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FORMAÇÃO DO CAMPESINATO NEGRO NO BRASIL: Reflexão categorial sobre os fenômenos “quilombo”, “remanescente de quilombo” e “comunidade negra rural” Maria do Carmo Brazil/DED/PPGH/UFGD E-mail: [email protected] Entraves à transformação do negro escravizado em camponês Desde o período colonial alguns cronistas contemporâneos da escravidão delinearam o quadro da economia escravista constituído pela predominância de uma monocultura que solapava a cultura de subsistência, trazendo como conseqüência a escassez de alimento e a extrema miséria do trabalhador escravizado. O jesuíta e pensador italiano Jorge Benci, em sua obra Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos (1700) trouxe a lume o problema causado pelos senhores, que racionavam o sustento a seus servos ou não permitiam tempo suficiente para buscá-lo: “[...] como é possível que o escravo ou escrava, estando em contínua lida ou trabalho, sustente a vida com a ração escassa de farinha de pau, sem outra cousa que o ajude a levar?” (BENCI, 1977, p. 58). No sistema escravista, o braço forte do homem escravizado devia ater-se apenas ao trabalho na grande lavoura monocultora. A cultura de subsistência era uma atividade pouco significante na lógica do escravismo mercantil. O tempo destinado à produção para uso tolhia a produção em grande escala. Pela lógica do escravismo colonial, não cabia ao fazendeiro preocupar-se com as condições de sustento do cativo. Investir nas plantações de subsistência demandava que o escravo ficasse muito tempo longe dos núcleos produtivos. A perda do cativo por morte determinava apenas a reposição por novos braços, já que o cativo era uma peça barata e de oferta abundante no mercado. Desenhava-se aí um quadro paradoxal, onde o cativo, gerador de toda a riqueza colonial, sucumbia à míngua em meio à extrema escassez de víveres. O historiador Décio Freitas em Palmares: a guerra dos escravos propõe, talvez de forma extremada, que a vida útil dos “escravos proletários”, ou seja, assenzalados, labutando nos canaviais e engenhos, não excedia provavelmente cinco anos (FREITAS, 1973, p. 28).

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FORMAÇÃO DO CAMPESINATO NEGRO NO BRASIL:

Reflexão categorial sobre os fenômenos “quilombo”, “remanescente de quilombo” e

“comunidade negra rural”

Maria do Carmo Brazil/DED/PPGH/UFGD E-mail: [email protected]

Entraves à transformação do negro escravizado em camponês

Desde o período colonial alguns cronistas contemporâneos da escravidão

delinearam o quadro da economia escravista constituído pela predominância de uma

monocultura que solapava a cultura de subsistência, trazendo como conseqüência a

escassez de alimento e a extrema miséria do trabalhador escravizado. O jesuíta e pensador

italiano Jorge Benci, em sua obra Economia Cristã dos Senhores no Governo dos Escravos

(1700) trouxe a lume o problema causado pelos senhores, que racionavam o sustento a seus

servos ou não permitiam tempo suficiente para buscá-lo: “[...] como é possível que o

escravo ou escrava, estando em contínua lida ou trabalho, sustente a vida com a ração

escassa de farinha de pau, sem outra cousa que o ajude a levar?” (BENCI, 1977, p. 58).

No sistema escravista, o braço forte do homem escravizado devia ater-se apenas ao

trabalho na grande lavoura monocultora. A cultura de subsistência era uma atividade pouco

significante na lógica do escravismo mercantil. O tempo destinado à produção para uso

tolhia a produção em grande escala. Pela lógica do escravismo colonial, não cabia ao

fazendeiro preocupar-se com as condições de sustento do cativo. Investir nas plantações de

subsistência demandava que o escravo ficasse muito tempo longe dos núcleos produtivos.

A perda do cativo por morte determinava apenas a reposição por novos braços, já que o

cativo era uma peça barata e de oferta abundante no mercado. Desenhava-se aí um quadro

paradoxal, onde o cativo, gerador de toda a riqueza colonial, sucumbia à míngua em meio à

extrema escassez de víveres. O historiador Décio Freitas em Palmares: a guerra dos

escravos propõe, talvez de forma extremada, que a vida útil dos “escravos proletários”, ou

seja, assenzalados, labutando nos canaviais e engenhos, não excedia provavelmente cinco

anos (FREITAS, 1973, p. 28).

