formação sócio-histórica do brasil

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Page 1: Formação Sócio-Histórica do Brasil
Page 2: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Formação Sócio-Histórica do

Brasil

José Vieira da Cruz

Page 3: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Jouberto Uchôa de MendonçaReitor

Amélia Maria Cerqueira UchôaVice-Reitora

Jouberto Uchôa de Mendonça JuniorPró-Reitoria Administrativa - PROAD

Ihanmarck Damasceno dos SantosPró-Reitoria Acadêmica - PROAC

Domingos Sávio Alcântara MachadoPró-Reitoria Adjunta de Graduação - PAGR

Temisson José dos SantosPró-Reitoria Adjunta de Pós-Graduação

e Pesquisa - PAPGP

Gilton Kennedy Sousa FragaPró-Reitoria Adjunta de Assuntos Comunitários e Extensão - PAACE

Jane Luci Ornelas FreireGerente do Núcleo de Educação a Distância - Nead

Andrea Karla Ferreira NunesCoordenadora Pedagógica de Projetos - Nead

Lucas Cerqueira do ValeCoordenador de Tecnologias Educacionais - Nead

Equipe de Elaboração e Produção de Conteúdos Midiáticos:

Alexandre Meneses Chagas - Supervisor Ancéjo Santana Resende - CorretorClaudivan da Silva Santana - DiagramadorEdivan Santos Guimarães - DiagramadorGeová da Silva Borges Junior - IlustradorMárcia Maria da Silva Santos - CorretoraMatheus Oliveira dos Santos - IlustradorMonique Lara Farias Alves - WebdesignPedro Antonio Dantas P. Nou - WebdesignRebecca Wanderley N. Agra Silva - DesignRodrigo Sangiovanni Lima - AssessorWalmir Oliveira Santos Júnior - Ilustrador

Redação:Núcleo de Educação a Distância - NeadAv. Murilo Dantas, 300 - FarolândiaPrédio da Reitoria - Sala 40CEP: 49.032-490 - Aracaju / SETel.: (79) 3218-2186E-mail: [email protected]: www.ead.unit.br

Impressão:Gráfica GutembergTelefone: (79) 3218-2154E-mail: [email protected]: www.unit.br

Copyright © Universidade Tiradentes

C957f Cruz, José Vieira da.Formação sócio-histórica do Brasil. /

José Vieira da Cruz. – Aracaju : Gutemberg, 2010.

176 p. : il.

Inclui bibliografia

1. História do Brasil. 2. Formação sócio-histórica. I. Universidade Tiradentes (UNIT). Núcleo de Educação à Distância - NEAD. II. Título.

CDU: 981

Page 4: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Prezado(a) estudante, A modernidade anda cada vez mais atrelada ao tempo, e a

educação não pode ficar para trás. Prova disso são as nossas disci-plinas on-line, que possibilitam a você estudar com o maior confor-to e comodidade possíveis, sem perder a qualidade do conteúdo.

Por meio do nosso programa de disciplinas on-line você pode

ter acesso ao conhecimento de forma rápida, prática e eficiente, como deve ser a sua forma de comunicação e interação com o mundo na modernidade. Fóruns on-line, chats, podcasts, livespace, vídeos, MSN, tudo é válido para o seu aprendizado.

Mesmo com tantas opções, a Universidade Tira-

dentes optou por criar a coleção de livros Série Biblio-gráfica Unit como mais uma opção de acesso ao conhe-cimento. Escrita por nossos professores, a obra contém todo o conteúdo da disciplina que você está cursando na modalidade EAD e representa, sobretudo, a nossa preocupação em garantir o seu acesso ao conhecimento, onde quer que você esteja.

Desejo a você bom aprendizado e muito sucesso!

Professor Jouberto Uchôa de MendonçaReitor da Universidade Tiradentes

Apresentação

iblio-onhe-ntém ando

Page 5: Formação Sócio-Histórica do Brasil
Page 6: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Sumário

Parte I: Entre a Herança Colonial e a Formação do

Estado-Nação ...........................................................11

Tema 1: Constituição Sócio-Histórica do Brasil ...................131.1 A formação do povo brasileiro .................................... 14

1.2 A administração colonial .............................................. 24

1.3 As revoltas e rebeliões anticoloniais ........................... 35

1.4 As revoluções europeias e a Independência do Brasil ....44

Resumo ............................................................................... 55

Tema 2: O Império e a Manutenção da Ordem ...................572.1 Império, regência e suas rebeliões .............................. 58

2.2 Complexo mercantil, escravocrata e exportador........ 66

2.3. Escravidão, resistência e abolição .............................. 75

2.4. A política no Segundo Reinado ................................. 82

Resumo .............................................................................. 91

Parte II: República, Cidadania e seus Desafios Sociais ..........93

Tema 3: A Primeira República e o Estado Novo ..................953.1 Militares, oligarcas e a monocultura de exportação ... 96

3.2 Movimentos sociais no alvorecer da República ....... 104

3.3 A crise de 1929 e a Revolução e 1930 ....................... 114

3.4 Estado Novo, centralização e industrialização .......... 125

Resumo ............................................................................. 131

Page 7: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema 4: Pós-Guerra, Nacionalismo e Democracia .............1334.1 Desenvolvimentismo, populismo e crise política ..... 134

4.2 Ditadura, economia e direitos humanos ................... 142

4.3 Redemocratização, globalização e a atual Constituição ...150

4.4 Reformas constitucionais, cidadania e políticas sociais

inclusivas .......................................................................... 157

Resumo ............................................................................. 163

Referências ............................................................................165

Page 8: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Concepção da Disciplina

EmentaConstituição sócio-histórica do Brasil: A formação do povo

brasileiro; A administração colonial; Revoltas e rebeliões anticoloniais; Revoluções europeias e a Independência do Bra-sil. O Império e manutenção da ordem: Império, regência e suas rebeliões; Complexo mercantil, escravocrata e exportador; Escravidão, resistência e abolição; A política no Segundo Reina-do. A Primeira República e o Estado Novo: Militares, oligarcas e a monocultura de exportação; Movimentos sociais no alvorecer da República; A crise de 1929 e a Revolução de 1930; Estado Novo, centralização e industrialização. Pós-guerra, democracia e nacionalismo: Desenvolvimentismo, populismo e crise política; Ditadura, economia e direitos humanos; Redemocrati-zação, globalização e a atual Constituição; Reformas consti-tucionais, cidadania e políticas sociais inclusivas.

Objetivos

Geral Potencializar a aplicação dos conhecimentos históricos

a respeito da formação do Brasil em meio à ordem capitalista como instrumento de diagnóstico e planejamento acerca da rea-lidade social do país pelos bacharéis em Serviço Social.

Específicos• Entender o processo de formação histórica do Brasil em

meio à ordem capitalista;

Page 9: Formação Sócio-Histórica do Brasil

• Identificar as razões sócio-históricas dos problemas e necessidades dos grupos sociais vulneráveis;

• Discutir as especificidades da formação histórica no diagnóstico de problemáticas sociais e econômicas nacionais, regionais e locais.

• Compreender as possibilidades da articulação desses conhecimentos históricos sobre a formação da sociedade brasileira, em meio à ordem capitalista, na construção de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento social e humano.

• Estimular a reflexão do bacharel em Serviço Social de seu papel na história do desenvolvimento social e humano no Brasil.

Orientação para Estudo

A disciplina propõe orientá-lo em seus procedimentos de estudo e na produção de trabalhos científicos, de tal modo que você desenvolva em seus trabalhos de pesquisas o rigor metodológico e o espírito crítico necessários ao estudo.

Tendo em vista que a experiência de estudar a distância é algo novo, é importante que você observe algumas orientações:

• Cuide do seu tempo de estudo! Defina um horário regular para acessar todo o conteúdo da sua disciplina disponível neste material impresso e no Ambiente Virtual de Apren-dizagem (AVA). Organize-se de tal forma para que você possa dedicar tempo suficiente para leitura e reflexão;

Page 10: Formação Sócio-Histórica do Brasil

• Esforce-se para alcançar os objetivos propostos na disciplina;

• Utilize-se dos recursos técnicos e humanos que estão ao seu dispor para buscar esclarecimentos e para aprofundar as suas reflexões. Estamos nos referindo ao contato permanente com o professor e com os colegas a partir dos fóruns, chats e encontros presencias. Além dos recursos disponíveis no Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA.

Para que sua trajetória no curso ocorra de forma tranquila, você deve realizar as atividades propostas e estar sempre em contato com o professor, além de acessar o AVA.

Para se estudar num curso a distância deve-se ter a clareza que a área da Educação a Distância pauta-se na autonomia, responsabilidade, cooperação e colaboração por parte dos envolvidos, o que requer uma nova postura do aluno e uma nova forma de concepção de educação.

Por isso, você contará com o apoio das equipes pedagógica e técnica envolvidas na operacionalização do curso, além dos recursos tecnológicos que contribuirão na mediação entre você e o professor.

Page 11: Formação Sócio-Histórica do Brasil
Page 12: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Parte I

ENTRE A HERANÇA COLONIAL E A FORMAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO

Page 13: Formação Sócio-Histórica do Brasil
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1 Constituição Sócio-Histórica do

Brasil

O conhecimento do processo de formação histórica do Brasil é de fundamental importância para a identificação e a aná-lise de diagnósticos e a elaboração de planejamentos mais ade-quados à melhoria das diferentes realidades sociais da população brasileira. Neste sentido, compreender como ocorreu o processo de colonização do país e sua posterior organização interna implica em relacioná-los à expansão mercantil e ao capitalismo indus-trial. Essa relação possibilita conhecer a origem da concentra-ção de renda no país e como, ao longo dos anos, as políticas públicas foram elaboradas.

Por isso, os assuntos abordados versarão sobre a constituição sócio-histórica do Brasil, enfocando algumas questões específicas como a formação do povo brasileiro, a administração colonial, as revoltas e rebeliões anticoloniais, as revoluções europeias e a independência do Brasil.

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14 Formação Sócio-Histórica do Brasil

1.1 A FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO

Iniciaremos nossa discussão sobre a formação do povo brasileiro com a afirmação do antropólogo Darcy Ribeiro1, em A formação do povo brasileiro, que a gestação desse povo surgiu a partir do entrechoque do invasor português com índios e negros afri-canos “uns e outros, aliciados como escravos” (RIBEIRO, 2008, p. 19). Para este autor nós brasileiros somos o resultado da junção de três culturas diferentes. Por essa razão, a origem da formação sócio-histórica do Bra-sil deve ser buscada, portanto, nas contribuições destes três povos: o índio, o português e o negro.

Então, para que possamos compreender esse processo social e histórico vamos discutir primeiro um pouco sobre cada um desses povos.

Os índios: primeiros habitantes do território americanoMuito antes da chegada dos

europeus, o continente americano já era habitado por vários povos indígenas. A esse respeito, pesqui-sas fundamentadas na arqueologia e na pré-história reconhe-cem que, apesar de os primeiros homens não terem surgidos na América, eles aqui chegaram há mais de 10.000 anos a.C. Alguns desses povos indígenas chegaram a constituir civili-zações urbanizadas com um relativo grau de organização e desenvolvimento. Entre eles destacaram-se, sobretudo na região

1 Darcy Ribeiro, etnólogo,

antropólogo, professor, edu-

cador, ensaísta e romancista,

nasceu em Montes Claros

(MG), em 26 de outubro de

1922 e faleceu em Brasília,

(DF), em 17 de fevereiro de

1997. Em 1995 lançou o livro

O Povo Brasileiro, que encerra

a coleção de seus Estudos de

Antropologia da Civilização.

Mais informações a respeito

de sua biografia e obra ver em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/

Darcy_Ribeiro

Page 16: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 15

da Cordilheira dos Andes2, os maias, os astecas e os incas (CARDOSO, 1987). Em outras regiões da Améri-ca, como nas áreas de florestas e no litoral do oceano Atlântico, e este foi o caso do território atual do Brasil, instalaram-se diferentes povos indíge-nas. Esses povos, apesar de não desenvolverem uma organização social urbanizada, demonstraram uma grande e rica diversidade cultural e linguística. Destacaram-se, nesse sentido, os Tupinambás, os Tupi-guaranis, os Kiriris, os Boimés, os Karapotós, os Aramurus, os Kaxagós, entre outros.

Esses povos mantinham formas próprias de organização social e cultural. Viviam da caça, da pesca, da coleta de raízes e de outros alimentos e de uma agricultura de pequeno porte. Esta última era praticada com uso da queimada, denominada pelos índios de coivara. Em regra eram povos que não fixavam por muito tempo sua residência em um local, deslocando-se de tempos em tempos para regiões com mais abundância de caça, de pesca, de alimentos para seu extrativismo, e de terras férteis, uma vez que a prática da coivara rapidamente esgotava o solo. Viviam em habitações de palha, denominadas de ocas. O con-junto destas, por sua vez, denominava-se maloca. Eles adoravam vários deuses como o Sol e a Lua, e respeitavam o espírito dos antepassados.

Em relação à organização social, os índios dividiam as tarefas de acordo com o sexo e a idade. Às mulheres era destinado cuidar da oca, preparar os alimentos, tecer e modelar a palha, a pena ou barro para fazer utensílios domésticos e adornos para o corpo como colares, cocares (espécie de coroa), braceletes, brincos, além de cuidar das crianças e do plantio de milho e mandioca e ensinar esses afazeres às meninas. Já os homens preparavam o terreno para o plantio com o uso da coivara, caçavam, pescavam e

2 Cadeia de montanhas que

se estendem do México ao

extremo sul da Argentina e

Chile. Mais informações a

respeito em: http://pt.wikipedia.

org/wiki/Cordilheira_dos_Andes

Page 17: Formação Sócio-Histórica do Brasil

16 Formação Sócio-Histórica do Brasil

praticavam as artes da guerra, faziam canoas, cortavam a lenha, preparavam o fogo e ensinavam aos meninos a pescar, caçar e guerrear. Os índios, homens e mulheres, ainda desenvolviam ati-vidades coletivas, chamadas de mutirão, nas ocasiões em que construíam as malocas e preparavam a terra para a roça (FER-NANDES, 1963).

Divisão do trabalho entre os índios: mulheres cuidam dos alimentos e

homens acendem o fogo

Como podemos perceber, os índios que habitaram o território que veio a dar origem ao Brasil possuíam uma forma própria e diferente de viver. Eles não destruíam a natureza de modo predatório, apenas tiravam dela o necessário para viver. Quando a floresta e a terra mostravam sinal de desgaste ou cansaço mudavam para outra região, permitindo, com isso, a recuperação da floresta através de sua fauna e flora. Esta postura divergia da postura dos portugueses e da cultura ocidental como um todo. A cultura ocidental partia do princípio de que a natureza deveria atender aos seus interesses comerciais. Neste sentido, os índios “não entendiam a necessidade de se trabalhar duro para além das necessidades de subsistência” (SILVA, 1999, p. 65).

Em face do exposto, não é difícil compreender o impacto cau-sado para ambos os povos – colonizados e colonizadores – quando da chegada dos portugueses ao território habitado pelos indígenas.

Page 18: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 17

Os primeiros estranharam a forma de vestir e o interesse exa-gerado dos portugueses em pedras, madeiras e outras formas de riqueza. Os segundos estranharam o modo de vida das populações indígenas e seu desinteresse em explorar as riquezas da floresta e do solo. Começava ali o processo de conquista e colonização da América Portuguesa, território que, séculos depois, em 1822, passaria a ser denominado de Brasil.

Um profundo impacto na vida dessas populações indígenas teve como causa a chegada dos portugueses ao território americano. Pode-se enfatizar algumas consequências: primeira-mente, eles foram utilizados como mão de obra em operações de escambo, a exemplo da troca de Pau-Brasil – madeira abun-dante em grande parte do litoral – por espelhos, facões, colares, tabaco e outros produtos de pequeno valor. Segundo, com o início do processo de colonização os índios que não se submeteram à catequização foram mortos ou escravizados. No decorrer dos sé-culos, esse processo de conquista e colonização contribuiu para o extermínio ou deslocamento dessas populações indígenas do litoral, empurrando-as cada vez mais para o interior do país. A consequência maior desse processo foi a ocupação de suas ter-

ras pela lavoura e pela pecuária. Os índios, por sua vez, não en-

frentaram esse processo de modo passivo e uniforme. Como já enfa-tizamos, os povos indígenas que habitavam nosso território se carac-terizavam pela diversidade e plurali-dade cultural e étnica3. Alguns desses povos, estranhando o comportamento dos portugueses e demais europeus que chegavam ao litoral, refugiaram-se pelo interior, outros foram catequi-zados, sobretudo pelos jesuítas, e uma grande parte resistiu aos portugueses.

3 Grupo étnico é, no sentido

mais amplo, uma comunidade

humana definida por afinida-

des linguísticas e culturais

e semelhanças genéticas. A

palavra etnia é usada muitas

vezes erroneamente como

um eufemismo para raça, ou

como um sinônimo para grupo

minoritário. Mais informações

em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Etnia

Page 19: Formação Sócio-Histórica do Brasil

18 Formação Sócio-Histórica do Brasil

A estes restaram a escravidão e a guerra de conquista empre-endida pelos portugueses, que resultou na morte de centenas de milhares de índios. Além disso, os índios também sofreram com as doenças trazidas pelos europeus.

O processo de imposição cultural foi praticado também pe-las ordens religiosas, que ambicionavam tirá-los do paganismo e inseri-los no cristianismo. Ao final desse processo, chegamos aos dias atuais com grande parte das populações indígenas dizi-madas e restritas a alguns pontos em algumas regiões do país.

Inclusão digital das populações indígenas

A partir da constituição de 1988 políticas públicas vêm sendo colocadas em prática. Nos últimos anos, a reparação e a proteção dos direitos indígenas têm sido mais valorizadas na medida em que os direitos são reconhecidos, inclusive amplian-do-os a seus descendentes que já apresentam algum grau de incorporação aos modos e aos costumes da cultura ocidental. Afinal, se concebemos a cultura como algo dinâmico não pode-mos alimentar a ideia de que a condição indígena seja algo imu-tável e preso a determinado modo de vida. É preciso, portanto, reconhecer o direito destes povos e de seus descendentes de terem acesso à cultura escolar sem desrespeitar suas tradições e suas crenças.

Page 20: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 19

Os negros e as raízes africanas A formação sócio-histórica do Brasil contou também com

uma grande e significativa contribuição de homens e mulheres que foram arrancados do continente africano e comercializados como escravos no território americano. Eles vieram para trabalhar nas grandes lavouras, nos trabalhos domésticos e na mineração. Estes povos também são portadores de uma grande diversidade e pluralidade cultural e étnica. Em regra, tratamos o continente africano como se fosse um único país ou região e, consequente-mente, os africanos como único povo. A exemplo das populações que habitavam a América, os povos africanos constituíram-se ao longo dos tempos em povos com diferentes graus de organização e de desenvolvimento. Nesse continente – onde os arqueólogos e pesquisadores da pré-história encontraram os indícios do sur-gimento dos primeiros homens no planeta – encontramos várias civilizações, entre elas a civilização egípcia, além de outros povos que dominavam técnicas da agricultura, da pecuária e da minera-ção. Assim, como povos que habitavam nas savanas e nas flo-restas, viviam da caça, da pesca e da coleta de outros alimentos.

Esses povos conheceram e praticaram a escravidão antes mesmo da chegada dos portugueses. A instituição da escravi-dão entre eles era consequência de guerras e conflitos étnicos. Entretanto, “a escravidão e o tráfico negreiro como instituição permanente, rotineira, desenvolveram-se” a partir do instante em que os africanos passaram a manter contato com povos de outros continentes (SILVA, 1990, p. 51). No caso do tráfico de escravos africanos, através do oceano Atlântico, coube aos por-tugueses a responsabilidade por sua instalação, ainda no século XV até as primeiras décadas do século XVII, sendo substituídos pelos holandeses, que conquistaram as feitorias portuguesas e assumiram o tráfico no século XVII. Porém, nenhum país se destaca mais no tráfico negreiro do que a Inglaterra. Ela, após ter ar-rancado dos holandeses a liderança no tráfico de escravos, con-seguiu se constituir, nos séculos XVII, XVIII até as primeiras déca-

Page 21: Formação Sócio-Histórica do Brasil

20 Formação Sócio-Histórica do Brasil

das do século XIX, no maior traficante de escravos africanos para a América. Parte do capital acumulado pelos ingle-ses com essa atividade econômica foi utilizada para financiar a eclosão da

revolução industrial4.Os povos africanos também não

eram povos organizados a partir da ló-gica mercantil e da circulação de bens e mercadorias, portanto, não tinham o lucro monetário como finalidade. Eles estavam organizados em sociedades de linhagens. Este tipo de sistema social era baseado no siste-ma de “reciprocidade e redistribuição, como forma de garantir a coesão social do grupo” (SILVA, 1990, p. 48). Respeitavam as tradições e o saber simbólico. Estes povos passaram por trans-formações profundas na sua forma de ser, pensar e agir a partir da “penetração do islamismo e a generalização da escravidão” (SILVA, 1990, p. 48). Se, por um lado, o contato com o islã afe-tou a tradição das sociedades de linhagens, por outro, a busca por escravos, por parte dos mercadores do oriente e do ociden-te, transformaria o tráfico de escravos, denominada pelos es-tudiosos de diáspora africana, em uma das maiores manchas de vergonha e discriminação da história moderna e contemporânea.

Os interesses do Império marítimo portuguêsMas, como foi o começo do processo de conquista e coloni-

zação portuguesa na América? A princípio, os portugueses, que já haviam iniciado as viagens de navegação a partir do oceano Atlântico – as chamadas grandes navegações europeias da época moderna –, desde 1415 com a conquista da ilha de Ceuta, tinham dois objetivos principais: o primeiro, encontrar minas com metais amoedáveis, ouro e prata e, o segundo, novas rotas marítimas para manter o comércio com as Índias. Este último objetivo foi atingido quando contornaram o continente africano pela parte Sul do Oceano

4 Saiba mais a respeito do

processo de acumulação

de capitais que originou o

surgimento do capitalismo

lendo: MARX, Karl. “A assim

chamada Acumulação Primi-

tiva” In: O capital. Tradução

Regis Barbosa e Flávio R. Fa-

the. São Paulo: Abril Cultural,

1984, pp.261-294.

Page 22: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 21

Atlântico, em 1498, chegando à Índia. Em face disso, os portu-gueses, antes de chegarem ao continente americano, já haviam conquistado a principal rota comercial e marítima da época. Fato que influenciou, nas décadas seguintes, deixar em segundo plano o interesse português sobre o território americano. Em 1500, ocorreu a tomada de posse deste território.

Por que, então, os portugueses resolveram tomar posse de um pedaço do território que havia sido localizado pelos espa-nhóis em 1492? A resposta a essa pergunta nos leva a entender melhor as razões da chegada dos portugueses ao novo territó-rio e do seu pouco interesse inicial em explorar esse território. Primeiro, é importante que esteja claro que os portugueses se destacaram como navegadores e comerciantes. Dessa forma, o que mais interessava a eles era controlar as rotas marítimas comerciais. Conseguiram isso em 1498 quando chegaram às Índias Orientais, região correspondente ao sul da Ásia, onde encontram-se localizados países como a Índia e a Malásia.

Pois bem. No contexto das disputas iniciadas com as Grandes Navegações, Portugal e Espanha financiaram expedições maríti-mas para encontrar novas rotas de comércio. Como sabemos, o reino de Castela e Aragão, atual Espanha, chegou ao continente americano em 1492, através da expedição comandada pelo genovês Cristóvão Colombo, mas como os europeus não tinham conhecimento da existência desse novo continente, imaginaram ter chegado a alguma região desconhecida das Índias. Em razão disso, por muitos anos o continente americano ficou conhecido como Índias Ocidentais.

Os feitos marítimos de Colombo permitiram ao Reino de Castela e Aragão tomar posse de todas as terras descobertas. Sentindo-se prejudicado, o reino português, que assim como o de Castela e Aragão era católico, pediu a intervenção da Igreja Católica para resolver o impasse a respeito da divisão das novas terras. A questão foi resolvida com a assinatura do

Page 23: Formação Sócio-Histórica do Brasil

22 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tratado de Tordesilhas5, assinado em 1494, que assegurava a Portugal a possibilidade de tomar posse das terras que se encon-trassem a oeste desta linha imaginária.

Vamos refletir um pouco sobre as consequências desse tratado? Por-tugal oficialmente não havia chegado ao novo território, mas pelo interesse demonstrado já revela indícios de que conhecia a existência de terras nessa região. O tratado foi assinado seis anos antes da chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral ao novo território. Isso nos leva a questionar a tese de o des-cobrimento do Brasil ter sido um ledo acaso proporcionado pelo mal tempo nos oceanos, e ao mesmo tempo reforça a hipótese6 de que esse território foi conquistado intencionalmente pelos portugueses.

Bem, se a chegada dos portu-gueses ao novo território não foi um acaso, portanto, eles tinham interesses em tomar posse desse território. Tanto tinham interesse que dois anos após a chegada e conquista da rota comercial e marítima com as Índias, em 1498, enviaram uma esquadra para oficializar a posse sob as novas terras.

Se os portugueses tiveram o interesse e a preocupação de conquistar essas novas terras, por que demoraram a explorá-la? A resposta nos endereça aos dois principais objetivos das grandes navegações: encontrar jazidas de metais amoedáveis e novas rotas marítimas e comerciais. Em relação ao primeiro objetivo, os portugueses, ao contrário dos espanhóis – que encontraram abundantes jazidas de prata – não encontraram no litoral brasi-leiro ouro, prata ou, mesmo, pedras preciosas. Objetivo que

5 Tratado celebrado entre o

Reino de Portugal e o recém-

formado Reino de Espanha

para dividir as terras “desco-

bertas e por descobrir” por

ambas as Coroas fora da Eu-

ropa. O tratado definia como

linha de demarcação das ter-

ras a 370 léguas a oeste do

arquipélago de Cabo Verde.

Mais informações ver em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/

Tratado_de_Tordesilhas

6 Saiba mais a respeito desse

conceito no livro “Filosofia e

cidadania” página 15.

Page 24: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 23

os portugueses somente alcançariam de modo satisfatório a partir o século XVII. E quanto ao segundo objetivo, as rotas comerciais, eles também não obtiveram êxito.

As populações que habitavam esse território, no caso os diferentes povos indígenas, não estavam organizadas em conformidade com os interesses comerciais dos navegadores lusitanos7. Essas razões somadas ao lucro propor-cionado pelo comércio com a região das Índias Orientais levaram Portugal a deixar o território ameri-cano em segundo plano por muitos anos.

Para refletir

Junte-se a seus colegas e discutam a partir da leitura do tema:

O que você entendeu sobre a formação do povo brasileiro?

Quais contribuições dos povos indígena, africano e português, respectivamente, são mais visíveis e presentes no seu dia a dia?

Em relação aos índios, por que são necessárias formu-lações de políticas públicas para atender as suas demandas e garantir-lhes seus direitos, como por exemplo a posse da terra?

Como você avalia a fundamentação histórica apontada como justificativa para as atuais políticas compensatórias para as populações afrodescedentes?

Coloque suas reflexões no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

7 Saiba mais a respeito dos

interesses dos navegadores

lusitanos, isto é, do império

marítimo português lendo:

BOXER, Charles R. O império

marítimo português: 1415-

1825. Tradução Anna Olga

de Barros Barreto. São Paulo:

Companhia das Letras, 2002,

pp. 217-390.

Page 25: Formação Sócio-Histórica do Brasil

24 Formação Sócio-Histórica do Brasil

1.2 A ADMINISTRAÇÃO COLONIAL

Como vimos no conteúdo anterior, a formação do povo brasileiro deve-se à contribuição dos portugueses, dos índios e dos negros africanos. Neste conteúdo será discutida a contribui-ção portuguesa no processo de conquista e colonização do Bra-sil. Esse processo teve início em 1500 com a chegada da esqua-dra comandada por Pedro Álvares Cabral ao território que hoje é o Brasil. Esse acontecimento, diante do que já foi discutido, não pode ser considerado simplesmente como o descobrimento do Brasil, pois o que Cabral e a tripulação que o acompanhava con-seguiram de fato realizar foi chegar a “um mundo novo que era desconhecido para eles, portugueses, e só para eles”, ou seja, só para os portugueses, e por extensão, para os europeus, é que “descobriram algo novo” (SILVA, 1990, p. 34).

Dessa forma, não será trabalhada neste livro a tese do des-cobrimento do Brasil e sim a de que o Brasil foi uma construção social e histórica comandada pelos portugueses, que impuseram sua forma de ser, pensar e agir sobre os povos indígenas que aqui já se encontravam, e os negros africanos, trazidos na con-dição de escravos. É importante destacar que o Brasil – Nação, País, Estado – que conhecemos só passa a existir no século XIX, após o processo de emancipação política ocorrida em 1822.

Voltemos então ao território americano, que atualmente corresponde ao Brasil, para entendermos como esse processo de conquista e colonização começou. Inicialmente, a nova terra encontrada em 1500 foi denominada pelos portugueses como Ilha de Vera Cruz, por terem tido a impressão de se tratar de uma ilha. Depois, verificando a extensão do território passaram a denominá-la de Terra de Santa Cruz e, durante os mais de três séculos de efetiva colonização, período que se estende do ano de 1500 ao ano de 1822, foi denominada pelos europeus de América Portuguesa ou a colônia portuguesa na América. Sendo

Page 26: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 25

que, com a transferência da família Real Portuguesa para a colônia americana, em 1808, face à invasão de Portugal pelo exército

napoleônico, o território foi elevado à condição de Reino Unido

Portugal, Brasil e Algarves. Condição que só seria alterada com

o início das batalhas pela independência, assunto que será abor-

dado no tema 4 deste livro.

Voltando à discussão da colonização, quando e por que

os portugueses resolveram colonizar o território americano? A

necessidade de assegurar oficialmente a posse do novo terri-

tório, explorando suas possíveis riquezas e impedindo a cobiça

de países como a França e a Inglaterra, que não reconheciam a

validade do Tratado de Tordesilhas, é apontada pelos estudiosos

como uma das razões que levaram Portugal a iniciar a ocupação

e povoamento de seu território na América.

Ainda restava o problema de

como fazer isso sem sobrecarregar

a coroa e o erário8 portugueses. Ora,

no território não haviam sido locali-

zadas jazidas de metais amoedáveis

nem existia uma mercadoria que jus-

tificasse a efetivação de um comércio

lucrativo. Uma das poucas fontes de

renda que se apresentava lucrativa

para os comerciantes portugueses e,

mesmo para os invasores franceses e

ingleses, era a extração do Pau-brasil – madeira nobre que depois

daria nome ao país. Mas essa atividade extrativista por si só não

seria suficiente para cobrir os custos necessários à obra de ocu-

pação e de povoamento português na América.

