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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO E LETRAS PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARIA APARECIDA SANCHES MARTINS FORMAÇÃO CONTINUADA: POR QUE OS PROFESSORES NÃO LÊEM? SÃO BERNARDO DO CAMPO 2008

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO E LETRAS

PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARIA APARECIDA SANCHES MARTINS

FORMAÇÃO CONTINUADA:

POR QUE OS PROFESSORES NÃO LÊEM?

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2008

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MARIA APARECIDA SANCHES MARTINS

FORMAÇÃO CONTINUADA:

POR QUE OS PROFESSORES NÃO LÊEM?

Monografia apresentada no curso de pós- graduação à Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Educação e Letras, Curso de Pós-Graduação, para obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Formação de professores. Orientação: Profª Drª Zeila de Brito Fabri Demartini.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2008

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FICHA CATALOGRÁFICA

M366f

Martins, Maria Aparecida Sanches Formação continuada: por que os professores não lêem? /

Maria Aparecida Sanches Martins. 2008. 133 f.

Dissertação (mestrado em Educação) --Faculdade de

Educação e Letras da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2008.

Orientação: Zeila de Brito Fabri Demartini

1. Professores - Formação continuada 2. Professor - Leitura 3. Hábito de leitura I. Título.

CDD 374.012

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Dedico esta dissertação às minha filhas, Silvia e Sabrina e ao meu marido Francisco, pelo privilégio de tê-los ao meu lado sempre.

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AGRADECIMENTOS

À Profª. Drª Zeila de Brito Fabri Demartini pela orientação primorosa, constante,

amiga e incentivadora.

À Profª Drª Graziela Serroni Perosa e a Profª Drª Edna Maria Barian Perroti pelas

contribuições para a finalização desta pesquisa.

Aos amigos Egberto e Denise pelas contribuições e incentivo durante a minha

trajetória profissional.

Aos professores participantes desta pesquisa pela ajuda, colaboração,

disponibilidade durante a construção deste trabalho.

Aos colegas de mestrado.

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RESUMO

Neste estudo, busco desvelar a relação entre formação continuada de

professores e a prática de leitura, considerando a instituição do ato de ler e suas

implicações e relacionando conceitos, fatos, causas e efeitos. Apresento uma

retrospectiva da iniciação às letras no mundo, pontuando conceitos e as

diferentes metodologias utilizadas para o desenvolvimento da indissociável dupla

leitura e escrita, considerando os aspectos sociais e as exigências de cada

época. Tomo como base os escritos de Alberto Manguel, Uma história da leitura,

e a obra Formação do Brasil Colonial, de Arno Wheling & Maria José C.M.

Wheling, que direcionam a síntese da implementação da aquisição de leitura e

escrita no Brasil e conduzem o discurso para um breve histórico da formação

continuada na rede estadual de São Paulo. A instituição da formação continuada

e a concepção do conceito de formação continuada, segundo a literatura

específica, permitem a percepção de algumas mudanças nas representações

sociais assumidas pelos docentes em relação à educação, ao processo de ensino

e aprendizagem e ao seu papel como indivíduo ativo historicamente situado.

Exemplifico a formação continuada de professores com a análise do programa

EMR – Ensino Médio em Rede. O estudo inclui inicialmente a observação, seguida

da análise, das opiniões expressas em questionários e entrevistas de professores

com participação efetiva no programa EMR. A história da vida de três

professores, enfocando a formação leitora, auxilia no entendimento do processo

de leitura e sua influência na constituição dos sujeitos enquanto leitores e o

impacto da prática de leitura em sua atividade docente. A identificação das

situações que envolvem o processo de leitura e escrita, bem como dos elementos

que corroboram ou não para seu aprimoramento, contribui para uma discussão

relevante para a efetiva ampliação da prática de leitura.

Palavras-chave: formação continuada; professores; leitura.

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ABSTRACT

In this study I intend to find out the relation between teaching training and

the reading practice, taking into consideration the institution of the reading

process and its implications, relating concepts, facts, causes and its effects. I

present a retrospect of the initiation to the letters in the world, when reading is

punctuating concepts and the different methodologies used for the development

of the reading and writting, considering the social aspects and the demands of

each time.I use the written ones of Alberto Manguel, A history of the reading, and

the Work Formation of Colonial Brazil, of Arno Wheling and Maria José C.M.

Wheling, that direcionam the synthesis of the implementation of the acquisition of

reading and writing in Brazil and they drive the speech for soon historically of the

formation continued in the state of Sao Paulo.

The institution of the continued formation and the conception of the

concept of continued formation, according to the specific literature, allow the

perception of some changes in the social representations assumed by the

teachers regarding the education, the process of teaching and apprenticeship and

his paper like historically situated active individual. . A brief historical

background of the teaching training in the Public School System of Sao Paulo,

using as example the analysis of the EMR Program –(Ensino Medio em Rede). The

study includes initially the observation followed by the effective participation in

the program, questionnaires and interviews. It seeks for an understanding of how

the teachers set themselves up as real readers and the impact of this process

whereas professional teachers contributes to a relevant discussion to the

effective broaden of the reading practice.

Keywords: teacher training, teachers, reading

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 01 1 MEMÓRIAS................................................................................................... 07 1.1 LEITURA E DIVERSIDADE........................................................................ 07 2 A FORMAÇÃO CONTINUADA..................................................................... 28 2.1 A FORMAÇÃO CONTINUADA E A REDE DE ENSINO ............................ 30 2.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA NA REDE ESTADUAL DE SÃO PAULO .. 40 2.2.1 O PROGRAMA ENSINO MÉDIO EM REDE........................................... 43 3 OPINIÕES DOS PROFESSORES SOBRE O EMR – ENSINO MÉDIO EM REDE ............................................................................................................... 49 3.1 ACOMPANHANDO O DESENVOLVIMENTO: QUESTIONÁRIOS E ENTREVISTAS ................................................................................................ 50 3.2 AS OPINIÕES DOS PROFESSORES EXPRESSAS NOS QUESTIONÁRIOS ........................................................................................... 55 4 A LEITURA E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES: ANALISANDO ALGUMAS TRAJETÓRIAS............................................................................. 68 4.1 OS PROFESSORES, A LEITURA E SUAS TRAJETÓRIAS...................... 69 4.1.1 O Artista .................................................................................................. 69 4.1.2 A Leitora .................................................................................................. 73 4.1.3 A Imigrante .............................................................................................. 77 4.2 LEITURA E HERANÇA CULTURAL........................................................... 81 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 88

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................ 99 ANEXOS ........................................................................................................ 104

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Lista de Siglas

ATP → Assistente-técnico-pedagógico CENP → Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas EF → Ensino Fundamental EM → Ensino Médio EMR → Ensino Médio Em Rede HTPC → Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo LDB → Lei de Diretrizes e Bases P → Professor PC → Professor-Coordenador

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INTRODUÇÃO

A Educação é um tema abrangente e polêmico, por estabelecer relações diretas

com todos os desmembramentos existentes dentro de uma sociedade. E tem sido

objeto de estudo de filósofos e especialistas, que clamam por uma educação de melhor

qualidade em busca de eqüidade social.

Infelizmente, chegamos ao século XXI com 1/5 da população adulta mundial sem

saber ler e escrever. Esse foi o resultado apresentado no quarto relatório do Programa

“Educação para Todos”1, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência

e Cultura (Unesco), que ainda afirma que 75% dos 771 milhões de adultos iletrados de

todo o mundo vivem em apenas 12 países, entre os quais estão Brasil, Índia, China,

Etiópia e Nigéria.

Em relação ao Brasil, os dados da Unesco reiteram os resultados das pesquisas

internas – de domínio público, pois são veiculados pelas diferentes mídias –,

demonstrando o caos instaurado em nosso sistema educacional: uma grande parcela

dos estudantes conclui os ensinos fundamental e médio sem adquirir as habilidades e

competências mínimas propostas pelos cursos – ou seja, não lêem nem escrevem.

Outra parcela “lê”, mas não consegue identificar as informações explícitas em um texto.

Apenas uma minoria apresenta as habilidades e competências em leitura e escrita

1 Disponível em: <www.unesco.pt/cgi-bin/educacao/programas/edu_programas.php>. Acesso em: 26/10/2006.

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compatíveis com seu nível escolar. Os estudos sobre leitura consideram o leitor

competente como aquele que transita pelos diferentes tipos de textos, orais ou escritos

e analisa, argumenta, interpreta, interage, infere, apropria-se e recria de acordo com o

contexto.

No entanto, essas mesmas mídias divulgam outros dados que suscitam alguns

questionamentos. Por exemplo, em sua edição de 27/11/2007, o jornal Tribuna da

Imprensa publicou texto intitulado “Os novos rumos do mercado editorial”, que diz que,

“hoje, o Brasil é o primeiro na América Latina em consumo de livros, com um potencial

gigantesco ainda a ser explorado...”. Outro jornal, a Gazeta Mercantil, afirma que:

O mercado editorial brasileiro é promissor. São mais de 500 editoras, cerca de 35 mil títulos lançados anualmente e 300 milhões de exemplares vendidos. Atualmente, há um potencial de 27 milhões de leitores, segundo a Câmara Brasileira do Livro. Entretanto, mais de 60% dos brasileiros adultos alfabetizados têm muito pouco ou nenhum contato com os livros. De cada 10 não leitores, sete provêm de camadas sociais com baixo poder aquisitivo. (ALQUÉREZ, 2006, p.09)

Diante do exposto, pode-se afirmar que, apesar de o Brasil ser um grande

produtor de livros, a maioria da população não lê. Como entender esse paradoxo? Há

uma gama enorme de possibilidades de resposta a essa pergunta, porém a mais

pertinente é a que estabelece a relação ensino-aprendizagem mediada por um

professor, pois cabe a esse profissional a tarefa de desenvolver estratégias que

contribuam com o processo de ensino-aprendizagem da leitura e escrita.

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Em 2003 teve início o projeto denominado Bolsa-Livro para professor, com o

objetivo de difundir a leitura entre os professores e proteger o livro. Esse projeto foi

seguido da sanção, promulgação e publicação da Lei nº 10.753, do mesmo ano. Afinal,

por que essa lei foi elaborada? Quem responde é o professor da USP Gabriel Perissé:

Mais da metade dos professores brasileiros (ou seja, mais de 1 milhão e quinhentos mil professores) não têm [sic] o hábito da leitura (segundo o Instituto Paulo Montenegro). Nemo dat quod non habet, ninguém dá aquilo que não tem. Nossos alunos (cerca de 50 milhões de pessoas estão estudando hoje no Brasil) vêem boa parte de seus professores carentes da paixão pela leitura... (PERISSÉ, 2007, p. 27).

A mesma constatação do professor Perissé é encontrada nos estudos de outros

especialistas, como Rösing (2003), Zilberman (2003) e Cereja (2005). Logo, ela dá

origem a mais indagações: que relação há entre leitura e formação? Como é a leitura

na formação continuada do professor? Em quais circunstâncias os professores lêem?

Qual a relação entre leitura e sala de aula e quais são as suas implicações? Seria

possível elencar um grande número de questões, mas, na realidade, todas se resumem

a apenas uma: por que os professores não lêem? Essa pergunta é um enigma para

mim, por isso sua resposta transformou-se em meu objeto de estudo no curso de

mestrado em Educação.

Nesse sentido, este estudo orienta-se pelo objetivo de investigar a construção da

prática de leitura dos professores da rede estadual paulista e a relação entre essa

prática e a formação contínua do professor. A fundamentação teórica refere-se aos

temas da formação de professores e da leitura e linguagem, baseando-se na história da

iniciação às letras (MANGUEL, 2003) perpassando pela formação continuada de

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professores no Brasil (ANDRÉ, 2002) e as concepções que pontuam a relevância da

formação crítico-reflexiva, conforme abordagem defendida por autores como PIMENTA

(2002), GARCIA (1999), MARTINS (1996), NÓVOA (2002), RÖSING (2003).

