formação histórica de belo horizonte

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7 MÓDULO 1 FORMAÇÃO HISTÓRICA: TRÊS MOMENTOS DA HISTÓRIA DE BELO HORIZONTE EQUIPE: COORDENADORES: JOÃO ANTONIO DE PAULA ROBERTO L. M. MONTE-MÓR ASSISTENTES DE PESQUISA: FELIPE NUNES COELHO MAGALHÃES SULAMITA LINO

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MÓDULO 1

FORMAÇÃO HISTÓRICA: TRÊS MOMENTOS DA HISTÓRIA DE BELO

HORIZONTE

EQUIPE:

COORDENADORES: JOÃO ANTONIO DE PAULA

ROBERTO L. M. MONTE-MÓR

ASSISTENTES DE PESQUISA:

FELIPE NUNES COELHO MAGALHÃES

SULAMITA LINO

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9 2. BELO HORIZONTE 1897-1950: A FORÇA DA CULTURA ........................................... 11 3. BELO HORIZONTE 1950-1980: A FORÇA DA ECONOMIA......................................... 18 4. BELO HORIZONTE 1980-2004: A FORÇA DA DEMOCRACIA E DA SOLIDARIEDADE?................................................................................................................ 21 BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................... 31 ANEXO.................................................................................................................................... 32

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1. INTRODUÇÃO

A história da cidade está marcada por três momentos característicos. O primeiro

momento, de 1897 a 1950, é o da presença forte do estado tanto na construção da capital, quanto

em sua grande reestruturação, no final dos anos 40 e início dos anos 50. O segundo momento, de

1950 a 1980, teria como característica central a efetiva consolidação da cidade como pólo

econômico dinâmico, seja pela implantação de parque industrial significativo, seja pela

diversificação e expansão de sua estrutura de serviços, seja pelo expressivo crescimento

populacional. O terceiro momento, iniciado em 1980, e que se prolonga até agora, é assinalável

por um conjunto de crises, que, paralisando a economia brasileira, acabou impactando,

negativamente, a sociedade, que experimentará, neste tempo, expressivo empobrecimento seja

pelo aumento do desemprego, seja pelo aumento da informalização do trabalho, seja pela redução

da renda do trabalho, seja pela precarização da infra-estrutura.

Estas realidades da crise, amplamente disseminadas pelo país, são ainda mais

contundentes nas grandes cidades na medida em que nestes espaços os custos de reprodução

da força de trabalho são significativamente superiores aos prevalecentes nos pequenos núcleos

urbanos e nas áreas rurais pela maior mercantilização daqueles custos.

Este quadro, amplamente reconhecido, tem, no entanto, que ser qualificado em pelo

menos dois aspectos importantes. Uma primeira qualificação diz respeito à necessidade de se

superar a imagem dos anos 1980-2004 como marcados por absoluta regressão. Se o período foi

marcado por crise econômica, empobrecimento e precarização, do ponto de vista econômico, do

ponto de vista político e social foi um tempo de intensas mobilizações sociais e incrementos das

experiências organizativas e associativas, que não devem ser desprezadas porque elementos

constitutivos de qualquer processo de efetivo desenvolvimento econômico e social solidário.

De outro lado, este período, 1980-2004, visto pelo ângulo de certos indicadores de

condições de vida experimentou certo desenvolvimento como se vê a partir dos índices de

desenvolvimento humano que, em Belo Horizonte, passaram de 0,676 em 1970, para 0,775

em 1980 e 0,838 em 1990, conforme dados da Fundação João Pinheiro.

Trata-se, aqui, de reconhecer algo que é cada vez mais inescapável na análise das

sociedades contemporâneas: a complexidade dos processos, a necessidade de se superar

perspectivas unilaterais, a insuficiência de indicadores restritos.

No caso de Belo Horizonte, do Brasil como um todo, se não é o caso de ver as décadas

de 1980 e 1990 como “perdidas”, se é forçoso reconhecer significativos avanços políticos e

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sociais, e mesmo certa melhoria de indicadores de condições de vida, também não é possível

ignorar a contundência da crise social, da crise econômica, da crise urbana, da crise da infra-

estrutura, que têm marcado a vida brasileira nas últimas décadas.

A constatação de certa melhoria, em Belo Horizonte, no Brasil, de indicadores de

condições de vida – redução da mortalidade infantil, aumento da esperança de vida, aumento

dos níveis de escolarização – ao mesmo tempo que também aumentaram a precarização do

trabalho, a redução da renda do trabalho, o desemprego, entre outros fatores negativos, deve

significar, para nós, a necessidade de se ultrapassar as perspectivas que privilegiando um ou

outro aspecto da questão, ignoram a complexa e contraditória trama de que é feita a realidade

contemporânea sobretudo no referente às grandes cidades.

Neste texto assume-se que se um município, ainda que forte e consistente, não pode,

seja pelas implicações da ordem federativa, seja pela imposição das determinações

macroeconômicas, escapar ao sentido geral da realidade brasileira, isto não significa negar-lhe

possibilidades de efetivo desenvolvimento social. A construção de um processo de

desenvolvimento municipal é processo complexo mas exeqüível, há vários exemplos disto no

mundo como se vê no caso de certas cidades da Terza Italia.

Nestas experiências exitosas a combinação de políticas públicas, mobilização e

articulação comunitária, atuando sobre setores estratégicos, têm resultado em significativos

ganhos em termos de geração de renda, emprego e desenvolvimento sócio-cultural.

Assume-se aqui, que, Belo Horizonte, tem, sob vários aspectos, consideráveis potenciais

de desenvolvimento, que são ainda mais ponderáveis quando se constata que estes potenciais

concentram-se em áreas estratégicas do desenvolvimento contemporâneo como são as atividades

ligadas à cultura, à ciência e tecnologia, ao comércio moderno. Belo Horizonte, ao longo de sua

história, vai se especializar no cultivo destas atividades. Valorizar este patrimônio, concretizar

suas possibilidades, incrementar suas virtualidades são formas de, efetivamente, produzir o

desenvolvimento da cidade.

