fonologia da língua portuguesa

11
Fonologia da Língua Portuguesa A linguagem é composta de elementos que são significantes, mas ao mesmo tempo não significam nada. Roman Jakobson 1. Fonética, fonologia e fonema Ao transformar na matéria de que são feitas as palavras, modelando-as e distinguindo-as, o som vocal migra para o mundo da cultura, que é o verdadeiro mundo dos homens, o mundo criado pelos homens e no qual o homem se cria. O estudo fonológico de uma língua engloba duas disciplinas interdependentes: a Fonética e a Fonologia. As duas estudam a 2ª articulação da linguagem, isto é, o plano da expressão, o plano sensível da linguagem. Enquanto a 1ª articulação trabalha com as unidades dotadas de significado – morfemas, palavras e sintagmas – o plano do conteúdo, ou a face abstrata do sgno linguístico . A 2ª articulação, conforme Martinet, considera as unidades de valor apenas distintivo: os fonemas que são as menores unidades sonoras que podemos isolar na cadeia da fala e que servem para distinguir signos. Como os seguimentos fônicos [r] e [t] no exemplo a seguir, cujos valores distintivos distinguem os signos barata e batata. ba[r]ata: ba[t]ata O linguista Courtenay vê o fonema como um som ideal que o falante almeja alcançar no exercício da fala, na qual realiza sons próximos a esse protótipo idealizado. Em Saussure, o fonema é uma unidade da língua e sons são unidades da fala. Os sons da fala são ilimitados: em termos articulatórios e acústicos, podem não ser nunca realizados exatamente iguais, sons que se diferenciam por meras variações fonéticas (fones ou variantes). Já os fonemas são poucos e sempre os mesmos. Os sons são variáveis e os fonemas tendem a ser constantes. Bloomfield definiu o fonema como uma unidade mínima de traço fônico distintivo e indivisível. Segundo Roman Jakobson, o

Upload: thiago-eugenio

Post on 13-Dec-2015

31 views

Category:

Documents


12 download

DESCRIPTION

manual descritivo da fonologia de língua portuguesa

TRANSCRIPT

Page 1: Fonologia Da Língua Portuguesa

Fonologia da Língua Portuguesa

A linguagem é composta de elementos que são significantes, mas ao mesmo tempo não significam nada.

Roman Jakobson1. Fonética, fonologia e fonema

Ao transformar na matéria de que são feitas as palavras, modelando-as e distinguindo-

as, o som vocal migra para o mundo da cultura, que é o verdadeiro mundo dos homens, o

mundo criado pelos homens e no qual o homem se cria.

O estudo fonológico de uma língua engloba duas disciplinas interdependentes: a

Fonética e a Fonologia. As duas estudam a 2ª articulação da linguagem, isto é, o plano da

expressão, o plano sensível da linguagem. Enquanto a 1ª articulação trabalha com as unidades

dotadas de significado – morfemas, palavras e sintagmas – o plano do conteúdo, ou a face

abstrata do sgno linguístico. A 2ª articulação, conforme Martinet, considera as unidades de

valor apenas distintivo: os fonemas que são as menores unidades sonoras que podemos isolar

na cadeia da fala e que servem para distinguir signos. Como os seguimentos fônicos [r] e [t] no

exemplo a seguir, cujos valores distintivos distinguem os signos barata e batata.

ba[r]ata: ba[t]ata

O linguista Courtenay vê o fonema como um som ideal que o falante almeja alcançar

no exercício da fala, na qual realiza sons próximos a esse protótipo idealizado. Em Saussure, o

fonema é uma unidade da língua e sons são unidades da fala. Os sons da fala são ilimitados:

em termos articulatórios e acústicos, podem não ser nunca realizados exatamente iguais, sons

que se diferenciam por meras variações fonéticas (fones ou variantes). Já os fonemas são

poucos e sempre os mesmos. Os sons são variáveis e os fonemas tendem a ser constantes.

Bloomfield definiu o fonema como uma unidade mínima de traço fônico distintivo e

indivisível. Segundo Roman Jakobson, o fonema é a unidade mínima e indivisível da língua,

pois não é suscetível de dissociar-se em unidades menores ou mais simples. Foi ele quem

definiu o fonema como um feixe de traços distintivos, pois são eles unidades opositivas,

relativas e negativas. Finalmente, o fonema é um som que, dentro de um sistema fônico

determinado, tem um valor diferenciador entre dois vocábulos. (Ex.: cela: tela).

