fluxos de matéria e energia no ... -...

11
7 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003 Origem e formação da litosfera Para melhor entender os fenôme- nos ambientais, é de fundamental im- portância raciocinar com base nos ci- clos biogeoquímicos. Ou seja, as ocorrênci- as devem ser sempre interpretadas conside- rando-se os importan- tes fluxos de matéria e energia, os quais ocor- rem dinamicamente entre os três grandes compartimentos regu- ladores: litosfera, hi- drosfera e atmosfera. Embora para fins didáticos, muitas vezes, as questões ambientais sejam discutidas de forma compartimenta- lizada, não se pode esquecer que constantemente há fluxos (trocas) de energia e matéria entre esses reserva- tórios. Há cerca de cinco bilhões de anos, nosso planeta era uma bola de mine- rais fundidos e incandescentes como a lava dos vulcões. Em seguida, ini- ciou-se um lento processo de resfria- mento dessa massa incandescente, com formação das primeiras rochas e da atmosfera, sendo esta devida à aglomeração de gases ao redor do planeta. Foi então que, submetida a uma pres- são atmosférica 300 ve- zes maior que a atual, a água conseguiu passar para o estado líquido, acumular-se em deter- minadas regiões e inici- ar o processo cíclico de precipitação, evapora- ção, formação de nu- vens e novas precipitações, as quais ocorrem até hoje. A atmosfera daquela época pos- suía composição química diferente da atual. Era muito mais corrosiva em con- seqüência das contínuas erupções vul- cânicas, lançando ao espaço enormes quantidades de gás carbônico, enxo- fre e cloro, os quais se transformaram em ácidos carbônico, sulfúrico e clorí- drico, respectivamente. Estes compos- tos, dissolvendo-se nas águas da chu- va, transformavam-na em um líquido extremamente corrosivo (Branco e Cavinatto, 1999). Assim, ao mesmo tempo em que as chuvas permitiram o resfriamento das rochas superficiais, as quais se solidificavam, iniciou-se um duplo pro- cesso de desgaste e desagregação dessas: a abrasão e o ataque quími- co. Estes processos, aliados ao calor escaldante do dia e forte frio à noite, levaram à quebra das rochas em pe- daços de diferentes granulometrias tais como pedras, cascalho, areia e ar- gila. Ao longo do tempo, rochas sedi- mentares formadas no fundo dos oceanos vieram à superfície e o con- trário também ocorreu. Sedimentos que já estavam na superfície, inclusive formando solos férteis cobertos de flo- restas, afundaram, em conseqüência de movimentos tectônicos, e foram re- cobertos, posteriormente, por novas rochas sedimentares ou mesmo vul- cânicas. Tal processo originou grandes depósitos de plantas e microrganis- mos fossilizados. Fluxos de matéria e energia no reservatório solo: André Henrique Rosa e Julio Cesar Rocha Este trabalho apresenta aspectos importantes da litosfera como origem e formação, composição, classificação, propriedades físico-químicas, fertilidade, manejo e degradação decorrentes de ações antrópicas. Traz uma abordagem diferenciada, contextualizando fenômenos ambientais que ocorrem no solo, utilizando conceitos de contínuos fluxos de matéria e energia entre os demais reservatórios – hidrosfera e atmosfera. Apresenta aspectos da ciência do solo, sempre com uma visão global do ponto de vista ambiental. litosfera, solo, química do solo, manejo, ações antrópicas “… pois a chuva voltando pra terra traz coisas do ar…” Raul Seixas / Paulo Coelho Para melhor entender os fenômenos ambientais, é de fundamental importância raciocinar com base nos ciclos 2-01-solos.p65 17/10/03, 08:00 7

Upload: phamthuy

Post on 09-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

7

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003

Origem e formação da litosfera

Para melhor entender os fenôme-nos ambientais, é de fundamental im-portância raciocinar com base nos ci-clos biogeoquímicos.Ou seja, as ocorrênci-as devem ser sempreinterpretadas conside-rando-se os importan-tes fluxos de matéria eenergia, os quais ocor-rem dinamicamenteentre os três grandescompartimentos regu-ladores: litosfera, hi-drosfera e atmosfera.

Embora para fins didáticos, muitasvezes, as questões ambientais sejamdiscutidas de forma compartimenta-lizada, não se pode esquecer queconstantemente há fluxos (trocas) deenergia e matéria entre esses reserva-tórios.

Há cerca de cinco bilhões de anos,nosso planeta era uma bola de mine-rais fundidos e incandescentes comoa lava dos vulcões. Em seguida, ini-

ciou-se um lento processo de resfria-mento dessa massa incandescente,com formação das primeiras rochas eda atmosfera, sendo esta devida àaglomeração de gases ao redor do

planeta. Foi então que,submetida a uma pres-são atmosférica 300 ve-zes maior que a atual, aágua conseguiu passarpara o estado líquido,acumular-se em deter-minadas regiões e inici-ar o processo cíclico deprecipitação, evapora-ção, formação de nu-

vens e novas precipitações, as quaisocorrem até hoje.

A atmosfera daquela época pos-suía composição química diferente daatual. Era muito mais corrosiva em con-seqüência das contínuas erupções vul-cânicas, lançando ao espaço enormesquantidades de gás carbônico, enxo-fre e cloro, os quais se transformaramem ácidos carbônico, sulfúrico e clorí-drico, respectivamente. Estes compos-tos, dissolvendo-se nas águas da chu-

va, transformavam-na em um líquidoextremamente corrosivo (Branco eCavinatto, 1999).

Assim, ao mesmo tempo em queas chuvas permitiram o resfriamentodas rochas superficiais, as quais sesolidificavam, iniciou-se um duplo pro-cesso de desgaste e desagregaçãodessas: a abrasão e o ataque quími-co. Estes processos, aliados ao calorescaldante do dia e forte frio à noite,levaram à quebra das rochas em pe-daços de diferentes granulometriastais como pedras, cascalho, areia e ar-gila.

Ao longo do tempo, rochas sedi-mentares formadas no fundo dosoceanos vieram à superfície e o con-trário também ocorreu. Sedimentosque já estavam na superfície, inclusiveformando solos férteis cobertos de flo-restas, afundaram, em conseqüênciade movimentos tectônicos, e foram re-cobertos, posteriormente, por novasrochas sedimentares ou mesmo vul-cânicas. Tal processo originou grandesdepósitos de plantas e microrganis-mos fossilizados.

Fluxos de matéria e energia no reservatório solo:

André Henrique Rosa e Julio Cesar Rocha

Este trabalho apresenta aspectos importantes da litosfera como origem e formação, composição, classificação,propriedades físico-químicas, fertilidade, manejo e degradação decorrentes de ações antrópicas. Traz uma abordagemdiferenciada, contextualizando fenômenos ambientais que ocorrem no solo, utilizando conceitos de contínuos fluxosde matéria e energia entre os demais reservatórios – hidrosfera e atmosfera. Apresenta aspectos da ciência do solo,sempre com uma visão global do ponto de vista ambiental.

