flora viana da cÂmara (diretora...
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RAYSSA LUANA DE LIMA MONTE (Secretária Acadêmica)
FLORA VIANA DA CÂMARA (Diretora Acadêmica)
ILANA LUCAS DIOGO (Diretora assistente)
PAULO RICARDO DE LIMA LUCENA (Diretor Assistente)
PEDRO VITOR BEZERRA MANSO MACIEL (Diretor Assistente)
POEMA MASCENA DE AZEVEDO (Diretora Assistente)
TAYNÁ FERNANDES MARINHO (Diretora Assistente)
VINÍCIUS PIMENTEL CAVALCANTI DE OLIVEIRA (Diretor Assistente)
VITOR EMMANUEL VIANA ANTUNES DANTAS (Diretor Assistente)
WENDEL SPÁRGOLI BERNARDO DA SILVA (Diretor Assistente)
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Caso A: Favela Nova Brasília Vs. República Federativa do Brasil
Caso B: Vladimir Herzog Vs. República Federativa do Brasil
Guia de Estudo apresentado ao Projeto de
Extensão e Pesquisa UNISIM-RN — Simulação
Intermundi, do Centro Universitário do Rio
Grande do Norte (UNI-RN), a ser realizado na
data de 23 a 26 de agosto de 2017.
Orientadora Geral: Vânia Vaz Barbosa Cela
Mentora: Clara Cavalcante Silva
Natal/RN
2017
LISTA DE ABREVIATURAS
Ato Institucional n.º 5 (AI-5)
Centro de Justiça e o Direito Internacional (CEJIL/ Brasil)
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (“CIDH” ou “Comissão”)
Comissão Nacional da Verdade (CNV)
Constituição Federal de 1988 (CF/88)
Corte Interamericana de Direitos Humanos (“Corte IDH”)
Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos contra Estabelecimentos Financeiros
(DRRFCEF)
Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna
(DOI-CODI)
Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE)
Fundação Armando Álvares Penteado (Faap)
Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FIIDDH)
Grupos de Operações Especiais (GOE)
Human Rights Watch/Americas (HRW/A)
Organização das Nações Unidas (ONU)
Organização dos Estados Americanos (OEA)
Partido Comunista do Brasil (PCB)
Polícia Civil (PC)
Polícia Militar (PM)
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH)
Secretaria de Direitos Humanos (SDH)
Simulação Intermundi do UNI-RN (UNISIM)
Supremo Tribunal Federal (STF)
Universidade de São Paulo (USP)
SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 3
1 O SISTEMA AMERICANO DE DIREITOS HUMANOS ................................................................................. 5
1.1 A Corte Interamericana de Direitos Humanos .................................................................................... 7
1.2 O Brasil como signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos ............................. 9
2 INSTRUMENTOS AMERICANOS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS ..................................... 11
2.1 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos .......................................................................... 12
2.1.1 Obrigação de respeitar os direitos .............................................................................................. 12
2.1.2 Dever de adotar disposições de direito interno ......................................................................... 13
2.2.3 Direito à vida .................................................................................................................................. 13
2.2.4 Direito à integridade pessoal ....................................................................................................... 14
2.2.5 Garantias judiciais ........................................................................................................................ 14
2.2.6 Proteção da honra e da dignidade .............................................................................................. 15
2.2.7 Direitos da criança ........................................................................................................................ 15
2.2.8 Proteção judicial ............................................................................................................................ 16
2.2 Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem ............................................................. 16
2.2.1 Direito à vida, à liberdade, à segurança e integridade da pessoa ........................................... 16
2.2.2 Direito à liberdade de investigação, opinião, expressão e difusão ......................................... 17
2.2.3 Direito de residência e trânsito .................................................................................................... 17
2.2.4 Direito à justiça .............................................................................................................................. 18
2.2.5 Direito de associação ................................................................................................................... 18
2.2.6 Direito de proteção contra prisão arbitrária ............................................................................... 18
3 VIOLÊNCIA PRATICADA POR AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA, TERRORISMO DE ESTADO E DIREITOS HUMANOS .................................................................................................................................... 19
3.1 A evolução federal dos direitos humanos no Brasil ........................................................................ 21
4 CASO A: COSME ROSA GENOVEVA, EVANDRO DE OLIVEIRA E OUTROS (FAVELA NOVA BRASÍLIA) VERSUS REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.................................................................... 23
4.1 Contexto histórico: o padrão de uso excessivo da força militar e execuções sumárias ............ 24
4.2 Descrição dos fatos e definição do problema .................................................................................. 27
4.3 As incursões de 18 de outubro de 1994 e de 8 de maio de 1995 .................................................... 29
4.4 Denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e resposta da República Federativa do Brasil ...................................................................................................................................................... 31
5 CASO B: VLADIMIR HERZOG E OUTROS VERSUS REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ............. 34
5.1 Contexto histórico: do Golpe Militar de 1964 ao regime democrático ........................................... 35
5.2 Vida e morte do jornalista Vladimir Herzog ...................................................................................... 38
5.3 Descrição dos fatos e definição do problema .................................................................................. 40
5.4 Denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e resposta da República Federativa do Brasil ...................................................................................................................................................... 42
5.5 A Lei de Anistia e suas implicações em âmbito nacional e internacional ..................................... 45
5.6 A formação de uma Comissão Nacional da Verdade e a apuração da morte de Herzog ............. 46
6 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................... 47
REFRÊNCIAS ................................................................................................................................................. 49
ANEXOS .......................................................................................................................................................... 54
3
INTRODUÇÃO
A UNISIM — SIMULAÇÃO INTERMUNDI é um projeto de extensão e pesquisa
universitária do Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN), cujo o propósito é
a realização de simulações de organismos internacionais ou modelos das Nações Unidas,
na intenção de debater, de forma política ou jurídica, os direitos humanos, o
desenvolvimento social e econômico, bem como a consolidação da democracia, em um
ambiente de diplomacia.