Trata-se aqui, no essencial, de explicitar certas características da cidade, suas

vocações mais autênticas, como pressupostos estratégicos de um processo de

desenvolvimento, que será tanto mais consistente quanto mais ele se apoiar do que de melhor

a cidade tem sido.

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2. BELO HORIZONTE 1897-1950: A FORÇA DA CULTURA

Belo Horizonte nasceu de um gesto político, de uma motivação ideológica. Ao realizar

o velho ideal dos inconfidentes, de transferência da capital de Minas Gerais, os republicanos

mineiros queriam acentuar tanto uma continuidade quanto uma ruptura: continuidade com o

movimento inconfidente e seus valores, ruptura com a ordem imperial, com a casa bragantina,

que havia reprimido o movimento, que ousara mesmo pensar em república e autonomia

naquele final do setecentos.

A mudança da capital mineira buscou sinalizar os novos tempos que a República queria

inaugurar – tempo de progresso material, de progresso cultural, de cidadania e bem-estar

coletivos. Belo horizonte foi, sob vários aspectos, uma espécie de cartão de visitas do novo

regime. Seu traçado, sua fisionomia eram mais que uma metáfora da nova ordem que se

buscava implantar, eram materializações de uma filosofia, de uma política, de uma pedagogia,

de uma nova forma de sociabilidade. As ruas largas, as avenidas arborizadas, as numerosas

praças, os espaços públicos generosos, o grande parque central da cidade eram a presentificação

de uma nova proposta de vida comunitária em que a rua convidava ao convívio, à interação

social.

Não se esqueça, é claro, que este ideal republicano, de progresso e luzes, nunca foi

inteiramente democrático e carregou sempre certos traços de exclusão e autoritarismo como

se vê na atitude de Aarão Reis, que afinal, não prevaleceu, mas marca aquele republicanismo

positivista. Disse o padre Francisco Martins Dias, em texto de 1897 – “Mais de uma vez

ouvimo-lo dizer, é verdade, que não queria nenhum dos antigos habitantes de Belo horizonte

dentro da área urbana ou suburbana traçada para a nova cidade, e que tratasse o povo de ir se

retirando, mas se, como efeito, eram esses os planos e o desejo do dr. Aarão, não se

realizaram, porque foram modificados e abandonados; e, como se viu e se vê ainda, grande

parte dos habitantes permanecem no arraial.” (DIAS, 1897, p. 84)

Esta resistência dos antigos moradores em se deixarem expulsar é um dos traços

marcantes da história da cidade que vai se manifestar em diversos momentos reiterando uma

prática cujo sentido geral é a existência de uma sociedade civil que está longe de confirmar

certa imagem de conservadorismo e apatia que, por vezes, se imputou à cidade: a greve de

1912, com barricadas na rua da Bahia e a vitória da reivindicação de redução da jornada de

trabalho; as mobilizações na década de 1920 contra os abusos das elevações dos preços dos

bondes e dos cinemas; as ocupações de terra urbana que resultaram na criação dos bairros da

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Cabana, do 1º de Maio; o vigor do movimento sindical em categorias importantes como dos

bancários, metalúrgicos, construção civil, são testemunhos de vida política dinâmica e densa

em Belo Horizonte.

Vários são os momentos em que é possível surpreender a cidade como espaço do novo

nos interstícios de um quadro geral que, no geral, foi conservador, na medida em que mesmo

os elementos de modernidade e vanguarda, que a cidade viveu, até recentemente, estiveram

sob o controle do “senhoriato” tradicional de Minas Gerais, que mesmo tendo sempre uma

vertente modernizante – Teófilo Otoni, João Pinheiro, Juscelino Kubitschek – foi sempre

cioso de seus privilégios no sentido em que prevaleceu aqui, como no resto do Brasil, a

interdição de processos efetivos de distribuição da renda, da riqueza e do poder.

Não se veja no dito aqui tese que nega a existência de muitos e significativos avanços

econômicos, políticos, sociais e culturais na história da cidade, senão que a compreensão de que a

justa valorização destes avanços implica em reconhecer seus limites e contradições. Na verdade,

trata-se de reconhecer a existência de vários e significativos campos em que a cidade tem reais

possibilidades de desenvolvimento que serão tão mais efetivos quanto mais sejam considerados na

totalidade de suas virtualidades e bloqueios.

A cidade nasceu desafiando preconceitos e obstáculos, foi construída em tempo recorde se

se considerar os constrangimentos decorrentes de seu isolamento relativo e a precariedade dos

sistemas viário e de transportes vigentes. A cidade foi concebida para abrigar uma população de

no máximo 200 mil habitantes e se a queria centro político e administrativo. Era explícita no

plano a tese de que a cidade que se iria construir não teria vocação industrial, não reivindicaria ser

pólo econômico. As atividades econômicas, as estruturas produtivas, de comércio e serviços que a

cidade abrigaria seriam aquelas necessárias ao atendimento das demandas por bens e serviços dos

moradores da cidade não estando previsto o desbordamento destas atividades, a transformação da

cidade em pólo econômico regional ou nacional. No essencial, os planejadores da cidade

entendiam que a simples presença da capital do estado em região central do território induziria

tanto uma reconfiguração espacial das atividades econômicas, da infra-estrutura viária, de

transportes e comunicações, de movimentos migratórios, que redefiniriam a ocupação do espaço

mineiro por meio de efetivo processo de integração e rearticulação regional.

Belo Horizonte, por esta estratégia, seria o epicentro da tentativa de uma nova

rearticulação regional, que buscaria integrar um estado que por mais de um motivo era visto

como um mosaico. (WIRTH, 1982)

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Para os que criaram a cidade este papel de rearticulação, de integração regional, que a

cidade buscaria exercer, parecia tanto ser uma opção racional, uma aposta na especialização

funcional da cidade, virtude incontestável, quanto, por outro lado, refletia o espírito do tempo em

sua crença na capacidade do estado e da política de determinarem os processos históricos.

