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Formação do Mundo Medieval Durante os seculos V a X, mesclaram-se três elementos básicos na formação do mundo medieval: requietos do império romano, instituições germânicas e propagação do cristianismo..No século V, a crise do império Romano se aprofundou, principalmente em razão da dificuldade em obter mão de obra escrava dos problemas com a concentração da propriedade rural, dos altos impostos cobrados para a manutenção da imensa maquina burocrática do estado e das despesas com o exercito. Gradativamente, o império romano só desorganizou sendo dividido no ano 365 entre o império do ocidente e o império do oriente(também denominado Bizâncio ou império Bizantino). O deslocamento de povos germânicos para varias regiões do império romano Ocidental intensificou sua desestruturação. Embora outros povos tenham penetração do no território romano e colaborado para acelerar a ruína do império e a ruralização da sociedade, os germânicos foram os que mais contribuíam para a definição de uma nova economia social: o feudalismo. A Igreja Católica atuou como elemento de articulação entre o mundo romano e o germânico ao promover uma síntese cultural determinamente para a produção da mentalidade e do universo cultural da idade media, ao mesmo tempo em que lançava as bases que constituíram o pensamento moderno ocidental. Os povos barbaros: Já comentei que os gregos e os romanos designavam “bárbaros” todos os povos estrangeiros que falavam línguas diferentes do latim e do grego e tinham costumes, organização social e econômicas próprios. De diversas origens, esses povos, vivendo a principio ao norte e leste da Europa e no continente asiático, não faziam parte do império. Eles podem ser agrupados em pelo menos três grandes núcleos: °Nômades provenientes da asia central, entre eles hunos( de provável origem mongólica), avaros e magiares; º eslavos, de acendencia indo-europeia e de indo-europeia e de diferentes origens étnicas e culturais vindos da Rússia central e de parte da Europa oriental(russos, croatas, tchecos, poloneses, ucranianos e húngaros, entre outros);

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Formação do Mundo Medieval

Durante os seculos V a X, mesclaram-se três elementos básicos na formação do mundo medieval: requietos do império romano, instituições germânicas e propagação do cristianismo..No século V, a crise do império Romano se aprofundou, principalmente em razão da dificuldade em obter mão de obra escrava dos problemas com a concentração da propriedade rural, dos altos impostos cobrados para a manutenção da imensa maquina burocrática do estado e das despesas com o exercito.

Gradativamente, o império romano só desorganizou sendo dividido no ano 365 entre o império do ocidente e o império do oriente(também denominado Bizâncio ou império Bizantino).

O deslocamento de povos germânicos para varias regiões do império romano Ocidental intensificou sua desestruturação. Embora outros povos tenham penetração do no território romano e colaborado para acelerar a ruína do império e a ruralização da sociedade, os germânicos foram os que mais contribuíam para a definição de uma nova economia social: o feudalismo.

A Igreja Católica atuou como elemento de articulação entre o mundo romano e o germânico ao promover uma síntese cultural determinamente para a produção da mentalidade e do universo cultural da idade media, ao mesmo tempo em que lançava as bases que constituíram o pensamento moderno ocidental.

Os povos barbaros:

Já comentei que os gregos e os romanos designavam “bárbaros” todos os povos estrangeiros que falavam línguas diferentes do latim e do grego e tinham costumes, organização social e econômicas próprios. De diversas origens, esses povos, vivendo a principio ao norte e leste da Europa e no continente asiático, não faziam parte do império. Eles podem ser agrupados em pelo menos três grandes núcleos:

°Nômades provenientes da asia central, entre eles hunos( de provável origem mongólica), avaros e magiares;

º eslavos, de acendencia indo-europeia e de indo-europeia e de diferentes origens étnicas e culturais vindos da Rússia central e de parte da Europa oriental(russos, croatas, tchecos, poloneses, ucranianos e húngaros, entre outros);

ºgermanicos(ou germanos) grupo heterogêneo também de origem indo-europeia; geralmente eram identificados como germânicos ocidentais que viviam no norte da Europa(suevos, lombardos, teutônicos e fracos, entre outros), e orientais que habitavam o leste europeu( ostrogodos, visigodos, vândalos, burgúndios, etc.)

As relações politicas no tempo feudal:

As relações políticas da época eram baseadas na figura da suserania e da vassalagem. O suserano, que podia ser o rei ou o nobre, era superior ao vassalo. A insegurança do período levou a uma relação direta entre o rei e os nobres, visando uma proteção recíproca, já que um dependia do outro.

O rei era sempre suserano e jamais vassalo, diferente do nobre, que era vassalo do rei e podia ser suserano de outro nobre com menos poder. Oficialmente, o rei era a autoridade política máxima, mas, na verdade, o poder se fragmentava entre os senhores feudais.

Assim, o suserano podia conceder um feudo ao seu vassalo, dar-lhe proteção militar, o direito de ser julgado em um tribunal de senhores, caso fosse acusado de algum crime... Em troca, o vassalo deveria abrigar seu suserano em seu feudo, caso este estivesse de viagem por perto, auxiliar militarmente, contribuir para cerimônias familiares do suserano...

Estas relações se estabeleciam pela Cerimônia de Investidura, em que era feito um juramento de fidelidade e um reconhecimento da superioridade do suserano.

É importante ressaltar que o poder do Estado neste período era praticamente nulo, já que o poder estava dividido nas mãos dos senhores feudais

“A sociedade medieval nasceu sobre as ruínas do mundo romano (...)”.Essa afirmação de Jacques Le Goff, parece um tanto simples, para explicar a formação de uma sociedade tão complexa quanto foi a sociedade medieval, uma época que intriga e fascina não só historiadores, mas estudiosos de diversas áreas do pensamento humano. E essa passagem do mundo antigo para a Idade Média se deu num processo longo e conturbado, que marcou profundamente a historia de todo o Ocidente.O primeiro fato importante que corroborou para o nascimento da Europa Medieval foi sem duvida a crise no Império Romano no século III; o Império estava em decadência, o poderoso mundo Romano foi gradualmente ruindo. O comércio que era basicamente interno, estava em crise, e a divisão que isolava o Ocidente do Oriente veio por juntar-se ao isolamento crescente entre diversas partes do Ocidente, o império do Oriente prosperava em detrimento do império ocidental.Outro elemento essencial que contribuiu para essa crise no mundo romano, foram às invasões bárbaras. Pois as investidas dos povos bárbaros contra os romanos, agravou ainda mais os problemas sociais e econômicos do Império. Os cidadãos tornaram-se cada vez mais dependentes da proteção dos grandes proprietários que passavam a ser chefes de bandos militares, isso não agradou os colonos, pois a sua situação cada vez mais caminhava para a

situação de um escravo. Esse foi um dos motivos do êxito das investidas bárbaras, pois encontraram apoio nas massas revoltadas dos cidadãos romanos. E desse encontro entre esses povos – os bárbaros e os romanos – que toma corpo a Europa medieval.As invasões germânicas do século V modificaram de forma grotesca e profunda o mapa político do Ocidente. O que precipitou essas violentas invasões não foi o desejo de “poder” a barbárie a eles atribuída pelos romanos, mas como cita Jacques Le Goff, em “A Civilização do ocidente Medieval”, “foi à fome que os armou contra os romanos”. A Pressão imposta por outros povos sobre os bárbaros os empurraram para “cima” dos romanos, de maneira desesperada e violenta. Prova disso é que os bárbaros não vão procurar destruir o Cristianismo Romano, na verdade vão aderir a ele, ainda que exista nesse ponto a forte presença do arianismo.O Cristianismo religião das massas no império romano, vai ser uma alternativa, vai ser o principal mecanismo, que vai propiciar uma unidade nessa nova estrutura do Ocidente. Os Francos vão se beneficiar grandemente, da aliança que fazem com o catolicismo, e no século VIII vão acender ao domínio do ocidente.A sociedade medieval surgiu, então, dessa fusão do mundo romano com o mundo bárbaro, desse choque de culturas. A herança legada pelos romanos a Europa medieval somou-se a herança legada pelos bárbaros, e as contradições existentes nesses dois povos, deram forma ao Homem Medieval.

IDADE MÉDIA – CAPÍTULO I

A FORMAÇÃO DA CIVILIZAÇÃO MEDIEVAL

Como deve ser considerada a Idade Média. O fator germânicoA Idade Média tem sido simultâneamente considerada uma época de obscurantismo, porque durante ela decaiu extraordinariamente a cultura clássica, e uma época de fermentação, porque no seu decorrer se preparou a nova civilização. De fato a cultura greco-romana sofreu um abatimento considerável, posto que mais aparente do que real: sob a agitação, porém, produzida pelas invasões bárbaras, o mundo moderno se foi organizando pela remodelação política e social da Europa, na qual o fator germânico veio a colaborar com o latino para o progresso comum da humanidade. Com suas fortes qualidades de raça, o teutão contribuiu para a florescência da civilização de que se apropriou e na qual modelou sua mentalidade. Nas formas latinas, já tradicionais, inoculou o espírito germânico o sentimento de liberdade pessoal que desaparecera sob o despotismo do Estado romano, conseguintemente o sentimento de independência: assim se exprime no seu magistral trabalho sobre a civilização na Europa o historiador francês Guizot, dos mais notáveis pela austeridade e pela elevação.

O caracteristico da civilização modernaA confusão da Idade Média provém do traço posto em relevo por Guizot na elaboração da civilização moderna. Segundo o pensador francês, o característico das civilizações antigas é a sua respectiva unidade, no sentido de corresponderem ao desenvolvimento lógico de uma idéia ou de um princípio, até suas conclusões mais afastadas. É assim que daquelas civilizações, tal foi teocrática, tal outra monárquica e despótica, tal outra democrática. Na civilização moderna, que tende pelo contrário a reunir as diferentes modalidades de civilização, o característico é o embate das idéias, o choque dos princípios, dos quais nenhum parece ser voluntariamente levado pelos seus obreiros até o extremo limite. O movimento intelectual é portanto mais profundo no segundo caso. Consideradas suas categorias em separado, a civilização antiga apresenta-se mais rica em obras de arte, em obras perfeitas; mas a moderna é de fato mais rica, porque produziu ao mesmo tempo muitas evoluções diferentes.

Decadência do mundo clássico. O império eclesiásticoO mundo clássico estava aliás em decadência: esta foi apenas apressada pelas invasões bárbaras e pelo cristianismo. O império eclesiástico, tomando o lugar do império político, impediu que a cultura se apagasse à míngua de combustível. A Igreja substituiu-se ao império na sua função histórica, tendo-lhe este facilitado a ação graças à unidade administrativa que dera à aglomeração de cidades e de pequenos Estados formando a república romana. Operou-se assim primeiro a concentração necessária onde existia uma fraca coesão, cabendo à majestade imperial exercer semelhante centralização.

O regime municipal romano e a IgrejaEntretanto o que veio a prevalecer, aquilo que pode dizer-se ter sido legado à Europa pela civilização romana, a par da legislação civil comum e da idéia do poder absoluto, herdado pela teocracia católica,

foi o regime municipal. Por outras palavras, que melhor convêm talvez à filosofia da história, Roma legou tanto o princípio de autoridade como o princípio de liberdade.

Pertence ao registro histórico que antes de assumir o mando universal, a Igreja se utilizou da administração municipal. Uma vez organizada sua hierarquia, os clérigos e os bispos, isto é, os inspetores e os anciões na terminologia cristã grega de antes do cisma, assumiram as magistraturas urbanas, mesmo porque entraram eles a representar o elemento de cultura. A Igreja foi destarte o traço de união moral entre esses dois mundos. O cristianismo ct nquistou os bárbaros porque lhes trazia muito do que lhes faltava: estes por seu lado forneceram ao mundo romano virtudes que o levantaram.

Tácito e os germanos. A mulher. A famíliaTácito, no intuito de estabelecer um contraste que impressionasse seus concidadãos, descreveu para os romanos do seu tempo a sólida organização da família teutônica, a virtude inabalável das mulheres germânicas, verdadeiras companheiras sustentando o ânimo de seus maridos, quando por acaso abatidos pelas vicissitudes das lutas. Nestas condições deixa a família de representar uma simples conjugação sexual, para se tomar uma expressão moral. Ora, a influência da família é tão poderosa sobre a sociedade, a qual se compõe de famílias, que fomenta o progresso toda vez que a época corresponde à dignidade da esposa e ao respeito do lar. O professor portuguêsConsiglieri Pedroso recorda que a Roma de Júlia e de Messalina não era mais a de Vetúria e de Lucrécia, quando prevalecia o pudor que volveu a predominar com o espírito cristão.

