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DIREITO CIVIL PARTE GERAL

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DIREITO CIVILPARTE GERAL

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INTRODUÇÃO À PARTE GERAL

A ESTRUTURA DO CÓDIGO

Em um País, como esclarece Miguel Reale, há duas leis fundamentais: a Constituição e o Código Civil. A primeira estabelece a estrutura e as atribuições do Estado em função do ser humano e da sociedade civil. A segunda se refere à pessoa humana e à sociedade civil como tais, abrangendo suas atividades essenciais.

O Código Civil atual é dividido em seis partes:a. Parte Geral – elaborada por José Carlos Moreira Alves.b. Direito das Obrigações – elaborada por Agostinho de Arruda Alvim.c. Direito de Empresa – elaborada por Sylvio Marcondes.d. Direito das Coisas – elaborada por Ebert Vianna Chamoun.e. Direito de Família – elaborada por Clóvis do Couto e Silva.f. Direito das Sucessões – elaborada por Torquato Castro.O eminente jurista Miguel Reale foi o coordenador-geral e o responsável pela codificação. O

Projeto do Código Civil foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 1994, figurando como relator-geral o saudoso Deputado Ernani Satyro. Em novembro de 1997, o Projeto foi aprovado pelo Senado Federal, com base no parecer final do relator-geral, Senador Josaphat Marinho, com 332 emendas.

Dentre as inovações do Código em vigor, destaca-se a unidade do Direito das Obrigações, justificada pelo fato de o Código Comercial de 1850 se tornar completamente superado. O novo Código Civil, em seguida ao Direito das Obrigações, introduz uma parte nova, que é o Direito de Empresa. A idéia, preconizada pelo jurista Caio Mário da Silva Pereira, de elaborar um Código das Obrigações separado do Código Civil, foi rejeitada, mantendo-se a unidade da codificação.

PRINCÍPIOS

São três os princípios norteadores do Código Civil de 2002, a saber:a. Princípio da Socialidade;b. Princípio da Eticidade; ec. Princípio da Operabilidade.O Princípio da Socialidade consiste na prevalência dos interesses coletivos sobre os

individuais. Aludido princípio se opõe ao sentido individualista que motivou o Código Civil anterior. Dessa forma, surgiu um novo conceito de posse, a posse-trabalho, reduzindo-se o prazo de usucapião, se o possuidor instalar no imóvel a sua moradia ou realizar investimentos de interesse social e econômico.

O Princípio da Eticidade é o que confere maior poder ao Juiz para decidir o caso concreto, não só suprindo as lacunas da lei, mas também resolvendo os litígios com base na eqüidade, quando autorizado pelo ordenamento jurídico, ou quando a norma expressa for deficiente ou inajustável para o caso concreto. No novo Código, nem tudo se resolve por meio de preceitos normativos expressos, pois são fartas as referências à eqüidade, à boa-fé, à justa causa e demais critérios éticos. O grande número de hipóteses em que a decisão deve se basear em critérios ético-jurídicos amplia, em nome de uma solução mais justa ou eqüitativa, os poderes do magistrado. Como esclarece Miguel Reale, no novo Código não prevalece a crença na plenitude hermética do Direito Positivo, sendo reconhecida a imprescindível eticidade do ordenamento. Nesse sentido, é posto o Princípio do Equilíbrio Econômico dos Contratos como base ética de todo Direito Obrigacional.

Finalmente, o Princípio da Operabilidade consiste no fato de estabelecer soluções normativas de modo a facilitar a interpretação e a aplicação do direito, eliminando-se, por exemplo, as dúvidas hermenêuticas que persistiam no Código anterior, como a polêmica distinção entre prescrição e decadência. De fato, o Código atual enumera, na Parte Geral, os casos de prescrição, inserindo as hipóteses de decadência em conexão com a disposição normativa que as estabelece.

DAS PESSOAS

DAS PESSOAS NATURAIS

OS SUJEITOS DE DIREITO. CONCEITO. ESPÉCIES

Sujeito de direito é o ente referido pela norma jurídica como sendo o titular ou o possível titular de direitos e obrigações. Como ensina Fábio Ulhoa Coelho, “sujeito de direito é o centro de imputação de direitos e obrigações referidos em normas jurídicas”.

Saliente-se, desde logo, que nem todo sujeito de direito é pessoa, embora a maioria da doutrina utilize as expressões como sinônimas.

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Considerando-se que direito subjetivo é o poder de agir atribuído a um sujeito ou titular, força convir, como assevera Washington de Barros Monteiro, que, presente determinado direito, há de existir forçosamente um sujeito que lhe tenha a titularidade.

Modernamente, entende-se que esse sujeito pode ser de duas categorias: personalizados e despersonalizados.

Os sujeitos personalizados são os dotados de personalidade jurídica. Significa que podem praticar a maioria dos atos e negócios jurídicos. Esses sujeitos são: a pessoa física e a pessoa jurídica.

Os sujeitos despersonalizados, por sua vez, como revela Fábio Ulhoa Coelho, “podem praticar apenas os atos inerentes à sua finalidade (se possuírem uma) ou para os quais estejam especificamente autorizados”. Esses sujeitos são: o nascituro e as chamadas quase pessoas jurídicas (espólio, massa falida, herança jacente, condomínio edilício e pessoa jurídica sem registro). Esses entes não desfrutam de personalidade jurídica, mas, como veremos, podem figurar em algumas relações jurídicas.

PESSOA. CONCEITO. ESPÉCIES

Pessoa, na acepção jurídica, é o titular de direitos e obrigações. Nesse sentido, pessoa é espécie do gênero sujeito de direito ou sujeito da relação jurídica. É, pois, o único ente dotado de personalidade jurídica.

Duas são as espécies de pessoas:a. pessoa natural ou pessoa física: é o ser humano.b. pessoa jurídica ou pessoa moral ou pessoa coletiva: organizações que visam à realização

de um certo interesse.

PERSONALIDADE JURÍDICA

CONCEITO

Personalidade jurídica é a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações.Tanto a pessoa física quanto a pessoa jurídica são dotadas dessa personalidade.No tocante à pessoa natural, a personalidade emana do simples nascimento com vida, ao

passo que a pessoa jurídica de direito privado só a adquire a partir do registro do seu ato constitutivo no Cartório competente. Assim, o registro da pessoa humana é meramente declaratório, ao passo que o da pessoa jurídica é constitutivo.

Dispõe o art. 1.º do CC que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Portanto, não existe, no Brasil, ser humano destituído de personalidade jurídica, esta é inerente à natureza humana.

Quanto aos apátridas, que não pertencem a Estado algum, também desfrutam de personalidade jurídica. Igualmente os estrangeiros e os doentes mentais. No Brasil, cumpre observar que, ao tempo da escravatura, os escravos não eram pessoas, equiparavam-se às coisas.

Quanto aos animais, não são pessoas. Por conseqüência, não podem adquirir direitos e obrigações. Igualmente, as almas e santos.

Nulos são, portanto, os contratos e testamentos em favor desses seres. Início da personalidade O início da personalidade jurídica varia conforme se trate de pessoa

física ou de pessoa jurídica.A personalidade civil da pessoa física começa a partir do nascimento com vida (art. 2.º do

CC). Como se vê, o nosso Código acolheu a teoria natalista, que exige, para a aquisição da personalidade, o nascimento com vida, desvencilhando-se da teoria da concepção, que defende o início da personalidade desde a concepção, e da teoria da viabilidade, adotada na França, que condiciona o início da personalidade à existência fisiológica de vida, isto é, de órgãos essenciais ao corpo humano.

Saliente-se, porém, que a personalidade é regida pela lei do domicílio, conforme preceitua o art. 7.º da LICC. Portanto, tratando-se de mulher grávida domiciliada fora do Brasil, torna-se perfeitamente possível a adoção da teoria da concepção, que atribui personalidade ao nascituro desde a concepção, se essa doutrina for a abraçada no país de origem. Da mesma forma, poderá ser acolhida, nesse caso, a teoria da viabilidade.

Como vimos, adotou o nosso legislador a teoria da natalidade: a personalidade começa a partir do nascimento com vida.

Discorrendo sobre o assunto, Washington de Barros Monteiro assevera: “Para que ocorra o fato do nascimento, ponto de partida da personalidade, preciso será que a criança se separe completamente do ventre materno. Ainda não terá nascido enquanto a este permanecer ligada pelo cordão umbilical. Não importa que o parto tenha sido natural, ou haja exigido intervenção cirúrgica. Não importa, outrossim, tenha sido a termo ou fora de tempo”. No tocante à ruptura do cordão umbilical, cremos não ser necessária, pois, como assevera Clóvis Beviláqua, para que o nascimento com vida se perfaça basta que a

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criança respire o ar atmosférico, razão pela qual também torna-se dispensável a separação completa do ventre materno.

É insuficiente, contudo, o nascimento; urge ainda que a criança tenha nascido com vida para que se lhe reconheça a personalidade.

Sobre a prova do nascimento com vida, cumpre mencionar a docimasia hidrostática de Galeno, segundo a qual os pulmões do recém-nascido são colocados num recipiente d’água: se sobrenadarem é porque respirou, nascendo com vida; o que não sucede com os pulmões que não respiram.

Acrescente-se, porém, que viver é respirar, de modo que a prova dessa respiração pode ser suprida por testemunhas que presenciaram os vagidos e movimentos da criança.

No Brasil, para a aquisição da personalidade, pouco importa o tempo de vida. Portanto, desde que tenha respirado, serão necessários dois registros: o de nascimento e o de óbito. Se, ao revés, não houver respirado, lavrar-se-á apenas o registro de óbito do nascituro, sendo vedado o registro do nascimento diante do fato de não ter sido pessoa.

Não se exige também o formato humano. Basta que promane do ventre materno. Se, ao revés, for dotado de caracteres humanos, mas não emanar de mulher, não será considerado pessoa.

No concernente ao início da personalidade das pessoas jurídicas de direito privado, dispõem os arts. 45 e 985 do CC que tal fato ocorre com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro.

As sociedades simples estão no livro do direito de empresa, mas devem ser registradas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (art. 998 do CC).

Assim, as sociedades, associações, fundações, organizações religiosas e partidos políticos adquirem personalidade jurídica a partir da inscrição de seus atos constitutivos no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. As sociedades empresárias devem ser inscritas na Junta Comercial.

No concernente à personalidade das pessoas jurídicas de direito público, como, por exemplo, autarquias, emana diretamente da lei que as criou.

Conteúdo da personalidadeCom relação ao conteúdo da personalidade jurídica, cumpre mencionar que implica na

admissibilidade para prática dos atos e negócios jurídicos em geral. Essa amplitude, contudo, é restrita à personalidade das pessoas naturais e das pessoas jurídicas de direito privado (sociedade, associação, fundação, organização religiosa e partido político), às quais se aplicam o princípio da legalidade, previsto no art. 5.º, II, da CF, que as autoriza a praticar quaisquer atos ou negócios jurídicos não proibidos por lei.

O que não é proibido é permitido. Assim, uma sociedade, por exemplo, pode comprar uma fazenda de gado. O nosso Código afastou-se da teoria da ultra vires, que manda invalidar os negócios jurídicos estranhos ao objeto social da pessoa jurídica. O tema, porém, não é pacífico; alguns juristas, com base no art. 1.015, parágrafo único, inciso III, do CC, sustentam que teria sido adotada a teoria da ultra vires. Discordamos dessa exegese, porque o aludido dispositivo não proíbe a prática de atos estranhos ao objeto social, mas apenas o excesso em relação às operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade.

Por outro lado, a personalidade das pessoas jurídicas de direito público é mais restrita, porque em relação a elas o princípio da legalidade apresenta outro sentido. Com efeito, no âmbito do direito público, o princípio da legalidade significa que o administrador só pode praticar os atos administrativos autorizados por lei. Se a lei não autoriza é porque é proibido.

Fim da personalidadeA existência da pessoa natural termina com a morte (art. 6.º, primeira parte, do CC).A morte pode ser: real, presumida ou ficta. A morte real é a que pressupõe a existência do cadáver. É atestada pelo médico. Se não

houver médico, será atestada por duas pessoas que tiverem presenciado ou verificado o fato (art. 77 da Lei 6.015/1973). Com base no atestado de óbito, o Cartório de Registro Civil lavra o registro de óbito, e, em seguida, expede a respectiva certidão de óbito.

Modernamente, prevalece o entendimento de que a verdadeira morte é a cerebral do tipo encefálica, revelada pela ausência de impulsos cerebrais (linha reta no eletroencefalograma, art. 3.º, § 1.º, da Lei 9.434/1997 e Resolução CFM n. 1.480/97), pois a morte clínica, isto é, a cessação das funções circulatórias e respiratórias, por si só, é insuficiente.

A morte presumida, por sua vez, ocorre quando, a despeito de o cadáver não ser encontrado, há um juízo de probabilidade acerca de sua ocorrência, apurada por meio do silogismo lógico. Pode verificar-se em duas

hipóteses: a. se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida (art. 7.º, I, do

CC). O art. 88 da Lei 6.015/1973 contém preceito similar, pois também presume a morte de uma pessoa desaparecida em catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar o cadáver para exame. No Código Civil de 2002, não se exige o desaparecimento em catástrofe, isto é, em um grande acontecimento, bastando dois requisitos: o perigo de vida e a probabilidade da morte.

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b. se alguém desaparecido em campanha ou feito prisioneiro não for encontrado até dois anos após o término da guerra (art. 7.º, II, do CC).

Enquanto na hipótese anterior a probabilidade da morte é extrema, na hipótese em apreço a morte também é provável, mas não de forma extrema, razão pela qual é necessário o decurso de dois anos após o término da guerra. Anote-se que, antes desse prazo, a morte não pode ser declarada, ao passo que na hipótese anterior esse prazo não é exigido.

Nessas hipóteses de morte presumida, a medida cabível é a ação de justificação de óbito e não a ação declaratória de ausência. O juiz prolatará sentença declaratória de morte presumida, fixando a data do falecimento. A declaração de morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento (parágrafo único do art. 7.º do CC).

Outro caso de morte presumida é o previsto na Lei 9.140/1995, referente às pessoas desaparecidas no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, acusadas de participar de atividades políticas.

Essas pessoas, cujos nomes são elencados pela aludida lei, são reconhecidas como mortas, independentemente de sentença. O legislador as declarou mortas.

Quanto aos militantes políticos desaparecidos, cujos nomes a lei não menciona, urge que o interessado proponha a ação declaratória de morte presumida, com base na Lei 6.683/1979, adotando-se o rito sumário. Entretanto, a Lei 10.875/2004, que alterou a Lei 9.140/1995, dispõe que se o Anexo da Lei não mencionar o nome de uma pessoa, a Comissão Especial, mediante requerimento do interessado, poderá reconhecera condição de anistiado.

Por outro lado, a morte ficta, como veremos adiante, é a que se verifica com a sentença definitiva de ausência, prolatada depois de dez anos do trânsito em julgado da sentença que concedeu a abertura da sucessão provisória. Na ausência, há apenas uma suspeita de morte e não propriamente uma probabilidade. A medida cabível é a ação declaratória de ausência, e não a ação de justificação de óbito.

Finalmente, a morte civil, consistente na perda da personalidade durante a vida, correspondente a capitis diminitio máxima do direito romano, não encontra guarida em nosso ordenamento jurídico, pois a personalidade é irrenunciável. Há, porém, um resquício de morte civil em relação ao herdeiro excluído por indignidade, que, para o fim de herança, é considerado morto, tanto que os seus descendentes herdam em seu lugar, por representação. Outro resquício de morte civil ocorre em relação ao militar declarado indigno do oficialato, ou com ele incompatível, pois perderá o seu posto e a respectiva patente, ressalvado à sua família o direito à percepção das suas pensões, como se houvesse falecido (art. 142, § 3.º, VI, da CF/88 e Decreto-lei 3.038/1941, art. 7.º).

COMORIÊNCIA

Comoriência é a morte de duas ou mais pessoas, na mesma ocasião, sendo elas herdeiras entre si. Em não se apurando a ordem cronológica dos óbitos, o art. 8.º do CC presume a comoriência, independentemente de sexo, idade ou estado civil, considerando-os simultaneamente mortos.

Assim, enquanto a premoriência, isto é, a morte precedente, e a pós-moriência, isto é, a morte subseqüente, devem ser comprovadas, a comoriência é presumida. Na dúvida sobre quem tenha falecido primeiro, o Código presume o falecimento conjunto.

O efeito da comoriência é o seguinte: os comorientes não herdam entre si. Não haverá transmissão de bens entre os comorientes.

Imagine, por exemplo, um casal sem descendentes e ascendentes, em que o único herdeiro do marido, além da sua esposa, seja um primo, e, por sua vez, a única herdeira da varoa, além do marido, seja a sua irmã. Se o casal falece no mesmo evento, podem ocorrer as seguintes situações:

a. apura-se que o marido pré-morreu à esposa. Esta recolhe a herança daquele, transmitindo em seguida à sua irmã. Haverá dois fatos geradores do imposto causa mortis.

b. apura-se que a mulher pré-morreu ao marido. Este recolhe a herança daquela, transmitindo em seguida ao seu primo. Igualmente, incidirão dois impostos causa mortis.

c. não se apura quem morreu primeiro. Nesse caso, presume-se a comoriência, sendo certo que os comorientes não herdarão entre si.

Assim, a herança do marido será transmitida para seu primo; a herança da esposa, para a sua irmã. Em cada herança, incidirá um único imposto causa mortis.

QUASE PESSOA JURÍDICA

Ao lado da pessoa natural e da pessoa jurídica há um ente intermediário que pode figurar em algumas relações jurídicas. É a chamada quase pessoa jurídica ou ente despersonalizado.

Com efeito, trata-se de determinados patrimônios especiais ou órgãos públicos que, conquanto destituídos de personalidade jurídica, titularizam alguns direitos e obrigações. Não podem ser reduzidos à coisa nem alçados ao status de pessoas.

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Esses entes despersonalizados são de duas ordens:a. patrimônios especiais: assemelham-se às pessoas jurídicas de direito privado, mas não

se revestem dessa natureza jurídica, pois não constam no rol do art. 44 do CC. É o caso do espólio, massa falida, herança jacente, condomínio edilício e pessoa jurídica sem registro. Esses entes têm legitimação ad processum, pois podem ser autor e réu nas ações patrimoniais (art. 12, incisos III, IV, V, VII e IX, do CPC), mas não desfrutam de capacidade aquisitiva. Com efeito, não podem adquirir bens, figurando, por exemplo, como beneficiários de um contrato de doação ou então em testamento, porquanto não gozam de personalidade jurídica, inviabilizando-se, destarte, o registro do imóvel alienado. Abre-se uma exceção ao condomínio edilício, pois o § 3.º do art. 63 da Lei 4.591/1964 permite-lhe a adjudicação da unidade do adquirente remisso. O aludido dispositivo legal só permite essa adjudicação na fase de construção, atribuindo direito de preferência ao condomínio nas vinte e quatro horas seguintes à realização da segunda praça. No Estado de São Paulo, contudo, o magistrado Venício Antonio de Paula Salles, titular da 1.ª Vara de Registros Públicos da Capital, conferiu ao condomínio o poder de adjudicação ou arrematação de bem imóvel em execução movida em face de condômino por não pagamento da taxa condominial, mesmo após o término da construção. Acrescente-se ainda que o espólio pode alienar bens com autorização judicial, por força do art. 992, I, do CPC. Igualmente, a massa falida. Não podem, porém, figurar como adquirentes de bens, pois, como frisado, não desfrutam de personalidade jurídica.

b. órgãos públicos: são os componentes de uma pessoa política, isto é, da União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal. Exemplos: Câmara dos Vereadores, Assembléia Legislativa, Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Secretarias de Governo etc. Esses entes podem, porém, impetrar mandado de segurança para a defesa de suas atribuições institucionais, por força do art. 5.º, LXIX, da CF. A Mesa do Senado e a Mesa da Câmara dos Deputados ainda podem mover a ação direta de inconstitucionalidade, conforme preceitua o art. 103, II e III, da CF. O Ministério Público, como é sabido, pode propor as ações penais públicas e ações civis para defesa de interesses individuais indisponíveis, difusos ou coletivos. Afora essas exceções, nenhuma outra ação pode ser ajuizada por esses entes. Jamais poderão figurar no pólo passivo de uma relação processual, sob pena de carência de ação, salvo quando se tratar de mandado de segurança ou habeas data. Não se pode, por exemplo, mover ação trabalhista contra a Câmara dos Vereadores nem ação de indenização contra o Tribunal de Justiça ou o Ministério Público. Também não se pode vender ou doar bens a esses órgãos, pois, não sendo eles pessoas, inviabiliza-se o registro do bem.

NASCITURO

A lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2.º do CC). O nascituro é pessoa condicional, pois a aquisição da personalidade depende do nascimento com vida. A rigor, o nascituro, à exceção do direito de nascer, não tem direito adquirido, mas apenas expectativas de direitos (direito in fieri).

Todavia, o nascituro pode figurar em algumas relações jurídicas, a saber:a. a doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal (art. 542 do

CC);b. o testamento pode ser feito em favor de nascituro (art. 1.798 do CC); c. o nascituro pode ser reconhecido pelos pais (parágrafo único do art. 1.609 do CC).Esses três atos mencionados acima só produzirão efeitos se sobrevier o nascimento com

vida. Tratando-se de natimorto, opera-se a caducidade desses atos, porquanto elaborados sob condição suspensiva.

Não se pode, a propósito, vender bens para o nascituro, porque as hipóteses previstas no Código Civil relativas a direitos do nascituro são exaustivas, não os equiparando em tudo ao já nascido. O nascituro é representado pelos pais. Dar-se-á, porém, curador ao nascituro se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo esta o poder familiar (art. 1.779 do CC). Se a mulher é capaz, ela mesma exerce o poder familiar sobre o nascituro; nesse caso, não há falar-se em nomeação de curador. Se a mulher estiver interditada seu curador será também curador do nascituro, por força do instituto da curatela prorrogada (art. 1.779, parágrafo único, do CC).

Portanto, dá-se curador ao nascituro apenas quando presentes três requisitos:a. que o pai faleça estando grávida a mulher;b. que esta não tenha o poder familiar;c. que ela ainda não esteja interditada.O interesse em se nomear curador ao nascituro ocorre quando houver expectativa de

recebimento de alguma herança, legado ou doação. A jurisprudência tem reconhecido o direito de alimentos em favor do nascituro, legitimando-o

a promover a ação de alimentos. De fato, se a lei põe a salvo os seus direitos, desde a concepção, nada mais justo do que lhe atribuir o direito de ação. De nada adiantaria essa salvaguarda dos seus interesses se ele não pudesse mover as ações judiciais destinadas à defesa desses direitos.

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Por outro lado, o nascituro ainda pode figurar no pólo passivo de uma relação processual. Tal ocorre, por exemplo, na ação anulatória de doação ou testamento feitos em seu favor.

Finalmente, o embrião in vitro não é sujeito de direito, mas apenas objeto de direito. Com efeito, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2.º do CC). A expressão concepção deve ser entendida como sendo a fecundação in utero ou então a implantação do embrião in vitro no útero. À míngua de legislação disciplinando o assunto não há como anteciparlhe a personalidade para o momento da fertilização laboratorial, mesmo porque a sua posterior implantação no útero subordina-se ao puro arbítrio dos pais, que podem perfeitamente revogar a autorização anterior. A implantação no útero, portanto, é um ato sob condição puramente potestativa, que é vedada por lei, no art. 122, segunda parte, do CC, e, por isso, não se lhe pode atribuir qualquer efeito antes da concretização dessa implantação in utero. O assunto, porém, não é pacífico. Fábio Ulhoa Coelho, por exemplo, salienta que se os genitores manifestaram a vontade por escrito de ver um ou mais dos embriões fertilizados desenvolverem-se como seres humanos, os seus direitos devem ser preservados desde a fertilização in vitro, caso a criança venha a nascer com vida, ainda que já esteja morto um dos pais.

É pacífico, porém, que o embrião in vitro ainda não implantado no útero é apenas objeto de direito. Após essa implantação ganha o status de nascituro e os seus direitos devem então ser preservados.

Para uns, a preservação desses direitos ocorre a partir da implantação no útero; outros, ao revés, sustentam que essa preservação deve retroagir à data da fertilização laboratorial, na hipótese de os genitores terem manifestado por escrito sua vontade de ver um ou mais embriões fertilizados desenvolverem-se como seres humanos. Essa última solução, a meu ver, gera insegurança jurídica, além de atribuir efeito à condição puramente potestativa, que é repudiada pelo art. 122, última parte, do CC.

QUESTÕES

1. Em quantas partes é dividido o Código Civil?2. Quais os princípios do Código Civil? Explique-os.3. O que é sujeito de direito?4. Quais as duas categorias de sujeitos de direito?5. Qual é o único ente dotado de personalidade jurídica?6. Quais as espécies de pessoas?7. O que é personalidade jurídica?8. Quando surge a personalidade jurídica da pessoa física e da pessoa jurídica?9. Há alguma pessoa destituída de personalidade jurídica?10. É válida a doação ou testamento em favor de animais?11. Qual a diferença entre as teorias natalista, da concepção e da viabilidade? Qual dessas teorias foi adotada pelo Código Civil?12. A personalidade jurídica é sempre regida pela lei brasileira?13. O que é docimasia hidrostática de Galeno?14. Qual o conteúdo da personalidade da pessoa física, da pessoa jurídica de direito privado e da pessoa jurídica de direito público?15. Quando termina a personalidade jurídica da pessoa natural?16. Qual a diferença entre a morte clínica e a morte cerebral?17. O que é morte presumida e quais as suas hipóteses?18. Qual a ação cabível para declarar a morte presumida?19. O que é morte ficta e qual a ação cabível para declará-la?20. O que é morte civil e quais os seus resquícios?21. O que é comoriência e qual o seu efeito?22. O nascituro pode figurar em quais relações jurídicas?23. É possível vender bens ao nascituro?

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CAPACIDADE

CONCEITO E ESPÉCIES

Duas são as espécies de capacidade, a de direito e a de fato.A capacidade de direito ou de gozo é a aptidão para ser titular de direitos e deveres na

ordem civil. Trata-se, na verdade, da própria personalidade. Toda pessoa é capaz de direito. Assim, em relação às pessoas, inexiste a incapacidade civil de direito. Pode, porém, ocorrer certas restrições de direitos, sobretudo, com relação aos estrangeiros domiciliados fora do Brasil, mas, de um modo geral, eles podem adquirir a maioria dos direitos e deveres, desfrutando, portanto, dessa capacidade.

A capacidade de fato ou de exercício, como ensina Clóvis Beviláqua, é a aptidão para exercer por si os atos da vida civil. É, pois, a aptidão para praticar pessoalmente os atos da vida civil, independentemente de assistência ou representação. A capacidade de fato é presumida; não necessita ser demonstrada. Todavia, algumas pessoas são consideradas absolutamente incapazes e outras relativamente incapazes, como logo veremos.

A incapacidade de fato, porém, não restringe a personalidade. Em regra, o incapaz pode praticar todos os atos e negócios jurídicos que a pessoa capaz, desde que assistido ou representado pelo representante legal. Como salienta Fábio Ulhoa Coelho, apenas por expressa disposição da lei excepcional pode-se negar ao incapaz a prática de ato ou negócio jurídico praticável pelo capaz. Não havendo disposição expressa proibitiva, o incapaz, como pessoa que é, está autorizado a praticar todo e qualquer ato ou negócio jurídico, desde que assistido ou representado pelo representante legal.

INCAPACIDADE ABSOLUTA E INCAPACIDADE RELATIVA

As pessoas absolutamente incapazes não podem praticar pessoalmente os atos da vida civil, sob pena de nulidade absoluta (art. 166, I, do CC). Devem ser representadas nos atos ou negócios jurídicos pelos respectivos representantes legais (pais, tutor e curador). O representante realiza o ato ou negócio jurídico sem que haja qualquer participação do incapaz.

Dispõe o art. 3º do CC que são absolutamente incapazes:I. os menores de dezesseis anos;II. os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento

para a prática desses atos;III. os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.Por outro lado, as pessoas relativamente incapazes podem praticar pessoalmente os atos

da vida civil, desde que assistidas pelos representantes legais (pais, tutor ou curador). O ato praticado sem essa assistência não é nulo, mas apenas anulável (art. 171, I). Ressalte-se, porém, a existência de alguns atos praticáveis validamente sem a assistência.

Com efeito, a partir dos dezesseis anos já é possível, sem assistência, fazer testamento, aceitar mandato, votar e casar. Saliente-se que, para o casamento, não é necessário a assistência, mas sim a autorização do representante legal.

Dispõe o art. 4º do CC que são relativamente incapazes:I. os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;II. os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que, por deficiência mental, tenham o

discernimento reduzido;III. os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;IV. os pródigos.Por outro lado, cumpre consignar que não corre prescrição contra os absolutamente

incapazes, conforme preceitua o art. 198, I do CC, sendo certo que ainda podem recobrar dívida de jogo, cujo pagamento tenha sido por eles efetuado (art. 814). Essas duas vantagens, porém, não são aplicáveis aos relativamente incapazes, que não poderão recobrar as dívidas de jogo, submetendo-se, ainda, à prescrição.

Finalmente, na proteção ao incapaz não se compreende o benefício de restituição ou “restitutio in integrum”, que possibilitava a anulação dos atos válidos praticados pelo representante legal, em nome do incapaz, toda vez que esse último sofresse algum prejuízo. Não obstante o silêncio do Código de 2002, o benefício de restituição deve ser rejeitado, pois fere o princípio da segurança das relações jurídicas.

É anulável, porém, o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do ato (art 119 e seu parágrafo único). Essa possibilidade de anulação nada tem a ver com o benefício de restituição, que invalidava os atos válidos, ao passo que o citado art. 119 do CC pressupõe a má-fé do representante e da parte contrária, o que torna o ato inválido, razão pela qual a lei prevê a sua anulação.

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DISTINÇÃO ENTRE REPRESENTAÇÃO E ASSISTÊNCIA

Na representação, o incapaz não esboça a sua vontade em relação à decisão pela prática ou não do ato ou negócio jurídico, pois esta é tomada pelo representante legal, ao passo que na assistência o próprio incapaz decide se pratica ou não o ato ou negócio jurídico, esboçando, portanto, a sua vontade, limitando-se o representante legal a apenas presenciá-lo durante a celebração do ato.

Em suma, na representação, o ato é praticado pelo representante em nome do incapaz. Este último sequer participa do ato. Na assistência, o ato é praticado pelo próprio incapaz, mas na presença do representante legal.

Saliente-se, ainda, que todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, conforme preceitua o art. 654 do CC. A contrario senso, os incapazes devem outorgar a procuração por instrumento público. Interpretando esse dispositivo legal, que corresponde ao art. 1.289 do Código de 1916, pacificou-se a jurisprudência de que a procuração do absolutamente incapaz pode ser por instrumento particular, porquanto outorgada por pessoa capaz, qual seja, o seu representante legal.

Em contrapartida, tratando-se de relativamente incapaz, a procuração deve ser por instrumento público, pois é outorgada pelo próprio incapaz sob a assistência de seu representante.

Recentemente, a jurisprudência vem amenizando esse entendimento, salientando que a procuração “ad judicia” do relativamente incapaz também pode ser outorgada por instrumento particular, com base no art. 38 do CPC, exigindo-se o instrumento público apenas para a procuração “ad negocia”.

DISTINÇÃO ENTRE REPRESENTAÇÃO E SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL

O substituto processual é aquele que defende em nome próprio um interesse alheio. Tal ocorre, por exemplo, quando o cidadão ajuíza a ação popular ou então quando o Ministério Público promove as ações civis públicas.

O representante legal, ao revés, não age em nome próprio, mas sim em nome da própria pessoa, cujo interesse defende.

DISTINÇÃO ENTRE INCAPACIDADE E FALTA DE LEGITIMAÇÃO

A legitimação é a posição favorável da pessoa em relação a certos bens ou interesses, habilitando-a, destarte, à prática dos atos ou negócios jurídicos.

Excepcionalmente, porém, a lei nega essa legitimação, vedando a prática de certos atos. Fala-se, então, em falta de legitimação, que é o impedimento para a prática de determinados atos ou negócios jurídicos, uma espécie de incapacidade “ad hoc”. Tal ocorre, por exemplo, quando a lei proíbe o tutor de adquirir bens do pupilo (art. 497, I, do CC), outrossim, obsta a concubina do testador casado de ser nomeada herdeira ou legatária (art. 1801, III, do CC).

Anote-se que a falta de legitimação é o impedimento específico para certos atos ou negócios jurídicos, ao passo que a incapacidade é genérica, estendendo-se a praticamente todos os atos ou negócios jurídicos.

A falta de legitimação é imposta por lei, em alguns casos, atendendo-se à posição especial em relação a certos bens, certas pessoas ou certos interesses; a incapacidade, ao revés, é fixada pela lei, tendo em vista as deficiências da consciência ou vontade.

DISTINÇÃO ENTRE ASSISTÊNCIA E AUTORIZAÇÃO

A autorização é a permissão dada por um terceiro para que o ato ou negócio jurídico possa ser realizado. Tal ocorre, por exemplo, quando o cônjuge deseja alienar bem imóvel. Ainda que este seja de sua exclusiva propriedade, exige-se a autorização do outro consorte, exceto no regime de separação absoluta (art. 1.647, I, do CC). Igualmente, na venda de ascendente para descendente é necessária a autorização dos outros descendentes (art. 496). Acrescente-se ainda que o menor, a partir dos 16 anos, pode se casar, mediante autorização do representante legal.

Cumpre observar que a autorização é exigida antes da prática do ato, podendo a sua falta ser suprida por decisão judicial. A assistência, ao revés, é dada durante o ato, e, se for negada, não poderá ser suprida judicialmente.

Finalmente, a autorização é exigida até para as pessoas capazes, ao passo que a assistência é inerente aos relativamente incapazes.

ROL DOS ABSOLUTAMENTE INCAPAZES

São absolutamente incapazes:a. menores de 16 anos;

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b. enfermos mentais;c. deficientes mentais;d. pessoas que não exprimem vontade.Trata-se de rol taxativo, porquanto a lei excepcional não admite a analogia. A capacidade é

uma presunção legal, e, por isso, não há necessidade de ser demonstrada. Em regra, as pessoas são capazes, de modo que as exceções só são admitidas quando expressas em lei.

O velho, o falido, o mudo, o surdo-mudo, o cego e o deficiente físico são plenamente capazes.

Com efeito, a velhice não reduz a capacidade civil, a não ser que haja a perda ou redução do discernimento em razão de algum distúrbio psíquico, quando, então, a causa da incapacidade terá sido a alienação mental e não propriamente a idade avançada. Saliente-se, contudo, que os maiores de 60 anos só poderão contrair matrimônio no regime da separação de bens.

Em relação ao falido, verifica-se a proibição ao exercício do comércio, porque com a decretação da falência ele perde a administração de seus bens. Anote-se, contudo, que o falido preserva a capacidade civil, perdendo apenas a sua capacidade comercial.

Quanto ao mudo e surdo-mudo, como veremos, desde que exprimam a vontade de um modo satisfatório são tidos como plenamente capazes. Todavia, não podem fazer outro tipo de testamento, a não ser o testamento cerrado (art. 1.873).

O cego, por sua vez, também é plenamente capaz.Entretanto, só poderá realizar o testamento público (art. 1.867).Acrescente-se, ainda, que os cegos e surdos não podem ser admitidos como testemunhas,

quando a ciência do fato que se quer provar depender dos sentidos que lhes faltam (art. 228, III, do CC).Finalmente, os deficientes físicos também são plenamente capazes. Não obstante, o Código

permite que lhes seja nomeado curador caso requeiram para cuidar de todos ou alguns de seus negócios. Essa norma prevista no art. 1.780 do CC, que é salutar, pode compreender os cegos, surdos, mudos, paralíticos e tantos outros. Trata-se de uma curatela especial envolvendo pessoas capazes, restrita apenas aos aspectos patrimoniais.

MENORES DE DEZESSEIS ANOS

Há uma presunção absoluta de que os menores de 16 anos, também denominados de impúberes, não ostentam desenvolvimento intelectual e social suficientes para a prática dos atos da vida civil, razão pela qual devem ser representados, sob pena de nulidade absoluta do ato ou negócio. Assim, se esse menor comprar determinado bem, o vendedor não poderá propor ação de cobrança, porque, sendo o ato nulo, nenhum efeito pode produzir, de modo que as partes devem retornar ao “status quo ante”, operando-se a devolução da coisa e do sinal recebido pelo vendedor.

ENFERMO MENTAL E DEFICIENTE MENTAL

A enfermidade mental é uma doença que acomete a pessoa mentalmente sã, privando-a do necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil. Tal ocorre, por exemplo, com a depressão profunda.

A deficiência mental, por sua vez, consiste na alteração da capacidade psíquica, comprometendo-se o nível de inteligência da pessoa.

Sobre a distinção entre a enfermidade mental e a deficiência mental, convém destacar três aspectos.

Primeiro, a enfermidade mental é uma doença psíquica que se desenvolve em pessoa mentalmente sã; a deficiência mental pode ser congênita ou então atingir abruptamente a pessoa sã, como, por exemplo, o traumatismo craniano.

Segundo, a enfermidade mental normalmente é transitória; a deficiência mental, ao revés, normalmente é permanente.

Terceiro, o enfermo mental só pode ser interditado como sendo absolutamente incapaz, quando não tiver o necessário discernimento para prática dos atos da vida civil, mantendo-se, destarte, a capacidade plena quando esse discernimento estiver apenas reduzido, ao passo que o deficiente mental pode ser interditado como sendo absolutamente incapaz ou relativamente incapaz, conforme o seu discernimento esteja suprimido ou reduzido.

Vale a pena observar, também, que o deficiente mental, cujo discernimento encontra-se preservado, é tido como capaz, sendo, pois, vedada a sua interdição.

PESSOAS QUE NÃO EXPRIMEM A VONTADE

A pessoa que não pode exprimir a vontade, ainda que por causa transitória, é tida como absolutamente incapaz. Exemplo: pessoa em coma.

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O artigo 1.767, inciso II, do CC, porém, só admite a interdição da pessoa que, por causa duradoura, não puder exprimir a sua vontade. Se a causa for transitória, não obstante a incapacidade absoluta, prevista no art. 3º, III, do CC, o Código é silente sobre a possibilidade da interdição, aliás, implicitamente acaba vedando-a à medida em que só a admite para as causas duradouras. Se houver necessidade, cremos que o juiz poderá nomear um curador quando a causa de incapacidade for transitória, aplicando-se o art. 1780 do CC. Esse curador poderá ser nomeado para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens.

No tocante ao surdo-mudo, o assunto é polêmico. Para Miguel Reale, os surdos-mudos são considerados como relativamente incapazes, enquadrando-se como excepcionais, sem desenvolvimento completo, previsto no art. 4º, inciso III do CC. Renan Lotufo, por sua vez, salienta que os surdos-mudos que não puderem expressar sua vontade devem ser considerados como absolutamente incapazes, com fulcro no inciso III deste art. 3º.

A nosso ver, o surdo-mudo que não externa a sua vontade deve ser tido como absolutamente incapaz, enquadrando-se no art. 3º, III, do CC, podendo ser interditado, porque a causa da surdo-mudez, qual seja, a lesão aos centros nervosos, é permanente, e não apenas transitória. Se, todavia, a sua incapacidade for apenas parcial, deve ser interditado como relativamente incapaz, enquadrando-se entre os excepcionais, sem desenvolvimento completo, previsto no art. 4º, III, do CC.

Saliente-se, ainda, que se puder exprimir seu pensamento com discernimento não será incapaz. Portanto, o surdo-mudo pode ser:

a. absolutamente incapaz (art. 3º, III);b. relativamente incapaz (art. 4º, IV);c. plenamente capaz.Essa solução também deve ser aplicada para os afônicos.

ROL DOS RELATIVAMENTE INCAPAZES

São relativamente incapazes:a. os maiores de 16 anos e os menores de 18 anos;b. ébrios habituais;c. viciados em tóxicos;d. deficientes mentais;e. excepcionais;f. pródigos.

MAIORES DE 16 ANOS E MENORES DE 18 ANOS

O menor, entre dezesseis e dezoito anos, sob o prisma jurídico, é denominado púbere. Equiparam-se aos maiores quando dolosamente ocultam a idade, ao serem inquiridos pela outra parte, ou se, no ato de obrigarem-se, declararam-se maiores (art. 180). Nesse caso, o contrato deve ser cumprido, ainda que celebrado sem a assistência do representante legal, por força do citado art. 180 do CC, inspirado no princípio de que não se pode alegar a própria torpeza.

Vimos, por outro lado, que certos atos esse menor pode praticar sem assistência:a. servir de testemunha, inclusive em testamentos (art. 228);b. testar (art. 1.627);c. ser mandatário (art. 666);d. votar.Finalmente, no dia do aniversário de 16 anos, esse menor já é relativamente incapaz, pois o

art. 3º, I, do CC considera absolutamente incapaz os menores de 16 anos. É certo, pois, que o art. 4º, I, do CC ao referir-se aos relativamente incapaz fez menção aos maiores de 16 anos e menores de 18 anos. Todavia, o art. 180 do CC, que também cuida dos menores púberes, utiliza a expressão “menor entre dezesseis e dezoito anos”.

A rigor, no dia do aniversário de 16 anos, o adolescente não é menor nem maior de 16 anos, pois, nesse dia, tem exatamente 16 anos, só será maior de 16 anos a partir do dia seguinte. A interpretação sistemática, porém, inspirado no art. 180 do CC, permite a adoção da exegese que o considera relativamente incapaz desde a data de seu aniversário de 16 anos.

ÉBRIOS HABITUAIS E VICIADOS EM TÓXICOS

Os ébrios habituais são os alcoólatras. Urge, para que se proceda a interdição, a presença de dois requisitos:

a. embriaguez habitual, isto é, quase que diária;

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b. perturbação do discernimento. Se o agente bebe diariamente, mas de forma moderada, exprimindo satisfatoriamente o seu pensamento, é porque não é incapaz; nesse caso, não poderá ser interditado.

No tocante aos viciados em tóxicos, a lei não exige a habitualidade, isto é, o uso quase que diário, admitindo a interdição, ainda que o consumo seja intervalado, como, por exemplo, uma vez por semana ou de quinze em quinze dias. É mister, porém, a presença de dois requisitos:

a. o vício, isto é, o uso reiterado de substância entorpecente. Esse uso, como vimos, não precisa ser diário. É crucial, porém, o diagnóstico sobre a existência do vício, caracterizada pela situação de dependência da droga;

b. perturbação do discernimento. O uso moderado de tóxico, conquanto criminoso, não implica em incapacidade da pessoa, quando esta preserva o discernimento.

Os ébrios habituais e os viciados em tóxicos são considerados relativamente incapazes pelo Código de 2002. Todavia, a legislação especial os qualifica como absolutamente ou relativamente incapazes, conforme a gravidade do estado mental ou de intoxicação (Decreto nº 24.559/34 e Lei nº 891/38).

Alguns autores sustentam que essas duas espécies de incapacidade ainda prevalecem, porque a lei geral não revoga a especial. O assunto, porém, não é pacífico. Fábio Ulhoa Coelho, por exemplo, assevera que o vício é sempre causa de incapacidade relativa, qualquer que seja a situação do viciado. A rigor, não há lugar para polêmica, pois, caso o ébrio habitual ou toxicômano não possam exprimir a vontade, devem ser considerados absolutamente incapazes, por força do art. 3º, III, do CC, de modo que nem há necessidade de se valer da legislação especial (Decreto nº 24.559/34 e Lei nº 891/38). Ademais, o art. 2.043 do Código Civil, revogou tacitamente as disposições de natureza civil anteriores à sua vigência à medida em que ressalvou apenas as de natureza processual, administrativa e penal.

Finalmente, o juiz, atento ao grau de lucidez do interditando, pode amenizar os efeitos da interdição, restringindo-a aos atos de maior relevo, à semelhança do que por força de lei, já ocorre, automaticamente, em relação ao pródigo (art. 1.772).

DEFICIENTES MENTAIS E EXCEPCIONAIS

Os deficientes mentais e os excepcionais apresentam um quociente de inteligência abaixo de 70.

O deficiente mental, como vimos, pode ser absolutamente incapaz ou relativamente incapaz, conforme o seu discernimento seja suprimido ou reduzido.

Quanto ao excepcional sem desenvolvimento completo, a lei o enquadrou apenas como relativamente incapaz. Fábio Ulhoa Coelho salienta que não há distinção entre o excepcional sem desenvolvimento completo e o deficiente mental com redução de discernimento, sobretudo, porque o conceito de “excepcional” tem emprego na pedagogia, e não na medicina, destinando-se a identificar os alunos com demandas especiais de aprendizados, inclusive em função de portarem deficiência mental leve.

Na verdade, a expressão “excepcionais sem desenvolvimento completo” acaba realmente abarcando a parcela dos deficientes mentais passíveis de um adestramento para a execução de tarefas simples ou então de uma educação lenta e singela, onde possam aprender os rudimentos da leitura e das operações matemáticas; outrossim, os surdos-mudos e afônicos, parcialmente incapazes, pois, embora não apresentem deficiência mental, acabam também se aproximando dos alienados mentais, carecendo, portanto, de uma educação especializada.

O legislador preferiu pecar pelo excesso, utilizando as duas expressões, quais sejam, deficientes mentais e excepcionais, para deixar bem claro a existência de excepcionais que não apresentam anomalias mentais, como é o caso do surdo-mudo.

PRÓDIGO

Pródigo é o indivíduo que dilapida o seu patrimônio, de forma imoderada e habitual, pondo em risco o próprio sustento e de seus familiares.

O reconhecimento da prodigalidade depende dos seguintes requisitos:a. gastos habituais excessivos, isto é, imoderados, desordenados, desenfreados;b. risco ao próprio sustento ou de sua família.Os gastos excessivos, ainda que habituais, por si só, não revelam a prodigalidade. Urge,

para tanto, o surgimento do risco de dilapidação do patrimônio.Quanto ao viciado em jogo, paira controvérsia sobre o seu estado de prodigalidade. A

jurisprudência oscila num e noutro sentido. Faltalhe, a nosso ver, a generosidade, que é uma das características peculiares ao pródigo.

O pródigo é considerado relativamente incapaz (art. 4º, IV). Pródigos são pessoas que, movidas por compulsão, dilapidam habitualmente seus bens,

colocando em risco o próprio sustento e de sua família. A interdição do pródigo restringe-se aos atos

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patrimoniais. Com efeito, necessitará de curador apenas para assisti-lo em empréstimos, transações, quitações, alienações, hipotecas; enfim, para praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração (art.1.782). Quanto aos atos pessoais, isto é, não patrimoniais, por exemplo, o casamento, o pródigo é plenamente capaz, prescindindo-se da assistência do curador, salvo quanto a escolha do regime de bens, cujo conteúdo é patrimonial, sendo, pois, essencial a assistência.

Finalmente, no Código de 1916, a interdição do pródigo só era possível quando houvesse cônjuge, ascendente ou descendente, que pudessem promovê-la. Não mais existindo esses parentes, a interdição era cancelada. Portanto, o pródigo, a rigor, não era protegido, pois o legislador preocupava-se apenas com os seus familiares. No Código de 2002, o pródigo pode ser interditado, ainda que não tenha cônjuge, ascendente ou descendente.

Com efeito, a interdição pode ser movida por qualquer parente, e, subsidiariamente, pelo Ministério Público, colocando-se, portanto, o pródigo no mesmo nível de proteção dos demais incapazes.

ÍNDIOS

A capacidade do índio, conforme preceitua o parágrafo único do art. 4º do CC, é regida por lei especial.

O assunto encontra-se regulamentado pela Lei nº 6001/73, também denominada de Estatuto do índio.

O índio não integrado à civilização apresenta uma incapacidade “sui generis”, pois, de um lado, assemelha-se aos relativamente incapazes à medida em que é assistido pela FUNAI na prática dos atos ou negócios jurídicos, mas, de outro lado, aproxima-se dos absolutamente incapazes, porquanto sem a aludida assistência os atos ou negócios jurídicos serão nulos e não apenas anuláveis. Observe-se, contudo, que os atos praticados pelos absolutamente incapazes são sempre nulos, independentemente de prejuízo, ao passo que os atos praticados pelo índio sem a assistência da FUNAI só serão nulos se lhes for prejudicial, caso contrário reputam-se válidos.

Saliente-se, ainda, que o art. 5º, da Lei 6.015/73 preceitua que os índios, enquanto não integrados, não estão obrigados a inscrição do nascimento. Este poderá ser feito em livro próprio da FUNAI.

Finalmente, o Código de 2002 substituiu o termo “silvícolas” por “índios”. A alteração foi salutar, porque silvícola é o habitante da selva, ao passo que o índio encontra-se protegido ainda que a comunidade indígena se localize nos centros urbanos.

AQUISIÇÃO DA CAPACIDADE PLENA

FORMAS DE AQUISIÇÃO

A pessoa adquire a capacidade plena pelas seguintes formas:a. maioridade civil;b. levantamento da interdição;c. integração do índio;d. emancipação.

A MAIORIDADE CIVIL

A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada para a prática de todos os atos da vida civil (art. 9º do CC). Assim, a pessoa se torna maior e capaz no primeiro momento do dia do aniversário de 18 anos. Se ela nasceu num ano bissexto, a 29 de fevereiro, a maioridade será alcançada no 18º ano, mas a 1º de março.

Ressalte-se que a maioridade civil foi reduzida para 18 anos, pois no Código de 1916 essa maioridade só era atingida aos 21 anos. O principal argumento para essa redução é o fato da capacidade penal e a capacidade eleitoral iniciarem aos 18 anos. O legislador buscou, portanto, a uniformidade.

Por outro lado, como sustenta Washington de Barros Monteiro, se ignorada a data do nascimento, exigir-se-á exame médico, porém, na dúvida, pender-se-á pela capacidade, pois esta é presumida.

Finalmente, cumpre observar que, em regra, a maioridade civil implica na capacidade civil da pessoa. Todavia, nas hipóteses dos arts. 3º e 4º do CC, não obstante a maioridade civil, persiste a incapacidade. Em contrapartida, em regra, a menoridade implica na incapacidade civil da pessoa, salvo quando esta estiver emancipada.

LEVANTAMENTO DA INTERDIÇÃO

O art. 1.767 elenca as pessoas sujeitas à interdição, a saber:

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a. aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

b. aqueles que, por causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;c. os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;d. os excepcionais, sem o completo desenvolvimento mental;e. os pródigos.A sentença de interdição é passível de apelação sem efeito suspensivo, produzindo, desde

logo, os seus efeitos, embora sujeita a recurso (art. 1.773).Aludida sentença será inscrita no Registro Civil das Pessoas Naturais e averbada no

registro de nascimento do interditando. Além disso, será publicada na imprensa local e oficial por três vezes, constando no edital o nome do interdito e do curador, a causa da interdição e os limites da curatela (art. 1.184 do CPC).

A sentença de interdição é meramente declaratória, podendo seus efeitos retroagir à data do início da incapacidade. Não é a sentença que gera a incapacidade, sendo, portanto, incoerente o ponto de vista dos que a consideram constitutiva.

Saliente-se, porém, que, no procedimento de interdição, não há qualquer discussão acerca da nulidade dos atos praticados pelo incapaz.

Esses não se desfazem automaticamente, isto é, com a mera decretação da interdição. Urge que se mova a ação de nulidade ou anulação dos atos e negócios jurídicos, propiciando a ampla defesa à parte contratante, que, por sinal, sequer participa do procedimento de interdição.

Não obstante a regra seja a invalidade dos atos anteriores à sentença, o juiz pode preservá-los quando a outra parte contratante demonstrar a boa-fé e o erro escusável acerca do estado mental do interditando. Entretanto, como adverte Silvio Rodrigues, se a alienação mental era notória, se o outro contratante dela tinha conhecimento, ou se podia, com diligência ordinária, apurar a deficiência da outra parte, então o negócio é suscetível de anulação, pois a idéia de proteção à boa-fé não mais se manifestará.

Acrescente-se, ainda, que, antes da interdição, a capacidade era presumida, competindo ao autor da ação trazer as provas do estado de loucura do contratante, ao tempo da celebração do ato.

Finalmente, a nulidade ou anulação dos negócios praticados pelo incapaz pode ser pleiteada ainda que não tenha sido decretada a interdição. Tal ocorre, por exemplo, quando o interditando já faleceu ou então se convalidou da enfermidade.