Na prática, a história da cidade tanto confirmará quanto negará as teses dos seus

pioneiros planejadores. Se, de fato, a aposta numa “cidade não-industrial” mostrou-se, com o

tempo, uma opção conseqüente e mesmo prenunciadora de certas tendências hegemônicas no

mundo contemporâneo, quanto à valorização das atividades de serviços e comércio, por outro

lado, este resultado não decorreu do efetivamente planejado. Na verdade, a cidade contrariará,

em mais de um aspecto, o plano original, seja pelo crescimento demográfico, que transcendeu

em muito, e rapidamente, o planejado, seja pela expansão das atividades econômicas que,

efetivamente, transformaram a cidade num pólo econômico com significativos impactos sobre

várias regiões do estado, destoando, no essencial, do plano que a queria apenas capital política

e administrativa.

Veja-se a TAB. 1.:

TABELA 1

POPULAÇÃO DE BELO HORIZONTE 1900-1950

Nº de habitantes Taxa de crescimento médio anual 1900 13.472 - 1905 18.662 7,70 1910 33.245 15,62 1915 45.741 7,50 1920 56.914 4,88 1925 81.396 8,67 1930 116.981 8,67 1935 167.712 8,67 1940 214.307 5,55 1945 272.910 5,46 1950 352.724 7,11

Fonte: GIANNETTI, 1951; PBH, 1985.

Os números do crescimento demográfico impõem duas constatações de imediato: a

cidade, já em 1940, tinha ultrapassado a população máxima prevista no plano. A segunda

constatação decorre desta primeira e aponta para o fato de que este crescimento demográfico

deve ser visto como resultado de um significativo processo de expansão econômica, que

explicaria a força atratora da capital, que continuou tendo crescimento demográfico superior à

média do estado de Minas Gerais e do Brasil até a década de 1980, crescimento este em

grande parte explicável pela migração.

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Registre-se agora o referente à dinâmica setorial do crescimento econômico da capital

em seus primeiros tempos. Cidade em construção, era de se esperar a participação expressiva

das atividades ligadas à construção civil, bem como das atividades de extração de pedra e

areia. Os dados referendam esta expectativa como também confirmam o significativo da

participação das atividades de administração pública. Veja-se a TAB. 2..

TABELA 2

PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DO PESSOAL EMPREGADO SEGUNDO PROFISSÕES EM BELO HORIZONTE

1905-1920 1905 1912 1920

Exploração do solo e subsolo 30,5 19,0 15,0 Indústrias 25,0 34,8 36,4 Transporte 2,8 6,5 6,8 Comércio 12,8 13,2 12,6 Administração e Profissionais Liberais 28,8 26,3 29,0 Total 100 100 100

Fonte: Secretaria de Agricultura, 1929.

Contudo, a surpresa, se se pode dizer, destes dados é o crescimento significativo do

setor industrial, que continuará expressivo pelas décadas seguintes fazendo com que Belo

Horizonte saísse do 3º lugar, entre os municípios mais industrializados de Minas Gerais em

1920, para a primeira posição neste quesito, em 1946, representando 14% do valor da

produção industrial de Minas Gerais. (SINGER, 1968, p.p. 236 e 254)

TABELA 3 SETOR INDUSTRIAL DE BELO HORIZONTE

1939/1948 Nº de estabelecimentos Pessoal Empregado

1939 748 10.589 1940 740 10.729 1941 747 11.830 1942 760 11.975 1943 761 12.378 1944 1.120 17.832 1945 1.657 19.812 1946 1.228 20.908 1947 1.458 19.540 1948 1.418 19.304

Fonte: GIANNETTI, 1951, p. 19.

Este crescimento industrial de Belo Horizonte, se foi significativo em termos

relativos, teve a obstaculizá-lo um constrangimento importante, que foi a precariedade da

oferta de energia elétrica, que só foi superada com a instalação da CEMIG, em 1952. De

qualquer modo, a indústria em Belo Horizonte crescerá significativamente na década de 1940,

como se vê na TAB. 3..

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Este crescimento industrial de Belo Horizonte está fortemente ligado às características

da dinâmica geral da economia mineira, que naquele período, e ainda hoje, apoiava-se, em

grande medida, em atividades mínero-metalúrgicas, atividades estas, que, concentradas na

região metalúrgica do estado, têm em Belo Horizonte sua centralidade, seja como espaço de

produção, seja, sobretudo, um espaço concentrador de serviços de apoio àquelas atividades.

A expansão do setor industrial de Belo Horizonte, a partir do vetor mínero-

metalúrgico, terá seu momento de consolidação, e de quase esgotamento de suas

possibilidades de expansão, nas décadas de 1950/60 de que é emblemático a instalação da

planta da Mannesmann, em 1954.

A partir daí as possibilidades do crescimento industrial, em Belo Horizonte, vão se

estreitar seja pela carência de áreas disponíveis para grandes empreendimentos industriais,

seja pelo crescimento da renda da terra urbana e da descoberta das externalidades negativas

destas atividades altamente demandantes de recursos naturais e energia e com grandes e

negativos impactos ambientais.

Na verdade, desde a década de 1940 o desenvolvimento industrial de Belo Horizonte

desbordou os limites do município antecipando tendência, que é hegemônica hoje, e que

recomenda considerar as questões do desenvolvimento industrial, bem como outras questões,

como, sobretudo, questões regionais, metropolitanas, intermetropolitanas etc.

Pensado para ser espaço político-administrativo, a Belo Horizonte foi destinado

território restrito já que não se o queria sediando atividades econômicas de monta. Este fato,

desde logo, sempre foi um fator a ser considerado no planejamento da cidade exigindo

permanente calibragem de seus planos de expansão, exigindo sempre que se busque o melhor

uso possível do espaço, isto é, que se busque pensar o desenvolvimento da cidade de forma a

magnificar seus potenciais e vocações levando em conta as restrições decorrentes do pequeno

tamanho do território etc.

Por outro lado, houve, qualquer que tenha sido a motivação, um significativo esforço

de desenvolvimento na cidade de atividades hoje classificadas como terciárias: atividades de

administração pública, educacionais, culturais, bem como as atividades comerciais, bancárias

e financeiras. Alguns eventos são simbolicamente confirmadores destas tendências tais como:

a pioneira Reforma do Ensino Primário, modelo para o restante do país, instituída por João

Pinheiro em 1906, e que teve Belo Horizonte como seu centro irradiador; os diversos grupos

modernistas que agitaram o panorama cultural mineiro na década de 1920 em que se destacam

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os grupos reunidos em torno de A Revista (1925) e do suplemento Leite Criôlo (1929); é

também da década de 1920 a Nova Reforma do Ensino Primário, de 1927, e a Reforma do

Ensino Normal, de 1928, momentos decisivos no movimento geral da Escola Nova no Brasil,

processo em que Minas Gerais, em que Belo Horizonte, terão destaque e pioneirismo.