Maria do Carmo Braziol
Referência bibliográfica deste artigo
Brazil, Maria do Carmo. Formação do campesinado negro no Brasil: Reflexão categorial sobre os fenômenos "quilombo", "remanescente de quilombo" e "comunidade negra rural". In: ENCONTRO DE HISTÓRIA DE MATO GROSSO DO SUL, 8., Dourados-MS. Anais... Dourados-MS: ANPUH, 2006. CD (ISBN 857598107-2)
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Esse aspecto foi narrado em diversas crônicas do período colonial. Conta o padre

Antonil que muitos cativos consumiam raízes e, não raro, rondavam a casa do escravizador

suplicando-lhe comida. Décio Freitas expõe caso narrado pelo frei Vicente de Salvador:

“[...] no trabalho noturno das moendas [os cativos] sorviam às ocultas o azeite doce que

iluminava as lamparinas. Descoberto o ardil, passaram os amos a adicionar ao azeite um

óleo nauseabundo e amargo ‘para que os negros não lambessem os candeeiros’ [...] a roupa

que recebiam de tempos em tempos consistia em calções de fazenda grosseira. Tinham por

moradia a senzala infecta, acanhada, promíscua.”(FREITAS,1973, p. 28).

A penúria do cativo só era contida porque, segundo Benci, alguns senhores do

Brasil “achando grande dificuldade em dar sustento aos escravos, que os ....[serviam] das

portas a fora nas lavouras dos Engenhos, lhes ... [dava] em cada semana, um dia, em que...

[podiam] plantar e fazer seus mantimentos, com os quais os que se não ...[davam] à

preguiça ...[tinham] com que passar a vida”(BENCI,1977, p.58). Entretanto, constata-se

pela própria exposição do jesuíta, que os cativos possuíam uma alimentação de pobre teor

nutritivo, à base de farinha de mandioca acompanhada, às vezes, de feijão ou carne seca.

Mais ainda, os cativos que dedicavam seus domingos aos cuidados de uma pequena horta,

eram obrigados a trabalhar, sem interrupção, também nos seis dias restantes.

O trabalho compulsório sob o olhar vigilante do feitor, a apropriação latifundiária; a

tenuidade do núcleo familiar nas senzalas e a reduzida produção olerícola dos trabalhadores

escravizados redundaram no conjunto de fatores que concorreram para a inexistência no

Brasil de um campesinato negro substancial, antes da abolição. O historiador rio-grandense

Mário Maestri vai além: “esses fatores contribuíram também à fragilidade da cultura de

raízes africana e afro-descendente nos campos, fenômeno que se expressou no

desaparecimento de línguas, Koinés e falares crioulos de origens africanas, amplamente

utilizados no Brasil, sobretudo nos séculos 17,18 e 19”.(MAESTRI, Aldeia... 2005, p.243.)

Isso não significa que no interior das fazendas mercantis agro-pastoris não tenha se

desenvolvido, em pequena escala, a economia de subsistência pelas mãos de homens pobres

e livres, consentida verbalmente por alguns proprietários. Moradores, agregados, posseiros,

rendeiros, meeiros produziam concomitantemente com a produção mercantil a cultura de

subsistência e, em troca faziam a vigilância da propriedade atuando como sentinelas e

capangas dos fazendeiros.

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Nos últimos anos da escravatura no Brasil importantes expoentes do movimento

abolicionista como André Rebouças defendiam a abolição do latifúndio como complemento

inseparável da abolição do escravo (Cf. Cartas a Rebouças, 1893). Isso também fica latente

nas palavras de Joaquim Nabuco: “Precisamos [...] empregar no trabalho rural toda essa

população inativa, privada de trabalho e para o gozo da qual nós deveremos reconquistar a

terra de que a escravidão fez um monopólio, por meio de um novo imposto que é uma

necessidade da situação - o imposto territorial”. (NABUCO, 1949, p. 286).

Nesse sentido o projeto abolicionista de democratização do solo visando a

sobrevivência e a integração do negro na sociedade de classe foi sumamente atropelado

pelos dispositivos da Lei de Terras, os quais foram criados, desde 1850, com o objetivo de

preservar o monopólio de poder (a terra), sob controle da classe hegemônica (os

latifundários escravistas). Por isso, o governo, sob a direção política dessa classe,

utilizando-se de ordenamento jurídico, criou mecanismos de impedimento de acesso à terra

ao trabalhador livre. Conforme as reflexões de José de Souza Martins em Camponeses e a

política no Brasil, o trabalhador escravizado e o trabalhador pobre e livre foram

expropriados ainda no período escravista. “Foi o próprio capital que, com a crise do

trabalho escravo, instituiu a apropriação camponesa da terra....Por essa razão o nosso

camponês não é um enraizado. Ao contrário, o camponês brasileiro é desenraizado, é

migrante, é itinerante. A história dos camponeses posseiros é uma história de

perambulação”. (MARTINS, 1981, p. 17).