8 Erário (do latim ærarium,

por sua vez, de aes “bronze”),

ou seja, “reserva de moe-

das”, é um termo que indica

genericamente as finanças do

Estado e de esferas subestatais

(governos subnacionais e muni-

cípios). Saiba mais a respeito

acesando: http://pt.wikipedia.

org/wiki/Er%C3%A1rio

Page 27: Formação Sócio-Histórica do Brasil

26 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Qual foi, então, a saída encontrada pela coroa portuguesa

para iniciar a colonização do Brasil sem precisar dispor de seu

erário? A solução encontrada foi dividir o território em 15 lotes e

entregá-los a membros da baixa nobreza, já que a alta nobreza

portuguesa estava mais interessada com o lucrativo comércio

com as Índias Orientais. Na prática, essa primeira tentativa dele-

gava a conquista e a ocupação do novo território a particulares,

já que Portugal não tinha recursos e nem a intenção de dispô-los

para investir no território americano. Dessa forma, o projeto de

colonização da América Portuguesa foi iniciado de modo descen-

tralizado e com a participação do interesse e de capitais particu-

lares, ou seja, o interesse e os capitais dos donatários.

Entretanto, as capitanias hereditárias não tiveram pleno

êxito, a maioria fracassou, com exceção da Capitania de Pernam-

buco, também chamada de Nova Lusitânia, e a Capitania de São

Vicente, que corresponde à parte do atual estado de São Paulo.

Entre as razões desse fracasso, são apontadas pelos estudiosos

a ausência de interesse e investimentos por parte de muitos

donatários – a ampla maioria deles

almejava apenas extrair as rique-

zas dos territórios recebidos, mas

não realizaram os investimentos ne-

cessários para obtê-las9 –, e a falta

de um órgão que coordenasse os

esforços que deveriam ser empreen-

didos na obra de efetivação de conquista e de colonização.

9 Amplie seus conhecimentos

a respeito lendo: HOLANDA,

Sérgio Buarque de. Traba-

lho e aventura. In: Raízes

do Brasil. 26. ed. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995,

pp. 41-65.

Page 28: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 27

Mapa das capitanias hereditárias

Qual foi a saída encontrada pela coroa portuguesa para resolver a questão do fracasso das capitanias hereditárias? A coroa resolveu intervir criando um governo geral e iniciando, através dele, a organização administrativa da colônia. Segundo o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, o governo-geral tinha por objetivo “assentar os colonos, transformá-los em ‘mora-dores’ e para isso incentivava a implantação de engenhos, o alde-amento dos índios ‘mansos’ junto aos povoados e vilas dos brancos” (SILVA, 1990, p. 61). Ao contrário dos primeiros donatários que pertenciam à baixa nobreza, o cargo de governador geral equivalia

ao estatuto de um vice-rei e estes, usufruindo de maiores posses

Page 29: Formação Sócio-Histórica do Brasil

28 Formação Sócio-Histórica do Brasil

e prestígio junto à coroa, buscaram assentar na nova terra colonos

para implantar engenhos de açúcar, aldeamentos indígenas,

feitorias e vilas. Essa tarefa era necessária para povoar a nova

terra e protegê-la da cobiça de outros países como a França e a

Inglaterra.

A implantação dos engenhos de açúcar, entre os objetivos

apontados, foi o que melhores resultados apresentou à obra da

colonização portuguesa na América. Embora essa lavoura, espécie

de agronegócio, demandasse grandes extensões de terras férteis, altas somas de capitais e grande contingente de mão de obra, isso não foi obstáculo à sua efetivação. O território apresentava grandes extensões de terras férteis, tipo massapé, distribuídas ao longo do litoral e entrecortadas por rios, que facilitavam o escoamento da produção.

Por outro lado, os portugueses já dominavam o cultivo e a tecnologia da plantação da cana-de-açúcar, já conhecida e utilizada por eles nas Ilhas Canárias e em Cabo Verde. Além disso, contavam com a disponibilidade de capitais judeus e protestantes oriundos da região dos países baixos, território que, à época, pertencia à Espanha. É importante ressaltar que os portugueses, apesar de católicos, mantinham uma política de tolerância religiosa que os ajudava a manter boas relações diplomáticas, algo indis-pensável a nações com vocação para o comércio.

Faltava apenas resolver a questão da mão de obra e, para isso, os portugueses fizeram algumas tentativas usando os índios como escravos nas lavouras de cana-de-açúcar, tentativa logo desestimulada e abandonada – alegou-se que os índios eram “rebeldes e, seu trabalho, pouco eficiente” (FERLINI, 1984, p. 19). Na realidade, como já vimos no capítulo anterior, para os índios a lógica comercial e utilitarista dos portugueses não encontrava paralelo com a deles, povos acostumados a viver integrados à

natureza, só tirando dela o necessário a sua subsistência.

Page 30: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 29

A alternativa encontrada para resolver o problema da

falta de mão de obra foi então o fornecimento pelos traficantes

de escravos africanos. Os escravos africanos foram apresentados

como mais “aptos ao trabalho agrícola e mais submissos”

(FERLINI, 1984, p. 20). Tese também desmentida pelos historia-

dores, pois os negros africanos também pertenciam a um tipo

de sociedade em que os valores mercantis não faziam sentido.

Como foi discutido no conteúdo anterior, eles pertenciam a so-

ciedades de linhagens em que o valor simbólico se estabelecia a

partir da hierarquia religiosa e da faixa etária a qual pertenciam

os indivíduos. Esses dois aspectos, o religioso e a hierarquia por

descendência e idade, orientavam o sistema de distribuição e re-

distribuição social entre os diferentes povos africanos que foram

trazidos para a América na condição de escravos.

Em face desse esclarecimento, por que então o uso da

escravidão africana foi a solução encontrada pelos colonos por-

tugueses para resolver a falta de mão de obra nos canaviais e

nos engenhos de açúcar, já que estes escravos também não

pertenciam à mesma lógica econômica e social do colonizador

português? A resposta a essa pergunta está no lucrativo co-

mércio marítimo praticado pelos portugueses. Eles perceberam

que era mais lucrativo comprar escravos na África, na realidade,

trocando-os por outras mercadorias como fumo, aguardentes e

armas, vendê-los na colônia americana, reabastecer seus navios

de açúcar, fumo e outros produtos e vendê-los nos portos

portugueses, iniciando outra vez a lucrativa operação triangular

do comércio Atlântico entre: Europa, África e a América.

Page 31: Formação Sócio-Histórica do Brasil

30 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Comércio triangular colonial

A produção do açúcar foi, portanto, o palco em que se encontraram pela primeira vez, e em condições nem sempre favoráveis, índios, portugueses e negros africanos. E em torno de sua produção também se desenvolveram plantações de fumo, de feijão e de mandioca, para abastecer as regiões produ-toras de açúcar para exportação, e de criação de muares, equi-nos e bovinos, também mantidos para abastecer e subsidiar as zonas produtoras da monocultura escravocrata de exporta-ção da cana-de-açúcar10. Foi também a partir dessas grandes plantações que o povoamento da colônia saiu do litoral, adentrou o agreste, margeando os rios, e atraves-sou o sertão com a criação de gado, inicialmente, e de fumo e algodão posteriormente.

10 Saiba mais sobre este assunto

lendo: FERLINI, Vera Lúcia. A

civilização do açúcar (séculos

XVI-XVIII). 4. ed. São Paulo:

Brasiliense, 1984

Page 32: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 31

Como já enfatizamos nesse con-teúdo, a administração dos governos gerais, cuja sede administrativa foi a cidade de Salvador, limitou-se a organizar a colonização na faixa de terras situada a Leste da linha ima-ginária estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas11. Faixa de terra que abrangia uma parte apenas do atual território do Brasil. Neste sentido, cabe indagarmos: Como e quando a América Portuguesa passou a incorporar aos seus domínios as áreas que estavam além desse tratado, como grande parte da região amazônica, do cerrado, do pantanal e do extremo sul do atual território brasileiro.

A resposta a esta pergunta pode ser esclarecida ao estu-darmos o período em que Portugal foi incorporado, por razões de ordem sucessória, aos domínios da coroa espanhola. Perío-do conhecido como a União Ibérica e que se estendeu de 1580 a 1640. Esse período “foi de suma importância para nossa história, pois moldou inúmeras das instituições do país e permitiu a sua pré-configuração territorial” (SILVA, 1990, p. 67). Dessa forma, entre as consequências desse período podem ser apontadas:

I – O desaparecimento, na prática, dos limites territoriais estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas, uma vez que, tanto a América Espanhola como a América Portuguesa passaram a fazer parte de um mesmo domínio metropolitano, isto é, aos domínios Ibéricos, naquele momento constituído pela Espanha, que havia incorporado o reino português e, consequentemente, suas colônias na América, África e Ásia. Essa mudança em relação ao Tratado de Tordesilhas permitiu que áreas que estavam fora do tratado fossem ocupadas por colonos portugueses.

11 Para entender melhor essa

questão retorne à figura 4

para visualizar e relembrar

essa discussão acerca do

Tratado de Tordesilhas.

Page 33: Formação Sócio-Histórica do Brasil

32 Formação Sócio-Histórica do Brasil

II – A publicação das Ordenações Filipinas em substituição às Ordenações Manuelinas. Mais organizado, esse código compilou leis importantes que orientaram as relações jurídicas no país até o ano de 1917, quando foi substituído pelo primeiro Código Civil Brasileiro.

III – O rompimento dos laços comerciais e diplomáticos entre portugueses e holandeses. Como já havíamos dito, o capital holandês – judeu e protestante dos países baixos – financiou a implantação do empreendimento da cana-de-açúcar como a solução para ocupar e colonizar a América portuguesa. Em troca os holandeses compravam o açúcar comercializado pelos merca-dores portugueses, refinavam e redistribuíam pela Europa. Uma operação lucrativa para portugueses e holandeses. Esse acordo financeiro, comercial e diplomático foi quebrado com a União Ibérica, pois, a Holanda era uma província rebelde, um território que pertenceu à Espanha. A guerra pela independência da Holanda, ou Países Baixos, como era também chamada, colocava os interesse da Holanda em oposição aos da Espanha, e neste caso também aos de Portugal que, à época, encontrava-se incor-porado à Espanha. Ao contrário de Portugal, a Espanha mantinha uma política diplomática agressiva e intolerante, o que dificultava o enlace de acordos comerciais e despertava a cobiça e o poderio militar de outros povos contra seus domínios, embarcações e interesses.

Qual foi a consequência da União Ibérica para Portu-gal e, sobretudo, para as colônias portuguesas na América? O império português foi altamente prejudicado. Os inimigos da Espanha, entre eles a Holanda, conquistaram as colônias portu-guesas na África, na Ásia e em parte da América. Conquistaram e desmontaram o lucrativo comércio marítimo português com as Índias, o tráfico negreiro e invadiram a principal região produtora

Page 34: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 33

de açúcar na América. Após o fim da União Ibérica, restaria a Portugal um longo processo de reconquista das regiões produtoras de açúcar na América.

Sim! E o que aconteceu com a colonização portuguesa na América após o fim da União Ibérica e expulsão dos holandeses? Portugal, que havia sido o país pioneiro com as grandes navegações, sofreu grandes prejuízos, perdeu os monopólios do tráfico de escravos africanos e o das rotas comerciais com as Índias. E mesmo após recuperar as regiões produtoras de açúcar, invadidas pela Holanda na América portuguesa, passou a enfrentar a dura concorrência do açúcar produzido nas Antilhas francesas e holandesas, região que corresponde a alguns países da parte não continental da atual América Central.

Na prática, isto representou a desorganização do império marítimo português no Oriente. Fato que deslocou a atenção da coroa portuguesa para a reorganização da colonização da Amé-rica portuguesa, seja procurando expandir a produção açuca-reira incorporando novas áreas, com os territórios atualmente correspondentes a Sergipe, Alagoas e Paraíba, seja reduzindo os custos dessa produção ou procurando investir em novas lavouras tropicais para alimentar o comércio português como o algodão e o fumo, assim como o desenvolvimento das atividades econômicas relacionadas ao couro.

Mas foi a localização de jazidas de ouro e pedras preciosas nas regiões do sertão das capitanias de Minas Gerais, Goiás, Mato Grasso e Bahia que proporcionaria aos portugueses durante o final do século XVII e, particularmente, o século XVIII o capital necessário para reerguer sua economia.

Diferentemente das atividades relacionadas à cana-de-açúcar – que mobilizava grandes somas de capitais para o investimen-to inicial, grande contingente de mão de obra escrava, extensos territórios para o plantio e, sobretudo, a ocupação rural da região do litoral e do agreste –, a atividade mineradora não demandava grandes aportes de capitais, nem grandes plantéis de escravos, nem tampouco extensas áreas para cultivo.

Page 35: Formação Sócio-Histórica do Brasil

34 Formação Sócio-Histórica do Brasil

A zona mineradora constitui-se em meio a um relativo de-senvolvimento urbano, artístico e cultural. Basta fazer uma visita às cidades históricas de Ouro Preto, Sabará, São João Del Rey, entre outras, para comprovar os efeitos provocados pelo surto aurífero, ainda que grande parte desse ouro tenha sido transferi-da na forma de remessas e pagamentos de tributos para Portugal, e como pagamento das dívidas deste para com a Inglaterra. Mas isso é assunto para o nosso próximo conteúdo. Por enquanto, depois de realizar as reflexões que se seguem, descanse um pouco!

Para refletir

Discuta com os seus colegas o que você entendeu a respeito do processo de colonização da América Portuguesa.

Ficaram claros, para você, quais eram os interesses portu-gueses, à época, das grandes navegações? E por que esses inte-resses, inicialmente, não despertavam a atenção dos portugueses para a colonização do território americano?

Escreva um pequeno texto fa-lando a respeito do empreendedo-rismo12 português na implantação do cultivo comercial da cana-de-açúcar na colônia americana para abastecer o comércio de especiarias com a Europa.

Coloque suas reflexões no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

12 Termo utilizado para quali-

ficar, ou especificar, principal-

mente, aquele indivíduo que

detém uma forma especial,

inovadora, de se dedicar às

atividades de organização, ad-

ministração, execução, princi-

palmente na geração de rique-

zas, na transformação de co-

nhecimentos e bens em novos

produtos. Saiba mais a respeito

acessando:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Em-

preendedorismo

Page 36: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 35

1.3 AS REVOLTAS E REBELIÕES ANTICOLONIAIS

Apesar da grande produção de ouro obtida pela mineração colonial portuguesa na América, Portugal não conseguiu redire-cionar esses lucros para iniciar o processo de industrialização, substituindo assim a importação de manufaturas. Nesse sentido, a partir do declínio da produção de ouro, na segunda metade do século XVIII, a cobrança de impostos atrasados, as reformas pombalinas e a sequência de revoltas anticoloniais vão exigir da administração portuguesa extremo rigor e controle para preservar e manter a exploração mercantilista de sua colônia mais importante.

Em torno dessa discussão, o objetivo desse conteúdo busca entender o que foram as revoltas ocorridas no período colonial e o que elas revelaram de importante a respeito da administração portuguesa. Responder a esses questionamentos exige que se façam alguns esclarecimentos a respeito da crise do sistema colonial, também chamado de crise do Antigo Sistema Colonial, e sobre a dinâmica interna da sociedade colonial que começava a revelar os conflitos de interesse entre os colonos e a metrópole portuguesa.

Vamos então iniciar essa discussão a respeito do sistema colonial na época moderna.

Nesse período, a colonização assume a forma mercantilista, isto é, um sistema de circulação de mercadorias envolvendo países colonizadores europeus que exerciam monopólio comercial da compra e venda de mercadorias e serviços sobre os territórios colonizados. Segundo Fernando Novais, destacado estudioso do tema, “é o sistema colonial mercantilista que dá sentido à coloni-zação europeia no período que medeia entre os Descobrimentos Marítimos e a Revolução Industrial” (NOVAIS, 1986, p. 14). As relações coloniais, na época moderna, foram organizadas a partir:

Page 37: Formação Sócio-Histórica do Brasil

36 Formação Sócio-Histórica do Brasil

I – da legislação ultramarina, isto é, do conjunto de leis estabelecidas pelo país colonizador, no caso da colônia portuguesa na América, o conjunto de leis compiladas pelas Ordenações Manuelinas, depois substituídas pelas Ordenações Felipinas, além de outros dispositivos que estabeleciam e reforçavam a condição de subordinação da colônia em relação à metrópole;

II – da intensidade com que se materializou o comércio en-tre a metrópole e suas colônias e suas conseguintes imbricações político-administrativas.

Vejamos como isso era organizado. A legislação colonial tinha como objetivo disciplinar as relações políticas e, sobretudo, econômicas. Essas leis cristalizaram os objetivos dos coloniza-dores. Entre elas a que proibia navios estrangeiros de aporta-rem nos portos da colônia portuguesa na América. Impeditivo legal que tinha por pretensão reservar a exploração do comercial da colônia portuguesa na América apenas aos mercadores lu-sitanos. Dispositivo conhecido como pacto colonial. Esse pacto garantia aos comerciantes lusos obter lucros tanto com a com-pra das mercadorias produzidas na colônia como pela venda de mercadorias consumidas pelos colonos. Assegurando, portanto, lucros a partir de privilégios protecionistas oferecidos por um Estado absolutista e mercantilista que controlava a economia13.

De modo geral, tanto os empre-endimentos como a legislação colo-niais visavam levar, em conformidade com a teoria mercantilista, a ampliação da circulação de mercadorias e dos lucros das monarquias absolutistas do período – Portugal, Espanha, França e Inglaterra. De acordo com essa teoria as colônias deveriam:

13 Para aprofundar seus estudos

a respeito dos Estados Absolu-

tistas Europeus e suas políticas

econômicas mercantilistas

leiam: FALCON, Francisco e

RODRIGUES, Antônio Edmil-

son. A formação do mundo

moderno: a construção do

Ocidente dos séculos XIV ao

XVIII. 2. d. Rio de Janeiro: Elsiver,

2006.

Page 38: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 37

I – propiciar às suas respectivas metrópoles novos e maiores

mercados para exportação de seus produtos;

II – absorver a mão de obra excedente das metrópoles,

expropriadas14 dos meios de produção com o desmantelamento

das relações feudais no campo e na

cidade;

III– Fornecer as mercadorias de

que as metrópoles necessitassem:

metais (ouro, prata, pedras precio-

sas) para o entesouramento e provisão

monetária, no caso, para pagamento das relações comerciais

mantidas entre uma metrópole e outra;

IV - Substituição ou fornecimento de novas mercadorias

para o comércio ultramarino, seja através do extrativismo,

como foi o caso do pau-brasil, seja através do implemento de

cultivos tropicais voltados para exportação, como foi o caso da

cana-de-açúcar, do fumo, do algodão, entre outros produtos.

Sendo assim, as colônias cumpririam um papel essencial

no desenvolvimento das suas respectivas metrópoles. Em outras

palavras, as colônias da América, da África e da Ásia deveriam

contribuir para que as metrópoles equilibrassem suas balanças

comerciais, acumulassem metais amoedáveis e efetuassem a

substituição do trabalho servil pelo trabalho assalariado.

14 Saibam mais a este respeito

relendo o texto: MARX, Karl. A

assim chamada acumulação Pri-

mitiva. In: O capital. Tradução

Regis Barbosa e Flávio R. Fathe.

São Paulo: Abril Cultural, 1984,

pp. 194 - 261.

Page 39: Formação Sócio-Histórica do Brasil

38 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Organograma do sistema colonial

A partir da segunda metade do século XVIII o acirramento da concorrência mercantilista entre os países europeus – Portu-gal, Espanha, França e Inglaterra –, por um lado, e os primeiros desdobramentos da Revolução Industrial, que ocorria na Ingla-terra, por outro, contribuíram para aumentar a rigidez do pacto colonial. Em resposta a esse enrijecimento ocorreram revoltas e rebeliões desencadeadas pelos colonos que não se mostravam mais dispostos a se submeterem aos interesses metropolitanos e começa-vam a esboçar o desejo de indepen-dência política e econômica15.

No caso do território português na América, essa conjuntura era agravada ainda mais pela diminuição da extração de ouro junto às regiões mineradoras. Fato que exigiu da coroa portuguesa reforçar o controle sobre a sonegação de tributos e efetuar a cobrança dos impostos atrasados. Os portugueses cobravam o quinto sobre a produção de ouro, isto é, a quinta parte de todo ouro produzido deveria ser recolhido na forma de imposto para o Estado português. A cobrança do quinto atrasado ficou conhecida como a derrama.

15 Saiba mais a este respeito

lendo: WASSERMAN, Cláudia

e GUAZZELLI, Cesar Barcellos.

História da América Latina: do

descobrimento a 1900. Por-

to Alegre: Edirora da UFRGS,

1996, pp. 89 - 125.

Page 40: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 39

A derrama não agradou aos colonos que se encontravam

nas regiões mineradoras. Estes, além de sofrerem com a dimi-

nuição da produção, com o elevado custo dos mantimentos que

chegavam à região das minas e com o elevado custo das manu-

faturas importadas de Portugal – que exercendo o monopólio

comercial impedia a livre concorrência e, consequentemente,

contribuía para a manutenção dos preços elevados –, ainda

tinham que pagar os impostos atrasados.

Os três séculos de colonização europeia na América come-

çam, entretanto, a apontar seus primeiros sinais de desgaste. Tan-

to as colônias de povoamento, aquelas constituídas por colonos

que vieram com o intuito de fixar residência no novo território,

quanto as colônias de exploração, montadas para subsidiar os

negócios mercantilistas de suas metrópoles, já haviam constituído

núcleos urbanos e econômicos que indicavam a existência de

uma elite colonial não mais disposta a aceitar as desvantagens

estabelecidas pelo pacto colonial. Na esteira destes descontenta-

mentos, o sentimento de revoltas e rebeliões que começa a eclo-

dir acabaria por viabilizar o início das lutas pela independência

das Treze Colônias Inglesas na América, que viriam a formar Os

Estados Unidos da América, e a independência da República do

Haiti. Esta última, marcada por extrema violência dos revoltosos

que assassinaram os representantes metropolitanos franceses

que estavam em seu território. Os fatos ocorridos no Haiti assus-

taram as metrópoles europeias fazendo com que estas enrijeces-

sem tanto os laços escravistas, ou seja, a severidade contra os

escravos, quanto a rigidez da administração colonial.

Na América portuguesa esses dois aspectos se fizeram sentir,

tanto no caso da escravidão, quanto no caso da administração.

Por isso, a repressão às revoltas e às rebeliões coloniais foi

imposta com o máximo de rigor e violência pelos portugueses

Page 41: Formação Sócio-Histórica do Brasil

40 Formação Sócio-Histórica do Brasil

seja na região das Minas Gerais, como foi o caso da Inconfidência

Mineira, e mesmo da Inconfidência Carioca, seja na província da Bahia, em relação à Conjuração dos Alfaiates.

Entre as revoltas anticoloniais ocorridas na América Portuguesa, a Inconfidência Mineira e a Conjuração dos Alfaiates são representativas para se entender esse contexto social e histórico no qual a sociedade começou a demonstrar não querer aceitar as imposições do sistema colonial.

A Inconfidência Mineira, ocorri-da na Capitania das Minas Gerais em 1789, inspirada no pensamento ilumi-nista e no exemplo da independência das Treze Colônias Inglesas, uniu par-te da elite da região mineradora para se opor à cobrança dos im-postos atrasados e ao pacto colonial. Os inconfidentes tramaram romper com os laços que prendiam a região das minas ao jugo metropolitano português. Apesar desse sentimento de revolta e de independência, a teia de interesses que envolvia os membros dessa elite não deixou claro que tipo de projeto político eles iriam adotar caso tivessem realizado o rompimento com a metrópole: se o modelo republicano ou o modelo monárquico. E embora eles estivessem inspirados nos ideários iluministas – liberdade, fraternidade e igualdade – as propostas dos inconfidentes não abordavam de forma clara a situação do fim da escravidão.

Após a derrota do movimento os líderes, instruídos e ricos, que haviam tramado a conspiração como: Tomás Antônio Gon-zaga, Cláudio Manuel da Costa – famoso por ter escrito os poemas Marília de Dirceu –, Padre José da Silva Rolim, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, entre outros, foram denunciados, presos e

Violência da administração portuguesa contra Tiradentes

Page 42: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 41

alguns expulsos da colônia. Destinos diferentes dos líderes de origem humilde, entre eles a figura de Tiradentes – Joaquim José da Silva Xavier, militar de baixa patente – que foi enforcado, esquartejado e teve as partes de seu corpo salgadas e distribuídas em vários locais como exemplo do destino traçado para aqueles que ousassem se revoltar contra a administração portuguesa16.

A Conjuração dos Alfaiates, ou Inconfidência Baiana, ocorrida em Salvador em 1798, por sua vez, não foi formada de líderes oriundos da eli-te. Salvador já não era mais sede da administração colonial, posição de-sempenhada pela cidade do Rio de Janeiro, a partir de 1763, em razão da maior proximidade com a zona mineradora. Entretanto, a cidade já havia se desenvolvido e apresentava um relativo grau de urbanização. Envolvida neste ambiente urbano, a cidade assiste a revolta de setores médios – médicos, advogados, farmacêuticos, pequenos comercian-tes, alfaiates, homens livres e pobres, ex-escravos, soldados e pedreiros – contra a exploração colonial e as difíceis condições de vida que enfrentavam.

A situação das colônias europeias no continente americano no final do século XVIII, portanto, refletia sob os fenômenos so-ciais e históricos das denominadas “Inconfidências”, aquilo que Villalta (2002), estudioso do assunto, denomina como um ima-ginário de liberdades distintas. O sentimento que envolvia esse imaginário de liberdades, embora tivesse como raiz as tensões geradas pela crise do chamado Antigo Sistema Colonial, dife-renciavam-se em razão das peculiaridades de cada movimento promovido pelos inconfidentes. Neste sentido, quando Villalta descreve a Inconfidência Mineira, destaca como ela enfatizou a busca do sentimento de liberdade para defender o direito de apropriar-se das riquezas produzidas sem a necessidade de

16 Para entender melhor essa

discussão a respeito da vio-

lência e rigor da administra-

ção portuguesa em relação a

revoltas anticolonais, retorne

à figura da página 40.

Page 43: Formação Sócio-Histórica do Brasil

42 Formação Sócio-Histórica do Brasil

submetê-las ao jugo metropolitano, isto é, ao pacto colonial. Eles almejavam assim a conquista do direito ao livre comércio. E para isso precisavam instituir um governo autônomo. A questão de como seria esse governo, se monárquico ou republicano, como já discutimos nesse conteúdo, ainda não havia sido estabelecido por eles.

No caso da Conjuração dos Alfaiates, ocorrida em Salva-dor, o sentimento de liberdade se configurou em torno da ne-cessidade de superar as amarras coloniais no que se referia ao monopólio comercial estabelecido pela política econômica mer-cantilista portuguesa. Os revoltosos clamavam, portanto, pela instituição do livre-comércio. E, sobretudo, desejavam “o seu reconhecimento como cidadãos plenos de direitos” (MATTOSO, 1990, 347). Ao contrário da Inconfidência Mineira, os participan-tes dessa conjuração eram oriundos das camadas médias urba-nas e de setores populares da cidade de Salvador.

Desta forma, ao final do século XVIII, observa-se a partir das inúmeras revoltas que ocorrem na América portuguesa que as causas geradoras se localizavam, por um lado, no desgaste da política, já há muito implementada pela administração metropoli-tana, sobretudo no que tange a manutenção do pacto colonial e, por outro lado, pelo visível desenvolvimento de uma sociedade colonial que já não mais suportava as políticas protecionistas que beneficiavam os interesses lusitanos em detrimento dos interes-ses da colônia.

Assim, os movimentos de inconfidência ou conjuração que ocorreram em Minas Gerais e na Bahia acabaram por evidenciar ângulos diferentes desta crise colonial. Processo social e histórico que terminou por moldar aquilo que Villalta denominou de um “repertório intelectual e político variado e complexo”. Segundo este pesquisador, esse imaginário de liberdades alimentou o projeto de Império que sob o controle político da “dinastia de Bragança, centrado na América e, no limite, autônomo em relação à pátria-mãe portuguesa”, seria “vitorioso mais tarde, em 1808 e em 1822” (VILLALTA, 2002, pp. 319-341).

Page 44: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 43

Para refletir

Discuta com os seus colegas o que você entendeu a respeito das revoltas anticoloniais.

Analisando a discussão abordada nesse conteúdo, quais as desvantagens produzidas pela política mercantilista pratica-da por Portugal, através do pacto colonial, sobre sua colônia portuguesa na América?

Comparando o destaque que os livros didáticos conferem à Inconfidência Mineira em relação à Inconfidência Baiana, alguns críticos apontam o caráter popular da última, fato que teria sido decisivo para se escolher como símbolo precursor do pensa-mento republicano no Brasil um movimento mais moderado e de conotação elitista, no caso a Inconfidência Mineira. Qual a sua interpretação a esse respeito? Escreva um pequeno texto indi-cando sua interpretação.

Coloque suas reflexões no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

Page 45: Formação Sócio-Histórica do Brasil

44 Formação Sócio-Histórica do Brasil

1.4 AS REVOLUÇÕES EUROPEIAS E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Retomando as reflexões do conteúdo anterior podemos perceber que, sobretudo a partir da segunda metade do século XVIII, o modelo de exploração montado pelos europeus em relação às colônias americanas apresentava desgastes e tensões cada vez mais conflituosos. Este fato foi responsável por gerar as demandas internas que começaram a ser defendidas pelos colonos. Em parte, essas tensões também tiveram uma forte influência de movimentos e acontecimentos que começaram a ocorrer na Europa, principalmente as chamadas revoluções burguesas – revolução inglesa, revolução indus-trial, revolução francesa17. Em outras palavras, a crise do Antigo Sistema Colonial refletia também a crise das monarquias absolutista europeias e de suas políticas econômicas mer-cantilistas, assentadas em práticas protecionistas e intervencionistas.

Segundo Eric Hobsbawm, estudioso da história contem-porânea, a profundidade dos acontecimentos ocorridos nesse período foram tão importantes que continuam a influenciar as transformações históricas no mundo até os nossos dias. Ele considera a dupla revolução que ocorreu no período, no caso, “a francesa, bem mais política, e a industrial (inglesa)” como acontecimentos que transpuseram as fronteiras dos países em que ocorrem e tiveram uma profunda e significativa influência na ordem política e econômica europeia (HOBSBAWM, 2000, pp. 17-20).

