formaÇÃo do enfermeiro para a atenÇÃo bÁsica:...

124
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ UFC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA FAMÍLIA MESTRADO ACADÊMICO EM SAÚDE DA FAMÍLIA MARIA DA CONCEIÇÃO COELHO BRITO FORMAÇÃO DO ENFERMEIRO PARA A ATENÇÃO BÁSICA: ANÁLISE DA ORIENTAÇÃO TEÓRICA, CENÁRIOS DE PRÁTICA E ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA A PARTIR DE UM CURSO DE GRADUAÇÃO SOBRAL, CEARÁ 2014

Upload: phamdan

Post on 30-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR UFC

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE DA FAMLIA

    MESTRADO ACADMICO EM SADE DA FAMLIA

    MARIA DA CONCEIO COELHO BRITO

    FORMAO DO ENFERMEIRO PARA A ATENO BSICA:

    ANLISE DA ORIENTAO TERICA, CENRIOS DE PRTICA E

    ORIENTAO PEDAGGICA A PARTIR DE UM CURSO DE

    GRADUAO

    SOBRAL, CEAR

    2014

  • 2

    MARIA DA CONCEIO COELHO BRITO

    FORMAO DO ENFERMEIRO PARA A ATENO BSICA:

    ANLISE DA ORIENTAO TERICA, CENRIOS DE PRTICA E

    ORIENTAO PEDAGGICA A PARTIR DE UM CURSO DE

    GRADUAO

    Dissertao de Mestrado apresentada ao

    Programa de Ps-Graduao em Sade da

    Famlia da Universidade Federal do Cear

    (UFC), Campus Sobral, Cear, como requisito

    para a obteno do Ttulo de Mestre em Sade da

    Famlia.

    rea de Concentrao: Sade da Famlia

    Linha de Pesquisa: Estratgias de Educao

    Permanente e Desenvolvimento Profissional em

    Sade da Famlia (EEPDPSF)

    Orientadora: Profa. Dra. Maria Socorro de

    Arajo Dias

    SOBRAL, CEAR

    2014

  • 3

  • 4

    MARIA DA CONCEIO COELHO BRITO

    FORMAO DO ENFERMEIRO PARA A ATENO BSICA: ANLISE DA

    ORIENTAO TERICA, CENRIOS DE PRTICA E ORIENTAO

    PEDAGGICA A PARTIR DE UM CURSO DE GRADUAO

    Dissertao apresentada Coordenao do

    Programa de Ps-Graduao em Sade da

    Famlia da Universidade Federal do Cear

    (PPGSF-UFC), como requisito para obteno

    do Ttulo de Mestre em Sade da Famlia.

    rea de concentrao: Sade da Famlia.

    Aprovada em: ___/___/______.

    BANCA EXAMINADORA

    _________________________________________________

    Profa. Dra. Maria Socorro de Arajo Dias Orientadora

    Universidade Estadual Vale do Acara (UVA)

    ________________________________________________

    Profa. Dra. Maristela Ins Osawa Vasconcelos - Titular

    Universidade Estadual Vale do Acara (UVA)

    ________________________________________________

    Profa. Dra. Maria de Ftima Antero Sousa Machado - Titular

    Universidade Regional do Cariri (URCA)

    ________________________________________________

    Profa. Dra. Cibelly Aliny Siqueira Lima Freitas - Suplente

    Universidade Estadual Vale do Acara (UVA)

  • 5

    Deus por abenoar minha caminhada, e a

    minha Me por ser meu porto seguro sempre.

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    Que a vida me ensine a amar cada vez mais, de um jeito mais leve. (Caio Fernando Abreu)

    A Deus, por ser presena forte em minha vida, e me permitir a cada dia lutar pelos meus

    objetivos.

    A minha me, por quem tenho um amor eterno e desmedido, e a quem destino toda a minha

    admirao. Exemplo de bravura e perseverana que sempre levarei comigo.

    Aos meus irmos, por sempre incentivarem a minha caminhada.

    Ao meu noivo, Joo, por ser um apoio firme na minha vida, pegando na minha mo

    diariamente com um voc vai conseguir. Com voc todo o caminho mais suave. Amo

    voc!!

    Universidade Estadual Vale do Acara, o meu apreo e valorizao.

    Ao Grupo LabSUS... em especial Digenes, Rayanne, Lilma, e Fiama, que tanto me

    ajudaram no desenvolvimento deste estudo. Sem vocs, no teria conseguido!

    Aos meus alunos do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual Vale do Acara, pela

    oportunidade de compartilhar saberes e vidas.

    minha querida Flvia Martins, um anjo que colaborou muito com este estudo.

    s minhas queridas Sheila e Samira... Obrigada pela pacincia e zelo, sempre.

    minha mestra e amiga, professora Cibelly Freitas, com quem dei os primeiros passos na

    pesquisa!! Devo muito do que sou a voc.

    terceira turma de Mestrado em Sade da Famlia, com quem vivenciei momentos nicos.

    Aos meus professores de Mestrado em Sade da Famlia, por suas contribuies valiosas.

    Aos participantes desse estudo, que destinaram um pouco do seu tempo trazendo questes a

    serem problematizadas... Muito obrigada!!

    s profas.

    Maristela e Ftima Antero, por terem aceitado participar da minha banca, e a refletir

    sobre o meu estudo... Obrigada!!

  • 7

    A minha orientadora, profa. Socorro Dias. Agradeo pelo aprendizado e a confiana

    depositada nesses dois anos de convivncia... Isso me permitiu descobrir novas formas de

    olhar e compreender a vida. E que venham mais dois anos... mais dois anos... mais dois anos...

    A todos que direta ou indiretamente contriburam para este trabalho, muito obrigada!!

  • 8

    Educar-se impregnar de sentido cada momento da vida, cada ato cotidiano.

    (Paulo Freire)

  • 9

    BRITO, M. C. C. Formao do enfermeiro para a ateno Bsica: anlise da orientao

    terica, cenrios de prtica e orientao pedaggica de um curso de graduao. 2014. 123f.

    Dissertao (Mestrado em Sade da Famlia) Universidade Federal do Cear (Campus

    Sobral), Programa de Ps-Graduao em Sade da Famlia, Sobral-CE.

    RESUMO

    Os profissionais de sade devem estar mais envolvidos com as diversas faces e interfaces que

    influenciam o indivduo e coletividades. Nesse propsito, os enfermeiros devem comear a

    compreender este fenmeno a partir da graduao, sendo necessria uma transposio dos

    limites fsicos das Universidades, de forma a levar os estudantes a uma interao terica e

    prtica. Propostas de reorientao profissional foram sendo incitadas h anos nesta

    direcionalidade. No campo da sade, a ltima e atual proposta institucional o Pr-Sade.

    Desse modo, este estudo objetivou analisar a formao do enfermeiro para atuao na

    Ateno Bsica, no Curso de graduao em Enfermagem da Universidade Estadual Vale do

    Acara (UVA), segundo os eixos orientadores do Pr-Sade: orientao terica, cenrios de

    prtica e orientao pedaggica. Trata-se de um estudo exploratrio-descritivo, com

    abordagem quanti-qualitativa, realizado entre os anos de 2012 e 2014, tendo como unidades

    de anlise o Projeto Poltico Pedaggico e Programa Semestral Docente do Curso, discentes

    (27), docentes (13) e enfermeiros preceptores (13) do Internato na Ateno Bsica. A coleta

    dos dados foi realizada mediante anlise documental, questionrio e entrevistas, em que se

    adotou a Triangulao de Mtodos como referencial metodolgico na coleta e anlise, e a

    Anlise Temtica de Minayo para a organizao dos dados. O Projeto de Pesquisa foi

    aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual Vale do Acara

    (UVA) com o Parecer N 421.861. Os resultados inferidos permitiram verificar a observncia

    de aspectos da formao do enfermeiro para a Ateno Bsica na UVA com base no Pr-

    Sade, como a estruturao modular, o incentivo a prtica investigativa, a insero

    progressiva no campo de prtica desde o incio da formao, e a utilizao de metodologias

    ativas no processo ensino-aprendizagem, configurando a lgica do aprender fazendo.

    Observou-se a necessidade de fortalecimento da integrao ensino-servio vivenciado na

    formao do enfermeiro da UVA. Torna-se necessria a discusso crtica e reflexiva sobre as

    prticas, por todos os participantes no processo (professores, profissionais dos servios,

    estudantes) visando transformao da prpria prtica e da gesto das organizaes

    envolvidas, de modo a fortalecer uma formao do enfermeiro para o SUS.

    Descritores: Formao profissional; Enfermeiro; Ateno Bsica; Pr-Sade.

  • 10

    BRITO, M. C. C. Nursing education for primary care: an analysis of theoretical

    orientation, practice scenarios and teaching mentoring of a graduate degree. 2014. 123 pages.

    Dissertation (Master's in Family Health) - Federal University of Cear (Campus Sobral),

    Postgraduate Program in Family Health, Sobral-Cear.

    ABSTRACT

    Health professionals should be more involved with the various faces and interfaces that

    influence individuals and collectivities. In that purpose, the nurses must begin to understand

    this phenomenon from graduation, requiring a transposition of the physical limits of the

    universities, in order to lead students to a theoretical-practical interaction. Proposals for

    professional reorientation were being urged for years in this directionality. In the field of

    health, the last and current institutional proposal is the Pro-health. Thereby, this study aimed

    to analyze the formation of nurses for performance in basic attention, in the undergraduate

    program in nursing at the State University of Acara, according to the axes guiding Pro-

    health: theoretical orientation, practical scenarios and pedagogical orientation. This is a

    descriptive-exploratory study, quantitative and qualitative approach, carried out between 2012

    and 2014, having as units of analysis the Pedagogical political project and Biannual Program

    Teacher of the course, students (27), teachers (13) and nurses preceptors (13) of the boarding

    school in the basic attention. The data collection was carried out through documentary

    analysis, questionnaire and interviews, in which they adopted the triangulation of methods

    such as methodological referential in collection and analysis, and thematic analysis of the data

    organization Minayo. A research project approved by the Research Ethics Committee (CEP)

    Valley State University of Acara (UVA). The results inferred allowed to verify compliance

    with aspects of the formation of the nurse for basic care at UVA on the basis of the Pro-

    health, how the modular structure, the encouragement of research practice, the progressive

    insertion in the field of practice since the beginning of the training, and the use of active

    methodologies in teaching-learning process, configuring the logic of "learning by doing". It

    was noted that the need to strengthen the teaching-service integration experienced in the

    formation of the nurse of the grape. Becomes necessary to critical discussion and reflective

    about the practice by all participants in the process (teachers, professionals, students services)

    for the processing of own practice and the management of the organizations involved, in order

    to strengthen training of nurses to the SUS.

