folha 20-07-2015

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FOLHA 20-07-2015 EDITORIAIS Formação docente O Conselho Nacional de Educação (CNE) editou neste mês uma bem-vinda resolução com vistas a aprimorar a formação em nível superior dos professores brasileiros. O documento define diretrizes curriculares nacionais para os cursos de licenciatura, de formação pedagógica para graduados e de segunda licenciatura. Estabelece, por exemplo, que o tempo mínimo de estudos para quem quiser seguir a carreira docente na educação básica será de 3.200 horas, e não mais de 2.800. Os cursos passarão dos atuais três anos para quatro, com um aspecto alvissareiro: haverá um acréscimo de atividades destinadas a reforçar a experiência do futuro mestre. Verdade que as novas orientações não se aplicarão a todos os professores, já que basta o ensino médio para lecionar até o 4º ano (antiga 3ª série). Ainda assim, dos 2,2 milhões de docentes da educação básica, 76% têm formação superior (cerca de 1,7 milhão); destes, 89% fizeram cursos de licenciatura (aproximadamente 1,5 milhão). Mantida essa proporção, a maioria dos novos docentes encontrará seus alunos com um preparo mais adequado para a realidade das escolas –ao menos é o que se espera. Embora sobejem debates sobre educação, faltam discussões aprofundadas a respeito do que se passa dentro da sala de aula. Docentes, no Brasil, em geral descobrem apenas no exercício do magistério quão difícil é lidar com turmas grandes e heterogêneas, nas quais a indisciplina grassa. Sem recursos técnicos, sofrem para conquistar os alunos –o que talvez ajude a explicar por que se perde tanto tempo para conseguir dar início à aprendizagem. A resolução do CNE ainda aponta o caminho correto ao defender planos de carreira e condições que assegurem jornada de trabalho "com dedicação exclusiva ou tempo integral a ser cumprida em um único estabelecimento", além de reservar um terço da carga horária a atividades pedagógicas extraclasse. Não se trata da primeira medida concebida com o propósito de conduzir o sistema de ensino do Brasil a um patamar mais elevado. O mínimo que se espera é que, ao implantar as novas diretrizes, o Ministério da Educação tenha aprendido com os erros anteriores.

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  • FOLHA 20-07-2015

    EDITORIAIS

    Formao docente

    O Conselho Nacional de Educao (CNE) editou neste ms uma bem-vinda resoluo com vistas a aprimorar a formao em nvel superior dos professores brasileiros.

    O documento define diretrizes curriculares nacionais para os cursos de licenciatura, de formao pedaggica para graduados e de segunda licenciatura.

    Estabelece, por exemplo, que o tempo mnimo de estudos para quem quiser seguir a carreira docente na educao bsica ser de 3.200 horas, e no mais de 2.800. Os cursos passaro dos atuais trs anos para quatro, com um aspecto alvissareiro: haver um acrscimo de atividades destinadas a reforar a experincia do futuro mestre.

    Verdade que as novas orientaes no se aplicaro a todos os professores, j que basta o ensino mdio para lecionar at o 4 ano (antiga 3 srie). Ainda assim, dos 2,2 milhes de docentes da educao bsica, 76% tm formao superior (cerca de 1,7 milho); destes, 89% fizeram cursos de licenciatura (aproximadamente 1,5 milho).

    Mantida essa proporo, a maioria dos novos docentes encontrar seus alunos com um preparo mais adequado para a realidade das escolas ao menos o que se espera.

    Embora sobejem debates sobre educao, faltam discusses aprofundadas a respeito do que se passa dentro da sala de aula.

    Docentes, no Brasil, em geral descobrem apenas no exerccio do magistrio quo difcil lidar com turmas grandes e heterogneas, nas quais a indisciplina grassa. Sem recursos tcnicos, sofrem para conquistar os alunos o que talvez ajude a explicar por que se perde tanto tempo para conseguir dar incio aprendizagem.

    A resoluo do CNE ainda aponta o caminho correto ao defender planos de carreira e condies que assegurem jornada de trabalho "com dedicao exclusiva ou tempo integral a ser cumprida em um nico estabelecimento", alm de reservar um tero da carga horria a atividades pedaggicas extraclasse.

    No se trata da primeira medida concebida com o propsito de conduzir o sistema de ensino do Brasil a um patamar mais elevado. O mnimo que se espera que, ao implantar as novas diretrizes, o Ministrio da Educao tenha aprendido com os erros anteriores.