Na fase preliminar, percebi a necessidade de estabelecer a relação da prática de

leitura com outras áreas de conhecimento e outros estudos, pois o problema da falta de

leitura não se resume à esfera sociopolítica: ele é muito mais abrangente, pois abarca

também o capital cultural (BOURDIEU; NOGUEIRA; CATANI, 2007, p. 10), e nele se

insere a formação do docente, o centro da questão.

Desse modo, para desmembrar os fatos e reconstruí-los em busca de novos

caminhos, como em qualquer estudo, reuni uma série de dados que, por envolverem

setores distintos, são aparentemente fragmentados, e podem parecer desconexos,

apesar de sua intrínseca ligação.

Assim, para esta investigação foram coletados dados a partir de dois

questionários, aplicados inicialmente a trinta professores de uma escola pública

estadual, localizada na região central de São Bernardo do Campo/SP, buscando uma

melhor compreensão da relação da prática de leitura com a formação continuada e

conhecer as contribuições decorrentes dessas ações de acordo com a visão dos

professores. Os dados coletados por meio dos questionários no período de 2004 a

2006 foram analisados tanto sob enfoque quantitativo quanto qualitativo.

No intuito de clarificar a relação leitor-docente, a formação continuada e a

percepção evidenciada nos dados acima, de que a prática de leitura está

intrinsecamente associada à inserção do indivíduo ao mundo das letras, optei pela

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elaboração de entrevistas com alguns dos participantes da pesquisa; levantei suas

trajetórias considerando o processo de formação enquanto leitor(a) e a influência do

referido processo na formação profissional. O texto traz, ainda, as histórias de vida de

três professores participantes, as quais exemplificam e ratificam este discurso.

Desse modo, obtive informações para elaborar meu quebra-cabeça. Por isso, em

um primeiro momento, pensei em utilizar a metáfora da colcha de retalhos: a tarefa

então seria costurar os retalhos (fragmentos). Mas o alinhavo (esboço) evidenciou que

o produto final, apesar de conter todos os retalhos, não apresentaria o toque do

artesão, diferenciando esta colcha das demais.

Devido à inserção em outros campos, optei pela bricolagem, com a mesma

acepção de Lévi-Strauss e Hillmann. O primeiro, de acordo com seus tradutores,

entende que o bricoleur caracteriza-se “especialmente pelo fato de operar com

materiais fragmentários já elaborados, ao contrário, por exemplo, do engenheiro, que,

para dar execução ao seu trabalho, necessita da matéria-prima” (Lévi-Strauss, 1999, p.

32). O segundo considera que

A poesia do bricolage lhe advém, também e sobretudo, do fato de [que] não se limita a cumprir ou a executar, ele não “fala” apenas com as coisas, [...] mas também através das coisas: narrando, através das escolhas que faz entre possíveis limitados, o caráter e a vida de seu autor. Sem jamais completar seu projeto, o bricoleur sempre nele coloca alguma coisa de si. (HILLMANN, 1998, p.130)

Assim, este estudo, que tem por objetivo contribuir com a formação continuada

de professores e o desenvolvimento da prática de leitura apresenta os seguintes

fragmentos: minhas próprias memórias, isto é, a trajetória das reflexões responsáveis

pelo processo de produção deste texto, e a elaboração do problema de investigação; o

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ato de ler e suas implicações, considerando as diferentes situações comunicativas; os

indivíduos, relacionando conceitos, fatos, causas e efeitos, e um breve histórico da

formação continuada de professores da rede estadual de São Paulo.

Também apresento o programa EMR – Ensino Médio em Rede, da Secretaria de

Estado da Educação de São Paulo, elaborado pela CENP – Coordenadoria de Estudos

e Normas Pedagógicas. Escolhi esse programa devido ao meu envolvimento com ele.

No primeiro módulo (2004) participei como ouvinte, já que era voltado apenas para

professores que ministravam aulas nas salas regulares do ensino médio, sendo

aplicado durante o horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC). Em 2005, na

função de assistente técnico-pedagógico (ATP), fui observadora do grupo de

coordenadores responsáveis pela “multiplicação”. No ano de 2006, atuei como

representante de área (código, linguagens e suas tecnologias). Essas vivências

possibilitaram-me visões e abordagens diferentes, que se constituíram em relevante

material para o estudo, no qual também incluo um resumo das impressões dos

professores sobre a proposta e os resultados obtidos.

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CAPÍTULO I

MEMÓRIAS

1.1 Leitura e diversidade

A leitura se faz presente em nossas vidas desde nossos primórdios, mesmo sem

termos consciência disso. Toda vez que acionamos nossos sentidos e nossas emoções

em conseqüência de um ato, uma fala, estamos lendo o outro ou a nós mesmos. Assim,

diferenciar um olhar de reprovação de um olhar carinhoso significa que estamos nos

comunicando, desenvolvendo nossa habilidade de atribuir significados, exercitando

nossa capacidade de se expressar. Por isso, entendo que toda e qualquer forma, direta

ou indireta, de ler influencia a nossa leitura de mundo, aprimorada pela aprendizagem

formal da leitura e da escrita. De acordo com os significados atribuídos e considerando

o contexto, os indivíduos se constituem como ser, conquistando autoridade e liberdade.

Portanto, a nossa leitura se dá em face do outro.

Os seres humanos, feitos à imagem de Deus, também são livros a serem lidos. Aqui, o ato de ler serve como metáfora para nos ajudar a entender nossa relação hesitante com o nosso próprio corpo, o encontro, o toque e a decifração de signos em outra pessoa. Lemos expressões no rosto, seguimos gestos de um ser amado como um livro aberto. “Tua face, meu cavaleiro”, diz lady Macbeth ao esposo, “é como um livro onde os homens podem ler estranhas coisas”. (MANGUEL, 2003, p. 197-198)

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Segundo o autor, para lermos o mundo, um livro, o corpo não bastam, porque a

função de ler é associada a outras funções corporais essenciais. Tanto que, na Idade

Média, o aprender a ler era relacionado aos sentidos: os judeus celebravam a iniciação

às letras com a festa de Shavuot.

O menino a ser iniciado era envolvido num xale de orações e levado por seu pai ao professor. Este sentava o menino no colo e mostrava-lhe uma lousa onde estava escrito o alfabeto hebraico, um trecho das Escrituras e as palavras “Possa a Torá ser tua ocupação”. O professor lia em voz alta cada palavra e o menino as repetia. A lousa então era coberta com mel e a criança a lambia, assimilando assim, corporalmente, as palavras sagradas. (MANGUEL, 2003, p. 90)

Um método semelhante era utilizado na sociedade medieval judaica: os versos

bíblicos, escritos com ovos descascados e tortas de mel, eram ingeridos pela criança

após a leitura em voz alta para o professor. No início da Renascença, aprender a ler e

escrever era uma tarefa para os aristocratas, embora em algumas regiões esse

aprendizado fosse considerado um ato menor, efetuado pelos clérigos pobres. Também

podemos notar uma contradição nesse período: a maioria dos meninos e meninas

aprendia as letras muito cedo, ou seja, o estudo não era privilégio dos homens, porém

era elitista. A ama-de-leite era escolhida com muito cuidado, pois além de amamentar,

ela deveria garantir a fala e a pronúncia corretas.

Entre 1435 e 1444, Leon Battista Alberti escreveu: “cuidar de crianças muito

pequenas é tarefa das mulheres, cabe às amas ou mães, pois o alfabeto deveria ser

aprendido na idade mais tenra”. (ALBERTI, Leon B. apud MANGUEL, 2003)

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As crianças aprendiam a ler soletrando, repetindo as letras apontadas pela ama ou mãe em uma cartilha ou abecedário. [...] A imagem da figura materna ensinando era tão comum na iconografia cristã quanto era rara a da estudante feminina em pintura em salas de aula. (MANGUEL, 2003, p. 90)

Dessa maneira, entendo leitura como uma ação que independe de nossa

vontade. Podemos interferir no seu aprimoramento por meio de técnicas e instrumentos

diversos, mas considerar nossas percepções como parte integrante do nosso corpo

requer que tenhamos consciência dele: essa é a leitura mais importante e, infelizmente,

a menos praticada e a mais abstrata, o que dificulta a assimilação dos diferentes

significados atribuídos à leitura. Por isso, desde a Antigüidade, muitas metáforas

associando homem/livro foram criadas. Em uma conversa com Santo Agostinho, seu

discípulo Francesco lhe confessa estar cansado da correria da cidade. Agostinho

responde que a vida de Francesco é um livro como aqueles da biblioteca do poeta, mas

um livro que ele ainda não sabe ler. Em Manguel (2003) encontramos outra

comparação, que diz que “por mais que os leitores se apropriem de um livro, no final,

livro e leitor tornam-se uma coisa só. O mundo, que é um livro, é devorado por um

leitor, que é uma letra no texto do mundo”. (p. 21)

Há também as metáforas gastronômicas. Francis Bacon, no século XVI,

escreveu: “Alguns livros são para se experimentar, outros para serem engolidos, e uns

poucos para se mastigar e digerir”. (BACON, Francis apud MANGUEL, 2003, p. 199) A

utilização das metáforas gastronômicas tornou-se corriqueira, mas com muito efeito.

Por exemplo, na cena de abertura do livro Love for Love (Amor por amor), William

Congreve faz a personagem do pedante Valentine dizer a seu criado:

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“Lê, lê, imbecil, e refina teu apetite; aprende a viver com instrução; banqueteia tua mente e mortifica tua carne; lê, e ingere teu alimento pelos olhos; fecha tua boca e mastiga o bolo alimentar do entendimento”.“Ficareis extremamente gordo com esta dieta do papel”, é o comentário do criado. (MANGUEL, 2003, p. 200)

O livro tornou-se símbolo de conhecimento de si, do outro, do mundo. O frei Luís

de Granada, no século XVI, em sua obra Na Introdución al símbolo de la fé, pergunta:

O que são todas as criaturas deste mundo, tão lindas e tão bem feitas, senão letras separadas e iluminadas que declaram tão justamente a delicadeza e a sabedoria de seu autor? [...] E nós também [...] tendo sido colocados por vós diante deste maravilhoso livro de todo o universo, de tal forma que por meio das criaturas, como se fossem letras vivas, podemos ler a excelência do nosso Criador. (GRANADA, Luís de apud MANGUEL, 2003, p.197)

Naquela época os livros tornaram-se objetos tão valiosos que era muito comum

serem roubados. Eram tantos os ladrões de livros que, em 1752, o papa Benedito XIV

publicou um texto afirmando que eles seriam excomungados. E na biblioteca do

Mosteiro de São Pedro, em Barcelona, estava escrito:

Para aquele que rouba ou toma emprestado e não devolve um livro de seu dono, que o livro se transforme em serpente em suas mãos e o envenene. Que seja atingido por paralisia e todos os seus membros murchem. Que definhe de dor, chorando alto por clemência, e que não haja descanso em sua agonia até que mergulhe na desintegração. Que as traças corroam suas entranhas como sinal do Verme que não morreu. E quando finalmente for ao julgamento final, que as chamas do Inferno o consumam para sempre. (apud MANGUEL, 2003, p. 276)

Diante do exposto, pode-se verificar a relevância do ato de ler e escrever desde

há muito tempo para a humanidade. O uso da cartilha para a iniciação no mundo das

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letras é uma prática antiga, e sua eficácia depende do objetivo e da metodologia de

quem a usa. Da Antigüidade para cá, elaborou-se uma infinidade de estudos para o

aprimoramento do desenvolvimento da leitura e da escrita, mas paradoxalmente os

leitores não se formam na mesma proporção. Hoje há muitos compêndios explicando,

esmiuçando o ato de ler, que, devido ao avanço ocorrido em todas as áreas, deveria

ser algo tão natural quanto tomar água, alimentar-se, banhar-se. Não se deve entender

isso como um reducionismo. É evidente que o estudo formal das variadas estratégias

para a apropriação adequada dos diferentes tipos de textos se faz necessário, mas este

deveria ser um instrumento ou uma técnica de aperfeiçoamento, e não de exclusão

social, uma vez que o domínio da norma padrão da língua é uma forma de ascensão

profissional e social.