Fundamento do sistema feudalAugusto Comte juntou com insistência às feições sociais da Idade Média o culto da mulher, expressão por excelência do período da cavalaria, e Guizot assinala com propriedade o laço de dedicação pessoal que constituiu o fundamento, não só afetivo como político do sistema feudal.

Imperadores e invasores de BizâncioEm Bizâncio, após alguns remados anárquicos, houve de novo no século VII um clarão. Heráclio, que subira ao trono imperial (610) depois de ter governado a África, viu os avaros, tribos uralo-altaicas estacionadas na Hungria, perseguirem suas tropas até quase os arredores de Constantinopla e os persas invadirem a Síria e a Ásia Menor. Pensou até Heráclio em transportar sua capital para Cartago, mas o patriarca Sérgio dissuadiu-o disso e excitou-o à guerra, a qual deu em resultado repelir os avaros e recuperar as províncias conquistadas pelos persas, impondo-lhes a paz (628) no coração do seu país, depois da derrota de Nínive. Quando Heráclio faleceu em 641, já o Egito lhe fora arrebatado pelos árabes, outro e temível inimigo que surgira no Oriente para dar combate à tradição romana.

A questão dos iconoclastasLeão III, o Isauriano (718), conseguiu bater os árabes que cercaram Constantinopla e, para não faltar ao sestro das controvérsias religiosas, perseguiu o culto das imagens, protegendo os iconoclastas e dando lugar a que no Oriente e na Itália se acendesse a guerra civil que fez perder ao seu império o exarcado de Ravena, isto é, o pé que conservava na península. O primeiro conflito entre as duas Igrejas, romana e grega, proveio dessa questão cultural. Roma, pelo Papa, resistiu ao decreto que mandava despojar os templos desses símbolos reputados idólatras e acabou por excomungar quem dera a ordem e quem quer que lhe obedecesse. No século IX a imperatriz Irene, que subira ao trono em 797 e se salientou pelo vigor e fausto da sua administração — diz-se queCarlos Magno a requestou, na idéia de reconstituir todo o império romano — readmitiu as imagens tanto em pintura como em mosaico; mas o fosso da divisão já estava cavado e, outras causas cooperando para a solução do rompimento, este se verificou.

Cisma do OrienteIniciado em 867 pelo patriarca Fócio, o cisma foi consumado em 1054 por Miguel Cerulário, reinando Constantino X, em cujo tempo foram repelidos de Constantinopla os russos, que aliás tinham começado a ser evangelizados no fim do século X por missionários de Constantinopla. Missionários da mesma procedência dirigiram-se para a Bulgária e a Boêmia, como que respondendo ao proselitismo

belicoso dos árabes que, espraiando-se pelo que se chama a Ásia anterior, tinham reduzido quase a Bizâncio o império bizantino, o qual no fim do século IV ocupava a superfície do império de Alexandre, com exceção da Pérsia. No reinado de Constantino X, como que anunciando novas contendas, os normandos conquistaram a Itália meridional e os turcomanos começaram a atacar províncias da Ásia.

As Igrejas Católica e OrtodoxaO cisma entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente não prejudicou tanto Roma quanto se poderia pensar, porque o campo de ação ocidental era mais vasto, não existindo velhas religiões universalistas a concorrerem com o novo credo, e os descobrimentos, a partir do século XV, ainda viriam alargar semelhante campo. O maior feito de Carlos Magno foi o de reunir os povos germânicos num império cristão e apagar a distinção entre romanos e germanos, abrindo caminho a produtos com traços combinados dos seus elementos componentes. Também o braço forte do imperador defendeu a Igreja romana contra seus inimigos temporais e espirituais e consolidou a base territorial do seu poderio. Com o cisma, a Igreja romana evidenciou-se católica, isto é, universal, entrando numa fase de política ativa com que vários papas pareciam querer tudo avassalar.

A Igreja grega ficou sendo a ortodoxa porque antepunha a outras preocupações a da doutrina, tendo-se esta elaborado definitivamente nos concílios orientais.

* * *

O domínio franco e os prefeitos de palácioNo século VI, ao falecer Clóvis (511), era o reino franco quase um império: repartido porém por seus quatro filhos, deu origem a uma série de discórdias em que foi crescendo o poder dos condes ou grandes senhores — o país dividia-se em condados — e foi sobretudo crescendo a autoridade dos prefeitos de palácio, um cargo singular, de escolha dos nobres, cujo titular servia de mentor ao monarca, a quem acabou por colocar de todo na penumbra, como no Japão o xogum ao micado. Uma vez elevadas as funções palacianas do prefeito à superintendência dos negócios públicos, o que equivalia a uma usurpação, não admira que os vigorosos reis merovín-gios, os "reis

cabeludos", se transformassem nos reis indolentes, os "rois fainéants" cuja melhor ocupação era pentearem suas longas cabeleiras louras, emblema do seu passado supremo comando.

Reis cabeludos e reis indolentes. Os merovíngios e o reinos da GáliaO mais notável dos merovíngios foi Dagoberto (628-638), que submeteu os bretões da Armórica e impôs tributo aos frísios e saxões tendo sido senhor de toda a Gália. Ao sabor das sucessões, esta dividia-se e reunia-se, sendo acesa a rivalidade entre Austrásia, que era a zona oriental, onde preponderava o elemento franco, e Nêus-tria, que era a zona ocidental, para onde a população galo-romana fora impelida pelas invasões germânicas. Depois de Dagoberto a separação tornou-se permanente, e o número dos reinos acresceu algum tempo com dois outros reinos — a Borgonha e a Aquitânia.

Carlos MartelA Austrásia teve no século VII um prefeito de palácio por nome Pepino de Heristal, que derrotou os nêustrios em 687 e foi pai do ilustre Carlos Martel, o qual impôs a supremacia franca aos alemães (também chamados saxões), bávaros e turíngios; submeteu burgui-nhões, provençais e nêustrios e sobretudo salvou a civilização cristã ocidental em Poitiers (732), destroçando os sarracenos que, depois de conquistados o Egito e o Norte d’África, tinham destruído a monarquia visigótica na Espanha e invadido a França até o Loire.

Pepino, o Breve, e o poder temporal dos papasPor morte de Carlos Martel cindiu-se de novo a sucessão, mas Carlomano, que herdara a autoridade na Austrásia, cedeu seu direito ao irmão, Pepino o Breve, o qual, após governar nove anos como prefeito, obteve do papa a dignidade real de que já possuía as responsabilidades. O último dos merovíngios deixou-se tosquiar e entrou para um convento (752), e o pontífice Estêvão II veio sagrar o novo rei, que depois lhe acudiu quando os lombardos pretenderam apoderar-se de Roma. Por essa ocasião foi a Igreja (756) por êle

brindada com as terras que até 1870 fizeram parte dos seus Estados. Quis-se porém coonestar essa doação com um ato anterior e para isto se forjou um documento, a suposta doação de Constantino, pro-

Assinatura do Rei Pepino num documento do mosteiro de Fulda, em 760: "Signum f pippino gloriosíssimo rege". Na 2.a  linha, o reconhecimento da assinatura: "Ch(rismon) Hiterius in vice Badilione. Hiterius subscripsi". Na 3.a Unha a data: "Data in menso Junio anno nono regni nostri. Actum Atiniago palatio publico".

palando-se que este transferira a capital para o Bósforo e cedera à Santa Sé a soberania sobre a Itália e o Ocidente, em sinal de gratidão por se ter curado da lepra mediante as orações do Papa, São Silvestre. As decretais, igualmente forjadas no século IX, tendiam a provar que os bispos de Roma dos séculos II e III já exerciam a jurisdição reclamada seis séculos mais tarde.

Carlos MagnoCarlos Magno era filho de Pepino, o Breve, mas foi quem deu o nome à dinastia dos Carlovíngios. Ao morrer seu pai em 768, o reino franco foi outra vez dividido. Com o falecimento porém do irmão em 771, foi êle reconhecido monarca único em detrimento dos seus sobrinhos. Estes encontraram asilo na corte do rei lombardo, motivo pelo qual Carlos tão prontamente valeu ao papa, novamente ameaçado pelos vizinhos lombardos.

Suas campanhasSeu reinado foi de quase meio século e durante êle ocorreram mais de 50 campanhas. Só a guerra contra os saxões, cuja confederação ocupava as bacias do Weser e do Elba, levou 32 anos e acabou pela conversão desses idólatras ao cristianismo, não porém sem grande soma de crueldades: a repressão da revolta de Wittekind custou a decapitação de 4 500 saxões e o transporte para a Gália de 10 000 famílias saxónicas. Carlos Magno submeteu ainda os bávaros e os avaros sempre inquietos e, transpondo os Pireneus, talhou para si um domínio ao nordeste da península hispânica, o que depois se chamou Navarra e Aragão. Foi no regresso desta expedição que os gascões exterminaram a retaguarda do seu exército no desfiladeiro de Roncesvales, cri encontrando a morte o bravo Rolando, herói de

muitas canções de gesta, repetidas pelos troveiros da França setentrional (778).

Seus domíniosO restabelecimento do império do Ocidente data do ano 800: os domínios de Carlos Magno iam então do Ebro ao Elba, seu pai tendo retomado aos árabes a Septimânia, e abrangiam a Lombardia e outras partes da Itália, a Baviera, a Boêmia e a Caríntia. Pode dizer-se que foi o precursor da unidade alemã, visto que reuniu toda a Alemanha sob o seu cetro. Pelejando contra os saxões e contra os citas dalém, pois que a conversão dos bárbaros continuou no sentido de leste, do Elba ao Oder e ao Vístula, seu fito foi assegurar a continuidade da cultura franca pela ampliação da área de civilização.

A civilização teutónica o o novo império do ocidenteCarlos Magno é, de consenso geral, a figura mais impressiva da Idade Média: fisicamente mesmo era imponente. O reino dos francos, que com êle sobretudo se ergueu acima da barbárie, era o foco da civilização teutônica que entrara a lutar pela existência. No dizer de um historiador americano, o grande Karl nada tinha de francês no sentido que hoje podemos dar à palavra; nem tampouco de alemão, mesmo porque no seu tempo não existiam ainda França e Alemanha: êle foi tão-sòmente um genuíno teutão pelo berço, pela residência, pelas idéias e pela língua. Seu pensamento dominante foi o

Origem da teocracia católicaMoeda comum do Imperador Carlos Magno e do Papa Leão III.

restabelecimento do império romano, já pela extensão territorial que alcançaram seus domínios, já pela tradição de ordem política e social que encerrava essa fórmula de governo. A construção do colossal edifício em solo germânico seria uma condição de solidez no seu juízo, porquanto a construção romana havia desmoronado pelo fato de descansar sobre a base demasiado estreita da nacionalidade latina.

Os dois elementos de civilização que Carlos Magno visou sobretudo utilizar, foram os instintos dos teutões e o espírito católico. As velhas instituições germânicas mereciam seu afeto, como a Igreja o seu

respeito. Nunca, a não ser em raras ocasiões de Estado, trocou os trajes francos pelas galas romanas.

Entretanto, com o império de que a Igreja lhe deu a investidura, na idéia de opor um rival triunfante ao império grego, que se estava desmoralizando pelos seus crimes e vícios, êle abriu a porta à teocracia. Por um lado emprestou à história européia um grande ideal político para corrigir a diversidade que se sobrepusera à antiga unidade, fosse esta embora já nominal; por outro lado fortaleceu o poder político da Igreja mediante esse império de instituição eclesiástica, destinado a fazer triunfar no mundo a doutrina cristã.

