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Universidade do PortoFaculdade de Letras
Trabalho para cadeira deEstruturas Sociais e Económicas
Luís Martins Pisco
Estruturas Sociais e Económicas – Professora Inês Amorim
Mestrado em História e PatrimónioFevereiro de 2012
Introdução............................................................................................................................. 3
Projecto Memória.................................................................................................................. 4
Enquadramento.................................................................................................................... 7
FREUND, Giselle – La fotografia como documento social, Barcelona: Editora
Gustavo Gili,2004............................................................................................................9
SIZA, M. Tereza, e Maria do Carmo SERÉN. O Porto e os seus fotógrafos. Porto:
Porto Editora, 2001.......................................................................................................11
RIBEIRO, Paulo Artur Ribeiro - A Casa Biel e as suas edições fotográficas no
Portugal de Oitocentos. Lisboa: Edições Colibri, 2010.............................................17
PERALTA, Elsa - «Abordagens teóricas ao estudo da memória social», In Arquivos
da Memória – Antropologia Escala e Memória, N.º2, 2007, Centro de Estudos de
Etnologia Portuguesa, pp. 4-23...................................................................................19
Conclusão............................................................................................................................ 23
2
Introdução
A fotografia é um dos meios de expressão a partir do século XIX assume
protagonismo na qualidade de testemunha, memória e é interveniente nos
acontecimentos da sua época. Esta ambivalência permite-lhe comprovar que algo
realmente aconteceu, manter viva a memória do acontecimento e ainda transmitir
a perspectiva de quem estava por detrás da câmara. Nasce na primeira metade do
século XIX e projecta-se até ao início do século seguinte, como símbolo de
modernidade e testemunha das transformações tecnológicas e sociais.
A fotografia era e é um passatempo caro. Como ainda hoje sucede com as
numerosas novidades tecnológicas que invadem os mercados, as suas inovações
são inicialmente caras e dispendiosas, acessíveis apenas às bolsas dos mais
abastados. Nesse contexto foi acolhida com entusiasmo por uma burguesia em
ascensão que encontrou nela o meio moderno e contemporâneo para afirmar o seu
modelo social. A fotografia constituiu, desde o início, um factor de distinção social,
na medida em que até ao terceiro quartel do século XIX, ser fotografado era um
sacrifício dispendioso que apenas os mais abastados podiam suportar. A evolução
tecnológica do meio, com a consequente simplificação e embaratecimento dos
processos, permitiram a sua generalização a todos os extractos sociais. A sua
expansão alterou a forma como se verificava a distinção social, que no início
dependia do simples facto de se ser fotografado, depois porque quem e onde se
era fotografado e finalmente ser o próprio a fotografar (ter ou não ter um aparelho
fotográfico).
O projecto apresentado Tem desde a sua génese uma vertente eminentemente
prática orientada para a dinamização e mediação cultural de um ou mais espaços
consoante a disponibilidade e as necessidades. A reutilização do quiosque da
Praça Carlos Alberto surge neste contexto como uma das valências onde o projecto
se poderia desenvolver, não sendo de excluir outro tipo de equipamentos como
museus, bibliotecas ou arquivos.
3
Projecto Memória
As fotografias sobre a cidade do Porto como suporte para uma memória individual
e colectiva são a matéria-prima do presente projecto, com o objectivo de promover
a memória e a história da cidade através da fotografia documental1, associado a
um programa de actividades paralelas que promova o conhecimento sobre a
história a cidade e a literacia visual.
Na Praça Carlos Alberto, junto ao Palacete dos Viscondes de Balsemão, existe um
quiosque que foi instalado no local, no decorrer das obras de remodelação da
Praça iniciadas no âmbito da Capital Europeia da Cultura. Após uma breve período
em que funcionou como ponto de venda de jornais, o mesmo foi encerrado
O quiosque é uma réplica do seu congénere, classificado como imóvel de interesse
municipal e ainda em funcionamento no Largo do Mompilher. Constitui assim uma
espécie de evocação às micro estruturas que proliferaram no espaço urbano da
cidade desde os finais do século XIX e início do século XX como alguns dos pontos
de venda e de encontro mais populares da cidade2.
O presente projecto, a que podemos chamar para efeitos deste trabalho de
Projecto Memória, propõe a reutilização deste imóvel património da cidade e da
memória colectiva dos portuenses, resgatando-o à sua função original, bem como
à «não-utilização» a que está votado, através de um processo que Françoise
Choay3, classifica como reutilização, no âmbito do qual edifícios modestos, nem
prestigiados nem prestigiosos, são reconhecidos e valorizados por novas
1 No sentido mais lato toda a fotografia pode ser documental, para efeitos do presente
projecto será entendida por fotografia documental toda a imagem fotográfica, que regista e
recorda acontecimentos, paisagens urbanas, hábitos, eventos sociais, que nos permitam
conhecer e olhar o passado. Esta imagens podem incluir retratos de fotógrafos
profissionais, registos de identificação, postais ilustrados, fotografias de amadores e álbuns
familiares, todo o tipo de instantâneos sem interesse estético e artístico, vulgarmente
designado por fotografia vernacular.
2 http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/patrimonioimovel/detail/71511/
3 CHOAY, Françoise . A alegoria do património, Lisboa: Edições 70, 20004
disciplinas e pela etnografia, no caso concreto através da realização de exposições
de fotografia e cartofilia sobre a cidade do Porto.
À semelhança do que sucede com a arte pública, que desde meados do século XIX
ocupa lugar de destaque nas nossas cidades, o quiosque da Praça Carlos Alberto e
as suas micro exposições ficarão situadas no espaço público e acessível à
contemplação de todos os que circulam na rua.