Registre-se, porque também significativo, deste mesmo período, a criação da Universidade

Federal de Minas Gerais, em 1927. Não será exagero se se disser que Belo Horizonte sediou

um significativo esforço de renovação e atualização de nossas instituições de ensino, sendo

modelar para o conjunto do país o que se fazia aqui no campo dos métodos e técnicas

pedagógicas. Deste modo, não há que se estranhar que a grande Reforma do Ensino brasileiro,

de 1931, tenha sido implementada na gestão do ministro Francisco Campos, que foi Secretário

da Educação de Minas Gerais, no Governo de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1926-30).

Do mesmo modo os reconhecidos méritos da gestão de Gustavo Capanema, a partir de 1934,

no Ministério da Educação, sua decisiva atuação no campo da preservação, valorização e

renovação de nossa vida cultural, muito estão associados aos esforços de “modernistas” que

se formaram em Belo Horizonte, como Carlos Drummond de Andrade, Abgar Renault,

Rodrigo de Melo Franco Andrade entre outros.

Belo Horizonte, como qualquer cidade, se caracterizará pela concentração de

atividades terciárias. É o fato de concentrar serviços que distingue a cidade, qualquer cidade,

de qualquer outra concentração populacional. Neste sentido, Belo Horizonte nasce e se

expande como cidade que é cidade, isto é, cidade que tem na oferta de serviços sua marca

específica. Escolas, hospitais, templos religiosos, clubes e associações, centros de pesquisa e

de apoio a atividades técnicas, administrativas, comerciais, produtivas, espaços de lazer e

aprimoramento cultural, lojas e restaurantes, hotéis, bares e cinemas, teatros e museus, são os

elementos de sua topografia diversa, complexa e expansiva.

Belo Horizonte, nascida capital republicana, tornou-se por um conjunto de

circunstâncias e determinações um espaço de renovação estética, arquitetônica e urbanística.

Se até 1930, dominaram as perspectivas neoclássicas, certo ecletismo que acolheu tanto o

neocolonial como mesmo o neogótico-manuelino do Conselho Deliberativo, inaugurado em

1914, depois de 1930 a cidade será tomada pelo “modernismo” em vários aspectos: de 1936 é

a Exposição de Arte Moderna de 1936, também chamada de 1º Salão de Arte Moderna do

Bar Brasil; também de 1936 é a inauguração do primeiro arranha-céu de Belo Horizonte, o

Edifício Ibaté, com 10 andares, dando início à verticalização da cidade.

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Depois, na década de 1940, com a Pampulha, com a Cidade Industrial, com a

expansão dos eixos norte e oeste a cidade completará seu primeiro ciclo constitutivo: a cidade

nascida da ação política, a cidade balizada pela intervenção do estado, a cidade moderna e

modernista, republicana e contraditória em sua tensão entre a forma moderna de sua estrutura

arquitetônica e urbanística e certo conservadorismo. São exemplos desta tensão o fato de que

durante os seus 50 primeiros anos nenhum de seus prefeitos tenha sido eleito pelo voto direto;

pelo fato de que se mantiveram desiguais padrões de distribuição da renda, da riqueza e do

acesso à terra urbana.

Assim, não se desconheça os vários aspectos do desenvolvimento da cidade – seu

pioneirismo educacional, arquitetônico, urbanístico, cultural – mas, também, reconheça-se a

presença de desigualdades e injustiças, que cobram enfrentamento democrático e popular.

Esta primeira fase da história da cidade, nascida, com o plano de Aarão Reis,

encerrou-se com a reestruturação urbana promovida por Juscelino Kubitschek, que vai muito

além da construção do conjunto da Pampulha. Gestão particularmente profícua para a cidade

– 1940-45 – o governo JK em Belo Horizonte antecipará algumas das características que vão

se expressar em escala nacional mais tarde, de tal modo que, em vários aspectos Belo

Horizonte funciona como um ensaio geral do que será a presença de JK na presidência da

República. Registre-se que no caso de Belo Horizonte a gestão JK teve, ao lado do

reconhecido caráter desenvolvimentista, significativas iniciativas nos campos cultural e social.

Neste último campo ressaltem-se os Restaurantes e Armazéns Populares criados então.

Sob vários aspectos, o governo JK na Prefeitura de Belo Horizonte é como uma

reinvenção da cidade, reinvenção que não nega o passado, que não subestima o peso e o papel

da memória na constituição das identidades coletivas, senão que tomando as melhores

tradições e vocações da cidade, sua modernidade arquitetônica e urbanística, a força de sua

vida cultural, reivindica o futuro para a cidade. É este o sentido da Pampulha, símbolo tanto

de ousadia técnica quanto de ousadia estética.

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3. BELO HORIZONTE 1950-1980: A FORÇA DA ECONOMIA

Se as primeiras décadas de Belo Horizonte foram dominadas pela presença do estado,

a dinâmica da cidade, entre 1950 e 1980, será marcada, em grande medida, pelo capital.

Reconhecer isto, contudo, não significa ignorar a importância dos três níveis de governo na

vida da cidade, senão que é constatação do fato de que neste período encerrou-se a etapa de

implantação da cidade, aquela em que o poder público, de fato, determinou os grandes vetores

do desenvolvimento da cidade: as grandes estruturas viárias, os equipamentos coletivos

estruturantes, as grandes obras de infra-estrutura etc. A partir daí será o capital que vai

determinar mesmo certas ações do poder público no sentido de valorização de terrenos, de

facilitação de vantagens e lucros. Também, não se conclua, do que foi dito, que o capital não

tenha se beneficiado da ação do estado no período anterior a 1950. Sob certos aspectos, como

no caso do serviço de bondes e de fornecimento de energia, foi ainda mais forte a presença do

capital na cidade, já que estes serviços estiveram, por longo tempo, sob o controle de

monopólios privados, acusados de abuso de preços e precariedade dos serviços prestados.