Em sua XI Edição, a UNISIM, em sua vertente destinada aos alunos do ensino
médio das redes pública e privada de ensino — MINI UNISIM — contará com a realização
de dois comitês, sendo um político, o Fórum dos Governadores do Nordeste, que discutirá
políticas para amenizar os efeitos da seca na região nordestina, bem como combater o
trabalho infantil; e um comitê jurídico, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que
julgará dois casos de importância nacional e internacional: a Chacina de Nova Brasília e o
assassinato do jornalista Vladimir Herzog.
Cometida por policiais civis e militares em duas incursões a Favela de Nova
Brasília, nos anos de 1995 e 1996, a Chacina de Nova Brasília, como ficou conhecida,
resultou na morte de 26 pessoas e três casos de abuso sexual, violência contra a mulher
e tortura, sob a justificativa dos “autos de resistência à prisão”, num período marcado por
políticas promovidas pelo governo para estimular a formação de grupos de extermínio,
bem como para garantir a impunidade dos agentes do Estado, sem que nenhuma ação
empenhada no sentido de apurar, realizar diligências ou punir seus algozes fosse
realizada pelo Estado brasileiro.
De igual maneira, o caso do Jornalista Vladimir Herzog refere-se a detenção
arbitrária, tortura e morte do então Jornalista, durante a Ditadura Militar. Vladimir Herzog
era jornalista e trabalhava, à época dos fatos, na TV Cultura. Era ainda militante do
Partido Comunista Brasileiro (PCB), o qual fazia oposição ao regime militar instaurado no
poder. Em 25 de outubro de 1975, Vladimir foi detido em um destacamento do Exército de
São Paulo, o DOI-CODI - Destacamento de Operações de Informação - Centro de
Operações de Defesa Interna — torturado e morto por militares que serviam ao regime
político da época. Sua morte foi noticiada à família e a sociedade como suicídio, mas
investigações posteriores concluíram que a morte por enforcamento havia sido forjada, o
que provou uma enorme comoção social.
4
Ambos os casos foram levados à Corte Interamericana em razão da omissão do
Estado brasileiro em apurar os fatos, alcançar a verdade, empreender diligências, alterar
a legislação interna do país no sentido de alcançar uma punição aos responsáveis pelos
crimes cometidos, rompendo com o ciclo de impunidade que se perpetua desde o
princípio da instituição da polícia, e, por fim, punir seus algozes. Estes casos possuem
ainda um aspecto comum, que acompanha o desenvolvimento da sociedade brasileira
desde o Regime Militar aos dias atuais: a violência policial, uma vez que as práticas de
tortura eram empregadas com a finalidade de se alcançar a verdade dos fatos e impedir
manifestações contrárias ao governo ditatorial, e se perpetuam aos dias atuais no
exercício de arbitrariedades nos procedimentos policiais, que permanecem impunes.
Isto posto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão último do Sistema
da Organização dos Estados Americanos, encarregada de promover a observância dos
direitos humanos nas Américas, sob a égide da Convenção Americana de Direitos
Humanos, julgará ambos os casos, tendo como réu o Estado brasileiro, sendo a Chacina
de Nova Brasília o primeiro caso de violência policial a ser julgado pelo referido órgão.
E para que o órgão que promoverá o julgamento, bem como os casos dos quais
serão julgados, sejam apresentados, este Guia de Estudos foi elaborado para orientar,
conduzir, a preparação para os dias de simulação. Este Guia é apenas um material
auxiliar, elaborado pelos diretores, os quais prestarão orientação antes e durante a
simulação, e que jamais deverá ser substituídos pelas informações disponibilizadas nos
sites da Corte Interamericana, bem como da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos. Ou seja, é necessário que outras fontes sobre ambos os casos sejam
pesquisadas e estudadas para um maior entendimento sobre os fatos e aproveitamento
da simulação, buscando em fontes outras de pesquisa, informações relevantes sobre os
casos, bem como sobre as provas que deverão ser produzidas, a serem apresentadas no
momento oportuno.