O púbico escolar, sénior e grupos informais, apreciadores de fotografia,
nomeadamente através da sua utilização enquanto recurso de educação não
formal nas áreas da literacia visual e da história, funcionando as exposições como
dinamizadores de actividades paralelas no interior do Palacete dos Viscondes de
Balsemão.
O passado em geral e a história das cidades em particular tende a ser cada vez
mais valorizado nas sociedades contemporâneas. Várias teses procuram justificar
este fenómeno de nostalgia colectiva, como uma consequência das
transformações ocorridas no imaginário ocidental no decorrer das últimas décadas,
enquanto outros o classificam como uma resposta ao dinamismo dos processos de
mudança social, económica e cultural resultantes da globalização, que têm como
consequência inversa a busca fervorosa de referências identitárias4. Uma terceira
via considera o recurso ao passo como a melhor forma para justificar as tendências
do presente, considerando que a actual valorização do passado representa o fim
de uma era de optimismo ilimitado no futuro que teve início com o Iluminismo,
quando as sociedades ocidentais redireccionaram a sua visão do mundo das
glórias do passado para o futuro5.
À luz das perspectivas referidas, a valorização das memórias da cidade podem ser
encarada sob duas perspectivas complementares, uma identitária e outra
económica. A primeira consolida a comunidade perante a ameaça globalizadora, a
segunda legitima e fortalece a primeira através do olhar dos outros,
potencialmente gerador de receitas através da indústria do Turismo,
4 ABREU, Mauricio Almeida - «Sobre a Memória das Cidades», Revista Território 111.4 (1998):
in. pag. http:\www.revistaterritorio.com. Web. 6 Oct. 2011, pp. 6-26
5 LE GOFF, Jacques – História e Memória, Lisboa: Edições 70, 20005
É o olhar aprovador dos outros que permite à cidade competir no mercado turístico
mundial, onde a sua memória se transforma em mercadoria rentável, que justifica
elevados investimentos na sua conservação e preservação, bem como a corrida a
certificados de qualidade conferidos pelo estatuto de património seja ele da
humanidade, mundial, nacional ou simplesmente de interesse municipal.
A fotografia alterou a partir da segunda metade do século XIX revolucionou os
processos de construção da memória individual e colectiva6, transformando a
forma como indivíduos e sociedades armazenam e se relacionam com as suas
memórias. Numa perspectiva mais radical, a imagem fotográfica tende a substituir
as nossas raízes, como consequência dessa crescente intimidade entre memória e
fotografia, transforma-se num instrumento de nostalgia, através do qual
recordamos e damos importância a assuntos banais7.
Nos últimos cem anos, a fotografia tornou-se tão comum no nosso quotidiano que,
de vermos tanta fotografia, já não nem reparamos nela8. No entanto, apesar de
aparentemente não lhe darmos importância, ninguém consegue imaginar um
mundo sem imagens. Esquecemos rapidamente que a noção, generalizada e
acessível a muitos, de «ver o passado» teve início apenas no final do século XIX,
com a proliferação de ilustrações em livros9 e publicações periódicas, que se
vulgarizou com a popularidade da fotografia, habituando o nosso olhar à constante
presença das imagens.
A sua importância na nossa memória individual ou familiar está representada no
lugar de honra que ocupa nas nossas casas. Cuidadosamente guardada em álbuns
que retiramos para visionamento em família ou nas fotografias a que decidimos
dar a honra de uma moldura, com lugar num altar de fotografias que conta a
6 LE GOFF, Jacques – História e Memória, Lisboa: Edições 70, 2000
7 SONTAG, Susan – On Photography, London: Penguin, 1979
8 ? FREUND, Giséle - Fotografia e Sociedade, Lisboa: Veja Gabinete de Edições, 1995
9 ? LOWENTHAL, David - The Past is a Foreign Country, Cambridge: Cambridge University
Press, 19856
história da família, para oferta a um familiar ou simplesmente pendurar na
parede10.
Os nossos álbuns familiares guardam uma memória individual no sentido em que é
partilhada apenas pelos membros de uma família enquanto membros de um
grupo. Nesse sentido, as fotografias tendem a substituir as narrativas familiares
para se constituírem como guardiães da nossa memória individual e colectiva.
Assumem particular importância como auxiliares da memória e contribuem para
uma imagem física do passado, promovendo e reforçando os laços de filiação
entre os membros de um grupo com base no seu passado colectivo. Segundo
Maurice Halbwachs, citado por Elsa Peralta a importância identitária da memória é
universal, na medida em que todos os grupos sociais desenvolvem uma memória
do seu próprio passado colectivo e que essa memória é indissociável da
manutenção de um sentimento de identidade, que permite identificar o grupo e
distingui-lo dos demais11.
Enquadramento
A valorização do passado da cidade corresponde a uma necessidade identitária de
todos os que habitam e frequentam os seus espaços públicos. Saber interpretar
estas necessidades, zelando pelos bens e pelo interesse público é uma das
responsabilidades dos organismos públicos e das autarquias locais em particular. A
simplicidade e os baixos custos orçamentais deste projecto, quando comparados
com as mais-valias culturais esperadas, constituem um aspecto cuja pertinência é
legitimada pela situação orçamental que vivemos.
Além das exposições que contribuem para a dinâmica de animação da praça,
potenciando os seus recursos turísticos e oferecendo mais um factor de atracção,
será de considerar o potencial, deste tipo de exposições junto de públicos
seleccionados, sejam eles escolares, seniores ou grupos informais, no que respeita
à educação informal, memória colectiva e à promoção da literacia fotográfica.