A administração do império carlovíngioCarlos Magno, além de guerreiro, foi legislador e administrador de fôlego. Possuía uma assombrosa capacidade de trabalho e exigia dos outros igual soma de labor. Governava por meio de capitulares ou ordenações redigidas pelos funcionários dirigidos pelo arquichanceler. As províncias andavam confiadas a condes (Grafen) com poderes financeiros, militares e judiciais, e a bispos e abades, que deviam governar de acordo com os condes e deliberar sobre leis no conselho imperial. Enviados leigos e eclesiásticos — missi domi-nici — fiscalizavam os condes por mandado do imperador, sem autoridade própria ou do cargo. O conde do palácio (marechal du palais se chamou depois nas cortes a essa função, já simplesmente honorífica) resolvia por eqüidade as demandas e reformava as sentenças injustas.

As reuniões da primavera e do outonoO imperador reunia na primavera, antes da campanha, os guerreiros e homens livres para submeter-lhes as medidas legislativas: os guerreiros eram os nobres (Edelinge); os homens livres eram os Freilinge, e dava-se o nome de laten aos servos e escravos. Essas reuniões eram uma recordação das antigas assembléias germânicas, em que os guerreiros discutiam com seus reis os negócios da tribo. No outono o imperador reunia os condes, bispos e altos funcionários — osmajores — para adotarem as resoluções urgentes e formularem as instruções do governo. Era uma espécie de senado, um traço romano

ao lado de outros germânicos. O que fazia maior falta era uma organização financeira à romana, com um sistema de impostos: os guerreiros francos não se sujeitavam a estes e seus reis não contavam para seus orçamentos com mais do que os rendimentos dos próprios domínios, as dádivas dos súditos e a pilhagem resultante da guerra. O império de Carlos Magno não teve mesmo um cadastro como o Domesday de Guilherme da Normandia.

O feudalismo em relação ao Império e à IgrejaPagando seus servidores e funcionários com terras, despojando-se dos seus domínios para os dar em usufruto aos condes e bispos, a monarquia franca ia-se despojando da sua autoridade e preparando o feudalismo, que foi o regime social da Idade Média. Os herdeiros e descendentes do imperador tiveram a dignidade sem terem o poder, e a própria Igreja estimou afinal o desaparecimento de Carlos Magno, porque nele enxergava a ameaça de um suserano. O papa Estêvão IV (816) já não pediu ao sucessor do imperador a confirmação da sua eleição. Com a anarquia feudal, dos séculos IX e X, que fêz soçobrar o império, a Igreja perdeu em disciplina, mas com a confusão monárquica lucrou o poderio papal: aliás ambas as instituições ressurgiram mais fortes no século XI.

O elemento árabeDuas invasões, uma pelo sul, a dos árabes, outra pelo norte, a dos escandinavos, precederam o ensaio de constituição da nova Europa gerada no conflito do poder espiritual com o temporal. O elemento árabe veio modificar na Idade Média os característicos da civilização grega no Oriente pela supremacia avocada pelo semita ao dar todo o seu valor intelectual e moral. Os árabes não foram criadores, sim imitadores dos próprios gregos, dos persas e dos judeus: constituíam em todo caso uma raça com predicados, fina e altiva. O seu monoteísmo foi o resultado do intercurso com os israelitas expulsos pelas perseguições romanas, e com os numerosos conversos cristãos.

A propaganda de MaoméA propaganda religiosa de Maomé, mercador honrado que, antes de guiar caravanas, fora pastor e era reputado pela sua probidade, a princípio não achou eco, pelo que o profeta, aliás perseguido pelos

sacerdotes a cuja classe pertencia, fugiu de Meca para Medina. Esta fuga, a héjira, ocorreu em 622 e marca para os muçulmanos o começo da nova era. Uma vez organizada por êle em comunidade, depois de reunidos os clãs, Medina tornou-se o núcleo do grande império cuja unidade política veio pela fé, mas por isso mesmo só foi bastante consistente para congregar os de mesma raça e não as raças vencidas com um credo superior.

A expansão do IslãA expansão do Islã foi militar. A espada, no dizer de Maomé, é a chave do céu e do inferno e pela espada deve a "salvação" ser imposta a toda a humanidade. Dez anos passados da héjira, Maomé capturava Meca à testa de 10 000 beduínos transformados em mos-léns ou "verdadeiros crentes", e nesse mesmo ano falecia, não contudo sem deixar elaborada a doutrina que, propagada com entusiasmo, rapidamente uniu as tribos árabes numa poderosa nação. Raras vezes terá o proselitismo religioso agido com maior ardor. O Alcorão é um livro de revelação: o profeta o foi declamando por fragmentos aos seus discípulos à medida que a substância celestial daqueles preceitos lhe ia sendo transmitida em sonhos e visões. Maomé, quando desposou uma viúva rica, cujos bens administrava, entregou-se por completo à oração, à meditação, ao misticismo; teve aparições sobrenaturais e recebeu ordens do céu, que não passavam da projeção do trabalho interior do seu pensamento.

Alcorão o SunaOs fragmentos proferidos pela boca do profeta só foram porém concatenados depois da sua morte, e além do Alcorão, formou-se o Suna, que não é como o outro um livro sagrado, mas contém as tradições relativas a Maomé, seus dizeres, suas práticas, suas decisões, recolhidas entre seus adeptos, através de uma vida sem milagres, mas não sem poesia. No Alcorão não há lugar para o jogo da liberdade humana: é o livro do destino, gerador do fatalismo muçulmano. Nos seus próprios mandamentos nota-se, apesar do seu tom moral, a ausência de um esforço contínuo para a perfeição, qual o da abnegação cristã.

Primeiras dissenções e rápidas conquistas

Mau grado as dissenções sobrevindas e manifestadas no assassinato dos primeiros califas sucessores do profeta, foi tão veloz a marcha do crescente que, um século depois da héjira, tinha lugar a

batalha de Poitiers e já por esse tempo se achavam conquistadas desde as terras contíguas à índia, a Pérsia, a Mesopotâmia, a Síria, a Ásia Menor, o Egito, a África setentrional e a Espanha. Com pouco mais de meio século decorrido do desaparecimento do profeta, seu estandarte tinha, pois, sido carregado vitorioso através da Ásia ocidental até o Helesponto e pelo litoral mediterrâneo da África até o estreito de Gibraltar. Só o império romano conheceu dimensões iguais àquelas que o império árabe alcançou.

A resistência cristãConstantinopla resistiu porém com êxito oito anos (668 a 675), graças ao emprego do chamado fogo grego, que ardia mesmo sobre a água, e resistiu a um segundo cerco 40 anos depois; e na península ibérica um núcleo de cristãos, sob o comando do nobre godo Pelágio, refugiados nos montes asturianos após a batalha de Xerez, nas margens do Gualdalete encarnou a promessa de que chegaria o dia — ainda que demorasse quase 800 anos — em que as terras hispânicas seriam de todo redimidas.

Os árabes na península IbéricaÀ traição do conde Julião se deve a queda da monarquia visigótica: êle foi quem chamou o emir da África, quando ainda reinavam em Damasco os califas da dinastia dos Omnyadas, sucessora da imediata a Maomé. Em 750 um que se dizia descendente do profeta abriu guerra civil e, após o massacre de 92 emires, restabeleceu a dinastia dos Abássidas. Escapou ao morticínio um jovem da dinastia omnyada, Abderrhaman, o qual pela África veio ter à Espanha e, assumindo o título de chefe dos crentes, fundou o califado de Córdova, que foi o primeiro desmembramento do império árabe.

Cisões muçulmanasJá o assassinato dos dois filhos de Ali, o último califa de Medina, produzira uma cisão que nunca mais se sanou entre os maometanos da Pérsia e os turcos e árabes, sern falar no cisma que se seguiu logo à morte do profeta entre partidários do seu sogro e do seu genro. Por fim as ambições dos aspirantes ao mando e as rixas dos seus

sectários engendraram três califas — houve, afora os de Bagdá e Córdova, o do Cairo — cada qual considerando-se o único sucessor espiritual e temporal do profeta.

O califado do Bagdá. Seu esplendor e fimBagdá, edificada na bacia inferior do Tigre, na antiga Babilônia, aparece como um foco de cultura no fim do século VIII e começo do século IX. Os reinados dos califas Al-Manzor (o Vitorioso, 754-*775), Harun-al-Raschid (o Justo, 786-809) e Ai-Mamum (813-833) ficaram célebres pelos requintes de luxo e pelo desenvolvimento intelectual. As Mil e Uma Noites são a graciosa expressão literária dessa quadra, a que se seguiu um período de guerras intestinas rematadas pela dissolução do califado do Oriente. Já desde o século VIII que iam surgindo na África dinastias independentes; mais tarde foi a guarda turca, impudentemente aliciada, que retalhou os domínios asiáticos em dinastias efêmeras, até serem os árabes de vez privados da supremacia no Oriente pela invasão dos turcos seldjucidas, que, vindos da Ásia central, tomaram Bagdá em 1058.

O califado de Córdova e a civilização árabeEntretanto prosperava o califado de Córdova, que imprimiu ao Sul da Espanha o cunho árabe que êle nunca mais perdeu na modalidade mourisca e deu às populações sob sua jurisdição uma fase de florescência material e mental. Graças ao sistema de irrigação extraordinariamente desenvolvido, a agricultura recebeu notável incremento, e por outro lado as ciências foram cultivadas como em parte alguma da Europa cristã o estavam sendo. O pendor da inteligência árabe era mais para o que traduzia progresso utilitário do que especulação filosófica, e por isso a feição científica do legado greco-romano a seduziu de preferência à parte jurídica na elaboração da sua própria civilização, na qual entrou em boa parte a contribuição islâmica. Um autor americano recorda que as palavras — alquimia, álcool, alambique, álgebra, álcali, almanaque, azimute, química, elixir, zénite, nadir, dão por si testemunho bastante do que a ciência européia recebeu de fontes árabes; ao passo que outras palavras — musselina, de Mosul, no Tigre, damasco, marroquim, cor-dovão e gaza por exemplo — recordam importantes indústrias de centros árabes. Suas universidades precederam as européias no criarem uma

atmosfera erudita. A medicina tornou-se nas suas mãos verdadeiramente uma ciência. Foi um médico de Córdova, Averroes, o primeiro grande comentador de Aristóteles nos tempos medievais (século XII). O crime de lesa ciência atribuído ao califa Omar, de haver mandado incendiar a biblioteca de Alexandria, é inexato: muito antes de Maomé já ela tinha sido destruída. Outros califas distinguiram-se pela sua sensualidade e crueldade, uma e outra muito requintadas, lançando manchas ignominiosas sobre essa civilização brilhante e tolerante.

A Espanha visigótica. Os judeusNa península hispânica a população gozou sob os califas e emires de liberdades que não tivera antes, nem teve depois. A Espanha visigótica foi intransigentemente católica. Nela começaram os judeus a ser perseguidos, sendo excluídos dos cargos públicos, batizados à força, privados dos seus bens, confisco ordenado em 694 pelo concílio de Toledo, que igualmente mandou educar-lhes os filhos na doutrina cristã. Com o zelo religioso colaboraram seguramente rancores econômicos, dadas a habilidade comercial e a avareza dos hebreus no seio de uma sociedade mal organizada e pobre. O fato é que a Espanha ia amadurecendo para a inquisição.

* * *

O elemento normando. Noruegueses e suecosA primeira atividade dos normandos, cuja influência esteve longe de ser desprezível sobre a história da civilização, tinha que ser marítima. Como piratas, atacaram esses filhos do Norte, do fim do século VIII até a segunda metade do século XI, as costas da Alemanha ocidental, da França, da Grã-Bretanha, da Irlanda e até da Itália, internando-se pelos rios e deixando núcleos de futuras colônias que se adaptaram imediatamente às terras em que se encravaram. Os noruegueses ocuparam no século IX a Islândia, onde seus bardos preservaram e transmitiram oralmente as sagas ou legendas da sua raça aventurosa, as quais no século XIII foram coligidas nos Edas e retratam o espírito dos reis do mar. Eles descobriram e ocuparam no século X a Groenlândia, e muito provavelmente no século XI suas embarcações

em feitio de dragão, ostentando na vela o corvo que Edgar Poe evocaria, atingiram a América nalgum ponto da Nova Inglaterra. Os suecos, vindos da Dinamarca, atravessaram o Báltico para se implantarem entre fineses e eslavos, e o chefe escandinavo Rurik fundou no século IX a primeira dinastia real russa.