� litosfera, solo, química do solo, manejo, ações antrópicas �

“… pois a chuva voltando pra terra trazcoisas do ar…” Raul Seixas / Paulo Coelho

Para melhor entenderos fenômenos

ambientais, é de fundamental

importância raciocinarcom base nos ciclos

2-01-solos.p65 17/10/03, 08:007

8

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003

Estes fósseis vieram a constituir asjazidas de carvão e de petróleo, hojeutilizadas como combustíveis ou fon-tes de energia. Além desses materiais,retiram-se do subsolo inúmeros mine-rais, que constituem matéria-primapara a indústria, tais como ferro, enxo-fre e manganês.

Todo esse lento processo cíclico deformação dos solos e sua associaçãocom microrganismos e plantas levoumilhões de anos para se concretizar epermitiu o crescimento dos vegetais emterra firme pois, até então, devido à at-mosfera altamente inóspita, viviam so-mente nos mares, que ocupavam amaior parte da superfícieterrestre (Jardim, 2001;Rodrigues, 2001). Comoconseqüência, surgi-ram, também, os primei-ros animais terrestrescriando, com os vege-tais e o solo, estruturase sistemas cíclicos cadavez mais complexos, os quais consti-tuem a natureza terrestre atual.

O solo pode ser representado comoum ciclo natural do qual participam frag-mentos de rochas, minerais, água, ar,seres vivos e seus detritos em decom-

tão intimamente misturados, permitin-do a ocorrência de reações e consti-tuindo um ambiente adequado para avida vegetal (Malavolta, 1976).

FFFFFase sólidaase sólidaase sólidaase sólidaase sólida

A fração mineral da fase sólida éresultante da desagregação física dasrochas. Portanto, possui dimensõesbem menores, porém com composi-ção química idêntica à da rocha-mãeda qual se originou.

A fração orgânica é constituída pelaporção do solo formada de substân-cias provenientes de plantas e animaismortos, bem como produtos interme-diários da degradação biológica feitapor bactérias e fungos. O material or-gânico de fácil decomposição é trans-formado em gás carbônico, água esais minerais.

Nos solos férteis, com densa vege-tação, existe uma complexa faunaconstituída de pequenos mamíferos,tais como ratos e outros roedores, eminúsculos protozoários, minhocas,insetos e vermes, os quais têm funçãomuito importante na trituração, aera-ção, decomposição e mistura da ma-téria orgânica no solo.

posição. Estes resultam de fatores cli-máticos no decorrer do tempo e da ati-vidade combinada de microrganismos,decompondo restos de animais/vege-tação, respectivamente. Desta forma, osolo é considerado resultado dasinterações entre os compartimentoslitosfera, hidrosfera, atmosfera e bios-fera. Os principais processos que leva-ram à sua formação são apresentadosna Figura 1.

Composição dos solos

Os solos possuem três fases – sóli-da, líquida e gasosa – cujas proporções

relativas variam de solopara solo e, num mes-mo solo, com as condi-ções climáticas, a pre-sença de plantas e ma-nejo. Em geral, na com-posição volumétricaporcentual de um solo,que apresenta condi-

ções ótimas para o crescimento deplantas, verificam-se 50% de fase sóli-da (45% de origem mineral e 5% orgâ-nica), 25% de fase líquida e 25% de fasegasosa. Os quatros componentes (mi-neral, orgânico, líquido e gasoso) es-

Figura 1: Processo de formação do solo.

O solo é consideradoresultado das interaçõesentre os compartimentos

litosfera, hidrosfera,atmosfera e biosfera.

2-01-solos.p65 17/10/03, 08:008

9

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003

FFFFFase líquidaase líquidaase líquidaase líquidaase líquida

Representa a chamada solução dosolo: “uma solução de eletrólitos qua-se em equilíbrio, que ocorre no soloem condições de não-saturação deumidade”. E isto é assim porque aágua do solo contém numerosos ma-teriais orgânicos e inorgânicos, que fo-ram dissolvidos da fase sólida.

As principais características doconceito de solução do solo são:a) constitui uma parte maior do fator

de intensidade no fornecimento denutrientes para as plantas;

b) é o meio para a maioria dos pro-cessos químicos e biológicos queocorrem no solo;

c) é o principal meio para o movimen-to de materiais no solo.Sempre que chove, ou quando se

pratica a irrigação, as águas seinfiltram, preenchendo os espaçosexistentes entre as partículas de solo.A quantidade de água absorvida de-pende da permeabilidade do solo, poisquando esta é pequena, a maior parteda água escorre pela superfície emdireção aos vales e rios, carregandoconsigo grandes quantidades de se-dimentos e elementos nutritivos. Estefenômeno natural é chamado de ero-são e está ilustrado na Figura 2.

O fluxo de matéria e energia e asimportantes inter-relações entre os três

grandes reservatórios (atmosfera,hidrosfera e litosfera) podem serexemplificadas pela água da chuva.Esta, ao se formar na atmosfera, jáconstitui uma solução de várias subs-tâncias absorvidas do ar. Quando háprecipitação, além das diversas espé-cies trazidas da atmosfera, ao atraves-sar as camadas de solo, a água dachuva passa a transportar outras subs-tâncias antes de chegar às raízes. Nosolo, a capacidade da água para tam-bém dissolver diferentes substânciasé ainda bastante aumentada pelapresença do gás carbô-nico, resultante da respi-ração das raízes e dosmicrorganismos.

A Tabela 1 resumedados compilados sobrea composição da solu-ção do solo. Vê-se quetodos os macronutrien-tes, exceto o fósforo, ge-ralmente estão presen-tes em concentrações da ordem de10-3 a 10-4 mol L-1. Em geral, o fósforotem menor concentração, de 10-5 a10-6 mol L-1.

Todos esses elementos químicosexistem em quantidades limitadas nosolo. Nos ambientes naturais, tais ele-mentos são continuamente reciclados.Isto é, à medida que são absorvidos pe-las raízes, são novamente depositadosna superfície por meio da queda contí-nua de folhas, frutos, ramos e outraspartes vegetais. Ou, participam de umciclo biogeoquímico maior, transferindo-se para outros compartimentos comoa hidrosfera e/ou a atmosfera.

FFFFFase gasosaase gasosaase gasosaase gasosaase gasosa

Outra caracterização da dinâmicade fluxos entre os compartimentos(litosfera, atmosfera e hidrosfera) é aconstatação de que a fase gasosa dosolo apresenta, qualitativamente, osmesmos componentes principais pre-sentes no ar atmosférico. Entretanto,do ponto de vista quantitativo, podehaver grandes diferenças, conforme severifica na Tabela 2. Ou seja, devido àrespiração das raízes e dos microrga-nismos e à decomposição da matéria

orgânica e de reaçõesocorridas no solo, háconsumo de O2 e libe-ração de CO2 comconstantes alteraçõesnos fluxos entre oscompartimentos e,conseqüentemente, acomposição do ar dosolo não é fixa.

