Declarao Universal de Direitos Humanos reza que todo cidado tem direito de cultuar livremente sua religio Todo cidado tem direito ao tratamento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminao, um dos direitos dos usurios do SUS, o que nos leva seguinte reflexo:

Todo conhecimento humano do mundo em algum sentido determinado por princpios subjetivos. A realidade essencial da natureza no est separada, no se contm e no se completa em si mesma, de modo que a mente humana possa examin-la to objetivamente. A verdade que se desvenda na natureza s emerge com a real participao do esprito humano. Somente quando a mente humana traz dentro de si toda a fora de uma disciplinada criatividade e satura sua observao emprica com a percepo arquetpica que emerge a realidade mais profunda do mundo (TARNAS, 1999, p. 460).

Tambm podemos refletir que a forma como o frum se apresenta, onde cada grupo religioso tem dia e horrio previamente estabelecido, sem que haja uma heterogeneidade de doutrinas num mesmo momento, diz respeito a um poder disciplinar que tambm perpassa o GHC. A multido, massa compacta, local de mltiplas trocas, individualidades que se fundem, efeito coletivo, abolida em proveito de individualidade separadas (FOUCAULT, 2009, p.190).Neste sentido, podemos apontar que Dorislaine Oliveira, representante do GHC no FIR, atravs do CEPPIR, trabalha num prdio que fica na mesma rua do Hospital Conceio, mas no se encontra fisicamente colocado em nenhum dos hospitais do grupo. O controle se d a uma certa distncia, pois os corpos que compem o FIR tm internalizado as regras e normas de funcionamento dos espaos, j que foram capacitados para isto.

As sociedades disciplinares tinham como projeto a concentrao, a repartio no espao e a ordenao do tempo, fixando os corpos a um aparelho de normalizao e controle, j as sociedades de controle partem de outros pressupostos. Decretam a crise e o carter descartvel dos aparelhos de normalizao, tais como a escola, a fbrica, dentre outros e operam por um controle ao ar livre que, como aponta Virilio, substituem as antigas disciplinas que operavam na demarcao de um sistema fechado (NEVES, 1987, p. 86).Por isto, a impresso que nos fica que, ainda que a ideia do frum extremamente revolucionria, no sentido de acolher as diferenas do mundo contemporneo frente espiritualidade, sua estrutura regulada pela via da disciplina, num aglomerado de individualidades ao invs de um intercmbio de comunidades. No entanto, ao invs de julgarmos como ruim a forma como o FIR se constitui, precisamos entender que um estabelecimento muito jovem, que reflexo de uma crise social e tm como protagonistas pessoas que com uma viso de homem e de mundo diferentes e, por vezes, opostos. um grande desafio fazer dialogar as religies e a estrutura do GHC. Como a prpria Dorislaine nos relatou j aconteceu de um religioso de uma determinada religio discutir com o familiar de um paciente de outra religio que foi visitar o espao e discordou do atendimento religioso; muitos mdicos aceitam a existncia do frum, mas o consideram parte do tratamento do paciente, que no interessa para a medicina saber sobre a religio do paciente.