10 EWALD, Wendy - I wanna take me a Picture – Teaching photography and writing to children,
Boston: Beacon Press, 2001
11 PERALTA DA SILVA, Elsa, «Abordagens teóricas ao estudo da memória social: uma resenha
crítica, Arquivos da memória» – Antropologia, Escala e Memória, N.º2 2007, Centro de Estudos
de Etnologia Portuguesa, pp. 4-23
Entendemos por literacia a capacidade individual de processar e comunicar
informação transmitida em variados contextos, bem como a competência para a
tratar, interpretar e transmitir com autonomia, adaptando-se a uma sociedade que
cada vez mais necessita de cidadãos criativos e com competências acrescidas12.
12 SILVA, Vera – «Acrescentar e ampliar leituras: projectos da Biblioteca Municipal do Seixal para
a literacia visual». Sara Pereira (Org.) (2011), Congresso Nacional "Literacia, Media e
Cidadania" 25-26 Mar2011, Braga, Universidade do Minho: Centro de Estudos de Comunicação
e Sociedade, http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/lmc/article/view/466/437em 24/9/11 –
9h54
8
FREUND, Giselle – La fotografia como documento social, Barcelona: Editora Gustavo Gili,2004
RESUMO: Autora relaciona a mudança do gosto e das formas de produção
artística com as transformações sociais em curso, e no caso em questão com a
emergência de uma nova classe dominante em busca de legitimação social. Traça
a génese do negócio da fotografia e da sua ambivalência que perdura até aos dias
de hoje: arte/indústria. Aborda nos capítulos citados os primeiros 50 anos da
fotografia.
Palavras-chave: Fotografia no século XIX; distinção social; burguesia
«A Relação entre as formas de expressão artística e a sociedade» pp. 7-8
Autora relaciona as condições materiais e social com as manifestações de gosto
(no sentido estético), bem como às formas de expressão artística, considerando
que, como resultado dessa estreita ligação o gosto dominante e os meios de
expressão disponíveis constituem um retrato, muitas vezes fiel, de uma
determinada sociedade, numa época e contexto localizado. Em consequência
disso, as formas de expressão artística tendem a modificar-se em resposta às
alterações na estrutura social. Como exemplo apresenta ascensão social da
burguesia como resultado do seu poder económico que levou à alteração das
clientelas dos artistas e consequentes alterações no gosto das elites.
A par das mudanças sociais, o século XIX viu nascer um desenvolvimento científico
e tecnológico que teve reflexos na transformação das formas de expressão
artística. A fotografia foi um dos actores dessa transformação, alterando as formas
tradicionais de representação da imagem. A sua popularidade alastrou a todas as
classes sociais integrando o seu quotidiano, enquanto meio de expressão de uma
sociedade assente na tecnologia.
«Os primeiros fotógrafos» pp. 35-42
Da mesma forma que o desenvolvimento tecnológico e industrial levou ao
desaparecimento de diversas actividades artesanais, também o desenvolvimento e
a popularidade da fotografia, contribuiu na mesma proporção para o declínio dos
tradicionais retratos a óleo, das miniaturas e das gravuras. A primeira geração de
fotógrafos profissionais foi recrutada entre estes artistas e a eles se deve a
9
qualidade da primeira produção fotográfica com poses e adereços semelhantes
aos utilizados pelos antigos retratistas.
«Expansão e decadência do ofício de fotógrafo (1870-1914)» pp. 79-81
A popularização da fotografia e a sua competição com o retrato a óleo pelo mesmo
mercado levou a que os artistas negassem à fotografia o estatuto e dignidade de
obra de arte. Os primeiros fotógrafos contestaram sempre esta posição
classificando o seu trabalho como arte. A autora considera que nem os fotógrafos
nem os retratistas possuíam na realidade ambições artísticas. Procuravam
sobretudo garantir a sua sobrevivência económica, correspondendo o gosto da sua
clientela, na medida em que o estatuto de arte lhes conferia (aos fotógrafos) mais
crédito junto do público. Com o desenvolvimento das técnicas fotográficas,
nomeadamente a possibilidade de reproduzir a baixo custo, múltiplas provas em
papel, a ambivalência da fotografia entre arte e indústria vai sendo gerido pelos
seus profissionais em função das conveniências do mercado e da clientela.
A fotografia acompanhou o espírito da época em direcção à industrialização das
actividades económicas. A partir de 1864 publicam-se em diversos países
europeus dezenas de revistas fotográficas, fundam-se clubes, sociedades e
empresas fotográficas que organizam exposições e se dedicam à venda de postais
ilustrados e clichês. Na produção fotográfica verifica-se a evolução do carácter
único e dispendioso do daguerreótipo, para técnicas que permitem a reprodução
de grandes quantidades da mesma imagem, a custos reduzidos, ampliando o
mercado da fotografia a todos os extractos sociais. A venda de retratos de figuras
públicas e sobretudo, os cartões-de-visita, bem como os bilhetes-postais
fotográficos constituem exemplos da industrialização da fotografia. Um negócio
que segundo a autora empregava cerca de 500 mil pessoas na França do final do
século XIX.
No final do século XIX, início do século XX a Kodak lança uma gama de aparelhos e
o seu célebre slogan «you click the button and we do the rest». Milhares de
pessoas prescindem do estúdio fotográfico excepto em ocasiões especiais. Ganha
impulso a fotografia amadora.
10
SIZA, M. Tereza, e Maria do Carmo SERÉN. O Porto e os seus fotógrafos. Porto: Porto Editora, 2001
RESUMO: História da fotografia na cidade do Porto. Percurso de implementação
do novo meio e os seus impactos sociais e económicos à luz dos acontecimentos
históricos da época.
Palavras-chave: História da Fotografia, fotógrafos do Porto
«O difícil espaço de implantação da fotografia» pp.5-22
As autoras relatam a divulgação e o uso da fotografia na cidade do Porto, no início
da segunda metade do século XIX. A burguesia comercial e industrial do Porto
adere à moda de reprodução mecânica do retrato, que traduzia o progresso e a
modernidade que o Porto as suas elites pretendiam adoptar para se manterem ao
nível dos restantes países europeus. A popularidade da fotografia teve como
consequência o fim da actividade dos 10 retratistas que em 1844 anunciavam os
seus serviços na imprensa local.
