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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E LETRAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARIA APARECIDA SANCHES MARTINS
FORMAÇÃO CONTINUADA:
POR QUE OS PROFESSORES NÃO LÊEM?
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2008
MARIA APARECIDA SANCHES MARTINS
FORMAÇÃO CONTINUADA:
POR QUE OS PROFESSORES NÃO LÊEM?
Monografia apresentada no curso de pós- graduação à Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Educação e Letras, Curso de Pós-Graduação, para obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Formação de professores. Orientação: Profª Drª Zeila de Brito Fabri Demartini.
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2008
FICHA CATALOGRÁFICA
M366f
Martins, Maria Aparecida Sanches Formação continuada: por que os professores não lêem? /
Maria Aparecida Sanches Martins. 2008. 133 f.
Dissertação (mestrado em Educação) --Faculdade de
Educação e Letras da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2008.
Orientação: Zeila de Brito Fabri Demartini
1. Professores - Formação continuada 2. Professor - Leitura 3. Hábito de leitura I. Título.
CDD 374.012
Dedico esta dissertação às minha filhas, Silvia e Sabrina e ao meu marido Francisco, pelo privilégio de tê-los ao meu lado sempre.
AGRADECIMENTOS
À Profª. Drª Zeila de Brito Fabri Demartini pela orientação primorosa, constante,
amiga e incentivadora.
À Profª Drª Graziela Serroni Perosa e a Profª Drª Edna Maria Barian Perroti pelas
contribuições para a finalização desta pesquisa.
Aos amigos Egberto e Denise pelas contribuições e incentivo durante a minha
trajetória profissional.
Aos professores participantes desta pesquisa pela ajuda, colaboração,
disponibilidade durante a construção deste trabalho.
Aos colegas de mestrado.
RESUMO
Neste estudo, busco desvelar a relação entre formação continuada de
professores e a prática de leitura, considerando a instituição do ato de ler e suas
implicações e relacionando conceitos, fatos, causas e efeitos. Apresento uma
retrospectiva da iniciação às letras no mundo, pontuando conceitos e as
diferentes metodologias utilizadas para o desenvolvimento da indissociável dupla
leitura e escrita, considerando os aspectos sociais e as exigências de cada
época. Tomo como base os escritos de Alberto Manguel, Uma história da leitura,
e a obra Formação do Brasil Colonial, de Arno Wheling & Maria José C.M.
Wheling, que direcionam a síntese da implementação da aquisição de leitura e
escrita no Brasil e conduzem o discurso para um breve histórico da formação
continuada na rede estadual de São Paulo. A instituição da formação continuada
e a concepção do conceito de formação continuada, segundo a literatura
específica, permitem a percepção de algumas mudanças nas representações
sociais assumidas pelos docentes em relação à educação, ao processo de ensino
e aprendizagem e ao seu papel como indivíduo ativo historicamente situado.
Exemplifico a formação continuada de professores com a análise do programa
EMR – Ensino Médio em Rede. O estudo inclui inicialmente a observação, seguida
da análise, das opiniões expressas em questionários e entrevistas de professores
com participação efetiva no programa EMR. A história da vida de três
professores, enfocando a formação leitora, auxilia no entendimento do processo
de leitura e sua influência na constituição dos sujeitos enquanto leitores e o
impacto da prática de leitura em sua atividade docente. A identificação das
situações que envolvem o processo de leitura e escrita, bem como dos elementos
que corroboram ou não para seu aprimoramento, contribui para uma discussão
relevante para a efetiva ampliação da prática de leitura.
Palavras-chave: formação continuada; professores; leitura.
ABSTRACT
In this study I intend to find out the relation between teaching training and
the reading practice, taking into consideration the institution of the reading
process and its implications, relating concepts, facts, causes and its effects. I
present a retrospect of the initiation to the letters in the world, when reading is
punctuating concepts and the different methodologies used for the development
of the reading and writting, considering the social aspects and the demands of
each time.I use the written ones of Alberto Manguel, A history of the reading, and
the Work Formation of Colonial Brazil, of Arno Wheling and Maria José C.M.
Wheling, that direcionam the synthesis of the implementation of the acquisition of
reading and writing in Brazil and they drive the speech for soon historically of the
formation continued in the state of Sao Paulo.
The institution of the continued formation and the conception of the
concept of continued formation, according to the specific literature, allow the
perception of some changes in the social representations assumed by the
teachers regarding the education, the process of teaching and apprenticeship and
his paper like historically situated active individual. . A brief historical
background of the teaching training in the Public School System of Sao Paulo,
using as example the analysis of the EMR Program –(Ensino Medio em Rede). The
study includes initially the observation followed by the effective participation in
the program, questionnaires and interviews. It seeks for an understanding of how
the teachers set themselves up as real readers and the impact of this process
whereas professional teachers contributes to a relevant discussion to the
effective broaden of the reading practice.
Keywords: teacher training, teachers, reading
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 01 1 MEMÓRIAS................................................................................................... 07 1.1 LEITURA E DIVERSIDADE........................................................................ 07 2 A FORMAÇÃO CONTINUADA..................................................................... 28 2.1 A FORMAÇÃO CONTINUADA E A REDE DE ENSINO ............................ 30 2.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA NA REDE ESTADUAL DE SÃO PAULO .. 40 2.2.1 O PROGRAMA ENSINO MÉDIO EM REDE........................................... 43 3 OPINIÕES DOS PROFESSORES SOBRE O EMR – ENSINO MÉDIO EM REDE ............................................................................................................... 49 3.1 ACOMPANHANDO O DESENVOLVIMENTO: QUESTIONÁRIOS E ENTREVISTAS ................................................................................................ 50 3.2 AS OPINIÕES DOS PROFESSORES EXPRESSAS NOS QUESTIONÁRIOS ........................................................................................... 55 4 A LEITURA E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES: ANALISANDO ALGUMAS TRAJETÓRIAS............................................................................. 68 4.1 OS PROFESSORES, A LEITURA E SUAS TRAJETÓRIAS...................... 69 4.1.1 O Artista .................................................................................................. 69 4.1.2 A Leitora .................................................................................................. 73 4.1.3 A Imigrante .............................................................................................. 77 4.2 LEITURA E HERANÇA CULTURAL........................................................... 81 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................ 99 ANEXOS ........................................................................................................ 104
Lista de Siglas
ATP → Assistente-técnico-pedagógico CENP → Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas EF → Ensino Fundamental EM → Ensino Médio EMR → Ensino Médio Em Rede HTPC → Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo LDB → Lei de Diretrizes e Bases P → Professor PC → Professor-Coordenador
1
INTRODUÇÃO
A Educação é um tema abrangente e polêmico, por estabelecer relações diretas
com todos os desmembramentos existentes dentro de uma sociedade. E tem sido
objeto de estudo de filósofos e especialistas, que clamam por uma educação de melhor
qualidade em busca de eqüidade social.
Infelizmente, chegamos ao século XXI com 1/5 da população adulta mundial sem
saber ler e escrever. Esse foi o resultado apresentado no quarto relatório do Programa
“Educação para Todos”1, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência
e Cultura (Unesco), que ainda afirma que 75% dos 771 milhões de adultos iletrados de
todo o mundo vivem em apenas 12 países, entre os quais estão Brasil, Índia, China,
Etiópia e Nigéria.
Em relação ao Brasil, os dados da Unesco reiteram os resultados das pesquisas
internas – de domínio público, pois são veiculados pelas diferentes mídias –,
demonstrando o caos instaurado em nosso sistema educacional: uma grande parcela
dos estudantes conclui os ensinos fundamental e médio sem adquirir as habilidades e
competências mínimas propostas pelos cursos – ou seja, não lêem nem escrevem.
Outra parcela “lê”, mas não consegue identificar as informações explícitas em um texto.
Apenas uma minoria apresenta as habilidades e competências em leitura e escrita
1 Disponível em: <www.unesco.pt/cgi-bin/educacao/programas/edu_programas.php>. Acesso em: 26/10/2006.
2
compatíveis com seu nível escolar. Os estudos sobre leitura consideram o leitor
competente como aquele que transita pelos diferentes tipos de textos, orais ou escritos
e analisa, argumenta, interpreta, interage, infere, apropria-se e recria de acordo com o
contexto.
No entanto, essas mesmas mídias divulgam outros dados que suscitam alguns
questionamentos. Por exemplo, em sua edição de 27/11/2007, o jornal Tribuna da
Imprensa publicou texto intitulado “Os novos rumos do mercado editorial”, que diz que,
“hoje, o Brasil é o primeiro na América Latina em consumo de livros, com um potencial
gigantesco ainda a ser explorado...”. Outro jornal, a Gazeta Mercantil, afirma que:
O mercado editorial brasileiro é promissor. São mais de 500 editoras, cerca de 35 mil títulos lançados anualmente e 300 milhões de exemplares vendidos. Atualmente, há um potencial de 27 milhões de leitores, segundo a Câmara Brasileira do Livro. Entretanto, mais de 60% dos brasileiros adultos alfabetizados têm muito pouco ou nenhum contato com os livros. De cada 10 não leitores, sete provêm de camadas sociais com baixo poder aquisitivo. (ALQUÉREZ, 2006, p.09)
Diante do exposto, pode-se afirmar que, apesar de o Brasil ser um grande
produtor de livros, a maioria da população não lê. Como entender esse paradoxo? Há
uma gama enorme de possibilidades de resposta a essa pergunta, porém a mais
pertinente é a que estabelece a relação ensino-aprendizagem mediada por um
professor, pois cabe a esse profissional a tarefa de desenvolver estratégias que
contribuam com o processo de ensino-aprendizagem da leitura e escrita.
3
Em 2003 teve início o projeto denominado Bolsa-Livro para professor, com o
objetivo de difundir a leitura entre os professores e proteger o livro. Esse projeto foi
seguido da sanção, promulgação e publicação da Lei nº 10.753, do mesmo ano. Afinal,
por que essa lei foi elaborada? Quem responde é o professor da USP Gabriel Perissé:
Mais da metade dos professores brasileiros (ou seja, mais de 1 milhão e quinhentos mil professores) não têm [sic] o hábito da leitura (segundo o Instituto Paulo Montenegro). Nemo dat quod non habet, ninguém dá aquilo que não tem. Nossos alunos (cerca de 50 milhões de pessoas estão estudando hoje no Brasil) vêem boa parte de seus professores carentes da paixão pela leitura... (PERISSÉ, 2007, p. 27).
A mesma constatação do professor Perissé é encontrada nos estudos de outros
especialistas, como Rösing (2003), Zilberman (2003) e Cereja (2005). Logo, ela dá
origem a mais indagações: que relação há entre leitura e formação? Como é a leitura
na formação continuada do professor? Em quais circunstâncias os professores lêem?
Qual a relação entre leitura e sala de aula e quais são as suas implicações? Seria
possível elencar um grande número de questões, mas, na realidade, todas se resumem
a apenas uma: por que os professores não lêem? Essa pergunta é um enigma para
mim, por isso sua resposta transformou-se em meu objeto de estudo no curso de
mestrado em Educação.
Nesse sentido, este estudo orienta-se pelo objetivo de investigar a construção da
prática de leitura dos professores da rede estadual paulista e a relação entre essa
prática e a formação contínua do professor. A fundamentação teórica refere-se aos
temas da formação de professores e da leitura e linguagem, baseando-se na história da
iniciação às letras (MANGUEL, 2003) perpassando pela formação continuada de
4
professores no Brasil (ANDRÉ, 2002) e as concepções que pontuam a relevância da
formação crítico-reflexiva, conforme abordagem defendida por autores como PIMENTA
(2002), GARCIA (1999), MARTINS (1996), NÓVOA (2002), RÖSING (2003).