Voltando à relação entre Fonética e Fonologia, considera-se que ambas trabalham com

a materialidade acústica do sistema linguístico, entretanto, a realização fônica em si vai

interessar a Fonética, já à Fonologia interessa a oposição dos sons dentro do contexto de uma

língua dada. Enquanto a Fonética estuda os sons como entidades físico-articulatórias isoladas

(fone), a Fonologia irá estudar os sons do ponto de vista funcional como elementos (fonema)

que integram um sistema linguístico determinado. Ou seja, a Fonética é a ciência que trata da

substância da expressão e a fonologia, a forma da expressão.

Page 2: Fonologia Da Língua Portuguesa

A Fonologia estuda as diferenças fônicas intencionais e distintivas que se vinculam a

diferenças de significação. Ela procura estabelecer como os fonemas se relacionam entre si,

como elementos de diferenciação, e quais as condições em que se combinam uns com os

outros para formar morfemas, palavras e frases. Assim, o estudo da função linguística do

fonema, isto é, da estruturação dos sons da fala em um sistema de relações opositivas e

combinatórias para a construção dos signos de uma língua compete a Fonologia.

A Fonologia considera as oposições paradigmáticas. (Ex.: pala: bala: mala: fala: vala:

sala: cala: gala etc.) e as combinações sintagmáticas (Ex.: Roma, amor, mora, ramo etc.). Nas

palavras “pata” e “bata”, por exemplo, a diferença entre os segmentos fônicos /p/ e /b/

constitui uma diferença fonológica, pois corresponde a uma diferença no significado das

palavras. Essa função opositiva entre os fonemas é um dos interesses da Fonologia.

Além das funções opositiva e combinatória, os fonemas exercem a função delimitativa

ou demarcativa, isto é, a realização dos traços prosódicos1 da língua, como a intensidade

(tonicidade), os acentos de altura (tom, entonação) e as pausas. Como pode-se ver, por

exemplo, nas palavras: sabiá, sábia e sabia. Aos traços prosódicos dá-se o nome de fonemas

suprassegmentais e às consoantes e vogais, fonemas segmentais.

Sobre a menor unidade do sistema linguístico, é importante considerar:

O fonema não possui um significado em si, mas um valor distintivo e irredutível; A natureza do fonema não permite que ele seja compreendido isoladamente, fora da

cadeia falada ou da cadeia escrita; Há a necessidade de se reconhecer que entre dois ou mais sons há uma relação de

dependência interna; Somente o fato de que hajam dois elementos engendra uma relação e uma regra; A Fonologia circunscreve as possibilidades e fixa as relações constantes dos fonemas

interdependentes.

2. Alfabeto fonológico e Fonemas da Língua Portuguesa

A representação gráfica de um fonema é feita por meio de um alfabeto fonêmico,

como o Alfabeto Fonêmico da IPA (International Phonetics Association), aqui empregado. Um

fonema é apresentado entre barras (/ /). Uma palavra tal qual é pronunciada, portanto um

fone, ou seja, um som é apresentado entre colchetes ([ ]). Entre barras é a representação da

língua e entre colchetes é a representação da fala, da língua como é falada. O sinal ‘ colocado

antes de uma sílaba indica que ela é acentuada.

Há em português, basicamente, duas espécies de fonemas: vogais e consoantes. Esta

distinção baseia-se em dois critérios: o modo de produzir o som (critério articulatório) e a

situação deles na sílaba (critério combinatório).

1 A Prosódia é a parte dos estudos fonológicos que trata do correto conhecimento da sílaba predominante, chamada sílaba tônica.

Page 3: Fonologia Da Língua Portuguesa

De acordo com o critério articulatório, chamam-se vogais os fonemas em cuja

produção a onda sonora é modificada na cavidade oral sem que haja obstrução à passagem da

corrente de ar proveniente dos pulmões; e chamam consoantes os fonemas que, ao contrário

das vogais, são produzidos mediante alguma obstrução à passagem da corrente de ar.

Do ponto de vista combinatório, as vogais do português são indispensáveis à existência

da sílaba, podendo constituí-la sem a companhia de consoantes; já as consoantes ‘soam com’

as vogais, só ocorrem na sílaba acompanhando-as. Há ainda em português as semivogais, que

possuem as características articulatórias das vogais (passagem livre de ar) e as características

combinatórias das consoantes (acompanham a vogal na sílaba).