5 A IMPORTNCIA DA ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE NA QUALIDADE DE VIDA, RECONHECIDA PELA OMS

Conforme nos lembra Fleck et al. (2003), em seu artigo sobre o desenvolvimento do WHOQOL, mdulo espiritualidade, religiosidade e crenas pessoais, a medicina ocidental, incluindo especialmente a psiquiatria, tem adotado uma postura negligente e de oposio frente a temas como religiosidade e espiritualidade. Negligente, porque considera estes temas sem importncia ou fora de sua rea de interesse e de oposio, quando considera as experincias religiosas de seus pacientes como psicopatologias. Esta posio contrasta com a medicina oriental, que h muito tempo j se preocupa em integrar, explicitamente, as dimenses religiosa e espiritual no binmio sade e doena.Estudos de reviso mostram a religiosidade como fator protetor para suicdio, abuso de drogas, comportamento delinquente, satisfao marital, sofrimento psicolgico a algumas psicoses funcionais, numa associao positiva em 50% dos caso e negativa em 25% dele. (LEVIN et al., 1998apud FLECK et al., 2003).A incluso de uma dimenso no material ou espiritual de sade vem sendo considerada desde 1983, durante a Assembleia Mundial de Sade, bem como a alterao do conceito de sade da Organizao Mundial de Sade, de ausncia de doena para um estado dinmico de completo bem-estar fsico, mental, espiritual e social.O estudo da relao sade e religiosidade enfrenta vrios problemas metodolgicos, como por exemplo, a dificuldade para estudar a prtica religiosa em diferentes culturas ou a dificuldade para mensurar religiosidade, uma vez que a afiliao (catlica, budista, etc.), a prtica religiosa (praticante/nopraticante) ou a frequncia aos cultos (semanal, mensal e outras) so estratgias j conhecidas como limitadas para medir esta varivel to complexa (SLOAN et al., 1999 apud IBID.). A constatao da importncia deste tema, fez com que a OMS (Organizao Mundial da Sade), atravs do Grupo de Qualidade de Vida, inclusse um domnio denominado religiosidade, espiritualidade e crenas pessoais no seu instrumento genrico de avaliao de qualidade de vida, denominado WHOQOL-100 (World Health Organization Quality of Life Instrument 100 itens), aps os teste de campo e os estudos anteriores com o WHOQOL-100 confirmarem que o domnio espiritualidade, inicialmente constitudo de quatro questes, era insuficiente por razes conceituais e empricas. Aps o Grupo Qualidade de Vida decidir elaborar um mdulo especfico do WHOQOL-100, tornou-se possvel avaliar esta dimenso dentro de uma perspectiva transcultural chamado mdulo WHOQOL-SRPB.Dada a relevncia do assunto para o tema do nosso trabalho: Religiosidade e Espiritualidade, abordaremos a seguir os tpicos mais relevantes do desenvolvimento do Mdulo espiritualidade, religiosidade e crenas pessoais pelo instrumento WHOQOL-SRPB.O desenvolvimento do instrumento ocorre de forma colaborativa e simultnea em vrios centros, com representantes de pases dos diferentes continentes. Estes centros selecionados possuem diferentes nveis de industrializao e disponibilidade de servios de sade, garantindo as caractersticas transculturais genunas. As discusses nestes centros so atravs de grupos focais, conduzidas em seus idiomas nacionais, e so consideradas como de grande importncia para a aquisio de informaes transculturais. Um grupo de experts em qualidade de vida e espiritualidade, que inclui pessoas com formao em antropologia, sade mental e teologia, bem como conhecimento especfico sobre as principais religies do mundo, define as facetas propostas, que sero discutidas por cada centro e, recebe de forma interativa, as informaes geradas por estes centros, gerando discusses entre os experts e incorporao ao instrumento.Nos grupos focais de cada centro, ficou definido que seriam constitudos prioritariamente por profissionais de sade (independentemente de suas crenas religiosas); ateus; pessoas com doenas agudas, crnicas e terminais; pacientes que se recuperaram de doenas, membros da religio dominante de cada centro; indivduos de grupos minoritrios religiosos. O grupo coordenador, localizado em Genebra, recebe as sugestes de mudana das questes propostas pelos experts de cada centro com suas respectivas justificativas e, entre outras anlises, torna as questes aplicveis a qualquer pessoa com qualquer crena religiosa ou no, exceo feita aos itens adicionais referentes a religies especficas. Os itens so organizados em um questionrio junto com o WHOQOL-100 e so pr testados numa amostra em alguns pases, o estudo piloto realizado com no mnimo 240 indivduos por centro participante, com o propsito de obter feedback relativo aos problemas com as palavras utilizadas, escalas de respostas, instrues, relevncia das questes e receptividade geral do mdulo. So realizadas anlises estatsticas (anlise de frequncia, de confiabilidade e de correlao, anlise fatorial e de multidimensionalidade) dos dados do estudo piloto para cada centro e para a amostra global com o objetivo de estabelecer as propriedades psicomtricas do mdulo WHOQOL-SRPB e avaliar a relao entre sade; qualidade de vida e espiritualidade; crenas pessoais.No Brasil, a alocao dos grupos de pacientes e profissionais de sade foi desenvolvida no Hospital de Clnicas de Porto Alegre. Os indivduos pertencentes s diferentes religies foram selecionados a partir de contato telefnico com lderes religiosos de templos prximos ao HCPA. Ao todo foram 142 indivduos, distribudos em 15 grupos, sendo 16 profissionais da sade, 13 indivduos ateus, 78 indivduos religiosos e 35 indivduos doentes. Podemos citar alguns contedos interessantes das discusses destes grupos do Brasil, tais como: em vrias questes, os grupos dos profissionais de sade e os grupos de ateus tiveram posies semelhantes; a maioria das facetas com contedo religioso foi considerado importante tanto pelos grupos religiosos, quanto pelos grupos de pacientes; parte do grupo dos profissionais da sade questionou se o amor divino poderia ser separado do amor pelas outras pessoas.