    Descriptors: Vocational Training; Nurse; Basic Attention; Pro-Health.

  • 11

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    UVA Universidade Estadual Vale do Acara

    SUS Sistema nico de Sade

    Pr-Sade - Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade

    ESF Estratgia Sade da Famlia

    MS Ministrio da Sade

    DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais

    IES- Instituies de Ensino Superior

    DNSP - Departamento Nacional de Sade Pblica

    LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    SESu - Secretaria de Educao Superior

    MEC - Ministrio da Educao e Cultura

    DCENF - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduao em Enfermagem

    SGTES - Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade

    DEGES - Departamento de Gesto da Educao na Sade

    PET-Sade - Programa de Educao pelo Trabalho para a Sade

    PROVAB - Programa de Valorizao do Profissional da Ateno Bsica

    UnA-SUS - Universidade Aberta do SUS

    INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    OPAS - Organizao Pan-Americana da Sade

    PPP - Projeto Poltico Pedaggico

    PSD - Programa Semestral Docente

    CSF Centro(s) de Sade da Famlia

    SDSS - Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Sade do Municpio

    TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

  • 12

    CEP - Comit de tica em Pesquisa

    PNAB - Poltica Nacional de Ateno Bsica

    ACS Agente Comunitrios de Sade

  • 13

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1. Apresentao dos Eixos de desenvolvimento do Pr-Sade ................................. 41

    Quadro 2. Matriz Curricular do Curso de Enfermagem da UVA (2009). .............................. 66

  • 14

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Framework elaborado para orientao da anlise no estudo. Sobral-CE, 2014. ... 58

    Figura 2 Esquema metodolgico do estudo. Sobral-CE, 2014. ........................................... 61

  • 15

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Distribuio da carga horria especfica para Ateno Bsica no Curso de

    Enfermagem da UVA. Sobral-CE, 2014. ................................................................................ 68

    Tabela 2 - Atividades curriculares desenvolvidas pelos discentes no processo de formao no

    Curso de Enfermagem da UVA. Sobral-CE, 2014. ................................................................ 72

    Tabela 3 - Perodo de Iniciao ao Campo de Prtica segundo os discentes. Sobral-CE, 2014.

    .................................................................................................................................................. 75

    Tabela 4 - Interao ensino-servio segundo os discentes do Curso de Enfermagem da UVA.

    .................................................................................................................................................. 79

    Tabela 5 - Metodologia predominante no Curso de Enfermagem da UVA segundo os

    discentes. Sobral-CE, 2014. .................................................................................................... 84

    Tabela 6 - Formao com foco na anlise crtica da Ateno Bsica segundo os discentes.

    Sobral-CE, 2014. ..................................................................................................................... 86

  • 16

    SUMRIO

    1 INTRODUO ............................................................................................................... 20

    1.1 Aproximao com o objeto de estudo .......................................................................... 20

    1.2 Contextualizao do objeto .......................................................................................... 21

    1.3 Justificativa e relevncia do estudo .............................................................................. 24

    2 OBJETIVOS .................................................................................................................... 27

    2.1 Geral ............................................................................................................................. 27

    2.2 Especficos .................................................................................................................... 27

    3 REVISO DE LITERATURA ....................................................................................... 29

    3.1 Formao superior em Enfermagem ............................................................................ 29

    3.2 As Leis de Diretrizes e Bases da Educao Nacional e Diretrizes Nacionais para o

    Curso de Graduao em Enfermagem ................................................................................ 32

    3.3Formao do enfermeiro: movimentos instituintes e institudos com vistas a

    formao para a Ateno Bsica ........................................................................................ 36

    3.4Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade (Pr-

    Sade) ................................................................................................................................. 40

    4 METODOLOGIA ............................................................................................................ 45

    4.1 Tipo e abordagem do estudo ......................................................................................... 45

    4.2 Unidades de anlise ...................................................................................................... 46

    4.3 Perodo e Cenrios do estudo ....................................................................................... 47

    4.4 Referencial metodolgico ............................................................................................. 51

    4.5 Coleta de informaes .................................................................................................. 53

    4.5.1 Anlise documental ................................................................................................... 54

    4.5.2 Entrevista semiestruturada ......................................................................................... 54

    4.5.3 Questionrio .............................................................................................................. 55

    4.6 Anlise das informaes ............................................................................................... 56

    4.7 Aspectos ticos e legais do estudo ................................................................................ 58

    4.8 Esquema metodolgico ................................................................................................ 61

    5 RESULTADOS E DISCUSSO .................................................................................... 63

    5.1Integrao ensino-servio: evidncias inferidas a partir do Projeto Poltico

    Pedaggico do Curso de Enfermagem da UVA ................................................................. 63

    5.2 H escolas que so como gaiolas e h escolas que so como asas: discutindo a

    formao do enfermeiro com base no Pr-Sade ............................................................... 70

  • 17

    A orientao terica ................................................................................................ 71

    Os cenrios de prtica ............................................................................................. 74

    A orientao pedaggica ......................................................................................... 83

    6 CONSIDERAES FINAIS .......................................................................................... 90

    REFERNCIAS ................................................................................................................. 94

    APNDICES ...................................................................................................................... 106

    Apndice A Termo de Fiel Depositrio ........................................................................... 107

    Apndice B Roteiro de anlise dos Projetos Polticos Pedaggicos ............................... 108

    Apndice C Roteiro de entrevista semiestruturada Docentes dos

    Mdulos/Disciplinas ........................................................................................................... 109

    Apndice D Roteiro de entrevista semiestruturada Docentes do Internato da Ateno

    Bsica ................................................................................................................................. 110

    Apndide E Roteiro de entrevista semiestruturada Enfermeiros preceptores do

    Internato da Ateno Bsica ............................................................................................... 111

    Apndice F Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Docentes) .......................... 112

    Apndice G Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Discentes) ......................... 113

    ANEXOS ............................................................................................................................ 114

    Anexo 1 Questionrio proposto por Matsumoto (2010) .................................................. 115

    Anexo 2 Parecer Consubstanciado do CEP ..................................................................... 121

    Anexo 3 Poema H escolas que so gaiolas e h escolas..., de Rubens Alves ............ 124

  • 18

    H escolas que so gaiolas e h escolas...

  • 19

    Captulo 1 Introduo

  • 20

    1 INTRODUO: o alar voo

    De tudo ficaram trs coisas... A certeza de que estamos comeando... A certeza de que preciso continuar... A certeza de que podemos ser interrompidos

    antes de terminar... Faamos da interrupo um caminho novo... Da queda, um passo de dana... Do medo, uma escada...

    Do sonho, uma ponte... Da procura, um encontro! (Fernando Sabino)

    1.1 Aproximao com o objeto de estudo

    O processo de formao faz parte do nosso contexto de vida. Desde o nascimento at o

    tornar-se adulto, o indivduo passa por experincias que o faz decidir entre uma ou outra coisa

    que o faz bem ou no. Esse contato com as experincias que torna o indivduo capaz de

    realizar escolhas (no desconsiderando a influncia de determinantes). Logo, o processo de

    formao intrnseco ao ser humano, cabendo a este potencializ-lo. Consonante com esta

    premissa que passo a discorrer sobre meu processo de formao.

    Enquanto graduanda do Curso de Enfermagem na Universidade Estadual Vale do

    Acara (UVA), em Sobral/CE, no perodo de 2007.1 a 2011.1, sempre me inquietei com

    algumas estratgias de ensino que pareciam no responder as necessidades de aprendizagem

    de ns estudantes e, por conseguinte, da comunidade, considerando a ateno ao princpio da

    responsabilidade social imputada a Universidade. Instigava-me ainda uma quase

    indissociabilidade terica e prtica e relativa desatualizao dos processos de ensino no que se

    referiam as aes estratgicas (novas polticas, projetos, normas, decretos, etc.) do Sistema

    nico de Sade (SUS).

    Discusses e questionamentos foram sendo deflagrados, e iniciativas de mudanas

    passaram a ser sinalizadas por um grupo de docentes e discentes da UVA. At que, alinhado a

    um movimento nacional, o Curso de Enfermagem da UVA comeou a discutir mais

    firmemente, a partir de 2005, uma proposta de reorientao da formao do enfermeiro sob os

    moldes do Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade (Pr-

    Sade).

    Ainda graduanda, passei a vivenciar transformaes nos micros espaos do Curso,

    aliadas a movimentos de resistncias de alguns; s vezes, de muitos. reconhecido que todo

  • 21

    processo de mudana gera desconfortos; face ao exposto, s vezes me questionava se as

    propostas que vinham sendo construdas, apesar de to desejadas, responderiam as

    necessidades, e se seriam suficientes para favorecer a integrao teoria-prtica, de modo a

    alinhar-se s Polticas estratgicas do SUS, a exemplo da reorientao da formao para

    atuao na Ateno Bsica, entendendo esta como uma das principais formas de acesso ao

    SUS.

    Anos se passaram... Um novo currculo foi implantado para o Curso de Enfermagem

    da UVA em 2009.2; embora minha formao continuasse a ser orientada pelo currculo

    anterior. Neste sentido, acompanhei distncia expresses de conquistas de alguns e de

    incredibilidade de outros. Grandes desafios para docentes e discentes!

    Em 2012, retorno ao mesmo Curso, um ano e meio aps a concluso do Curso de

    graduao. Passei a integrar o corpo docente dele, como professora substituta, e novos

    questionamentos e desafios se apresentaram. Fui desafiada a refletir de modo comparativo

    entre os dois cenrios: estudante de graduao orientada por currculo disciplinar e, depois,

    docente desse mesmo Curso, sob a gide de currculo modular, integrado, conforme diretrizes

    do Pr-Sade, tomando em considerao, portanto, a formao do profissional generalista,

    entendo a Ateno Bsica como acesso prioritrio.

    Enquanto mestranda em Sade da Famlia pude inferir o quo complexo e denso este

    campo de conhecimento e prtica. E uma nova questo passou a fazer parte do meu ser

    mestranda em Sade da Famlia: estaria a formao do enfermeiro consonante para a atuao

    na Estratgia Sade da Famlia, esta enquanto estruturante da Ateno Bsica? Vi, na

    dissertao de mestrado uma possibilidade de responder melhor este e outros questionamentos

    que se desdobraram.