  • ALVARO COSTA E SILVA

    Saudades do trema

    RIO DE JANEIRO - Em visita a Portugal na semana passada, o ministro Juca Ferreira (Cultura) disse que "talvez tenhamos errado no acordo ortogrfico". a primeira vez que, no primeiro escalo do governo, admite-se publicamente o desacordo.

    Resta saber o que pensa a presidente Dilma Rousseff se que ela, na situao atual, tem l tempo para perder com tais questinculas. O fato que Dilma ainda no deu sua palavra, ou assinatura, final: em janeiro de 2013, um decreto adiou a entrada em vigor da lei, que passar a valer (ou no) a partir de 2016.

    Na prtica, as novas regras ortogrficas j esto em circulao no Brasil desde 2010, quando o Ministrio da Educao ps a carroa frente dos burros e distribuiu livros didticos redigidos com base no acordo. Jornais e editoras haviam sido ainda mais afobados na hora de tirar o acento agudo de "ideia", o trema de "linguia", e abolir o hfen de algumas palavras compostas.

    No mnimo, uma precipitao, pois em Portugal, quela poca, havia resistncia s mudanas, situao que no melhorou com o tempo. L, ao contrrio do aodamento brasileiro, ainda acontece um debate na sociedade. o que pretende fazer aqui o ministro Juca, com "um grande encontro sobre a lngua portuguesa", no qual os protagonistas sero os criadores e no os legisladores ou os acadmicos. "O fortalecimento da lngua tem nos criadores o epicentro", declarou ele ao jornal "Pblico".

    Em 2008, ao publicar a obra-prima "Pornopopia", o escritor Reinaldo Moraes j tinha dado a letra certa: fez com que a primeira edio do romance seguisse, a comear pelo ttulo, as regras anteriores reforma.

    O triste que, enquanto isso, nossos alunos em fase de alfabetizao seguem aprendendo segundo o acordo, e amanh podem ter de desaprender tudo. Fora o mico.

    RICARDO MELO

    Conspirao no entra em recesso

    Nesse clima, bobagem pensar que o recesso parlamentar equivale gua na fervura da crise

    Esta Folha (14/07) noticiou um fato da maior gravidade. Na residncia oficial da Presidncia da Cmara dos Deputados, o chefe da Casa, Eduardo Cunha, dividiu o "breakfast" com o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar

  • Mendes, e o impagvel Paulinho da Fora, do partido Solidariedade. Alm de guloseimas habituais, constou do cardpio nada menos que o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

    Boquirroto como sempre, Gilmar confirmou o debate sobre o assunto. "Ele [Cunha] falou dos problemas de impeachment, esses cenrios todos". Perguntados pela reportagem, Paulinho da Fora e o presidente da Cmara tergiversaram, sem convencer. O texto afirma que o deputado do Solidariedade especulou que a derrubada da presidente (pois disso que se trata) supe um acordo entre Eduardo Cunha, o vice Michel Temer, Renan Calheiros, chefe do Senado, e o presidente do PSDB, Acio Neves.

    Se isto no conspirao, bom tirar a palavra do dicionrio. Que diabo pode representar a reunio entre o terceiro nome da linha de sucesso do Planalto, um ministro da mais alta corte da Justia e um parlamentar adversrio obsessivo do governo os trs para discutir a deposio de uma presidente eleita?

    A qualidade dos interlocutores dissipa dvidas. A capivara geral. O presidente da Cmara, de currculo mais do que suspeito, foi acusado de embolsar milhes de dlares em negociatas. O ministro Gilmar, dono de um pronturio de atitudes controversas, conhecido por travar o fim do financiamento empresarial nas eleies.

    A presena de Paulinho da Fora mostra-se to extica quanto reveladora. Extica porque se desconhece, pelo menos em pblico, qual credencial do insignificante Solidariedade para participar no colquio. A contribuio mais relevante da legenda vem sendo a de responder "impeachment" a qualquer questo do cenrio poltico.

    Reveladora quando se sabe que o ex-sindicalista protagoniza vrios processos e membros do seu grupo esto enrolados at o pescoo na Lava Jato. Detalhe: o partido destacou-se como o nico a soltar nota de solidariedade, sem trocadilho, ao pronunciamento destemperado de Eduardo Cunha aps ser acusado de beneficirio da corrupo. Nem a legenda dele, PMDB, atreveu-se a tanto.