Por outro lado, sobre o levantamento de interdição, consiste no cancelamento dos efeitos da sentença em razão da cessação da causa que a determinou.

O pedido de levantamento poderá ser feito pelo interditando e será apensado aos autos da interdição. O juiz nomeará perito para proceder ao exame de sanidade no interditando e após a apresentação do laudo designará audiência de instrução e julgamento.

A sentença de levantamento da interdição será publicada na imprensa local e oficial, por três vezes, e averbada no Registro Civil das Pessoas Naturais.

O levantamento de interdição é uma das formas de aquisição ou reaquisição da capacidade plena.

INTEGRAÇÃO DO ÍNDIO

O índio integrado à civilização brasileira é plenamente capaz. Nesse caso, poderá requerer a sua emancipação, mediante requerimento dirigido ao Juiz Federal, desde que preencha os seguintes requisitos:

a. idade mínima de 21 anos;b. conhecimento da língua portuguesa;c. habilitação para o exercício de atividade útil, na comunidade nacional;d. razoável conhecimento de usos e costumes da comunhão nacional.Presentes esses requisitos, o juiz prolatará a sentença de emancipação.Há ainda outras duas formas de emancipação do índio, a saber:a. reconhecimento pela própria FUNAI, homologado judicialmente;b. decreto do Presidente da República de emancipação coletiva, após requerimento da

maioria dos membros da comunidade indígena e comprovação, pela FUNAI, da plena integração à civilização.

EMANCIPAÇÃO

Emancipação é o instituto jurídico que atribui capacidade plena aos menores de 18 anos. É, pois, a antecipação da capacidade civil.

Apresenta as seguintes características:a. irrevogabilidade. A emancipação válida não pode ser revogada pelos pais nem pelo

menor. Tratando-se, porém, de emancipação inválida, torna-se plenamente possível a sua anulação por

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sentença judicial. Note-se que enquanto a revogação é o desfazimento de ato válido, a anulação é o cancelamento de ato inválido, isto é, fruto de erro, dolo ou coação.

b. perpetuidade. A emancipação é sempre definitiva. Com o casamento, por exemplo, o menor se emancipa. Se, porém, no dia seguinte, sobrevier a viuvez, ainda assim persistirá a emancipação.

c. pura e simples. A emancipação é um ato puro e simples, porquanto não admite termo ou condição.

Convém ainda não confundir a capacidade civil com a maioridade civil.Conquanto a emancipação atribua capacidade plena aos menores de 18 anos, o certo é que

eles ainda continuam menores.Assim, a emancipação os habilita aos atos da vida civil, cuja prática dependa tão somente

da capacidade. Todavia, para alguns atos, a lei exige idade mínima, de modo que para praticá-los não basta a emancipação, urge ainda que ostentem certa idade. Portanto, o menor emancipado não poderá tirar carteira de motorista; não terá responsabilidade penal; não poderá assistir filme proibido para menor de 18 anos; não poderá ir ao motel; etc. Com efeito, a emancipação confere apenas capacidade civil ao menor, com o objetivo de beneficiá-lo; todavia, ele continua adstrito às restrições inerentes à idade, em função da sua personalidade ainda em formação, porquanto o intuito dessas limitações é protegê-lo.

Finalmente, no tocante à forma, a emancipação pode ser voluntária, judicial e legal.

EMANCIPAÇÃO VOLUNTÁRIA

A emancipação voluntária é a concedida pelos pais, mediante escritura pública, que deve ser inscrita no Registro Civil competente.

Essa inscrição, que é essencial para a emancipação surtir efeitos perante terceiros, independe de homologação judicial.

A emancipação é outorgada pelos pais em conjunto, sendo ainda necessário que o menor tenha dezesseis anos completos. Antes dessa idade, é vedada a emancipação voluntária.

Nada obsta a concessão da emancipação voluntária por apenas um dos pais, na hipótese de o outro já ter falecido ou se encontrar interditado, outrossim, quando houver decaído do poder familiar.

Por outro lado, se um dos genitores se encontrar em lugar incerto e não sabido, o outro, para poder emancipar voluntariamente o filho, deverá requerer a autorização judicial. Nesse caso, o juiz não prolata uma sentença de emancipação, e sim uma decisão autorizando a emancipação por um único progenitor.

Finalmente, a emancipação deve ser para beneficiar o menor. Assim, a emancipação concedida pelos pais pode ser anulada se ficar provado que o ato foi praticado para libertarem-se do dever de prestarem pensão alimentícia.

EMANCIPAÇÃO JUDICIAL

A emancipação judicial é a concedida por sentença judicial, ouvindo-se o Ministério Público. Aludida sentença, para surtir efeitos perante terceiros, deve ser inscrita no Registro Civil competente.

A emancipação judicial só é possível se o menor tiver 16 anos completos. Washington de Barros Monteiro esclarece que o fato de ser analfabeto o emancipado, não traduz carecer ele de discernimento para reger a sua pessoa. Certificando-se o Juiz de que o mesmo tem condições de desenvolvimento mental e suficiente experiência para a si próprio dirigir, sem assistência de tutor, deve emancipá-lo.

São duas as hipóteses de emancipação judicial:a. menor sob tutela. O tutor não pode emancipar voluntariamente o pupilo, através de

escritura pública, pois a lei exige, nesse caso, sentença judicial; b. divergência entre os pais. Se o pai quer emancipar o filho e a mãe se opõe, ou vice-

versa, urge que o conflito seja dirimido por sentença judicial. Nesse caso, o processo de emancipação será contencioso, ao passo que, na hipótese anterior, o procedimento é de jurisdição voluntária.

A emancipação deve ser denegada:a. se não objetivar o benefício do menor;b. se o mesmo não tiver o necessário discernimento para reger a sua pessoa e os seus

bens;c. se visar apenas a liberação de bens clausulados até a maioridade.Finalmente, cumpre salientar que a emancipação é direito potestativo dos pais ou tutor e,

por isso, o menor não tem o direito de pedir ou exigir a sua emancipação.

EMANCIPAÇÃO LEGAL

A emancipação legal é a que se opera automaticamente, independentemente de ato dos pais, tutor ou sentença judicial.

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Verificando-se uma das hipóteses previstas em lei, a emancipação se impõe “ex vi legis”, sem que seja necessária qualquer outra formalidade. Como veremos, em algumas dessas hipóteses, torna-se possível a emancipação antes dos 16 anos.

A primeira hipótese de emancipação legal é o casamento. A idade núbil ocorre a partir dos 16 anos completos; a partir de então é possível o casamento com a autorização dos pais ou tutor. Antes da idade núbil, o matrimônio só é possível, mediante ordem judicial, em caso de gravidez (art. 1520). Se, porventura, o casamento vier a ser anulado ou declarado nulo, por sentença judicial, entendem uns que não há retorno ao estado anterior de incapacidade, pois seria um contra-senso, o próprio cônjuge pleitear a anulação, já que é capaz, para depois tornar-se incapaz com a procedência de ação. Em defesa desse ponto de vista, afirma Renan Lotufo, “há que se reconhecer que quem já se aventurou, ou desventurou num casamento, não carece do mínimo de experiência para a vida em sociedade, razão pela qual não aceitamos o retorno à incapacidade”. Discordamos dessa exegese, porque a nulidade ou anulação implica no desfazimento do casamento; a destruição do efeito principal impede a manutenção do efeito secundário. Ademais, o art. 1.561 do CC só prevê a subsistência dos efeitos secundários do casamento nulo ou anulável quando houver putatividade.

Com efeito, casamento putativo é o nulo ou anulável, mas que produz efeitos válidos em homenagem à boa-fé de um ou ambos os cônjuges. Assim, o cônjuge menor, se estava de boa-fé, continua emancipado; se estava de má-fé, cessa a emancipação. O art. 1.561 do CC diz que os efeitos da putatividade perduram até o dia da sentença anulatória.

Mas, a nosso ver, alguns efeitos permanecem após a sentença, tais como: a. o direito de usar o nome;b. a emancipação;c. a pensão alimentícia.Entendimento diverso esvaziaria a importância da putatividade.A segunda causa de emancipação legal é o exercício de emprego público efetivo. Observe-

se que a simples posse ou nomeação ainda não produzem a emancipação, pois lei fala em exercício, exigindo-se, destarte, o início das atividades.

A expressão emprego público deve ser interpretada como sendo função pública, isto é, a atribuição ou conjunto de atribuições que a Administração Pública confere a cada categoria profissional ou individualmente a determinados servidores.

É mister ainda que a função pública seja exercida em caráter efetivo, isto é, definitivo, mas não se exige a estabilidade, operando-se, destarte, a emancipação desde o início do exercício do estágio probatório.

Acrescente-se, outrossim, que o acesso a funções efetivas depende de concurso público.A função pública pode ser federal, estadual ou municipal. Os funcionários de autarquias e

entidades paraestatais exercem funções efetivas, razão pela qual, a nosso ver, serão atingidos pela emancipação, mesmo porque a maturidade intelectual foi revelada na aprovação no concurso público.

O tema, porém, não é pacífico. Washington de Barros Monteiro, por exemplo, nega a existência de emancipação, asseverando que é preciso lei especial para que as autarquias e entidades paraestatais obtenham qualquer dos atributos outorgados à pessoa jurídica de direito público.

A terceira causa de emancipação legal é a colação de grau em curso de ensino superior. Não pode ser considerado superior o curso de professor normalista nem os cursos técnicos. É preciso colação de grau em faculdade, tornando-se raríssima essa forma de emancipação.

A quarta causa é o estabelecimento civil ou comercial com economia própria. A emancipação, nesse caso, depende de dois requisitos: a) idade mínima de 16 anos; b) a obtenção de economia própria, consistente na aferição de rendimentos oriundos do próprio negócio suficientes para a autosubsistência.

Finalmente, a última causa de emancipação legal é a existência de relação de emprego. Nesse caso, a emancipação também depende de dois requisitos:

a. idade mínima de 16 anos;b. obtenção de economia própria, isto é, rendimentos suficientes para a autosubsistência. Não é necessário carteira assinada, isto é, o emprego formal, pois contenta-se a lei com a

relação de emprego, consistente na prestação de serviço pessoal, de natureza não-eventual, mediante subordinação e remuneração. Anote-se, porém, que até os 16 anos é vedado o trabalho fora do lar (art. 403 da CLT), salvo na condição de aprendiz, desde que o menor já tenha atingido 14 anos (CF, art. 7º, inciso XXXIII). Quanto ao trabalho noturno é vedado até os 18 anos (CLT, art. 404).

QUESTÕES

1. Quais as duas espécies de capacidade?2. O que é capacidade de direito?3. O que é capacidade de fato? Ela precisa ser demonstrada?4. Pode-se negar ao incapaz a prática de negócio jurídico?

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5. O incapaz é representado ou assistido?6. Qual a conseqüência da falta de assistência e da falta de representação?7. O relativamente incapaz pode praticar algum ato sem assistência?8. Elenque os absolutamente e os relativamente incapazes.9. Elenque duas vantagens do absolutamente incapaz.10. O que é “restitutio in integrum”? É adotado no Brasil?11. Qual a conseqüência de o representante legal concluir negócio jurídico contrário ao interesse do representado? Qual o prazo para a propositura da ação?12. Qual a distinção entre representação e assistência e entre representação e substituição processual?13. A procuração do incapaz pode ser por instrumento particular?14. Qual a distinção entre incapacidade e falta de legitimação?15. Qual a distinção entre assistência e autorização?16. A pessoa que não exprime a vontade pode ser interditada?17. Qual o grau de incapacidade do surdo-mudo?18. Explique a interdição do pródigo.19. Explique a incapacidade do índio.20. Quais as formas de aquisição da capacidade plena?21. Quando se inicia a maioridade civil?22. O que é levantamento da interdição?23. Quais os requisitos para o índio adquirir a capacidade plena?24. O que é emancipação e quais as suas características?25. O menor emancipado sofre algum tipo de restrição?26. Quais as formas de emancipação?27. Qual o limite mínimo de idade para a emancipação voluntária, judicial e legal?28. Qual a forma de emancipação voluntária?29. Quando é cabível a emancipação judicial?30. Elenque as hipóteses de emancipação legal, explicando cada uma delas.

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DIREITOS DA PERSONALIDADE

CONCEITO

Direitos da personalidade são os atributos inerentes à própria condição humana.Como salienta Renan Lotufo, os direitos da personalidade são o mínimo imprescindível para

o ser humano desenvolver-se dignamente.Trata-se, a rigor, do patrimônio mínimo da pessoa, porque não há que não os titularize.

CLASSIFICAÇÃO

Os direitos da personalidade, de acordo com Limongi França, podem ser classificados da seguinte forma:

I. direito à integridade física: 1) direito à vida e aos alimentos; 2) direito sobre o próprio corpo, vivo; 3) direito sobre o próprio corpo, morto; 4) direito sobre o corpo alheio, vivo; 5) direito sobre o corpo alheio, morto; 6) direito sobre as partes separadas do corpo, vivo; 7) direito sobre partes separadas do corpo, morto.

II. direito à integridade intelectual: 1) direito à liberdade de pensamento; 2) direito pessoal do autor científico; 3) direito pessoal do autor artístico; 4) direito pessoal do inventor.

III. direito à integridade moral: 1) direito à liberdade civil, política e religiosa; 2) direito à honra; 3) direito à honorificência; 4) direito ao recato; 5) direito ao segredo pessoal, doméstico e profissional; 6) direito à imagem; 7) direito à identidade pessoal, familiar e social.

Do ponto de vista do Direito público, alguns desses direitos integram as chamadas liberdades públicas clássicas, pois protegem o homem enquanto pessoa humana, limitando o arbítrio do Estado.

Todavia, os direitos da personalidade, classificados acima, também devem ser analisados sob a ótica do direito privado, razão pela qual merece aplausos o Código de 2002, que disciplinou o assunto, estipulando certas proibições e garantindo o ressarcimento dos danos causados.

CARACTERES

Os direitos da personalidade são absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, indisponíveis, vitalícios, irrenunciáveis e imprescritíveis.

Absolutos, porque oponíveis “erga omnes”, isto é, devem ser respeitados por todas as pessoas, independentemente de qualquer relação jurídica anterior.

Extrapatrimoniais, porque incidem sobre bens jurídicos insuscetíveis de avaliação pecuniária. Todavia, alguns desses direitos, como, por exemplo, à imagem de uma pessoa famosa, podem ser mensurados economicamente de acordo com os critérios estabelecidos por publicitários, anunciantes e meios de comunicação de massa. Assim, conquanto a regra seja a existência de direitos à personalidade extrapatrimoniais, excepcionalmente depara-se com alguns patrimoniais.

Intransmissíveis, porque inerentes à própria pessoa. Assim, enquanto os direitos patrimoniais, como a propriedade, podem ser separados da pessoa de seu titular, mediante alienação do bem, os direitos da personalidade não podem ser destacados da pessoa que os titulariza.

Todavia, como ensina Ives Gandra, não se deve confundir a intransmissibilidade com o direito do sucedido, em vida ou após o falecimento, nestes casos admitindo-se, inclusive, que a lei torne um direito indisponível, “transmissível”, como, por exemplo, o direito à imagem, pelo menos no que diz respeito à sua defesa. A titularidade dos filhos para defender a imagem paterna é exemplo de transmissibilidade de um direito indisponível.

De fato, em se tratando de morto, o parágrafo único do artigo 12 do CC, confere legitimidade ao cônjuge sobrevivente, a qualquer parente em linha reta e aos colaterais até o quarto grau para tomarem as medidas judiciais visando a cessação da ameaça ou a lesão a direito da personalidade, portanto, inclusive, reclamar as perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções de natureza patrimonial e penal.

Indisponíveis, porque o seu exercício não pode ser cedido nem limitado pela vontade da pessoa. Jamais poderão ser penhorados ou transmitidos por ato “inter vivos” ou “causa mortis”.

Vitalícios, porque os direitos da personalidade acompanham a pessoa por toda a vida.Irrenunciáveis, porque a pessoa não pode abdicar desses direitos da personalidade. A

eventual renúncia será nula. Observe-se, contudo, que a pessoa pode deixar de tomar as medidas necessárias para que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, deixando, pois, de exercer esse direito. Acrescente-se, porém, que é válida a renúncia quando se tratar de direitos da personalidade patrimoniais.

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Imprescritíveis, porque o direito da personalidade, com o passar do tempo, não pode se convalidar, de modo que a qualquer tempo será cabível a ação judicial destinada a fazer cessar a ameaça ou lesão a direito da personalidade.

A imprescritibilidade emana do fato de esses direitos serem irrenunciáveis.A prescrição, a rigor, é uma renúncia tácita, e, por isso, é vedada.Todavia, no que tange ao direito de pedir indenização, submete-se, evidentemente, à

prescrição, devido ao seu caráter patrimonial.

DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL

CONCEITO

Direito à identidade pessoal, segundo Limongi França, é o conferido à pessoa de ser conhecida como aquela que é e a de não ser confundida com outrem.

CONTEÚDO

O direito à identidade compreende:a. direito ao nome;b. direito ao pseudônimo;c. direito ao título: consiste na faculdade que tem a pessoa de, em lugares próprios, ser

identificada através de seus títulos científicos, honoríficos ou militares, como complemento de seu nome civil;

d. direito ao signo figurativo: consiste no uso e brasões e insígnias correspondentes aos títulos que detém, como forma de identificação pessoal.

DIREITO AO NOME

CONCEITO

Nome é o sinal que identifica a pessoa e indica a sua procedência familiar.

NATUREZA JURÍDICA

Trata-se de direito da personalidade. É, pois, o sinaldistintivo revelador da personalidade.

ELEMENTOS ESSENCIAIS

Os elementos essenciais, que são aqueles necessários para o registro do nome no Cartório competente, são os seguintes:

a. prenome ou nome próprio, cujo objetivo é identificar a pessoa dentro da própria família;b. patronímico ou sobrenome, que é o sinal indicativo da procedência familiar, cujo objetivo

é identificar a pessoa no seio da sociedade.No Brasil, o prenome antecede ao patronímico; na Itália, é o inverso.O prenome pode ser:a. simples: é o formado por um só vocábulo. Ex.: João da Silva.b. composto: é o formado por mais de um vocábulo. Ex.: João Carlos da Silva.Os irmãos não podem ter prenomes idênticos, salvo em duas hipóteses, previstas no art. 63

da LRP:a. prenome composto. Nesse caso, um dos vocábulos pode ser idêntico. Ex.: João Carlos

da Silva e Pedro Carlos da Silva .b. nome completo diverso. Ex.: João da Silva e João da Silva Oliveira. O patronímico pode ser o paterno ou materno, ou ambos, por força do princípio da

isonomia.À exceção do infante exposto, toda pessoa necessariamente há de ter prenome e

patronímico.O infante exposto é o recém-nascido abandonado pelos pais. Em sendo estes

desconhecidos, o registro do nascimento far-se-á apenas com o prenome, sem qualquer referência ao patronímico (art. 61, I, LRP).

Por outro lado, compete aos pais indicarem o nome completo do filho. Podem decidir só pelo patronímico paterno ou então só pelo materno, ou ainda por ambos, por força do princípio da isonomia.

Se os pais não indicarem o nome completo, o artigo 55 da Lei 6.015/73 ordena que o sobrenome será o do pai; na falta deste, será o da mãe.

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ELEMENTOS FACULTATIVOS

Os elementos facultativos ou secundários, isto é, dispensáveis para o registro do nome, são os seguintes:

a. agnome: é o sinal acrescentado no final do nome para distingüir membros da mesma família. Exemplos: João da Silva Junior; Caetano Lagrasta Neto; José da Silva Segundo; João de Barros Filho; Ana de Oliveira Sobrinha.

b. a partícula: é a preposição da, das, de, do, dos.c. cognome: é o apelido que, por sentença judicial, passa a integrar o nome.O apelido, quando integra o nome civil, passa a denominar cognome. Exemplos: Luis Inácio

Lula da Silva, Maria das Graças Xuxa Meneghel.

PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE

O princípio da imutabilidade consiste na impossibilidade da alteração do nome civil. É aplicável tanto ao prenome quanto ao patronímico.

Excepcionalmente, porém, admite-se a alteração, que pode ser de três categorias:a. causas comuns de mudança do prenome e patronímico;b. causas específicas da mudança do prenome;c. causas específicas de mudança do patronímico.

CAUSAS COMUNS DE MUDANÇA DO PRENOME E PATRONÍMICO

Essas causas, que autorizam tanto a alteração do prenome quanto do patronímico, são as seguintes:

a. Erro gráfico. Exemplos: Osvardo, ao invés de Osvaldo; João da Sirva, ao invés de João da Silva. Anote-se, contudo, que a corrigenda depende de decisão judicial, sendo, pois, vedado ao registrador a retificação, ainda que o erro seja grosseiro.

b. Erro no registro: ocorre quando o oficial registrador faz consignar um nome diferente daquele declarado pelos pais. Estes podem mover a ação anulatória do registro, no prazo de 4 anos, com base no artigo 138 e seguintes do CC.

c. Nome posto por agente incapaz ou sem legitimação. Nesses casos, a anulação pode ser pleiteada com base no art. 104, I, do CC.

d. Nome ridículo. O parágrafo único do art. 55 da Lei 6.015/73 proíbe o registro de prenome ridículo; e se os pais não se conformarem com a decisão do oficial, este submeterá por escrito o caso a decisão do Juiz competente. Se, porém, o prenome ridículo acabou sendo registrado, por falta de atenção do oficial, nada obsta que o interessado pleiteie a sua alteração judicial. Não obstante a lei se refira a alteração do prenome ridículo, a Jurisprudência vem estendendo esta regra para permitir a mudança do patronímico ridículo, como, por exemplo, Antonio Carnaval Quaresma.

e. Vítimas e testemunhas criminais (Lei 9807/99) coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal. A alteração do nome completo poderá ser estendida ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha, conforme o especificamente necessário em cada caso. A alteração do nome depende de decisão do juiz competente para a matéria de registros públicos. Cessada a coação ou ameaça que deu causa à alteração, ficará facultado ao protegido solicitar ao juiz competente o retorno à situação anterior.

f. Adoção. Na adoção, admite-se, a pedido do adotante ou do adotando, a mudança do prenome do adotando, que, no entanto, poderá conservar o prenome de origem. Todavia, a mudança do patronímico é obrigatória, de modo que a sentença da adoção deve ordenar que, no novo registro de nascimento, conste o patronímico dos adotantes, sendo, pois, vedada a manutenção do sobrenome dos pais biológicos (art.1.627).

g. Vontade do titular no primeiro ano seguinte ao da maioridade civil. Assim, até os 19 anos, o interessado poderá:

1. alterar o prenome. Essa alteração poderá consistir na transformação do prenome simples em composto ou vice-versa, desde que não se trate de nome célebre. Assim, por exemplo, nada obsta a alteração de Antonio para Antonio José e vice-versa. Em contrapartida, Júlio César é nome célebre, e, por isso, não poderá ser transformado em Júlio ou César, nem estes naqueles. A nosso ver, a alteração deve limitar-se a acrescentar um dos prenomes, ou a suprimir um deles, quando composto. A supressão total só deve ser admitida em caso de justificada gravidade.

2. patronímico ou sobrenome. O patronímico deve ser preservado. Todavia, nada obsta a inclusão do patronímico, materno ou avoengo (dos avós).

O interessado, ao atingir a maioridade civil tem o prazo de um ano para alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família (art. 56 da LRP). Essa alteração é procedida

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administrativamente, junto ao Cartório de Registro Civil, cujo pedido é apreciado pelo Juiz Corregedor. Esse prazo de um ano, que é decadencial, é para o pedido ser formulado na esfera administrativa.

Após esse prazo, nada obsta o pedido judicial de alteração do patronímico, junto à Vara de Registros Públicos, mediante comprovada justificativa.

Convém salientar que, para a inclusão do nome materno, não há necessidade de se aguardar a maioridade civil, pois o menor poderá formular o pedido assistido ou representado pelo representante legal.

CAUSAS ESPECÍFICAS DE MUDANÇA DO PRENOME

O prenome, além das causas comuns mencionadas anteriormente, ainda pode ser alterado nas seguintes hipóteses:

a. Tradução. O prenome deve figurar em língua portuguesa. Tratando-se de estrangeiro, é possível a tradução, desde que o prenome seja traduzível, isto é, encontre correspondência em nossa língua. Não se admite, porém, a tradução inversa, isto é, da língua portuguesa para outro idioma estrangeiro. Quanto ao patronímico, não admite a tradução, pois pertence a todo o grupo familiar.Todavia, o estrangeiro que vem para o Brasil pode requerer, junto ao Ministro da Justiça, a alteração do patronímico, e, em caso de recusa, formular o pedido perante o Juiz Federal. (art.44 da Lei 6815/80). Anote-se que os descendentes brasileiros não poderão requerer a tradução do patronímico estrangeiro. Acrescente-se ainda que se o prenome estrangeiro estiver definitivamente integrado em nossa língua, a tradução será vedada, pois implicaria em mudança de prenome. Assim, não se pode traduzir William para Guilherme, porque o primeiro encontra-se já enraizado em nosso idioma.

b. Pronúncia e compreensão difícil. Essa alteração, que também diz respeito ao prenome do estrangeiro, é possível, desde que o prenome possa ser traduzido ou adaptado à prosódia da Língua Portuguesa (art. 43 da Lei 6815/80). O pedido é formulado ao Ministro da Justiça, se este indeferir, o interessado poderá mover ação judicial perante a Justiça Federal (art. 44 da Lei 6.815/80).

c. Irmãos com prenomes idênticos. Nesse caso, é obrigatória a alteração do prenome do irmão registrado por último, para não haver confusão entre a identidade dos irmãos.

d. Apelidos públicos e notórios (art. 58 da Lei 6015/73, com a redação dada pela Lei 9708/98). Admite-se a substituição do prenome pelo apelido público e notório. Nada obsta, porém, que o interessado apenas acrescente o apelido, quando, então, este passará a ser um cognome.

e. Transexual. Assim, o transexual submetido à cirurgia de mudança de sexo pode requerer a alteração do assento civil para dele constar o prenome feminino. A questão é de índole constitucional, porque a alteração visa preservar a cidadania e a dignidade do ser humano, razão pela qual deve ser rejeitada a opinião contrária, que nega a alteração, argumentando a falta de previsão legal. Ora, o princípio da legalidade dos registros públicos não pode sobrepor-se aos ditames constitucionais.

CAUSAS ESPECÍFICAS DE MUDANÇA DO PATRONÍMICO

O patronímico, além das causas comuns já mencionadas, ainda pode ser alterado nas seguintes hipóteses:

a. casamento;b. união estável;c. separação judicial;d. divórcio;e. viuvez;f. reconhecimento de filho;g. ação negatória de paternidade;h. anulação de casamento;i. mau procedimento da viúva, separada e divorciada.

CASAMENTO

O cônjuge não pode ser coagido a usar o patronímico do outro. Trata-se, pois, de mera faculdade. Nada obsta que se mantenha o nome de solteiro. Essa opção pelo patronímico do cônjuge pode ser feita a qualquer tempo, enquanto perdurar o casamento (RT 515/76). Todavia, após o casamento, haverá necessidade de ordem judicial para essa inclusão do patronímico. Diferentemente, ensina Yussef S. Cahali, que a opção pelo nome de família do outro cônjuge só é possível na fase de habilitação do casamento, invocando, para tanto, o art. 70, §8º, da Lei 6015/73, que, a nosso ver, porém, não endossa seu ponto de vista, pois em nenhum momento esse dispositivo legal proíbe a inclusão posterior do patronímico.

Por outro lado, qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro (§1º do art. 1.565). Permite-se, portanto, que o marido também adote o patronímico da esposa. Uma vez feita a opção em utilizar o nome do outro cônjuge, torna-se inadmissível a renúncia na constância da

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sociedade conjugal. Observe-se que o cônjuge pode apenas acrescer ao seu o patronímico do outro. Na prática, tem sido tolerada, ao arrepio da lei, a supressão, passando a mulher a usar apenas o sobrenome do marido.

UNIÃO ESTÁVEL

Dispõe o § 2º do art. 57 da Lei nº 6.015/73: “A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá recorrer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas.”

Assim, a companheira pode requerer ao juiz a inclusão do patronímico do companheiro, mediante a comprovação dos seguintes requisitos:

a. cinco anos de união estável, salvo se houver filho em comum (art. 57, § 3º da LRP)b. autorização do companheiro. Este pode recusar-se imotivadamente;c. que nenhum deles seja casado;d. que haja impedimento legal para o casamento deles, decorrente do estado civil de um ou

de ambos;e. que a ex-esposa não esteja usando o nome de casada (art.57, parágrafo 4º, da LRP).Do exposto, dessume-se que a inclusão do patronímico só é possível na união estável

entre:I. pessoas separadas judicialmenteII. separado judicialmente com mulher viúva;III. solteiro ou viúvo com mulher separada judicialmente.Note-se que pelo menos um deles deve ser separado judicialmente, pois só assim haverá

impedimento para o casamento, conforme mencionado na alínea “d”. Portanto, nesse caso, torna-se lícito requerer a inclusão do patronímico, a não ser que a ex-esposa esteja usando o nome de casada.

Sílvio Rodrigues sustenta que, sendo a união estável uma instituição reconhecida pelo Estado, não mais subsistem essas restrições da Lei nº 6.015/73. Discordamos, porque em matéria de registros públicos, a hipótese deve estar devidamente regulamentada na lei.

Assim, a companheira não poderá incluir o nome do companheiro nas seguintes hipóteses:a. quando os dois são solteiros, divorciados ou viúvos;b. quando um é solteiro e o outro divorciado ou viúvo.Nesses casos, o casamento torna-se possível. E quando é possível o casamento é vedada

a inclusão do patronímico. Presentes os requisitos legais, o pedido deve ser formulado perante o juiz da Vara de

Registros Públicos. Este ouvirá o Ministério publico antes de prolatar a sentença. Esta deverá ser registrada no Registro Civil.

Finalmente, embora a lei seja silente, torna-se evidente que no concubinato incestuoso, a mulher não pode incluir o patronímico do concubino.

SEPARAÇÃO JUDICIAL

Em relação ao direito de usar o sobrenome do outro cônjuge, a situação é a seguinte:a. na separação consensual, o cônjuge poderá ou não manter o nome de casado. Se a

petição inicial for omissa, persiste o direito de usar o nome, porque a renúncia deve ser expressa;b. na separação-remédio e na separação-falência, o cônjuge tem também a opção de

conservar ou não o nome de casado (§1º do art.1578). O §1º do art. 17 da Lei nº 6515/77, que cominava a perda do nome, quando a mulher tomava a iniciativa da ação, encontra-se revogado pelo novo Código;

c. na separação-sanção, o cônjuge declarado culpado perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente (art.1.578). Portanto, a perda do nome não é mais automática; urge que seja requerida pelo cônjuge inocente, estando revogado o art.17 da Lei nº 6.515/77. Assim, a perda do nome exige dois requisitos: (a) culpa pela separação; (b) requerimento do cônjuge inocente. Não obstante a presença desses dois requisitos, o cônjuge culpado ainda poderá continuar com o nome de casado em três casos: (a) evidente prejuízo para sua identificação; (b) manifesta distinção entre seu nome de família e dos filhos havidos da união dissolvida; (c) dano grave reconhecido na decisão judicial.

Quanto ao cônjuge inocente, poderá manter o nome de casado, se quiser. Na hipótese de o cônjuge conservar o nome de casado, poderá renunciar, a qualquer momento, a esse direito (§ 1º. Do art.1578).

Esse direito poderá ser cancelado, mediante ação judicial, quando o cônjuge usar o nome para fins ilícitos ou imorais.

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DIVÓRCIO

Por outro lado, quanto ao nome de casado, pode ser mantido pelo cônjuge, seja o divórcio direto ou por conversão, salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial (§ 2º do art.1571). O Código foi flexível com o nome da divorciada, permitindo a sua manutenção, salvo na hipótese de perda ou renúncia desse direito na separação judicial. A Lei 8.408/92, que impunha à divorciada a perda obrigatória do nome, encontra-se revogada.

Por outro lado, a divorciada que contrair novas núpcias pode continuar com o patronímico do casamento anterior, pois a lei não prevê essa perda em face do novo casamento. Esse ponto de vista, porém, não é pacífico. Yussef Cahali, por exemplo, sustenta que ela não poderá continuar usando o nome do ex-marido, pois se vier a remaridar-se, perde “ope legis” o direito a alimentos por força do art. 29 da lei 6515/77, de modo que a manutenção do nome do ex-marido é incompatível com os princípios de direito matrimonial. Discordamos dessa exegese, porque o nome civil é questão atinente ao Registro Público. Este, quanto menos alterado for, maior a segurança das relações jurídicas, razão pela qual vigora o princípio da imutabilidade do nome.

VIUVEZ

No Brasil, o direito consuetudinário atribui à viúva o direito de continuar usando o nome do falecido marido. A qualquer tempo, porém, poderá renunciar a esse direito, mediante requerimento judicial, retomando o nome de solteira.

Por outro lado, convolando novas núpcias, discute-se se poderá ou não continuar usando o nome do falecido. Prevalece a opinião de Limongi França, segundo o qual, rompendo-se todos os laços que a uniam à memória de seu antigo cônjuge, não há mais nada de comum entre eles, e logicamente o nome, marca exterior dessa união, deve também desaparecer para dar lugar ao do novo cônjuge, símbolo da nova união. Discordamos desse ponto de vista, por força do princípio da imutabilidade do nome, cuja alteração depende de causa expressa na lei. Assim, a nosso ver, nada obsta que a viúva, ao convolar novas núpcias, mantenha o patronímico anterior, acrescendo ainda, se quiser, o do novo consorte.

RECONHECIMENTO DE FILHO

O filho reconhecido, por força do princípio da isonomia, poderá adotar o patronímico paterno, mantendo ou não o nome da mãe.

AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE

Com o trânsito em julgado da sentença que julgou procedente a ação negatória de paternidade, opera-se a supressão do patronímico paterno, alterando-se, destarte, o nome civil.

ANULAÇÃO DO CASAMENTO

Com a sentença anulatória do casamento, o cônjuge perde o direito de usar o patronímico do outro.

Se, porém, o casamento for putativo, o cônjuge de boa-fé continua com o direito de usar o nome. Há, porém, quem sustente que, após a sentença, o cônjuge virago perde o nome do varão, ainda que haja boa-fé, por força do art.1561 do CC, que limita os efeitos da putatividade até o dia da sentença anulatória. A nosso ver, alguns efeitos da putatividade permanecem após a sentença, tais como: o direito de usar o nome, a emancipação, a pensão alimentícia, etc. Entendimento diverso esvaziaria a importância da putatividade.

MAU PROCEDIMENTO DA VIÚVA, SEPARADA E DIVORCIADA

A viúva, a separada judicialmente e a divorciada, que mantiveram o nome de casada, podem perder esse direito, por sentença judicial, quando usar o nome para fins ilícitos ou imorais.

NOME VOCATÓRIO

Nome vocatório é aquele pelo qual a pessoa é comumente chamada. “Rui” é nome vocatório de Rui Barbosa, “Greco”, o de Vicente Greco Filho, “Maysa, o da cantora Maysa Monjardim.

PSEUDÔNIMO

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O pseudônimo é um nome independente do nome civil, que é registrado e usado pela pessoa especialmente para fins literatos, artísticos, políticos, científicos, etc. “Di Cavalcanti”,por exemplo, é o pseudônimo pelo qual ficou conhecido o famoso pintor Emiliano de Albuquerque Melo.

Anote-se que o pseudônimo não integra o nome civil, ao contrário do cognome.Acrescente-se, por fim, que o pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção

que se dá ao nome (art. 19 do CC).

TÍTULOS QUALIFICATIVOS

Os títulos qualificativos são os seguintes:a. axiônimo: são os títulos nobiliários e os títulos honoríficos. Os títulos nobiliários,que

serviam para distinguir as classes sociais, eram de seis categorias, nessa ordem de importância: príncipe, duque, marquês, conde, visconde e barão. Até hoje,ainda podem ser adquiridos por sucessão hereditária. Já os títulos honoríficos ou cavalheirescos, como comendador, é uma distinção honrosa à pessoa, sendo, porém, intransmissível, tendo em vista o seu caráter estritamente pessoal.

b. títulos eclesiásticos: são os concedidos pela Igreja. Exemplos: bispo, arcebispo, cardeal, padre, dom, frei, irmão, irmã, madre, etc.

c. títulos de identidade oficial. Exemplos: senador, desembargador, marechal, embaixador, etc.

d. títulos acadêmicos e científicos. Exemplos: professor, doutor, engenheiro, etc. Esses títulos, de acordo com Limongi França, podem ser apostos antes do prenome.

Cremos que isso não seja possível, por falta de previsão legal. A matéria atinente ao nome civil é de ordem pública, e, por isso, no registro só pode constar aquilo que a lei autoriza.

HIPOCORÍSTICO

Hipocorístico é o tratamento carinhoso. Exemplo: “Bia”, ao invés de Beatriz; “Nando”, ao invés de Fernando; “Pedrinho”, ao invés de Pedro, etc.

Nada obsta que o hipocorístico figure como prenome. Assim, os pais podem registrar a filha como Bia, ao invés de Beatriz.

PROTEÇÃO AO NOME

No âmbito do direito privado, a proteção ao nome é garantida pelas seguintes ações:a. ação de contestação: é cabível quando o nome de alguém é usado pessoalmente por

outrem, de forma abusiva. De fato, dispõe o art. 17 do CC que “o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que exponham ao desprezo público, ainda que não haja intenção difamatória”. Não há necessidade de o desprezo público ser exacerbado. Na aludida ação, o autor requererá a suspensão do prosseguimento da publicação ou representação, sob pena de multa diária, bem como a apreensão dos livros, jornais etc.

b. ação de proibição: é cabível quando o nome de alguém é usado por outrem, de maneira não pessoal. Com efeito, dispõe o art. 18 do CC que “sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial”. No Brasil, não há distinção entre a publicidade e propaganda. Portanto, a proibição compreende qualquer anúncio destinado a promover a venda de produtos ou serviços do anunciante. A propósito, como esclarece Fábio Ulhoa Coelho, “mesmo a pessoa premiada no certame promocional não poderá ter o seu nome divulgado pelo anunciante, a não ser que tenha autorizado expressamente a divulgação ou que as normas de premiação prevejam cláusula de autorização de uso do nome pela tão só adesão ao certame. Note-se que, mesmo tendo a pessoa dado autorização ao uso do nome em propaganda comercial, não se admite qualquer prejuízo à imagem dela”. Essa ação de proibição, que também pode conter pedido cominatório, isto é, de multa diária, é ainda cabível, com base no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e da proteção à imagem e honra, quando o nome da pessoa é posto em um prédio, um estabelecimento ou em animal.

c. ação de reclamação. De acordo com Limongi França, é a que assiste ao titular do direito ao nome, quando esse nome é ilicitamente usado por parte de outrem.

d. ação de indenização. É cabível, em todas as hipóteses anteriores, para se obter o ressarcimento dos danos materiais e morais, causados por outrem em virtude do desrespeito ao direito ao nome. Seu fundamento legal é o art. 186 do CC.

Por outro lado, no âmbito do direito público, o art. 185 do Código Penal tipifica como crime a usurpação de nome ou pseudônimo alheio, nos seguintes termos: “Atribuir falsamente a alguém, mediante o uso de nome, pseudônimo ou sinal por ele adotado para designar seus trabalhos, a autoria de obra literária, científica ou artística. Pena: detenção, de 6 (seis) a 2 (dois) anos, e multa”.

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Finalmente, ainda é cabível a ação de retificação de registro civil, no rito sumário e da competência da Vara de Registros Públicos. Aludida ação deve ser movida no lugar em que o assento foi lavrado ou no local da residência do interessado.

QUESTÕES

1. O que são direitos da personalidade?2. Quais as características do direito da personalidade?3. O que é nome civil?4. Qual a natureza jurídica do nome civil?5. Quais os elementos essenciais do nome civil?6. O que é infante exposto?7. O que é agnome?8. O que é cognome?9. Elenque as causas comuns de mudança do prenome e patronímico.10. O apelido público e notório só pode funcionar como cognome?11. O cônjuge pode adotar o patronímico do outro?12. Quais os requisitos para a companheira utilizar o patronímico do companheiro?13. Na separação judicial, o cônjuge continua com o direito de usar o nome do outro?14. A divorciada pode usar o patronímico do ex-marido?15. A viúva é obrigada a continuar usando o nome de casada?16. O que é nome vocatório?17. O que é pseudônimo?18. O que é axiônimo?19. O que é hipocorístico?20. Quais as ações de proteção ao nome?

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PESSOAS JURÍDICAS

CONCEITO

De acordo com Cunha Gonçalves, as pessoas jurídicas podem ser definidas como associações ou instituições formadas para a realização de um fim e reconhecidas pela ordem jurídica como sujeitos de direitos.

Para bem compreender a existência de semelhantes entidades, valemo-nos da lição de Washington de Barros Monteiro, segundo o qual objetivos inatingíveis para um só homem são facilmente alcançados pela reunião dos esforços combinados de várias pessoas.

As pessoas jurídicas são também denominadas pessoas morais, pessoas coletivas, pessoas civis e pessoas sociais.

NATUREZA JURÍDICA

Sobre a natureza jurídica da pessoa jurídica, desenvolveram-se as seguintes teorias:a. teoria da ficção: a pessoa jurídica não tem vontade própria; a sua existência não é real,

porquanto promana exclusivamente da lei que a reconhece como sujeito de direito. Essa teoria vigora na área penal, pois, à exceção dos crimes ambientais, a pessoa jurídica não responde criminalmente por seus atos.

b. teoria da equiparação: a pessoa jurídica é um patrimônio ao qual a lei atribui personalidade jurídica, tendo em vista o seu fim específico. Essa teoria, à semelhança da anterior, justifica a existência da pessoa jurídica no direito, negando-lhe a realidade orgânica.

c. teoria da realidade objetiva, também chamada orgânica: as pessoas jurídicas são dotadas de existência real, cuja vontade é autônoma e independente dos homens que as compõem. O direito não cria as pessoas jurídicas, mas apenas se limita a declará-las existentes.

d. teoria da realidade técnica ou jurídica: a pessoa jurídica é um ente real, sob o prisma da realidade jurídica, como instituição que se concretizou, e não sob o aspecto físico ou natural, cuja realidade é privativa da pessoa física. Quanto à personalidade, não é um conceito natural, mas eminentemente jurídico, cuja investidura depende exclusivamente do direito. A teoria da realidade jurídica é a que possui o maior número de adeptos. A nosso ver, essas teorias não são propriamente jurídicas, mas filosóficas, pois procuram fundamentar a razão de ser da existência da pessoa jurídica.

No âmbito do direito, as pessoas jurídicas apresentam a mesma natureza que as pessoas naturais, enquadrando-se como sujeitos de direitos.

CLASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS

Quanto às suas funções e capacidade, as pessoas jurídicas podem ser:a. pessoas jurídicas de direito público, interno ou externo;b. pessoas jurídicas de direito privado.Quanto à sua nacionalidade, as pessoas jurídicas podem ser:a. brasileiras: são as constituídas de acordo com a lei brasileira, tendo ainda sede e

administração no Brasil, pouco importando a nacionalidade dos sócios. Assim, diversas multinacionais são, a rigor, pessoas jurídicas brasileiras, porque preenchem os requisitos acima.

b. estrangeiras: são as constituídas sob a lei de outros países que desejam funcionar no Brasil. Urge, para tanto, a autorização especial do governo e a nomeação de um representante só para responder pelos atos praticados no Brasil.

Quanto à quantidade de membros, podem ser:1. pessoas jurídicas singulares: são as constituídas por uma só pessoa. Exemplos:

autarquia; empresas públicas; sociedades anônimas subsidiárias integrais.2. pessoas jurídicas coletivas: são as constituídas por mais de uma pessoa. Exemplos:

sociedades e associações. Quanto à sua estrutura, as pessoas jurídicas podem ser:a. corporação: consiste na união de duas ou mais pessoas para, através da instituição de

uma pessoa jurídica, atingir um fim comum. É o caso das sociedades e associações.b. fundação: consiste num patrimônio que se personaliza, isto é, transforma-se em pessoa

jurídica. Portanto, não possui sócios ou associados.

PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO

GENERALIDADES

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As pessoas jurídicas de direito público externo são os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público, como é o caso da Santa Sé e da Organização das Nações Unidas (O.N.U.).

As pessoas jurídicas de direito público interno, por sua vez, estão enumeradas no art. 41 do CC, a saber:

I. a União;II. os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;III. os Municípios;IV. as autarquias; inclusive as associações públicas (Lei n. 11.107 de 06 de Abril de 2005);V. as demais entidades de caráter público criadas por lei.Acrescenta o parágrafo único do art. 41 do CC que “salvo disposição em contrário, as

pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código”.

Convém observar que o inciso V do art. 41 do CC considera pessoa jurídica de direito público as demais entidades de caráter público criadas por lei. Essas entidades são as fundações públicas. As empresas públicas, sociedade de economia mista e os serviços sociais autônomos (SESC, SESI, SENAI e SENAC) são pessoas jurídicas de direito privado.

Quanto ao seu funcionamento, porém, como logo veremos, podem apresentar o regime jurídico atinente ao direito privado, conforme preceitua o parágrafo único do art. 41 do CC.

Anote-se ainda que os partidos políticos são considerados pessoas jurídicas de direito privado pela lei nº 10.825/03.

Vê-se, portanto, que as pessoas jurídicas de direito público interno são sempre criadas por lei. Assim, por exemplo, a personalidade jurídica da autarquia nasce a partir da entrada em vigor da lei que a criou.

Igualmente, a extinção da pessoa jurídica de direito público também depende de lei, retornando o seu patrimônio para a pessoa política que a havia instituído.

As pessoas jurídicas de direito público interno são regidas por uma série de princípios de direito administrativo, ostentando prerrogativas peculiares, que as distinguem das pessoas jurídicas de direito privado.

Essas prerrogativas, que as colocam numa posição de supremacia sobre as pessoas jurídicas de direito privado, só se justificam quando a sua estrutura objetiva for a prestação de um serviço público, conforme se depreende da análise do parágrafo único do art. 41 do CC.

Por outro lado, as empresas públicas, sociedades de economia mista e os serviços sociais autônomos são também criados por lei, todavia, são pessoas jurídicas de direito privado. Essas entidades podem ser criadas para a prestação de serviço privado de intervenção no domínio econômico, como, por exemplo, os serviços bancários prestados pelo Banco Brasil, e, também, para a prestação de serviços públicos, como, por exemplo, o tratamento de água realizado pela Sabesp.

RESPONSABILIDADE CIVIL

As pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes culpa ou dolo (art. 37,§ 6º, da CF e art. 43 do CC). Adotou-se, como se vê, a teoria do risco administrativo, segundo a qual a obrigação de indenizar os danos causados independe de dolo ou culpa do empregado. Urge, porém, que o dano seja causado pelos agentes da administração, no exercício da função, excluindo-se a responsabilidade civil quando for causado por força maior ou por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

REGIME JURÍDICO DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO

As pessoas jurídicas de direito público são regidas pelo regime jurídico do Direito Administrativo, que é norteado, basicamente, por dois princípios: a supremacia do interesse público e a indisponibilidade do interesse público.

Os sub-princípios do princípio da supremacia do interesse público são os seguintes:a. princípio da supremacia da Administração Pública nas relações jurídicas. Exemplos:

presunção de legitimidade do seus atos; prazo em dobro para recorrer; prazo em quádruplo para contestar etc.

b. princípio da continuidade da prestação dos serviços públicos;c. princípio da imperatividade dos atos administrativos, consiste na possibilidade da

Administração Pública impor obrigações unilaterais, independentemente da concordância da pessoa atingida. Exemplo: criação de imposto.

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d. princípio da exigibilidade unilateral dos atos administrativos, consiste no poder da Administração Pública induzir a pessoa a cumprir o comando administrativo, estabelecendo, para tanto, certas sanções.

e. princípio da auto-executoriedade dos atos administrativos: consiste na possibilidade da Administração Pública fazer cumprir suas ordens, independentemente de ação judicial. Exemplos: interdição de fábrica; apreensão de remédios vencidos. Anote-se, porém, que, se não houver lei autorizando expressamente a auto-executoriedade, esta só será possível mediante dois requisitos: a) situação de emergência; b) inexistência de outro meio idôneo capaz de evitar a tempo a lesão no interesse público.

f. princípio da modificabilidade unilateral das relações jurídicas. Assim, a administração pública pode alterar as claúsulas contratuais, independentemente da anuência do outro contratante, não se submetendo, destarte, à máxima “ pacta sunt servanda” . Todavia, não poderá alterar o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.

g. princípio da revogabilidade unilateral dos atos administrativos. Consiste no poder que tem a administração pública de cancelar unilateralmente os atos administrativos legais, quando considerá-los inconvenientes ou inoportunos ao interesse público, independentemente de ação judicial.

h. princípio da anulabilidade unilateral dos atos administrativos. Consiste no poder que tem a administração pública de cancelar unilateralmente os atos administrativos, quando estes forem ilegais, independentemente da ação judicial.

Os sub-princípios do princípio da indisponibilidade do interesse público são os seguintes:a. princípio da isonomia: a administração pública deve tratar todas as pessoas igualmente,

sem discriminá-las. Se, porém, houver um nexo de compatibilidade lógica entre o fato discriminado pela norma e a razão jurídica da discriminação, a isonomia estará preservada.

b. princípio da legalidade: consiste no fato de o administrador público só poder fazer aquilo que a lei o autoriza, de forma expressa ou tácita. Se a lei silencia, o administrador não poderá praticar o ato.

c. princípio da responsabilidade civil do Estado: o Estado tem responsabilidade objetiva, pois é obrigado a indenizar os danos causados por seus agentes, nessa qualidade, independentemente de dolo ou culpa.

d. princípio do controle ou da tutela administrativa: é o poder que tem a administração publica de adequar os serviços públicos descentralizados à finalidade pública.

REPRESENTAÇÃO

As pessoas jurídicas de direito público interno são representadas em juízo por seus procuradores. Todavia, a citação processual da União deverá ser feita na pessoa do Advogado Geral da União e dos Estados Membros na pessoa do respectivo Procurador Geral do Estado.

PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO

INTRODUÇÃO

São pessoas jurídicas de direito privado:I. as associações;II. as sociedades;III. as fundações;IV. as organizações religiosas;V. os partidos políticos.No regime jurídico de direito privado há isonomia. Assim, uma pessoa jurídica de direito

privado não pode exercer supremacia sobre outra pessoa em suas relações jurídicas. Não pode, por exemplo, impor obrigações unilaterais.Para anular um contrato, é preciso mover ação judicial. Igualmente, para fazer cumprir o que nele está contido.

DISTINÇÃO ENTRE ASSOCIAÇÃO E FUNDAÇÃO

Podemos elencar os seguintes pontos diferenciais: I.Quanto à estrutura, a associação é uma corporação, isto é, a união de duas ou mais

pessoas, ao passo que a fundação é um patrimônio, que se personaliza para atingir um certo fim.II.A finalidade da associação pode ser alterada pelos associados; a da fundação, não.III. A fundação é fiscalizada pelo Ministério Público; a associação, não.Convém, porém, esclarecer que tanto a associação quanto a fundação não têm finalidade

lucrativa, distinguindo-se da sociedade, cujo escopo é permanentemente lucrativo. Todavia, a associação e fundação podem ter lucro, como meio para consecução dos seus fins. Assim, enquanto na sociedade o lucro é o fim; na associação e fundação, é o meio para atingir o fim.

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REPRESENTAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO

As pessoas jurídicas serão representadas, ativa e passivamente, nos atos judiciais e extrajudiciais, por quem os respectivos estatutos designarem ou não os designando, por seus diretores (art. 12, VI, do CPC e art. 46, III do CC).

Nada obsta que o estatuto designe mais de um administrador ou representante, discriminando ou não os poderes de cada um. Com efeito, dispõe o art. 47 do CC que obrigam a pessoa jurídica os atos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos nos atos constitutivos.

O estatuto ainda pode prever que a pessoa jurídica tenha uma administração coletiva, isto é, dirigida por um órgão colegiado. Nesse caso, as decisões se tomarão pela maioria dos votos dos diretores presentes à reunião, salvo se o ato constitutivo dispuser de modo diverso (art.48).

Saliente-se, contudo, que, no caso das sociedades, a maioria é calculada em função da contribuição para a formação do capital social, de modo que o voto de uma pessoa, isoladamente, pode configurar a maioria. Anote-se ainda que decai em três anos o direito de anular as decisões do órgão coletivo, quando estas violarem a lei ou estatuto, ou forem eivadas de erro, dolo, simulação ou fraude (parágrafo único do art. 48 do CC). No caso de coação, diante do silêncio da lei, força convir que o prazo para a anulação será de quatro anos, a contar do dia em que cessar a coação (art. 178,I, do CC).