Na fase preliminar, percebi a necessidade de estabelecer a relação da prática de
leitura com outras áreas de conhecimento e outros estudos, pois o problema da falta de
leitura não se resume à esfera sociopolítica: ele é muito mais abrangente, pois abarca
também o capital cultural (BOURDIEU; NOGUEIRA; CATANI, 2007, p. 10), e nele se
insere a formação do docente, o centro da questão.
Desse modo, para desmembrar os fatos e reconstruí-los em busca de novos
caminhos, como em qualquer estudo, reuni uma série de dados que, por envolverem
setores distintos, são aparentemente fragmentados, e podem parecer desconexos,
apesar de sua intrínseca ligação.
Assim, para esta investigação foram coletados dados a partir de dois
questionários, aplicados inicialmente a trinta professores de uma escola pública
estadual, localizada na região central de São Bernardo do Campo/SP, buscando uma
melhor compreensão da relação da prática de leitura com a formação continuada e
conhecer as contribuições decorrentes dessas ações de acordo com a visão dos
professores. Os dados coletados por meio dos questionários no período de 2004 a
2006 foram analisados tanto sob enfoque quantitativo quanto qualitativo.
No intuito de clarificar a relação leitor-docente, a formação continuada e a
percepção evidenciada nos dados acima, de que a prática de leitura está
intrinsecamente associada à inserção do indivíduo ao mundo das letras, optei pela
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elaboração de entrevistas com alguns dos participantes da pesquisa; levantei suas
trajetórias considerando o processo de formação enquanto leitor(a) e a influência do
referido processo na formação profissional. O texto traz, ainda, as histórias de vida de
três professores participantes, as quais exemplificam e ratificam este discurso.
Desse modo, obtive informações para elaborar meu quebra-cabeça. Por isso, em
um primeiro momento, pensei em utilizar a metáfora da colcha de retalhos: a tarefa
então seria costurar os retalhos (fragmentos). Mas o alinhavo (esboço) evidenciou que
o produto final, apesar de conter todos os retalhos, não apresentaria o toque do
artesão, diferenciando esta colcha das demais.
Devido à inserção em outros campos, optei pela bricolagem, com a mesma
acepção de Lévi-Strauss e Hillmann. O primeiro, de acordo com seus tradutores,
entende que o bricoleur caracteriza-se “especialmente pelo fato de operar com
materiais fragmentários já elaborados, ao contrário, por exemplo, do engenheiro, que,
para dar execução ao seu trabalho, necessita da matéria-prima” (Lévi-Strauss, 1999, p.
32). O segundo considera que
A poesia do bricolage lhe advém, também e sobretudo, do fato de [que] não se limita a cumprir ou a executar, ele não “fala” apenas com as coisas, [...] mas também através das coisas: narrando, através das escolhas que faz entre possíveis limitados, o caráter e a vida de seu autor. Sem jamais completar seu projeto, o bricoleur sempre nele coloca alguma coisa de si. (HILLMANN, 1998, p.130)
Assim, este estudo, que tem por objetivo contribuir com a formação continuada
de professores e o desenvolvimento da prática de leitura apresenta os seguintes
fragmentos: minhas próprias memórias, isto é, a trajetória das reflexões responsáveis
pelo processo de produção deste texto, e a elaboração do problema de investigação; o
6
ato de ler e suas implicações, considerando as diferentes situações comunicativas; os
indivíduos, relacionando conceitos, fatos, causas e efeitos, e um breve histórico da
formação continuada de professores da rede estadual de São Paulo.
Também apresento o programa EMR – Ensino Médio em Rede, da Secretaria de
Estado da Educação de São Paulo, elaborado pela CENP – Coordenadoria de Estudos
e Normas Pedagógicas. Escolhi esse programa devido ao meu envolvimento com ele.
No primeiro módulo (2004) participei como ouvinte, já que era voltado apenas para
professores que ministravam aulas nas salas regulares do ensino médio, sendo
aplicado durante o horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC). Em 2005, na
função de assistente técnico-pedagógico (ATP), fui observadora do grupo de
coordenadores responsáveis pela “multiplicação”. No ano de 2006, atuei como
representante de área (código, linguagens e suas tecnologias). Essas vivências
possibilitaram-me visões e abordagens diferentes, que se constituíram em relevante
material para o estudo, no qual também incluo um resumo das impressões dos
professores sobre a proposta e os resultados obtidos.
7
CAPÍTULO I
MEMÓRIAS
1.1 Leitura e diversidade
A leitura se faz presente em nossas vidas desde nossos primórdios, mesmo sem
termos consciência disso. Toda vez que acionamos nossos sentidos e nossas emoções
em conseqüência de um ato, uma fala, estamos lendo o outro ou a nós mesmos. Assim,
diferenciar um olhar de reprovação de um olhar carinhoso significa que estamos nos
comunicando, desenvolvendo nossa habilidade de atribuir significados, exercitando
nossa capacidade de se expressar. Por isso, entendo que toda e qualquer forma, direta
ou indireta, de ler influencia a nossa leitura de mundo, aprimorada pela aprendizagem
formal da leitura e da escrita. De acordo com os significados atribuídos e considerando
o contexto, os indivíduos se constituem como ser, conquistando autoridade e liberdade.
Portanto, a nossa leitura se dá em face do outro.
Os seres humanos, feitos à imagem de Deus, também são livros a serem lidos. Aqui, o ato de ler serve como metáfora para nos ajudar a entender nossa relação hesitante com o nosso próprio corpo, o encontro, o toque e a decifração de signos em outra pessoa. Lemos expressões no rosto, seguimos gestos de um ser amado como um livro aberto. “Tua face, meu cavaleiro”, diz lady Macbeth ao esposo, “é como um livro onde os homens podem ler estranhas coisas”. (MANGUEL, 2003, p. 197-198)
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Segundo o autor, para lermos o mundo, um livro, o corpo não bastam, porque a
função de ler é associada a outras funções corporais essenciais. Tanto que, na Idade
Média, o aprender a ler era relacionado aos sentidos: os judeus celebravam a iniciação
às letras com a festa de Shavuot.
O menino a ser iniciado era envolvido num xale de orações e levado por seu pai ao professor. Este sentava o menino no colo e mostrava-lhe uma lousa onde estava escrito o alfabeto hebraico, um trecho das Escrituras e as palavras “Possa a Torá ser tua ocupação”. O professor lia em voz alta cada palavra e o menino as repetia. A lousa então era coberta com mel e a criança a lambia, assimilando assim, corporalmente, as palavras sagradas. (MANGUEL, 2003, p. 90)
Um método semelhante era utilizado na sociedade medieval judaica: os versos
bíblicos, escritos com ovos descascados e tortas de mel, eram ingeridos pela criança
após a leitura em voz alta para o professor. No início da Renascença, aprender a ler e
escrever era uma tarefa para os aristocratas, embora em algumas regiões esse
aprendizado fosse considerado um ato menor, efetuado pelos clérigos pobres. Também
podemos notar uma contradição nesse período: a maioria dos meninos e meninas
aprendia as letras muito cedo, ou seja, o estudo não era privilégio dos homens, porém
era elitista. A ama-de-leite era escolhida com muito cuidado, pois além de amamentar,
ela deveria garantir a fala e a pronúncia corretas.
Entre 1435 e 1444, Leon Battista Alberti escreveu: “cuidar de crianças muito
pequenas é tarefa das mulheres, cabe às amas ou mães, pois o alfabeto deveria ser
aprendido na idade mais tenra”. (ALBERTI, Leon B. apud MANGUEL, 2003)
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As crianças aprendiam a ler soletrando, repetindo as letras apontadas pela ama ou mãe em uma cartilha ou abecedário. [...] A imagem da figura materna ensinando era tão comum na iconografia cristã quanto era rara a da estudante feminina em pintura em salas de aula. (MANGUEL, 2003, p. 90)
Dessa maneira, entendo leitura como uma ação que independe de nossa
vontade. Podemos interferir no seu aprimoramento por meio de técnicas e instrumentos
diversos, mas considerar nossas percepções como parte integrante do nosso corpo
requer que tenhamos consciência dele: essa é a leitura mais importante e, infelizmente,
a menos praticada e a mais abstrata, o que dificulta a assimilação dos diferentes
significados atribuídos à leitura. Por isso, desde a Antigüidade, muitas metáforas
associando homem/livro foram criadas. Em uma conversa com Santo Agostinho, seu
discípulo Francesco lhe confessa estar cansado da correria da cidade. Agostinho
responde que a vida de Francesco é um livro como aqueles da biblioteca do poeta, mas
um livro que ele ainda não sabe ler. Em Manguel (2003) encontramos outra
comparação, que diz que “por mais que os leitores se apropriem de um livro, no final,
livro e leitor tornam-se uma coisa só. O mundo, que é um livro, é devorado por um
leitor, que é uma letra no texto do mundo”. (p. 21)
Há também as metáforas gastronômicas. Francis Bacon, no século XVI,
escreveu: “Alguns livros são para se experimentar, outros para serem engolidos, e uns
poucos para se mastigar e digerir”. (BACON, Francis apud MANGUEL, 2003, p. 199) A
utilização das metáforas gastronômicas tornou-se corriqueira, mas com muito efeito.
Por exemplo, na cena de abertura do livro Love for Love (Amor por amor), William
Congreve faz a personagem do pedante Valentine dizer a seu criado:
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“Lê, lê, imbecil, e refina teu apetite; aprende a viver com instrução; banqueteia tua mente e mortifica tua carne; lê, e ingere teu alimento pelos olhos; fecha tua boca e mastiga o bolo alimentar do entendimento”.“Ficareis extremamente gordo com esta dieta do papel”, é o comentário do criado. (MANGUEL, 2003, p. 200)
O livro tornou-se símbolo de conhecimento de si, do outro, do mundo. O frei Luís
de Granada, no século XVI, em sua obra Na Introdución al símbolo de la fé, pergunta:
O que são todas as criaturas deste mundo, tão lindas e tão bem feitas, senão letras separadas e iluminadas que declaram tão justamente a delicadeza e a sabedoria de seu autor? [...] E nós também [...] tendo sido colocados por vós diante deste maravilhoso livro de todo o universo, de tal forma que por meio das criaturas, como se fossem letras vivas, podemos ler a excelência do nosso Criador. (GRANADA, Luís de apud MANGUEL, 2003, p.197)
Naquela época os livros tornaram-se objetos tão valiosos que era muito comum
serem roubados. Eram tantos os ladrões de livros que, em 1752, o papa Benedito XIV
publicou um texto afirmando que eles seriam excomungados. E na biblioteca do
Mosteiro de São Pedro, em Barcelona, estava escrito:
Para aquele que rouba ou toma emprestado e não devolve um livro de seu dono, que o livro se transforme em serpente em suas mãos e o envenene. Que seja atingido por paralisia e todos os seus membros murchem. Que definhe de dor, chorando alto por clemência, e que não haja descanso em sua agonia até que mergulhe na desintegração. Que as traças corroam suas entranhas como sinal do Verme que não morreu. E quando finalmente for ao julgamento final, que as chamas do Inferno o consumam para sempre. (apud MANGUEL, 2003, p. 276)
Diante do exposto, pode-se verificar a relevância do ato de ler e escrever desde
há muito tempo para a humanidade. O uso da cartilha para a iniciação no mundo das
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letras é uma prática antiga, e sua eficácia depende do objetivo e da metodologia de
quem a usa. Da Antigüidade para cá, elaborou-se uma infinidade de estudos para o
aprimoramento do desenvolvimento da leitura e da escrita, mas paradoxalmente os
leitores não se formam na mesma proporção. Hoje há muitos compêndios explicando,
esmiuçando o ato de ler, que, devido ao avanço ocorrido em todas as áreas, deveria
ser algo tão natural quanto tomar água, alimentar-se, banhar-se. Não se deve entender
isso como um reducionismo. É evidente que o estudo formal das variadas estratégias
para a apropriação adequada dos diferentes tipos de textos se faz necessário, mas este
deveria ser um instrumento ou uma técnica de aperfeiçoamento, e não de exclusão
social, uma vez que o domínio da norma padrão da língua é uma forma de ascensão
profissional e social.
