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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CINCIAS EXATAS E DA TERRA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM

    ENSINO DE CINCIAS NATURAIS E MATEMTICA

    JOS DIOGO DOS SANTOS NICCIO

    FORMAO DOCENTE PARA A INSERO DA

    HISTRIA E FILOSOFIA DA CINCIA NO ENSINO:

    TEXTOS HISTRICO-PEDAGGICOS EM DISCUSSO

    Natal-RN

    2015

  • JOS DIOGO DOS SANTOS NICCIO

    FORMAO DOCENTE PARA A INSERO DA

    HISTRIA E FILOSOFIA DA CINCIA NO ENSINO:

    TEXTOS HISTRICO-PEDAGGICOS EM DISCUSSO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Ensino de Cincias Naturais e

    Matemtica do Centro de Cincias Exatas e da

    Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

    Norte, como requisito parcial para obteno do

    ttulo de Mestre em Ensino de Cincias Naturais e

    Matemtica.

    Orientadora:

    Profa. Dra. Juliana M. Hidalgo F. Drummond

    Natal-RN

    2015

  • Aprovado em: ___/___/_____

    __________________________________________________________

    Profa. Dra. Juliana M. Hidalgo F. Drummond Orientadora

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN

    __________________________________________________________

    Profa. Dra. Auta Stella de Medeiros Germano Examinadora Interna

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

    __________________________________________________________

    Prof. Dr. Antonio Augusto Passos Videira Examinador Externo

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

  • DEDICATRIAS

    Aos meus familiares e amigos, que nos momentos

    difceis me deram total apoio para continuar

    lutando pelo meu ideal, pelas palavras de conforto

    e pelo incentivo de que tanto precisei nas situaes

    de dificuldades.

    Em especial a meu pai, Jos Pequeno Niccio, que

    tanto contribuiu com discusses e compartilhou

    minhas dvidas, sempre ajudando nas principais

    dificuldades e na construo dos meus

    conhecimentos.

    A minha me, Dona Angela, que sempre me apoiou

    nas dificuldades, entendendo os momentos de

    angstia, sempre compreensvel e paciente em toda

    jornada de minha vida estudantil. Obrigado por

    tudo!

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo, primeiramente, a Deus pela fora que tem me concedido, para continuar

    minhas caminhadas em busca dos conhecimentos.

    Agradeo minha famlia, minha fonte de inspirao, de onde recebi apoio

    incondicional para a concluso dessa jornada. Obrigado por nunca duvidarem do meu

    potencial.

    Agradeo aos meus amigos, que sempre compartilharam comigo das minhas

    felicidades, angstias, derrotas e vitrias. Obrigado pela fora, por fazerem parte da

    minha vida e pelos momentos em que precisei desabafar, chorar, sorrir e extravasar ao

    lado de vocs.

    Agradeo a Jaciara Maria pelos conselhos, carinhos, afetos e amores dedicados a mim.

    Obrigado por entender a ausencia em determinados momentos e por estar presente nessa

    etapa importantssima da minha vida. Voc tambm faz parte dessa conquista.

    Um agradecimento especial a minha orientadora, Profa. Dra. Juliana, que muito tem

    contribudo para o desenvolvimento desse trabalho, proporcionando excelente

    aprendizagem. Obrigado pela pacincia, dedicao, puxes de orelhas e orientaes

    que tanto me ajudaram. Voc, Juliana, to protagonista quanto eu desse trabalho!

    A todos os professores vinculados ao PPGECNM, que sempre procuraram dar o melhor

    em suas disciplinas, contribuindo para ampliar nosso conhecimento. Obrigado por

    fazerem parte da minha vida acadmica.

    Agradeo aos colegas do grupo que estuda sobre a histria do vcuo Wesley,

    Giovanninni, Arthur, Mykaell e Deyzianne - que nos momentos de discusses

    contriburam de modo significativo para o crescimento qualificado desse trabalho.

    Obrigado Colegas!

  • RESUMO

    A presente dissertao tem como foco problemas especficos no contexto educacional:

    os desafios na construo de narrativas histrico-pedaggicas, bem como a difcil tarefa

    de utiliz-las em sala de aula. Nesse contexto, busca-se atuar na formao docente para

    a insero didtica da Histria e Filosofia da Cincia (HFC), sendo as narrativas

    histrico-pedaggicas elementos para mediao do dilogo com esse pblico especfico.

    Essa iniciativa vem ao encontro de uma preocupao recorrente na literatura da rea:

    um dos principais desafios relacionados transposio didtica da HFC seria a falta de

    preparao do professor. Contedos histricos, filosficos e sobre a Natureza da Cincia

    ainda so pouco presentes em salas de aula. A insegurana e o desconhecimento do

    assunto pelos professores costumam ser apontados como fatores que contribuem para

    essa situao. Torna-se importante, portanto, que docentes (atuantes e em formao)

    participem de reflexes sobre a insero da HFC em sala de aula, conheam exemplos

    de propostas de cunho histrico-filosficas para a abordagem de contedos de

    cincia e sobre a cincia, desenvolvam competncias que lhes permitam adapt-las aos

    seus contextos especficos, bem como elaborar suas prprias propostas. Acredita-se que

    essas questes sejam significativas para que realizem iniciativas conscientes de insero

    da HFC em suas salas de aula. Considera-se que adaptar propostas didticas a contextos

    educacionais particulares depende de se compreender de fato o que representam essas

    propostas e quo flexveis elas podem ser. A fim de contemplar esses objetivos,

    elaborou-se produto educacional que se configura como um material didtico voltado

    para a formao docente, o qual foi aplicado em minicurso de extenso na UFRN. O

    material discute sobre o papel da HFC no Ensino, a Natureza da Cincia e questes

    historiogrficas. Traz uma sequncia de atividades dialgicas sobre aspectos da

    transposio didtica da HFC, especialmente significativos no que diz respeito s

    narrativas histricas. Utiliza-se como elemento de mediao nas discusses um conjunto

    de textos histrico-pedaggicos sobre a Histria do Vcuo e da Presso Atmosfrica.

    Abordam-se potencialidades, possibilidades e limitaes desse tipo de material. Para a

    realizao do curso tomou-se como referncia consideraes metodolgicas da chamada

    pesquisa-ao. Almejaram-se transformaes, modificaes e aes efetivas no prprio

    material didtico de formao a partir da vivncia do pesquisador-ministrante em

    interaes com os participantes do curso de extenso e das impresses relatadas pelos

    participantes. Os desdobramentos nesse sentido foram incorporados ao material

    didtico.

    Palavras-chave: Histria e Filosofia da Cincia no Ensino; Natureza da Cincia;

    Transposio Didtica; Narrativas histrico-pedaggicas; Formao de professores.

  • ABSTRACT

    The present dissertation focuses on specific problems in the educational context:

    challenges in the construction of historical narratives for pedagogical use as well as the

    difficult task of using them in the classroom. In this context, we seek to work in teacher

    training for insertion of History and Philosophy of Science (HPS) in classroom, and

    historical narratives become mediation elements to advance the dialogue with this

    specific audience. This initiative is in line with a recurring concern: one of the main

    challenges related to the didactic transposition of HFC would be the lack of teacher

    preparation. Historical contents and Nature of Science are still absent in classrooms.

    Insecurity and lack of knowledge by teachers are often mentioned as factors that

    contribute to this situation. It is important, therefore, that teachers (active and in

    training) take part in discussions concerning the inclusion of HPS in classroom. It is

    relevant that they know examples of historic-philosophical didactic proposals to address

    science and contents on science, develop skills to adapt them to their specific contexts

    and to develop their own proposals. It is believed that these issues are significant to

    undertake conscious initiatives to insert HPS in classrooms. It is considered that

    adapting educational proposals to particular educational contexts depends on

    understanding what these proposals indeed mean and how flexible they can be. In order

    to address these objectives, we elaborated an educational product, a didactic material

    focused on teacher training, which was used in an extension course at UFRN. The

    didactic material discusses the role of HPS in Education, Nature of Science and

    historiographical issues. It presents a series of dialogical activities on aspects of didactic

    transposition of HPS, especially those regarding historical narratives. A set of historic-

    pedagogical texts on the History of Vacuum and Atmospheric Pressure is used as a

    mediation element in discussions. We address potential, possibilities and limitations

    historical narratives. To carry out the course, it was taken into account methodological

    concerns of so-called action research. There have been expected changes, modifications

    and effective actions in the own teacher training material in face of the experience of the

    researcher-lecturer in interactions with the participants of the course as well as in face of

    impressions reported by the participants. Developments in this direction have been

    incorporated into the teacher training material.

    Keywords: History and Philosophy of Science in Teaching; Nature of Science; didactic

    transposition; historical narratives; Teacher Training.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 - Aspecto geral de recorte de um dos textos elaborados...................................15

    Figura 2 - Aspecto do texto Ideias sobre o vcuo na Idade Mdia Parte 1..............48

    Figura 3 - Aspecto do texto O vcuo na Revoluo Cientfica Parte 1....................49

    Figura 4 - Aspecto do texto As concepes sobre o vcuo na Antiguidade................51

    Figura 5 Aspecto do texto E a Histria da Cincia segue, com rupturas e tambm

    continuidades................................................................................................................52

    Figura 6 - Sumrio do material didtico de formao docente......................................60

    Figura 7- Atividades 1 e 2...............................................................................................61

    Figura 8 Atividade 3....................................................................................................62

    Figura 9 Atividade 4....................................................................................................65

    Figura 10 Atividade 5..................................................................................................66

    Figura 11 Atividade 6..................................................................................................68

    Figura 12 - Cartaz utilizado na divulgao....................................................................................71

  • SUMRIO

    1. CAPTULO 1: CONSIDERAES INICIAIS......................................................11

    1.1. MOTIVAES, QUESTO-FOCO E PRODUTOS EDUCACIONAIS...............11

    1.2. PERCURSO METODOLGICO E ESTRUTURA DA DISSERTAO.............20

    2. CAPTULO 2: HISTRIA E FILOSOFIA DA CINCIA, NATUREZA DA

    CINCIA, TRANSPOSIO DIDTICA................................................................25

    2.1. HISTRIA DA CINCIA ... E ENSINO................................................................25

    2.2. HFC NO ENSINO: EXAMINANDO O PESO ATUAL DE ALGUNS

    ARGUMENTOS.............................................................................................................27

    2.3. HFC NO ENSINO: LEGISLAO EDUCACIONAL, LIVROS DIDTICOS E

    FORMAO DOCENTE...............................................................................................31

    2.4. HFC NO ENSINO E HISTORIOGRAFIA.............................................................36

    3. CAPTULO 3: SOBRE OS PRODUTOS EDUCACIONAIS ELABORADOS..40

    3.1. SOBRE O PRIMEIRO PRODUTO: OS TEXTOS HISTRICO-

    PEDAGGICOS.............................................................................................................40