As mudanças ocorreram da Idade Média para cá em todas as áreas, entretanto

na educação os estudos demonstram ainda a mesma preocupação: ampliar o número

de alfabetizados e letrados. As definições de Soares para as duas modalidades são as

seguintes:

Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita. Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se Letramento, que implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos (SOARES, 1999 apud RIBEIRO, 2003, p. 91).

Essas definições são exemplos para os termos alfabetização e letramento. No

entanto, Soares enfatiza a sutil diferença de ambos, a partir do valor da distinção

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terminológica. Considerá-la é importante para estabelecer o equilíbrio entre a

aprendizagem do sistema e as práticas sociais:

Porque alfabetização e letramento são conceitos freqüentemente confundidos ou sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo que é importante também aproximá-los: a distinção é necessária porque a introdução, no campo da educação, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do processo de alfabetização; por outro lado, a aproximação é necessária porque não só o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro do conceito de letramento, como também este é dependente daquele. (SOARES, 2003, p. 90)

Paulo Freire, em seu artigo “A importância do ato de ler” (1988, p. 80), afirma que

o processo de leitura envolve uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota

na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa

a se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra,

daí o fato de a posterior leitura desta não poder prescindir da continuidade da leitura

daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. Desse modo, a

compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das

relações entre o texto e o contexto.

Após focar o lado empírico da leitura associado às percepções que nos permitem

a leitura de mundo, faz-se necessário relacioná-la com os pensamentos dos

especialistas em leitura hoje. Eles apresentam um ponto em comum: a importância da

reflexão sobre o emprego das múltiplas linguagens, o uso das novas tecnologias e as

mudanças nos hábitos de leitura e a necessidade de ampliar o número de leitores com

condições de exercer de fato sua cidadania.

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Também é consenso que o caminho para o conhecimento é a leitura, a qual

pode ser: visual (geralmente solitária e silenciosa, envolve leitor e texto); auditiva (há

um leitor para um ou mais receptores); oral (reunião da leitura visual e a auditiva). No

entanto, qualquer tipo de leitura é um encontro de um ser em face de outro.

Lajolo (1993), no artigo “Apostando na leitura”, publicado na Folha de S.Paulo,

diz que a leitura do mundo é aprendida na escola da vida, enquanto que a leitura de

livros exige um aprendizado sistematizado, que geralmente acontece na escola. Porém

tanto a leitura do mundo quanto a de livros só se aprende e se vivencia de forma plena

coletivamente, em troca contínua de experiências com os outros. É nesse intercâmbio

de leituras que se refinam, reajustam e redimensionam hipóteses de significado,

ampliando constantemente a nossa compreensão dos outros, do mundo e de nós

mesmos.

Zilberman (2003) entende que ler não é decifrar de forma aleatória o sentido de

um texto, mas sim, a partir de um texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir

relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada leitor, reconhecer nele o

tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono de sua própria vontade, entregar-se a

essa leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista.

Silva (1994) demonstra que vê na leitura a possibilidade de o leitor se tornar

autônomo e consciente, pois através dela ele interage com o mundo. Ao aprender a ler

ou ao ler para aprender, o indivíduo executa um ato de conhecer e compreender as

realizações humanas registradas através da escrita.

A leitura também é um instrumento de libertação, porque propicia o

desenvolvimento de diferentes percepções e habilidades responsáveis por acionar os

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mecanismos de tomada de consciência do ser de sua condição humana, e, através da

conquista da autoridade, esse ser humano adquire a sua autonomia.

Assim, a leitura e a escrita são, fundamentalmente, um ato político, na medida

em que apresentam uma relação ideológica de interpretações capaz de transformar as

condições sócio-político-culturais. Por isso é importante que todos os formadores de

leitores – professores, bibliotecários, pais, etc. – tenham consciência de seu papel

político com a transformação social, pois o domínio da leitura pode se transformar em

um instrumento de dominação ou libertação. A história da humanidade demonstra que a

adoção de ações políticas na área educacional geralmente é vinculada aos interesses

e/ou necessidades da classe dominante.

Essa constatação vem de longe. De acordo com Manguel (2003, p.132-134),

Saturnino Martinez, charuteiro e poeta cubano, com o apoio de vários intelectuais,

publicou em 1865 um jornal chamado La Aurora, destinado aos trabalhadores das

fábricas de charuto. As edições continham textos abordando política, ciência, literatura.

O jornal apresentou trabalhos traduzidos de autores europeus como Schiller e

Chateaubriand, resenhas literárias e denúncias, entre outros. Mas La Aurora não se

tornou popular devido ao analfabetismo. Martinez então decidiu fazer uma leitura

pública. Conversou com o diretor do ginásio de Guanabacoa e propôs que a escola

auxiliasse na leitura nos locais de trabalho. Assim, o diretor conversou com os

trabalhadores e o dono da fábrica El Fígaro e os convenceu da importância de tal

empreitada. E, em 7 de janeiro de 1866, La Aurora noticiou:

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A leitura nas fábricas começou pela primeira vez entre nós, e a iniciativa pertence aos honrados trabalhadores da El Fígaro. Isso constitui um passo gigantesco na marcha do progresso e do avanço geral dos trabalhadores, pois dessa maneira eles irão gradualmente se familiarizar com os livros, fonte de amizade duradoura e grande entretenimento. (apud MANGUEL, 2003, p. 133)

Batalhas do século, livro histórico, O rei do mundo, romance didático de

Férnandez Y González, e um manual de economia política de Flórez y Estrada foram os

livros mais lidos pelos trabalhadores da El Fígaro e também por trabalhadores de outras

fábricas que aderiram à leitura pública, que fez tanto sucesso que em pouco tempo

ganhou a reputação de “subversiva”. E poucos meses depois – mais exatamente em

14 de maio de 1866 –, o governo de Cuba baixou o decreto:

1. É proibido distrair os trabalhadores das fábricas de tabaco, oficinas e fábricas de todo tipo com a leitura de livros e jornais, ou com discussões estranhas ao trabalho em que estão empenhados. 2. A polícia deve exercer vigilância constante para fazer cumprir este decreto e colocar à disposição de minha autoridade os donos de fábricas, representantes ou gerentes que desobedeçam a esta ordem, de modo que possam ser julgados pela lei segundo a gravidade do caso. (apud MANGUEL, 2003, p.133)

Como todo fruto proibido é uma tentação, as leituras prosseguiram às

escondidas até mais ou menos 1870, quando desapareceram com a deflagração da

Guerra dos Dez Anos. O jornal La Aurora também acabou. Entretanto, as leituras foram

retomadas pelas mãos dos operários cubanos que imigraram para os Estados Unidos

em 1869.

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No Brasil, em 14 de dezembro de 1890, Rui Barbosa mandou queimar todo e

qualquer papel existente no Ministério da Fazenda relativo à escravidão, para impedir

os possíveis pedidos de indenização dos senhores de escravos por perdas causadas

pela Lei Áurea, eliminando, com isso, parte de nossa história.

Em nosso país, a falta de leitura/escrita é um problema de ordem

socioeconômica e cultural com origem no Descobrimento, em conseqüência dos

processos de expansão européia e aculturação dos nativos.

No início do século XVI, perduraram as formas culturais autóctones, por isso os

historiadores afirmam que não houve uma cultura colonial, enquanto produção

intelectual, artística ou popular, pois tanto os portugueses quando os indígenas e

negros mantinham seus vínculos originais. O estabelecimento da cultura brasileira a

partir da interação das diferentes culturas foi lento, abrangendo um período de quase

dois séculos, devido à imposição de outras formas culturais.

Mesmo assim, no século XVI a língua tupi predominava na faixa litorânea, e no

interior as tribos utilizavam outras línguas ou dialetos, assim como os negros. Até o final

do século XVIII o tupi era a língua mais falada no Brasil. Mas com a chegada de cerca

de 800.000 portugueses e a imposição, pelo Marquês de Pombal, do português como

língua falada no país, consolidou-se a língua do colonizador.

O linguajar português era de origem medieval, e de acordo com WHELING, A. e

WHELING, M. (1999), o padrão da língua culta aperfeiçoou-se com as obras do padre

Antônio Vieira, de Eusébio de Matos, Manuel Botelho de Oliveira, Nuno Marques

Pereira e Cláudio Manuel da Costa. As diversas combinações que ocorreram na fala

popular geraram os falares crioulos, que deram origem aos dialetos caipira e

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nordestino. Alguns historiadores consideram que a cultura dessa época pode ser

classificada em letrada e popular.

A iniciação às primeiras letras e a noções superficiais de religião foi tarefa dos

jesuítas, que lecionavam para os filhos de colonos e para os índios. No entanto, seus

objetivos (ler, escrever, contar e orar) nem sempre eram alcançados. O método

pedagógico era o mesmo do Colégio de Évora, de 1563: o da memorização, segundo o

Ratio Studiorum, manual pedagógico dos jesuítas. O ensino jesuítico era avaliado como

de qualidade, apesar de seu caráter religioso.

Até o final do século XVIII, a colônia contava com vinte e um colégios da

Companhia de Jesus, destinados aos ensinos inferiores (gramática, aritmética e demais

estudos básicos), e mais sete seminários voltados para o ensino superior (com filosofia

e teologia, além das matérias citadas).

Ao contrário do governador-geral marquês das Minas, que em 1686 publicou

uma carta proibindo os moços pardos de estudarem nos colégios, os jesuítas não

discriminavam seus candidatos por suas origens sociais ou étnicas.

Também havia os conventos franciscanos e outras ordens (beneditinos,

carmelitas) que ensinavam as primeiras letras. Seu ensino era considerado mais

pertinente às necessidades da população do que o jesuítico, porém menos importante

para a educação na Colônia. Tanto que, em 1759, o Marquês de Pombal promove

reformas na educação. E considerando que, ao expulsar os jesuítas, interromperia o

ensino, como solução nomeou professores para ministrar aulas régias em busca de

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estudos menores com aprendizagem mais rápida e eficaz. A formação geral do aluno

passa a ser embasada no latim. Wheling destaca:

Atente-se para o fato de que a finalidade da reforma pombalina dos “estudos menores” não era atender à população em geral (como era, até certo ponto, a jesuíta e como seria a liberal), mas preparar uma elite necessária aos fins econômicos e políticos desejados pelo Estado, através de poucas escolas bem aparelhadas. Deveriam, pois, canalizar parte da população em idade escolar, combatendo a tendência secular de homens ingressarem nas comunidades religiosas, subtraindo-se à força de trabalho. (WHELING, Arno; WHELING, Maria, 1999, p. 298)

Com a finalidade de manter as aulas régias e seus professores, foi criado o

subsídio literário, seguido de 17 aulas de ler e escrever, abrangendo retórica, grego e

filosofia. Essas medidas promoveram um declínio no ensino da colônia, que, no final do

século XVIII, possuía poucas escolas com aulas régias, predominando o ensino

doméstico. Assim, uma minoria concluiu os estudos superiores em Portugal. Estes

retornavam formados geralmente em direito ou medicina, tornando-se a elite intelectual

e política brasileira. Dessa forma instaurou-se o analfabetismo no Brasil.