As mudanças ocorreram da Idade Média para cá em todas as áreas, entretanto
na educação os estudos demonstram ainda a mesma preocupação: ampliar o número
de alfabetizados e letrados. As definições de Soares para as duas modalidades são as
seguintes:
Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita. Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se Letramento, que implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos (SOARES, 1999 apud RIBEIRO, 2003, p. 91).
Essas definições são exemplos para os termos alfabetização e letramento. No
entanto, Soares enfatiza a sutil diferença de ambos, a partir do valor da distinção
12
terminológica. Considerá-la é importante para estabelecer o equilíbrio entre a
aprendizagem do sistema e as práticas sociais:
Porque alfabetização e letramento são conceitos freqüentemente confundidos ou sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo que é importante também aproximá-los: a distinção é necessária porque a introdução, no campo da educação, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do processo de alfabetização; por outro lado, a aproximação é necessária porque não só o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-se no quadro do conceito de letramento, como também este é dependente daquele. (SOARES, 2003, p. 90)
Paulo Freire, em seu artigo “A importância do ato de ler” (1988, p. 80), afirma que
o processo de leitura envolve uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota
na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa
a se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra,
daí o fato de a posterior leitura desta não poder prescindir da continuidade da leitura
daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. Desse modo, a
compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das
relações entre o texto e o contexto.
Após focar o lado empírico da leitura associado às percepções que nos permitem
a leitura de mundo, faz-se necessário relacioná-la com os pensamentos dos
especialistas em leitura hoje. Eles apresentam um ponto em comum: a importância da
reflexão sobre o emprego das múltiplas linguagens, o uso das novas tecnologias e as
mudanças nos hábitos de leitura e a necessidade de ampliar o número de leitores com
condições de exercer de fato sua cidadania.
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Também é consenso que o caminho para o conhecimento é a leitura, a qual
pode ser: visual (geralmente solitária e silenciosa, envolve leitor e texto); auditiva (há
um leitor para um ou mais receptores); oral (reunião da leitura visual e a auditiva). No
entanto, qualquer tipo de leitura é um encontro de um ser em face de outro.
Lajolo (1993), no artigo “Apostando na leitura”, publicado na Folha de S.Paulo,
diz que a leitura do mundo é aprendida na escola da vida, enquanto que a leitura de
livros exige um aprendizado sistematizado, que geralmente acontece na escola. Porém
tanto a leitura do mundo quanto a de livros só se aprende e se vivencia de forma plena
coletivamente, em troca contínua de experiências com os outros. É nesse intercâmbio
de leituras que se refinam, reajustam e redimensionam hipóteses de significado,
ampliando constantemente a nossa compreensão dos outros, do mundo e de nós
mesmos.
Zilberman (2003) entende que ler não é decifrar de forma aleatória o sentido de
um texto, mas sim, a partir de um texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir
relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada leitor, reconhecer nele o
tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono de sua própria vontade, entregar-se a
essa leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista.
Silva (1994) demonstra que vê na leitura a possibilidade de o leitor se tornar
autônomo e consciente, pois através dela ele interage com o mundo. Ao aprender a ler
ou ao ler para aprender, o indivíduo executa um ato de conhecer e compreender as
realizações humanas registradas através da escrita.
A leitura também é um instrumento de libertação, porque propicia o
desenvolvimento de diferentes percepções e habilidades responsáveis por acionar os
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mecanismos de tomada de consciência do ser de sua condição humana, e, através da
conquista da autoridade, esse ser humano adquire a sua autonomia.
Assim, a leitura e a escrita são, fundamentalmente, um ato político, na medida
em que apresentam uma relação ideológica de interpretações capaz de transformar as
condições sócio-político-culturais. Por isso é importante que todos os formadores de
leitores – professores, bibliotecários, pais, etc. – tenham consciência de seu papel
político com a transformação social, pois o domínio da leitura pode se transformar em
um instrumento de dominação ou libertação. A história da humanidade demonstra que a
adoção de ações políticas na área educacional geralmente é vinculada aos interesses
e/ou necessidades da classe dominante.
Essa constatação vem de longe. De acordo com Manguel (2003, p.132-134),
Saturnino Martinez, charuteiro e poeta cubano, com o apoio de vários intelectuais,
publicou em 1865 um jornal chamado La Aurora, destinado aos trabalhadores das
fábricas de charuto. As edições continham textos abordando política, ciência, literatura.
O jornal apresentou trabalhos traduzidos de autores europeus como Schiller e
Chateaubriand, resenhas literárias e denúncias, entre outros. Mas La Aurora não se
tornou popular devido ao analfabetismo. Martinez então decidiu fazer uma leitura
pública. Conversou com o diretor do ginásio de Guanabacoa e propôs que a escola
auxiliasse na leitura nos locais de trabalho. Assim, o diretor conversou com os
trabalhadores e o dono da fábrica El Fígaro e os convenceu da importância de tal
empreitada. E, em 7 de janeiro de 1866, La Aurora noticiou:
15
A leitura nas fábricas começou pela primeira vez entre nós, e a iniciativa pertence aos honrados trabalhadores da El Fígaro. Isso constitui um passo gigantesco na marcha do progresso e do avanço geral dos trabalhadores, pois dessa maneira eles irão gradualmente se familiarizar com os livros, fonte de amizade duradoura e grande entretenimento. (apud MANGUEL, 2003, p. 133)
Batalhas do século, livro histórico, O rei do mundo, romance didático de
Férnandez Y González, e um manual de economia política de Flórez y Estrada foram os
livros mais lidos pelos trabalhadores da El Fígaro e também por trabalhadores de outras
fábricas que aderiram à leitura pública, que fez tanto sucesso que em pouco tempo
ganhou a reputação de “subversiva”. E poucos meses depois – mais exatamente em
14 de maio de 1866 –, o governo de Cuba baixou o decreto:
1. É proibido distrair os trabalhadores das fábricas de tabaco, oficinas e fábricas de todo tipo com a leitura de livros e jornais, ou com discussões estranhas ao trabalho em que estão empenhados. 2. A polícia deve exercer vigilância constante para fazer cumprir este decreto e colocar à disposição de minha autoridade os donos de fábricas, representantes ou gerentes que desobedeçam a esta ordem, de modo que possam ser julgados pela lei segundo a gravidade do caso. (apud MANGUEL, 2003, p.133)
Como todo fruto proibido é uma tentação, as leituras prosseguiram às
escondidas até mais ou menos 1870, quando desapareceram com a deflagração da
Guerra dos Dez Anos. O jornal La Aurora também acabou. Entretanto, as leituras foram
retomadas pelas mãos dos operários cubanos que imigraram para os Estados Unidos
em 1869.
16
No Brasil, em 14 de dezembro de 1890, Rui Barbosa mandou queimar todo e
qualquer papel existente no Ministério da Fazenda relativo à escravidão, para impedir
os possíveis pedidos de indenização dos senhores de escravos por perdas causadas
pela Lei Áurea, eliminando, com isso, parte de nossa história.
Em nosso país, a falta de leitura/escrita é um problema de ordem
socioeconômica e cultural com origem no Descobrimento, em conseqüência dos
processos de expansão européia e aculturação dos nativos.
No início do século XVI, perduraram as formas culturais autóctones, por isso os
historiadores afirmam que não houve uma cultura colonial, enquanto produção
intelectual, artística ou popular, pois tanto os portugueses quando os indígenas e
negros mantinham seus vínculos originais. O estabelecimento da cultura brasileira a
partir da interação das diferentes culturas foi lento, abrangendo um período de quase
dois séculos, devido à imposição de outras formas culturais.
Mesmo assim, no século XVI a língua tupi predominava na faixa litorânea, e no
interior as tribos utilizavam outras línguas ou dialetos, assim como os negros. Até o final
do século XVIII o tupi era a língua mais falada no Brasil. Mas com a chegada de cerca
de 800.000 portugueses e a imposição, pelo Marquês de Pombal, do português como
língua falada no país, consolidou-se a língua do colonizador.
O linguajar português era de origem medieval, e de acordo com WHELING, A. e
WHELING, M. (1999), o padrão da língua culta aperfeiçoou-se com as obras do padre
Antônio Vieira, de Eusébio de Matos, Manuel Botelho de Oliveira, Nuno Marques
Pereira e Cláudio Manuel da Costa. As diversas combinações que ocorreram na fala
popular geraram os falares crioulos, que deram origem aos dialetos caipira e
17
nordestino. Alguns historiadores consideram que a cultura dessa época pode ser
classificada em letrada e popular.
A iniciação às primeiras letras e a noções superficiais de religião foi tarefa dos
jesuítas, que lecionavam para os filhos de colonos e para os índios. No entanto, seus
objetivos (ler, escrever, contar e orar) nem sempre eram alcançados. O método
pedagógico era o mesmo do Colégio de Évora, de 1563: o da memorização, segundo o
Ratio Studiorum, manual pedagógico dos jesuítas. O ensino jesuítico era avaliado como
de qualidade, apesar de seu caráter religioso.
Até o final do século XVIII, a colônia contava com vinte e um colégios da
Companhia de Jesus, destinados aos ensinos inferiores (gramática, aritmética e demais
estudos básicos), e mais sete seminários voltados para o ensino superior (com filosofia
e teologia, além das matérias citadas).
Ao contrário do governador-geral marquês das Minas, que em 1686 publicou
uma carta proibindo os moços pardos de estudarem nos colégios, os jesuítas não
discriminavam seus candidatos por suas origens sociais ou étnicas.
Também havia os conventos franciscanos e outras ordens (beneditinos,
carmelitas) que ensinavam as primeiras letras. Seu ensino era considerado mais
pertinente às necessidades da população do que o jesuítico, porém menos importante
para a educação na Colônia. Tanto que, em 1759, o Marquês de Pombal promove
reformas na educação. E considerando que, ao expulsar os jesuítas, interromperia o
ensino, como solução nomeou professores para ministrar aulas régias em busca de
18
estudos menores com aprendizagem mais rápida e eficaz. A formação geral do aluno
passa a ser embasada no latim. Wheling destaca:
Atente-se para o fato de que a finalidade da reforma pombalina dos “estudos menores” não era atender à população em geral (como era, até certo ponto, a jesuíta e como seria a liberal), mas preparar uma elite necessária aos fins econômicos e políticos desejados pelo Estado, através de poucas escolas bem aparelhadas. Deveriam, pois, canalizar parte da população em idade escolar, combatendo a tendência secular de homens ingressarem nas comunidades religiosas, subtraindo-se à força de trabalho. (WHELING, Arno; WHELING, Maria, 1999, p. 298)
Com a finalidade de manter as aulas régias e seus professores, foi criado o
subsídio literário, seguido de 17 aulas de ler e escrever, abrangendo retórica, grego e
filosofia. Essas medidas promoveram um declínio no ensino da colônia, que, no final do
século XVIII, possuía poucas escolas com aulas régias, predominando o ensino
doméstico. Assim, uma minoria concluiu os estudos superiores em Portugal. Estes
retornavam formados geralmente em direito ou medicina, tornando-se a elite intelectual
e política brasileira. Dessa forma instaurou-se o analfabetismo no Brasil.