A partir de 1854 no Porto o interesse pela fotografia é transversal aos jovens da
classes abastadas e imune aos seus antagonismos políticos. Publicam-se
numerosos retratos da imprensa portuense, todos com membros destacados das
elites sociais e políticas da cidade, fossem patuleias ou cartistas.
Os daguerreotipistas itinerantes, que passavam temporadas no Porto e
anunciavam os seus serviços nos jornais da época, foram responsáveis pela
introdução de novas técnicas bem como pela formação e venda de equipamento
aos primeiros daguerreotipistas portugueses. O Retrato fotográfico popularizou-se
numa primeira fase entre um conjunto de notáveis da sociedade portuense ligados
às artes e às ciências, e posteriormente adoptado como forma de distinção social
por toda a burguesia portuense.
«Ideal de Progresso e Imaginário fotográfico» pp. 40-51
No ano de 1862 anunciavam na imprensa portuguesa seis fotógrafos profissionais.
Nesse ano a exposição industrial no Palácio da Bolsa dá grande destaque à
fotografia com a apresentação de novas técnicas, bem como de fotografias dos
profissionais em actividades e de um número crescente de amadores.
11
No final do século XIX a sociedade portuense já ganhara o hábito de se fotografar e
o cartão-de-visita fotográfico era um acessório indispensável da etiqueta social. O
acto de ser fotografada conquista um enquadramento simbólico que lhe confere
prestígio e distinção social e económica, na medida em que estava apenas ao
alcance da bolsa dos mais abastados. As autoras aludem às poses que atestam
bem da solenidade do acto bem como à rigidez necessária para a captura das
imagens.
Símbolo de progresso tecnológico, o seu uso corresponde ao desejo de progresso
e civilização que nessa época se caracteriza pelo progresso tecnológico e a
introdução de máquinas, bem com a construção de edifício emblemáticos como o
Palácio de Cristal, onde a fotografia ganha lugar de destaque entre as exposições
industriais lá realizadas.
A evolução técnica permitindo de forma económica a reprodução em papel
permitem a industrialização da imagem fotográfica e a alteração dos seus usos
sociais, através do uso de cartões-de-visita, o visionamento de álbuns fotográficos
no decorrer de um serão em família.
Estes álbuns podiam conter imagens da família bem como paisagens, figuras
públicas da política, das artes ou da realeza. Acessível à burguesia mas ainda fora
do alcance das classes populares.
Nesta fase a distinção social ainda é feita entre os deixar-se fotografar e ter
retratos fotográficos de si e dos seus ou não ter.
«Emílio Biel e a União» pp.54-89
A partir dos anos 70 a distinção social já não reside apenas no facto de se ser
fotografado, por quem se é fotografado passa a ser igualmente importante. Certos
estabelecimentos ostentam o prestigioso título de fotografia da Casa Real após
terem tirado o retrato ao Rei D. Luiz, como sucedeu com a Fotografia União e a
mais tarde a Casa Emílio Biel. A união dedicava-se ao retrato, desde o cartão-de-
visita à impressão em tamanho natural e clichés de naturezas mortas. Em 1890
empregava 18 pessoas, enquanto os seus principais concorrentes como a Casa
Emílio Biel e a Fotografia Moderna empregavam cerca de 14 pessoas.
«O Porto da sociedade civil e da classe média urbana: Aurélio Paz dos Reis e
Henrique Guedes de Oliveira» pp120-
A partir dos anos 80 a fotografia no Porto atinge na óptica das autoras um grau de
maturidade que permite a sua separação em dois campos: o artístico e o industrial.
12
Na mesma linha duas correntes culturais dividiam a sociedade civil portuense, à
semelhança do que sucedia no resto do país: a oposição entre monárquicos e
republicanos.
O grau de maturidade da implantação da fotografia na cidade e no país pode
também ser aferido pelos elevados número de amadores que se dedicam de forma
livre e espontânea à arte fotográfica. Para estes amadoras a rua e os
acontecimentos diários são os seus objectos e temas. É neste contexto que
emergem nomes como Carlos Relvas e Aurélio Paz dos Reis, que se assumem
como fotógrafos semiprofissionais. Enquanto Relvas explora novas técnicas e
enquadramentos, APR assume na sua fotografia o papel de repórter engajado,
fazendo uma ampla cobertura dos eventos republicanos onde participava como
republicano convicto. As suas imagens do quotidiano documentam uma burguesia
e a aspiração de uma sociedade ideal.
«O coleccionismo dos portais ilustrados. A Cidade dos Postais, de António
Marcelo Brandão à Estrela Vermelha» pp. 153
No final do século XIX e em consequência da evolução tecnológica e dos custos
decrescentes da impressão fotográfica, chega a Portugal o entusiasmo pelo
coleccionismo de postais ilustrados. O postal ilustrado democratiza o usufruto da
fotografia de vistas e paisagens até aí limitadas aos álbuns fotográficos e à
imagem estereoscópica, ambas dispendiosas a apenas acessíveis para a burguesia
mais abastada.
Vulgariza-se a venda de colecções de postais, de artistas, líderes da oposição
republicana, membros da família e são encomendados clichés aos autores mais
reputados.