Caboclos, posseiros, intrusos e até agregados que ocupavam precariamente alguns

espaços nos grandes latifúndios foram gradativamente expulsos da terra graças ao avanço

da produção mercantil: “Fazendeiros e especuladores compraram comumente direitos de

posse e legalizavam terras ocupadas por posseiros. Não raro, esses últimos foram

sumariamente expulsos ou eliminados fisicamente por capangas do latifúndio, quando

exteriorizaram a intenção de legalizar suas posses”. (Maestri, Aldeia... 2005, p. 253 ).

O avanço tecnológico nas atividades agrícolas acabou dispensando os serviços

daqueles segmentos no campo: “A inexistência de fortes laços aldeões e familiares

aprofundava ainda mais os handicaps social, político e cultural negativos vividos por

caboclos, posseiros, meeiros, moradores, intrusos etc., que raramente chegaram a

vislumbrar a possibilidade da legalização das posses que exploraram, assegurada pela Lei

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de Terras de 1850”. (MAESTRI, Aldeia... 2005, p.253). À medida que o grupo dirigente

via seus monopólios ameaçados - terra e escravo - passou a propor medidas para assegurá-

los eficazmente. Ou seja, já que a escravidão ficou condenada com a extinção do tráfico, o

grupo tratou de deslocar o peso da dominação sobre o escravo para a terra. Daí a aplicação

efetiva da Lei de Terra de 1850, sobretudo com a supressão do escravismo.

Apesar do compromisso assumido pelos abolicionistas no sentido de garantir o

futuro do escravo através da solução da questão agrária, muitos libertos (em idade ativa),

voltaram a desenvolver os trabalhos da lavoura e da pecuária, recebendo, em muitos casos,

o pagamento em espécie (carne, aguardente, roupas e utensílios), ou em dinheiro, cujo valor

mal dava para assegurar o próprio sustento. Independente de sua vontade, o liberto foi

submetido às rígidas regras do modelo econômico capitalista onde o trabalho livre

organizava-se com base num salário em nível da pura subsistência. (MARX, K. 1983, 139-

140). O salário de subsistência definia a condição econômica do trabalhador, limitando seu

consumo privado ao estritamente necessário para a sobrevivência física. Tratava-se, então,

de comprimir o salário dentro dos limites compatíveis com as imposições do capitalismo.

Nesse sentido, o exercício da força política da estrutura de dominação luso-

brasileira e brasileira praticamente obstruiu a formação e a consolidação de uma classe

camponesa de origem nacional antes e durante a crise do escravismo.

Com base nas análises do historiador Robert Conrad sobre a pós- abolição e a

reação dos fazendeiros do Império, Mário Maestri acentua que o advento da Republica

representou uma “verdadeira ‘contra revolução’ política, impulsionada em grande parte

pelos conservadores e cafeicultores convertidos ao republicanismo, contra a vitória do

Partido Liberal que, entregando o poder às oligarquias agrárias regionais, barrou a proposta

de reforma da ordem fundiária, consolidando o federalismo oligárquico em todo o Brasil”.

(MAESTRI, Aldeia... 2005, p.244 ).

Entraves à transformação do quilombola em camponês

As fugas de cativos e a multiplicação dos aquilombamentos nos sertões do Brasil

foram fatores que influenciaram profundamente a história política, social, econômica e

demográfica do Brasil.

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Escondidos nos vales dos rios, refugiados nos cerradões ou nos recônditos das

matas, nas áreas internas do país, nos planaltos brasileiros ou, ainda, nas terras

periodicamente inundadas da Amazônia e dos recantos pantaneiros, negros fugidos, índios

rebelados e brancos marginalizados formavam núcleos de resistência à escravidão. Na

esperança de lugares e dias melhores muitos fugiam por semanas, meses ou para sempre e,

já nos quilombos ou em terras além-fronteiras seduziam outros escravos a também se

evadirem com eles (BRAZIL, 2005, p.51).

A própria natureza social de sujeição do homem pelo homem e a utilização de sua

força para fins econômicos gerava variadas formas de reações. Mas a fuga era uma unidade

intrínseca da escravidão, ou melhor, escravidão e fuga formavam expressões inseparáveis

de uma mesma equação. Mas os cativos só deflagravam movimentos conjuntos de reação

quando se sentiam insuportavelmente ultrajados, no aspecto moral e físico. Os esquemas de

fugas em massa também eram acionados, não raro, no escurão da noite e somente quando

os escravos sentiam o afrouxamento no sistema de vigilância e controle.