É importante ressaltar que, durante todo esse período histórico citado, a iniciação
no mundo das letras dava-se predominantemente por dois tipos de métodos: sintético e
analítico. No entanto, os especialistas esclarecem que a memorização dos sinais
gráficos com as respectivas correspondências fônicas constitui os métodos sintéticos –
o método alfabético tem a letra como unidade; o método fônico utiliza o fonema como
unidade e o método silábico tem o conjunto de letras pronunciável, que é a sílaba,
como unidade. Frade (2007) considera que a diferença entre os métodos se encontra
19
no caminho para a sistematização das relações fonema-grafema, isto é, a letra, o
fonema ou a sílaba e suas correspondências fonográficas, que partem da unidade para
um todo. Assim a autora resume os métodos sintéticos:
Pode-se concluir então que neste conjunto de métodos sintéticos o objeto que se ensina explicitamente no método fônico e silábico e, por conta da dedução do aprendiz, no método alfabético, é o sistema alfabético/ortográfico de escrita, com sua lógica de representação, de organização e combinatórias, etc. Encontraremos lógicas e possibilidades interessantes em cada uma das tendências, dependendo da especificidade do que se ensina, quando se ensina o sistema alfabético/ortográfico de escrita: em certos casos a sílaba é a melhor unidade para o ensino, em outros a análise do fonema pode ajudar a estabelecer algumas distinções entre palavras quando a relação do fonema com a fala é mais direta. Não se pode esquecer também de uma outra lógica, a pedagógica, encontrada quando pesquisamos as estratégias pensadas para provocar interesse ou motivação, para controlar o aprendizado, para utilizar determinados materiais. (FRADE, 2007, p. 4)
Já os métodos analíticos têm como unidade a palavra, a frase e o texto, partindo
do todo para as partes. Entendem que, a partir do global, o aluno realiza um processo
de análise de unidades dependendo do método: global de contos, sentenciação ou
palavração – respectivamente, que vai do texto à frase, da frase à palavra, da palavra à
sílaba.
Embora tenham que cuidar da decifração em algum momento, os conteúdos e pressupostos que acabam se consolidando nos métodos analíticos, sobretudo os denominados globais de contos e historietas, são aqueles ligados à compreensão e à fluência (devido ao reconhecimento rápido de estruturas). Neste conjunto de métodos e nos princípios defendidos por Decroly e seguidores é apresentada uma teoria sobre a leitura, do ponto de vista conceitual e fisiológico. Nesta teoria, os olhos se movimentariam aos saltos e não em pequenas pausas ou sinais gráficos, e a leitura se daria em torno de idéias e aos
20
símbolos gráficos. Nestes métodos também se apresenta uma preocupação com os aspectos semânticos, uma vez que o universo infantil é tomado como foco para a produção dos textos e para a escolha de temas. De maneira, geral, pode-se dizer também que o sentido privilegiado nos métodos analíticos é a visão e que os principais exercícios envolvidos neste método voltam-se para o reconhecimento de palavras sem que se passe por uma leitura labial. Neles é muito incentivada a leitura silenciosa e a cópia e, embora se fizesse leitura oral dos cartazes no desenvolvimento das lições, era destinado um tempo maior para as cópias. (FRADE, 2007, p. 6)
A iniciação às letras no Brasil ocorreu pelo método sintético – mais precisamente
pelo método alfabético, um dos mais antigos, adotado pelos jesuítas. Esse método
perdurou até o final do Império no país.
Dessa maneira, a cultura colonial apresentou duas fases: a primeira do século
XVI ao século XVII, influenciada pelo Instituto Studiorum da Companhia de Jesus –
código pedagógico dos jesuítas –, e a segunda com início em 1808, marcada pelas
reformas pombalinas, que vislumbravam a ascensão de poucos para garantir a força de
trabalho e as mencionadas aulas régias, que, associadas às péssimas condições dos
prédios e à falta de material adequado, contribuíram para a decadência do ensino.
Cabe esclarecer que, em meados do século XIX, embora pouco, já havia material
impresso para alfabetização em forma de livros trazidos da Europa. A leitura iniciava-se
com as Cartas de ABC, e posteriormente eram lidos e copiados documentos
manuscritos. Assim, o ensino da escrita – caligrafia e ortografia – resumia-se a cópias,
ditados e construções de frases com ênfase no desenho correto das letras.
21
No final do século XIX, professores fluminenses e paulistas, baseando-se nos
métodos sintéticos e em suas experiências, produziram as primeiras cartilhas
brasileiras, que durante muito tempo circularam por diversas regiões do país.
Em 1876 foi publicada em Portugal a Cartilha Maternal ou Arte da Leitura,
elaborada por João de Deus, poeta português. Essa cartilha chegou ao Brasil em 1880,
trazida por Antonio da Silva Jardim, professor da Escola Normal de São Paulo.
O método João de Deus, também conhecido como método da palavração,
enfatizava os princípios da moderna lingüística da época, que tinha como preocupação
inicial o ensino da leitura da palavra e, na seqüência, o desenvolvimento da análise e
da identificação das letras e seus respectivos sons. Mortatti considera esse método –
que se estendeu até 1890 – muito importante, porque
o ensino da leitura envolve necessariamente uma questão de método, ou seja, enfatiza-se o como ensinar metodicamente, relacionado com o que ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de ordem didática subordinada às questões de ordem lingüística da época. (MORTATTI, 2006, p. 6)
O método analítico surge com a reforma da instrução pública, em 1890. No
Estado de São Paulo, ocorre, com a reorganização da Escola Normal de São Paulo, a
criação da Escola-Modelo Anexa, e em 1896 institui-se o jardim-de-infância nessa
escola.
A Escola-Modelo Anexa adotou o método analítico para o ensino da leitura. Era
lá onde os normalistas desenvolviam atividades práticas e onde os professores dos
22
grupos escolares (criados em 1893) da capital e do interior do estado deveriam buscar
seu modelo de ensino. (MORTATTI, 2006)
Esse método foi amplamente divulgado pelos professores formados pela escola
normal, influenciando os outros estados. A implementação desse método foi
conseqüência da produção de material com instruções normativas, de cartilhas, artigos
de jornais publicados em jornais e revistas pedagógicas, seguida da obrigatoriedade de
sua utilização nas escolas públicas de São Paulo.
Grande parte dos professores das escolas primárias reclamou, porque os
resultados desse método demoravam a aparecer. Esse fato foi responsável pela
formação de dois grupos: de um lado, os defensores do método analítico; do outro, os
defensores do método sintético. Os dois métodos eram utilizados e a escrita não era
tão discutida, pois a entendiam como uma questão de treino viabilizado por cópias e
ditados. A coexistência dos dois métodos para o ensino de leitura e escrita – o método
misto ou eclético (mistura dos dois) – ainda perdura.
Uma nova discussão surgiu em 1934, com o livro Testes ABC para verificação da
maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita, de Lourenço Filho, contendo
novas bases psicológicas para alfabetização. Composto de oito testes de leitura e
escrita, esse livro tinha como objetivo classificar os alunos com a finalidade de formar
classes homogêneas para racionalizar a eficácia da alfabetização. O ensino de leitura e
escrita passa então a ser entendido como um ensino de habilidades visuais, auditivas e
motoras. Com isso, surgem os manuais do professor, os quais acompanhavam as
cartilhas, e, segundo Mortatti (2006), assim se disseminou a idéia e a prática do
23
“período preparatório” (exercícios de discriminação e coordenação viso-motora e
auditivo-motora, de posição de corpo e membros, dentre outros).
Os estudos sobre alfabetização – leitura e escrita – continuaram, mas foi na
década de 1980 que os métodos descritos foram questionados de forma sistemática,
devido ao fracasso escolar, principalmente na fase de alfabetização. Desse modo, o
contexto sociopolítico-econômico-cultural exigia propostas de mudança na educação, e
daí nos chegam as idéias presentes nos estudos da pesquisadora Emilia Ferreiro com
ênfase no sujeito cognoscente.
Como correlato teórico metodológico da busca de soluções para esse problema introduziu-se no Brasil o pensamento construtivista sobre alfabetização, resultante das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas pela pesquisadora argentina Emilia Ferreiro e colaboradores. Deslocando o eixo das discussões dos métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança (sujeito cognoscente), o construtivismo se apresenta, não como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos, abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas. (MORTATTI, 2006, p.10)
O construtivismo originou a “linha construtivista” ou “interacionista”. Seus
defensores receberam duras críticas, tal qual os defensores do método analítico, e pelo
mesmo motivo: a lentidão nos resultados do processo de alfabetização. Formaram-se
novamente dois grupos: os construtivistas e os tradicionais (mistos ou ecléticos). E
apesar da institucionalização do construtivismo em nível nacional, por meio dos
programas de formação dos professores, principalmente aos profissionais que atuam
nas primeiras séries, grande número desses profissionais mistura os métodos, embora
essa “técnica” seja totalmente reprovada pelos construtivistas.
24
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, no início de 2005, ofereceu
aos professores o programa de alfabetização Letra e Vida, elaborado à luz da linha
construtivista. O curso apresentou quatro módulos, equivalentes a quatro semestres.
Matriculei-me para entender o processo de aprendizagem e por que os alunos
chegavam à quinta série sem apresentar as habilidades e competências compatíveis
com essa série. Em uma das várias conversas com as colegas de turma, uma
professora afirmou usar os dois métodos: disse que iniciava com o método
construtivista e após algum tempo, dependendo dos resultados, retornava ao
tradicional. Outras professoras presentes confirmaram a mesma prática. Perguntei se a
alteração não afetava as crianças de alguma forma. Não sei dizer se elas estavam
certas, mas seus argumentos me convenceram. Relataram que algumas crianças,
apesar das dificuldades esperadas e de necessitarem de mais tempo, ao concluírem a
primeira série já estão alfabetizadas. E mesmo aquela que não consegue vai para a
série seguinte – momento importante e perigoso, pois é ali que outros fatores aparecem
e interferem no processo de ensino-aprendizagem. A dificuldade do aluno fica evidente
para ele e para os colegas e o fator psicológico geralmente é cruel. De acordo com
suas experiências, elas acreditam que ter o aluno na série seguinte sem ter
desenvolvido minimamente as habilidades de leitura e escrita pode significar a
exclusão, e para impedir que ela aconteça, alternam os métodos, o que garante a
alfabetização de praticamente todos os alunos. Segundo as professoras, elas são
proibidas de realizar tal prática, mas buscam suprir as necessidades do aluno, não do
sistema. Aqui se destaca o saber-fazer dos professores.
25
Os argumentos me convenceram, porque minhas experiências com alunos que
chegam ao ensino fundamental II sem as habilidades e competências básicas para a
seqüência dos estudos comprovam a dificuldade de aproximação: o aluno constrói uma
barreira quase intransponível, e, ao verificar sua trajetória, percebe-se que sua
alfabetização não ocorreu na série adequada. Resgatá-lo é um desafio árduo e na
maioria das vezes impossível, porque há outros aspectos que devem ser considerados
e outros ainda os quais desconhecemos.
Também é preciso registrar que há aqueles professores que, em nome do
construtivismo (segundo o qual a criança deve construir seu conhecimento), não
interagem com o aluno e, esperando que o conhecimento ocorra como em um passe de
mágica, não fazem as intervenções necessárias para o desenvolvimento das questões
e das possíveis hipóteses que serão confirmadas ou não pelo aprendiz de acordo com
a atividade proposta.
Os questionamentos desencadeados pelos métodos aqui expostos aproximam
meus pensamentos dos de Frade:
Tendo esta série de indagações, não deveríamos fazer uma oposição, mas uma associação de metodologias, uma vez que precisamos ensinar o sistema de escrita, mas sabemos que esta habilidade, sem o ensino da compreensão e da fluência, não colabora para que os alunos se tornem leitores e produtores de textos. [...] Assim, a atual pregação da volta a um método pode ser entendida como fazendo parte a uma tradição discursiva na área. Para uma oposição mais ponderada deveríamos perguntar: com a história dos métodos e de sua discussão, o que aprendemos? Talvez possamos concluir que a escolha por apenas um caminho como verdade metodológica não será igualmente boa para todos que aprendem e que ensinam e nem serão eficientes para todos os conteúdos que temos hoje na alfabetização. (FRADE, 2007, p. 11)
26
Portanto, pode-se entender que a leitura permite o aprimoramento da palavra
oral ou escrita, isto é, da linguagem pela qual expressamos idéias, pensamentos,
intenções, estabelecendo relações em diferentes esferas. E é com o domínio da
linguagem que adquirimos condições para exercer nossa participação na vida social de
forma plena.