Sabe-se que a economia brasileira vai crescer significativamente entre as décadas de

1940 e 1980. Belo Horizonte acompanhará esta tendência. Foram anos de crescimento

econômico e demográfico, de crescimento industrial e de modernização, mas também foram

anos em que as desigualdades sociais foram intensificadas.

TABELA 4

POPULAÇÃO DE BELO HORIZONTE 1950/1980

População Taxa de crescimento anual 1950 352.724 - 1960 693.328 1950/60 7,00 1970 1.235.030 1960/70 5,9 1980 1.780.855 1970/80 3,7

Fonte: PBH, 1985.

Também expressivo foi o crescimento industrial tanto de Belo Horizonte quanto da

Região Metropolitana de Belo Horizonte. A RMBH era responsável por 38,4% do valor da

transformação industrial do estado. (ALEMG, 1993, p. 23)

Se a RMBH construiu posição hegemônica na estrutura industrial mineira também

apresenta preponderância no referente às atividades de serviços, que, também, estão

fortemente concentradas ali. Veja-se a TAB. 5.

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TABELA 5 POPULAÇÃO OCUPADA POR SETOR DE ATIVIDADE EM BELO HORIZONTE

1980 Pessoal ocupado %

Agricultura 2.922 0,4 Indústria 217.575 30,3 Comércio de mercadorias 94.496 13,0 Transporte, Comercialização e Armazenagem 45.409 6,3 Outros serviços 357.555 50,0 Total 717.957 100

Fonte: PBH, 1985, p. 68.

Registre-se que sob esta rubrica “outros serviços” estão as atividades de prestação de

serviços, atividades sociais, administração pública e outras atividades terciárias confirmando

uma tendência que, sendo comum a várias grandes cidades, tem em Belo Horizonte certa

singularidade, que decorreria tanto de sua precoce opção por esta vertente do

desenvolvimento urbano, mas, mais importante, por ser expressão de um “acervo de

vantagens” que a cidade possui e que está ligado ao seu patrimônio cultural.

Belo Horizonte, que teve crescimento populacional anual médio entre 1950 e 1960 de

7%, foi, particularmente, beneficiada pelo intenso processo de crescimento da economia

brasileira naquele período. Localizada em região estratégica do ponto de vista de dotação de

recursos minerais, a cidade tanto desenvolverá diretamente, quanto será beneficiada

indiretamente pelos sucessivos blocos de investimentos em setores mínero-metalúrgicos de

grande porte desde o final da década de 1930, a partir da construção da usina de Monlevade

da Belgo-Mineira. Ao lado destes setores, essenciais para o desenvolvimento industrial

brasileiro, lembrem-se, também, dois outros, o de geração, transmissão, distribuição de

energia elétrica e de construção civil, que terão em Belo Horizonte um locus privilegiado de

expansão seja pela presença da CEMIG, seja pela presença de grandes construtoras, que vão

marcar as décadas de 50, 60 e 70 com grandes obras de engenharia pesada.

Enfim, Belo Horizonte foi sede de alguns dos setores mais fortemente engajados na

expansão da indústria brasileira entre os anos de 1940 e 1980.

O fato de que a cidade tenha podido aproveitar-se desta vigorosa e prolongada onda de

crescimento econômico deveu-se, em grande medida, a dois elementos determinantes: a) ao

modo de desenvolvimento da economia brasileira naquele período, que privilegiou atividades

nas quais Belo Horizonte tinha certa vantagem locacional; b) mas, mais importante, talvez,

seja o fato da cidade contar com um aparato de serviços – escolas, universidades, centros de

pesquisas, centros de lazer e consumo, etc. – apto a dar o suporte necessário àquelas

atividades industriais.

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O significativo crescimento que houve, sabemos, não foi partilhado por todos do

mesmo modo. Houve quem do processo só tenha vivido suas mazelas. É o caso aqui da

expansão do processo de favelização, que acompanhou a expansão econômica da cidade. TABELA 6

POPULAÇÃO FAVELADA EM BELO HORIZONTE 1966/1981/1985

1966 119.799 1981 233.500 1985 550.000

Fonte: COSTA e PEREIRA, 1967, p. 55; COSTA, 1994, p. 73

Já os dados para as décadas 1970 e 80 mostraram tendência para a queda das taxas de

crescimento demográfico de Belo Horizonte. Isto, na verdade, é tendência encontrada em

outras grandes cidades brasileiras no mesmo período, que trai tanto fenômeno demográfico

estrutural – a rápida queda das taxas de fecundidade no Brasil naquele período – quanto

fenômeno urbano mais complexo, que está associado ao crescimento dos preços da terra

urbana e mesmo a certa desconcentração espacial das atividades econômicas.

O fato concreto é que Belo Horizonte, cuja estrutura produtiva estava muito associada

ao perfil básico dos setores líderes do desenvolvimento brasileiro dos anos 40/50/60/70, será

fortemente afetada pela crise que vai paralisar aquele modelo de desenvolvimento ao final dos

anos 1970.

Uma exemplar manifestação do que se disse aqui, talvez, seja o destino de duas

grandes construtoras sediadas em Belo Horizonte e líderes em seu ramo de negócios nos anos

60/70. Enquanto uma empresa diversificou-se, buscou adaptar-se aos novos tempos, às novas

oportunidades de negócios, a outra empresa insistiu na vertente tradicional, que tinha feito a

sua pujança e mesmo aprofundou esta escolha com a implantação de uma usina siderúrgica. O

resultado destas escolhas, sabemos, foi ingrata para a segunda empresa, ainda que ela tivesse

que amargar prejuízos, que não dependeram de sua gestão. Ou seja, ainda que a empresa mal

sucedida possa alegar razões externas à sua vontade e competência para explicar seu

insucesso é forçoso reconhecer que sua opção não foi capaz de adaptar-se às novas condições

de um setor público quebrado, incapaz de investir e obrigado a se submeter às imposições dos

credores e suas exigências privatizantes.