Por outro lado, se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório (art.49).

Convém ressaltar que a vontade da pessoa jurídica se expressa por seu representante. Enquanto na representação dos incapazes, a vontade do representante substitui a dos representados; na pessoa jurídica, como salienta Washington de Barros Monteiro, a vontade reside no próprio ente, sendo o representante o meio de exteriorizar essa vontade. Por isso, Pontes de Miranda utiliza para as pessoas jurídicas a expressão “ presentação”, que significa tornar presente a vontade, ao invés do termo “representação”.

A vontade da pessoa jurídica estará, porém, viciada quandoo representante agir em desconformidade com o estatuto ou contrato social.

Nesse caso, o negócio poderá ser anulado.Acrescente-se ainda que as sociedades sem personalidade jurídica, isto é, sem registro,

serão representadas em juízo pela pessoa a quem couber a administração dos seus bens (art.12,VII, do CPC).

Finalmente, a pessoa jurídica estrangeira, será representada, em juízo, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (art. 12,VIII, do CPC).

INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Prescreve o art.45 da lei civil: “ começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”.

Enquanto a personalidade civil da pessoa humana começa do nascimento com vida, sendo o registro deste em ato meramente declaratório, a da pessoa jurídica inicia com o registro competente, que é, portanto, um ato constitutivo de sua personalidade jurídica. Este registro é levado a efeito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, salvo quanto ás sociedades empresárias, cujo registro é feito na Junta Comercial.

Inúmeras entidades dependem, para seu funcionamento, de autorização do governo, sem a qual o registro será vetado. Vejamos algumas:

a. as instituições financeiras;b. os administradores de consórcio de bens duráveis;c. seguradoras;d. operadoras de planos privados de assistência a saúde;e. as sociedade e fundações estrangeiras (art. 11§ 1º da LICC).Dentre as conseqüências da aquisição da personalidade jurídica, cumpre destacar:a. O poder de a pessoa jurídica praticar todos os atos jurídicos, exceto aqueles que lhe são

vetados de forma expressa ou tácita. O testamento, por exemplo, lhe é vetado tacitamente, pois é ato “ causa mortis” inerente às pessoas naturais.

b. O poder de a pessoa jurídica figurar como parte nas relações jurídicas materiais ou processuais, podendo, por exemplo, outorgar procuração, receber citação, contestar a ação etc.

c. Autonomia patrimonial. O patrimônio de pessoa jurídica personalizada não se confunde com o dos sócios. Assim, por exemplo, o patrimônio da sociedade, que é formado pelo capital social e o conjunto dos bens por ela adquiridos, não pertence aos sócios, mas á própria sociedade.

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Por outro lado, a teoria “ ultra vires”, segundo a qual a capacidade da pessoa jurídica é restrita aos atos relacionados ao seu objetivo social, não encontra guarida no direito pátrio. De acordo com essa doutrina, são nulos os atos que ultrapassam o objeto da sociedade. Por exemplo: se fosse venda de roupas, a sociedade não poderia adquirir uma fazenda de criação de gados. Essa restrição á personalidade da pessoa jurídica torna-se inadmissível no direito moderno.

É claro, porém, que haverá nulidade se houver abuso da razão social, isto é, a prática de negócios vedados pelo estatuto da pessoa jurídica. Todavia, o abuso da razão social é algo diverso da teoria ultra vires, pois esta última invalida os negócios que ultrapassam o objeto social.

Finalmente, estabelece o parágrafo único do art. 45 do CC: “decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação e sua inscrição no registro”.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A pessoa jurídica desfruta da personalidade e patrimônio autônomos, não se confundindo, portanto, com personalidade e patrimônio dos seus sócios ou associados. Se, por exemplo, alguém deve para a sociedade, a ação judicial de cobrança não pode ser movida pelos sócios, sob pena de carência de ação, por ilegitimidade de parte; urge que seja ajuizada pela própria pessoa jurídica. De outro lado, se a sociedade deve alguma coisa, o credor não pode cobrar o sócio, mas a própria sociedade, a não ser que esta esteja insolvente.

Todavia, preceitua o art. 50 do CC, que, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Consagrou-se, destarte, no dispositivo em apreço, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, segundo a qual o juiz pode determinar que o patrimônio dos sócios e administradores respondam pelos atos que a pessoa jurídica praticar em abuso da personalidade.

Aludida teoria tem o objetivo de afastar, provisoriamente e tão somente para o caso concreto, a autonomia da personalidade e patrimônio da pessoa jurídica em relação aos seus sócios ou administradores, para que estes possam responder diretamente pelos atos fraudulentos.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, conhecida por “disregard of legal entity” ou teoria do superamento da personalidade jurídica, não tem a finalidade de extinguir a pessoa jurídica, mas apenas afastar, em relação aos atos fraudulentos, o princípio da autonomia da sua personalidade. Para os demais atos, porém, esse princípio da autonomia é mantido. O juiz, quando aplica essa teoria, não ordena o cancelamento do registro do ato constitutivo da pessoa jurídica, que, mantém-se intacto, limitando-se a declarar a responsabilidade direta dos sócios ou administradores responsáveis pela fraude.

São duas as causas de desconsideração da personalidade jurídica, caracterizadoras do abuso da personalidade, a saber:

a. desvio dos fins estabelecidos no contrato social ou nos atos constitutivos. Tal ocorre, por exemplo, quando a pessoa jurídica pratica algum ato ilícito ou fraudulento.

b. confusão entre o patrimônio da pessoa jurídica e o dos sócios ou administradores. Tal ocorre, por exemplo, quando a pessoa, para ocultar a sua participação em certo negócio, constitui uma pessoa jurídica, da qual é sócio ou administrador, celebrando o contrato em nome desta.

QUESTÕES

1. O que é pessoa jurídica e qual é a razão de sua existência?2. Quais as teorias que procuram explicar a natureza jurídica da pessoa jurídica?3. Qual a distinção entre pessoa jurídica brasileira e estrangeira?4. Qual a distinção entre pessoa jurídica singular e coletiva?5. Qual a distinção entre corporação e fundação?6. Quais são as pessoas jurídicas de direito público?7. Há alguma pessoa jurídica de direito público que é regida pelo código civil?8. O partido político é pessoa jurídica de direito privado?9. Quais são as pessoas jurídicas de direito privado?10. Qual a distinção entre associação e fundação?11. A pessoa jurídica pode ser administrada por um órgão colegiado?12. Quando se nomeia administrador provisório à pessoa jurídica de direito privado?13. O que significa presentação?14. Quem representa a pessoa jurídica sem registro?15. Quem representa a pessoa jurídica estrangeira?

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16. Quando se inicia a personalidade da pessoa jurídica?17. Quais as pessoas jurídicas que dependem de autorização do governo?18. Quais as conseqüências da aquisição da personalidade jurídica?19. Qual a diferença de abuso da razão social e a teoria da “ultra vires” ?20. A teoria da “ultra vires” é adotada no Brasil?21. Qual o prazo para anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado por defeito do ato constitutivo?22. O que é teoria da desconsideração da personalidade jurídica?23. Quais as causas de desconsideração da personalidade jurídica?

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ASSOCIAÇÕES

CONCEITO

Associação é a corporação sem fim lucrativo.De fato, dispõe o art.53 do CC que; “Constituem-se as associações pela união de pessoas

que se organizem para fins não econômicos”.Assim, o objeto das associações pode ser: cultural, beneficente, altruísta, religioso,

esportivo, moral etc.

LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

O art. 5º incisos XVII a XXI, da CF assegura a liberdade de associação. Nesse sentido constitucional, a expressão associação compreende também as sociedades.

A liberdade de associação consiste:a. no direito de criar associação independentemente de autorização;b. no direito de não ser compelido a aderir a determinada associação;c. no direito de desligar-se da associação, a qualquer tempo.O direito de associação é de expressão coletiva. Esses direitos de ação coletiva são

aqueles atribuídos ao indivíduo como tal, mas que só podem ser exercidos em conjunto com outras pessoas.

DESRESPEITO À LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

É vedada a interferência estatal no funcionamento das associações, e, também, nos termos da lei, nas cooperativas.

A interferência arbitrária do poder público, por meio de seus agentes, no exercício do direito de associação, constitui crime de abuso de autoridade (Lei nº 4898/65) e crime de responsabilidade política administrativa (Lei nº 1.079/50).

A LIBERDADE DE REUNIÃO

Reunião é o agrupamento de pessoas com o fim de trocar ou de receber informações. Exemplos: passeatas, comícios, desfiles etc.

Três são os seus requisitos:a. deve ser pacífica, isto é, sem armas;b. deve visar a fins lícitos, isto é, não proibidos por lei;c. a realização de reunião deve ser notificada previamente à autoridade competente. Esta

terá o dever de garantir a realização da reunião. Anote-se, destarte, que a reunião pressupõe uma avocação prévia sob a direção de alguém, de modo que a mera curiosidade em face de um acontecimento não é considerada reunião.

A escolha do local de reunião é livre. A autoridade não tem o poder de indicar o local de reunião. A reunião só não se realizará no local escolhido se outra reunião já estiver, comprovadamente, convocada para o mesmo local.

A realização da reunião não depende de licença do Poder Público.A polícia não pode interferir na reunião, a não ser que esta tenha finalidade ilícita.Nas reuniões de fins lícitos, a polícia deve limitar-se a vigiar o local, quando este for aberto

ao público. Caso seja realizada em recinto fechado, a polícia não pode adentrar ao local, por força do princípio da inviolabilidade domiciliar, salvo para prender alguém em flagrante delito. A propósito, o fato de alguém estar armado não é motivo para dissolução da reunião, que prosseguirá normalmente, desarmando-se tal pessoa ou então afastando-a do local.

Finalmente, qualquer restrição ao direito de reunião deve ser combatida com mandado de segurança, e não com habeas corpus.

DISTINÇÃO ENTRE REUNIÃO E ASSOCIAÇÃO

A associação é uma organização duradoura, fundada no acordo de vontades dos aderentes; a reunião é passageira. A associação é uma pessoa jurídica; a reunião, não.

DISTINÇÃO ENTRE ASSOCIAÇÃO E SOCIEDADE

Na sociedade, há o fim lucrativo, ao passo que a associação é a organização de pessoas para fins não econômicos.

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Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos, conforme preceitua o parágrafo único do art. 53 do CC, mas apenas entre eles e a associação. Na sociedade, ao revés, os sócios têm direitos e obrigações recíprocas.

Finalmente, dissolvida a associação, o seu patrimônio é revertido para outra entidade de fins não econômicos, ao passo que dissolvida a sociedade, o seu patrimônio é rateado entre os sócios.

DIREITO DA REPRESENTAÇÃO COLETIVA

O art. 5º, inciso XXI, dispõe que as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados em juízo ou fora dele.

O art. 8º, inciso III, da CF preceitua que ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.

CONSTITUIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO

O início da personalidade jurídica só se dá com o registro do estatuto no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Sob pena de nulidade, o estatuto da associações conterá:I. a denominação, os fins e a sede da associação;II. os requisitos para admissão, demissão e exclusão dos associados;III. os direitos e deveres dos associados;IV. as fontes de recursos para sua manutenção;V. o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos;VI. as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.VII. A forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.Com advento da Lei 11.127, de 28 de junho de 2005, não há mais necessidade de o

estatuto conter o modo de constituição e funcionamento dos órgãos administrativos, mas apenas dos deliberativos.

DIREITOS E DEVERES DOS ASSOCIADOS

Os direitos e deveres dos associados devem ser definidos no estatuto. Este pode definir vantagens especiais a determinadas categorias de associados. Com efeito, dispõe o art. 55 do CC que: “Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto pode instituir categorias com vantagens especiais”.

Nenhum associado poderá ser impedido de exercer direito ou função que lhe tenha sido legitimamente conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos na lei ou no estatuto (art. 58 do CC). Assim, o estatuto poderá, por exemplo, negar o direito de voto ao associado que não esteja em dia com a contribuição associativa.

Por outro lado, a qualidade de associado é intransmissível, a não ser que o estatuto disponha o contrário (art. 56). Assim, no silêncio do estatuto, o título do associado é intransmissível, seja por ato “inter vivos” ou “causa mortis”.

Em contrapartida, pode ocorrer de o associado ser titular de uma quota ou fração ideal do patrimônio da associação. Nesse caso, ele poderá transferir essa sua quota a terceiros. Todavia, a transferência não importará, de per si, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa no estatuto (parágrafo único do art. 56 do CC).

EXCLUSÃO DO ASSOCIADO

A expulsão ou exclusão do associado só admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos nos estatutos, conforme art. 57 do Código Civil, com nova redação dada pela Lei 11.127/2005.

ASSEMBLÉIA GERAL

A assembléia geral é o órgão de deliberação máxima da entidade associativa.A convocação da assembléia geral far-se-á na forma do estatuto, garantindo-se a um quinto

dos associados o direito de promovê-la (art.60). Além de poder ser convocada por 1/5 dos associados, o estatuto pode prever outras formas de convocação da assembléia geral. Certas matérias a lei reserva privativamente à assembléia geral, de modo que o estatuto não pode atribuí-las a outros órgãos.

Com efeito, preceitua o art. 59 do CC que compete privativamente à assembléia geral:I. destituir os administradores;II. alterar o estatuto.Além desses assuntos, o estatuto pode reservar outros à assembléia geral.

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Para a destituição dos administradores e alteração do estatuto, porém, é exigido deliberação da assembléia especialmente convocada para esse fim, cujo quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores.

A convocação dos órgãos deliberativos far-se-á na forma do estatuto, garantido a 1/5 (um quinto) dos associados o direito de promovê-la.

DISSOLUÇÃO DA ASSOCIAÇÃO

A dissolução da associação pode ser espontânea e judicial. A dissolução espontânea é a deliberada pelos associados reunidos em assembléia geral

especialmente convocada para esse fim, observando-se o quórum previsto no estatuto.A dissolução judicial, por sua vez, é a decretada por sentença. Só é possível quando a associação tiver fins ilícitos ou caráter paramilitar (art. 5º, inciso

XVII, da CF). Em tal situação, a dissolução deverá ser decidida pelo Poder Judiciário. Este poderá suspender compulsoriamente a associação, mesmo pendendo recurso; todavia, a dissolução compulsória só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença (art. 5º, inciso XIX, da CF).

Anote-se que, ainda que o fim seja ilícito ou paramilitar, o Poder Executivo e o Poder Legislativo não poderão dissolver compulsoriamente a associação, sob pena de violação do princípio da universalidade da jurisdição. Portanto, o decreto ou lei que decretar a dissolução serão inconstitucionais.

Finalmente, a associação com fins lícitos não pode ser dissolvida nem pelo Poder Judiciário, comportando apenas a dissolução espontânea.

DESTINO DO PATRIMÔNIO DA ASSOCIAÇÃO EXTINTA

Dissolvida a associação, o seu patrimônio líquido, será destinado, em primeiro lugar, à entidade de fins não econômicos designada no estatuto. Se este for omisso, os associados deverão deliberar em favor de alguma associação municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes (art. 61 do CC).

Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição igual ou semelhante, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União (§ 2º do art. 61 do CC).

Finalmente, ainda que o estatuto seja omisso, os associados podem deliberar pelo recebimento em restituição das contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação, atualizando-se o respectivo valor (§ 1º do art. 61 do CC).

QUESTÕES

1. O que é associação?2. Em que consiste a liberdade de associação?3. O Estado pode interferir na associação?4. Em que consiste a liberdade de reunião?5. Qual a distinção entre reunião e associação?6. Qual a distinção entre associação e sociedade?7. Os associados podem ter vantagens especiais?8. A qualidade de associado é transmissível?9. Qual a forma de exclusão do associado?10. O que é assembléia geral e qual a forma de sua convocação?11. Quais as matérias reservadas privativamente à assembléia geral?12. Quais as formas de dissolução da associação?13. A associação pode ser dissolvida por lei ou decreto?14. Qual o destino do patrimônio extinto?

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FUNDAÇÃO

CONCEITO

Fundação é um patrimônio ao qual a lei atribui personalidade jurídica, em atenção ao fim a que se destina.

ELEMENTOS

São dois os elementos da fundação:a. Patrimônio;b. fim específico. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais,

culturais ou de assistência, conforme preceitua o parágrafo único do art. 62 do CC. Percebe-se que esses quatro fins são de interesse geral. O legislador especificou esses fins, ao contrário do Código de 1916, para evitar fundações com finalidades fúteis ou caprichosas.

Na fundação, o patrimônio se transfigura, transformando-se em pessoa jurídica para poder atingir o fim a que se destina. A finalidade da fundação não é lucrativa, mas social, de modo que o eventual lucro obtido deve ser aplicado na concretização de seus fins.

FORMA DE INSTITUIÇÃO

Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la (art. 62 do CC).

Vê-se, portanto, que a instituição da fundação é um ato solene, pois depende de escritura pública ou testamento.

A escritura pública ou testamento deverão conter:a. a dotação de bens alodiais, isto é, livres e desembaraçados, que não sejam prejudiciais

aos credores ou à legítima dos herdeiros necessários. Assim, o fundador deve ser solvente, sob pena de o ato configurar fraude contra credores;

b. o fim a que se destina. Anote-se que a maneira de administrá-la pode ou não ser especificada no ato constitutivo, a

critério do fundador.Após a lavratura da escritura pública, ou, então, após a morte do fundador, quando esta for

instituída por testamento, o próximo passo é a elaboração do estatuto. Nesse aspecto, a fundação pode ser direta e indireta.

Na fundação direta, o estatuto é elaborado pelo próprio fundador, ao passo que na fundação indireta ou fiduciária, o estatuto é elaborado por uma terceira pessoa a quem o fundador atribui esse encargo.

Elaborado o estatuto, urge que este seja levado à aprovação do Ministério Público. E, depois dessa aprovação, o estatuto é registrado no Cartório das Pessoas Jurídicas, constituindo-se, a partir de então, a personalidade jurídica da fundação.

REVOGAÇÃO DO ATO INSTITUCIONAL

A fundação instituída por testamento pode ser revogada a qualquer tempo pelo testador. Todavia, após a morte deste, o ato se torna irrevogável.

A fundação instituída por escritura pública é irrevogável, de modo que, uma vez lavrada a dita escritura, o instituidor é obrigado à transferir à fundação a propriedade dos bens dotados ou outro direito real sobre os bens dotados, sob pena de ação de adjudicação compulsória, quando, então, o registro dos bens em nome da fundação será feito por mandado judicial (art. 64 do CC).

APROVAÇÃO DO ESTATUTO

Vimos que o estatuto é aprovado pelo Ministério Público.Este, antes de aprová-lo, verificará dois aspectos:a. se foram observadas as bases da fundação;b. se os bens são suficientes aos fins da fundação. Caso sejam insuficientes, serão

incorporados em outra fundação de fins iguais ou semelhantes, se outro destino não lhe houver dado o fundador.

O prazo para a deliberação do Ministério é de quinze dias. Se for aprovado, não haverá intervenção judicial, devendo o estatuto ser levado a registro.

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Pode ocorrer de o Ministério Público indicar as modificações no estatuto ou então denegar a aprovação deste. Nesses dois casos, o interessado poderá requerer ao Poder Judiciário o suprimento da aprovação do Ministério Público, podendo o Juiz aprová-lo ou mandar fazer no estatuto as modificações a fim de adaptá-lo à finalidade da fundação.

FISCALIZAÇÃO DA FUNDAÇÃO

Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas (art. 66 do CC). Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público (§2º do art. 66 do CC).

A fundação que se situar no Distrito Federal, ou em Território, será fiscalizada pelo Ministério Público Federal, conforme preceitua o § 1º do art.66 do CC. A nosso ver, o legislador se equivocou, pois as fundações do Distrito Federal devem ser fiscalizadas pelo Ministério Público do Distrito Federal, e não pelo Ministério Público Federal, que é um órgão da União. A intromissão da União nas fundações do Distrito Federal implica em flagrante violação ao princípio federativo, desse modo, o § 1º do art. 66 reveste-se de inconstitucionalidade.

ELABORAÇÃO DO ESTATUTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Em duas situações, o Ministério Público deverá elaborar o estatuto da fundação.A primeira ocorre quando o instituidor não elaborar nem nomear pessoa para elaborá-lo.A segunda, quando a pessoa nomeada não elabora o estatuto no prazo que lhe foi fixado

pelo fundador, ou, não havendo prazo, em cento e oitenta dias.Nessas hipóteses em que o estatuto é elaborado pelo Ministério Público, a sua aprovação

competirá à autoridade judiciária.

ALTERAÇÃO DO ESTATUTO

A alteração do estatuto depende:a. da deliberação de dois terços dos componentes para gerir e representar a fundação;b. que não contrarie o fim da fundação;c. que seja aprovada pelo órgão do Ministério Público,mas, caso este a denegue, poderá o

Juiz suprí-la, a requerimento do interessado.A minoria vencida na modificação pode recorrer ao Poder Judiciário. Aliás, quando a

alteração não houver sido unânime, o Ministério Público, antes de pronunciar-se, dará ciência à essa minoria para se manifestar, em dez dias (art. 68 do CC).

Frise-se, ainda, que a finalidade da fundação é inalterável.

EXTINÇÃO DA FUNDAÇÃO

A extinção da fundação depende de sentença judicial.Qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público poderá requerer a extinção quando:I. se tornar ilícito o seu objeto. Tal ocorre quando sobrevém uma lei proibindo a atividade

exercida pela fundação;II. for impossível a sua manutenção;III. se vencer o prazo de sua existência.Decretada por sentença o fim da fundação, o seu patrimônio será incorporado, em primeiro

lugar, à entidade designada na escritura pública ou testamento; em segundo lugar, à entidade designada no estatuto. Se o ato constitutivo e o estatuto forem omissos, o juiz determinará a incorporação do patrimônio a outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante.

Inexistindo estas, aplica-se por analogia o disposto no § 2º do art. 61 do CC, que cuida das associações, revertendo-se o patrimônio à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União. A devolução à União se dará no caso de a fundação se localizar em território não constituído em Estado.

DISTINÇÃO ENTRE FUNDAÇÃO DE DIREITO PÚBLICO E FUNDAÇÃO DE DIREITO PRIVADO

As fundações de direito público, também chamadas autarquias fundacionais, são aquelas instituídas, por lei, pelo Poder Público, ao passo que as fundações de direito privado são instituídas por um particular.

A personalidade jurídica da fundação de direito público emana diretamente da lei que a criou; a personalidade da fundação de direito privado só se perfaz a partir do registro do seu ato constitutivo no Cartório competente.

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Na fundação de direito público, o processo de execução é feito por precatórios, nos moldes do art. 730 do CPC; na fundação de direito privado, o processo de execução é o comum, isto é, mediante penhora de bens.

Na fundação pública, os servidores estão sujeitos a regime jurídico único e desfrutam de estabilidade; na fundação privada, o regime é o da CLT, sendo certo que não há estabilidade.

As fundações públicas devem observar as normas de licitação (art. 22, XXVII, da CF), as fundações privadas, não.

As fundações de direito privado sofrem a fiscalização do Ministério Público, nas fundações de direito público, não há essa fiscalização.

Finalmente, cumpre acrescentar que as fundações de direito público, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, são pessoas jurídicas de direito público.

QUESTÕES

1. O que é fundação e quais são os seus elementos?2. Qual a forma de instituir fundação?3. Qual a diferença entre fundação direta e indireta?4. Quem aprova o estatuto da fundação?5. A instituição da fundação pode ser revogada?6. O juiz pode aprovar estatuto da fundação?7. O Ministério Público pode aprovar estatuto da fundação?8. Quando o Ministério Público elabora o estatuto da fundação?9. Quais os requisitos para alterar o estatuto da fundação?10. Todas as cláusulas do estatuto podem ser alteradas?11. Como se extingue a fundação?12. Qual a distinção entre fundação de direito público e fundação de direito privado?

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SOCIEDADES

CONCEITO

Sociedade é a união dos esforços de duas ou mais pessoas para a obtenção de um fim comum.

ESPÉCIES

As sociedades podem ser de duas espécies: empresárias e não empresárias. Estas últimas podem ser: simples, cooperativas e de advogados.

As sociedades empresárias são aquelas que visam a exploração de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços (art. 966 do CC). Os elementos caracterizadores da atividade empresarial são: capital, mão-de-obra, insumo e tecnologia. Exemplos: banco, supermercado, hospital, lojas etc.

As sociedades simples, ao revés, são as atividades desprovidas de um desses elementos, como, por exemplo, as atividades econômicas de natureza intelectual, científica, literária ou artística. Exemplo: sociedade de médicos.

As sociedades de advogados e as cooperativas têm uma disciplina especial.

DISTINÇÃO ENTRE SOCIEDADES EMPRESÁRIAS E SOCIEDADES SIMPLES

Ambas visam lucro.As sociedades empresárias são de tipologia fechada, pois só podem adotar uma das formas

previstas em lei. Esses modelos societários são os seguintes:a. sociedade em nome coletivo;b. sociedade em comandita simples;c. sociedade Limitada.;d. sociedade anônima;e. sociedade em comandita por ações;f. sociedade em conta de participação.As sociedades simples, ao revés, podem adotar, além desses tipos acima, formas infinitas,

pois são de tipologia aberta. As sociedades empresárias são registradas nas Juntas Comerciais, as sociedades simples,

no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas.As sociedades empresárias estão sujeitas à falência; as sociedades simples, à insolvência

civil.Anote-se que a sociedade anônima e a sociedade em comandita por ações são sempre

empresárias, por força de lei, ainda que o seu objeto seja civil.

SOCIEDADE EM COMUM

Sociedade em comum é a destituída de personalidade jurídica, porque seus atos constitutivos não estão registrados no cartório competente.

São de três espécies:a. sociedade irregular: existe o contrato escrito, mas não foi levado a registro;b. sociedade de fato: o contrato é apenas verbal;c. sociedade tácita ou presumida: não há sequer contrato verbal, mas as pessoas se

comportam como sócios, praticando atos próprios de sociedade.Nas relações entre os sócios ou entre estes e terceiro, a sociedade em comum só se

provará por escrito. Assim, um sócio não pode demandar o outro ou terceiro sem a apresentação do contrato escrito de constituição da sociedade. O sócio não pode exigir, por exemplo, que o outro sócio complete a sua quota social, a não ser mediante apresentação do contrato escrito.

Em contrapartida, os terceiros podem demandar contra a sociedade em comum, provando a sua existência por qualquer modo (art. 987 do C.C.). Se não conseguirem comprovar a existência da sociedade, ainda assim poderão demandar contra os sócios individualmente.

Convém salientar que a sociedade em comum pode figurar em juízo ativa e passivamente contra os sócios ou terceiros, desde que comprovada a sua existência.

SOCIEDADE EM COMUM E COMUNHÃO

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Dá-se a comunhão ou condomínio quando um ou mais bens pertencem a mais de uma pessoa. Pois bem, na sociedade em comum, os bens sociais também pertencem aos sócios, e não à sociedade, pois esta não tem personalidade jurídica.

Não obstante essa característica comum, distinguem-se nitidamente, pois na sociedade há a “affectio societatis”, isto é, o vínculo de cooperação para desenvolver uma atividade comum; na comunhão não há esse investimento comum. Assim, se duas pessoas são proprietárias de uma fazenda, mas nesta não se desenvolve qualquer atividade, haverá tãosomente comunhão. Se, ao revés, realizam um investimento comum em que há o risco de perder ou ganhar alguma coisa, como, por exemplo, plantação de café, ter-se-á uma sociedade.

CLÁUSULA LEONINA

Cláusula leonina é a que exclui um dos sócios da participação nos lucros. Aludida cláusula é nula (art. 1008 do C.C.). No silêncio, o lucro é proporcional à quota de cada sócio.

PERDAS SOCIAIS

É nula a cláusula que exclua qualquer dos sócios de participar das perdas, isto é, dos prejuízos experimentados pela sociedade (art. 1008 do C.C.), salvo na sociedade de capital e indústria; nesta, sócio de indústria não participa das perdas sociais (art. 1007). Em tal sociedade, há duas categorias de sócios, o capitalista, que realiza o investimento, e o de indústria, que contribui com a mão-de-obra.

Convém esclarecer que as sociedades empresárias não podem ser de capital e indústria.

SÓCIO REMISSO

Sócio remisso é o que não cumpriu a obrigação de contribuir para a formação do capital social.

O capital social subscrito compreende as quantias prometidas por cada um dos sócios. Quando os sócios efetuam o pagamento dessas quantias à sociedade, fala-se em capital integralizado.

O sócio remisso é o que não integralizou o que subscreveu. A sociedade, após notificar o remisso, para, em trinta dias, adimplir a obrigação, poderá tomar umas das seguintes posturas:

a. mover-lhe ação de cobrança;b. expulsá-lo da sociedade;c. reduzir o valor da quota social ao montante já realizado pelo remisso.Nessas duas últimas hipóteses, o sócio remisso não responde pelo dano emergente da

mora (parágrafo único do art. 1004 do C.C.).

SOCIEDADE DE CAPITAL E SOCIEDADE DE PESSOA

Sociedade de capital é aquela em que o sócio pode alienar a sua quota sem a anuência dos demais.

Sociedade de pessoa é aquela em que a alienação da quota depende da anuência dos demais sócios.

As sociedades de pessoas são as seguintes:a. nome coletivo;b. comandita simples.As sociedades de capital são:a. sociedade por ações;b. comandita por ações.Quanto à sociedade limitada, no silêncio do contrato, será de capital, pois o sócio pode

ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente da anuência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social (art. 1057 do C.C).

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS SÓCIOS

Preceitua o art. 1024 do CC: “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”.

Vê-se, portanto, que a responsabilidade dos sócios é subsidiária, pois a execução só pode recair sobre os seus bens após o exaurimento do patrimônio da sociedade.

A responsabilidade subsidiária dos sócios pode ser: a. Ilimitada: ocorre quando todos os sócios respondem ilimitada e solidariamente pelas

obrigações sociais. É o caso da sociedade em nome coletivo.

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b. Limitada: ocorre quando todos os sócios respondem até um certo valor pelas obrigações sociais. É o caso da sociedade limitada, em que todos os sócios respondem pelo total do capital social subscrito, mas ainda não integralizado (art. 1052 do C.C.).

c. Mista: ocorre quando alguns sócios respondem ilimitadamente e outros limitadamente. É o caso da sociedade em comandita simples, pois o sócio comanditado tem responsabilidade solidária e ilimitada pelas dívidas da sociedade, ao passo que o sócio comanditário responde somente pelo total do capital social subscrito, mas não integralizado. Outros exemplos: sociedade anônima e sociedade em comandita por ações.

RESPONSABILIDADE DIRETA DOS SÓCIOS

Em certas hipóteses, o sócio responde diretamente pelas dívidas sociais, não se exigindo que primeiro seja exaurido o patrimônio da sociedade. Tal ocorre nos seguintes casos:

a. Sociedade em comum: os sócios que se apresentaram como representantes da sociedade respondem de forma direta, solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Quanto aos demais sócios, respondem de forma subsidiária, solidária e ilimitadamente.

b. Dívidas oriundas de ato ilícito. Exemplos: não pagamento de tributo e contribuições sociais; não pagamento de direitos trabalhistas; teoria da desconsideração da personalidade jurídica etc.

QUESTÕES

1. O que é sociedade?2. Quais as espécies de sociedade?3. Qual a diferença entre sociedades empresárias e sociedades simples? Exemplifique.4. O que é sociedade comum e quais suas espécies?5. A sociedade comum pode figurar em relação processual?6. Qual a distinção entre sociedade em comum e comunhão?7. O que é cláusula leonina?8. O que é sócio remisso? E quais as suas conseqüências?9. Qual a distinção entre sociedade de capital e sociedade de pessoa?10. A sociedade limitada é de capital ou de pessoa?11. A responsabilidade dos sócios pelas perdas sociais é direta ou subsidiária?

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DOMICÍLIO

INTRODUÇÃO

Há uma necessidade jurídica em se fixar a pessoa a determinado lugar, onde ela possa responder por seus deveres jurídicos. Se não houvesse essa fixação, esclarece Washington de Barros Monteiro, precário e instável se tornaria o direito.

A noção de domicílio irradia seus efeitos por todos os ramos do sistema jurídico, senão vejamos:

a. no direito internacional privado, a personalidade e a capacidade da pessoa são regidas pela lei do domicílio (art. 7º LICC);

b. no direito processual penal, a ação penal pública deve ser proposta no lugar da consumação. Se, porém, este for desconhecido, o foro competente será o domicílio do réu. Quanto à ação penal privada, o foro competente é alternativo ou facultativo: lugar da consumação ou domicílio do querelado;

c. no direito processual civil, as ações fundadas em direito pessoal ou direito real mobiliário são propostas no domicílio do réu (art. 94 do CPC), salvo: 1 – ação de separação judicial, divórcio e anulação de casamento: o foro competente é o domicílio da mulher; 2 – ação de alimentos: a competência é o domicílio do autor (alimentado); 3 - ação de reparação do dano em razão de delito ou acidente de veículo: a competência é no domicílio do autor ou no local do fato; 4 – ação de consignação em pagamento: a competência é do lugar do pagamento; 5 – ação de declaração de ausência: a competência é do último domicílio do ausente;

d. no direito civil, dentre outros aspectos, cumpre lembrar que é no domicílio dos nubentes que se deve publicar os proclamas de casamento; outrossim, no silêncio do contrato, o pagamento efetuar-se-á no domicílio do devedor.

DISTINÇÃO ENTRE MORADA, RESIDÊNCIA E DOMICÍLIO

Morada é a pousada eventual. Exemplo: casa de praia para passar o verão, em que a pessoa chega, se abriga e parte, sem que haja qualquer estabilidade. Assim, a morada é o lugar onde a pessoa se encontra e permanece sem a intenção de ficar.

Residência é a morada habitual. É o lugar onde a pessoa habita com uma estabilidade relativa. Tal ocorre, por exemplo, com o estudante do interior que vem para a cidade de São Paulo estudar durante um ano.

Domicílio, por sua vez, é a residência com ânimo definitivo, isto é, com a intenção de tê-la por tempo indeterminado. É, pois, a morada estável e permanente.

Assim, a morada temporária, por tempo determinado, qualifica-se como residência, ao passo que a morada permanente, com “animus manendi” (propósito de ali permanecer por tempo indeterminado), identifica-se como domicílio.

Finalmente, o domicílio apresenta duas características:a. a necessidade de tê-lo;b. fixidez, isto é , fixo, porém não é imutável.

DOMICÍLIO DA PESSOA NATURAL

O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo (art. 70).

Os elementos do domicílio são:a. elemento objetivo ou material: é a residência;b. elemento subjetivo ou psicológico: é o “animus manendi”, isto é, a intenção de aí fixar-se

por tempo indeterminado.O Código de Napoleão adota o princípio da unidade do domicílio, segundo o qual a pessoa

só pode ter um domicílio.O Código Civil brasileiro, porém, filiou-se ao sistema da pluralidade de domicílios. Assim, se

a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas (art. 71). A propósito, dispõe o § 1º do art. 94 do CPC que tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.

Finalmente, esclarece o § 4º do art. 94 do CPC que havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.

DOMICÍLIO PROFISSIONAL

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De acordo com a teoria da realidade, o domicílio é o lugar da residência definitiva, ao passo que pela teoria da ficção, a residência se distingue do domicílio, pois este se configura no lugar onde a pessoa exerce sua profissão.

O Código Civil pátrio filiou-se aos dois sistemas, pois, consoante preceitua o art. 72, “é também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida”. Cuida esse dispositivo do domicílio profissional. Acrescenta o parágrafo único do artigo 72 que “se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem”.

Assim, no que tange às relações profissionais, o domicílio pode ser tanto a residência definitiva quanto o lugar onde a profissão é exercida.

Anote-se que a expressão “é também domicílio”, utilizada pelo art. 72 do CC, reforça essa exegese. Assim, no tocante às relações profissionais, o domicílio do médico, por exemplo, é tanto o lugar do seu consultório como o de sua residência, podendo a ação judicial ser proposta em qualquer desses lugares.

No Código de 1916, se a pessoa tinha residência numa cidade e exercia a profissão noutro lugar, o domicílio era no lugar da residência. O Código de 2002, contudo, considera ambos os lugares como sendo o domicílio.

DOMICÍLIO APARENTE OU OCASIONAL

Domicílio aparente ou ocasional é o lugar onde a pessoa for encontrada.Com efeito, dispõe o art. 73 do CC: “Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não

tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada”. Aludido dispositivo legal deve ser interpretado restritivamente, porque disse menos do que

quis, à medida em que exigiu, tão-somente, a ausência de residência habitual, quando, na verdade, o domicílio aparente depende de dois requisitos: ausência de residência habitual mais ausência de um ponto central de negócios.

Com efeito, se a pessoa não tem residência fixa, mas desenvolve a sua atividade em determinado lugar, o seu domicílio será o lugar onde desenvolve sua atividade, ainda que se trate de relações estranhas à sua profissão. Exegese diversa contrariaria a finalidade do domicílio, que é a de fixar a pessoa em determinado lugar.

MUDANÇA DE DOMICÍLIO

Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com intenção manifesta de o mudar (art. 74 do CC).

Essa mudança depende de dois elementos:a. elemento material ou objetivo: é a transferência efetiva da residência, isto é, da

habitação;b. elemento subjetivo ou psicológico: vontade de deixar definitivamente a residência

anterior.Ajunta o parágrafo único do art. 74 que “a prova da intenção resultará do que declarar a

pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem”.

Anote-se que a pessoa pode mudar de domicílio sem adquirir outro, pois o Brasil admite o domicílio aparente. Tal ocorre, por exemplo, quando a pessoa passa a ser andarilha.

Convém ainda salientar que a troca de residência sem a intenção definitiva de ficar no outro lugar escolhido, não implica em mudança de domicílio. Assim, não se opera a mudança de domicílio, quando a pessoa se instala em certa cidade apenas para tratamento médico, mantendo a intenção de retornar ao lugar de onde saíra.

Ajunte-se também que a mudança de residência com ânimo definitivo é suficiente para a alteração do domicílio, ainda que a fortuna da pessoa permaneça no lugar de origem. Se, ao revés, apenas a fortuna é transferida para outra cidade, sem que haja a transferência da residência, o domicílio mantém-se inalterável.

Vê-se, portanto, que a mudança de domicílio está subordinada à transferência da residência com ânimo definitivo. Na dúvida, o juiz decide pela preservação do domicílio anterior.

Por fim, a mudança de domicílio, depois de ajuizada a ação, é irrelevante, tendo em vista o princípio da “perpetuatio jurisdicionis” (art. 87 do CPC). A mudança de domicílio, porém, não tem o condão de alterar a competência, de modo que a ação continua no foro anterior, ainda que no curso da ação ocorra a alteração do domicílio.

De fato, a competência se determina com a propositura da ação; as modificações posteriores são irrelevantes, salvo:

a. quando suprimir o órgão jurisdicional;

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b. alterar a competência em razão da matéria;c. alterar a competência em razão da hierarquia.

DOMICÍLIO DA PESSOA JURÍDICA

Dispõe o art. 75 do CC, que quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:I. da União, o Distrito Federal;II. dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;III. do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;IV. das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e

administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.Referentemente à União, as causas em que figurar como autora, ré ou interveniente,

tramitarão na Justiça Federal.O art. 109, § 1º, da CF estabelece que as causas em que a União for a autora serão

aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte. O § 2º preceitua que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que:

a. for domiciliado o autor;b. naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda;c. onde esteja situada a coisa;d. ou, ainda, no Distrito Federal.O autor poderá escolher uma dessas quatro opções.Finalmente, o domicílio da pessoa jurídica de direito privado é o lugar onde funciona a

diretoria e administração.Nada obsta, porém, que o domicílio seja o lugar eleito no estatuto ou ato constitutivo da

pessoa jurídica. Todavia, nesse caso, consoante entendimento vitorioso na jurisprudência, a pessoa jurídica pode ser demandada no lugar da diretoria e administração ou no lugar eleito no estatuto ou ato constitutivo. Não prevalece a posição sustentada por Espínola, segundo o qual esse último seria o domicílio principal, ao passo que o primeiro meramente supletivo. Afirma o § 1º do art. 75 que “tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados”. Assim, cada filial ou sucursal tem o seu próprio domicílio, ainda que o estatuto designe a matriz como sendo o domicílio da empresa. A propósito, dispõe a súmula 363 do STF: “ A pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência, ou estabelecimento, em que se praticou o ato”.

Finalmente, no concernente às pessoas jurídicas estrangeiras, reputam-se domiciliadas no Brasil as que aqui tenham agência, filial ou sucursal (parágrafo único do art. 88 do CPC). Se a administração, ou diretoria, tiver sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder (§ 2º do art. 75 do CC).

CLASSIFICAÇÃO DO DOMICÍLIO

Quanto à origem, o domicílio pode ser:I. domicílio voluntário: é o escolhido livremente pela pessoa;II. domicílio necessário ou coativo: é o imposto pela lei, independentemente da vontade da

pessoa. Subdivide-se em:a. original: é o adquirido ao nascer. Assim, o domicílio do recém-nascido é dos seus pais.b. legal: é o fixado pela lei. O parágrafo único do art. 76 do CC prevê as seguintes

hipóteses:- domicílio do incapaz: é o de seu representante legal;- domicílio do servidor público: é o lugar em que exerce permanentemente suas funções;- domicílio do militar: é o lugar onde servir;- domicílio do militar da marinha e da aeronáutica: é a sede do comando a que se encontrar

imediatamente subordinado;- domicílio do marítimo, isto é, dos oficiais e tripulantes da marinha mercante: é o lugar onde

o navio estiver matriculado;- domicílio do preso: é o lugar em que cumprir a sentença. Urge que esta já tenha transitado

em julgado, para que o domicílio passe a ser o legal; antes do trânsito em julgado, milita em seu favor o princípio da presunção de inocência, mantendo-se, destarte, o domicílio voluntário.

Por outro lado, quanto à sua natureza, o domicílio pode ser:I. domicílio geral: é o fixado para todos os atos e negócios jurídicos. É o caso do domicílio

voluntário e do domicílio necessário.II. domicílio especial: é o fixado para um ou alguns atos ou negócios jurídicos. É o caso do

domicílio contratual.

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DOMICÍLIO DO SERVIDOR PÚBLICO

Vimos que o servidor público tem por domicílio o lugar em que exercer permanentemente suas funções. Trata-se de domicílio legal, cujo início se dá a partir da posse. Se, porém, exercer cargo em comissão ou outro de natureza temporária, o seu domicílio não será o lugar onde exercer as funções, mas o de sua residência definitiva.

Sustenta Caio Mário da Silva Pereira que o servidor público pode ostentar dois domicílios: o lugar onde exerce permanentemente as funções e o lugar onde reside com ânimo definitivo. Funda-se na idéia de o Código pátrio admitir o sistema plúrimo de domicílio; portanto, o fato de tornar-se servidor público não implica na perda automática do domicílio anterior. Outros civilistas salientam que o lugar onde exercer as funções só é domicílio quanto às relações concernentes às funções, para os demais atos, o domicílio é a residência com ânimo definitivo. Prevalece, todavia, a opinião de que o domicílio do funcionário público é apenas o lugar onde exerce permanentemente as suas funções, quer quanto às relações concernentes à função, quer quanto às outras relações.

Essa exegese é a mais correta, porquanto a lei não faz distinção e, por isso, o intérprete não pode distinguir entre as relações funcionais e as extra-funcionais.

Saliente-se, contudo, que a competência territorial é relativa.Assim, apenas o funcionário público poderá argüir o fato, através de exceção de

incompetência e não na contestação, sob pena de prorrogação da competência.

DOMICÍLIO DO AGENTE DIPLOMÁTICO

O agente diplomático do Brasil que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no país, o seu domicílio, poderá ser demandado no Distrito Federal ou no último ponto do território brasileiro onde o teve (art. 77).

DOMICÍLIO CONTRATUAL OU ESPECIAL

Domicílio contratual ou foro de eleição é o fixado, por convenção entre as partes contratantes, para o cumprimento de certos direitos e obrigações.

Dispõe o art. 78 do CC: “Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes”.

O domicílio contratual ou convencional apresenta as seguintes características:a. escrito: porque não pode ser fixado verbalmente;b. fictício: porque é um lugar que não corresponde à residência dos contratantes;c. temporário: porque sua duração está condicionada ao inadimplemento da obrigação;d. limitado: porque diz respeito a certos direitos e obrigações expressamente determinados

no negócio jurídico.O domicílio contratual só pode versar sobre a comarca competente. É nula a eleição

contratual do juízo competente para determinada causa, porque a competência de juízo (vara) é absoluta, e, por isso, não pode ser alterada pela vontade das partes. Igualmente, nas ações reais imobiliárias, em que a competência é determinada pelo local em que se situa a coisa (“foro rei sitae”), é proibido o foro de eleição, pois trata-se de competência absoluta.

Saliente-se, ainda, que, nas relações de consumo, o foro de eleição é vedado, pois o foro competente é o domicílio do consumidor. As normas do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública, razão pela qual não podem ser derrogadas por vontade das partes.

Nessas hipóteses de competência absoluta, o juiz deve declinar de ofício da competência fixada pelo foro de eleição. Aliás, o parágrafo único do artigo 112 do CPC, introduzido pela lei nº 11. 280/06, dispõe: “a nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu”.

Por outro lado, se malgrado o foro de eleição, a ação for ajuizada noutro lugar, o juiz não poderá declinar de ofício, pois a competência territorial é relativa, devendo ser argüida pelo réu, através da exceção de incompetência.

Finalmente, o foro de eleição que fixa um a comarca longínqua, dificultando a ampla defesa, é inconstitucional, por dificultar o acesso ao Poder Judiciário, devendo o juiz declinar de ofício.

DOMICÍLIO NO DIREITO INTERNACIONAL

Referentemente ao Direito Internacional, que soluciona os conflitos de leis no espaço, o domicílio é o país onde a pessoa tem a sua residência com ânimo definitivo.

QUESTÕES

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1. Qual a lei que rege a personalidade e a capacidade da pessoa?2. Qual a Comarca competente para a ação penal pública?3. Qual a Comarca competente para a ação penal privada?4. Qual a Comarca competente para as ações reais?5. Qual a Comarca competente para as ações pessoais? Cite as exceções.6. Qual a importância do domicílio dos nubentes?7. Qual o lugar do pagamento contratual?8. Qual a distinção entre morada, residência e domicílio?9. Qual é o domicílio da pessoa natural?10. Quais os elementos do domicílio da pessoa natural?11. O Brasil adota o sistema da unidade ou da pluralidade de domicílios?12. Qual o foro competente para a ação pessoal quando o réu tem mais de um domicílio?13. Em havendo mais de um réu, qual o foro competente para a ação pessoal?14. Qual a distinção entre a teoria da realidade e a teoria da ficção?15. No tocante às relações profissionais, qual é o domicílio da pessoa?16. O que é domicílio aparente ou ocasional?17. Quais os requisitos para a mudança de domicílio?18. É possível mudar de domicílio sem adquirir outro?19. A mera troca de residência implica em mudança de domicílio?20. Na dúvida, o juiz decide pela mudança ou preservação do domicílio?21. A mudança de domicílio altera a competência das ações em andamento?22. Qual é o domicílio da União?23. Qual é o domicílio dos Estados?24. Qual é o domicílio do Município?25. Em que seção judiciária a União deve mover a ação?26. Em que seção judiciária a ação deve ser movida em face da União?27. Qual é o domicílio da pessoa jurídica de direito privado?28. Se o estatuto da pessoa jurídica eleger algum domicílio, a pessoa jurídica pode ser demandada no lugar da diretoria e administração?29. Qual o domicílio da pessoa jurídica com diversos estabelecimentos em lugares diferentes?30. O que é domicílio voluntário?31. O que é domicílio necessário ou coativo e como se subdivide?32. Qual é o domicílio do incapaz?33. Qual é o domicílio do servidor público?34. Qual é o domicílio do militar?35. Qual é o domicílio do militar da marinha e da aeronáutica?36. Qual é o domicílio do marítimo?37. Qual é o domicílio do preso?38. Qual a distinção do domicílio geral e do domicílio especial?39. Escreva dez (10) linhas sobre o domicílio do servidor público.40. Qual é o domicílio do agente diplomático?41. Escreva vinte (20) linhas sobre o domicílio contratual ou especial.

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BENS

CONCEITO

Sob o prisma jurídico, bens são os valores materiais e imateriais, com conotação econômica, que podem ser objeto de uma relação jurídica.

Assim, os bens podem ser:a. corpóreos ou coisas: são os valores materiais, isto é, dotados de uma existência física.

Exemplos: roupas, automóveis, dinheiro etc.b. incorpóreos ou direitos: são os valores imateriais, que só podem ser compreendidos pela

inteligência do homem. Esses bens não têm um corpo, ou seja, uma estrutura física. Exemplos: crédito; ponto comercial; direito de o autor reproduzir a obra etc.

Vê-se, portanto, que a palavra coisa, sob o prisma jurídico, corresponde aos bens corpóreos, que são aqueles suscetíveis de posse. A característica da coisa é a tangibilidade, além, é claro, de ser economicamente apreciável.

A palavra bens, que serve de rubrica do Livro II da Parte Geral do Código Civil, compreende as coisas e direitos, ao passo que a palavra coisas, mencionada no Livro III da Parte Especial, isto é, no Livro “Do Direito das Coisas”, corresponde, tão-somente, aos bens corpóreos, isto é, às coisas propriamente ditas.

Por isso, não concordamos com a classificação de Sílvio Rodrigues, ao referir-se à coisa como sendo o gênero, compreendendo tudo quanto existe no mundo fora o homem, por exemplo, o ar atmosférico, reservando a palavra bem para designar as coisas, corpóreas ou incorpóreas, de valor econômico.

Preferimos colocar o bem como sendo o gênero e a coisa como espécie, por três razões. Primeiro, o Livro II da Parte Geral do Código Civil refere-se a bens, e não a coisas; segundo, a classificação jurídica não deve se preocupar com o sentido vulgar das palavras; por fim, o Livro III da Parte Especial refere-se ao Direito das Coisas, conferindo a estas o significado de espécie de bens, abrangendo os bens corpóreos de conotação econômica.

No sentido vulgar, coisa significa tudo quanto existe no mundo, além do homem. Todavia, sob o prisma jurídico, como esclarece Washington de Barros Monteiro, coisa é tudo quanto seja suscetível de posse exclusiva pelo homem, sendo economicamente apreciável.

Por outro lado, o bem sempre deve ter conotação econômica, no sentido de ser passível de avaliação pecuniária, quer para a corrente que o coloca como gênero, quer para a que o coloca como espécie de coisa.

Portanto, não são considerados bens:a. as coisas materiais abundantemente disponíveis a todos os homens. Exemplos: ar

atmosférico, a luz solar, a água dos oceanos etc.b. as coisas materiais insuscetíveis de apropriação pelo homem. Exemplos: o solo da lua e

dos planetas, os micróbios etc.c. os direitos de ordem moral que correspondem ao conjunto dos atributos da personalidade

da pessoa. Exemplos: a vida, a honra, a liberdade, o nome, a integridade física etc.Essas coisas e direitos, acima mencionados, não comportam estimação pecuniária, e, por

isso, refogem do conceito de bens. Quanto aos direitos da personalidade, dos quais a vida, a honra e a liberdade são

exemplos, Limongi França os classifica como bens incorpóreos, asseverando que eles podem ser objeto de direito, tanto na esfera pública (de natureza constitucional, penal etc), quanto na esfera privada (direitos privados da personalidade), salientando, ainda, que, por via indireta, são suscetíveis de uma aproximada conversibilidade pecuniária. O Código Civil, porém, filiou-se à orientação de Bevilácqua, de que os direitos da personalidade não são propriamente bens, mas atributos inerentes à própria condição humana, estruturando o seu estudo no Livro I da Parte Geral, que cuida das pessoas.

BENS CORPÓREOS E INCORPÓREOS

Corpóreos são os bens que têm existência física, e, por isso, podem ser percebidos pelos sentidos.

Incorpóreos são os bens dotados de existência abstrata ou ideal, cuja compreensão depende da inteligência do homem.

Os bens corpóreos são objeto de compra e venda e doação, ao passo que os incorpóreos são suscetíveis de cessão de direitos, que pode ser onerosa ou gratuita.

Os bens corpóreos são passíveis de tradição (entrega) e usucapião; os incorpóreos, não.