5 CONSIDERAES FINAIS

De acordo com Pargament et al. (apud GASTAUD et al., 2006), a religio junto com a espiritualidade tem forte relao com as pessoas que esto doentes de alguma forma. Contudo, a medicina junto com a psiquiatria tem ignorado essa interdependncia, por achar esses assuntos irrelevantes e por levar em considerao que esse tema pode ser evidncia de algum transtorno. Paiva (1999, apud Ibid.) aponta que a psicologia em geral faz distncia entre religio e cincia. Porm, os autores Levin & Chatters (1998, apud ibidem.) falam da existncia de novos estudos que comprovam que algumas atividades do mbito da espiritualidade podem influenciar na esperana, autoestima, perdo e o amor. Esses fatores podem influenciar na sade, em questes psiconeuroimunolgicos e psicofisiolgicos. Conforme Carone & Barone (2001, apud PERES et al., 2007), a religio junto com as suas atividades fazem parte da cultura da nossa sociedade. Segundo Giglio, 1993; Razali et al., 1998; Sperry & Sharfranske, 2004 (apud ibid.), ter conhecimento sobre as crenas do paciente colabora para este continuar no tratamento e aceitar melhor as intervenes feitas. Desta forma, consideramos muito rica a observao do frum inter-religioso, procurando problematizar as transformaes no conceito de sade, a partir do paradigma ecolgico, que vai contra o entendimento positivista que entende a vida como algo reduzido e objetivo. Por isto, o entendimento do sujeito biopsicossocial e espiritual prope a todas as reas do conhecimento a integralidade da vida. Percebemos que um grande desafio implementar tal perspectiva, pois pe por terra um pensamento que vigora desde o Iluminismo. Tambm estas transformaes em nvel de Estado so muito recentes. Ento, no por acaso que o frum encontra tantas barreiras em articular-se dentro do Grupo Hospitalar Conceio. No entanto, pouco a pouco, pequenas mudanas podem trazer grandes transformaes futuras. Pelo menos, este um desejo do nosso grupo. REFERNCIAS

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APNDICE A OBSERVAO 1OBSERVAO DO ESPAO INTER-RELIGIOSOOBSERVADOR: Clarice OppermannDATA: 15.11.12LOCAL: Hospital Cristo RedentorATENDIMENTO RELIGIOSO: Seicho-No-I

O espao inter-religioso fica no trreo do Hospital Cristo Redentor, numa sala de aproximadamente 30 metros quadrados, com 20 cadeiras estofadas e confortveis. Na frente, uma mesa, duas cadeiras e na entrada h uma porta de vidro com um grande painel que contm o slogan do Frum e os horrios de atendimento. As paredes so brancas, lisas, sem nenhuma imagem ou decorao de qualquer tipo; no se observa a presena de imagens religiosas e tambm no h um altar com uma decorao especfica, mas apenas uma mesa (tipo de escritrio) frente de todas as cadeiras, onde permanecem sentados os representantes da religio em pauta.Neste dia, foi a vez da Seicho-No-I, com a orientao de duas senhoras, Alzira e Elza, que ficaram frente de todos, oferecendo algumas palavras ao grupo com fundamento e apoio na filosofia (mas apenas durante uma parte do tempo - tambm h momentos de silncio e reflexo sobre o que foi conversado; as pessoas mais escutam do que falam). O encontro comeou as 14:00 horas e terminou por volta de 15:00 horas e contou com aproximadamente a presena de cinco pessoas.