    1.2 Contextualizao do objeto

    O desafio contemporneo do setor educacional formar cidados competentes na

    prtica dos saberes, com capacidade de compreender e se adaptar no mundo, e de encontrar

    solues para as situaes cotidianas sobre as quais se deve refletir para ressignificar o saber

    (NBREGA-THERRIEN et al, 2010). Nesse contexto, Opitz et al (2008) abordam que o

    ensino-aprendizagem desenvolvido no mago da universidade exerce um papel social de

  • 22

    importncia mpar, pois por meio deste que se determinam transformaes no sistema

    social, poltico, econmico e cultural da sociedade.

    Assim, o papel do ensino nas instituies foi se transformando, e a universidade foi e

    constantemente solicitada a enfrentar novos desafios e mudanas. Atualmente, o papel do

    ensino nas universidades buscar caminhos que consolidem projetos pedaggicos coerentes

    com as exigncias impostas pelos avanos tecnolgicos e cientficos, ou seja, capacitar

    profissionais para cumprir os desafios da modernidade, sem perder de vista as perspectivas de

    uma educao/ensino que atenda s demandas sociais da populao, possibilitando assim uma

    realidade mais igualitria e humana (OPITZ et al, 2008).

    O exposto tende a indicar que constitui desafio permanente, portanto, o reforo de uma

    robusta articulao entre as instituies formadoras e o servio. H que se corrigir o

    descompasso entre a orientao da formao dos profissionais de sade e os princpios, as

    diretrizes e as necessidades do Sistema nico de Sade (SUS), em especial no que diz

    respeito formao para a ateno bsica (GIOVANELLA et al, 2009). Com tal fim, a

    Estratgia Sade da Famlia (ESF) tida como estratgia prioritria para o fortalecimento da

    Ateno Bsica (BRASIL, 2006).

    De acordo com Alves e Aerts (2011), a ESF, proposta pelo Ministrio da Sade (MS)

    em 1994, incorpora e reafirma os princpios do SUS e est estruturada com nfase na ateno

    bsica sade, em especial da sade da famlia. Tem por objetivo aumentar o acesso da

    populao aos servios de sade, propiciando longitudinalidade e integralidade na ateno

    prestada aos indivduos e grupos populacionais. Pretende trabalhar com o modelo de

    vigilncia da sade, com a responsabilizao da equipe de sade pela populao moradora em

    seu territrio, incentivando a participao popular, criao de parcerias intersetoriais e a

    incumbncia da equipe pelo atendimento integral dos indivduos e grupos.

    Costa e Miranda (2009) abordam que o processo de implantao do SUS trouxe

    modificaes para a organizao das prticas de ateno e de gesto do sistema de sade,

    mediante a formulao e ampliao de propostas de novos modelos assistenciais, envolvendo

    a diversificao dos servios de sade, os novos processos de qualificao dos trabalhadores e

    a natureza do trabalho em sade. Assim, novos paradigmas devem nortear a formao dos

    trabalhadores da rea.

    Nesse contexto da educao superior, segundo o Ministrio da Sade, a flexibilizao

    preconizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional n 9.394, de 20 de

  • 23

    dezembro de 1996, confere s Instituies de Ensino Superior novos graus de liberdade que

    possibilitam o desenho de currculos inovadores, adequados s realidades regionais e s

    respectivas vocaes das escolas. A ruptura do currculo mnimo pelas Diretrizes Curriculares

    Nacionais (DCN) representa um avano, pelo fato de induzir maior articulao das

    Instituies de Ensino Superior (IES) com a sociedade, e concretizar a relevncia social da

    ao acadmica. Na rea da sade, as DCN reforam a necessidade de orientar a formao

    profissional para o trabalho no SUS (BRASIL, 2007), sistema de sade vigente no pas, e

    orientado pela Ateno Bsica.

    Surge, em 2005, por meio da Portaria Interministerial MS/MEC n 2.101, o Pr-sade,

    que objetivou incentivar a transformao do processo de formao, gerao de conhecimento

    e prestao de servios populao para abordagem integral do processo sade-doena. Tem

    como eixo central a integrao ensino-servio, com a consequente insero dos estudantes no

    cenrio real de prticas que a Rede SUS, com nfase na ateno bsica, desde o incio de

    sua formao (BRASIL, 2007).

    Entendendo que a reorientao para a ateno bsica, como direciona o SUS, no pode

    depender apenas de uma transformao espontnea das instituies acadmicas, o papel

    indutor do Pr-Sade o de conferir direcionalidade ao processo de mudana e facilitar a

    consecuo dos objetivos propostos, em busca de uma ateno sade mais equnime e de

    qualidade (BRASIL, 2007).

    Desse modo, as instituies de ensino em Enfermagem devem compreender currculo

    como algo em movimento, que influencia e influenciado pelos atores que o colocam em

    prtica diariamente em uma determinada realidade social, em um determinado mundo de

    apegos e significados e que investem o melhor de si em busca de seus desejos, metas e valores

    (DELLAROZA; VANNUCHI, 2005), aspectos que corroboram com as diretrizes do Pr-

    Sade, uma vez que este tem como intencionalidade central o fortalecimento da formao dos

    profissionais de sade para a ateno bsica.

    Diante disso, incitam-se os seguintes questionamentos: O Projeto Poltico Pedaggico

    do Curso de Enfermagem da UVA incorpora a formao para ateno bsica como

    componente estratgico na formao do enfermeiro? Em quais mdulos evidenciam-se a

    formao para ateno bsica? Com que intensidade? H evidncias de integrao teoria-

    prtica no campo da ateno bsica? Como os docentes compreendem a formao do

    enfermeiro para a Ateno Bsica? Como (estratgias educacionais, contedos, atualizaes)

  • 24

    os docentes desenvolvem a formao do enfermeiro para a Ateno Bsica? Como os

    discentes analisam a formao do enfermeiro para a Ateno Bsica? Como os preceptores da

    ateno bsica contribuem e analisam a formao do enfermeiro para a Ateno Bsica?

    1.3 Justificativa e relevncia do estudo

    Este estudo no almeja realizar uma avaliao da implantao do Pr-Sade, mas

    averiguar se as diretrizes propostas por esse programa esto sendo atendidas na formao dos

    enfermeiros na Universidade Estadual Vale do Acara (UVA), em particular quelas relativas

    formao para atuao na Ateno Bsica.

    Entende-se que o SUS configura-se como um sistema que veio contrapor o sistema,

    que era caracterizado como hospitalocntrico e biologicista, buscando centrar-se na sade e

    qualidade de vida dos indivduos e coletividade. Para isso, tornava-se necessrio um

    redirecionamento na prtica profissional, em que pessoas deixassem de ser vistas como

    objetos do cuidado para um cuidado humanizado e interacionista, alm de buscar

    compreender as entrelinhas que permeiam o processo sade-doena-cuidado.

    Diante disso, os profissionais de sade devem estar mais envolvidos com as diversas

    faces e interfaces que influenciam o indivduo e coletividades. Nesse propsito, os

    enfermeiros devem comear a compreender este fenmeno a partir da graduao, sendo

    necessria uma transposio dos limites fsicos das Universidades, de forma a levar os

    estudantes a uma interao terica e prtica. Propostas de reorientao profissional foram

    sendo incitadas h anos nesta direcionalidade. No campo da sade, a ltima e atual proposta

    institucional o Pr-Sade.

    Justifica-se este estudo buscando, portanto, compreender se as mudanas do sistema

    educativo do Curso de Enfermagem da UVA esto sintonizadas com as polticas de sade

    atuais, alm de que ainda tmida a produo acadmica sobre o tema. Espera-se identificar

    aspectos que potencializem ou restrinjam a formao de enfermeiros para atuao na Ateno

    Bsica, e inferncias de como o Pr-Sade contribuiu/contribui com esta procura.

    Do exposto delineia-se a relevncia do estudo. A partir dos resultados identificados no

    estudo pretende-se contribuir com o processo de formao dos enfermeiros, considerando que

    as instituies formadoras necessitam apropriar-se das mudanas introduzidas pelo SUS nos

    cursos de graduao da sade, incorporando o cotidiano das relaes da ateno e da

  • 25

    estruturao do cuidado sade (BRASIL, 2004), entendendo que essas mudanas

    repercutiro na qualidade da ateno sade aos usurios do sistema de sade brasileiro.

  • 26

    Captulo 2 Objetivos

  • 27

    2 OBJETIVOS: o voar alm do horizonte

    Nenhum vento sopra a favor de quem no sabe pra onde ir.

    (Sneca)

    2.1 Geral

    Analisar a formao do enfermeiro para atuao na Ateno Bsica, no Curso de

    graduao em Enfermagem da Universidade Estadual Vale do Acara (UVA), segundo os

    eixos orientadores do Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em

    Sade (Pr-Sade): orientao terica, cenrios de prtica e orientao pedaggica.

    2.2 Especficos

    Examinar no Projeto Poltico Pedaggico do Curso de Enfermagem, os mdulos

    orientados para o desenvolvimento de competncias para a ateno bsica;

    Analisar o contedo programtico dos mdulos orientados para o desenvolvimento de

    competncias para a ateno bsica;

    Compreender a viso dos docentes acerca da formao do enfermeiro para atuar na

    ateno bsica;

    Discorrer sobre o processo de ensino-aprendizagem orientado pelos docentes com

    vistas formao do enfermeiro para a Ateno Bsica e sua pertinncia com as

    diretrizes propostas pelo Pr-sade;

    Descrever a formao do enfermeiro para a Ateno Bsica a partir dos enfermeiros

    preceptores do Internato;

    Averiguar, junto aos discentes, a consonncia e/ou dissonncia da Matriz Curricular

    do Curso de Enfermagem em relao formao para a ateno bsica proposta pelo

    Pr-Sade.

  • 28

    Captulo 3 Reviso de Literatura

  • 29

    3 REVISO DE LITERATURA: fortalecendo-se para um voo desbravador

    preciso sentir a necessidade da experincia, da observao, ou seja, a necessidade de sair de

    ns prprios para acender escola das coisas, se as queremos conhecer e compreender.

    (mile Durkheim)

    3.1 Formao superior em Enfermagem

    O processo de formao do enfermeiro vem sofrendo transformaes ao longo dos

    anos, estando sua trajetria e o perfil dos egressos sempre atrelados ao modelo poltico-

    econmico-social vigente do pas. Essa trajetria, contudo, no se deu de forma linear; ela

    encontrou desafios que foram superados nos limites conjunturais de cada momento histrico

    da sociedade (SILVA et al, 2010).