CLASSIFICAÇÃO LEGAL DOS BENS

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O Código enumera as seguintes classes de bens:I. dos bens considerados em si mesmos;II. dos bens reciprocamente considerados;III. dos bens públicos.

DOS BENS CONSIDERADOS EM SI MESMOS

Os bens considerados em si mesmos são aqueles examinados individualmente, tendo em vista uma característica que lhes é peculiar.

São os seguintes:I. bens imóveis;II. bens móveis;III. bens fungíveis e consumíveis;IV. bens divisíveis e indivisíveis;V. bens singulares e coletivos.Nada obsta que o mesmo bem se enquadre em mais de uma dessas categorias. O dinheiro,

por exemplo, é um bem móvel e consumível. Uma casa é um bem imóvel, infungível e singular.

BENS IMÓVEIS OU DE RAIZ

De acordo com Clóvis, bens imóveis são as coisas que se não podem transportar, sem destruição, de um para outro lugar.

Interpretando o art. 82 do CC, dessume-se, a “contrario sensu”, que reputa- se imóvel o bem cuja remoção provoca a alteração da sua substância ou da destinação econômico-social.

Os bens naturalmente incorporados ao solo, porém, como as árvores e jazidas, são bens imóveis, enquanto aderentes ao solo, conquanto possam ser removidos sem destruição, por força do art. 79 do CC, de modo que o critério da remoção sem alteração da substância ou da destinação econômico-social deve ser restrito aos bens artificialmente incorporados pelo homem.

Quanto a estes, se a remoção for possível, serão considerados bens móveis, como, por exemplo, as barracas de feira e os pavilhões de circo; se, ao revés, a remoção alterar a sua substância ou a destinação econômico-social, serão considerados imóveis, como, por exemplo, as construções.

Saliente-se, portanto que, em regra, o bem removível por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social, são considerados bens móveis.

Todavia, em duas hipóteses, não obstante a possibilidade de remoção, reputam-se ainda imóveis.

Com efeito, dispõe o art. 81 do CC que não perdem o caráter de imóveis:I. as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas

para outro local;II. os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.No tocante às edificações separadas do solo, conforme ensina Renan Lotufo, só poderão

ser consideradas imóveis se mantiverem essa destinação econômico-social. Se nunca foram imobilizadas, nunca fixadas ao solo ou nunca estiveram sujeitas à habitação, mas tão-somente ao comércio, por exemplo, não poderão ser consideradas imóveis, e sim móveis.

Os bens imóveis classificam-se em:a. imóvel por natureza;b. imóvel por acessão física;c. imóvel por força de lei.No Código de 1916, havia ainda o imóvel por acessão intelectual, que compreendia as

coisas que o proprietário mantinha intencionalmente empregado no imóvel para sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade.

As máquinas agrícolas, por exemplo, eram bens imóveis.Igualmente, um quadro pendurado na parede da casa. Essa odiosa ficção jurídica, que não

visava outros fins a não ser tributários, felizmente foi abolida do nosso sistema jurídico, pois o art. 79 do CC não faz menção à incorporação intelectual de uma coisa a outra.

IMÓVEIS POR NATUREZA

Os imóveis por natureza compreendem o solo e tudo quanto nele se lhe incorpora naturalmente.

O subsolo e o solo encontram-se incorporados naturalmente ao solo, razão pela qual também são considerados imóveis por natureza.

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As pedras, as árvores e as plantações, que se encontram no solo, são também considerados imóveis por natureza. Igualmente, os componentes do subsolo, como os fósseis, as jazidas e o curso d´água.

A propósito da propriedade do subsolo, cumpre registrar que pertence ao proprietário do solo, à exceção dos fósseis, jazidas, curso d´água e demais riquezas do mesmo, cuja propriedade é da União, por força dos §§1º e 4º do art. 176 da CF.

Anote-se, ainda, que as coisas naturalmente incorporadas ao solo ou subsolo só são imóveis enquanto estiverem aderentes a eles, pois, depois de retiradas, tornam-se bens móveis. A água, por exemplo, depois de colhida do subsolo, passa a ser bem móvel.

Em contrapartida, são considerados bens móveis as árvores plantadas em vasos removíveis, ainda que de grandes proporções, porque suas raízes não se encontram no solo, e sim num recipiente.

Finalmente, os frutos, enquanto pendentes, são bens imóveis, pois encontram-se ligados através da árvore. Todavia, uma vez destacados passam a ser bens móveis.

IMÓVEL POR ACESSÃO FÍSICA ARTIFICIAL

Os imóveis por acessão física compreende tudo aquilo que o homem incorpora artificialmente ao solo, a ponto de não poder ser removido sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. No Código de 1916, exigia-se uma incorporação permanente ao solo.

No Código de 2002, a incorporação pode ser permanente ou temporária, o que importa, para classificar o bem como sendo imóvel, é o fato de a remoção ser inviável sem a alteração da substância ou da sua destinação econômico-social.

IMÓVEL POR FORÇA DE LEI

Dispõe o art. 80 do CC, que consideram-se imóveis para os efeitos legais:I. os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;II. o direito à sucessão aberta.O dispositivo em apreço cuida de bens incorpóreos, isto é, de direitos. A razão da

imobilização é a segurança das relações jurídicas, pois o regime jurídico de proteção aos bens imóveis é muito mais rígido do que o referente aos bens móveis.

Os direitos reais que podem recair sobre imóveis são:I. a propriedade;II. a superfície;III. as servidões;IV. o usufruto;V. o uso;VI. a habitação;VII. a hipoteca;VIII. o compromisso de compra e venda.Finalmente, o direito à sucessão aberta, que corresponde ao direito à herança ou legado, é

considerado bem imóvel, ainda que a herança ou legado sejam compostos só de bens móveis.

BENS MÓVEIS

São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social (art. 82).

Os bens móveis classificam-se em:a. bens móveis por natureza;b. bens móveis por antecipação;c. bens móveis por força da lei.Convém destacar, desde já, que os navios e aeronaves são bens móveis por natureza;

todavia, para fins de hipoteca, são considerados bens imóveis.Com efeito, o navio e aeronave, embora móveis, podem ser hipotecados (art. 1473, IV e V,

do CC). A hipoteca naval e a hipoteca aérea efetuam-se mediante escritura pública. A primeira deve ser inscrita no Tribunal Marítimo e a segunda no Registro Aeronáutico Brasileiro. Ambas exigem autorização do cônjuge, sob pena de nulidade.

BENS MÓVEIS POR NATUREZA

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Os bens móveis por natureza são os suscetíveis de movimento próprio, como os semoventes, e os suscetíveis de remoção por força alheia, sem a alteração da sua substância, como as mercadorias e os automóveis. O gás é bem móvel, pois pode ser removido por meio do embotijamento.

Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio, a não ser que o proprietário tenha a intenção de reempregá-los na própria construção demolida.

Se houver a intenção de reempregá-los noutra construção, serão tidos como bens móveis, enquanto não incorporados efetivamente nessa construção.

BENS MÓVEIS POR ANTECIPAÇÃO

Os bens móveis por antecipação são aqueles incorporados temporariamente ao solo, para depois serem removidos, a fim de cumprirem a sua destinação econômico-social. Exemplos: árvores destinadas ao corte, para transformação em lenha ou carvão; plantações destinadas à finalidade industrial da fabricação de remédios etc.

BENS MÓVEIS POR FORÇA DE LEI

Consideram-se móveis para os efeitos legais (art. 83):I. as energias que tenham valor econômico. O art. 155, § 3º, do CP também considera a

energia de valor econômico como sendo bem móvel. Exemplos: energia elétrica, energia genética etc.II. os direitos reais sobre bens móveis e as ações correspondentes. Esses direitos reais são:

o usufruto, o uso e o penhor.III. os direitos pessoais de caráter patrimonial e as respectivas ações. Assim, os direitos

pessoais patrimoniais são bens móveis, ainda que recaiam sobre imóveis. Exemplos: locação, comodato, arrendamento etc.

Finalmente, no tocante aos direitos do autor, no que tange ao seu aspecto patrimonial, é um bem móvel; todavia, no concernente ao seu atributo moral, ingressa no rol dos direitos da personalidade.

EFEITOS DA DISTINÇÃO ENTRE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS

Os principais efeitos práticos da distinção entre bens móveis e bens imóveis são os seguintes:

a. a alienação de bens imóveis depende da outorga do cônjuge, salvo no regime da separação de bens; os bens móveis, ao revés, podem ser alienados independentemente de outorga do cônjuge;

b. a alienação de bens imóveis é um ato solene, pois depende de escritura pública; a alienação dos bens móveis é um ato de forma livre, podendo até ser verbal;

c. os bens móveis adquirem-se pela simples tradição, isto é, entrega da coisa, enquanto os imóveis exigem o registro da escritura pública, isto é, a tradição solene;

d. o prazo de usucapião dos bens móveis é de três anos, para quem tem justo título e boa-fé, e de cinco anos, nas demais hipóteses (art. 1260 e 1261), ao passo que o prazo de usucapião de bem imóvel varia de cinco, dez e quinze anos (arts. 1238 a 1240);

e. apenas os bens imóveis sujeitam-se ao imposto de transmissão (sisa) e ao imposto territorial (IPTU e ITR); os móveis, não;

f. os pais podem alienar os bens móveis dos filhos menores, independentemente de autorização do Juiz, ao passo que, para alienar ou gravar de ônus real os imóveis, exige-se prévia autorização do Juiz (art. 1.691). Assim, pertencentes as árvores destinadas a corte a menor, podem ser vendidas pelos pais, independentemente de autorização judicial, pois essas árvores são consideradas bens móveis por antecipação;

g. os bens móveis são objetos de penhor; os imóveis, de hipoteca;h. os bens imóveis são sempre infungíveis; os móveis podem ser fungíveis e infungíveis;i. a hasta pública dos bens imóveis chama-se praça; a dos móveis, leilão;j. nas ações reais sobre bens imóveis é necessária a autorização do cônjuge do autor e a

citação do cônjuge do réu; nas ações reais sobre bens móveis, não;k. as ações reais sobre bens imóveis devem ser propostas no local da situação do imóvel

(“foro rei sitae”). As ações reais sobre bens móveis são propostas no domicílio do réu.

BENS FUNGÍVEIS E INFUGÍVEIS

São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade (art. 85).

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A “contrario sensu”, são infungíveis os que não podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

Assim, o bem é fungível quando a sua substituição for irrelevante, a ponto de vetar qualquer tipo de reclamação, como, por exemplo, o dinheiro. Se, ao revés, houver possibilidade de o credor rejeitá-la, é porque o bem é infungível. No Código Civil Brasileiro, só os bens móveis podem ser fungíveis. Os imóveis são sempre infungíveis. Com efeito, o art. 85 do CC ao definir os bens fungíveis referiu-se expressamente aos bens móveis.

A infungibilidade dos bens móveis pode resultar:a. da própria natureza da coisa. Tal ocorre quando ela apresenta uma qualidade física que a

torna insubstituível. Exemplo: a camisa 10 de Pelé, utilizada pelo jogador na final da Copa do Mundo de 1970;

b. da vontade das partes. Estas, como esclarece Washington de Barros Monteiro, por convenção, tornam infungíveis coisas intrinsecamente fungíveis. Por exemplo: um boi é infungível, se um fazendeiro empresta-o a outro para serviços de lavoura, pois deve receber de volta o mesmo animal que havia emprestado; mas se o boi havia sido cedido para o talho, converte-se em fungível e o devedor se liberará restituindo outro animal da mesma espécie e qualidade. Assim também uma cesta de frutas é coisa fungível, mas emprestada “ad pompam vel ostentationis”, para ornamentação, por exemplo, transformar-se-á em coisa infungível.

Os efeitos práticos dessa distinção são os seguintes: a. o empréstimo de coisas fungíveis chama-se mútuo. Se for oneroso denomina-se mútuo

feneratício. O empréstimo gratuito de coisas infungíveis chama-se comodato; o oneroso, denomina-se locação.

b. a compensação legal efetua-se apenas entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis (art. 1.010).

c. o credor de coisa infungível não pode ser obrigado a receber outra, ainda que mais valiosa (art. 863), ao passo que, quando a coisa for fungível, o devedor se libera restituindo outra da mesma espécie e qualidade.

d. o legado de coisa fungível será cumprido ainda que tal coisa não exista entre os bens do testador (1.915), ao passo que o legado de coisa infungível só valerá se ao tempo do falecimento do testador ela se achar entre os bens da herança (art. 1.682)

Saliente-se, ainda, que, no campo das obrigações de fazer, reaparece a importância dessa classificação. Assim, as obrigações de fazer infungíveis são as que devem ser cumpridas pessoalmente pelo devedor, enquanto nas obrigações de fazer fungíveis o devedor pode delegar a um terceiro a realização do fato.

No âmbito do direito processual civil, Pontes de Miranda chama de “fungibilidade da forma de fundamento” a possibilidade conferida ao Juiz e à parte de substituir o fundamento legal por outro não referido na petição inicial, desde que não seja alterada a situação fática da lide.

Finalmente, cumpre registrar o pensamento de Caio Mário da Silva Pereira, a respeito da infungibilidade dos bens imóveis. Sobre o assunto, escreveu o seguinte: “Os imóveis são sempre infungíveis. Mas o desenvolvimento dos negócios imobiliários veio criar, com certas situações especiais, a extensão da idéia de fungibilidade aos imóveis, como no caso de vários proprietários comuns de um loteamento que ajustam partilhar os lotes ao desfazerem a sociedade: um que se retire receberá certa quantidade de lotes, que são havidos como coisas fungíveis, até o momento da lavratura do instrumento, pois que o credor não o é de corpo certo, mas de coisas determinadas tão-somente pelo gênero, pela qualidade e pela quantidade”.

BENS CONSUMÍVEIS E INCONSUMÍVEIS

Dispõe o art. 86 do CC que: “São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”.

Assim, a consuntibilidade pode ser de fato e de direito.Com efeito, a consuntibilidade de fato ou natural ou material ocorre com os bens que se

destroem com o primeiro uso. Exemplos: cigarros, bebidas, gêneros alimentícios, tintas etc. Não é possível o uso sem a destruição, ou melhor, com o uso o bem perde a sua capacidade de utilização.

A consuntibilidade de direito ou jurídica se dá com os bens destinados à alienação. Exemplos: o livro exposto à venda etc.

Por outro lado, os bens inconsumíveis são aqueles que comportam uso reiterado, sem a destruição imediata da sua substância.

Exemplos: roupas, relógios etc.Essa classificação é aplicável exclusivamente aos bens móveis, porquanto os imóveis são

sempre inconsumíveis.A propósito da relevância dessa distinção, cumpre acrescentar que o usufruto estende-se

aos acessórios da coisa e seus acrescidos. Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas

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consumíveis, terá o usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da restituição (§1º do art. 1.392).

Observe-se que, em regra, a coisa fungível é sempre consumível, mas nada obsta que uma coisa infungível seja consumível, como é o caso de um vinho raro. Igualmente, uma coisa fungível pode ser inconsumível, como, por exemplo, uma série de CD’s idênticos do mesmo cantor.

QUESTÕES

1. O que são bens?2. Qual a distinção entre bens corpóreos e incorpóreos?3. Qual a distinção entre bem e coisa?4. Os direitos da personalidade, os planetas e o ar atmosférico são bens?5. Qual a classificação legal dos bens?6. O que são e quais são os bens considerados em si mesmos?7. O que são bens imóveis e como se classificam?8. As máquinas agrícolas utilizadas numa fazenda são bens imóveis?9. O que são imóveis por natureza?10. O que são imóveis por acessão física?11. O que são imóveis por força de lei?12. O que são bens móveis e como se classificam?13. O que são bens móveis por natureza?14. O que são bens móveis por força de lei?15. Quais os efeitos da distinção entre bens móveis e imóveis?16. Qual a distinção entre bens fungíveis e infungíveis?17. Quais os efeitos práticos da distinção entre bens fungíveis e infungíveis?18. Qual a distinção entre bens consumíveis e inconsumíveis?19. Qual a distinção entre consuntibilidade de fato e de direito?20. A coisa fungível é sempre consumível?

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BENS DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS

Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam (art. 87).

Noutras palavras, bens divisíveis são aqueles que se podem partir em porções reais e distintas, de tal modo que cada uma destas mantenha proporcionalmente a mesma substância, o mesmo valor e a mesma utilidade que tinha o todo. Exemplos: uma saca de café; uma peça de pano; uma fazenda; um lote de terreno etc.

Bens indivisíveis, ao revés, são aqueles cujo fracionamento implica em destruição da sua natureza ou então diminuição considerável do valor ou do uso a que se destinam.

A indivisibilidade pode ser:a. material ou física: as coisas cujo fracionamento implica na perda de sua substância.

Exemplos: um cachorro; uma cadeira; um automóvel etc.;b. econômica: as coisas cujo fracionamento implica na perda considerável do seu valor

econômico. Tal ocorre quando cada porção deixa de manter proporcionalmente o mesmo valor que o todo. Um diamante raro, por exemplo, em função do seu tamanho, depois de fracionado pode não apresentar o mesmo valor que tinha o todo;

c. intelectual ou jurídica: os bens cujo fracionamento é vedado por lei. Exemplo: o imóvel rural não pode ser fracionado em dimensão inferior ao módulo rural, conforme preceitua o Estatuto da Terra; o terreno urbano não pode ser parcelado em lotes inferiores a 125 ms². (Lei 6.766/79); a herança não pode ser aceita ou renunciada parcialmente, pois a lei a considera indivisível;

d. voluntária: os bens cujo fracionamento é vedado pela vontade das partes. Com efeito, podem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior. Todavia, não poderá exceder de cinco anos a indivisão estabelecida pelo doador ou testador. A requerimento de qualquer interessado e se graves razões aconselharem, pode o juiz determinar a divisão da coisa comum antes do prazo (art. 1320, § 1º, § 2º e § 3º);

e. finalística: os bens cujo fracionamento implica na alteração do uso a que se destinam. Exemplo: uma coleção de livros; o uniforme com onze camisas de jogadores de futebol; as peças componentes de um jogo de xadrez etc.

Anote-se que a indivisibilidade pode também atingir os bens incorpóreos. Assim, são indivisíveis: o direito à herança; as obrigações indivisíveis; o direito à servidão predial; o direito à hipoteca; a transação etc.

Importantíssimos efeitos práticos emanam dessa classificação dos bens em divisíveis e indivisíveis. Os principais efeitos são os seguintes:

a. se o bem é divisível, qualquer condômino pode requerer judicialmente a divisão, a fim de que cada um tenha a sua cota individual. Se ao revés, o bem é indivisível, não é cabível a ação divisória, devendo o condômino requerer a alienação judicial do bem, repartindo-se o preço entre eles;

b. se o bem é divisível, o condômino pode alienar o seu quinhão a quem lhe aprouver. Se, ao inverso, o bem for indivisível, não pode o condômino vender a sua parte a estranhos, antes de dar preferência aos outros condôminos (art. 504);

c. outras disposições relevantes encontram-se nos arts. 105, 177, 844 e 1.968 do CC.

BENS SINGULARES E COLETIVOS

São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de “per si”, independentemente dos demais (art. 89). Na sala de uma casa, por exemplo, encontram-se diversos objetos reunidos, no entanto, eles podem ser considerados individualmente, como tendo valor próprio.

Bens coletivos ou universais, por sua vez, correspondem à pluralidade de bens singulares que, pertencentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária. Por outras palavras, bens coletivos são aqueles constituídos de duas ou mais coisas singulares, que se consideram agregadas num único todo. Exemplo: o estabelecimento comercial; um par de sapatos etc.

Os bens coletivos compreendem:a. as universalidades de fato: é o conjunto de duas ou mais coisas corpóreas que se

encontram agregadas num todo. Exemplos: um rebanho, uma biblioteca, uma coleção de selos etc.; os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias, conforme preceitua o parágrafo único do art. 90 do CC.

b. as universalidades de direito: é o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico (art. 91). Exemplos: herança e patrimônio.

Clóvis salienta que, as coisas são ordinariamente singulares e que somente por determinação da lei, ou pela vontade das partes, é que se consideram coletivas. Ledo engano, pois algumas coisas são coletivas por natureza, como, por exemplo, um par de sapatos, à medida em que as indústrias só fabricam sapatos aos pares.

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Por outro lado, dispunha o art. 55 do Código de 1916 que, nas coisas coletivas, em desaparecendo todos os indivíduos, menos um, se tinha por extinta a coletividade.

Assim, o legado de uma coleção de selos, por exemplo, caducava, isto é, ficava sem efeito, quando o testador em vida alienasse os selos, remanescendo apenas um. O Código de 2002 não repetiu esse dispositivo, de modo que, no exemplo ministrado, o legado, ao invés de caducar, será eficaz em relação ao único selo remanescente.

Finalmente, as coisas singulares e coletivas podem ser simples e compostas. As coisas simples são as que apresentam uma matéria mais ou menos homogênea, como o livro, a árvore, o animal, a pedra etc. As coisas compostas, ao revés, são as que apresentam uma constituição heterogênea de vários materiais que se unem para formar essa unidade, como um navio, uma casa etc.

BENS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS

Bens reciprocamente considerados são os analisados uns em face de outros. Sob esse prisma, podem ser principais e acessórios.

Dispõe o art. 92 do CC: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal”.

Assim, bem principal é o que tem existência autônoma, ao passo que o bem acessório, para existir, pressupõe a existência de um outro bem. A árvore, por exemplo, é um bem acessório, porque sua existência depende do solo onde foi plantada.

Como observa Washington de Barros Monteiro, tal distinção tem cabimento não só nas coisas corpóreas como também nos direitos.

Assim, um crédito, por exemplo, existe sobre si, tem autonomia, individualidade própria. O mesmo não sucede com a cláusula penal, cuja existência se subordina à de uma obrigação principal.

Dentre os bens acessórios corpóreos, destacam-se:a. os frutos;b. os produtos;c. as benfeitorias;d. as acessões;e. as pertenças.À exceção das pertenças, os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal

abrangem também os acessórios. O princípio de que o acessório segue o principal, embora não expresso na lei, encontra-se implícito no art. 94 do CC, quando este é interpretado a “contrario sensu”.

Desse princípio são extraídas as seguintes conseqüências:a. a natureza do acessório é a mesma da do principal, se esta é imóvel, aquela também o é;b. o proprietário do principal também é proprietário do acessório;c. a posse do imóvel faz presumir, até prova em contrário, a das coisas móveis que nele

estiverem (art. 1.209);d. a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados,

salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso (art. 233);e. salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus

acessórios (art. 287);f. a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não

induz a da obrigação principal (art. 184);g. a coisa legada entregar-se-á, com seus acessórios, no lugar e estado em que se achava

ao falecer o testador, passando ao legatário com todos os encargos que a onerarem (art. 1938).Frise-se, porém, que as pertenças, conquanto acessórias, não seguem o principal, salvo se

o contrário resultar da lei, da manifestação da vontade, ou das circunstâncias do caso.

FRUTOS

Frutos são as produções normais e periódicas, cuja percepção deixa intacta a coisa que os produziu.

A caracterização dos frutos, como ensina Renan Lotufo, requer a conjugação de três requisitos:

a. periodicidade;b. inalterabilidade da substância;c. separabilidade da coisa principal.Os frutos, quanto à origem, podem ser:a. naturais: são os que se reproduzem periodicamente pela própria força orgânica da coisa.

Exemplos: as frutas e as crias dos animais;b. industriais: são os que se reproduzem periodicamente em virtude do trabalho do homem.

Exemplo: a produção da fábrica;

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c. civis: são os rendimentos produzidos por um bem. Exemplos: aluguéis, juros, lucro dos sócios etc.

Quanto ao estado em que se encontram, os frutos podem ser:a. pendentes: são os que estão unidos à coisa que os produziu;b. percebidos: os já colhidos;c. estantes: os que já foram colhidos e estão armazenados ou acondicionados para venda;d. percipiendos: os que devem ter sido, mas ainda não foram colhidos;e. consumidos: os que não existem mais, por terem sido utilizados.

PRODUTOS

Produtos são utilidades que se extraem da coisa, com dispêndio de sua substância. Exemplo: o metal retirado da mina; a pedra extraída da pedreira.

Os produtos não se reproduzem periodicamente, ao passo que a reprodução periódica é a característica principal dos frutos. Estes, quando retirados, deixam a coisa intacta; os produtos, ao inverso, vão se reduzindo paulatinamente à medida que se extraem da coisa. Acrescente-se ainda, que o possuidor de boa-fé, como, por exemplo, o usufrutuário, tem direito à percepção dos frutos colhidos tempestivamente; todavia, deve restituir ou indenizar os produtos. Quanto ao possuidor de má-fé, não tem direito aos frutos nem aos produtos, mas deve ser indenizado pelas despesas de produção e custeio dos frutos.

Finalmente, convém salientar que, apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico autônomo e independente do bem principal, deixando, pois, nesse caso, de ser bem acessório (art. 95).

BENFEITORIAS

Benfeitorias, na definição de Clóvis, são obras ou despesas efetuadas numa coisa para conservá-la, melhorá-la, ou, simplesmente, embelezá-la.

As benfeitorias podem ser necessárias, úteis e voluptuárias.As necessárias são feitas para conservar a coisa, impedindo-lhe a destruição ou

deterioração, como a construção de um muro de arrimo para evitar a queda da casa.As úteis têm por fim aumentar ou facilitar o uso da coisa, como a construção de uma

garagem.As voluptuárias ou suntuárias visam proporcionar mero recreio ou deleite, tornando a coisa

mais agradável ou luxuosa, como a construção de uma sauna. Essas benfeitorias não aumentam o uso habitual do bem, ao contrário das benfeitorias úteis.

Em relação às benfeitorias necessárias, têm direito à indenização os possuidores de boa-fé e de má-fé. No tocante às benfeitorias úteis, apenas o possuidor de boa-fé tem direito à indenização do seu valor.

No concernente às benfeitorias voluptuárias, o possuidor de boa-fé tem o direito de levantá-las (“jus tollendi”), quando o puder sem detrimento da coisa. Se não der para levantá-la, ele as perde sem indenização. Se der para levantá-la, ainda assim o proprietário poderá ficar com a benfeitoria, indenizando o possuidor de boa-fé, ao invés de permitir que ele as levante.

O possuidor de má-fé não tem direito à indenização das benfeitorias úteis e nem o direito de levantar as voluptuárias. Ele as perde. O proprietário as recebe gratuitamente.

Por fim, salienta o art. 97 que “não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor”. De fato, os melhoramentos ou acréscimos decorrentes da natureza, como aluvião e avulsão, são espécies de acessões. Como esclarece Washington de Barros Monteiro, sendo obra exclusiva da natureza, quem lucra é o proprietário do imóvel, sem compensação alguma para quem quer que seja.

ACESSÕES

Acessão é a junção de uma coisa à outra por força externa. A acessão pode ser:a. por obra da natureza: a união provém da força da natureza, sem a intervenção do

homem. São as seguintes: aluvião, avulsão, álveo abandonado e formação de ilhas;b. industrial ou artificial: a união é produzida pelo homem. São as construções de obras;c. mistas: a união provém da conjugação da força da natureza e da intervenção do homem.

São as plantações.Cumpre não confundir as benfeitorias com as acessões industriais.Com efeito, as benfeitorias são melhoramentos feitos em obras já existentes, como a

reforma da casa ou a construção de uma garagem, ao passo que as acessões industriais são obras que criam coisas novas, como, por exemplo, a construção de uma casa realizada em terreno vazio.

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PERTENÇAS

São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro (art. 93).

Assim, as pertenças, embora sejam coisas acessórias, conservam a sua identidade, pois não se incorporam à coisa que se juntam.

A acessoriedade das pertenças é meramente econômica e jurídica, tendo em vista o seu fim de servir, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento da coisa principal. Exemplos: os móveis e quadros da casa; o telefone do escritório; as máquinas da fábrica; o trator da fazenda etc.

Vê-se, portanto, que a separação das pertenças não altera a coisa principal, que permanece intacta. A pertença é livremente separável, de modo que a qualquer tempo o proprietário, a seu critério, poderá fazer com que a coisa deixe de ser pertença. Para tanto, basta não empregá-la ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento da coisa principal.

Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal, em regra, não abrangem as pertenças. Assim, na venda de uma casa não se encontram compreendidos os bens que integram a residência alienada. Trata-se de uma exceção ao princípio de que o acessório segue o principal.

Em três hipóteses, porém, os negócios jurídicos envolvendo o bem principal abrangerá também as pertenças.

A primeira ocorre quando houver alguma lei nesse sentido.Tal ocorre, por exemplo, com a aquisição de um estabelecimento comercial, pois, por força

dos arts. 1142 e 1143, todos os bens que o compõe consideram-se abrangidos no negócio.A segunda hipótese ocorre quando a vontade das partes ordena a abrangência das

pertenças. Exemplo: venda de uma casa mobiliada.A terceira exceção ocorre quando as circunstâncias do negócio abrangem as pertenças. Se,

por exemplo, o agente compra um estúdio de gravação, torna-se evidente que o vendedor deverá manter no local todos os equipamentos técnicos.

QUESTÕES

1. O que são bens divisíveis?2. O que é indivisibilidade material?3. O que é indivisibilidade econômica?4. O que é indivisibilidade voluntária e qual o tempo máximo de sua duração?5. O que é indivisibilidade finalística?6. Os direitos podem ser indivisíveis?7. Quais os efeitos práticos da distinção entre bens divisíveis e indivisíveis?8. Qual a distinção entre bens singulares e coletivos?9. Qual a distinção entre universalidade de fato e de direito?10. Qual a distinção entre coisas simples e compostas?11. O que são bens reciprocamente considerados?12. Elenque os bens corpóreos acessórios.13. Quais as principais conseqüências da máxima “o acessório segue o principal”? Há alguma exceção a esse princípio?14. O que são frutos?15. O que são frutos naturais, industriais, civis, pendentes, percebidos, estantes, percipiendos e consumidos?16. O que são produtos e como se distinguem dos frutos?17. O que são benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias?18. O possuidor tem direito à indenização por benfeitorias?19. O que são acessões por obra da natureza, industrial e mistas?20. Qual a distinção entre benfeitorias e acessões industriais?21. O que são pertenças?22. Em que hipóteses os negócios jurídicos envolvendo o bem principal abrangerão também as pertenças?

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BENS PÚBLICOS

Dispõe o art. 98 do CC que “são públicos os bens do domínio nacional pertencente às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.

O dispositivo em apreço não espelha o real conceito de bem público, pois só considera como tal os bens de domínio nacional, quando, na verdade, para ser público, basta que o bem pertença a uma pessoa jurídica de direito público interno (União, Estados, Municípios, Distrito Federal, autarquias e fundações públicas).

Além disso, não é verdade que os demais bens sejam particulares. Ora, como salienta Washington de Barros Monteiro, muitas coisas existem, no mar e em terra, que não pertencem a ninguém (os animais bravios, enquanto entregues à sua natural liberdade, as pérolas que jazem no fundo dos mares, os tesouros, as águas pluviais não captadas, as coisas abandonadas, as “res nullius” etc).

Acrescente-se, ainda, que os bens pertencentes às sociedades de economia mista e empresas públicas são também considerados bens públicos de uso especial, quando essas entidades forem prestadoras de serviços públicos. Igualmente, os bens das concessionárias prestadoras de serviço público. A propósito, salienta Maria Sylvia Zanella Di Prieto: “Com relação às entidades da Administração Indireta com personalidade de direito privado, grande parte presta serviços públicos; desse modo, a mesma razão que levou o legislador a imprimir regime jurídico publicístico aos bens de uso especial, pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, tornando-os inalienáveis, imprescritíveis, insuscetíveis de usucapião e direitos reais, justifica a adoção de idêntico regime para os bens de entidade da Administração Indireta afetados à realização de serviços públicos. É precisamente essa afetação que fundamenta a indisponibilidade desses bens, com todos os demais corolários. É sabido que a Administração Pública está sujeita a uma série de princípios, dentre os quais o da continuidade dos serviços públicos. Se fosse possível às entidades da Administração Indireta, mesmo empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviços públicos, alienar livremente esses bens, ou se os mesmos pudessem ser penhorados, hipotecados, adquiridos por usucapião, haveria uma interrupção do serviço público. E o serviço é considerado público precisamente porque atende às necessidades essenciais da coletividade. Daí a impossibilidade da sua paralisação e a sua submissão ao regime jurídico publicístico”.

Assim, podemos conceituar os bens públicos como sendo aqueles pertencentes a uma pessoa jurídica de direito público, qualquer que seja a sua afetação, e os pertencentes a pessoas jurídicas de direito privado quando afetados à prestação de serviços públicos.

Os bens públicos podem ser:a. de uso comum do povo: são aqueles cujo acesso é permitido a todos. O art. 99, I do CC

fornece-nos os seguintes exemplos: rios, mares, estradas, ruas e praças. Trata-se de um rol meramente exemplificativo, pois qualquer bem que, por lei ou natureza, destina-se ao uso coletivo, é considerado bem de uso comum do povo. O uso, aliás, pode ser gratuito ou retribuído, conforme preceituar a lei da pessoa política a cuja administração pertencerem (art. 103).

b. de uso especial: são os usados pela Administração Pública para atingir seus fins. O art. 99, II, do CC cita como exemplo os edifícios ou terrenos destinados às repartições públicas. Outros exemplos: veículos oficiais; navios de guerra; terras dos silvícolas; cemitérios públicos; teatros públicos; aeroportos públicos etc.

c. dominiais ou dominicais: são os que não tem destinação pública, e, por isso, integram o patrimônio disponível do Poder Público, podendo ser aplicado inclusive para a obtenção de renda. Exemplos: imóveis não utilizados pela Administração Pública; terrenos da marinha, terras devolutas, salvo as necessárias à proteção dos ecossistemas, pois estas são bens públicos de uso especial. Os bens dominiais são também chamados de bens do patrimônio privado do Estado.

Os bens públicos apresentam as seguintes características:a. inalienabilidade;b. imprescritibilidade;c. impenhorabilidade;d. impossibilidade de oneração.

INALIENABILIDADE

Vimos que os bens públicos de uso comum são aqueles que, por lei ou pela natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições.

Os bens públicos de uso comum por sua própria natureza, como os mares, os rios, as praias etc., são absolutamente inalienáveis, pois são insuscetíveis de valoração econômica.

Em contrapartida, os bens públicos de uso comum por força de lei, como as praças e as estradas, outrossim, os bens públicos de uso especial, são relativamente inalienáveis.

Com efeito, só serão inalienáveis enquanto conservarem essa qualificação de bem de uso comum ou de uso especial (art. 109). Esses bens podem ser alienados, se forem desafetados.

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Desafetação é a retirada da finalidade pública do bem, transformando-o em bem público dominical. Assim, uma lei municipal pode determinar o fechamento da praça, ordenando a sua alienação.

Quanto aos bens dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.A alienação dos bens públicos, consoante preceitua o art. 17 da Lei 8.666/93, depende dos

seguintes requisitos:a. demonstração de interesse público;b. prévia avaliação;c. licitação;d. autorização por lei, se for bem imóvel. Tratando-se de imóvel da União, além da lei, é

ainda necessário decreto do Presidente da República (Lei 9.636/98).

IMPRESCRITIBILIDADE

Os bens públicos, seja qual for a sua natureza, são imprescritíveis, no sentido de serem insuscetíveis de usucapião (art. 102).

IMPENHORABILIDADE

A execução contra a Fazenda Pública deve ser feita mediante precatório, conforme preceitua o art. 100 da CF, processando-se nos moldes do art. 730 do CPC, sendo, pois, proibida a penhora de seus bens.

IMPOSSIBILIDADE DE ONERAÇÃO

Os bens públicos não podem ser objeto de hipoteca, penhor etc.O penhor e a hipoteca não podem ser admitidos sequer por lei, pois o bem empenhado ou

hipotecado, no caso de inadimplência, podem vir a ser penhorados na futura execução, burlando, destarte, a norma do art. 100 da CF que proíbe a penhora do bem público.

QUESTÕES

1. O que são bens públicos?2. O que são bens particulares?3. Os bens das concessionárias de serviços públicos são públicos?4. O que são bens públicos de uso comum do povo? O uso desses bens é sempre gratuito?5. O que são bens públicos de uso especial?6. O que são bens públicos dominiais?7. Quais as características dos bens públicos?8. Os bens públicos de uso comum do povo podem ser alienados?9. Quais os requisitos para a alienação do bem público?10. Por que os bens públicos são imprescritíveis?11. Qual o procedimento da execução contra a Fazenda Pública?12. Os bens públicos podem ser hipotecados e empenhados?

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DOS FATOS JURÍDICOS

CONCEITO

Em sentido amplo, os fatos jurídicos compreendem os acontecimentos naturais e voluntários, em virtude dos quais nascem, se modificam e se extinguem os direitos e as obrigações.

Assim, nesse sentido “lato sensu”, os fatos jurídicos subdividem em:a. fatos jurídicos em sentido estrito: são os acontecimentos naturais, alheios à vontade

humana, que criam, modificam ou extinguem direitos e obrigações. Exemplos: aluvião, avulsão, nascimento, a maioridade, a morte natural etc;

b. atos ou negócios jurídicos: são os acontecimentos emanados da vontade lícita do homem, em virtude dos quais nascem, subsistem e se extinguem os direitos e obrigações. Exemplos: casamento, contrato, testamento etc;

c. atos ilícitos: são os acontecimentos emanados de dolo ou culpa, lesivos aos interesses alheios. Exemplo: a reparação prevista para o caso de dano.

Assim, enquanto os atos ou negócios jurídicos dizem respeito às ações humanas de efeitos voluntários, isto é, que se produzem de acordo com a vontade do agente, os atos ilícitos compreendem as ações humanas em que os efeitos jurídicos, por exemplo, a obrigação de indenizar, são involuntários, operando-se independentemente da vontade do agente.

Quanto à maneira pela qual se produzem, os fatos jurídicos ainda podem ser:a. fatos simples ou unitários: são os acontecimentos instantâneos, isto é, que se esgotam

numa só eventualidade. Exemplo: detonar uma arma contra alguém;b. fatos complexos ou compostos: são os acontecimentos que não se esgotam numa só

eventualidade, exigindo a ocorrência simultânea ou progressiva de mais de um fato simples. Exemplos: contrato, pois é necessária a proposta e a aceitação desta; usucapião, pois exige posse mansa, pacifica e prolongada no tempo.

AQUISIÇÃO DOS DIREITOS

O direito nasce a partir de um fato jurídico, e não da lei. Esta cria apenas a possibilidade de o direito vir a nascer, mediante a ocorrência do seu fato gerador.

É através dos fatos jurídicos que nascem os direitos pessoais e os direitos reais. Aliás, o fato jurídico pelo qual se adquire o direito real chama-se modo. Assim, a propriedade imobiliária, por exemplo, adquire-se pelo registro do título aquisitivo.

É claro que nem todos acontecimentos são fatos jurídicos, pois alguns são irrelevantes para o direito, como, por exemplo, o raio, a não ser que tenha matado alguém ou destruído alguma coisa, quando, então, transforma-se também em fato jurídico.

Os direitos podem ser adquiridos:a. por ato próprio do adquirente;b. por intermédio de outrem, como no caso de mandato, representação e gestão de

negócios;c. por força de natureza. Exemplos: aluvião e avulsão.Os modos de aquisição do direito podem ser originários e derivados.Os modos originários são as aquisições dos direitos sem que haja qualquer relação jurídica

entre o adquirente e o seu antecessor. Exemplos: usucapião, ocupação de “res nullius” (coisa sem dono) e “res derelicta” (coisa

abandonada) etc. Tratam de causas autônomas, que, por si só, bastam para aquisição dos direitos.Os modos derivados compreendem as aquisições por transmissão, em que há um vínculo

jurídico entre o adquirente e o seu antecessor. Exemplos: herança, legado, compra e venda etc.No modo derivado, o adquirente deve pagar o imposto de transmissão de bens imóveis,

subsistindo, ainda, os direitos reais que oneravam o bem, como a hipoteca, o usufruto etc. No modo originário, ao inverso, não há incidência de imposto de transmissão, extinguindo-se, ainda, os direitos reais que oneravam o bem, expurgando-se quaisquer gravames reais que sobre ele pudessem pesar.

A aquisição dos direitos ainda pode ser:a. gratuita: quando não há contraprestação. Exemplos: doação e herança;b. onerosa: quando há contraprestação. Exemplos: compra e venda, permuta etc;c. singular: quando a aquisição tem por objeto coisa ou coisas determinadas. Exemplo: o

legatário a quem se deixa um certo apartamento;d. universal: quando tem por objeto uma universalidade ou percentual desta. Exemplo:

herança, incorporação e fusão de pessoas jurídicas etc.

DIREITOS ATUAIS E DIREITOS FUTUROS

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Direitos atuais são os completamente adquiridos, e futuros os cuja aquisição não se acabou de operar.

Assim, direito atual ou adquirido é o que pode ser exercido desde já, porque reúne todos os fatos geradores necessários à sua aquisição.

Tal ocorre, por exemplo, com o funcionário público que já completou o tempo necessário para a sua aposentadoria.

Direito futuro, por sua vez, é o que não pode ainda ser exercido, pois não reúne todos os fatos geradores necessários à sua aquisição.

Os direitos futuros subdividem-se em: a. futuro deferido: é aquele cuja aquisição depende apenas de um ato de vontade da

pessoa. Exemplo: com a lavratura de uma escritura pública de compra e venda, a propriedade ainda não é adquirida, encontrando-se na dependência do registro, cuja providencia depende apenas da vontade do comprador;

b. futuro não deferido: são aqueles cuja aquisição depende de fatos falíveis, isto é, futuros e incertos.Tal ocorre com os direitos condicionais, direitos eventuais e expectativas de direito.

No direito condicional, as bases estruturais para a aquisição encontram-se formadas, aguardando-se apenas a ocorrência da condição, ao passo que na expectativa de direito ( ou direito “in fieri” ) não há qualquer consistência jurídica, havendo apenas uma simples esperança de se adquirir um direito.Assim, quem aguarda o recebimento de uma herança de pessoa viva tem mera expectativa de direito, isto é, um nada jurídico, despido de qualquer proteção jurídica.

Quanto ao direito eventual, alguns autores empregam essa expressão como sinônima de direito condicional. Realmente, em termos práticos têm o mesmo tratamento, por força do art.130 do CC, pois tanto o titular de direito condicional quanto o de direito eventual podem praticar os atos destinados a conservá-lo.

Sílvio Venosa lembra da interessante distinção entre os direitos condicionais e os eventuais, salientando que em ambos existe a subordinação a um acontecimento futuro e incerto. Os direitos eventuais, contudo, trazem elemento futuro e incerto inerente e essencial ao próprio negócio, como os contratos aleatórios e a venda de coisa alheia, enquanto nos direitos condicionais o fato dito condicional é externo ao ato. De fato, nem todo elemento futuro e incerto deve ser considerado condição. O negócio jurídico eventual é negócio jurídico ainda incompleto que necessita que algo ocorra para completar-se. É de índole interna, essencial ao direito. Quem vende, por exemplo, coisa que ainda não tem, depende de obtê-la para poder transmiti-la.

Saliente-se, por fim, que o direito sob termo é considerado direito adquirido, pois o termo suspende o exercício, mas não a aquisição do direito (art. 131).

Cumpre observar, que o termo é um fato futuro e certo. Tal ocorre, por exemplo, com a doação com início a partir de certa data.

QUESTÕES

1. O que são fatos jurídicos e como se classificam?2. O que é fato jurídico em sentido estrito?3. Qual a distinção entre negócio jurídico e ato ilícito?4. Qual a distinção entre fato simples e fato complexo?5. Como podem ser adquiridos os direitos?6. O que é modo?7. Qual a distinção entre modo originário e modo derivado?8. Qual a distinção entre aquisição onerosa e gratuita?9. Qual a distinção entre aquisição singular e universal?10. Qual a distinção entre direitos atuais e futuros?11. Qual a distinção entre direitos futuros deferidos e não deferidos?12. Qual a distinção entre expectativa de direito, direito condicional e direito eventual?

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NEGÓCIO JURÍDICO

DISTINÇÃO ENTRE ATO E NEGÓCIO JURÍDICO

Tanto o ato jurídico quanto o negócio jurídico caracterizam-se como sendo um comportamento humano voluntário apto a adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.

Distinguem-se, porém, sutilmente. Com efeito, no negócio jurídico o efeito jurídico dele emanado é previamente querido pelo agente, ao passo que no ato jurídico, o efeito jurídico emana diretamente da norma, independente do querer do agente.

No negócio jurídico, o intuito negocial sobrepõe-se ao conteúdo da norma, que pode ser afastada para que prevaleça a intenção das partes. São negócios jurídicos tanto o testamento, que é unilateral, como o contrato, que é bilateral, caracterizando-se esse último como sendo o negócio jurídico por excelência.

Os atos jurídicos, ao réves, são destituídos de intuito negocial, pois o homem os pratica sem a intenção específica de produzir o efeito jurídico que dele advém. Assim, por exemplo, a descoberta de um tesouro é um ato jurídico, pois o inventor torna-se proprietário, ainda que não queira. Igualmente, quem de boa-fé planta em seu terreno com semente alheia, adquire-lhe a propriedade, a despeito do seu querer. Note-se que, no ato jurídico, o agente alcança um efeito jurídico, que não tinha a intenção de alcançar.

Convém frisar que enquanto no negócio jurídico os efeitos jurídicos são previamente almejados e controlados pela vontade das partes, no ato jurídico os efeitos que dele emanam são impostos pela lei, pouco importando se a partes os desejava ou não. Assim, o casamento é um ato jurídico, pois as conseqüências matrimoniais são determinadas pela lei, não podendo os nubentes subtraírem-se delas.

Podemos dizer que nos atos jurídicos os efeitos se produzem independentemente da vontade de quem age, ao passo que nos negócios jurídicos os efeitos são intencionalmente desejados pelo agente.

O negócio jurídico exige agente capaz, ao passo que a capacidade só é requisito do ato jurídico, nos casos em que a lei a exige.

Assim, o absolutamente incapaz que descobre um tesouro adquire-lhe também a propriedade. Se fosse exigir a capacidade, esse ato seria nulo.

De fato, dispõe o art. 185 do CC, que as disposições referentes aos negócios jurídicos aplicam-se, apenas, no que couber, aos atos jurídicos.

ATO JURÍDICO E ATO-FATO-JURÍDICO

O ato jurídico é o praticado intencionalmente pela parte, embora os seus efeitos sejam determinados pela lei, como, por exemplo, o casamento, ao passo que, no ato-fato-jurídico, a parte não teve sequer a intenção de praticá-lo, não obstante a repercussão jurídica imposta por lei.

Assim, a descoberta ocasional de um tesouro seria um ato-fato-jurídico; igualmente, os atos socialmente aceitos praticados por uma criança, como a compra de um sorvete.

Cremos que o ato-fato-jurídico encontra-se embutido no conceito de ato jurídico, pois tanto naquele quanto neste os efeitos produzidos encontram-se previamente determinados por lei. Na verdade, os casos de atos- fatos –jurídicos não passam de exemplos de atos jurídicos.

Para os adeptos dessa tríplice classificação, negócio jurídico, ato jurídico e ato-fato-jurídico, a linha divisória seria a seguinte:

a. vontade qualificada. É a exigida para o negócio jurídico, pois a ação humana deve ser direcionada à produção de um determinado efeito jurídico;

b. vontade simples. É a exigida para o ato jurídico, pois a ação humana deve ser direcionada apenas à prática do ato, sem qualquer controle sobre os seus efeitos jurídicos;

c. irrelevância da vontade. É o que ocorre em relação ao ato-fato-jurídico, pois o querer inicial do agente é indiferente para a produção dos efeitos determinados pela lei.

CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS E ATOS JURÍDICOS

Os atos e negócios jurídicos se classificam em:a. ”inter vivos”: os que visam produzir seus efeitos em vida dos interessados. Exemplo:

doação;b. ”mortis causa”: os que visam produzir seus efeitos após a morte do declarante. Exemplo:

testamento;c. unilaterais: quando a manifestação de vontade provém de uma só pessoa, ou mais de

uma, porém, no mesmo sentido. Exemplos: promessa de recompensa; título ao portador. Podem ser receptícios, quando o efeito a ser produzido só se verificar após o destinatário tomar ciência da declaração, e não – receptícios, quando o efeito se produz independentemente da ciência do destinatário. Assim, a renúncia da herança e o testamento são atos não-receptícios, ao passo que a resilição de um contrato por

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tempo indeterminado é um ato receptício, pois só surte efeito após o outro contratante ser comunicado do término da relação contratual;

d. bilaterais: são os que só se perfazem pelo encontro de duas vontades. Exemplos: contrato, casamento. Podem ser bilaterais simples e bilaterais sinalagmáticos. Os primeiros concedem vantagem a uma das partes e ônus à outra (doação, comodato etc.); os segundos, concedem ônus e vantagens para ambas as partes (compra e venda, permuta etc.). No campo contratual, denomina-se contrato bilateral apenas os bilaterais sinalagmáticos; os bilaterais simples são classificados como contratos unilaterais;

e. solenes: quando a lei prescreve determinada forma. Exemplos: casamento, testamento, compra e venda de imóveis etc.;

f. não-solenes ou informais: quando a forma é livre. Exemplos: compra e venda de bens móveis, locação etc.;

g. causais (concretos ou materiais): os que estão vinculados a uma certa causa para que se produzam os efeitos almejados. Exemplo: os contratos em geral;

h. abstratos (ou formais): os que surtem efeitos jurídicos independentemente da validade da causa que lhe deu origem. É o caso dos títulos de crédito em relação aos terceiros de boa-fé.

EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DOS ATOS OU NEGÓCIOS JURÍDICOS

A teoria dos atos inexistentes surgiu na França, na obra de Zachariae, para explicar a ineficácia de certos casamentos não declarados expressamente nulos pela lei. De fato, em matéria matrimonial, a nulidade é sempre textual, isto é, o casamento só é nulo ou anulável nos casos em que a lei o declara expressamente. Percebeu-se, porém, que em certos casos a lei não declara expressamente a nulidade, mas , ao mesmo tempo, seria um absurdo considerá-lo válido diante da falta de um elemento substancial à perfeição do ato, como, por exemplo, a diversidade de sexos.

Surgiu, então a teoria dos atos inexistentes para negar eficácia a esses casamentos não declarados nulos pela lei.

Assim, o negócio jurídico inexistente é o que não reúne os elementos essenciais à sua formação.

Na doutrina, discute-se quais seriam esses elementos essenciais. De acordo com Orlando Gomes, os pressupostos de existência são apenas a vontade e o objeto.

De fato, todo negócio jurídico é uma declaração de vontade.Sem a vontade o ato não existe. Exemplos: vontade extorquida pela coação física ou

declarada por erro obstativo. Igualmente, se faltar o objeto, o negócio é também inexistente, como, por exemplo, a compra e venda sem coisa ou sem preço.

Por outro lado, o negócio jurídico nulo é o constituído em desacordo com a lei. O art. 104 do CC preceitua que a validade do negócio jurídico requer:

I. agente capaz;II. objeto lícito, possível, determinado ou determinável;III. forma prescrita ou não defesa em lei.O ato inexistente não produz qualquer conseqüência jurídica, além disso, nunca poderá

convalidar-se.Em regra, a inexistência para ser reconhecida, independe de ação judicial, devendo o

negócio ser simplesmente ignorado, a não ser em casos excepcionais onde a inexistência depender da produção de prova testemunhal, como, por exemplo, a argüição de ausência de consentimento no casamento.

O ato nulo, ao contrário do inexistente, pode ter eficácia como putativo, em homenagem à boa-fé de um dos contratantes.

O Código Civil não cuida dos atos inexistentes.Justifica-se a omissão pelo fato de que ao legislar, como salienta Renan Lotufo, já se está

no plano da validade, e, portanto, só se deve operar com os planos da validade e da eficácia.O negócio jurídico eficaz é o que está apto a produzir efeitos.Saliente-se, ainda, que o ato ou negócio jurídico podem ser:a. válido e eficaz.b. válido e ineficaz. Tal ocorre, por exemplo, na pendência de condição suspensiva.c. Inválido mas eficaz. Tal ocorre, por exemplo, com os casos de nulidade relativa, enquanto

esta não for pronunciada judicialmente.

QUESTÕES

1. Como se caracterizam os atos e negócios jurídicos?2. Qual a distinção entre ato jurídico e negócio jurídico? Dê exemplos.3. Qual a distinção entre ato jurídico e ato-fato-jurídico?