Aqueles que participarão do comitê terão a oportunidade de simular como
Representantes das Vítimas (acusação), Representantes do Estado (defesa) ou como um
dos sete Juízes que compõem a banca. Cada uma das partes que compõem a Corte
deverá elaborar um Documento de posição, a saber, respectivamente, a petição inicial, a
contestação e a sentença, que deverão ser produzidas tempestivamente. Por isso, é
importante que os delegados assumam a posição da qual representarão nos dias de
simulação, desempenhando, de modo fidedigno e com o devido decoro, o comportamento
esperado no desempenho de seus papéis, seja na defesa, acusação, seja como juízes.
5
Por fim, desejamos uma excelente e produtiva simulação a todos, com momentos
de reflexão, problematização e busca por soluções que alcancem o propósito desta Corte:
o respeito aos direitos humanos, a concretização da justiça social e promoção da paz e
democracia entre as nações.
1 O SISTEMA AMERICANO DE DIREITOS HUMANOS
A proteção interamericana aos direitos humanos teve início com a aprovação da
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e da Carta da Organização dos
Estados Americanos (OEA), em 30 de abril de 1948, durante a realização da XI
Conferência Interamericana, que ensejou a consolidação gradativa da OEA, responsável
pelo desenvolvimento internacional da proteção do Direito Interamericano dos Direitos
Humanos.
A OEA é uma organização internacional, derivada da Organização das Nações
Unidas, encarregada de promover a paz e a segurança continental, consolidar a
democracia representativa, respeitando a soberania e o princípio da não intervenção,
prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar soluções pacíficas às
controvérsias que surjam entre seus Estados membros, bem como dos problemas
políticos, jurídicos e econômicos que surjam à âmbito interno dos mesmos, promovendo o
desenvolvimento social, econômico e cultural, além de erradicar a pobreza crítica que
constitui um obstáculo ao pleno desenvolvimento democrático dos povos, bem como,
alcançar a efetiva limitação de armamento bélico convencional1 pelas nações.
A OEA é composta por 35 países independentes das Américas2, dentre eles, o
Brasil, e é capaz de celebrar tratados com os demais entes de direito internacional, a fim
de alcançar o propósito da proteção aos direitos humanos no continente americano. Essa
organização surge integrada por dois órgãos, sob a égide de dois principais instrumentos
normativos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Convenção
Americana de Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica, sendo a Comissão
1 Sobre o propósito da OEA, vide os princípios norteadores das obrigações impostas aos Estados
membros. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/sobre/proposito.asp>. Acesso em: 18 de março de 2017.
2 Os 35 países independentes que compõem a OEA são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Estados Unidos, Uruguai, Venezuela, Barbados, Trindade e Tobago, Jamaica, Granada, Suriname, Dominica, Santa Lúcia, Antígua e Barbuda, São Vicente e Granadinas, Bahamas, São Cristóvão e Nevis, Canadá, Belize e Guiana. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/sobre/estados_membros.asp>. Acesso em: 18 de março de 2017.
6
Interamericana de Direitos Humanos (“CIDH” ou “Comissão”) e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos (“Corte IDH”) dois órgãos dos quais o propósito é o acompanhamento
do cumprimento das obrigações auferidas aos Estados membros da OEA.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, criada em 1959 pela Carta da
OEA, é um órgão autônomo e especializado na promoção e proteção dos direitos
humanos no âmbito do Organismo Americano, sendo integrado por sete membros
independentes, considerados peritos em direitos humanos, sem representatividade
nacionalística, eleitos pela Assembleia Geral da OEA.
Tem por finalidade a promoção e a observância da proteção aos direitos humanos
no âmbito do continente Americano, através da realização de visitas aos países-membros,
atividades ou iniciativas temáticas, bem como a preparação de relatórios sobre a situação
dos direitos humanos em um país ou acerca de um respectivo tema, sobre a adoção de
medidas destinadas à Corte IDH, e o processamento e análise de petições, com o
objetivo de determinar a responsabilidade internacional de um Estado em razão da
violação dos direitos humanos, tendo por finalidade última, a emissão de recomendações
que considerar necessárias.