3. Grafemas e Fonemas

É importante não confundirmos o plano sonoro da língua – seus sons, fonemas e

sílabas –, percebidos pelo ouvido, com sua representação na escrita, que inclui sinais gráficos

Page 4: Fonologia Da Língua Portuguesa

diversos como letras e traços percebidos pelo olho, os sinais diacríticos (acentos e sinais de

pontuação).2

Acreditar que se possa chegar a um sistema de escrita homogêneo e que reproduza de

forma biunívoca a fala, como solução para problema dos erros ortográficos, é ignorar a

enorme variabilidade do comportamento linguístico e sociocultural.

O ideal seria que cada fonema correspondesse a uma só letra (grafema), e vice-versa,

mas infelizmente não é o que acontece, pois o nosso sistema ortográfico está condicionado à

questões etimológicas, culturais e políticas. Assim, podemos observar na transcrição

fonológica de fonemas portugueses, as seguintes imperfeições:

a) A mesma letra pode representar fonemas diferentes:

exame – ;xale – ; próximo – ; sexo –

cola – ; cela –

b) O mesmo fonema pode ser figurado por letras diferentes:

casa – ; exato – ; cozinha –

c) A letra x pode representar, simultaneamente, dois fonemas, por isso o chamamos de dífano:

taxi –

d) A letra H, às vezes, não representa fonema, mas se mantém em razão da etimologia:

Hotel; Hospital

e) Há pares de letras que representam um único fonema, são os dígrafos.

Consonantais: Chave -; telhado –; exceto –

Vocálicos: Campo -; vento –

4. Comutação

Uma língua comporta um número limitado de fonemas. As relações opositivas e

combinatórias estabelecidas entre os fonemas permitem diferenciar o significado de um

palavra em relação a outra. É pelo método da comutação que se depreendem os fonemas de

uma língua. Basta um traço articulatório diferente para que um som da fala tenha a

potencialidade de modificar uma forma mínima de um vocábulo. As articulações são traços

distintivos de um fonema, e por meio delas se distinguem os fonemas da língua uns dos

outros.

2 Na Gramática Normativa, a parte que trata da correta pronúncia dos fonemas é a Ortoépia ou Ortoepia. A Ortografia, por seu turno, trabalha com grafemas (letras) e com o seu emprego correto – conforme imposições oficiais. A relação entre grafemas e fonemas não é idêntica, por isso os erros ortográficos são frequentes. A escrita não é uma representação fiel da fala, pois, além de questões fonéticas, aspectos etimológicos e culturais contribuem para determinar a maneira como as palavras são grafadas.

Page 5: Fonologia Da Língua Portuguesa

A operação de comutação consiste em substituir num vocábulo uma parte fônica por

outra de maneira a obter outro vocábulo da língua. Por exemplo: taba: tapa; fila: vila; faço:

facho. Às essas duplas de palavras dá-se o nome de par mínimo – dois itens lexicais idênticos

que se diferenciam apenas por um elemento da sequência fônica. Quando a diferença de sons

não acontece em função das relações sintagmáticas entre os fonemas vizinhos, dá-se o nome

de par análogo, por exemplo: cinco: zinco; sumir: zunir; sambar: zombar.

5. Alofones

Um fonema pode variar sua realização. Aos vários sons que realizam um mesmo

fonema, damos o nome de variantes ou alofone.

Ao comentarmos as diferenças fonéticas entre ba[r]ata e ba[t]ata, observamos que a

relação entre [r] e [t] é distintiva. No entanto, se compararmos bara[t]a e [t]ia, verificaremos

que a diferença entre o [t] de barata e o [t] de tia não tem o mesmo valor de diferença entre

[r] e [t]. [t] e [t] são unidades diferentes para a Fonética, pois são sons produzidos

diferentemente, mas não corresponde a elemento distintivos no sistema fonológico do

português, porque não estabelecem oposição entre signos. Isto é, em português, [t] é apenas

“outra pronúncia” e, portanto, um alofone do fonema /t/.

6. Arquifonema e Neuralização

Um arquifonema surge como resultado da neutralização da relação distintiva entre

pares de fonemas. O arquifonema resulta da oposição neutralizada. Por exemplo, em porta –

[‘porta] ~ [poRta] há dois fonemas distintos que não interferem no significado da palavra.

Portanto, há a neutralização do arquifonema /R/. Outro exemplo: luz e ás – os fonemas /z/ e

/s/ são neutralizados, prevalecendo o arquifonema /S/.

Deste modo, para representar a neutralização de fonemas, utiliza-se, na transcrição

fonológica, um arquifonema. Um arquifonema é representado com uma letra maiúscula.

/U/ - neutralização entre /o/ e /u/.

/I/ - neutralização entre /i/ e /e/.

/R/ - neutralização entre // e //.