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4. Qual a distinção entre negócios jurídicos “inter vivos” e “causa mortis”?5. Qual a distinção entre negócios jurídicos unilaterais e bilaterais?6. Qual a distinção entre negócios jurídicos bilaterais simples e bilaterais sinalagmáticos?7. Qual a distinção entre negócios jurídicos solenes e não-solenes?8. Qual a distinção entre negócios jurídicos causais e abstratos?9. Por que surgiu a teoria dos negócios jurídicos inexistentes?10. Quais os elementos de existência dos negócios jurídicos?11. Qual a distinção entre negócio jurídico inexistente e negócio jurídico nulo?

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REQUISITOS DE VALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

De acordo com o art. 104 do CC, os requisitos de validade são:I. agente capaz;II. objeto lícito, possível, determinado ou determinável;III. forma prescrita ou não defesa em lei.

AGENTE CAPAZ

As pessoas absolutamente incapazes são representadas pelos representantes legais, ao passo que os relativamente incapazes são apenas assistidos. A falta da representação gera a nulidade absoluta do negócio jurídico (art.166, I); a falta de assistência produz uma nulidade relativa (art.171, I).

Saliente-se, ainda, como já vimos, que alguns atos, além da capacidade, ainda exigem legitimação e autorização.

OBJETO LÍCITO

O objeto lícito é o que está de acordo com a lei, moral, ordem pública e bons costumes. É vedado, por exemplo, o contrato de herança de pessoa viva. Igualmente, é nulo o contrato pelo qual alguém se compromete a realizar cenas de sexo explícito.

Em sendo ilícito o objeto, a nulidade é absoluta (art. 166, II, do CC). Portanto, o descumprimento do avençado não enseja qualquer indenização por perdas e danos.

OBJETO POSSÍVEL

A impossibilidade física do objeto pode ser: a. absoluta: quando a prestação for irrealizável por qualquer pessoa. Exemplos: volta ao

mundo em meia hora; viagem para Júpiter. Nesse caso, a nulidade é absoluta, de modo que a parte não poderá pleitear indenização por perdas e danos.

b. relativa: quando a prestação for passível de realização, embora de difícil concretização. Exemplos: construção de uma casa em uma semana; escrever um livro em cinco dias etc. Em tal situação não se invalida o negócio, de modo que a inadimplência poderá ensejar uma indenização por perdas e danos.

Com efeito, dispõe o art.106 do CC: “A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinada”.

Denota-se que se a impossibilidade absoluta cessar antes de realizada a condição a que estava subordinado o negócio, este também será tido como válido, consoante se depreende da análise da 2ª parte do citado art. 106 do CC. Assim, é inválida a estipulação de objeto que não exista na natureza. Se, porém, o agente conseguir criar esse objeto antes da realização da condição a que se subordinar o negócio, este se convalidará.

Trata-se, como se vê, da convalidação de um ato inicialmente nulo. O dispositivo em apreço refere-se a condição, mas, por analogia, também deve ser aplicado aos negócios jurídicos sob termo em que a impossibilidade absoluta do objeto cessa antes do advento deste.

OBJETO DETERMINADO OU DETERMINÁVEL

O objeto deve ser determinado ou ao menos determinável. É determinado quando a prestação é individualizada desde o início do negócio jurídico.É determinável quando a individualização da prestação é futura, por algum critério a ser

observado. Tal ocorre, por exemplo, com o contrato de compra e venda de peixes que caírem na rede do pescador.

Anote-se, porém, que se o objeto for absolutamente indeterminado, como, por exemplo, a compra e venda de um animal, sem especificar sequer a espécie, haverá nulidade absoluta.

FORMA

A forma é um meio de exteriorização de vontade. Dispõe o art. 107 do CC, que: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.

Vê-se, portanto, que o legislador adotou como regra, o princípio da liberdade das formas. Assim, o negócio jurídico, no silêncio da lei, é de forma livre, podendo ser celebrado por escrito, verbalmente ou por gestos. Exemplos: compra e venda de bem móvel, comodato, locação etc.

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Anote-se, contudo, que o silêncio não importa em manifestação de vontade, salvo quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração expressa (art.111). Assim, em regra, quem cala não consente.

Imagine, por exemplo, que uma certa editora envie a uma pessoa os exemplares de uma revista fazendo consignar que a não devolução implicará em aceitação. Nesse caso, o silêncio caracterizado pela não devolução em nada vinculará a pessoa que recebeu as ditas revistas. De fato, o consentimento tácito deve ser inferido de atos positivos, como, por exemplo, o pagamento da primeira prestação atinente ao recebimento das revistas, e não do silêncio, que, por si só, é insuficiente para a celebração do negócio jurídico, a não ser quando a própria lei ou os costumes atribuir-lhe esse efeito.

Por outro lado, os atos ou negócios jurídicos solenes são aqueles em que a lei prevê uma forma especial. Alguns destes negócios solenes podem celebrar-se por escrito particular, como a fiança, a doação de bens móveis, o seguro, o penhor etc., mas outros exigem escritura pública, como os negócios envolvendo a alienação de bens imóveis, como a venda, a doação etc.

A propósito, dispõe o art. 108 do CC: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

A contrario sensu, os negócios relativos a imóveis, cujo valor seja igual ou inferior a trinta salários mínimos, admitirão a escritura particular, através da qual poderão alcançar o registro.

Inúmeros negócios relativos a imóveis, como observa Renan Lotufo, admitem escrituras particulares para sua celebração, qualquer que seja o valor do imóvel:

a. contratos de que forem partes o Banco Nacional de Habitação ou entidades que integram o Sistema Financeiro de Habitação (Lei 4.380/64);

b. os compromissos de compra e venda e promessa de cessão relativos a imóveis;c. todos os atos relativos a cédula hipotecária (Dec. 70/66);d. contratos de venda e compra de imóvel com alienação fiduciária em garantia (Lei

9.514/97).A inobservância da forma acarreta a nulidade absoluta do negócio jurídico, mas em alguns

casos, o negócio nulo pode ser convertido noutro válido, se preencher os requisitos desse último e essa for a real intenção do declarante. Tal ocorre, por exemplo, com a compra e venda de imóvel superior a 30 salários mínimos celebrada por instrumento particular.

Conquanto nula, pode ser convertida em compromisso de compra e venda, uma vez que esse contrato admite o instrumento particular. Igualmente, o testamento feito sem testemunhas é nulo, todavia, na parte referente ao reconhecimento de filho pode ser transformado em escritura particular.

Acrescente-se, ainda, que os atos ou negócios jurídicos de forma livre podem ser transformados em solenes, pelas partes. Com efeito, dispõe art. 109 do CC: “No negócio jurídico celebrado com cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”.

MOTIVO

Causa é a finalidade econômica e social que a parte tem em mira ao celebrar o negócio jurídico. Se, por exemplo, alguém compra uma casa para nela instalar um restaurante, essa finalidade constitui a causa.

Esta, distingue-se do objeto. No exemplo, a casa é o objeto; a finalidade de montar um restaurante é a causa.

Motivo, por outro lado, é o antecedente psíquico da ação. É o móvel psicológico que impulsiona o agente a celebrar o negócio jurídico. A causa é apenas uma espécie de motivo, pois este, pode abranger uma infinidade de situações.

O Código de 1916 era anticausalista, porque deixou de incluir a causa entre os requisitos de validade do negócio jurídico.

O Código de 2002 assumiu uma postura intermediária, pois demonstra uma tendência causalista, dispondo no art. 166, inciso III, que é nulo o negócio jurídico quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito.

Assim, o motivo ilícito, e não apenas a causa, vicia o negócio jurídico quando for comum a ambas as partes. Basta, para que a nulidade seja decretada, que uma das partes tenha ciência da má-fé da outra.

Se, por exemplo, o locador aluga o imóvel ciente de que a finalidade do locatário é utilizá-lo como cativeiro de um seqüestro, não poderá mover-lhe a ação de cobrança dos aluguéis, diante da nulidade do contrato. Se, ao revés, o locador estava de boa-fé, o contrato será válido, viabilizando-se, destarte, a cobrança dos aluguéis. Anote-se que, no exemplo ministrado, o objeto do negócio, qual seja, a casa alugada, é lícito, recaindo a ilicitude sobre a causa consubstanciada na finalidade criminosa.

Na compra e venda de maconha, por exemplo, o objeto do negócio é ilícito. Nesse caso, para a decretação da nulidade, pouco importa a boa-fé de um dos contratantes. Na causa ilícita, ao revés, a boa-fé de uma das partes impede a nulidade do ato. Força convir, portanto, que o Código de 2002 não é

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totalmente causalista nem anticausalista, tendo assumido uma posição intermediária, atento à boa-fé e à má-fé das partes.

INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Dispõe o art. 113 do CC: “Nas declarações da vontade se atenderá mais a intenção nela consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem”.

De acordo com a teoria subjetiva ou voluntarística, o intérprete deve investigar a real vontade dos declarantes, de modo que a intenção prevalece sobre a vontade externada nas cláusulas do negócio.

Em contrapartida, a teoria objetiva ou da declaração preconiza a prevalência das palavras consignadas no negócio jurídico, desprezando a vontade interna dos declarantes. Assim, a interpretação deve ser fiel ao texto da declaração, não podendo basear-se em elementos exteriores a ela.

O Código de 2002 adotou uma posição intermediária. Com efeito, o intérprete não pode simplesmente abandonar a declaração contida no negócio para buscar livremente a vontade interna dos declarantes, como sustenta a teoria subjetiva. Igualmente, não pode desprezar a vontade interna, procurando desvendar apenas o sentido frio das palavras como quer a teoria objetiva.

O intérprete deve partir de dados objetivos consubstanciados no negócio jurídico, buscando-se, a partir daí, a real intenção dos declarantes, atento para a confiança que o conteúdo material do ato despertou no destinatário e na responsabilidade do declarante.

Atente-se, porém, como salienta Silvio Venosa, que apesar do Código aconselhar preferência pela vontade interna, tal não é de ser utilizado se as palavras são claras e não dão margem a dúvidas. De fato, o Código não adotou, na pureza, a teoria subjetiva, de modo que o negócio jurídico não pode colidir contra o seu conteúdo.

Finalmente, dispõe o art. 114 do CC: “ Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.”

QUESTÕES

1. Quais os requisitos de validade do negócio jurídico?2. Qual o efeito de o agente ser incapaz?3. O que é objeto lícito?4. Qual o efeito do objeto ser ilícito?5. Qual a distinção e o efeito da impossibilidade física e relativa do objeto?6. A impossibilidade física absoluta do objeto pode se convalidar?7. Qual a distinção entre objeto determinado e determinável?8. O que é o princípio da liberdade das formas?9. O silêncio importa em manifestação de vontade?10. O que é negócio solene?11. Os negócios referentes a imóveis podem ser celebrados por escritura particular?12. O negócio nulo por vício de forma pode ser convertido noutro válido?13. Qual a distinção entre causa e motivo?14. O motivo vicia o negócio jurídico?

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REPRESENTAÇÃO

CONCEITO

Representação é o poder de realização de atos ou negócios jurídicos em nome e no interesse de outra pessoa.

Distingue-se da substituição processual. Com efeito, o substituto processual defende em nome próprio interesse alheio, ao passo que o representante age em nome do representado na defesa dos interesses deste.

DISTINÇÃO ENTRE REPRESENTANTE E PRESENTANTE

Tratando-se de pessoa jurídica, como observa Pontes de Miranda, os seus diretores e administradores devem ser designados de presentantes legais, pois, ao invés de representá-la, fazem presente a vontade dela.

De fato, os diretores e administradores são membros da pessoa jurídica, através da qual ela expressa a sua vontade.

REPRESENTAÇÃO LEGAL E VOLUNTÁRIA

Dispõe o art. 115 do CC que os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo interessado.

A representação legal é atribuída por lei em razão da incapacidade do representado. É o caso dos pais em relação aos filhos menores e do tutor ou curador, em relação ao pupilo ou curatelado.

A representação voluntária ou convencional é a derivada do mandato. Saliente-se, porém, pode haver mandato sem poder de representação quanto aos atos cuja prática se delega a outrem, sem que, no entanto, haja poder de representação.

Nada obsta, por outro lado, que o representante legal constitua representante voluntário para representar o incapaz em certos atos.

OS PODERES DE REPRESENTAÇÃO

A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado (art. 116). De fato, o representante encontra-se investido de poderes para atuar em nome do representado.

Na representação legal, os atos e negócios jurídicos devem ser celebrados pelo próprio representante, em nome do incapaz, estando este impedido de praticar o ato diretamente, ao contrário da representação convencional, em que, não obstante os poderes outorgados ao representante, o representado continua com o direito de realizar diretamente o negócio para o qual havia delegado os poderes de representação.

O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem contratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem (art. 118). Assim, o representado não se obriga pelos atos praticados pelo representante, que extrapolaram os limites de seus poderes. Nada obsta, contudo, que o representado ratifique o ato.

LIMITAÇÕES AOS PODERES DO REPRESENTANTE

Dispõe o art. 117 do Código Civil: “Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.”

Assim, nada obsta a aquisição do bem pelo próprio procurador, desde que o mandante o tenha autorizado expressamente. Urge, porém, uma autorização específica, delimitando-se previamente o conteúdo do negócio a ser realizado e o respectivo preço. Se a autorização foi genérica, isto é, sem a fixação do preço, mas o mandatário pagou o preço justo, igual ou superior ao que terceiro pagaria, o negócio deve se tido como válido.

Acrescente-se, porém, que se o preço foi injusto, o negócio não é nulo, mas apenas anulável, admitindo-se, portanto, a ratificação posterior.

A rigor, na procuração em causa própria, o mandatário não está realizando contrato consigo mesmo, mas com a pessoa com quem representa.

Cumpre salientar que a procuração em causa própria quando elaborada por instrumento público, reunindo ainda em seu bojo a descrição da coisa, do preço e do consentimento, passa a ser um negócio translativo de propriedade.

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Como salienta Orlando Gomes: “Intuitivamente, a procuração em causa própria é irrevogável, não porque constitui exceção a revogabilidade do mandato, mas porque implica transferência de direitos”.

A Excelsa Corte, a propósito, já decidiu que o mandato em causa própria, quando constante de instrumento público equivale à escritura de compra e venda, mas somente transfere a propriedade imobiliária quando transcrito no registro próprio.

Como salienta Ademar Fioranelli, “malgrado não esteja elencado no art. 221 da Lei n. 6.015/73 de forma expressa, mas genericamente compreendido em tal dispositivo, indiscutível cuidar-se de título registável, encaixando-se na enumeração do art. 167, inc. I, n. 29, já que pelo registro se opera a transferência do domínio, consoante regra contida no art. 172 da mesma LRP. Da admissibilidade do registro da procuração “in rem propriam”, decorre sejam observados todos os requisitos legais exigíveis de qualquer título de compra e venda, quer quanto à forma, quer com relação aos demais princípios que regem a atividade registral.”

Do exposto dessume-se que a procuração em causa própria lavrada por escritura pública, contendo os requisitos da res, pretium e do consensus, tem o mesmo efeito que a escritura pública de compra e venda, prescindindo-se da elaboração desta por ocasião do registro, isto é, a própria procuração pode ser diretamente transcrita no Registro de Imóveis.

Por outro lado, ainda sobre o autocontrato, a lei veda que o tutor ou curador de comprarem, ainda que em hasta pública, os bens confiados à sua guarda e administração (art. 497, I). Assim, na representação legal, em regra, a lei não permite a autocontratação. Saliente-se, porém, que não há proibição de os pais comprarem os bens dos filhos; nada obsta essa venda, mediante ordem judicial, desde que haja uma vantagem ou benefício ao menor.

BENEFÍCIO DE RESTITUIÇÃO (“RESTITUTIO IN INTEGRUM”). CONFLITO DE INTERESSES

Benefício de restituição é o instituto jurídico que permite a anulação dos negócios jurídicos válidos celebrados pelo representante, que sejam prejudiciais aos interesses do incapaz.

O instituto da “restitutio in integrum”, que vigorou ao tempo das Ordenações, acabou sendo abolido pelo art. 8º do Código Civil de 1916.

Como adverte Sílvio Venosa, a instituição nem sempre beneficiava o menor, já que atemorizava aqueles que pretendiam com ele contratar. Desse modo, os negócios feitos com menores, desde que representados ou assistidos, são plenamente válidos e eficazes.

O Código de 2002, porém, prevê um instituto similar ao benefício de restituição, dispondo no seu art. 119, que: “É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou”.

Não se trata propriamente do benefício de restituição, pois este instituto permitia a anulação de todo e qualquer ato prejudicial ao incapaz, pouco importando se a outra parte tinha ou não conhecimento de que o ato poderia prejudicá-lo.

No citado art. 119 do CC, não é propriamente o prejuízo acarretado ao incapaz a causa da anulação do negócio, mas o fato de este ter sido concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado. Ocorre esse conflito quando o interesse do representado for antagônico ao do representante.

Da mesma forma que é anulável o negócio jurídico celebrado pelo representante consigo mesmo, haverá também a anulabilidade quando for celebrado com outrem, visando, no entanto, um benefício próprio ou alheio, e não o interesse do incapaz. Todavia, nesse caso, de ato praticado pelo representante em benefício próprio ou alheio, a anulação só se caracterizará se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele contratou. Se o contratante estava de boa-fé, isto é, desconhecia o real propósito do representante, nem tinha possibilidade de conhecer (erro escusável), o negócio não poderá ser anulado.

Se, porém, o outro contratante sabia ou devia saber do conflito de interesses, o ato poderá ser anulado, no prazo de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade.

Trata-se de prazo decadencial, conforme preceitua o parágrafo único do art. 119 do CC.Saliente-se, por fim, que o dispositivo em análise é aplicável tanto à representação legal

quanto à convencional. Tratando-se de representação legal, o prazo decadencial só começa a fluir com a cessação da incapacidade, pois a decadência não corre contra os absolutamente incapazes (art. 208). Na representação convencional, porém, o prazo para ação anulatória começa a fluir a contar da conclusão do negócio.

NÚNCIO OU MENSAGEIRO

Núncio é o porta-voz, isto é, a pessoa encarregada de transmitir um recado ou entregar um documento a outrem.

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Não se trata de um representante legal, de modo que não se lhe exige sequer a capacidade civil, podendo até ser incapaz.

QUESTÕES

1. Qual a distinção entre representação e substituição processual?2. Qual a distinção entre representante e presentante?3. Qual a distinção entre representação legal e convencional?4. É possível a coexistência entre a representação legal e a convencional?5. Na representação, o representado tem o direito de realizar diretamente o negócio jurídico?6. O representado se obriga por todos os atos do representante?7. Qual a conseqüência do representante celebrar o negócio jurídico consigo mesmo?8. O procurador pode adquirir validamente um bem do mandante?9. A procuração em causa própria tem valor de escritura pública de compra e venda?10. Na representação legal é possível a autocontratação?11. O que é benefício de restituição?12. Qual a distinção entre o benefício de restituição e o disposto no art.119 do Código Civil?13. O ato praticado entre o representante e um terceiro, prejudicial ao interesse do representado, é sempre anulável?14. O que é núncio?

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MODALIDADES DOS ATOS OU NEGÓCIOS JURÍDICOS

INTRODUÇÃO

Os elementos dos atos ou negócios jurídicos podem ser:a. essenciais: são aqueles sem os quais o ato ou negócio não existe. Na compra e venda,

por exemplo, esses elementos são: a coisa, o preço e o consentimento.b. naturais: são as conseqüências automáticas do ato ou negócio, e por isso, não exigem

menção expressa. Na compra e venda, por exemplo, esses elementos são a obrigação do vendedor de entregar a coisa vendida e a do comprador de pagar o preço convencionado.

c. acidentais: são as cláusulas acrescentadas no ato ou negócio jurídico, destinadas a modificar suas conseqüências naturais. Esses elementos são: a condição, o termo e o encargo. Essa enumeração não é taxativa, porque as partes ainda podem acrescentar outros, como, por exemplo, a pressuposição.

Os negócios jurídicos puros são os que não apresentam essas modificações trazidas pelos elementos acidentais, isto é, são os que não contém condição, termo ou encargo.

Esses elementos acidentais não se presumem; para configurarem, dependem de expressa inserção no ato ou negócio jurídico.

Eles não afetam a existência do ato, mas apenas a sua eficácia, isto é, a sua execução.

CABIMENTO

Em regra, todo ato ou negócio jurídico admite condição, termo e encargo. Aliás, sempre é possível a sua inserção nos negócios patrimoniais, exceto na aceitação e renúncia da herança. Sua prática é mais usual nos contratos e testamentos.

Não podem, contudo, constar nos atos referentes ao estado das pessoas, como reconhecimento de filho e emancipação, nem nos referentes ao direito de família puro, como o casamento, tutela etc.

CONDIÇÃO

CONCEITO

Dispõe o art. 121 do CC: “Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”.

O legislador trata tão-somente da condição voluntária das partes, que é, de fato, a verdadeira condição, não disciplinando a condição necessária ou legal, também chamada imprópria ou aparente ou tácita, que é aquela inerente à natureza do ato, cujo acréscimo é inócuo, tendo em vista que a sua inserção já deriva da lei. Exemplo de condição necessária: diz o testador que “A” será seu herdeiro se sobreviver-lhe. Ora, para ser herdeiro é óbvio que deve sobreviver ao testador, pois isso já consta da lei. Outro exemplo: diz o testador que “A” será seu herdeiro, sob a condição de aceitar a herança. Ora, para ser herdeiro, a lei exige a aceitação da herança, de modo que isso não precisa figurar no testamento.

ELEMENTOS DA CONDIÇÃO

A condição se decompõe em dois elementos:a. futuridade do evento;b. incerteza do evento.Evento futuro é o que ainda não aconteceu. Se já aconteceu, não é condição, mas um ato

puro e simples, ainda que a parte ignore a sua ocorrência, que, porém, só surtirá efeito se o fato realmente se verificou.

Alguns autores a denominam de condição imprópria. Vejamos o exemplo de Spencer Vampré: prometo certa quantia se premiado for meu bilhete da loteria que correu ontem. Se o bilhete havia sido premiado, a promessa de doação é válida, como sendo pura e simples; se, ao revés, não havia sido premiado, a promessa é nula e ineficaz, tendo em vista a absoluta impropriedade do objeto.

Evento incerto, por sua vez, é o que pode ou não ocorrer. Urge que a incerteza seja objetiva, real, e não meramente subjetiva, oriunda da ignorância

do agente. Tratando-se de fato futuro e certo, como a morte, haverá termo, e não condição.

CLASSIFICAÇÃO DAS CONDIÇÕES

As condições podem ser:a. possíveis e impossíveis;

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b. casuais, potestativas, mistas e promíscuas;c. lícitas e ilícitas;d. positivas e negativas;e. suspensivas e resolutivas.

CONDIÇÕES POSSÍVEIS

São as realizáveis segundo as leis da natureza ou o ordenamento jurídico. Subdividem-se em :

a. fisicamente possíveis: são as que não contrariam as leis da natureza;b. juridicamente possíveis: são as que não contrariam a lei, ordem pública ou bons

costumes.

CONDIÇÕES IMPOSSÍVEIS

São as irrealizáveis segundo as leis da natureza ou o ordenamento jurídico. Subdividem-se em:

a. fisicamente impossíveis;b. juridicamente impossíveis.

CONDIÇÕES FISICAMENTE IMPOSSÍVEIS:

São as que contrariam as leis da natureza. Por exemplo: dar-te-ei cem mil reais, se conseguires ressuscitar um morto. Essas condições, quando suspensivas, isto é, impeditivas da aquisição do direito, como no exemplo ministrado, invalidam os negócios jurídicos que lhe são subordinados, por força do art. 123, I, do Código Civil. Se, porém, constar como condição resolutiva, serão tidas como inexistentes, vale dizer, não escritas. Tal ocorre, por exemplo, quando o doador prevê a extinção da liberalidade, quando um morto ressuscitar. Nesse caso, a doação reputa-se pura e simples, considerando-se não escrita essa condição resolutiva, isto é, extintiva da obrigação.

De fato, dispõe o art. 124 do CC: “Tem-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível”. Como exemplo de condição de não fazer coisa impossível, podemos citar a doação sob a condição de o donatário não morrer ou de não piscar mais os olhos. Nesses casos, a condição reputa-se não escrita, mas o negócio permanece válido.

Assim, as condições fisicamente impossíveis, para invalidarem o negócio, devem revestir-se de dois requisitos:

a. serem suspensivas, isto é, inseridas para impedir a aquisição do direito;b. positivas, vale dizer, implicar na prática de uma ação positiva, como dar a volta ao mundo

a pé em dois dias.Em contrapartida, o negócio jurídico será válido, anulando-se apenas a condição, quando

esta for:a. resolutiva, ainda que positiva. Exemplo: te dôo essa casa, desde já, mas se alguém

conseguir dar a volta ao mundo a pé em dois dias, a doação será extinta.b. negativa, isto é, de não fazer coisa impossível. Nesse caso, o negócio será válido ainda

que a condição seja suspensiva. Exemplo: dar-te-ei tal objeto, se abstiveres de viajar numa máquina do tempo.Tem-se por inexistente essa condição de não fazer, mas o negócio é válido como puro e simples.

CONDIÇÕES JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEIS

São as que contrariam o ordenamento jurídico, isto é, a lei, a ordem pública e os bons costumes, e, por isso, jamais podem realizar-se. Exemplo: dar-te-ei cem mil reais se o Congresso Nacional suprimir da Constituição Federal a inviolabilidade do direito à vida.

A condição juridicamente impossível, quando suspensiva, como no exemplo ministrado, invalida o negócio jurídico que lhe é subordinado (art.123, I). Se, porém, for resolutiva, o negócio jurídico é válido, como se não houvesse a condição, que será tida como inexistente (art. 124).

Tal ocorre, por exemplo, quando o doador diz: essa doação será extinta quando o Congresso nacional suprimir da Constituição Federal a inviolabilidade do direito à vida.

No sistema do Código de 1916, as condições juridicamente impossíveis sempre anulavam o negócio jurídico, fossem elas suspensivas ou resolutivas. No Código atual, apenas as condições suspensivas têm o condão de anular o negócio jurídico.

CONDIÇÕES CASUAIS, POTESTATIVAS, MISTAS E PROMÍSCUAS

Essa divisão leva em conta a participação da vontade do sujeito.

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A condição casual é a que depende de um acontecimento fortuito, isto é, do acaso, sobre o qual a vontade não exerce qualquer controle. Exemplo: dar-te-ei mil reais se chover amanhã.

Orlando Gomes e Sílvio Rodrigues também consideram casual a condição cuja ocorrência depende exclusivamente da vontade de um terceiro. Exemplo: dar-te-ei mil reais se Pedro viajar para o Japão.

A condição potestativa, por outro lado, é a subordinada à vontade de uma das partes. Pode ser:

a. condição puramente potestativa: é a que se sujeita ao puro arbítrio de uma das partes, vale dizer, a sua ocorrência depende exclusivamente da vontade da pessoa, independentemente de qualquer fator externo. Exemplo: dar-te-ei cem mil reais o dia em que eu vestir meu terno azul ou o dia em que eu disser que te odeio. Dispõe o art.122, 2ª parte, que são defesas, isto é, ilícitas, essas condições puramente potestativas, invalidando todo o negócio jurídico, por força do inciso II do art. 123 do CC.

b. condição meramente ou simplesmente potestativa: é a que se sujeita ao arbítrio de uma das partes e de fatores externos, que escapam ao seu controle. Portanto,não se submete ao arbítrio exclusivo da parte. Não basta que esta queira praticar o fato, pois é mister ainda a existência de certas circunstâncias que viabilizam a concretização do evento. Exemplos: dar-teei cem mil reais no dia em que eu puder viajar para o Japão. Anote-se que essa viagem para o Japão depende de tempo e dinheiro, não estando, pois, ao arbítrio exclusivo da pessoa. Essas condições meramente potestativas são lícitas, de modo que o negócio jurídico é válido.

A condição mista é a que depende da vontade de uma das partes e de um fato casual ou da vontade de uma das partes juntamente com a vontade de uma terceira pessoa. Exemplo: dar-te-ei mil reais se caminhares na chuva que cairá amanhã. Outro exemplo: dar-te-ei cem mil reais se casares com Maria. As condições casuais e mistas também são válidas.

Finalmente, a condição promíscua é a inicialmente puramente potestativa, que acaba se tornando dificultosa, em virtude de circunstâncias supervenientes e independentes da vontade do sujeito.

Exemplo: dar-te-ei mil reais se ergueres o braço, sendo certo que, no dia seguinte, tu sofre um acidente, paralisando-te o braço.

CONDIÇÕES LÍCITAS E ILÍCITAS

Condições lícitas são as que não contrariam a lei, a ordem pública e os bons costumes.Condições ilícitas são as ilegais e imorais, isto é, as que contrariam a lei, a ordem pública e

os bons costumes. Também são consideradas ilícitas as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes, conforme art, 122, 2ª parte, do CC. São nulas as seguintes condições: a de não casar com qualquer pessoa, pois viola a liberdade matrimonial; a de mudar ou não mudar de religião, porque atenta contra a liberdade de crença; a de não atacar uma nulidade absoluta; a de se prostituir etc.

São válidas as seguintes condições: a de não casar com certa pessoa, pois a liberdade matrimonial é afetada de forma relativa; a de casar-se com certa pessoa, salvo se esta for de péssima reputação moral etc.

A condição de obrigar alguém a se manter em estado de viuvez, para uns é válida, para outros autores é nula, por atentar contra a liberdade individual. Se o propósito for altruístico, como, por exemplo, dedicar toda a atenção aos filhos ou ao auxílio aos pobres, a nosso ver, a condição deve ser considerada válida.

Finalmente, dentre as condições defesas, incluem-se as chamadas condições perplexas que são aquelas incompreensíveis ou contraditórias, ou ainda as que retiram toda a eficácia do negócio.

As condições perplexas invalidam os negócios jurídicos que lhe são subordinados.

DISTINÇÃO ENTRE CONDIÇÕES ILÍCITAS E CONDIÇÕES JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEIS

As condições ilícitas são todas que contrariam a lei, a ordem pública e os bons costumes, mas que, no entanto são passíveis de realização. Tal ocorre, por exemplo, com a condição de se prostituir ou de matar alguém.

As condições juridicamente impossíveis, além de contrariarem a lei, a ordem pública e os bons costumes, são insuscetíveis de realização. Tal ocorre, por exemplo, com a condição imposta ao pai de emancipar voluntariamente o filho antes dos 16 anos de idade.

Enquanto a condição ilícita sempre invalida o negócio jurídico, seja ela suspensiva ou resolutiva, por força do inciso II do art. 123 do CC, que não faz distinção, a condição juridicamente impossível, ao inverso, só invalida o negócio jurídico subordinado a condição suspensiva, preservando-se, destarte, a validade dos negócios sob condição resolutiva, como sendo puro e simples, reputando-se inexistente a condição, por força do art. 124 do CC.

As condições ilícitas sempre contaminam o negócio jurídico, invalidando-o, sejam elas positivas ou negativas; as condições juridicamente impossíveis só viciam o negócio quando forem positivas,

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se forem negativas reputam-se inexistentes, preservando-se a validade do negócio, por força da última parte do art. 124 do CC.

CONDIÇÕES POSITIVAS E NEGATIVAS

As condições podem ser positivas ou negativas, conforme a eficácia do negócio esteja subordinada à realização ou à não realização de um certo acontecimento. Exemplo: dar-te-ei mil reais se chover amanhã; darte- ei mil reais se não chover amanhã.

Conforme vimos, as condições fisicamente impossíveis negativas, como, por exemplo, dar-te-ei mil reais se nunca mais chover, tem-se por inexistente, reputando-se válido o negócio como sendo puro e simples, por força da última parte do art. 124 do CC.

Em contrapartida, as condições física ou juridicamente impossíveis positivas, quando suspensivas, invalidam o negócio jurídico, conforme dispõe o art. 123, I, do CC.

O art. 124 do CC considera inexistentes as condições de não fazer coisa impossível; conseqüentemente, o negócio reputa-se válido como sendo puro e simples, vale dizer, como se não houvesse a condição.

O dispositivo em apreço, indiscutivelmente, é aplicável às condições negativas fisicamente impossíveis, como no exemplo ministrado acima, mas, a nosso ver, como a lei não faz distinção, deve também ser aplicado às condições negativas juridicamente impossíveis. Exemplo: dar-te-ei mil reais se não exerceres o direito à personalidade. Nesse caso, a doação é válida, reputando-se não escrita a condição. De fato, a expressão “não fazer coisa impossível”, prevista na última parte do art. 124 do CC, deve ser interpretada amplamente, compreendendo as condições negativas físicas e juridicamente impossíveis.

CONDIÇÕES SUSPENSIVAS

Condição suspensiva é a que impede a eficácia do negócio jurídico até a realização do evento futuro e incerto. O negócio só adquire eficácia após o implemento da condição. Exemplo: dar-te-ei minha casa se o Brasil vencer a Copa do Mundo de futebol.

A condição suspensiva deve ser analisada sob três estados diferentes:a. o estado de pendência: é o que perdura enquanto não se verifica o evento futuro e

incerto. Dispõe o art. 125 do CC que: “Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa”. Portanto, nesse estado, não há direito adquirido, de modo que não se pode mover ação judicial para exigir a prestação, pois esta ainda não é devida; a prescrição não está fluindo; e se o devedor pagar, por erro, supondo ter ocorrido a condição, terá direito a reaver o que pagou, movendo a ação de repetição de indébito. Todavia, o titular do direito condicional pode praticar atos destinados a conservá-lo, por força do art. 130 do CC, como pedir a abertura de inventário e mover as ações cautelares necessárias.

b. estado de implemento da condição: é o que gera a aquisição do direito, que, de condicional passa a ser adquirido.

c. estado de frustração: quando não se verifica a condição. Nesse caso, é como se nunca houvesse existido a estipulação. Sobre o assunto, dispõe o art. 129 do CC: “Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento”.

Assim, com a frustração da condição, não se adquire o direito, salvo se a parte a quem ela desfavorecer dolosamente impedir a sua ocorrência. A expressão maliciosamente, para uns, abrange apenas o dolo, para outros compreende também a culpa grave.

RETROATIVIDADE DAS CONDIÇÕES SUSPENSIVAS

Com o implemento da condição, como vimos, a parte passa a ter o direito adquirido. Discute-se, porém, se essa aquisição opera-se “ex nunc”, isto é, a partir da ocorrência da condição, ou então, “ex tunc”, vale dizer, retroativamente, desde o início da celebração do negócio jurídico.

Sobre o assunto, desenvolveram-se duas correntes. A primeira, sustentada por Sílvio Rodrigues, preconiza a irretroatividade da condição, de

modo que a aquisição do direito só se opera a partir do advento do fato futuro e incerto. Argumenta-se que a lei é omissa sobre o efeito retrooperante, de sorte que o efeito retroativo só operará se expressamente convencionado pelas partes.

A segunda, liderada por Washington de Barros Monteiro, admite a retroatividade das condições, operando-se a aquisição do direito desde o início da celebração do negócio jurídico.

Cremos que esse último ponto de vista tenha sido o abraçado pelo art. 122 do Código de 1916 e art. 126 do Código atual.

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Esses preceitos legais rezam que: “Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto aquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis”. Vê-se, portanto, que se “A” doa a “B” um bem sob condição suspensiva; mas, enquanto esta pende, vende o mesmo bem a “C”, essa última venda é nula, caso ocorra a condição. Se, porém, o negócio realizado no período de pendência da condição for compatível como negócio condicional, não há falar- se em nulidade.

Vejamos o exemplo citado por Limongi França:”A” transfere a “B” o usufruto de um objeto, sob condição suspensiva; mas, enquanto esta pende, aliena a “C” a sua propriedade do mesmo objeto. Conseqüência: a alienação é válida, porque não há incompatibilidade entre essa alienação da propriedade e o usufruto.

A rigor, a questão da retroatividade da condição é destituída de grande interesse prático pelas seguintes razões:

a. a percepção dos frutos é regulada pelos artigos 510 e seguintes do CC, de sorte que, com o advento da condição, os frutos colhidos até então pertencem ao possuidor de boa-fé. A boa-fé persiste até que o possuidor tome ciência do implemento da condição. Denota-se, portanto, que o efeito do advento da condição não será retroativo, quanto aos frutos;

b. o terceiro que, de boa-fé, tenha adquirido o bem, no estado de pendência da condição, não pode ter seu direito atingido, pois encontra-se protegido pelo princípio da relatividade dos contratos. De acordo com esse princípio, o contrato só produz efeitos entre as partes. Se, porém, a condição estiver averbada no Registro de Imóveis, não há falar-se em boa-fé, aplicando-se, destarte, efeito retroativo estatuído no art. 126 do CC;

c. nas obrigações de fazer, sob condição suspensiva, como, por exemplo, a obrigação de construir uma casa se o Palmeiras vencer o Campeonato Paulista, o efeito da condição é necessariamente “ex nunc”, só se produzindo a partir da ocorrência do fato futuro e incerto, sendo, pois, incompatível com a noção de retroatividade.

Finalmente, se a coisa perecer por culpa do alienante, antes do implemento da condição, a outra parte tem direito à indenização, caso a condição venha a se verificar.

CONDIÇÕES RESOLUTIVAS

Condição resolutiva é o fato futuro e incerto que, uma vez ocorrido, provoca a extinção do direito. Exemplo: “A” doa uma casa para “B”, estatuindo que a doação será extinta na hipótese de certo candidato vencer uma determinada eleição. Com efeito, dispõe a 1ª parte do art. 128 do CC: “Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe”.

Assim, na condição resolutiva, o negócio aperfeiçoa-se desde logo, mas sua eficácia fica ameaçada pelo acontecimento futuro e incerto.

A condição resolutiva pode também ser considerada sob três aspectos:a. estado de pendência: a parte desfruta do direito adquirido, mas ameaçado de extinção.b. estado de implemento da condição: o negócio é desfeito automaticamente, extinguindo-

se o direito anteriormente adquirido.c. estado de frustração: o direito continua sendo adquirido, sendo certo que, diante da

inocorrência da condição, cessa a ameaça de sua extinção.Sobre a retroatividade ou não da extinção do negócio, em virtude do implemento da

condição resolutiva, o art. 128, 2ª parte, do Código Civil, solucionou o problema em relação aos negócios de execução continuada ou periódica, salientando que, salvo disposição em contrário, a extinção produz efeitos “ex nunc”, vale dizer, a partir do advento da condição, não tendo, pois, eficácia quanto aos atos já praticados, desde que estes sejam compatíveis com a natureza da condição pendente, observando-se ainda os ditames da boa-fé. Assim, por exemplo, numa locação sob condição resolutiva, com o implemento desta, cessa a locação, mas o locatário não poderá reaver os aluguéis pagos, salvo disposição em contrário.

O titular de um direito sob condição resolutiva pode transferilo, por ato “inter vivos” ou “causa mortis”, todavia, a condição remanesce intacta, pois essa alienação não tem o condão de transformar o negócio em puro e simples. Desde que a condição conste no Registro de Imóveis, a extinção do negócio retroagirá inclusive para apagar os direitos reais constituídos em favor de terceiros, pois o registro inibe a aquisição de boa-fé.

DISTINÇÃO ENTRE CONDIÇÃO RESOLUTIVA E CLÁUSULA RESOLUTIVA

Na condição resolutiva, ocorrendo o evento futuro e incerto, extingue-se “ipso iure”, isto é, automaticamente, o direito.

Na cláusula resolutiva, ao revés, ocorrendo o evento futuro e incerto, a parte fica apenas autorizada a extinguir o negócio jurídico. Tal ocorre, por exemplo, com o inadimplemento contratual. A parte

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lesada pelo inadimplemento, dispõe o art. 475, pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.

O inadimplemento encontra-se implícito nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos como sendo uma cláusula resolutiva tácita.

TERMO

CONCEITO

Termo é o acontecimento futuro e certo em que começa ou termina a eficácia do negócio jurídico.

DISTINÇÃO ENTRE TERMO E PRAZO

O termo corresponde a uma data certa, ao passo que o prazo é o lapso de tempo entre o termo inicial e o termo final.

CLASSIFICAÇÃO

O termo pode ser:a. termo inicial ou suspensivo: é o que suspende o exercício do direito. Exemplo: a doação

terá início a partir de 1º de janeiro de 2010. Dispõe o art. 131 do CC que: “O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito”. Portanto, o direito sob termo é considerado direito adquirido. Distingue-se da condição suspensiva, pois esta impede a aquisição do direito. Ademais, no termo, o evento é futuro e certo; na condição, é futuro e incerto. O devedor que paga uma dívida antes do termo, não pode reaver o que pagou; se, ao revés, efetuar o pagamento antes da condição, torna-se viável a repetição do pagamento.

b. termo final ou resolutivo: é o que extingue o direito. Exemplo: a locação se extinguirá em 02 de fevereiro de 2008. Assemelha-se à condição resolutiva, pois em ambos o direito é extinto. O termo, porém, é um acontecimento futuro e certo, ao inverso da condição, que é futuro e incerto. Ademais, a extinção em razão do advento do termo produz efeitos “ex nunc”, sem que haja retroatividade; na condição resolutiva, ao revés, os efeitos são “ex tunc”, retroativos, salvo quando se tratar de negócio de execução continuada ou periódica.

O termo ainda pode ser:a. termo certo: é o que se reporta a um fato certo e com data certa. Exemplos: 07 de abril de

2020; início da primavera; quando tal pessoa atingir a maioridade.b. termo incerto: é o que se refere a um fato certo, mas cuja data de ocorrência não se pode

precisar. O fato é certo, mas a data é incerta. Exemplo: dar-te-ei esta casa no dia em que Pedro morrer. A morte é um fato inexorável, uma certeza matemática, razão pela qual, no exemplo acima, estamos diante de um termo, e não de uma condição. Se, ao revés, o doador te dissesse: dar-te-ei esta casa se Paulo morrer antes de Pedro, há condição e não termo, porque o evento é incerto.

O termo ainda se classifica em:a. legal ou de direito: é o estipulado por lei.b. convencional: é o estipulado pela vontade das partes.c. judicial ou de graça: é o estipulado pelo Juiz em favor do devedor que se encontra em

situação difícil de solver a dívida no prazo. Trata-se de caridade jurídica, sendo, pois, inadmissível no direito brasileiro.

MEDIDAS CONSERVATÓRIAS

Dispõe o art. 135 do CC que: “Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva”.

Por outras palavras, como ensina Washington de Barros Monteiro, o titular da relação jurídica sujeita a termo inicial pode exercer atos destinados a conservá-la, como, por exemplo, interromper a prescrição. Se acaso, houver oposição entre as novas disposições, efetuadas pelo estipulante, e o termo anterior, deixarão àquelas de subsistir, verificado este.

Da mesma forma, o titular de direito, submetido a termo final pode exercê-lo, como se fora puro e simples. Chegado o termo, porém, ele extingue-se.

ATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS QUE NÃO ADMITEM TERMO E CONDIÇÃO

Os atos ou negócios que não admitem termo nem condição, dentre outros, são os seguintes:

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a. os relativos ao estado das pessoas, como a emancipação;b. os relativos ao direito de família, como o casamento;c. aceitação e renúncia da herança.No tocante à instituição de legatário, admite termo e condição. Tratando-se, porém, de

instituição de herdeiro testamentário, a lei só admite a condição, vedando o termo.Saliente-se, contudo que, reputa-se não escrito o termo, nos casos em que não for admitido,

representando-se, porém, a validade do negócio, ao passo que a condição, quando não admitida, provoca a nulidade do negócio a que se subordina.

No tocante à doação sob termo inicial, a doutrina a admite sem impugnação. Exemplo: doação com início a partir da maioridade civil do donatário. Nada obsta também a doação em que o termo inicial é a morte do doador, desde que a transferência da propriedade se dê em vida, pois, como é sabido, o direito brasileiro proíbe a doação “causa mortis”.

Na doação “causa mortis”, a propriedade só é transferida ao donatário após a morte do doador. Na doação sob termo, a propriedade é transferida em vida pelo doador ao donatário, funcionando o óbito como fato gerador do exercício do direito e não de sua aquisição.

Por outro lado, Agostinho Alvim lembra que alguns juristas repugnam a doação sob termo final ou resolutivo. Exemplo: dou-te esta casa, mas ao cabo de dez anos resolve-se a doação. Cremos que é admissível, porque o parágrafo único do art. 547 do CC proíbe apenas a cláusula de reversão em favor de terceiro, isto é, o fideicomisso “inter vivos”, não havendo qualquer obstáculo legal para a reversão, em benefício do próprio doador.

PRAZO

Prazo é o lapso de tempo entre o termo inicial e o termo final.Dispõe o art. 132 do CC que: “Salvo disposição legal ou convencional em contrário,

computam-se os prazos, excluindo o dia do começo, e incluindo o dia do vencimento.” Consagra-se nesse dispositivo o princípio “dies a quo non computatut intermino”; “dies ad quem computatur intermino”. Esse princípio também é adotado no art. 184 do CPC, art. 798, § 1º do CPP e art. 775 da CLT.

O § 1º do art. 132 do CC salienta que: “Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil”. Essa prorrogação do prazo é igualmente prevista na área processual e trabalhista (art. 184, § 1º, do CPC; art. 1º, parágrafo único do Decreto-lei nº 3.602; e art 775, parágrafo único da CLT).

Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia (§ 2º do art. 132). Se, por exemplo, as partes convencionaram o vencimento em meados de outubro, significa que o termo “ad quem” será o dia 15 de outubro.

Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência (§3º do art. 132).

Se o contrato for celebrado no dia 26 de setembro de 2003, para vencer-se depois de um mês, significa, que o termo “ad quem” será o dia 26 de outubro de 2003; se o vencimento for de um ano, o termo final cairá no dia 26 de outubro de 2004. Se, porém, o negócio for celebrado no dia 29 de fevereiro de 2004, para vencer-se em um ano, significa que o termo final será o dia 01 de março de 2005, pois o mês de fevereiro de 2005 termina no 28º dia. Outro exemplo: o prazo de um mês de negócio celebrado aos 31 de março esgotase no dia 1º de maio, porque o mês de abril termina no trigésimo dia.

Denota-se, portanto, que, no âmbito civil, o mês não corresponde a trinta dias, pois aplica-se o calendário comum, que é o calendário gregoriano.

Os títulos de crédito, porém, na falta do dia correspondente, vencem-se no último dia do mês de pagamento, ao invés de prorrogarem-se para o dia imediato (art. 17, in fine, do Decreto nº 2.044/1908). Assim, o prazo de um mês de cheque ou nota promissória, emitidos no dia 31 de março, cairá no dia 30 de abril. Se emitidos no dia 29 de fevereiro de 2004, para vencer-se depois de um ano, o termo final será o dia 28 de fevereiro de 2005. De fato, a lei geral não revoga a lei especial, conforme preceitua o art. 903 do CC.

Por outro lado, os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto. Anote-se que a hora é irrelevante quando o prazo for mensal ou anual, ou fixado em dias.

Nos testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos, em proveito do devedor, salvo, quanto a esses, se o teor do instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes.

Assim, o devedor pode efetuar o pagamento antecipado da dívida. Igualmente, o herdeiro encarregado da entrega de algum legado.

Dependendo das circunstâncias, porém, o prazo contratual pode ser interpretado como sendo um benefício para o credor, ou a ambos os contratantes, como, por exemplo, a obrigação de o devedor entregar uma boiada em determinada data. Em tal situação, o dia do vencimento deverá ser observado, vedando-se o pagamento antecipado, isto é, a entrega da boiada, antes do termo, se isso

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implicar em prejuízo para o credor, pelo fato de este ainda não dispor, por exemplo, do pasto apropriado para acomodação dos bois.

Preceitua ainda o art. 134 do CC que: “Os negócios jurídicos entre vivos, sem prazo, são exeqüíveis desde logo, salvo se a execução tiver de ser feita em lugar diverso ou depender de tempo”. Consagra-se nesse dispositivo o princípio da satisfação imediata, facultando-se ao credor, nas obrigações sem prazo, exigir a prestação a qualquer tempo, mediante notificação do devedor, que pode ser judicial ou extrajudicial, conforme prevê o parágrafo único do art. 397 do CC. Esse princípio da satisfação imediata comporta quatro exceções.

A primeira ocorre quando o cumprimento da obrigação deve ser feito em lugar diverso daquele onde foi celebrado o negócio jurídico.

A segunda, quando o cumprimento da obrigação depender de um certo tempo, como, por exemplo, a devolução de uma coisa que está em lugar distante.

Nesses dois casos, compete às partes, de comum acordo, fixar o prazo, sob pena de o juiz fixá-lo. Esse prazo, quando fixado pelo juiz, nada tem a ver com o prazo de graça, pois esse último é fixado por humanidade, em atenção à situação pessoal do devedor, ao passo que o primeiro é arbitrado conforme as circunstâncias do negócio.

A terceira exceção ocorre no comodato. Com efeito, se neste não houver prazo, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido.

Finalmente, a última exceção verifica-se no contrato de mútuo de dinheiro, se não houver prazo, o vencimento não pode ser exigido imediatamente, mas só depois de trinta dias (art. 592, II, do CC).

ENCARGO OU MODO

CONCEITO

Encargo ou modo é a cláusula imposta nos negócios gratuitos, restringindo a vantagem do beneficiado. Por exemplo: dôo o terreno a certa pessoa para nele ser construído um asilo. Outro exemplo: testamento beneficiando uma pessoa, mas impondo-lhe a obrigação de prestar alimentos a um terceiro.

Conforme salienta Washington de Barros Monteiro, trata-se de estipulação peculiar a título gratuito, inter vivos ou causa mortis, que encerre a concessão de algum benefício (doação, herança, legado), sendo, porém, igualmente admissível em declarações unilaterais de vontade, como a promessa de recompensa.

Nos negócios onerosos, salienta Agostinho Alvim, “não há propriamente encargo, ou modo, porque a obrigação assumida, digamos, pelo comprador, estará compensada com a diminuição do preço. O encargo, nesse caso, é correspectivo”.

De fato, nos negócios onerosos, não haverá encargo no sentido técnico desse termo, pois o modo não pode ser contraprestação da prestação recebida. Conquanto válido o negócio, deverá ser tratado como contrato oneroso e não como encargo. Alguns autores denominam essa situação de encargo impróprio.

Acrescente-se ainda que é possível constituir o encargo sem restringir o uso da coisa, como no exemplo da doação de um terreno, mediante a imposição da obrigação de pagar alimentos a uma terceira pessoa.

DISTINÇÃO ENTRE ENCARGO E CONDIÇÃO SUSPENSIVA

A condição suspensiva impede a aquisição e exercício do direito, ao passo que o encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito.

O encargo é coercitivo, pois a pessoa pode ser constrangida a cumprir a obrigação, salvo se o encargo for personalíssimo, a condição, ao inverso, não coage, porque ninguém pode ser obrigado a submeter-se a uma condição. Com efeito, se não for cumprido o encargo, o interessado pode mover ação judicial visando o adimplemento da obrigação; na condição não lhe assiste essa faculdade.

No encargo, antes mesmo que a obrigação seja cumprida, a pessoa já adquire o direito, porque não suspende a aquisição nem o exercício do direito.

Denota-se, portanto, que o encargo é menos restritivo que a condição. Na dúvida, o negócio deve ser tratado como encargo e não condição.

Nada obsta, porém, que o estipulante discipline expressamente o encargo como condição, conforme preceitua o art. 136 do CC. Washington de Barros Monteiro afirma que a conjunção se serve para indicar que se trata de uma condição, enquanto o emprego das locuções para que, a fim de que, com a obrigação de, denota a presença de encargo.

Haverá condição no seguinte exemplo: dou-te tal terreno se nele construíres um asilo. Em contrapartida, haverá encargo quando disseres: dou-te tal terreno para o fim de construíres um asilo.

Na condição, a aquisição e o exercício do direito só ocorrerão após a construção do asilo; no encargo, adquire-se desde logo o terreno. Se descumprida a condição, não será possível exigir o

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adimplemento da obrigação, isto é, a construção do asilo; no encargo, admite-se a ação judicial visando o seu cumprimento. Se o descumprimento do encargo emanar de caso fortuito ou força maior, o donatário estará liberado, mantendo-se, porém, a doação, como sendo pura e simples, pois a doação, ainda que sujeita a encargo, não perde o caráter predominante de liberalidade. No encargo imposto como condição suspensiva, não executado aquele, ainda que por caso fortuito ou força maior, o donatário deixará de adquirir o direito.