As petições examinadas pela Comissão Interamericana podem ser apresentadas
por pessoas, grupos de pessoas ou organizações que alegam violações de direitos
humanos resguardados na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, na
Convenção Americana de Direitos Humanos e em outros tratados internacionais sobre a
matéria. Dessa forma, há que se falar em dois sistemas normativos, o da OEA, aplicável
antes da referida Convenção ter entrado em vigor e atualmente voltado apenas aos
Estados não-partes da Convenção, bem como o sistema mais atual e prevalente, que é o
do Pacto de São José da Costa Rica, cujos principais mecanismos processuais ou
jurídicos de proteção são a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A denúncia devera ser apresentada contra um ou mais Estados membros da OEA
que se considere ter violado direitos humanos tutelados pelos instrumentos americanos
de proteção. Nesse sentido, o Estado poderá ser responsável pela violação de direitos
humanos por ação, aquiescência ou omissão, e nunca na pessoa de seus agentes, mas
tão somente na responsabilidade internacional de um Estado-membro da OEA, uma vez
que a Comissão não tem competência para determinar a responsabilidade de uma
pessoa. E se determinar que um Estado é responsável pela violação de direitos humanos
em um caso em análise, poderá a Comissão, em seu relatório, determinar
7
recomendações aos Estados, como a suspensão dos atos ensejadores das violações de
direitos humanos, investigação e punição dos responsáveis, reparação dos danos
ocasionados, realização de mudanças no ordenamento jurídico pátrio, adoção de medidas
ou ações estatais, e ainda, poder-se-á tentar alcançar uma solução amistosa com o
respectivo Estado na intenção de solucionar a problemática apresentada na denúncia.
Na hipótese de um Estado-parte ser denunciado perante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e não cumprir com as recomendações impostas, o
caso será levado à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Diante da
importância da CIDH para o sistema regional latino-americano de proteção aos direitos
humanos, necessário se faz apresentar alguns breves aspectos do órgão jurisdicional
máximo do sistema em análise, a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
1.1 A Corte Interamericana de Direitos Humanos
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão jurisdicional do sistema
regional americano, com sede em São José da Costa Rica, capital da Costa Rica,
composta por sete juízes de nacionalidades distintas e oriundas dos Estados membros da
OEA, pelos quais foram eleitos. Possui competência contenciosa para apreciar denúncias
sobre as quais um Estado Parte violou a Convenção Americana de Direitos Humanos,
desde que tenha reconhecido a competência da Corte IDH e esgotados todos as
instâncias em âmbito interno para solucionar a disputa, em razão da natureza
complementar do sistema americano; e competência consultiva, emitindo pareceres
consultivos relativos a interpretação e aplicação dada aos dispositivos previstos na
Convenção Americana de Direitos Humanos, contribuindo, dessa forma, para a
consolidação do ideal de respeito e proteção aos direitos do homem no continente
americano3.
Mencione-se que a competência da Corte IDH não se restringe somente à
interpretação e aplicação dos dispositivos do Pacto de São José da Costa Rica,
compreendendo igualmente a competência para determinar a responsabilidade
internacional de um Estado-membro da OEA em virtude da violação de direitos humanos,
previstos em tratados de matéria específica, a exemplo dos tratados que versam sobre
3 Acerca da história da Corte Interamericana de Direitos Humanos, acessar: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/en/about-us/historia-de-la-corteidh>. Acesso em: 23 de março de 2017.
8
direitos e proteção das minorias, desaparecimento forçado, dentre outros. Ressalte-se
ainda que somente o Estado-membro da OEA e a Comissão Americana tem legitimidade
para interpor casos à apreciação e julgamento pelo referido órgão.
Contudo, a Corte IDH não possui prerrogativa, por meio da competência
contenciosa, para garantir a execução de suas decisões em âmbito interno de cada país,
realizando a revisão de decisões emitidas pelos tribunais nacionais, a exemplo do Brasil,
como as que representam afrontas aos direitos fundamentais resguardados na
Constituição Federal de 1988 (CF/88), ainda que prolatadas pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), como no processo de revisão da Lei de Anistia Brasileira, que será tratada
mais adiante. Ou seja, a Corte não tem a finalidade de substituir os tribunais internos de
cada um dos países integrantes da OEA que tenham reconhecido expressamente a sua
competência.
O sistema americano não dispõe ainda de um eficaz mecanismo de cumprimento
das sentenças proferidas pela Corte no ordenamento jurídico interno dos Estados que por
ela foram condenados, ainda que a Convenção Americana tenha expressamente
determinado o compromisso das nações integrantes de cumprir as decisões da Corte.
Uma vez descumpridas, caberá a Corte informar a Assembléia Geral da OEA sobre o não
cumprimento da sentença pelo Estado-membro.