Nesse sentido, no Brasil litorâneo, no Brasil sertanejo, no Brasil fronteiriço, no

Brasil pampiano registrava-se a ocorrência de grande número de cativos fujões à procura de

um ermo no coração das brenhas tentando a libertação da força do trabalho, e sua utilização

no quilombo, ou nas furnas alhures ou nos confins dos terrenos dominados pela Espanha.

(BRAZIL, 2005, p.51). Formavam clandestinamente pequenos, médios e grandes núcleos

agrícolas, conhecidos como quilombos, mocambos ou palmares. O núcleo de Palmares,

organizado no século 18, foi assim batizado por localizar-se numa das regiões botânicas do

interior de Alagoas, numa vasta zona onde a vegetação predominante são palmeiras, como

babaçu, carnaúba, bacuri, etc. Para o historiador Alberto da Costa e Silva "a palavra

'quilombo' teria o destino de ser usada com várias acepções, a mais famosa delas a de

habitação de escravos fugidos, em Angola, e a desses refúgios e dos estados que deles

surgiram no Brasil."( SILVA, 1992, p. 507).

Esses esconderijos abrigavam dezenas ou centenas, e excepcionalmente milhares de

escravos fugidos. Os documentos oficiais evidenciam a presença de quilombos nas

cercanias urbanas, nas proximidades das veredas mais freqüentadas, cujos membros

recorriam à pratica de pequenos furtos. Muitos quilombolas vendiam os produtos roubados

em vendas e tabernas localizadas nas proximidades dos núcleos de produção. Em geral,

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nesses locais, trocavam produtos como ouro, diamante, açúcar, café, cereais, etc., por

doces, garrafas de aguardentes, rolos de fumo e outras mercadorias apreciadas.

Alguns registros oficiais de Mato Grosso mostram a auto-suficiência econômica de

alguns quilombos, a luta dos quilombolas para manter a liberdade e o aliciamento de

escravos por calhambolas. As autoridades reclamavam que estes fugitivos promoviam,

sobretudo a partir de 1871, fugas coletivas, visando o fortalecimento dos seus aldeamentos:

“[...] em diversas ocasiões os [calhambolas] atacaram as fazendas e sítios tomando

mantimentos, mas o maior dos males e o alento que dão fuga de outros escravos, a quem

oferecem guarida acabando por aumentar os seus arranchamentos". (Livro de Ofícios

/Presidentes da Província de Mato Grosso - 1871-1878).

O gradativo crescimento dos quilombos, sua capacidade organizacional e as

constantes fugas dos núcleos produtivos regionais causavam tensões que ensejavam a

tomada de medidas enérgicas por parte do poder público. A partir daí eram organizadas

bandeiras e expedições de captura contra os quilombos mais audazes.

No interior das matas os quilombolas exploravam o extrativismo vegetal e nas áreas

de mineração faziam a extração clandestina dos veios. No entanto havia aldeamento de

fugitivos dedicados ao cultivo de víveres, como “grandes plantações de milho, feijão,

mandiocas, batatas, cará e outras raízes, assim como muitas bananas, ananazes, abóbora,

fumo e algodão de que faziam panos grossos que se

cobriam”.(Correspondências/Governadores de MT- 1777-1805).

A maioria dos núcleos agrícolas instalava-se em lugares de difícil acesso e eram

mais populosos. Um relatório de Estevão Ribeiro de Resende, datado 1º de março de 1840

revela que em Mato Grosso “[...] existia desde muitos anos um quilombo junto à barra do

rio Pirapitanga [...] havia 16 boas casas de morada com dois ou três lanços, sendo de alto

sobrado todas bem colxadas de modo tal que formavam entre si uma praça vazia. Tinham

três grandes roças porque seu forte era a lavoura, e tão provisionados os seus seleiros que

não foi possível a bandeira dar consumo dos mantimentos que achara [...]. A numerosa

escravaria tentou resistir à força, que se lhe apresentou por meios de armas, porém logo

cedeu evadindo-se alguns [...]”.(Relatório Presidencial, MT, 1840).