REVOGAÇÃO DO ATO POR INEXECUÇÃO DO ENCARGO

Se houver descumprimento culposo do encargo, o doador terá duas opções:a. mover ação revocatória da doação. Essa ação é exclusiva do doador.b. mover ação para exigir o cumprimento do encargo. Além do doador, podem mover essa

ação o terceiro beneficiário pelo encargo. O Ministério Público, quando o encargo for de interesse geral, também pode propor essa ação, desde que o doador já esteja morto. Vivo este, ainda que interditado, não pode o Ministério Público atuar.

O donatário não tem a opção de devolver a coisa, ao invés de cumprir o encargo, pois o encargo resulta de um contrato, sendo, pois, vedado o distrato unilateral do negócio. O encargo não é cláusula penal, de modo que o donatário deverá cumprí-lo ainda que exceda o valor da doação.

Por outro lado, tratando-se de encargo personalíssimo, como a obrigação de se casar, se o devedor morre antes de cumpri-lo, o bem volta ao doador ou seus herdeiros.

Se, ao inverso, o encargo encerrar uma obrigação não personalíssima, com a morte do devedor, o bem é transmitido aos herdeiros deste juntamente com o encargo.

Nos legados com encargo, aplica-se ao legatário o disposto neste Código quanto às doações de igual natureza (art. 1.939). Se, porém, o testador ordenar que o herdeiro ou legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem, não o cumprindo ele, entender-se-á que renunciou à herança ou legado (art. 1.913). Assim, é possível mover ação judicial para obrigar o legatário, que aceitou o legado, a cumprir o encargo, salvo quando este consistir na entrega de coisa de sua propriedade, pois, nesse caso, o descumprimento da obrigação implicará em renúncia ao legado.

ENCARGO ILÍCITO OU IMPOSSÍVEL

Dispõe o art. 137 do CC: “Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico”.

Enquanto a condição suspensiva, física e juridicamente impossível, invalida o negócio jurídico que lhe é subordinado, o encargo considera-se não escrito, reputando-se válido o negócio.

Se, contudo, o encargo ilícito ou impossível for a razão determinante da liberalidade, invalida-se todo o negócio jurídico.

Assim, o encargo pode ser:a. principal: é o imposto como a razão determinante do negócio jurídico.b. secundário: é o imposto como sendo uma obrigação de somenos importância do negócio,

de modo que a liberalidade se realizaria ainda que o estipulante soubesse de antemão da nulidade dessa cláusula.

Saber se o encargo é principal ou secundário é uma questão de interpretação do negócio, atento às peculiaridades de cada caso concreto, pois nenhum critério abstrato nos fornece a chave da resolução do problema.

QUESTÕES

1. O que são elementos essenciais, naturais e acidentais dos negócios jurídicos?2. Quais são os elementos acidentais?3. Os elementos acidentais são cabíveis em todos os negócios jurídicos?4. Qual a distinção entre condição voluntária e condição necessária?5. Quais os elementos da condição?6. O que são condições impossíveis?7. O que são condições fisicamente impossíveis?8. O que são condições juridicamente impossíveis?9. As condições fisicamente impossíveis e as juridicamente impossíveis sempre anulam o negócio jurídico?10. O que são condições casuais?11. Qual a distinção entre condições puramente potestativas e meramente potestativas?12. O que é condição mista?13. O que é condição promíscua?14. O que são condições perplexas?15. Qual a distinção entre condições ilícitas e condições juridicamente impossíveis?

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16. Qual a distinção entre condições positivas e negativas?17. O que é condição suspensiva e quais os seus três estados?18. Disserte sobre a retroatividade das condições suspensivas.19. O que é condição resolutiva e quais os seus três estados?20. O titular de um direito sob condição resolutiva pode transferi-lo a terceiros?21. Qual a distinção entre condição resolutiva e cláusula resolutiva?22. O que é termo?23. Qual a distinção entre termo e prazo?24. O que é termo inicial ou suspensivo?25. O que é termo final ou resolutivo?26. Qual a distinção entre termo certo e termo incerto?27. Qual a distinção entre termo legal, convencional e judicial ou de graça?28. Quais as medidas conservatórias que podem ser tomadas pelo titular do direito sob termo?29. Quais os atos e negócios jurídicos que não admitem termo?30. Qual a conseqüência da inserção de termo nos atos em que a lei proíbe termo?31. É cabível a doação sob termo?32. O que é prazo?33. Como se contam os prazos?34. Quando se prorroga o prazo?35. O que é meado?36. Como se contam os prazos em meses?37. Como se contam os prazos fixados por hora?38. Disserte sobre prazo.39. O que é encargo ou modo?40. O que é encargo correspectivo?41. É possível a instituição de encargo sem restringir o uso da coisa?42. Qual a distinção entre encargo e condição suspensiva?43. O encargo pode ser disciplinado como condição suspensiva?44. Na hipótese de descumprimento culposo do encargo, quais as opções do doador?45. Quem pode mover ação revocatória de doação com encargo?46. Qual o efeito do encargo ilícito ou impossível?47. Qual a distinção entre encargo principal e secundário?48. Disserte sobre o encargo.

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DEFEITOS OU VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

INTRODUÇÃO

Defeito do negócio jurídico é a sua imperfeição, oriunda de vício de consentimento do agente ou de vício social.

Distinguem-se duas categorias de defeitos dos negócios jurídicos, a saber:a. defeitos de consentimento ou de vontade. Ocorre quando a vontade declarada não

coincide exatamente com a vontade interna do agente. É o caso do erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo.

b. defeitos sociais. Ocorre quando há perfeita coincidência entre a vontade declarada e a vontade interna. Todavia, ela é exteriorizada no sentido de prejudicar a terceiro ou de infringir a lei. É o caso da simulação e fraude contra credores.

No código atual, a simulação é causa de nulidade absoluta do negócio jurídico. Por isso, o legislador a disciplinou no Capítulo V do Livro III da Parte Geral, que cuida da invalidade do negócio jurídico. Trata-se de um vício imprescritível.

Quanto aos demais defeitos, provocam apenas a nulidade relativa do negócio, devendo a ação ser proposta no prazo decadencial de quatro anos (art. 178).

No presente estudo, ainda abordamos a fraude de execução, que é outro vício social, disciplinado no Código de Processo Civil, e, também, a reserva mental.

AS TEORIAS DOS VÍCIOS DE CONSENTIMENTO

Nos vícios de consentimento, como vimos, há a disparidade entre a vontade real e a vontade declarada. De um lado, visualiza-se o interesse do emissor da declaração, que se encontra viciada, mas, de outro lado, há também o interesse da outra parte, a quem se dirigiu a declaração, acolhendo-a, porque nela confiou.

Sobre o assunto, desenvolveram-se as seguintes teorias:a. Teoria da vontade real. De acordo com essa teoria, a vontade interna sempre deve

prevalecer sobre a vontade declarada, pois não se pode atribuir efeito à declaração destituída de vontade. Assim, o negócio jurídico pode ser anulado toda vez que a declaração de vontade, de qualquer das partes, não corresponder à vontade interna. Aludida teoria gera insegurança jurídica, porque facilita sobremaneira a anulação dos atos, além de não resguardar a boa-fé da parte a quem se dirige a declaração de vontade.

b. Teoria da responsabilidade. Trata-se de um abrandamento da teoria anterior, pois o negócio só pode ser anulado quando a falta de correspondência entre a vontade interna e a sua declaração emanar da boa-fé de uma das partes. Estas, para anularem o negócio, não podem ter procedido com dolo ou culpa. Assim, só o erro escusável, vale dizer, justificável, é causa de anulação do negócio jurídico.

c. Teoria da declaração. Essa teoria só permite a anulação do negócio jurídico quando encontrar-se viciada a vontade do declaratário, isto é, da pessoa a quem a declaração se dirige. Em relação ao declarante, o que importa é a vontade declarada e não a vontade interna e real. Essa teoria objetiva atingir a segurança das relações jurídicas, protegendo o contratante que confiou no conteúdo da declaração. Enquanto as duas teorias anteriores priorizam a vontade interna, permitindo a anulação quando ela destoa da vontade declarada, nessa teoria, a preferência é para a vontade declarada, devendo o declarante cumprir a obrigação, em vez de anulá-la, em face da confiança que o declaratário nele depositou ao celebrar o negócio jurídico.

d. Teoria da confiança. Segundo essa teoria, o declarante, que expressar a vontade viciada, só poderá anular o negócio jurídico, se esse vício, pudesse ter sido percebido pelo declaratário. Se este procedeu de boa-fé, não agindo com dolo ou culpa, o ato será válido, não obstante o erro ou coação recaídos sobre o declarante. Como observa Sílvio Rodrigues, trata-se de uma variante da teoria da declaração, porque havendo divergência entre a vontade interna e a declarada, prevalece a vontade declarada, em regra, porque o declarante deve responder pela confiança que o declaratário nele depositou ao contratar. No entanto, se o declaratário agir com dolo ou culpa, isto é, de má-fé, prevalecerá a vontade interna do declarante.

O Código Civil, no tocante ao erro e à coação, coloca o declaratário numa posição de supremacia sobre o declarante, à medida em que desconsidera o erro ou coação recaídos sobre esse último, validando o negócio, quando o declaratário não podia ter percebido a existência desses vícios. Nesses dois aspectos, erro e coação, pode-se dizer que o legislador consagrou a teoria da confiança, optando por uma visão mais socializante do negócio jurídico. Força convir, porém, que, em homenagem à eqüidade, essa teoria da confiança deve restringir-se aos negócios onerosos, porque nos negócios gratuitos, como a doação e o testamento, a vontade real, interna, deve prevalecer sobre a vontade efetivamente declarada.

Acrescente-se, ainda, que o Código é omisso quanto ao erro ou coação que incidem sobre o declaratário.

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Finalmente, como esclarece Nelson Nery Júnior, a divergência entre a vontade e a declaração não pode ter uma regra inflexível, pois os diversos tipos de relações negociais inviabilizam a adoção de uma teoria unitária do negócio jurídico.

ERRO OU IGNORÂNCIA

CONCEITO

Erro é a noção falsa acerca de um objeto ou de determinada pessoa. Ocorre o erro quando o agente se engana sobre alguma coisa. Exemplo: compra de um relógio dourado, supondo que é de ouro.

Enquanto no erro, o agente interpreta mal; na ignorância, ele desconhece a realidade.O Código, porém, equipara-os, tratando ambos como causa de anulação do negócio

jurídico.O erro ou ignorância ocorre espontaneamente, por algum equívoco da parte, ao passo que

o dolo é o erro provocado pela má-fé alheia.Se o vendedor, por exemplo, engana o comprador, dizendo que o relógio dourado é de

ouro, haverá dolo. Se, ao invés, o comprador iludiu-se sozinho, sem qualquer provocação ou omissão do vendedor, a hipótese será de erro.

REQUISITOS

O erro, para anular o negócio jurídico, deve ser substancial, escusável e real.

ERRO SUBSTANCIAL E ERRO ACIDENTAL

Erro substancial, consoante Sílvio Rodrigues, é aquele de tal importância que, se fosse conhecida a verdade, o consentimento não se externaria. É, pois, aquele que foi a razão determinante do negócio jurídico, sem esse erro o negócio não se teria realizado.

Erro acidental ou incidental, por sua vez, é aquele que, se fosse conhecida a verdade, ainda assim o negócio jurídico se realizaria embora de maneira menos onerosa. Aludido erro é o que recai sobre qualidades secundárias de pessoa ou coisa. Esse erro não provoca a anulação do negócio jurídico. Exemplos: equívoco sobre o valor do bem negociado; erro sobre um acessório do automóvel negociado, etc.

Se, em regra, torna-se fácil a distinção entre o erro substancial e o acidental, em alguns casos aquilo que normalmente é secundário torna decisório na determinação de vontade, transmudando-se o erro de acidental para substancial.

Suponha-se que alguém adquira um determinado objeto, supondo erroneamente que o mesmo é antigo. Se, se tratar de um colecionador, por exemplo, o erro será substancial, porque o fato de ser antigo terá sido a razão determinante do negócio; para outras pessoas, porém, a antiguidade é um dado irrelevante, de modo que o erro será meramente acidental.

Nenhum critério abstrato é capaz de estabelecer a linha divisória entre o erro substancial e o erro acidental, devendo o intérprete analisar cada caso concreto.

HIPÓTESES DE ERRO SUBSTANCIAL

O art. 137 do CC prevê o rol taxativo das hipóteses de erro substancial. Grosso modo, é o que diz respeito à natureza do negócio, ao seu objeto, a qualidades essenciais do objeto e à identidade ou qualidades essenciais da pessoa.

O erro de direito, também pode ser substancial, desde que não implique recusa à aplicação da lei e tenha sido motivo único ou principal do negócio jurídico.

ERRO SOBRE A NATUREZA DO NEGÓCIO

No erro sobre a natureza do negócio, a parte objetiva realizar certo negócio e, por engano, acaba realizando outro. Exemplo: a parte lavra uma escritura pública de doação, pensando que está realizando uma dação em pagamento.

ERRO SOBRE O OBJETO PRINCIPAL DA DECLARAÇÃO

No erro sobre o objeto principal do negócio jurídico, este faz menção a uma coisa ao invés de outra. Exemplo: a escritura publica refere-se a um determinado apartamento, mas a venda efetiva recaiu sobre outro; compra uma casa em Santos pensando que ela se situa no Guarujá.

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ERRO ESSENCIAL

Erro essencial é o que recai sobre qualidades fundamentais do objeto. Exemplos: compra de um terreno encravado, pensando que ele tinha saída para a via pública; compra de um relógio dourado supondo ser de ouro; compra de um objeto imaginando ter ele pertencido a uma celebridade. Cumpre não confundir o vício redibitório com o erro essencial. No vício redibitório, a pessoa adquire a coisa desejada, que, porém, encontra-se defeituosa, ao passo que, no erro essencial, a pessoa adquire uma coisa em perfeito estado, mas que não era a que se pretendia adquirir. Quem, por exemplo, compra um relógio dourado, pensando que é de ouro, incide em erro. Se, porém, o relógio realmente é de ouro, mas não funciona, haverá vício redibitório. Em caso de erro, é cabível a ação anulatória do negócio jurídico; tratando-se de vício redibitório, o adquirente do bem poderá ajuizar uma das ações edilícias (ação redibitória e ação “quanti minoris”).

ERRO SOBRE A PESSOA

O erro sobre a pessoa é o referente à identidade e outras qualidades essenciais.A identidade pode ser física e civil. O erro sobre a identidade física é quando se toma uma

pessoa por outra. É o caso bíblico de Jacó que acabou desposando Lia, confundindo-a com Raquel. O erro sobre a identidade civil é o que recai sobre o conjunto de atributos e qualidades com que a pessoa aparece na sociedade. Exemplo: alguém se casa ignorando o estado civil de divorciado do outro cônjuge.

O erro sobre qualidade essencial da pessoa compreende uma infinidade de situações, cuja pesquisa deverá ser feita em cada caso concreto. Exemplo: erro sobre a honra e a boa fama do outro contratante.

O erro sobre a pessoa, na obrigação de fazer fungível, é irrelevante, porque, nesse caso, o fato é exeqüível por qualquer pessoa. Exemplo: contrato alguém para lavar o carro, supondo que se tratava de determinada pessoa, quando na verdade é outra. Na obrigação de fazer infungível, porém, o erro sobre a pessoa anula o negócio jurídico, porque a contratação é feita à vista das qualidades essenciais do outro contratante. Tal ocorre, por exemplo, quando se contrata alguém pensando ser um jurista famoso.

ERRO OBSTÁCULO OU IMPRÓPRIO

Erro obstáculo ou impróprio é o que impede a formação do negócio jurídico. É o caso do erro sobre a natureza do negócio e do erro sobre o seu objeto principal.

Se, por exemplo, “A” pensa que está cedendo o objeto a título de empréstimo gratuito, mas “B” o recebe supondo que é doação, não há, a rigor, comodato nem doação, pois o contrato, para aperfeiçoar-se, pressupõe o acordo de vontades, que, no caso, inocorreu.

Outro exemplo: “A” pensa que está vendendo o apartamento situado na cidade de São Paulo, enquanto “B” supõe que esta comprando uma casa localizada na cidade de Santos.

No erro obstáculo, o negócio jurídico é inexistente, tendo em vista a falta do consentimento recíproco, necessário a formação do contrato.

Todavia, o Código Civil disciplina a hipótese como sendo uma mera causa de anulação do negócio, ferindo a lógica, mas ganhando em clareza e simplicidade.

ERRO ESCUSÁVEL

Erro escusável é aquele que, em face das circunstâncias do negócio, não poderia ser percebido por pessoa de diligência normal. Se o erro for inescusável, isto é, fruto de culpa da pessoa que se enganou, o negócio é válido. Já se decidiu, como lembra Washington de Barros Monteiro, que não pode invocar o erro, por ser inescusável, construtor que adquire terreno, que afinal verifica não servir para construção, em virtude de recuo determinado pela Municipalidade. Por força de sua atividade deveria o construtor estar a par das deliberações da Prefeitura no tocante à sua especialidade (Revista Forense, 110/438).

Adota-se, para aferir se o erro é escusável ou não, o critério do homem médio. Tratando-se, contudo, de negócios jurídicos celebrados por especialistas, urge que se indague o comportamento do homem médio desses técnicos.

ERRO REAL

Erro real é o que recaí sobre o objeto do negócio jurídico e não simplesmente sobre o nome ou sobre qualificações. Diz-se ainda real aquele erro que causa efetivo prejuízo para o interessado.

ERRO DE DIREITO

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Erro de direito é o desconhecimento da lei ou a sua interpretação equivocada. Tal ocorre, por exemplo, quando o agente ignora que uma determinada norma entrou em vigor, ou, então, quando supõe que foi revogada.

O erro de direito, para fins de anulação do negócio jurídico, é equiparável ao erro de fato, desde que tenha influenciado na manifestação da vontade.

Urge, porém, para que o erro de direito anule o negócio jurídico, o preenchimento de dois requisitos:

a. que não implique em recusa à aplicação da lei;b. que tenha sido o motivo único ou principal do negócio jurídico.Assim, o princípio segundo o qual ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a

conhece, previsto no art. 3º da LICC, é perfeitamente conciliável com a anulação por erro de direito. Com efeito, não se pode alegar o erro de direito como uma forma de desculpa por ter violado a lei, pois isso enfraqueceria o princípio da força imperativa da norma, consagrado no citado art. 3º da LICC. Todavia, admite-se a argüição do erro de direito se a intenção da parte era a de cumprir a lei, obedecê-la.

Se, por exemplo, o devedor deixa de efetuar o pagamento, sustentando ignorar a lei que o obrigava a pagar, torna-se inócuo o seu argumento. Entretanto, se efetua o pagamento, por engano, pensando que a lei o obrigava a pagar, quando esta não o obrigava, poderá pleitear a anulação do pagamento, baseado no erro de direito.

Se, por exemplo, o dono de uma casa contratar os serviços de um advogado para adaptar seu imóvel às leis municipais, vindo depois a constatar que este já se encontrava de acordo com as normas de posturas urbanas, torna-se perfeitamente possível a anulação desse contrato, com fundamento no erro de direito, pois o negócio foi celebrado com o objetivo de cumprir a lei.

O erro do direito, como se vê, não pode ser invocado nos casos em que se conduz à violação da norma jurídica.

Finalmente, como esclarece Orlando Gomes, com o erro de direito não deve ser confundido o erro sobre as conseqüências jurídicas do negócio. Neste, o agente ignora certos efeitos que a lei atribui, por via geral, à sua declaração de vontade. O erro sobre as conseqüências jurídicas não vicia a vontade; não anula o negócio jurídico.

ERRO SOBRE O MOTIVO

Motivo é o antecedente psíquico da ação de realização do negócio jurídico, que determina a vontade do agente em celebrá-lo. É, pois, o móvel psicológico que conduz o agente à realização do negócio.

A causa, por sua vez, é uma espécie de motivo. Sobre o conceito de causa, desenvolveram-se duas correntes, a subjetiva e a objetiva. Para concepção subjetiva, causa é o fim próximo do negócio, enquanto os fins remotos são os motivos ou móveis do ato. Numa compra e venda, por exemplo, o fim próximo do vendedor é o desejo de receber o preço, e o do comprador, receber a coisa adquirida. Os motivos, porém, são mais variáveis. O vendedor, por exemplo, pode ser levado a alienar a coisa porque vai se mudar, porque precisa de dinheiro etc.; o comprador porque quer o objeto para o seu uso, para negócio etc.

A concepção objetiva, por sua vez, sustenta que causa é a função econômico-social de cada negócio jurídico. É, pois, a finalidade intrínseca do negócio. Na compra e venda, por exemplo, causa seria a própria prestação do negócio, ou seja, a entrega da coisa e o pagamento do preço. Ambas correntes, como salienta Manuel Domingos de Andrade, chegam ao mesmo resultado, embora visualizem o negócio sob ângulos diferentes. De fato, a corrente subjetiva preocupa-se em analisar o móvel psíquico das partes; a objetiva analisa o negócio em si próprio.

O conceito de causa é um tanto quanto obscuro, pois acaba se confundindo com o próprio objeto do negócio jurídico.

Atento a isso, o Código de 2002 refere-se a motivo, ao invés de causa. Com efeito, dispõe o seu art. 140 que: “O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”.

Assim, o motivo, isto é, a razão psicológica pela qual a pessoa age, em regra, não é requisito de validade do negócio jurídico.

Portanto, o erro sobre o motivo torna-se irrelevante, não anulando o ato. Todavia, pode ocorrer de o declarante inserir expressamente o motivo como sendo a razão determinante do ato. Nesse caso, o motivo eleva-se a requisito de validade do negócio jurídico, pode este ser anulado na hipótese de falsidade daquele.

Vejamos os seguintes casos:a. Em meu testamento, faço um legado a certa pessoa, declarando que assim procedo

porque ela me salvou a vida. Declarada a falsidade dessa assertiva, razão determinante da disposição testamentária, o ato não prevalece, impondo-se-lhe a anulação. Contudo, se não houve expressa declaração do agente sobre o motivo o ato é válido (exemplo de Washington de Barros Monteiro).

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b. Se a aquisição de um fundo de comércio teve por motivo determinante a perspectiva de boa e numerosa freguesia, garantida e apontada pelo vendedor no próprio contrato, tem-se aí o que se denomina em direito o pressuposto ou razão determinante do negócio. Não se concretizando aquela perspectiva, o contrato é anulável por erro sobre o motivo. Contudo, se não houve expressa menção à questão da boa e numerosa freguesia, o ato é válido (exemplo de Silvio Rodrigues).

c. Dou esta jóia à minha neta, porque acaba de contrair justas núpcias. Se as não contraiu, houve erro sobre o motivo, anulando-se a doação. Se o motivo não foi indicado no ato, este será válido (exemplo de Limongi França).

Vê-se, portanto, que não há necessidade da investigação dos motivos, salvo quando constar expressamente como a razão determinante do negócio jurídico.

TRANSMISSÃO DE VONTADE POR MEIOS INTERPOSTOS

Meios interpostos são os instrumentos ou pessoas utilizadas pelo agente para a transmissão de sua vontade. Exemplo: rádio, telégrafo, telefone, e-mail, fax, mensageiro, etc.

Se o meio de comunicação não transmite fielmente a declaração da vontade do agente, o negócio jurídico pode ser anulado por erro nos mesmos casos, nas mesmas condições, em que a declaração de vontade é realizada diretamente pelas partes, conforme preceitua o art. 141 do CC.

ERRO NA INDICAÇÃO DA COISA OU PESSOA

Dispõe o art. 142 do CC que: “O erro na indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada”.

Assim, o erro na indicação da pessoa ou coisa, desde que sanável, considera-se acidental, não anulando o negócio jurídico. Um testador, por exemplo, refere-se ao apartamento da Alameda Itú, legando-o a João, mas na verdade referido imóvel localiza-se na Alameda Jaú, conforme se depreende de sua matrícula. Outro exemplo: escritura de compra e venda refere-se a José, como sendo o comprador, quando este é apenas o procurador do verdadeiro comprador.

Saliente-se, ainda, que o art. 1903 do CC contém uma regra idêntica à prevista nesse art. 142 do CC.

ERRO DE CÁLCULO

Estabelece o art. 143 do CC que: “O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade”.

Portanto, o erro de cálculo é meramente acidental, não anulando o negócio, uma vez que pode ser corrigido.

Erro de cálculo é o que recai sobre dados aritméticos de uma conta. A jurisprudência admite a sua correção, ainda que o processo já tenha transitado em julgado.

Sílvio Venosa, amparado pela doutrina portuguesa, sustenta, que erro deve ser ostensivo, facilmente perceptivo; caso contrário, o erro será substancial. Cremos, porém, que, no Brasil, essa exigência é descabida.

Saliente-se, contudo, que o erro de cálculo não é o que incide sobre a escolha dos critérios, mas sim sobre a execução dos critérios estabelecidos.

Se, por exemplo, o declarante refere-se ao índice do IPC-R, em vez de IGP-DI, não há falar-se em erro de cálculo, porque trata-se da escolha dos critérios. Se, ao revés, após estabelecer o IPC-R, o cálculo é elaborado com base em índices mensais inexatos do IPC-R, torna-se lícita a sua retificação.

CONSERVAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

Dispõe o art. 144 do CC que: “ O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”.

Silvio Venosa fornece o seguinte exemplo: O comprador crê que adquire lote 5 da quadra B, quando, na verdade, adquire lote 5 da quadra A, segundo a planta que lhe é apresentada. Trata-se de erro substancial. Se o comprador pleitear a anulação do negócio, o vendedor poderá concordar em entregar-lhe o lote desejado, qual seja, o lote 5 da quadra B, preservando-se o negócio jurídico.

Essa pretensão de preservação do negócio jurídico, através da oferta da real prestação devida, deve ser exercida na reconvenção, por ocasião do prazo da contestação da ação anulatória que lhe move o comprador. Se, contudo, este, diante do erro, recusa-se a efetuar o pagamento, o vendedor poderá mover-lhe ação judicial, visando o cumprimento do contrato, na conformidade da vontade real do adquirente, depositando, com a inicial, a prestação almejada por este último.

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ÔNUS DA PROVA

Como afirma Washington de Barros Monteiro, “quem alega o erro deve prová-lo. Sendo fenômeno de ordem subjetiva, não comporta, muitas vezes, prova direta. Será preciso deduzi-la então de elementos objetivos, que a exprimam por uma relação natural e necessária. O erro só pode ser alegado por aquele a quem aproveite o reconhecimento do vício, não pela outra parte. Por fim, embora anulável o ato eivado de erro, prevalece enquanto não anulado por sentença.”

QUESTÕES

1. Qual a distinção entre vícios de consentimento e vícios sociais?2. O que é a teoria da vontade real?3. O que é a teoria da responsabilidade?4. O que é a teoria da declaração?5. O que é a teoria da confiança?6. Qual a distinção entre erro e ignorância?7. Quais os requisitos para o erro anular o negócio jurídico?8. O que é erro substancial e quais as suas hipóteses?9. O que é erro sobre a natureza do negócio?10. O que é erro sobre o objeto principal?11. O que é erro essencial?12. O erro sobre a pessoa anula a obrigação de fazer?13. O que é erro obstáculo ou impróprio?14. Qual a distinção entre erro escusável e erro inescusável?15. O que é erro acidental e qual a sua conseqüência?16. O erro de direito anula o negócio jurídico?17. O que é motivo?18. Explique as correntes objetivas e subjetivas sobre causa.19. O que é motivo?20. O falso motivo anula o negócio jurídico?21. O que são meios interpostos?22. O erro na indicação da pessoa ou coisa anula o negócio jurídico?23. O erro de cálculo anula o negócio jurídico?24. O erro substancial sempre prejudica a validade do negócio jurídico?25. De quem é o ônus da prova do erro?

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DOLO

CONCEITO

Dolo é o erro provocado pela má-fé alheia. É, pois todo artifício empregado para enganar alguém, induzindo-o à pratica de um negócio jurídico. Tal ocorre, por exemplo, quando o vendedor induz o comprador a acreditar que um relógio simplesmente dourado é de ouro.

DOLO CIVIL, DOLO PENAL E DOLO PROCESSUAL

Dolo civil, como vimos, é o expediente astucioso empregado para enganar alguém, induzindo-o à celebração de um negócio jurídico.

O dolo penal não é propriamente a vontade de enganar e sim o fato de o agente querer ou assumir o risco de praticar o fato criminoso.

Finalmente, o dolo processual consiste na má-fé processual, tais como as afirmações falsas e as provocações de incidentes para protelar o andamento do processo, etc.

DISTINÇÃO ENTRE ERRO E DOLO

No erro, a vítima se engana sozinha; no dolo ela é enganada pela má-fé alheia. Assim, o erro é espontâneo; o dolo, ao inverso, é provocado maliciosamente por alguém.

No erro, o ato é simplesmente anulável, não havendo lugar para as perdas e danos; o dolo, além da anulação, enseja ainda a responsabilidade pelas perdas e danos.

O erro sobre o motivo não anula o negócio jurídico, salvo quando expresso como razão determinante; o dolo sobre o motivo, ao revés, autoriza a anulação do negócio jurídico.

O erro sobre qualidades secundárias da pessoa ou coisa não anula o ato; o dolo, porém, pode provocar-lhe a anulação.

O erro acidental, isto é, que não é a razão determinante do ato, não enseja sequer perdas e danos; no dolo acidental, por sua vez, há o direito ao ressarcimento das perdas e danos, embora o ato seja válido.

Finalmente, o erro provocado pela boa-fé alheia, a nosso ver, não pode ser considerado dolo, pois este último é resultante da malícia alheia, devendo, portanto, ser tratado como erro. Tal ocorre, por exemplo, quando o vendedor, de boa-fé, vende um relógio dourado pensando que é de ouro, enganando, sem querer, o comprador. Todavia, além da anulação do ato, o vendedor, no caso de culpa, responderá pelas perdas e danos, de modo que esse erro, quanto aos efeitos, equipara-se ao dolo.

DOLO E FRAUDE

Na essência, o dolo e fraude se confundem, pois são artifícios empregados para enganar alguém.

No dolo, a parte enganada intervém na conclusão do negócio.Na fraude, não há a intervenção pessoal do prejudicado.O dolo é anterior ou concomitante à prática do ato. A fraude, ao revés, é subseqüente à

prática do negócio jurídico.Assim, o dolo é utilizado para celebração do negócio; a fraude é empregada para burlar a

execução de um negócio preexistente. Se, por exemplo, antes de celebrar o contrato de seguro, o agente induz a seguradora a erro, silenciando sobre um fato relevante, haverá dolo. Se, porém, após a assinatura desse contrato, o sinistro é simulado para o recebimento do seguro, haverá fraude.

Finalmente, enquanto o dolo visa enganar a outra parte, a fraude pode visar tanto o engano desta como a violação da lei ou a lesão a interesse de terceiros.

ESPÉCIES DE DOLO

O dolo pode ser:a. principal;b. acidental;c. positivo;d. negativo;e. bonus;f. malus;g. bilateral.

DOLO PRINCIPAL E DOLO ACIDENTAL

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O “dolus causam dans contractui” é o dolo principal, também chamado dolo essencial, dolo determinante ou dolo causal.

Diz-se principal o dolo quanto ele representa a causa determinante do negócio jurídico. Sem o dolo o ato não se teria realizado.

O dolo principal, desde que grave, além de anular o negócio jurídico, ainda enseja o seu autor a indenizar as perdas e danos.

Saliente-se, porém, que o dolo, para ser principal, não precisa necessariamente prejudicar a pessoa enganada.

Como observa Espínola, é secundária qualquer preocupação em torno do prejuízo que venha a sofrer a pessoa ludibridiada. Não concordamos com Clóvis, quanto este afirma que a característica do dolo é a intenção de prejudicar no ânimo de seu autor, pois o propósito deste é o de enganar e não propriamente de prejudicar. Nada obsta o engano destituído de prejuízo, embora quase sempre o dolo venha acompanhado do prejuízo e também da intenção de prejudicar.

Por outro lado, o dolo acidental ou incidental não é a razão determinante do negócio jurídico, que, a seu despeito, se teria realizado, embora por outro modo. Aludido dolo apenas torna o negócio mais oneroso para a vítima, que, lubridiada, acaba pagando um preço maior. Tal ocorre, por exemplo, quando o vendedor diz para o comprador que o piso da cozinha é mármore importado, quando na verdade o mármore é nacional, induzindo-a a pagar um preço maior.

O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, preservando-se, contudo, a validade do negócio jurídico.

DOLO POSITIVO E DOLO NEGATIVO

Dolo positivo é o resultante de uma ação; dolo negativo é o que advém da omissão.Com efeito, o dolo negativo ou reticência é o silêncio intencional acerca de determinado fato

que se fosse conhecido da outra parte o negócio não se teria realizado. Exemplo: vendo o apartamento, silenciando que o mesmo não tem vaga de garagem.

O dolo negativo, desde que principal, também é causa de anulação do negócio e da indenização pelas perdas e danos. Se for acidental, só ensejará a satisfação das perdas e danos.

DOLUS BONUS E DOLUS MALUS

Dolus bonus é a conversa enganosa tolerada no mundo dos negócios, pelo fato de a vítima, com um pouco de atenção, ter condição de perceber o induzimento. É o caso do comprador que subestima o objeto que está comprando, apontando-lhe os defeitos; outrossim, o vendedor, quando realça as qualidades da coisa a ser vendida. Como assevera Cunha Gonçalves, são humanos, são legais esses ligeiros ataques à boa-fé.

Portanto, o dolus bonus não é causa de anulação do negócio jurídico, não ensejando sequer a satisfação das perdas e danos.

Dolus malus ou grave, por sua vez é o artifício fraudulento exagerado, isto é, não tolerado no mundo dos negócios. Tal ocorre, por exemplo, quando o vendedor altera a aparência externa da coisa para poder vendê-la. O dolus malus, desde que principal, é causa de anulação do negócio jurídico.

O critério de distinção entre dolus bonus e dolus malus deve ser feito à luz do caso concreto, atento às condições pessoais da vítima e do burlão.

Pode-se dizer que dolus malus é aquele capaz de enganar, de convencer a outra parte; para esta, o erro a que foi induzida é escusável, ou seja, não detectável, ainda que empregasse a atenção comum.

Dolus bonus é o artifício grosseiro, pueril, facilmente perceptível pela atenção comum da vítima; o erro a que esta é induzida é inescusável.

DOLO BILATERAL OU RECÍPROCO

Dolo bilateral ocorre quando induzidor e induzido encontram- se de má-fé, a ponto de um querer enganar o outro.

Diante da torpeza bilateral, o dolo não pode ser invocado para anular o negócio, ou reclamar indenização (art. 150).

Trata-se de aplicação do brocardo de que ninguém pode alegar a própria torpeza (“nemo propriam turpitudinem allegans”). Em suma, o ato é válido. Assim, numa permuta em que ambas as partes agem com má-fé, nenhuma delas poderá pleitear a anulação do negócio ou perdas e danos.

Saliente-se, entretanto, que o art. 1.256 do CC atribui direito à indenização em favor da pessoa que, de má-fé, plantou ou construiu em terreno alheio, se o proprietário do imóvel houver também procedido de má-fé.

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Trata-se de uma exceção ao princípio acima mencionado.

DOLO DIRETO E DOLO DE TERCEIRO

Dolo direto é o emanado de uma das partes; dolo de terceiro é o causado por quem não é parte no negócio.

Dolo de terceiro só anula o negócio jurídico quando a parte beneficiada sabia ou tinha possibilidade de saber de sua existência, ainda que não tenha cooperado para o artifício fraudulento. Nesse caso, além da anulação, ambos, a parte beneficiada e o terceiro, respondem pelas perdas e danos.

Se, ao revés, a parte a quem aproveita o dolo, não tinha possibilidade de saber da má-fé do terceiro, o negócio jurídico será válido e apenas o terceiro responderá pelas perdas e danos da parte a quem ludibriou.

Assim, para que o negócio seja válido, não basta a boa-fé da parte beneficiada, consistente no desconhecimento do dolo de terceiro, urge ainda que ela tenha procedido com erro escusável, caracterizado pela impossibilidade de perceber o engodo desse terceiro.

DOLO DO REPRESENTANTE

O dolo do representante de uma das partes, desde que principal e grave, também anula o negócio jurídico, devendo o representante ainda arcar com as perdas e danos. O representado, quando for incapaz, responde civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos (art. 149).

De fato, o incapaz não tem o direito de escolher o seu representante legal (pais, tutor e curador), e, por isso, sua responsabilidade pelas perdas e danos é limitada ao proveito que teve com o negócio jurídico anulado.

Em contrapartida, as pessoas capazes escolhem livremente os seus representantes (procuradores), respondendo solidariamente pelas perdas e danos, em razão da presunção absoluta de culpa “in eligendo”.

Saliente-se, contudo, que o representado tem ação regressiva contra o representante, salvo se com este estava conluiado.

ÔNUS DA PROVA

Ao autor da ação anulatória incumbe o ônus da prova do dolo, pois o dolo não se presume.

DOLO QUANTO À IDADE

Dispõe o art. 180 do CC que: “O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior”.

Assim, o negócio jurídico celebrado pelo menor púbere desassistido do representante legal será válido se ele omitiu dolosamente a sua idade ou declarou-se maior. Urge, porém, além da boa-fé, que o erro da outra parte seja escusável, pois se lhe era possível perceber o artifício, como no caso de menor com aparência infantil, o negócio poderá ser anulado.

COAÇÃO

CONCEITO E ESPÉCIES

Coação, de acordo com Washington de Barros Monteiro, é a pressão física ou moral exercida sobre alguém para induzí-lo à prática de um ato. Trata-se, pois, da violência ou temor, que infringe a liberdade de decisão do coagido, tornando-se mais grave do que o dolo, pois este afeta apenas a inteligência da vítima.

A coação pode ser física ou moral.Na coação física (vis absoluta), a vontade do coagido é completamente eliminada. O coator,

para realizar o negócio jurídico, coordena o movimento ou a passividade muscular do coagido. Este não tem qualquer opção de agir num ou noutro sentido. O exemplo clássico é aquele em que a mão da vítima é conduzida a assinar ou subscrever um documento. Trata-se de um negócio jurídico inexistente, diante da completa ausência de vontade.

Na coação moral (vis compulsiva), a vítima sofre uma grave ameaça, indutiva da prática do negócio jurídico, podendo, porém, optar entre o ato e o dano, com que é ameaçada. Portanto, a vítima conserva relativamente a sua vontade, não obstante a chantagem do coator. Ainda que o mal prometido seja a sua própria morte, não se pode negar que lhe resta uma opção. Essa opção não existe na coação

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física. Nesta, o coagido não tem a mínima possibilidade de evitar o mal, pois o seu corpo é apenas o instrumento da celebração do negócio jurídico.

O Código cuida apenas da coação moral, prevendo a nulidade relativa do negócio jurídico. Tratando-se de coação física irresistível o ato é inexistente, sendo certo, porém, que alguns autores dizem que haverá nulidade absoluta.

Dispõe o art. 151 do CC que: “A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens”.

Do exposto dessume-se que coação é a ameaça de dano grave, iminente e injusto, contra o coagido, seus bens ou outra pessoa, que funciona como a causa determinante do negócio jurídico.

REQUISITOS DA COAÇÃO.

A coação, para anular o negócio jurídico, deve preencher os seguintes requisitos:a. deve consistir numa ameaça. Ameaça é a promessa de malefício; uma pressão para

obter o consentimento do coagido. A força física, como o espancamento, também pode consistir numa ameaça, consistente na reiteração da violência praticada. Exemplo: Fabiano, após ser espancado por Lucas, resolve obedecer-lhe, assinando o contrato, devido ao medo de as agressões se repetirem.

b. a ameaça deve ser grave a ponto de atemorizar consideravelmente o coagido. Se a vítima não receia da ameaça não há coação. Dispõe o art. 152 do CC que: “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela”. Portanto, a gravidade da ameaça não é apurada em função do homem médio, pois o referencial é o próprio coagido. Como dizia Clóvis, a ameaça que seria vã para um ânimo varonil, pode ser grave para uma alma tímida, para uma criança, para um velho, para um doente.

c. a ameaça deve referir-se à pessoa do coagido, seus bens e a pessoa pertencente ou não à sua família. Assim, o dano, a que se refere a coação pode ser de ordem pessoal (vida, honra, liberdade, etc.) ou patrimonial (ex: destruição de um objeto valioso). Sobre as pessoas que integram a família são: os cônjuges, os parentes e afins de até o quarto grau, o companheiro. Se a coação disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação (parágrafo único do art. 151). Assim, os laços de afetividade e amizade são exemplos de circunstâncias que conduzem à anulação do negócio por coação.

d. o mal prometido deve ser injusto. De fato, a ameaça justa (lícita) em si mesma e na vantagem visada não caracteriza coação e sim exercício regular de direito. Diz o locador: se não me pagares, moverei contra ti a ação de despejo. Diz o credor: Se não me pagares, protestarei este título. Diz o pai ao sedutor: Se não casares com a minha filha te processarei pelo crime de sedução. Em todos esses exemplos, não há falar-se em anulação do ato ou negócio jurídico. Se, entretanto, a ameaça for justa em si mesma, mas injusta quanto à vantagem visada, impõe-se a anulabilidade por coação. Exemplo: se não assinardes o contrato, te delatarei ao Delegado de Polícia, narrando-lhe o homicídio que tu cometera. Note-se que a ameaça em si é justa, pois qualquer cidadão pode levar a “notitia criminis” à autoridade policial, mas, como a vantagem almejada é ilícita, o negócio será anulável.

e. o mal prometido deve ser iminente. Diz-se iminente o mal inevitável, porque a qualquer momento pode concretizar-se. Se a ameaça referir-se a um mal futuro ou evitável, não há falar-se em coação. Para que esta se concretize, urge que a vítima não tenha meios para safar-se do dano com os próprios recursos ou mediante apoio da polícia ou de terceiros. Se, por exemplo, o coator disser: “assine este contrato senão a semana que vem tocarei fogo na sua casa”, não haverá coação, diante da possibilidade de a vítima evitar esse mal acionando a polícia.

f. a ameaça deve ser a razão determinante do negócio jurídico. Não obstante o silêncio do Código, impõe-se esse requisito, exigindo que a coação tenha sido principal e não meramente acidental. É, pois, necessário o nexo causal entre a coação e a realização do negócio jurídico. Se, a despeito da ameaça, o negócio se teria realizado de qualquer forma, não há falar-se em anulação, mas o coator responderá pelas perdas e danos, por força do art. 186 do CC.

EFEITOS

Presentes os requisitos acima, a coação, além de anular o negócio jurídico, ainda sujeita o coator a indenizar as perdas e danos. No âmbito penal, a coação exercida para induzir a vítima à celebração de negócio jurídico patrimonial pode caracterizar o delito de extorsão (art. 158 do CP), mas se o ato for extrapatrimonial o delito será de constrangimento ilegal (art. 146 do CP).

TEMOR REVERENCIAL

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Temor reverencial é o receio de desagradar pessoa a quem se deve respeito ou obediência. Tal ocorre, por exemplo, quando a esposa concorda que o marido venda a casa, para não descontentá-lo. Outro exemplo: o empregado aceita ser o fiador de seu patrão, a pedido deste, no contrato de locação.

Dispõe o art. 153 do CC que não se considera coação o simples temor reverencial. Portanto, o negócio jurídico é válido.

Enquanto na coação o medo advém da ameaça, no temor reverencial o medo é oriundo do respeito de uma pessoa por outra. Na coação, há o medo de um dano pessoal ou patrimonial, no temor reverencial, o medo é de causar desgosto, de desapontar a outra pessoa.

Saliente-se, porém, que se houver uma ameaça, ainda que implícita ou velada, haverá coação, anulando-se o ato.

COAÇÃO DE TERCEIRO

A coação de terceiro é a emanada de uma pessoa que não figura como parte no negócio jurídico. Exemplo: (A) coage (B) a vender a casa para (C).

A coação oriunda de terceiro só anula o negócio jurídico se a parte beneficiada sabia ou devesse saber da ameaça. Em tal situação, ambos, coator e a parte beneficiada, ainda responderão solidariamente pelas perdas e danos (art.154).

No código de 1916, a coação exercida por terceiro sempre anulava o negócio, ainda que a parte beneficiada estivesse de boa-fé.

No Código atual, priorizou-se a teoria da confiança, de modo que, para a anulação, exige-se o dolo ou culpa da parte beneficiada. Se esta não sabia nem tinha possibilidade de saber da coação, incidindo em erro escusável quanto à existência da ameaça do terceiro, o negócio será válido; todavia, o coator deverá responder pelas perdas e danos.

Sobre esse assunto, já escrevemos anteriormente que, em homenagem á equidade, essa teoria da confiança deve restringir-se aos negócios onerosos, porque, nos negócios gratuitos, como a doação e o testamento, a vontade interna do coagido deve prevalecer sobre a vontade declarada, anulando-se, destarte, o negócio jurídico.

ESTADO DE PERIGO

CONCEITO

Dispõe o art. 156 do CC que: “Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou à pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”.

De acordo com Moacyr de Oliveira, o estado de perigo é o fato necessário que compele a conclusão de negócio jurídico mediante prestação exorbitante.

É, pois, a assunção de obrigação excessivamente onerosa para evitar um dano pessoal, que é do conhecimento da outra parte.

Como salienta Teresa Ancona Lopes, “é o defeito do negócio jurídico no qual o declarante se encontra diante de uma situação em que tem que optar entre dois males: “sofrer o dano ou participar de um contrato que lhe é excessivamente oneroso”.

Vejamos alguns exemplos:a. promessa do náufrago de milionária recompensa a quem salvar-lhe do naufrágio;b. doente que concorda com os altos honorários exigidos pelo cirurgião;c. os pais prometem uma exorbitante recompensa a quem salvar o seu filho dos

seqüestradores;d. venda de bens abaixo do preço para levantar o dinheiro necessário ao resgate do

seqüestro do filho;e. fiança, aval ou emissão de cheque prestado por indivíduo, mediante exigência do

hospital, para internar um parente nesse local.Em todas essas situações, o agente realiza o negócio jurídico para evitar ou tentar evitar um

dano de caráter pessoal.

FUNDAMENTO DA ANULAÇÃO

No estado de perigo, o negócio jurídico é anulado pelas seguintes razões:a. o princípio da função social do contrato limita a autonomia da vontade, restringindo o

“pacta sunt servanda”;b. o princípio da cooperação e da solidariedade deve estar presente nos negócios jurídicos,

por força do art. 3º, I, da CF, segundo o qual a sociedade deve ser livre, justa e solidária. Assim, o negócio jurídico não pode colocar em risco a existência do patrimônio do devedor.

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c. os princípios da boa-fé e da eqüidade, que impõem a justiça comutativa aos contratos.d. a imoralidade do ato, contrário aos bons costumes. Como ensina, com precisão, Teresa

Ancona Lopes, “criado o perigo há o dever legal ou moral de auxílio, logo a obtenção da vantagem é imoral.

REQUISITOS DO ESTADO DE PERIGO

O estado de perigo, para anular o negócio jurídico, deve preencher os seguintes requisitos:

SITUAÇÃO DE PERIGO ATUAL, QUE AMEAÇA CAUSAR UM GRAVE DANO PESSOAL

O perigo pode ter sido causado pela natureza (exemplo: uma tempestade), por ação do homem (exemplo: um seqüestro), ou, então, pela própria vitima (exemplo: após tentar o suicídio, a vítima concorda com os altos honorários exigidos pelo médico que irá operá-la).

Urge, que o perigo seja real. Se, porém, o agente imagina um perigo inexistente, haverá o estado de perigo putativo, justificando-se também a anulação do negócio jurídico.

Acrescente-se ainda que o perigo deve ser atual, isto é, presente. Se for futuro, o negócio jurídico será válido.

A ameaça advinda da situação de perigo deve ser grave, a ponto de figurar como sendo a razão determinante da prática do negócio jurídico. Ameaça grave é aquela capaz de intimidar a vítima, aplicando-se por analogia o disposto no art. 152 do CC, segundo o qual, no apreciar da coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e de todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.

Alguns autores, porém, sustentam que a gravidade de uma ameaça deve ser analisada em função do homem médio e não da própria vítima.

Por outro lado, a ameaça deve referir-se a um dano de natureza pessoal, de ordem física ou moral (vida, integridade física, honra, liberdade) e não meramente patrimonial. A ameaça pode referir-se ao próprio declarante ou a membros de sua família. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias, conforme preceitua o parágrafo único do art. 156 do CC. Assim, presume-se o sofrimento do declarante quando a ameaça recai sobre membros de sua família; quando recai sobre estranhos, esse sofrimento deve ser comprovado no caso concreto.

CONHECIMENTO DO PERIGO PELA OUTRA PARTE.

No estado de perigo, exige-se o dolo de aproveitamento, consistente na má-fé da parte contrária, que realiza o negócio ciente da situação. Em havendo boa-fé da parte contrária, isto é, o desconhecimento do estado de perigo, o negócio será válido, imputando-se o prejuízo ao acaso, como se fosse caso fortuito ou força maior. Alguns autores, como Renan Lotufo, sustentam, contudo, que o negócio pode ser anulado com base no instituto da lesão.

ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÃO EXCESSIVAMENTE ONEROSA

A desproporção entre as prestações deve ser considerável, significativa, caso contrário o ato será válido.

EFEITOS DA ANULAÇÃO

Presentes os requisitos acima, o negócio jurídico pode ser anulado. Na Itália, em vez de anular o negócio, a lei permite a revisão do valor da prestação devida.

No Brasil, o negócio jurídico é anulável, devolvendo-se as prestações devidas, volvendo-se as partes ao “status quo ante”. Todavia, em certas hipóteses, torna-se impossível a devolução de uma das prestações, como no exemplo do cirurgião que realizou a cirurgia e daquele que salvou a vida do náufrago.

A solução da lei brasileira, que prevê a anulação e não a revisão do negócio é no sentido de excluir qualquer indenização em favor daquele que prestou o serviço. Alguns autores, porém, admitem a indenização calcados na eqüidade, proclamado o cabimento da ação “in rem verso” , para evitar o enriquecimento ilícito obtido pela vítima em razão da anulação do negócio jurídico.

DISTINÇÃO ENTRE COAÇÃO E ESTADO DE PERIGO

Na coação, para que o ato seja anulado, basta a vontade viciada pela ameaça, não se exigindo a desproporção entre as prestações, no estado de perigo, além da vontade viciada pela ameaça, exige-se ainda a desproporção entre as prestações.

Na coação, a ameaça é para obrigar o agente a realizar o negócio jurídico, atingindo a sua liberdade de contratar; no estado de perigo, a ameaça não tem esse fim específico de obrigar o agente a

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realizar o negócio, este, porém, é um dos meios de que ele dispõe para evitar o dano pessoal, de modo que diante da urgência da situação, encontra-se limitada a sua vontade de discutir o contrato.

Na coação, a parte beneficiada cria a situação de perigo, no estado de perigo, o beneficiado apenas se aproveita dessa situação. Anote-se, porém, que a coação de terceiro aproxima-se do estado de perigo, porque a parte beneficiada apenas se aproveita da situação de perigo criada pelo terceiro.

Na coação, o perigo é criado pela parte beneficiada ou por terceiro. No estado de perigo, o perigo pode ser criado pela natureza, por terceiro ou então provocado pelo próprio declarante.

Finalmente, na coação a ameaça deve ser injusta; no estado de perigo pode ser justa ou injusta.

DISTINÇÃO ENTRE ESTADO DE PERIGO E ESTADO DE NECESSIDADE

No estado de necessidade, o agente, para evitar um dano, realiza um negócio jurídico prejudicial ao patrimônio alheio. Exemplo: O depositário vende as jóias do depositante para pagar o resgate exigido pelos seqüestradores de seu filho.

Assim, no estado de necessidade, o agente lesa o patrimônio alheio, e, por isso, deve indenizar as perdas e danos; no estado de perigo ocorre uma autolesão patrimonial, vale dizer, o agente lesa o próprio patrimônio.

No estado de necessidade, o perigo não pode ter sido causado voluntariamente pelo agente; no estado de perigo, nada obsta que o perigo tenha sido causado pelo próprio declarante.

No estado de necessidade, o dano deve ser inevitável; no estado de perigo, o dano pode ser evitável ou inevitável. No estado de necessidade, o dano que se visa evitar pode ser pessoal ou patrimonial; no estado de perigo, o dano deve ser pessoal.