O ar circulante nointerior do solo é a fonte de oxigêniopara a respiração das células dasraízes, bem como dos microrganismose pequenos animais produtores dehúmus. A maioria das plantas cultiva-das requer solos bem arejados paraatingir máximo desenvolvimento radi-cular. De modo geral, os sintomas defalta de oxigênio (amarelecimento dasfolhas, por exemplo) aparecem quan-do a concentração de O2 nos espaçosporosos está muito abaixo de 15%. Poroutro lado, parece não haver benefí-cio em se aumentar tal concentraçãoacima de 21% (Branco e Cavinatto,1999).

Figura 2: Foto ilustrativa do processo deerosão em solos (http://www.vidagua.org.br/bauru_ambiental/solobauru.shtm).

Tabela 1: Concentração típica da solução do solo*.

Elementos Solos em geral / 10-3 mol L-1 Solos ácidos / 10-3 mol L-1

Nitrogênio (N) 0,16 - 55 12,1

Fósforo (P) 0,001 - 1 00,007

Potássio (K) 0,2 - 10 00,7

Magnésio (Mg) 0,7 - 100 01,9

Cálcio (Ca) 0,5 - 38 03,4

Enxofre (S) 0,1 - 150 00,5

Cloro (Cl) 0,2 - 230 01,1

Sódio (Na) 0,4 - 150 01,0

Fonte: (MALAVOLTA, 1976).*Nota: os elementos encontram-se no solo como componentes de substâncias, ou espéciesquímicas, tais como nitratos, fosfatos, íons Mg+2, íons Ca2+ etc.

O ar circulante no interiordo solo é a fonte de

oxigênio para arespiração das células

das raízes, dosmicrorganismos epequenos animais

produtores de húmus.

2-01-solos.p65 17/10/03, 08:009

10

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003

CLASSIFICAÇÃO DOS SOLOS

Atualmente, na maior parte do mun-do é utilizado o sistema de classifica-ção denominado genético-natural, oqual é baseado nas características e fa-tores que levaram à formação do solo.A Tabela 3 mostra as diferentes carac-

terísticas dos principais tipos de solosencontrados no Estado de São Paulo.

Os latossolos foram formados sobação de lavagens alcalinas, em regiõesquentes e úmidas florestadas. Isto de-terminou a perda de parte de sílica(eluviação) do material original, perma-necendo os óxidos de ferro e de alu-mínio. A argila silicatada presente é acaolinita.

Litossolos são solos jovens, poucodesenvolvidos e de pequena espessu-ra, assentados diretamente sobre asrochas consolidadas ou, às vezes, aflo-rando a superfície.

Os regossolos caracterizam-se porserem solos profundos, porém em iní-cio de formação arenosa e, portanto,com drenagem excessiva. Apresentam

camada superficial mais escurecida,devido à presença de matéria orgânica.

Solos formados sob excesso deágua, em condições de aeração defi-ciente, são denominados hidromór-ficos. Estes solos de coloração acin-zentada são geralmente ácidos, po-bres em cálcio e magnésio e possu-em acúmulo de matéria orgânica nascamadas superficiais.

Solos podzólicos e podzolizadossão formados por processo de lava-gens ácidas sobre material de origemarenosa, em regiões úmidas e flores-tadas. Como conseqüência das lava-gens, as argilas são arrastadas para ointerior do solo, ficando as camadassuperficiais mais arenosas como, ilus-trado na Figura 3.

Tabela 3: Limites de variação dos constituintes de alguns solos do Estado de São Paulo*.

Solos pH C (%) N (%)K+ Ca2+ Mg2+ H+ Al3+

equiv. mg trocável / 100 g de terra

Latossolos 4,00-6,10 0,42-4,08 0,03-0,38 0,04-0,77 0,17-06,25 0,10-2,42 2,58-9,49 0,25-3,40Podzólicos 4,10-7,60 0,28-2,51 0,03-0,21 0,03-0,50 0,63-22,19 0,11-2,46 1,05-5,16 0,00-4,89Hidromórficos 3,80-5,60 0,82-3,31 0,06-0,29 0,04-0,07 0,76-01,16 0,60-0,77 4,61-6,23 2,08-3,40Litossolos 4,30-5,10 1,15-3,12 0,18-0,41 0,20-0,78 0,79-27,17 1,18-8,42 0,00-6,27 0,00-7,06Regossolos 4,50-5,30 0,33-0,93 0,03-0,07 0,02-0,06 0,14-1,56 0,02-0,44 1,25-1,42 0,54-1,86

*Adaptada de Malavolta (1976)

Figura 3: Características de perfil de solos podzólicos da bacia do Rio Negro-AM.Foto feita durante coleta de amostras de solo.(Projeto FAPESP 00/13517-1)

Tabela 2: Composição média dos principaiscomponentes presentes no ar atmosféricoe no ar do solo.

Ar Componentes / (%)

O2 CO2 N2

Atmosférico 21 0,03 72

No solo 19 0,90 79

Fonte: Malavolta (1976)

2-01-solos.p65 17/10/03, 08:0010

11

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003

PPPPPerererererfil do solofil do solofil do solofil do solofil do solo

O solo não é formado apenas pelacamada superficial de alguns centíme-tros a qual o agricultor cultiva, mastambém por outras camadas abaixodessa. Em geral, as características dosolo variam com a profundidade porcausa da maneira pela qual ele se for-mou ou depositou, devido às diferen-ças de temperatura, teor de água, con-centração de gases (particularmenteCO2 e O2) e movimento descendentede solutos e de partículas. Ou seja, osfluxos de material formam diferentescamadas (denominadas horizontes),que podem ser identificadas a partir doexame de uma secção vertical do solo,que é chamada perfil do solo (Figura4). Os horizontes diferenciam-se pelaespessura, cor, distribuição e pelosarranjos das partículas sólidas e po-ros, distribuição de raízes e outras ca-racterísticas, que resultam da interaçãode fatores influenciadores na formaçãodo solo. A caracterização mais deta-lhada dos horizontes permite identifi-car, classificar e planejar o uso maisadequado do solo.