    3.1.1. RECORTES HISTRICOS..................................................................................40

    3.1.2. NATUREZA DA CINCIA POR MEIO DOS EPISDIOS HISTRICOS......43

    3.1.3. ASPECTOS CENTRAIS DA TRANSPOSIO DIDTICA DA HFC............48

    3.1.4. HISTORIOGRAFIA E AS NARRATIVAS HISTRICAS................................53

    3.1.5. SIMPLIFICAES E OMISSES......................................................................55

    3.2. SOBRE O SEGUNDO PRODUTO: ELEMENTOS PARA A FORMAO

    DOCENTE TENDO EM VISTA A INSERO DA HISTRIA E FILOSOFIA DA

    CINCIA NO ENSINO MDIO: TEXTOS HISTRICO-PEDAGGICOS COMO

    EXEMPLARES.............................................................................................................58

    3.2.1. UMA BREVE DESCRIO DO MATERIAL DIDTICO..............................59

    3.3. DISCUTINDO AS ATIVIDADES..........................................................................60

    3.3.1. ATIVIDADES 1 E 2..............................................................................................61

    3.3.2. ATIVIDADE 3......................................................................................................62

    3.3.3. APROFUNDAMENTO DA ATIVIDADE 3.......................................................64

    3.3.4. ATIVIDADE 4......................................................................................................65

    3.3.5. ATIVIDADE 5......................................................................................................65

  • 3.3.6. ATIVIDADE 6......................................................................................................67

    4. CAPTULO 4: RELATO FUNDAMENTADO DO CURSO DE EXTENSO..70

    4.1. O CURSO DE EXTENSO E A PESQUISA-AO............................................70

    4.2. PRIMEIRA PARTE DO CURSO............................................................................73

    4.2.1. A ETAPA INTRODUO SOBRE HFC NO ENSINO..................................74

    4.2.2 REALIZAO DA ATIVIDADE 1......................................................................75

    4.2.3. REALIZAO DA ATIVIDADE 2.....................................................................77

    4.2.4. REALIZAO DA ATIVIDADE 3.....................................................................81

    4.2.5. COMENTRIOS FINAIS SOBRE A PRIMEIRA FASE DO CURSO..............83

    4.3. SEGUNDA PARTE DO CURSO............................................................................84

    4.3.1. A ETAPA APROFUNDAMENTO SOBRE NATUREZA DA CINCIA......85

    4.3.2. REALIZAO DAS ATIVIDADES 4 E 5..........................................................86

    4.3.3. REALIZAO DA ATIVIDADE 6.....................................................................88

    4.4. DESDOBRAMENTOS PARA O MATERIAL DIDTICO DE FORMAO E

    SUA UTILIZAO NA FORMAO DOCENTE......................................................91

    5. CAPTULO 5: CONSIDERAES FINAIS.........................................................94

    REFERNCIAS............................................................................................................98

    APNDICE I: TEXTOS HISTRICO-PEDAGGICOS SOBRE A HISTRIA

    DO VCUO E PRESSO ATMOSFRICA...........................................................104

    APNDICE II: MATERIAL DIDTICO - ELEMENTOS PARA A FORMAO

    DOCENTE TENDO EM VISTA A INSERO DA HISTRIA E FILOSOFIA

    DA CINCIA NO ENSINO MDIO: TEXTOS HISTRICO-PEDAGGICOS

    COMO EXEMPLARES..............................................................................................123

    APNDICE III: SLIDES UTILIZADOS NA PRIMEIRA PARTE DO CURSO DE

    EXTENSO.................................................................................................................191

    APNDICE IV: SLIDES UTILIZADOS NA SEGUNDA PARTE DO CURSO DE

    EXTENSO.................................................................................................................215

  • 11

    CAPTULO 1

    Consideraes iniciais

    O captulo introdutrio da presente dissertao de Mestrado Profissional em

    Ensino de Cincias Naturais e Matemtica se inicia por um registro da minha trajetria

    no Programa de Ps-Graduao, bem como pela retomada de aspectos significativos de

    breve perodo que o antecedeu.

    O referido relato compreende contribuies decorrentes da minha participao

    no Curso de Iniciao a Docncia (CID), ocorrido na Universidade Federal do Rio

    Grande do Norte, no primeiro semestre de 2013. Engloba tambm a igualmente

    significativa docncia assistida em disciplina de Histria e Filosofia da Cincia na

    UFRN. A docncia ocorreu de forma obrigatria, no semestre inicial de 2013, e de

    forma voluntria, no segundo semestre do mesmo ano. Retrocedo, ainda, aos semestres

    que precederam o ingresso na ps-graduao, a fim de tecer comentrios importantes

    que permitem compreender o meu interesse pelas narrativas histricas e sua insero no

    contexto educacional.

    O registro que compe a primeira seo do presente captulo introdutrio tem

    como finalidade explicitar as motivaes para a escolha da linha de pesquisa e

    questo-foco especfica abordada no Mestrado. Esse registro permite tambm que se

    compreenda a trajetria que culminou com a proposta dos dois produtos educacionais

    elaborados. Na seo subsequente, encontra-se o percurso metodolgico, o qual cita de

    forma breve os referenciais tericos que sero aprofundados no Captulo 2. Delineia-se

    na mesma seo a estrutura em forma de captulos que compem a presente dissertao.

    1.1 Motivaes, Questo-Foco e Produtos Educacionais

    De junho de 2011 a meados de fevereiro de 2012, ainda enquanto aluno da

    licenciatura em Fsica fui bolsista do subprojeto Fsica do Programa Institucional de

    Bolsa de Iniciao Docncia na UFRN, o qual apoiado pela CAPES (Coordenao

    de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior). O PIBID tem como objetivo maior

    o incentivo formao de professores para a Educao Bsica e a elevao da qualidade

    da escola pblica. Os bolsistas participantes, alunos dos cursos de Licenciatura, so

  • 12

    inseridos no cotidiano de escolas da rede pblica. Planejam e participam de experincias

    metodolgicas, tecnolgicas e prticas docentes de carter inovador e interdisciplinar,

    buscando a superao de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem.

    O subprojeto de Fsica do PIBID, ento em vigor na poca em que fui bolsista,

    era coordenado pela Professora Dra. Juliana M. Hidalgo F. Drummond, tendo o

    Professor Dr. Ciclamio Leite Barreto como colaborador. Eram quinze bolsistas do curso

    de licenciatura em Fsica da UFRN atuando em duas escolas pblicas de Natal, sob a

    superviso de dois professores dessas escolas.

    O subprojeto de Fsica procurava ressaltar as seguintes contribuies quanto

    formao docente: valorizao do curso de licenciatura e estmulo ao ser professor;

    integrao entre a formao inicial do docente e o seu campo de atuao profissional;

    estudo de tendncias e inovaes indicadas para o ensino de fsica, a partir do estudo

    aprofundado dessas estratgias de ensino.

    Por meio da leitura, apresentao e discusso de artigos, dissertaes, teses e

    captulos de livros, os licenciandos bolsistas se aproximavam das discusses

    promovidas por pesquisadores em ensino de fsica, oportunidade que dificilmente

    teriam durante a sua formao inicial. Os bolsistas, voluntariamente, eram organizados

    em grupos (denominados comisses) de acordo com uma linha de trabalho especfica.

    Periodicamente, havia um rodzio de bolsistas entre as comisses de forma que todos

    pudessem vivenciar as diferentes possibilidades de inovao.

    A identificao pessoal com a temtica levou-me Comisso de Histria e

    Filosofia da Cincia no Ensino. Tnhamos acesso a materiais especficos, resultantes de

    pesquisa relacionadas a essa rea, mas muitas leituras ficavam sem o entendimento

    adequado, haja vista a nossa pouca maturidade e aproximao ainda recente em relao

    temtica. As dvidas eram solucionadas com interveno da ento coordenadora do

    PIBID-Fsica, especialista na rea.

    Particularmente, um trabalho realizado na poca teria impacto importante na

    minha trajetria subsequente no Mestrado. A coordenadora do subprojeto solicitou que

    a Comisso da qual eu fazia parte elaborasse algum material especfico sobre Histria

    da Astronomia para interveno no primeiro ano do Ensino Mdio da Escola Estadual

    Professor Ulisses de Gis (PUG) da cidade de Natal/RN.

  • 13

    O grupo abandonou uma ideia inicial de exclusivamente produzir maquetes para

    exposio dos sistemas de mundo geocntrico e heliocntrico. Em conjunto com a

    coordenadora, decidiu-se realizar uma interveno que utilizasse textos elaborados

    sobre os contedos histricos relacionados ao conceito de gravidade. Visando

    elaborao do material didtico, os bolsistas realizaram leituras de trabalhos de enfoque

    histrico sobre essa temtica, ampliada tambm para tpicos relacionados, como

    sistemas de mundo e gravitao. Foram orientados quanto necessidade de refletir

    sobre os objetivos didticos, e, de acordo com esses objetivos, realizar recortes dos

    contedos histricos e selecionar discusses sobre a Natureza da Cincia (NdC).

    Apesar de todas as orientaes, o grupo no tinha muita clareza quanto

    necessidade de refletir sobre os objetivos didticos e no sabia como proceder na

    produo do material. Na elaborao dos textos usamos o seguinte critrio: o que for

    interessante colocamos nos textos. Ento, tudo que achvamos interessante

    transcrevamos para o material. Era um processo quase s cegas, ou seja, no tnhamos

    muita noo do que estvamos fazendo, ou melhor, produzindo. Integrantes do grupo

    ainda se perguntavam: O que mesmo Natureza da Cincia? Seu entendimento e

    insero nos textos pareciam longnquos.

    Dvidas surgiam na elaborao do material, gerando discusses rudimentares

    sobre o formato e a extenso dos textos. Pareciam longos, mas os contedos histricos

    eram interessantes. Ento, talvez fosse melhor aument-los. Ser? Mas quantas aulas

    seriam suficientes para aplicarmos esse material? Trs aulas? Quatro aulas? Cinco

    aulas?

    O resultado no nos agradava, os textos no pareciam atrativos, mas no

    sabamos muito bem por qu. Algo estava errado... Mas o que seria?

    Enfim, era hora de apresentar o material produzido coordenadora e discutir

    sobre o que havia ocorrido, lembrando que a proposta no PIBID era de aprendizado para

    os prprios bolsistas em seu trabalho nas comisses.