Mas, conforme lembra Maestri, o caráter clandestino e disperso dos aldeamentos

quilombolas representava um obstáculo às relações com comunidades congêneres e à

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eventual equalização sexual e etária por trocas de seus membros. Os limites da expansão

vegetativa dessas comunidades explicada pelo pequeno número de mulheres em idade fértil

prejudicavam o fortalecimento dos laços familiares no seio das comunidades quilombolas e

impediam o crescimento populacional. Além disso, não se pode esquecer que qualquer

comunidade quilombola nunca deixou de ter a função de refúgio, de efemeridade, já era

constantemente perseguida pelas forças repressivas do sistema. O avanço das bandeiras de

captura provocava sempre a rápida evacuação dos quilombos. Capturados os quilombolas

representavam precioso butim aos homens livres que se engajavam nas expedições

trilhadoras de coutos de escravos fujões.

A economia quilombola afigurava-se em sua essência à produção cabocla –

“coivara; rusticidade das ferramentas; inexistência da tração animal; domínio da produção

de subsistência; plantas de ciclo rápido; deslocamento das aldeias etc”. (MAESTRI,

Aldeia... 2005, 247).Localizados em recônditas paragens, de forma ilegal e dispersa os

núcleos de fugitivos impunham a efemeridade do cultivo agrícola quilombola não

permitindo vínculos profundos e essenciais com a terra ocupada. Dependendo das

circunstâncias muitas vezes o mocambeiro se via obrigado a renunciar às benfeitorias

realizadas no núcleo territorial de resistência para assegurar sua liberdade. (MAESTRI,

Aldeia... 2005, p. 247). Queimando e destruindo-lhes os seus quilombos e plantações

muitos fujões que conseguiam escapar das tropas de captura vagavam sem rumo pelas

matas e migravam para espaços considerados mais seguros.(Cf. Diário de

Diligência/Francisco Pedro de Melo, MT, 1795).

Conforme as análises de Maestri e Fiabani em O mato, a roça e a enxada (2006),

por razões produtivas, ecológicas e políticas, o quilombola não se apegava ao território.

Isso significa que abandonava sistematicamente quando ameaçado ou atacado. “Não havia

e não podia haver preocupação com a posse da terra. Para o quilombola, a terra era apenas

o local de objetivação do trabalho e, jamais, meio de apropriação do produto do trabalho

alheio ou bem de valor mercantil. Nesse sentido, em vez de propriedade coletiva ou

privada da terra, haveria controle provisório e superficial do território, como vimos,

cultivado através de lotes individuais ou familiares ou, quando muito, comunitários”.

(MAESTRI & FIABANI, 2006). As perseguições, a constante ameaça da captura, as

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incertezas, a forte repressão policial, o avanço da fronteira agrícola representam os motivos

de grande monta que suscitavam o desapego à terra.

A formação do campesinato negro no pós-abolição

Muitas comunidades rurais negras originaram-se na doação de terra a libertos, por

seus ex-proprietários; na ocupação de terras devolutas; no estabelecimento em fazendas

abandonadas; na compra de terras não legalizadas, etc. Mesmo antes da Abolição, libertos e

negros livres subsistiram como caboclos ou como pequenos plantadores nacionais, nas

margens e nos interstícios das fronteiras agrícolas em expansão, ao lado de comunidades

quilombolas formadas por cativos fugidos. Na pós-Abolição, essas comunidades negras

rurais “deram origem a um campesinato negro que tendeu a isolar-se, como já o haviam

feito os caboclos descendentes de nativos” (MAESTRI, 1984, p. 9-19). O advento da

República em 1889 trouxe consigo o caráter hegemônico do latifúndio oligárquico e na

tênue luz que entrava pelos interstícios da solidez da grande lavoura estava a tibieza de um

segmento camponês expropriado da terra.

O liberalismo republicano nada tinha a oferecer às vítimas do extinto regime legal

do trabalho cativo. Ao contrário, a velha cadeia de relações sociais, herdada do Império e

que deixou vincos profundos de marginalização política e social das comunidades caboclas

de raízes nativas ou africanas se solidificou na República nascente.

Afonso Henrique Lima Barreto foi o primeiro grande escritor mulato a trazer a lume

o desatinado projeto republicano que substitui o desgastado regime monárquico em 1889:

“toda a nossa administração republicana tem tido um constante objetivo enriquecer a antiga

nobreza agrícola e conservadora, por meio de tarifas, auxílios à lavoura, imigração paga,

etc”. (Cf. BOSI, 1992, 267). Essa lúcida compreensão sobre os interesses que moviam a

república do café vinha de sua visão crítica da realidade sócio-cultural. Alfredo Bosi

lembra que Lima Barreto tinha a consciência da falsa oposição “tematizada na belle

époque, entre cosmopolitismo e nacionalismo, degradados tantas vezes em formas

subliterárias de grã-finismo e caboclismo....” (BOSI, 1992, 267-8). De fato a frouxidão dos

laços familiares e aldeãs das comunidades, o caráter breve e fugaz de ocupação dos núcleos

de fugitivos permitiram que as terras caboclas, indígenas, negras e quilombolas

permanecessem como objeto de apropriação do latifúndio em contínua expansão, ora pela

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compra e aquisição fraudulenta de posses, ora pela expulsão sumária dos posseiros por

capangas.