Os horizontes são designados porletras maiúsculas. Assim, as letras A,B, e C representam os principais hori-zontes do solo. As letras O e R sãotambém utilizadas, paraidentificar um horizonteorgânico em solos mine-rais e a rocha inalterada,respectivamente. Deacordo com Malavolta(1976), as principais ca-racterísticas dos horizon-tes que um solo podeconter são:a) Horizonte O – hori-

zonte orgânico commatéria orgânica fresca ou em de-composição. Em condições de mádrenagem esse horizonte é deno-minado H.

b) Horizonte A – resultante do acúmulode material orgânico misturadocom material mineral. Geralmenteapresenta coloração mais escura,devido ao material orgânico humifi-cado. Em solos onde há eluviação(perda de parte da argila) muito in-tensa, forma-se uma camada decores claras com menor concentra-

ção de argila abaixo do horizonteA. Essa camada caracteriza o hori-zonte denominado E.

c) Horizonte B – caracterizado peloacúmulo de argila, fer-ro, alumínio e poucamatéria orgânica. Édenominado de hori-zonte de acúmulo ouiluvisal. O conjuntodos horizontes A e Bcaracteriza a parte dosolo que sofre influên-cia das plantas e dosanimais.d) Horizonte C – ca-

mada de material não consolidado,com pouca influência de organis-mos, geralmente apresentandocomposição química, física e mine-ralógica similar à do material ondese desenvolve o solo.

e) Rocha R – rocha inalterada, que po-derá ser, ou não, a rocha matriz apartir da qual o solo se desenvol-veu.

Propriedades físico-químicas dos solos

As propriedades físico-químicasdos solos são devidas principalmenteà elevada superfície específica e à altareatividade apresentada pelos compo-nentes da fração argila. Esta, geral-mente é constituída por minerais se-cundários, óxidos de ferro e alumíniocristalinos ou amorfos e matéria orgâ-nica. Têm tamanhos iguais ou inferio-res a 4 µm, caráter coloidal e carga lí-quida negativa saturada por cátions di-versos. De modo geral, estas caracte-rísticas são devidas a certas proprie-dades estruturais da fase dispersa,como tamanho, forma e área superfi-cial das partículas. Portanto, devidoaos diferentes mecanismos de forma-ção admite-se que a carga total nega-tiva dos solos seja constituída por doiscomponentes. Um constante, chama-do de “carga permanente” e outro va-riável denominado de “dependente depH”. O silte (partículas de diâmetro de62,0-4,0 µm) e a areia (partículas dediâmetro de 200-62 µm), são menoseficientes nos processos químicos,pois são constituídos de partículasmais grosseiras de minerais primáriose quartzos.Figura 4: Camadas de um perfil genérico de solo (Adaptada de Rodrigues, 2001).

As propriedades físico-químicas dos solos são

devidas principalmente àelevada superfícieespecífica e à alta

reatividade apresentadapelos componentes da

fração argila.

2-01-solos.p65 17/10/03, 08:0011

12

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003

Capacidade de troca catiônicaCapacidade de troca catiônicaCapacidade de troca catiônicaCapacidade de troca catiônicaCapacidade de troca catiônica(CTC) de solos(CTC) de solos(CTC) de solos(CTC) de solos(CTC) de solos

É definida como a quantidade decátions, que são adsorvidos reversivel-mente por unidade demassa de material secoe expressa a capacida-de do solo de trocarcátions. A quantidadede cátions é dada pelonúmero de cargas po-sitivas (centimol oumilimol) e a massa desolo seco, geralmente100 g ou 1 kg. Os valores encontra-dos para minerais argilosos variam de1 – 150 centimol kg-1, enquanto a CTCpara a matéria orgânica pode atingir400 centimol kg-1, devido ao grandenúmero de grupos oxigenados, parti-cularmente carboxílicos (–COOH), osquais podem se ligar e trocar cátions(Baird, 2001; Rocha e Rosa, 2003).

Do ponto de vista de fertilidade dossolos, são desejados valores elevadosde CTC, pois maiores quantidades decátions podem ser armazenadas e,posteriormente, cedidas aos vegetaisatravés de reações de troca iônica (flu-xos entre reservatórios).

Acidez do soloAcidez do soloAcidez do soloAcidez do soloAcidez do solo

De acordo com o conceito deBronsted e Lowry, ácida é uma subs-tância que tende a ceder prótons (íonshidrogênios, H+) a uma outra. Base équalquer substância que tende a acei-tar prótons. Quando em solução aquo-sa, o ácido se ioniza gerando H+ e oânion correspondente:

H2OH A H+ + A–

ácido próton ânion

Diz-se que os H+ produzidos (se-gundo membro da equação) corres-pondem à acidez ativa, e o HA no pri-meiro membro indica a acidez poten-cial. Quanto mais a reação tende paraa direita, maior a atividade em H+ emais forte é o ácido. Em meio aquoso,o H+ está sempre hidratado e, por isso,predomina como hidrônio, H3O

+ (H2O+ H+ → H3O

+). É, entretanto, muito

mais comum, embora menos rigoro-so, falar-se em H+ que em H3O

+.No caso de ácidos fortes a acidez

ativa aproxima-se da potencial. Porém,em se tratando de ácidos fracos, a

acidez ativa é menorque a potencial. Poresse motivo, no segun-do caso, a medição daacidez total não ofereceindicação da acidez ati-va. A noção de que ossolos ácidos podiam serneutralizados com car-gas (carbonatos de cál-

cio e de magnésio misturados comargila) já era conhecida dos gauleses,gregos e romanos. Plínio escreveusobre ela no primeiro século da eracristã (Branco e Cavinatto, 1999).

Admite-se hoje que a acidez dosolo é constituída de duas frações:a) fração trocável – corresponde prin-

cipalmente aos íons alumínioadsorvidos nos complexos de tro-ca e

b) fração titulável – corresponde prin-cipalmente a H+ que se encontraligado covalentemente a compos-tos da matéria orgânica (gruposcarboxílicos e fenólicos) e, possi-velmente ao alumínio ligado aoscomplexos argila-matéria orgânica.Como a fração titu-

lável é devida aos íonsAl+3 e H3O

+ fortementeretidos aos minerais daargila e matéria orgânica,evidenciando-se somen-te por extração em pHmais elevado, pode-seaceitar que, nas condi-ções normais dos solos,os íons alumínio são osprincipais responsáveispela acidez (Baird, 1999).

Fertilidade do solo

O conceito de fertilidade do solotambém está intimamente relacionadocom os vários fluxos de matéria e ener-gia no ambiente. São várias as reaçõesquímicas que ocorrem entre as subs-tâncias presentes no solo e na água,bem como as trocas de substânciasentre os seres vivos, as raízes, as par-tes aéreas das plantas e as partículas

minerais de solo. Destes processos re-sulta a formação de componentes se-cundários responsáveis por um esta-do de equilíbrio, seja em nível físico-químico (como por exemplo, a estabi-lidade do pH, ou equilíbrio ácido/base),químico ou biológico.

Outra constatação do fluxo dinâmi-co de energia e matéria entre os gran-des reservatórios reguladores é, porexemplo, o fato dos quatro principaiselementos químicos componentes dosvegetais serem obtidos pela planta apartir do reservatório atmosfera. Aágua da chuva (H2O), indispensável aqualquer processo biológico, é tam-bém fornecedora de hidrogênio. Ocarbono e o oxigênio são retirados doar, o primeiro, no processo de fotos-síntese e o segundo, no processo derespiração. Finalmente, o nitrogêniotambém é absorvido do ar por algu-mas bactérias fixadoras localizadasnas raízes e, posteriormente, é disponi-bilizado para as plantas.