    Discutimos a respeito das dvidas que ocorreram durante o processo de

    elaborao dos textos e avaliamos o resultado final. Foi possvel perceber que, sem

    definirmos com clareza onde pretendamos chegar, comeamos a encher os textos de

    informaes histricas que no formavam um todo coerente. Os contedos pouco se

  • 14

    relacionavam uns com os outros. As conexes faltavam. Eram informaes dispersas

    sobre Histria da Cincia. Os textos ficaram extensos e complexos. Trechos quase que

    literais de trabalhos acadmicos haviam sido transferidos para os textos. A leitura era

    difcil. A linguagem no era adequada para o Ensino Mdio. Vises distorcidas sobre a

    Natureza da Cincia estavam l, incluindo o tradicional relato indutivista sobre Galileu

    e a Torre de Pisa (SILVEIRA, PEDUZZI, 2006).

    O fato que a tarefa a que nos propusemos no era nada trivial, como pude

    compreender desde o seu incio. Posteriormente, entendi isso de modo mais

    aprofundado, com as leituras no mestrado. Vrios trabalhos tm sinalizado que a

    insero da histria da cincia em sala de aula no algo simples (PAGLIARINI;

    SILVA, 2006; QUINTAL; GUERRA, 2009; PENA; TEIXEIRA, 2013; SASSERON;

    BRICCIA; CARVALHO, 2013). Entre os principais desafios relacionados insero

    didtica da HFC estariam a dificuldade de elaborao de materiais e a falta de

    preparao do professor (FORATO, 2009; HOTTECKE; SILVA, 2010; FORATO;

    PIETROCOLA; MARTINS, 2011).

    Esses fatores se relacionam s duvidas e aos anseios que surgiram ao longo do

    trabalho com narrativas histricas no PIBID. Naquela ocasio, dada necessidade de

    reelaborao urgente do material, a coordenadora precisou atuar lado a lado com a

    Comisso. O resultado do material refeito me causou espanto porque era possvel

    compreender como de fato se materializava aquilo que nos foi solicitado e como era

    difcil o processo de elaborao desse tipo de material. Muito pouco do que havia sido

    produzido pela Comisso pde ser aproveitado.

    Ainda assim, mesmo com textos adequados em relao aos objetivos pretendidos

    e contexto educacional (curtos, com linguagem apropriada para o Ensino Mdio)1, a

    utilizao do material na escola conveniada ao PIBID no nos deixou satisfeitos. No

    estvamos preparados para explorar a potencialidade dos textos. Lemos pargrafo por

    pargrafo dos textos e, em seguida, abrimos o dilogo em classe chamando a ateno

    1 Os textos elaborados naquela ocasio sofreram diversas modificaes posteriores. Em janeiro de 2013, o

    trabalho Uma proposta do PIBID-FSICA da UFRN: abordagem histrico-filosfica para a temtica

    gravidade, que traz os textos j com algumas modificaes, foi apresentado no XX Simpsio Nacional

    de Ensino de Fsica (FERREIRA et al, 2013). Recentemente, uma verso aprofundada desse trabalho, que

    engloba novas modificaes nos textos e reflexes a respeito da elaborao e utilizao de narrativas

    histricas em sala de aula, foi publicada no Caderno Brasileiro de Ensino de Fsica sob o ttulo

    Narrativas histricas: gravidade, sistemas de mundo e Natureza da Cincia (DRUMMOND et al.,

    2015).

  • 15

    para algumas curiosidades. No exploramos de forma adequada as questes sobre a

    Natureza da Cincia porque ainda no nos sentamos preparados para abordar aquela

    temtica. Faltava-nos o reconhecimento das potencialidades das narrativas histricas.

    Faltava-nos saber como utilizar os textos de forma consciente e flexvel.

    Como sintetiza a literatura com a qual posteriormente tive contato, o material

    didtico s pode ser apropriado de forma consciente e flexibilizado pelo professor que

    conhecer o seu significado (HOTTECKE; SILVA, 2010). De certa forma, como percebi

    depois, ainda no entendamos o que os textos de fato significavam e, portanto, no

    podamos explorar esse aspecto importante da transposio didtica: a flexibilizao.

    Apesar de naquele momento no compreender de modo aprofundado o processo

    de elaborao e utilizao dos textos com contedos histricos, ainda assim, a vivncia

    de todo aquele processo no PIBID-Fsica teve impacto positivo em minha formao e

    Figura 01 Aspecto geral de recorte de um dos textos elaborados

  • 16

    despertou ainda mais o meu interesse pela Histria e Filosofia da Cincia no Ensino. O

    engajamento nessa atividade me estimulou a querer aprender mais sobre o assunto.

    Conclui a graduao e decidi participar do processo seletivo do Programa de

    Ps-Graduao em Ensino de Cincias Naturais e Matemtica (PPGECNM). O projeto

    que submeti em cumprimento a um dos requisitos para a seleo tinha como ttulo A

    utilizao de textos via Histria e Filosofia da Cincia nas aulas de Fsica do ensino

    bsico: fundamental e mdio. Na verdade tratava-se de um pr-projeto. Os objetivos

    eram ainda difusos, mal redigidos e refletiam minha aproximao rudimentar em

    relao temtica: usar a HFC como agente motivador nas aulas de fsica abordando

    os contextos histricos, sociais e culturais dos contedos; abordagem dos pensamentos

    dos filsofos da cincia como auxilio para o ensino-aprendizado; abordar tpicos de

    natureza da cincia atravs da construo a partir de alguns episdios histricos.

    A redao frgil e a conscincia rudimentar do processo de insero didtica da

    HFC no escondiam a sinalizao de que minhas intenes tinham estreita relao com

    o trabalho desenvolvido no PIBID-FSICA.

    Fui aprovado no processo seletivo e passei a ser orientado pela Profa. Juliana,

    que havia coordenado minha atuao como bolsista do PIBID. Ingressei no grupo de

    discusso sobre Histria do Vcuo, Presso Atmosfrica e Natureza da Cincia, do qual

    participam voluntrios e discentes do PPGECNM sob a orientao da professora2. A

    temtica histrica especfica foi escolhida devido ao seu relevante potencial didtico

    ainda pouco explorado3. O grupo se dedica a estudar episdios histricos tendo em vista

    elaborar materiais instrucionais para a abordagem de contedos cientficos e sobre a

    natureza do conhecimento cientfico. Propicia cursos de extenso, voltados formao

    docente, sobre a temtica HFC no Ensino4.

    2 Esse grupo tem como objetivo estudar episdios da Histria do Vcuo tendo em vista elaborar materiais

    instrucionais para a abordagem de contedos de cincia e sobre a cincia, bem como propor espaos de

    formao docente na forma de cursos de extenso. Dissertaes de mestrado e diversos trabalhos

    decorrentes das atividades do grupo de estudo tm sido apresentados em congressos da rea (por

    exemplo, OLIVEIRA, 2013; BATISTA, 2014; NICCIO et al., 2015). 3 Os trabalhos produzidos pelo grupo no qual a presente dissertao se insere, na UFRN, somam-se aos

    poucos trabalhos brasileiros que utilizam essa temtica histrica para fins didticos esto: COELHO;

    NUNES, 1992; PORTELA, 2006; LONGHINI; NARDI, 2009. 4 Dentre os cursos ministrados pelos componentes do grupo entre 2012 e 2015 esto: Ensinando sobre a

    Natureza da Cincia: uma abordagem explcita e contextualizada a partir da Histria do Vcuo; Fontes

    Primrias da Histria do Vcuo e da Presso Atmosfrica na sala de aula: cartas e jornais histricos em

    articulao com livros didticos do Ensino Mdio e Atuando na formao docente: narrativas histricas

  • 17

    Foi nas discusses do grupo, e j como aluno do mestrado, que efetivamente

    tomei contato de forma consciente com os referenciais relacionados transposio

    didtica da Histria da Cincia. Os estudos especficos a respeito so relativamente

    recentes (FORATO, 20095; HTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA;

    MARTINS, 2012a e b). Compreendem investigaes tericas e empricas sobre as

    transformaes sofridas pelos saberes acadmicos em Histria da Cincia at que esses

    cheguem ao ambiente escolar. Desafios e obstculos costumam ser citados por essa

    literatura. Selecionar e omitir contedos, pensar em como inseri-los depende de

    particularidades da temtica histrica em si, do contexto educacional para o qual se

    dirige a proposta didtica e dos seus objetivos especficos. Indica-se, por exemplo, que

    elaborar textos didticos de cunho histrico-filosfico para o Ensino Mdio um

    desafio qualquer que seja a temtica escolhida (ver FORATO, 2009).

    Os referenciais estudados lanaram luz quanto ao sentido das dificuldades

    enfrentadas na poca do trabalho do PIBID. Essas dificuldades vinham sendo relatadas

    no mbito de pesquisas sobre a insero da HFC no Ensino. Dessa forma, o contato com

    as discusses sobre a insero didtica da Histria da Cincia revelou no ser s minha

    a percepo de que produzir textos histrico-pedaggicos era uma tarefa difcil,

    complexa. Autores vm se preocupando com o assunto e, a partir de reflexes

    aprofundadas, se empenham em consideraes sobre como superar obstculos e

    desafios naturais desse processo.

    Meu olhar consciente a respeito do assunto foi sendo construdo aos poucos. Os

    desafios e obstculos na construo de narrativas histrico-pedaggicas, bem como a

    difcil tarefa de utiliz-las em sala de aula, foram se identificando como problemas no

    contexto educacional j desde o minha insero no PIBID-Fsica e, de forma mais

    consistente, desde as leituras e discusses nos primeiros meses no mestrado. Decidir a

    respeito dessa questo-foco como temtica para o meu mestrado foi como perceber-se

    em um caminho natural construdo em conjunto com a orientadora.

    A fim de vivenciar no mestrado, de forma reflexiva, o processo de construo de

    narrativas histricas para utilizao no Ensino Mdio, decidimos que um dos produtos

    em perspectiva reflexiva. Esses cursos vm sendo ministrados na UFRN, bem como nas duas edies

    mais recentes do Simpsio Nacional de Ensino de Fsica (SNEF). 5 Trata-se de uma contribuio relativamente recente e significativa sobre a insero didtica da Histria

    da Cincia com base nos referenciais propostos por Yves Chevallard.

  • 18

    desenvolvidos seria um conjunto de textos histrico-pedaggicos relacionados

    Histria do Vcuo e da Presso Atmosfrica, que abordassem de forma explcita e

    contextualizada consideraes sobre a Natureza da Cincia. Justificamos a escolha do

    gnero narrativo em funo das potencialidades desse tipo de suporte para a promoo

    de discusses sobre NdC. Esse aspecto vem sendo sugerido por trabalhos que analisam

    o potencial das narrativas como recurso para o ensino de cincias (RIBEIRO;

    MARTINS, 2007) 6.