Um aspecto levantado por José de Souza Martins diz respeito à falta de propósito de

alguns analistas ao compararem a forma de luta e a origem do camponês brasileiro do

século 20 com o campesinato russo do século 19: “Lá, o campesinato resistia à expansão do

capital porque era um campesinato apegado, ligado à terra....campesinato estamental

baseado na propriedade comunitária e tradicional da terra.....Aqui, ao contrário, o

campesinato é uma classe, não um estamento.É um campesinato que quer entrar na terra,

que ao ser expulso, com freqüência à terra retorna, mesmo que seja terra distante daquela

de onde saiu” (MARTINS, 1981, p.15-16).

A história do incessante processo de espoliação das comunidades caboclas e nativas,

que prossegue ainda, explica-se, seguindo a linha interpretativa de Martins, porque nosso

campesinato constituiu-se como fruto das contradições da expansão do capitalismo e “por

isso, todas as ações e lutas camponesas ...[receberam] do capital, de imediato, reações de

classe: agressões e violências, ou tentativas de aliciamento, de acomodação e

subordinação”. (MARTINS, 1981, p.15-16 ).

Da velha condição de agregado, emergiu a figura do sub-proletariado, à sombra do

imigrante proletariado europeu. Proliferou, a partir daí um exército de trabalhadores

expropriados ou semi-expropriados, constituídos basicamente por ex-trabalhadores

escravizados, negros, mulatos, índios e mestiços, mantidos na indigência cultural e técnica,

marginalizados nas franjas da economia de subsistência.

A partir do fim da década de 1930, com o início da Marcha para Oeste,

empreendida pelo governo Vargas, as terras das regiões envolvidas no projeto de

interiorização do Brasil valorizaram-se, ensejando que as comunidades tradicionais, em boa

parte afro-descendentes, de origens históricas diversas, que haviam passado até então quase

despercebidas, conhecessem uma fortíssima pressão fundiária: “...a Republica manteve

facilmente as classes subalternizadas plenamente afastadas da gestão do Estado. Sem

conseguirem organizar-se política e socialmente, esse segmento social rural foi mantido à

margem do jogo político e da legislação social e trabalhista. Como na ordem escravista, a

nacionalidade e a cidadania prosseguiram sendo compreendidas como monopólio exclusivo

das classes proprietárias ou pretensa origem européia”.(MAESTRI, Aldeia... 2005, p. 254).

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Os afro-descendentes de origens históricas diversas que se aglutinaram em núcleos

rurais foram e continuam sendo envolvidos no assinalado processo de invenção de tradição

e destruição do passado histórico, porque nos últimos anos tem sido considerado “ social e

politicamente correta a acepção de terras quilombola às terras de negros surgidas de

doações e apropriações não quilombolas, para facilitar a legalização da propriedade de

terras de comunidades camponesas negras nascidas antes ou após a abolição”.(MAESTRI,

Aldeia... 2005, p. 251).

Direito à terra... mas com direito à história

Apenas nos anos de 1970 e 1980, praticamente um século após a Abolição,

constatou-se o quanto eram insuficientes as análises sobre a importância dos quilombos

para a povoação do interior; para a história rural do Brasil; para a expansão da fronteira

agrícola; na formação das comunidades caboclas de origem africana; na influência dos

padrões do português falado no Brasil.

O avanço do conhecimento histórico sobre os quilombos e o desencadeamento do

processo de organização das comunidades negras ensejaram que, quando da Constituinte de

1988, fosse aprovado Dispositivo Constitucional Provisório – artigo 68 – determinando o

reconhecimento da propriedade da terra ocupada pelos “remanescentes das comunidades

dos quilombos”.