Os dinamarqueses na InglaterraOs dinamarqueses desde o século VIII realizavam incursões na costa inglesa, queimando as igrejas e mosteiros dos anglo-saxões convertidos, depois de terem trucidado, reduzido ao cativeiro ou expelido para as montanhas de Gales os celtas que encontraram. Vários pequenos reinos — a heptarquia — tinham-se formado, que entre si disputavam o primado: o que se impôs aos outros e se tornou suserano foi Egberto, rei do Wessex (802-839). A invasão dinamarquesa adquiriu tal persistência que em 878 o rei Alfredo, o Grande, (871-901) cedeu por tratado a esses incômodos forasteiros o Nordeste da Inglaterra, onde se estabeleceram sem contudo suspenderem seus ataques. Em 1016 o rei da Dinamarca, Canuto, foi feito rei da Inglaterra, mas um quarto de século depois (1042) a dinastia inglesa foi restaurada na pessoa de Eduardo, o Confessor.

A Normandia e o duque GuilhermeNa França deram-se idênticas incursões, chegando os normandos a subir o Sena e saquear Paris em 845. Carlos, o Simples, procedeu como o rei Alfredo, concedendo aos invasores, que se tinham fixado em Ruão com o seu chefe Rollon, a região que se ficou chamando Normandia, sob condição de conversão e menagem (912). Foram estes normandos que, já mais polidos, passaram no século XI à Inglaterra, sendo coroado rei em Westminster o seu duque, Guilherme no lugar do rei saxão Haroldo, morto na batalha de Hastings (1066). Foram também esses normandos que mais tarde, noséculo XVI, disputaram aos portugueses o caminho do Brasil.

Os normandos a Sicília e Italia meridional e os sarracenos no Mediterráneo ocidentalSarracenos e bizantinos disputavam entre si no fim do século X a posse da Itália meridional e da Sicília. Peregrinos normandos, de regresso da Terra Santa, ajudaram os habitantes de Salerno a expulsarem os sarracenos, berberes cruzados com árabes, que tendo estabelecido em Túnis a base das suas depredações marítimas, se apossaram no século IX das ilhas do Mediterrâneo ocidental, ocuparam a Calábria, chegaram quase a Roma e durante mais de um século se demoraram na Provença, assolando o sudoeste da França e a bacia do Pó. Aquela intervenção dos peregrinos, ocorrida em 1016, atraiu às mesmas paragens guerreiros normandos, entre eles os irmãos Roberto Guiscard e Rogério, o primeiro dos quais formou o ducado de Nápoles com cidades tomadas aos bizantinos e o segundo o condado da Sicília com esta ilha e a Calábria tomadas aos sarracenos. Em 1130 um descendente reuniu os territórios, fazendo-se proclamar rei das duas Sicílias e mantendo-se a dinastia normanda até 1194, quando passou o seu reino para os Hohenstaufen, depois para Carlos Anjou e finalmente a Sicília para o rei de Aragão (século XII).

Efeitos das incursões normandas sobre ofeudalismoAs invasões normandas foram na ocasião um elemento perturbador que reavivou a influência germânica na sua feição irrequieta e, pela urgência da defesa, retardou a organização das novas nacionalidades. Os carlovíngios, mais ocupados com disputarem entre si a coroa imperial, não praticaram o dever elementar de proteger seus súditos, abandonando essa tarefa aos senhores feudais, que assim foram aumentando suas aquisições territoriais. Os domínios imperiais tornaram-se mosaicos de feudos e no regime feudal não era a autoridade dos soberanos sobre os súditos a que predominava, antes a relação de cooperação entre homens livres, embora existisse dependência dos vassalos para com o suserano.

O poder real, os senhorios feudais e as comunasA realeza tendia a reconstituir o governo; o feudalismo levava à dissolução do Estado. Seu principal defeito foi precisamente atrasar o desenvolvimento das nações, privando de legítimo poder os seus chefes nominais e só tornando possível a legalidade pela violência pois que, recusada a obediência, o recurso era pegar em armas. A

(Rafaello Zanzio d’Urbino, auto-retrato.

Michelangelo Buonarrotti, auto-retrato.

Lucas Cranach, auto-retrato.

Albrecht Dürer, auto-retrato

Tomada de um castelo. Cópia de uma gravura medieval.

aliança contra o feudalismo estava por isso de antemão indicada: era a dos reis com as comunas ou o povo. Os reis representavam a fonte da lei,, que doutro modo seria a vontade dos senhores; as municipalidades constituíam pequenas repúblicas vindas desde a época romana, novas comunas tendo-se formado ao redor dos castelos feudais, que lhes concederam certos privilégios.

Burguesia, clero e barõesApareceram assim vilas governadas por prebostes e bailios nomeados pelo senhor, e burgos com forais de governo próprio. Aí Burguesia se originou a burguesia, que não só derrubou o feudalismo como clero e’ modificou o despotismo real, produzindo a monarquia representativa ou constitucional. Nesta luta o clero esteve com os reis contra os nobres porque, ambicionando o domínio absoluto nas matérias espirituais, procurava ligar-se com o grande poder centralizado, e no que diz respeito ao temporal, o fato de possuir mais de metade das terras na maioria dos países europeus, colocava naturalmente a Igreja em atitude hostil às arbitrariedades, das quais as piores eram cometidas pelos senhores feudais." Se nenhuma agricultura e nenhuma indústria caracterizaram a primeira fase da Idade Média, vestindo os reis no século IX a lã que as mulheres fiavam nas herdades, é que o comércio se tornara impossível pela

falta de segurança das estradas. Os grandes barões pilhavam os transeuntes — o Reno era bordado de ninhos de aves de rapina — e aqueles que não roubavam como salteadores, impunham pesados direitos de passagem pelas suas terras e pontes. As cidades romanas tinham aliás sido muito destruídas no tempo da invasão, e os bárbaros preferiam-lhes os campos abertos.

A cavalaria e o feudo. O laço pessoalOs normandos contaram-se entre os mais denodados cavaleiros do tempo feudal, de que foi a cavalaria a expressão moral por excelência. Socialmente a base do sistema era o íeudo, diferente doallo-dio ou freehold  inglês, concedido em plena propriedade, ao passo que o feudo era recebido pelo vassalo sob condição de lealdado para com o seu suserano e para o reger de acordo com a justiça, dependendo da confirmação a continuidade da posse. Este laço pessoal, tradicional nas comunidades germânicas, não traduzia tanto subordinação como reciprocidade, pois que as obrigações criavam no seu exercício uma situação de solidariedade. A hierarquia descia do rei ao peão em ondas ou círculos sucessivos, impregnada do mesmo sentimento de devotamento correspondente à proteção dispensada.

Caráter do feudalismo na França e naInglaterraOs senhores feudais constituíam por sua vez em novos feudos, em proveito de cavaleiros, priores e abades, aqueles que tinham recebido do seu soberano. Deste modo a autoridade se fragmentava em extremo e ficava sendo sobremodo dispersiva a atividade social. No século X havia em França 70 000 detentores de feudos, dos quais menos de 200 possuíam as grandes atribuições de cunhar moeda, impor taxas, decretar leis e distribuir justiça. Quando Guilherme da Normandia conquistou a Inglaterra, seu primeiro cuidado foi obviar a excessiva concentração de poderes nas mãos dalguns vassalos, distribuindo os feudos confiscados por lotes, isto é, não em grandes blocos, mas em Estados afastados. Ao mesmo tempo exigiu de todos os detentores de feudos o juramento de fidelidade direta ao monarca, o que erguia este acima de todos os grandes senhores, constituindo crime de alta traição levantar armas contra êle.

Estas e outras restrições livraram por algum tempo a Inglaterra das discórdias que lavraram na França e na Alemanha, só ocorrendo luta quando por motivo da sucessão à coroa, entraram em jogo os barões normandos para serem sopeados pelo primeiro dos reis da dinastia dos Plantagenets, Henrique II (1154-1189).

As obrigações do vassaloSendo o feudo individual por sua natureza, carecia para ser herdado, de nova investidura, a qual não ia sem o pagamento de um considerável tributo, e de nova homenagem. O serviço do vassalo era sobretudo militar, mas era também civil, comportando obrigações pecuniárias e outras que se estendiam da de jurado na corte de justiça do suserano à do trabalho braçal nos seus campos. O sistema incluía os homens bons, que equivaliam aos homens livres, e os servos adstritos à gleba, que equivaliam aos escravos das comunidades helénicas e latinas.

Os servos adstritos à gleba e os escravosA servidão já era uma condição social superior à escravidão: o servo não podia ser despojado do que possuía, nem abandonado; apenas acompanhava a propriedade quando esta mudava de dono, fazendo parte integrante dela, sem faculdade para passar a outra. Nalgumas terras quanto deixava ia para o senhor; noutras este tinha apenas direito ao melhor animal ou ao melhor utensílio agrícola do morto. A renda paga pelo servo pela cabana que ocupava e terra que semeava era, ou em gêneros, ou em serviços da lavoura do senhor, a quem pagava por moer seu trigo no moinho senhorial, es-promer suas uvas no lagar senhorial e cozer seu pão no forno senho-rial. Havia também escravos propriamente, que eram os prisionei-ros de guerra e os que sofriam tal condenação infamante, antes de os haver importados das regiões descobertas. A escravidão branca como instituição cessou pela influênca do cristianismo.

O feudalismo como sistema militarO feudalismo como sistema militar floresceu sobretudo depois que, com a partilha do império de Carlos Magno, deu o mundo europeu

mostra de recair na confusão anterior. Foi essa organização que sus-tontou os laços sociais, os quais pareciam querer desatar-se com a desordem interna a que se agregava a anarquia das novas inva-sões de escandinavos, húngaros e sarracenos. A posse da terra, mesmo como benefício, inspirava muito melhor sua defesa, e a homenagem trazia proteção. Por isso mosteiros, igrejas e comunas acolhiam-se à sombra do castelo feudal em troca dos seus sufrágios religiosos e por sua vez davam em feudos suas propriedades, colocando-se bispos e abades, envergando armaduras de ferro no lugar de sobrepelizes e pluviais, à frente de bandos de dependentes armados.

A paisagem feudal.O cunho feudal estendeu-se algum tempo a toda a sociedade e até imprimiu à paisagem o aspecto particular dos seus castelos rodeados de fossos, cercados de ameias, seteiras e barbacãs, a que se tinha acesso por uma ponte levadiça. Nos burgos amontoavam-se vilões, servos e livres — colonos, rendeiros e trabalhadores de soldada. A expressão mais bela do sistema foi dada pela cavalaria: constituíram-se até ordens militares votadas à defesa da fé e à prática da caridade, que de instrumentos de guerra passaram a corporações permanentes. Destas ordens podiam fazer parte pessoas de nascimento ainda que não sendo titulares de feudos, requerendo-se todavia iniciação e, nalgumas, voto de celibato.

Os castelos e os torneios. O espírito do cavaleiro andanteOs castelos feudais eram escolas de cavalaria para os filhos das casas nobres mais pobres, os quais começavam a servir como pajens, passavam a escudeiros, nesta qualidade acompanhando o senhor às batalhas e carregando seu escudo triangular e seu montante, e por fim, após uma vigília d’armas, prestavam juramento e recebiam a investidura. Os torneios eram a maior distração dessa sociedade: as justas davam-se entre quadrilhas ou entre campeões. E para isto viajava-se: Magriço e seus onze companheiros foram, segundo a tradição, de Portugal à Inglaterra desagravar como paladinos damas inglesas que patrícios delas tinham afrontado. A cavalaria tornou-se até errante. D. Quixote vagabundeava pela Espanha à busca de injustiças que reparar e oprimidos a quem valer. Acompanhava-o porém um escudeiro folgazão © de bom senso, que já naquelas aventuras enxergava uma ponta do loucura.

A justiça feudalA sociedade levada por ideais mais utilitários, passou a assim julgar a cavalaria; os governos entraram a assegurar melhor o império da lei; as armas de fogo tornaram obsoleta a lança e escusado o broquel daquele missionário da justiça consorciada com a bravura, cujo caráter, no qual corria parelhas a bondade com a lealdade, foi uma das concepções humanas que maior influência exerceu sobre a civilização.