    As reflexes quanto insero didtica da HFC norteariam a elaborao dos

    textos: seleo dos episdios histricos especficos e de mensagens sobre a Natureza da

    Cincia, consideraes sobre a extenso, linguagem utilizada, etc. Para que os textos

    chegassem a uma condio satisfatria diversos aspectos deveriam ser observados, os

    questionamentos compartilhados e refletidos com o grupo de estudo.

    Ainda no contexto do mestrado, decidiu-se desenvolver um segundo produto, um

    material didtico de formao docente, visando contribuir para a insero da HFC no

    contexto educacional. A inteno era socializar com professores atuantes e em formao

    as discusses sobre a transposio didtica da HFC por meio das narrativas histricas,

    trazendo tona suas potencialidades, limitaes e possibilidades de utilizao.

    Como aspectos motivacionais para a realizao desse produto, destaco a

    docncia assistida nas turmas da disciplina de Histria e Filosofia da Cincia (HFC),

    acompanhada pelo Curso de Iniciao Docncia (CID) na UFRN. O CID tem como

    objetivo nortear uma atuao tica e consciente do estudante da ps-graduao na

    prtica docente, desencadeando uma reflexo crtica acerca da docncia, considerando o

    trinmio ensino, pesquisa e extenso.

    Essa reflexo permitiu a realizao cuidadosa e consciente do estgio de

    docncia assistida na disciplina de HFC. Acompanhei a disciplina em dois semestres,

    sendo um estgio obrigatrio e outro voluntrio, a fim de vivenciar discusses de

    extrema importncia para o desenvolvimento dos produtos do meu mestrado e observar

    um possvel ambiente natural de aplicao dos mesmos na formao de professores.

    6 A literatura mais recente sobre currculos vem apontando uma tendncia de se incluir e valorizar o uso

    de narrativas como recurso didtico em sala de aula, no apenas nas aulas de lnguas. Essa tendncia

    particularmente significativa para as disciplinas cientficas. (RIBEIRO; MARTINS, 2007, p. 294).

  • 19

    Adicionalmente aos contedos de Filosofia da Cincia7, a disciplina trata da insero

    didtica da HFC, discutindo aspectos tericos e possibilidades para a educao bsica.

    A utilizao de narrativas histrico-pedaggicas em sala de aula abordada a partir do

    exemplo dos textos sobre sistema de mundo, de cuja elaborao participei no PIBID-

    FSICA.

    Nesse contexto, pude observar ao longo dos semestres em que acompanhei a

    disciplina as dificuldades dos licenciandos, por exemplo, quanto a identificar por si

    mesmos e de forma clara os objetivos especficos pretendidos pelos textos, os recortes

    histricos realizados e suas relaes com esses objetivos. Notei que somente

    conseguiam localizar trechos que traziam discusses sobre a natureza do conhecimento

    cientfico com a ajuda do professor da disciplina. Questes relacionadas forma e

    estruturao do material passavam despercebidas. Muito embora a disciplina abordasse

    previamente obstculos e desafios inerentes transposio didtica da HFC, os

    licenciandos tinham dificuldade em compreender aspectos importantes, sem os quais a

    utilizao em sala de aula daquele material ficava comprometida. Colocados diante do

    desafio de produzir intervenes didticas para o Ensino Mdio que envolvessem a

    utilizao dos textos, costumavam encaminhar propostas que descaracterizavam

    rupturas na construo do conhecimento e reforavam exclusivamente continuidades.

    A vivncia desse cotidiano no ensino superior motivou reflexes em conjunto

    com a orientadora acerca da complexidade da temtica da disciplina de HFC, qual se

    somavam de modo significativo questes sobre as quais nossa ao era limitada8.

    Os referenciais tericos estudados, bem como minha vivncia pessoal na

    Iniciao Docncia, sinalizavam lacunas na formao docente para a insero didtica

    da HFC e a importncia de lidar com esse obstculo (DUARTE, 2004; GATTI;

    NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009;

    FERREIRA; FERREIRA, 2010; HTTECKE; SILVA, 2010; FORATO;

    7 Esse componente curricular especfico procura examinar de forma crtica algumas imagens distorcidas

    sobre a Natureza da Cincia, e, em particular, desconstruir vises relacionadas ao empirismo-indutivismo.

    Discutem-se, em contraposio, concepes atualmente consideradas mais adequadas sobre a cincia, e

    contribuies de filsofos como Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos. Para a

    licenciatura em Fsica, a disciplina obrigatria. 8 A relevncia da presena constante s discusses contrasta com a realidade de uma disciplina oferecida

    nos dois ltimos horrios noturnos, onde cansao e ausncia dos estudantes costumam ser recorrentes,

    especialmente s sextas-feiras. Soma-se a esses fatores a dificuldade de acesso ao transporte pblico

    quando a aula se estende at o horrio regular.

  • 20

    PIETROCOLA; MARTINS, 2012a e b). A necessidade de trabalhar com os futuros

    docentes da educao bsica, utilizando material e abordagem adequados visando

    formao desses indivduos, foi, portanto, um aspecto motivacional para a deciso de

    me enveredar pelo caminho escolhido para o presente mestrado.

    Assim, vislumbrou-se de forma coerente a possibilidade de realizar dois

    produtos, os quais so apresentados no Captulo 3 da presente dissertao: um conjunto

    de textos histrico-pedaggicos voltados para o Ensino Mdio e um material didtico

    direcionado a cursos de formao de professores visando tratar da insero didtica da

    HFC, tendo como exemplo para discusso os referidos textos histrico-pedaggicos

    (Apndices I e II). O material de formao docente foi utilizado em curso de extenso

    oferecido na UFRN, sendo esta utilizao discutida no Captulo 4.

    1.2 Percurso Metodolgico e Estrutura da Dissertao

    A presente trajetria no Mestrado Profissional teve incio com a discusso de

    trabalhos acadmicos que possibilitaram certo amadurecimento e clareza quanto

    questo-foco, bem como solidificou a inteno quanto aos produtos e seu processo de

    elaborao. Destacaremos essas leituras a fim de justificarmos a questo-foco e

    explicitarmos sua abordagem, a qual teve como resultado os dois produtos supracitados.

    Os referenciais estudados dizem respeito, principalmente, s discusses sobre a

    temtica Natureza da Cincia, a insero da Histria e a Filosofia da Cincia no Ensino

    e o enfrentamento de obstculos e desafios no contexto da transposio didtica da

    HFC. Nesse processo de aprofundamento terico, travou-se contato com argumentos

    que justificam as propostas de incluso da HFC no contexto educacional

    (ROBILOTTA, 1988; BIZZO, 1992; MATTHEWS, 1995; MCCOMAS; ALMAZROA;

    CLOUGH, 1998; GIL-PREZ et al., 2001; PEDUZZI, 2001; DUARTE, 2004; GATTI;

    NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; MARTINS, 2005; MARTINS, 2006;

    LEDERMAN, 2007; MARTINS, 2007; PAGLIARINI, 2007; CLOUGH; OLSON,

    2008; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FORATO, 2009; QUINTAL; GUERRA,

    2009; FERREIRA; FERREIRA, 2010; FERREIRA; MARTINS, 2010; HOTTECKE;

    SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b; LEDERMAN, 2012;

    PENA; TEIXEIRA, 2013; SASSERON; BRICCIA; CARVALHO, 2013).

  • 21

    Foram observadas, nessa etapa, as repercusses desses argumentos nas

    recomendaes expressas em documentos oficiais (Lei de Diretrizes e Bases LDB,

    Parmetros Curriculares Nacionais PCN e Programa Nacional do Livro Didtico -

    PNLD) que regem a educao brasileira. As leituras realizadas sinalizam a

    contemplao desse tipo de perspectiva na legislao educacional brasileira, em

    expresses tais como a compreenso do significado da cincia pelo educando

    (BRASIL, 1999, p. 46) 9.

    Procurou-se observar, nessa etapa de fundamentao terica, trabalhos que

    preveem a contextualizao de contedos referentes natureza do trabalho cientfico

    por meio de episdios histricos. Essas iniciativas nos remeteram linha de pesquisa

    Natureza da Cincia, cujo desenvolvimento j vem de longa data, bem como a

    discusses aprofundadas sobre a insero dessa temtica no contexto educacional, sendo

    apresentado relativo consenso para a promoo de discusses sobre Natureza da Cincia

    em sala de aula (MCCOMAS; ALMAZROA; CLOUGH, 1998; HARRES, 1999; GIL

    PREZ et al., 2001; LEDERMAN, 2006; CLOUGH; OLSON, 2008; QUINTAL;

    GUERRA, 2009; LEDERMAN, 2012; BAGDONAS; SILVA, 2013; SASSERON;

    BRICCIA; CARVALHO, 2013; VILAS BOAS et al., 2013).

    A convergncia entre os argumentos acadmicos e as recomendaes expressas

    na legislao nos levou a imediato questionamento acerca da presena tmida da HFC

    no contexto educacional. Nesse sentido, foram observadas produes escritas que tratam

    das dificuldades quanto insero da HFC no Ensino.

    Um aspecto importante vem sendo a presena rudimentar ou distorcida da HFC

    em materiais didticos (PAGLIARINI; SILVA, 2006; BATISTA; MOHR; FERRARI,

    2007; HOTTECKE; SILVA, 2010).

    [...] uma HC cronolgica apenas de vencedores, e algumas vezes, para que a

    sequencia permanea ideal, ocorre a premiao indevida de uma descoberta,

    ou seja, o relato histrico to superficial que se acaba citando apenas nomes

    de cientistas conhecidos, no nos garantindo a real situao da pesquisa

    (BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007, p. 3).

    9 Faz-se necessria a ressalva de que a temtica NdC dinmica e complexa, no havendo uma viso

    universal, nica sobre a NdC. No se recomenda que o ensino inclua de forma fechada e engessada uma

    listagem que registre o que ensinar sobre NdC. Isso seria contraditrio postura de criticar uma viso

    rgida e dogmtica da cincia (BAGDONAS; SILVA, 2013, p. 216).

  • 22

    Outro aspecto de destaque a deficincia na formao dos professores, como a

    ausncia de percepo da HFC como estratgia didtica (MARTINS, 2007; OLIVEIRA,

    2013). Resultados de pesquisas tm apontado lacunas como a tmida presena da

    Histria e Filosofia da Cincia na formao docente e a insegurana por parte dos

    professores no que diz respeito a intervenes que envolvam a HFC (DUARTE, 2004;

    BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FERREIRA; FERREIRA, 2010). Indica-se o

    alcance dramtico da lacuna de discusses a respeito da temtica NdC na formao de

    professores de Fsica, Qumica e Biologia (MCCOMAS et al., 1998; HARRES, 1999;

    LEDERMAN, 2007).