É importante ressaltar que, durante todo esse período histórico citado, a iniciação

no mundo das letras dava-se predominantemente por dois tipos de métodos: sintético e

analítico. No entanto, os especialistas esclarecem que a memorização dos sinais

gráficos com as respectivas correspondências fônicas constitui os métodos sintéticos –

o método alfabético tem a letra como unidade; o método fônico utiliza o fonema como

unidade e o método silábico tem o conjunto de letras pronunciável, que é a sílaba,

como unidade. Frade (2007) considera que a diferença entre os métodos se encontra

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no caminho para a sistematização das relações fonema-grafema, isto é, a letra, o

fonema ou a sílaba e suas correspondências fonográficas, que partem da unidade para

um todo. Assim a autora resume os métodos sintéticos:

Pode-se concluir então que neste conjunto de métodos sintéticos o objeto que se ensina explicitamente no método fônico e silábico e, por conta da dedução do aprendiz, no método alfabético, é o sistema alfabético/ortográfico de escrita, com sua lógica de representação, de organização e combinatórias, etc. Encontraremos lógicas e possibilidades interessantes em cada uma das tendências, dependendo da especificidade do que se ensina, quando se ensina o sistema alfabético/ortográfico de escrita: em certos casos a sílaba é a melhor unidade para o ensino, em outros a análise do fonema pode ajudar a estabelecer algumas distinções entre palavras quando a relação do fonema com a fala é mais direta. Não se pode esquecer também de uma outra lógica, a pedagógica, encontrada quando pesquisamos as estratégias pensadas para provocar interesse ou motivação, para controlar o aprendizado, para utilizar determinados materiais. (FRADE, 2007, p. 4)

Já os métodos analíticos têm como unidade a palavra, a frase e o texto, partindo

do todo para as partes. Entendem que, a partir do global, o aluno realiza um processo

de análise de unidades dependendo do método: global de contos, sentenciação ou

palavração – respectivamente, que vai do texto à frase, da frase à palavra, da palavra à

sílaba.

Embora tenham que cuidar da decifração em algum momento, os conteúdos e pressupostos que acabam se consolidando nos métodos analíticos, sobretudo os denominados globais de contos e historietas, são aqueles ligados à compreensão e à fluência (devido ao reconhecimento rápido de estruturas). Neste conjunto de métodos e nos princípios defendidos por Decroly e seguidores é apresentada uma teoria sobre a leitura, do ponto de vista conceitual e fisiológico. Nesta teoria, os olhos se movimentariam aos saltos e não em pequenas pausas ou sinais gráficos, e a leitura se daria em torno de idéias e aos

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símbolos gráficos. Nestes métodos também se apresenta uma preocupação com os aspectos semânticos, uma vez que o universo infantil é tomado como foco para a produção dos textos e para a escolha de temas. De maneira, geral, pode-se dizer também que o sentido privilegiado nos métodos analíticos é a visão e que os principais exercícios envolvidos neste método voltam-se para o reconhecimento de palavras sem que se passe por uma leitura labial. Neles é muito incentivada a leitura silenciosa e a cópia e, embora se fizesse leitura oral dos cartazes no desenvolvimento das lições, era destinado um tempo maior para as cópias. (FRADE, 2007, p. 6)

A iniciação às letras no Brasil ocorreu pelo método sintético – mais precisamente

pelo método alfabético, um dos mais antigos, adotado pelos jesuítas. Esse método

perdurou até o final do Império no país.

Dessa maneira, a cultura colonial apresentou duas fases: a primeira do século

XVI ao século XVII, influenciada pelo Instituto Studiorum da Companhia de Jesus –

código pedagógico dos jesuítas –, e a segunda com início em 1808, marcada pelas

reformas pombalinas, que vislumbravam a ascensão de poucos para garantir a força de

trabalho e as mencionadas aulas régias, que, associadas às péssimas condições dos

prédios e à falta de material adequado, contribuíram para a decadência do ensino.

Cabe esclarecer que, em meados do século XIX, embora pouco, já havia material

impresso para alfabetização em forma de livros trazidos da Europa. A leitura iniciava-se

com as Cartas de ABC, e posteriormente eram lidos e copiados documentos

manuscritos. Assim, o ensino da escrita – caligrafia e ortografia – resumia-se a cópias,

ditados e construções de frases com ênfase no desenho correto das letras.

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No final do século XIX, professores fluminenses e paulistas, baseando-se nos

métodos sintéticos e em suas experiências, produziram as primeiras cartilhas

brasileiras, que durante muito tempo circularam por diversas regiões do país.

Em 1876 foi publicada em Portugal a Cartilha Maternal ou Arte da Leitura,

elaborada por João de Deus, poeta português. Essa cartilha chegou ao Brasil em 1880,

trazida por Antonio da Silva Jardim, professor da Escola Normal de São Paulo.

O método João de Deus, também conhecido como método da palavração,

enfatizava os princípios da moderna lingüística da época, que tinha como preocupação

inicial o ensino da leitura da palavra e, na seqüência, o desenvolvimento da análise e

da identificação das letras e seus respectivos sons. Mortatti considera esse método –

que se estendeu até 1890 – muito importante, porque

o ensino da leitura envolve necessariamente uma questão de método, ou seja, enfatiza-se o como ensinar metodicamente, relacionado com o que ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de ordem didática subordinada às questões de ordem lingüística da época. (MORTATTI, 2006, p. 6)

O método analítico surge com a reforma da instrução pública, em 1890. No

Estado de São Paulo, ocorre, com a reorganização da Escola Normal de São Paulo, a

criação da Escola-Modelo Anexa, e em 1896 institui-se o jardim-de-infância nessa

escola.

A Escola-Modelo Anexa adotou o método analítico para o ensino da leitura. Era

lá onde os normalistas desenvolviam atividades práticas e onde os professores dos

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grupos escolares (criados em 1893) da capital e do interior do estado deveriam buscar

seu modelo de ensino. (MORTATTI, 2006)

Esse método foi amplamente divulgado pelos professores formados pela escola

normal, influenciando os outros estados. A implementação desse método foi

conseqüência da produção de material com instruções normativas, de cartilhas, artigos

de jornais publicados em jornais e revistas pedagógicas, seguida da obrigatoriedade de

sua utilização nas escolas públicas de São Paulo.

Grande parte dos professores das escolas primárias reclamou, porque os

resultados desse método demoravam a aparecer. Esse fato foi responsável pela

formação de dois grupos: de um lado, os defensores do método analítico; do outro, os

defensores do método sintético. Os dois métodos eram utilizados e a escrita não era

tão discutida, pois a entendiam como uma questão de treino viabilizado por cópias e

ditados. A coexistência dos dois métodos para o ensino de leitura e escrita – o método

misto ou eclético (mistura dos dois) – ainda perdura.

Uma nova discussão surgiu em 1934, com o livro Testes ABC para verificação da

maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita, de Lourenço Filho, contendo

novas bases psicológicas para alfabetização. Composto de oito testes de leitura e

escrita, esse livro tinha como objetivo classificar os alunos com a finalidade de formar

classes homogêneas para racionalizar a eficácia da alfabetização. O ensino de leitura e

escrita passa então a ser entendido como um ensino de habilidades visuais, auditivas e

motoras. Com isso, surgem os manuais do professor, os quais acompanhavam as

cartilhas, e, segundo Mortatti (2006), assim se disseminou a idéia e a prática do

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“período preparatório” (exercícios de discriminação e coordenação viso-motora e

auditivo-motora, de posição de corpo e membros, dentre outros).

Os estudos sobre alfabetização – leitura e escrita – continuaram, mas foi na

década de 1980 que os métodos descritos foram questionados de forma sistemática,

devido ao fracasso escolar, principalmente na fase de alfabetização. Desse modo, o

contexto sociopolítico-econômico-cultural exigia propostas de mudança na educação, e

daí nos chegam as idéias presentes nos estudos da pesquisadora Emilia Ferreiro com

ênfase no sujeito cognoscente.

Como correlato teórico metodológico da busca de soluções para esse problema introduziu-se no Brasil o pensamento construtivista sobre alfabetização, resultante das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas pela pesquisadora argentina Emilia Ferreiro e colaboradores. Deslocando o eixo das discussões dos métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança (sujeito cognoscente), o construtivismo se apresenta, não como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos, abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas. (MORTATTI, 2006, p.10)

O construtivismo originou a “linha construtivista” ou “interacionista”. Seus

defensores receberam duras críticas, tal qual os defensores do método analítico, e pelo

mesmo motivo: a lentidão nos resultados do processo de alfabetização. Formaram-se

novamente dois grupos: os construtivistas e os tradicionais (mistos ou ecléticos). E

apesar da institucionalização do construtivismo em nível nacional, por meio dos

programas de formação dos professores, principalmente aos profissionais que atuam

nas primeiras séries, grande número desses profissionais mistura os métodos, embora

essa “técnica” seja totalmente reprovada pelos construtivistas.

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A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, no início de 2005, ofereceu

aos professores o programa de alfabetização Letra e Vida, elaborado à luz da linha

construtivista. O curso apresentou quatro módulos, equivalentes a quatro semestres.

Matriculei-me para entender o processo de aprendizagem e por que os alunos

chegavam à quinta série sem apresentar as habilidades e competências compatíveis

com essa série. Em uma das várias conversas com as colegas de turma, uma

professora afirmou usar os dois métodos: disse que iniciava com o método

construtivista e após algum tempo, dependendo dos resultados, retornava ao

tradicional. Outras professoras presentes confirmaram a mesma prática. Perguntei se a

alteração não afetava as crianças de alguma forma. Não sei dizer se elas estavam

certas, mas seus argumentos me convenceram. Relataram que algumas crianças,

apesar das dificuldades esperadas e de necessitarem de mais tempo, ao concluírem a

primeira série já estão alfabetizadas. E mesmo aquela que não consegue vai para a

série seguinte – momento importante e perigoso, pois é ali que outros fatores aparecem

e interferem no processo de ensino-aprendizagem. A dificuldade do aluno fica evidente

para ele e para os colegas e o fator psicológico geralmente é cruel. De acordo com

suas experiências, elas acreditam que ter o aluno na série seguinte sem ter

desenvolvido minimamente as habilidades de leitura e escrita pode significar a

exclusão, e para impedir que ela aconteça, alternam os métodos, o que garante a

alfabetização de praticamente todos os alunos. Segundo as professoras, elas são

proibidas de realizar tal prática, mas buscam suprir as necessidades do aluno, não do

sistema. Aqui se destaca o saber-fazer dos professores.

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Os argumentos me convenceram, porque minhas experiências com alunos que

chegam ao ensino fundamental II sem as habilidades e competências básicas para a

seqüência dos estudos comprovam a dificuldade de aproximação: o aluno constrói uma

barreira quase intransponível, e, ao verificar sua trajetória, percebe-se que sua

alfabetização não ocorreu na série adequada. Resgatá-lo é um desafio árduo e na

maioria das vezes impossível, porque há outros aspectos que devem ser considerados

e outros ainda os quais desconhecemos.

Também é preciso registrar que há aqueles professores que, em nome do

construtivismo (segundo o qual a criança deve construir seu conhecimento), não

interagem com o aluno e, esperando que o conhecimento ocorra como em um passe de

mágica, não fazem as intervenções necessárias para o desenvolvimento das questões

e das possíveis hipóteses que serão confirmadas ou não pelo aprendiz de acordo com

a atividade proposta.

Os questionamentos desencadeados pelos métodos aqui expostos aproximam

meus pensamentos dos de Frade:

Tendo esta série de indagações, não deveríamos fazer uma oposição, mas uma associação de metodologias, uma vez que precisamos ensinar o sistema de escrita, mas sabemos que esta habilidade, sem o ensino da compreensão e da fluência, não colabora para que os alunos se tornem leitores e produtores de textos. [...] Assim, a atual pregação da volta a um método pode ser entendida como fazendo parte a uma tradição discursiva na área. Para uma oposição mais ponderada deveríamos perguntar: com a história dos métodos e de sua discussão, o que aprendemos? Talvez possamos concluir que a escolha por apenas um caminho como verdade metodológica não será igualmente boa para todos que aprendem e que ensinam e nem serão eficientes para todos os conteúdos que temos hoje na alfabetização. (FRADE, 2007, p. 11)

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Portanto, pode-se entender que a leitura permite o aprimoramento da palavra

oral ou escrita, isto é, da linguagem pela qual expressamos idéias, pensamentos,

intenções, estabelecendo relações em diferentes esferas. E é com o domínio da

linguagem que adquirimos condições para exercer nossa participação na vida social de

forma plena.