Sabemos todos, o Brasil vive hoje um paradoxo dramático. Vê, literalmente, a sua

infra-estrutura produtiva apodrecer-se condenando-se, deste modo, a um crescimento

medíocre e, ainda assim, permanentemente sob ameaça de um “apagão sistêmico”.

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21

Contudo, se Belo Horizonte foi colhida pela mesma tempestade que destruiu no Brasil

o chamado “modelo desenvolvimentista”, se Belo Horizonte tem padecido dos mesmos males

que têm afetado o conjunto da economia brasileira, desde o final da década de 1970, isto não

significa que a cidade não possa voltar a crescer e a, de fato, buscar processo de

desenvolvimento democrático e includente.

No centro desta estratégia de desenvolvimento devem ser consideradas duas grandes

vertentes de políticas públicas: a) a valorização da democratização da cidade, a construção de

efetivo processo de distribuição da renda, da riqueza e do poder; 2) a valorização das

“vocações” da cidade, a valorização da cidade como espaço privilegiado de atividades

culturais, comerciais, científicas e tecnológicas.

Para dizer numa palavra: Belo Horizonte, durante décadas, foi base, suporte de

atividades fundamentais do desenvolvimento brasileiro baseado nas tecnologias decorrentes

da 2ª Revolução Industrial, nunca foi apenas isto, nem, talvez, isto tenha sido o seu melhor. A

cidade, na verdade, nunca explorou adequadamente o seu significativo patrimônio como

espaço cultural, como espaço privilegiado de desenvolvimento científico e tecnológico.

Criada para ser uma cidade voltada para atividades terciárias Belo Horizonte, durante

décadas, foi mobilizada para servir e servir-se do processo de industrialização brasileiro.

Esgotado este processo a cidade como que tem sido tomada da mesma paralisia que tem

afetado o Brasil já por mais de duas décadas. Sobre isto, é claro, é preciso considerar o peso

da crise econômica, o peso dos problemáticos ajustes macroeconômicos, que se têm imposto e

que tem afetado o conjunto do país. Contudo, assume-se aqui que há lugar para políticas

públicas ativas no âmbito municipal e mesmo entende-se possível buscar alguma sorte de

processo de desenvolvimento local. Se não há lugar hoje, para otimismos, não se anule,

inteiramente, a possibilidade de alternativas.

4. BELO HORIZONTE 1980-2004: A FORÇA DA DEMOCRACIA E DA SOLIDARIEDADE?

Desde 1980 a economia brasileira tem enfrentado crises. No essencial, a economia não

tem crescido. Desde então, ao mesmo tempo o desemprego avança, a renda do trabalho

decresce, os trabalhadores perdem direitos sociais e previdenciários, a exclusão social, a

concentração da renda e da riqueza batem recordes.

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A vida da cidade reflete, exemplarmente, tudo isto. A população de Belo Horizonte já

não cresce. O crescimento demográfico concentra-se nas cidades vizinhas. Precários e pobres,

esses municípios absorvem/expulsam uma população que, não podendo morar na capital,

busca viver dela, trabalhando nela, socorrendo-se dela para os cuidados de saúde, para a busca

da sobrevivência.

Neste sentido, uma política efetiva de desenvolvimento de Belo Horizonte ou será

metropolitana, mais que isto regional, ou não será capaz de dar conta dos diversos tipos de

demandas que a cidade tem que responder, em diversas escalas espaciais. Tanto o

planejamento, quanto as políticas públicas de desenvolvimento da cidade estão desafiadas a

dar respostas que, sem ignorar as especificidades da cidade e os limites político-institucionais,

sejam capazes de enfrentar a questão em sua efetiva dimensão metropolitana e regional.

Belo Horizonte nasceu Capital de Minas e permanece o centro de articulação das

diversas economias, culturas e sociedades mineiras, e deve cada vez mais se afirmar assim.

Incapaz ainda de polarizar todo o espaço econômico estadual, é sem dúvida a “capital das

minas e dos sertões”, vem ampliando sua esfera de influência no estado, e é capaz de integrar

as muitas regiões mineiras como centro cultural e de serviços.

Nesse sentido, não apenas necessita fortalecer suas ligações com as regiões mais

distantes como também, e principalmente, reforçar seus laços culturais e econômicos com seu

espaço imediato de influência para atingir, além da sua região metropolitana, as cidades

médias do seu entorno e, através delas, as sub-regiões que com ela se articulam mais

diretamente. Um sistema de grandes eixos rodoviários (além de um sistema ferroviário ora em

baixa operação) liga Belo Horizonte às várias regiões mineiras e aos estados vizinhos: a BR-

040, no sentido sudeste/noroeste, liga a capital à Zona da Mata e ao Rio de Janeiro assim

como às regiões noroeste e a Brasília; a BR-381, no sentido sudoeste/nordeste, liga-a com o

Sul de Minas e São Paulo e a Governador Valadares, e dali à Bahia e ao Nordeste; e a BR-

262, sentido leste/oeste, liga Belo Horizonte ao Vale do Rio Doce e a Vitória e a ao Triângulo

Mineiro e ao Oeste de São Paulo. Completam este sistema rodoviário principal outras

rodovias estaduais articuladas ligam a capital a Divinópolis, a São João d’El Rey, e muitas

outras, assim como outras rodovias federais a ligam a Ouro Preto, Diamantina, e outras

cidades médias do estado. (MAPA 1)

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MAPA 1 ENTORNO DA RMBH

POPULAÇÃO EM 2000 E PRINCIPAIS RODOVIAS

Fonte: Elaboração própria a partir do Censo Demográfico 2000. IBGE.