    Nesse clima, nenhum recesso parlamentar coloca tropas em descanso. A coisa bem maior. Na verdade, a conspirao sempre prefere trabalhar sorrelfa. Limites constitucionais, veleidades jurdicas e direitos elementares mais atrapalham do que ajudam num cenrio de vale tudo.

    As denncias contra o ex-presidente Lula trazem novo exemplo. Vo das baixarias das "nove digitais" esgrimidas num documento tucano at acusaes de... ajudar a expandir negcios do Brasil no exterior quando j havia deixado o cargo pblico! Por causa disso, Lula virou alvo de ao estimulada por um procurador notrio pela campanha nas redes sociais contra o PT; e por outro que tem mais de 200 ocorrncias de negligncia no exerccio da funo. J a fundamentao judicial nem zero tiraria em redao de vestibular.

    Quem vai assumir a responsabilidade por tanta irresponsabilidade? A sensao a de um conjunto de foras sem liderana. Sua nica bandeira parece ser

  • Delenda est PT. Em torno dela, cada um opera a seu bel prazer Sergio Moro, Rodrigo Janot, procuradores excitados, Polcia Federal desgovernada, parlamentares paroquiais tudo isso diante de um governo entre atnito e preocupado, mas sem iniciativa face degradao das condies de vida da maioria. Cabe lembrar: nem sempre do caos nasce a ordem.

    JORNALISMO

    Associao repudia deciso da Justia contra reportagem

    DE SO PAULO - A Abraji (Associao Brasileira de Jornalismo Investigativo) repudiou neste domingo (19) a deciso da Justia que barrou a publicao de reportagem da Folha sobre relatrios psicossociais feitos por profissionais da Fundao Casa, que avaliam a situao dos adolescentes internados na instituio.

    Aps ser acionada pela fundao, ligada gesto Geraldo Alckmin (PSDB), a juza Luciana Ribeiro Crocomo decidiu que a divulgao do contedo dos relatrios seria infrao cuja pena pode ir de multa at a apreenso da publicao.

    A Abraji disse que a iniciativa "uma investida contra a liberdade de imprensa e de expresso" e que "a censura prvia a qualquer reportagem que trate do assunto" prejudicial ao direito informao e ao prprio papel do jornalista de fiscalizar o poder pblico pelo respeito ao ECA (Estatuto da Criana e do Adolescente).

    Para o diretor jurdico do Grupo Folha, Orlando Molina, "houve censura, impedindo que a sociedade tenha conhecimento de fatos importantes e de interesse social". " uma afronta liberdade de imprensa, garantida pela Constituio Federal", afirmou.

    CLVIS ROSSI

    Rumo a uma ditadura capitalista

    Perspectiva em Cuba de uma mudana apenas na economia, sem alterao do sistema poltico da ilha

    Por enquanto, a reabertura da embaixada de Cuba nos Estados Unidos e destes em Havana muda apenas as expectativas dos cubanos, e no a vida real.

    Mesmo assim, as expectativas dos cubanos, sempre para o curto prazo, so extremamente realistas, conforme pesquisa publicada recentemente pelo jornal "The Washington Post": 64% esperam que a normalizao de relaes entre os dois vizinhos provoque uma mudana no sistema econmico, mas apenas 37% acreditam que mudar igualmente o sistema poltico.

  • Realista porque mudar a economia ser apenas a continuidade de um processo de abertura gradual que j levou a um crescente nmero de empresas privadas e cooperativas atuando em uma economia ainda esmagadoramente estatal.

    O setor privado e de cooperativas representava 25,3% do PIB em 2012, cinco vezes mais do que a fatia ocupada em 1989.

    absolutamente lgico imaginar que esse crescimento se tornar ainda mais significativo com a normalizao de relaes com os Estados Unidos e, principalmente, com o fim do embargo, que pode demorar, mas inexorvel.

    Se assim na economia, na poltica o contrrio. O mximo que os Estados Unidos imaginam um "processo evolutivo", portanto gradual (e lento).

    o que mostra estudo sobre Cuba preparado pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso, com base em 37 entrevistas com personalidades cubanas, norte-americanas e latino-americanas que estudam ou trabalham com o dossi Cuba.

    A principal concluso, na rea poltica, esta: "No interessa a nenhum dos principais atores internacionais e latino-americanos um colapso traumtico do regime atual. Segundo assessores do presidente Obama, do vice-presidente Biden e diplomatas do Departamento de Estado, o atual regime assegura uma proteo eficaz em uma zona costeira estratgica, que, em caso de um regime instvel, poderia ser controlada pelo crime organizado.