O juízo de Deus e os ordáliosO feitio do espírito feudal produziu uma justiça peculiar que, se não fosse a codificação do direito romano, teria porventura sobrevivido como direito consuetudinário. Entre os teutões os cidadãos não eram todos iguais perante a lei: por isso pode dizer-se que as leis também tinham o cunho pessoal. O crime não determinava idêntica penalidade para o servo e para o senhor: o que aquele pagava com a vida, este redimia com o pagamento de uma multa. A inocência ou culpabilidade era demonstrada pelo que se supunha o juízo de Deus. Havia o ordálio pelo fogo, que consistia em pegar sem queimadura num ferro em brasa ou andar incólume sobre tições acesos; pela água, quente ou fria, na qual tinha que flutuar; pelo duelo judicial, que era o mais solene dos processos e ao qual até recorriam juízes cuja autoridade era desrespeitada. Às mulheres e aos clérigos estava naturalmente vedado aparecer na liça, pelo que se formou a classe dos campeões, que se tomaram profissionais como os gladiadores romanos. Casas religiosas e vilas providas de foral tinham campeões de partido, como sa tem médico ou advogado.

As superstições medievaisAs cruzadas foram como que a projeção da sociedade feudal para fora da sua órbita, abandonando por novas esperanças os terrores do Ano Mil, em que, segundo uma suposta profecia, Jesus voltaria à terra e o "mundo se acabaria". Mesmo que, como hoje há quem pretenda, os tais terrores sejam apenas uma das lendas da história, a época era sombria pelas suas mil superstições. Foi o auge das bruxarias, dos exorcismos de possessões, de todos os delírios da imaginação, doente sobre ser inculta.

O quadro dos conhecimentos e a escola palaciana de Carlos MagnoA instrução era parca. Os conhecimentos do tempo, cu artes liberais, compreendiam o trivium ou três artes literárias, que eram a gramática, a retórica e a dialética, e o quadrivium ou quatro artes matemáticas, que eram a aritmética, a música, a geometria e a astronomia. Carlos Magno, cuja atividade a tudo se estendia, impressionado pela ignorância que via em redor de si, mandou vir da Inglaterra o erudito Alcuíno e, estabelecendo no próprio palácio da sua capital em Aquisgrão (Aix-la-Chapelle) uma escola para os príncipes e cortesãos, dela se aproveitou para aprender quanto lhe podiam ensinar os doutos clérigos, a começar por escrever, o que, a não ser a gente eclesiástica, quase ninguém então sabia, assinando-se de cruz.

A divulgação dos conhecimentosEra aliás difícil a propagação dos conhecimentos sem um sistema já organizado como o romano, graças ao qual milhares de escribas

copiavam imediatamente qualquer produção de nota e lhe davam pela sua distribuição em todo o império a mais ampla divulgação. Na Idade Média não se havia ainda descoberto a imprensa no Oci-dente; nem sequer se sabia fazer papel dos trapos de algodão, o que data dos fins do século XI e é uma coisa mais que se deve aos arabes. O papiro deixou quase de ser importado na Europa depois da conquista de Alexandria pelos sarracenos no século VII, e o per-gaminho tão raro e caro se tornou que os monges raspavam um escrito para escreverem outro sobre a mesma pele — palimpsestes se chamavam a esses pergaminhos de dupla escrita —, assim se perdendo muita página clássica.

As novas línguasCarlos Magno conseguira reinar sobre um aglomerado de raças o de povos a que o regime dava uma relativa homogeneidade. Depois dele, no século IX, foi que entrou a desenhar-se um tênuesentimento nacional, expresso na diferenciação das línguas oriundas da baixa

latinidade — ao lado do sermo nobilis havia o sermo vul-qarís — falada nas províncias e mais corrompida ainda pela infiltração germânica. Quando os netos de Carlos Magno, Luís e Carlos, juraram um ao outro em Estrasburgo amizade e fidelidade, fizeram-no numa fórmula bilíngüe: no idioma germânico e na língua românica que em França se estava formando pela fusão do latim provincial com elementos alemães. A época feudal foi toda ela uma combinação teuto-latina, dando origem a um produto novo.

O latim e os idiomas neolatinosO latim continuou a ser a língua literária, aquela em que se escreviam os livros quando o povo não mais a falava, constituindo apanágio de poucos, e continuou também a ser, numa forma que já parece macarrônica, o instrumento dos documentos públicos e legais. No século IX achavam-se em formação as línguas neo-latinas: o italiano, o castelhano e o francês, mas só no século XI o galeciano se extrema do castelhano, resultando no português, que teve desenvolvimento literário correspondente a uma evolução política independente, e no galego, que se atrofiou por falta de um desenvolvimento parecido.

A poesia medieval épica e líricaA poesia medieval começou por ser épica antes de ser lírica, mas brotaram ambas da imaginação popular. A cavalaria inspirou em França as canções de gesta, na Bretanha o ciclo do rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda, na Espanha o cancioneiro do Cid, na Alemanha os poemas dos Nibelungen. No século XII o estro alarga-se e robustece-se. A paixão profunda, paixão de morte, de Tristão e Isolda, fornece a nota melancólica à poesia do Norte, que nos romances como o Roman de la Rose canta a ternura, e nos fabliaux  junta a sátira à moral. No Sul o tema épico humaniza-se nas cortes de amor e os trovadores provençais espalham pela península ibérica o gosto do lirismo cortesão. Chamava-se na Idade Média língua d’oil a que se falava ao norte do Loire e de que resultou o francês atual, e língua d’oc a que se falava ao sul e da qual são dialetos, entre outres, o gascão, o provençal, o saboiano, o limosino, o catalão, etc.

Os tipos arquitetônicos religiosos. Basílica, mesquita e catedral

A Idade Média legou três tipos arquitetônicos, cada qual mais expressivo da sua civilização: a basílica bizantina, a mesquita árabe e a catedral gótica, com seus correspondentes tipos civis. Na basílica, que em Roma era o local dos tribunais de justiça, a abóbada romana toma o aspecto da cúpula. Foram os romanos que aplicaram o arco aos tetos, aos aquedutos, às pontes, às portas monumentais, às termas e vilas, a tudo em que se combinavam arquitetura e engenharia, as obras utilitárias e as de ornamentação. O teto do seu Panteão uma vez elevado, temos Santa Sofia de Constantinopla e São Marcos de Veneza.

Mosaicos e arabescos

A decoração interior das basílicas — seus jaspes e seus pórfiros, seus oiros e seus mosaicos — constitui o espelho do esplendor bizantino, da mesma forma que os azulejos e arabescos dão bem a nota discreta e fina da decoração árabe, onde, graças a esses pitorescos desenhos e engenhosa disposição de linhas, não parece fazer falta a representação da criatura humana vedada pela religião muçulmana. A arte como a poesia, entre os árabes, deve muito à influência imaginativa dos persas. Vai grande distância da Kaaba de Meca ou da pedra negra, talvez um meteorito, caído do céu para que descansasse no deserto a fatigada Agar, que o atravessava com o filho Ismael, de quem se dizem descender os árabes ou ismaelitas, à mesquita de Córdova, à Giralda de Sevilha ou ao Alhambra de Granada. Os minaretes, que são torres adelgaçadas, dão por sua vez uma nota espiritual a essa arquitetura religiosa.

O arco e a ogiva

A arquitetura românica, em que predomina o arco redondo, perdurou além do século XI. A arquitetura gótica surge quase no fim do século XII. A igreja românica, com suas abóbadas baixas e seu interior sombrio, traduz a alma transida de humildade e de pavor da primeira fase da Idade Média; a catedral gótica, com suas ogivas elegantes e desassombradas, suas torres esguias como frechas, suas rosáceas e vitrais inundando as naves de uma luz suave, traduz a alma elevada como nunca para o céu. Ela é, na segunda fase da idade histórica que tanta claridade encerra nas suas sombras, o símbolo da Igreja triunfante, como o viu um historiador, a ninguém podendo escapar esse aspecto luminoso do idealismo cristão.

Divisão do império de Carlos Magno. O Tratado de Verdun

O filho e sucessor de Carlos Magno, Luís, o Bonacheirão (le Débon-naire, 814-840), cometeu o grave erro, muito do seu tempo, de destruir a unidade do império paterno, associando a si no governo um filho, dando reinos aos outros e até erigindo em reino a Suábia para um seu filho de segundo matrimônio, que veio a ser Carlos, o Calvo. Daí a série de discórdias de família que lhe amarguraram a existência e conflagraram os povos, sendo êle alternadamente encerrado num convento e reposto no trono ao sabor das intrigas e das lutas. Por sua morte as dissenções, que lhe sobreviveram, levaram ao tratado de Verdun (843), a primeira das convenções entre Estados

europeus depois da dissolução do impório romano, e convenção em si mesma importantíssima porque dela datam os reinos da Alemanha, com que ficou Luís, o Germânico, da França, com que ficou Carlos, o Calvo, e da Itália, com que ficou Lotário. Entendia-se por Alemanha as regiões a leste do Reno; por França, as regiões a oeste do Ródano, do Saône e do Mosa, e à Itália, com o título imperial, se agregara uma faixa central entre as duas outras seções, indo do Mar do Norte ao Mediterrâneo, incluindo a bacia inferior do Reno e ao vale da Borgonha e da Lorena, que ficou por isso se chamando Lotaríngia.

Alemanha e França

Pela morte dos filhos de Lotário, Carlos, o Calvo, herdou seus Estados e recebeu do papa o título de imperador (875), mas faltava-lhe a energia precisa para debelar a ameaça dos novos invasores — normandos, sarracenos e húngaros — e para arcar com os grandes senhores feudais. Seus sucessores foram de mal a pior, pelo que os senhores deram a coroa francesa a Carlos, o Gordo (884), filho de Luís, o Germânico, o qual já reinava na Alemanha. A idéia era reconstituir o império carlovíngio para fazer frente ao perigo normando, mas Carlos, o Gordo, foi uma decepção: comprou a paz aos normandos, em vez de os esmagar com o exército que trouxera da Alemanha. Deposto por isso na dieta de Tribur em 897, viu seu império retalhado em uma porção de reinos, cabendo o de França ao conde de Paris, Eudes, que soubera defender sua cidade contra os sitiantes normandos. Em 987 subia ao trono a terceira dinastia francesa na pessoa de Hugo Capeto, duque de França, nome este que sendo o de um dos maiores feudos, passou a designar todo o reino.

O fato de o novo rei, elevado por seus pares, ser êle próprio um dos principais senhores feudais, munia-o de rendas, de terras e de forças com que não podiam contar os carlovíngios.

Henrique I

Na Alemanha estes reinaram menos de um século após o falecimento de Carlos Magno e durante esse tempo os duques governaram mais do que o rei. Ao falecer o último da dinastia (911), cinco desses grandes senhores elegeram rei o duque Conrado da Francô-nia, ficando desde então a Alemanha reino eletivo. Seguiram-se-lhe cinco soberanos saxões, a começar por Henrique I, o Passarinheiro (l’Oiseleur, 919), que anexou a Lorena, estabeleceu os margraviados ou grandes condados fronteiriços destinados a conter as invasões eslavas e dos quais foi tipo o de Brandeburgo, protegeu a fundação de cidades no intuito de coibir os excessos feudais e bateu em Mer-seburgo (933) os húngaros ou magiares de raça uralo-altaica, que, instalados na antiga Panônia, como os hunos, causaram na Alemanha, na alta Itália e na França oriental sérias devastações.

Oton, o Grande, e o Sacro Império Romano

Esse monarca atilado faleceu em 936 e seu filho Oton, o Grande, eleito no seu lugar, seguiu-lhe bem as pegadas. Sobrepôs-se aos grandes feudatários, fazendo membros de sua família assumirem os ducados vagos e organizando em contrapeso ao feudalismo leigo um

feudalismo eclesiástico, conferindo aos bispos condados, com prerrogativas idênticas às dos príncipes seculares. Bateu definitivamente em Augsburgo (955) os húngaros que, tendo perdido 100 000 homens nessa batalha, se confinaram desde então às suas planícies e deixaram de representar uma ameaça para a Europa ocidental. Finalmente, desposando a viúva do último rei carlovíngio da Itália, Lotá-rio, uniu a alta Itália ao reino alemão e foi coroado imperador em 962, estabelecendo o Sacro Império Romano da nação alemã, que durou até Napoleão, se bem que sendo nalguns aspectos mais uma ficção do que uma realidade.