Desse modo, lemos por vários motivos didaticamente, todos elencados por

Isabel Solé (1998, p. 92) ao responder: Para que vou ler? Lemos para: obter uma

informação precisa; seguir instruções; obter uma informação de caráter geral; aprender;

revisar um escrito próprio; por prazer; comunicar um texto a um auditório; praticar leitura

em voz alta; verificar o que se compreendeu. Acrescento: para memorizar; para ter

modelos textuais; para argumentar; para escrever e, no caso dos professores, para

efetivar o processo de formação continuada.

Infelizmente, as inúmeras pesquisas de órgãos como Inep, MEC, Secretaria da

Educação do Estado de São Paulo, Unesco, etc., sobre educação, em circulação

principalmente na mídia (televisiva e escrita), demonstram resultados insatisfatórios.

Apesar dos diversos programas de formação continuada implantados pelos governos,

apenas uma minoria de estudantes apresenta habilidades e competências em leitura e

escrita compatíveis com as esperadas ao término de cada ciclo. Essas mesmas

pesquisas informam que o brasileiro lê pouco, o que certamente abrange os

professores, que se consideram leitores devido ao interesse por livros didáticos. Isso os

torna leitores? Se ler é compreender e interpretar textos escritos de diversos tipos com

diferentes intenções e objetivos, indago novamente: por que os professores não lêem?

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Para aprofundar tal discussão, abordo os programas de formação continuada,

considerando três enfoques:

1) O percurso da formação continuada de professores na rede estadual paulista

como uma das possibilidades para se responder às indagações presentes nesta

investigação, apresentado no Capítulo II.

2) As opiniões dos professores, expressas em questionários e entrevistas

realizadas no período de dezembro de 2004 a dezembro de 2007, presentes no

Capítulo III.

3) As trajetórias de vida de três professores, mostradas no Capítulo IV.

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CAPÍTULO II

A FORMAÇÃO CONTINUADA

Nas últimas décadas, a formação e a práxis do professor têm sido fontes

inesgotáveis de estudos no mundo. Com base nesses estudos, percebeu-se a

importância da formação continuada, foco extremamente relevante para os

pesquisadores, uma vez que permite a elevação do nível de formação e

desenvolvimento de competências profissionais dos docentes, buscando a melhoria do

desempenho dos sistemas educacionais com o objetivo de atender às novas exigências

de uma sociedade em constante transformação.

O sistema educacional é e sempre será alvo de muitos questionamentos, já que

a educação é um processo contínuo de aprendizagem por diferentes meios que

garantem a educação escolar e a educação não escolar dos indivíduos. Ambas

permitem um desdobramento amplo e complexo por conta da diversidade de culturas

entre os indivíduos que nelas se encontram.

A educação escolar e todas as suas possibilidades destacam-se em âmbito

mundial. Mas esta investigação faz um recorte desse todo, enfocando a formação

continuada dos professores, tema presente nas discussões de especialistas, políticos,

professores e pesquisadores de diversos setores da sociedade. Essas discussões

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geram ações com pretensões de oferecer respostas às necessidades sociais e

solucionar os problemas da educação, efetivando a melhoria do ensino.

A formação continuada oferece uma gama de possibilidades, as quais aumentam

seu grau de complexidade. Suas diferentes designações genéricas (aperfeiçoamento,

treinamento, capacitação, educação continuada, etc.) são exemplos de conceitos que

reiteram sua complexidade.

Entretanto, qualquer que seja a designação, as discussões apresentam um ponto

em comum: a competência dos profissionais da educação requer um processo de

formação contínuo, descrito por García como “fase de formação permanente, uma área

de conhecimento e investigação centrada no estudo dos processos por meio dos quais

os professores apreendem e desenvolvem a sua competência profissional” (1999, p.

26).

Nesse sentido, cabe ressaltar que o aprimoramento profissional deve ser

organizado em consonância com as ações da escola e da sociedade e deve considerar

a formação inicial e a formação continuada como indissociáveis, apesar de não serem

concomitantes.

Os textos de Paulo Freire nos permitem inferir que a formação continuada é um

processo permanente de desenvolvimento do profissional da educação, sendo que a

formação inicial e a formação continuada são interligadas, pois a primeira corresponde

à fase de aprendizado nas instituições formadoras e a segunda, à aprendizagem dos

professores atuantes mediante ações dentro e fora do ambiente escolar. E esse

processo de formação é permanente porque, segundo Paulo Freire,

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a educação é permanente não por que certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de finitude. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí. (PAULO FREIRE, 1997, p. 20)

Considerando as constantes transformações nos mais diversos setores sociais,

evidencia-se o quanto é relevante o processo de formação permanente, para que os

profissionais da educação possam acompanhar e atender às demandas do momento

presente e promover o desenvolvimento profissional por meio da melhoria e do

aperfeiçoamento das práticas pedagógicas.

Assim, na tentativa de amenizar os problemas do sistema educacional, as

secretarias estaduais e municipais de educação promovem a implementação de

programas de formação continuada de professores. Esses programas englobam uma

parcela significativa de recursos humanos e financeiros, os quais são aplicados em

projetos de capacitação de professores pelas instâncias públicas, propiciando uma

série de atividades de formação continuada, geralmente apresentadas na forma de

palestras, seminários e cursos.

2.1 A formação continuada e a rede de ensino

No Brasil, a oferta de programas de formação continuada não é novidade. Desde

meados da década de 70, durante o regime militar, embora de forma “tímida e imposta”,

atividades como cursos e projetos contribuem para o processo de aprimoramento do

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professor. Tais atividades já eram oferecidas pelas redes de ensino, objetivando

qualificar os professores em exercício. Porém, não apresentavam eficácia, pois os

programas eram implementados de acordo com o modismo ou com os interesses de

alguns setores da sociedade. Cardoso (1988) explica:

Ainda nos finais do regime militar começaram a surgir várias iniciativas no sentido de promover o contato de algumas autoridades públicas com a população alvo das políticas de promoção social. Com impactos diferenciados, algumas Secretarias de Estado ou de municípios deram respaldo às iniciativas que buscavam fomentar a participação dos usuários dos serviços públicos. No interior das agências públicas, grupos de profissionais, afinados com interesses populares, garantiram o espaço para as manifestações comunitárias. Sem muita coerência, em alguns setores estatais, foram dados os primeiros passos para reconhecer a pressão popular como manifestação saudável e não mais como necessariamente perigosa. Mas estas iniciativas aconteciam de modo desorganizado e irregular, combinando tolerância e repressão [...] Entretanto, na falta de um projeto claro de descentralização, cada área do governo operou a seu modo. (CARDOSO, 1988, p. 83)

Após o regime militar, deu-se a elaboração e a implantação de novas diretrizes

com programas de formação continuada de docentes, desenvolvidos pelas secretarias

estaduais.

Dentro desse contexto, as entidades educacionais mobilizadas clamavam por

efetivas reformas em relação à educação e à cultura, entre elas: liberdade de

expressão, fim da censura, melhores condições de trabalho, aumentos salariais e

incentivos financeiros ao ensino e às pesquisas científicas.

Essas reivindicações somaram-se às de diferentes categorias da sociedade. As

principais eram: democratização da sociedade; formação de cidadãos críticos e

participativos; reformas nos diversos segmentos públicos, eliminando o excesso

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burocrático; uma melhor qualidade no sistema educacional, objetivando melhores

condições de trabalho para os docentes e a conseqüente melhoria da qualidade de

vida.

Em nosso país, a formação continuada do docente, enquanto projeto político-

pedagógico, foi exaustivamente divulgada a partir da década de 1990, podendo ser

comparada ao programa Fome Zero, que, embora alardeado, não saiu do papel.

Um levantamento desenvolvido por André (2002, p. 9) indicou o número de

artigos sobre a formação e a práxis do professor publicados entre 1990 e 1997: em dez

títulos de periódicos, 30 artigos (aproximadamente 26% dos artigos sobre educação)

abordavam a formação continuada.

A análise desses artigos demonstrou que os estudos direcionados ao ensino fundamental, ao ensino médio e à educação superior não apresentaram distinções no que se refere aos pressupostos assumidos com relação ao processo de formação continuada de docentes e às ações propostas. Mas evidenciou a ênfase na necessidade de valorizar e implementar a cooperação e a integração entre o mundo acadêmico e as escolas no desenvolvimento de parcerias. (ANDRÉ, 2002, p. 171)

A mesma análise indicou o discurso predominante: a conceituação de formação

continuada de docentes, propostas dirigidas ao processo de formação continuada e o

papel dos professores e da pesquisa nesse processo.

Segundo ANDRÉ (2002), alguns autores divergem quanto à conceituação de

formação continuada, constituindo dois grupos distintos.

O primeiro grupo, composto por Kramer, Fusari, Rios, Marin, Lobo Neto, entre

outros, assume a concepção de formação continuada como um processo. Esses

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autores recusam o conceito de formação continuada significando treinamento, cursos,

seminários, palestras, porque têm como conceito de formação continuada a

apropriação de informações e/ou competências através da telemática – teleducação,

educação a distância, apoiadas nas avançadas mídias interativas: internet, intranet,

videoconferências e teleconferências. Eles defendem que é possível a difusão de

informações visando a capacitação quantitativa e qualitativa de professores em âmbito

nacional por meio de um projeto tecnológico desenvolvido na esfera governamental.

Já o segundo grupo conceitua a formação continuada como prática reflexiva, em

conformidade com Shön. A formação continuada é definida como prática reflexiva no

âmbito da escola (ANDRÉ, 2002). Esses autores também a concebem como uma

prática reflexiva articulada com as dimensões sociopolíticas mais amplas, abrangendo

desde a organização profissional até a definição, a execução e a avaliação de políticas

educacionais. (ANDRÉ, 2002) Neste grupo encontramos Pimenta, Chakur, Nóvoa e

André. (ANDRÉ, 2002)

Tendo em vista os conceitos de formação continuada baseados nos mais

recentes estudos e comparando-os com o conceito de formação permanente elaborado

por Paulo Freire, este pouco difere da formação continuada, muito embora a formação

permanente não tenha sido explorada e aplicada na amplitude dos moldes

desenvolvidos por seu idealizador, que afirma:

A curiosidade ingênua, de que resulta indiscutivelmente um certo saber, não importa que metodicamente desrigoroso, é a que caracteriza o senso comum. O saber de pura experiência feito. Pensar, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da educadora com a

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consciência crítica do educando, cuja “promoção” da ingenuidade não se faz automaticamente. (PAULO FREIRE, 2004, p. 29)

Cabe salientar que os dois grupos atentam para as transformações ocorridas no

mundo de maneira ampla e profunda, de natureza científica, tecnológica, política,

econômica, social e cultural, influenciando a vida dos cidadãos nos mais diversos

aspectos. Como explica Neves,

(...) tais mudanças se substanciaram na redefinição da natureza do processo de acumulação de capital, que passou a ter seu dinamismo assegurado pelo aumento da produtividade social do trabalho, fundamentado na mudança da composição orgânica do capital. E concomitantemente, o emprego crescente do capital constante na produção, a concentração e a centralização de capitais, a ampliação dos mercados a até mesmo a internacionalização da produção acabam por introduzir, também, novos antagonismos entre trabalho e capital. E, à medida que se intensifica o processo de centralização e concentração de capitais, novas aplicações tecnológicas se incorporam à produção. A indústria substitui a relação social trabalho-arte pela relação social trabalho-ciência. O entrelaçamento entre ciência/trabalho e entre ciência/vida cria, portanto, a necessidade de uma escola de cultura, mas de uma cultura nova e diferente ligada à vida produtiva. (NEVES, 2002, p. 16-17)

Os profissionais das diversas áreas perceberam que apenas a formação inicial

não lhes bastava: era preciso atualizar e aperfeiçoar os seus conhecimentos e suas

técnicas de forma contínua.