/S/ - neutralização entre /s/, /z/, //, //

/N/ - neutralização entre /M/ e /N/.

/L/ - neutralização entre /L/ e /u/, que, ao acompanhar vogal em sílaba, é

representado por /w/.

7. Processos Fonológicos

Page 6: Fonologia Da Língua Portuguesa

A língua não é uniforme em seu uso, pois sobre influências geográficas, sociais,

culturais, econômicas e históricas. Essas variações ocorrem, em destaque, no plano sonoro e

envolvem a realização fonética dos fonemas. As alterações provenientes das relações

sintagmáticas recebem o nome de processos fonológicos.

São basicamente três tipos:

1) Alteração da pronúncia de um fonema por influência do contexto fonológico:

2) Perda de uma unidade fonológica;

3) Surgimento de uma nova unidade fonológica.

7.1. Influência do contexto

a) Harmonização vocálica – O som da vogal tônica se impõe ante as demais.

Processo que torna a altura e timbre das vogais médias /e/ e /o/ pretônicas igual à altura e

timbre da vogal da sílaba tônica: peteca, bodoque.

Ocorre quando a vogal tônica é /u/: costura, coruja, veludo

Vogal tônica é /i/ passa à /i/ ou /u/: crescido, mordida.

b) Vocalização – É a passagem de uma consoante à vogal. Realização do /l/ pós-vocálico como

[w]: papel, lençol, sal

c) Palatalização

7.2. Alterações que consistem na perda de uma unidade fonológica

a) Aférese – Perda de um fonema ou sílaba no início do vocábulo.

Estar, torna-se tá, tô, teve, tava, por está, estou, esteve, estava.

b) Apócope – Queda do fonema no final do vocábulo.

Por exemplo a queda do /R/ em verbos no infinitivo. Olhá, dizê, dá, perde, dormi (por

olhar, dizer, dar perder, dormir).

c) Síncope – Queda de um fonema no interior do vocábulo.

Exemplos: xicra, por xícara; fósfro, por fósforo; abobra, por abóbora.

d) Haplologia – É a supressão de uma sílaba em contato com outra idêntica ou foneticamente

muito parecida. Paralepípedo por paralelepípedo.

Há casos já gramaticalizados como vaidoso (vaidade + oso).

7.3. Alterações que consistem no surgimento de uma unidade fonológica

a) Prótese – É o acréscimo de um poema no início de uma palavra. Por exemplo, as palavras de

origem inglesa sport, por esporte, e snob, por esnobe.

Page 7: Fonologia Da Língua Portuguesa

b) Epêntese – É a inserção de um fonema no interior de um vocábulo. Nas palavras advogado,

digno e ritmo, ditas respectivamente como adevogado, diguino, e ritimo.

c) Paragoge – É o acréscimo de um fonema no final da palavra. Por exemplo, o e acrescido ao

final das palavras esnobe e esporte.

d) Metátese – É o deslocamento de fonemas no interior da palavra: tauba, por tábua;

falcudade, por faculdade; vrido, por vidro. A metátese decorre de um perda (síncope)

imediatamente compensada por um acréssimo (epêntese).

Referências

Um fonema pode ser representado por várias letras, assim como uma letra pode representar

vários fonemas.

Fonema /s/ Letra x

Cessão

Seção

Sessão

Essas palavras são homônimas homófonas,

pois têm a mesma pronúncia, mas grafias

diferentes.

Xícara //

Próximo /s/

Exame /z/

Táxi /ks/

Homonímia

Homófona

Homógrafa

Quando formulamos uma regra fonológica, devemos indicar os seguintes elementos: o

que muda (o foco da regra), em que ele se transforma (a mudança estrutural da regra) e em

que situação isso ocorre (o contexto ou descrição estrutural da regra). Podemos ter uma regra

como a seguinte:

A –> B/ C__D. Se a regra se aplica em fronteira de palavra, podemos indicar isso

através da notação #. Exemplo:

Page 8: Fonologia Da Língua Portuguesa

Por exemplo [t] –> [ts]/ ___ [i]

Essa regra nos diz que temos dois alofones [t, ts] em distribuição complementar. A

decisãode qual deles é o fonema se baseia na quantidade de contextos de ocorrência. Assim, o

fonema /t/ é realizado como [ts] diante de [i] e como [t] nos demais contextos.

Alteração influenciadas pelo contexto fonológico

c) harmonização vocálica

d) vocalização

e) palatalização

alterações

Relação letra X som

Há casos em que uma letra corresponde a dois sons diferentes