"fly 24 horas por dia"

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Para ser intitulada ‘pescadora’, é preciso sair de forma aguerrida em busca do maior peixe ou da mais atribulada briga? Neste perfil, a mãe-empresária-amazona-pescadora mostra que, a seu modo e no seu tempo, conquista respeito num espaço ainda dominado pelo público masculino [ mulher ] ea_revista_ed-24_mulheres_layout_01.indd 74 16/08/2011 09:54:28

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Matéria publicada na Revista Ecoaventura 24, em setembro de 2011: Para ser intitulada ‘pescadora’, é preciso sair de forma aguerrida em busca do maior peixe ou da mais atribulada briga? Neste perfil, a mãe-empresária-amazona-pescadora mostra que, a seu modo e no seu tempo, conquista respeito num espaço ainda dominado pelo público masculino

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Page 1: "Fly 24 horas por dia"

Para ser intitulada ‘pescadora’, é preciso sair de forma aguerrida em busca do maior peixe ou da mais atribulada briga? Neste perfil, a mãe-empresária-amazona-pescadora mostra que, a seu modo e no seu tempo, conquista respeito num espaço ainda dominado pelo público masculino

Osom da linha dançando no ar, apesar de mais ríspido, harmoniza-se com a música do ambiente. Bem-te-vis, pom-

bas, sabiás, joões-de-barro e outras aves piam a um só tempo enquanto sobrevoam o lago ou descansam sobre as frondosas árvores que circundam a área.

No pesqueiro, a administradora Vanessa Morelli concentra-se nos movi-mentos que faz com sua vara #4 — rosa purpurinada —, que colore o ambiente. Ela está ansiosa para tentar se enqua-drar no que imagina ser o motivo da matéria: mostrá-la fi sgando uma quanti-

dade enorme de peixes!— Chama os peixinhos, Van! — incentiva

seu pai, Antônio Carlos Morelli, alinhado sob seu chapéu de aba curta trançado com algas marinhas. Zeloso, ele faz ques-tão de montar o equipamento da fi lha e, durante a pescaria, aponta em quais luga-res ela deve fazer o arremesso.

— Van, está batendo do lado direito! — observa.

Vanessa está tensa. Os roll casts que treinou no dia anterior não fl uíam como queria nesse domingo.

— Um fracasso. A linha não estica. — desabafa.

Por: JanaÍna QuitÉrio | Fotos: inÁcio teiXeira | arte: tiaGo stracci

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“Quando a ECOAVENTURA me chamou para participar desta matéria, logo veio à minha cabeça aqueles ‘caras tops de revista’ segurando um peixão”

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Apesar de o sol estar impiedoso, Vanessa não desiste. Faz parte de sua personalidade vencer os desafios da vida. Com 33 anos de idade e mãe de dois fi lhos — Maria Cecília, 11, e João Pe-dro, 8 —, ela vive o dia a dia no limite dos opostos: de manhã, dedica-se aos fi lhos; à tarde, faz atendimento na loja Fly e Cia., em Itu-SP, onde tem sociedade com o pai há três anos. Duas vezes por semana, pratica hipismo e treina para a prova de Três Tambores; todos os dias, “24 horas por dia”, segundo ela, lida comercialmen-te com a pesca de fl y.

— Os cavalos são adrenalina pura. A pesca, relaxamento. Os dois, entretanto, são minha terapia.

As duas paixões são heranças familia-res. Com o bisavô, aprendeu a gostar de cavalos. Com o pai — seu companheiro de vida —, a admirar a arte de pescar desde pequena, quando moraram em Mato Grosso. Mas, no momento em que o sr. Morelli decidiu abrir a loja virtual e colocá--la sob responsabilidade da fi lha, ela não entendia nada de pesca com mosca. “Para que serve a linha WF? Tippet, o que é isso?” — era preciso correr atrás do pre-juízo, já que o pai ainda trabalhava como gerente da Volvo.

— Cada vez que o cliente fazia um pe-dido por e-mail, eu chamava meu pai no rádio. — admite.