    Essas transformaes no setor sade ocorreram na organizao do trabalho com

    repercusses na incorporao tecnolgica, associada s alteraes no perfil epidemiolgico e

    no padro demogrfico da populao brasileira. Nesse contexto, importante reconhecer as

    modificaes que decorrem da implantao de novos modelos tecnolgicos e assistenciais,

    com exigncias no perfil dos profissionais (SILVA; SENA, 2006).

    Os autores supracitados referem que no Brasil essas modificaes ocorrem no bojo do

    processo de consolidao do SUS com esforos para se concretizar os princpios ticos,

    doutrinrios, organizacionais e operativos no que diz respeito sade, definindo-a como um

    direito de todos e um dever do Estado, cabendo a esse garantir polticas pblicas sociais e

    econmicas que assegurem o bem-estar fsico, mental e social da populao.

    Assim, a mudana de paradigma na assistncia em sade, como referem Esperidio e

    Munari (2005), implica tambm em oferecer aos futuros profissionais uma prtica pedaggica

    com viso de totalidade, com a responsabilidade e preocupao de provocar interaes e

    relaes dos alunos consigo mesmos, com seus semelhantes, em uma rede complexa de

    interrelaes pressupondo a compreenso da existncia de conexes que ajudam a entender o

    significado do contexto.

    Diante disso, a formao dos profissionais de sade, inserida no contexto da formao

    dos demais profissionais, deve estar norteada pela definio de reas de competncias

    (conhecimentos, habilidades e atitudes) que possibilitem a atuao e a interao

  • 30

    multiprofissional. As diretrizes gerais para a educao dos profissionais de sade do sculo

    XXI descrevem que o desenvolvimento de competncias deve estar dirigido busca da

    integralidade da ateno sade, contribuindo para a formao de um profissional que

    agregue aptides para tomada de decises, comunicao, liderana, gerenciamento e educao

    permanente (BRASIL, 2001a).

    Segundo Silva e Sena (2006), para fazer frente s exigncias que se apresentam e se

    modificam, rapidamente, na formao dos profissionais de sade, necessrio que haja

    mudanas no processo ensino-aprendizagem, tornando-o adequado contemporaneidade,

    complexidade e imprevisibilidade, caractersticas do processo de trabalho em sade. Assim,

    o processo de formao do enfermeiro dever se dar luz da dinamicidade do contexto e de

    necessidades futuras, no campo de sade e de educao, para as quais a formao profissional

    deve estar orientada por uma educao desenhada por reas de competncias, onde as

    demandas do mercado estejam consideradas. No entanto, esse fator no deve ser o nico

    elemento a ser priorizado na definio do perfil profissional, preparando os profissionais de

    enfermagem no apenas para atender as demandas do mercado de trabalho, mas, sobretudo,

    para transformar as condies impostas por esse mercado.

    Ito et al (2006) mencionam que o ensino de Enfermagem no pas passou por vrias

    fases de desenvolvimento ao longo dos anos, tendo como reflexo de cada mudana o contexto

    histrico da Enfermagem e da sociedade brasileira. Considera-se que o ensino oficial

    sistematizado da Enfermagem Moderna no Brasil foi introduzido em 1923, pelo Decreto n

    16300/23, no Rio de Janeiro, mediante a organizao do Servio de Enfermeiras do

    Departamento Nacional de Sade Pblica (DNSP), ento dirigida por Carlos Chagas e

    posteriormente denominada Escola Anna Nery. Esse ensino tinha como propsito formar

    profissionais que garantissem o saneamento urbano, condies necessrias continuidade do

    comrcio internacional, que se encontrava ameaado pelas epidemias. Essa capacitao,

    conforme Galleguillos e Oliveira (2001), estava a cargo de enfermeiras norte-americanas da

    Fundao Rockefeller, enviadas ao Brasil com o intuito de organizar o servio de enfermagem

    de sade pblica e dirigir uma escola de enfermagem.

    Nos Anos 30, segundo Therrien et al (2008), intensificou-se a criao de escolas de

    enfermagem impondo a necessidade de criao do padro de formao Ana Nery, uma vez

    que a profissionalizao da enfermeira se constituiu em uma prtica homognea em mos de

    agentes diversos, submetidos a treinamentos distintos. Nos anos 40/50 a tnica da

    enfermagem passou a ser hospitalar em detrimento da sade pblica. Os trabalhadores, agora

  • 31

    urbanos, protegidos por sistema de seguridade social, reivindicavam atendimento para todos

    nos hospitais. Nesse sentido a formao de enfermagem era a hospitalar com predomnio da

    aprendizagem tcnica.

    Nos anos 60, com a Reforma Universitria, implantou-se a formao superior em

    enfermagem, o reconhecimento da carreira da enfermeira em seus trs nveis: superior,

    tcnico e auxiliar (LDB 4.024/61). Em 1962, legislao especfica promoveu o ento ensino

    mdio para superior. Objetivava-se a ampliao das funes da enfermeira, alm das funes

    assistenciais, acresciam-se as administrativas e as de docncia. Alm disso, ensino da tcnica

    em si vai dando lugar ao ensino da tcnica com fundamentao cientfica (THERRIEN et al,

    2008).

    Os mesmos autores referem ainda que, comparando os currculos de 1949 e 1962, o

    primeiro surge em uma fase em que prevalecia o esprito poltico supostamente liberal, com

    um capitalismo que ainda comportava a privatizao da sade de forma empresarial,

    privilegiando as enfermidades de massa pelas disciplinas nos currculos que enfocavam a rea

    preventiva. O segundo surge em um momento em que a economia brasileira comea a mostrar

    um processo concentrador de renda, o que leva a preocupao primordial do currculo de

    enfermagem para a formao de profissionais para o trabalho tambm em clnicas

    especializadas. No cenrio de ento se observa a ampliao das instituies de previdncia

    social e crescimento da rea curativa hospitalar.

    Nos anos 70, cenrio de controle dos movimentos sociais, mantm-se a excluso da

    sade pblica do currculo mnimo. Galleguillos e Oliveira (2001) expem que em

    consonncia com o capitalismo favorvel ao consumo desmedido de medicamentos, bem

    como de equipamentos mdico-cirrgicos, fundamentais s empresas de sade, o Parecer do

    Conselho Federal de Enfermagem N 163/72 reformulou o currculo mnimo de Enfermagem,

    criando habilitaes em Sade Pblica, Enfermagem Mdico-Cirrgica e Obstetrcia durante a

    graduao, o que fragilizava ainda mais a formao geral.

    Na dcada de 80 surgiram novas propostas de sade, visando uma melhor organizao

    do sistema, trazendo os pressupostos de equidade, integralidade e universalidade, como

    princpios norteadores das polticas no setor sade, exigindo profissionais com formao

    generalista, capazes de atuar em diferentes nveis de ateno sade. Assim, houve

    discusses entre as entidades de classe, escolas, instituies de sade entre outros acerca da

  • 32

    necessidade de reformulao do currculo de 1972, pois o mesmo no seria mais capaz de

    atender as necessidades impostas pelo setor da sade no Brasil (ITO et al, 2006).

    Nos anos 90/2000 identifica-se mais claramente uma busca de (re) definio das

    funes da enfermeira; visando reconhecimento e autonomia. Uma adequao de currculos s

    novas polticas e sistema de sade vigente, o SUS. Uma busca mais concreta de legitimao

    da enfermeira como profissional independente com atuao nas reas de assistncia, gerncia,

    ensino e pesquisa. O cenrio conta com a concretizao da implantao da nova proposta de

    sistema de sade, SUS, com a municipalizao e distritalizao desse sistema, com maior

    autonomia para os estados e municpios. Observa-se a volta de algumas doenas endmicas

    como a dengue, e no cenrio farmacutico surge a conquista dos genricos. Constata-se ainda

    com o SUS, os processos de implantao e consolidao dos Conselhos de Sade e a presena

    da excluso social e dos danos ambientais (THERRIEN et al, 2008).

    Em todas as mudanas curriculares no ensino de Enfermagem no Brasil, denuncia-se a

    predominncia do modelo mdico/hospitalar no ensino de graduao. A legislao sobre o

    ensino de enfermagem desde a criao da Escola Anna Nery, compreendendo os currculos de

    1923, 1949, 1962 e 1972, revelam que a formao do enfermeiro era centrada no plo

    indivduo/doena/cura e na assistncia hospitalar, seguindo o mercado de trabalho especfico

    de cada poca (ITO et al, 2006).

    3.2 As Leis de Diretrizes e Bases da Educao Nacional e Diretrizes Curriculares

    Nacionais para o Curso de Graduao em Enfermagem

    A Enfermagem brasileira vem discutindo as mudanas na formao da sua fora de

    trabalho desde a dcada de 1970, momento este em que estava sendo organizado o

    Movimento da Reforma Sanitria, o qual apresentou grandes contribuies para a

    reformulao da Constituio Nacional. Nesta fica determinado que o setor sade deva

    organizar-se por meio de um Sistema nico de Sade (SUS) e, para que haja a sua

    implementao, uma das estratgias necessrias para a reorganizao do modelo de ateno

    dever ser a reformulao dos processos de formao dos profissionais (REZENDE et al,

    2006).

    Diante disso, podem-se verificar na histria da formao superior de enfermeiros no

    Brasil, segundo Pinto e Pepe (2007), quatro mudanas curriculares, sem que nenhuma delas

  • 33

    promovesse mudanas significativas na prtica dos profissionais. Considera-se que isso se

    deve ao fato da prtica pedaggica dos formadores de enfermeiros no terem acompanhado as

    mudanas curriculares pretendidas, no que tange aos seus pressupostos filosfico-

    metodolgicos e objetivos, mantendo traos marcantes da prtica pedaggica tradicional. Essa

    prtica perpetua o modelo biomdico-tecnicista que se ope formao do enfermeiro

    requerido pela contemporaneidade.

    Nesse contexto de mudanas, as escolas de Enfermagem, em um movimento de

    apropriao e desenvolvimento dos saberes peculiares, passaram a transmiti-los em escala

    ampliada para a formao dos futuros enfermeiros, com uma constituio curricular inscrita

    na ordem da fragmentao do eixo de formao, no ensino centrado no modelo mdico, na

    dicotomizao de conceitos, especializao precoce, entre outros. Contudo, as necessidades

    de mudanas desse modelo foram discutidas com a Reforma Curricular proposta em 1994,

    como expem De Domenico e Ide (2005).