Vamos refletir um pouco sobre o peso da Revolução Francesa e da Revolução Industrial?. Em termos econômicos, a Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra entre meados do século XVIII

16 Saiba mais sobre esses as-

suntos lendo: HOBSBAWM, Eric

J. A era das revoluções: Europa

de 1789 - 1848. Tradução Tereza

Lopes Teixeira e Marcos Penchel.

12. ed. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 2000.

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Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 45

e meados do século XIX, alterava definitivamente as relações de produção até então praticadas pela humanidade. Ela insti-tuiu, portanto, um modo de produção capaz de multiplicar de forma “rápida, constante e, até o presente, ilimitada, de homens, mercadorias e serviços” (HOBSBAWM, 2000, p. 44). Essa revolução, como bem definiu Hobsbawm, proporcionou ao empresário in-glês, à custa da expropriação de camponeses e de operários, a acumulação de capitais e a produção de mercadorias em grande quantidade e com menor preço. Em outras palavras, eles haviam percebido que com o uso de máquinas e matérias-primas baratas, com a venda em larga escala e com o pagamento de baixos salários poderiam aumentar a velocidade da acumulação de capitais.

E qual a consequência desse fato para os demais países europeus? A resposta a essa pergunta é simples e fusti-gante, ou seja, desperta in-teresse. A Revolução Indus-trial colocou em vantagem a Inglaterra em relação aos demais países europeus e entre eles Portugal, além de ter tornado positiva a sua balança comercial, ou seja, vendia mais que comprava, conseguindo se transformar na maior economia do mundo durante o século XIX e início do XX, e uma das maiores da história. Portugal, por sua vez, não conse-guiu desenvolver a industrialização de sua economia, em parte devido a tratados que acabaram favorecendo à Inglaterra. Por causa desses tradadas, grande parte das riquezas que Portugal extraía de suas colônias, no caso a América portuguesa, foi parar na economia inglesa.

Revolução Industrial

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46 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Mas Portugal não tentou reagir a isso? A resposta é afirmativa: sim! A coroa portuguesa já enfrentava dificuldades econômicas desde meados do século XVIII, por causa da diminuição da produção aurífera em suas colônias, de um terremoto que destruiu Lisboa em 1755, e pelo acirramento da competição entre os países mercantilistas do período. Em razão disso, os portugueses, assim como os espanhóis, iniciaram um longo processo de reformas políticas e administrativas inspirado na teoria do despotismo esclarecido – um desdobramento do pensamento iluminista que defendia a modernização do Estado, tornando-o mais eficiente, sem alterar as bases do absolutismo político, segundo o qual os reis simbolizavam o poder supremo acima de qualquer lei. Em Portugal, esse período ficou conheci-do como a época pombalina18.

Esse período, marcado pela administração de Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro Conde de Oeiras e Marquês de Pombal (1699-1782), colocou em prática em Portu-gual os fundamentos do despotismo esclarecido19, estimulando a aproxi-mação de Portugal à realidade econô-mica e social dos países do Norte da Europa. No caso, a realidade da Ingla-terra, que começava a se apresentar de forma mais dinâmica que o reino português. Perseguindo esse objetivo, ele instituiu várias reformas admi-nistrativas, econômicas e sociais.

18 Conheça mais sobre esse

período lendo: MAXWELL,

Kenneth. O marquês de

pombal: Paradoxo do Ilumi-

nismo. Tradução Antônio de

Pádua Danesi, 2. ed. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1997.

19 Forma de governar carac-

terística da Europa continental

da segunda metade do sécu-

lo XVIII, que embora partilhe

com o absolutismo a exal-

tação do Estado e do poder

soberano, é animada pelos

ideais de progresso, reforma

e filantropia do Iluminismo.

Ou seja, há, por um lado, uma

ruptura parcial com a tradição

medieval, mas, por outro, não

são acolhidas todas as ideias

do Iluminismo, com a defini-

ção entre a combinação des-

ses diferentes ideais e a sua

concretização pertencendo ao

próprio déspota. A expressão

não foi contemporânea aos

acontecimentos, tendo sido

forjada mais tarde pelos pes-

quisadores. Saiba mais a res-

peito lendo:

http://pt.wikipedia.org/wiki/

Despotismo_esclarecido

Page 48: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 47

Estabeleceu, assim, um conjunto de reformas que melhoram as finanças e a capacidade de arrecadação da Coroa Lusitana e enrije-ceu os laços de exploração que Portugal mantinha com suas colô-nias. Em termos práticos, sua administração foi importante para a metrópole portuguesa e desevantajosa para as regiões coloni-zadas por Portugal, incluindo a América, sendo, inclusive, apon-tada como uma das causas externas das revoltas anticoloniais.

As estratégias da administração portuguesa, sob o comando do Marquês de Pombal em meio à crise do Antigo Sistema Colonial, acabou contribuindo também para evitar momentane-amente o quadro de revoluções e independências que se viam processando na Europa e na América, respectivamente, uma vez que sua política administrativa teve continuidade nos reinados da Rainha Maria I e de seu filho D. João VI. Entre as medidas tomadas por Pombal em relação à colônia portuguesa estão: a expulsão dos jesuítas e o confisco de seus bens e terra; o incentivo à expansão da cana-de-açúcar, inclusive nas terras confiscadas dos jesuítas; a diversificação da produção agrícola com o estímulo a outras lavouras comerciais como o fumo e, principalmente, o algodão em novas áreas produtoras, no caso, nas regiões do agreste e do sertão. O algodão, particularmente, tonar-se-ia um produto de suma importância na relação que Portugal manteria com a Inglaterra entre o final do século XVIII e início do século XIX. Isso porque após a independência das Treze Colônias Inglesas na América, que originaram os Estados Unidos da América, Por-tugal, através de suas colônias, tornou-se o principal fornecedor dessa matéria-prima para a Inglater-ra. Fato que não só equilibrou a ba-lança portuguesa em relação à Ingla-terra como despertou nesta a cobiça pela principal colônia portuguesa na América. Razão pela qual a Inglaterra apoiou a vinda da coroa portuguesa para sua colônia na América do Sul20.

20 Saiba mais a este respeito

lendo: ARRUDA, José Jobson

de Andrade. Uma colônia

entre dois impérios: a aber-

tura dos portos brasileiros -

1800 – 1808. Bauru: EDUSC,

2008.

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48 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Então, foi o contexto econômico o grande responsável por desestabilizar a monarquia absolutista portuguesa forçando-a a vir para a América do Sul? Em grande parte sim, mas não apenas! Lembre-se de que, como já anunciamos no início desse conteú-do, politicamente a Revolução Francesa também contribuiu para aprofundar as transformações e rupturas que estavam em curso na Europa, na América e no mundo contemporâneo.

Segundo Eric Hobsbawn, a Revolução Francesa e suas ideias de liberdade, fraternidade e igualdade teve uma influência direta e universal sobre vários países, “pois ela forneceu o padrão para todos os movimentos revolucionários subsequentes”(2000, p. 73). Ela teve um impacto importante na desestabilização do absolutismo, que já vinha em crise desde a Revolução Gloriosa, ocorrida na Inglaterra em 1688. Entretanto, os franceses não ape-nas colocaram abaixo o absolutismo, eles foram além do que os ingleses fizeram no século XVII. Os franceses não preservaram a monarquia sob bases constitucionais, como fizeram os ingleses. Eles, os franceses, instituíram o modelo republicano como parâ-metro de cidadania, liberdade e fraternidade para as sociedades contemporâneas.

Inspirados nas ideias iluministas, os Estados Unidos da América teriam instituído o modelo republicano contemporâneo antes mesmo que os franceses. Mas os acontecimentos ocorri-dos entre os estadunidenses, ou seja, os nascidos nos Estados Unidos da América, não obtiveram a mesma repercussão dos fatos ocorridos na França. Isto se deu em razão da importância que a monarquia absolutista france-sa representava para a Europa. Ela era o grande modelo para as demais monarquias absolutistas do período, entre o final do século XVIII e o início do século XIX21.

21 Leiam a respeito em:

ELIAS, Norbert. A sociedade

da corte. 2. ed. São Paulo:

Editora Estampa, 1995

Page 50: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 49

Mas, como os desdobramentos da Revolução Francesa

afetaram Portugal e suas colônias? A resposta a essa pergunta

nos leva a entender os motivos políticos que conduziram a realeza

portuguesa a sair da Europa e a deslocar-se para a América do

Sul. Vejamos, então, por que isso ocorreu.

Vejam que a Revolução Francesa foi importante não apenas

por representar uma nova forma de governo calcada na cida-

dania republicana, ela também redimensionou o mapa político

europeu e americano. Após a sua decretação em 1789, esse

movimento passou por várias disputas entre os grupos que

reclamavam o comando, os ganhos e os rumos da revolução –

sobretudo o grupo dos girondinos e dos jacobinos –, essa disputa

não contribuiu para instalação da ordem, além disso, desestabilizava

a economia. Pondo fim a isso, Napoleão Bonaparte, em 1799, no

18 Brumário, inicia um golpe de Estado que o manteve à frente

do governo até 1815. Neste período, ele estabilizou a economia,

garantindo as condições para o desenvolvimento da economia

capitalista francesa, derrotou as forças contrarrevolucionárias

dos países monarquistas vizinhos que temiam que o exemplo

francês alcançasse os seus domínios e iniciassem uma política

militarista para impor os interesses econômicos franceses na

Europa e no Mundo.

E como isso afetou Portugal? Veja bem, a França buscou

dominar o comércio europeu e mundial. Para isso ela tinha que

vencer a concorrência inglesa, que como já vimos estava em

vantagem por ter iniciado primeiro a Revolução Industrial. A

França, então, começa a exigir que os países europeus proi-

bissem os navios ingleses de aportarem em seus portos. Os

franceses, que possuíam um exército eficiente, não conse-

guiram derrotar os ingleses no mar, por isso, instituíram o

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50 Formação Sócio-Histórica do Brasil

chamado Bloqueio Continental22. Portugal procurou adiar, o máximo possível, tomar uma decisão em relação a aderir ou não a exigência de Napoleão. Por um lado, os portu-gueses tinham importantes interesses comerciais com os ingleses, sobretudo no que se referia à questão do algodão naquele período, no início do século XIX, por outro, os franceses amea-çavam invadir o território português, caso Portugal não aderisse ao blo-queio decretado por Napoleão. Ha-bilmente e em segredo, a coroa por-tuguesa planejou a sua transferência para a América do Sul sob a proteção da marinha de guerra inglesa. A deci-são portuguesa partia do raciocínio de que não tinha uma estrutura mi-litar suficiente para derrotar os fran-ceses e, ao mesmo tempo, se aderisse ao bloqueio, teria sua colônia mais importante na América invadida pelos ingleses. Diante deste quadro, a realeza portuguesa veio para os trópicos chegando em 1808 a Salvador, inicialmente, e depois ao Rio de Janeiro. Esta última passou a ser a nova sede da Coroa Portugue-sa. Por esse motivo a colônia portuguesa na América do Sul foi elevada à condição de território do Reino Unido Portugal, Brasil e Algarves.

Em troca da ajuda inglesa, os portugueses oficializaram a abertura dos portos de seu território na América aos navios ingleses. Na prática, essa medida teve como significado o fim do pacto colonial e o estreitamento das relações comerciais de Portugal com a Inglaterra.

22 O Bloqueio Continental foi

a proibição imposta por Napo-

leão Bonaparte com a emana-

ção, em 21 de novembro de

1806, do Decreto de Berlim,

que consistia em impedir o

acesso a portos dos países

então submetidos ao domínio

do Império Francês a navios

do Reino Unido da Grã-Breta-

nha e Irlanda. Com o decreto

buscava-se isolar economi-

camente as Ilhas Britânicas,

sufocando suas relações co-

merciais e os contatos com

os mercados consumidores

dos produtos originados em

suas manufaturas. Saiba mais

a esse respeito lendo:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Blo-

queio_Continental

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Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 51

A transferência da Família real portuguesa, além da abertu-ra dos portos, acelerou o proces-so de reformas administrativas e assegurou à América portuguesa um destino diferente do ocorrido com a América espanhola. En-

quanto a corte espanhola se encontrou sob o domínio napole-ônico, suas colônias americanas proclamaram independência e assumiram a forma de governo republicana. A presença da cor-te portuguesa, portanto, assegurou a manutenção do controle português sobre o território americano, evitando com isso sua invasão por outro país ou a eclosão de algum movimento de independência. Manteve-se, assim, o funcionamento da ordem econômica e social, ou seja, o comércio mercantil baseado no trabalho escravo. Entretanto, a coroa portuguesa também pas-sou a fazer concessões à elite colonial que, cada vez mais, recla-mava por seus interesses e se mostrava inquieta.

Uma mostra dessa inquietude e da penetração das ideias re-volucionárias francesas no território português na América foi a Re-volução Liberal ocorrida em 1817 na Capitania de Pernambuco23. A ameaça das rebeliões e revoluções na região Nordeste, particularmente, levou a coroa portuguesa a redefinir a divisão político-administrativa das capitanias, desmembrando algumas delas, como foi o caso de Sergipe, desmembrada da Bahia, e os casos de Alagoas e da Paraíba, desmembradas de Pernambuco. A decisão de desmembrar ou não algumas capitanias dependia de uma série de análises políticas e econômicas que envolvia as estratégias portuguesas para impedir rebeliões e movimentos insurretos, isto é, revolucionários.

Transferência da família real portuguesa para a América do Sul

23 Lembre-se de que duran-

te o período colonial as capi-

tanias hereditárias, extintas

com o início do governo geral,

mantiveram-se com o nome

das divisões administrativas.

Page 53: Formação Sócio-Histórica do Brasil

52 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Não obstante o esforço e as estratégias administrativas adotadas pela coroa portuguesa na América, na Europa o exército português auxiliado pela marinha inglesa havia derrotado as tropas napoleônicas. Após esse fato e a reorganização das cortes portuguesas em Lisboa e, sobretudo, na cidade do Porto, foi iniciado, por parte dos comerciantes e da nobreza portuguesa, um movimento para que D. João VI e sua corte voltassem para Portugal.

Além disso, os portugueses solicitavam o retorno do Brasil à condição de colônia portuguesa na América e o restabeleci-mento do pacto colonial. Ação que afetaria aos interesses da elite colonial que, por sua vez, encontrava-se mais fortalecida. A coroa portuguesa, mais uma vez, buscou protelar a decisão. Ao contrário da visão caricaturada que se construiu em relação à fraqueza e indecisão da realeza portuguesa, como a mostrada, por exemplo, no filme Carlota Joaquina, atualmente os estudiosos tendem a reconhecer essa atitude como estratégia portuguesa para tentar conciliar interesses.

E, qual foi a decisão da corte portuguesa, afinal? Após as cortes portuguesas aprovarem uma constituição, exigiram que D. João VI retornasse à Portugal para prestar juramento à cons-tituição e, consequentemente, perdendo suas prerrogativas ab-solutistas, ou seja, na prática ele continuaria sendo rei, mas com poderes limitados pela lei maior, a Constituição, e pela decisão das cortes que haviam constituído uma espécie de parlamen-to, isto é, uma assembleia política. D. João VI retorna então para Portugal em 1820 para não perder o trono, porém resolve deixar, no Brasil, seu filho, o então Príncipe Regente Pedro, com instruções para que, em caso de um eventual movimento de independência fosse ele, e não outro, a proclamar a independência do Brasil.

Page 54: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 53

Ao chegar a Portugal, D. João VI, atendendo a solicitação das cortes, exigiu o retorno do Príncipe Regente e decretou o restabelecimento do pacto colonial. O Príncipe negou-se a retornar e a aceitar as exigências das cortes portuguesas. Ele, na realidade, percebeu que as elites locais não iriam aceitar mais as determinações portuguesas. Essa decisão do Regente abriu ca-minho à construção da solução monárquica para a qual se enca-minhou o Brasil, pois, se por um lado as elites locais não queriam o retorno à condição de colônia, por outro, elas não queriam que o Brasil se transformasse em mais uma república e decretasse o fim da escravidão.

Em meio a esse jogo de interesses, o Príncipe Regente proclama a independência do Brasil em 7 de setembro de 1822, com isso, mantendo a ordem escravocrata e estabelecendo o regime monárquico. E para conciliar os interesses portugueses, além de obter o reconhecimento político das outras nações, assume as dívidas portuguesas junto aos outros países, espe-cialmente a dívida lusitana junto aos ingleses. Assim, começava a história do Brasil nos tempos do império.

Pintura representativa da Proclamação da Independência do Brasil

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54 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Para refletir

Reflita com os seus colegas o que você entendeu sobre o contexto histórico que antecedeu a proclamação da independência do Brasil.

Analisando esse contexto, como você avalia o peso dos acontecimentos durante a dupla revolução ocorrida na Europa, a Revolução Francesa, em termos políticos e a Revolução Industrial, em termos econômicos, em relação ao processo de indepen-dência do Brasil?

Ao longo deste livro e, particularmente, ao final deste conteúdo, discutiram-se as estratégias e indecisões portuguesas em relação à administração colonial, ao bloqueio continental e à independência do Brasil. Como você percebeu essas discussões? Os portugueses foram estrategistas ou indecisos?

Coloque suas reflexões no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

Page 56: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema I | Constituição sócio-histórica do Brasil 55

RESUMO

Até o momento estudamos alguns dos principais aconteci-mentos do período colonial (1500-1822). Destacamos como a for-mação do povo brasileiro ocorreu a partir de contribuição indígena, africana e europeia. Vimos como os portugueses impuseram sua forma de ser, pensar e agir conquistando e colonizando o território americano que lhes pertenciam. Estudamos as revoltas e rebeliões que ocorreram no período colonial e como elas refletiam a crise do Antigo Sistema Colonial. Discutimos a influência das revoluções europeias no processo de independência política do país e como esse processo foi encaminhado para a solução monárquica.

O nosso próximo passo será discutir como durante o período imperial a manutenção da ordem e a unidade política, territorial e cultural do Brasil foi constituída. Mas, por ora, responda o “para refletir” e descanse um pouco.

Page 57: Formação Sócio-Histórica do Brasil
Page 58: Formação Sócio-Histórica do Brasil

O Império e a Manutenção

da Ordem2Após estudarmos o processo de formação colonial é hora

de conhecer como o Brasil, única monarquia no continente americano, manteve o complexo mercantil escravocrata exportador, baseado no latifúndio, mas substituindo o jugo metropolitano, isto é, português, pelo controle da elite imperial sob o comando da monarquia dos Bragança, ou seja, o país passou a ser administrado por suas elites e não mais pelas elites portuguesas.

Com esse intuito, os assuntos abordados nesse tema versarão sobre o Primeiro Reinado, o Período Regencial e suas revoltas. Retornaremos a debater sobre o escravismo, enfatizando a resistência escrava e o processo de abolição e faremos um balanço das realizações e impasses ocorridos durante o Segundo Reinado.

Page 59: Formação Sócio-Histórica do Brasil

58 Formação Sócio-Histórica do Brasil

2.1 IMPÉRIO, REGÊNCIA E SUAS REBELIÕES

Após a proclamação da independência, o que aconteceu com o Brasil? O território deixou de pertencer a Portugal e se tornou um Estado soberano com Território, Governo e uma Nação. O Príncipe Regente foi coroado Imperador do Brasil, com o título de D. Pedro I, tornando-se o único monarca das Américas. Manteve a ordem social e econômica baseada no trabalho escravo, derrotou, na chamada Guerra de Independência, as tropas portuguesas fiéis à Revolução do Porto, assumiu as dívidas portuguesas e obteve o reconhecimento internacional do Brasil como um novo país nas Américas.

O Primeiro Império

D. Pedro I foi um rei absolutista como o seu pai? Esta é uma pergunta interessante! Veja, D. João VI, pai de D. Pedro I, ao voltar para Portugal teve de jurar obediência e fidelidade à constituição que os revolucionários da cidade do Porto aprovaram em 1820, portanto, ele deixou de ser um rei absolutista, um rei que governava com plenos poderes, para se tornar um monarca constitucionalista, limitado pela autoridade da lei e pelas decisões aprovadas pelas cortes portuguesas. Note que o absolutismo, nesta época, estava em crise, sobretudo depois da Revolução Francesa. Este evento obrigou os Estados contemporâneos a se modernizarem optando pela República ou substituindo a monarquia absolutista pela monarquia constitucional, via de regra, de tipo parlamentar, ou seja, monarquias constitucionais e parlamentaristas.

Qual foi, então, a opção política adotada pelo Brasil e por D. Pedro I? Como já estudamos, o processo de independência do Brasil com a instalação de uma monarquia foi a solução encontrada por nossas elites para evitar o republicanismo e o

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Tema II | O Império e a manutenção da ordem 59

fim da escravidão. Entretanto, as elites coloniais não conseguiram realizar plenamente seus intentos. O imperador interessado em preservar seus poderes procurou meios jurídicos para que, mesmo outorgando, ou seja, impondo uma constituição, mantivesse prerrogativas absolutistas.

Como foi possível para ele jurar uma constituição e, ao mesmo tempo, manter prerrogativas decisórias inerentes a um rei absolutista? Para entendermos um pouco como isso ocorreu é necessário conhecermos a configuração da primeira constituição do Brasil. A constituição de 1824, aquela que foi nas palavras de Homem de Melo, estudioso da vida cons-titucional brasileira, “a primeira palavra do sistema representativo entre nós” (MELO, 1863, p.1).

Analisando as palavras do Barão Homem de Melo24, a primeira consti-tuição brasileira foi organizada após o tumultuado período que se seguiu à independência política do país. Data-da de 25 de março de 1824, seu pro-jeto se deve, em boa parte, a José Joaquim Carneiro de Campos, o Marquês de Caravelas, mas é indubitável que nela interferiu o imperador. A linhagem absolutista a qual D. Pedro I se vinculava não via com “naturalidade” a sujeição de um imperador aos limites de uma carta constitucional, como é assinalado pelo jurista Afonso Ari-nos de Melo Franco, ao comentar as pretensões do imperador em relação à constituição. Este jurista observou que, em seu juramento de coroamento, D. Pedro I jurou defender uma Constituição que estava por ser feita desde que ela fosse digna dele e do Brasil.

s elites coloniais não te seus intentos. O

preservar seuscos para que,

mpondo uma errogativas

ele jurar empo, rias

Imagem perfilada de D. Pedro I

24 Francisco Inácio Marcon-

des Homem de Melo, o Barão

Homem de Melo, foi o primei-

ro a editar um texto escrito

a respeito da constituição de

1824.

Page 61: Formação Sócio-Histórica do Brasil

60 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Afonso Arinos revela que o Regente, ao se dirigir para agradecer à assembleia constituinte, por ele convocada, orientou a esta que a Constituição deveria ser pautada em deliberações dignas dele, dela própria e da nação brasileira. Pode-se deduzir daí que o

direcionamento para a elaboração de uma Constituição que, em

primeiro lugar, atendesse aos anseios do Príncipe Regente,

encontrava-se consolidado. Nestes termos, foi elaborada a

primeira Constituição brasileira.

Outorgada pelo imperador, a Constituição de 1824 expressava

os interesses de segmentos da sociedade brasileira, que durante

o período colonial desejam mais autonomia para seus negócios

apoiados na personalidade forte e absolutista do imperador. Em

torno desses interesses o texto constitucional estabeleceu:

I – a forma de Estado Unitário, dividido administrativamente

em províncias, dirigidas por presidentes nomeados pelo impe-

rador e um município neutro como sede do Império, no caso a

cidade do Rio de Janeiro;

II – a monarquia hereditária, constitucional e representativa

como forma de governo;

III – o “parlamentarismo” como sistema de governo, muito

embora na prática o sistema parlamentarista de governo no Brasil

funcionasse de forma contraditória, ou seja, de “ponta-cabeça”

como disseram alguns críticos, em face da repartição quadripartite

dos poderes:

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Tema II | O Império e a manutenção da ordem 61

Em relação ao sistema eleitoral, o sufrágio era restrito atra-vés do voto censitário, ou seja, era preciso ter um poder eco-nômico condizente com a época, além de ser maior de 25 anos. Também não podiam votar os libertos, ou seja, ex-escravos, os criados de servir, os criminosos, os religiosos e os estrangeiros naturalizados que não professassem a fé católica (Art. 90 a 97, Constituição de 1824).

A respeito do voto, embora o texto constitucional não mencionasse, as mulheres e os analfabetos não votavam. Ainda a respeito da Constituição de 1824 é mister salientar sua inspiração nas constituições das monarquias europeias.

Esse texto constitucional manteve o catolicismo como religião oficial do Estado, assegurando a prática de outras religiões em cultos domésticos e particulares. Essa foi a Constituição que mais tempo permaneceu em vigor em nosso país. Ela esteve em vigência por 67 anos, de 1824 a 1891.

Page 63: Formação Sócio-Histórica do Brasil

62 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Assegurando suas prerrogativas decisórias, através do poder

moderador, D. Pedro I, então, governou por muitos anos? A

resposta a essa pergunta é não. Embora ele tenha governado de

1822 a 1831, nove anos, portanto, isso é muito pouco tempo para

um Imperador que poderia governar o país enquanto vivesse.

O que aconteceu, então? D. Pedro governou o país de

modo tumultuado em razão de sua personalidade forte e pouca

habilidade política, sendo forçado a renunciar ao trono em favor

de seu filho mais velho, que à época tinha apenas cinco anos de

idade. Com essa renúncia, deixou para trás o sonho de um dia

reunificar o Brasil e Portugal sob a bandeira de um único reino.

O sonho de reunificação somente seria possível na medida em

que ele permanecesse no trono brasileiro, por ser ele também o

herdeiro do trono lusitano, posição que tomaria posse anos de-

pois com o título de D. Pedro IV. Contudo, não pôde concretizar

o objetivo de unificar os dois impérios, uma vez que seu filho D.

Pedro II assumiu o trono do Brasil.

O Período Regencial

Mas, como uma criança de cinco anos de idade pôde

governar um reino de proporções continentais como o Brasil? O

Príncipe Herdeiro não possuía idade nem tão pouco maturidade

para assumir o trono. Em face disso, foram nomeados regentes

que administraram o Império durante o período em que ele não

tivesse alcançado ainda a maioridade. Fato que só veio a ocorrer

em 1941, com a antecipação de sua maioridade aos 15 anos.

E, o que aconteceu nesse intervalo de 10 anos com a

administração do país? Transcorreram-se anos de instabilidade

política, agitações e revoltas. As províncias passaram a reivindicar

maior autonomia administrativa. Intento alcançado com a edição

Page 64: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema II | O Império e a manutenção da ordem 63

do Ato Adicional em 1834. Este ato instituiu nas províncias as-

sembleias legislativas. Iniciava-se, assim, um período de descen-

tralização política e administrativa no Brasil.

Após a abdicação de D. Pedro I o parlamento brasileiro

encontrava-se em férias. Os poucos parlamentares que se

encontravam na cidade elegeram, em caráter de emergência,

a chamada Regência Trina Provisória, formada para conter as

revoltas que vinham ocorrendo desde que D. Pedro I abdicou

ao trono do Brasil, além de organizar a eleição da Regência Trina

Permanente. Essa regência foi formada pelos senadores Nicolau

Pereira de Campos Vergueiro, José

Joaquim Carneiro de Campos e

pelo brigadeiro Francisco de Lima e

Silva. Entre uma regência25e outra

os acontecimentos mais marcantes

desse período foram:

• A CABANAGEM (1835-1840) – revolta ocorrida no Pará

na qual negros, índios e mestiços se insurgiram contra

a elite política e tomaram o poder. Entre as causas da re-

volta são apontadas pelos estudiosos a extrema pobreza

das populações ribeirinhas e a irrelevância política à qual

a província foi relegada após a independência do Brasil.

• A BALAIADA (1838-1941) – revolta ocorida no interior do

Maranhão e em parte do Piauí por conta de disputas pelo

poder local. Liderados por João Balaio, homens livres de

origem índigena, negra e mestiça se insurgiram contra

abusos e arbitrariedades das eleites locais.

25 Saiba mais a respeito do

período regencial lendo:

WERNET, Augustin. O período

regencial. São Paulo: Global,

1982.

Page 65: Formação Sócio-Histórica do Brasil

64 Formação Sócio-Histórica do Brasil

• A REVOLTA DOS MALÊS (1835)26 – revolta ocorrida na

cidade de Salvador, província

da Bahia, por conta da união

de escravos de origem muçul-

mana – os malês – que organi-

zaram revoltas contra os seus

senhores.

• A SABINADA (1837-1838) – revolta ocorrida na provín-

cia da Bahia por conta de disputas de cunho autonomista

frente à centralização do Império. Uma caraterística im-

portante dessa revolta foi a composição de seus líderes

oriundos das camadas médias urbanas – comerciantes,

profissionais liberais e oficiais.

• A REVOLUÇÃO FARROUPILHA (1835-1845) – essa revo-

lução ocorrida na província do Rio Grande do Sul e em

parte de Santa Catarina foi motivada pelo desejo dos es-

tancieiros gaúchos, isto é, fazendeiros, de pagar menos

imposto sobre o charque. No período de dez anos desse

movimento, os revoltosos chegaram a estabelecer um

governo provisório separatista. Mas a revolução foi paci-

ficada e os estancieiros conseguiram alcançar alguns dos

seus objetivos.

26 Saiba mais sobre esse

assunto lendo: REIS, João

José. Rebelião escrava no

Brasil: a história do levante

dos malês em 1835. São Paulo:

Companhia das Letras, 2003.

Page 66: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema II | O Império e a manutenção da ordem 65

Mapa das revoltas regenciais

Apesar de continuar com as estruturas políticas do império, mantendo inalterada a Constituição de 1824, o período regencial teve um caráter liberal e antiabsolutista. Era o início do chamado avanço liberal, que durou até 1837, quando os grupos políticos das províncias alcançaram um maior grau de autonomia. Em 1841, com o início do Segundo Reinado, buscou-se minimizar o movimento de autonomia regional e local, através do restabele-cimento da centralização política do governo imperial. Mas isso é uma discussão para os próximos conteúdos.

Page 67: Formação Sócio-Histórica do Brasil

66 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Para refletir

Reflita, junto com seus colegas, sobre a administração de D. Pedro II e sobre o período regencial. Qual o principal motivo da antecipação da maioridade do príncipe?

Analise quais as principais características da Constituição de 1824. E se ela pode ser considerada uma constituição democrática.

Avalie o interesse da elite política e econômica do Império em manter a ordem monárquica apesar da menoridade do herdeiro e das constantes revoltas que acontecerem no período. Em seguida, escreva sua interpretação a respeito no fórum do AVA.