Para o crescimento da planta, comexceção desses quatro elementos prin-cipais, todos os demais (macro emicronutrientes) devem encontrar-se nosolo. Portanto, os vegetais conseguemdesenvolver-se em cada ambiente àmedida que encontram no solo os ele-mentos que lhe são indispensáveis.

Mesmo nos solos fér-teis, os elementos es-senciais aos vegetaisnão são inesgotáveis.Por isso, após utiliza-ção pelas plantas, es-ses elementos partici-pam de ciclos biogeo-químicos voltando aosolo, (e/ou atmosfera ehidrosfera) para queeste se mantenha fértil

e a vida vegetal tenha continuidade. Sepor algum motivo (por exemplo, quei-madas, erosão etc.) os ciclos forem in-terrompidos, o solo vai se tornando pro-gressivamente estéril ou improdutivo.

Participam dos ciclos biogeoquími-cos vários microrganismos decom-positores, que habitam o solo e são es-senciais para o processo de fertilização.Ao decompor vegetais e animais mor-tos ou seus excrementos, a populaçãode decompositores produz uma maté-ria gelatinosa, de coloração amarelo-

O cultivo do solo iniciou-se há cerca de dez mil

anos com os Sumérios, naMesopotâmia, às margensdos rios Tigre e Eufrates

(atualmente onde selocaliza o Iraque).

Com o tempo, verificou-se que a intervenção

humana na constituição eestrutura física do solo

poderia aumentar aprodutividade.

A este processo,atualmente, dá-se o nome

de manejo do solo.

2-01-solos.p65 17/10/03, 08:0012

13

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003

castanha, denominada húmus, de im-portância fundamental como fornece-dora dos elementos químicos ciclados.

Interações soloInterações soloInterações soloInterações soloInterações solo-planta-planta-planta-planta-planta

Durante seu desenvolvimento a par-tir de uma semente, a planta estendesuas raízes para o interior do solo for-mando um aglomerado de minúsculosfilamentos, distribuídos em várias dire-ções, constituindo a rizosfera. A raiz temformas tortuosas, adquiridas duranteseu crescimento, à medida que vai pe-netrando no solo e desviando-se dosgrãos e das partículas de terra, buscan-do encontrar água, oxigênio e nutrien-tes. Também, para absorver o máximode minerais do solo, as raízes produ-zem substâncias que ajudam a solu-bilizar os minerais, modificando-os qui-micamente e causando alterações denatureza química no solo.

Produtividade do solo e lei do mínimo

A produção de vegetais por áreade solo é denominada produtividade.Num sentido ecológico, a produtivida-de de uma área refere-se à produçãototal de matéria vegetal (produção pri-mária), seguida da produção de ani-mais herbívoros (produ-ção secundária) e daprodução de animaispredadores (produçãoterciária).

Na primeira metadedo século XIX, o químicoalemão Justus von Liebig(1803 – 1873) propôs aLei do mínimo ou Lei deLiebig. Verificou que o ele-mento essencial que seencontra em menor dis-ponibilidade no ambien-te limita o crescimento dovegetal. Alguns aspectos importantesda Lei proposta por Liebig são (Brancoe Cavinatto, 1999):1) a limitação do crescimento do ve-

getal dá-se por falta, e não por ex-cesso, de um elemento componen-te do ambiente;

2) o fator em mínimo é o elemento quese encontra em quantidades míni-mas em relação às necessidadesda planta;

3) os microelementos ou micronu-trientes, os quais entram na com-posição das plantas em quantida-des mínimas, também podem con-trolar seu cresci-mento e

4) atualmente, sabe-se que a lei deLiebig não está as-sociada apenas àssubstâncias quími-cas dissolvidas nosolo, mas tambémaos ciclos biogeoquímicos, aoscomponentes químicos do ar (p.e.gás carbônico) e aos fatores físicos,como luz, temperatura, umidade,etc…

Manejo do solo e atividades antrópicas

No decorrer dos anos a populaçãoaumentou significativamente. No início,poucos homens viviam sobre a terra eeles andavam pelas savanas em pe-quenos grupos, como pastores e/oucaçadores. Posteriormente, o homemaprendeu a utilizar o ambiente paraobter benefícios e conforto. Entre osfatores mais importantes para o desen-volvimento humano estão o aprendi-zado para domar e criar animais, e

plantar para seu bene-fício. Assim, o homempassou de caçadornômade a sedentário,pois havia necessida-de de esperar pelascolheitas (Rocha et al.,1996).

O cultivo do soloiniciou-se há cerca dedez mil anos com osSumérios, na Me-sopotâmia, às mar-gens dos rios Tigre eEufrates (atualmente

onde se localiza o Iraque). Depois, hácerca de oito mil anos iniciaram-se asplantações no vale do Rio Nilo, no Egi-to (Rodrigues, 2001). Ou seja, o ser hu-mano percebeu que a agricultura nasmargens férteis dos rios alcançava pa-drões de produtividade suficientespara sustentar população mais nume-rosa (Magnoli e Araújo, 1996). Essafertilidade nos vales era devida aosconstantes ciclos de cheias e vazan-

tes dos rios, que trocavam matéria or-gânica e nutrientes com o solo. O serhumano primitivo também observouque as terras escuras, constituídas de

um material gelatinoso emacio unindo as partícu-las (o húmus), associavapartículas com maior di-âmetro, tornando o solomais poroso e permeável.Com o tempo, verificou-se que a intervenção hu-mana na constituição e

estrutura física do solo podia aumen-tar a produtividade. A este processo,atualmente, dá-se o nome de manejodo solo.

Os progressos obtidos quanto aomanejo do solo são muitos. Entretan-to, atualmente, com melhor conheci-mento dos ciclos biogeoquímicos edas interações entre os três grandescompartimentos, sabe-se que váriaspráticas agrícolas de manejo utilizadasno passado causam impactos am-bientais irreversíveis aos solos, comoexemplo, infertilidade, erosão e perdade produtividade. Por falta de informa-ção ou por razões históricas, muitasvezes o agricultor se nega a mudar deuma prática agrícola aprendida comseus antepassados, para outra maisadequada ao tipo de solo da sua pro-priedade. Experimentos agrícolas re-centes indicam que o manejo do solodeve variar de uma região para outra,de acordo com o clima e a naturezado solo (www.cnpdia.embrapa.br).