    Posteriormente, uma nova possibilidade de reestruturao curricular veio com a

    publicao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), em 1996. Nesta lei h

    dispositivos inovadores que buscam flexibilizar o ensino e qualificar suas estruturas,

    incluindo a criao de Comisses de Especialistas da Secretaria de Educao Superior (Sesu),

    institudas pelo Ministrio da Educao e Cultura (MEC) com o intuito de substituir os

    currculos mnimos da formao universitria (BRASIL, 1996).

    Ito et al (2006) referem em virtude da LDB Lei n 9.394 de 20 de dezembro de

    1996, ocorreram inovaes e mudanas na educao nacional, onde prevista uma

    reestruturao dos cursos de graduao, com a extino dos currculos mnimos e a adoo de

    diretrizes curriculares especficas para cada curso.

    Salienta-se que as Leis de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB)

    fundamentam o processo de formao na educao superior por meio do desenvolvimento de

    competncias e habilidades; do aperfeioamento cultural, tcnico e cientfico do cidado; da

    flexibilizao dos currculos; da implementao de Projetos Pedaggicos inovadores, numa

    perspectiva de mudana para a formao profissional. Essas premissas apontam novas

    configuraes para os padres curriculares, at ento vigentes, indicando a necessidade de

    uma reestruturao dos cursos de graduao com mudanas paradigmticas no contexto

    acadmico, direcionando a construo de Diretrizes Curriculares para cada Curso de

    Graduao (BRASIL, 1996).

  • 34

    A partir da LDB, concretizou-se, em 7/8/2001, o Parecer 1133 do CNE/CES, que veio

    reforar a necessidade da articulao entre Educao Superior e Sade, objetivando a

    formao geral e especfica dos egressos/profissionais, com nfase na promoo, preveno,

    recuperao e reabilitao da sade (BRASIL, 2001b).

    A atual LDB oferece s escolas as bases filosficas, conceituais, polticas e

    metodolgicas que devem orientar a elaborao dos projetos pedaggicos. A LDB visa

    formao de profissionais que possam a vir a ser crticos, reflexivos, dinmicos, ativos, diante

    das demandas do mercado de trabalho, apto a aprender a aprender, a assumir os direitos de

    liberdade e cidadania, enfim, compreender as tendncias do mundo atual e as necessidades de

    desenvolvimento do pas (FRANQUEIRO, 2002).

    Aps Parecer que concretizou a nova LDB, foi aprovada a Resoluo CNE/CES N 03

    de 7/11/2001, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduao em

    Enfermagem DCENF (BRASIL, 2001c).

    As DCENF tiveram, de acordo com Fernandes et al (2005), sua materialidade

    concretizada, a partir de propostas que emergiram da mobilizao das (os) enfermeiras (os),

    atravs da sua associao de classe, de entidades educacionais e de setores da sociedade civil

    interessados em defender as mudanas da formao na rea da sade. Elas expressam os

    conceitos originrios dos movimentos por mudanas na educao em enfermagem,

    explicitando a necessidade do compromisso com princpios da Reforma Sanitria Brasileira e

    do Sistema nico de Sade (SUS), como ratificado tambm por Silva et al (2010). Elas

    devem ser apreendidas, destarte, como produto de uma construo social e histrica, trazendo,

    no seu contedo, os posicionamentos da enfermagem brasileira como ponto de partida para as

    mudanas necessrias formao da (o) enfermeira (o); como referncia para que as

    escolas/cursos, no uso de sua autonomia, construam, coletivamente, seus Projetos

    Pedaggicos, respeitando a especificidade regional, local e institucional.

    Destaca-se que as Diretrizes Curriculares norteiam o perfil do formando/egresso

    primando pela tendncia em valorizar os aspectos tico-humanistas na capacitao de

    competncias, nas habilidades gerais e especficas, na perspectiva da integralidade da

    assistncia, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como

    promotor da sade integral do ser humano (ESPERIDIO; MUNARI, 2005)

    Considerando-se a criao DCENF, Santos (2006) refere que os cursos de enfermagem

    do pas passam por reflexes acerca dos seus Projetos Pedaggicos, torna-se necessrio

  • 35

    conhecer e compreender o documento sobre as DCN, como uma prvia para essa

    reestruturao. Dentre os vrios pontos importantes das DCN encontra-se o Art. 3 que diz

    respeito ao perfil do formando, egresso/profissional: Enfermeiro, com formao generalista,

    humanista, crtica e reflexiva. Profissional qualificado para o exerccio de Enfermagem, com

    base no rigor cientfico e intelectual e pautado em princpios ticos. Capaz de conhecer e

    intervir sobre os problemas/situaes de sade-doena mais prevalentes no perfil

    epidemiolgico nacional, com nfase na sua regio de atuao, identificando as dimenses

    biopsicossociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de responsabilidade

    social e compromisso com a cidadania, como promotor da sade integral do ser humano

    (BRASIL, 2001b).

    Segundo Fernandes et al (2005), a busca da implementao de uma mudana para

    adequar a formao profissional diversidade e complexidade do mundo contemporneo

    implica o enfrentamento a desafios, tais como: o afastamento das prticas de ensino centrado

    no professor para as atividades de aprendizagem centradas no aluno; a superao do modelo

    disciplinar fragmentado para a construo de um currculo integrado, em que o eixo da

    formao articula a trade prtica/trabalho/cuidado de enfermagem; a sada da oferta da teoria

    ministrada de forma isolada, antecedendo a prtica, para a articulao teoria/prtica; o

    abandono da concepo de sade como ausncia de doena para a concepo de sade

    enquanto condies de vida; o rompimento da polarizao individual/coletivo e

    biolgico/social para uma considerao de interpenetrao e transversalidade; a mudana da

    concepo de avaliao como processo punitivo para a de avaliao como instrumento de (re)

    definio de paradigmas.

    Essa realidade, por sua vez, vem requerer, das instituies formadoras, a

    implementao de aes de mudanas buscando a reorientao do processo de formao

    voltado para o desenvolvimento de competncias e habilidades, para o exerccio de prticas e

    saberes capazes de darem respostas aos princpios propostos pela Reforma Sanitria e do

    SUS, como expressam Silva et al (2010).

  • 36

    3.3 Formao do enfermeiro: movimentos instituintes e institudos com vistas

    formao para a Ateno Bsica

    Em meados da dcada de 70 o sistema de sade brasileiro entra em crise. Paim (2009)

    menciona que em um estudo censurado pela ditadura militar na V Conferncia Nacional de

    Sade, em 1975, descrevia o sistema de sade brasileiro da poca com seis caractersticas:

    insuficiente; mal distribudo; descoordenado; inadequado; ineficiente; e ineficaz. Certamente

    esse estudo encontrou dificuldades de explicitar mais quatro adjetivos daquele "no sistema":

    autoritrio; centralizado; corrupto; e injusto.

    Em meio a isso surge um movimento social composto por populares, estudantes,

    pesquisadores e profissionais da sade, a Reforma Sanitria. Esta foi um movimento

    imbricado com a perspectiva de reforma social, com a construo de um Estado democrtico,

    para alm de uma reforma setorial. No bastava superar, entre outros, o intenso processo de

    privatizao capitaneado pela medicina previdenciria, a dicotomia curativa-preventiva e o

    corporativismo na sade, que caracterizava o modelo anterior. Aliado reestruturao

    institucional e do processo de trabalho, a partir da redefinio do modelo assistencial, eram

    necessrias mudanas no contedo e na forma de pensar e fazer sade, que se expressa na

    ampliao do conceito de sade, e avanar a conscincia sanitria acerca dos problemas de

    sade, suas causas e as lutas por sua transformao (MATTA, 2008).

    O mesmo autor ainda refere que esse arcabouo conceitual e operacional est na base

    da diretriz que define a participao social no SUS, assim como da mudana na formao

    profissional em sade, entendida como uma condio necessria, mas no suficiente, para a

    transformao das relaes de trabalho, da prestao de servios populao e para a prpria

    participao do trabalhador no planejamento e avaliao das aes dos servios de sade.

    Com vistas a superar o carter alienado da escola e do trabalho em sade no que diz

    respeito aos determinantes sociais do processo sade-doena e da organizao do setor,

    prope-se o aprofundamento da estratgia de integrao ensino-servio, que a formao alie a

    dimenso tcnica e a dimenso poltica, e a construo de um novo compromisso tico-

    poltico dos trabalhadores da sade pautado na questo democrtica, na relao solidria com

    a populao, na defesa do servio pblico e da dignidade humana.

    Por integrao ensino-servio entende-se, de acordo com Albuquerque et al (2008), o

    trabalho coletivo, pactuado e integrado de estudantes e professores dos cursos de formao na

  • 37

    rea da sade com trabalhadores que compem as equipes dos servios de sade, incluindo-se

    os gestores, visando qualidade de ateno sade individual e coletiva, qualidade da

    formao profissional e ao desenvolvimento/satisfao dos trabalhadores dos servios.

    Matsumoto (2010) refere que diante dessas mudanas, novas discusses foram

    surgindo acerca do processo sade-doena e as formas de abord-lo, bem como da educao

    superior, mais especificamente as graduaes da rea da sade, que tambm passavam a

    necessitar de adequaes ao novo modelo de ateno.

    Diante disso, as Instituies de Ensino Superior (IES), em especial nos cursos da rea

    da sade, tm procurado adotar em suas propostas curriculares, a flexibilidade, a

    interdisciplinaridade, a contextualizao, a unicidade da relao teoria-prtica e o respeito aos

    valores ticos, estticos e polticos. Estes aspectos so considerados essenciais na formao de

    profissionais competentes para lidar com os desafios do sculo XXI (SCHERER; SCHERER,

    2012).

    esperado, portanto, que os estudantes sejam preparados para lidar com a

    complexidade do ser humano, o meio em que vivem e viabilizar recursos que possibilitem a

    construo de uma conscincia crtica a respeito do contexto em que eles prprios esto

    inseridos. Nesta perspectiva, a inteno do ensino a de privilegiar abordagens ativas, crtico-

    reflexivas, que permitam a construo de competncia abrangendo aes polticas, ticas e

    tcnicas, valorizando o estudante como ser integral (CLAPIS et al, 2004).

    Com tal propsito, diversas so as mobilizaes significativas que tm sido feitas no

    sentido de se empregar transformaes nos modelos de formao dos profissionais, buscando

    integrar a universidade aos segmentos da sociedade civil e com as comunidades em uma

    parceria que potencialize as alternativas de mudanas pedaggicas, organizativas e de

    interaes institucionais. Essa questo se faz necessria para que a academia demonstre sua

    relevncia no contexto social e para permitir a formao dos estudantes a partir de problemas

    da realidade concreta (SILVA; SENA, 2006).