Desse modo, lemos por vários motivos didaticamente, todos elencados por
Isabel Solé (1998, p. 92) ao responder: Para que vou ler? Lemos para: obter uma
informação precisa; seguir instruções; obter uma informação de caráter geral; aprender;
revisar um escrito próprio; por prazer; comunicar um texto a um auditório; praticar leitura
em voz alta; verificar o que se compreendeu. Acrescento: para memorizar; para ter
modelos textuais; para argumentar; para escrever e, no caso dos professores, para
efetivar o processo de formação continuada.
Infelizmente, as inúmeras pesquisas de órgãos como Inep, MEC, Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo, Unesco, etc., sobre educação, em circulação
principalmente na mídia (televisiva e escrita), demonstram resultados insatisfatórios.
Apesar dos diversos programas de formação continuada implantados pelos governos,
apenas uma minoria de estudantes apresenta habilidades e competências em leitura e
escrita compatíveis com as esperadas ao término de cada ciclo. Essas mesmas
pesquisas informam que o brasileiro lê pouco, o que certamente abrange os
professores, que se consideram leitores devido ao interesse por livros didáticos. Isso os
torna leitores? Se ler é compreender e interpretar textos escritos de diversos tipos com
diferentes intenções e objetivos, indago novamente: por que os professores não lêem?
27
Para aprofundar tal discussão, abordo os programas de formação continuada,
considerando três enfoques:
1) O percurso da formação continuada de professores na rede estadual paulista
como uma das possibilidades para se responder às indagações presentes nesta
investigação, apresentado no Capítulo II.
2) As opiniões dos professores, expressas em questionários e entrevistas
realizadas no período de dezembro de 2004 a dezembro de 2007, presentes no
Capítulo III.
3) As trajetórias de vida de três professores, mostradas no Capítulo IV.
28
CAPÍTULO II
A FORMAÇÃO CONTINUADA
Nas últimas décadas, a formação e a práxis do professor têm sido fontes
inesgotáveis de estudos no mundo. Com base nesses estudos, percebeu-se a
importância da formação continuada, foco extremamente relevante para os
pesquisadores, uma vez que permite a elevação do nível de formação e
desenvolvimento de competências profissionais dos docentes, buscando a melhoria do
desempenho dos sistemas educacionais com o objetivo de atender às novas exigências
de uma sociedade em constante transformação.
O sistema educacional é e sempre será alvo de muitos questionamentos, já que
a educação é um processo contínuo de aprendizagem por diferentes meios que
garantem a educação escolar e a educação não escolar dos indivíduos. Ambas
permitem um desdobramento amplo e complexo por conta da diversidade de culturas
entre os indivíduos que nelas se encontram.
A educação escolar e todas as suas possibilidades destacam-se em âmbito
mundial. Mas esta investigação faz um recorte desse todo, enfocando a formação
continuada dos professores, tema presente nas discussões de especialistas, políticos,
professores e pesquisadores de diversos setores da sociedade. Essas discussões
29
geram ações com pretensões de oferecer respostas às necessidades sociais e
solucionar os problemas da educação, efetivando a melhoria do ensino.
A formação continuada oferece uma gama de possibilidades, as quais aumentam
seu grau de complexidade. Suas diferentes designações genéricas (aperfeiçoamento,
treinamento, capacitação, educação continuada, etc.) são exemplos de conceitos que
reiteram sua complexidade.
Entretanto, qualquer que seja a designação, as discussões apresentam um ponto
em comum: a competência dos profissionais da educação requer um processo de
formação contínuo, descrito por García como “fase de formação permanente, uma área
de conhecimento e investigação centrada no estudo dos processos por meio dos quais
os professores apreendem e desenvolvem a sua competência profissional” (1999, p.
26).
Nesse sentido, cabe ressaltar que o aprimoramento profissional deve ser
organizado em consonância com as ações da escola e da sociedade e deve considerar
a formação inicial e a formação continuada como indissociáveis, apesar de não serem
concomitantes.
Os textos de Paulo Freire nos permitem inferir que a formação continuada é um
processo permanente de desenvolvimento do profissional da educação, sendo que a
formação inicial e a formação continuada são interligadas, pois a primeira corresponde
à fase de aprendizado nas instituições formadoras e a segunda, à aprendizagem dos
professores atuantes mediante ações dentro e fora do ambiente escolar. E esse
processo de formação é permanente porque, segundo Paulo Freire,
30
a educação é permanente não por que certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de finitude. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí. (PAULO FREIRE, 1997, p. 20)
Considerando as constantes transformações nos mais diversos setores sociais,
evidencia-se o quanto é relevante o processo de formação permanente, para que os
profissionais da educação possam acompanhar e atender às demandas do momento
presente e promover o desenvolvimento profissional por meio da melhoria e do
aperfeiçoamento das práticas pedagógicas.
Assim, na tentativa de amenizar os problemas do sistema educacional, as
secretarias estaduais e municipais de educação promovem a implementação de
programas de formação continuada de professores. Esses programas englobam uma
parcela significativa de recursos humanos e financeiros, os quais são aplicados em
projetos de capacitação de professores pelas instâncias públicas, propiciando uma
série de atividades de formação continuada, geralmente apresentadas na forma de
palestras, seminários e cursos.
2.1 A formação continuada e a rede de ensino
No Brasil, a oferta de programas de formação continuada não é novidade. Desde
meados da década de 70, durante o regime militar, embora de forma “tímida e imposta”,
atividades como cursos e projetos contribuem para o processo de aprimoramento do
31
professor. Tais atividades já eram oferecidas pelas redes de ensino, objetivando
qualificar os professores em exercício. Porém, não apresentavam eficácia, pois os
programas eram implementados de acordo com o modismo ou com os interesses de
alguns setores da sociedade. Cardoso (1988) explica:
Ainda nos finais do regime militar começaram a surgir várias iniciativas no sentido de promover o contato de algumas autoridades públicas com a população alvo das políticas de promoção social. Com impactos diferenciados, algumas Secretarias de Estado ou de municípios deram respaldo às iniciativas que buscavam fomentar a participação dos usuários dos serviços públicos. No interior das agências públicas, grupos de profissionais, afinados com interesses populares, garantiram o espaço para as manifestações comunitárias. Sem muita coerência, em alguns setores estatais, foram dados os primeiros passos para reconhecer a pressão popular como manifestação saudável e não mais como necessariamente perigosa. Mas estas iniciativas aconteciam de modo desorganizado e irregular, combinando tolerância e repressão [...] Entretanto, na falta de um projeto claro de descentralização, cada área do governo operou a seu modo. (CARDOSO, 1988, p. 83)
Após o regime militar, deu-se a elaboração e a implantação de novas diretrizes
com programas de formação continuada de docentes, desenvolvidos pelas secretarias
estaduais.
Dentro desse contexto, as entidades educacionais mobilizadas clamavam por
efetivas reformas em relação à educação e à cultura, entre elas: liberdade de
expressão, fim da censura, melhores condições de trabalho, aumentos salariais e
incentivos financeiros ao ensino e às pesquisas científicas.
Essas reivindicações somaram-se às de diferentes categorias da sociedade. As
principais eram: democratização da sociedade; formação de cidadãos críticos e
participativos; reformas nos diversos segmentos públicos, eliminando o excesso
32
burocrático; uma melhor qualidade no sistema educacional, objetivando melhores
condições de trabalho para os docentes e a conseqüente melhoria da qualidade de
vida.
Em nosso país, a formação continuada do docente, enquanto projeto político-
pedagógico, foi exaustivamente divulgada a partir da década de 1990, podendo ser
comparada ao programa Fome Zero, que, embora alardeado, não saiu do papel.
Um levantamento desenvolvido por André (2002, p. 9) indicou o número de
artigos sobre a formação e a práxis do professor publicados entre 1990 e 1997: em dez
títulos de periódicos, 30 artigos (aproximadamente 26% dos artigos sobre educação)
abordavam a formação continuada.
A análise desses artigos demonstrou que os estudos direcionados ao ensino fundamental, ao ensino médio e à educação superior não apresentaram distinções no que se refere aos pressupostos assumidos com relação ao processo de formação continuada de docentes e às ações propostas. Mas evidenciou a ênfase na necessidade de valorizar e implementar a cooperação e a integração entre o mundo acadêmico e as escolas no desenvolvimento de parcerias. (ANDRÉ, 2002, p. 171)
A mesma análise indicou o discurso predominante: a conceituação de formação
continuada de docentes, propostas dirigidas ao processo de formação continuada e o
papel dos professores e da pesquisa nesse processo.
Segundo ANDRÉ (2002), alguns autores divergem quanto à conceituação de
formação continuada, constituindo dois grupos distintos.
O primeiro grupo, composto por Kramer, Fusari, Rios, Marin, Lobo Neto, entre
outros, assume a concepção de formação continuada como um processo. Esses
33
autores recusam o conceito de formação continuada significando treinamento, cursos,
seminários, palestras, porque têm como conceito de formação continuada a
apropriação de informações e/ou competências através da telemática – teleducação,
educação a distância, apoiadas nas avançadas mídias interativas: internet, intranet,
videoconferências e teleconferências. Eles defendem que é possível a difusão de
informações visando a capacitação quantitativa e qualitativa de professores em âmbito
nacional por meio de um projeto tecnológico desenvolvido na esfera governamental.
Já o segundo grupo conceitua a formação continuada como prática reflexiva, em
conformidade com Shön. A formação continuada é definida como prática reflexiva no
âmbito da escola (ANDRÉ, 2002). Esses autores também a concebem como uma
prática reflexiva articulada com as dimensões sociopolíticas mais amplas, abrangendo
desde a organização profissional até a definição, a execução e a avaliação de políticas
educacionais. (ANDRÉ, 2002) Neste grupo encontramos Pimenta, Chakur, Nóvoa e
André. (ANDRÉ, 2002)
Tendo em vista os conceitos de formação continuada baseados nos mais
recentes estudos e comparando-os com o conceito de formação permanente elaborado
por Paulo Freire, este pouco difere da formação continuada, muito embora a formação
permanente não tenha sido explorada e aplicada na amplitude dos moldes
desenvolvidos por seu idealizador, que afirma:
A curiosidade ingênua, de que resulta indiscutivelmente um certo saber, não importa que metodicamente desrigoroso, é a que caracteriza o senso comum. O saber de pura experiência feito. Pensar, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da educadora com a
34
consciência crítica do educando, cuja “promoção” da ingenuidade não se faz automaticamente. (PAULO FREIRE, 2004, p. 29)
Cabe salientar que os dois grupos atentam para as transformações ocorridas no
mundo de maneira ampla e profunda, de natureza científica, tecnológica, política,
econômica, social e cultural, influenciando a vida dos cidadãos nos mais diversos
aspectos. Como explica Neves,
(...) tais mudanças se substanciaram na redefinição da natureza do processo de acumulação de capital, que passou a ter seu dinamismo assegurado pelo aumento da produtividade social do trabalho, fundamentado na mudança da composição orgânica do capital. E concomitantemente, o emprego crescente do capital constante na produção, a concentração e a centralização de capitais, a ampliação dos mercados a até mesmo a internacionalização da produção acabam por introduzir, também, novos antagonismos entre trabalho e capital. E, à medida que se intensifica o processo de centralização e concentração de capitais, novas aplicações tecnológicas se incorporam à produção. A indústria substitui a relação social trabalho-arte pela relação social trabalho-ciência. O entrelaçamento entre ciência/trabalho e entre ciência/vida cria, portanto, a necessidade de uma escola de cultura, mas de uma cultura nova e diferente ligada à vida produtiva. (NEVES, 2002, p. 16-17)
Os profissionais das diversas áreas perceberam que apenas a formação inicial
não lhes bastava: era preciso atualizar e aperfeiçoar os seus conhecimentos e suas
técnicas de forma contínua.