    Essas dificuldades parecem estar relacionadas presena restrita da temtica

    NdC em sala de aula (MATTHEWS, 1995), bem como extensa lista de vises

    deformadas sobre a cincia sustentadas por professores, as quais expressam:

    [...] uma imagem ingnua, profundamente afastada do que a construo do

    conhecimento cientfico, mas que se foi consolidando at tornar-se um

    esteretipo socialmente aceite que, insistimos, a prpria educao cientfica

    refora ativa ou passivamente (GIL PREZ et al , 2001, p. 128-129).

    A literatura estudada nessa etapa de fundamentao do presente Mestrado

    Profissional aponta a necessidade de proporcionar discusses sobre a Natureza da

    Cincia na formao dos professores, objetivando a sensibilizao dos mesmos para

    essa temtica e sua insero em sala de aula. Aponta, ainda, a insuficincia de que os

    professores conheam listagem de aspectos consensuais da NdC (FERREIRA;

    MARTINS, 2010). Observam-se recomendaes de que os professores sejam

    preparados para abordar esses contedos de forma explicita, contextualizada e reflexiva

    por intermdio da Histria da Cincia (LEDERMAN, 1992; MCCOMAS, 2008;

    FORATO, 2009). Existe uma defesa massiva no que tange incorporao da HFC na

    formao de professores seja ela inicial ou continuada (DUARTE, 2004; GATTI;

    NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009;

    FERREIRA; FERREIRA, 2010).

    Notadamente, os referenciais relacionados transposio didtica da Histria da

    Cincia foram elementos norteadores para a proposta dos produtos da presente

    dissertao (FORATO, 2009; HTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA;

    MARTINS, 2012 a e b). Consideraes sobre a importncia das reflexes acerca dos

  • 23

    pressupostos bsicos atuais da historiografia da Histria da Cincia (consideraes

    sobre pseudo-histria, histria do tipo whig, quasi-history e anacronismo) foram

    significativas tanto para a elaborao dos textos didticos direcionados para o Ensino

    Mdio, como tambm para a elaborao do material voltado para formao docente

    (VIDEIRA, 2007; FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011). Esses referenciais

    reconhecem, por exemplo, a relevncia de que o professor da educao bsica esteja

    preparado para uma leitura mais crtica das verses histricas presentes no ensino de

    cincias (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011, p. 36).

    Decorrida certa estruturao terica bsica, a continuidade das leituras que

    aliceram o desenvolvimento da presente dissertao de mestrado profissional se

    prolongou durante o prprio processo de elaborao dos produtos educacionais. Com

    base nas reflexes a respeito dessa bibliografia, produziu-se o Captulo 2, o qual se

    intitula A HFC no Ensino e a Natureza da Cincia.

    Ao longo do processo de elaborao dos produtos, foram aprofundadas as

    reflexes acerca da insero didtica da Histria da Cincia, sobretudo no que diz

    respeito aos obstculos e desafios apontados pelos trabalhos acadmicos. Na elaborao

    dos textos histrico-pedaggicos, por exemplo, foram vivenciados de maneira crtica

    alguns desses desafios: escolha das mensagens de Natureza da Cincia; seleo dos

    aspectos histricos a enfatizar em cada episdio; o nvel de aprofundamento dos

    aspectos histricos, linguagem apropriada ao contexto educacional visado, etc. J na

    fase de elaborao do material de formao docente foram aprofundadas, luz dos

    referenciais tericos, as reflexes despertadas durante o processo de Iniciao

    Docncia, o qual havia contemplado o acompanhamento de duas turmas de licenciandos

    em Fsica na disciplina de HFC em semestres consecutivos.

    O Captulo 3, intitulado Produtos Educacionais, tem como objetivo apresentar

    o conjunto de textos histrico-pedaggicos sobre a Histria do Vcuo e o material

    didtico Elementos para a formao docente tendo em vista a insero da Histria e

    Filosofia da Cincia no Ensino Mdio: textos histrico-pedaggicos como

    exemplares. O Captulo destaca o processo de elaborao desses produtos, bem como

    explicita a possibilidade de utilizao do material de instrumentalizao (concebido

    segundo uma perspectiva no tecnicista, e sim, reflexivo-dialgica) em curso de

    formao de professores. Os referidos produtos esto contidos nos Apndices I e II.

  • 24

    A finalizao da presente proposta no Mestrado Profissional deu-se com a

    realizao de curso para professores em formao, como base no material elaborado. A

    aplicao desse produto relatada de forma fundamentada no Captulo 4 da

    dissertao, levando em conta consideraes metodolgicas dos referenciais da

    chamada pesquisa-ao (THIOLLENT, 2011), como pesquisa social na qual

    pesquisador e participantes, de forma coletiva, esto englobados e refletem sobre um

    problema de modo cooperativo ou participativo, almejando transformaes,

    modificaes, realizaes e aes efetivas. Nesse sentido, a partir da vivncia do

    pesquisador-ministrante em interaes com os participantes do curso de extenso na

    UFRN e das impresses relatadas pelos prprios participantes, so sugeridas

    possibilidades de complementao e mudanas no material didtico de formao, as

    quais esto sinalizadas no prprio Apndice II, aps a apresentao do referido material

    em sua forma original de aplicao10

    . Sugere-se, por exemplo, a possibilidade de

    mudana na ordem de realizao das atividades propostas, bem como a disponibilizao

    de referncias adicionais para consulta dos professores, os quais eventualmente sentiro

    necessidade de encaminh-las aos seus prprios alunos.

    O Captulo 5 encerra a presente dissertao ao estabelecer consideraes finais

    sobre a questo-foco tratada, os produtos elaborados e a interveno realizada.

    10

    Elementos oriundos da experincia de aplicao do material de formao no SNEF reforam as

    modificaes sugeridas para o prprio material.

  • 25

    CAPTULO 2

    Histria e Filosofia da Cincia, Natureza da Cincia, Transposio

    Didtica

    Nesse captulo refletiremos sobre os fundamentos tericos que norteiam a

    presente dissertao de mestrado: as discusses sobre a insero da Histria e da

    Filosofia da Cincia no Ensino, a temtica Natureza da Cincia, obstculos relacionados

    transposio didtica da HFC, incluindo aspectos relacionados formao docente.

    2.1 Histria da Cincia ... e Ensino

    A Histria da Cincia uma rea de pesquisa consolidada no Brasil e

    internacionalmente. Diversas associaes realizam congressos peridicos nos quais os

    pesquisadores discutem trabalhos relacionados a essa rea. No exterior, destacamos a

    History of Science Society (fundada em 1924, com sede nos Estados Unidos) e a British

    Society for the History of Science (fundada em 1947e sediada no Reino Unido). J no

    Brasil, podem ser citadas como exemplos a Sociedade Brasileira de Histria da Cincia

    (SBHC) e as associaes especficas por rea, como a Sociedade Brasileira de Histria

    da Matemtica (SBHMat) e a Associao Brasileira de Filosofia e Histria da Biologia

    (ABFHiB). Os trabalhos produzidos por profissionais da rea so publicados em

    revistas acadmicas nacionais e internacionais, como a Revista Brasileira de Histria da

    Cincia, os Cadernos de Histria e Filosofia da Cincia da UNICAMP e o peridico

    ISIS, mantido pela History of Science Society.

    Desde o seu surgimento, entre os sculos XVI e XVII, como uma tentativa de

    descrever o desenvolvimento da cincia e justificar a chamada Cincia Moderna, a

    prpria definio do que seria a Histria da Cincia (HC) sofreu severas transformaes

    (ALFONSO-GOLDFARB, 1994). A consolidao como rea de pesquisa ocorreu por

    volta da dcada de 1920, quando surgiram seus primeiros profissionais. Escrevia-se a

    HC como uma coletnea de feitos de grandes personagens, isto , um conjunto de

    biografias de grandes pesquisadores (seres perfeitos e intocveis). Eram relatos

    cronologicamente organizados sobre estudos e descobertas marcantes para a

    humanidade. Os historiadores procuravam no passado as origens do que ento era aceito

  • 26

    como cincia. Buscavam os acertos e desprezavam os erros no processo de

    construo cientfica.

    Essas concepes historiogrficas foram revistas ao longo de dcadas de

    transformaes. Rejeitou-se o anacronismo, isto , o olhar para o passado tendo como

    padro o que se aceita como cincia no presente. A HC passou a ter como objeto de

    estudo no apenas o que atualmente aceito como cincia, mas sim o que em alguma

    poca e de algum modo foi proposto ou aceito como conhecimento (ALFONSO-

    GOLDFARB, 1994).

    A diferena de natureza entre os saberes dessa Histria da Cincia acadmica e

    da Histria da Cincia no Ensino manifesta. Um historiador da cincia produz

    trabalhos especficos, aprofundados, detalhados e no necessariamente busca a

    aplicabilidade dos mesmos no contexto educacional. O trabalho historiogrfico

    produzido por um historiador da cincia diferente de uma narrativa histrica elaborada

    para fins educacionais. Porm, isso no implica dizer que a Histria da Cincia no

    possa contribuir para o Ensino.

    A Histria da Cincia acadmica necessita de uma transposio didtica11

    para

    que chegue ao contexto educacional, cumprindo as funes que dela se espera. Esse

    processo demanda conhecimento aprofundado da prpria Histria da Cincia, bem

    como da Didtica da Cincia. pautado, dentre outros fatores, pelo resguardo a uma

    interpretao diacrnica da cincia (FORATO, 2009; FORATO; PIETROCOLA;

    MARTINS, 2012b).

    As sees seguintes do presente captulo tratam dessa possibilidade. Importante

    destacar que ao nos referirmos Histria da Cincia, nos remetemos tambm Filosofia

    da Cincia, reconhecendo a relao de interdependncia: A Filosofia da Cincia sem

    Histria da Cincia vazia; a Histria da Cincia sem Filosofia da Cincia cega

    (LAKATOS, 1978, p.21).

    11 A transposio didtica trata das transformaes sofridas pelos saberes acadmicos at chegarem aos

    contextos educacionais. Para o caso da Histria da Cincia, uma contribuio recente e significativa foi

    realizada por Forato (2009), com base nos referenciais propostos por Yves Chevallard (ver

    CHEVALLARD, Y. Sobre a teoria da transposio didtica: algumas consideraes introdutrias.

    Revista de Educao, Cincias e Matemtica v.3 n.2 mai/ago 2013, p. 1-14. Disponvel em

    http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/recm/article/viewFile/2338/1111 ).