    Como estratgia potencializadora dessas mobilizaes, segundo Souza e Miyadahira

    (2012), tem-se as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduao em Enfermagem,

    como mencionado anteriormente. Contudo, h o desafio de transpor as exigncias das

    diretrizes curriculares, formando profissionais que superem o domnio terico-prtico exigido

    pelo mercado de trabalho, enquanto agentes inovadores da realidade, inseridos e valorizados

    no mundo de trabalho.

  • 38

    Contudo, s a partir de 2000 que polticas voltadas para a formao em sade e

    relacionadas ao novo modelo de sade comearam a ser efetivamente implantada. Assim,

    buscando o desenvolvimento do SUS e passando a compor o Ministrio da Sade, no ano de

    2003, foi criada a Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade (SGTES), com o

    objetivo de tratar a gesto dos recursos humanos como questo estratgica. Deste modo, esta

    secretaria assumiu a responsabilidade de formular polticas orientadoras da gesto, formao,

    qualificao e regulao dos trabalhadores da sade no Brasil (MATSUMOTO, 2010).

    Esta Secretaria possui duas reas tcnicas: a gesto do trabalho e a gesto da educao

    na sade. Neste estudo foram abordadas apenas as iniciativas relacionadas gesto da

    educao na sade. Assim, o Departamento de Gesto da Educao na Sade (DEGES)

    responsvel pela definio e desenvolvimento de polticas relacionadas formao de pessoal

    da sade, tanto no nvel superior como no nvel tcnico-profissional (BRASIL, 2013a).

    No que se refere Educao Superior, o DEGES busca o aperfeioamento profissional

    e a educao permanente dos trabalhadores da sade, por meio da Coordenao Geral de

    Aes Estratgicas em Educao na Sade, atuando nas seguintes linhas de trabalho

    (BRASIL, 2013a):

    Articulao entre o Ministrio da Sade e o Ministrio da Educao resultando em

    uma ao intersetorial para a formao e o desenvolvimento de recursos humanos para

    a rea da sade;

    Implementao das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduao na

    rea da sade;

    Criao da Rede Multicntrica de Apoio Especializao em Sade da Famlia e

    Comunidade;

    Amplo apoio e financiamento Residncia Mdica no Brasil, como nfase no apoio

    aos Programas de Residncia em Medicina de Famlia e Comunidade;

    Implantao e implementao do Programa de Residncia Multiprofissional em Sade

    da Famlia e Comunidade.

    So estratgias do DEGES na Educao Superior: Programa de Educao pelo

    Trabalho para a Sade (PET-Sade); Pr-Residncia; Programa de Valorizao do

    Profissional da Ateno Bsica (PROVAB); Telessade; Universidade Aberta do SUS (UnA-

    SUS); Projeto de Estgios e Vivncias no SUS (Ver-SUS); e Programa Nacional de

  • 39

    Reorientao da Formao Profissional em Sade (Pr-Sade). Apresentam-se em linhas

    gerais essas estratgias.

    1) Programa de Educao pelo Trabalho para a Sade (PET-Sade): regulamentado

    pela Portaria Interministerial N 421, de 03 de maro de 2010, apresenta suas aes

    direcionadas para o fortalecimento de reas estratgicas para o SUS, de acordo com seus

    princpios e necessidades. Configura-se como uma das estratgias do Pr-Sade;

    2) Pr-Residncia: em 2009 o Ministrio da Sade d incio a uma nova modalidade

    de financiamento de Residncias Mdicas, Multiprofissionais e em rea profissional em

    sade. Com isso, objetiva oferecer condies de sustentabilidade, visando a continuidade das

    aes dos programas de residncia e o consequente aprimoramento da formao de

    especialistas no Brasil;

    3) Programa de Valorizao do Profissional da Ateno Bsica (PROVAB): visa

    estimular a atuao de profissionais na Ateno Bsica em periferias de grandes cidades,

    municpios do interior, ou em reas mais remotas.

    4) Programa Nacional Telessade Brasil: trata-se de uma ao do Programa "Mais

    Sade", foi instituda pela Portaria GM 35/2007, e revogada pela Portaria GM 402/2010. Tem

    por objetivo melhorar a qualidade do atendimento da Ateno Bsica no SUS, integrando

    ensino e servio por meio de ferramentas de tecnologias da informao;

    5) Universidade Aberta do SUS (UnA-SUS): instituda em junho de 2008, a UnA-SUS

    objetiva criar condies para o funcionamento de uma rede colaborativa de instituies

    acadmicas, servios de sade e gesto do SUS, destinada a atender s necessidades de

    formao e educao permanente do SUS.

    6) Projeto de Estgios e Vivncias no SUS (Ver-SUS): faz parte de uma estratgia do

    Ministrio da Sade e do Movimento Estudantil da rea da sade de aproximar os estudantes

    universitrios do setor aos desafios inerentes consolidao do SUS em todo o territrio

    nacional. Representa, tambm, um compromisso do gestor do SUS com a aprendizagem dos

    estudantes que se preparam para este setor. Trata-se de uma ao que propicia aos estudantes

    universitrios dos cursos da sade a conhecer mais de perto o SUS. uma oportunidade de

    vivenciar os desafios, as dificuldades e os avanos deste sistema.

    Vale salientar que o municpio de Sobral conta com um Sistema Sade Escola, no qual

    a Escola de Sade da Famlia Visconde de Sabia atua como importante poltica social, por

    meio de um grupo de trabalho que potencializa a integrao ensino-servio. Soares et al

  • 40

    (2208) apontam que o Sistema Sade Escola de Sobral resultado do esforo empreendido

    por um conjunto de atores que trabalham, colaboram e apoiam-se no interior da rede local de

    sade tendo como premissa a integrao entre servio-ensino e ensino-servio, qualificando o

    processo de gesto participativa e democrtica.

    Em razo do Pr-Sade ser o fundamentador terico deste estudo, alm do principal

    programa direcionado a graduao, adentra-se para um captulo voltado para a aproximao

    desse Programa, bem como dos conceitos por ele utilizados, de modo a construir um mapa

    conceitual a ser utilizado neste estudo.

    3.4 Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade (Pr-

    Sade)

    O modelo de sade centrado na doena e no atendimento vigorou durante muito tempo

    no Brasil. Porm, com a implantao do SUS, h um esforo em reorganizar e incentivar a

    Ateno Bsica como forma de substituio do modelo at ento vigente. Essa mudana,

    orientada pelos princpios da Reforma Sanitria, passou a exigir tambm adequaes das

    polticas de gesto do trabalho e da educao em sade, integrando ensino-servio, de modo

    que os profissionais pudessem estar capacitados para atuao segundo o modelo que estava

    sendo proposto (MATSUMOTO, 2010).

    Este modelo representado principalmente pela Estratgia Sade da Famlia (ESF),

    que busca ampliar a cobertura da populao, assegurando um padro de servios compatvel

    com a melhoria da qualidade de vida, com maior resolubilidade da ateno e garantia de

    acesso aos demais nveis do Sistema de Sade. Contudo, uma srie de desafios permeia essa

    Estratgia: o de constituir-se efetivamente como o primeiro nvel de ateno do SUS; o de

    romper com o modelo hospitalocntrico e privativista; o de caracterizar-se como principal

    porta de entrada do Sistema, articulada com os demais nveis de ateno por meio da

    referncia e contrarreferncia; a ateno da equipe ao cidado, por meio do vnculo e a

    corresponsabilizao do processo sade-doena com a comunidade; e a construo de lugar

    valorizado socialmente para os profissionais que fizerem opo pela Sade da Famlia

    (BRASIL, 2007).

    Assim, em parceria com a Secretaria de Educao Superior (SESU), o Instituto

    Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP/MEC) e o apoio da

  • 41

    Organizao Pan-Americana da Sade (OPAS), foi institudo o Programa Nacional de

    Reorientao da Formao Profissional em Sade (Pr-Sade), cujo objetivo a integrao

    ensino-servio, visando reorientao da formao profissional, assegurando uma abordagem

    integral do processo sade-doena com nfase na Ateno Bsica, promovendo

    transformaes nos processos de gerao de conhecimentos, ensino e aprendizagem e de

    prestao de servios populao (BRASIL, 2009).

    A Portaria Interministerial MS/MEC n 2.101, de 03 de novembro de 2005, instituiu o

    Pr-Sade, que inicialmente contemplava os cursos de graduao das profisses que integram

    a Estratgia de Sade da Famlia, a saber: enfermagem, medicina e odontologia. Com a

    publicao da Portaria Interministerial MS/MEC N 3.019, de 27 de novembro de 2007, o

    programa foi ampliado para os demais cursos de graduao da rea da sade, alm dos cursos

    j contemplados na primeira fase (BRASIL, 2009).

    A perspectiva do programa que os processos de reorientao da formao ocorram

    ao mesmo tempo em diferentes eixos, de modo que haja integrao das instituies de ensino

    superior com o servio pblico de sade, respondendo s necessidades de sade da populao

    na formao dos profissionais, na produo do conhecimento e na prestao de servios,

    colaborando para o fortalecimento do SUS (BRASIL, 2009).

    So propostos trs eixos para desenvolvimento do Pr-Sade, sendo que cada um

    deles apresenta trs vetores especficos. Cada um dos vetores pode ser hierarquizado em

    outros trs estgios, que vo desde uma situao mais tradicional ou conservadora, atribuda

    como estgio I, at o estgio III, momento no qual se alcanam a situao e o objetivo

    desejados, tida como imagem objetivo1. Esses aspectos podem ser visualizados no Quadro 1.

    Quadro 3. Apresentao dos Eixos de desenvolvimento do Pr-Sade.

    EIXO A - ORIENTAO TERICA

    Vetores

    1- Determinantes de

    Sade e Doena

    Imagem

    objetivo

    Estgio III

    Prioriza os determinantes de sade e doena, com adequada

    articulao biolgico-social.

    2 - Pesquisa

    relacionada

    realidade local

    Equilbrio na produo de investigaes sobre as necessidades da

    populao e sobre os aspectos biomdicos/tecnolgicos.

    3 - Ps-graduao e

    Educao

    Permanente

    Articulao com as necessidades assistenciais.