Vanessa logo percebeu que precisava aprender as questões técnicas e foi fa-zer um curso de arremesso. Em seguida, de atado. Desde então, passou a obser-var o pai pescando, a prestar atenção em como a isca trabalha e em como a mosca se apresenta na água. Um novo universo foi criado.

Assim, vender equipamentos e aces-sórios ficou mais fácil, afinal, ela agora compreendia a vibração do pescador ao fisgar o peixe. E, ao se apaixonar

pelo esporte, animou-se a, literalmen-te, vestir a camisa da empresa — com os dizeres “Fly fishing only”. Foi o que fez no pesqueiro.

A hora do almoço bateu, e nada de pei-xe entrar na linha. Vanessa se enfureceu

com a Penélope — nome dado à vara rosa — e ameaçou substituí-la pela vara #2, do pai. A chantagem teve efeito. Segundos depois, Vanessa fi sgava uma linda Carpa com sua Penélope.

— Uhuuuuuu! — ela vibra, e muito!

Antônio Carlos Morelli, pai de Vanessa, fi sga um Lambari com a vara #2

“77ecoaventura

Não consigo imaginar o fl y fora desse meu universo: família, trabalho e natureza”

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UNIVERSO PARTICULAR

O signifi cado de pescar para Vanessa Morelli está muito além de fi sgar o peixe. É curtir a natureza, escutar os pássaros, aproveitar o cenário para um bate-papo animado e relaxar com a família.

— Para mim, o bonito do fl y não é ver o peixe se contorcendo. Pescar é terapia: você, a vara e a linha. E mais nada. Na hora, o mundo acaba.

Vanessa não tem a experiência de fisgar peixes enormes ou de desen-volver horas de narrativa sobre boas brigas com Tucunarés ou Dourados. Ela aprecia uma pescaria mais leve. A em-presária e pescadora nas horas vagas, ali no pesqueiro, mostrou a sua alma: a de uma mulher batalhadora, que enten-de sobre o produto com o qual trabalha diariamente — muitas vezes ao som de modas de viola e muita piada — e que tem a sensibilidade de transformar seus raros momentos de pesca em um ritual cuja preciosidade é interagir de forma fraterna sob o manto da natureza.

Acima, as iscas cor-de-rosa que ganhou de presente de seus clientes. Abaixo, a pescadora vibra ao fi sgar a bela Carpa

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Page 6: "Fly 24 horas por dia"

PINGUE-PONGUE

Há diferenças entre homens e mu-

lheres na pesca?

Em geral, eles têm egos infl ados, querem

ser os melhores, são ansiosos e neces-

sitam mostrar o que sabem. Há menos

vaidade entre as mulheres. Na forma de

pescar, homens costumam dizer que, na

pesca com mosca, o arremesso é mais

fácil para mulheres porque não somos

brutas, temos mais ‘jeito’. Mas é a força

que ajuda na hora de mandar a linha. Por

outro lado, a sensibilidade é um diferen-

cial feminino, porque permite que a gente

preste atenção nos detalhes dos equipa-

mentos e acessórios, que costumam pas-

sar despercebidos para os pescadores. E

isso me ajuda no atendimento da loja.

As pescadoras ainda sofrem precon-

ceito pela maioria masculina?

Acho que não. No facebook, a maioria dos

meus amigos é peão, cowboy ou treinador cowboy ou treinador cowboy

de cavalo. Antes, postava apenas fotos de

equitação. Mas, quando publiquei fotos

com peixe, a repercussão foi bem positi-

va. O homem está a favor da mulher que

pesca. Eles querem mais é que a mulher

vá pescar com eles.

Mosca rosa pega peixe?

Pega! A depender da água onde vai pes-

car e do peixe que vai fi sgar, é uma opção

boa. Todas as que eu tenho são presentes

feitos por clientes. Um deles chegou a

tirar foto na Argentina para mostrar que

as moscas cor-de-rosa são efi cientes.

“Minha vara é cor-de-rosa, tem purpurina, e uso camiseta da mesma cor para combinar com ela. Não podemos perder nosso lado feminino”

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