    Como bvio que a instabilidade tampouco interessa aos pases latino-americanos, no parece haver uma fora que empurre na direo da liberalizao poltica.

    O que pode provoc-la, em mdio ou longo prazo, o avano do setor privado na economia e as inevitveis comparaes entre o sucesso dos cubanos que imigraram para os Estados Unidos e as carncias dos que permaneceram.

    Segundo pesquisa recente do Pew Research Center, a renda mdia dos lares cubanos residentes nos Estados Unidos de US$ 38 mil (R$ 120 mil) por ano.

    J cada cubano de Cuba vive com US$ 6.848 (R$ 21.774) por ano (Banco Mundial, 2013).

    claro que essa comparao tem de ser levada com extremo cuidado, porque os cubanos gozam, no prprio pas, de educao e assistncia sade gratuitas, o que no acontece nos Estados Unidos.

    Mas essa vantagem do socialismo no basta para reduzir o desejo dos cubanos da ilha de serem capitalistas ou, mais exatamente, de abrirem um negcio prprio.

    a inteno declarada de 70% deles.

    A abertura de embaixadas ajuda na consecuo do sonho. Resta ver quanto tempo resiste uma ditadura em um sistema crescentemente capitalista.

  • Descasca para mim?

    Mexerica em gomos criou polmica, mas fruta embalada pode ser at mais barata

    ANAS FERNANDESCOLABORAO PARA A FOLHA Na semana passada, uma foto de uma mexerica comercializada sem casca e em gomos em um supermercado no Paran provocou debate nas redes sociais sobre a "gourmetizao" das frutas.

    Preguia, luxo ou praticidade? O fato que comprar a fruta cortada, descascada e embalada nem sempre sai mais caro. Em alguns casos, at mais barato, constatou a Folha em supermercados de So Paulo.

    O preo do quilo do abacaxi pode ser 21,4% superior ao de sua verso fatiada e descascada em uma unidade do Po de Acar. No St Marche, a melancia natural 56% mais cara que a vendida na bandeja. A diferena, segundo o Po de Acar, deve-se negociao com fornecedores. O St Marche no comentou.

    J no caso da mexerica que virou polmica (leia texto nesta pgina), vendida em unidade do Carrefour do Paran, o quilo passa de R$ 2,49, a granel, para R$ 2,89 separada em gomos. A rede, diz, em nota, que crescente "a demanda dos consumidores por convenincia".

    POR QUE MAIS BARATO?

    Paulo Pompilio, vice-presidente da Apas (Associao Paulista de Supermercados), diz que o produto processado tem valor agregado, o que justifica um preo maior, mas o sistema de negociao pode deix-lo mais barato.

    Para Adriano Amui, professor da ESPM-SP, o consumidor costuma rejeitar frutas com cascas manchadas ou feias. "Como s as partes boas do produto so aproveitadas, o varejo poderia cobrar menos, porque est vendendo algo que seria perdido", diz.

    Ele pondera, no entanto, que a mo de obra do servio e a embalagem deveriam tornar o produto mais caro.

    "Pode ser um teste de mercado para criar um hbito de consumo. Se a populao aderir, os preos vo subir."

    Segundo Pompilio, os alimentos processados ainda so um nicho de mercado pequeno, mas vm ganhando espao. No Po de Acar, crescente a demanda por saladas cortadas, frutas picadas e produtos de rotisseria.

    VIDA MODERNA

  • O pblico-alvo so consumidores que moram sozinhos ou em famlias pequenas.

    " o reflexo da vida moderna, as pessoas no tm mais tempo de preparar a comida", afirma Eugenio Foganholo, diretor da Mixxer, consultoria especializada em varejo e bens de consumo.

    Para Marcelo Secemski, diretor da Fruits Express, que entrega frutas em fatias, as bandejas so opes para evitar a perda de produtos com vencimento prximo.

    "Frutas so muito sensveis e perecveis. Pode ter chegado um carregamento de abacaxi grande, por exemplo, e ficar com o produto prejuzo. Eles criam atrativos para o cliente comprar."

    Alm da praticidade, a possibilidade de ver o estado da fruta por dentro pesa na escolha. "O mais importante no correr o risco de estar estragado", diz Foganholo.

    Foi o que pensou o professor aposentado Paulo Vick, 74. "A outra [natural] tem aparncia de fermentada, essa consigo ver que est belssima", disse sobre as bandejas de melo fatiado em sua cesta.