Exemplo disso, é a condenação do Estado brasileiro a adequar a legislação
doméstica aos preceitos internacionais de proteção aos direitos humanos previstos nos
instrumentos americanos em que a Corte, no caso Gomes Lund e outros contra o Brasil,
concluiu que a Lei de Anistia de 1979 viola o dever internacional do Estado de investigar,
processar e punir as graves violações de direitos humanos em casos de
desaparecimentos forçados, tendo por isso o Estado brasileiro sido condenado. Destacou
ainda que a Lei de Anistia é contrária às disposições da Declaração sobre a Proteção de
Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados em razão de sua aplicação
impedir a obrigação do Estado de investigar, processar e punir os responsáveis pelos
desaparecimentos, ou quando oculte o nome daqueles que perpetraram tais violações ou
se exonere seus autores de responsabilidade. Declarou, por fim, que as disposições da
Lei de Anistia brasileira que são igualmente incompatíveis com a Convenção Americana,
carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a
investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos
responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros
9
casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana
ocorridos no Brasil4, a exemplo das apurações acerca dos crimes cometidos por agentes
do Estado durante a Ditadura Militar.
Por fim, através dos pareceres consultivos, a Corte IDH promove a uniformidade
das interpretações dadas aos dispositivos da Convenção Americana, determinando seu
alcance e impacto. De igual maneira, no plano contencioso, ao julgar casos de violações
de direitos humanos, a Corte corrobora com a conformidade das interpretações dadas aos
dispositivos ao aplicá-los aos casos concretos, determinando a responsabilidade
internacional ao Estado parte. Com isso, as decisões da Corte ganham caráter vinculante
e obrigatório, de imediato cumprimento pelo Estado vencido, desde que o mesmo tenha
reconhecido a jurisdição do órgão. O Estado brasileiro reconheceu a competência
contenciosa da Corte em 21 de dezembro de 1998, através do Decreto Legislativo n. 89,
de 19985.
Desse modo, a Corte IDH realiza suas atribuições no sentido de empenhar maior
proteção aos direitos humanos no continente americano, assentada no valor absoluto do
respeito a dignidade da pessoa humana, contribuindo para que a democracia e o combate
a impunidade se consolidem e impeçam retrocessos no atual estado de direitos.
1.2 O Brasil como signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos
A Convenção Americana de Direitos Humanos, também intitulada Pacto de São
José da Cota Rica, é o instrumento de maior importância para sistema interamericano. Foi
assinada em 1969 e aprovada em 1978, após ter tido 11 ratificações6. É competente para
reconhecer acordos traçados pelos Estados-partes da Convenção, além de criar dois
4 Caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil. Ver sentença de 24 de novembro de
2010, Série C, n. 219. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. Acesso em: 23 de março de 2017.
5 O Decreto Legislativo de n. 89, de 3 de dezembro de 1998, aprovou a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir do reconhecimento, de acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art. 62 daquele instrumento internacional. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/1998/decretolegislativo-89-3-dezembro-1998-369634-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 25 de março de 2017.
6 Inicialmente, a Convenção Americana foi ratificada por 11 países, condição para que a mesma fosse aprovada, e posteriormente, assinada por 24 países, os quais se tornaram sagitários, os quais sejam: Argentina, Barbados, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Grenada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Suriname, Trindade e Tobago, Uruguai e Venezuela. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm>. Acesso em: 26 de março de 2017.
10
mecanismos para a efetivação dos direitos humanos nas Américas, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. O
Brasil aderiu à Convenção em 9 de julho de 1992 e a ratificou em 25 de setembro de 1992,
pelo Decreto nº 687, de 6 de novembro de 19927. Contudo, reconheceu tardiamente a
competência da Corte, em dezembro de 1998. Somente os Estados membros da OEA
têm direito de se tornar parte dela.
A criação do Pacto de São José da Costa Rica fortaleceu o sistema
interamericano criado pela Declaração Americana, e promoveu outros grandes avanços,
ademais da instituição e atribuição da competência da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, que funcionava até então penas como órgão da OEA8. Apesar de
entrar em vigor apenas em 1978, ou seja, nove anos após sua assinatura, quando o 11º
instrumento de ratificação foi depositado, a Convenção foi responsável por instituir um
padrão de ordem pública em respeito aos direitos humanos no continente americano,
dando início a consolidação do regime de liberdade e justiça social.
A proteção aos direitos humanos não se limita a determinar a responsabilidade
dos Estados condenados pela Corte Interamericana, como também reconhece e assegura
um rol de direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos dos quais os Estados
devem promover a plena realização e dar efetividade, bem como garantir o seu livre
exercício, sem qualquer discriminação ou restrição de direitos e liberdades individuais,
corroborando, como já mencionado, para a consolidação e fortalecimento da democracia
nos países americanos.
A proteção dada aos direitos humanos pela Convenção Interamericana é
complementar a que oferece a legislação doméstica de cada país que a tenha ratificado.
Isso quer dizer que a Convenção não retira dos Estados parte a competência primária
para amparar e proteger tais direitos, mas que, contudo, em caso contrário, poderá atuar
o sistema interamericano para proteger o direito do qual o Estado não preservou ou não
efetivou do modo que deveria. Assim, o sistema protetivo interamericano deverá atuar
somente após ter sido dada a oportunidade do Estado agir, intervindo excepcionalmente
em caso de inação deste.