  • 27

    2.2 HFC no Ensino: examinando o peso atual de alguns argumentos

    No de hoje que a insero da Histria e da Filosofia da Cincia no Ensino

    vem sendo defendida por diversos pesquisadores. Varias razes tm sido apresentadas

    para a incluso de contedos histricos e filosficos no contexto educacional: a Histria

    e a Filosofia da Cincia podem humanizar a Cincia; a Histria e a Filosofia da

    Cincia contribuem para o tratamento interdisciplinar dos contedos; a Histria e a

    Filosofia da Cincia tm importncia intrnseca como herana cultural da

    humanidade; a Histria e a Filosofia da Cincia auxiliam na compreenso dos

    contedos especficos; a Histria e a Filosofia da Cincia auxiliam os professores a

    compreenderem as dificuldades de aprendizagem dos estudantes; a Histria e a Filosofia

    da Cincia contribuem para a compreenso da natureza do conhecimento cientfico

    (ROBILOTTA, 1988; BIZZO, 1992; MATTHEWS, 1995; MCCOMAS; ALMAZROA;

    CLOUGH, 1998; GIL-PREZ et al, 2001; PEDUZZI, 2001; DUARTE, 2004; GATTI;

    NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; MARTINS, 2005; MARTINS, 2006;

    LEDERMAN, 2007; MARTINS, 2007; CLOUGH; OLSON, 2008; BRINCKMANN;

    DELIZOICOV, 2009; FORATO, 2009; FERREIRA; FERREIRA, 2010; FERREIRA;

    MARTINS, 2010; HOTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA; MARTINS,

    2012b; LEDERMAN, 2012).

    A presente dissertao de mestrado toma como ponto de partida os argumentos

    supracitados, e, em especial o ltimo deles, que diz que respeito chamada Natureza da

    Cincia, o qual ser focalizado com mais ateno nas demais sees que compem o

    presente captulo. Antes disso, no entanto, julgamos importante citar e comentar

    argumentos contrrios utilizao da HFC no Ensino.

    Entre os principais argumentos contrrios introduo da HFC no contexto

    educacional esto: a Histria possvel em cursos de Cincia a pseudo-histria; a

    Histria da Cincia costuma ser fabricada para servir a ideologias cientficas (quasi-

    history); a HFC podem desestimular os jovens a seguirem carreiras cientficas; no h

    espao nos currculos para a insero da HFC (MATTHEWS, 1995; VANNUCCHI,

    1996; MARTINS, 2006; FERREIRA; MARTINS, 2010).

    No tocante pseudo-histria, argumenta-se que a HC para o ensino

    incompleta, desfigurada, cheia de omisses, tornando-se assim inevitavelmente uma

  • 28

    Histria da Cincia de m qualidade no ensino. Se a simplificao inevitvel, melhor

    seria no us-la (PEDUZZI, 2001, p. 154). Quanto quasi-history, esse tipo de

    contraexemplo da HC comum em cursos e manuais didticos de cincia, os quais

    transmitem um encadeamento lgico de como teriam sido descobertos conceitos

    cientficos, fornecendo assim uma simples moldura histrica dos acontecimentos.

    Apresentam breves notas histricas sobre acontecimentos pontuais e ilustraes de

    cientistas acompanhadas de tmidas legendas, grandes invenes e sequencias

    cronolgicas de teorias (PEDUZZI, 2001, p. 159; PAGLIARINI; SILVA, 2006;

    BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007). Essas descries histricas realam o papel de

    um nico personagem, o vitorioso, e deixam de lado as ideias que foram abandonadas

    por terem sido consideradas erradas (MARTINS, 2005, p. 314). Ou, ainda, reforam

    uma viso linear e lgica da cincia apresentando cada descoberta encadeada em outra.

    Quanto a esses argumentos importante considerar que, de fato, a histria

    levada para o contexto educacional demanda recortes e simplificaes, dentre outras

    particularidades (FORATO, 2009). Constitui-se a partir de transformaes na Histria

    da Cincia acadmica, que passa pelo processo de transposio didtica. No entanto,

    esse processo no pode ser realizado s cegas. Demanda embasamento terico e

    metodolgico aprofundado dos campos de estudos da Histria da Cincia e da Didtica

    da Cincia. Caso contrrio, corre-se o risco de produzir para fins pedaggicos uma

    abordagem seletiva e parcial, resumida a biografias de cientistas (grandes criadores,

    descobertas geniais) e histrias engraadas (eureka de Arquimedes e a ma de

    Newton), que incorrem em vises deformadas sobre a natureza do conhecimento

    cientfico (MARTINS, 1990; GIL PREZ et al, 2001; MARTINS, 2006; PAGLIARINI;

    SILVA, 2006; BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007). No processo de transposio

    didtica da HC a seleo inevitvel, mas pode ser razovel:

    [...] uma histria simplificada [faixa etria, situao educacional] que lance uma luz

    sobre os contedos discutidos, que no seja uma mera caricatura do processo histrico

    (MATTHEWS, 1995, p. 177).

    No que tange desmotivao dos jovens para seguirem carreira cientfica ao

    entrarem em contato com HFC, pode-se advogar justamente o contrario: uma cincia

  • 29

    humanizada, que contempla a desmistificao da ideia de cincia produzida por mentes

    geniais, motivaria o jovem a se interessar pela cincia (PEDUZZI, 2001).

    Quanto falta de espao nos currculos para a insero da HFC no Ensino, as

    consideraes sobre esse argumento para a Educao Bsica e para a Educao

    Superior12

    diferem entre si (MARTINS, 1990). Em pesquisa emprica realizada com

    professores da educao bsica da rede pblica e licenciandos em Fsica, o pouco tempo

    disponvel nas aulas para a insero da HFC foi uma dificuldade apontada. Essa

    dificuldade, no entanto, pode representar um falso dilema, tendo em vista que os

    participantes da pesquisa demonstraram conceber a HC como um contedo adicional a

    ser ensinado e no como uma possvel estratgia didtica (MARTINS, 2007).

    Em geral, pode-se dizer que os argumentos contrrios incluso da HFC no

    Ensino perderam fora nas ltimas dcadas. A polarizao a favor e contra a HFC no

    Ensino foi se esvaziando.

    Pesquisa realizada por Vilas Boas e outros (2013) aponta ausncia de ateno

    recente a argumentos contrrios insero didtica da HFC, o que teria ocorrido

    medida que se estabeleceu certo fortalecimento da defesa da temtica Natureza da

    Cincia para o contexto educacional. Segundo a referida pesquisa, esse processo teria

    ocorrido, sobretudo, aps consideraes influentes do pesquisador Michael Matthews

    no incio da dcada de 1990 (MATTHEWS, 1995). Passados quase 20 anos dessa

    significativa argumentao, o repertrio formado por diversos autores se consolidou

    como uma base slida para quem deseja pesquisar sobre essa temtica, permanecendo

    Matthews como um dos autores mais citados (VITAL; GUERRA, 2014).

    O termo Natureza da Cincia (NdC) refere-se a o que cincia, como a cincia

    funciona, como os cientistas atuam como grupo social, como a sociedade influencia e

    reage aos empreendimentos cientficos. A NdC atualmente uma linha de pesquisa

    consolidada (MCCOMAS; ALMAZROA; CLOUGH, 1998; HARRES, 1999; GIL

    PREZ et al, 2001; LEDERMAN, 2006; PAGLIARINI; SILVA, 2006; CLOUGH;

    OLSON, 2008; QUINTAL; GUERRA, 2009; LEDERMAN, 2012; PENA; TEIXEIRA,

    2013; SASSERON; BRICCIA; CARVALHO, 2013).

    12

    No Ensino Superior, alguns cursos, como Fsica, Qumica e Biologia apresentam em sua grade curricular uma disciplina especfica para a HFC, na maioria das vezes desvinculada das demais

    disciplinas do currculo.

  • 30

    Existe certo consenso no que diz respeito importncia da temtica Natureza da

    Cincia para a alfabetizao cientfica, sendo a discusso de episdios histricos em

    sala de aula, em diferentes contextos educacionais, intrinsecamente atrelada a iniciativas

    nesse sentido. Em relao formao de pesquisadores de reas cientficas, por

    exemplo, afirma-se: [...] no mais o caso de saber se deve ou no haver insero de

    histria da cincia, mas imperativo que cientistas tenham clareza do significado de sua

    atividade (VILAS BOAS et al., 2013, p. 294). No tocante formao de professores de

    Fsica, por sua vez, a importncia da temtica vem sendo amplamente citada, o que ser

    objeto de reflexo ainda no presente captulo. Em termos gerais, a abordagem desses

    elementos permitiria a problematizao de vises ingnuas da cincia e comporia um

    dos eixos primordiais para a alfabetizao cientfica: Compreenso da natureza das

    cincias e dos fatores ticos e polticos que circundam sua prtica (SASSERON;

    BRICCIA; CARVALHO, 2013, p. 268).

    Como desdobramentos recentes, vem sendo ressaltado que a temtica Natureza

    da Cincia dinmica e complexa, no havendo uma viso nica adequada sobre a

    NdC. Adverte-se que seria inadmissvel sustentar que o Ensino inclua de forma

    dogmtica uma listagem de aspectos fechados (BAGDONAS; SILVA, 2013, p. 216).

    Desse modo, no como receita de bolo ou como protocolo do que ensinar, podem ser

    teis para pesquisadores e professores listagens de elementos da NdC cuja importncia

    para o contexto educacional desperta relativo consenso. Uma listagem nesse sentido foi

    elaborada por McComas (2008, p. 251), em levantamento a partir da literatura da rea:

    Observaes so dependentes de pressupostos tericos;

    A cincia criativa na elaborao dos seus conceitos;

    O conhecimento cientfico tem carter provisrio, isto , o

    conhecimento cientfico mutvel;

    A cincia uma produo humana, passvel de erros e obstculos, que

    so transpostos, como parte do processo;

    No h um mtodo cientfico nico pelo qual a cincia produzida;

    Leis e teorias se relacionam, impactando uma sobre a outra, mas no

    tm o mesmo significado;

  • 31

    O conhecimento cientfico se apoia fortemente, mas no inteiramente,

    em observaes, evidncias experimentais, argumentos racionais e no

    ceticismo;

    H influncias histricas, sociais e culturais na prtica cientfica.

    Em sala de aula, recomendvel que enunciados sobre a Natureza da Cincia

    no sejam simplesmente listados (FERREIRA; MARTINS, 2010). Estudos na rea vm

    reiterando a utilizao da HC como uma estratgia efetiva para contextualizao dessas

    questes: No Ensino de NdC em qualquer nvel, exemplos da histria da cincia so

    teis para gerar discusses sobre NdC e compreender sua natureza contextual

    (CLOUGH; OLSON, 2008, p. 144).