Entre esses profissionais há uma figura primordial: a do profissional docente,
elemento que tem como finalidade principal um grande desafio: auxiliar na formação
profissional e social de um outro indivíduo, tornando-o capaz de decifrar os novos
códigos culturais de uma civilização técnico-científica.
35
E apesar das transformações mundiais, Pimenta afirma:
Os professores exercem papel imprescindível e insubstituível no processo de mudança social, e para enfrentar os desafios das situações de ensino o profissional da educação precisa da competência do conhecimento, de sensibilidade ética e de consciência política. (PIMENTA, 2002, p. 15)
Essa citação evidencia que os cursos de formação de professores devem
promover em primeira instância o desenvolvimento da competência de aprender a
aprender, de forma que as habilidades e competências adquiridas na formação inicial
se transformem em uma base sólida de um processo de formação continuada.
Nesse sentido, é importante compreender que a formação inicial é a primeira
fase do processo para a aquisição do conhecimento e do saber, independentemente da
área de atuação. Esse processo apresenta um crescimento constante e infinito, bem
como a conseqüente e indivisível relação entre a formação inicial e a formação
continuada, embora cada uma delas tenha características próprias.
Nóvoa (1992) explica a intrínseca relação entre a formação inicial e a formação
continuada deste modo:
A formação não se constrói por acumulação (de cursos de conhecimentos, ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. (NÓVOA, 1992, p. 25)
Dessa forma, vale relembrar o conceito de formação continuada adotado pelos
pesquisadores do segundo grupo, que advogam em favor de uma “formação
36
continuada como prática reflexiva no âmbito da escola” e devidamente “articulada com
as dimensões sociopolíticas mais amplas, abrangendo desde a organização profissional
à definição, execução e avaliação de políticas educacionais”. (ANDRÉ, 2002, p. 172).
Segundo Carvalho (2005), é importante considerar a “presença-ausência” de
possibilidades das vozes dos professores ao se referirem à necessidade de formação
continuada e das condições objetivas para que esse processo se efetive, uma vez que
a maioria dos programas e projetos é planejada e desenvolvida fora do âmbito escolar.
Eles são impostos como “pacotes” repletos de objetivos, conteúdos e estratégias que
atendem às necessidades das políticas governamentais, e não das políticas defendidas
e/ou assumidas pelos profissionais de ensino. Sendo assim, a cada novo governo
surgem novos “pacotes”, que geralmente não levam em conta a história do sistema
educacional (na e da escola, na sala de aula, nos conhecimentos/ saberes do
professor).
De acordo com o exposto, a autora argumenta:
Como seriam tais conhecimentos considerados, se os programas e projetos já chegam elaborados à escola? Qual a relação entre os conteúdos dos programas de formação continuada com os problemas do cotidiano escolar? Sabendo que a quase totalidade dos programas e projetos é de abrangência nacional, como poderiam estar conectados com o contexto específico de cada escola e/ou do campo de atuação de cada professor? (CARVALHO, 2005, p. 101)
Nessa concepção, fica evidente o quão importante é a relação do coletivo com o
cotidiano escolar nos processos de formação continuada, sendo a escola um espaço
37
privilegiado para sua execução. Portanto, nesse local, o docente, no seu processo de
formação contínua, deve indagar, problematizar, para poder refletir criticamente sobre
sua prática docente e, com isso, melhorá-la, transformá-la.
Paulo Freire (1997) afirma não conceber uma formação que não leve o docente a
se abrir ao contorno geográfico e social dos educandos.
Segundo o autor,
a formação dos professores e das professoras devia insistir na constituição deste saber necessário e que me faz certo desta coisa óbvia, que é a importância inegável que tem sobre nós o contorno ecológico, social e econômico em que vivemos. E ao saber teórico desta influência teríamos que juntar o saber teórico-prático da realidade concreta em que os professores trabalham. (PAULO FREIRE, 1997, p. 154-155)
Com isso, pode-se afirmar que os programas de formação continuada de
professores dependem da situação a que se destinam, do grupo a ser capacitado, dos
problemas identificados a serem trabalhados e dos recursos humanos e materiais
disponíveis para a realização da proposta, aliados ao comprometimento do profissional
docente, ciente da necessidade de uma formação contínua, porque:
a responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar de [sic] se capacitar de [sic] se formar antes mesmo de iniciar a sua atividade docente. Esta atividade exige que sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. (PAULO FREIRE, 2004, p. 28)
38
A formação continuada é uma realidade e constitui-se como parte integrante de
todas as reformas educacionais em curso, mas também representa uma difícil tarefa no
caminho da busca das identidades dos professores, da escola e dos alunos.
É importante salientar que as identidades são formadas e instituídas pelo
conjunto reflexão/ação/reflexão, e a partir desse pressuposto, observei que os docentes
envoltos com leituras diversificadas e participantes de debates, seminários, congressos,
entre outros, apresentam uma predisposição para colocar em xeque suas teorias e
práticas, o que lhes permite mobilidade ou flexibilidade no tráfego de informações. A
seleção dessas informações envolve sua autonomia, sua autoridade mediante a
instituição do outro. Desse modo, esses docentes mencionados não trabalham com o
princípio da causalidade, e sim buscam relações, e assim conseguem alguma “ordem”.
E é dentro desse contexto que entendo Schön quanto ao processo de desenvolvimento
ancorado no conhecer-na-ação e na reflexão-na-ação, uma vez que ambos favorecem
a competência profissional, que consiste na aplicação de teorias e técnicas derivadas
da pesquisa sistemática, preferencialmente científica, à solução de problemas
instrumentais da prática. (SCHÖN, 2000)
Por outro lado, Pimenta (2002) aponta as críticas de alguns especialistas em
relação à prática reflexiva proposta por Schön. Eles entendem que essa prática pode
acarretar o “praticismo” e/ou o individualismo, conduzindo à banalização da perspectiva
da reflexão, à não-especificidade das reflexões sobre a linguagem, os sistemas de
valores, os processos de compreensão, além de a forma como definem o conhecimento
também não ser clara. Outros consideram que a proposta de Schön não é nada mais
do que meros treinamentos técnicos.
39
As críticas apresentadas são relevantes do ponto de vista do relativismo, do
reducionismo, que são capazes de conduzir qualquer teoria à banalização.
Então, como evitar o relativismo, o reducionismo e a conseqüente banalização?
Defendo a utilização da prática reflexiva baseada no conhecer-na-ação e na reflexão-
na-ação. Elas indicam uma gama de caminhos possíveis, desde que se faça a seguinte
consideração sobre o conhecer-na-ação:
Qualquer que seja a linguagem que venhamos a empregar, nossas descrições do ato de conhecer-na-ação são sempre construções. Elas são sempre tentativas de colocar de forma explícita e simbólica um tipo de inteligência que começa por ser tácita e espontânea. Nossas descrições são conjecturas que precisam ser testadas contra observações de seus originais, dos quais, pelos menos em um certo aspecto, elas provavelmente distorcerão. Porque o processo de conhecer-na-ação é dinâmico, e os “fatos”, os “procedimentos” e as “teorias” são estáticos. [...] De fato, é esse ajuste e essa expectativa seqüenciais, essas contínuas detecção e correção de erro que nos levam, em primeiro lugar, a chamar a atividade de “inteligente”. Conhecer sugere a qualidade dinâmica de conhecer-na-ação, a qual descrevemos, convertemos em conhecimento-na-ação. (SCHÖN, 2000, p. 32-33)
E sobre reflexão-na-ação:
A reflexão sobre cada tentativa de resultados prepara o campo para a próxima. Tal padrão de investigação é melhor descrito [sic] como seqüência de “momentos” em um processo de reflexão-na-ação. [...] Contudo, independentemente da distinção de seus momentos ou da constância de sua seqüência, o que distingue a reflexão-na-ação de outras formas de reflexão é sua imediata significação para a ação. Na reflexão-ação, o repensar de algumas partes de nosso conhecer-na-ação leva a experimentos imediatos e a mais pensamentos que afetam o que fazemos – na situação em questão e talvez em outras que possamos considerar como semelhantes a ela. (SCHÖN, 2000, p. 33-34)
40
Esses pensamentos de Schön nos deixam claro que há outros elementos
necessários e indispensáveis para a prática reflexiva: os momentos, os espaços e,
principalmente, a complexidade existente na relação entre os seres.
Esses outros elementos, aparentemente ignoráveis, são de fato essenciais nos
processos de formação do professor, na graduação ou na formação permanente, pois
atentar para eles significa buscar a interação entre teoria, prática e condição humana.
Considero a interação desse trio importante para que a prática reflexiva não caia em
procedimentos mecânicos e técnicos propiciadores da redução ou da distorção dos
problemas educacionais.
2.2 A formação continuada na rede estadual de São Paulo
A formação continuada na rede estadual de São Paulo fornece elementos
fundamentais para o aprofundamento desta investigação. Apresento a seguir um breve
histórico, o qual inicio com o pertinente pensamento de Paulo Freire:
Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador no professor não é a qualidade ou uma forma de ser e de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador. (PAULO FREIRE, 1997, p. 32)
O Governo do Estado de São Paulo, considerando as reivindicações da
sociedade, apresentou, em 1983, um Programa Educacional com diretrizes gerais. Foi o
41
primeiro documento oficial estruturado que buscava atender às necessidades de uma
política educacional conjuntamente com as demandas da sociedade:
Martins (1996) esclarece:
Se há algo que marca profundamente a educação brasileira é a quase completa ausência de uma Política Educacional. Nestes anos todos, temos vivido da improvisação: não poucas vezes, ao sabor de interesses em conflito com os reais interesses da coletividade (...). Em face dessa situação, o que se reclama, de um Governo que pretenda representar os interesses do povo, é a formulação de uma política de Educação que ordene providências e racionalize os gastos educacionais a partir de rumos cuja fixação reflita a discussão ampla e a participação ativa, como convém ao regime democrático. (DOE, 1983, apud MARTINS, 1996, p.192)
Apesar de o discurso do governo apregoar “a discussão participativa e ativa”,
entre 1984 e 1989, o avanço ou as mudanças almejadas não se efetivaram, pois as
propostas educacionais foram elaboradas de forma genérica. Ocorreu uma série de
eventos informativos que discorriam sobre novos programas, abordagens, entre outros,
os quais não compunham um sistema de capacitação dos profissionais docentes.
Porém é importante ressaltar que, em 1987, a Secretaria da Educação paulista
instaurou o projeto “Jornada Única”, que gerou mudanças estruturais, propiciando a
organização dos docentes em grupos de estudos, nas escolas, por meio de reuniões
denominadas horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC). Essas reuniões foram
extremamente relevantes, pois com elas iniciou-se “um lento processo de discussão e
democratização das principais políticas da área que reorientavam as propostas para a
organização pedagógico-administrativa da escola” (MARTINS, 1996, p. 194).
42
As propostas e/ou questionamentos oriundos de tais reuniões anunciaram a
necessidade de uma reformulação das propostas curriculares de todos os níveis de
ensino da educação básica. E com a mediação da CENP –Coordenadoria de Estudos e
Normas Pedagógicas –, órgão da secretaria estadual responsável pelos projetos, as
universidades públicas e a rede estadual de ensino elaboraram os parâmetros teórico-
metodológicos, que buscavam uma mudança efetiva para as disciplinas curriculares.
Com eles surgiram os Cursos de Extensão para docentes, com 30 horas de duração, e
as Orientações Técnicas, distribuídas em oito horas mensais, que propunham
treinamento ou capacitação para auxiliar as ações dos educadores.
A partir de 1987, a complexidade e o gigantismo da rede estadual de ensino e a
precariedade de investimentos demonstraram a impossibilidade do desenvolvimento
com sucesso de qualquer projeto. Surgiram então as Oficinas Pedagógicas organizadas
pelas Diretorias de Ensino, para implementação de atividades de capacitação. Essas
atividades tinham como principal objetivo capacitar os docentes nas diferentes áreas do
conhecimento, visando uma política de formação continuada, mas não atentaram para
as reais necessidades dos professores e de cada região.
