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Foi-se mais um guerreiro alado Na madrugada do dia 21 de outubro de 2011, mais precisamente às 00h38min, recebi a seguinte mensagem em meu celular: “Freire, seu amigo descansou... se vieres ao enterro, poderias conseguir uma bandeira de Pqdt? Obrigada.” Era uma mensagem da Verinha, a esposa do Jacir de Andrade Ayres, avisando que ele havia findado uma vida de 72 anos repleta de muita luta, muito amor à família, muita abnegação pelas coisas do “ser paraquedista”, e que deixou um exemplo de superação, de destemor. Ele soube muito bem viver, viver para os seus entes queridos, para os amigos e soube aproveitar as oportunidades que lhe faziam feliz. Um dos seus melhores momentos de êxtase era quando vestia o seu macacão de salto, subia em uma aeronave e rompia as nuvens como montado em um cavalo alado para, depois de alguns segundos de encanto e magia, pousar suavemente com seu paraquedas em uma ZL qualquer por este mundão afora. Foram mais de seiscentos saltos, tornando-o um homem maduro e experiente, mas sempre com a felicidade de um guri. Mas, ultimamente, ele travava outro tipo de luta, digladiava-se com unhas e dentes contra uma vilã implacável, uma doença que já tem tirado muita gente de nossa tropa de Pqdts, e isso acabou, aos poucos, afastando-o do nosso convívio, pois sempre que o cobrávamos por essas sentidas ausências, ele respondia que adorava estar com a gente “numa boa”, sem nos trazer preocupação, e sumia quando a doença o pegava de jeito, sem querer repartir a sua angústia conosco. Em 2008, tive uma ótima passagem com o Jacir, quando fomos juntos ao Rio de Janeiro. Fazia 49 anos que ele havia se formado Paraquedista Militar (1959) e ele estava agitado e feliz.

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Page 1: Foi-se um guerreiro€¦  · Web viewNa madrugada do dia 21 de outubro de 2011, mais precisamente às 00h38min, recebi a seguinte mensagem em meu celular: “Freire, seu amigo descansou

Foi-se mais um guerreiro alado

Na madrugada do dia 21 de outubro de 2011, mais precisamente às 00h38min, recebi a seguinte mensagem em meu celular: “Freire, seu amigo descansou... se vieres ao enterro, poderias conseguir uma bandeira de Pqdt? Obrigada.”

Era uma mensagem da Verinha, a esposa do Jacir de Andrade Ayres, avisando que ele havia findado uma vida de 72 anos repleta de muita luta, muito amor à família, muita abnegação pelas coisas do “ser paraquedista”, e que deixou um exemplo de superação, de destemor. Ele soube muito bem viver, viver para os seus entes queridos, para os amigos e soube aproveitar as oportunidades que lhe faziam feliz. Um dos seus melhores momentos de êxtase era quando vestia o seu macacão de salto, subia em uma aeronave e rompia as nuvens como montado em um cavalo alado para, depois de alguns segundos de encanto e magia, pousar suavemente com seu paraquedas em uma ZL qualquer por este mundão afora. Foram mais de seiscentos saltos, tornando-o um homem maduro e experiente, mas sempre com a felicidade de um guri.

Mas, ultimamente, ele travava outro tipo de luta, digladiava-se com unhas e dentes contra uma vilã implacável, uma doença que já tem tirado muita gente de nossa tropa de Pqdts, e isso acabou, aos poucos, afastando-o do nosso convívio, pois sempre que o cobrávamos por essas sentidas ausências, ele respondia que adorava estar com a gente “numa boa”, sem nos trazer preocupação, e sumia quando a doença o pegava de jeito, sem querer repartir a sua angústia conosco.

Em 2008, tive uma ótima passagem com o Jacir, quando fomos juntos ao Rio de Janeiro. Fazia 49 anos que ele havia se formado Paraquedista Militar (1959) e ele estava agitado e feliz.

Em 2009, mais uma demonstração de alegria e vigor: quando muitos veteranos ficaram hospedados juntos em um apartamento em Copacabana, ele nos contagiou com a sua maneira linda de encarar a vida (mal sabíamos que ali seria um dos grandes e derradeiros momentos com ele); fomos para a Lapa, e, entre vários chopes e muito samba, a gente só o tratava de “Coronel”... é muito bom e será sempre muito bom relembrar esses momentos.

No Almanaque Paraquedista, oficialmente o nome do Pqdt 6022 do Turno 59/6 consta como Jacir Aires. Nenhum de nós jamais soube que ele tinha um “Andrade” no meio do nome e que o Aires, na verdade, é “Ayres”, com um charmoso “y”; até nisso a gente pouco sabia da vida dele, pois ele só nos permitia uma aproximação calorosa como irmãos paraquedistas, mas pouquíssimo falava de sua vida, só nos passava as coisas boas, como as experiências dos saltos, a casa na praia, as viagens de moto para a casa do filho em Três Passos, para ele bastava isto e para nós era o suficiente para gostarmos dele tanto assim.

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No dia do seu velório, tinha em sua cabeça a Boina Grená Paraquedista, boina esta que eu fui comprar lá por junho, e lhe dei de presente. O brevê da boina quiçá havia sido comprado para desfilar conosco no 7 de setembro ou para ir ao Rio no final do ano. Mas me enganei, foi comprado para ser usado em seu esquife. Foi cremado com este símbolo maior do Pqdt, fazendo do seu último gesto uma reverência para todos nós. Mesmo após ter dado o seu derradeiro salto para a ZL do Infinito, sob a proteção de São Miguel Arcanjo e sob as ordens do nosso MS Maior, você, Pqdt 6022 Aires, honrou as tradições de nossa Brigada e será Pqdt para sempre, mesmo na eternidade e na saudade de todos nós.

Brasil, Acima de Tudo!Pqdt 30346 Freire

Jacir Ayres, João Alfredo Cantarelli e Sérgio Queiroz

Jacir, no último desfile de sua vida, em 7 de setembro de 2009.