    1 Construo efetiva da integrao ensino-servio, que envolve tanto a ateno bsica quanto os outros nveis de ateno,

    aproveitando amplamente a capacidade instalada da rede de servios, complementada pela utilizao dos servios prprios da IES - hospitais universitrios, ambulatrios especializados, clnicas odontolgicas e outros - funcionalmente integrados ao SUS. A interao recproca entre os gestores dos sistemas educacionais e do SUS permitir a criao das condies reais para o aproveitamento de ambos os sistemas, com melhor qualidade tcnica na ateno e no processo ensino-aprendizagem (BRASIL, 2007).

  • 42

    EIXO B CENRIOS DE PRTICAS

    Vetores

    1 - Interao

    ensino-servio

    Imagem

    objetivo

    Estgio III

    Integra orientao terica com a prtica nos servios pblicos de

    sade, em nvel individual e coletivo.

    2 - Diversificao

    dos cenrios do

    processo de

    aprendizagem

    Atividades clnicas de Ateno Bsica da rede do SUS, Unidades

    Bsicas de sade, Unidades do Programa de Sade da famlia,

    com prioridade ambulatorial, ou em servios prprios da IES que

    subordinam suas centrais de marcao de consulta s

    necessidades locais do SUS. Internato ou equivalente

    desenvolvido em sua totalidade na rede do SUS.

    3 - Articulao dos

    servios

    universitrios com

    o SUS

    Servios prprios completamente integrados ao SUS, sem central

    de marcao de consultas ou de internaes prprias das

    instituies acadmicas. Desenvolvimento de mecanismos

    institucionais de referncia e contra-referncia com a rede do

    SUS.

    EIXO C ORIENTAO PEDAGGICA

    Vetores

    1 - Anlise crtica

    da ateno bsica

    Imagem

    objetivo

    Estgio III

    O processo de ensino-aprendizagem toma como eixo, na etapa

    clnica, anlise crtica da totalidade da experincia da ateno

    sade, com nfase no componente de Ateno Bsica.

    2 - Integrao do

    ciclo bsico/ciclo

    profissional

    Ensino com integrao do ciclo bsico com o profissional ao

    longo de todo o curso. Um dos mtodos orientadores da

    integrao a problematizao.

    3 - Mudana

    metodolgica

    Ensino baseado na problematizao em pequenos grupos,

    ocorrendo em ambientes diversificados com atividades

    estruturadas a partir das necessidades de sade da populao.

    Avaliao formativa e somativa, incluindo todos os aspectos da

    formao do estudante (conhecimentos, atitudes e habilidades).

    Fonte: BRASIL. Ministrio da Sade. Ministrio da Educao. Programa Nacional de Reorientao da

    Formao Profissional em Sade - Pr-Sade. Braslia: Ministrio da Sade, 2007.

    Estes eixos se constituem como direcionalidade do processo de modificaes da

    formao em sade. A descrio apresentada sobre cada um deles um exemplo que orienta a

    necessidade de consider-los como elementos estruturantes da mudana (BRASIL, 2009).

    A partir desses eixos, almeja-se atingir os seguintes objetivos especficos do Pr-

    Sade:

    Reorientar o processo de formao dos profissionais da sade, de modo a oferecer

    sociedade profissionais habilitados para responder s necessidades da populao

    brasileira e operacionalizao do SUS;

    Estabelecer mecanismos de cooperao ente os gestores do SUS e as escolas, visando

    melhoria da qualidade e resolubilidade da ateno prestada ao cidado,

    integrao da rede pblica de servios de sade e formao dos profissionais de

    sade na graduao e na educao permanente;

  • 43

    Incorporar, no processo de formao da rea da sade, a abordagem integral do

    processo sade-doena, da promoo da sade e dos sistemas de referncia e

    contrarreferncia;

    Ampliar a durao da prtica educacional na rede pblica de servios bsicos de

    sade, inclusive com a integrao de servios clnicos da academia no contexto do

    SUS.

    Neste aspecto, a essncia do Pr-Sade a aproximao da academia com os servios

    pblicos de sade, mecanismo essencial para transformar o aprendizado, com base na

    realidade socioeconmica e sanitria da populao brasileira (BRASIL, 2007).

  • 44

    Captulo 4 Metodologia

  • 45

    4 METODOLOGIA: o caminho de voos desbravadores

    H um tempo em que preciso abandonar as roupas usadas, que j tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre

    aos mesmos lugares. o tempo da travessia: e, se no ousarmos faz-la, teremos ficado, para sempre, margem de ns mesmos.

    (Fernando Teixeira de Andrade)

    4.1 Tipo e abordagem do estudo

    Partindo do pressuposto estabelecido por essa pesquisa e tendo como objetivo

    principal analisar a formao do enfermeiro para atuao na Ateno Bsica, no Curso de

    graduao em Enfermagem da Universidade Estadual Vale do Acara (UVA), segundo os

    eixos orientadores do Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em

    Sade (Pr-Sade), adotou-se como estratgia metodolgica um estudo exploratrio-

    descritivo, e documental, com abordagem quanti-qualitativa.

    A pesquisa qualitativa tenta interpretar os fenmenos sociais (interaes,

    comportamentos, etc.) em termos dos sentidos que as pessoas lhes atribuem. Essa abordagem

    significa que, com frequncia, o pesquisador tem que questionar suposies do senso comum

    ou ideias tidas como garantidas (POPE; MAYS, 2009). Com relao pesquisa quantitativa,

    Apolinrio (2011) refere que se trata de uma modalidade de pesquisa na qual variveis

    predeterminadas so mensuradas e expressas numericamente. Nesse sentido, examinar um

    dado objeto sob as perspectivas das duas abordagens possibilitou uma anlise mais completa.

    Gil (2010) define as pesquisas exploratrias como aquelas que apresentam como

    propsito proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torn-lo mais

    explcito ou a construir hipteses. J as pesquisas descritivas tm como objetivo a descrio

    das caractersticas de determinada populao, alm se serem elaboradas com a finalidade de

    identificar possveis relaes entre variveis.

    Sendo assim, as pesquisas exploratrio-descritivas, segundo Gil (2002), visam

    proporcionar uma viso geral de um determinado fato, do tipo aproximativo.

    http://pensador.uol.com.br/autor/fernando_teixeira_de_andrade/

  • 46

    4.2 Unidades de anlise

    Por Unidades de Anlise entende-se expresso mais ampla para sujeito de pesquisa;

    objeto, organismo, conceito ou pessoa que est sendo estudado em uma pesquisa

    (APOLINRIO, 2011). Dessa premissa, adotou-se esse termo no decorrer deste estudo ao se

    referir aos objetos selecionados para anlise, que foram:

    1. Projeto Poltico Pedaggico (PPP), com nfase nos ementrios dos mdulos, e Programa

    Semestral Docente (PSD) e contedos programticos, na proporo entre a carga horria total

    da matriz curricular e o quantitativo previsto para aes formativas para a Ateno Bsica do

    Curso de Enfermagem da UVA;

    2. Discentes que se encontravam, no momento da coleta de dados, no semestre mais avanado

    (nono semestre) do Curso de Enfermagem da UVA ps-implantao do currculo orientado

    pelo Pr-Sade. A escolha pelo semestre mais avanado se justificou pelo fato do currculo

    ainda estar em fase de implementao; ou seja, no haver no momento da coleta dos dados

    egressos do Curso em estudo. Atendendo a este critrio, foram identificados 30 discentes,

    sendo que 27 aceitaram participar do estudo;

    3. Docentes do curso em estudo responsveis pelos mdulos que apresentem no ementrio e

    PSD temas relacionados ao desenvolvimento de competncias Ateno Bsica. Foram

    selecionados 20 docentes, sendo que 13 participaram do estudo; e

    4. Enfermeiros da ateno bsica que atuam como preceptores do Internato da Ateno

    Bsica. Inicialmente foram identificados os Centros de Sade da Famlia (CSF) que tinham

    Internos do Curso de Enfermagem da UVA no perodo correspondente a coleta de dados, que

    totalizaram 10 CSF; nestes foi solicitada a participao na pesquisa junto a 23 enfermeiros

    que estavam acompanhando internos da UVA, sendo que 13 aceitaram participar do estudo.

    Entende-se o PPP como o principal instrumento poltico e tcnico de balizamento para

    orientao da formao de um determinado curso, que deve ser elaborado de forma coletiva

    no mbito da instituio. O PPP uma ao intencional que deve ser definida coletivamente,

    como consequente compromisso coletivo. Assim, denominado de poltico porque reflete as

    opes e escolhas de caminhos e prioridades na formao do cidado, como membro ativo e

    transformador da sociedade. E pedaggico por expressar as atividades pedaggicas e didticas

    que levam a escola a alcanar objetivos educacionais (NBREGA-THERRIEN et al, 2010).

  • 47

    Os mesmos autores ainda expressam que o Projeto deve expressar uma tentativa de

    comunicao, de interao dos aspectos subjetivos e objetivos, de reflexividade e de

    criatividade, cujo desencadeamento depende da iniciativa e envolvimento dos sujeitos

    implicados nesse processo como coletividade em ao. Parte-se, assim, de um processo

    interativo-colaborativo fundamentado na racionalidade e na integrao dos saberes pertinentes

    ao contexto analisado, o que no tarefa simples.

    Com vistas a potencializar a anlise do PPP, foi incorporado coleta o PSD,

    documento no qual constavam: as atividades a serem desenvolvidas pelos docentes nos

    mdulos; a discriminao dos contedos abordados por cada docente; a carga horria total do

    mdulo e de cada contedo ministrado; e o momento de incio e trmino do mdulo.

    A incorporao dos docentes e discentes do Curso de Enfermagem neste estudo partiu

    do pressuposto de que o papel do professor e o do aluno envolve um desafio de ensinar e

    aprender de forma ativa e contextualizada. Ao professor, cabe planejar recursos, orientar e

    acompanhar atividades para promover situaes que possibilitem uma aprendizagem

    significativa e crtica reflexiva. Ao aluno cabe posicionar-se como sujeito ativo e crtico,

    responsvel pela construo de seu prprio conhecimento, desenvolvendo competncias para

    resolver problemas em sua rea de atuao, exercer a sua cidadania e assumir o seu papel

    social na construo de sua realidade (GARANHANI; VALLE, 2012). Denota, portanto,

    consonncia com as diretrizes do Pr-Sade, sendo sujeitos essenciais ao processo de anlise

    do Curso de Enfermagem contemplado no estudo.

    J os enfermeiros que atuam como preceptores no Internato da Ateno Bsica foram

    incorporados ao estudo devido ao fato de os mesmos acompanharem os discentes no

    momento de colocar em prtica os conhecimentos concernentes a Ateno Bsica, e com isso

    incorporar mais indcios se o processo de formao est coerente com o proposto pelo Pr-

    Sade.