Desse modo, na última década tivemos um número expressivo de programas de
formação visando o aperfeiçoamento de práticas pedagógicas do professor.
Considerando que 70% dos programas abarcavam a prática da leitura, pode-se supor
que os professores apresentavam dificuldades nessa área. Questiono: por quê? E quais
são essas dificuldades?
Para responder a essas questões, escolhi como exemplo o programa EMR –
Ensino Médio em Rede –, voltado para as práticas de leitura e produção de textos dos
43
professores como meio de ampliação do processo de ensino-aprendizagem desses
profissionais.
2.2.1 O programa EMR – Ensino Médio em Rede
A contribuição do programa EMR para este estudo foi fundamental, pois
exemplifica o desenvolvimento do processo de formação continuada na rede estadual.
A sua escolha deve-se à sua proposta de integração das áreas de conhecimento, assim
classificadas e mencionadas nas LDB: Linguagem, Códigos e suas Tecnologias;
Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias e
Interdisciplinaridade e Contextualização.
No período de 2000 a 2004, muitos cursos centrados na competência e na
habilidade leitora do professor foram desenvolvidos, mas eram organizados por
disciplinas. O diferencial do EMR foi a reunião de docentes de todas as disciplinas em
um mesmo espaço e horário, para debates sobre os problemas educacionais,
fomentados por diferentes leituras, o que permitiu uma multiplicidade de olhares – por
isso os professores participantes do programa EMR serão os sujeitos desta pesquisa.
O EMR – Ensino Médio em Rede – foi um programa de formação continuada
para professores do ensino médio – educadores das mais de 3.000 escolas do Estado
de São Paulo – que teve por objetivo ampliar o processo de formação docente dos
professores da rede estadual em busca de um novo olhar desses profissionais quanto
às especificidades do currículo do ensino médio, promovendo subsídios necessários a
uma análise realista da proposta pedagógica da escola onde atuavam, além da
44
avaliação das ações educativas em sala de aula. Também pretendia estabelecer uma
discussão voltada às melhores formas de desenvolver a proficiência da leitura e da
redação dos aprendizes, tendo em vista que o aprimoramento permanente dessas
habilidades e competências possibilita uma visão de mundo mais crítica e um
conhecimento mais qualitativo de todas as disciplinas.
O programa foi desenvolvido em uma parceria da Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo com a CENP e a Fundação Vanzolini, que o apresentaram da
seguinte forma:
Ensino Médio em Rede: uma síntese. O Programa trata de quatro temas distintos: Tema 1. A formação do professor no programa Ensino Médio em Rede Tema 2. Professores e alunos: um encontro possível e necessário Tema 3. O currículo da escola média Tema 4. O projeto político-pedagógico da escola Os temas são trabalhados nas VIVÊNCIAS FORMATIVAS e nas VIVÊNCIAS EDUCADORAS. As primeiras discutem aspectos relativos ao currículo da escola média e fornecem suporte para o diagnóstico e a análise da ação educativa escolar. Focalizam ainda aspectos relativos à proficiência leitora e escritora do aluno do Ensino Médio, bem como o papel da escola na construção dessa proficiência. As atividades das VIVÊNCIAS FORMATIVAS oferecem subsídios para organizar e planejar, durante as VIVÊNCIAS EDUCADORAS, um projeto de trabalho a ser desenvolvido com os alunos em sala de aula. (SÃO PAULO, 2004b, p. 7)
Desse modo, o programa buscou atender aos princípios expressos na Lei
9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação –, que são: o desenvolvimento de
capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; capacidade
de aprender, criar, formular, considerando a perspectiva de uma aprendizagem
45
permanente, de uma formação continuada tendo como elemento principal a construção
do conhecimento em função dos processos sociais que se modificam.
O EMR envolveu gestores das equipes escolares, 5000 professores
coordenadores (PC), 400 assistentes técnico-pedagógicos (ATP) das Oficinas
Pedagógicas e 65.000 professores atuantes em todas as áreas do ensino médio nas
3.083 escolas estaduais.
O processo de formação ocorreu por multiplicação: tutores da Fundação
Vanzolini formaram os ATPs, que foram responsáveis pela orientação dos PCs e pelo
acompanhamento das atividades dos professores.
A formação do PC foi baseada na busca da sistematização da análise da prática
reflexiva, crítica e autônoma das ações pedagógicas, porque é a análise da prática que
apresenta as especificidades que norteiam o trabalho de coordenação pedagógica
dentro do âmbito escolar, envolvendo diversos aspectos do cotidiano escolar, conforme
manual de apresentação do EMR – Regimento do Programa (SÃO PAULO, 2004b).
1. A articulação do coletivo escolar, para elaborar a proposta educativa.
2. A criação de espaço e mecanismos de participação efetiva dos diferentes
atores, considerando as possibilidades de cada segmento.
3. O planejamento, acompanhamento e avaliação das ações previstas no
projeto educativo e desenvolvidas na escola.
4. A formação dos professores.
46
5. O estudo dessas especificidades de atuação, assim como das competências
que precisam ser construídas para tornar possível e adequada a ação de
coordenação pedagógica.
O processo de formação dos professores apresentou os objetivos
desmembrados do seguinte modo:
1. Promover a discussão sobre as especificidades curriculares do Ensino Médio,
propiciar subsídios para o diagnóstico da realidade local e a avaliação do projeto
político-pedagógico das escolas envolvidas e dos programas curriculares das
áreas.
2. Fortalecer as equipes escolares de maneira a dar-lhes suporte para
mudanças na prática pedagógica.
3. Promover uma integração entre os professores das áreas a partir de projetos
temáticos e de uma perspectiva interdisciplinar.
4. Ampliar as competências leitoras e escritoras dos professores de ensino
médio e fornecer-lhes subsídios para que possam desenvolver essas
competências em seus alunos.
Todos os participantes receberam material de apoio para todo o processo
(apostilas impressas e um CD-ROM contendo textos, tabelas e gráficos) e orientações
para a execução da elaboração de projeto de trabalho de acordo com sua área de
atuação. O projeto do ATP foi relacionado com a formação de professores do ensino
médio; o PC recebeu orientações para uma proposta de formação referente ao
47
desenvolvimento de seu trabalho na coordenação pedagógica e o professor, uma
proposta de atividades que deveriam ser aplicadas a seus alunos.
O EMR ocorreu no período de agosto de 2004 a dezembro de 2007. No entanto,
cabe salientar que a formação dos professores coordenadores ocorria quinzenalmente
(às terças-feiras, abrangendo um período de quatro horas), e as orientações eram
mediadas por um assistente técnico-pedagógico, com a interação de especialistas por
meio de videoconferência ou programas gravados. Os professores coordenadores
orientavam (multiplicavam) semanalmente durante os HTPCs os professores atuantes
no ensino médio nas atividades propostas.
As atividades dos PCs foram organizadas de acordo com as seguintes
modalidades de trabalho:
- Trabalho na Rede do Saber: encontro presencial quinzenal de oito (8) horas, nos ambientes da Rede do Saber antes ou depois de uma videoconferência/teleconferência (coordenada por especialistas que discutiram aspectos pertinentes aos temas desenvolvidos na formação, bem como sua relevância no Programa, com todos os envolvidos no EMR). - Trabalho na escola: encontros presenciais, na escola de atuação, com os professores durante o horário de trabalho coletivo – HTPC – e no acompanhamento das atividades realizadas em sala de aula. - Trabalho pessoal: individual, com local e horário livre, envolvendo leituras, web (trabalho na internet, em ambiente virtual de colaboração, fóruns de discussão on-line), com orientação do ATP. (SÃO PAULO, 2004b, p. 8-10)
O desenvolvimento das atividades dos professores aconteceu também em três
tipos de situação:
48
• Trabalho coletivo: realizado durante o HTPC, momento em que eram
apresentados temas para discussão através de roteiros de textos, vídeos,
atividades de reflexão sobre a prática pedagógica. Também havia a elaboração
de sínteses e retomadas dos assuntos discutidos, estudados com o objetivo de
se obter respostas e soluções e colocar em pauta novas problematizações.
• Trabalho pessoal: acontecia de maneira independente, com local e horário
livre, envolvendo leituras, web (trabalho na internet, em ambiente virtual de
colaboração, e fóruns de discussão on-line), com orientação do PC.
• Trabalho em sala de aula: esta era a hora de colocar em prática o projeto
elaborado com a orientação do PC.
O programa EMR, aqui apresentado de forma sucinta, foi elaborado em
consonância com a proposta de reformulação do ensino médio, tendo, assim, a
finalidade de subsidiar os professores do ensino médio da rede estadual paulista em
seu processo de formação continuada, considerando o movimento permanente e
contínuo de ação-reflexão-ação, em busca da melhoria da qualidade de ensino e,
simultaneamente, procurando atender às exigências sociais, as quais se alteram
rapidamente em função do progresso científico e do tecnológico, bem como seu
impacto na sociedade.
O programa ocorreu no período de agosto de 2004 a dezembro de 2007,
envolvendo, como já mencionado, professores das 3.083 escolas estaduais de ensino
médio da rede paulista.
49
CAPÍTULO III
OPINIÕES DOS PROFESSORES SOBRE O EMR – ENSINO MÉDIO EM
REDE
O EMR – Ensino Médio em Rede – foi o programa que reuniu o maior número de
profissionais da educação: 400 ATPs, 5.000 PCs e aproximadamente 65.000
professores do Estado de São Paulo, independentemente da disciplina. Era composto
por uma mistura de formas – forma contratual e forma interativa-refexiva (NÓVOA,
1992) –, sendo a primeira entendida como uma negociação entre diferentes parceiros
para o desenvolvimento de um determinado programa e a segunda como uma proposta
de formação a partir do trabalho de equipe e/ou da ajuda mútua entre os professores
em ações reais de trabalho com a mediação de formadores. As questões que levanto
aqui são: essa composição atingiu o objetivo de fomentar discussões dentro da rede
estadual de ensino? Atendeu às necessidades dos professores quanto ao objetivo
principal do programa – o desenvolvimento da prática de leitura e da produção escrita?
As respostas encontram-se nas opiniões dos professores sobre o programa EMR.
50
3.1 Acompanhando o desenvolvimento: questionários e entrevistas
A coleta de dados para esta investigação contou com questionários e entrevistas
feitas durante o período de agosto de 2004 a dezembro de 2007.
O primeiro módulo apresentou os objetivos gerais e promoveu debates
suscitados por entrevistas e/ou textos de especialistas acerca do ensino médio e
envolveu três semestres (agosto de 2004 a dezembro de 2005 – esse período foi o
mais longo, por ser composto pela apresentação do programa, pela divulgação do
material, pelas inscrições). Nesse módulo minha participação foi predominantemente
como observadora, pois embora estivesse inserida no horário de trabalho pedagógico
coletivo, não estava inscrita no curso elaborado para esse horário, possibilitando uma
observação isenta. Os registros dessa fase demonstram o interesse e o entusiasmo dos
professores com o curso. Os docentes vislumbravam uma nova maneira de atuação –
com a organização, a gestão e a interação de toda a equipe escolar.
No início de 2005 assumi a função de ATP (assistente técnico-pedagógico), e era
responsável pelos programas voltados para a leitura, tendo como público-alvo os
professores do ensino fundamental. Nesse período observei a formação dos
professores coordenadores (os multiplicadores), mediada pelas colegas ATPs, que
organizavam o espaço, o material, as videoconferências e o trabalho na web.