2.2 COMPLEXO MERCANTIL, ESCRAVOCRATA E EXPORTADOR

Caro aluno, você já deve ter percebido ao longo deste estudo que a manutenção da ordem econômica e social era uma das preocupações centrais tanto da administração colonial portuguesa quanto da elite política que passou a constituir a sociedade imperial. Elite que, diante do contexto da independência, preferiu que o país assumisse a condição de monarquia, ainda que ocupada por um herdeiro do trono português, rejeitando assim o republica-nismo, seus ideais e, principalmente, assegurando a continuação da ordem escravocrata e latifundiária.

Por que isso ocorreu? Quais as motivações dessa sociedade para optar pela solução monárquica e não pela republicana no processo de independência política do Brasil? O que era essa ordem econômica e social que tanto preocupava a elite colonial, inicialmente, e a elite imperial, posteriormente? A resposta a esses questionamentos conduzem à necessidade de esclarecer como foram organizados os fundamentos sociais e econômicos da

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Tema II | O Império e a manutenção da ordem 67

sociedade brasileira. Uma herança colonial que adentrou pelo império e deixou marcas ainda perceptíveis nos dias atuais. Marcas evidenciadas na grande concentração de terras existentes em poder de poucos proprietários e no grande número de excluídos existentes no país.

A formação histórica da sociedade e da economia brasileira, como já estudamos, foi montada no horizonte de interesses da economia mercantilista metropolitana portuguesa. Os portugueses objetivando o comércio marítimo, desenvolveram, a partir da atividade da cana-de-açúcar, a montagem de um complexo mer-cantilista, baseado no trabalho escravo e voltado para abastecer o comércio marítimo controlado pelos lusitanos. As bases desse complexo, portanto, eram o mercantilismo, o escravismo, o latifúndio, a monocultura e o interesse metropolitano:

Complexo mercantil escravista metropolitano

MERCANTILISMO

Voltado para o comércio internacional de especiarias. No caso do território português na

América, o açúcar.

ESCRAVISMOFundamentado na exploração do trabalho e do comércio de

escravos.

LATIFÚNDIOExtensos territórios destinados ao

cultivo de grandes lavouras.

MONOCULTURALavouras tropicais de um único

produto voltadas para o mercado internacional.

METROPOLITANO

Montado para atender aos interesses de Portugal que auferia lucros por meio do exclusivismo

colonial, ou seja, do pacto colonial.

Page 69: Formação Sócio-Histórica do Brasil

68 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Ressalvada a extração de riquezas proporcionadas pelas regiões mineradoras em alguns períodos de domínio colonial, também marcados pelo escravismo e pelo interesse metropolitano, essa foi a base de nossa economia colonial. Inclusive, no que tange ao ordenamento e subordinação das demais regiões, denominadas regiões de abastecimento, suas lavouras – feijão, mandioca, verduras – e criação de animais tinham como principal objetivo subsidiar os custos e aumentar os lucros das lavouras tropicais de produtos voltados para o comércio internacional, monopolizado pelos comerciantes portugueses.

O que aconteceu com esse complexo após o fim do período colonial? Ele deixou de ser orientado pelo interesse metropo-litano e passou a atender ao interesse da elite nacional brasileira. Essa elite, entretanto, ao apoiar a ordem monárquica assegurou a manutenção de seu estatuto social de grandes proprietários de terras e de escravos. Manteve-se, portanto, na passagem da colônia para o império, inalteradas a ordem econômica e social. O país continuava a ser uma economia mercantilista, latifundiá-ria, baseada na monocultura, no trabalho escravo, voltada para o comércio internacional, só que agora comandada por uma elite nacional e não mais pela metrópole portuguesa.

Engenho de açúcar

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Tema II | O Império e a manutenção da ordem 69

Mas a economia açucareira não havia entrado em crise após a invasão e a expulsão dos holandeses no século XVII? Este questionamento é interessante porque nos ajuda a esclarecer alguns pontos. Então, vejamos. Após a expulsão dos batavos, isto é, dos holandeses, da região da Capitania de Pernambuco, Portugal perde o monopólio do comércio do açúcar, ou seja, ele passa a sofrer a concorrência do açúcar produzido em outras regiões do planeta. Esse fato obrigou os portugueses a expandir a produção, diminuir custos, para manter a atividade açucareira. Em termos históricos a produção de açúcar no Brasil não parou de existir. Mesmo nos dias atuais muitas das regiões produtoras se mantêm em atividade. O que significa dizer que parte da estrutura montada para esse cultivo continua a existir, sobretudo o latifúndio, a monocultura e parte de uma estrutura social elitista que concentra riquezas.

Mas o açúcar não perdeu impor-tância na economia colonial e imperial? Em parte sim! A mudança da sede ad-ministrativa da cidade de Salvador, pró-xima da zona açucareira, para a cidade do Rio de Janeiro, próxima do eixo mi-nerador, foi um reflexo disso. No entan-to, especialmente na região Nordeste – ou seja, nas capitanias da Bahia e de Pernambuco e em suas respectivas áreas de influência –, a atividade manteve-se com re-lativa imponência até os idos da segunda metade do século XX27.

Quando e como a lavoura do café entra nessa discussão? Muito bem! Vamos então discutir esse ponto importante para entendermos a economia e a sociedade durante o período imperial, pelo menos, do ponto de vista de suas relações econô-micas e sociais.

27 Saiba mais a respei-

to lendo a genial obra de:

FREYRE, Gilberto. Casa-

grande & senzala: formação

da família brasileira sob o

regime da economia patriarcal.

34. ed. Rio de Janeiro:

Record, 1998.

Trabalho escravo nas lavouras de café

Page 71: Formação Sócio-Histórica do Brasil

70 Formação Sócio-Histórica do Brasil

A reorganização e o fortalecimento da economia imperial, no período de 1822 a 1889, contou com a contribuição de uma nova lavoura tropical também voltada para a exportação, o café. A exemplo do açúcar, com o advento da Revolução Industrial e a demanda por alimentos baratos para compor a dieta dos operários, o café deixa de ser uma especiaria e passa à categoria de pro-duto tropical consumido em larga escala. Dentre as condições favoráveis ao desenvolvimento da cultura do café nos moldes do complexo mercantil escravista nacional têm-se como principais fatores a disponibilidade de escravos a preços lucrativos, a exis-tência de terras em que a produção fosse rentável, sobretudo as terras roxas do Vale do Paraíba e do Oeste de São Paulo, e o crescimento da demanda externa responsável pela generalização do consumo do café. A partir da segunda metade do século XIX a produção ca-feeira seria decisiva para o crescimen-to da economia do Segundo Império28.

O modelo econômico e social que mantinha os comple-xos mercantilistas escravistas açucareiros e cafeeiros, ou seja, a monocultura, exportadora, baseada no latifúndio e no traba-lho escravo começou a partir de 1850 e, mais fortemente, nas últimas décadas do século XIX a enfrentar problemas. No caso do café, é possível citar alguns desses problemas: as dificulda-des relacionadas ao transporte para escoar uma produção que, cada vez mais adentrando pelo interior do Oeste de São Paulo, se afastava do litoral e dos rios; a carência de trabalho escravo a preços lucrativos, sobretudo após a proibição do tráfico, das leis abolicionistas e dos constantes movimentos de revoltas e sublevação dos escravos; da queda na produção em função de fatores naturais e do modelo de agricultura que era praticada e das desvantagens do trabalho escravo face ao trabalho assala-riado. Estes problemas fomentaram a viabilização de alternativas capazes de superar a crise econômica.

28 Saiba mais a respeito

lendo: MARTINS, Ana Luiza.

O império do café: a grande

lavoura no Brasil (1850-1890).

8. ed. São Paulo: Atual, 1990.

Page 72: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema II | O Império e a manutenção da ordem 71

As alternativas para enfrentar a crise da economia mercantil escravista cafeeira nacional passavam pela construção de estra-das de ferro, com o objetivo de baratear o transporte e pela meca-nização do processo de beneficiamento e seleção dos grãos de café, substituindo a atividade braçal em alguns setores da pro-dução. Segundo Mello (1982), estudioso do assunto, essas ini-ciativas acabaram por criar as condições para o fim do trabalho escravo e a emergência do trabalho assalariado. Esse mesmo au-tor também destaca que o movimento abolicionista e a chegada de imigração de europeus, embora fenômenos sociais distintos, colaborariam para efetuar a transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado29. Esse processo de transição veio a se trans-formar na questão emblemática que transpassou toda a história do Império brasileiro.

Segundo Catani (1993), a acu-mulação de capitais pelo complexo cafeeiro “se transformou em capital industrial e criou as condi-ções necessárias a essa transformação” (CATANI,1993, p. 88). Dentre as condições apontadas por este autor para a transfor-mação do capital agrário acumulado pela cafeicultura em capital industrial, é interessante perceber que “a oferta abundante no mercado de trabalho e uma capacidade para importar alimentos, meio de produção e bens de consumo assalariado” (idem, ibi-dem) fazem parte de um complexo catalisador capaz de modi-ficar a própria relação de produção e consumo. Complexo que ajudou a promover, em 13 de maio de 1888, a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel.

As soluções encontradas para resolver a crise do complexo cafeeiro e o problema da transição do escravismo para o trabalho assalariado, não foram as mesmas do caminho trilhado pela pro-dução açucareira e algodoeira. Com a expansão das exportações o “açúcar e algodão, predominantemente cultivados no Nordeste”

29 Saiba mais sobre esse assunto

lendo: MELLO, João Manuel

Cardoso. O capitalismo tardio.

São Paulo: Brasiliense, 1982.

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72 Formação Sócio-Histórica do Brasil

(PASSOS SUBRINHO, 1987, p.10), esses setores conseguiram manter os lucros e, por isso, tiveram maiores dificuldades para efetuar a transição do trabalho escravo para o assalariado.

O complexo canavieiro escravista nordestino, na visão de Cano (1977), não apresentava as mesmas vantagens em relação à atividade cafeeira. As atividades agrícolas no Nordeste apre-sentavam um quadro diferenciado em razão das dificuldades de transporte da região; da falta de estrutura fundiária, ainda mais concentrada; da baixa distribuição de renda; da baixa cotação no mercado internacional de seus produtos, no caso o algodão e o açúcar; das dificuldades de financiamento da produção; da não diversificação das atividades agrícolas e da lenta implantação de relações capitalistas de produção.

Passos Subrinho (1987), analisando a questão, observou que, no caso da zona canavieira, a substituição da “mão-de-obra escrava pela mão-de-obra livre não implica o estabelecimento de relações capitalistas de produção e sim a consolidação de relações do tipo ‘morador de condição’” (1987, p. 11). Em outras palavras, a transição do trabalho escravo, uma das bases do complexo mercantil exportador, para o trabalho assalariado no Nordeste, foi mais lenta e teve como elemento intermediário a presença do morador de condição, trabalhador preso a favo-res pessoais e não remunerado economicamente, portanto, que não possuía ou tinha pouca renda monetária. Fato que criou difi-culdades para a formação de um mercado de consumo regional. Razões que viriam por contribuir para a persistência de laços de dependência social e econômica ainda mais acentuadas nessa região.

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Tema II | O Império e a manutenção da ordem 73

Texto Complementar

Comércio de escravos na província de Sergipe (1860-1888)Josué Modesto dos Passos Subrinho

À guisa de conclusão, recapitularemos alguns pontos destacados na exposição. Em primeiro lugar, não obstante o caráter fragmentário da documentação que examinamos, parece clara a existência de um comércio local de escravos, praticado em todas as regiões da Província e envolvendo proprietários não direta-mente ligados às atividades ex-exportadoras. Tanto na economia de subsistência, quanto nas atividades domésticas, na produção artesanal, nos transportes, etc., utilizavam escravos em maior ou menor escala. Da mesma forma, os proprietários de escravos localizados nessas diversas atividades econômicas continua-vam comprando e vendendo escravos em períodos avançados de tempo, praticamente às vésperas da abolição da escravidão. Enfim, se a historiografia clássica, e mais especialmente, para o Nordeste, Gilberto Freyre, não examinou vários dos aspectos mercantis da escravidão, esperamos ter demonstrado que há uma documentação disponível para ser estudada a partir de um enfoque demográfico e econômico inovador.

Em segundo lugar, chama à atenção a relevância do merca-do local de escravos, tanto em termos quantitativos, quanto na tendência de as transações se concentrarem entre compradores e vendedores do mesmo município. Além do que já dissemos sobre o interesse do escravo em permanecer próximo aos seus amigos e parentes, certamente também os compradores de es-cravos preferiam, sempre que possível, escravos do mesmo mu-nicípio, cuja índole, hábitos, capacidade de trabalho, etc., fossem conhecidos por eles próprios e sobre os quais pudessem obter informações através de pessoas de confiança. Esse certamente era um diferencial que os comerciantes de escravos vindos de áreas longínquas não podiam oferecer.

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74 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Finalmente, quanto aos preços praticados no mercado sergipano de escravos, aproximam-se muito dos praticados no mercado pernambucano, nível que não impediria a exportação de escravos, por essas e outras províncias nordestinas e a exis-tência de custos de transportes, custos cartorários e margens de comercialização. Somente no final de 1870 e início da década de 1880, com o crescimento do que pode ser chamado de má reputação dos escravos importados “do norte” e, também, com a adoção de elevados impostos sobre a importação de escravos pelas províncias cafeeiras é que o comércio interprovincial de escravos foi estancando.

Fonte: PASSOS SUBRINHO, Josué Modesto dos. Comércio de escravos na

província de Sergipe (1850-1888). In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico

de Sergipe. n. 39, Aracaju, 2009, pp. 39-62.

Para refletir

Como você entendeu as relações sociais e econômicas durante o período imperial da história brasileira? Escreva um texto com a sua interpretação.

Quanto aos aspectos sociais, como você avalia a situação dos escravos na passagem do período colonial para o Império? Eles melhoraram ou pioraram de situação? Explique sua resposta.

A economia canavieira reagiu da mesma maneira que a cafeeira à transição do trabalho escravo para o assalariado? Disserte a respeito.

Leia o texto complementar e, a partir dele, elabore um texto apontando a quem interessava o comércio de escravos entre as províncias nordestinas e quando esse comércio se tornou des-vantajoso. Discuta no fórum do AVA ou no encontro presencial.

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Tema II | O Império e a manutenção da ordem 75

2.3. ESCRAVIDÃO, RESISTÊNCIA E ABOLIÇÃO

Retomando às contribuições da leitura do texto comple-mentar, verifica-se que a questão da escravidão persistiu ao longo de praticamente todo o período imperial. Mesmo com o fim do tráfico internacional, com as campanhas e leis abolicio-nistas, como as revoltas e rebeliões escravas, a escravidão se manteve oficialmente até 1888.

Por que a escravidão no Brasil durou tanto tempo? Talvez a resposta mais contundente esteja associada aos interesses eco-nômicos das elites, seu conservadorismo e autoritarismo so-cial. Essa elite preocupada em manter seu status quo, ou seja, sua situação econômica e social apoiou a passagem da colônia à condição de Império, evitou que as revoltas regenciais culminas-sem com a instituição de uma experiência republicana e apoiou o segundo imperador, D. Pedro II, enquanto este manteve a insti-tuição da escravidão.

Como foi estudada em outros conteúdos, a escravidão foi a solução encontrada pelos portugueses para resolver o problema da mão de obra nas lavouras de cana-de-açúcar, na mineração, nos trabalhos domésticos, entre outras atividades. Além de os escravos tornarem mais lucrativas e vantajosas as relações co-merciais e marítimas portuguesas com a África, a América e a Europa. Durante o Império a prática perversa da escravidão continuou auferindo lucros nos cultivos de café, cana-de-açúcar, entre outras atividades econômicas.

Cena do duro cotidiano nas senzalas

Page 77: Formação Sócio-Histórica do Brasil

76 Formação Sócio-Histórica do Brasil

A resistência à escravidão

Os diferentes povos africanos trazidos na condição de

escravos e seus descentes nascidos em território brasileiro não

aceitaram sem resistência a escravidão. Eles desenvolveram inú-

meras estratégias e experiências para preservar sua cultura, vi-

ver seu cotidiano e lutar por sua liberdade. Essas estratégias iam

desde a preservação de suas tradições culturais, a desobediência,

as fugas, as revoltas, as práticas de violência cotidiana e de nego-

ciações para obtenção da carta de alforria – documento que lhes

asseguravam a liberdade.

Em relação à tradição cultural desses povos e de seus

descendentes é importante ressaltar que, mesmo submetidos a

uma condição humana degradante, eles preservaram a grande

diversidade cultural de seus antepassados – ainda que através do

sincretismo cultural e religioso. O sincretismo ocorreu por meio

de fusões e misturas com outras tradições e costumes fossem

indígenas ou fossem portugueses, que ainda hoje se vê forte-

mente presente na cultura brasileira. Fato que evidencia mais a

riqueza e a força de suas tradições, ritmos, musicalidade, costumes

e religiosidade.

Não é difícil identificar, em meio à diversidade cultural e

étnica, características da formação do povo brasileiro, a influência

africana em nosso cotidiano. Isto é facilmente perceptível seja

através da dança, dos esportes, da música, da religiosidade ou

da culinária.

Page 78: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema II | O Império e a manutenção da ordem 77

Tradições africanas presentes na cultura brasileira

CAPOEIRA30

estilo de luta exercido em ritmo de dança, sendo praticado pelos povos africanos

e preservado durante o período da escravidão e após o seu fim.

CANDOMBLÉ31uma das inúmeras religiões de origem

africana, tendo sido preservada através do sincretismo religioso.

CULINÁRIA32

recebeu grandes contribuições desses povos como: os alimentos à base de leite de coco, óleo de palmeira, até a feijoada,

que se originou no período em que os escravos misturavam, ao feijão, restos de

carne para comerem.

O fim do tráfico negreiro e o mo-

vimento abolicionista

No decurso do século XIX, já no

período imperial, o tráfico negreiro

transatlântico persistia, apesar de sua

proibição desde 1831. O seu fim defini-

tivo, oficializado em 1850 contabilizava,

segundo os especialistas, aproximada-

mente “1,4 milhão de cativos no Império,

ou seja, cerca de 40% de todos os afri-

canos desembarcados como escravos

em três séculos da história do Brasil”

(MARQUESE, 2006, pp. 121-122).

30 Saiba mais a respeito

lendo: ABIB, Pedro Rodolpho

Jungers. Os velhos capoeiras

ensinam pegando na mão.

In: Cadernos CEDES [online].

2006, vol.26, n.68, pp. 86-98.

31 Saiba mais a respeito

lendo: PRANDI, Reginaldo. O

candomblé e o tempo: con-

cepções de tempo, saber e

autoridade da África para as

religiões afro-brasileiras. In:

Revista Brasileira de Ciências

Sociais [online]. 2001, vol.16,

n.47, pp. 43-58.

32 Saiba mais a respeito lendo

a genial obra de Gilberto Freyre

Casa Grande & Senzala.

Page 79: Formação Sócio-Histórica do Brasil

78 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Mapa com as rotas marítimas dos traficantes de escravos

As razões para o aumento do fluxo de escravos no período estavam relacionadas ao crescimento e expansão da lavoura cafeeira. A importação de escravos para atividade cafeeira e das demais regiões do país só fora encerrada em razão da proibição estabelecida pelos setores antiescravistas ingleses. Décadas depois, a aprovação de algumas leis abolicionistas indicaria a opção política do Império de fazer uma lenta e graduada transição do trabalho escravo para o trabalho livre assalariado.

A Lei do Ventre Livre foi a primeira dessas leis de cunho abolicionistas. Aprovada em 18 de setembro de 1871, esse dispositivo estabelecia que os filhos de escravos nascidos a partir da data de aprovação da lei – denominados de ingênuos –, após atigirem os 21 anos de idade seriam considerados homens livres. Restanto aos ingênuos a opção de ficarem com seus senhores até a maioridade ou serem entregues ao governo.

Page 80: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema II | O Império e a manutenção da ordem 79

33 Saiba mais a respeito len-

do: MOTTA, José Flávio e

VALENTIN, Agnaldo. “Dina-

mismo econômico e batismos

de ingênuos: a libertação do

ventre da escrava em Casa

Branca e Iguape, província

de São Paulo (1871-1885). In:

Estudos econômicos. [online].

2008, vol.38, n.2, pp. 211-234.

Essa segunda opção realmente aconteceu? Em termos práticos exis-tem poucos registros disso. Na reali-dade, a sociedade escravocrata man-tinha os ingênuos, escravos nascidos a partir de 18 de setembro de 1871, em suas propriedades. Evidentemente, explorando seu trabalho e tratando-os como se escravos fossem33.

Uma outra lei importante des-se período foi a Lei do Sexagenário. Aprovada em 1885, ela estabelecia que os escravos que esti-vessem com idade entre 60 e 65 anos prestariam serviços por 3 anos aos seus senhores e após os 65 anos de idade receberiam sua alforria. Evidentemente, essa também foi uma lei, na maioria dos casos, desrespeitada pelos senhores de escravos. Além disso, considerando as condições de vida e as extenuantes, ou seja, exaustivas condições de trabalhos grande parte dos escravos não conseguiam completar essa idade, pois morriam antes. E os poucos que conseguiam esse direito tiveram sérias dificuldades para obter sustento em razão da idade e do fato de terem que competir com as levas de imigrantes europeus que começaram a chegar no país para repor a mão de obra escrava que começava a se tornar cara, escassa e sublevada, isto é, tornavam-se cada vez mais revoltadas com a persistência da escravidão.

Fugas e revoltas A resistência escrava não se limitou à preservação de suas

tradições culturais e religiosas. Os escravos também promoveram uma série de fugas e revoltas. Fundaram comunidades formadas por escravos fugidos, chamadas de quilombos. Sendo que o quilombo dos Palmares, localizado na serra da Barriga, província de Alagoas, foi o mais famoso destes.

Representação da imagem de zumbi, líder do quilombo dos palmares

Page 81: Formação Sócio-Histórica do Brasil

80 Formação Sócio-Histórica do Brasil

A abolição

Ao final do império, vários fatores contribuíram para a

assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, documento que

oficializaria o fim da escravidão no Brasil, embora não assegu-

rassem a esses homens e a essas mulheres a inclusão social e

o direito à cidadania brasileira de fato. Entre esses fatores deve

ser conferido um peso muito importante às constantes revoltas,

fugas e práticas de violência cotidiana exercida pelos escravos

como forma de resistência e luta por sua liberdade.

Além disso, ainda que desrespeitadas, as leis abolicionistas

do Ventre Livre e do Sexagenário, somadas a outras estratégias

e negociações utilizadas pelos escravos, também contribuíram

para a diminuição do contingente de cativos.

O fato é que o Brasil foi uma das últimas nações no mundo

contemporâneo a abolir essa mancha social praticada contra

cidadãos de origem ou descendência negra. O fim oficial da

escravidão entre nós, entretanto, não representou a inserção

desses homens, mulheres, crianças e idosos no mundo do tra-

balho. Eles tiveram de competir com os imigrantes europeus, que

vieram para o Brasil com o objetivo de substituir a mão de obra

escrava nas lavouras e outras atividades pelo trabalho assalaria-

do. Também não foram assegurados aos negros libertos direitos

sociais básicos como a saúde e a educação. Este lamentável

tratamento proporcionou o aumento da dor e do sofrimento

por parte de uma considerável parcela da população. Não é sem

razão que a luta por políticas sociais reparatórias faz parte da

agenda de debates e reivindicações dos movimentos sociais

contemporâneos.

Page 82: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema II | O Império e a manutenção da ordem 81

Texto Complementar

Uma disputa à burguesa: os homens e mulheres escravos lutam por suas liberdades na justiça. Lagarto - província de Sergipe, 1850-1888.

Joceneide Cunha dos Santos

Os homens e mulheres escravos utilizaram a Justiça para intermediar seus conflitos com os seus senhores, principalmente após 1871. As alegações utilizadas pelos escravos foram diver-sas, como tráfico ilegal e vontade senhorial. Também existiram as ações por indenização, as mesmas foram as mais conflituo-sas. Os escravos e senhores utilizavam das suas relações para conseguirem seus intentos, indicavam pessoas próximas para testemunharem e avaliarem. Importante ressaltar que na rede de solidariedade dos escravos estavam pessoas livres e pobres. E, em relação à liberdade dos escravos a justiça teve um posiciona-mento ambíguo, em alguns casos as sentenças foram favoráveis aos senhores e em muitos casos aos escravos. Esses dados indicam que as relações entre senhores e escravos em Lagarto tiveram momentos de conflito.

Debruçar-se sobre a relação senhor e escravo em Lagarto, permite vislumbrar, principalmente, as diferenças dessas rela-ções de acordo com o gênero. As mulheres tinham estratégias distintas das dos homens, principalmente nas ações de indeniza-ção. Ressalto que as ações de liberdade de várias vilas estão à espera de pesquisadores para serem pesquisadas.

Por fim, muitos homens e mulheres escravos não tiveram a oportunidade de se confrontar com os seus senhores na justiça para conseguirem a alforria, por diversos motivos, assim como al-guns escravos que conseguiram lutar com seus proprietários não alcançaram os seus intentos. A esses dois grupos restou outra possibilidade, a fuga... Mas esse é um tema para outra conversa.

Fonte: SANTOS, Joceneide Cunha. Uma disputa à burguesa: os homens e

mulheres escravos lutam por suas liberdades na justiça, Lagarto-província de

Sergipe, 1850-1888. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

n. 39, Aracaju, 2009, pp. 63-94.

Page 83: Formação Sócio-Histórica do Brasil

82 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Para refletir

Junte-se com seus colegas e discutam o que vocês entende-ram sobre a questão da resistência negra em relação à escravidão?

Mencione exemplos de como a temática da resistência ocorreu.

Identifique as contribuições da cultura africana existentes no seu dia a dia.

A partir das discussões desenvolvidas, como você avalia a importância das políticas sociais reparatórias?

Pesquise como o Brasil tem enfrentado a questão do trabalho escravo e/ou de condições análogas, isto é, semelhantes à escravidão, atualmente.

Coloque suas reflexões no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

2.4. A POLÍTICA NO SEGUNDO REINADO

Afinal, como começou o Segundo Reinado? Para entender melhor essa questão vamos relembrar alguns pontos já estudados. Após a re-núncia de D. Pedro I, o trono foi deixa-do para o seu filho, o príncipe Pedro, à época com cinco anos de idade. Em razão disso foi instalado um pe-ríodo em que o país foi administra-do por juntas governativas e regen-tes34. Esse foi um período marcado pela descentralização política – fato

34 Um período de regência é

aquele durante o qual alguém

governa em nome do mo-

narca, ou em nome da Coroa

enquanto o trono se encon-

trar sem monarca reinante.

Mais informações consulte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/

Reg%C3%AAncia_(sistema_

de_governo)

Page 84: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema II | O Império e a manutenção da ordem 83

D. PEDRO II aos 24 anos

relacionado à vigência do Ato Adicional de 1834, que conferiu autonomia administrativa às províncias – e por revoltas como a Cabanagem, Balaiada, Sabinada, Revolta dos Malês e Revolução Farroupilha.

Um período caracterizado, portanto, por instabilidades políticas e incertezas em relação ao comando político do país. Para colocar um fim a esse quadro político foi deflagrada, por parte da elite imperial, uma campanha em favor da antecipação da maioridade do príncipe herdeiro. Fato que veio a ocorrer em 1841 com a coroação de D. Pedro II como o segundo impera-dor do Brasil. Esse período de governo,

também chamado de Segundo Reinado, viria a se constituir na mais longa e em uma das mais bem sucedidas

fases da política brasileira, ao me-nos do ponto de vista do fortaleci-

mento do Estado e da construção de um ideário de nação assentado na uni-dade território, política e cultural do país.

Educado desde cedo para assumir as atribuições e as responsabilidades que o cargo de imperador exigia, D. Pedro II foi um estadista, ou seja, um hábil chefe po-lítico, bem à tradição dos herdeiros das casas imperiais dos Braganças35, linha-gem portuguesa, e dos Habsburgos36, linhagem austríaca, das quais descendia. Organizou as finanças do país – contando para isso com as divisas oriundas da

35 A Casa de Bragança é uma

família nobre de Portugal, que

teve muita influência e impor-

tância na Europa até ao início

do século XX, tendo sido a

dinastia soberana e, portanto,

Família Real, do país e do

seu império ultramarino, por

quase três séculos, embora

também tenha ascenden-

tes nas dinastias anteriores.

Indiretamente, a Casa tam-

bém foi a soberana do Reino

Unido Portugal, Brasil e Algar-

ves e do Império do Brasil.

Mais informações em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Casa_de_

Bragan%C3%A7a

36 Também conhecida por

Casa da Áustria ou Casa

d’Áustria, é uma família no-

bre europeia que foi uma das

mais importantes e influentes

da história da Europa do sé-

culo XIII ao século XX. Mais

informações em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/

Casa_de_Habsburgo

Page 85: Formação Sócio-Histórica do Brasil

84 Formação Sócio-Histórica do Brasil

exportação de café –, estabeleceu um período de estabilidade política, estimulou o desenvolvimento das artes e das ciências – ele mesmo era um homem interessado pelas novidades cientí-ficas e tecnológicas de sua época. Governou o país de 1841, data de sua coroação, até 1889, quando foi forçado a renunciar ao trono e a assistir a realização de um golpe de Estado que pôs fim ao Im-pério e proclamou a República no Brasil. Vamos conhecer então um pouco dos 48 anos do Segundo Reinado37.

Reorganização das finanças Como já foi discutido, o reco-

nhecimento internacional da inde-pendência política do Brasil foi con-dicionado – por imposição de Portu-gal e da Inglaterra – à transferência das dívidas portuguesas ao Estado brasileiro. Além desse pesado fardo, as despesas contraídas com as lutas pela independência e com as revoltas regenciais aumentaram em muito o montante deficitário da economia imperial. Diante desse quadro econô-mico D. Pedro II procurou sanear as contas públicas e estimular os inves-timentos na promissora lavoura de café, que à época começava a apresentar bons resultados.

Procurou equilibrar a balança comercial aumentando a taxas sobre os produtos importados, desde que os mesmos tives-sem similar no país – política estabelecida pelas Tarifas Alves Branco de 1844. Medida que terminou por estimular a substitui-ção de importações, sobretudo das mercadorias britânicas, na medida em que houve o aumento de instalação de fábricas no país. Essa política econômica favoreceu o desenvolvimento de um período de crescimento econômico chamado de Era Mauá38.

37 Conheça mais sobre a vida,

a família e a personalidade de

D. Pedro II lendo: SCHWARCZ,

Lilia Moritz. As barbas do im-

perador: D. Pedro II, um mo-

narca nos trópicos. São Paulo:

Companhia das Letras, 1998.