7 O Decreto Legislativo de nº 678, de 6 de novembro de 1992, promulgou a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em: 27 de março de 2017.
8 Faz-se relevante constar que o sistema interamericano consiste em dois regimes: um baseado na Convenção Americana e outro baseado na Carta da organização dos Estados Americanos. A finalidade deste Guia de Estudos se dará em razão da Convenção Americana de Direitos Humanos.
11
Portanto, a jurisdição protetiva do Pacto e do Sistema Interamericano tem caráter
suplementar, não cabendo a substituição da jurisdição estatal interna para determinar a
investigação e julgamento de um caso concreto. Cabe ao estado a proteção imediata,
enquanto que ao sistema interamericano compete a responsabilidade mediata, que para
tanto, tem como requisito o prévio esgotamento dos recursos internos para que um caso
seja levado a Comissão Interamericana e julgado pela Corte IDH.
2 INSTRUMENTOS AMERICANOS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
Com o fim das duas grandes Guerras Mundiais que devastaram territorialmente
grande parte da Europa e Ásia e, economicamente, diversos países que estavam
envolvidos direta e indiretamente, assim como evidenciaram a toda a população mundial
os horrendos acontecimentos que marcaram a segunda metade do século XX, diversos
países decidiram adotar medidas que visassem evitar outro conflito com capacidade de
pôr fim à existência humana.
Dessa forma, alguns os líderes de Estados encontraram no Direito Internacional
uma forma de discutir questões que vão além de suas fronteiras, resolvendo diferenças
políticas através da diplomacia e soberania, o que resultou na criação de um órgão de
proteção e fomento aos direitos humanos em âmbito internacional, a Organização das
Nações Unidas (ONU), bem como a elaboração de diversos documentos inspirados na
ideologia do organismo, que visam proteger os indivíduos e suas garantias fundamentais.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos se fundamenta em dois desses
documentos, como já explicado, sendo a Convenção Americana de Direitos Humanos e a
Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, os quais se integram, em
essência, à Declaração Universal de Direitos Humanos, porém, destinada ao continente
Americano, o qual é o centro de atuação da Corte.
A seguir, serão abordados alguns dos dispositivos de ambos os documentos,
pertinentes à atuação da Corte e da Comissão sobre os dois casos que serão julgados
por este Tribunal, sendo a Chacina de Nova Brasília e o assassinato do Jornalista
Vladimir Herzog.
12
2.1 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos
Também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, a Convenção
Americana Sobre Direitos Humanos, é um tratado internacional aprovada em 1969 que
começou a vigorar somente em 1978. Essa convenção foi aceita, ao todo, por 24 países
do continente americano9 e tem por objetivo proteger os Direitos Humanos em âmbito
internacional, sendo aplicada a todos os países signatários, sem exceção, bem como
institui a criação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, responsável por fiscalizar
o cumprimento de seus dispositivos nos países signatários do pacto.
A Convenção é um dos documentos responsáveis por unir, de forma harmoniosa,
diversos países do continente americano, visando a um único propósito: a defesa dos
direitos humanos, bem como a paz social, realizando assim uma atuação específica, se
comparada à que se propõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
2.1.1 Obrigação de respeitar os direitos
O 1º artigo da Convenção em muito se assemelha ao Artigo 2º da Declaração
Universal de Direitos Humanos, em que, para se exercer um direito imposto por ambos os
documentos internacionais, deve-se desconsiderar características utilizadas para
segregar os indivíduos10, visto que, nos dois documentos, o ser humano é tratado de
forma igualitária, independente de como é visto por sua cultura ou sociedade.
A Corte, em casos outrora julgados, consolida sua interpretação do dispositivo no
sentido de entender que qualquer indivíduo é um ser único, merecedor de respeito,
afastando, dessa forma, toda e qualquer ação que se proponha a discriminar uma pessoa,
não importando o motivo aparente, o que também foi incorporado em nossa Carta Magna,
9 Sendo eles: Argentina, Barbados, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominicana, República
Dominicana, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm>. Acesso em: 3 de abril de 2017.
10 Orientação sexual, gênero, religião, opinião política, língua, raça, entre outras características as quais estão descritas nos artigos 1º da Convenção Americana de Direitos Humanos e 2º Declaração Universal de Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm> e <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>, respectivamente. Acesso em: 9 de abril de 2017.
13
mais precisamente em seu artigo 5º11, em que prevê a defesa dos direitos dos indivíduos,
independentemente de sua origem, raça ou cultura.