    Recomenda-se a utilizao de episdios histricos na discusso sobre o

    funcionamento da cincia (MCCOMAS, 2008, p. 251), como importante recurso, por

    exemplo, para o ensino de aspectos relacionados metodologia cientfica:

    [...] O estudo histrico de como um cientista realmente desenvolveu sua

    pesquisa ensina mais sobre o real processo cientfico do que qualquer manual

    de metodologia cientfica. (MARTINS, 2006, p. XXIII).

    Nesse sentido, a Histria da Cincia tem sido apontada como um dos caminhos

    possveis para essa contextualizao, consoante o fato de que episdios histricos

    subsidiam exemplos de discusses inerentes natureza do trabalho cientfico.

    Recomenda-se que esses contedos sejam abordados de forma explicita,

    contextualizada e reflexiva por intermdio da Histria da Cincia (LEDERMAN, 1992;

    MCCOMAS, 2008; FORATO, 2009).

    Como mostra a seo seguinte do presente captulo, essa recomendao

    ultrapassou os limites acadmicos e, de fato, ganhou ressonncia na legislao

    educacional brasileira. Por isso, vem se ressaltando, dentre outros aspectos, a

    necessidade de atuar na sensibilizao e formao docente tendo em vista o contato com

    propostas didticas de cunho histrico-filosfico para a abordagem da temtica NdC.

    2.3 HFC no Ensino: legislao educacional, livros didticos e formao

    docente

  • 32

    Ao longo das ltimas dcadas, diversos pases reformularam e incorporaram em

    seus currculos de cincias a integrao de contedos relacionados a uma perspectiva

    histrico-filosfica. Esse foi o caso do Canad, Estados Unidos, Reino Unido,

    Dinamarca, Holanda entre outros (MATTHEWS, 1994; VANNUCCHI, 1996).

    No Brasil, essa incorporao transparece em documentos oficiais que regem a

    educao (Lei de Diretrizes e Bases LDB (BRASIL, 1999), Parmetros Curriculares

    Nacionais PCN (BRASIL, 2002a) e Programa Nacional do Livro Didtico PNLD

    (BRASIL, 2015). Esses documentos sinalizam a importncia de ensinar a cincia como

    construo humana, fruto de determinada poca e cultura. Refora-se o entendimento de

    que o Ensino deve contemplar o equilbrio entre processo e produto, de forma que o

    ensinar cincia e o ensinar sobre a cincia no esto dissociados. O artigo 36 da lei

    9.394 da LDB ressalta a importncia da compreenso do significado da cincia pelo

    educando (BRASIL, 1999, p. 46). Essa recomendao recorrente na legislao

    educacional brasileira, a qual enfatiza:

    [...] essencial que o conhecimento fsico seja explicitado como um processo

    histrico, objeto de contnua transformao e associado s outras formas de

    expresso e produo humanas (PCNEM Brasil, 1999, p. 22).

    A Fsica percebida enquanto construo histrica, como atividade social

    humana, emerge da cultura e leva compreenso de que modelos

    explicativos no so nicos nem finais, tendo se sucedido ao longo dos

    tempos, [...]. O surgimento de teorias fsicas mantm uma relao complexa

    com o contexto social em que ocorreram (PCNEM Brasil, 1999, p. 27).

    Compreender as cincias como construes humanas, entendendo como elas

    se desenvolvem por acumulao, continuidade ou ruptura de paradigmas,

    relacionando o desenvolvimento cientfico com a transformao da sociedade

    (DCNEM, 1998, Art. 10/1).

    Essa compreenso contemplada em critrio avaliativo dos livros didticos do

    Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD). Questiona-se se o material didtico:

    Contempla a histria da cincia articulada aos assuntos desenvolvidos,

    evitando reduzi-la a cronologias, biografias de cientistas ou a descobertas

    isoladas (PNLD, 2015, Guia de livros didticos).

  • 33

    No entanto, apesar das recomendaes explcitas no PNLD, a insero da HFC

    nos livros didticos para a Educao Bsica costuma ser problemtica e no garante a

    sua presena adequada em sala de aula (BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007; PENA;

    TEIXEIRA, 2013). Os livros raramente abordam de forma significativa o

    desenvolvimento histrico da cincia e a Natureza da Cincia, apresentando-as de forma

    distorcida (HOTTECKE; SILVA, 2010). Na maioria das vezes so apresentados mitos

    cientficos (PAGLIARINI; SILVA, 2006). Conforme Martins (2006) sintetiza:

    Os livros cientficos didticos enfatizam os resultados aos quais a cincia

    chegou as teorias e conceitos que aceitamos, as tcnicas de anlise que

    utilizamos mas no costumam apresentar alguns outros aspectos da cincia.

    De que modo as teorias e os conceitos se desenvolveram? Como os cientistas

    trabalham? Quais as ideias que no aceitamos hoje em dia e que eram aceitas

    no passado? Quais as relaes entre cincia, filosofia e religio? Qual a

    relao entre o desenvolvimento do pensamento cientfico e outros

    desenvolvimentos histricos que ocorreram na mesma poca? ( p. XXII).

    O guia do livro didtico do PNLD/2015 Fsica destaca a evoluo na quantidade

    de obras que vem sendo aprovadas ao longo dos anos. Aponta um aumento significativo

    na aprovao das obras inscritas no PNLEM. Em 2009, o percentual de aprovao era

    de apenas 27%, enquanto que atualmente o ndice de aprovao subiu pra 70% das

    obras avaliadas. No tocante nossa linha de pesquisa Histria e Filosofia da Cincia

    o guia do livro didtico mostra que das 14 obras aprovadas no PNLD/2015, apenas 6

    utilizam a Histria da Cincia em suas obras (PNLD, 2015, Guia de livros didticos).

    Dificuldades relacionadas aos materiais didticos, com frequncia, so citadas

    pela literatura de forma a acompanharem outras barreiras insero da HFC no Ensino:

    (1) carncia de um nmero suficiente de professores com a formao

    adequada para pesquisar e ensinar deforma correta a histria da cincia; (2) a

    falta de material didtico adequado (textos sobre histria da cincia) que

    possa ser utilizado no Ensino; e (3) equvocos a respeito da prpria natureza

    da histria da cincia e seu uso na educao (MARTINS, 2006, p. XXVII).

    Apesar das recomendaes dos pesquisadores e da prpria legislao, em geral,

    a presena de contedos relacionados HFC muito fraca se levarmos em conta a

    prtica educacional (ZANETIC, 1989; PAGLIARINI, 2007). Boa parte desse contexto

    explica-se por lacunas que dificultam a concretizao de iniciativas para a insero da

  • 34

    HFC no Ensino. Essas lacunas (como mencionamos no Captulo 1) so caracterizadas

    pela a tmida presena da HFC na formao dos professores, a falta de material

    adequado, a insegurana por parte dos professores no que diz respeito a intervenes

    que envolvam a HFC (DUARTE, 2004; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009;

    FERREIRA; FERREIRA, 2010).

    Na Educao Bsica, nos nveis fundamental e mdio, no existe uma disciplina

    especfica para a Histria e Filosofia da Cincia. A utilizao da perspectiva histrica e

    filosfica ocorre com pouca frequncia, em algumas aulas ou projetos isolados (ver

    BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009), quase sempre a cargo de um professor que se

    interessa pela abordagem em questo.

    Em pesquisas empricas, licenciandos e professores de Fsica de escolas pblicas

    relatam que cursos de formao inicial no oferecem subsdios para que se sintam

    capazes de planejar e executar aulas incorporando uma perspectiva histrico-filosfica

    (DUARTE, 2004; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FERREIRA; FERREIRA,

    2010). De certa forma, os participantes dessas pesquisas reconhecem a sua falta de

    preparo. Adicionalmente, essas pesquisas identificam aspectos ainda mais dramticos.

    Seriam equvocos a respeito da prpria natureza da histria da cincia e seu uso na

    educao (MARTINS, 2006, p. xxvii; grifo nosso). Por um lado, pouco compreendem

    o que seria Histria da Cincia (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b). Por

    outro, entendem a HFC somente como introduo ilustrativa acessria, no essencial

    (MARTINS, 2007), por mais que a legislao educacional frise o oposto.

    Contrariamente ao panorama atual, a devida preparao de professores para a

    insero de contedos histricos e filosficos nas aulas de cincias colaboraria para que

    esses profissionais reconhecessem e avaliassem criticamente a Histria da Cincia

    presente nos livros didticos (DUARTE, 2004; GATTI; NARDI; SILVA, 2004;

    GOULART, 2005; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FERREIRA; FERREIRA,

    2010). Aponta-se que

    [...] compensar a falta de preparo do professor para lidar com saberes da HFC

    na sala de aula inclui prepar-lo para identificar e problematizar

    manifestaes anacrnicas. Materiais didticos poderiam incluir orientaes e

    advertncias sobre ideias inesperadas e possveis modos para se lidar com

    elas (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b, p. 148).

  • 35

    A qualificao dos profissionais da educao para uso da HFC no Ensino teria

    grande valia para que os mesmos pudessem identificar vises inadequadas da cincia

    transmitidas por descries do tipo "quase-history e pseudo-histria (GIL PREZ et

    al, 2001). Nesse sentido, um srio entrave a essa perspectiva que parcela significativa

    dos professores compartilha justamente de concepes ingnuas de cincia e, por isso,

    recebe de forma aquiescente os modelos de "quase-history e pseudo-histria

    recorrentes em materiais didticos (PAGLIARINI; SILVA, 2006; BATISTA; MOHR;

    FERRARI, 2007; HOTTECKE; SILVA, 2010).

    Gil Prez e colaboradores (2001) diagnosticaram sete vises deformadas

    sustentadas por professores:

    concepes emprico-indutivista e atericas - destacam o papel neutro da

    observao e da experimentao, excluindo os pressupostos tericos inerentes ao

    processo de construo do conhecimento cientfico;

    viso rgida o mtodo cientfico o caminho nico para construo do

    conhecimento cientfico;

    viso aproblemtica e ahistrica os conhecimentos so dissociados de

    problemas, no so respostas historicamente construdas por seres humanos a

    partir de perguntas;

    viso exclusivamente analtica destaca a necessria diviso dos contedos,

    intencionalmente para simplificar esses contedos;

    viso acumulativa de crescimento linear o desenvolvimento cientfico

    aparece como consequncia de um crescimento linear, sendo uma viso

    simplista de como o conhecimento cientfico foi construdo;

    viso individualista e elitista o conhecimento cientfico aparece como obra de

    gnios isolados, ignorando-se o carter cooperativista da produo do

    conhecimento cientfico

    viso socialmente neutra no leva em considerao a complexa relao entre

    a cincia e a sociedade tornando os cientistas acima do bem e do mal.