38 Saiba mais a respeito deste

período e da vida do empre-

sário e banqueiro Barão de

Mauá lendo: CALDEIRA, Jorge.

Mauá: empresário do Impé-

rio. São Paulo: Companhia

das Letras, 1995.

Page 86: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema II | O Império e a manutenção da ordem 85

Em relação ao fim do tráfico negreiro, oficializado com a denominada Lei Eusébio de Queirós – que proibiu o tráfico inte-ratlântico de escravos –, aprovado devido à pressão inglesa – por força do Bill Aberdeen, ato que desde 1845 proibia esse comércio. O imperador e seus ministros resolveram tomar essa decisão para preservar a soberania do país, pois não poderiam admitir a regulamentação estabelecida pela Inglaterra. Esse aconte-cimento e uma série de outros inci-dentes contribuíram para abalar as relações diplomáticas com a Inglaterra, situação que só veio a ser contornada durante o período da Guerra do Paraguai39 (1864-1870).

O parlementarismo às avessasEm termos políticos, D. Pedro II promoveu a estabilidade

política no reino, pacificando as províncias e retomando a cen-tralidade adminstrativa conferida pela Constituição de 1824. Uma das grandes façanhas políticas de seu reinado foi a instalação do sistema parlamentarista no país para conciliar os interesses do Partido Liberal e do Partido Conservador. Não havia, do ponto de vista ideológico, grandes diferenças entre esses partidos. Ambos disputavam o poder e, sobretudo, o prestígio do monarca.

É diante desse quadro político que o imperador passou a governar, a partir de 1847, sobre os ditames do parlamentarismo. Em regra, o parlamentarismo monárquico, sistema de governo instituído na Inglaterra após a Revolução Gloriosa, ocorrida em 1688, estabelecia que o Parlamento, ou seja, a assembleia for-mada por representantes políticos eleitos pela sociedade, elegeria entre eles um Primeiro Ministro para administrar o país, caben-do ao rei apenas a missão de representar o país, mas não de administrá-lo. No caso brasileiro, esse sistema foi implementado ao avesso, pois, quem indicava o Primeiro Ministro não era o Parlamento e sim o Imperador.

39 Sobre a Guerra do Pa-

raguai leiam: DORATIOTO,

Francisco. O conflito com o

Paraguai: a grande guerra do

Brasil. São Paulo: Ática, 1996.

Page 87: Formação Sócio-Histórica do Brasil

86 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Comparativo entre o Parlamentarismo inglês e o brasileiro: indicação do 1º Ministro:

Inglaterra Brasil

1º Ministro 1º Ministro

Parlamento Imperador

Mais habilidoso e diplomático que seu pai, D. Pedro II não

impôs sua personalidade forte. Ao contrário, ele procurou

estimular a disputa entre os partidos políticos da época para que

conseguissem a sua atenção, o seu prestígio e posterior indicação a

cargos e concessões imperiais. Dessa forma, conseguiu acalmar

as disputas políticas regionais. Ele ainda indicava os presidentes

das províncias, o que corresponderia hoje aos governadores dos

estados. Na maioria das vezes, os presidentes das províncias

eram homens letrados, cultos e esclarecidos que frequentavam

a sua corte, garantindo assim uma uniformidade na execução de

suas políticas nacionais e evitando disputas locais.

O império e a criação do Instituto His-

tórico e Geográfico Brasileiro - IHGB

Além das realizações econo-

micas e políticas, o Segundo Reinado

notabilizou-se pela construção do idéa-

rio da Nação Brasileira. O país havia

assegurado a unidade território, não

se fragmentando em diversos países

como correu com a América Espanho-

la. Manteve o português como a língua

oficial em todo o território e forjou Pintura D. Pedro II usando a coroa e o cetro imperial

Page 88: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema II | O Império e a manutenção da ordem 87

40 Interpretação apresentada

para justificar a descendência

portuguesa do país, sobre-

tudo, da dinastia que o havia

fundado e que à época gover-

nava o país. Saiba mais a este

respeito lendo: REIS, José

Carlos. As Identidades do

Brasil: de Varnhagen a FHC. 2.

ed. Rio de Janeiro: FGV, 1999.

41 Para conhecer um pouco

da história e da contribuição

do IHGB visite a página da ins-

tituição acessando:

http://www.ihgb.org.br/

a construção de um modelo de unidade nacional baseado na

exaltação dos feitos portugueses40.

Essa interpretação admitia que o país havia sido fundado a

partir da contribuição dos índios, negros e, principalmente, do co-

mando português. Ela foi incialmen-

te pensada pelo Instituto Histórico

e Geográfico Brasileiro, atualmente

mais conhecido por IHGB. Esta insti-

tuição foi fundada em 1838 e – à se-

melhança dos institutos europeus

que no período discutiam a questão

do nacionalismo, dos debates raciais

e do determinismo biológico e geo-

gráfico – também trouxe para o ce-

nário nacional discussões de cunho

nacionalistas necessárias à constru-

ção de um ideal de Nação Soberana.

Evidentemente que essa leitura

foi repensada e rediscutida ao longo

dos anos pelos estudiosos. A própria discussão desenvolvida

neste livro já aponta isso, mas para aquele momento histórico

ela foi importante para contruir o fundamento do Estado Nacional

Brasileiro e para o desenvolvimento de estudos sobre a história,

a geografia, a política e a cultura do país41.

Page 89: Formação Sócio-Histórica do Brasil

88 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Texto Complementar

Os Institutos Históricos: do Patronato de D. Pedro II àconstrução do Tiradentes

Regina Cláudia Callari

Vistos com relativo preconceito hoje em dia por determina-dos setores da comunidade acadêmica, os institutos históricos e geográficos foram pioneiros na coleta e sistematização da docu-mentação histórica, em levantamentos geográficos e em estudos etnográficos e linguísticos. Foram responsáveis, portanto, pela produção de um saber na própria época em que a separação entre campos diversos do conhecimento estava se delineando e que a história reivindicava para si um estatuto científico, alicerça-do em sólida pesquisa documental. Todo esse esforço foi canali-zado para a construção da ideia de nação, buscando no passado exemplos e argumentos que apontassem o caminho glorioso destinado ao Brasil. Entretanto, esses “obreiros da história” não possuíam, obviamente, nenhuma formação específica para o his-toriador nos termos atuais. Eram basicamente membros da elite que ocupavam altos postos na burocracia estatal e políticos de renome. Literatos, advogados, médicos, engenheiros, militares – carreiras de praxe a serem seguidas pelos filhos da elite – eram as principais ocupações daqueles que se dedicavam com afinco aos projetos de seus institutos.

Durante muitos anos o Instituto Histórico e Geográfico Bra-sileiro (IHGB) brilhou solitário como único expoente da produção do saber histórico. Instituição localizada no Rio de Janeiro, sede da corte e, portanto, credenciada a representar toda a nação, reu-niu em seus quadros a nata da sociedade e da intelectualidade da época, aglutinando membros locais – sócios efetivos – e de outras partes do país e do mundo – sócios correspondentes. Sua hegemonia só seria parcialmente quebrada em 1862, com a cria-ção do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano (IAGP),

Page 90: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema II | O Império e a manutenção da ordem 89

este com acentuada preocupação regional. Posteriormente, novos institutos com base local começaram a pipocar, como o de São Paulo, fundado em 1894, e o Mineiro, em 1907, para citar apenas os da região Sudeste. Todos os institutos locais procuravam se filiar, por um lado, ao modelo proposto pelo IHGB – o que pode ser verificado pela comparação dos estatutos, formato das revis-tas e intercâmbio entre seus membros -; por outro, buscavam justamente realçar aspectos da história local, salientando a im-portância da região na composição da história nacional.

O IHGB constituiu-se em instituição pioneira e sólida que, contando com forte subvenção oficial e intervenção pessoal do próprio imperador nos seus 50 primeiros anos, nunca deixou de publicar sua revista. Enquanto instituição mais duradoura e na-cional teve atuação decisiva nos debates historiográficos e na sua divulgação, ainda que de maneira indireta, através dos livros didáticos. O Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), por sua vez, procurou justificar os interesses políticos e econômicos mineiros através do passado – ocupando aí papel central o estudo da Inconfidência Mineira –, que asseguraria o local de destaque ocupado por Minas Gerais dentro da Federação. Acrescentamos ainda o Arquivo Público Mineiro que, embora com funções diferentes, foi uma instituição irmã do Instituto mineiro: não só muitos de seus membros eram comuns como também sua revista foi utilizada para publicações do IHGMG, enquanto este não possuía ainda revista própria.

Fonte: CALLARI, Cláudia Regina. Os institutos históricos: do patronato de D.

Pedro II à construção do Tiradentes. In: Revista Brasileira de História. [online].

2001, vol.21, n.40, pp. 60-61. O artigo completo encontra-se disponível no

endereço eletrônico: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v21n40/a04v2140.pdf

Page 91: Formação Sócio-Histórica do Brasil

90 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Para refletir

Junte-se com seus colegas para discutir o que vocês enten-deram sobre o Segundo Reinado.

Avalie a postura política de D. Pedro II fazendo um contraponto à postura de seu pai, D. Pedro I. Há diferenças?

Analise a postura do Império em relação ao adiamento do fim do tráfico internacional de escravos. Do ponto de vista dos interesses da (os):

• elite imperial;• escravos;• administração imperial, ou seja, do Imperador.

A partir da leitura complementar discuta o papel dos Institutos Históricos para a cultura nacional. Analise o interesse dos primeiros membros dessas instituições.

Coloque suas reflexões no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

Page 92: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema II | O Império e a manutenção da ordem 91

RESUMO

Estudamos alguns dos principais acontecimentos do período imperial (1822-1889). Discutimos a política no Primeiro Reinado, a Constituição de 1824, a divisão dos poderes, a renúncia do Im-perador em favor de seu filho. Vimos como o período regencial foi marcado por instabilidades e incertezas políticas. Fizemos uma reflexão sobre a questão da escravidão, as experiências de resistência escrava e como foi lento e excludente o processo de abolição - processo que não assegurou a devida integração dos ex-escravos à economia e à sociedade. Por fim, foi feito um apanhado da política no Segundo Reinado, discutimos a reorganização da economia, a experiência do parlamentarismo às avessas e a importância do Império para configuração da uni-dade política, territorial e cultural do país, particularmente, cons-truindo um ideal de nação através dos intelectuais do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Observamos, portanto, como os acontecimentos transcor-ridos durante o período colonial, estudados no primeiro tema, quanto os ocorridos no período imperial, estudados neste tema 2, constribuíram para a formação social do povo e da sociedade brasileira. Um herança histórica que precisa ser conhecida, entendida e discutida, sobretudo, para que se possa entender as raízes de nossa atual realidade social. Mas agora é o mo-mento de parar um pouco para descansar. Antes, porém, faça a leitura do texto complementar e reflita sobre as questões relacio-nadas a este último conteúdo.

Page 93: Formação Sócio-Histórica do Brasil
Page 94: Formação Sócio-Histórica do Brasil

REPÚBLICA, CIDADANIA E SEUS DESAFIOS SOCIAIS

Parte II

Page 95: Formação Sócio-Histórica do Brasil
Page 96: Formação Sócio-Histórica do Brasil

A Primeira República e o

Estado Novo3Nesta segunda parte do livro, vamos estudar o republica-

nismo, a cidadania e os seus desafios em meio a uma ordem

capitalista, além da herança histórica e social deixada pelo período

colonial (1500-1822) e pelo período imperial (1822-1889). O ainda

breve período republicano brasileiro teve início em fins do século

XIX – com a derrubada do Estado Unitário monárquico e sua

substituição por um Estado Federal composto por uma federação

de estados –, e estende-se até os dias atuais.

Inserido neste campo de estudo, o primeiro tema abordado

nesta parte busca discutir a implantação e os desdobramentos

da Primeira República (1889-1930), os acontecimentos da

Revolução de 1930, e a imposição e derrubada do Estado Novo

(1937-1945). E em torno desse conjunto de acontecimentos será

discutida a participação de militares e de bacharéis – oriundos da

aristocracia, isto é, da classe dos grandes proprietários agrários

–, na manutenção de uma economia exportadora baseada na

Page 97: Formação Sócio-Histórica do Brasil

96 Formação Sócio-Histórica do Brasil

monocultura, no latifúndio, no coronelismo e na exclusão social.

Na sequência, discutiremos os movimentos sociais ocorridos

nesse período tanto nas cidades como no campo; as consequências

e os desdobramentos da crise de 1929 e da Revolução de 1930,

e ainda a implantação do Estado Novo, seu centralismo político

e administrativo e a questão da substituição das importações e a

consequente industrialização do país.

3.1 MILITARES, OLIGARCAS E A MONOCULTURA DE EXPORTAÇÃO

Discutir a ideia de cidadania42

e seus desafios sociais na República

Brasileira não é simples, assim como

não é simples definir a noção de ci-

dadania como um conceito univer-

sal e atemporal válido para todos os

lugares e em todas as épocas. Ela, a

cidadania, enquanto fenômeno histórico, enlaça a esfera da vida

privada, própria dos indivíduos, e a esfera da vida pública, im-

bricadas pelas teias de significados da sociedade e de suas insti-

tuições, em meio aos processos sociais que homens e mulheres

estabelecem em cada momento histórico. Desta forma, a noção

de cidadania ou de sua busca, enquanto ideal, deve ser pensada

a partir do jogo de experiências e expectativas da realidade his-

tórica da qual os indivíduos tomam parte.

É à luz deste entendimento que essa segunda parte do li-

vro busca descortinar como a construção da cidadania brasileira,

ainda que limitada, começou a ganhar corpo a partir do fim do

Estado Monárquico, em 1889, com o fim da escravidão – mas

ainda sem garantir direitos sociais e políticos a todos e a todas –, e

tem se estendido em meio a lutas sociais e a políticas de governo

42 “A cidadania é um duplo na

identidade do homem. Na es-

fera individual, cada um é úni-

co e inigualável; na esfera pú-

blica, cada um é um cidadão,

teoricamente igual a todos os

outros assim considerados”

(PEREIRA, 1993, p. 20)

Page 98: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema III | A primeira república e o estado novo 97

como ponto essencial para o desenvolvimento social, humano e

democrático do país43. A Primeira República, como

convencionalmente nos referimos ao período de 1889 a 1930, estabeleceu um novo arranjo federativo que veio a substituir as antigas províncias admi-nistradas, durante o Estado Unitário, centralizado e monárquico, por uma federação de Estados “autônomos”, “descentralizados” e republicanos. Nascia ali os Estados Unidos do Brasil, uma espécie de espelho distorcido dos Estados Unidos da América.

Dessa forma, o novo modelo constitucional do país em consequên-cia da queda do Império e da implan-tação da República – proclamada em 15 de novembro de 188944 – procurou ajustar-se à realidade sociopolítica do país. E dentro dessa perspectiva, o Marechal Deodoro da Fonseca, à frente do governo provisório republicano, convocou a “Comissão dos Cinco45” para elaborar o anteprojeto da Cons-tituição que, votada, foi promulgada a 24 de fevereiro de 1891.

Influenciada pelo positivismo e pelas aspirações federalistas, a primeira Constituição do Brasil, no período republicano, adotou a Federação como forma de Estado, extinguiu as províncias, antiga divisão administrativa do Estado Unitário, ao tempo em que as elevou à condição de estados federados da República do Brasil. O entendimento conceitual acerca do que é uma Federação ou um Estado Federal relaciona-se a um Estado, em sentido amplo,

43 Saiba mais a respeito da

cidadania na Primeira Repú-

blica lendo o artigo CRUZ,

José Vieira da. A cidadania no

alvorecer da república brasi-

leira. Disponível no endereço

eletrônico:

http://www.jornaldacidade.

net/2008/noticia.php?id=49314

44 Liberdade, liberdade Abra

as asas sobre nós E que luz

da igualdade Resplandeça

nossa voz [...] (Trecho do Hino

da Proclamação da República

Federativa do Brasil. Música

disponível em:

http://www.dominiopublico.

gov.br/pesquisa/DetalheObra-

Form.do?select_action=&co_

obra=2215 )

45 Entre os membros desta

comissão, cabe destacar os

trabalhos do jurista baiano

Ruy Barbosa.

Page 99: Formação Sócio-Histórica do Brasil

98 Formação Sócio-Histórica do Brasil

composto por diversas entidades territoriais autônomas dotadas de governo próprio, denominadas de “estados”, em sentido res-trito. Como regra geral, “estados federados” ou “estados mem-bros” unem-se para constituir o “Estado Federal”. Contudo, so-mente o Estado Federal é considerado soberano, e por isso possui sentido amplo. Dessa forma, o sistema político pelo qual vários estados se reúnem para formar um Estado Federal, cada um conservando sua autonomia, chama-se federalismo.

É interessante observar que apesar da inspiração federa-lista, tomar como referência o modelo dos Estados Unidos da América – no caso deles, o federalismo é fruto da união de Esta-dos soberanos originados da emancipação política e econômica das Treze Colônias Inglesas, ocorrida no século XVIII, isto é, de Estados, em sentido amplo, que se uniram em torno de uma fe-deração formando um Estado Federal –, a situação brasileira é diferente, na medida em que aqui ocorreu primeiro uma mudan-ça de nomenclatura e depois a elevação das antigas províncias à condição de estados, em sentido restrito, sem conferir-lhes sobe-rania. Em resumo, lá houve a junção de Estados soberanos, aqui houve a nomeação dos estados para formar o pacto federativo.

O federalismo estadunidense, ou seja, dos Estados Unidos, portanto, buscou desde o seu início atender os objetivos comuns dos seus entes federados, ou seja, Estados Soberanos, preser-vando a autonomia de cada um para legislar sobre assuntos ju-rídicos de ordem civil, penal e administrativa. A organicidade do federalismo estadunidense, portanto, não pode ser comparada ao federalismo brasileiro. Este foi formado a partir de um Estado Unitário e que não possibilitou às unidades de sua federação le-gislar sobre assuntos de ordem penal, civil, previdenciária, elei-toral, tributária, financeira, entre outras.

46 Aprofunde os seus conhe-

cimentos sobre as discussões

a respeito do federalismo

lendo: DALLARI, Dalmo de

Abreu. O Estado federal. São

Paulo: Ática, 1986.

Page 100: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema III | A primeira república e o estado novo 99

A relação de autonomia entre os entes formadores do Estado Federativo do Brasil – União, estados, municípios e o Distrito Federal – talvez seja uma das questões mais controversas e de disputas em nossa história republi-cana. Neste sentido, o problema do federalismo tem sido recorrentemente colocado nos debates e na agenda política da história republicana no Brasil47.

A primeira Constituição republi-cana assumiu a República Federativa como forma de governo e passou a denominar o país como República dos Estados Unidos do Brasil. Adotou o presidencialismo como sistema de governo e assumiu o tripartismo, isto é, a divisão orgânica do Estado em três poderes, em lugar de quatro, como a repartição decorrida no Império. Esta divisão de poderes tam-bém adotava, pelos menos em termos teóricos, os princípios de independência e harmonia entre si.

Divisão de Poderes a partir da Constituição de 1891

PODER EXECUTIVO

exercido pelo Presidente da República com o auxílio dos Ministros de Estado

PODER LEGISLATIVO

exercido pelo Congresso Nacional, o qual era composto pela Câmara dos Deputados e

pelo Senado Federal(ambos eleitos para mandatos temporários)

PODER JUDICIÁRIO

exercido por juízes, sendo o Supremo Tribunal Federal (STF) o órgão de cúpula

do poder judiciário (composto por 15 ministros, sendo que um deles era nomeado Procurador Geral da República por iniciativa

do Presidente)

47 Aprofunde os seus co-

nhecimentos a respeito dos

problemas do federalismo

brasileiro lendo: ARRETCHE,

Marta. Federalismo e políticas

sociais no Brasil: problemas

de coordenação e autonomia.

In: São Paulo em perspectiva.

[online]. 2004, vol.18, n.2, pp.

17-26.

Page 101: Formação Sócio-Histórica do Brasil

100 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Ainda, a respeito da Constituição de 1891, é precisomencionar:

I - Instituição do cargo de vice-presidente da República;

II - Instituição do habeas-corpus – uma ordem do juiz com-petente para impedir ou fazer cessar uma prisão injusta. Esta in-justiça podia provir da falta de uma causa legal para a prisão, a nulidade do processo de que ele resultou, e/ou da incompetência da autoridade que a determinou;

III - O sufrágio universal passou a ser direito para os cidadãos masculinos, maiores de 21 anos, independente da renda, extinguindo-se o voto censitário – condição existente durante o império segundo a qual só podia participar das eleições quem comprovasse uma determinada renda –, muito embora a Constituição proibisse expressamente o voto dos mendigos. Também permaneceram sem o direito a voto os religiosos, os praças em prestação do serviço militar e os analfabetos. Em relação às mulheres, a Constituição de 1891 também se omitia em relação ao direito do voto feminino (Art. 69 da Constituição Federal de 1891);

IV - O Estado Republicano tornou-se leigo, não reconhe-cendo a Igreja Católica como religião oficial do Estado, como ocorreu no período Imperial.

A partir da Constituição de 1891, institui-se de modo pendular, isto é, de modo extremo, a inversão do centralismo administrativo e político rumo a uma descentralização acentuada, com maior autonomia para os estados membros que constituíam a federação brasileira ou Estado Federal Brasileiro. Neste período, têm início as políticas dos governadores, também chamada de

Page 102: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema III | A primeira república e o estado novo 101

política do café-com-leite – arranjo político que assegurava autono-mia aos estados, ao passo que estabelecia uma rede de compro-missos e favores entre eles. Essa teia de favores e compromissos culminava com a alternância de representantes paulistas, as-sociados à cafeicultura, e de representantes mineiros, associados ao agronegócio leiteiro, à frente da presidência da República.

Mas como os civis chegaram ao poder? A República não havia sido proclamada pelos militares? Veja bem, os militares de fato proclamaram a República, mantiveram a ordem social e econômica, aprovaram a constituição de 1891 e ainda gover-naram o país de 1889 a 1894. Após esse período de governo, chamado pelos estudiosos de República da Espada, o Marechal Floriano Peixoto, que havia substituído Deodoro da Fonseca, entrega o poder aos civis. Inaugura-se ali uma tradição da partici-pação dos militares na política nacional – estabelecendo a ordem nos momentos de instabilidade para em seguida retornarem aos quartéis.

A partir de 1894, após a saída dos militares do comando político do país, as oligarquias regionais, isto é, grupos fechados e pequenos que controla-vam o poder, geralmente formados por familiares de grandes proprietários, passaram a disputar o controle do poder político em seus respectivos estados – fe-nômeno denominado de conflito intraoligárquico, ou seja, dispu-ta entre as oligarquias locais pelo poder –, e também passaram a estabelecer disputas interoligárquicas, ou seja, disputa entre as oligarquias estaduais pelo poder político nacional.

Marechais Deodoro da Fonseca, à esquerda, e Floriano Peixoto, à direita

Page 103: Formação Sócio-Histórica do Brasil

102 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Disputas Oligárquicas

Intraoligárquico Interoligárquicos

disputa entre as oligarquias locais pelo poder

disputa entre as oligarquias estaduais pelo poder político nacional.

A partir da década de 1920, os conflitos interoligárquicos e intraoligárquicos promoveram a substituição das oligarquias tra-dicionais por outras, através de processo de intervenções co-nhecido como as Políticas das Salvações. Em 1926, com a Refor-ma Constitucional, objetivou-se eliminar a anarquia intraestadual e ao mesmo tempo introduzir um freio à prepotência do mando-nismo regional e local, fortalecendo o presidente da república, instrumentalizando-o com o poder de veto. A reforma de 1926 não afastou os aspectos negativos do período. Estes aspectos possibilitaram a Revolução de 1930. Mas isso é assunto para os próximos conteúdos. Por ora, é importante observar que a nova ordem política por um lado manteve e defendeu os interesses das elites econômicas nacionais, sobretudo os interesses associados ao setor agrário-exportador, e, por outro, não asse-gurou a incorporação de conquistas sociais e melhor condição de vida à grande maioria dos cidadãos brasileiros.

Texto Complementar

Oligarquias agrárias, o estado e o espírito do neoliberalismono Brasil

Marcelo Rosa

“Porém, a dependência do Estado em relação aos senhores não era uma via de mão única, afinal, ao longo do tempo, com a consolidação das estruturas administrativas, o exercício privado do poder passou a depender diretamente dos órgãos do Estado.

Page 104: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema III | A primeira república e o estado novo 103

No equilíbrio histórico de poder, nas primeiras décadas do século XX, o peso do aparato estatal passou a ser maior que o privado. Tal mudança foi caracterizada por Leal (1987)48 como sendo o fenômeno do “coronelis-mo49”: um processo político domina-do por uma relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido. Nas palavras do autor, “o simples fato do compromisso presume certo grau de fraqueza de ambos os lados, também do poder público” (LEAL, 1987, p. 276). A fraqueza do poder público es-taria justamente na sua face eleitoral, pois o principal modo de se arrebanhar as massas rurais para as eleições nacionais foi (e parece continuar sendo) a aliança com os grandes homens de terra do interior do país, ou, como eram conhecidos no passado, com os coronéis. Contemporaneamente, o fenômeno se cristaliza com a existência, no Congresso Nacional, de uma bancada ruralista que se mobiliza toda vez que os inte-resses dos grandes proprietários são ameaçados pelo Governo, principalmente, quando o tema está relacionado a subsídios às grandes lavouras.”

Fonte: ROSA, Marcelo. Oligarquias agrárias, o estado e o espírito do neolibe-

ralismo no Brasil. In: GRIMSON, Alejandro En publicacion: cultura y neolibera-

lismo. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. Buenos Aires;

Julio, 2007, p. 114. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/

libros/grupos/grim_cult/Rosa.pdf

48 A referência em tela en-

contra-se em: LEAL, Victor

Nunes. Coronelismo, enxada

e voto. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1987.

49 Uma dica para auxiliar a

compreensão desse conceito

é a leitura do artigo: PEIXOTO,

Celina Vargas do Amaral. Co-

ronelismo, enxada e voto. In:

Jornal o Globo, 10/02/2000.

Disponível em:

http://www.iets.org.br/biblioteca/

Coronelismo_enxada_e_votos.pdf

Page 105: Formação Sócio-Histórica do Brasil

104 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Para refletir Após a leitura sobre o período de transição entre o Império

e a República, procure responder:

O que você entendeu sobre a participação dos militares na Proclamação da República?

O federalismo brasileiro pode ser comparado ao estadu-nidense, ou seja, ao dos Estados Unidos da América? Justifique sua resposta.

A Primeira República assegurou conquistas para que setores da sociedade? Escreva sua interpretação a respeito.

Coloque suas reflexões no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

3.2 MOVIMENTOS SOCIAIS NO ALVORECER DA REPÚBLICA

A Primeira República ou República dos Coronéis caracte-rizou-se pela manutenção da ordem econômica baseada no la-tifúndio e na monocultura de produtos tropicais voltados para a exportação – sobretudo para as lavouras de café, no Sudeste, e as de cana-de-açúcar, no Nordeste. Outro aspecto a ser des-tacado foi a manutenção da ordem social, cuja preservação da hierarquia entre a elite dirigente, que continuava a usar os re-cursos públicos para atender a seus interesses, encontrava-se em oposição à grande parte da população, que sem a possi-bilidade de contar com um Estado que garantisse direitos e com políticas públicas voltadas para o desenvolvimento social estavam entregues a toda sorte de instabilidades e incertezas.

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Tema III | A primeira república e o estado novo 105

Não é sem razão que ao longo dessa primeira fase do período republicano irão ocorrer uma série de revoltas e de rebeliões tanto no campo como na cidade. Em maior ou menor intensidade, esses movimentos revelavam disputas sociais, in-satisfação com a estrutura social e a ausência do Estado. Entre os movimentos sociais ocorridos nesse período focalizaremos nossa atenção na Guerra de Canudos, na Revolta da Vacina, no Cangaço, e no Tenentismo.

A Guerra de Canudos

Mapa da região onde ocorreu a Guerra de Canudos

A Guerra de Canudos, ocorrida

entre 1896 a 1897, segundo Berthold

Zilly, estudioso da temática, foi um

dos atos fundadores da República Bra-

sileira. Acontecimento imortalizado na

“magia da retórica pictorial e teatral

de Euclides da Cunha em Os sertões50

50 Referência completa da

obra: CUNHA, Euclydes da.

Os sertões: campanha de

Canudos. 38. ed. Rio de Janeiro:

Francisco Alves, 1997. Assista

também ao documentário a

respeito do tema, disponível

em:

h t t p : / / w w w. y o u t u b e . c o m /

watch?v=FbuddDK-2QY

Page 107: Formação Sócio-Histórica do Brasil

106 Formação Sócio-Histórica do Brasil

(1902), evento inesquecível do imaginário do país, crime trágico

e trauma coletivo” (ZILLY, 1999, p. 105). Para Zilly (1999), a des-

crição do conflito ocorrido no interior da Bahia, às margens do Rio Vaza-Barris, reflete não apenas a problemática da identidade nacional brasileira, estabelecida no confronto entre o litoral e o interior, como também o “embate entre a civilização expansionista e as tradicionais” (idem, ibidem).

O conflito em apreço ocorreu em um contexto social, no final do século XIX, em que o abandono por parte do governo, por causa da falta de uma política de desenvolvimento social que abrangesse a totalidade do território brasileiro, promoveu a miséria e a violência cotidiana. De modo que, para esta região, o Estado oportunizava poucas alternativas econômicas e sociais para os homens e as mulheres, sobretudo, no que se refere ao acesso à posse da terra. Dessa forma, essa população abando-nada pelo poder público, entregue à própria sorte e influenciada por movimentos religiosos de caráter messiânicos – religiosos que acreditavam na vinda do messias e em dias melhores – criou um sistema social fechado e independente dentro do Estado bra-sileiro. A Guerra de Canudos tornou-se o marco de um dos con-flitos de ordem civil-militar dos mais graves de nossa história51.

Este conflito civil, iniciado em novembro de 1896, no sertão da Bahia, estendeu-se até 05 de outu-bro de 1897. A composição deste movimento era constituída por ex-jagunços, homens e mulheres livres pobres e ex-escravos. Em comum, entre eles, estava a esperança em conseguir um pedaço de terra para plantar e criar seus animais – meios necessários à sobrevivência e a uma vida melhor, distante da fome e da

51 Saiba mais sobre os mo-

vimentos sociais influencia-

dos por questões religiosas

lendo: GIUMBELLI, Emerson.