Aração/revolvimento do soloAração/revolvimento do soloAração/revolvimento do soloAração/revolvimento do soloAração/revolvimento do solo

Há tempos remotos os processosde aração e revolvimento profundo desolos duros e/ou congelados de climastemperados ou frios são utilizados paradesagregar particulados, permitindopenetração de água (nutrientes) e arnecessários para o desenvolvimentoda planta. Entretanto, para climas tro-picais (por exemplo, no Brasil) estesprocessos podem não ser adequados.Com o revolvimento, os microrganis-mos tão importantes nos processos detroca entre solo, água e atmosfera fi-cam mais expostos na superfície e osefeitos da intensidade de luz e do for-te calor podem diminuir suas ativida-des. Uma vez revolvido, o solo tam-

Em 1840, o químicoalemão Justus von Liebigobservou a relação entreo crescimento de plantase a utilização de fezes de

animais como adubo.Desde então, para

atender à demanda cadavez maior por

alimentação, a adubaçãotem sido utilizada no

manejo de solos.

Hoje, no mundo inteiro,procura-se descobrirquanto os sistemas

agrícolas contribuempara o seqüestro (fixação

no solo) de carbono.

2-01-solos.p65 17/10/03, 08:0013

14

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003

bém fica sujeito ao arraste maior denutrientes por águas de chuvas (cau-sa infertilidade) e, dependendo dascondições do terreno, o perigo de ero-são é eminente. Além disso, sabe-seatualmente que o revolvimento podefacilitar a transferência do carbono re-tido no solo para a atmosfera, na for-ma de dióxido de carbono (CO2).

AdubaçãoAdubaçãoAdubaçãoAdubaçãoAdubação

Em 1840, o químicoalemão Justus von Liebigobservou a relação entreo crescimento de plantase a utilização de fezes deanimais como adubo.Desde então, para aten-der àdemanda cada vezmaior por alimentação, aadubação tem sido utili-zada no manejo de so-los. Ela tem não só a fi-nalidade de modificarquimicamente a compo-sição do solo de manei-ra a fornecer à planta oselementos necessários, mas tambéma de condicioná-lo fisicamente.

Entretanto, a adubação sem acom-panhamento técnico agrícola, planeja-mento de culturas de acordo com atopografia do terreno e conhecimentoprévio do tipo de solo tem causadovários impactos ambientais e prejuízosfinanceiros ao agricultor. Além desalinizar o solo, a aplicação de fertili-zantes pode causar a eutrofização demananciais devido à lixiviação de fer-tilizantes aplicados em solos revolvi-dos, ocorrida principalmente em épo-ca de chuvas.

Atualmente, uma das alternativassugeridas é a utilização de adubo or-gânico ou organomineral. Este, ao con-trário dos fertilizantes sintéticos, con-tém alta porcentagem de húmus, con-tribuindo para a fixação de nutrientese re-estruturação física do solo. Den-tre as diversas formas de adubação or-gânica com custo/benefício atrativos eótimos resultados técnicos para solose plantas, a adubação verde é de maisfácil aplicação e menor custo. Ela ba-seia-se praticamente no plantio rotativode plantas leguminosas entre as sa-fras e, até poucos anos, sugeria-se a

incorporação da biomassa verde aosolo via revolvimento. Com o melhorconhecimento dos ciclos biogeoquí-micos (por exemplo, caracterização deperdas de carbono e CO2 do solo paraa atmosfera), tem-se sugerido que,após o corte, a massa verde produzi-da pelas leguminosas seja mantida nasuperfície do solo sem revolvimento,para decomposição natural por micror-ganismos aeróbicos (Figura 5).

Qual a imporQual a imporQual a imporQual a imporQual a impor tânciatânciatânciatânciatânciado manejo do solodo manejo do solodo manejo do solodo manejo do solodo manejo do solopara o seqüestro depara o seqüestro depara o seqüestro depara o seqüestro depara o seqüestro decarbono?carbono?carbono?carbono?carbono?

O aumento da con-centração de gasescomo CO2, CH4 e N2Ona atmosfera tem sidorelacionado ao efeitoestufa. A queima decombustíveis fósseis éa principal causa des-se aumento, especial-mente pela emissão deCO2. A agricultura con-

tribui para a emissão ou o seqüestrodestes gases, dependendo do efeito domanejo sobre o conteúdo de matériaorgânica do solo (MOS). Quando o ba-lanço entre a taxa de adição de resídu-

os vegetais ao solo (determinada pelosistema de cultura) e a taxa de perdade MOS (determinada principalmentepelo manejo do solo) for positivo, ocor-rerá aumento da MOS. Neste caso, osolo atuará como um dreno de CO2 at-mosférico diminuindo o efeito estufa.Ao contrário, se o balanço for negativo,ocorrerá redução da MOS e o solo con-tribuirá para o aumento do efeito estu-fa. Assim, práticas de manejo que acu-mulem MOS poderão contribuir paraaumentar a qualidade do solo e, tam-bém, para o seqüestro de CO2 atmos-férico (Pilon et al., 2001).

Hoje, no mundo inteiro, procura-sedescobrir quanto os sistemas agrícolascontribuem para o seqüestro (fixaçãono solo) de carbono. No Brasil, aEmbrapa Solos tem feito medições daquantidade de carbono no solo noperfil entre 0 e 60 cm, buscandoquantificar a massa de carbono. Dessaforma, é possível medir em diferentesecossistemas o estoque de carbonosob, por exemplo, plantio conven-cional, adubação verde e solo nãocultivado. Estes estudos são partede uma avaliação da contribuiçãodos diferentes tipos de manejo desolo para o seqüestro de carbono(www.cnps.embrapa.com.br).

Figura 5: Exemplo de adubação verde. A biomassa resultante das leguminosas é deixadana superfície do solo para decomposição natural da matéria orgânica (Elo informativo,2002).

A utilização de água doRio São Francisco, para

irrigar plantaçõesfrutíferas na região

nordestina, pode serconsiderada como umaexportação de água na

forma de frutas (melão emelancia têm mais de90% de água), de uma

região há temposcomprovada com

problemas de secas!

2-01-solos.p65 17/10/03, 08:0014

15

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003

IrIrIrIrIrrigaçãorigaçãorigaçãorigaçãorigação

Considerando-se que a quantida-de de água na terra é constante e quea população tem aumentado em pro-porções assustadoras, a água já éconsiderada como um bem natural devalor incalculável. Neste aspecto, doponto de vista ambiental, outra ques-tão importante em relação ao manejodo solo refere-se à irri-gação. Embora na an-tiguidade não se co-nhecesse o efeito dosfluxos de energia e ma-téria entre os reservató-rios, reconhecia-se adependência direta en-tre disponibilidade deágua no solo e produti-vidade. Hoje, sabe-seque isto é devido às ca-racterísticas da águaem atuar no transporte, dissolução edisponibilidade de nutrientes para asplantas. Em solos com escassez deágua como, por exemplo, no Nordes-te brasileiro e alguns países árabes,tem sido utilizada a irrigação mecâni-ca, que consiste em captar água demananciais, utilizando bombas, e dis-tribuí-la nas lavouras. Sem acompa-nhamento técnico-científico, este tipode manejo tem causado grandes pre-juízos aos mananciais, devido à suc-ção de excessivas quantidades deágua. Com o volume bombeado nãocompatível com a vazão do manancial,toda vida aquática fica comprometida,devido à falta d´água e conseqüenteassoreamento.