Levantamento dos fotógrafos em actividade na segunda metade do século XIX
1839 Revista N.15 transcreve um texto de Talbot noticiando o processo fotográfico: «Desenhos
obtido pela luz, ou processo segundo o qual os objectos por si mesmos se dezenharaão sem
socorro do desenhador»
1845 Primeiros Daguerreotipistas instalam-se no Porto
Adolfo e Anatólio anunciam os seus serviços de daguerreotipistas no Periódico dos Pobres, com
oficina na rua das Hortas actual rua dos Clérigos
Na mesma época outro daguerreotipistas cujo nome não foi apurado, publica anuncio no
Periódico dos Pobres, com oficina na Rua das Patas actual S. Lázaro
1852 PK Corentin permanece no Porto entre Janeiro e Agosto e 1852.
Atendia clientes enquanto a luz o permitia e depois leccionava cursos de fotografia, juntamente
13
com o seu colorista Newman
Terá sido o autor do primeiro tratado de fotografia editado em Portugal
1852 Miguel Novaes, Baptista Ribeiro, António Bernardo Ferreira (capitalista do Vinho do Porto afecto
à Patuleia), compra um daguerreótipo a Corentin no final do Curso, Domingos Pinto de Faria
(adminisitrador do Banco de Portugal no Porto) todos oriundos da burguesia portuense
frequentam curso ministrado por PK Corentin durante a sua primeira estadia no Porto.
1852 Francisco António da Silva Oeirense um dos primeiros retratistas de sucesso que abandona o
retrato a óleo e se dedica à fotografia
1853 Frederick William Flower
Inglês radicado no Porto. Começa a fotografar com colódio húmido, São da sua autoria as
fotografias, até à data, mais antigas do Porto, feitas em 1853.
Fotografa com o seu amigo Joseph James Forrester. O Barão Forrester.
1853 PK Corentin e o seu sócio Newman regressam ao Porto para nova estadia.
Montam oficina na rua das Hortas, 92 e oferecem ao público daguerreótipos coloridos e
publicam anúncio no Periódicos dos Pobres
1854 João Baptista Ribeiro
Retratista de sucesso inicia experiências com daguerreótipo. Executa retrato de Alexandre
Herculano, à data director da Biblioteca Pública Municipal do Porto.
1854 Pedro Cochat
Primeiro retratista a publicar anúncio na secção de retratistas do Almanak Comercial, onde
além de retratos a óleo anuncia também a oferta de retratos do daguerreótipo
1854 Miguel Novaes
Jovem que frequentara o curso de daguerreotipia de PK Corentin dois anos antes, após
frequência de novo curso de especialização em Espanha, estabelece-se como fotógrafo em
nome próprio com oficina na Rua do Bonjardim
1856 Louis Joseph Monnet
Praça D. Pedro. Especialista em daguerreotipia em relevo. Permanece no Porto até ao final do
ano de 1856.
1856 PK Corentin
Regressa ao Porto para nova estadia e introduz a técnica do colódio
1859 Miguel Novaes
Apesar a resistência inicial contra o uso do colódio e em defesa da superior qualidade de
imagem do daguerreótipo, Novaes acaba por aderir à nova técnica que embaratece o produto
final.
1859 Alfred Fillon
Rua das Hortas
14
1862 Domingos Paschoal Junior
Largo de Santo Ildefonso, 2. Anunciante no Almanak Comercial, Fabril, Judicial, Administrativo,
Eclesiástico e Militar do Porto e seu Distrito 1862-1863.
1862 Fotografia Fritz
Rua do Almada, 13. Anunciante no Almanak Comercial, Fabril, Judicial, Administrativo,
Eclesiástico e Militar do Porto e seu Distrito 1862-1863.
1862 Horácio e Aranha Lda.
Rua do Bonjardim, 123. Anunciante no Almanak Comercial, Fabril, Judicial, Administrativo,
Eclesiástico e Militar do Porto e seu Distrito 1862-1863.
1862 João Pedro Ribeiro
Rua de Cedofeita, 591. Anunciante no Almanak Comercial, Fabril, Judicial, Administrativo,
Eclesiástico e Militar do Porto e seu Distrito 1862-1863.
1862 Louis Philip Monnet
Rua de Santo António. Anunciante no Almanak Comercial, Fabril, Judicial, Administrativo,
Eclesiástico e Militar do Porto e seu Distrito 1862-1863.
1862 José Rocha Figueiredo
Assistente de Louis Philip Monnet
1862 Miguel Novaes
Rua do Bonjardim, 233. Anunciante no Almanak Comercial, Fabril, Judicial, Administrativo,
Eclesiástico e Militar do Porto e seu Distrito 1862-1863.
1862 F Beirich de Berlim
Rua do Calvário, 35. Depósito de produtos químicos para fotografia. Anunciante no Almanak
Comercial, Fabril, Judicial, Administrativo, Eclesiástico e Militar do Porto e seu Distrito 1862-
1863.
1864 Domingos Paschal Junior
Praça da Batalha, 2. Anunciante no Almanak Portuense para o ano de 1864.
1864 Fotografia Fritz
Rua do Almada, 13. Anunciante no Almanak Portuense para o ano de 1864.
1864 Henrique Nunes
Rua das Flores, 152. Anunciante no Almanak Portuense para o ano de 1864.
1864 Ingleza
Rua do Almada, 266. Anunciante no Almanak Portuense para o ano de 1864.
1864 João Pedro Ribeiro
Rua da Restauração, 281. Anunciante no Almanak Portuense para o ano de 1864.
1864 Miguel Novaes
15
Rua do Bonjardim, 233. Anunciante no Almanak Portuense para o ano de 1864.
1864 Pinto & Ferreira
Rua do Bonjardim, 233 ??. Anunciante no Almanak Portuense para o ano de 1864.
1864 Sala & Irmão
Rua do Bonjardim, 95. Anunciante no Almanak Portuense para o ano de 1864.