    CRNICAS DE TORONTO

    Se voc est no Canad, faa como os canadenses: v ver um jogo de beisebol MARILIZ PEREIRA JORGEENVIADA ESPECIAL A TORONTO

    Resolvido o mistrio. Achei todo mundo que no est nas arenas do Pan. Neste domingo estavam no Rogers Centre, vendo o jogo de beisebol entre o Blue Jays, de Toronto, e o Rays, de Tampa, nos EUA.

    No, esse texto no sobre o jogo, mas sobre a experincia toda de assistir a partida de um esporte praticamente desconhecido do brasileiro. Foi muito mais divertido do que esperava, mesmo sem entender exatamente o que estava acontecendo em campo.

    OK, a gente sabe que um dos jogadores tem que rebater a bolinha, e, no melhor dos mundos, ela parar l na casa do chapu. Ento, ele passa por todas as bases e faz o home run, que seria o equivalente a um gol de placa.

    Mas o jogo feito de muitas outras regras que explicam porque uma partida pode durar de uma hora e meia at inacreditveis seis horas.

    Se um time muito melhor que o outro, pode liquidar a pendenga rapidamente. Mas se o jogo equilibrado, d para ficar com a bunda quadrada. Isso explica porque h tanta coisa fora do campo. Tem que entreter essa galera.

  • Ir ao estdio ver beisebol, em Toronto, como ir ao Maracan. Mais: um programo para famlia. Vi bebs em carrinhos e vozinhas de cabelo branco e bon do time.

    Cambistas vendiam ingressos mais caros, mas a polcia faz vista grossa ao problema

    Topei com uma entrada exclusiva para pessoas alrgicas a nozes e amendoim.

    H sees onde no permitida a entrada com bebidas alcolicas. So reas indicadas para pais que no queiram um bebum ao lado de seus filhos. Muito civilizado um lugar que respeita pessoas que tm alergia a amendoim e que bebum-free.

    Comprei meu cachorro quente para entrar no clima. Um cachorro-quente muito bom, na medida que um cachorro-quente pode ser bom.

    Dei um Google para tentar entender as regras. O jogo rolando. Canadense vaia, grita, s no vi ningum falando palavro. No vi, mas no significa que no tenha havido.

    Everybody clap your hands! E l estava eu batendo palmas, em p, danando. Make noise. E todo mundo grita. Eu grito. Mais um pouco e j saco que o cara do jogo "Ross" ou Jose Bautista, dominicano, dolo do Toronto Blue Jays. Go, "Ross". E ele no decepcionou.

    No intervalo, segui a horda atrs de um banheiro e de algo pra beber. Domingo, teve vero de novo. Vero de Rio de Janeiro. Desisti ao ver filas enormes para refri, cerveja, sorvete, pizza, pipoca.

    Uma casal aparece no telo. Se beijam. Entram as animadoras de torcida. Nenhuma com o quadrceps maior do que o dos jogadores. Famlias aparecem no telo.

    Acaba o jogo. No percebi que tinha acabado. Comemorao xumbrega. Esperei a horda debandar. O estdio fica meio vazio de gente e cheio de sujeira. Vou ao banheiro. Imundo. Olho no espelho. Suada como no vero carioca. No que, aos 48 do segundo tempo, me senti em pleno Maracan?!

    Viola Lima viola

    Em crise, TV Cultura procura substituto para Inezita Barroso no 'Viola Minha Viola'; Lima Duarte aceita convite aps canal cogitar Srgio Reis e Renato Teixeira

    CHICO FELITTIDE SO PAULO

  • Em meio a uma crise furaco que levou 20% do seu oramento e ceifou ao menos 53 funcionrios, a TV Cultura aposta em um novo velho apresentador para salvar seu carro-chefe: o "Viola Minha Viola" deve ser tocado por Ariclenes Venncio Martins, um mineiro nascido em Sacramento 85 anos atrs, que mora em uma chcara em Indaiatuba (SP), onde faz recitais. E que ficou famoso pela alcunha Lima Duarte.

    "Fui convidado. E aceitei. Vou conversar com a Globo na tera", disse Lima Folha.

    O convite a Duarte quase pe fim a uma dana de quadrilha que se desenrolou nos bastidores da Cultura desde que a cantora Inezita Barroso morreu em maro e o programa passou a ser reprisado: a deciso de quem assumiria uma das maiores audincias do canal h 35 anos no ar, o "Viola" chega a marcar 3 pontos no Ibope em na Grande So Paulo, contra uma mdia de 0,5. Cada ponto equivale a 67 mil casas.