Entre esses profissionais há uma figura primordial: a do profissional docente,

elemento que tem como finalidade principal um grande desafio: auxiliar na formação

profissional e social de um outro indivíduo, tornando-o capaz de decifrar os novos

códigos culturais de uma civilização técnico-científica.

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E apesar das transformações mundiais, Pimenta afirma:

Os professores exercem papel imprescindível e insubstituível no processo de mudança social, e para enfrentar os desafios das situações de ensino o profissional da educação precisa da competência do conhecimento, de sensibilidade ética e de consciência política. (PIMENTA, 2002, p. 15)

Essa citação evidencia que os cursos de formação de professores devem

promover em primeira instância o desenvolvimento da competência de aprender a

aprender, de forma que as habilidades e competências adquiridas na formação inicial

se transformem em uma base sólida de um processo de formação continuada.

Nesse sentido, é importante compreender que a formação inicial é a primeira

fase do processo para a aquisição do conhecimento e do saber, independentemente da

área de atuação. Esse processo apresenta um crescimento constante e infinito, bem

como a conseqüente e indivisível relação entre a formação inicial e a formação

continuada, embora cada uma delas tenha características próprias.

Nóvoa (1992) explica a intrínseca relação entre a formação inicial e a formação

continuada deste modo:

A formação não se constrói por acumulação (de cursos de conhecimentos, ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. (NÓVOA, 1992, p. 25)

Dessa forma, vale relembrar o conceito de formação continuada adotado pelos

pesquisadores do segundo grupo, que advogam em favor de uma “formação

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continuada como prática reflexiva no âmbito da escola” e devidamente “articulada com

as dimensões sociopolíticas mais amplas, abrangendo desde a organização profissional

à definição, execução e avaliação de políticas educacionais”. (ANDRÉ, 2002, p. 172).

Segundo Carvalho (2005), é importante considerar a “presença-ausência” de

possibilidades das vozes dos professores ao se referirem à necessidade de formação

continuada e das condições objetivas para que esse processo se efetive, uma vez que

a maioria dos programas e projetos é planejada e desenvolvida fora do âmbito escolar.

Eles são impostos como “pacotes” repletos de objetivos, conteúdos e estratégias que

atendem às necessidades das políticas governamentais, e não das políticas defendidas

e/ou assumidas pelos profissionais de ensino. Sendo assim, a cada novo governo

surgem novos “pacotes”, que geralmente não levam em conta a história do sistema

educacional (na e da escola, na sala de aula, nos conhecimentos/ saberes do

professor).

De acordo com o exposto, a autora argumenta:

Como seriam tais conhecimentos considerados, se os programas e projetos já chegam elaborados à escola? Qual a relação entre os conteúdos dos programas de formação continuada com os problemas do cotidiano escolar? Sabendo que a quase totalidade dos programas e projetos é de abrangência nacional, como poderiam estar conectados com o contexto específico de cada escola e/ou do campo de atuação de cada professor? (CARVALHO, 2005, p. 101)

Nessa concepção, fica evidente o quão importante é a relação do coletivo com o

cotidiano escolar nos processos de formação continuada, sendo a escola um espaço

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privilegiado para sua execução. Portanto, nesse local, o docente, no seu processo de

formação contínua, deve indagar, problematizar, para poder refletir criticamente sobre

sua prática docente e, com isso, melhorá-la, transformá-la.

Paulo Freire (1997) afirma não conceber uma formação que não leve o docente a

se abrir ao contorno geográfico e social dos educandos.

Segundo o autor,

a formação dos professores e das professoras devia insistir na constituição deste saber necessário e que me faz certo desta coisa óbvia, que é a importância inegável que tem sobre nós o contorno ecológico, social e econômico em que vivemos. E ao saber teórico desta influência teríamos que juntar o saber teórico-prático da realidade concreta em que os professores trabalham. (PAULO FREIRE, 1997, p. 154-155)

Com isso, pode-se afirmar que os programas de formação continuada de

professores dependem da situação a que se destinam, do grupo a ser capacitado, dos

problemas identificados a serem trabalhados e dos recursos humanos e materiais

disponíveis para a realização da proposta, aliados ao comprometimento do profissional

docente, ciente da necessidade de uma formação contínua, porque:

a responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar de [sic] se capacitar de [sic] se formar antes mesmo de iniciar a sua atividade docente. Esta atividade exige que sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. (PAULO FREIRE, 2004, p. 28)

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A formação continuada é uma realidade e constitui-se como parte integrante de

todas as reformas educacionais em curso, mas também representa uma difícil tarefa no

caminho da busca das identidades dos professores, da escola e dos alunos.

É importante salientar que as identidades são formadas e instituídas pelo

conjunto reflexão/ação/reflexão, e a partir desse pressuposto, observei que os docentes

envoltos com leituras diversificadas e participantes de debates, seminários, congressos,

entre outros, apresentam uma predisposição para colocar em xeque suas teorias e

práticas, o que lhes permite mobilidade ou flexibilidade no tráfego de informações. A

seleção dessas informações envolve sua autonomia, sua autoridade mediante a

instituição do outro. Desse modo, esses docentes mencionados não trabalham com o

princípio da causalidade, e sim buscam relações, e assim conseguem alguma “ordem”.

E é dentro desse contexto que entendo Schön quanto ao processo de desenvolvimento

ancorado no conhecer-na-ação e na reflexão-na-ação, uma vez que ambos favorecem

a competência profissional, que consiste na aplicação de teorias e técnicas derivadas

da pesquisa sistemática, preferencialmente científica, à solução de problemas

instrumentais da prática. (SCHÖN, 2000)

Por outro lado, Pimenta (2002) aponta as críticas de alguns especialistas em

relação à prática reflexiva proposta por Schön. Eles entendem que essa prática pode

acarretar o “praticismo” e/ou o individualismo, conduzindo à banalização da perspectiva

da reflexão, à não-especificidade das reflexões sobre a linguagem, os sistemas de

valores, os processos de compreensão, além de a forma como definem o conhecimento

também não ser clara. Outros consideram que a proposta de Schön não é nada mais

do que meros treinamentos técnicos.

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As críticas apresentadas são relevantes do ponto de vista do relativismo, do

reducionismo, que são capazes de conduzir qualquer teoria à banalização.

Então, como evitar o relativismo, o reducionismo e a conseqüente banalização?

Defendo a utilização da prática reflexiva baseada no conhecer-na-ação e na reflexão-

na-ação. Elas indicam uma gama de caminhos possíveis, desde que se faça a seguinte

consideração sobre o conhecer-na-ação:

Qualquer que seja a linguagem que venhamos a empregar, nossas descrições do ato de conhecer-na-ação são sempre construções. Elas são sempre tentativas de colocar de forma explícita e simbólica um tipo de inteligência que começa por ser tácita e espontânea. Nossas descrições são conjecturas que precisam ser testadas contra observações de seus originais, dos quais, pelos menos em um certo aspecto, elas provavelmente distorcerão. Porque o processo de conhecer-na-ação é dinâmico, e os “fatos”, os “procedimentos” e as “teorias” são estáticos. [...] De fato, é esse ajuste e essa expectativa seqüenciais, essas contínuas detecção e correção de erro que nos levam, em primeiro lugar, a chamar a atividade de “inteligente”. Conhecer sugere a qualidade dinâmica de conhecer-na-ação, a qual descrevemos, convertemos em conhecimento-na-ação. (SCHÖN, 2000, p. 32-33)

E sobre reflexão-na-ação:

A reflexão sobre cada tentativa de resultados prepara o campo para a próxima. Tal padrão de investigação é melhor descrito [sic] como seqüência de “momentos” em um processo de reflexão-na-ação. [...] Contudo, independentemente da distinção de seus momentos ou da constância de sua seqüência, o que distingue a reflexão-na-ação de outras formas de reflexão é sua imediata significação para a ação. Na reflexão-ação, o repensar de algumas partes de nosso conhecer-na-ação leva a experimentos imediatos e a mais pensamentos que afetam o que fazemos – na situação em questão e talvez em outras que possamos considerar como semelhantes a ela. (SCHÖN, 2000, p. 33-34)

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Esses pensamentos de Schön nos deixam claro que há outros elementos

necessários e indispensáveis para a prática reflexiva: os momentos, os espaços e,

principalmente, a complexidade existente na relação entre os seres.

Esses outros elementos, aparentemente ignoráveis, são de fato essenciais nos

processos de formação do professor, na graduação ou na formação permanente, pois

atentar para eles significa buscar a interação entre teoria, prática e condição humana.

Considero a interação desse trio importante para que a prática reflexiva não caia em

procedimentos mecânicos e técnicos propiciadores da redução ou da distorção dos

problemas educacionais.

2.2 A formação continuada na rede estadual de São Paulo

A formação continuada na rede estadual de São Paulo fornece elementos

fundamentais para o aprofundamento desta investigação. Apresento a seguir um breve

histórico, o qual inicio com o pertinente pensamento de Paulo Freire:

Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador no professor não é a qualidade ou uma forma de ser e de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador. (PAULO FREIRE, 1997, p. 32)

O Governo do Estado de São Paulo, considerando as reivindicações da

sociedade, apresentou, em 1983, um Programa Educacional com diretrizes gerais. Foi o

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primeiro documento oficial estruturado que buscava atender às necessidades de uma

política educacional conjuntamente com as demandas da sociedade:

Martins (1996) esclarece:

Se há algo que marca profundamente a educação brasileira é a quase completa ausência de uma Política Educacional. Nestes anos todos, temos vivido da improvisação: não poucas vezes, ao sabor de interesses em conflito com os reais interesses da coletividade (...). Em face dessa situação, o que se reclama, de um Governo que pretenda representar os interesses do povo, é a formulação de uma política de Educação que ordene providências e racionalize os gastos educacionais a partir de rumos cuja fixação reflita a discussão ampla e a participação ativa, como convém ao regime democrático. (DOE, 1983, apud MARTINS, 1996, p.192)

Apesar de o discurso do governo apregoar “a discussão participativa e ativa”,

entre 1984 e 1989, o avanço ou as mudanças almejadas não se efetivaram, pois as

propostas educacionais foram elaboradas de forma genérica. Ocorreu uma série de

eventos informativos que discorriam sobre novos programas, abordagens, entre outros,

os quais não compunham um sistema de capacitação dos profissionais docentes.

Porém é importante ressaltar que, em 1987, a Secretaria da Educação paulista

instaurou o projeto “Jornada Única”, que gerou mudanças estruturais, propiciando a

organização dos docentes em grupos de estudos, nas escolas, por meio de reuniões

denominadas horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC). Essas reuniões foram

extremamente relevantes, pois com elas iniciou-se “um lento processo de discussão e

democratização das principais políticas da área que reorientavam as propostas para a

organização pedagógico-administrativa da escola” (MARTINS, 1996, p. 194).

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As propostas e/ou questionamentos oriundos de tais reuniões anunciaram a

necessidade de uma reformulação das propostas curriculares de todos os níveis de

ensino da educação básica. E com a mediação da CENP –Coordenadoria de Estudos e

Normas Pedagógicas –, órgão da secretaria estadual responsável pelos projetos, as

universidades públicas e a rede estadual de ensino elaboraram os parâmetros teórico-

metodológicos, que buscavam uma mudança efetiva para as disciplinas curriculares.

Com eles surgiram os Cursos de Extensão para docentes, com 30 horas de duração, e

as Orientações Técnicas, distribuídas em oito horas mensais, que propunham

treinamento ou capacitação para auxiliar as ações dos educadores.