Religião e (des)ordem social:

contestado, Juazeiro e Canu-

dos nos estudos sociológicos

sobre movimentos religiosos.

Dados [online]. 1997, v. 40, n.

2. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000200004&lang=pt

Page 108: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema III | A primeira república e o estado novo 107

miséria. Este grupo era liderado por um religioso, do chamado catolicismo popular, conhecido como o beato Antônio Conselheiro.

Antônio Conselheiro fez duras críticas à República, especialmente sobre a instituição da obrigatoriedade do casa-mento civil no lugar do casamento religioso e sobre o pesado fardo dos impostos que foram imputados à população. Comba-tendo os pecados da República e anunciando uma nova vida em uma terra prometida, Conselheiro se converteu em esperança para milhares de nordestinos que passaram a acompanhá-lo. Fato que incomodou as lideranças políticas locais, estaduais e nacionais.

Essas lideranças, então, passaram a se articular. A mobi-lização do exército foi consequência disso, na medida em que havia a necessidade de resolver uma questão de cunho religioso e social, mas que interferiria em questões de cunho econômico. Em outras palavras, pode-se dizer que devido ao abandono por parte do governo e, também devido ao problema da dificuldade do acesso a terra, pois esta era negada à grande parte daquela população, a solução de acabar com o movimento que crescia dia a dia foi usar a mão forte do Estado, no caso, o Exército enquanto agente repressor, para reprimir qualquer tentativa que atentasse contra os donos do poder.

Em suma, a respeito da Guerra de Canudos podemos concluir que ela revelou a situação de miséria e esquecimento em que se encontravam os homens e as mulheres do sertão nordestino, abandonados tanto por monarquistas como por republicanos. A ordem política do país havia mudado, mas os problemas sociais, o acesso a terra, as práticas de mandonis-mos, isto é, abuso da autoridade, e de patrimonialismo – uso dos recursos públicos para fins particulares –, persistiam. Estas ques-tões se agravaram nos anos seguintes, ou seja, nas três primeiras décadas do século XX – período em que as questões sociais foram tratadas como caso de polícia e não enquanto assuntos

Page 109: Formação Sócio-Histórica do Brasil

108 Formação Sócio-Histórica do Brasil

de políticas públicas como deveriam ter sido. Em termos sociais, a violência oficial foi usada, através da mobilização de tropas do Exército, oriundas de várias partes do país, como a solução mais rápida para calar e pôr fim àqueles que lutavam por direitos sociais e melhores condições de vida no interior do sertão nordestino. Um luta representativa de tantos outros conflitos decorridos ao longo da história brasileira nas quais índios, negros e trabalhadores sem terra lutaram, e ainda hoje lutam, por seus direitos, por sua dignidade, por um pedaço de terra e, por que não dizer, por sua cidadania?

Revolta da Vacina A realidade urbana do país

no início do século XX também não era ideal. As cidades cres-ceram sem ou quase nenhum planejamento, o que acarretou sérios problemas de trans-portes e, sobretudo, de higie-ne e saúde. O Rio de Janeiro, sede administrativa da Colônia

desde 1763, capital do Império e da República, não era uma realidade diferente.

A falta de saneamento e condições de higiene eram as prin-cipais razões dos surtos de epidemias que acometiam as cidades brasileiras, no período. Entre as principais doenças tropicais que alastravam e acometiam a população estava a febre amarela, a varíola e a peste. Mais que uma necessidade de promover o de-senvolvimento de ações de saúde pública, a proliferação dessas doenças tropicais começaram a provocar sérios prejuízos à ima-gem e às finanças do país. Como na cidade do Rio de Janeiro também se localizava um dos principais portos da América do Sul, o anúncio dessas epidemias impedia e, também, espantava na-

Charges da Revolta da Vacina

Page 110: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema III | A primeira república e o estado novo 109

vios e comerciantes dos portos brasileiros, sobretudo o do Rio de Janeiro.

Para resolver a questão, o governo convocou o sanitarista Oswaldo Cruz para reestruturar a questão da saúde pública na capital da República. Percebendo a gravidade da situação, Oswal-do Cruz toma medidas fortes, alguns delas impopulares, com o intuito de sanear, higienizar e resolver a questão das epidemias. Somado a essas medidas, o plano de reestruração urbana do presidente Rodrigues Alves (1902-1906), buscando modernizar a cidade, inicia o trabalho de demolição de cortiços e casebres na região cen-tral da Capital Federal.

Revoltada, a população mais pobre promoveu um motim popular, que explodiu em 11 de novembro de 1904. Deflagrava-se ali a “Revolta da Vacina52”. Segundo as autoridades po-liciais, que chegaram a atirar contra a multidão, 23 pessoas morreram e 67 ficaram feridas, e aproximadamente 1000 pessoas foram presas e deporta-das para outros estados.

O CangaçoEntre os elementos que favore-

ceram o surgimento do cangaço, en-quanto fenômeno social, podem-se acrescentar dados históricos ligados à estrutura sócio-político-econômica da região nordestina como o coronelis-mo, o mandonismo e as práticas patriarcalistas, além de fenôme-nos climáticos da região do semiárido. Esses quatro aspectos, o social, o político, o econômico e o climático, forjam uma das

52 “Tiros, gritaria, engarrafa-

mento de trânsito, comércio

fechado, transporte público

assaltado e queimado, lam-

piões quebrados à pedradas,

destruição de fachadas dos

edifícios públicos e privados,

árvores derrubadas: o povo

do Rio de Janeiro se revolta

contra o projeto de vacinação

obrigatório proposto pelo sa-

nitarista Oswaldo Cruz” (Gaze-

ta de Notícias, 14 de novem-

bro de 1904).

Cangaceiros

Page 111: Formação Sócio-Histórica do Brasil

110 Formação Sócio-Histórica do Brasil

imagens mais populares do sertão nordestino: o sertão de terra

cinza ou vermelha, de desvalidos sociais e do cangaço.

O cangaço é, portanto, um dos elementos identitários que

constituem, não apenas a identidade sertaneja e nordestina, mas,

principalmente, a identidade brasileira. Enquanto fenômeno so-

cial, o cangaço representa um traço marcante característico do

Nordeste brasileiro, que envolve acontecimentos ocorridos em

um período peculiar da história nacional entre o final do século

XIX e o período do Estado Novo (1937-1945). Ele revela indivídu-

os e grupos armados que se rebelam contra a ordem social e po-

lítica e passam a praticar ações em nome de sua honra e visando

o autointeresse pessoal.

Para alguns os cangaceiros

representavam uma forma de ban-

didagem, para outros eles foram ho-

mens que se revoltaram contra injusti-

ças e arbitrariedades praticadas pelos

coronéis. O que nos interessa des-

tacar sobre o assunto é que o cangaço

se configura em momento histórico em

que o Estado praticamente encontra-

va-se ausente nessa região do sertão

nordestino. Nesse espaço-tempo, as leis que vigoravam tinham

como ponto de apoio os interesses particulares dos coronéis.

Neste vácuo das instituições públicas, arranjos sociais como o

cangaço e o coronelismo denunciavam a fragilidade da socieda-

de e da cidadania brasileira53.

53 Aprofunde seu conheci-

mento sobre o bando de Lam-

pião, um dos mais renomados

cangaceiros, lendo: GRUNS-

PAN-JASMIN, Élise. Lampião

- senhor do sertão: vidas e

mortes de um cangaceiro.

Tradução Maria Celeste Fran-

co Faria Marcondes e Antônio

de Pádua Danesi. São Paulo:

Editora da Universidade de

São Paulo, 2006.

Page 112: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema III | A primeira república e o estado novo 111

Movimento tenentista

Movimento Tenentista e a Revolução de 1930

Segundo Boris Fausto, os tenentes se colocavam “como responsáveis pela salvação nacional, guardiões da pureza das instituições republicanas, em nome do povo” (1997, p. 81). E ao evocar, isto é, ao recuperar no imaginário político e social, a memória da participação dos militares nos acontecimentos

Page 113: Formação Sócio-Histórica do Brasil

112 Formação Sócio-Histórica do Brasil

relacionados à proclamação da república possibilitou a identifi-cação do movimento aos ideais republicanos. Apoiados na pre-missa, ou seja, na perspectiva de que eles, os tenentes, seriam os guardiões dos interesses nacionais e os porta-vozes do povo brasileiro, desencadearam ao longo da década de 1920 uma sé-rie de movimentos político-militares e de rebeliões que ficaram conhecidas como movimento tenetista.

Entre os movimentos desse período destacam-se: a Re-volta dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922; a Revolução de 1924 e a Coluna Prestes. Nestes movimentos, jovens oficiais de baixa patente do Exército Brasileiro, descontentes com a situa-ção política do Brasil, e incomodados com a falta de perspectiva de ascessão na carreira militar, passaram a protestar contra os vícios do sistema eleitoral, das práticas coronelistas e da política dos governadores. Esta, como já estudamos, mantinha alterna-damente mineiros e paulistas na presidência do país.

Os tenentistas se mantiveram próximos à corrente de pen-samento positivista. Esta corrente foi a responsável por dar sus-tentação teórica ao golpe militar que culminou com a instalação da república. Os militares evitaram proferir uma opção político-partidária, tentando manter a imagem de neutralidade do Exér-cito. A Coluna Prestes54, comandada por Luís Carlos Prestes, foi o movimento que maior repercussão teve, percorrendo vários estados do país até se desfazer na Bolívia sem ter sofrido uma única derrota.

Em termos políticos, o movi-mento tenentista não conseguiu mu-dar a estrutura política do país. Entre-tanto, o movimento conseguiu que demandas referentes a ques-tões dos jovens oficiais fossem atendidas, além de promover a formação de importantes quadros militares que foram, mais à frente, incorporados pela política brasileira a partir da Revolução

54 A respeito da Coluna Pres-

tes, consulte o Dicionário Polí-

tico Marxista. Disponível em:

http://www.marxists.org/portu-

gues/dicionario/verbetes/c/colu-

na_prestes.htm

Page 114: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema III | A primeira república e o estado novo 113

de 1930 e, sobretudo, pela política de interventorias e intendên-cia que seria colocada em prática pela ditadura do Estado Novo.

Para refletir

A partir da leitura do conteúdo apresentado:

O que você entendeu sobre os movimentos sociais no alvorecer da república brasileira?

A partir das discussões apresentadas, escreva, com suas próprias palavras, sua interpretação a respeito da situação econômica e social, no Brasil, das(os):

a) Elites políticas

b) Homens e mulheres comuns

O acesso a terra foi uma das questões centrais na Guerra de Canudos. A partir desta assertiva, como você avalia as atuais tensões entre os movimentos sociais e os grandes proprietários de terra atualmente existentes no país? Existem semelhanças e diferenças?

Assista ao documentário sobre a História do Brasil55, coordenado pelo historiador Boris Fausto. A seguir, es-creva com suas palavras um pequeno resumo sobre a parte do documentário que se refere ao papel dos movimentos sociais na Primeira República.

Coloque suas reflexões no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

55 Vídeo disponível em:

http://www.dominiopublico.

gov.br/pesquisa/DetalheObra-

Form.do?select_action=&co_

obra=20448

Page 115: Formação Sócio-Histórica do Brasil

114 Formação Sócio-Histórica do Brasil

3.3 A CRISE DE 1929 E A REVOLUÇÃO E 1930

A economia brasileira na Primeira República, como já estudamos, manteve-se apoiada na monocultura de produtos tropicais para exportação e na importação de produtos indus-trializados. Este modelo atendia aos interesses das elites oligár-quicas, isto é, dos grandes proprietários agrários, que dirigiam o país. Esse processo agrário-exportador funcionou bem até que os efeitos da crise da economia mundial, de 1929, atingissem o setor econômico brasileiro.

Esta crise mundial foi provocada pela desvalorização drás-tica e acentuada das ações da bolsa de valores da cidade de Nova York. Esta desvalorização colocou a economia mundial em uma profunda repressão econômica devido à quebradeira que se ins-talou entre as indústrias e, consequentemente, no comércio dos Estados Unidos, além de se alastrar por muitos países no mundo. A esse acontecimento foi dado o nome de o “Crack de 1929” ou a “Crise de 1929”. Entre os efeitos dessa depressão verificou-se o aumento das taxas de desemprego, a queda da produção indus-trial, além da desvalorização de ações e fechamento de bancos e empresas.

E qual o efeito dessa crise para o Brasil? Essa crise afetou a lógica da economia mundial até então assentada na divisão entre países que importavam matéria-prima e exportavam mercado-rias industrializadas, e países que exportavam suas matérias e importavam mercadorias industrializadas e serviços, como era o caso do Brasil. A partir desta crise, esse modelo teve de ser repensado e muitos países, como foi o caso do Brasil, passaram a estimular a industrialização interna com o objetivo de substituir as exportações.

Mas, como isso aconteceu? Veja, o Brasil era um dos maio-res produtores e exportadores mundiais de café, além de ser também um dos grandes produtores e exportadores de açúcar,

Page 116: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema III | A primeira república e o estado novo 115

essas lavouras tropicais, baseadas no latifúndio, não apenas sustentavam a economia nacional, como também reunia os in-teresses de seus proprietários em torno do controle e direção política do país. Essa elite, entretanto, desde a década de 1920, já vinha se envolvendo em disputas e conflitos intraoligárquicos e interoligárquicos56, e com a crise econômica mundial, esse processo de desgaste entre as elites políticas nacionais se intensificaram. Fato que resultou na Revolução de 1930.

55 Conteúdo já estudado no

conteúdo 3.1 Militares, oligar-

cas e a monocultura de expor-

tação.

Então, a Crise de 1929 contribuiu para que o Brasil deixasse de ser uma economia exportadora de matérias-primas e iniciasse o processo de industrialização? É evidente que a desorganização do sistema capitalista contribuiu para a aceleração da industria-lização nos países periféricos, ou seja, nos países que estavam fora do círculo das grandes economias industriais como a dos Estados Unidos e de parte da Europa. Assim como corroborou

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116 Formação Sócio-Histórica do Brasil

para a desarticulação de seus sistemas políticos. No caso do Brasil, a crise contribuiu para o fim da política do café-com-leite ou polí-tica dos governadores, e colocou em questão o domínio político das oligarquias. Acontecimento político que foi configurado com a Revolução de 1930.

Analisando os efeitos da crise econômica mundial sobre o significado político da Revolução de 1930, Luciano Martins56, estudioso do tema, sobretudo no que se refere à industrialização, chama a atenção para o fato de que esse pro-cesso só foi válido para aquelas na-ções que, como o Brasil, já haviam iniciado sua industrialização. Em ou-tras palavras, o Brasil só pôde intensificar seu processo de indus-trialização na década de 1930, beneficiando-se da crise interna-cional, porque já possuía uma indústria de bens de consumo não duráveis instalada, como por exemplo indústrias de alimentos, materiais de construção, vidros, tecidos, entre outros; também porque os efeitos produzidos pela crise de 1929 no Brasil se ma-nifestaram muito mais no âmbito econômico que no político; e porque o avanço da industrialização, ocorrido nas décadas de 1920 e 1930, não conseguiu completar todo o processo de indus-trialização e o processo de urbanização. Processos que levariam o país à condição de desenvolvido.

O surto de industrialização limitava-se a alguns pontos do território nacional, sobretudo à região Sudeste e nela ao estado de São Paulo – à época, sendo o principal produtor de café, no Oeste Paulista. Fato que explica, pelo menos em parte, uma das raízes do crescimento diferenciado entre as regiões do Brasil. Evidentemente que para entender essas desigualdades, fatores como a postura conservadora e empreendedora de cada uma das elites regionais, respectivamente, devem ser observados, assim como a atenção que o governo federal dispensava a cada setor econômico e região do país.

56 MARTINS, Luciano. A revo-

lução de 1930 e seu significa-

do político. In: A revolução de

30: seminários pelo CPDOC.

Rio de Janeiro: FGV, 1980, pp.

671- 689.

Page 118: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema III | A primeira república e o estado novo 117

Em relação aos limites desse processo de industrialização, um segundo argumento é levantado, o de que durante a fase mais aguda da crise econômica de 1929 o setor industrial pres-cindiu, ou seja, necessitou da intervenção do Estado para sua expansão, beneficiando-se das políticas públicas destinadas a sustentar o setor agroexportador. Fato que demonstra que os interesses agrários e industriais não eram conflitantes, mas convergentes. Isto explica também o porquê de os revolucionários de 1930 não terem desenvolvido uma estratégia deliberada para fortalecer o processo de industrialização, e a razão de São Paulo, o estado mais industrializado da federação, ter se voltado contra a Revolução de 1930.

Por que São Paulo se voltou contra a Revolução de 1930? Essa questão é muito interessante, pois ela revela a ruptura da política do café-com-leite, segundo a qual a presidência do Brasil deveria ser alternada entre paulistas e mineiros, e ao mesmo tempo inaugura um período no qual as oligarquias dissidentes, mesmo tendo chegado ao governo, através de um golpe de Esta-do, passam a enfrentam uma crise de representatividade, isto é, de legitimidade política que só seria resolvida com outro golpe – o golpe de 1937 – e o estabelecimento do Estado Novo (1937-1945).

Mas antes de estudarmos o Estado Novo, assunto do próximo conteúdo, é preciso entender que a quebra da política dos governa-dores pelo presidente Washington Luís foi um dos fatos respon-sáveis pelo descontentamento das oligarquias dissidentes dos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul. Washing-ton Luís, ao invés de indicar um candidato mineiro para ser seu sucessor no governo, indica um paulista, no caso Júlio Prestes. Este vence a disputa eleitoral devido ao sistema eleitoral da épo-ca – um sistema conhecido pelas fraudes, compras de votos e o conhecido “voto de cabresto”, afinal, a eleição era aberta e os próprios candidatos eram quem realizavam a organização e a apuração dos resultados. Em decorrência desse desarranjo polí-

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118 Formação Sócio-Histórica do Brasil

tico, as forças políticas dissidentes mobilizaram as forças armadas e, comandadas pelo gaúcho Getúlio Dorneles Vargas, tomam o poder político do país dos paulistas, isto é, de Júlio Prestes.

Então, foi por isso que os paulistas não aceitaram a Revo-lução de 1930? Por que perderam o controle político do país? A resposta a essa pergunta também é muito importante. Então, vejamos! Embora tenhamos uma tendência a simplificar os signi-ficados que os acontecimentos possuem e a generalizar impres-sões que temos sobre determinados fatos, é preciso atentar para o entendimento que dentro da oligarquia paulista existiam dis-sidências, os chamados conflitos intraoligárquicos, que tinham sido solidários aos revolucionários de 1930. Por outro lado, o governo revolucionário provisório instituído por Getúlio Vargas, embora não tenha deixado de dar atenção a São Paulo, o esta-do brasileiro mais importante economicamente, não conseguiu atender às demandas econômicas de seus políticos liberais. En-tre elas a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e a aprovação de uma nova Constituição para o país. Por esta razão, tanto liberais como os conservadores, ressentidos pela perda do poder político, uniram-se para exigir do governo pro-visório que fossem realizadas mudanças na política nacional. O resultado desse alinhamento político foi a deflagração da Revolução Constitucionalista de 1932, motivado pelas exigências paulistas. O governo provisório, por sua vez, conseguiu, com o apoio de outros estados da federação, derrotar os revolucionários paulistas, entretanto se viu obrigado a convocar a Assembleia Constitucional de 1934 e reconhecer a Constituição que ali fora aprovada.

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Tema III | A primeira república e o estado novo 119

A Constituição de 1934A constituinte e a nova carta nas-

ceram, portanto, de duas revoluções: a de 1930 e a de 1934. A primeira tinha um ideário liberal e a segunda, causas econômicas que refletiam os interes-ses da revolução constitucionalista de 1932, ocorrida em São Paulo. O novo texto constitucional surgiu em meio a três grandes forças: liberalismo res-tauracionista; plutocracia paulista, isto é, a influência do grupo político mais forte; e o projeto de modernização autoritária Varguista, que centralizava recursos públicos e o poder de decisão política.

Votada e promulgada em 1934, o novo texto constitucional preocupou-se com questões sociais, mas manteve a estrutura da constituição de 1891, ou seja, a federação como forma de Estado, a República como forma de governo, o presidencialismo como sistema de governo e a divisão tripartite e harmônica dos poderes. Mas restringiu um pouco da autonomia dos estados.

Nela, ainda, houve a introdução de direitos trabalhistas, como: salário mínimo, licença gestante, férias anuais, jornada de 8 horas de trabalho, repouso semanal remunerado. Foi criada a previsão da justiça do trabalho e da justiça eleitoral, além de ter instituído o voto secreto e obrigatório para os maiores de 18 anos de ambos os sexos, com exceção dos analfabetos, mendi-gos, e de militares até o posto de sargento. Note que dois dos marcos importantes desta constituição, e que a distinguiu das anteriores, dizem respeito ao direito de voto da mulher e aos direitos dos trabalhadores.

Juridicamente houve avanços, também foram criados o mandado de segurança e a ação popular. Além dos órgãos de cooperação às tarefas governamentais: Ministério Público,

Cartaz convocando os paulistas às armas

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120 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tribunal de Contas e conselhos técnicos. Passou-se a considerar os efeitos legais do religioso para o civil, declarando indissolú-vel o vínculo matrimonial. E, por fim, houve a extinção do cargo de vice-presidente da república. Como se pode notar, foram muitos os avanços estabelecidos pela nova Carta Magna de 1934. Observa-se que a centralização tornou-se mais efetiva, no entanto o cidadão teve alguns direitos assegurados no texto constitucional.

Texto Complementar

Entrevistado por Heloísa Pontes, Antônio Cândido é convi-dado a falar sobre a história das ciências sociais no Brasil e sobre o impacto da Revolução de 1930 sobre sua geração.

Antônio Cândido – Para as pessoas da minha idade que estão na faixa dos 70, e sobretudo para as mais velhas que eu, o impacto da revolução de 1930 foi tremendo. Hoje eu vejo pessoas de responsabilidade minimizarem muito a década de 30, com o argumento de que não houve uma revolução, e sim um movimento burguês. Não foi uma revolução social, como a russa ou a francesa, é claro, mas o movimento armado de 1930, que coincidiu com uma crise econômica sem precedentes, teve impacto enorme na vida política e na cultura. Foi quando surgiu a expressão “realidade brasileira”, que de tão utilizada se tornou até meio ridícula. Em qualquer discurso, artigo, ensaio aparecia a expressão.

Esse interesse foi decisivo, por exemplo, para o aparecimento das grandes coleções, em especial a Biblioteca Pedagógica Brasi-leira, talvez o mais notável empreendimento editorial que o país conheceu até hoje. Vocês não podem imaginar o que foi essa coleção. Ela marcou a nossa época. Concebida, planejada e durante muito tempo dirigida por Fernando de Azevedo, tinha

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Tema III | A primeira república e o estado novo 121

cinco seções: Brasiliana, Atualidades Pedagógicas, Atualidades Científicas, Livros Infantis e Livros Didáticos. A Brasiliana foi um marco decisivo, não apenas pela reedição de clássicos estrangei-ros e nacionais, mas pelo estímulo a autores contemporâneos.

Graças à seção de Livros Didáticos o país começou a ter em larga escala obras destinadas ao ensino, escritas por autores brasileiros ajustados à nossa realidade. Para vocês, que se for-maram muito mais tarde, isto deve parecer sem sentido. Mas foi só depois de 1930 que o desejo de nacionalizar o livro e torná-lo instrumento vivo de cultura se generalizou em grande escala. O que havia antes nesse sentido era relativamente pouco, de modo que nós dependíamos da bibliografia estrangeira.

Para vocês terem uma ideia mais precisa do que isto significou, basta dizer que, antes do decênio de 30, os alunos do ginásio que quisessem livros bons tinham de recorrer a obras como: História natural, de Pizon, Química, de Bazin, Geologia, de Langlebert, Matemática, de Comberouse, Física, de Ganot (ou do seu mau adaptador português Nobre) etc. etc. De repente, Fernando Azevedo, que foi fundamental nesse processo, criou uma biblioteca didática brasileira, graças à qual os alunos de gi-násio estudavam em livros feitos aqui em função deles. E isso ocor-reu em várias outras editoras, de São Paulo, do Rio, de Porto Alegre.

Eu lembro da importância que tiveram livros como Anatomia e fisiologia humana, de Antônio de Almeida Júnior, ou Biologia geral, de Cândido de Mello Leitão, que dispensavam o acesso a Pizon, que só se podia ler em francês. Ou a série de livros de Joaquim Silva, que tomaram no ensino de história da civilização o lugar da rançosa História universal, do português Raposo Botelho. Muitos dos livros em português a que tínhamos acesso eram traduções das coleções francesas, F.T.D e F.I.C, todos pu-blicados anonimamente e esta feita pelos maristas, cuja men-talidade tacanha e retrógrada aparecia sobretudo nos livros de história.

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122 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Quanto aos estudos brasileiros, a coleção Brasiliana, criada em 1931, foi seguida por outras, como Documentos Brasileiros, a partir de 1936, dirigida por Gilberto Freyre para a Editora José Olympio. Ou a Biblioteca de Divulgação Científica, dirigida na Ci-vilização Brasileira por Artur Ramos, e outras menos importan-tes. O Brasil começou a se apalpar. Lembro de Afonso Arinos afirmar, num artigo, que raros países demonstravam tanta curio-sidade sobre si mesmos quanto o Brasil naquela época. Lembro também de um artigo de Plínio Barreto, de 1937 ou 38, no qual dizia que na geração anterior todo jovem sonhava entrar na vida intelectual com um livro de poesias. Mas depois de 1930 o sonho era publicar um livro de sociologia... A voga dos estudos sociais correspondia ao grande desejo que o Brasil tinha de se conhecer.

Muito importante nesse sentido foi a iniciativa de Fernando de Azevedo de publicar os viajantes estrangeiros do século XIX. Em 1932, nós estávamos de passagem em São Paulo, vindos do Rio para Minas, quando meu pai chegou ao hotel com uma pilha de livros, entre os quais alguns com a capa vistosa da Brasiliana, que vi pela primeira vez: um mapa do Brasil de uma sobre fun-do de outra, tudo semeado de estrelas brancas. Eram: Raça e assimilação, de Oliveira Vianna, As ideias de Alberto Torres, de Alcides Gentil, O marquês de Barbacena, de Pandiá Calógeras, A segunda viagem ao Rio de Janeiro e à província de Minas Gerais, de Saint-Hilaire. “Vocês devem ler isso”, disse a mim e a meus irmãos. Eu tinha um pouco menos de 14 anos e comecei logo por Saint-Hilaire esse processo de iniciação ao Brasil.

A iniciativa de Fernando de Azevedo se liga à atmosfera de grande interesse pelos estudos sociais e políticos, que vinha dos anos de 1920 mas explodiu depois de 30, inclusive com o adven-to dos estudos sociológicos. Ao mesmo tempo houve uma espé-cie de radicalização das posições ideológicas, para a esquerda ou para a direita, gerando por parte desta certa desconfiança em relação à sociologia, considerada dissolvente dos valores

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Tema III | A primeira república e o estado novo 123

tradicionais. Mesmo as ideias pedagógicas modernas desperta-ram animosidade, a tal ponto que a reforma do ensino feita por Fernando de Azevedo no Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal, de 1927 a 1930, chegou a ser considerada empresa comunista. Ainda predominavam, no começo do decênio, obras de corte conservador, como Populações meridionais, de Oliveira Vianna, que Fernando de Azevedo, aliás, reeditou na Brasiliana. E foi nesse enquadramento que, de repente, surgiu em 1933, Casa-grande & senzala.

Fonte: A entrevista completa pode ser consultada em: PONTES, Heloísa. Entre-

vista com Antônio Cândido. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 16,

nº 47, outubro/2001, pp. 5-30. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/

v16n47/7717.pdf

Para refletir

Agora, após a leitura do assunto “A crise de 1929 e a Revo-lução de 1930”, responda as atividades que seguem:

O que você entendeu a respeito da crise de 1929 e dos significados políticos da Revolução de 1930?

A partir das discussões a respeito da forma como as eleições eram realizadas na Primeira República e a partir da Constituição de 1934 preencha o quadro abaixo:

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124 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Primeira República Constituição de 1934

Eleição (quemorganizava?)

Forma do voto (aberto ou secreto?)

Eleitores (idade?)

Eleitores (sexo?)

Eleitores (não alfabetizados?)

Eleitores(militares?)

Tomando como referência a leitura do texto complementar, explique como Antônio Cândido descreveu a importância da Revolução de 1930 para as ciências sociais e para sua geração.

Pesquise na internet sobre o Convênio de Taubaté e verifique se o estímulo e a proteção conferidos à cafeicultura foram também estendidos à lavoura canavieira. Explique a questão com suas palavras.

Ainda sobre a questão das disputas pelo comando político do país, como você avalia o peso e a influência de estados como São Paulo, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul no período estudado e nos dias atuais?

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Tema III | A primeira república e o estado novo 125

3.4 ESTADO NOVO, CENTRALIZAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO

Os fenômenos que fundamentariam a Revolução de 1930, portanto, estariam assentados nas inovações introduzidas no sis-tema político – que ao por um fim à Primeira República começa-va a questionar a presença das oligarquias à frente da política nacional –; nas medidas implementadas para reorganizar e mo-dernizar o aparelho do Estado, incorporando novos atores à cena política; e, seus desdobramentos seriam propiciados pela crise do sistema oligárquico em detrimento da expansão das ativida-des industriais no país.

Em suma, a Revolução de 1930 só será consumada durante o Estado Novo (1937-1945), pois somente a partir dele serão resol-vidas questões chaves que foram afloradas nos anos 1920, dentre elas encontra-se a questão da crise de legitimidade gerada pelos conflitos interoligárquicos e intraoligárquicos. Não é acidental que estas questões tenham encontrado solução em um contexto autoritário, no qual o padrão social se diferenciava em face da transição do capitalismo agroexportador para adoção do mode-lo de industrialização, mediante a intervenção do Estado, com o objetivo de produzir produtos para substituir as importações. Entretanto, o contexto político desencadeado pela Revolução de 1930 e efetivado pelo Estado Novo, além de não ter consolidado a democracia e o exercício da cidadania, caracterizou-se por ter:

I - Assegurado a integração dos subsistemas regionais no sistema nacional, de forma a assegurar a conservação de dife-rentes estruturas de dominação e, simultaneamente, garantir a unidade nacional, em outras palavras, permitiu que a região Su-deste iniciasse o processo de domínio do mercado de consumo nacional vencendo a concorrência com as incipientes indústrias regionais, que por razões econômicas e tradicionais não se mo-dernizaram;

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126 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Pintura com a imagem de getúlio vargas

II – Organizado a representação política das elites (agrárias, urbanas, industriais, burocráticas, etc.) de forma a fazer com que o processo de diferenciação natural de seus interesses fosse resolvido no âmbito do universo das elites e, simultaneamente, não pusesse em xeque a coalizão básica existente entre elas enquanto estrutura de dominação;

III – Estruturado a dominação ao nível das cidades, em face da emergência de um proletariado em início de expansão e em face das novas formas de estratificação das camadas médias ur-banas.