Recentemente tem-se discutido aviabilidade e/ou possibilidade de trans-por água do Rio São Francisco paraatender à demanda básica em partesda região nordeste e, ainda, utilizaressa água para irrigar culturas de fru-tas, como melão e melancia, para finsde exportação. Tal utilização pode serconsiderada como uma exportação deágua na forma de frutas (melão e me-lancia têm mais de 90% de água), deuma região há tempos comprovadacom problemas de secas! Este é umexemplo de impacto ambiental causa-do pela falta de visão ambiental inte-grada entre os reservatórios litosfera ehidrosfera.

Outro tipo é a ferti-irrigação, queconsiste no aproveitamento de efluen-tes de esgotos urbanos tratados comofonte de água e de húmus para a agri-cultura. Neste caso, embora a reutili-zação de água tenha sido amplamen-te recomendada como forma de aten-der às demandas cada vez maiores, énecessário ter um monitoramentoconstante da presença de espécies

metálicas potencialmen-te tóxicas e de microrga-nismos patogênicosnesses efluentes.

PPPPPesticidasesticidasesticidasesticidasesticidas/////herbicidasherbicidasherbicidasherbicidasherbicidas

Devido ao grandecrescimento popula-cional, para atender àdemanda alimentíciatem sido necessário uti-lizar pesticidas/herbi-

cidas na agricultura. Atualmente, é di-fícil imaginar a produção de alimentossem o uso de pesticidas, pois estesprodutos melhoram a produtividadeagrícola podendo, às vezes, diminuiros preços dos alimentos e da mão deobra. Denominam-se pesticidas todasas substâncias de origem natural ousintética utilizadas no controle e/ou eli-minação/diminuição de pragas (inse-tos, ervas daninhas etc.), que causamprejuízos na produção de alimentos,ou transmitem enfermidades aos se-res humanos e a outros organismos.Os herbicidas são substâncias quími-cas empregadas para controlar ou ma-tar plantas daninhas, as quais se de-

senvolvem juntamente com as cultu-ras. Quando sintetizados pelo ser hu-mano, os pesticidas/herbicidas sãoconsiderados substâncias estranhasao ambiente e podem ser chamadastambém de xenobióticas.

Embora sejam conhecidos impac-tos ambientais causados pela aplica-ção de pesticidas, parece certo queeles ainda continuarão sendo um com-ponente indispensável às muitas ativi-dades agrícolas (Toscano et al., 2000).Após a aplicação e atuação nas cultu-ras, o pesticida pode permanecer nosolo por muito tempo, mantendo ounão seu efeito biológico. Assim, é im-portante conhecer seu comportamen-to no solo para prever se o pesticidavai causar algum dano a esse meio eaos demais reservatórios que co-exis-tem (hidrosfera e atmosfera).

O comportamento do herbicidadepende das propriedades físico-quí-micas e biológicas do solo, bem comode fatores climáticos. Os três proces-sos básicos que podem ocorrer comos pesticidas no solo são retenção,transformação e transporte. A Figura6 mostra alguns fatores envolvidos nocomportamento de herbicidas no solo(Lavorenti, 1999).

O processo de retenção tende a“segurar” a molécula de herbicida,impedindo-a de se mover. Pode serreversível ou irreversível e afetar os pro-cessos de transformação e transportedo herbicida no ambiente.

A transformação refere-se a mudan-ças na estrutura química das molécu-las do herbicida e determina se e por

Figura 6: Esquema genérico da interação entre herbicida e solo (Fonte: Lavorenti, 1999).

Embora sejamconhecidos os muitosimpactos ambientais

causados pela aplicaçãode pesticidas, parececerto que eles ainda

continuarão sendo umcomponente

indispensável às muitasatividades agrícolas.

2-01-solos.p65 17/10/03, 08:0015

16

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003

quanto tempo tais moléculas podempermanecer intactas no ambiente(Lavorenti, 1999).

O processo de trans-porte, determinado pelomovimento das molécu-las do herbicida no solo,é fortemente influencia-do pela umidade, tem-peratura, densidade, ca-racterísticas físico-quí-micas do solo e do her-bicida.

No caso de pesticidas, às vezes,apenas uma pequena porcentagem daquantidade aplicada atinge o objetivodesejado. Grande parte é transporta-da por ventos, chuvas e é aportada emoutros reservatórios, como atmosferae recursos hídricos. Para minimizar osimpactos ambientais, a aplicação depesticidas deve sempre ser feita comorientação técnica agronômica, quan-to aos cuidados durante a aplicação,dosagem necessária, época e condi-ções climáticas favoráveis (chuvas,temperatura, umidade, evapotrans-piração, irradiação solar, velocidade edireção do vento etc.).

Ocupação e mineraçãoOcupação e mineraçãoOcupação e mineraçãoOcupação e mineraçãoOcupação e mineração

O ideal seria que o solo fosse tam-bém ocupado com planejamento urba-no adequado. Infelizmente, por falta deplanificação, muitas metrópoles estãohoje edificadas em áreas de difícil es-coamento pluvial, onde ocorre comple-ta impermeabilização dos solos (cober-tura com asfalto e cimento), provocan-do enchentes nos rios e freqüentesinundações de cidades (Figura 7).

Os problemas antrópicos causa-dos ao solo devidos às atividades demineração também são freqüentes(Figura8). A exploração de minériosdeve sempre ter como base funda-mental o preceito do uso sustentável,ou seja, considerar também o bem es-tar das gerações futuras. Para tal,deve-se utilizar técnicas menos des-trutivas e recuperar as áreas degrada-das pelos impactos inerentes causa-dos pelas atividades mineradoras. Avegetação atua como um importantefator de proteção aos solos, permitin-do a maior infiltração das águas e evi-tando o arraste da camada superficial

e mais fértil do solo para os mananci-ais. Se o desmatamento ocorrer emáreas de recargas de aqüíferos e/ou

em matas ciliares, asconseqüências serãodanosas e os efeitosdos impactos am-bientais serão sentidosrapidamente, resultan-do no rebaixamento donível do lençol freáticoe assoreamento dosmananciais.

É possível recuperar um solo con-É possível recuperar um solo con-É possível recuperar um solo con-É possível recuperar um solo con-É possível recuperar um solo con-taminado?taminado?taminado?taminado?taminado?

Existem algumas tecnologias que

permitem a recuperação ou remediação(do inglês, remediation) de solos conta-minados e/ou degradados. Estas ba-seiam-se nas propriedades químicas desubstâncias e/ou processos físicos quesão utilizados para retenção, mobili-zação ou destruição de um determina-do contaminante presente no solo (Moerie Salvador, 2003; Baird, 1999). Podemser aplicadas in situ, isto é, no lugar dacontaminação ou ex situ, ou seja, primei-ramente removendo a matéria contami-nada para outro local.