    Em conjunto, essas vises formam um esquema conceitual relativamente

    integrado: o conhecimento cientfico acumular-se-ia por meio de descobertas

    individuais, realizadas sem dificuldade por cientistas geniais, agindo de modo neutro e

    imparcial. Esse tipo de concepo exerce impacto no contexto educacional, podendo

  • 36

    influenciar a viso dos alunos, ainda que o professor no tenha a inteno de tratar sobre

    NdC em suas aulas: a postura terica do professor sobre a natureza da cincia (sua

    prpria epistemologia) pode ser transmitida de forma explcita ou implcita

    (MATTHEWS, 1995, p. 187).

    No caso de discusses deliberadas e efetivas sobre a temtica NdC, por mais

    significativa que seja a argumentao acadmica e ainda que tal perspectiva seja

    abraada pela legislao, sua presena ainda tmida em salas de aula. Acredita-se que

    a ausncia desses contedos remeta ao desconhecimento da temtica pelos professores

    ou, ainda, falta de preparo dos mesmos, que se sentem inseguros para abord-la em

    suas aulas (MATTHEWS, 1995; MCCOMAS et al., 1998; HARRES, 1999;

    LEDERMAN, 2007). Portanto, necessrio proporcionar, na formao dos professores,

    espaos de discusso sobre a NdC e suas possibilidades de incluso no contexto

    educacional por meio da HFC.

    A seo seguinte do presente captulo discorre sobre pressupostos bsicos da

    historiografia da cincia, os quais se relacionam a barreiras HFC no Ensino que

    tangenciam lacunas na formao docente, especialmente no que diz respeito a

    equvocos a respeito da prpria natureza da Histria da Cincia (MARTINS, 2006, p.

    xxvii). Esses pressupostos foram levados em conta na elaborao das narrativas

    histricas sobre o vcuo e presso atmosfrica, um dos produtos educacionais do

    presente mestrado. Tais aspectos foram enfatizados tambm no material didtico

    direcionado para professores do Ensino Mdio, visando colaborar para a formao dos

    mesmos, portanto, na perspectiva de atuar em lacunas identificadas pela literatura.

    2.4 HFC no Ensino e Historiografia

    Segundo estudo recente, do tipo estado da arte, as narrativas histricas tm sido

    um dos suportes mais recorrentes nas propostas de insero da HFC no contexto

    educacional (TEIXEIRA; GRECA; FREIRE JR, 2012). As potencialidades das

    narrativas para o Ensino de Cincias e, em particular, no que tange promoo de

    discusses sobre Natureza da Cincia vm sendo destacadas pela literatura (RIBEIRO;

    MARTINS, 2007). Pode-se aproximar o aluno da cultura cientfica, descrevendo e

    situando social, poltica e historicamente, os processos de produo do conhecimento

    cientfico.

  • 37

    Justifica-se, portanto, a iniciativa, levada a cabo no presente mestrado, de

    elaborar narrativas histricas, isto , textos histrico-pedaggicos, potencialmente

    destinados insero da temtica NdC no Ensino Mdio. Particularmente, buscou-se

    retomar episdios relacionados Histria do Vcuo e da Presso Atmosfrica tendo em

    vista o seu rico potencial histrico, ainda pouco explorado no contexto educacional.

    Por outro lado, na presente proposta, tais narrativas no so efetivamente

    aplicadas na Educao Bsica, mas sim so tomadas para discusso especfica em

    formao docente. Configuram-se, fundamentalmente, como elementos para mediao

    das discusses. Props-se material didtico voltado para a formao de professores a

    respeito da transposio didtica envolvida na elaborao das narrativas, o qual

    remete a questes relacionadas ao uso das mesmas em salas de aula.

    Para a fundamentao terica foram primordiais consideraes acerca da

    importncia de reflexes sobre a historiografia da Histria da Cincia para a insero da

    HFC no Ensino. Aponta-se que o processo de elaborao de materiais e propostas

    didticas deve envolver uma profunda reflexo tendo em vista a construo de uma

    HFC que no seja do tipo pseudo-histria, Whig ou anacrnica e que, ao mesmo tempo,

    seja apropriada ao contexto educacional (VIDEIRA, 2007; FORATO, 2009; FORATO;

    PIETROCOLA; MARTINS, 2012b).

    Particularmente, norteou o processo de elaborao das narrativas certas

    concepes expressas na literatura:

    A elaborao de narrativas histricas e os aspectos epistemolgicos que elas

    transmitem podem ser avaliados e orientados pela historiografia atual da

    Histria da Cincia (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b, p. 126).

    Uma narrativa histrica ser melhor, quanto mais consciente for o seu autor

    dos pressupostos historiogrficos empregados para elabor-la (VIDEIRA,

    2007, p. 123).

    Igualmente, a escolha dos elementos destacados na proposta voltada para a

    formao docente levou em conta indicaes de que as normativas atuais da

    historiografia seriam ponto crucial para a HFC no Ensino e, portanto, para a prpria

    preparao dos professores. Parte-se do princpio de que professores cientes dessas

    normativas observariam de forma mais consciente, por exemplo, a HFC presente em

  • 38

    materiais didticos e poderiam perceber a intercorrncia de eventuais elementos do tipo

    pseudo-histria, histria Whig13

    , quasi-history e anacronismos:

    [...] defende-se que conhecer alguns pressupostos bsicos da historiografia

    pode auxiliar nos usos da HFC no Ensino de cincia, contribuindo para uma

    leitura mais crtica das verses histricas presentes no Ensino de cincias.

    (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011, p. 36).

    A perspectiva que aponta os pressupostos bsicos da historiografia da cincia

    como saber importante para a formao docente justifica-se pela necessidade de evitar a

    propagao no contexto educacional das vises ingnuas de cincia s quais as

    distores histricas se articulam:

    Essas crticas s distores da histria presentes na educao cientfica devem-

    se menos a um preciosismo histrico em si, e voltam-se muito mais

    preocupao sobre a viso de cincia que tais verses fomentam em

    professores e estudantes (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011, p. 36).

    Nesse sentido, as narrativas foram elaboradas tendo em vista pressupostos

    historiogrficos atuais e o material de formao docente busca primordialmente lanar

    luz sobre o referido processo de elaborao, ressaltando a importncia desses elementos

    para uma contextualizao no distorcida da natureza do trabalho cientfico.

    A transposio para o contexto educacional da Histria da Cincia acadmica,

    especializada, implica lidar com aspectos importantes. Certas questes so significativas

    no processo de elaborao de propostas didticas que objetivam tratar sobre a Natureza

    da Cincia de modo contextualizado, por meio de episdios da Histria da Cincia.

    Refletir sobre como inserir determinados contedos histricos no contexto educacional

    dependeria inclusive de particularidades inerentes prpria temtica histrica

    focalizada (FORATO, 2009; HTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA;

    MARTINS, 2012b).

    Nessas circunstncias, as escolhas das mensagens sobre a Natureza da Cincia,

    da temtica histrica e dos aspectos histricos a enfatizar em cada episdio se

    entrelaam. Deve ser levado em conta o nvel de aprofundamento dos aspectos

    13

    O termo Whig foi inspirado na pratica de um partido poltico na Gr-Bretanha, que moldava a histria

    com a finalidade de substanciar o prprio poder. Esse termo na histria da Cincia designa um tipo de

    anacronismo que glorifica a genialidade de alguns personagens, batizando-os de pais de inventos e

    campos de estudos (FORATO, 2009, p. 20).

  • 39

    histricos. Acrescenta-se, ainda, a ateno quanto existncia de contedos histricos

    que no so de fcil compreenso. Esses aspectos dependem dos contextos particulares

    para os quais se dirigem as propostas didticas e dos seus objetivos. fundamental

    formular atividades adequadas sob o ponto de vista pedaggico e epistemolgico.

    No contexto da presente dissertao, as reflexes recentes da literatura

    relacionada transposio dos contedos histricos para o contexto educacional foram

    observadas na elaborao de textos histrico-pedaggicos, isto , narrativas sobre a

    temtica vcuo e presso atmosfrica, as quais so apresentadas no Captulo 3. No

    referido captulo, discutem-se aspectos dessa transposio tendo em vista os objetivos

    dessa proposta especfica. Apresentam-se consideraes sobre obstculos e desafios

    particularmente enfrentados na elaborao desse material didtico, como a extenso e

    profundidade dos textos, a quantidade de informaes contempladas e a formulao

    discursiva. Procura-se chamar a ateno para as potencialidades, bem como para as

    limitaes do material elaborado, pontos que remetem explicitamente a reflexes

    relacionadas utilizao em sala de aula.

    O mesmo Captulo apresenta material educacional voltado para a

    instrumentao dos professores. Este material, concebido segundo uma perspectiva no

    tecnicista, e sim, reflexivo-dialgica, visa discusso de aspectos relacionados a esse

    tipo de suporte, isto , narrativas para a insero da HFC na Educao Bsica.

    Considera-se que a viabilidade da insero das narrativas em sala de aula se relaciona

    sua flexibilidade (HTTECKE; SILVA, 2010), sendo essa uma caracterstica que

    precisa ser bem como compreendida e explorada pelo professor a fim de adaptar

    propostas ao seu prprio contexto.

    Os professores precisam se sentir beneficiados com os novos materiais, [...],

    os materiais devem ser elaborados de modo flexvel de forma a permitir que

    os professores os adaptem s suas condies atuais e locais (HTTECKE;

    SILVA, 2010, p. 17).

    A elaborao do segundo produto educacional apresentado no Captulo 3 leva

    em conta, portanto, a necessidade de atentar para a falta de pr-requisitos e preparao

    do professor para a utilizao desse tipo de material (FORATO; PIETROCOLA;

    MARTINS, 2012b, p. 131).

  • 40

    CAPTULO 3

    Sobre os Produtos Educacionais elaborados

    No mbito do processo desenvolvido na presente dissertao, buscou-se

    explorar o rico potencial didtico ainda significativamente inclume da temtica

    Histria do Vcuo e da Presso Atmosfrica. Foram desenvolvidas narrativas histricas

    (APNDICE I) que podem ser utilizadas por professores do Ensino Bsico para a

    insero da Histria e Filosofia da Cincia em salas de aula de Fsica. Esse primeiro

    produto no foi efetivamente aplicado no contexto da Educao Bsica. A inteno ao

    elabor-los foi que constitussem pea importante como elemento de mediao em

    discusses direcionadas formao docente. Assim, motivou a elaborao desse

    primeiro produto educacional, a necessidade de constituir um elemento especfico que

    servisse a tal funo.

    Desenvolveu-se, ainda, como segundo produto educacional (APNDICE II)

    um material voltado para a instrumentao de professores (em perspectiva no

    tecnicista, e sim dialgica), o qua