    Outro nome que passou pela diretoria foi Renato Teixeira, 70, o homem que cunhou a eufonia "caipira pirapora". "No chegou at mim. Eu vejo a televiso num trampolim para um novo momento. O 'Viola' passou para a histria, ficou para trs", diz Teixeira.

    Para ele, uma injeo de adrenalina seria ter um apresentador por ano. O cantor e deputado federal Srgio Reis, 75, tambm foi aventado para a vaga, segundo diretores da Cultura. Ele recusou pedidos de entrevista.

    Leonildo Sanches, metade da dupla Leo Canhoto & Robertinho, era o predileto das caravanistas que lotavam a plateia do "Viola". Aos 65 anos, o caula dos elencveis preferiu no comentar a campanha para que assumisse.

    'COISA DO POVO'

    Lima Duarte vai completar 45 anos de contrato com a Globo. Atualmente participa da novela das sete, "I Love Paraispolis" e ganhou fama com personagens de folhetins, como o caipira Sass Mutema, mas j liderou programas musicais.

    Na dcada de 1980, apresentou o "Som Brasil", musical da Globo, com camisa xadrez, colete de camura e o indefectvel bigode escovinha, que subia e descia ao declamar poemas e contar causos. "Foi a gnese do 'Viola'."

    "Estou equipado para isso. Fao um recital que vai de padre Antnio Vieira at Guimares Rosa." Mas camafeus da literatura no so para assustar as massas. "Vai ser coisa do povo daqui pra frente. Era um programa muito simples, temos de pensar maior."

    O presidente da Fundao Anchieta, que mantm a TV Cultura, afirmou "ter ouvido falar das conversas, mas no estar inteirado" da contratao. Ao saber que o prprio Lima havia confirmado a negociao, Marcos Mendona disse: "O Lima um artista com apelo, poderia trazer patrocinadores. No podemos adicionar gastos neste ano. Mas, se viesse com patrocnio, no h por que no."

  • Uma ex-funcionria de Inezita, demitida na quarta (15) com as demais 20 pessoas que trabalhavam no programa, questiona se o projeto de montar uma produo do zero ir vingar: "Equipe custa dinheiro. E esse canal no quer gastar dinheiro. Quer mais botar a viola no saco".

    'Senhor Brasil' celebra, na Sala SP, seus 10 anos

    CHICO FELITTIDE SO PAULO

    O Brasil tem olhos azuis, cabelos brancos penteados para trs e uma voz de trovo que parece se alongar a cada erre, num sotaque do interior. Esse o "Senhor Brasil", no caso, alcunha h dez anos de Rolando Boldrin, 78, desde que ele comeou a apresentar seu programa de msica nacional na TV Cultura.

    O aniversrio ser celebrado com um programa gravado nesta segunda (20) na Sala So Paulo, no centro de SP, e ainda sem data para ir ao ar.

    Boldrin conta que muito pouco mudou nessa dcada, das gravaes no Sesc Pompeia. "Eu no mudo, sou o mesmo. S mudei de canal."

    O programa da Cultura derivado de outro que ele apresentou na Globo no incio da dcada de 1980 (e que tambm teve Lima Duarte no comando), o "Som Brasil".

    "S troquei o nome um pouquinho porque 'Som Brasil' era patrimnio da Globo, seno seria esse at hoje."

    Segundo Boldrin, sua lgica de produo caseira: ele quem escolhe os artistas convidados, de qualquer estilo musical, escreve os causos que conta e decide o que entrar na edio, a partir do material bruto do programa que v em casa, na Granja Viana, onde fica guardado o cenrio da atrao, feito por sua mulher, Patricia Maia.

    "S aceito trabalhar assim. Quem mais faria por mim? Impus meu jeito de trabalhar at na Globo. Queriam botar um roteirista. Eu no quis."

    O paulista afirma que sua equipe no foi lanhada pelos cortes da TV Cultura.

    MUITOS BRASIS

    Questionado sobre o que acha da msica nacional de hoje, o ex-ator diz que "deficitria". Ainda assim, segue recebendo material "muito bom" de todos os cantos.

    "De quantidade e de qualidade, conseguiria fazer cinco programas." Parte das msicas entrou no lbum prprio "Lambendo a Colher", em que cantar msicas menos conhecidas de compositores como Tom Jobim, que nunca tinha gravado.

  • Boldrin no conhecia o som do sertanejo Cristiano Arajo, morto em junho, mas respeita o seu peso. "A comoo por esse menino linda e inacreditvel. Mostra que existem muitos brasis dentro do Brasil. E isso bom", diz o Senhor Brasil.