Segundo um estudo de polarização urbano-regional recente desenvolvido no

CEDEPLAR (2000), Belo Horizonte polariza 39 micro-regiões da área central e do norte do

Estado, que por sua vez são polarizados por cinco pólos meso-regionais: Governador

Valadares, Teófilo Otoni e Montes Claros, além de Divinópolis, Ipatinga e da própria Belo

Horizonte. Entre estas, três meso-regiões podem ser definidas como formadoras do Entorno

da RMBH. A meso-região de Belo Horizonte, abrangendo ela mesma 13 micro-regiões (além

da micro-região de Belo Horizonte): Sete Lagoas, Itabira, Conselheiro Lafaiete, Pará de

Minas, Itaguara, Ouro Preto, Guanhães, Curvelo, Três Marias, Diamantina, Conceição do

Mato Dentro (anteriormente, Serro), São João Del Rei e Ponte Nova; e as meso-regiões de

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Divinópolis e do Vale do Aço (Ipatinga), polarizando respectivamente cinco micro-regiões

(Divinópolis, Oliveira, Formiga, Pium-í e Bom Despacho) e três micro-regiões (Ipatinga,

Caratinga e Manhuaçú) (QUADRO 1). A este conjunto urbano-regional chamamos o Entorno

da RMBH. QUADRO 1

ENTORNO DA RMBH - MESO E MICRORREGIÕES

Mesorregião Microrregião Belo Horizonte Sete Lagoas Itabira Conselheiro Lafaete Pará de Minas Itaguara Ouro Preto Guanhães Curvelo Três Marias Diamantina Conceição Mato Dentro São João Del Rei Ponte Nova Divinopólis

Belo Horizonte

Oliveira Formiga Piuí Divinópolis Bom Despacho Ipatinga Caratinga Ipatinga Manhuaçu

Fonte: LEMOS, Mauro B. et al, 2000

A capacidade de uma metrópole de criar e fortalecer suas articulações com o espaço

regional que polariza vem sendo cada vez mais reconhecida como uma condição para o

desenvolvimento urbano-regional contemporâneo (Jacobs, 1995; Storper, 1997). Nos tempos

atuais, quando numa “reversão” os serviços passaram a ditar padrões de desenvolvimento e a

influenciar fortemente a localização das atividades produtivas, as grandes áreas urbanas e

metropolitanas ampliaram sua capacidade de articulação do espaço urbano- regional em um

processo extensivo de criação das condições gerais de produção exigidas pelo capitalismo

contemporâneo. Esse processo, que em outros textos chamamos de urbanização extensiva,

aprofunda a integração dos espaços articulados às concentrações metropolitanas, ao mesmo

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tempo em que cria e fortalece novas centralidades, redefinindo essa integração e aumentando

a interdependência regional à ordem metropolitana.

É neste sentido que cabe chamar a atenção para a importância do Entorno da RMBH,

abrangendo as micro-regiões próximas onde surgem e/ou crescem centralidades

complementares ao aglomerado metropolitano. Vários municípios de tamanho médio deste

Entorno têm concentrado o crescimento populacional gerando, juntamente com outros

municípios recém-integrados à região metropolitana, uma rede de centros principais que

supera o crescimento na metrópole e mesmo da região metropolitana como um todo (MAPA

2). MAPA 2

ENTORNO DA RMBH TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL DA POPULAÇÃO URBANA – 1991 a 2000

Fonte: Elaboração própria a partir do Censo Demográfico, 1991 e 2000. IBGE.

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Definimos como “rede urbana principal” deste Entorno o conjunto de municípios que

apresentavam mais de 50 mil habitantes em 2000, acrescidos daqueles que desempenham um

papel funcional principal como pólos micro-regionais (QUADRO 2). Aumentou também o

grau de urbanização nesse Entorno (relação entre população urbana e população total), e esta

maior concentração de população nessas centralidades urbanas sugere que tenderão a

desempenhar um papel cada vez mais expressivo e complementar à metrópole e a sua região

imediata (MAPA 3).

MAPA 3

ENTORNO DA RMBH GRAU DE URBANIZAÇÃO – 1991 E 2000

Fonte: Elaboração própria a partir do Censo Demográfico, 1991 e 2000. IBGE.

A articulação de Belo Horizonte com sua região é também condição para o

desenvolvimento econômico sustentável da capital de Minas, reforçando a malha de

centralidades urbanas e aprofundando um processo de cooperação urbano-regional de mútuo

fortalecimento, da metrópole e da sua Região Metropolitana e seu Entorno. A importância

crescente da economia de serviços contribui para o fortalecimento da rede de cidades, para a

ampliação e interligação das áreas de mercados, estreitando laços culturais, ampliando os

fluxos de pessoas, mercadorias e de informações, aumentando a cooperação e potencializando

dialeticamente as diferenças e identidades locais. As diversas centralidades se apóiam entre si

e tendem a desenvolver formas várias de complementação e articulação (consórcios,

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associações, aglomerações funcionais, entre outras), dando origem a sistemas micro-regionais

e locais integrados onde a auto-suficiência municipal cede lugar a espaços urbano-rurais e

regionais ampliados e articulados entre si explorando e fortalecendo as potencialidades locais.

A condução desse processo de cooperação cabe, por definição, à cidade síntese, ao centro de

comando regional, a Belo Horizonte, capital de Minas.

QUADRO 2

ENTORNO DA RMBH – REDE URBANA PRINCIPAL

Belo Horizonte Betim Contagem Ibirité Nova Lima Pedro Leopoldo Ribeirão das Neves Sabará Santa Luzia

Municípios com População Total superior a 50.000 habitantes na RMBH

Vespasiano Caratinga Cel. Fabriciano Cons. Lafaiete Curvelo Divinópolis Formiga Ipatinga Itabira Itaúna João Monlevade Manhuaçu Ouro Preto Pará de Minas Ponte Nova São João del Rei Sete Lagoas

Municípios com População Total

superior a 50.000 habitantes no Entorno

Timóteo Bom Despacho Conceição do Mato Dentro Diamantina Guanhães Itaguara Oliveira Piuí

Cabeças de Microrregião com População Total inferior a 50.000 habitantes

Três Marias Fonte: Censo Demográfico, 2000

Do mesmo modo, o espaço natural (e construído) se articula cada vez mais

estreitamente, não apenas através dos sistemas de transportes e de comunicações e dos

complexos de serviços, mas também pela maior interdependência do espaço natural em várias

escalas: urbana, metropolitana e regional. À medida que esses espaços intensificam suas

relações e aprofundam seus graus de complementariedade, torna-se necessário compreender a

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articulação das bacias hidrográficas que articulam Belo Horizonte ao território metropolitano

e ao seu Entorno (MAPA 4). MAPA 4

MUNICÍPIOS DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DE BELO HORIZONTE: DIVISÃO EM BACIAS

Fonte: elaboração própria a partir do Censo Demográfico 2000 – IBGE.