A partir de 1987, a complexidade e o gigantismo da rede estadual de ensino e a

precariedade de investimentos demonstraram a impossibilidade do desenvolvimento

com sucesso de qualquer projeto. Surgiram então as Oficinas Pedagógicas organizadas

pelas Diretorias de Ensino, para implementação de atividades de capacitação. Essas

atividades tinham como principal objetivo capacitar os docentes nas diferentes áreas do

conhecimento, visando uma política de formação continuada, mas não atentaram para

as reais necessidades dos professores e de cada região.

Desse modo, na última década tivemos um número expressivo de programas de

formação visando o aperfeiçoamento de práticas pedagógicas do professor.

Considerando que 70% dos programas abarcavam a prática da leitura, pode-se supor

que os professores apresentavam dificuldades nessa área. Questiono: por quê? E quais

são essas dificuldades?

Para responder a essas questões, escolhi como exemplo o programa EMR –

Ensino Médio em Rede –, voltado para as práticas de leitura e produção de textos dos

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professores como meio de ampliação do processo de ensino-aprendizagem desses

profissionais.

2.2.1 O programa EMR – Ensino Médio em Rede

A contribuição do programa EMR para este estudo foi fundamental, pois

exemplifica o desenvolvimento do processo de formação continuada na rede estadual.

A sua escolha deve-se à sua proposta de integração das áreas de conhecimento, assim

classificadas e mencionadas nas LDB: Linguagem, Códigos e suas Tecnologias;

Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias e

Interdisciplinaridade e Contextualização.

No período de 2000 a 2004, muitos cursos centrados na competência e na

habilidade leitora do professor foram desenvolvidos, mas eram organizados por

disciplinas. O diferencial do EMR foi a reunião de docentes de todas as disciplinas em

um mesmo espaço e horário, para debates sobre os problemas educacionais,

fomentados por diferentes leituras, o que permitiu uma multiplicidade de olhares – por

isso os professores participantes do programa EMR serão os sujeitos desta pesquisa.

O EMR – Ensino Médio em Rede – foi um programa de formação continuada

para professores do ensino médio – educadores das mais de 3.000 escolas do Estado

de São Paulo – que teve por objetivo ampliar o processo de formação docente dos

professores da rede estadual em busca de um novo olhar desses profissionais quanto

às especificidades do currículo do ensino médio, promovendo subsídios necessários a

uma análise realista da proposta pedagógica da escola onde atuavam, além da

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avaliação das ações educativas em sala de aula. Também pretendia estabelecer uma

discussão voltada às melhores formas de desenvolver a proficiência da leitura e da

redação dos aprendizes, tendo em vista que o aprimoramento permanente dessas

habilidades e competências possibilita uma visão de mundo mais crítica e um

conhecimento mais qualitativo de todas as disciplinas.

O programa foi desenvolvido em uma parceria da Secretaria da Educação do

Estado de São Paulo com a CENP e a Fundação Vanzolini, que o apresentaram da

seguinte forma:

Ensino Médio em Rede: uma síntese. O Programa trata de quatro temas distintos: Tema 1. A formação do professor no programa Ensino Médio em Rede Tema 2. Professores e alunos: um encontro possível e necessário Tema 3. O currículo da escola média Tema 4. O projeto político-pedagógico da escola Os temas são trabalhados nas VIVÊNCIAS FORMATIVAS e nas VIVÊNCIAS EDUCADORAS. As primeiras discutem aspectos relativos ao currículo da escola média e fornecem suporte para o diagnóstico e a análise da ação educativa escolar. Focalizam ainda aspectos relativos à proficiência leitora e escritora do aluno do Ensino Médio, bem como o papel da escola na construção dessa proficiência. As atividades das VIVÊNCIAS FORMATIVAS oferecem subsídios para organizar e planejar, durante as VIVÊNCIAS EDUCADORAS, um projeto de trabalho a ser desenvolvido com os alunos em sala de aula. (SÃO PAULO, 2004b, p. 7)

Desse modo, o programa buscou atender aos princípios expressos na Lei

9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação –, que são: o desenvolvimento de

capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; capacidade

de aprender, criar, formular, considerando a perspectiva de uma aprendizagem

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permanente, de uma formação continuada tendo como elemento principal a construção

do conhecimento em função dos processos sociais que se modificam.

O EMR envolveu gestores das equipes escolares, 5000 professores

coordenadores (PC), 400 assistentes técnico-pedagógicos (ATP) das Oficinas

Pedagógicas e 65.000 professores atuantes em todas as áreas do ensino médio nas

3.083 escolas estaduais.

O processo de formação ocorreu por multiplicação: tutores da Fundação

Vanzolini formaram os ATPs, que foram responsáveis pela orientação dos PCs e pelo

acompanhamento das atividades dos professores.

A formação do PC foi baseada na busca da sistematização da análise da prática

reflexiva, crítica e autônoma das ações pedagógicas, porque é a análise da prática que

apresenta as especificidades que norteiam o trabalho de coordenação pedagógica

dentro do âmbito escolar, envolvendo diversos aspectos do cotidiano escolar, conforme

manual de apresentação do EMR – Regimento do Programa (SÃO PAULO, 2004b).

1. A articulação do coletivo escolar, para elaborar a proposta educativa.

2. A criação de espaço e mecanismos de participação efetiva dos diferentes

atores, considerando as possibilidades de cada segmento.

3. O planejamento, acompanhamento e avaliação das ações previstas no

projeto educativo e desenvolvidas na escola.

4. A formação dos professores.

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5. O estudo dessas especificidades de atuação, assim como das competências

que precisam ser construídas para tornar possível e adequada a ação de

coordenação pedagógica.

O processo de formação dos professores apresentou os objetivos

desmembrados do seguinte modo:

1. Promover a discussão sobre as especificidades curriculares do Ensino Médio,

propiciar subsídios para o diagnóstico da realidade local e a avaliação do projeto

político-pedagógico das escolas envolvidas e dos programas curriculares das

áreas.

2. Fortalecer as equipes escolares de maneira a dar-lhes suporte para

mudanças na prática pedagógica.

3. Promover uma integração entre os professores das áreas a partir de projetos

temáticos e de uma perspectiva interdisciplinar.

4. Ampliar as competências leitoras e escritoras dos professores de ensino

médio e fornecer-lhes subsídios para que possam desenvolver essas

competências em seus alunos.

Todos os participantes receberam material de apoio para todo o processo

(apostilas impressas e um CD-ROM contendo textos, tabelas e gráficos) e orientações

para a execução da elaboração de projeto de trabalho de acordo com sua área de

atuação. O projeto do ATP foi relacionado com a formação de professores do ensino

médio; o PC recebeu orientações para uma proposta de formação referente ao

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desenvolvimento de seu trabalho na coordenação pedagógica e o professor, uma

proposta de atividades que deveriam ser aplicadas a seus alunos.

O EMR ocorreu no período de agosto de 2004 a dezembro de 2007. No entanto,

cabe salientar que a formação dos professores coordenadores ocorria quinzenalmente

(às terças-feiras, abrangendo um período de quatro horas), e as orientações eram

mediadas por um assistente técnico-pedagógico, com a interação de especialistas por

meio de videoconferência ou programas gravados. Os professores coordenadores

orientavam (multiplicavam) semanalmente durante os HTPCs os professores atuantes

no ensino médio nas atividades propostas.

As atividades dos PCs foram organizadas de acordo com as seguintes

modalidades de trabalho:

- Trabalho na Rede do Saber: encontro presencial quinzenal de oito (8) horas, nos ambientes da Rede do Saber antes ou depois de uma videoconferência/teleconferência (coordenada por especialistas que discutiram aspectos pertinentes aos temas desenvolvidos na formação, bem como sua relevância no Programa, com todos os envolvidos no EMR). - Trabalho na escola: encontros presenciais, na escola de atuação, com os professores durante o horário de trabalho coletivo – HTPC – e no acompanhamento das atividades realizadas em sala de aula. - Trabalho pessoal: individual, com local e horário livre, envolvendo leituras, web (trabalho na internet, em ambiente virtual de colaboração, fóruns de discussão on-line), com orientação do ATP. (SÃO PAULO, 2004b, p. 8-10)

O desenvolvimento das atividades dos professores aconteceu também em três

tipos de situação:

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• Trabalho coletivo: realizado durante o HTPC, momento em que eram

apresentados temas para discussão através de roteiros de textos, vídeos,

atividades de reflexão sobre a prática pedagógica. Também havia a elaboração

de sínteses e retomadas dos assuntos discutidos, estudados com o objetivo de

se obter respostas e soluções e colocar em pauta novas problematizações.

• Trabalho pessoal: acontecia de maneira independente, com local e horário

livre, envolvendo leituras, web (trabalho na internet, em ambiente virtual de

colaboração, e fóruns de discussão on-line), com orientação do PC.

• Trabalho em sala de aula: esta era a hora de colocar em prática o projeto

elaborado com a orientação do PC.

O programa EMR, aqui apresentado de forma sucinta, foi elaborado em

consonância com a proposta de reformulação do ensino médio, tendo, assim, a

finalidade de subsidiar os professores do ensino médio da rede estadual paulista em

seu processo de formação continuada, considerando o movimento permanente e

contínuo de ação-reflexão-ação, em busca da melhoria da qualidade de ensino e,

simultaneamente, procurando atender às exigências sociais, as quais se alteram

rapidamente em função do progresso científico e do tecnológico, bem como seu

impacto na sociedade.

O programa ocorreu no período de agosto de 2004 a dezembro de 2007,

envolvendo, como já mencionado, professores das 3.083 escolas estaduais de ensino

médio da rede paulista.

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CAPÍTULO III

OPINIÕES DOS PROFESSORES SOBRE O EMR – ENSINO MÉDIO EM

REDE

O EMR – Ensino Médio em Rede – foi o programa que reuniu o maior número de

profissionais da educação: 400 ATPs, 5.000 PCs e aproximadamente 65.000

professores do Estado de São Paulo, independentemente da disciplina. Era composto

por uma mistura de formas – forma contratual e forma interativa-refexiva (NÓVOA,

1992) –, sendo a primeira entendida como uma negociação entre diferentes parceiros

para o desenvolvimento de um determinado programa e a segunda como uma proposta

de formação a partir do trabalho de equipe e/ou da ajuda mútua entre os professores

em ações reais de trabalho com a mediação de formadores. As questões que levanto

aqui são: essa composição atingiu o objetivo de fomentar discussões dentro da rede

estadual de ensino? Atendeu às necessidades dos professores quanto ao objetivo

principal do programa – o desenvolvimento da prática de leitura e da produção escrita?

As respostas encontram-se nas opiniões dos professores sobre o programa EMR.

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3.1 Acompanhando o desenvolvimento: questionários e entrevistas

A coleta de dados para esta investigação contou com questionários e entrevistas

feitas durante o período de agosto de 2004 a dezembro de 2007.

O primeiro módulo apresentou os objetivos gerais e promoveu debates

suscitados por entrevistas e/ou textos de especialistas acerca do ensino médio e

envolveu três semestres (agosto de 2004 a dezembro de 2005 – esse período foi o

mais longo, por ser composto pela apresentação do programa, pela divulgação do

material, pelas inscrições). Nesse módulo minha participação foi predominantemente

como observadora, pois embora estivesse inserida no horário de trabalho pedagógico

coletivo, não estava inscrita no curso elaborado para esse horário, possibilitando uma

observação isenta. Os registros dessa fase demonstram o interesse e o entusiasmo dos

professores com o curso. Os docentes vislumbravam uma nova maneira de atuação –

com a organização, a gestão e a interação de toda a equipe escolar.

No início de 2005 assumi a função de ATP (assistente técnico-pedagógico), e era

responsável pelos programas voltados para a leitura, tendo como público-alvo os

professores do ensino fundamental. Nesse período observei a formação dos

professores coordenadores (os multiplicadores), mediada pelas colegas ATPs, que

organizavam o espaço, o material, as videoconferências e o trabalho na web.