    'rfos' de Inezita viram da plateia os 1.500 episdios DE SO PAULO

    "Onde o 'Viola' vai, eu vou atrs", diz Santo Portela, 86, com um violozinho no brao. O instrumento ele ganhou de ningum menos que Inezita Barroso, a cantora e folclorista que apresentou o "Viola Minha Viola" por quase 20 anos. Mas, antes mesmo de Inezita ocupar a poltrona de onde comandava o semanal de msica caipira, Portela j estava l.

    Produtores do "Viola" atestam que ele viu todos os programas, desde a estreia, em 1980, com o radialista Moraes Sarmento no comando. "Foram mais de 1.500", diz.

    O aposentado separava um dia por semana s para se dedicar ao show: saa do seu sobrado, em Cidade A. E. Carvalho, na zona leste, e chegava a pegar trs nibus para encontrar Inezita.

    'ERA FAMLIA'

    Outra tiete solitria Dona Belinha, 87, que comeou a frequentar os estdios quando ainda estava na casa dos 50 anos. "Eu era um broto e achei uma forma de me divertir, cantar, danar..."

    Nessas trs dcadas, ela conheceu ao vivo seus dolos, a dupla As Marcianas. Tambm teve oportunidade de ouvir ao vivo a voz de um sem nmero de pares sertanejos. Lembra "com afeto" de Cascatinha e Inhana e Milionrio e Jos Rico. "Eles conversavam, abraavam. Era uma famlia. Agora sou rf. Mas o 'Viola' h de voltar."

    GREGORIO DUVIVIER

    My name is Cunha

    Estou s comeando. Falta fazer muita coisa: reduzir a maioridade penal para oito anos, interveno militar e dar poder para as igrejas

    Voc conhece. Voc confia. Please allow me to introduce myself. My name is Cunha, mas pode me chamar de Cramunho, de Sete-Pele, Coisa-Ruim, Co-Tinhoso, Cabrunco, Gota-Serena, Caralho-de-Asa, Sinteco Gelado. Escrevo porque tem uma garotada por a que est achando que eu vou cair. Mua-ha-h (difcil digitar risada malvola). Meninada, vamos ter uma a aula de histria? Eba. Vamos!

  • Sou muito, mas muito mais antigo do que vocs pensam. Cheguei aqui h uns 500 anos, na primeira chacina de ndios batizada de descobrimento. Lembra dos navios negreiros? My bad. Guerra do Paraguai? Sorry about that. Tiradentes? Eu que esquartejei aquele comuna safado. Cabanagem, Sabinada, Balaiada, Canudos, eu que abafei a badernagem toda. Mua-ha-h.

    A voc me pergunta: "Como saber que voc voc, prncipe das trevas?". Dica: no procurem por um rabo pontudo, chifres, pele vermelha. Esse look muito sculo 12. Dica: a-do-ro um terno cinzo. Com uma gravata azul-beb.

    Tambm no tenho partido, muito menos ideologia. Cuidava da polcia poltica do Vargas ao mesmo tempo em que tocava fogo na favela em nome do Lacerda. 1964? Check. Benrio, Herzog, Paiva, Angel, Chico Mendes, Amarildo? Check, check, check. Carandiru? My fucking idea. Candelria? Me, good old me. Meu nome Legio. Mas no adianta procurar legio no Face. No momento, atendo por outro nome.

    Cansado de ser Sarney, sa do Maranho com a sensao de dever cumprido. Vim para o Rio porque tenho muitos correligionrios (PMDB rules, hehe). Assumi o nome de Cunha abreviao de Cramunho, quem pegar pegou e no planejo sair deste corpo to cedo. A-mo um implante malfeito e uma boca babada.

    Uma dica: estou s comeando neste corpo. Falta fazer muita coisa. Falta reduzir a maioridade penal para oito anos, falta interveno militar, falta poder para as igrejas (sim, sou neopentecostal, b-vio).

    Acho fo-fo quem acha que vou cair. O homem que me nomeou presidente da Telerj, meu muso Fernando Collor, caiu. E eu, nada. Meu compadre PC Farias, que me trouxe para a poltica, caiu. Tomou teco. E eu, nada.

    Filho, como diz o outro: "Mil cairo ao meu lado, 10 mil minha direita, mas eu no serei atingido".

    J protagonizei 20 escndalos de corrupo e no ca. Se vocs acham mesmo que uma miserinha de US$ 5 milhes que vai me derrubar... Vocs definitivamente no me conhecem.