A concentração populacional, produtiva e dos serviços na metrópole e em sua região

de influência imediata gera impactos antrópicos negativos, diretos e indiretos, sobre seu

Entorno. Esses impactos se manifestam, principal e mais claramente, através do fluxo das

águas que carregam poluentes e dejetos pelos rios e córregos que integram as grandes bacias

hidrográficas que se encontram na RMBH e seu Entorno: a Bacia do Rio São Francisco, desde

suas cabeceiras até as sub-bacias dos rios Pará, Paraobeba e Velhas; a Bacia do Rio Doce,

com as sub-bacias dos rios Piracicaba e Piranga; e ao sul, a Bacia do Rio Grande1.

1 Ver a Análise da Situação Sanitária, no ítem V deste Módulo 2: A Infra Estrutura Urbana.

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A consciência ecológica e espacial destas interdependências e articulações entre os

diversos sub-espaços metropolitanos é condição fundamental para qualquer tentativa de

reverter o processo de degradação do espaço natural e do meio ambiente construído gerado

pela altíssima concentração—como também pela extensão—do processo de urbanização.

Neste sentido, pensar o saneamento e as condições de saúde ambiental de Belo Horizonte

significa também pensar o Aglomerado Metropolitano e o Entorno da RMBH, através das

bacias e sub-bacias que integram seu espaço social e natural. O fortalecimento dessa

“consciência eco-espacial” é assim imprescindível para se construir um processo de

desenvolvimento sustentável, metropolitano e urbano-regional. É assim necessário que ações

coordenadas sejam desenvolvidas, incluindo campanhas públicas de esclarecimento e

educação ambiental, para se construir um sentido de solidariedade eco-espacial que fomente,

fortaleça e explore a consciência desta maior e crescente interdependência ecológica e

espacial entre os diversos municípios que integram uma mesma bacia hidrográfica. Esta

consciência da articulação necessária do espaço natural (e construído) e a conseqüente

constituição de uma cultura ecológica e espacial que ultrapasse os limites estreitos dos

municípios e dos espaços da vida quotidiana representam, hoje, questões metropolitanas da

maior importância, que necessitam ser objeto de políticas integradas, não apenas de

organismos (micro)regionais e instituições governamentais ambientalistas estaduais e

federais, mas envolvendo também processos de cooperação entre os municípios que se

integram ao espaço metropolitano, necessariamente capitaneados pela cidade-capital.

Nem só de crises tem sido feita a vida de Belo Horizonte, de Minas Gerais e do Brasil

nas últimas décadas. Este também tem sido um tempo da valorização da participação popular,

da experimentação de novas formas de construção do espaço público, da busca de alternativas

de gestão e propriedade, de experimentações na organização da produção e no próprio sentido

da geração de riquezas e sua distribuição. Belo Horizonte tem já, na sua história como em seu

passado recente, contribuído para o fortalecimento dessas alternativas, expressas no

orçamento participativo, nas experiências pioneiras e bem sucedidas na área de abastecimento

e segurança alimentar, nos avanços na área de educação e saúde, no reconhecimento da

importância de sua história e memória expressa no patrimônio arquitetônico, urbanístico e

cultural (com conselho municipal democrático, pioneiro e forte, e de caráter deliberativo), o

reconhecimento da diversidade e da alteridade de comunidades culturais, étnicas e religiosas,

entre outros.

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Enfim, Belo Horizonte tem avançado, ainda que talvez mais lentamente do que

gostaríamos, no sentido de construir alternativas que aprofundem as práticas democráticas,

solidárias e inclusivas e consolidem seu papel cultural na região e no estado, como também no

país. É neste sentido, portanto, que é preciso pensar o momento atual da metrópole e de sua

região diante dos desafios que neste século se colocam às grandes concentrações urbanas e

suas áreas de influência, hoje virtualmente urbanizadas e/ou integradas ao espaço urbano-

industrial globalizado.

De um lado, é necessário aprofundar as práticas democráticas e inclusivas, que já se

instauraram em alguns setores com efeitos positivos significativos, ampliando-as a fim de

garantir um aumento da participação popular na solução dos problemas da cidade, das

comunidades organizadas, dos setores excluídos, enfim, estendendo sobre as massas

populares o manto de proteção do estado e da sociedade organizada. É também preciso

abraçar as tendências recentes de fortalecimento das economias de base popular e solidária

que vêm se desenvolvendo pari-passu com a crise do desemprego e da estagnação dos setores

capitalista e público. À criação de organismos de apoio social, técnico e creditício dentro da

sociedade civil (Ongs) e no nível do da administração pública do município e do próprio

governo federal devem se somar investimentos e uma forte mobilização social e política para

se construir alternativas econômicas inclusivas de cooperação e auto-gestão.

De outro lado, não há como não se integrar ao espaço-mundo e para tanto se faz

necessário avançar na produção da chamada “cidade espetáculo”, equipada para se inserir no

fluxo dos capitais externos em áreas produtivas de ponta, dos serviços avançados e da cultura.

Ao mesmo tempo, há que buscar inserir suas práticas sócio-culturais e suas manifestações de

vida quotidiana no mapa mundial do fluxo de informações, preparando-se para cada vez mais

se integrar à rede principal de cidades que se forma nacional e mundialmente. Para tanto,

há que enfatizar a diversidade de seus espaços, fortalecendo suas múltiplas manifestações,

hierarquizando serviços e ao mesmo tempo distribuindo-os de forma mais eqüitativa,

cooperativa e solidária entre as diversas centralidades sob seu comando, explorando os

potenciais de uma cultura tão rica e diversa como a cultura de Minas Gerais. Belo Horizonte

pode e deve pensar seu futuro como capital de Minas Gerais, exemplo e referência histórica e

atual da cultura urbana no Brasil.

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BIBLIOGRAFIA

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Balança. Trad. port., Paz e Terra, 1982.

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ANEXO

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