1865 Fotografia Fritz
Rua do Almada, 122
1865 Fotografia Nacional
Rua da Picaria, 1.Chalet com estúdios e jardins exteriores que permitiam fotografar com luz
natural
1871 Fotografia Parisiense
Rua de Cedofeita
1863 Salla e Laroche
Rua do Bonjardim, 208
1863 José da Rocha Figueiredo
Rua de Santo António. Fica com o estúdio de Lour Philip Monnet
1864 Amorim & Cª
Praça Almeida Garrett
1864 Henrique Nunes
Rua das Flores, 152
1865 Francisco José Rezende
Retratista da Casa Real e pintor famos. Adoptou a daguerreotipia como auxiliar da pintura e
participou na secção de Fotografia da Exposição Industrial.
1865 Henrique Nunes
Fotógrafo amador. Participou na secção de Fotografia da Exposição Industrial.
1865 João Augusto Castro
Fotógrafo amador. Participou na secção de Fotografia da Exposição Industrial.
1865 Fotografia Nacional
Participou na secção de Fotografia da Exposição Industrial.
1865 Salla e Irmão
Participou no secção de Fotografia da Exposição Industrial.
1865 Casa Talbot
Participou no secção de Fotografia da Exposição Industrial.
16
1871 Fotografia Parisiense
Rua de Cedofeita. Estabelecimento fundado por Casimir Lefebre, antigo colaborador de Nadar.
1871 Fotografia Moderna
Rua da Picaria, 1. Ocupa as instalações da Fotografia Nacional.
1872 A União
Praça dos Voluntários da Rainha/Prala Gomes Teixeira
1870 Casa Emilio Biel
1882 A Portuense
1882 A Universal
Rua de Cedofeita, 67
189? Fotografia do Bolhão
Rua Formosa, 242
189? Royal Photo
Rua do Bonjardim, 268
RIBEIRO, Paulo Artur Ribeiro - A Casa Biel e as suas edições fotográficas no Portugal de Oitocentos. Lisboa: Edições Colibri, 2010
Palavras-Chave: Fotografia, História da Fotografia, Fotografia no Porto
Resumo: Nos capítulos referenciados o autor faz uma síntese da história da
fotografia e da sua implementação e expansão no nosso país com referências
abundantes aos estabelecimentos comerciais que estiveram em actividade
«Introdução e primórdios» pp. 25-52
A segunda metade do século XIX foi um período de grande desenvolvimento nas
artes, indústria e ciência, que beneficiaram de um acelerado desenvolvimento
científico. As descobertas nas áreas da física e da química conduziram à
descoberta da fotografia em 1839. Os custos elevados que tornaram o
daguerreótipo apanágio das classes mais abastadas, não impediram a criação de
um mercado que permitiu o desenvolvimento posterior da fotografia com recurso a
técnicas mais económicas.
A exploração comercial da daguerreotipia começa em Portugal a partir de 1843,
poucos anos após a sua apresentação pública. Esta divulgação rápida ficou-se a
17
dever aos fotógrafos estrangeiros em digressão pelo nosso país. Instalavam os
seus estúdios nas zonas comerciais de Lisboa e Porto de forma a estarem mais
próximo da sua clientela, a burguesia mais abastada. Partiam quando esta
começava a rarear. Em meados da década de 50 surgem os primeiros
estabelecimentos explorados por fotógrafos nacionais: Miguel Novaes no Porto e
os irmãos Gomes em Lisboa. Mas até ao final da década a maioria dos fotógrafos
em actividades continuam a ser estrangeiros de passagem pelo nosso país.
O recurso à fotografia para a realização de retratos deu origem a uma rivalidade
entre daguerreotipistas e retratistas. Fruto dessa concorrência os segundos, à
semelhança do que faziam os primeiros, passaram a anunciar os seus serviços na
imprensa periódica.
O custo do daguerreótipo não era muito diferente do retrato. O custo variava em
função do tamanho, mas era de tal forma elevado que apenas os mais abastados
se podiam fazer retratar. Em 1870, os retratos mais económicos e de dimensões
mais reduzidas podiam custar entre 2000 e 2500 reis. O equivalente, segundo o
autor, a cinco meses de salário de um cantoneiro, a 30 kg de arroz, 65 kg de
batata, e a 30 litros de vinho.
A partir de 1860, o retrato fotográfico já era mais popular do que o retrato a óleo, o
autor socorre-se de fontes literárias para fazer esta afirmação, nomeadamente
Camilo Castelo Branco. Nessa época os meios burgueses já aceitavam a fotografia,
embora ainda usassem o dispendioso daguerreótipo, que desde a década de 50
vinha sendo substituído na Europa por processos mais económicos como a chapa
de vidro negativo em colódio que permita reproduzir inúmeras cópias a partir de
um único negativo. A partir dos anos 60 estas técnicas tornaram a fotografia
acessível a novos extractos da burguesia e permitiram a divulgação e
implementação dos cartões-de-visita fotográficos. Surgem os primeiros amadores
e o retrato torna-se uma prática comum entre a burguesia que procura copiar os
estereótipos da aristocracia.
«Fotógrafos no Porto de oitocentos» pp. 53-90
Os primeiros fotógrafos portugueses surgem nas cidades do Porto e de Lisboa a
partir de meados da década de 50. Segundo o autor, este atraso na exploração
comercial da fotografia em relação aos restantes países europeus, deve-se à
Instabilidade política do País a que a Regeneração pôs termo e à escassa
capacidade económica da maioria da população. Estes factores limitaram a
quantidade de público que tinha acesso à fotografia na fase do daguerreótipo.
18
O autor assinala que devido à presença estrangeira no Porto e à solidez financeira
do seu comércio, as novidades fotográficas e a instalação de casas de fotografia
decorreu em simultâneo em Lisboa e no Porto. No entanto considera que a
diminuta presença de fotógrafos do porto como um sintoma da fraca participação
da população nas actividades económicas da cidade.