    4.3 Perodo e Cenrios do estudo

    O perodo de desenvolvimento deste estudo foi compreendido entre os anos de 2012 e

    2014. Teve como cenrios o Curso de Enfermagem Universidade Estadual Vale do Acara

    (UVA), e a Ateno Bsica, que serve de mbito de prtica dos discentes do Curso de

    Enfermagem desta Universidade; ambos os cenrios localizados na cidade de Sobral-CE.

  • 48

    Sobral, situado na Regio Noroeste do Cear, apresenta, segundo o Instituto Brasileiro

    de Geografia e Estatstica IBGE (BRASIL, 2013), uma rea territorial de 2.122,897 Km2, e

    uma populao estimada em 197.663 habitantes. A referida cidade integra uma rede

    assistencial hierarquizada e regionalizada do Sistema nico de Sade (SUS) no estado do

    Cear, com capacidade instalada para realizao de servios em seus diferentes nveis de

    complexidade, que o faz ser municpio sede para a Microrregional de Sobral e Plo da

    Macrorregio Norte do Cear.

    Apresentam-se os cenrios do estudo:

    O Curso de Enfermagem da Universidade Estadual Vale do Acara (UVA)

    No ano de 1968, por meio do Decreto Municipal N 214 de 23 de outubro, assinado

    pelo prefeito de ento, Jernimo de Medeiros Prado, com a assessoria de Padre Sadoc foi

    criada a Fundao Universidade Vale do Acara-UVA. Tendo como primeiro curso a ser

    reconhecido, a Faculdade de Cincias Contbeis, autorizada pelo Decreto do Presidente

    Emlio Garrastazu Mdici, de N 66.764 de 19 de junho de 1970 e reconhecida pelo Decreto

    N 75.233 de 16 de janeiro de 1975. Em 22 de setembro de 1975 criado pelo Conselho

    Diretor da UVA, o Centro de Pesquisas Histricas e Geogrficas de Sobral. Pelo Decreto N

    68.623 de 17 de maio de 1971 autorizado o funcionamento do Curso de Engenharia

    Operacional. Em 27 de abril de 1972, o Conselho Estadual de Educao emite parecer

    favorvel ao funcionamento da Faculdade de Enfermagem e Obstetrcia (ARAJO, 2005).

    A Faculdade de Enfermagem e Obstetrcia surge a partir de estudo histrico da

    genealogia das famlias de Sobral, realizado pelo Padre Francisco Sadoc de Arajo, que

    identificou inmeros casos de homens que haviam casado por duas, trs e, at quatro vezes.

    Tal fato o levou a entrevistar alguns destes homens sobre o porqu de tantos casamentos. O

    dado de carter epidemiolgico-sanitrio identificado foi que as mulheres morriam em sua

    maioria, de parto. Ao investigar melhor, o referido padre identificou que o motivo de tantos

    bitos devia-se a falta de conhecimento tcnico-cientfico das parteiras leigas. Aps os

    esforos empreendidos junto ao Conselho Diretivo da UVA e ao Conselho Estadual de

    Educao o curso de Enfermagem e Obstetrcia passou h funcionar (UVA, 2002).

    No ano de 1984, a UVA foi estadualizada, por meio de Lei Estadual N 10.033 de 10

    de outubro de 1984, passando a denominao de Universidade Estadual Vale do Acara-

    UVA. A UVA reconhecida pelo Conselho de Educao do Cear por meio do Parecer N

    318/94 de 08/03/1994, homologado pelo Governador Ciro Ferreira Gomes, e sancionado pela

  • 49

    Portaria Ministerial N 821 de 31/05/1994 do Ministrio da Educao e Desporto (UVA,

    2013).

    Atualmente a UVA conta com 19 cursos de graduao: Administrao, Cincias

    Biolgicas, Cincias Contbeis, Cincias da Computao, Cincias da Matemtica, Cincias

    Sociais, Direito, Educao Fsica, Enfermagem, Engenharia Civil, Filosofia, Fsica,

    Geografia, Histria, Letras, Pedagogia, Qumica, Tecnologia em Construo de Edifcios, e

    Zootecnia (UVA, 2013).

    Atualmente, o Curso de Enfermagem da UVA conta com um corpo docente formado

    por 30 professores, destes, quatro so doutores e dos 13 professores com titulao de mestre,

    quatro esto cursando doutorado, atendendo a exigncia da LDB, em seu Artigo 52 quando

    destaca que um tero do corpo docente, pelo menos, deve ter titulao acadmica de mestrado

    ou doutorado. O acesso discente de 35 alunos por semestre, o que permitir uma mdia de

    275 alunos nos 10 semestres letivos do Curso.

    Ateno Bsica Sade do municpio de Sobral-CE

    Por ateno bsica entende-se como um conjunto de aes de sade, no mbito

    individual e coletivo, que abrange a promoo e a proteo da sade, a preveno de agravos,

    o diagnstico, o tratamento, a reabilitao, a reduo de danos e a manuteno da sade com o

    objetivo de desenvolver uma ateno integral que impacte na situao de sade e autonomia

    das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sade das coletividades (BRASIL,

    2012). Depois de conceituada, retratam-se alguns aspectos histricos da Ateno Bsica em

    Sobral-CE.

    At o ano de 1996, Sobral tinha como principal caracterstica um governo municipal

    quase ausente na formulao e execuo das suas polticas pblicas. Esta caracterstica

    perpassava todos os setores da administrao, e de forma bastante acentuada, o da sade.

    Quase toda a rede dos servios assistenciais de sade pertencia a entidades

    filantrpicas, entidades privadas e ao governo estadual. Como o municpio no se apresentava

    habilitado em nenhuma forma de gesto do SUS, o financiamento de sua rede assistencial se

    limitou ao pagamento por contraprestao de servios. At mesmo a oferta de servios mais

  • 50

    especializados era inconstante, variando ao sabor de interesses corporativos e das condies

    pontuais de financiamento, mas nunca a partir de sua realidade epidemiolgica.

    Mesmo os servios ambulatoriais de Ateno Bsica estavam centralizados nos

    hospitais, apresentando baixa cobertura e pouca, ou quase nenhuma resolubilidade. Os Postos

    de Sade municipais estavam quase todos localizados dentro de escolas municipais, dispondo

    geralmente de duas pequenas salas, sem maiores condies de funcionamento.

    Segundo Andrade et al (2004), a construo do Sistema Municipal de Sade de

    Sobral, enquanto um conjunto de servios coordenados por gesto local, com rea geogrfica

    definida e metas para melhoria da situao de sade da populao claramente estabelecidas,

    iniciouse em 1997. O primeiro passo foi a realizao de um diagnstico de sade do

    municpio com base em dados secundrios, logo em seguida, a realizao de um Seminrio de

    Planejamento Estratgico Participativo, organizado pela Secretaria Municipal de

    Desenvolvimento Social e Sade do Municpio (SDSS).

    Durante o Seminrio de Planejamento Estratgico realizado em 1997 foram definidos

    os seguintes objetivos para a organizao do Sistema Municipal de Sade:

    a) Inverso do modelo de ateno sade hospitalocntrico, ento vigente, para um

    modelo baseado na ateno integral sade;

    b) Utilizao da estratgia de promoo da sade no novo modelo, articulando aes

    intersetoriais e privilegiando a ateno primria de sade;

    c) Adoo dos princpios doutrinrios do SUS estabelecidos na Constituio Brasileira

    de 1988;

    d) Estruturao dos servios de Ateno Bsica com base na Estratgia Sade da

    Famlia (ESF).

    Desse modo, o municpio de Sobral-CE implantou, em 1997, a ESF a partir da criao

    de 31 equipes de sade da famlia, cada uma composta por um mdico, um ou dois

    enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitrios de sade, possibilitando a

    cobertura de toda a populao do municpio (FREITAS et al, 2010). De acordo com

    Albuquerque (2010), a ESF surge como importante eixo estruturante na reorganizao dos

    servios de sade, principalmente na ateno bsica, construindo um novo modelo de ateno

    com enfoque na promoo da sade e na preveno de doenas.

  • 51

    Sobral conta, atualmente, com 28 Centros de Sade da Famlia (CSF), sendo 15 na

    zona urbana (sede), e 13 na zona rural (distritos). Do total de CSF, 10 serviam como campo

    de prtica para o Curso de Enfermagem da UVA no momento da coleta de informaes, todos

    localizados na sede do municpio.

    4.4 Referencial metodolgico

    Para conduo dessa investigao utilizou-se como referencial metodolgico a

    Triangulao de Mtodos proposta por Minayo (2005). A escolha se fundamentou na

    premissa de que um mtodo, por si s, no possui elementos mnimos para responder s

    questes que uma investigao especfica suscita. Dessa forma, apresenta como contribuio

    metodolgica a iluminao da realidade sob diversos ngulos, propiciando maior claridade

    terica e permitindo aprofundar uma discusso interdisciplinar de forma interativa e

    intersubjetiva.

    Com tal propsito, torna-se crucial um processo reflexivo, que aponta ser possvel

    exercer uma superao dialtica sobre o objetivismo puro, em funo da riqueza de

    conhecimento que pode ser agregada com a valorizao do significado e da intencionalidade

    dos atos, das relaes e das estruturas sociais. A postura dialtica leva a compreender que

    dados subjetivos (significados, intencionalidade, interao, participao) e dados objetivos

    (indicadores, distribuio de frequncia e outros) so inseparveis e interdependentes. Ela

    permite criar um processo de dissoluo de dicotomias: entre quantitativo e qualitativo; entre

    macro e micro; entre interior e exterior; entre sujeito e objeto. Aspectos esses que acentuam a

    consonncia do referencial com a abordagem que foi utilizada no estudo.

    Ressalta-se que a triangulao de mtodos conserva sua especificidade no dilogo

    inter ou transdisciplinar. Trabalham-se, portanto, de forma dialtica, a integrao dos

    contrrios e a distino entre eles. Ao se juntarem, as especificidades metodolgicas no se

    dissolvem, continuam a existir no trato com questes que exigem uma ou outra abordagem.

    Para atender essa especificidade dialgica, a triangulao conta com alguns princpios

    atualmente trabalhados pelas teorias da auto-organizao e da complexidade e consideradas a

    partir da prpria natureza dos processos sociais. So eles:

  • 52

    a) Causalidade complexa ope-se viso de linearidade entre causa-efeito,

    enfatizando dimenses complexas, incalculveis interaes e i