A Itália o o papado. Origem do direito de investidura

Retalhada em reinos, ducados como os de Spoleto e Benevento, senhorios pontifícios e eclesiásticos e cidades livres como Veneza e Gênova, a Itália andava dilacerada pelos conflitos e crimes de que era teatro. Os italianos não gostaram muito da sujeição mais forte que para o todo da península representava a elevação dos soberanos alemães a imperadores romanos do

Ocidente e o papa entrou pessoalmente a recear pela posse de Roma, onde se devia fazer a proclamação imperial e que era portanto a capital verdadeira. A intervenção de Oton foi aliás violenta, fazendo depor num concílio irregular o pontífice João XIII, que o coroara — um dos

piores papas que tem havido, na opinião do historiador inglês Free-man — e elegendo no seu lugar o antipapa Leão VIII, que lhe outorgou e à sua sucessão o famoso direito de investidura, origem de tanta querela e pelo qual competia ao imperador aprovar a eleição do papa e nomear os bispos nos seus Estados.

A casa da Francônia

Oton faleceu em 973 e a casa da Saxônia reinou até 1024, sendo substituída pela da Francônia, que significa França de leste ou teutónica, para diferençá-la da França do oeste ou celto-latina.

Um imperador alemão dando a investidura a um bispo, por meio do báculo. Cópia de uma miniatura do século IX.

Sob essa dinastia foi incorporado em 1032 o reino da Borgonha, embora dependente conseguiu manter-se sempre fora das combinações territoriais dos reis francos. O maior soberano desta série, com o qual o novo império romano chegou ao seu apogeu, foi Henrique III (1039), ao qual remonta a luta do papado e do império.

Henriquo III. Henrique IV e Gregório VII

Henrique III foi chamado a Roma no momento em que três candidatos se disputavam o sólio pontifício: depôs todos três (1046) e confiou o papado sucessivamente a vários bispos alemães. O pior da contenda veio porém ao tempo de seu filho Henrique IV, a quem coube lutar com o grande Hildebrando, papa sob o nome de Gregório VII em 1073. Reunido no ano imediato o concílio de Latrão, retirou ao imperador o direito de investidura, o que o pontífice se deu pressa em notificar-lhe. Respondeu o imperador reunindo em Worms um sínodo de bispos alemães que pronunciou a deposição de Gregório VII, o qual replicou com uma bula de excomunhão que desligava os senhores feudais do seu juramento de fidelidade. E como os duques da Suábia e da Saxônia dessem mostra de quererem aproveitar o ensejo para deporem a casa reinante da Francônia, Henrique IV achou de boa política implorar o perdão do pontífice, o qual o conservou três dias de pés descalços sobre a neve e apenas coberto com um cilício antes de o receber em Canossa, castelo da condessa Matilde, filha do duque Bonifácio da Toscana e amiga dedicada do papado.

Imperador e papa

Como senhor de Roma, era o papa vassalo do imperador, mas, como chefe espiritual da cristandade, era supremo e dispunha das armas terríveis, para os crentes, da excomunhão e do interdito, pena esta última que privava dos sacramentos todo um país. Gregório VII preparara de longa data a sua obra de rígida disciplina eclesiástica. Como cardeal Hildebrando fora durante 20 anos primeiro chanceler e amadurecera as reformas com que assinalou seu pontificado e tentou restituir à Igreja a moralidade que perdera com os bispos políticos, os frades luxuosos e o baixo clero contaminado pelas riquezas e pelos vícios mundanos. Foi ele quem mais urgiu e apertou o cumprimento da lei do celibato dos padres e condenou a simonia ou tráfico de coisas santas, entre cujos abusos se devem contar os relativos aos feudos eclesiásticos.

Os feudos eclesiásticos

Estes feudos eram tratados da mesma forma que os feudos leigos pelos senhores feudais, aos quais cabia o privilégio de preenchê-los, pelo que os governantes temporais tinham vindo a exercer o direito de nomear ou confirmar a eleição de quase todos os grandes prelados da Igreja. Os escolhidos pagavam pela investidura uma soma proporcional ao rendimento do feudo, o que gerava um comércio vergonhoso, dando-se a vaga ao maior licitante, pessoa às vezes sem idoneidade nem moral. Gregório VII cortou o mal pela raiz proibindo toda investidura eclesiástica feita por um governante temporal. E êle sabia acompanhar suas palavras de atos fulminantes. O excomungado não podia ter mais relações com os outros fiéis; recusava-se-lhe comida e abrigo; ficava em condição pior do que a de um pestífero. Na região interdita fechavam-se as igrejas; não repicavam mais os sinos; não se celebravam casamentos nem funerais religiosos. Pode-se bem calcular o efeito de tais medidas sobre as imaginações medievais.

Desforra de Canossa

Entretanto Henrique IV não se deu por vencido, ou antes, procurou a sua desforra do papa, uma vez reduzidos à obediência os vassa-. los rebeldes, morrendo em combate o seu competidor já eleito, Rodolfo da Suábia. Entrando depois disso em Roma, depôs Gregório VII, a quem substituiu o antipapa Clemente III ao mesmo tempo que o grande pontífice, por seu turno humilhado, se refugiava entre os normandos de Nápoles, onde faleceu em 1085. Henrique IV faleceu miserável em Liège em 1106, despojado da dignidade imperial e atacado pelos próprios filhos.

A concordata de Worms

A luta prosseguiu entre sucessores de um e de outro até a concordata de Worms em 1122, a qual serviu de trégua na renhida questão e tentou dar-lhe solução, confiando ao papa a investidura espiritual pelo báculo e pelo anel e entregando ao imperador o direito de conferir pelo cetro os benefícios eclesiásticos. A eleição do papa ficou desde então pertencendo somente ao clero romano, datando de 1274 a eleição pelo conclave’dos cardeais. Um e outro sistema asseguravam a continuidade de pontífices italianos, com exceções a começo que não mais se repetiram após certo tempo.

A posse dos Lugares Santos. Cristãos, árabes e turcos

As cruzadas foram a projeção do intenso sentimento religioso da Idade Média e só se tornou possível seu esforço, duas vezes secular (1096-1291), por causa da instituição feudal e do predomínio do aventuroso espírito de cavalaria — fatores esses que arrastaram os povos cristãos da Europa a libertarem os Lugares Santos da opressão muçulmana e fundarem no seu terreno de ação infiel um reino latino do Oriente. O motivo imediato foi mesmo a perseguição a que entraram a ser sujeitos os cristãos depois que a posse da Palestina passou dos califas árabes para a dos turcos seldjúcidas, tribo tártara fanática e sanguinária que aqueles califas, os quais costumavam até favorecer o movimento de peregrinos como produtor de bom rendimento, tinham engajado ao seu serviço ao sentirem debilitar-se a fibra da sua gente. Os turcos formaram uma espécie de guarda pretoriana que, como a de Roma, entrou a influir na sucessão e, pior do que a de Roma, entrou a apropriar-se do império.

Urbano II e Pedro, o Eremita

Nada melhor se casava com o espírito do tempo e respondia à sua organização eclesiástica e temporal como essa idéia de resgatar a terra de lesus, limpá-la da profanação a que andava

reduzida. O papa Urbano II trouxe pessoalmente, com a grande eloqüência de que dispunha, o assunto à consideração do concílio de Cler-mont (1095), após haver sondado a disposição de ânimo das nações

Cruzados em marcha. Fac-símile do manuscrito "De passagiis in Terram Saneiam".

cristãs por meio das prédicas apaixonadas de Pedro, o Eremita, vítima como se apregoava, dos maus tratos dos inimigos da íé e instigador principal do fervor papal.

Acresce que nessa ocasião o imperador bizantino Aleixo Comneno implorou da Igreja Romana auxílio contra os turcos que ameaçavam Constantinopla e que já se previa poderia constituir, como de fato veio a acontecer, um sério perigo para a Europa,

A primeira cruzada

Decidiu-se a expedição e o entusiasmo foi de fato geral e profundo. A flor da cavalaria marchou com satisfação íntima dos soberanos, para os quais sua turbulência era um pesadelo. Precederam porém os contingentes regulares dos senhores feudais — os condes de Tolosa, Blois e Flandres, os duques da Normandia e da Baixa Lorena, o príncipe de Tarento e outros — bandos de fanáticos em número diz-se que de 80 000 contando as mulheres e crianças, que foram morrendo em boa porção pelo caminho, vítimas da fome e do cansaço; não poucos foram massacrados na Alemanha e na Hungria em represália às devastações cometidas, sendo o restante quase todo exterminado pelos turcos depois de atravessar o Bósforo.

Não foram muito mais felizes os que se seguiram — 600 000 infantes e 100 000 cavaleiros. Tomaram Nicéia, depois Antioquia defendida por 450 torres, mas cerca de metade dos combatentes foi sacrificada na marcha penosíssima e a outra metade, cruelmente dizimada nos encontros, teve que parar e se refazer antes de, num arranco supremo, apoderar-se de Jerusalém, onde apenas chegaram

1 500 cavaleiros, 20 000 infantes e outros tantos peregrinos desarmados e parasitas de acampamento.

Tomada de Jerusalém

Todos, ao avistarem a cidade santa, caíram de joelhos rezando e chorando no transbordamento da sua fé. Esta os inspirava, e eles alucinados talvez se deixassem arrastar a verdadeiros atos de crueldade. Jerusalém achava-se então em poder do califa sarraceno do Egito, que a tomara aos turcos: eram porém igualmente infiéis e a matança déles foi tal que, segundo escreveu um dos cruzados, no pórtico do templo de Salomão o sangue chegou a subir acs joelhos dos cavalos.

O reino latino. Os freires cavaleiros

Organizado o Estado feudal de Jerusalém, com varios condados e principados vassalos, servindo de constituição as Assises,  foi escolhido rei, Godofredo de Bouillon, duque da Baixa Lorena, o qual entretanto não quis ser mais do que barão defensor do Santo Sepulcro (1099). Como milícia desta guarda formaram-se ordens de freires militares — a dos Hospitaleiros ou de São João de Jerusalém (1100), a dos Templários (1118) e mais tarde a Teutónica (1190) — presos por votos e dotados do espírito de organização que tanto faltava às tropas medievais. Sua cavalaria foi o melhor elemento tático das guerras de então e constituiu o dique oposto por algum tempo, dois séculos quase, à reconquista da Terra Santa pelos infiéis.

Visão do Pedro, o Eremita, na igreja do Sanfo Sepulcro. À direita, Pedro recebendo notícias doPatriarca de Jerusalém. Fac-símile do manuscrito "De passagiis in Terram Sanctam", obra editada em Veneza, no começo do século XIV.

A segunda cruzada

A segunda cruzada (1147-1149) foi pregada por São Bernardo quando se receou pela sorte do reino latino de Jerusalém, por causa da tomada pelos turcos de Edessa na Mesopotâmia, sede de um principado cristão. Desta vez foram os próprios soberanos: Luís VII de

França, em expiação de um ato desumano, e o imperador Conrado III da Alemanha. A expedição foi um malogro, apenas chegando à Síria destroços do exército. Os alemães tinham mesmo sido trucidados nos desfiladeiros do Tauro e os franceses, muito desfalcados, não conseguiram sequer tomar Damasco, a que puseram sítio.

A terceira cruzada. Ricardo Coração de Leão

Em 1187 o sultão do Egito, Saladino, apoderou-se de Jerusalém e a consternação foi grande em toda a cristandade. Os maiores soberanos da Europa — Frederico Barbarroxa da Alemanha, Filipe Augusto da França e Ricardo Coração de Leão da Inglaterra, trineto de Guilherme, o Conquistador — alistaram-se numa terceira cruzada (1189-1192). Os alemães, idos por terra, foram de novo as piores vítimas, primeiro.das perfídias bizantinas e depois do fado inclemente: seu próprio imperador morreu afogado na cheia de um rio na Ásia Menor. Franceses e ingleses, transportando-se por mar de Gênova e de Marselha, tomaram com grande dificuldade São João d’Acre, que estava sendo cercada pelo resto das forças alemãs — 5 000 homens de 100 000 que tinham partido — mas não conseguiram tomar Jerusalém. Filipe Augusto voltou logo para se aproveitar da ausência do rival inglês na posse dos feudos franceses; Ricardo Coração de Leão ficou a pelejar desajudado dois anos e, ao atravessar de regresso à Alemanha, Joi encarcerado pelo duque d’Áustria, a quem ofendera e que o vendeu ao imperador Henrique VI, o qual só o libertou a troco de avultado resgate. Era aliás comum naqueles tempos e constituía para os vassalos capítulo de pesada despesa, resgatarem seus suseranos aprisionados nas freqüentes guerras privadas.