«Conclusão» pp.213-219
Autor conclui que a fotografia portuguesa de oitocentos foi vítima do atraso na
introdução das técnicas fotográficas. Esse atraso marcou a forma como o público
recebeu o novo meio, justificando assim o aparecimento tardio de estúdios nas
principais cidades e a vulgarização dos processos fotográficos
PERALTA, Elsa - «Abordagens teóricas ao estudo da memória social», In Arquivos da Memória – Antropologia Escala e Memória, N.º2, 2007, Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa, pp. 4-23
Palavras-Chave: Memória Colectiva, Memória
Resumo: Autora propõe-se a realizar uma resenha das principais teorias do estudo
da memória social, campo de investigação que procura analisar a forma como o
indivíduo, de forma consciente ou inconsciente, colectiva ou individual, é moldado
pelo passado. Aborda várias perspectivas, a teoria da memória colectiva de
Halbwachs, das políticas de memória e as relações entre a memória oficial e a
memória popular.
Halbwachs e a memória colectiva
A autora começa por recordar que sendo a recordação um acto individual, a sua
base social foi negligenciada durante muito tempo. Maurice Halbwachs, discípulo
de Durkheim seria dos primeiros autores abordar esta matéria numa perspectiva
sociológica.
Para Halbwachs, a memória colectiva constitui uma imagem partilhada do
passado, que tem como função promover e manter os laços de filiação entre os
elementos de um grupo, com base no seu passado colectivo. Nesse sentido
desenvolveu o conceito de memória colectiva e aplicou-o na análise das
recordações do passado no seio de grupos (família, religião, classe social etc.),
sugerindo que a análise das recordações pessoais são sempre influenciadas pelo
19
contexto e influência das instituições sociais. Por esse motivo afirma que quando o
indivíduo recorda o faz enquanto membro de um grupo social, o que pressupõe na
perspectiva da autora a sujeição das memórias individuais aos padrões colectivos,
na medida em que o que recordamos enquanto indivíduos é sempre influenciado
pela nossa pertença a um determinado grupo.
Todos os grupos sociais possuem uma memória do seu passado colectivo, que é
essencial para a manutenção de um sentimento de identidade que permite
identificar o grupo e distingui-los dos demais.
Apesar as criticas e revisões feitas por vários autores mais recentes como Fentress
e Wicham13 que denunciam a ênfase excessiva na natureza colectiva da memória,
realça a actualidade e o pioneirismo do pensamento de Halbwachs. As suas
premissas constituem inspiração e o ponto de partida para estudos na área da
história social, antropologia e sociologia, dos quais Paul Connerton 14 constitui um
bom exemplo.
«A abordagem das políticas de memória»
Neste ponto a autora salienta que sendo Halbwachs contemporâneo dos
movimentos políticos que mais valorizaram a memória como forma de legitimar o
estado-nação, ignorou o facto das memórias sociais serem frequentemente
construções políticas. Nesse sentido considera igualmente contraditório que os
cientistas sociais tenham até aos nos 70 ignorado o tema, considerando a
valorização que as elites e os estados atribuíram à memória no final do século XIX
e início do século XX como instrumento de legitimação de projectos políticos
nacionalistas.
A abordagem presentista da memória social, assente no facto da memória ser uma
construção do presente ganhou popularidade junto de várias correntes
disciplinares e deu origem a estudos diversos que abordam e a instrumentalização
da memória pelos regimes políticos com recurso aos meios de comunicação social,
ensino, museus e monumentos. Esta abordagem teórica ao estudo da memória
considera que o passado e as suas tradições são estrategicamente manipulados ou
inventados pelas classes dominantes de forma a perpetuarem a sua influência e
servirem as suas necessidades presentes. Esta corrente de pensamento está
presente na obra de Hobsbawm e Ranger15, que procuram demonstrar a invenção
e difusão de uma memória oficial com fins políticos.
13 FENTRESS, J e WICKHAM, C, Memória social, Lisboa: Teorema, 1992
14 CONNERTON, Paul. Como as sociedades recordam. Oeiras: Celta, 1993
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Uma das principais críticas que segundo a autora são apontadas a esta corrente é
menos o saber se as memórias e as tradições são ou não inventadas, nem as suas
relações com o poder, não considerando a possibilidade das memórias do grupo
sobreviverem em paralelo com as memórias oficiais, considerando que a
celebração de um passado colectivo concorre sempre para a construção,
manutenção ou legitimidade de um projecto político e com tal deverá sempre
considerado uma variável importante em qualquer estudo sobre a memória social.
«A abordagem da memória popular»
A abordagem designada por memória popular tem como linha de abordagem a
possibilidade da memória oficial emanada pelas classes dominantes ser
confrontada com as memórias de minorias ou grupos dentro da sociedade que não
aderem à memória oficial.
Nesta linha, a autora refere as teorias desenvolvidas pelo Popular Memory Group
do Centre for Contemporary Studies em Birmingham16. Para estes autores a ordem
política dominante constitui um espaço de conflito permanente entre as formações
sociais dominantes e marginalizadas. Considerando estas interacção como um
processo de dominação e de resistência ideológica que define os conteúdos da
memória em cada momento. A memória social constitui assim um espaço onde
cada grupo procura impor a sua versão do passado.
Estudos mais recentes desenvolvidos por Bodnar17 concentram-se na construção
da memória na esfera pública, encara a construção de memórias como um
processo de negociação entre versões e narrativas do passado que expressam
versões opostas num debate que leva à construção, erradicação e
consensualização dessas memórias.
Em jeito de resumo a autora reafirma que embora as construções sociais do
passado implicam relações de poder, cada indivíduo pertence a vários grupos em
simultâneo e como as suas memórias são dinâmicas, selectivas e moldadas pelos
vários grupos a que pertence.