O mapeamento e comprovação das “comunidades remanescentes” comprovaram

que uma pequena parte das comunidades agrícolas afro-descendentes seria abrangida pela

Constituição Federal, o que constituía uma fragrante injustiça social. Assim sendo,

procurou-se contornar essa realidade, não através da extensão da Lei, mas com

interpretação abrangente e supra-histórica da categoria “quilombo”, que passou a designar,

em contradição frontal com a realidade histórica, toda e qualquer comunidade com raízes

africanas, fossem quais fossem suas origens. A partir de então, a definição de uma

comunidade rural e, a seguir, urbana, como “quilombola”, não se deu através do

reconhecimento de sua origem em um quilombo, na pré-Abolição, mas da simples auto-

proclamação como quilombolas de grupo social estável ou semi-estável com algum grau de

ancestralidade africana. Segundo as avaliações de Maestri “ constitui uma agressão à

memória e à história das classes trabalhadoras a denominação sumária como comunidade

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quilombola de toda e qualquer comunidade negra rural, independente de sua origem

objetiva, fenômeno em forte desenvolvimento nos últimos anos”. (MAESTRI, Aldeia...

2005, p.251).

Assim, a partir dos anos 1990, ao forçar a ampliação do direito à terra para toda e

qualquer comunidade da cidade e do campo com alguma origem afro-descendente,

empreendeu-se no Brasil um processo explícito de “invenção de tradição”, com objetivos

políticos. (Cf. HOBSBAWM, 1997) Em verdade, tratou-se de dissolução consciente da

objetividade dos fatos históricos, necessariamente ancorada na materialidade e na

temporalidade dos acontecimentos, para defini-los como produtos da subjetividade humana.

(FIABANI, 2005). Paradoxalmente, essa criação de tradição aleatória e negação da

história prosseguiu e prossegue mesmo após a ampliação da Lei, empreendida pela atual

administração presidencial, permitindo a inclusão de comunidade afro-descendentes de

raízes múltiplas nos benefícios da disposição transitória.

Efetivamente, em 2003, o art. 2 do Decreto Federal nº 4887, de 20 de novembro de

2003, determinou que fossem enquadrados nas facilidades da Lei os "grupos étnico-raciais,

segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações

territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a

resistência à opressão histórica sofrida". Portanto, a nova determinação estabelecia a

possibilidade plena da conquista pelas comunidades com afro-descendência do direito à

terra sem qualquer negação do direito à história. Temos que ampliar o conhecimento da

contribuição da via quilombola e da via escravista na composição do campesinato brasileiro

como um todo. Aceitamos a definição dos núcleos rurais negros contemporâneos de origens

múltiplas como novos quilombos. Mas não aceitamos a diluição arbitrária e autoritária da

especificidade dos quilombos que se formaram como forma de resistência ao sistema

escravista que vigorou legalmente até 1888 no seio dos fenômenos múltiplos e diversos

ensejados pelo escravismo, direta ou indiretamente, antes e após a Abolição – terra de

preto, rincão dos negros etc. (MAESTRI, 251).

Como assinalado, essa riquíssima tradição histórica de luta pela terra passou a ser

negada e, não raro, destruída, através da orientação externa de auto-definição, de toda e

qualquer comunidade afro-descendentes como “quilombola”. Essa violação de origem

externa de tradição histórica interna encontrou comumente oposição, em geral passiva, em

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comunidades ciosas de sua memória. Antropólogos envolvidos nessas propostas registram a

dificuldades de trabalhar com grupos que resistem na auto-designação como quilombolas,

estranha a um passado conhecido: “Essa resistência tem sido em geral vergada.

Apresentavam-se por meio de uma atmosfera de descontentamento e de grande resistência

em aceitar a autodefinição de ‘remanescentes de quilombos’ que vem sendo reivindicada

pelos grupos por meio de suas associações (...) As comunidades experimentam uma espécie

de persuasão coletiva de seus membros, mostrando-lhes a importância de se auto-definirem

quilombolas.” (TRINDADE, 2004).

Os quilombos formados antes de 1888 originaram-se de um processo de ocupação

territorial a partir da fuga do sistema escravista. Correspondem aos fenômenos históricos

estudados por Clóvis Moura (1959), Mário Maestri (1984), Benjamin Perét (1956), Carlos

Magnos Guimarães (1988), Édison Carneiro (1966), João José Reis (1986), José Alípio

Goulart (1971), Pedro Paulo Funari (1996), etc.

Então, a partir de que momento as “comunidades negras rurais” ganharam nova

essência histórica, passando a ser uma “comunidade remanescente de quilombo”?

Certamente a partir da década de 1990, devido ao art. 68 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias (O’DWYER, 2002) quando inúmeras “comunidades negras

rurais” do Brasil que na década de 1990 passaram a ser denominadas “comunidades

remanescentes”, fossem quais fossem suas raízes históricas.