A quarta cruzada e o reino latino do Oriente

A quarta cruzada (1202-1204) partiu de Veneza e a qualidade da gente que a compunha era inferior à das anteriores. Veneza alugou-lhe os serviços para a tomada de Zara e habilmente desviou a expedição, que se destinava ao Egito, para Constantinopla, onde as dissenções de corte prometiam boa recompensa a uma comunidade mercantil, como aquela do Adriático, que apetecia o comércio do Mar Negro. O grego era aliás para um cruzado tão infiel quanto o turco, pois que era um herege, e o saque de Constantinopla foi executado com fervor. Nem parou aí a pilhagem que se prolongou por mais de meio século, enquanto durou o império latino e feudal do Oriente, fundado nessa ocasião com Balduíno de Flandres no trono e cercado de uma série de Estados vassalos, que se estendiam até a Moréia ou antigo Peloponeso.

A pilhagem de Constantinopla católica

A Europa civilizada — que boa parte ainda o não era — tornou-se assim nos começos do século XIII toda católica, com a autoridade papal restabelecida no Oriente cismático, e toda feudal. Pelo que toca pessoalmente aos flamengos, fizeram no dizer de Driault excelente negócio com o tráfico sistemático a que se entregaram, de preciosidades artísticas e relíquias, a coisa que na

Idade Média era mais altamente cotada. A coroa de espinhos de Jesus Cristo foi por eles vendida em 1239 a São Luís, rei de França, o qual, para albergar condignamente essa jóia religiosa mandou construir a famosa Sainte Chapelle de Paris, que é uma jóia da arquitetura gótica. Veneza também íêz bom negócio porque, mesmo quando voltou o império grego em 1261, ficou com a maioria das ilhas do Arquipélago (o antigo Mar Egeu) e pontos da terra firme.

Génova e Veneza

Gênova ajudou a dinastia dos Paleólogos a derrubar o império latino de Constantinopla e a subir ao trono, datando daí o poderio daquela comunidade liguriana, pois que, havendo já conquistado a Córsega e a Sardenha, adquiriu, então, além do bairro bizantino de Gaiata, os portos de Azof e de Cafa, a saber, o comércio do Mar Negro que os venezianos tinham pretendido monopolizar. Batendo em 1359 Pisa, que no tempo das cruzadas estabeleceu feitorias em Constantinopla, Tiro e Tripoli e disputou a Gênova o predomínio no Mediterrâneo ocidental, esta república teve que lutar somente contra Veneza que, após porfiada contenda, acabou por suplantá-la, estendendo seu domínio no começo do século XV sobre o Golfo de Corinto, a costa setentrional do Adriático e várias cidades da Itália setentrional.

A cruzada das crianças

Entretanto sucediam-se as cruzadas menores, posto que carecendo da anterior emoção. A febre declinara, mas antes de ceder, contagiou as crie iças, pregando a guerra santa um rapazola de 12 anos, precursor de Joana d’Arc, no levantar esta os brios patrióticos, aquele os brios religiosos. Partiram bandos de crianças, refere-se que 30 000 da Alemanha e outras tantas da França. Foi isso em 1212. As primeiras transpuseram os Alpes e desceram ao longo da costa italiana à procura que o mar se abrisse para lhes dar passagem, como o Mar Vermelho o fizera para os hebreus. Em Roma o papa as recebeu e as mandou para casa. As francesas não passaram de Marselha, a não ser umas cinco a seis mil que aceitaram o pérfido oferecimento de transporte de dois comerciantes, os quais as venderam aos negociantes de escravos da África setentrional. O caminho, escusado será dizer, ficou juncado dos corpos das que não resistiram às privações e fadigas.

As cruzadas menores

A quinta cruzada deve ser dividida em duas partes: a primeira (1217-1221), comandada pelo rei da Hungria, resultou num desastre; a segunda (1228-1229), organizada pelo imperador Frederico II, resultou numa vitória, mas a Igreja opôs-se a que se concedesse liberdade para o culto muçulmano no recinto de Jerusalém, que era a base da negociação. A sexta cruzada (1238) gorou pela invasão dos turcos na Palestina. A sétima e a oitava (1248-1251 e 1270) foram as de São Luís IX, de França, que quis cumprir uma promessa e para isto se aproveitou das perturbações que no século XIII estavam causando no Oriente as invasões mongólicas.

A sorte de São Luís

Na primeira foi São Luís feito prisioneiro depois de tomar Damie-ta, na marcha para o Cairo, por onde queria encetar a campanha. Resgatado, percorreu e restaurou algumas praças do reino latino que ainda se achavam no poder dos cristãos. Na segunda foi induzido pelo irmão, Carlos d’Anjou, rei das Duas Sicílias, a começar por Túnis e aí foi vítima da peste que lhe dizimou o exército.

Reconquista da Terra Santa pelos infiéis. Os cavaleiros de São João de Jerusalém.

A reconquista da Terra Santa pelos infiéis ultimou-se em 1271, quando os cavaleiros de São João de Jerusalém perderam seu fortíssimo reduto de São João d’Acre e não puderam mais conter o progresso dos turcos. Vieram então para Rodes e quando daí os expulsou em 1522 o sultão da Turquia, Solimão II, passaram para Malta, onde permaneceram até o fim do século XVIII.

Os Templários e seu destino. A Ordem de Cristo.

Os Templarios espalharam-se pelo Ocidente e, da mesma forma que aqueles outros, prestaram grandes serviços à reconquista cristã da península Ibérica. Acumularam fartos bens e dispunham de considerável poder, tendo mais de 10 000 mansões sujeitas a um grão-mestre. A cessação das guerras contra os infiéis desmoralizou-os porém: a inatividade junta com a opulencia corromperam-nos e Filipe, o Belo, rei de França, cuja rapacidade era notória, armou contra eles uma acusação, torturou-os, queimou o grão-mestre Jacques Mor-lay e outros cavaleiros, e apoderou-se dos seus bens móveis (1307). A cumplicidade de Clemente V, o primeiro papa de Avinhão, para onde êle transportou a sede da Igreja Romana, para ser agradável à França, e onde decorreram dessa vez sete pontificados (1307-1377) até Gregrório

XI ceder às ameaças romanas da escolha de outro papa, fêz com que a ordem dos Templários fosse abolida, devendo suas terras passar aos cavaleiros de Rodes. Os príncipes cristãos preferiram todavia confiscá-las em seu benefício. Apenas D. Dinis, rei de Portugal, reconhecendo quanto tinham os Templários contribuído para a fundação da monarquia lusitana, criou a ordem de Cristo (1319), na qual se iniciaram quase todos os Templários das mansões portuguesas, e doou-lhe a maior parte das suas terras.

A ordem teutônica e a Prússia

Os cavaleiros da Ordem Teutónica foram habitar a Curlândia, no litoral do Báltico, e ali fizeram sua cruzada contra os russos, que eram tribos eslavas habitando a leste do Vístula, idolatras ainda e cuja conversão se não consumou sem estrenuo pelejar e sacrifício de missionários. Deu-se isto entre 1226, quando o papa e o imperador concederam aos cavaleiros Teutónicos as terras que pudessem conquistar, e 1283, quando a violenta cruzada terminou pela sujeição do território prussiano e dos territórios bálticos, germanizándose toda essa região. Riga fora aliás fundada por uma colônia de Bremen. A Prússia, ducado na Polônia, uniu-se depois ao eleitorado de Brandeburgo, que foi crescendo desde o século X; destarte se constituiu o reino da Prússia em 1701.

Resultados das cruzadas

As cruzadas puseram o mundo em movimento e desse movimento resultou necessariamente permuta de idéias e de gêneros. O Oriente tinha naquele tempo mais para dar e o tráfico oriental tomou por isso incremento, estreitando relações a Itália e o Levante. Os reis ganharam autoridade pela quantidade de senhores feudais que encontraram a morte nas expedições e cujos senhorios reverteram para a coroa. Outros nobres arruinaram-se ao passo que muitas comunas enriqueceram. Várias novidades foram introduzidas na Europa — os moinhos de vent", a bússola, o trigo mourisco, a cana-de-açúcar, primeiro aclimada na Sicília, donde passou à Madeira e depois ao Brasil. O conhecimento direto da ciência greco-arábica estimulou a inteligência latina e entrou a preparar a renascença da cultura clássica. As> explorações geográficas na Ásia não se teriam talvez realizado sem esse contato prévio e com êle despertou o espírito das aventuras marítimas, que certas circunstâncias favoreceram. Marco Pólo, o viajante veneziano do século XIII, foi num dado sentido o precursor do genovês Cristóvão Colombo.

Acampamento mongol e carro de transporte puxado a bois. Desenho do livro "Viagem de Marco Pólo", volume da Biblioteca Nacional, de Paris.

A reconquista cristã da península Ibérica. Os emirados e o reino asturiano

A reconquista cristã da península Ibérica foi grandemente facilitada pelas discórdias que minaram a prosperidade do califado de Córdova: os valis ou governadores entraram a revoltar-se para tornarem suas províncias independentes, e em 1031 o califa abdicou por não poder lutar contra os seus e contra os cristãos, organizan-do-se os emirados independentes^ de Murcia, Badajoz, Granada, Saragoça, Maiorca, Valência, Sevilha, Toledo e Córdova, que por vezes se guerreavam mutuamente. Aquela reconquista começara entretanto a ser uma realidade quando Pelágio, deixando seu ninho asturiano, ganhou sua primeira vitória em Covadonga, proclamando-o os companheiros, na forma germânica, rei (Koenige), após haver sido o escolhido (gewaehlte) para exercer o comando.

Leão e Navarra

O pequenino reino, que teve como capital Gijon, no Mar Cantábrico, transformou-se em 760 no reino de Oviedo e em 914 no reino de Leão, à medida que se ia ampliando nessa luta oito vezes secular, que só findou com a queda de Granada em 1492. Afonso III, o Grande (866-910), levou sues armas até o sul do Rio Douro. Outros reinos se iam porém formando. A Navarra, que fizera parte com o condado de Barcelona do império franco de Carlos Magno, constitituiu-se se Estado independente com Pamplona como capital, sendo reconhecido na dieta de Tribur em 837. Navarra por um momento, no comêço do século XI, dominou os territórios cristãos da península, os quais novamente se desmembraram por morte do seu unificador, Sancho III, o Grande.

Um dos filhos deste monarca foi rei de Aragão, condado até então dependente, e outro rei de Castela, a qual fazia parte do reino de Leão e se pôs independente. A Navarra, isolada por montanhas e até certo ponto separada da Espanha, não estava em condições de assumir um papel considerável nesses acontecimentos. Suas tropas compareceram entretanto na famosa batalha das Navas de Tolosa (1211) que deteve a invasão dos almoades, a qual chegou quase até as Astúrias, obrigando o papa Inocêncio III a pregar uma cruzada g eral, concorrida por todos os monarcas cristãos da península e servida por ordens militares locais — Calatrava, Santiago e Alcântara – segundo o modelo das dos Templários e Hospitaleiros, igualmente atraídas por meio de largas doações.

As ordens militares espanholas

Depois do século XIII a Navarra gravitou para a França pelo casamento da sua última princesa com Filipe, o Belo (1284), e passou de domínio ao sabor de outros matrimônios. Fernando, o Católico, do Aragão, rei de Espanha pelo seu casamento com Isabel de Castela, conquistou em 1512 a Alta Navarra, situada na vertente meridional dos Pireneus, a fim de unificar o território peninsular do norte. A Baixa Navarra porém, situada na vertente setentrional, passou para a casa de Bourbon pelo casamento de loana Albret e foi incorporada na monarquia francesa quando seu filho, Henrique IV, herdou a coroa dos Valois.