    LUIZ FELIPE POND

    Crente na laje

    Pesadelo: o Congresso tem muito crente! Esses reacionrios vo tomar a Paulista de mim!

    Digamos a verdade: a elite cultural no aprecia muito o povo. Dito de forma direta assim, parece uma insensibilidade perigosa em poca de ofendidos por todos os lados.

  • A vida nunca foi to fcil na maior parte do planeta Terra e nunca houve tanta gente chata e mimada reclamando de tudo. No s a longevidade aumentou nos ltimos anos, a chatice autoconfiante tambm.

    O que elite cultural? Basicamente, estudantes e professores universitrios, escritores, jornalistas, publicitrios, cientistas sociais, filsofos, telogos, historiadores, cientistas, psicanalistas e psiclogos de diversos matizes, mdicos, arquitetos, artistas, fotgrafos-artistas, atores e diretores de teatro, produtores culturais, cineastas, engenheiros (s aqueles casados com psicanalistas), advogados, grandes empresrios e humoristas que se levam muito a srio.

    Ou seja, gente que, para exercer sua funo, deve estudar "mais um pouco" do que a maioria. Est bom como definio? Claro que posso reduzir essa definio, mas no quero ofender ningum, pelo menos no tocante a esta definio.

    E do outro lado desta definio, "o povo", com suas crenas, vises estreitas de mundo e sua laje. Seu banal senso comum sobre a vida. Intelectuais detestam senso comum de quem "cr na famlia" s para dar um exemplo clich, t?

    O povo aquela entidade abstrata que, quando vota em quem achamos certo, cumpriu plenamente com sua soberania na democracia (e alguns at gozam quando falam frases do tipo "o povo decidiu!").

    Mas quando o povo fala alguma coisa com a qual no concordamos, ai, ai, ai!. Ento dizemos: "ignorantes, alienados, mal-educados, reacionrios, crentes!".

    Ou, como num ato de condescendncia, sacamos a hiptese que serve para tudo: falta educao!!

    Do contrrio, eles seriam a favor do aborto, contra a diminuio da maioridade penal, seriam todos ateus (e se fossem religiosos, pelo menos, seriam budistas light, catlicos "da libertao", que gente como "nis", ou do candombl, que religio de oprimido, ento tudo bem).

    E mais: seriam a favor dos gays e associados, no falariam frases idiotas como "vamos defender a famlia". Resumindo a pera: pensariam como ns (assumindo que esse "ns" existe como unanimidade).

    E a vem o pesadelo: o Congresso tem muito crente! Esses reacionrios vo tomar a Paulista de mim!

    Nossa elite intelectual talvez descubra que tem gozado com a prpria voz e com o prprio pensamento h muito tempo. E esqueceu que o mundo no cabe em nossos papos cabea.

    Falando para grupinhos que tomam vinho conosco e que dizem amm a tudo que afirmamos, esquecemos que a maioria das pessoas est preocupada se Jesus est ou no do lado delas. S de pensar numa coisa dessas, alguns

  • coleguinhas querem vomitar. No, o "povo" no cabe nos trs ou quatro autores que temos cultuado.

    O povo, se voc no enche muito o saco dele, fica fazendo o que a elite quer que ele faa: trabalhar, gastar e concordar com o que ensinamos para eles.

    Chega a ser hilria nossa ambivalncia nisso: quando o povo faz algo que cabe em nossa concepo "progressista", o povo soberano e devemos deix-lo "falar" e decidir diretamente. Quando o povo sai com absurdos como votar num "Congresso crente", a no vale.

    Assumimos que se tiver professor suficiente que pensa como ns, o povo vai acordar e concordar com nossas pautas, que s cabem em nosso bolso.

    Na Amrica profunda a educao bastante boa, e, no entanto, nessa mesma Amrica profunda que est o "Bible Belt", o cinturo bblico dos mais religiosos. Logo, a conta no fecha.

    No educao ruim (concordo, a nossa ruim mesmo). apenas o fato de que o povo no pensa como a elite cultural e intelectual (mais seleta ainda!) quer que ele pense. A elite fica nervosinha com isso.

    Queremos que o povo tenha a educao que ns queremos, aquela que "esmagar a infmia" leia-se, a religio, como dizia o iluminismo francs, responsvel por nossa ignorncia com relao ao "povo".

    O Brasil um pas religioso. Bem-vindos ao Brasil que no cabe em nossas crenas.