APNDICE B OBSERVAO 2OBSERVAO DO ESPAO INTER-RELIGIOSOOBSERVADOR: Daniel PaivaDATA: 16.11.12 e 19.11.12LOCAL: Hospital Fmina

Ao chegar no hospital, no primeiro dia de observao, logo percebi que no havia tantas pessoas esperando para serem atendidas e direcionei-me logo para o balco de informaes para perguntar aonde ficava o espao inter-religioso. A recepcionista me informou que ficava no segundo andar e que poderia subir pelas escadas. Pediu meu nome completo, escreveu em uma etiqueta e pediu que eu a colocasse. Subi e tomei um susto ao ver que o espao funcionava em um corredor sem sada muito pequeno. Ali apenas havia um altar e um armrio com uma placa informando que era o espao inter-religioso e duas portas de elevadores quase na frente do altar, bem como as escadas. Sentei-me em um dos 3 bancos disponveis esperando que algum pudesse vir falar comigo, mas passada meia hora naquele local, no apareceu ningum. Decidi ir embora disposto a retornar outro dia.Voltei ao hospital Fmina no dia 19/11, logo aps o horrio do meio dia. Pude notar que haviam mais pessoas esperando atendimento, quase todas sentadas e muitas com crianas pequenas e de colo. Dirigi-me primeiramente recepo e informei que gostaria de ir ao espao inter-religioso. A recepcionista, que no era a mesma do dia 16/11, no sabia me informar onde ficava o espao e nem o que era, esta ento ligou para algum perguntando. Indicou-me o segundo andar e como na visita anterior, solicitou meu nome completo, forneceu uma etiqueta e subi. Novamente no havia ningum e novamente esperei por mais de meia hora sem sucesso. Direcionei-me ento ao saguo, conversei com um funcionrio do hospital que fica responsvel pelo fluxo de pessoas e este no sabia informar os dias em que o espao inter-religioso estava com atividades, mas sabia que todas as segundas-feiras pela tarde alguns evanglicos compareciam perguntando para as pessoas no prprio saguo se gostariam de fazer uma orao no espao inter-religioso. Fui at a direo do hospital, conversei com uma secretria que no sabia me informar sobre o funcionamento do espao e me encaminhou para a equipe administrativa. Na equipe administrativa, me informaram que era aberto, qualquer pessoa poderia participar e que todas as segundas-feiras s 16:30 compareciam pessoas da religio evanglica, e sabiam disso porque estas pessoas subiam at o setor administrativo para pegar a chave do armrio e abri-lo, e, de vez em quando, nas teras-feiras ia a matriz africana, mas fazia tempo que no apareciam no hospital, h mais de um ms. Fora estas duas religies, mais nenhuma outra frequentava o espao e no tinham lembrana de situaes anteriores. Agradeci e fui embora com a impresso de pouco investimento e comunicao por parte do hospital quanto a este local que ainda pode ser melhor utilizado e gerar conforto a quem encontra-se em uma situao pessoal ou familiar de doena no hospital Fmina.

APNDICE C OBSERVAO 3OBSERVAO DO ESPAO INTER-RELIGIOSOOBSERVADOR: Thas VieiraDATA: 25.11.12LOCAL: Hospital Nossa Senhora da ConceioATENDIMENTO RELIGIOSO: Assembleia de Deus