QUESTÕES

1. O que é dolo?2. Qual a distinção entre dolo civil, dolo penal e dolo processual?3. Cite três diferenças entre erro e dolo.4. Qual a distinção entre dolo e fraude?5. Qual a distinção entre dolo principal e dolo acidental?6. Qual a distinção entre dolo positivo e dolo negativo?7. Qual a distinção entre “dolus bonus” e “dolus malus”?8. O que é dolo bilateral?9. O dolo de terceiro anula o negócio jurídico?10. Quais as conseqüências do dolo do representante?11. O menor púbere, que age com dolo quanto à idade, é obrigado a cumprir o negócio jurídico?12. Qual a distinção entre coação física e coação moral?13. Quais os requisitos da coação?14. É possível coação com ameaça justa?15. Quais os efeitos da coação?16. O que é temor reverencial?17. A coação de terceiro anula o negócio jurídico?18. O que é estado de perigo?19. Qual o fundamento do estado de perigo?20. Quais os requisitos do estado de perigo?21. Quais os efeitos do estado de perigo?22. Qual a distinção entre coação e estado de perigo?23. Qual a distinção entre estado de perigo e estado de necessidade?

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LESÃO

CONCEITO E ESPÉCIES

A lesão pode ser: enorme, especial e usurária.A lesão enorme, para caracterizar-se, basta a desproporção entre as prestações. É, pois, o

lucro exorbitante obtido por uma das partes contratantes. No Código de Defesa do Consumidor, a lesão poder ser conceituada dessa forma, como sendo a vantagem manifestamente excessiva obtida pelo fornecedor, conforme preceitua o art. 39, inciso V, da Lei 8.078/90.

O valor excessivo deve ser apurado pelo juiz, no caso concreto.A lesão especial, por sua vez, exige, além do lucro excessivo, a situação de necessidade ou

inexperiência da parte prejudicada. O Código Civil, no art. 157, adotou essa lesão, salientando que: “Ocorre a lesão quando

uma pessoa sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”. Como se vê, não basta o lucro desproporcional, é ainda mister a situação de necessidade ou inexperiência da parte lesada.

Finalmente, a lesão usurária ou usura real, além do lucro excessivo e da situação de necessidade ou inexperiência da parte lesada, para se caracterizar, exige ainda o dolo de aproveitamento, consistente na má-fé da parte beneficiada, que celebra o negócio jurídico ciente da necessidade ou inexperiência do outro contratante. Essa lesão é prevista no art. 4º da Lei 1.521/51, encontrando-se tipificada como crime contra a economia popular, caso o lucro patrimonial exceda a um quinto do valor da prestação. Nesse caso, de acordo com Silvio Rodrigues, a nulidade é absoluta, por ilicitude do seu objeto. O § 3º do mesmo artigo manda o juiz ajustar os lucros usurários à medida legal, devendo ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com os juros legais, de modo que a situação não é de nulidade absoluta, mas relativa, pois o ato é preservado na parte válida.

REQUISITOS DA LESÃO ESPECIAL

Vimos que o Código Civil adotou a lesão especial, cujo reconhecimento depende de dois requisitos:

a. desproporção manifesta das prestações. Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico (§1º do art.157). O montante dessa desproporção não é prefixado pela lei, competindo ao magistrado analisá-lo no caso concreto; urge, porém, que seja considerável, acentuada. Essa desproporção deve existir ao tempo da celebração do negócio; tratando-se de desproporção superveniente não há falar-se em lesão e sim em onerosidade excessiva, aplicando-se a teoria da imprevisão, quando se tratar de contrato de execução diferida ou de trato de sucessivo. Saliente-se ainda que apenas os contratos comutativos, em que as prestações se equivalem, podem ser viciados pela lesão, pois nos contratos aleatórios o desequilíbrio das prestações é inerente ao negócio.

b. situação de necessidade ou inexperiência da parte lesada A necessidade é a indispensabilidade do contrato. É, pois, a impossibilidade de evitar o contrato. Trata-se da necessidade econômica de contratar. Essa necessidade nem sempre se caracteriza pela miséria, pois pessoas abonadas também podem necessitar de um certo contrato.

A inexperiência, por sua vez, não é incultura do lesado, mas a inexperiência contratual, que até o culto pode incidir. O ônus da prova da inexperiência ou necessidade compete ao lesado.

EFEITOS DA LESÃO

Presentes esse requisitos acima, a parte lesada pode pleitear a anulação do negócio jurídico. Faculta-se, contudo, à parte favorecida oferecer suplemento suficiente para o reequilíbrio das prestações, evitando-se, destarte, a anulação do negócio. Se, por exemplo, pagou-se quarenta mil reais em um apartamento que valia setenta mil reais, ao ser citado para a ação anulatória poderá efetuar o complemento do preço, depositando a diferença de trinta mil reais. Esse pedido de preservação do negócio jurídico, porém, deve ser feito em reconvenção, pois a ação anulatória não tem caráter dúplice, sendo, pois, vedado ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor. Entretanto, tratando-se de rito sumário, esse pedido pode ser formulado na própria contestação, por força do § 1º do art. 278 do CPC.

Nada obsta que a parte lesada formule pedido subsidiário: complementação do valor da prestação e a anulação do negócio jurídico, devendo este último pedido ser acolhido apenas na hipótese de a parte favorecida não concordar com a redução do proveito.

DISTINÇÃO ENTRE LESÃO POR NECESSIDADE E ESTADO DE PERIGO

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Na lesão por necessidade de contratar, o negócio é celebrado para evitar um dano patrimonial; no estado de perigo, o negócio visa evitar um dano de caráter pessoal.

Na lesão, a situação de necessidade não precisa ser conhecida da parte beneficiada pelo negócio, dispensando-se, destarte, o dolo de aproveitamento; no estado de perigo, ao revés, é necessário que a parte beneficiada proceda com dolo de aproveitamento, vale dizer, que tenha conhecimento da situação de perigo.

Na lesão, a necessidade de contratar é do próprio declarante lesado; no estado de perigo, a situação de necessidade pessoal pode ser do declarante, sua família ou terceiros. Assim, a venda de um bem, por preço desproporcional, para salvar a vida de um terceiro, pode configurar o estado de perigo, se a outra parte tinha conhecimento dessa situação; mas se essa venda é feita para evitar a ruína patrimonial desse terceiro, não há falar-se em estado de perigo, nem em lesão, essa última só se caracterizaria se fosse para evitar ruína econômica do próprio lesado.

No estado de perigo, a parte favorecida não pode exigir a preservação do negócio, mediante oferta do suplemento suficiente; na lesão, torna-se possível isso, evitando-se a anulação.

Finalmente, cumpre recordar que tanto na lesão quanto no estado de perigo a parte age premida pela necessidade de contratar, assumindo obrigação excessivamente onerosa.

SIMULAÇÃO

CONCEITO

Simulação é o acordo entre as partes, para dar existência real a um negócio jurídico fictício, ou, então, para ocultar o negócio jurídico realmente realizado, com o fito de violar a lei ou enganar terceiros.

Trata-se de uma declaração enganosa da vontade, que oferece ao negócio jurídico uma aparência diversa da desejada pelas partes.

Estas, de comum acordo, fingem praticarem o negócio simulado. A simulação não é vício de consentimento, porque o desacordo entre a vontade interna e a declarada é intencional. É um vício social, pois a vontade é conscientemente declarada, enganando terceiros ou violando a lei.

REQUISITOS

A simulação apresenta os seguintes requisitos:a. acordo entre as partes, ou com a pessoa a quem ela se destina. Assim, na simulação

existe um conluio entre as partes. Todavia, os atos unilaterais também a admitem, desde que se verifique esse conluio entre declarante com outra pessoa. Exemplo: homem casado promete recompensa a quem devolver certo objeto que ele diz ter perdido, mas na verdade havia deixado com a sua concubina, combinando com esta a devolução para entregar-lhe a recompensa. Denota-se que essa promessa de recompensa não passa de um negócio simulado para encobrir o negócio verdadeiro, qual seja, a doação. O testamento é outro exemplo de ato unilateral passível de simulação.

b. Declaração enganosa da vontade. Há, pois, desconformidade consciente entre a vontade declarada e a vontade interna. As partes, como observa Silvio Rodrigues, não querem o negócio declarado, mas tão-somente fazêlo aparecer como querido. O conteúdo do ato é falso, isto é, narra uma mentira, caracterizando-se, inclusive, o crime de falsidade ideológica, previsto no art. 299 do CP. Saliente-se, assim, que, na simulação, há uma falsidade ideológica ou intelectual, recaindo apenas sobre o conteúdo do negócio jurídico. Este, sob o aspecto formal, apresenta-se perfeito. Diferentemente ocorre com a falsidade material, que incide sobre o conteúdo e também sobre os aspectos formais, consistindo, pois, numa contrafação física, isto é, numa alteração do documento verdadeiro, através da inserção de novos dizeres.

c. A intenção de enganar terceiros ou violar a lei. Enquanto no dolo, uma das partes é enganada, na simulação as partes têm ciência da burla, concretizada para enganar terceiro. Assim, não é possível a coexistência, no mesmo negócio, de dolo e de simulação.

ESPÉCIES

A simulação pode ser:a. absoluta;b. relativa;c. objetiva;d. subjetiva;e. maliciosa;f. inocente.

SIMULAÇÃO ABSOLUTA E RELATIVA

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Na simulação absoluta, as partes não objetivam a celebração de qualquer negócio jurídico. Este é aparentemente celebrado para enganar terceiros ou violar a lei. Exemplo: devedor simula venda de bens a um amigo para subtraí-los da execução dos credores. Outro exemplo: o marido simula a confissão de dívidas com um parente para prejudicar a sua esposa na separação amigável.

Na simulação relativa ou dissimulação, por sua vez, o negócio jurídico aparente visa esconder o negócio verdadeiro. Diz-se relativa, porque existe um ato simulado e um ato dissimulado. Exemplo: homem casado faz doação de imóvel à sua concubina, mas providencia a lavratura de uma escritura de compra e venda.

SIMULAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA

Simulação subjetiva é aquela em que o negócio jurídico transmite direito a certa pessoa, para que esta os repasse a outra. Nessa simulação, o negócio jurídico beneficia aparentemente o testa-de-ferro ou prestanome ou homem de palha, mas o verdadeiro beneficiado é outra pessoa. Exemplo: homem casado simula doar imóvel para um amigo, para que este o repasse gratuitamente à sua concubina. Outro exemplo: o pai, desejando vender um bem para seu filho, diante da oposição dos demais filhos, finge doar para este, em seguida, realiza a venda desejada.

A simulação subjetiva só se caracteriza quando o testa-deferro transmite o bem à pessoa a quem o negócio visa beneficiar. Enquanto isso não se realiza, não se pode falar em nulidade.

Por outro lado, diz-se objetiva a simulação quando o negócio jurídico contém declaração não verdadeiro. Exemplo: escritura pública de compra e venda com preço inferior ao real; quando os instrumentos particulares forem ante-datados, ou pós-datados; quando o negócio jurídico contiver declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira.

SIMULAÇÃO INOCENTE E MALICIOSA

Simulação inocente é a que não objetiva violar a lei ou prejudicar terceiro. Tal ocorre, por exemplo, na doação mascarada de compra e venda feita por homem solteiro à sua concubina. O Código de 1916 continha dispositivo expresso, reputando valido o negócio jurídico. O Código de 2002 é omisso. Todavia, como adverte Fábio Ulhoa Coelho: “Se a simulação não prejudica terceiro, não existe como tal e deve ser considerado válido o negócio praticado em descompasso com a verdadeira intenção das partes. Assim, se uma pessoa precisa viajar mas deve assinar documento particular com data futura, por razões de conveniência das partes, não havendo nenhum prejuízo a terceiro, não se configura a simulação”.

Simulação fraudulenta ou maliciosa, por sua vez, é a que objetiva fraudar a lei ou prejudicar terceiros. Nesse caso, o ato será nulo.

EFEITOS

A simulação fraudulenta, seja ela absoluta, relativa, objetiva ou subjetiva, provoca a nulidade absoluta do negócio jurídico. Portanto, esse vício deve ser decretado de ofício pelo magistrado.

No Código de 1916, os simuladores não podiam argüirem o vício em juízo, um contra o outro, ou contra terceiro. No Código atual, não existe essa restrição, pois a nulidade é absoluta, podendo ser suscitada pelas partes ou qualquer interessado, devendo ainda o juiz pronunciar-se de ofício.

A ação de nulidade do negócio jurídico é imprescritível. De fato, o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (art. 169).

Por outro lado, subsistirá o que se dissimulou se válido for o negócio na substância e na forma.

Tal ocorre, por exemplo, com a simulação parcial, em que as partes, numa escritura de compra e venda, mencionam preço inferior ao real, para reduzir o valor do imposto de transmissão de bens. Nesse caso, subsiste a compra e venda, porque admitida pelo direito material, tendo ainda observado a forma (escritura pública), ressalvando-se, porém, à Fazenda Pública o direito de cobrança da diferença do imposto devido.

Igualmente, na simulação relativa, desfeito o negócio aparente cumpre examinar a validade do negócio verdadeiro, que poderá manter-se intacto caso sua prática seja permitida pelo direito (validade substancial) e seja observado o modelo legal (validade formal).

Portanto, na doação de imóvel que homem solteiro faz à sua concubina, mascarada de compra e venda, a Fazenda Pública Estadual pode mover ação de nulidade de negócio, para obter o imposto referente à doação, tendo em vista que o imposto devido em razão da compra e venda é recolhido pelo Município. Anulada a venda, subsiste a doação, porque admitida pelo direito, e também, por ter observado a forma legal (escritura pública).

Por outro lado, na simulação inocente, o negócio jurídico dissimulado é válido, pois não há a intenção de prejudicar terceiros, ou de violar disposição de lei. Também é possível a simulação absoluta inocente, como, por exemplo, a confissão de dívidas entre “A” e “B” para evitar suicídio alheio.

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Na simulação relativa inocente, o primeiro negócio é nulo, mas o segundo será válido, se preencher os requisitos substanciais e formais.

Em contrapartida, na simulação absoluta inocente, a nulidade atinge o negócio jurídico, que em si mesmo é querido, não subsistindo nenhum outro sucedâneo, porquanto a vontade das partes não se dirige à realização de qualquer negócio.

Finalmente, se o simulador, que adquiriu aparentemente o bem ou direito, celebrar algum contrato com terceiro de boa-fé, os direitos deste serão respeitados. Com efeito, dispõe o § 2º do art. 167 que: “Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado”.

NEGÓCIO FIDUCIÁRIO

Negócio fiduciário é aquele em que uma pessoa (fiduciante) transmite a propriedade de um bem a outra (fiduciária), impondo-lhe a obrigação de devolvê-lo ou de transmiti-lo a terceiro, depois de atingido um certo fim.

Não obstante a omissão do Código, as partes podem celebrá-lo, com base na liberdade de contratar, desde que o fim seja lícito.

Distingue-se nitidamente da simulação. Nesta, o conteúdo do negócio é falso, ao passo que no negócio fiduciário o conteúdo é sério, tendo sido realmente concretizado pelas partes.

Se, porém, o negócio fiduciário for efetivado para prejudicar terceiros ou fraudar a lei, deverá ser equiparado à simulação, impondo-se a decretação da nulidade absoluta.

O negócio fiduciário compõe-se de dois elementos: a. transmissão da propriedade de um bem;b. obrigação de o fiduciário restituir esse bem ao fiduciante depois de atingido certo fim ou

do implemento de determinado termo ou condição.Tal ocorre, por exemplo, na doação de um bem com a obrigação de o donatário restituí-lo

ao doador, após completar 25 anos de idade. Cumpre não confundir o negócio fiduciário (fidúcia romana) com a condição ou termo

resolutivos expressos (fidúcia germânica). No primeiro, a devolução não é automática, ainda que se tenha atingido o fim ou ocorrido o termo ou condição, pois depende de uma manifestação de vontade do fiduciário, ao passo que no termo ou condição resolutivo expressos a devolução é automática, emanando diretamente do implemento do termo ou condição.

Se, por exemplo, disser o doador: essa doação cessará automaticamente quando completares 25 anos ou quando ocorrer tal condição, estaremos diante da fidúcia germana, retornando o bem automaticamente ao fiduciante.

Se, ao revés, o doador disser: ao completares 25 anos ou depois de certa condição, assumirás a obrigação de me restituir esse bem, haverá o negócio fiduciário ou fidúcia romana, que não implica na devolução automática do bem ao fiduciante. Nesse último caso, de acordo com Maria Helena Diniz, o fiduciário não poderá ser compelido à restituição, vale dizer, o fiduciante não poderá reivindicar a própria coisa, pois não tem o direito real de propriedade, devendo contentar-se com as perdas e danos.

RESERVA MENTAL

CONCEITO

Reserva mental é a declaração de vontade com a intenção de não cumpri-la, visando enganar o declaratário ou terceiro. Tal ocorre, por exemplo, quando o vendedor aliena o objeto, mas não tem a intenção de entregá-lo.

Pode-se dizer que reserva mental é o inadimplemento premeditado; é o não querer o que manifestou.

REQUISITOS

Os requisitos da reserva mental são:a. divergência intencional entre a vontade interna e a vontade declarada;b. propósito de enganar o declaratário ou terceiro. A reserva mental pode verificar-se em

negócios jurídicos bilaterais, unilaterais, receptícios e nãoreceptícios.

MODALIDADES DE RESERVA MENTAL

A reserva mental pode ser:a. absoluta;b. relativa;

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c. inocente;d. ilícita;e. unilateral;f. bilateral.

RESERVA MENTAL ABSOLUTA E RELATIVA

Na reserva mental absoluta, o reservante não quer absolutamente nada do que manifestou. Exemplo: o escritor assina contrato com a editora, para escrever certo livro, que, na verdade, não pretende escrever.

Na reserva mental relativa, por sua vez, o reservante pretende algo diferente daquilo que manifestou. Exemplo: o reservante realiza um contrato de comodato, mas na verdade ele quer uma locação.

RESERVA MENTAL INOCENTE E ILÍCITA

Diz-se inocente a reserva mental em que o reservante não tem a intenção de prejudicar qualquer pessoa. Exemplo: “A” assina contrato de empréstimo de dinheiro em favor de “B”, para evitar o suicídio deste, com a intenção de descumprir o avençado.

Reserva mental ilícita é o que visa prejudicar a outra parte. Exemplo: “A” vende o automóvel para “B”, mas não pretende entregar-lhe o bem, embora deseje receber o preço.

RESERVA MENTAL UNILATERAL E BILATERAL

Reserva mental unilateral é quando apenas uma das partes não pretende cumprir o que manifestou.

Reserva mental bilateral é quando ambas as partes não pretendem cumprir o que manifestaram. Exemplo: “A” vende o automóvel para “B” com a intenção de não entregá-lo, sendo que “B” realiza a compra com o escopo de não realizar o pagamento.

EFEITOS DA RESERVA MENTAL

Em regra, a reserva mental é irrelevante, subsistindo a validade do negócio jurídico, que deverá ser cumprido tal qual a vontade exteriorizada pelo reservante, pouco importando que este tenha guardado em mente o secreto propósito de não cumprir o prometido. Todavia, a reserva mental, desde que conhecida da outra parte gera a inexistência do negócio jurídico, em face da ausência de vontade, conforme salienta Moreira Alves. Com efeito, dispõe o art. 110 do CC que: “A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”.

DISTINÇÃO ENTRE SIMULAÇÃO E RESERVA MENTAL

O ponto em comum entre a simulação e a reserva mental é que em ambas a declaração de vontade é feita com o propósito de enganar. Na simulação, porém, nenhuma das partes é enganada, pois elas agem de comum acordo para iludir um terceiro ou violar a lei, ao passo que, na reserva mental, o reservante visa enganar a outra parte. Como ensina Washington de Barros Monteiro, na reserva, a simulação é unilateral, o enganado é o outro contratante, ao passo que na simulação a impostura é bilateral, urdida por ambos os contratantes.

Na simulação, o negócio é nulo; na reserva mental, em regra, é válido.A reserva mental conhecida pela outra parte também se distingue da simulação. Com efeito,

nesse tipo de reserva mental, o reservante tem a convicção de que a outra parte ignora a mentira, ao passo que na simulação há um conluio entre as partes. Na reserva mental conhecida do destinatário, o negócio jurídico é inexistente, ao passo que na simulação haverá nulidade absoluta.

Ressalte-se, contudo, conforme observa Sílvio Venosa, que se o declaratário efetivamente sabe da reserva e com ela compactua, os efeitos indubitavelmente serão de simulação, com aplicabilidade do art. 167 do CC. Se, por exemplo, “A” e “B” celebram contrato de comodato, mas “B” sabe e concorda com a reserva mental de “A”, no sentido de entregar-lhe o bem a título de locação, aplica-se o art. 167 do CC, recaindo a inexistência sobre o comodato, mas subsistindo o que se reservou, qual seja, a locação, se válida for na substância e na forma.

DISTINÇÃO ENTRE RESERVA MENTAL E DECLARAÇÃO JOCOSA, IRÔNICA OU CÊNICA

Declaração jocosa é a feita por brincadeira, irônica é a realizada na peça de teatro entre o artista e o espectador. Nessas declarações não sérias da vontade, o negócio jurídico é inexistente, pois, em

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termos jurídicos, não há uma manifestação de vontade real; não há, destarte, o propósito de enganar juridicamente o declaratário, pois, como adverte Nelson Nery Júnior, o declarante espera que a outra parte descubra logo a sua verdadeira intenção, tanto é que logo dá conta do que se trata.

Na reserva mental, ao revés, a vontade é manifestada, com o propósito de enganar juridicamente a outra parte, sendo certo que o reservante espera que esta não descubra a sua real vontade.

Assim, a declaração jocosa, irônica ou cênica não produz reflexos no direito, ao passo que na reserva mental o negócio é válido, porque o reservante objetiva extrair dela alguma conseqüência jurídica. Se, porém, a reserva é conhecida pelo destinatário, o negócio se torna inexistente, equiparando-se à declaração irônica ou jocosa, conforme se depreende, a “contrario sensu”, do disposto no art. 110 do CC.

LAPSUS LINGUAE VEL CALAMI

Trata-se da troca de uma palavra por outra. É a anfibologia. Tal ocorre, por exemplo, quando o testador refere-se a usufruto, pensando que é fideicomisso, ou, então, grava a legítima do herdeiro necessário com usufruto achando que este se trata da cláusula de inalienabilidade. Lapsus linguae vel calami é o desacordo entre a vontade interna e o conteúdo material da declaração, assemelhando-se ao erro obstáculo, propiciando a anulação da expressão utilizada por equívoco, interpretando-a, porém, tal qual desejada pelo declarante. Como ensina Pontes de Miranda, o equívoco deve ser dirimido pelo juiz na interpretação do negócio jurídico.

Tal qual acontece com a reserva mental, ocorre a divergência entre a vontade interna e a vontade declarada. Na reserva mental, porém, essa divergência é intencional, com o propósito de enganar a outra parte; na lapsus linguae vel calami, ao revés, essa divergência é despropositada, não intencional, pois não se visa enganar o destinatário.

DISTINÇÃO ENTRE RESERVA MENTAL E RETICÊNCIA

Reticência é o dolo negativo ou por omissão, consistente no silêncio intencional a respeito de fato ou qualidade que se fosse conhecido da outra parte o negócio jurídico não se teria realizado.

O reticente deixa de dizer tudo o que deveria dizer, silenciando, por exemplo, sobre a praga contaminadora do pomar de laranjas, que é objeto da compra e venda.

Na reserva mental, ao inverso, o reservante diz tudo o que deveria dizer, silenciando apenas sobre o seu propósito de não cumprir o prometido.

Assim, a reserva mental é silêncio sobre o propósito de não cumprir o prometido, ao passo que a reticência é o silêncio sobre certo fato ou qualidade que deveria ser informado à outra parte, encontrando-se, porém, presente o propósito de cumprir a obrigação.

Na reserva mental, o negócio jurídico é válido, podendo o destinatário mover ação judicial visando o cumprimento da obrigação cumulando-a com perdas e danos, na reticência, o negócio jurídico é anulável, podendo a parte enganada mover ação de anulação do negócio jurídico, cumulando-a com perdas e danos.

RESTRIÇÃO MENTAL

Restrição mental, como ensina Nelson Nery Júnior, é o expediente malicioso para induzir a outra parte a interpretar a manifestação da vontade diferentemente do que está declarado.

Na restrição mental, o declarante quer exatamente o que está declarado, mas espera que a outra parte interprete de maneira diferente do conteúdo da declaração. Não há, pois, divergência entre a vontade interna e a vontade declarada, distinguindo-se, portanto, da reserva mental.

A restrição mental é irrelevante, não se anulando, portanto, o negócio jurídico.A propósito, dispõe o art. 112 que: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à

intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem”. Em suma, a restrição mental é a declaração redigida propositadamente com mais de um

sentido, com fito de o destinatário interpretá-la no sentido diverso do realmente querido pelo declarante.

QUESTÕES

1. Qual a distinção entre lesão enorme, especial e usurária?2. O Código Civil de 2002, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Economia Popular disciplinam quais lesões?3. Quais os requisitos da lesão especial?4. Qual a distinção entre a lesão especial e a teoria da imprevisão?5. O que se entende por necessidade e inexperiência?6. Quais os efeitos da lesão?7. Qual a distinção entre a lesão e o estado de perigo?

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8. O que é simulação?9. Quais os requisitos da simulação?10. No mesmo negócio jurídico é possível a coexistência entre o dolo e a simulação?11. Os negócios jurídicos unilaterais admitem a simulação?12. Qual a distinção entre simulação absoluta e relativa?13. Qual a distinção entre simulação subjetiva e objetiva?14. Qual a distinção entre simulação inocente e maliciosa?15. Quais os efeitos da simulação?16. Qual o prazo para a propositura da ação simulatória?17. Na simulação, é possível preservar algum negócio jurídico?18. O que acontece com o negócio jurídico celebrado pela parte, realizado com terceiro, após a simulação?19. O que é negócio fiduciário?20. Como se distingue da simulação?21. Quais os elementos do negócio fiduciário?22. Qual a distinção entre fidúcia romana e germânica?23. O que é reserva mental?24. Quais os requisitos da reserva mental?25. Qual a distinção entre reserva mental absoluta e relativa?26. Qual a distinção entre reserva mental inocente e ilícita?27. Qual a distinção entre reserva mental unilateral e bilateral?28. A reserva mental anula o negócio jurídico?29. Qual a distinção entre reserva mental e simulação?30. Qual a distinção entre reserva mental e declaração jocosa, irônica ou cênica?31. O que é lapsus linguae vel calami?32. Qual a distinção entre reserva mental e reticência?33. O que é restrição mental?

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FRAUDE CONTRA CREDORES

GENERALIDADES

Dispõe o art. 591 do CPC que: “O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.

Em regra, portanto, o patrimônio do devedor responde por suas dívidas, ressalvando-se alguns bens, como, por exemplo, o bem de família. No direito moderno, não há prisão civil por dívida, a não ser nos casos de devedor de alimentos e depositário infiel (art. 5.º, LXVII, da CF).

O devedor insolvente, que é aquele cujo patrimônio passivo é superior ao ativo, encontra-se proibido de alienar bens, justamente para não desfalcar a garantia de seus credores. Se, porém, não obstante a proibição legal, ele praticar atos de disposição de seus bens, haverá fraude contra credores ou fraude de execução.

Pode-se dizer, assim, que bens pertencentes a terceiros respondem pelas dívidas do devedor, quando aqueles o houverem adquiridos mediante fraude contra credores ou fraude de execução.

CONCEITO E REQUISITOS

Fraude contra credores é o negócio jurídico realizado pelo devedor insolvente, ou que o conduz à insolvência, suscetível de diminuir ainda mais o seu patrimônio.

O devedor solvente, que é aquele cujo patrimônio ativo é superior ao passivo, tem plena liberdade para dispor de seus bens. Todavia, ao se tornar insolvente, sofre restrição ao seu direito de propriedade, pois não lhe é mais lícito a realização de atos de alienação, seja onerosa ou gratuita, a não ser mediante a anuência de todos os credores.

Urge, para a caracterização da fraude contra credores, a presença de três requisitos: consilium fraudis, insolvência e eventus damni.

Nos negócios jurídicos onerosos faz-se necessária a presença de todos esses requisitos. Entretanto, nos negócios jurídicos gratuitos, como a doação e o testamento, dispensa-se a comprovação do consilium fraudis, pois a lei o presume de forma absoluta.

CONSILIUM FRAUDIS

O consilium fraudis se caracteriza pelo simples fato de o terceiro adquirente ter conhecimento ou possibilidade de saber do estado de insolvência do alienante. Não se exige o animus nocendi, isto é, o propósito de prejudicar os credores. Aliás, a denominação – fraude contra credores – não corresponde à realidade do instituto, pois este prescinde da intenção de enganar ou de prejudicar.

Convém frisar que, nos negócios jurídicos gratuitos, o consilium fraudis é presumido. Com efeito, dispõe o art. 158 do CC que: “os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos”.

Desse modo, o consilium fraudis, isto é, a má-fé do adquirente, só é necessária quando se tratar de negócios jurídicos onerosos, como, a compra e venda, a permuta, a dação em pagamento etc. Ocorre essa presunção de má-fé quando a insolvência for notória ou presumida.

É notória quando sabida de todos. Fato notório é o que é de conhecimento geral. Exemplos: protesto judicial contra alienação de bens; sentença declaratória de falência ou insolvência civil; publicações pela imprensa etc.

É presumida, quando o adquirente tinha motivos para saber do estado de insolvência do alienante. Exemplos: parentesco próximo, amizade íntima, quem já havia protestado anteriormente títulos do alienante, preço injusto etc.

A rigor, se o erro sobre a insolvência for inescusável, fruto da negligência do adquirente, que não tomou as cautelas de praxe, inerentes ao negócio jurídico realizado, configura-se a má-fé, sendo, pois, de rigor o reconhecimento da fraude contra credores, cuja exclusão depende da boa-fé do adquirente e do erro escusável acerca do precário estado financeiro do alienante. Verifica-se o erro escusável quando o alienante emprega a diligência normal ao negócio jurídico, mas ainda assim a insolvência se torna imperceptível aos olhos do homem médio.

Nesse caso, o contrato oneroso será válido, afastando-se a fraude contra credores.O ônus da prova do consilium fraudis é do autor da ação (art 333, I, do CPC).Por outro lado, se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço

e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados (art. 160 do CC). O adquirente, como se vê, pode ajuizar ação de consignação em pagamento, depositando o preço justo em juízo, citando-se o alienante e os demais credores. Trata-se de uma medida que inibe a decretação da fraude contra credores, preservando-se, destarte, a validade do negócio jurídico.

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Se, porém, o preço for inferior ao do mercado, o adquirente, para conservar os bens, deverá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real (art. 160, parágrafo único, do CC).

Observe-se, ainda, que se presumem de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família (art. 164 do CC). Exemplos: reposição do estoque rotativo do estabelecimento comercial; compras no supermercado para subsistência da família etc. Esses negócios, em princípio, não podem ser considerados fraudulentos. A presunção de boa-fé, porém, é juris tantum, admitindo prova em contrário.

INSOLVÊNCIA

Insolvência é a situação em que o patrimônio passivo é superior ao ativo.O ônus de prova da insolvência, para Cândido Dinamarco, é do credor que move a ação

pauliana, invocando-se, para tanto, o disposto no art. 333, I, do CPC.Trata-se, porém, de uma prova negativa ou diabólica, razão pela qual prevalece o

entendimento da inversão do ônus da prova, competindo aos réus (devedor e adquirente) provarem a existência de bens suficientes no patrimônio do devedor-alienante. De fato, a insolvência deve ser presumida, invertendo-se o ônus da prova, aplicando-se por analogia o disposto no art. 750 do CPC, que cuida da fraude de execução.

Finalmente, cumpre não confundir insolvência com inadimplência. Esta última consiste no não cumprimento da obrigação.

Nada obsta que o devedor seja insolvente e adimplente, ou, então, solvente e inadimplente. O credor só tem interesse em requerer a fraude contra credores quando o seu devedor for insolvente-inadimplente.

EVENTUS DAMNI

O eventus damni consiste no prejuízo causado ao credor em razão de prática do negócio jurídico fraudulento.

NEGÓCIOS JURÍDICOS SUSCETÍVEIS DE FRAUDE

Grosso modo, os negócios jurídicos suscetíveis de fraude são os seguintes:a. negócios de transmissão gratuita de bens. Exemplos: doação e testamento;b. remissão (perdão) de dívidas;c. outorga de garantia real a credor quirografário. Tal ocorre quando o insolvente, para

privilegiar um de seus credores, concede-lhe uma garantia hipotecária ou pignoratícia. Nesse caso, a ineficácia recai apenas sobre a garantia, volvendo o credor à sua condição de quirografário;

d. pagamento de dívida vincenda, isto é, ainda não vencida. De acordo com o art. 162 do CC só se caracteriza a fraude se o pagamento for antecipado, vale dizer, recair sobre dívida não vencida. Se o devedor insolvente efetuar o pagamento de dívida vencida, não há falar-se em fraude contra credores, de modo que o pagamento é válido, a não ser que haja sentença de falência ou de insolvência civil, pois, nesses casos, o devedor perde a disponibilidade de seus bens, e, por isso, não pode efetuar pagamentos;

e. contratos onerosos. Exemplo: compra e venda.Em todos esses negócios jurídicos ocorre a presunção juris et de jure do consilium fraudis, à

exceção dos contratos onerosos. De fato, como esclarece Washington de Barros Monteiro, “não se exige que o devedor

tenha a intenção de prejudicar credores, nem que os beneficiários estejam inteirados da insolvência. Contenta-se a lei tãosomente, insista-se, com a prática do ato em estado de insolvência, ou então, que o ato haja reduzido o devedor a esse estado”.

Frise-se, contudo, que, para os contratos onerosos, faz-se mister a comprovação do consilium fraudis, sob pena de manter-se a validade dos negócios jurídicos praticados pelo insolvente.

Finalmente, o credor, com autorização do juiz, pode aceitar herança recusada pelo devedor insolvente, conforme preceitua o art. 1.813 do CC. Todavia, não lhe é lícito, por falta de previsão legal, aceitar legado ou doação recusados pelo devedor.

AÇÃO PAULIANA

Ação pauliana é a proposta para se obter o reconhecimento da fraude contra credores.Só o credor quirografário, isto é, destituído de garantia real, pode intentá-la. Urge ainda que

reúna essa qualidade de credor quirografário ao tempo do negócio fraudulento. Aquele que se torna credor somente após o negócio jurídico fraudulento é parte ilegítima para a propositura dessa ação.

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Quanto ao credor com garantia real, não pode ajuizar a ação pauliana. Falta-lhe interesse de agir, devendo o processo ser extinto sem julgamento de mérito, por carência de ação. Com efeito, na garantia real, um bem móvel (penhor) ou imóvel (hipoteca) fica vinculado ao pagamento do débito. Sobre esse bem, o credor desfruta do direito de seqüela, podendo requerer a sua penhora, ainda que o devedor já o tenha alienado a terceiros, razão pela qual não há interesse para se obter o reconhecimento da fraude dos negócios realizados pelo insolvente. Se, porém, a garantia real tornar-se insuficiente, assistir-lhe-á o direito de mover a ação pauliana, conforme preceitua o § 1.º do art. 158 do CC.

No concernente à legitimidade passiva, cumpre registrar que, na ação pauliana, há um litisconsórcio necessário, pois a ação deve ser intentada contra o devedor insolvente e a pessoa que com ele celebrou o negócio jurídico. Não se pode mover a ação apenas em face do devedor insolvente, sob pena de nulidade do processo.

Se o adquirente do bem já o alienou a um subadquirente, este, ao lado dos outros dois, também deve figurar como réu na ação, mas para que o autor obtenha êxito na ação esse subadquirente deve ter procedido de má-fé (art. 161 do CC).

A ação pauliana é de natureza pessoal, dispensando a outorga do cônjuge. Deve ser ajuizada em quatro anos, a contar do dia em que se realizou o negócio. Trata-se de prazo decadencial (art. 178, II, do CC).

Finalmente, os negócios jurídicos fraudulentos realizados pelo falido devem ser objeto de ação revocatória, disciplinada na Lei de Falência, cujo prazo de propositura é de três anos, a contar da sentença que decreta a falência, podendo ser proposta por qualquer credor, pelo administrador judicial e pelo Ministério Público.

DISTINÇÃO ENTRE SIMULAÇÃO E FRAUDE CONTRA CREDORES

Na simulação, as partes realizam um negócio jurídico fictício, irreal. Há um propósito descompasso entre a vontade interna e a vontade declarada.

Na fraude contra credores, o negócio jurídico é real. A vontade interna encontra-se em consonância com a vontade declarada.

Na simulação, o alienante pode ser solvente; na fraude contra credores, ele deve ser insolvente ou então se tornar insolvente em razão do negócio jurídico praticado.

DISTINÇÃO ENTRE FRAUDE CONTRA CREDORES E FRAUDE À EXECUÇÃO

Tanto a fraude contra credores quanto a fraude de execução têm por pressupostos: o consilium fraudis, a insolvência e o eventus damni.

Saliente-se, porém, que uma parcela minoritária da jurisprudência dispensa o consilium fraudis na fraude de execução, presumindo-o juris et de jure. O Superior Tribunal de Justiça, porém, já decidiu que a boa-fé do adquirente, quando se tratar de contrato oneroso, exclui a fraude à execução, se o erro sobre a insolvência for escusável.

Nos negócios gratuitos, porém, o consilium fraudis é presumido, tanto na fraude contra credores como na fraude de execução.

A linha divisória entre uma e outra fraude é o momento da alienação do bem.Uma primeira corrente sustenta que a fraude à execução ocorre quando o insolvente aliena

bens após a citação em uma ação patrimonial onde figura como réu ou executado.Uma segunda corrente preconiza que, para configuração da fraude à execução, basta que o

insolvente aliene bens após o ajuizamento dessa ação patrimonial.Assim, para uns, a alienação antes da citação é fraude contra credores; após a citação,

fraude à execução. Outros, no entanto, sustentam que a alienação após o ajuizamento da ação já configura fraude à execução, reservando-se a fraude contra credores para as alienações anteriores ao ajuizamento da ação.

A nosso ver, a linha divisória deve ser o ajuizamento da ação. Com efeito, dispõe o art. 593, II, do CPC: “Considera-se em fraude de execução a alienação

ou oneração de bens quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência”. Como se vê, a lei não exige que a alienação tenha ocorrido após a citação.

Saliente-se, ainda, que a fraude à execução pode se verificar no processo de conhecimento e no processo cautelar, e não apenas no processo de execução. Se, por exemplo, o devedor insolvente alienar bens no curso de uma ação de cobrança ou de arresto, haverá fraude à execução.

Urge, porém, que ação tenha caráter patrimonial, isto é, que seja capaz de reduzi-lo à insolvência.

Sobre os efeitos de uma e outra fraude, podemos elencar os seguintes:a. a fraude contra credores só pode ser reconhecida em ação pauliana. Portanto, a penhora

do bem só é possível após o trânsito em julgado da sentença de procedência prolatada nessa ação. A fraude contra credores não pode ser discutida em embargos de terceiro ou embargos à execução.

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b. a fraude à execução, por sua vez, é examinada pelo oficial de justiça, conforme art. 592, V, do CPC, que, após detectá-la, analisando o momento da alienação, procederá à penhora do bem, restando ao terceiro adquirente oferecer embargos de terceiro para impugnar a existência dessa fraude. Vê-se, portanto, que, na fraude à execução, o bem pode ser imediatamente penhorado, independente de ação pauliana, que sequer é cabível, devido à falta de interesse de agir.

c. na fraude contra credores, o ônus da prova da insolvência é tema polêmico, conforme analisado anteriormente. Na fraude à execução, a insolvência é presumida, invertendo-se o ônus da prova, competindo ao adquirente provar a existência de bens suficientes no patrimônio do devedor alienante, nos termos do art. 750, I, do CPC, segundo a qual se presume a insolvência quando o devedor não possuir bens livres e desembaraçados para nomear à penhora.

d. a fraude contra credores, uma vez reconhecida, aproveita a todos os credores anteriores ao ato fraudulento, conforme preceitua o art. 165 do CC, ao passo que a fraude à execução aproveita apenas ao exeqüente. Cândido Dinamarco, contudo, salienta que a fraude contra credores beneficia apenas o autor da ação pauliana. Assiste-lhe razão, pois ninguém pode pleitear em nome próprio interesse alheio, salvo quando autorizado por lei. Os outros credores, para se beneficiarem, devem ingressar no processo como litisconsortes. O art. 165 do CC, que determina a reversão da vantagem em prol do acervo de credores, a nosso ver, só é aplicável nas hipóteses em que houver execução coletiva contra o devedor insolvente, com sentença de falência ou de insolvência já decretada.

e. na fraude à execução, o negócio jurídico é apenas ineficaz. Trata-se de entendimento pacificado na doutrina brasileira. Na fraude contra credores, ao revés, discute-se se o ato deve ser anulado ou apenas declarado ineficaz.

As conseqüências práticas são as seguintes:1. na anulação, o negócio jurídico é cancelado, volvendo o bem ao patrimônio do devedor,

beneficiando, portanto, todos os credores, e não somente aquele que ajuizou a ação pauliana. Na ineficácia, ao inverso, o negócio jurídico permanece válido, mas sem efeito apenas em relação ao credor que moveu a ação pauliana.

2. na anulação, a sentença que julga procedente a ação pauliana deve ordenar a expedição de mandado de cancelamento do Registro de Imóveis, retornando o bem para o nome do devedor. Na ineficácia, esse mandado não é expedido, pois o bem permanece no nome do terceiro adquirente.

3. na anulação, o eventual saldo em execução pertence ao devedor, que ainda se beneficiaria, não obstante a sua torpeza caracterizada pela alienação fraudulenta. Na ineficácia, esse eventual saldo pertence ao terceiro adquirente do bem.

4. na anulação, o comprador não pode remir a execução, mediante deposito do preço de arrematação ou adjudicação, pois a transmissão da propriedade é cancelada. Na ineficácia, faculta-se-lhe aludida remissão.

Na jurisprudência, vem prevalecendo a tese da ineficácia, não obstante o Código Civil referir-se à anulação.

Esse ponto de vista realmente é o mais coerente. Com efeito, a fraude à execução revela-se mais grave do que a fraude contra credores, porque, além de lesar os credores, ainda atenta contra a dignidade da Justiça. Ora, se o ato mais grave, qual seja, a fraude à execução apresenta como sanção a simples ineficácia, preservando-se, destarte, a validade do negócio jurídico, não tem cabimento cominar ao ato menos grave, isto é, a fraude contra credores, a sanção de anulação, pois esta é mais severa do que a ineficácia.

QUESTÕES

1. O que é fraude contra credores?2. Quais seus requisitos?3. A boa-fé do adquirente, ignorando a insolvência do alienante do bem, exclui a fraude?4. Quando a má-fé é notória e presumida?5. De quem é o ônus da prova da insolvência?6. O que é “eventus damini”?7. Quais os negócios suscetíveis de fraude?8. O que é ação pauliana? Quem pode propô-la? Em face de quem é proposta?9. A ação pauliana exige autorização do cônjuge do autor e do cônjuge do réu?10. Qual a distinção entre simulação e fraude contra credores?11. Qual a distinção entre fraude contra credores e fraude de execução? Quais as conseqüências práticas dessa distinção?

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DA INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

INEXISTÊNCIA, NULIDADE E ANULABILIDADE

Negócio jurídico inexistente é o que não reúne os elementos necessários à sua formação. O negócio inexistente não produz qualquer conseqüência jurídica; nunca se convalida e jamais poderá ter eficácia como negócio putativo.

Os pressupostos de existência do negócio são: a vontade e o objeto.Com efeito, se todo negócio jurídico é uma declaração de vontade, força convir, portanto,

que, no caso de ausência completa de vontade, o ato não existe. Exemplos: vontade extorquida pela coação física ou declarada por erro obstativo; casamento celebrado sem o consentimento de um dos nubentes, etc.

Igualmente, se faltar o objeto, o negócio jurídico também é inexistente. Exemplo: compra e venda sem coisa ou sem preço.

O nosso Código referiu-se expressamente à inexistência apenas em relação à reserva mental conhecida pelo destinatário (art. 110).

Não obstante esse silêncio, a doutrina e a jurisprudência admitem essa tríplice gradação da imperfeição em: negócios inexistentes, negócios nulos e negócios anuláveis.

Por outro lado, o negócio jurídico nulo é o que, embora reunindo os elementos necessários à sua existência, foi praticado com violação da lei, à ordem pública, aos bons costumes ou com inobservância da forma legal.

Assim, enquanto a inexistência não precisa ser declarada judicialmente, dispensando-se, portanto, a ação judicial para a retirada de seu efeito, o ato nulo, a rigor, carece de decisão judicial para a retirada de sua eficácia. Como salienta Washington de Barros Monteiro, o ato inexistente é o nada. A lei não o regula, porque não há necessidade de se disciplinar o nada.

Acrescente-se ainda que o ato inexistente não pode ser putativo, isto é, surtir efeitos válidos em razão da boa-fé de uma ou ambas as partes, ao passo que no ato nulo, a boa-fé das partes é respeitada, atribuindose efeito válido ao ato putativo.

Finalmente, a anulabilidade é a imperfeição de menor gravidade. Além dos casos expressamente declarados em lei, é anulável o negócio jurídico por incapacidade relativa do agente e por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (art. 171). Na fraude contra credores, como vimos, há discussão se o ato é anulável ou apenas ineficaz.

CAUSAS DE NULIDADE ABSOLUTA

As causas de nulidade ou anulabilidade são sempre contemporâneas ao nascimento do negócio jurídico. O negócio jurídico não se torna nulo ou anulável por fato superveniente à sua formação, pois a nulidade ou anulabilidade são vícios de origem.

O art. 166 do CC elenca as causas de nulidade absoluta do negócio jurídico. São as seguintes:

I. celebrado por pessoa absolutamente incapaz. Tratando-se, porém, de casamento contraído por menores de 16 anos, a nulidade é apenas relativa (art. 1550).

II. for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto. Exemplo: fornecimento de escravos; dar a volta ao mundo a pé em três dias. Vimos que apenas a impossibilidade física absoluta é causa de nulidade; na relativa, o ato é válido. Convém salientar que a impossibilidade superveniente absoluta pela perda do objeto ou proibição legal, também anula o negócio. Se, porém, essa impossibilidade absoluta adveio de dolo ou culpa, subsiste a responsabilidade de indenizar as perdas e danos.

III. o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito. Exemplo: locação de uma casa para o fim de exploração do lenocínio. Se o locador tiver ciência do motivo do locatário, o contrato é nulo. Se, contudo, estiver de boa-fé, o negócio é válido.

IV. não revestir a forma prescrita em lei. Assim, nos negócios jurídicos solenes, a violação da forma é causa de nulidade absoluta. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido se houvessem previsto a nulidade (art. 170). Assim, o negócio nulo pode ser convertido noutro válido, desde que:

a. contenha os requisitos do negócio válido;b. as partes, no momento da celebração, desconheciam a nulidade;c. a vontade de as partes celebrarem esse outro negócio.A compra e venda de imóvel, por exemplo, é nula, se for celebrada por instrumento

particular, todavia, poderá ser convertida em compromisso de compra e venda, pois este último contrato não exige escritura pública. A conversão não pode ser determinada “ex officio”, urge que seja argüida pelas partes ou por terceiro juridicamente interessado.

V. for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade. Assim, a falta de autorização ou de legitimação, nos casos exigidos pela lei, pode ser causa de nulidade absoluta

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ou relativa, conforme seja ou não essencial essa formalidade. Se o interesse tutelado for público, haverá nulidade absoluta; se for privado, a nulidade será relativa. A venda de imóvel de relativamente incapaz, por exemplo, é nula, se não houver alvará judicial (art. 1.691).

VI. tiver por objetivo fraudar lei imperativa. O ato com fraude à lei, vale dizer, para subtrair-se à sua aplicação, reveste-se de nulidade absoluta.

VII. a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. Quando a lei usa a expressão “é nulo” ou outra equivalente, a nulidade é absoluta. Em contrapartida, a nulidade é relativa quando a lei usa a expressão “é anulável”. Às vezes, porém, a lei proíbe a prática do negócio, mas permanece silente sobre o ato ser nulo ou apenas anulável.

Em tal situação, o negócio jurídico, em princípio, será nulo. Todavia, como observa Sílvio Venosa, “poderão existir situações nas quais o negócio se apresenta aparentemente como nulo, mas a interpretação sistemática o faz entender como anulável. Devemos ter em mente que a nulidade repousa sempre em causa de ordem pública, enquanto a anulabilidade tem vista mais acentuadamente o interesse privado”.

Finalmente, a última causa de nulidade absoluta é a simulação. Com efeito, dispõe o art. 167 do CC que: “ É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”.

CAUSAS DE NULIDADES RELATIVAS

O negócio jurídico é anulável, conforme preceitua o art. 171 do CC, nas seguintes hipóteses:

I. por incapacidade relativa do agente;II. por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra

credores.O negócio ainda será anulável nos casos expressamente declarados na lei. Dispõe, por

exemplo, o art. 496 do CC que: “É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”.

NULIDADES TEXTUAIS E VIRTUAIS

Nulidade textual é a cominada expressamente na lei, através das expressões “é nulo”, “é anulável”, “é inválido”, etc. Essas nulidades podem ser absolutas ou relativas, conforme o tipo de expressão utilizada e a natureza do interesse resguardado.

Nulidade virtual ou tácita é a decorrente da simples violação de algumas formalidades legais. Tal ocorre quando a lei veda a prática do negócio, silenciando, contudo, sobre as conseqüências dessa violação. Nesse caso, a nulidade encontra-se subentendida. De acordo com o art. 166, VII, do CC é nulo o negócio jurídico quando a lei proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Em regra, as nulidades podem ser textuais ou virtuais.Tratando-se, porém, de casamento a nulidade só pode ser textual, isto é, o casamento só é

nulo ou anulável nos casos expressos em lei.Finalmente, as nulidades virtuais, em princípio, são absolutas, por força do art. 166, VII, do

CC. Essa norma, porém, deve ser interpretada restritivamente, pois se o interesse tutelado for privado, a nulidade virtual será relativa.

DISTINÇÃO ENTRE A NULIDADE ABSOLUTA E A NULIDADE RELATIVA

A nulidade absoluta é imediata, absoluta, incurável e perpétua.Imediata, porque inválido o ato desde a sua formação. A sentença que a decreta é

meramente declaratória com eficácia “ex tunc”, isto é, retroativa.De fato, a nulidade ocorre de pleno direito, pois é a própria lei que se recusa a validar o

negócio.Absoluta, porque pode ser alegada por qualquer interessada, inclusive, pelo Ministério

Público, quando lhe couber intervir, devendo ainda ser decretada de ofício pelo Juiz.Incurável, porque as partes ou Juiz não podem sanar o vício, visando a validação do

negócio jurídico.Perpétua, porque é imprescritível. Com efeito, dispõe o art. 169 do CC que: “O negócio

jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Não obstante a imprescritibilidade da ação declaratória de nulidade, às vezes opera-se a convalidação indireta do negócio, através da aquisição do direito pela via de usucapião.

A nulidade relativa ou anulabilidade, por sua vez, é diferida, relativa, curável e provisória.Diferida, porque o negócio produz efeitos enquanto não for anulado. A sentença que decreta

a anulabilidade é desconstitutiva com eficácia “ex nunc”, salvo quanto aos vícios de consentimento (erro,

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dolo, coação, lesão, estado de perigo e fraude contra credores), em que a sentença tem efeito retroativo (“ex tunc”), desfazendo o negócio desde o seu nascimento. Enquanto a nulidade relativa deve ser sempre pleiteada através de ação judicial; a nulidade absoluta, quase sempre, como observa Washington de Barros Monteiro, opera de pleno jure, ressalvada a hipótese em que se suscita dúvida sobre a existência da própria nulidade, caso em que se tornará imprescindível a propositura de ação para o reconhecimento de sua ocorrência, pois a ninguém é lícito fazer justiça pelas próprias mãos.

É relativa, porque só os interessados a podem alegar, sendo vedado ao juiz pronunciar-se de ofício. Assim, uma locação celebrada por absolutamente incapaz, é nula, logo o juiz deve decretar de ofício a nulidade do contrato. Se, ao revés, for celebrada por relativamente incapaz sem assistência, a nulidade é relativa, de modo que a sua decretação depende a argüição do interessado.