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: camponeses negros e a pressão fundiária

Em A aldeia ausente: índios, caboclos, cativos, moradores e imigrantes na

formação da classe camponesa no Brasil, Maestri salienta que antes da abolição, alguns

senhores entregaram, em vida ou por testamento, nesgas de terras, comumente distantes e

pouco férteis, em geral para cativos domésticos. Sobretudo após a abolição, essas terras de

negros transformaram-se em pontos de atração para outros afro-descendentes, conformando

rincões de negros comuns em todo o Brasil. (MAESTRI, Aldeia... 2005, p. 247-8).

Em Mato Grosso alguns núcleos rurais negros (o de Mata Cavalos é um exemplo)

surgiram a partir de doações feitas por proprietários que entregaram, em vida ou por

testamento, glebas de terras para que fossem cultivadas pelos trabalhadores escravizados.

Após a Abolição, mesmo não legalizadas as propriedades, estas se transformaram em

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pontos de atração para muitos afro-descendentes. No Brasil, existem inúmeras comunidades

negras rurais que se originaram a partir da doação de terras. Mas se aplicarmos o conceito

histórico de quilombo para análise dessas comunidades elas não se sustentam como

remanescentes de antigos quilombos, gerados da fuga e da manifestação do protesto negro

ao cativeiro. Nestes locais o mais correto seria utilizar a designação de comunidade negra

rural.

Houve, igualmente, processos de apropriação da terra por afro-descendentes livres

antes e após a Abolição, como as comunidades de Furnas de Dionísio, de Furnas de Boa

Sorte e São Benedito, em Mato Grosso do Sul. Todos esses núcleos tiveram suas raízes

históricas ignoradas e foram uniformizados, no relativo à origem, através da definição

como “quilombolas” e, portanto, “remanescentes de quilombos”. Conforme a linha

interpretativa defendida por Maestri, depois da Abolição, “o ex-quilombola associou-se ou

diluiu-se na luta da população cabocla, em geral, e da população afro-descendente, de

diversas origens, em especial, pela defesa da terra de que detinha e pela conquista da terra

que necessitava” (MAESTRI, Aldeia... 2005, p. 251). O que o historiador não pode admitir

é que a própria memória da ascendência quilombola de um núcleo rural se desvaneça ou se

confunda com a memória histórica também frágil dos camponeses negros (livre ou libertos)

que conseguiram a terra via herança, doação, concessão, compra com recursos pecuniários,

simples ocupação.

O caso de Furnas de Dionísio é emblemático. Segundo informações orais, Antônio

Vieira Dionísio chegou à área rural de Jaraguari, a 48 km de Campo Grande, em 1901,

como “escravo fugido” procedente de Minas Gerais ou Goiás, acompanhado de familiares,

à busca de espaço de sobrevivência. O que se trata, possivelmente, de fusão de memória

histórica, que deve ser elucidada, e não consolidada. Ou seja, possivelmente, Dionísio foi,

ou seus genitores, escravos, e, após a Abolição, imigrou e se estabeleceu na região. Em

1901, os quilombos eram fenômenos historicamente superados, devido à abolição da

escravatura, treze anos antes. Os estudos antropológicos realizados em 2000 apontaram que

a comunidade negra de Furnas do Dionísio recebera a denominação de "remanescente de

quilombos". Parece claro que o núcleo de Furnas de Dionísio não constitui população

remanescente de quilombo, no seu sentido histórico, mas resultado de ocupação, como

tantas outras no Brasil, não legalizada e, portanto, geradora de direito inarredáveis sobre a

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terra, devido a fenômeno decorrente da exclusão social, econômica, racial, etc. Toda uma

realidade que exige elucidação histórica.

Somente com a interação social, com o acesso à informação e à escolarização as

comunidades rurais negras, a superação da falta de experiência histórica com a propriedade

da terra e a utilização de recursos teóricos capazes decifrar a fala, os gestos e a luta

camponesa tendem a alcançar o conhecimento de direitos e deveres sociais, a legitimação

das terras ocupadas e, conseqüentemente o pleno exercício da cidadania.

Hoje os camponeses negros para garantir seus direitos vêm se alinhando aos

movimentos sociais organizados que lutam pelo direito à terra e à inclusão social. Daí a

necessidade de um esforço cientifico permanente pela recuperação da trajetória singular das

comunidades negras rurais e contribuir para o avanço do conhecimento histórico do

passado das classes trabalhadoras, em geral, e para a tomada de consciência de suas raízes

históricas pelas comunidades protagonistas dos fatos, em particular.

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