A Constituição de 1937A 10 de novembro de 1937, Getúlio Var-

gas estabeleceu no Brasil, por meio de um golpe de Estado, uma ditadura po-lítica inspirada nos modelos políticos dos países de direita que existiam, à época, na Europa – o franquismo, na Espanha, o nazismo na Alemanha, e

fascismo, na Itália. O Estado Novo (1937-1945), como ficou co-nhecido esse período, outorgou, isto é, impôs ao país uma nova Constituição. Entre as características deste novo ordenamento jurídico destacam-se:

I – A formulação de um novo pacto federativo, fundamen-tado na centralização político-administrativa, sendo que muitas atribuições dos estados passaram à competência da União e o direito de intervenção federal foi bastante ampliado. Getúlio Var-gas conseguiu, assim, intervir nos estados nomeando como in-terventores muitos dos oficiais que na década de 1920 haviam participado dos movimentos tenentistas. O uso deste expediente, ou seja, da Intervenção Federal, foi a saída encontrada pelo

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Tema III | A primeira república e o estado novo 127

governo getulista para resolver os conflitos interoligárquicos e intraoligárquicos e, ainda, assegurar o controle político dos estados;

II - Preponderância do Executivo que deixou de lado a sepa-ração e a harmonia dos poderes, o Presidente da República ficou sendo, por esta Constituição, a autoridade suprema do Estado. Cabia a ele iniciar, orientar e supervisionar toda a administração nacional;

III – A intervenção estatal no domínio socioeconômico, nacionalizando as atividades e fontes essenciais de riqueza. O exemplo mais representativo dessa política foi a criação, em 1941, da Companhia Siderúrgica Nacional, a CSN;

IV – Restabeleceu a “Pena de Morte”, além da prisão e bani-mento aos opositores do governo brasileiro. A ditadura do Estado Novo foi um dos períodos em que mais existiram prisões de presos políticos na história do Brasil;

V – A dissolução dos partidos políticos e o fechamento do Congresso Nacional. Ações inerentes a Estados Totalitários, ou seja, não democráticos;

VI – Ocorreu a extinção do man-dato de segurança e da ação popular57;

VII – A manutenção da extinção do cargo de vice-presidente da repú-blica, e os prefeitos foram substituí-dos por intendentes municipais no-meados pelos governadores.

57 Uma das cenas mais co-

nhecidas dessas prisões é

retratada no filme sobre a

vida de Olga Benário, esposa

de Luís Carlos Prestes, líder

da Coluna Prestes, presos

após o fracasso do levante

comunista de 1935, também

conhecido como Intentona

Comunista.

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128 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Texto Complementar

Empresário, Estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945Eli Diniz

(...)Como o empresariado brasileiro despertou para esse novo

papel, tornando-se também um dos protagonistas da mudança? Tal conversão se deu no bojo de um processo intenso de refor-mas, que foram executadas ao longo do período 1930-1945. Efe-tivamente, as reformas que se transformariam no traço distintivo da Era Vargas lançaram os fundamentos político-institucionais da ordem industrial em gestação. Tiveram, pois, um impacto basicamente inovador, abrindo o caminho para a ascensão dos interesses ligados à produção fabril e ao fortalecimento do mer-cado interno. Desta forma, impulsionaram mudanças na coali-zão dominante mediante a incorporação das elites industriais emergentes, embora sem desalojar as elites tradicionais, confi-gurando o chamado Estado de compromisso, para usarmos a feliz expressão de Boris Fausto. Com o suporte da nova coalizão, foram executadas as políticas que implantariam o novo modelo econômico voltado para a industrialização e calcado no tripé em-presa nacional privada, empresa estatal e empresa estrangeira, que perdurou ao longo de todo o período de vigência da indus-trialização por substituição de importações (1930-1980).

Nesta linha de reflexão, cabe ainda destacar a importância da reforma do Estado, que realiza o corte com o Estado patri-monial dominado pela oligarquia agro-exportadora da República Velha. Instaura-se uma arquitetura político-institucional, que vai combinar a centralização do poder à ampliação da autonomia e da capacidade de intervenção do Estado brasileiro, expandin-do também a capacidade de incorporação do sistema político e quebrando a rigidez da estrutura de poder pré-existente. Com a criação do DASP (Departamento Administrativo do Serviço

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Tema III | A primeira república e o estado novo 129

Público), em 1938, deu-se início à racionalização do serviço público. A reforma administrativa terá como alvo o desmonte das bases do Estado oligárquico mediante a institucionalização do sistema de recrutamento por mérito, regulamentando o aces-so por concurso público, definindo um padrão de carreira para os servidores públicos, obedecendo aos critérios de eficiência e aos princípios da ascensão por merecimento. Tais mudanças levariam à ruptura com a tradição patrimonialista baseada na tro-ca de favores e na prevalência da lealdade e dos compromissos políticos no preenchimento dos cargos públicos nos diferentes níveis de governo. Entretanto, seu êxito foi relativo, já que as reformas atingiram apenas uma parte da administração pública, prevalecendo um sistema híbrido caracterizado pela coexistên-cia de um segmento que funcionaria segundo os padrões merito-cráticos, enquanto outros setores persistiriam abertos às práticas clientelistas.

Outra mudança de peso refere-se ao padrão de articulação entre o Estado e a sociedade mediante a instauração da estrutura corporativa de representação de interesses. O novo padrão, ins-pirado no modelo corporativo, permitiria a incorporação política dos atores emergentes – empresariado industrial e trabalhadores urbanos – numa estrutura hierárquica e verticalizada, sob a tute-la do Estado. Este modelo de corporativismo estatal concedeu maior liberdade de ação aos empresários, em contraste com os trabalhadores urbanos, submetidos à disciplina e ao controle do Estado, sob o lema da “paz social” e do princípio da “colaboração entre as classes”, típicos da modalidade de corporativismo aqui implantado. Como é sabido, Oliveira Vianna foi a um tempo o principal teórico e arquiteto do novo sistema, que se completa com a criação dos inúmeros órgãos técnicos, conselhos e co-missões, no interior da burocracia estatal. Tais órgãos, nos quais se abriu espaço para a representação dos interesses empresa-riais, tinham um caráter consultivo, funcionando como um fórum

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130 Formação Sócio-Histórica do Brasil

de debates entre elites técnicas e empresariais e como arenas de negociação entre os setores público e privado. Já no final da guerra, dois desses órgãos (o Conselho Nacional de Política In-dustrial e Comercial e a Comissão de Planejamento Econômico) foram palco da célebre polêmica, contrapondo, de um lado, o líder industrial, Roberto Simonsen e, de outro, o liberal Eugênio Gudin, em torno da preservação ou da extinção do modelo de Estado intervencionista e planificador.

Finalmente, as reformas de Vargas inauguram uma fase de expansão dos direitos sociais, com a introdução e aperfeiçoa-mento da legislação social, nas áreas sindical, trabalhista e pre-videnciária. Em contrapartida, os direitos civis e políticos foram duramente restringidos, sobretudo após o golpe de estado que implantou o Estado Novo. Desta maneira, o custo político desta era de reformas foi a instauração do regime ditatorial em 1937.

Fonte: Acesse o texto completo lendo: DINIZ, Eli. Empresário, estado e

capitalismo no Brasil: 1930-1945. In: Seminário internacional “da vida para

a história”: o legado de Getúlio Vargas. Realizado em Porto Alegre, entre 18

e 20 de agosto de 2004. Disponível em: http://estadoedemocracia.blogspot.

com/2007/08/empresrio-estado-e-capitalismo-no.html

Para refletir

Vamos escrever! Reflita um pouco sobre o que acabou de ler e responda:

O que você entendeu sobre o período do Estado Novo (1937-1945)?

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Tema III | A primeira república e o estado novo 131

Avalie, em termos políticos, por que o Estado Novo não pode ser considerado um período democrático? Escreva sua in-terpretação a respeito.

Como você avalia a estratégia utilizada pelo Estado Novo para resolver a questão dos conflitos interoligárquicos e intraoligárquicos?

A partir da leitura do texto complementar destaque o papel e/ou posição:

a) do Estado Novo no desenvolvimento da estrutura econô-mica e industrial do país;

b) dos empresários na busca de inovações e o aproveita-mento de oportunidades para instalação de indústrias e outros negócios;

c) dos setores tradicionais da economia diante da nova rea-lidade política colocada em prática pelo Estado Novo.

Coloque suas reflexões no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

RESUMO

Caros alunos, estudamos nesse tema o período da Primeira República (1889-1930) e sua passagem, após a Revolução de 1930, para o período do Estado Novo (1937-1945). Em torno desse enfoque, discutimos a participação dos militares na proclamação e efetivação dos primeiros anos do governo provisório republi-cano – a chamada República da Espada (1889-1994), período no qual o país esteve sob a presidência do Marechal Deodoro da Fonseca e do Marechal Floriano Peixoto. E, em seguida, falamos

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132 Formação Sócio-Histórica do Brasil

sobre o período da República dos Governadores ou República dos Coronéis (1894-1930), no qual as oligarquias se reversavam na disputa pelo poder político e na manutenção da ordem ecomômica e da ordem social, ambas assentadas na monocul-tura latifundiária voltada para a exportação.

Analisamos alguns movimentos sociais ocorridos na Pri-meira República – Guerra de Canudos, Revolta da Vacina, Can-gaço e o Movimento Tenentista – buscando perceber como es-ses fenômenos sociais revelaram as tensões e expectativas de grande parte da população brasileira marginalizada pelo modelo político aristocrático e de concentração de renda, herdados do período imperial, e ainda mantidos nessa fase republicana, não obstante as expectativas em contrário de que a nova ordem velaria pela garantia e ampliação dos direitos do cidadão bra-sileiro. Contradições avolumadas e potencializadas com a crise mundial de 1929 e a Revolução de 1930. Acontecimentos responsáveis por instalar uma crise de legitimidade política só redefinida com a instalação, através de um golpe, do Estado Novo (1937-1945).

O período do Estado Novo, como estudamos, modificou a lógica do pacto federativo promovendo uma maior centrali-zação política e administrativa em torno do governo federal em oposição aos estados. Muitos destes estados passaram a ser ad-ministrados por interventores – e entre eles oficiais que haviam participado do movimento tenentista – nomeados pelo presi-dente Getúlio Vargas. Além disso, o período do Estado Novo foi o responsável pela ampliação da industrialização do país. Houve nesse sentido a estimulação, por meio do controle econômico do governo, de instalações de indústrias de base. Mas agora é mo-mento de parar um pouco e avaliar o que estudamos neste último conteúdo. Para tanto, leiam o texto complementar e respondam as atividades propostas.

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Pós-Guerra, Nacionalismo e

Democracia4Caros alunos, para completar o estudo a respeito do re-

publicanismo, da cidadania e de seus desafios sociais, vamos fo-calizar nossas atenções em torno das discussões sobre a história do Brasil após o fim da Segunda Guerra Mundial, dos debates nacionalistas e da denominada Guerra Fria (1945-1991) e, sobre-tudo, de como a democracia enquanto cânone, isto é, enquanto referência, torna-se o sentimento desejado, aceito e difundido no Brasil e no mundo ocidental.

Envolto desse campo temático, serão abordados nessa discussão a democratização política do país após a derrubada do Estado Novo e os debates nacional-desenvolvimentistas que envolveram o Brasil até meados de 1964, quando um golpe de natureza civil-militar instalou outra ditadura. Esse segundo momento, o da ditadura militar, é marcado por um relativo crescimento econômico contrabalançado pelo desrespeito aos direitos universais da pessoa humana e, particularmente, pelo enfraquecimento da participação da sociedade civil nos espaços de decisão política do país.

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134 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Já o estudo sobre o período da ditadura militar (1964-1985) buscará destacar o processo de redemocratização política e a reor-ganização e fortalecimento da sociedade civil em relação aos de-bates sobre a globalização e o neoliberalismo, no final do século XX. E, neste contexto, os avanços, limites e significados da Cons-tituição de 1988. Por fim, estudaremos o período mais recente da história republicana, fase marcada por reformas constitucionais, valorização dos princípios inerentes à cidadania e por efetivação de conquistas e políticas sociais inclusivas importantes.

4.1 DESENVOLVIMENTISMO, POPULISMO E CRISE POLÍTICA

A partir de 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, os ventos de liberdade política que passaram a soprar sob os escombros ou fissuras dos regimes totalitários –fascismo, nazismo entre outras experiências políticas – colocaram um fim no período da ditadura do Estado Novo no Brasil. Enquanto isso, o Brasil, sob o comando da ditadura de Getúlio Vargas, apoiou as forças militares que venceram o conflito no cenário político internacional, atendendo às mobilizações de estudantes, traba-lhadores e militantes políticos para que o país declarasse guerra ao nazi-fascismo. Neste sentido, após o fim da guerra, não havia mais atmosfera política no mundo para apoiar regimes fechados de direita e antidemocráticos, como os que haviam inspirado a instalação do Estado Novo.

Por que isso aconteceu? Veja, o aprendizado político do pós-guerra condenava e denunciava os riscos do não comparti-lhamento do poder político, isto é, a concentração de poder fa-voreceu regimes racistas, belicistas e intolerantes, como os que ocorreram na Alemanha e na Itália, ao passo que, esse mesmo aprendizado recomendava a democracia não apenas como um ideal necessário para a política contemporânea, mas como uma forma de compartilhar o poder e evitar os riscos de eventuais ditaduras.

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Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 135

Por isso Getúlio Vargas foi obrigado a renunciar? Isso mesmo! Ele renuncia e convoca eleições gerais para o país. Mas ele, Getúlio Vargas, depois não volta a ser presidente do país? Exatamente! Vargas é uma das figuras políticas mais emblemá-ticas, ou seja, interessantes da política brasileira. Esse gaúcho chega ao poder político do país em 1930, como chefe de uma revolução formada pelas oligarquias dissidentes, percebe que os conflitos interoligárquicos e intraroligárquicos, mesmo após a Revolução de 1930, impediam a modernização do Estado, resol-vendo então decretar um golpe, instalando o Estado Novo, que lhe confere poderes quase absolutos, inclusive para intervir nos estados, através das interventorias, e nos municípios, através das intendências. Enquanto ditador, administra o país por oito anos (1937-1945), mas não teve o mesmo fim político dos ditadores de sua época como Hitler, na Alemanha, e Mussolini, na Itália. Ele renunciou ao cargo, elegeu seu sucessor – o general Eurico Gaspar Dutra (1946 -1951), elegeu-se senador e deputado por diversos estados da federação, possibilidade que existia à épo-ca, e retorna ao poder em 1951, eleito democraticamente. Após a fase revolucionária e o período em que foi ditador, Getúlio Dorneles Vargas se apresenta como líder democrático e popular.

Como isso foi possível? Ao chegar ao poder em 1930, Vargas percebeu que não podia confiar nas elites tradicionais formadas pelas oligarquias regionais, de tal forma que ele instala o Estado Novo, para fortalecer a administração do governo federal em oposição aos estados comandados pelos interesses oligárquicos. Mas você pode dizer, com razão, que isso nós já estudamos. E é verdade! Só que, além de controlar as oligarquias, sem necessa-riamente se contrapor a elas, afinal ele também fazia parte delas (lembre-se que ele é oriundo das oligarquias gaúchas) Vargas inicia a partir de 1937 uma política que busca conciliar os interesses do capital e do trabalho. Isso possibilitou que ele começasse a cultivar as atenções dos trabalhadores urbanos, eleitorado que mais tarde lhe daria sustentação política.

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136 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Observe que a estratégia de Vargas não objetiva entrar em confronto com os interesses das oligarquias, portanto, ele não interfere nos negócios dos grandes latifundiários. Por outro lado, embora não tenha interferido nos negócios e na política do campo, base dos setores oligárquicos, ele buscou estimular a industria-lização e a urbanização das cidades brasileiras, formando um novo perfil social para o país que começa a inverter a relação cidade-campo, ou seja, a população urbana em poucas décadas seria mais numerosa que a do setor rural.

Essa estratégia garantiu a Vargas ser eleito pelo voto para o mandato que se iniciou em 1951 e terminou em 1954 com o seu trágico suicídio58. Embora existam controvérsias em relação ao seu sui-cídio e, sobretudo, quanto à autoria de sua carta testamento, o fato é que ele, mesmo pressionado por interes-ses políticos internacionais e de seus oposicionistas, faz de sua morte um grande fato político e um grande vitória sobre seus adversários e os interesses do capital internacional.

Você já deve ter percebido que essa fase iniciada em 1946 é marcada por debates nacionalistas, desenvolvimentistas e populares. Após o fim da guerra, em quase todos os países do ocidente, assiste-se ao fortalecimento da sociedade civil, que passa a despontar seus interesses através de partidos políticos, movimentos sociais e, dentre esses, sindicatos, ligas camponesas e o movimento estudantil.

Em termos políticos, essa participação da sociedade nos debates acerca do nacional-desenvolvimentismo é significa-tiva. Você deve estar se perguntando por que essa participação é significativa. Lembre-se, a esse respeito, que a tradição política brasileira, ou seja, nossa herança colonial (1500-1822), imperial (1822-1889) e das primeiras fases republicanas – Primeira República (1889-1930) e Estado Novo (1937-1945) – não haviam concedido

58 Saiba mais a respeito lendo:

AGUIAR, Ronaldo Conde. A

vitória na derrota: a morte de

Getúlio Vargas. Rio de Janeiro:

Casa da palavra, 2004.

Page 138: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 137

Campanha nacionalista pelo petróleo é nosso

espaço para a participação do conjunto da sociedade brasileira,

exceto os interesses das elites políticas e econômicas, que quase

sempre eram provenientes dos setores aristocráticos, isto é, dos

grandes proprietários de terras.

Dessa forma, a tradição brasileira é de que a formação do

Estado antecedeu a constituição da sociedade, uma forte heran-

ça da administração portuguesa. Situação que se altera a partir

do fim da Segunda Guerra Mundial e com ela os ventos de liber-

dade política que passaram a soprar sob os escombros ou fissu-

ras dos regimes totalitários, ainda que limitados pela instalação

do conflito militar entre o Oeste e o Leste, a chamada Guerra Fria.

Sob os ventos desta nova ordem mundial, o Brasil encerrava o

período da ditadura do Estado Novo e assistia ao fortalecimento

da sociedade civil que despontava através de partidos políticos,

movimentos sociais e, dentre esses, sindicatos, ligas campone-

sas e o movimento estudantil.

A Constituição de 1946

Com a queda de Getúlio

Vargas (1945), estabeleceu-se no

país uma nova ordem política

expressa na constituição de

1946. Esta Constituição resta-

belece, de modo geral, prin-

cípios das constituições de

1891 e 1934, adaptando-se às

conquistas sociais, jurídicas e

econômicas que estavam ocorrendo na sociedade brasileira e

no mundo. Destacam-se neste texto constitucional os seguintes

aspectos:

Page 139: Formação Sócio-Histórica do Brasil

138 Formação Sócio-Histórica do Brasil

I - Foram reintroduzidos o mandato de segurança e a ação popular, que haviam sido suspensos pela ditadura do Estado Novo;

II - Foi restaurado o cargo de vice-presidente da república, ao qual havia sido reservado ao Senado Federal pela carta consti-tucional de 1937;

III - Retornou-se ao bicameralismo, ou seja, o Congresso Nacional seria formado pelo trabalho legislativo da Câmara dos deputados e do Senado Federal;

IV - O Distrito Federal deixa de ter representatividade junto à Câmara e ao Senado;

V - Concedeu autonomia aos Estados e Municípios. Lem-bre-se de que durante o Estado Novo estes federativos ficaram sob o controle de interventores e intendentes;

VI - Consolidou as normas de proteção ao trabalho e ao trabalhador urbano. É fruto deste período a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, que embora tenha sido criada em 1943, foi ratificado a pelo novo texto constitucional;

VII - Os Três Poderes voltaram a gozar de autonomia e independência que haviam sido suspensos pelos imperativos do Estado Novo;

VII - Foi assegurado à União o direito de intervir no domínio econômico, mediante lei especial, para proteger o interesse público. Dispositivo que mantinha aceso o emblemático debate entre liberais, defensores da tese da livre iniciativa sem interven-ção estatal, e dos nacionalistas, defensores da presença do Estado na economia.

Page 140: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 139

Após o suicídio de Vargas, é eleito para o mandato de 1956 a 1961 o presidente Juscelino Kubitschek. Este governo, segun-do Flavia Biroli, estudiosa do período, foi marcado pelo “desen-volvimento e dinamismo, liberdade e democracia” (2004, p. 214). Para essa pesquisadora o período democrático estabelecido entre 1945 a 1964 – período balizado por duas ditaduras, a do Estado Novo (1937-1945) e a denominada Ditadura Militar (1964-1985), ficou caracterizado “pela intensidade do desenvolvimento e dos debates públicos” (idem, ibidem).

Ao contrário da política nacionalista de Vargas, Juscelino abriu o país para os investimentos do capital internacional, per-mitindo com isso a instalação e o desenvolvimento da indústria automobilística, construiu rodovias federais e a cidade de Brasília para ser a nova sede política do país entre outras obras. Alguns lemas de seu governo ficaram famosos como “governar e cons-truir estradas” e “50 anos de governo em 5”. O presidente bossa nova, estilo suave que marcaria a habilidade política do governo desse estadista, além do legado de realizações aumentou o en-dividamento do país e não controlou o crescimento da inflação, em razão disso os investimentos feitos e seu governo deixaram como herança uma difícil realidade econômica e política.

A partir do início dos anos 60, portanto, os debates sob o na-cional-desenvolvimentismo seriam cada vez mais intensificados59. Jânio Quadros, eleito para ocupar a presi-dência no período de 1961 a 1966, renunciou ao cargo em agosto de 1961, e alguns setores mais conser-vadores da sociedade brasileira criaram oposição à posse do vice-presidente Goulart. No outro extremo foi criada,

Memorial Juscelino Kubitschek

59 Saiba mais a respeito lendo:

FERREIRA, Jorge (Org.). O

populismo e sua história:

debate e crítica. Rio de Janei-

ro: Civilização Brasileira, 2001.

Page 141: Formação Sócio-Histórica do Brasil

140 Formação Sócio-Histórica do Brasil

sob a liderança de Leonel Brizola, a Campanha da Legalidade

para garantir a posse de João Goulart, e como solução para o

impasse gerado foi implantado, no Brasil, o regime parlamen-

tarista de governo, como forma de mediatizar a situação. Esse

sistema, contudo, não resistiu ao clima conturbado que o país

atravessava, sendo, no ano de 1963, derrotado através de um

plebiscito. A partir de então, João Goulart reassumiria, com ple-

nos poderes constitucionais, o posto de presidente da república.

Dentro desta perspectiva, João Goulart procurava se equilibrar

frente aos debates que a sociedade brasileira travava em torno

das discussões sobre as reformas de base.

Os debates em torno das re-

formas de base mobilizaram estu-

dantes, operários, camponeses, os

partidos políticos, a Igreja Católica e

as mais diversas lideranças econômi-

cas e políticas em torno de questões

como a reforma agrária, a reforma

tributária60, a reforma universitária,

entre outras. Com o golpe civil-mili-

tar, todo esse processo começou a

ser desarticulado logo em abril de 1964. Interrompia-se, desse

modo, a construção de

um projeto político e

cultural pensado a par-

tir da sociedade brasi-

leira para o país.

60 Aprofunde seus conhe-

cimentos a respeito lendo:

CRUZ, José Vieira da. Em tem-

pos de reforma universitária:

a contribuição da União Esta-

dual dos Estudantes Sergipa-

nos (1961-1965). In: Revista

Caderno dos Estudantes da

UFOP, Ano 4, n. 2, 2009, pp.

85-97.

Discurso de joão goulart na central do brasil em 13

de março de 1964.

Page 142: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 141

Para refletir

Junte-se aos seus colegas e discutam a partir da leitura do tema:

Explique com suas palavras o que você entendeu sobre a participação da sociedade nos debates políticos ocorridos de 1945 a 1964?

Como você explicaria o retorno de Vargas ao comando da política nacional após o fim do Estado Novo?

Pesquise na internet os principais acontecimentos políticos da biografia de Getúlio Vargas e escreva a partir do que você entendeu, a respeito de sua:

a) Fase revolucionária;

b) Fase como ditador;

c) Fase como estadista eleito democraticamente.

Avalie as realizações do governo de Juscelino Kubitschek e a herança administrativa que ele deixou para os seus sucessores.

O período de 1946 a 1964 foi marcado por uma constituição liberal e democrática que permitia, entre outras coisas, a possi-bilidade e a necessidade da compartimentalização do poder, isto é, que a sociedade participasse dos debates políticos sobre a realidade nacional. Na sua avaliação, como estudante de serviço social e cidadão, qual a consequência do golpe civil-militar de 1964 sobre essa experiência da sociedade brasileira?

Coloque suas pesquisas no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

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142 Formação Sócio-Histórica do Brasil

4.2 DITADURA, ECONOMIA E DIREITOS HUMANOS

Dentro de uma lógica estrategista e disciplinar, a chegada dos militares ao poder, em 1964, através de um golpe de Estado, atendia aos interesses de setores da sociedade civil brasileira, preocupados com os rumos que as reformas de base estavam tomando, particularmente, em regiões onde as tensões sociais li-gadas a terra e aos movimentos de educação e cultura popular se avolumavam. Neste contexto, o golpe atendia aos interesses de setores da sociedade civil que estavam temerosos com o rumo que os discursos e algumas ações reformistas estavam seguindo. Mas, do ponto de vista político, para além dos discursos popu-listas que apontavam para um movimento “revolucionário” de aprofundamento das transformações sociais, o golpe civil-militar ocorreu sem grandes resistências, mesmo em estados onde os governadores ensejavam um discurso de apoio às reformas de base, como foi o caso de Sergipe (DANTAS, 2004).

Em parte, isso pode ser explicado pela opção política de João Goulart, então presidente do país, em evitar o conflito armado e mesmo, enquanto ruralista, em não levar à frente uma proposta efetiva de reforma agrária. Em parte, também, devido às orientações do Comitê Central do Partido Comunista Brasi-leiro, que, desde 1958, esboçara como estratégia para o país o caminho do nacional-popular que deveria percorrer o campo das disputas democráticas e da legalidade (VIANNA,1996). Não obstante o sucesso da revolução cubana que empolgava o ima-ginário social de estudantes, sindicalistas, militantes políticos, trabalhadores urbanos e rurais. Ainda estava viva e não cicatri-zada nas memórias do alto comando do partido o duro aprendiza-do político da não bem sucedida Intentona Comunista em 1935. Processo que levou o país à ditadura do Estado Novo e, com esta, prisões, torturas e assassinatos de importantes quadros do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

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Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 143

Os militares, por sua vez, ao tomarem o poder, busca-ram impor ordem e disciplina à sociedade brasileira. Para isso, valeram-se de sua formação e das estratégias que conheciam para combater “os inimigos da ordem pública e da segurança nacional” (BAFFGA, 1998). Mas quem seriam esses inimigos que mereceriam a atenção dos órgãos de segurança e informação nacional? Era necessário identificá-los, conhecê-los e agir pre-ventivamente, antecipando os seus passos. Foi dentro dessa ló-gica que os militares passaram a fortalecer o Serviço Nacional de Informação, ligando-o diretamente à presidência. Procedimento também aplicado à Divisão Segurança e Informação – DSI, que passou a atuar diretamente junto aos Ministérios (FIGUEIREDO, 2005). E, por fim, as Assessorias Especiais de Segurança e In-formação – AESI/ASI, que passariam a atuar junto a diferentes órgãos e instituições da administração federal.

Entender os estudos sobre como atuaram os órgãos de segurança e informação no sentido de identificar, vigiar e controlar os agentes causa-dores da “intranquilidade pública” é importante para entender como a re-pressão da nova ordem política insta-lada desrespeitou o Estado de Direito e os direitos humanos. A respeito, vale mencionar a reflexão de Roberto Schwarz (2007) que, ao examinar a política cultural brasileira, no pe-ríodo, percebeu a clara divisão de

águas entre atuação da sociedade, antes e depois do golpe de 1964, tendo em vista que, após este acontecimento, o governo buscou romper as relações da sociedade civil organizada com os movimentos de educação e cultura popular, com os sindicatos, com as ligas camponesas e com os partidos de esquerda.

Os seguranças e o assassinato de Herzog

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144 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Laços construídos através de experiências/movimentos que vinham desde os anos 50, como Movimento de Cultura Popular e o Movimento de Educação de Base, nos quais os estu-dantes universitários participavam como monitores, e da UNE-Volante e dos Centros Populares de Cultura que disseminavam a ideia da arte engajada, através do engajamento de estudantes e artistas. Tentativa de rompimento que se revelou insuficiente para conter a reorganização e os protestos estudantis, nos anos seguintes. Protestos que se intensificaram em vários estados do país, no decorrer de 1968. As repercussões destas mobilizações serviram de justificativa para que os militares decretassem o fe-chamento dos órgãos de representação estudantil e passassem a vigiar, prender e torturar os líderes estudantis, enrijecendo ainda mais o Golpe de Estado decretado em 1964.

Interpretando o contexto dessa nova ordem política, o historia-dor Ibarê Dantas evitou a polêmica entre aqueles que defendiam a ideia de “revolução”, como estratégia para positivar o regime, e aqueles que interpretaram como golpe os fatos decorrentes da nova ordem política, aproximando-se de uma terceira postura interpretativa que passou a tratar a questão como uma “contra-revolução”, tendo em vista que para aqueles que compartilham desta posição “[...] antes havia uma revolução em marcha, visando transformar o regime liberal democrático em socialista [...]”. Entendimento que para Dantas seria “[...] mais apropriado qualificar a intervenção dos militares de contra-revolução, tanto pelo seu caráter preventivo e neutralizador das tendências que se esboçavam, quanto pelo seu sentido propositivo [...]” (DANTAS, 1997, p.XIX). A “contra-revolução” teria ocorrido como uma res-posta à ameaça representada pelos partidos e grupos políticos simpáticos à ideia do nacional-popular que ganhavam forma e corpo no prelúdio da crise de representação política do populismo no Brasil, às vésperas de março de 1964.