2.1.2 Dever de adotar disposições de direito interno
Este segundo dispositivo é entendido pela Corte como uma garantia legislativa
dada ao artigo 1º, o qual foi explicitado anteriormente. Dessa forma, pretende-se que os
Estados signatários cumpram as recomendações e decisões provenientes dos órgãos
interamericanos, reafirmando seu comprometimento com a proteção internacional dada
aos direitos humanos. No Brasil, essa pauta pode ser observada através da Emenda
Constitucional de número 4512, promulgada em 30 de dezembro de 2004, em que o
Estado brasileiro estabelece que os tratados internacionais que versarem sobre matérias
de Direitos Humanos, dos quis forem aprovados em território nacional, terão vigência
legislativa de grau equivalente à Emenda Constitucional.
É, possível concluir, portanto, que o artigo 2º da Convenção é de extrema
importância por tratar do ser humano em grau de individualidade, bem como este se
relaciona com a sociedade. É de imensa preocupação da Corte garantir a integridade
moral de qualquer indivíduo perante qualquer conflito que venha a ocorrer e que tente
desmoralizar seu reconhecimento individual, como sujeito de direitos, promovendo assim,
a adoção de disposições internas, pelo Estado-membro, capazes de solucionar um pleito
e promover a concretização de direitos.
2.2.3 Direito à vida
O artigo 4º estabelece a defesa de um dos mais fundamentais princípios da
sociedade ocidental e dos diversos organismos jurídicos da atualidade. A vida de uma
pessoa é um bem que não podemos quantificar e, portanto, deve ser protegido, não só de
11 CF, art. 5º, caput: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e á propriedade, nos termos seguintes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 13 de abril de 2017.
12 Emenda Constitucional nº 45: Art. 5º, §3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm>. Acesso em 14 de abril de 2017.
14
forma internacional, mas também de forma específica, através das Constituições dos
respectivos Estados partes.
No entanto, o grande diferencial da Convenção é que a mesma não desconsidera
a realidade de alguns países que mantém a pena de morte em seu território nacional, e
mesmo admitindo tal pena, o Pacto fixa trâmites que tentam regular tal pena, para que
não seja usada de forma inapropriada pelos governos que aderem a essa prática.
2.2.4 Direito à integridade pessoal
O artigo 5º apresenta a defesa da integridade dos indivíduos condenados por atos
ilícitos. A Convenção, assim como pode ser visto no Código Penal brasileiro, não admite
que o indivíduo seja tratado de modo desumano, ainda que tal indivíduo tenha cometido
um crime conta a vida, uma das garantias fundamentais mais protegidas pelos países
americanos.
A Convenção, assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não
corrobora com a ideia de “perda de humanidade”, como a população vulgarmente tende a
colocar quando pretende produzir discursos que denigrem a imagem do preso, por
exemplo. A interpretação dada a esse dispositivo coloca o ser humano como pessoa, que
independente de suas ações perante a sociedade, é merecedora de direitos e garantias.
Nesse sentido, a Corte, com base em sua influência jurídica sob os países signatários,
promove busca proteger a integridade pessoal do réu, contra arbitrariedades.
2.2.5 Garantias judiciais
O artigo da Convenção Americana que trata das garantias judiciais guarda
estreita correlação com o artigo 6º da Declaração Universal dos Direitos Humanos13, ao
admitir que certas garantias inerentes ao processo devem ser respeitadas no
ordenamento jurídico pátrio dos países signatários.
13 Declaração Universal dos Direitos Humanos: art. 6º - Todo ser humano tem o direito, em todos os
lugares, de ser reconhecido como pessoa perante a lei. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em 23 de abril de 2017.
15
A interpretação da Corte se dá no sentido de proteger um indivíduo, ainda que
este esteja sendo processado, resguardando seus direitos como cidadão, devendo ser
respeitado em todo o processo judicial.
As garantias judiciais resguardadas pela Convenção também guardam correlação
com o Código Penal Brasileiro, segundo o qual, o indivíduo que seja réu de um processo
penal, pela lei e por força dos direitos humanos, deve ser tratado com humanidade e
dignidade, de modo que os direitos fundamentais salvaguardados em nossa Constituição
Federal não sejam descumpridos.
2.2.6 Proteção da honra e da dignidade
Honra e dignidade sempre foram, na sociedade ocidental, princípios importantes
para os indivíduos. Apesar do modo como tais princípios são protegidos ter sofrido
mudanças, em razão da constante evolução social, esse direito previsto na Convenção é
intrínseco ao bem-estar do cidadão, visto que abarca não só uma relação individual, mas
também coletiva, determinando valores fundados na evolução ideológica das sociedades.
A corte atribui atenção especial a esses princípios, pois entende que estão
inteiramente ligados ao plano individual do sujeito de direitos e garantias, projetando sua
integridade moral na sociedade da qual está inserido.
2.2.7 Direitos da criança
A Corte traça um pequeno artigo para tutelar os direitos e garantias das crianças.
De forma breve, o artigo 19 da Convenção estabelece três entidades institucionais,
essenciais à proteção da criança: a família, a sociedade e o Estado. Com isso, a
Convenção pretende garantir que as crianças possuam todos os benefícios necessários
para um bom desenvolvimento social, necessários ao bem-estar do menor.