No final desse primeiro módulo, apliquei o questionário 1, que foi entregue a

todos os professores do ensino médio da escola da qual sou professora efetiva. Foram

entregues aproximadamente 30 questionários, mas apenas 11 foram respondidos. Esse

questionário foi aplicado no primeiro HTPC após a conclusão do módulo, que contou

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com a presença das duas professoras coordenadoras da escola e duas assistentes

técnico-pedagógicas. A única instrução solicitada aos participantes foi que, dentro do

possível, justificassem suas respostas com exemplos.

O questionário foi composto de apenas três questões:

1] Qual a contribuição do programa Ensino Médio em Rede para sua prática

coletiva?

2] Qual a contribuição do programa Ensino Médio em Rede para sua prática

individual?

3] Qual sua sugestão para a melhoria desse programa?

No final do questionário havia um espaço para “outras considerações”, e cada

participante poderia utilizá-lo com total liberdade de expressão.

As respostas foram extensas, fato pouco comum para este tipo de trabalho, mas

conduziram-me a duas hipóteses: a primeira, que os docentes atenderam à solicitação

de respostas esclarecedoras, com exemplos, comentários, etc.; a segunda –

demonstrada por meio das críticas –, que o espaço foi utilizado para um desabafo

coletivo. Considero-o coletivo pelo fato de o teor dessas críticas ter sido semelhante, ou

até mesmo idêntico. Talvez o resultado tivesse sido diferente se não estivessem todos

reunidos no mesmo ambiente e horário.

Utilizei a prática de observação e tive participação efetiva no desenvolvimento

de alguns módulos, objetivando melhor identificar as contribuições do EMR para o

aprimoramento da prática em sala de aula, do conhecimento específico, da utilização

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das mídias interativas, da ampliação da visão de mundo, bem como dos temas, valores

e conceitos que, mesmo não pertencendo à matéria que o docente leciona, devem se

cruzar, nas conversas, discussões e reflexões que ocorrem na escola, principalmente

em sala de aula.

No ano de 2006, participei do curso com os professores da minha escola,

momento que me proporcionou uma outra forma de olhar para o programa e seus

sujeitos. Vivenciei diferentes situações – falta de material e de espaço adequados,

ausência de coordenação e/ou multiplicadores, horários reduzidos, impossibilidade de

reunir os professores por área, prazo insuficiente para desenvolver as atividades, entre

outras. Dessa forma, todos os problemas pontuados pelos professores também eram

meus.

Para entender a origem dos problemas e, ao mesmo tempo, buscar meios para

viabilizar os estudos e debates, em 2007 atuei como representante de área. Cada

escola com curso regular de ensino médio indicou, em comum acordo com seus

professores, um representante para cada uma das três áreas de conhecimento:

Linguagem, Códigos e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias e

Ciências Naturais e suas Tecnologias.

Quinzenalmente os representantes de cada área reuniam-se com seu respectivo

grupo e recebiam orientações de especialistas por meio de teleconferências, assistiam

a palestras e eram responsáveis pela distribuição do material didático, bem como por

sua utilização, com a finalidade de mediar os debates ora com sua área, ora com todas

as áreas, apresentar relatório bimestral das atividades em grupo e postar as atividades

individuais. Não houve devolutiva de nenhum material postado.

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Ao concluir mais esse módulo, solicitei aos docentes que respondessem ao

questionário 2, sendo que nem todos os docentes – por decorrências burocráticas –

participaram de todos os módulos, e, conseqüentemente, não responderam aos dois

questionários. Apesar disso, o número de participantes da pesquisa permaneceu o

mesmo, porque inseri nela os professores representantes de área e um coordenador de

outra escola pública, objetivando a comparação considerando-se os diferentes sujeitos

e espaços.

O questionário 2 conteve 20 questões. Entendo ser importante sua apresentação

para que se possa compreender melhor as respostas, formuladas de acordo com

aspectos que considero fundamentais para a análise.

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Nome:

1. Formação

E. Fundamental [ ] pública [ ] privada

E. Médio [ ] pública [ ] privada

E. Superior [ ] pública [ ] privada

2. Atuação – Escola [ ] estadual [ ] municipal [ ] particular [ ] outros

3. Qual(is) matéria(s) leciona?

4. Há quanto tempo leciona? Exerce outra atividade? Qual?

5. Participou de quantos módulos do EMR? Se não participou de algum, justifique.

6. Participou como:

[ ] ATP [ ] Coordenador(a) [ ] Professor representante [ ] professor-aluno

7. Sua adesão foi voluntária? Explique.

Faça um breve comentário sobre os seguintes aspectos do EMR:

8. Apresentação do curso:

9. Material didático:

10. Cronograma:

11. Suporte pedagógico:

12. Desenvolvimento das atividades individuais:

13. Desenvolvimento das atividades em grupo:

14. Considerando que a proposta do EMR era estimular as habilidades e competências

leitoras e de escrita dos professores, instigando a reflexão por meio de textos teóricos

diversos de renomados autores e de textos que circulam nas ações comunicativas do

nosso cotidiano, discorra sobre a(s) contribuição(ões) que o curso proporcionou aos

professores nos âmbitos:

15. Pessoal:

16. Profissional:

17. Coletivo:

18. Qual sua leitura sobre as atividades desenvolvidas com o seu grupo de professores

intermediadas por você? (Considere os pontos positivos e negativos – os negativos são

aqui entendidos não como erros, mas enquanto movimento de mudança.)

19. Faça uma reflexão sobre a sua atuação no EMR sob a luz de sua concepção de vida

e sua concepção político-pedagógica.

20. O EMR deve prosseguir? Qual(is) sugestão(ões) você daria, visando um melhor

aproveitamento do programa?

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Dessa vez não foi possível aplicar o questionário a todos no mesmo espaço e

horário, pois os HTPCs foram organizados por área, e raramente elas se encontravam.

Cabe ressaltar que o mesmo quadro ocorrido no questionário 1 quanto ao teor

das respostas se repetiu. Inclusive as respostas dos professores coordenadores

atuantes em escolas distintas e com grupo de formação diferente (ATPs, professores

coordenadores e representantes) apresentaram semelhanças.

Essas semelhanças apontavam para um ou mais aspectos em comum até então

despercebidos. Considerando-os relevantes e entendendo que a origem desses

aspectos está relacionada à trajetória de vida dos sujeitos, entrevistei três professores e

obtive o relato de suas experiências pessoais e profissionais, objetivando, por meio da

comparação, aprofundar a relação entre o programa de formação continuada e a

prática da leitura.

3.2 As opiniÕes dos professores expressas nos questionários

Os professores responderam a dois questionários. A diferença entre eles está no

desmembramento das questões – ou seja, no primeiro questionário não constavam

dados pessoais para demonstrar o perfil dos professores, e as três perguntas permitiam

respostas abertas; no segundo, as questões, por serem pontuais, sugeriam

objetividade.

Perfil dos professores participantes desta pesquisa: oito mulheres e dois

homens, totalizando o número de dez, com idades entre 36 e 50 anos, todos com

graduação em instituição particular. Entre as mulheres, uma tem especialização por

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instituição pública (USP). Há um professor de cada disciplina, excetuando Artes e

Letras; os demais têm licenciatura em mais de uma disciplina, mas dentro da mesma

área, como, por exemplo, Sociologia e História. O tempo de experiência no magistério

varia entre 17 e 22 anos.

Quanto às questões específicas, comecemos pelo lançamento do programa,

causador de euforia e muitas expectativas. Mas, já durante o período de inscrições,

surgiram opiniões divergentes, constatadas nos depoimentos, que seguirão sempre

uma mesma ordem: assistente técnico-pedagógico (indicado com a sigla ATP),

professor coordenador (indicado com a sigla PC) e professor (indicado com a sigla P).

Achei muito organizado as inscrições dos ATPs, Diretorias de Ensino

tiveram liberdade na indicação de seus representantes. A CENP colocou

apenas uma restrição: que os indicados não estivessem envolvidos em

projetos grandes, porque as tarefas e atividades já estavam

programadas e o ritmo seria intenso. O EMR nos foi apresentado em

Águas de Lindóia, e lá, durante uma semana, recebemos orientações e

também o material para estudo, que deixou todos deslumbrados. (Maria

Cândida - ATP)

A organização das inscrições foi excelente, mas foi imposta. Todos os

PCs que atuavam com o ensino médio foram convocados para o curso.

Porém ninguém nos perguntou se queríamos, se poderíamos viajar.

Ficamos uma semana em Águas de Lindóia. Havia muitos

coordenadores descontentes, não se empolgando com nada (palestras,

vídeos, material, etc.). Mas a grande maioria gostou e aprovou tudo,

mesmo sabendo que teríamos muito trabalho pela frente. A proposta foi

ótima. (Maria Celeste - PC)

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Gostei, penso que nós estávamos precisando de uma injeção de ânimo.

A proposta aparentava ser boa. Só fiquei preocupada com tempo. Havia

muitas atividades e achei pouco tempo para cumpri-las. Eu tinha razão.

Foi um sufoco para concluí-las. Alguns colegas reclamaram que não

queriam participar do curso. Mas também, se não obrigam, ninguém se

interessa. (Maria Keiko - P)

Odiei, como eles me obrigam a fazer um curso sem saberem se eu

posso, se tenho tempo. No início, eu estava envolvido em um outro

projeto, que custou muito para ser colocado em prática, e esse projeto

ocupava boa parte do meu tempo, que já era mínimo, porque sempre

tenho que pegar aulas em no mínimo duas escolas. Por isso, empurrei

com a barriga, minha coordenadora vivia me chamando a atenção, e eu

retrucava que não tinha prazer, todos sabiam que eu não estava a fim do

curso. Mas verdade seja dita, ele foi bom, o problema foi eu não estar

preparado para fazê-lo. (Emanuel Salvador - P)

Os depoimentos evidenciam que, por trás da aparente organização na

instauração do programa, houve, mais uma vez, falha no planejamento, que acarretou

descaso com os professores – os maiores interessados no processo de formação

continuada –, que não foram consultados. E como conseqüência muitos participantes

não demonstraram o empenho esperado. Essa afirmação é baseada nas palavras dos

próprios sujeitos:

Olha, foi difícil desde o início. Alguns PCs tinham só o corpo presente,

não faziam as leituras prévias. Para participarem era preciso ficar

instigando. Ainda assim, havia aqueles que não rendiam nada. Sorte que

eram poucos. Acho que só deveria participar quem quisesse. Evitaria as

discussões com assuntos polêmicos não pertinentes. Imagina você que

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precisei chamar atenção várias vezes porque usavam discman, palavras

cruzadas. Mas eu não podia impedi-los, precisei de muito jogo de

cintura. (Maria Cândida - ATP)

Realmente tivemos problemas com quem não pôde optar. Alguns

diretores aceitaram declaração de próprio punho daquele que não

estava interessado. E de acordo com as coordenadoras dessas escolas,

o trabalho fluiu bem. Mas não foi o meu caso, meu diretor não abriu

mão. Havia nove cursistas que tumultuavam, e após várias intervenções,

esse número caiu para três. Fiquei contente por um lado e preocupada

por outro: como auxiliar esses três? O curso terminou e não obtive a

resposta. (Maria Celeste - PC)

Penso ter sido um erro obrigar todos a fazerem o curso, porque quando

não há interesse, a pessoa conversa, cria polêmicas desnecessárias e

afeta os demais. Alguns encontros foram desgastantes, apesar do bom

senso e da experiência da coordenadora. (Emanuel Salvador - P)

De acordo com o exposto, pode-se perceber que as informações/orientações não

foram fornecidas com a necessária clareza, e situações inesperadas surgiram pela falta

delas. Mas é importante ressaltar que a maioria dos professores aprovou o programa e

sua implantação, embora nenhum dos participantes soube responder se a

obrigatoriedade na participação no EMR foi imposta pela Secretaria da Educação, pelo

dirigente ou pelo diretor.

Em relação ao conteúdo e às atividades, como citado anteriormente, o EMR foi

estruturado em torno de quatro temas, trabalhados nas VIVÊNCIAS FORMATIVAS e