Aragão

O Aragão não participou tanto quanto Castela e Leão dos esforços da reconquista porque sua posição geográfica sobre o Mediterrâneo e o caráter industrioso da sua população o inclinavam de preferência para a labuta comercial. Não deixou contudo de ajudar a rechaçar as invasões muçulmanas que de Marrocos vieram — antes dos almoades, os almorávides — recuperar o perdido domínio árabe. Nessas lutas, Aragão, nos fins do século XI, tomara Huesca e depois estabeleceu sua capital em Saragoça até que, no princípio do século XII, extinguindo-se sua dinastia, seus senhores convidaram para rei o conde de Barcelona, Raimundo Berenger. Assim aumentado, Aragão anexou com Jaime, o Conquistador, Valência e as Baleares, juntou-se com Pedro III à Sicília, chamou a si em 1326 a Sardenha e ainda se ligou a Nápoles em 1435.

Castela e Portugal. O conde Henrique

Castela formou-se em 1037, sob Fernando Magno, pela união de Leão, mas por morte desse rei, em 1075, seus Estados foram novamente divididos pelos filhos, um dos quais, Afonso VI de Leão, conseguiu novamente anexar Castela e Galiza e fazer de Toledo sua capital (1085). Foi no seu tempo que o cavaleiro francês Henrique de Borgonha, bisneto de Roberto, rei de França,

veio pelejar na península contra os mouros, e tão bem o fêz que lhe deu Afonso VI em recompensa a mão de sua filha natural Dona Tareja e o governo do condado portucalense (1094), subordinado ao governo da Galiza e compreendendo pouco mais do que o território situado entre o Minho e o Douro, com Guimarães como capital.

O conde Henrique acrescentou ao seu domínio o condado de Coimbra e foi tratando de pôr-se quanto possível autônomo. Sua viúva, regente na menoridade de D. Afonso Henriques, que ficou com três anos quando o pai faleceu em 1114, nutria a ambição de ser rainha, mas indispôs-se com a nobreza portucalense por causa do valimento dispensado ao fidalgo galego Fernão Peres de Trava. Não menos ambicioso, D. Afonso Henriques, aos 18 anos, pôs-se à frente do partido contrário à mãe, desbaratando as forças de Dona Tareja (1128), tirando-lhe o governo e iniciando suas lutas com os leoneses para consolidar a independência do novo Estado e com os mouros para alargar seus territórios. Aos mouros venceu primeiro em Ourique (1139) e como obtivesse igualmente vantagens sobre seu primo Afonso VII de Castela, foi proclamado rei em 1140. Sempre belicoso até morrer em 1185, caiu quando já avançado em anos prisioneiro dos leoneses, que o libertaram em troca de terras de que se apoderaram, mas aos mouros tomou Santarém, Lisboa —, auxiliado por cruzados que aí fizeram escala — Alcácer do Sal, Évora, Beja e Serpa, isto é, o Alentejo.

O período heróico da reconquista

O período sobre todos heróico da reconquista da península Ibérica foi o século XI. Neste século foi que, chamadas pelo emir de Sevilha, vieram as hordas cruéis de fanáticos berberes, substituindo-se ao elemento árabe o elemento mourisco; foi que se concentrou em D. Rodrigo de Bivar, o Cid Campeador da legenda, o esforço temerário que levou os cristãos de vitória em vitória até Valência; foi que chegaram cavaleiros estrangeiros a ajudarem a cruzada ocidental. Tal situação se prolongou pelo século XII, talvez mais premente ainda nalguns momentos e por isso mesmo mais gloriosa para o valor hispânico. No século imediato, Fernando III de Castela tomou quase toda a Andaluzia, inclusive Córdova, e Afonso X, o Sábio, apoderou-se de Murcia e repeliu uma terceira e última invasão marroquina, a dos merenides (1275).

A organização D. Sancho

A organização já ia acompanhando nas preocupações a conquista, tanto assim que ambos esses monarcas foram também legisladores. Ao segundo se deve o célebre código das Siete Partidas, mandado traduzir para português por seu genro D. Dinis, marido de Santa Isabel. Em Portugal o segundo rei, D. Sancho I (1154-1211), foi logo tratando de povoar seus territórios, atraindo colonos, fundando concelhos e vilas, apenas embaraçado nos seus propósitos por questões com Leão e com o clero.

D. Afonso II e D. Sancho II. Os nobres e o clero

Seu sucessor, D. Afonso II, o Gordo (1185-1223), teve as mesmas discórdias com o clero e outras com os nobres, mas achou tempo para reconquistar Alcácer do Sal e para convocar cortes, consolidando a autoridade real em tácita união com os conselhos. Foi este monarca o que tomou parte na batalha das Navas de Tolosa.

Sancho II (1202-1248) foi quem rematou por assim dizer a conquista do reino, tomando aos mouros Elvas, Serpa e Aljustrel, no Alentejo, e arrebatando-lhes a bacia do Guadiana, cem Mértola e Tavira, na invasão do Algarve; e foi igualmente quem sofreu o resultado dos

conflitos anteriores com a nobreza e com o clero que, levando a Roma suas acusações, moveram o papa a depô-lo. Este episódio marca o auge da intervenção da Igreja nos negócios públicos de Portugal. Com os nobres mais fácil corria a solução, porque na península hispânica o feudalismo não vingou como na França ou na Alemanha, e isto sobretudo pelo papel assumido na reconquista pelos reis, ganhando eles próprios seus feudos, e pela preponderância que com a monarquia visigótica alcançara o clero, prestigiando a realeza no interesse da Igreja: sem falar na vigorosa tradição municipal legada pelos romanos.

D. Afonso III e D. Dinis

D. Afonso III (1210-1279), irmão de D. Sancho II, vivia em França e entrou nas intrigas contra o seu antecessor; acabou de conquistar o Algarve e disputou-o a Castela, que reclamava sua posse. Ainda teve graves dificuldades com a Santa Sé e foi mesmo interdito, com o que se submeteu. Protegeu a agricultura, a qual mereceria especial carinho de seu filho D. Dinis (1261-1325) que foi cognominado o rei lavrador. No reinado de Afonso III reuniram-se cortes em Leiria em 1254, nas quais teve pela primeira vez voto o Terceiro Estado, representado pelos procuradores dos municípios. No reinado de D. Dinis fundou-se em 1290 a Universidade, transferida de Lisboa para Coimbra em 1307; o rei, cujo preceptor fora um universitário francês, cultivava êle próprio as letras e colaborou no Cancioneiro que traz o seu nome.

D. Afonso IV e D. Inês de Castro

No filho de D. Dinis, Afonso IV (1290-1357), reapareceu o espírito combativo de Afonso Henriques. Pegou em armas contra o pai por zelos de um irmão bastardo, devastando trechos do país. Pelejou quatro anos contra o genro, Afonso XI de Castela, por ser este mau marido. Aliou-se depois com êle contra os mouros, a pedido da filha, e juntos ganharam a batalha do Salado em 1340. Finalmente, por motivo político, isto é, o receio de ver crescer a influência de Castela, ordenou a morte de Inês de Castro, amante e apregoada esposa clandestina de seu filho D. Pedro, o qual, doido por ela de amor, tornara infel: : sua mulher, a princesa espanhola D. Constança, de quem a "linda Inês" era dama. Intrépido e irascível, impetuoso e violento, não descurou no entanto esse monarca, nem a legislação nem a administração.

D. Pedro I e D. Fernando

D. Pedro I (1320-1367) mereceu o cognome de justiceiro pelo rigor com que perseguia os criminosos, a começar pelos assassinos de Inês de Castro. Era também econômico e pacífico, mas um tanto desequilibrado, tendo acessos de furor e acessos de alegria: nos primeiros castigava com suas mãos os culpados; nos segundos bailava pelas ruas com o povo. Foi seu filho, D. Fernando I, o Formoso (1345-1383), que entrou em lutas desastrosas com Castela, cujo cetro ambicionou e cujo monarca ofendeu, faltando ao compromisso de contrair matrimônio com a infanta sua filha, pela paixão que o desvairou por Leonor Teles, mulher casada com um fidalgo da corte.

Lutos com Castela. O mestre d’Avis e D. Leonor Teles

Os castelhanos duas vezes vieram a Lisboa, uma por terra, outra por mar, sendo a cidade em parte destruída e talados os arredores. Da paz concluída foi cláusula o consórcio do rei de Castela com a infanta D. Beatriz, filha única de D. Fernando e de Dona Leonor Teles, cujo anterior enlace fora anulado, dando-se assim àquele monarca direitos sobre a coroa portuguesa, que prontamente invocou quando faleceu D. Fernando. O povo, que sempre detestara o castelhano e nunca suportara a aventureira, amotinando-se por ocasião do seu

casamento régio — o que custou a vida aos cabeças ■—, não vacilou em tal conjuntura em aclamar defensor do reino o mestre da Ordem d’Avis, D. João (1357-1433), filho natural de D. Pedro.

Aljubarrota e Valverde

Resoluto e destemido, D. João assassinou por sua mão o conde An-deiro, espanhol que era amante da rainha Leonor Teles e, tomando o campo contra Castela, ganhou em 1385 a batalha de Aljubarrota, perto de Leiria, que salvou a independência portuguesa, sendo desbaratado um inimigo quatro a cinco vezes mais numeroso. O con-detestável D. Nuno Álvares Pereira, uma das figuras mais sugestivas da história portuguesa, que fora parte importante em Aljubarrota, ganhou sobre os espanhóis mais outro combate, o de Valverde, em território inimigo à beira do Guadiana.

Dom João II e sua esposa. Da crônica "Vita Christi", impressa em 1495.

Os filhos do D. João I

Os filhos de D. João I e da princesa inglesa Dona Filipa de Lan-castre, filha de João de Gaunt, formam uma plêiade de nota, composta do rei D. Duarte (1391-1438), o ilustrado autor do Leal Conselheiro; D. Pedro, duque de Coimbra (1392-1449), o autor da Virtuosa Benfeitoria, tradutor de Cícero e viajante curioso; D. Henrique, o Navegador (1394-1460), o iniciador das descobertas portuguesas, e D. Fernando, o Infante Santo (1402-1443), que morreu prisioneiro dos mouros, em cujo poder ficara por ocasião da desastrosa expedição a Tânger em 1437, no reinado de D. Duarte, como refém da restituição de Ceuta, conquistada em 1415 pela expedição na qual participaram rodos os infantes e que foi a primeira aventura portuguesa fora do continente europeu e o início do seu império colonial.

D. Afonso V

A subida ao trono de D. Afonso V (1432-1481), filho de D. Duarte, foi manchada de sangue pela tragédia da Alfarrobeira, a saber, o encontro de forças reais com cavaleiros de D. Pedro, tio do jovem monarca e regente do reino durante a sua menoridade, no qual foi morto o preclaro infante, que vinha a Lisboa não para cometer violência, mas para reclamar justiça contra a calúnia que lhe moviam de querer esbulhar o sobrinho do trono. Afonso V tomou várias praças marroquinas: Alcácer-Seguer, Arzilla e Tânger, mas foi menos feliz no seu projeto de unir Castela a Portugal pelo casamento com sua sobrinha Dona Joana, a Excelente Senhora, filha de Henrique IV de Castela e ali alcunhada a Beltraneja, por ser geralmente considerada filha adulterina de Beltran de la Cueva. Afonso V invadiu a Espanha para ser infeliz no combate de Toro (1476), que confirmou a coroa de Isabel, a Católica.

d. João II

No reinado de seu filho e sucessor D. João II, o Príncipe Perfeito (1455-1495), graças à energia indomável do monarca, foi de vez consolidada a realeza com relação aos fidalgos que a generosidade inconstante de Afonso V fizera mais arrogantes.

D. João II mandou abrir inquérito sobre as acusações formuladas nas cortes de Leiria pelos procuradores dos conselhos contra as usurpações pelos nobres de terras da coroa e arbitrariedades praticadas com menosprezo da autoridade real; e como a nobreza por isso tramasse com Castela, mandou decapitar o duque de Bragança (1483) e no ano imediato

apunhalou êle próprio seu cunhado, o duque de Viseu, o qual se pusera à testa de uma conspiração para vingar aquela execução.