Curável ou sanável, porque o negócio anulável pode ser confirmado pela parte a quem a lei protege. A ratificação ou confirmação purifica o negócio, que, por conseqüência, torna-se válido. Com efeito, preceitua o art. 172 do CC que: “O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro”. A ratificação, como se vê, não pode prejudicar direitos de terceiros. Se, por exemplo, um menor relativamente incapaz aliena um imóvel sem a assistência de seu representante legal, a venda será anulável, de modo que, ao completar 18 anos, poderá ratificá-la, sanando o vício. Se, no entanto, ao completar a maioridade civil, ao invés de ratificar a venda, alienou o mesmo imóvel a um terceiro de boa-fé, não poderá ratificar a primeira venda, porque a ratificação prejudicará os direitos deste terceiro. Portanto, o negócio anulável não pode ser ratificado quando se efetuou um segundo negócio válido com terceiro de boa-fé.

A ratificação pode ser expressa e tácita. A ratificação expressa deve fazer menção às cláusulas mais importantes do negócio, todavia, não se exige que se mencione expressamente o defeito a ser sanado. Registre ainda que essa ratificação deve ter a mesma forma prescrita para o negócio primitivo. Assim, a ratificação de uma venda de imóvel, por exemplo, deve ser feita por escritura pública.

A ratificação tácita, por sua vez, consiste na execução completa ou parcial da obrigação, não obstante a ciência do vício que o inquinava. Exige-se, portanto, dois requisitos:

a. conhecimento da obrigação;b. conhecimento do vício que maculava o negócio. Assim, a compra de um bem efetuado

por relativamente incapaz sem assistência, por exemplo, é passível de ratificação tácita, se o representante legal efetuar o pagamento da primeira prestação. Igualmente, se contribuir para a realização de benfeitorias no bem. Vê-se, portanto, que a ratificação pode ser unilateral.

A ratificação, expressa ou tácita, importa em renúncia aos meios de invalidar o negócio. A anulabilidade deste não pode mais ser pleiteada, em ação ou defesa. Após a ratificação, a eventual propositura da ação anulatória será extinta sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir. A ratificação purifica o ato desde a sua formação, tendo, pois, efeito retroativo. O Código de 1916 dizia expressamente: “A ratificação retroage à data do ato” (art. 148). O Código atual é omisso, mas como o negócio anulável produz efeitos até que haja sentença em sentido contrário, força convir que, diante da ratificação, a purificação opera-se desde a formação do negócio, como se este tivesse nascido perfeito.

Finalmente, a nulidade relativa é ainda provisória, porque está sujeita à decadência, convalidando-se pelo decurso do tempo. No caso de anulabilidade por erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo, fraude contra credores e incapacidade relativa de uma ou ambas as partes, o prazo decadencial para a anulação do negócio jurídico é de quatro anos, a contar do dia em que se realizou o negócio jurídico, no caso de coação, conta-se do dia em ela cessar; e no caso de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade. Em relação aos demais atos anuláveis, no silêncio da lei, a decadência é de dois anos (art. 179). No Código de 1916, discutia-se na nulidade relativa se o prazo era prescricional ou decadencial. O Código atual acertadamente fez menção à decadência, dirimindo essa antiga controvérsia.

EFEITOS DA DECRETAÇÃO DA NULIDADE

Decretada a nulidade, seja ela absoluta ou relativa, o negócio é desfeito, como se nunca tivesse existido, reconduzindo-se as partes ao estado anterior à sua celebração. Assim, anulando o testamento, por exemplo, o herdeiro deve restituir os bens herdados. Anulada a compra e venda, o vendedor restitui o preço e o comprador a coisa.

Com efeito, reza o art. 182 do CC: “Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente”.

Assim, se não for possível a restituição ao “status quo ante” pelo fato, por exemplo, do perecimento da coisa ou alienação a terceiro de boa-fé, as partes serão indenizadas com o equivalente ao seu valor.

Essa regra, de que a decretação da nulidade reconduz os interessados ao “status quo ante”, mediante a devolução das prestações recebidas, comporta duas atenuações.

A primeira encontra-se no art. 181 do CC: “ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga”.

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Aludido dispositivo é complementado pelo disposto no art. 310 do CC: “não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu”. Se, por exemplo, o devedor efetua o pagamento a um interdito, ciente da incapacidade, o negócio é anulado, mas o incapaz não terá que restituir a importância recebida, a não ser que tenha revertido em proveito dele mesmo. Entende-se por proveitoso o pagamento quando o incapaz lhe deu o destino razoável e útil, agindo como agiria o accipiens capaz e diligente.

Portanto, a restituição do pagamento só se efetuará se demonstrar que o pagamento reverteu em proveito do incapaz. Ignorando-se a incapacidade, é válido o pagamento se o erro for escusável, aplicando-se por analogia o art. 309 do CC, que cuida do pagamento feito ao credor putativo.

A segunda atenuação encontra-se prevista no art. 1214 do CC: “o possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos”. Assim, a restituição das partes ao “status quo ante” não é aplicável aos frutos percebidos durante a boa-fé.

Por outro lado, tem sido afirmado que a declaração de nulidade absoluta aproveita a todos os interessados e não somente aos que a postularam, ao passo que a anulabilidade aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade, conforme preceitua o art. 177 do CC.

Assim, na nulidade relativa, quando a obrigação for divisível, a sentença que a reconhece só aproveita as partes. Tratando-se, porém, de solidariedade ou indivisibilidade, a sentença aproveitará também aos demais interessados, conforme ressalva o citado art. 177 do CC. Anote-se, porém, que a sentença não poderá prejudicar os interessados que não figuraram no processo como partes, por força dos limites subjetivos da coisa julgada.

Na nulidade absoluta, o Código é omisso quanto ao fato de a sentença aproveitar ou não a todos os interessados. Por raciocínio lógico, tendo em vista a restituição do bem ao patrimônio do devedor, não resta dúvida de que a sentença beneficia os interessados que não participaram do processo. Se, porém, o bem houver sido alienado a terceiro, urge que este figure também como réu na ação de declaração de nulidade, sob pena de não ser atingido pela sentença. Entendimento diverso violaria os limites subjetivos da coisa julgada. Assim, para que a ação seja procedente em face desse terceiro, é preciso demonstrar a sua má-fé, consistente na ciência ou na possibilidade de conhecer o vício que inquinava a aquisição do bem por parte de seu antecessor. Se houver adquirido o bem de boa-fé e mediante erro escusável, cremos que o negócio por ele realizado não poderá ser invalidado, aplicando-se, por analogia, o disposto no parágrafo único do art. 1827, que, consagrando a teoria do herdeiro aparente, preceitua: “são eficazes as alienações feitas, a título oneroso, pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé”.

Por outro lado, na nulidade absoluta, a sentença, que é meramente declaratória, produz efeitos retroativos, volvendo-se os interessados ao “status quo ante”, respeitados os direitos dos terceiros de boa-fé. Na nulidade relativa, cuja sentença é desconstitutiva, alguns civilistas, como Washington de Barros Monteiro, preconizam que o efeito da sentença também é retroativo, outros, ao revés, acertadamente, sustentam o efeito “ex nunc” da sentença, desfazendo-se o negócio somente a partir da sua prolação.

Tratando-se, porém, de nulidade relativa em razão de erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo e fraude contra credores, não paira dúvida sobre o efeito “ex tunc” da sentença, desfazendo-se o ato retroativamente, desde o momento de sua celebração.

É inexata a afirmação categórica de que na nulidade absoluta o negócio não produz nenhum efeito. Como salienta Orlando Gomes, o ato nulo enquanto não for declarado nulo produz efeitos, pois se não se declarar a nulidade, o negócio vive, perdura. Nesse aspecto, pode-se afirmar que nenhuma nulidade é imediata ou instantânea. Diz-se que os negócios nulos são insanáveis. Realmente, não se permite que as partes os confirmem, nem o juiz os valide. Embora se afirme que não prescrevem, a verdade é que pelo decurso do tempo o ato nulo vem afinal a convalescer, ainda que pela via oblíqua da usucapião.

Acrescente-se, por outro, que a regra “pas de nullite sans grief”, não há nulidade sem prejuízo, vigora apenas no âmbito processual. No Direito Civil, a nulidade é decretada, independentemente da argüição ou comprovação do prejuízo.

PRINCÍPIO DA INCOMUNICABILIDADE DAS NULIDADES

A nulidade pode ser total e parcial. A primeira afeta o negócio jurídico inteiramente; a segunda destrói apenas uma ou algumas cláusulas.

Em regra, vigora o princípio da incomunicabilidade das nulidades, segundo o qual a nulidade parcial de um negócio não o prejudica na parte válida se esta for da outra separável. Assim, anulado o testamento pelo fato de ter invadido a legítima dos herdeiros necessários, subsiste a validade na parte de reconhecimento de filho. Outro exemplo: anulada a cláusula da separação amigável, que versa sobre a herança de pessoa viva, o restante do acordo permanece válido.

O princípio da incomunicabilidade das nulidades comporta duas exceções.A primeira é quando não for possível a separação da parte não atingida pela nulidade.

Anulada uma das cláusulas de transação, por exemplo, toda a transação será nula, por força do princípio da

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indivisibilidade da transação. A segunda é a invalidade da obrigação principal, que implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.

Assim, anulada a compra e venda, anula-se também as obrigações acessórias, como a hipoteca, o penhor, a cláusula penal, etc. Todavia, a nulidade da obrigação acessória não atinge a obrigação principal, exceto na hipótese de condição ilícita, em que a nulidade da condição atinge a obrigação principal (art. 123, II, do CC).

OBRIGAÇÕES CONTRAÍDAS POR MENORES

Dispõe o art. 180 do CC que: “O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior”.

Vê-se, portanto, que o menor, ao agir com dolo quanto à sua idade, ocultando-a ao ser interrogado pela outra parte, ou, então, declarando-se espontaneamente maior, fica inibido de mover a ação anulatória do negócio jurídico, equiparando-se, destarte, ao maior, apesar de o ato ter sido celebrado sem a assistência de seu representante legal.

De acordo com Sílvio Rodrigues, a regra do art. 180 do CC, para ser aplicada, não basta que o menor tenha agido com dolo, urge ainda o erro escusável da outra parte. Tratando-se, por exemplo, de menor com aparência infantil, a outra parte deve desconfiar. Nesse caso, o erro é inescusável, fruto da negligência, viabilizando-se a anulação do negócio. Finalmente, o aludido dispositivo legal é inaplicável ao menor de dezesseis anos, cujo negócio praticado sem a representação de seu representante legal reveste-se de nulidade absoluta.

A INVALIDADE DO INSTRUMENTO

Dispõe o art. 183 do CC que: “A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio”.

Instrumento é a forma escrita do negócio. Nos negócios solenes, para os quais a lei exige forma especial, o instrumento funciona

como requisito de validade, de modo que a sua nulidade contamina também o conteúdo do ato. Exemplo: a nulidade da escritura pública de venda de imóveis provoca a nulidade da própria compra e venda.

Nos negócios jurídicos informais, não solenes, o instrumento é apenas um meio de prova, ao invés de atuar como requisito de validade.

Esses negócios “ad probationem tantum” são aqueles de forma livre, mas que as partes deliberam realizar por escrito. Tal ocorre, por exemplo, com a compra e venda de bens móveis celebrada por escritura pública. Em tal situação, a nulidade do instrumento não contamina a compra e venda, pois esta pode ser comprovada por outro meio.

QUESTÕES

1. Qual a distinção entre negócio jurídico inexistente, nulo e anulável?2. Quais as causas de nulidade absoluta do negócio jurídico?3. Quais as causas de nulidade relativa do negócio jurídico?4. Qual a distinção entre nulidades textuais e virtuais?5. Qual a distinção entre nulidade absoluta e relativa?6. Quais os efeitos da decretação da nulidade?7. É possível nulidade sem prejuízo?8. O que é o princípio da incomunicabilidade das nulidades?9. O menor que age com dolo quanto à idade pode argüir a invalidade do negócio?10. A nulidade do instrumento anula o negócio jurídico?

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PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA OU CADUCIDADE

INTRODUÇÃO

Destacam-se duas espécies de prescrição: a aquisitiva e a extintiva. A primeira é a usucapião, consistindo num modo de obtenção do direito de propriedade pela posse prolongada da coisa; a segunda é a perda de um direito em razão do tempo.

Enquanto a usucapião é um modo de adquirir apenas o direito de propriedade e alguns direitos reais (usufruto, enfiteuse, uso, habitação, servidão e superfície), a prescrição extintiva atinge quase todos os direitos, indistintamente, exceto alguns que são imprescritíveis, como os direitos de personalidade, as ações referentes ao estado de família (separação judicial, divórcio, investigação de paternidade, nulidade de casamento, etc.), os bens públicos, a ação de nulidade absoluta, etc.

É irrefutável, porém, a afinidade da usucapião com a prescrição extintiva, pois em ambas o fator tempo e a inércia do titular são as causas geradoras da aquisição e da perda do direito. Atento a isso, dispõe o art. 1244 do CC que as causas impeditivas, suspensivas e interruptivas da prescrição também são aplicáveis ao usucapião.

Conquanto o Código tenha disciplinado a usucapião fora do capítulo da prescrição, a afinidade entre os dois institutos é revelada, na prática, pela incidência do citado art. 1244 do CC.

CONCEITO

Prescrição extintiva é a perda do direito de ação, e de toda a sua capacidade defensiva, em razão do decurso de tempo.

Na prescrição, opera-se não só a perda do direito de ação como também a do direito de exceção. Com efeito, dispõe o art. 190 do CC que: “A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão”.

Distingue-se, nesse aspecto, da perempção, que se limita a extinguir o direito de ação.Perempção é a sanção processual consistente na perda do direito de ação, aplicada ao

autor que, por três vezes, abandona o processo, por mais de trinta dias, dando causa à extinção do feito sem julgamento do mérito.

Exemplo: “A” move ação de cobrança de um crédito de cem mil reais em face de “B”, todavia, abandona o processo por mais de trinta dias, permanecendo inerte mesmo após ter sido intimado pessoalmente para dar andamento aos autos em 48 horas. Diante disso, o Juiz extingue o processo sem julgamento do mérito com base no artigo 267, III, do CPC. Nessa primeira extinção, ainda não ocorreu a perempção, porque “A” poderá renovar a mesma ação por duas vezes. Se se repetir a inércia, nessas duas oportunidades, o Juiz extinguirá o processo novamente, com base no art. 267, III, do CPC. Na quarta vez em que “A” mover essa ação, o Juiz, de ofício, decretará a perempção, extinguindo o processo, com fulcro no art. 267, V, do CPC.

Imaginemos que, após a ocorrência da perempção, “B” mova ação em face de “A” para cobrar-lhe vinte mil reais. Em tal situação, “A” poderá, na contestação, alegar a compensação, sustentando que “B” lhe deve cem mil reais, provocando, destarte, a improcedência da ação, sendo-lhe, vedado, porém, a reconvenção para a cobrança do crédito remanescente de oitenta mil, tendo em vista que a reconvenção tem natureza jurídica de ação.

Denota-se, portanto, que a perempção inviabiliza apenas o direito de ação, pois a matéria pode ser ventilada em exceção (defesa), ao passo que, a prescrição obsta o exercício do direito de ação e também a argüição da meteria em sede de exceção.

Acrescente-se ainda que tanto a prescrição quanto a perempção devem ser decretadas de ofício pelo juiz. De fato, com o advento da Lei nº 11.280 de 16 de fevereiro de 2006, o juiz deve decretar de ofício a prescrição.

Modernamente, a prescrição vem sendo conceituada como sendo a perda da pretensão, em razão do seu não exercício no tempo. De fato, a prescrição é um instituto de direito material, razão pela qual o termo “pretensão”, consistente no poder de exigir o direito, é o que melhor retrata o seu conteúdo. A prescrição elimina a pretensão, neutralizando a ação, a defesa e qualquer outra pretensão sobre a qual se funda o direito prescrito.

FUNDAMENTO DA PRESCRIÇÃO

O fundamento da prescrição é a paz social. A ordem pública, como salienta Câmara leal, seria comprometida se a ação tivesse prazo indeterminado para ser ajuizada.

Se não existisse a prescrição, os documentos teriam que ser preservados por tempo indeterminado. A propósito, salienta Washington de Barros Monteiro que, se não houvesse prescrição, o adquirente seria obrigado a examinar não só o título de domínio do vendedor, como os de todos os antecessores, através dos séculos, sem limites de tempo. Uma só falha que encontrasse na longa série de

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transmissões bastaria para comprometer todas as alienações subseqüentes. Tal investigação, além de impraticável, em razão da deficiência dos arquivos e registros, entraria imediatamente o comércio jurídico, tolhendo a realização de quase todos os negócios”.

DISTINÇÃO ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Prescrição é perda do direito de ação e demais pretensões, em razão do tempo, remanescendo, porém, intacto o direito material, tanto é que o pagamento de dívida prescrita é válido, não podendo ser objeto de restituição.

Decadência, por sua vez, é a perda do direito material, em razão do tempo, eliminando-se, por conseqüência, o direito de ação e demais pretensões.

Assim, na prescrição, o direito material é independente do direito de ação, formando-se anteriormente. De fato, se a extinção do direito de ação não provoca a extinção do direito material, força convir que este se constitui independentemente daquele.

Na decadência, ao revés, a sentença judicial é um dos elementos necessários à constituição do direito. Por raciocínio lógico, é mister concluir que se a decadência extingue o direito material é porque a sentença é essencial à formação do direito. Na verdade, a decadência não é propriamente causa de extinção do direito material, pois só se extingue o que existe. Com a decadência, o direito não chega a se constituir; melhor conceituá-la, portanto como sendo causa de impedimento da constituição do direito, em razão do decurso do tempo.

Sobre a distinção entre prescrição e decadência, o Código adotou um critério objetivo, eliminando qualquer dívida, enunciando taxativamente os casos de prescrição nos arts. 205 e 206, sendo de decadência todos os demais prazos previstos em imediata conexão com a disposição normativa que a estabelece.

No regime do Código anterior, era comum a dúvida sobre se determinado prazo era prescricional ou decadencial. Cumpre registrar as idéias desenvolvidas por dois grandes civilistas, Câmara Leal e Agnelo Amorim Filho.

De acordo com Câmara Leal, o prazo de prescrição não é fixado para o exercício do direito, mas para o exercício da ação que o protege. Já o prazo decadencial é estabelecido para o exercício do direito pelo seu titular. Assim, na decadência, o direito é exercido por meio da ação, de modo que esta nasce simultaneamente com o direito material, pois o exercício da ação representa o exercício do próprio direito material. No prazo prescricional, ao revés, o direito material nasce antes do direito de ação, este só surge após a violação daquele.

Assim, Câmara Leal, em sua magnífica monografia sobre o assunto, conclui que, na decadência, o direito material e o direito de ação nascem simultaneamente, ao passo que, na prescrição, esses direitos nascem sucessivamente. Sem embargo do seu brilhantismo, o certo é que o ilustre jurista não fixou uma regra para especificar quando o direito nasce concomitantemente ou sucessivamente com a ação, silenciando-se, também, quanto aos dados parar identificar as ações imprescritíveis.

Por outro, Agnelo Amorim Filho, inspirado em Chiovenda, publicou sobre o assunto um inigualável critério científico para distinguir a prescrição da decadência.

Com efeito, de acordo com Chiovenda, os direitos subjetivos subdividem-se em:a. direitos a uma prestação: compreendem os direitos reais e os direitos pessoais. Nesses

casos, sempre há um sujeito passivo obrigado a uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Portanto, para se obter estes direitos, é preciso uma prestação do sujeito passivo. Em tais situações, a ação, que visa obter essa prestação tem natureza condenatória, cujo termo inicial se determina pela violação do direito material. Assim, com o inadimplemento contratual, por exemplo, começa a fluir o prazo prescricional para a propositura da ação. Assim, todas as ações condenatórias (ou ações de prestação) sujeitam-se a um prazo prescricional, ao invés de decadencial, pois a extinção recai apenas sobre direito de ação e o direito de exceção, remanescendo intacto o direito material. De fato, se na prescrição o direito material subsiste, força convir que o direito de ação é deste separável, surgindo posteriormente, com a violação daquele. Como observa Agnelo Amorim Filho, a possibilidade de entrar com a ação cria a intranqüilidade social. Para trazer a tranqüilidade, não é preciso extinguir o direito material, basta extinguir o direito de ação. Em suma, só os direitos sujeitos a uma pretensão geram prescrição, pois só eles podem ser violados.

b. direitos potestativos: compreendem as hipóteses em que a vontade da pessoa tem o condão de criar ou modificar direitos de outra, independentemente do querer desta. No direito potestativo, a manifestação da vontade cria para outra pessoa um estado de sujeição, criando ou alterando os seus direitos, independentemente de qualquer prestação ou declaração de vontade da pessoa atingida. O exercício do direito potestativo é o único caso em que se cria ou modifica relação jurídica sem a vontade de outra pessoa. Exemplos: o poder que tem o mandante de revogar o mandato; o poder que tem o condômino de desfazer o condomínio; o poder de o herdeiro aceitar ou renunciar a herança; o poder de argüir a anulação dos negócios jurídicos; o poder do contratante de rescindir o contrato por inadimplemento ou vício redibitório; o poder de interpelar para constituir em mora; o poder de resgate de aceitar ou não a proposta de um contrato, etc.

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Em todos esses exemplos de direito potestativo, hauridos das lições de Agnelo Amorim Filho, denota-se que a manifestação da vontade cria para a outra parte um estado de sujeição.

Cumpre, por outro lado, não confundir os direitos potestativos com as faculdades jurídicas.As faculdades jurídicas são simples manifestações da capacidade de exercício dos direitos,

não afetando direitos de terceiros, a não ser mediante anuência destes. O proprietário, por exemplo, tem a faculdade de vender o bem, mas a outra parte não é obrigada a comprá-lo.

O testador, por exemplo, ao elaborar o testamento, exerce apenas uma faculdade jurídica, porque não cria para o herdeiro beneficiado uma situação obrigatória de sujeição à sua vontade, tendo em vista a possibilidade de renúncia à herança.

Assim, enquanto o exercício do direito potestativo cria um estado de sujeição obrigatória para outras pessoas, que não podem impedir os seus efeitos, o exercício das faculdades jurídicas só cria esse estado de sujeição mediante anuência das pessoas atingidas.

Alguns autores colocam os direitos potestativos como espécies de faculdades jurídicas, definindo-os como sendo as faculdades jurídicas que criam um estado de sujeição obrigatório às pessoas atingidas.

Os direitos potestativos subdividem-se em três categorias:a. os que sempre prescindem de ação judicial. Exemplos: aceitação de herança; revogação

de mandato; aceitação de proposta de contrato, etc.b. os que só prescindem de ação judicial, se a outra parte não se opor ao estado de

sujeição. Exemplos: direito de o condômino dividir amigavelmente a coisa comum; direito de o doador revogar a doação por ingratidão; direito de o vendedor resgatar o imóvel com cláusula de retrovenda, etc. Em todas essas hipóteses, se houver oposição será necessária a propositura de uma ação judicial.

c. os que só podem ser exercidos por meio de ação judicial. São as chamadas ações necessárias. Exemplos: anulação de casamento; negatória de paternidade; interdição dos incapazes, etc. Nessas ações, cria-se para a parte atingida, um estado de sujeição aos efeitos da sentença, mesmo contra a sua vontade, sem, no entanto, submetê-lo a qualquer prestação de dar, fazer ou não fazer.

Após discorrer longamente sobre o assunto, Agnelo Amorim Filho, conclui que os direitos potestativos (direitos sem prestação) não geram prescrição, pois não podem ser violados, sujeitando-se à decadência, cujo termo inicial é o prazo fixado pela lei ou vontade unilateral ou bilateral. Se não houver prazo, é porque a ação é perpétua, como, por exemplo, a ação de investigação de paternidade e a ação divisória.

Sintetizando esse critério acima, podemos salientar os seguintes tópicos:a. as ações condenatórias são aquelas em que se pretende obter do réu uma prestação de

dar, fazer ou não fazer. Essas ações não versam sobre direitos potestativos, porque nestes não há uma prestação. As ações condenatórias sempre estão sujeitas à prescrição; nunca serão imprescritíveis, por força do que dispõe o art. 205 do CC: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não haja fixado prazo menor”.

b. As ações constitutivas, positivas ou negativas, são aquelas em que se pretende um estado de sujeição jurídica à outra parte, a despeito do seu querer, e não a obtenção de uma prestação. Essas ações não pressupõem lesão de direito, ao contrário do que ocorre com as ações condenatórias. Enquanto as ações constitutivas são meios de exercício do direito, sujeitando-se à decadência, as ações condenatórias, que são prescritíveis, visam a restauração do direito material violado. Nas ações constitutivas, a sentença não é passível de execução, pois, por si só, basta para a concretização ou desfazimento do direito, ao passo que a sentença prolatada nas ações condenatórias deve ainda sujeitar-se ao processo de execução para a obtenção do direito violado.

c. As ações declaratórias são aquelas em que se visam obter uma certeza jurídica, isto é, um provimento judicial sobre a existência ou inexistência de um direito. Não se objetiva a criação de um estado de sujeição e muito menos a obtenção de uma prestação. Essas ações são perpétuas, não se submetem a prescrição nem a decadência.

Do exposto dessume-se que as ações condenatórias são sempre prescritíveis e que as ações constitutivas com prazo para propositura estão sujeitas à decadência. Quanto às ações perpétuas, são as declaratórias e as constitutivas em que a lei não fixa prazo especial.

O REGIME JURÍDICO PRESCRICIONAL E O DECADENCIAL

Quanto ao regime jurídico, a prescrição e a decadência distinguem-se em vários aspectos.Com efeito, o prazo prescricional pode ser impedido, suspenso e interrompido, nas

hipóteses previstas nos arts. 197 a 202 do CC. Quanto à decadência, dispõe o art. 207 do CC: “Salvo disposição legal em contrário, não se

aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”. Saliente-se, contudo, que, por força do art. 208 do CC, não corre o prazo decadencial contra os absolutamente incapazes; trata-se da única hipótese de impedimento e suspensão da decadência, prevista no Código Civil. Outro caso de suspensão da decadência verifica-se no Código de Defesa do Consumidor, quando se tratar

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de vício redibitório, pois a reclamação do consumidor suspende o prazo para a propositura das ações edilícias até a resposta do fornecedor, outrossim, a instauração do inquérito civil, nessas hipóteses, também suspende o prazo até que seja concluída a investigação.

O prazo prescricional só pode emanar da lei, o prazo decadencial advém também da lei, mas se o direito for disponível, pode ainda resultar da vontade unilateral ou bilateral. Nada obsta, por exemplo, um prazo decadencial fixado pelo testador.

O Juiz deve decretar de ofício a prescrição, por força da Lei nº 11.280 de 16 de fevereiro de 2006. Quanto à decadência, preceitua o art. 210 do CC: “Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida em lei”. Observe-se, contudo, que a decadência convencional, estabelecida pela vontade das partes, não deve ser decretada de ofício.

Finalmente, os prazos prescricionais não podem ser alterados por acordo das partes (art. 192). Assim, as partes não podem ampliá-los nem suprimi-los. Em contrapartida, os prazos decadenciais, desde que o direito seja disponível, pode perfeitamente ser ampliado ou reduzido por convenção das partes.

RENÚNCIA À PRESCRIÇÃO

Renúncia da prescrição é o ato pelo qual o devedor abre mão do direito de argüi-la.O Código proíbe a renúncia prévia, antecipada. Noutras palavras, não se pode renunciar a

um prazo prescricional ainda em curso. Consumado, porém, esse prazo, a renúncia torna-se lícita. Assim, por exemplo, um prazo

prescricional de 10 (dez) anos só poderá ser renunciado após o decurso desse decênio.No tocante à decadência, quando o prazo é fixado em lei, é nula a renúncia, seja ela prévia

ou consumada, por força do art. 209 do CC. Tratando-se, porém, da decadência convencional, a renúncia é sempre admitida, pouco

importando se o prazo encontra-se em curso ou já consumado.

A RENÚNCIA PODE SER EXPRESSA OU TÁCITA.

Na primeira, o prescribente declara por escrito que não pretende argüir a prescrição; na segunda, ele pratica algum ato positivo, incompatível com o desejo de alegar a prescrição, como uma carta reconhecendo a dívida ou um pedido de parcelamento do débito.

Convém ainda esclarecer que a renúncia, além de exigir uma prescrição consumada, não pode prejudicar terceiros. Urge, portanto, que o renunciante seja solvente. Se for insolvente, a renúncia poderá ser cancelada pelos credores, através da ação pauliana.

O MOMENTO DE ARGÜIÇÃO DA PRESCRIÇÃO

A prescrição e a decadência podem ser alegadas em qualquer grau de jurisdição (arts. 193 e 211).

O momento adequado para a argüição, contudo, é a contestação. Se o réu negligenciou, argüindo-as posteriormente, arcará com as custas e despesas processuais, a partir do saneamento do processo, além de perder os honorários advocatícios, não obstante tenha sido o vencedor da causa (art. 22 do CPC).

A prescrição e a decadência são exceções peremptórias, porque provocam a extinção do processo, distinguindo-se das chamadas exceções dilatórias, como a incompetência ou suspeição, cujo efeito é apenas suspender o andamento processual, retardando-lhe o julgamento.

Saliente-se, ainda, que a sentença que acolhe a prescrição ou decadência, ainda que prolatada em processo cautelar, é considerada sentença de mérito, sujeitando-se à coisa julgada material, por força do art. 269, IV, do CPC.

A prescrição e decadência podem ser argüidas em qualquer fase do processo, isto é, em contestação, durante os debates na audiência, em razões ou contra-razões de apelação, na sustentação oral de apelação e em embargos infringentes. Se, porém, não forem alegadas em nenhuma dessas oportunidades, torna-se inadmissível a argüição da prescrição e da decadência convencional em sede de recurso especial ou recurso extraordinário.

Com efeito, esses dois recursos só admitem a discussão de matérias prequestionadas, vale dizer, que já tenham sido objeto de decisão anterior.

É possível o prequestionamento, pela via dos embargos declaratórios, pois a prescrição e a decadência fixada em lei devem ser decretadas de ofício, caracterizando a omissão do acórdão que tenha silenciado a respeito. O tribunal, ao julgar os embargos declaratórios, pode decretar a prescrição ou decadência ou, então, afastá-las; nesse último caso, surge o interesse na interposição de recurso especial ou recurso extraordinário.

Tratando-se de prescrição ou decadência não alegadas no processo de conhecimento, nada obsta a sua argüição em embargos à execução, desde que o prazo decadencial tenha sido fixado por

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lei; se o prazo decadencial for convencional, não se admite a sua alegação, após o trânsito em julgado da sentença.

Finalmente, após o trânsito em julgado da sentença ou acórdão, ainda é possível mover ação rescisória, se a prescrição ou decadência não convencional não foram alegadas no processo de conhecimento. De fato, a ação rescisória torna-se pertinente, porque, de acordo com a lei, a matéria deveria ser conhecida de ofício, justificando-se a rescisória pela violação da lei, nos termos do art. 485, V, do CPC.

DISPOSIÇÕES GERAIS

Dispõe o art. 195 do CC que: “os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas, têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que deram causa à prescrição, ou não a alegarem oportunamente”.

Essa ação só pode ser movida se houver dolo ou culpa, devendo esse dispositivo ser interpretado conjuntamente com o art. 186 do CC.

Preceitua o art. 196 que: “a prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor”. Assim, a morte não suspende nem interrompe a prescrição, que continua a fluir normalmente contra os herdeiros e legatários, a não ser quando presente uma das causas suspensivas, previstas nos arts. 197 e 198 do CC. A expressão “sucessor” compreende os sucessores “causa mortis”, isto é, herdeiros e legatários, e os sucessores “inter vivos”.

De acordo com o Código a prescrição deve ser invocada pela parte a quem aproveita (art. 193). Todavia, nada obsta seja argüida pelo Ministério Público, em nome do incapaz ou dos interesses que tutela.

Como esclarece Washington de Barros Monteiro, no silêncio do Código, a melhor orientação será no sentido de admitir a alegação pelo Ministério Público, conferindo-se-lhe assim todos os meios para o bom desempenho de sua alta missão.

Por outro lado, a prescrição dos direitos principais provoca também a prescrição dos acessórios, como os juros, a cláusula penal, a hipoteca, etc., mas a prescrição dos direitos acessórios não atinge a principal.

Finalmente, de acordo com a hermenêutica, os prazos prescricionais em curso podem ser aplicados ou reduzidos por lei superveniente, cuja aplicação é imediata, porquanto a prescrição em curso não gera direito adquirido, mas apenas uma expectativa de direito. Não obstante, o art. 2028 das Disposições Finais e Transitórias enveredou por outro caminho, salientando que: “serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”.

Assim, os prazos em curso, que foram reduzidos, continuam regidos pelo Código de 1916, desde que, aos 10 de janeiro de 2003, data da entrada em vigor do novo Código Civil, tenham transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Os prazos em curso, que foram reduzidos, mas não tenham transcorrido mais da metade do tempo estabelecido pela lei revogada, regem-se pelo novo Código Civil. Corre-se o risco, porém, de serem imediatamente atingidos pela prescrição. Imagine-se, por exemplo, um prazo de 20 anos, que havia transcorrido apenas 9 anos, tenha sido reduzido para 4 anos. Ao entrar em vigor o novo Código estaria irremediavelmente atingido pela prescrição. Diante disso, alguns juristas sustentam que, nesse caso, o prazo reduzido só começaria a fluir a partir de 10 de janeiro de 2003, data da entrada em vigor do Código.

Cremos não ser essa a melhor exegese, porque, em matéria de prescrição, a lei que reduz ou amplia o prazo em curso tem aplicação imediata.

QUESTÕES

1. Qual a semelhança entre usucapião e prescrição?2. Qual a distinção entre prescrição e perempção?3. Qual o fundamento da prescrição?4. Qual o critério adotado pelo Código Civil para distinguir prescrição de decadência?5. Como Câmara Leal distingue prescrição de decadência?6. Como Agnelo Amorim Filho distingue prescrição de decadência?7. Quais ações são imprescritíveis?8. É possível impedimento e suspensão de prescrição e decadência?9. O Juiz pode decretar de ofício a prescrição e a decadência?10. É possível renúncia de prescrição e decadência? E a renúncia tácita?11. Qual a conseqüência de a prescrição e a decadência não serem argüidas na contestação?12. A prescrição e a decadência são exceções peremptórias ou dilatórias?13. A prescrição e a decadência podem ser argüidas em recurso especial ou extraordinário? E em embargos à execução? E em ação rescisória?

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14. O relativamente incapaz pode mover ação de indenização contra seu representante legal, por motivo de prescrição de alguma ação?15. O Ministério Público pode argüir prescrição?16. A lei que altera prazo prescricional tem aplicação imediata?

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DISTINÇÃO ENTRE IMPEDIMENTO, SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO

No impedimento, o prazo prescricional não chega a se iniciar. Tal ocorre, por exemplo, quando alguém causa prejuízo a uma criança de três anos. Nesse caso, o prazo para propositura da ação indenizatória só começará a fluir quando a vítima completar 16 anos de idade. De fato, conforme veremos logo adiante, não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes. Nada obsta, porém, que o representante legal mova a aludida ação, em nome do incapaz, não havendo necessidade de se aguardar que este atinja os 16 anos de idade.

Na suspensão, o prazo prescricional em curso sofre uma parada temporária, continuando, de onde havia parado, após a cessação do obstáculo.

Tal ocorre, por exemplo, quando morre o credor e o seu único herdeiro tem 8 anos de idade.Nessa situação, se já havia transcorrido seis anos do prazo prescricional de dez, após o seu

herdeiro completar 16 anos, o prazo retoma o seu curso, restando apenas quatro anos para a consumação da prescrição.

Finalmente, na interrupção, o prazo prescricional em curso reinicia-se por inteiro, desconsiderando-se o período anteriormente transcorrido.

CAUSAS DE IMPEDIMENTO OU SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO

As causas de impedimento e suspensão da prescrição são as mesmas.Haverá impedimento se o obstáculo surgir antes do início do prazo; suspensão, se surgir

durante o prazo em curso.Assim, consoante se depreende dos arts. 197 e 198, não corre prescrição:a. entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar. O poder familiar é exclusivo

dos pais em relação aos filhos menores, cessando com a maioridade civil, emancipação, adoção e morte. Assim, por exemplo, o prazo prescricional da ação indenizatória, que o filho menor pode mover contra os seus pais, só começa a fluir quando ele completar 18 anos de idade;

b. entre tutor e pupilo, durante a tutela;c. entre curador e curatelado durante a curatela;d. entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal. Assim, por exemplo, com o

casamento suspende-se o prazo prescricional da dívida entre os cônjuges, contraída antes do matrimônio. Mas, a partir da separação judicial, reinicia-se o fluxo prescricional, de onde havia parado antes do casamento. Se a dívida houver sido contraída durante o casamento, a hipótese será de impedimento do prazo, que só começará a fluir a partir da separação judicial;

e. contra os absolutamente incapazes de que trata o art. 3º do CC. Se, por exemplo, o agente causar dano a um enfermo mental, a prescrição só começará a fluir quando cessar a incapacidade absoluta. Se não cessar, a ação poderá ser movida a qualquer tempo. Igualmente, quando se tratar de menores de 16 anos. Saliente-se, contudo, que, contra os relativamente incapazes, como os pródigos e os maiores de 16 anos, por exemplo, a prescrição flui normalmente;

f. contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios. Trata-se de rol taxativo, não compreendendo, portanto, as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. De fato, a lei excepcional, que, no caso, prevê exceções a regra geral de fluxo normal da prescrição, não admite analogia;

g. contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. A prescrição só retoma o seu curso após a cessação da guerra.

h. se o fato deve ser apurado no juízo criminal. Nesse caso, a prescrição da ação civil “ex delicto” só começará a fluir após o trânsito em julgado da sentença. Com efeito, dispõe o art. 200 do CC que: “quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva”. Trata-se de interessante inovação trazida pelo Código Civil;

i. se pendente a ação de evicção. Evicção é a perda da coisa por sentença que a atribui a outrem. Se, por exemplo, um terceiro move ação reivindicatória do imóvel adquirido por “B”, enquanto pendente essa ação, não corre a prescrição da ação de indenização que o adquirente poderá mover em face do alienante, em caso de evicção. Esse dispositivo autoriza implicitamente a ação direta de indenização, com base na evicção, devendo ser refutada a tese de que essa indenização só poderia ser pleiteada na denunciação da lide;

j. na pendência de termo ou condição suspensivos. De acordo com o princípio da “actio nata”, o prazo prescricional só se inicia quando nasce o direito de ação. Na pendência de termo ou condição, o credor não pode agir para exigir o seu direito, permanecendo, portanto, impedido o prazo prescricional.

Fora do Código Civil, ainda há outros prazos de impedimento ou suspensão da prescrição. Em matéria trabalhista, por exemplo, não corre prescrição contra menores de 18 anos (art. 440 da CLT).

No Código de 1916, a prescrição não corria entre depositante e depositário, mandante e mandatário e demais pessoas que lhes eram equiparadas. Se, por exemplo, o depositário se negasse a

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devolver o bem, não obstante a mora, a prescrição para compeli-los à entrega da coisa e indenizar as perdas e danos permanecia impedida ou suspensa. Com a revogação desse dispositivo legal, o lapso prescricional começa a fluir, reforçando-se a tese de que a usucapião pode ocorrer em relação às posses precárias, tendo em vista que as causas de impedimento, suspensão e interrupção da prescrição e usucapião são as mesmas.

Por outro lado, Serpa Lopes, inspirado na jurisprudência francesa, sustenta que a regra “contra non valentem agere non currit praescriptio”, isto é, contra incapaz de agir não corre prescrição, deve ser aplicada por eqüidade, a despeito da omissão do Código. Assim, por exemplo, se, em razão de alguma revolução (guerrilha interna), os fóruns acabam sendo fechados, força convir que o lapso prescricional deve permanecer suspenso. De acordo com o ilustre civilista, os casos de suspensão não encerram um rol “numerus clausus”, pois é cabível a aplicação analógica, sobretudo, quando inspirada por razões de eqüidade.

Com base nesse mesmo raciocínio, alguns civilistas sustentam, acertadamente, que, durante a união estável, a prescrição deve permanecer suspensa, pois sendo esta uma entidade familiar protegida pela Constituição Federal, não deve ser estimulada a propositura de ação entre os conviventes, para que se preserve a harmonia entre eles.

Finalmente, as causas de impedimento e suspensão da prescrição são personalíssimas, logo incomunicáveis, salvo quando a obrigação for indivisível (art. 201). Tratando-se, de obrigação solidária ou divisível, a suspensão em benefício de um dos credores não aproveitará aos outros, contra os quais a prescrição fluirá normalmente. Acrescente-se, porém, que a herança, por força de lei, é indivisível, até que sobrevenha a partilha. Portanto, se o crédito do “de cujus” acabou sendo herdado por vários herdeiros, se um deles for absolutamente incapaz, verifica-se a suspensão da prescrição em benefício dele, estendendo-se aos demais herdeiros.

CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO

De acordo com o art. 202 do CC, a primeira causa interruptiva da prescrição é o despacho do juiz que ordena a citação do devedor. Aludido despacho, porém, só tem o condão de interromper a prescrição se o autor promover a citação nos dez dias subseqüentes a esse despacho (§2º do art. 219 do CPC). Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 (noventa) dias (§3º do art. 219 do CPC).

Concretizada a citação dentro desse prazo de 100 dias, a prescrição considerar-se-á interrompida desde o despacho do juiz ordenando a citação.

Saliente-se, contudo, que esse despacho interrompe a prescrição ainda que tenha sido ordenado por juiz incompetente, sob a condição, porém, de a citação operar-se validamente, pois a citação nula impede a interrupção da prescrição, ainda que o despacho citatório haja sido ordenado por juiz competente.

O art. 202, I, do Código Civil, ao referir-se ao despacho do Juiz como ato interruptivo da prescrição, deve ser interpretado restritivamente, aplicando-se apenas às comarcas de vara única.

Tratando-se de comarca com mais de uma vara cível, a propositura da ação verifica-se com a distribuição, e não com o despacho que ordena a citação (art. 263 do CPC).

Desse modo, continua em vigor o disposto no §1º do 219 do CPC: “a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação”.

Noutras palavras, efetuada a citação válida, dentro do prazo máximo de 100 dias, a interrupção da prescrição retroage à data da distribuição da ação, nas comarcas de mais de uma vara, ou à data do despacho judicial que a ordenou, nas comarcas de vara única.

Convém ainda esclarecer que, não se efetuando a citação dentro do prazo de 100 dias, haver-se-á por não interrompida a prescrição, conforme preceitua o § 4º do art. 219 do CPC, a não ser que a demora tenha sido por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, consoante Súmula 106 do STJ.

A citação válida feita em processo depois anulado ou então extinto sem julgamento do mérito mantém o seu efeito interruptivo da prescrição, pois a propositura da ação demonstra inequivocamente que o autor não está inerte. Frise-se, ainda, que a citação deve ser válida; se for nula, não ocorrerá a interrupção da prescrição. Ressalte-se, contudo, que, nas ações movidas contra a Fazenda Pública, a citação inicial não interrompe a prescrição quando, por qualquer motivo, o processo tenha sido anulado, conforme dispõe o art. 7º do Decreto 20.910/32.

A segunda causa de interrupção da prescrição é o protesto judicial, ainda que ordenado por juiz incompetente (art. 867 do CPC). Aludido protesto é feito por petição dirigida ao juiz, que, ao recebê-la, ordena a intimação do devedor. Trata-se, a rigor, de uma simples notificação judicial.

Feita a intimação, os autos são entregues ao requerente, independentemente de traslado, pois o protesto não admite defesa nem contraprotesto nos autos.

Nada obsta, porém, o contraprotesto do requerido em autos distintos. A terceira causa de interrupção da prescrição é o protesto cambial dos títulos de crédito,

encontrando-se cancelada a Súmula 153 do STF que dispunha em sentido contrário.

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A quarta causa é a apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores. Assim, a simples apresentação do crédito em inventário interrompe a prescrição, ainda que não haja a efetiva habilitação. Nesse caso, a prescrição começa a correr a partir da decisão do juiz remetendo o credor habilitante às vias ordinárias.

Igualmente, a prescrição é interrompida pela apresentação do crédito nos processos de falência, insolvência civil e liquidação extrajudicial de instituições financeiras.

Também interrompe a prescrição qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor.Esses atos judiciais são as medidas cautelares, as notificações e interpelações judiciais. A

notificação ou interpelação extrajudiciais não interrompem a prescrição, salvo quando se tratar de protesto cambial. Finalmente, a última causa de interrupção da prescrição, consiste em qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial pelo qual o devedor reconhece o direito do credor. Exemplos: pagamento parcial do débito; pedido de parcelamento; confissão de dívida etc. Enquanto nas demais hipóteses, a interrupção é promovida pelo credor ou outro interessado, nesta, o próprio devedor a interrompe. Aludida causa de interrupção assemelha-se à renúncia tácita, porque, em ambos, o devedor prática ato positivo revelando a intenção de pagar o débito. A renúncia tácita, porém, ocorre após a consumação da prescrição, ao passo que a interrupção pressupõe um prazo prescricional em curso.

Cumpre lembrar ainda que a interrupção da prescrição somente poderá ocorrer uma vez, conforme preceitua o art. 202 do CC.

Cremos que esse dispositivo deva ser interpretado restritivamente, pois disse mais do que quis. Se, por exemplo, após o protesto cambial, o credor resolve mover ação de execução contra o devedor, a citação, evidentemente, irá interromper novamente a prescrição, não obstante a interrupção anterior oriunda do sobredito protesto. A nosso ver, a regra de que a prescrição só pode ser interrompida uma única vez é aplicável apenas às hipóteses dos incisos II a VI do art. 202 do CC, excluindo-se, portanto, a interrupção oriunda da citação válida, sob pena de violação do princípio da universalidade da jurisdição. Com efeito, se após a interrupção da prescrição por um daqueles atos, a citação para ação de cobrança ou de execução não interrompesse a prescrição, o princípio de que nenhuma lesão ou ameaça de direito pode ser subtraído da apreciação do Poder Judiciário seria atropelado. Ademais, a interpretação literal do dispositivo legal representaria a consagração da proscrita figura da prescrição intercorrente. De nada adiantaria o autor vencer a ação de cobrança, se na hora de mover o processo de execução, a citação para o devedor efetuar o pagamento deixasse de funcionar como causa interruptiva, sob o pretexto de que já havia sido interrompida uma vez por ocasião da citação concretizada no processo de conhecimento.

Por outro lado, a prescrição interrompida por atos extraprocessuais (art. 200, II, III, V e VI), recomeça a correr da data do ato que a interrompeu. Assim, efetuado o protesto cambial, por exemplo, a prescrição se interrompe e se inicia novamente, a partir desse protesto.

Tratando-se, porém, de interrupção por ato processual, vale dizer, a citação válida e apresentação do crédito no processo de falência ou insolvência, a prescrição só começa a correr do último ato do processo, que é o trânsito em julgado, conforme se depreende do parágrafo único do art. 202 do CC. Força convir, portanto, que a prescrição intercorrente, aquela que corre durante o processo, não é admitida, pois enquanto o processo estiver em andamento a prescrição não recomeça a correr. No Direito Penal, a prescrição da pretensão punitiva flui normalmente durante o andamento do processo. No Direito Civil, ela permanece interrompida, à exceção do processo de execução suspenso por falta de bens à penhora, quando então operar-se-á a prescrição intercorrente dentro do prazo de cinco anos.

O prazo prescricional da fase de execução da ação é o mesmo da ação de conhecimento. Se, por exemplo, a ação de cobrança prescreve em 10 anos. Após o trânsito em julgado da sentença, inicia-se o prazo prescricional para a fase de execução, que também será de 10 anos.

Essa prescrição da execução no âmbito do Direito Civil, é conhecida como prescrição superveniente.

Referentemente à Fazenda Pública, dispõe o art. 9º do Decreto nº 20.910/32, que, uma vez interrompida a prescrição, ela recomeça a correr pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato do respectivo processo.

As ações contra a Fazenda Pública prescrevem em cinco anos. Em havendo a interrupção da prescrição, esse prazo é reduzido pela metade, passando a ser de dois anos e meio. Em princípio, portanto, o prazo para a ação de conhecimento é de cinco anos. E, após obter a sentença que lhe é favorável, o credor dispõe de dois anos e meio para mover a respectiva fase de execução em face da Fazenda Pública. Trata-se de uma exceção à regra de que a fase de execução tem o mesmo prazo prescricional da ação de conhecimento.

Visando amenizar um pouco essa benevolência da lei em relação à Fazenda Pública, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 383, cujo teor é o seguinte: “A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de 5 (cinco) anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo”.

Assim, se a prescrição for interrompida na segunda metade do prazo de cinco anos, a fase de execução contra a Fazenda Pública prescreverá em dois anos e meio. Se, porém, a interrupção se der

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durante a primeira metade do prazo de cinco anos, a fase de execução prescreverá no prazo remanescente de cinco anos, superior, portanto, aos dois anos e meio.

Se, por exemplo, no primeiro ano do prazo, o credor moveu a ação de indenização contra a Fazenda Pública, após o trânsito em julgado da sentença, ainda terá quatro anos para mover a fase de execução.

Quanto à legitimidade para promover a interrupção da prescrição, o art. 203 do CC a confere a qualquer interessado. Exemplos: credor; credor do credor; fiador do credor etc.

Por fim, a interrupção da prescrição, em regra, é incomunicável, não beneficia os outros credores, nem prejudica os demais devedores. Essa regra, porém, comporta as seguintes exceções:

a. na solidariedade ativa, a interrupção promovida por um dos credores beneficia os demais credores (§ 1° do art. 204);

b. na solidariedade passiva, a interrupção operada contra um dos devedores estende-se aos demais devedores (§ 1º do art. 204);

c. a interrupção efetuada contra o devedor principal estende-se ao fiador (§ 3º do art. 204). Trata-se da aplicação da máxima: o acessório segue o principal. A interrupção comunica-se ao fiador, independentemente de este vir a ser comunicado;

d. na obrigação indivisível, a interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário prejudica os outros herdeiros ou devedores. Se, porém, a obrigação for solidária, a interrupção contra um dos herdeiros do devedor solidário não se comunica aos outros herdeiros ou devedores (§ 1º do art. 204).

PRAZOS PRESCRICIONAIS

Dispõe o art. 205 do CC que: “a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

Assim, tanto as ações pessoais quanto as ações reais, em regra, prescrevem em dez anos.Ações pessoais são as que visam obter o cumprimento de uma obrigação. Exemplo: ação

de cobrança.Ações reais são as que se fundam num direito real. Dentre as ações reais, destacam-se a

ação reivindicatória, que é a proposta pelo proprietário, visando a recuperação da posse. A ação reivindicatória é imprescritível, porque fundamenta-se no direito de propriedade, que é perpétuo. Igualmente, outras ações em que o fundamento seja o direito de propriedade, como a ação de imissão de posse e a ação declaratória.

Essas ações reais, baseadas no direito de propriedade, podem ser propostas a qualquer tempo, enquanto não ocorrer a usucapião.

Outras ações reais, fundadas, por exemplo, no usufruto, uso, habitação etc, no silêncio, prescrevem em dez anos.

Quanto às ações possessórias, o prazo prescricional é de dez anos, quer se encare a posse como direito real, quer como direito pessoal.

Finalmente, o art. 206 do CC elenca os prazos prescricionais especiais. Vejamos alguns:a. prescreve em um ano a pretensão do segurado contra o segurador ou deste contra

aquele;b. prescreve em dois anos a pretensão para haver prestação alimentar;c. prescreve em três anos a ação de cobrança de aluguéis, a ação de ressarcimento de

enriquecimento sem causa, a ação de reparação civil e a ação para obter o valor do seguro de responsabilidade civil obrigatório;

d. prescreve em cinco anos a ação de cobrança de dívidas líquidas constante de instrumento público ou particular; e a ação de cobrança de honorários dos profissionais liberais e professores; outrossim, a ação para o vencedor haver do vencido o que despendeu em juízo.

QUESTÕES

1. Qual a distinção entre impedimento, suspensão e interrupção da prescrição?2. Quais as causas de impedimento e suspensão da prescrição?3. Essas causas são comunicáveis?4. Quais as causas de interrupção da prescrição?5. Uma vez interrompida a prescrição, quando ela recomeça a correr?6. Qual o prazo prescricional da ação de execução?7. A interrupção da prescrição é comunicável?8. Qual a regra geral da prescrição das ações pessoais e reais?9. Cite cinco prazos prescricionais especiais?