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Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 145

Este trabalho, por sua vez, apropria-se da percepção de que as discussões políticas e culturais do período em estudo no sentido “[...] da crítica política, da crítica dos costumes, na luta para destruir e superar determinadas correntes de sentimentos e crenças, determinadas atitudes diante da vida e de mundo [...]” (GRAMSCI, 1978). Mas não incorpora a ideia de que se vivia um momento contra-revolucionário, e sim, os desdobramentos de um golpe contra a democracia, as reformas de base, a liberdade de expressão e as garantias estabelecidas pelo Estado de Direito (DREIFUSS, 1987).

Posição fundamentada no entendimento de que não havia uma revolução em curso, por ocasião da tomada do poder por parte dos militares apoiados por uma parcela da sociedade civil. Apesar dos discursos inflamados que antecederam a deposição de João Goulart, não havia nenhuma orientação por parte das esquerdas no sentido de tomar o poder pela força, a exemplo do que havia ocorrido em Cuba, alguns anos antes. Não havendo uma revolução em curso, logo não haveria como alegar se tratar de uma “contra-revolução”.

A Constituição de 1967Os desdobramentos políticos do golpe civil e militar de

1964 colocaram a necessidade da composição de um novo texto constitucional que atendesse à ideologia de segurança nacional então implantada no país. O general Castelo Branco, presiden-te militar do período, convocou uma reunião extraordinária do Congresso Nacional para que ele aprovasse condicionalmente a constituição de 1967, ou seja, impondo uma nova norma legal.

Elaborada pelo executivo, emendada pelo Congresso Na-cional, o novo texto constitucional foi promulgado em 24 de ja-neiro de 1967. Pelas características centralistas e restritivas esta carta magna se assemelha em alguns pontos à Constituição de 1937, isto é, com a Constituição imposta pela ditadura do Estado Novo. Entre as características desta Constituição estão:

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146 Formação Sócio-Histórica do Brasil

I - Fortaleceu o Poder Executivo;

II - Uniformizou as normas relativas a impostos;

III - Ampliou o conceito de Segurança Nacional;

IV- Atualizou o sistema orçamentário com programas plurianuais de investimentos (Plano de Metas);

V - Autorizou desapropriamento de propriedades mediante pagamento de indenização para fins de reforma agrária, o que na prática condicionava essa reforma a somas muito elevadas e que não estavam à disposição do erário, ou seja, das finanças públicas;

VII - Definiu limites para os direitos dos trabalhadores e formas de intervenção e seus sindicatos;

VIII - Preocupou-se com os limites da Imprensa (Lei de Imprensa), ou seja, assim como o Estado Novo, regulamentou a censura prévia;

Os acontecimentos que se sucederam ao golpe civil-militar

de 1964 efetivaram o estabelecimento de uma ordem política

pautada no controle da sociedade em nome do “interesse

nacional” sob a tutela dos militares e o apoio de parte da

sociedade. Entretanto, apesar das

tentativas do governo de desarticu-

lar a sociedade civil, alguns setores

da Igreja Católica, da imprensa e dos

estudantes criaram dificuldades a

essa intenção61.

61 Leia mais a respeito em:

DANTAS, José Ibarê Costa.

A tutela militar em Sergipe.

1964-1984: partidos e elei-

ções num estado autoritário.

Rio de Janeiro: Tempo Brasi-

leiro, 1997, p.66.

Page 148: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 147

Em face dessas resistências, os dispositivos jurídicos que alicerçaram esse Estado e sua Ideologia de Segurança Nacional foram reforçados e ainda mais endurecidos com o Ato Insti-tucional de 1968. Apesar deste novo ato se diferenciar dos demais pelo prazo não determinado de sua vigência e pelos efei-tos permanentes de controle e suspensão de direitos constitucio-nais que ele produzia, parte da sociedade que continuava a não apoiar o golpe esboçou seu descontentamento.

Constituição de 1969/ Emenda constitucional A promulgação da Constituição de 1967 não foi suficiente

para conter as críticas feitas por parte da sociedade civil brasileira à tutela militar do Estado brasileiro. Sendo que a 13 de dezembro de 1968 a publicação do Ato Institucional número 5 – AI-5, rompeu com a or-dem institucional restringindo o Esta-do de Direito. Esse processo iniciado pelo presidente Costa e Silva, após seu afastamento do poder executivo é assumido pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica, completando o texto constitucional promulgado em 30 de novembro de 1969. Teórica e tecnicamente não se configura como uma nova constituição, mas como uma emenda à constituição de 1967. A respeito dela destaca-se:

I – Sua outorgação por uma junta militar, durante o recesso forçado do Congresso Nacional;

II - Decretou o fim da imunidade parlamentar com a possi-bilidade de cassação dos direitos Políticos;

III - Instituiu a censura;

IV - Criou a possibilidade de banimento.

62 Saiba mais respeito lendo:

ALVES, Maria Helena Moreira.

Estado e oposição no Brasil

(1964-1984). 3 ed. São Paulo:

Vozes, 1985.

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148 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Texto Complementar

Em defesa dos Direitos HumanosMargarida Genevois

Há uns anos atrás, na década de 90, ouvi na TV, durante campanha eleitoral, um candidato a deputado dizer: “Se eu for eleito, vou combater os direitos humanos”. Este absurdo inacre-ditável, que em qualquer sociedade democrática seria repudia-do, aparentemente não causou maiores comoções; entre nós, DH eram – e ainda são – lamentavelmente mal entendidos, por desinformação ou má fé.

Para muitos, DH63 eram consi-derados como “direitos de bandidos” ou artimanhas dos “sub-versivos”. No período da ditadura militar, a repressão (assas-sinatos, torturas, “desaparecimentos”) atingiu opositores mem-bros das classes médias, como professores e estudantes, advo-gados e jornalistas, artistas e religiosos, além dos suspeitos de sempre, como ativistas e sindicalistas da cidade e do campo. A maioria, que nunca tinha visitado prisões, passou a sentir na pele a situação desumana dos ditos “presos comuns”, estes oriundos das classes populares. Passou também a constatar a tragédia do sistema prisional e a inoperância dos órgãos do judiciário. A partir daí, a defesa dos direitos humanos passou a ser confundida como luta pelos direitos dos presos, e não em nome da digni-dade de toda pessoa humana, conforme a Declaração Univer-sal dos Direitos Humanos de 1948, a grande conquista moral do século XX diante das atrocidades cometidas durante a segunda guerra mundial.

Os defensores dos DH foram testemunhas da forma como foram torturados os opositores do regime de exceção, instaurado em 1964, e os presos políticos. Ficamos conhecendo o pau de arara, a cadeira do dragão, sufocamentos, queimaduras com cigarros, afogamentos. Evidentemente, tais notícias não saíam

63 Direitos Humanos

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Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 149

nos jornais, eram contadas pelos advogados, por parentes das vítimas. Mas a maioria das pessoas simplesmente se recusava a acreditar e dizia: “Isso é mentira, coisas de extremistas. O brasileiro é profundamente bom – nunca faria essas barbaridades.”

Com o processo de democratização em andamento, as entidades da sociedade civil mais atuantes no campo dos DH, assim como ex-presos políticos e familiares – movidos por convicção de justiça, por sentimentos cristãos ou por ambos – passaram a concentrar sua luta na defesa dos direitos de todos, sobretudo daqueles “que não têm voz”, a começar por aqueles esquecidos e mal tratados nas delegacias e nas prisões. O reco-nhecimento da dignidade da pessoa humana, independentemente do crime e do julgamento moral, é o fundamento da defesa. Os que cometem crimes devem ser julgados de acordo com a lei e, se condenados, devem cumprir a pena, mas não podem ser torturados e humilhados.

Fonte: Acesse o texto completo lendo: GENEVOIS, Margarida. Em defesa dos

direitos humanos. In: Folha de São Paulo. 23/01/2010. Disponível em: http://

www.dhnet.org.br/interagir/noticias/vernoticia.php?id=276

Para refletir

Junte-se aos seus colegas e discutam a partir da leitura do tema:

Você definiria os acontecimentos políticos deflagrados em abril de 1964 como um golpe civil-militar, uma revolução ou uma contra-revolução? Justifique sua resposta.

Qual a sua interpretação a respeito do controle, da censura prévia, das perseguições e assassinatos no período da ditadura militar?

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150 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Em relação às discussões sobre os Direitos Humanos explique por que ela não se limita às questões do período da ditadura militar no Brasil (1964-1985).

Acesse o site da Rede de Direitos Humanos e C ultura – http://www.dhnet.org.br/direitos/index.html – e escreva um texto de um a dois parágrafos sobre a história e a importância do movimento pelos Direitos Humanos.

Coloque no fórum do AVA e lembre-se de verificar os de seus colegas.

4.3 REDEMOCRATIZAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO E A ATUAL CONSTITUIÇÃO

A ditadura militar oficialmente estendeu-se até os idos de 1985, quando deveria ser empossado como presidente da República Tancredo Neves, mas por razões de saúde e sua posterior morte assume a presidência do país José Sarney. Segundo o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, o novo governo assumia a missão de efetuar a transição democrática em um “momento de perplexidade nacional” (1990, p. 389). Não apenas pela morte de Tancredo, mas pela possibilidade de insucesso do lento e gradual processo de reorganização da sociedade civil brasileira que desde o final dos anos 70 assistia ao processo de distensão e abertura política do país.

O processo de transição democrática se inicia, portanto, em meados dos anos 70, quando os militares começam a perceber e a planejar, ainda que de modo lento, a saída do comando político do país. Intensifica-se no final dos anos 70 e primeiros anos da década de 1980, com a reorganização da sociedade civil, em particular, a partir da campanha pela anistia dos presos e exilados

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Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 151

políticos e depois pelo movimento das Diretas-já, que ganha as ruas, as mentes e os corações do povo brasileiro unidos em suas diferenças por uma causa maior: a democracia. E prossegue no decurso da década de 1980 desmontando dispositivos e instru-mentos deixados como herança dos 21 anos de ditadura militar. Uma ditadura que começou com apoio de parte da sociedade civil e terminou com a reorganização dessa sociedade que lutou para conquistar o direito de opinar pela construção política e cidadã do seu destino.

A este respeito, a convocação da Assembleia Nacional Consti-tuinte em 1985 e a aprovação da atual Constituição Federal foram marcos da consolidação desse processo de transição democrática e do estabelecimento dos tempos da Nova República Brasileira, perí-odo que, entre erros e acertos, já se configura como a fase de ex-periência democrática mais du-radoura de nossa breve história republicana. Neste sentido, pelo menos em termos jurídicos, sociais e políticos a Constituição de 1988 é um marco fundamental.

Constituição de 1988A Constituição atual do Brasil

foi elaborada pela Assembleia nacional constituinte, convocada pela Emenda Constitucional número 26 de 1985. Foi influencia-da pelo momento histórico por que passava a sociedade brasi-leira que vivia a redemocratização política e espelhando-se nos avanços das constituições portuguesa, italiana e espanhola, elabo-radas em contextos semelhantes.

Passeata pelas diretas-já

Aprovação da constituição brasileira

Page 153: Formação Sócio-Histórica do Brasil

152 Formação Sócio-Histórica do Brasil

O novo texto constitucional refletiu os avanços ocorridos no país, especialmente na área dos direitos sociais e políticos dos cidadãos em geral e das chamadas minorias em particular. Entre outros avanços, reconhece-se a existência de direitos co-letivos, além dos individuais. A promulgação da Constituição de 1988 estabeleceu as seguintes características:

I- Foi a primeira Constituição Republicana a possibilitar a mudança na forma de governo, através de plebiscito, que afinal acabou por consagrar a república e o presidencialismo;

II- Introduziu um novo tipo de democracia mista, semi-direta ou participativa;

III- O Tribunal Federal de Recursos (TFR), criado em 1946, foi extinto e em seu lugar surgiram cinco tribunais regionais. E ainda foi criado o Superior Tribunal da Justiça;

IV- Foram criados novos institutos jurídicos como o Manda-to de Segurança, o Mandato de Injunção, o Habeas data e a Ação de Inconstitucionalidade por omissão;

V- Foi criado um novo estado, Tocantins, além da conver-são de territórios federais em estados (Amapá e Roraima), e a extinção do território de Fernando de Noronha que teve sua área reintegrada ao estado de Pernambuco.

VI - Extinção do decreto-lei e em seu lugar foi criada a

medida provisória;

VII - Distinta das contribuições anteriores, esta carta promoveu a redução das atribuições do poder Executivo e ampliação das competências do Legislativo e Judiciário, procu-rando, assim, estabelecer de fato o princípio da independência e harmonia entre os poderes;

Page 154: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 153

VIII - Ampliou os direitos e garantias fundamentais do cidadão como a plena liberdade de informação jornalística; a expressa proibição de censura ou licença; a criminalização da tortura; e instituiu a proibição da pena de morte (salvo na guerra declarada), de penas de caráter perpétuo, de penas de trabalho forçado, de banimento e penas cruéis;

IX - Exigência de que a propriedade privada cumprisse o seu papel social;

X - A possibilidade do analfabeto exercer sua cidadania através do voto;

XII - A possibilidade da criação, incorporação ou fusão dos partidos políticos.

Texto Complementar

Democracia entre Conquistas e Limitações Maria D’ Alva G. KINZO

(...)Observando o sistema político no Brasil de hoje, não há

como negar que se trata de um regime com claros contornos de uma democracia. Ao serem tomadas como referência as duas dimensões da poliarquia caracterizadas por Dahl (1971), o país ampliou significativamente as condições de contestação públi-ca e participação política. Porém, tampouco há como negar que existam problemas no que se refere tanto à “qualidade” da con-testação pública e da participação do cidadão quanto ao funcio-namento efetivo do processo decisório democrático.

Vale lembrar, em primeiro lugar, a questão social, isto é, o problema da pobreza e da desigualdade. Não resta a menor

Page 155: Formação Sócio-Histórica do Brasil

154 Formação Sócio-Histórica do Brasil

dúvida de que extremas desigualdades sociais são um fator que constrange a consolidação da democracia, especialmente no que se refere à efetiva participação política de todos os cidadãos. Os elevados índices de pobreza e de concentração de renda no Brasil são um legado do passado que os governos pós-regime militar não tornaram menos agudo, a despeito de avanços na área da educação. Em segundo lugar, há problemas referentes à representação política e ao processo de decisão democrático. A estrutura institucional brasileira possui vários aspectos que difi-cultam o funcionamento do sistema democrático-representativo. Entre eles, vale destacar a tão debatida questão partidária, que se resume na existência de um sistema partidário que é, por um lado, altamente fragmentado e, por outro, pouco nítido no que tange às opções oferecidas ao eleitor no processo eleito-ral. Trata-se de um contexto político que dificulta enormemente a capacida de do eleitor de fixar as legendas, distinguir quem é quem na competição e criar identidades partidárias. Quanto à questão da representação política, este é um contexto que pos-sibilita a eleição de representantes pouco comprometidos com seu partido e com os eleitores que os elegeram, mesmo porque muitos se elegeram com os votos excedentes dos candidatos mais votados, os quais podem ser de outro partido pertencente à coligação eleitoral.

Efeito também da alta fragmentação é a impossibilidade de que um presidente saia das urnas com um apoio partidário-par-lamentar majoritário, o que o obriga a fazer um governo de coa-lizão de vários partidos. Isto significa que, a fim de manter uma base parlamentar de apoio a suas políticas, o chefe do governo terá de compor seu ministério com diferentes forças partidárias, por vezes heterogêneas, fator que certamente dificulta uma ação governamental coordenada, especialmente em relação a polí-ticas públicas cuja implementação depende da ação de vários ministérios. Além disso, na medida em que o Executivo tem de

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Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 155

contar com o apoio de vários partidos para ver seus projetos aprovados no Congresso, o processo de negociação é complexo e demorado, ou seja, envolve uma dinâmica difícil entre o presi-dente e os partidos da coalizão, muitas vezes baseada na ameaça e na retaliação mútua.

A tese de que a fragmentação partidária tem impacto nega-tivo no processo decis ório é contestada por Figueiredo e Limongi (1994) com base em análise das votações na Câmara dos Depu-tados. Para estes autores, a existência de um sistema partidário fragmentado não teria consequências, uma vez que a fragmenta-ção partidária é mais nominal do que real, dada a ocorrência de uma reaglutinação nas posições dos partidos. As evidências des-se trabalho ¾ baseado em análise acurada das votações de pro-jetos tramitados na Câmara dos Deputados ¾ demonstram que os partidos de direita (grandes e pequenos) votam similarmente e os de esquerda fazem o mesmo, sendo que o grau de coesão é também alto. De fato, pelo que se observou sobre os partidos na Constituinte e sobre o posicionamento dos deputados estaduais da legislatura 1987-91, não há diferenças contrastantes entre os vários partidos de direita ou entre os vários de esquerda, haven-do sim uma gradação de mais ou menos direita e mais ou menos esquerda (Kinzo, 1990 e 1993). No entanto, há que se fazer duas ressalvas. Em primeiro lugar, se é verdade que os partidos de direita assumem posições similares, ou não se diferenciam em questões essenciais, e se o mesmo ocorre com os de centro e os de esquerda, qual a relevância de existirem tantos partidos que ocupam semelhantes posições no espectro político-ideológico, mesmo porque também nas eleições eles se apresentam em aliança? A segunda ressalva tem a ver com as consequências da fragmentação sobre o processo decisório propriamente dito: a despeito de muitos dos partidos serem parecidos e, quando exa-minamos os resultados das votações, podermos ver menos par-tidos do que os nominais, o fato é que, na hora de negociar, eles

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156 Formação Sócio-Histórica do Brasil

o fazem como atores distintos, de modo que a situação continua sendo a de um jogo de poder fragmentado.

Em suma, o que predomina é uma situação em que o pro-cesso de decisão é dificultado pela existência de um sistema de múltiplos vetos, fazendo com que qualquer negociação envolva muitos atores e seja portanto árdua e demorada, situação muito mais propícia à manutenção do status quo do que à mudança de políticas. Em tal contexto, qualquer que seja o perfil do presidente e de seu partido, a probabilidade de reforma efetiva em políticas públicas é limitada. Na presente experiência de governo demo-crático pós-85, o chamado presidencialismo de coalizão (Abran-ches, 1988) tem funcionado às custas do recurso, por parte do Executivo, seja de mecanismos de decisão concentradores de poder, como é o caso das Medidas Provisórias, seja de recursos clientelísticos para negociar apoio parlamentar em bases às ve-zes até individuais. A permanência desta situação, que reproduz à enésima potência o sistema de contrapesos do modelo m adso-niano, pode ser entendida como fruto da acomodação possível no contexto de um padrão de desenvolvimento político como o descrito anteriormente. Isto não retira seu caráter problemático, especialmente num país em que a agenda política é carregada de problemas estruturais a serem equacionados.

Fonte: Consulte o texto completo em: KINZO, Maria D’Alva G. A democratização

brasileira: um balanço do processo político desde a transição. São Paulo:

Perspectiva. 2001, vol.15, n.4, pp. 3-12. Disponível em: http://www.scielo.br/

pdf/spp/v15n4/10367.pdf

Page 158: Formação Sócio-Histórica do Brasil

Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 157

Para refletir

O que você entendeu sobre o período da redemocratização da sociedade brasileira?

Entreviste uma pessoa sobre o período de transição demo-crática a respeito da campanha pelas Diretas-já.

Na sua interpretação por que a posse de José Sarney na presidência da repúbli ca é evidenciada com um momento de complexidade da política nacional?

A partir da leitura do texto complementar destaque com suas palavras os avanços e limites da democracia brasileira.

Coloque suas reflexões no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

4.4 REFORMAS CONSTITUCIONAIS, CIDADANIA E POLÍTICAS SOCIAIS INCLUSIVAS

O Brasil, emancipado de Portugal em 1822, teve oito cons-tituições, a primeira outorgada no Império, em 1824, a segunda, e as demais, foram promulgadas durante o período republicano, nos anos de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e a atual em 1988. Sendo que no período republicano as constituições de 1937 e as ementas/constituições de 1967 e 1969 foram outorgadas, isto é, foram de alguma forma impostas ao país e à sociedade brasilei-ra. Mas você deve estar se perguntando: por que estamos retomando essa discussão? A resposta é simples. Você deve ter notado que ao longo desse estudo destacamos como a cada novo momento histórico o ordenamento jurídico do país é repensado à luz das demandas sociais, políticas e econômicas existentes a cada época.

Page 159: Formação Sócio-Histórica do Brasil

158 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Nesse sentido, a Constituição de 1988 surge para legitimar a novo ordem política nacional recém saída de um ordenamento ditatorial. Entretanto, é preciso entender que ela foi elaborada sob forte pressão pelos diversos grupos de interesse que cons-tituem a sociedade civil brasileira naquele momento. A esse res-peito é interessante frisar que a sociedade brasileira do final da década de 1980 se apresentava entrecortada por diversos seg-mentos sociais, políticos, econômicos e religiosos.

Evidentemente, não há como reconhecer que a Carta Mag-na de 1988 tem produzido avanços notáveis em algumas áreas, notadamente no que se refere à consagração dos direitos indivi-duais e sociais. Entretanto, também é omissa ou dúbia em outros aspectos a exemplo das indefinições e imprecisões de conceitos como “propriedade produtiva” e “função social da propriedade”. Definições importantes para o desenvolvimento de políticas de governo, em particular, a relacionada ao processo de reforma agrária64.

64 Saiba mais a este respeito

lendo: CARVALHO FILHO,

José Juliano de. “Reforma

agrária: a proposta é uma

coisa, o plano do governo é

outra”. In: Estudos Avançados

[online]. 2004, vol.18, n.50,

pp. 337-345.

Luta pelo plano nacional de reforma agrária

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Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 159

No clima de redemocratização o controle constitucional foi

modificado pela nova Lei Fundamental que ampliou o número de

legitimados, ou seja, instituições com competência à proposição

de ação direta de inconstitucionalidade; recebeu os institutos

de mandato de injunção e da ação de inconstitucionalidade por

omissão, entre outras inovações.

Atualmente, com a constituição de 1988, realizou-se a

repartição federativa dos poderes constitucionais entre a União,

os estados, o Distrito Federal e os municípios. Contudo, a ques-

tão vital para a Federação, desde suas origens, tem sido: a

instituição do poder de tributar da União, a repartição da ex-

tração fiscal e de sua receita realizada e sua correspondente

distribuição dos encargos públicos e sociais de governo entre

a União, os Estados e os municípios. O grande problema do

federalismo brasileiro e a questão da autonomia de seus en-

tes federados – estados, municípios, distrito federal e União –

para arrecadar impostos e realizar políticas públicas. É o velho

pendão, isto é, a velha corda de disputas entre a centralização

versus descentralização.

Diante destas questões chama a atenção a constituição

de 1946 e seu caráter descentralizador, entre os estados, com

relação a seus encargos e competências, mas que concentra-

va os recursos na União, que repassava recursos por meio de

transferências constitucionais e transferências voluntárias, es-

tas últimas fruto de negociações políticas, alicerçadas por dis-

putas inter-regionais e interestaduais.

Para se tentar equacionar este problema criou-se por

meio da Emenda Constitucional no 18 de 1967, o Fundo de Par-

ticipação dos Estados e Municípios – FPEM. A Constituição de

1988, embora tenha conservado o FPEM, inverteu o sentido

federativo das constituições que a precederam, descentralizando

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160 Formação Sócio-Histórica do Brasil

65 Para saber mais a este

respeito leiam: TAVARES, J.

G. A. “Federação brasileira,

seu desenvolvimento e seus

Problemas.” In: Instituições

políticas Comparadas dos

países do mercosul. Rio de

Janeiro: FGV, 199, pp. 227- 44.

o poder de tributar, mas não as suas

funções, encargos e responsabili-

dades federais que permaneceram

com a União. Por outro lado, não estabeleceu parâmetros nem limi-tes, fato que tem contribuído para a multiplicação do clientelismo e a cor-rupção dos recursos públicos65.

Texto Complementar

O futuro ... no novo século XXIAriovaldo Umbelino de Oliveira

A história da questão agrária no Brasil revela, na atualida-de, que o MST é a face moderna do Brasil, a parte deste país que está em luta. Por mais estranho e extemporâneo que muitos possam achar, o movimento da cidade para o campo contradiz o movimento geral da marcha do campo para a cidade, mas é também um movimento que busca a construção de uma nova sociedade. Nos assentamentos procura-se implantar a produção coletiva e/ou comunitária, ou mesmo individual. Os problemas são muitos e vão desde os entraves para acesso ao crédito, ao mandonismo burocrático, à imposição stalinista e à não-compre-ensão do ideário camponês da produção em terra própria e da liberdade do trabalho.

Mas, são esses sem terra, agora no seio do Movimento dos Sem Terra, que marcham pelas estradas e pelas cidades deste país, ocupando locais e prédios públicos. O MST é praticamente, neste ano de 2001, a única força social de oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso, por isso a campanha para tentar destruí-lo. Mas, mesmo assim, a história tem sido implacável com aqueles que tentam ignorá-la. No Brasil, é quase consenso que qualquer alternativa de remoção da exclusão social no país

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Tema IV | Pós-guerra, nacionalismo e democracia 161

passa pela Reforma Agrária. Ela tem, portanto, um objetivo so-cial, ou seja, é o caminho para retirar da marginalidade social, no mínimo, uma parte dos pobres. Mas, a Reforma Agrária é tam-bém econômica, porque certamente levará ao aumento da oferta de produtos agrícolas destas pequenas unidades ao mercado. A Reforma Agrária, porém, tem que ser também política. Tem que ser instrumento mediante o qual esta parcela da população con-quiste a sua cidadania.

Sempre ouvi, nos acampamentos de Sem-Terra, os campo-neses acampados dizendo frases como eu prefiro morrer lutan-do por um pedaço de terra, morrer dignamente, do que morrer como indigente nas periferias da cidade. Portanto, a chegada à cidadania de grande parte destes pobres passa pela Reforma Agrária. Mas, passa também por uma proposta de Reforma Agrá-ria que tem de ser assumida como proposta de transformação desta sociedade, em busca de justiça, dignidade e solidariedade.

Por esse motivo, os camponeses sem-terra estão re-ensi-nando os ideais de nação, de pátria e de patriotismo neste início de século XXI, repletos de visões globalizadas de um mundo em que a cidadania é conquista de poucos. Assim, fico com os ver-sos de um camponês sem terra para concluir este texto.

É por amor a esta Pátria-BrasilQue a gente segue em fileira.Ordem e Progresso, Zé Pinto(Ordem e progresso, Zé Pinto, CD Arte em movimento – MST, São Paulo)

Fonte: Consulte o texto completo lendo: OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. “A

longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais, conflitos e

Reforma Agrária”. Estudos avançados. 2001, vol.15, n.43, pp. 185-206. Disponível

em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v15n43/v15n43a15.pdf

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162 Formação Sócio-Histórica do Brasil

Para refletir

O que você entendeu sobre o período de reformas consti-tucionais?

Faça uma pesquisa na internet ou mesmo junto a um movi-mentos sociais – movimento negro, movimento em defesa dos inte-resses das mulheres, ao Movimento dos Sem-Terra, Movimento do Sem-Teto ou ao movimento indígena – e destaque:

a) Avanços da Constituição de 1988;

b) Entraves estabelecidos pela Constituição de 1988.

c) E articulada à questão anterior procure responder por que a Constituição de 1988, apesar de ser considerada moderna e democrática, passa por reformas.

A partir da leitura do texto complementar faça com suas palavras uma avaliação da questão agrária atualmente no país.

Coloque suas reflexões no fórum do AVA e lembre-se de verificar as de seus colegas.

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RESUMO

Caros (as) alunos (as), parabéns! Chegamos ao final dessa discussão sobre a formação sócio-histórica do Brasil. Na primeira parte desta empreitada estudamos alguns dos principais acon-tecimentos do período colonial (1500-1822) e do período imperial (1822-1889). E nessa segunda parte do livro nos dedicamos ao estudo do período republicano desde sua proclamação, em 1889, até alguns de seus desdobramentos contemporâneos.

Nesse estudo temático, especificamente, concentramos nossas atenções em torno das discussões relacionadas à formação sócio-histórica do país após o fim da Segunda Guerra Mundial, vimos a este respeito as razões do fim do Estado Novo, a orga-nização e a participação da sociedade civil organizada nos debates sobre o nacional-desenvolvimentismo, enfatizamos o perfil de estadistas como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Analisamos o aguçamento dos debates nacionalistas às vésperas do golpe-civil militar de 1964.

Discutimos o impacto da ditadura para a sociedade brasileira, sobretudo, no que se refere a questões dos direitos humanos. E, por fim, fechando um balanço avaliativo acerca da importância do atual momento da sociedade brasileira, que após 21 anos de ditadura vive a experiência política democrática e assiste ao fortalecimento da cidadania através de políticas públicas volta-das para o social e o desenvolvimento humano. Resultado não apenas da atuação dos últimos governos, mas sim da necessidade e das prioridades que a sociedade brasileira em sua diversidade e pluralidade étnica, religiosa, cultural, econômica e regional tem apontado.

Em suma esse é um período de ajustes no texto cons-titucional, de consolidar avanços e de se rediscutir os hori-zontes, possibilidades e limites da organização da sociedade brasieira. Entretanto, a grande especificidade desse período

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é o acompanhamento, fiscalização e participação da sociedade civil brasileira em suas mais variadas instâncias desde as institui-ções religiosas, dos movimentos sociais, dos órgãos de repre-sentação de classe patronal, dos sindicatos, dos empresários e dos partidos políticos. Evidentemente que o resultado das dispu-tas e jogo de interesse quase sempre não é o ideal. Mas o respei-to a princípios com a tolerância, a transparência, a diversidade e a cidadania parecem nortear a construção de políticas públicas que têm como grande desafio promover o desenvolvimento do país no plano econômico, cultural e, sobretudo, social.

Evidentemente só descortinamos a ponta do grande icerberg que é a realidade brasileira. Mas esperamos e apostamos que as discussões aqui desenvolvidas possam subsidiar o trabalho profissional de vocês mostrando que muitos dos problemas sociais brasileiros têm raízes e cicatrizes profundas presentes no pocesso de formação sócio-histórica do país. Assim como esperamos também ter demostrado que em termos sociais e históricos nem sempre é possível aplicar às problemáticas sociais as soluções e encaminhamento ideais. A história, assim como a política e o trabalho do assitente social, se realiza no terreno do que é possível e não no plano do ideal.

Enfim, entenda a história como um processo social construido por homens e mulheres ao longo do tempo, é possível compreender os diferentes momentos e realidades da sociedade brasileira. Uma sociedade que no seu processo de vir a ser tem buscado os preceitos da cidadania, da justiça social e da democracia.

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