No final desse primeiro módulo, apliquei o questionário 1, que foi entregue a
todos os professores do ensino médio da escola da qual sou professora efetiva. Foram
entregues aproximadamente 30 questionários, mas apenas 11 foram respondidos. Esse
questionário foi aplicado no primeiro HTPC após a conclusão do módulo, que contou
51
com a presença das duas professoras coordenadoras da escola e duas assistentes
técnico-pedagógicas. A única instrução solicitada aos participantes foi que, dentro do
possível, justificassem suas respostas com exemplos.
O questionário foi composto de apenas três questões:
1] Qual a contribuição do programa Ensino Médio em Rede para sua prática
coletiva?
2] Qual a contribuição do programa Ensino Médio em Rede para sua prática
individual?
3] Qual sua sugestão para a melhoria desse programa?
No final do questionário havia um espaço para “outras considerações”, e cada
participante poderia utilizá-lo com total liberdade de expressão.
As respostas foram extensas, fato pouco comum para este tipo de trabalho, mas
conduziram-me a duas hipóteses: a primeira, que os docentes atenderam à solicitação
de respostas esclarecedoras, com exemplos, comentários, etc.; a segunda –
demonstrada por meio das críticas –, que o espaço foi utilizado para um desabafo
coletivo. Considero-o coletivo pelo fato de o teor dessas críticas ter sido semelhante, ou
até mesmo idêntico. Talvez o resultado tivesse sido diferente se não estivessem todos
reunidos no mesmo ambiente e horário.
Utilizei a prática de observação e tive participação efetiva no desenvolvimento
de alguns módulos, objetivando melhor identificar as contribuições do EMR para o
aprimoramento da prática em sala de aula, do conhecimento específico, da utilização
52
das mídias interativas, da ampliação da visão de mundo, bem como dos temas, valores
e conceitos que, mesmo não pertencendo à matéria que o docente leciona, devem se
cruzar, nas conversas, discussões e reflexões que ocorrem na escola, principalmente
em sala de aula.
No ano de 2006, participei do curso com os professores da minha escola,
momento que me proporcionou uma outra forma de olhar para o programa e seus
sujeitos. Vivenciei diferentes situações – falta de material e de espaço adequados,
ausência de coordenação e/ou multiplicadores, horários reduzidos, impossibilidade de
reunir os professores por área, prazo insuficiente para desenvolver as atividades, entre
outras. Dessa forma, todos os problemas pontuados pelos professores também eram
meus.
Para entender a origem dos problemas e, ao mesmo tempo, buscar meios para
viabilizar os estudos e debates, em 2007 atuei como representante de área. Cada
escola com curso regular de ensino médio indicou, em comum acordo com seus
professores, um representante para cada uma das três áreas de conhecimento:
Linguagem, Códigos e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias e
Ciências Naturais e suas Tecnologias.
Quinzenalmente os representantes de cada área reuniam-se com seu respectivo
grupo e recebiam orientações de especialistas por meio de teleconferências, assistiam
a palestras e eram responsáveis pela distribuição do material didático, bem como por
sua utilização, com a finalidade de mediar os debates ora com sua área, ora com todas
as áreas, apresentar relatório bimestral das atividades em grupo e postar as atividades
individuais. Não houve devolutiva de nenhum material postado.
53
Ao concluir mais esse módulo, solicitei aos docentes que respondessem ao
questionário 2, sendo que nem todos os docentes – por decorrências burocráticas –
participaram de todos os módulos, e, conseqüentemente, não responderam aos dois
questionários. Apesar disso, o número de participantes da pesquisa permaneceu o
mesmo, porque inseri nela os professores representantes de área e um coordenador de
outra escola pública, objetivando a comparação considerando-se os diferentes sujeitos
e espaços.
O questionário 2 conteve 20 questões. Entendo ser importante sua apresentação
para que se possa compreender melhor as respostas, formuladas de acordo com
aspectos que considero fundamentais para a análise.
54
Nome:
1. Formação
E. Fundamental [ ] pública [ ] privada
E. Médio [ ] pública [ ] privada
E. Superior [ ] pública [ ] privada
2. Atuação – Escola [ ] estadual [ ] municipal [ ] particular [ ] outros
3. Qual(is) matéria(s) leciona?
4. Há quanto tempo leciona? Exerce outra atividade? Qual?
5. Participou de quantos módulos do EMR? Se não participou de algum, justifique.
6. Participou como:
[ ] ATP [ ] Coordenador(a) [ ] Professor representante [ ] professor-aluno
7. Sua adesão foi voluntária? Explique.
Faça um breve comentário sobre os seguintes aspectos do EMR:
8. Apresentação do curso:
9. Material didático:
10. Cronograma:
11. Suporte pedagógico:
12. Desenvolvimento das atividades individuais:
13. Desenvolvimento das atividades em grupo:
14. Considerando que a proposta do EMR era estimular as habilidades e competências
leitoras e de escrita dos professores, instigando a reflexão por meio de textos teóricos
diversos de renomados autores e de textos que circulam nas ações comunicativas do
nosso cotidiano, discorra sobre a(s) contribuição(ões) que o curso proporcionou aos
professores nos âmbitos:
15. Pessoal:
16. Profissional:
17. Coletivo:
18. Qual sua leitura sobre as atividades desenvolvidas com o seu grupo de professores
intermediadas por você? (Considere os pontos positivos e negativos – os negativos são
aqui entendidos não como erros, mas enquanto movimento de mudança.)
19. Faça uma reflexão sobre a sua atuação no EMR sob a luz de sua concepção de vida
e sua concepção político-pedagógica.
20. O EMR deve prosseguir? Qual(is) sugestão(ões) você daria, visando um melhor
aproveitamento do programa?
55
Dessa vez não foi possível aplicar o questionário a todos no mesmo espaço e
horário, pois os HTPCs foram organizados por área, e raramente elas se encontravam.
Cabe ressaltar que o mesmo quadro ocorrido no questionário 1 quanto ao teor
das respostas se repetiu. Inclusive as respostas dos professores coordenadores
atuantes em escolas distintas e com grupo de formação diferente (ATPs, professores
coordenadores e representantes) apresentaram semelhanças.
Essas semelhanças apontavam para um ou mais aspectos em comum até então
despercebidos. Considerando-os relevantes e entendendo que a origem desses
aspectos está relacionada à trajetória de vida dos sujeitos, entrevistei três professores e
obtive o relato de suas experiências pessoais e profissionais, objetivando, por meio da
comparação, aprofundar a relação entre o programa de formação continuada e a
prática da leitura.
3.2 As opiniÕes dos professores expressas nos questionários
Os professores responderam a dois questionários. A diferença entre eles está no
desmembramento das questões – ou seja, no primeiro questionário não constavam
dados pessoais para demonstrar o perfil dos professores, e as três perguntas permitiam
respostas abertas; no segundo, as questões, por serem pontuais, sugeriam
objetividade.
Perfil dos professores participantes desta pesquisa: oito mulheres e dois
homens, totalizando o número de dez, com idades entre 36 e 50 anos, todos com
graduação em instituição particular. Entre as mulheres, uma tem especialização por
56
instituição pública (USP). Há um professor de cada disciplina, excetuando Artes e
Letras; os demais têm licenciatura em mais de uma disciplina, mas dentro da mesma
área, como, por exemplo, Sociologia e História. O tempo de experiência no magistério
varia entre 17 e 22 anos.
Quanto às questões específicas, comecemos pelo lançamento do programa,
causador de euforia e muitas expectativas. Mas, já durante o período de inscrições,
surgiram opiniões divergentes, constatadas nos depoimentos, que seguirão sempre
uma mesma ordem: assistente técnico-pedagógico (indicado com a sigla ATP),
professor coordenador (indicado com a sigla PC) e professor (indicado com a sigla P).
Achei muito organizado as inscrições dos ATPs, Diretorias de Ensino
tiveram liberdade na indicação de seus representantes. A CENP colocou
apenas uma restrição: que os indicados não estivessem envolvidos em
projetos grandes, porque as tarefas e atividades já estavam
programadas e o ritmo seria intenso. O EMR nos foi apresentado em
Águas de Lindóia, e lá, durante uma semana, recebemos orientações e
também o material para estudo, que deixou todos deslumbrados. (Maria
Cândida - ATP)
A organização das inscrições foi excelente, mas foi imposta. Todos os
PCs que atuavam com o ensino médio foram convocados para o curso.
Porém ninguém nos perguntou se queríamos, se poderíamos viajar.
Ficamos uma semana em Águas de Lindóia. Havia muitos
coordenadores descontentes, não se empolgando com nada (palestras,
vídeos, material, etc.). Mas a grande maioria gostou e aprovou tudo,
mesmo sabendo que teríamos muito trabalho pela frente. A proposta foi
ótima. (Maria Celeste - PC)
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Gostei, penso que nós estávamos precisando de uma injeção de ânimo.
A proposta aparentava ser boa. Só fiquei preocupada com tempo. Havia
muitas atividades e achei pouco tempo para cumpri-las. Eu tinha razão.
Foi um sufoco para concluí-las. Alguns colegas reclamaram que não
queriam participar do curso. Mas também, se não obrigam, ninguém se
interessa. (Maria Keiko - P)
Odiei, como eles me obrigam a fazer um curso sem saberem se eu
posso, se tenho tempo. No início, eu estava envolvido em um outro
projeto, que custou muito para ser colocado em prática, e esse projeto
ocupava boa parte do meu tempo, que já era mínimo, porque sempre
tenho que pegar aulas em no mínimo duas escolas. Por isso, empurrei
com a barriga, minha coordenadora vivia me chamando a atenção, e eu
retrucava que não tinha prazer, todos sabiam que eu não estava a fim do
curso. Mas verdade seja dita, ele foi bom, o problema foi eu não estar
preparado para fazê-lo. (Emanuel Salvador - P)
Os depoimentos evidenciam que, por trás da aparente organização na
instauração do programa, houve, mais uma vez, falha no planejamento, que acarretou
descaso com os professores – os maiores interessados no processo de formação
continuada –, que não foram consultados. E como conseqüência muitos participantes
não demonstraram o empenho esperado. Essa afirmação é baseada nas palavras dos
próprios sujeitos:
Olha, foi difícil desde o início. Alguns PCs tinham só o corpo presente,
não faziam as leituras prévias. Para participarem era preciso ficar
instigando. Ainda assim, havia aqueles que não rendiam nada. Sorte que
eram poucos. Acho que só deveria participar quem quisesse. Evitaria as
discussões com assuntos polêmicos não pertinentes. Imagina você que
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precisei chamar atenção várias vezes porque usavam discman, palavras
cruzadas. Mas eu não podia impedi-los, precisei de muito jogo de
cintura. (Maria Cândida - ATP)
Realmente tivemos problemas com quem não pôde optar. Alguns
diretores aceitaram declaração de próprio punho daquele que não
estava interessado. E de acordo com as coordenadoras dessas escolas,
o trabalho fluiu bem. Mas não foi o meu caso, meu diretor não abriu
mão. Havia nove cursistas que tumultuavam, e após várias intervenções,
esse número caiu para três. Fiquei contente por um lado e preocupada
por outro: como auxiliar esses três? O curso terminou e não obtive a
resposta. (Maria Celeste - PC)
Penso ter sido um erro obrigar todos a fazerem o curso, porque quando
não há interesse, a pessoa conversa, cria polêmicas desnecessárias e
afeta os demais. Alguns encontros foram desgastantes, apesar do bom
senso e da experiência da coordenadora. (Emanuel Salvador - P)
De acordo com o exposto, pode-se perceber que as informações/orientações não
foram fornecidas com a necessária clareza, e situações inesperadas surgiram pela falta
delas. Mas é importante ressaltar que a maioria dos professores aprovou o programa e
sua implantação, embora nenhum dos participantes soube responder se a
obrigatoriedade na participação no EMR foi imposta pela Secretaria da Educação, pelo
dirigente ou pelo diretor.
Em relação ao conteúdo e às atividades, como citado anteriormente, o EMR foi
estruturado em torno de quatro temas, trabalhados nas VIVÊNCIAS FORMATIVAS e