15 HOBSBAWM, E. J., and T. O. RANGER. The Invention of tradition. Cambridge:
Cambridgeshire: Cambridge University Press, 1983. Print.
16 JOHNSON, Richard. Making histories: studies in history-writing and politics. London: Hutchinson in
association with the Centre for Contemporary Cultural Studies, University of Birmingham, 1982.
17 BODNAR, John E.. Remaking America: public memory, commemoration, and patriotism in the
twentieth century. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 19921991
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«A memória como sistema cultural»
A memória é um dos mecanismos que atribui significado a uma cultura. Fá-lo
através a relação dos acontecimentos passados com momento presente. A
memória é social na medida é que é construída no seio de um grupo e sujeita a
todos os seus constrangimentos.
As memórias são individuais porque produto da mente de um indivíduo e a sua
relação com o mundo exterior...
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Conclusão
O projecto apresentado tem desde a sua génese uma vertente prática orientada
para a dinamização e mediação cultural de um ou mais espaços, consoante a
disponibilidade e as necessidades da instituição de acolhimento. A reutilização do
quiosque da Praça Carlos Alberto surge, neste contexto, como uma das valências
onde o projecto se poderia desenvolver, não sendo de excluir outro tipo de
equipamentos como museus, bibliotecas ou arquivos.
Considerando que a informação contextual e histórica é essencial para a
elaboração de projectos ou propostas de actividades nesta área, este e outros
trabalhos académicos constituem uma excelente oportunidade para desenvolver
essa vertente mais teórica e menos organizativa.
Para iniciar a pesquisa seleccionei as obras de Giselle Freund18 e de Siza e Serén19.
A primeira permitiu o conhecimento da evolução do novos meio de expressão em
um dos seus países de origem, a França respondendo a questões como: Como se
implantou a fotografia? Quem eram os primeiros fotógrafos? Vendedores de banha
da cobra, artistas ambulantes ou artesãos qualificados? Quem eram os seus
clientes? Porque se queriam fotografar? Que consequências sociais e económicas
teve?
A segunda, «O Porto e os seus Fotógrafos» permitiu obter informação introdutória
sobre a implantação da fotografia em Portugal e no Porto em particular,
contextualizando-o com o contexto histórico, social e político da época traçando
um retrato ainda que superficial da actividade fotográfica na cidade do Porto. A
confrontação entres estas duas obras permite perceber que estamos perante
etapas semelhantes, clientelas semelhantes e processos evolutivos semelhantes,
embora com um hiato de tempo crescente entre o aparecimento das inovações e
modas em França e a sua chegada à periferia europeia, a Portugal. As autoras
fazem levantamento da actividade fotográfica comercial na cidade através do
levantamento de anúncios publicados na imprensa escrita com especial incidência
no Almanak Comercial e no Periódico do Pobres. Possivelmente haverá anúncios
em outras publicações da época como parecem indiciar as fontes consultadas por
Paulo Artur Ribeiro20, que, além destas, recorre a outras publicações periódicas e
18 FREUND, Giselle – La fotografia como documento social. Barcelona: Editora Gustavo Gill, 2004
19 SIZA, M- Tereza, e SERÉN, Maria do Carmo – O Porto e os seus fotógrafos. Porto: Porto Editora, 2001
20 RIBEIRO, Paulo Artur – A Casa Biel e as suas edições fotográficas no Portugal de Oitocentos. Lisboa: Edições
Colibri, 2010
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revistas especializadas publicadas a partir da segunda metade do século XIX,
como a revista Arte Photographica entre outras.
Um aspecto que resulta destas leituras é que a fotografia chega a Portugal por via
do daguerreótipo logo após a sua apresentação pública em França. Mas numa fase
posterior as inovações tecnológicas e as modas vão chegado cada vez com maior
atraso. Neste ponto será de considerar a tese defendida por Paulo Artur Ribeiro em
que defende que as elites portuguesas contribuíram involuntariamente para
retardar a implantação de técnicas mais económicas de forma a manter a distinção
social e a exclusividade proporcionada pela fotografia continuaram a dar
preferência ao retrato com o daguerreótipo até próximo dos anos 60 do século
XIX?
A leitura a «Casa Biel e as suas Edições fotográficas no Portugal de Oitocentos»
revelou-se particularmente interessante pela grande quantidade de fontes
referida, bem como pela bibliografia utilizada. Levanta algumas questões passíveis
de ser exploradas, como quando considera o número de reduzido de fotógrafos do
Porto como um sintoma da escassa participação da população nas actividades
económicas da cidade, este aspecto é discutível podendo haver outras
justificações de carácter social e económico que impediram a existência de um
mercado com dimensão para tornar viável a actividade permanente de vários
fotógrafos locais, situação que se alterou a partir do final do século XIX, quando
funcionam em simultâneo vários estúdios fotográficos, mais prestigiados e
dirigidos a públicos diferenciados.
Estas três obras podem ser particularmente importantes pelas fontes e bibliografia
que apresentam, constituindo nesse aspecto um guia interessante para prosseguir
o presente projecto.
Igualmente importante afigura-se a relação entre a fotografia e a memória
colectiva da cidade que constitui um aspecto central do presente projecto. A
leitura do artigo de Elsa Peralta21 foi de extrema importância pelas pistas que
oferece sobre os diversos autores que se dedicaram ao estudo da memória, de
Halbwachs a Paul Connerton e Fentress. As teorias de Halbwachs pela sua
actualidade sobre a memória colectiva poderão ser particularmente relevantes na
contextualização do presente projecto, nomeadamente no que respeita às
memórias familiares.
21 PERALTA, Elsa - «Abordagens teóricas ao estudo da memória social», In Arquivos da Memória – Antropologia Escala e Memória, N.º2, 2007, Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa, pp. 4-23
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