Era domingo. As ruas em torno do Hospital Conceio estavam vazias: poucas pessoas na rua, comrcio fechado. Cheguei no hospital que tinha uma outra configurao: muitas pessoas sentadas nos bancos e muretas do lado de fora do grande prdio. Muitas placas de sinalizao em vermelho e branco indicavam os locais adequados para cada pessoa que entrava. Entrei pela porta da Emergncia e vi um balco com um grande aviso Informaes. Duas mulheres com cabelo preso, uniforme azul marinho e crach perguntaram o que eu desejava. Perguntei onde era o espao inter-religioso. Elas se olharam. Uma delas perguntou se podia ser a capela, e eu concordei. Ela me indicou uma porta, na sada da emergncia, onde era a entrada dos visitantes. Novamente me deparei com uma grande placa com a seta para a entrada de visitantes. Cheguei num novo balco de informaes, com trs pessoas devidamente uniformizadas, e me dirigi a uma delas. Perguntei pelo espao inter-religioso. Ela respondeu que ali s tinha uma capela. Perguntei onde era a capela, e ela perguntou o que eu queria l. Expliquei que faria uma observao e que tinha autorizao do CEPPIR para realiz-la. Ento, a funcionria me mostrou o caminho.A capela ficava no trreo do hospital. Era um espao todo pintado de branco e azul, como se fosse um cu. O teto era arredondado. Havia vitrais e quadros contando a crucificao de Cristo. Havia um altar, com uma grande cruz com Jesus crucificado. Na entrada, havia uma Nossa Senhora de um lado e o banner do frum de outro. Os bancos eram iguais os de uma igreja, organizados em duas fileiras.Neste dia, a Assembleia de Deus era responsvel pelo espao. A Assembleia de Deus iniciou no Brasil em 1910, trazida pelos suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg, vindos dos Estados Unidos. Em 1918, devido a divergncias entre diferentes grupos, passou a ser chamada Assembleia de Deus. A doutrina deste grupo pratica o batismo com o corpo inteiro mergulhado na gua, em nome da Trindade; a celebrao da Santa Ceia; o recebimento do batismo no Esprito Santo, atravs dos milagres e fala de outras lnguas; comparecimento no Tribunal de Cristo, para ser recompensado pelas aes em torno do Cristianismo, com a vida eterna de felicidade (CONVENO GERAL DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL, 2012).Um grupo de 20 pessoas cantava, sentados nos bancos, comandados por um homem de p, prximo ao altar, com um violo na mo. Todos cantavam sem exceo. O homem com o violo usava um crach. Perto dele, tambm de p, havia uma mulher com jaleco do hospital e crach, que segurava uma bblia.A msica terminou, e o homem colocou o violo sobre uma mesa. Disse vrias frases sobre o encontro com Cristo. Ele mexia os braos e gritava em alguns momentos. No meio da sua fala, as pessoas diziam Aleluia ou Graas a Deus. Ento, o homem disse a frase, enquanto se dirigia ao violo Quem tem Jesus, tem tudo!. E iniciou uma msica em que o refro era esta frase. As pessoas o acompanhavam.No grupo de pessoas, havia pacientes, pois estavam com pulseiras do hospital, ou soros pendurados prximos de si. Imaginei que os demais seriam familiares. Todos sabiam as letras das canes, bem como o que dizer diante das palavras do religioso.O culto seguia este roteiro: msicas sobre Cristo, histrias de milagres, informaes sobre os eventos da Assembleia fora do Conceio. O religioso falava apontando para as pessoas. Perguntava se lembravam de uma ou de outra histria. A religiosa que o acompanhava, cumprimentava dando a mo para algumas pessoas que chegavam na capela.Ento, o religioso chamou um paciente para compartilhar a sua histria. O homem tinha um soro pendurado atrs dele, e ele ia se dirigir ao altar, sem lev-lo consigo. Um homem sentado em outro banco rapidamente correu at ele e pegou o soro. Ficou de p atrs do paciente, segurando o soro. Era uma histria de encontro com Cristo e de muitos pecados antes disto. O paciente apontou algumas pessoas, dizendo que tinha convidado seus irmos para participarem do culto (entendi que eram irmo de religio), porque eles tambm tinham encontrado Jesus e espalhavam a palavra como ele. Ento, o paciente tambm entoou uma msica, que foi seguida pelos demais participantes. Chamou a minha ateno que o paciente tinha a mesma expresso corporal e oratria do religioso. No estava tmido, sua histria era muito bem contada, emocionante at.Acredito que, naquele momento, s havia pessoas da Assembleia de Deus presentes, pois todos sabiam o que fazer diante da conduo dos religiosos. Por isto, fiquei pensando: j que cada religio tem seu dia e horrio pr-fixado, ser que pacientes e familiares acabam se organizando da mesma forma? Bem, a resposta exigiria uma observao mais sistemtica do funcionamento do frum no Conceio.