Bioremediação é a utilização deorganismos vivos, especialmente mi-crorganismos, para degradar poluen-tes ambientais. Para que uma técnicade bioremediação funcione efetiva-

Figura 7: Enchente ocorrida em Santo André/SP. (Registrada pelos repórteres J. B. Ferreirae K. Tamanaha, Janeiro de 1997.)

(http://www.semasa.com.br/scripts/display.asp?idmenu=113&idnot=305)

Figura 8: Atividade Mineradora.(Sistema de gestão ambiental da mineração Serra doSossego, Paraupeba, Pará http://www.ksnet.com.br/paginas/servicos/mineracao1.htm)

Existem algumastecnologias que

permitem a recuperaçãoou remediação (do

inglês, remediation) desolos contaminados e/ou

degradados.

2-01-solos.p65 17/10/03, 08:0016

17

Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Fluxos de matéria e energia no reservatório solo N° 5 – Novembro 2003

Referências bibliográficas

BAIRD, C. Química Ambiental, 2a Ed.Porto Alegre: Bookman, 1999.

BRANCO, S.M. e CAVINATTO, V.M.Solos: a base da vida terrestre, SãoPaulo: Editora Moderna, 1999.

CANTO, E.L. Minerais,minérios metaisde onde vêm para onde vão? São Paulo:Editora Moderna, 1997.

ELO - Informativo Dow AgroScienceIndustrial Ltda, ano V, nº 20, 2002.

EMPRESA BRASILEIRA DEPESQUISA AGROPECUÁRIA,www.cnps.embrapa.com.br

JARDIM, W.F. Evolução da atmosferaterrestre. Química Nova na Escola-Cadernos Temáticos de QuímicaAmbiental, v. 1, p. 5-8, 2001.

LAVORENTI, A. Comportamento deherbicidas no solo. 3º Encontro BrasileiroSobre Substâncias Húmicas, SantaMaria: resumos, p. 21, 1999.

MAGNOLI, D. e ARAÚJO, R. A novageografia, São Paulo: Editora Moderna,1996.

MALAVOLTA, E. Manual de químicaagrícola. Nutrição de plantas e fertilidadedo solo, São Paulo: Editora AgronômicaCeres, 1976.

MOERI, E. e SALVADOR, C. Áreascontaminadas: novos conceitos naavaliação e recuperação. SaneamentoAmbiental, v. 93, p. 24-27, 2003.

PILON, C. et al. Seqüestro de carbonopor sistemas de manejo do solo e seusreflexos sobre o efeito estufa. 4ºEncontro Brasileiro de SubstânciasHúmicas, Viçosa: resumos, p. 20, 2001.

ROCHA, J.C. e ROSA, A.H.Substâncias húmicas aquáticas:interações com espécies metálicas, SãoPaulo: Editora UNESP, 2003, 120p.

ROCHA, J.C. et al. Recursos hídricos:noções sobre o desenvolvimento dosaneamento básico. SaneamentoAmbiental, v. 39, p. 36-43, 1996.

RODRIGUES, R.M. O solo e a vida,São Paulo: Editora Moderna, 2001.

SILVESTRE, M. e MARCHI, R.S. Áreascontaminadas: quem responde pelopassivo de empresas falidas? Sanea-mento Ambiental, v. 93, p. 28-32, 2003.

TOSCANO, I. A. S.; RIBEIRO, M. L.;ROCHA, J. C.; NUNES, G. S.; BARCELÓ,D. Determinação de carbaril utilizandotestes ELISA (Enzyme-linked immuno-sorbent assay) e CLAE com detecção porarranjo de diodos. Química NovaQuímica NovaQuímica NovaQuímica NovaQuímica Nova, v. 23,n. 4, p. 466-471, 2000.

mente, os resíduos deverão ser e es-tar susceptíveis à degradação biológi-ca. Além disso, as condiçõesambientais, tais como pH, temperatu-ra e nível de oxigênio devem ser ade-quadas para a atua-ção dos microrganis-mos.

Recentemente, afitoremediação, isto é,o uso de vegetaçãopara a descontami-nação in situ de solos e sedimentos,eliminando metais e poluentes orgâni-cos, tem se tornado uma tecnologiaemergente (Baird, 1999).

Considerações finais

Diferentes partes do sistema bio-físico do planeta Terra estão relaciona-das intrinsecamente, e em equilíbriodinâmico, com os três grandes reser-vatórios litosfera, hidrosfera e atmos-fera. Este conceito implica que, se esseequilíbrio for deslocado por algum im-pacto, o ambiente sempre reagirá deforma a atingir outro estado de equilí-brio, trocando matéria e energia entreos reservatórios.

Neste contexto, o reservatório solosempre foi importante, tanto para a es-pécie humana como para grande partedos seres vivos, quanto ao fornecimen-to de alimentos e extração de matérias-primas necessárias à sobrevivência.Devido ao crescimento demográfico, o

Figura 9: Exemplo de remediação de solo ex situ, em que o solo contaminado é transferidopara outro local, onde será feito o tratamento (Fonte: Silvestre e Marchi, 2003).

ser humano tem desenvolvido e aprimo-rado técnicas de reconhecimento, ma-nejo, conservação e melhoramento dossolos (www.cnpdia.embrapa.br). Entre-tanto, estes precisam ser protegidos

através do uso susten-tado, alicerçado em pla-nejamento adequado.Se estas ações forempraticadas de maneiraequilibrada com os ou-tros reservatórios, o re-

curso natural solo não será esgotado e/ou degradado, evitando o comprometi-mento das futuras gerações.

Agradecimentos

Os autores agradecem à FAPESP,ao CNPq e à CAPES por bolsas deestudo e suporte financeiro.

André Henrique Rosa, Bacharel em Química, Mestree Doutor em Química Analítica pelo Instituto de Químicada UNESP. Estágios Doutoral e Pós-Doutoral emQuímica Ambiental no Institute of Spectrochemistry andApplied Spectroscopy (ISAS), Dortmund-Alemanha. ÉProfessor Assistente Doutor no Curso de EngenhariaAmbiental da UNESP (Unidade Diferenciada deSorocaba/Iperó), [email protected]. Julio CesarRocha, terminou Bacharelado e Licenciatura naFFCLRP-USP, em 1980 e fez Mestrado em QuímicaAnalítica no IQ-UNICAMP, em 1983. Contratado peloInstituto de Química de Araraquara-UNESP, desde1984,onde ministra aulas das Disciplinas de QuímicaAnalítica e Química Ambiental. Terminou o Doutoradoem Química Analítica nessa instituição, em 1987. Fez2 anos de estágio de Pós Doutoramento no ISAS emDortmund – Alemanha (1991-92). Foi Diretor da Divisãode Química Ambiental da SBQ (1996-97) e temformado diversos mestres e doutores na especialidadeQuímica Ambiental ([email protected]).

O ideal seria que o solofosse também ocupado

com planejamentourbano adequado.

2-01-solos.p65 17/10/03, 08:0017