16
2.2.8 Proteção judicial
Devido a seu caráter jurídico, a Corte utiliza-se das garantias processuais para
promover a proximidade da justiça com a efetivação do pleito, ou seja, dos recursos
judiciais e do cumprimento da sentença.
É importante que as partes tenham meios de interpor recursos ou garantias de
que as sentenças serão cumpridas, mantendo, desse modo, a segurança jurídica e justiça
para ambas as partes no processo.
2.2 Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, foi aprovada na 9ª
Conferência Internacional, realizada em Bogotá em 1948, sendo considerada o primeiro
documento internacional que visa a proteção de direitos tidos como intrínsecos a todos os
seres humanos. Essa declaração é tida como um marco histórico na defesa dos direitos
do homem, visto que foi produzida pouco tempo depois de uma das maiores guerras que
a humanidade já presenciou, a Segunda Guerra Mundial.
Ainda que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem seja um
documento que juristas não considerem como oficial, seu conteúdo, bem como sua
influência, são de extrema importância para o aspecto humano, visando um
comportamento social harmônico do qual os indivíduos possam viver de forma pacífica,
solucionando conflitos, bem como prevenindo governos ou grupos que venham a quebrar
tal tutela, provocando abusos de direitos.
A seguir, será realizada a análise de alguns dos principais artigos deste
documento, os quais guardam relação com os casos a serem julgados pela Corte.
2.2.1 Direito à vida, à liberdade, à segurança e integridade da pessoa
Assim como o ordenamento jurídico brasileiro, a Comissão Americana de Direitos
Humanos defende os princípios da vida, liberdade, segurança e integridade social, o que
é importante para o funcionamento do sistema jurídico, bem como para a articulação do
sistema internacional de proteção aos direitos humanos.
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A Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que tais direitos,
salvaguardados na Declaração, são primordiais para a vida tanto individual, como coletiva
e, portanto, devem ser respeitados de forma integral por qualquer um dos Estados
signatários deste documento.
2.2.2 Direito à liberdade de investigação, opinião, expressão e difusão
Declaração admite, bem como expressa, ainda que de forma intrínseca os
diversos incisos do artigo 5º da Constituição Federal brasileira, que o indivíduo, fundado
no princípio da liberdade, tem direito de manifestar sua opinião, investigar fatos e difundir
suas teorias no meio social.
A Corte defende o entendimento de que o princípio da liberdade individual não
admite censura, bem como não poderá o indivíduo, pelo que pensa ou manifesta, ser
atacado pela opinião que defende sobre quaisquer temas, desde que este não venha a
ferir a dignidade do ser humano.
2.2.3 Direito de residência e trânsito
Um dos direitos mais visados para a tutela jurídica é o direito à propriedade.
Desde o advento das Constituições escritas, período pós-Revolução Francesa, a
propriedade se tornou algo deveras importante para a sociedade, tão logo foi necessário
torná-la uma garantia fundamental, protegida e âmbito internacional.
De igual forma, a Corte, se alinhando à interpretação dada aos direitos humanos
pela Declaração Americana, também entende como fundamental a residência do
indivíduo em seu Estado originário, bem como sua livre circulação pelo território nacional
em que este reside, já que, como cidadão de seu país, esse indivíduo pode e deve gozar
de direitos, como a liberdade de transitar e estabelecer residência em qualquer parte de
seu território.
18
2.2.4 Direito à justiça
Em parte, a organização da sociedade se dá pelo respeito e cumprimento da
justiça. Seguir as leis e os trâmites das demandas processuais é de vital importância para
um completo funcionamento estrutura social, visto que o direito também se destina a
resolver conflitos que possam surgir no meio social, bem como no exercício irregular dos
poderes ou qualquer outro fator que venha a ameaçar os direitos e garantias
fundamentais dos cidadãos.
2.2.5 Direito de associação
É de conhecimento geral, adquirido por meio de estudos sobre a história da
humanidade, que o ser humano se desenvolve em sociedade a partir do momento em que
se reúne, e passa a enfrentar seus conflitos junto aos demais indivíduos, formando uma
sociedade primitiva.
Com base nesse entendimento, é possível observar que há na Declaração a
garantia fundamental de manter os indivíduos associados, seja por qual for o objetivo
(religioso, cultural, social, profissional). Nesse sentido, a Corte entende que é natural do
ser humano a reunião, por objetivos que lhes são comuns, bem como a defesa destes
propósitos quando em situação de ameaça.
2.2.6 Direito de proteção contra prisão arbitrária
A liberdade individual é uma das garantias fundamentais que mais recebe
proteção jurídica, sendo um dos principais, senão o principal direito defendido pelos
sistemas jurídicos pátrios de diversos países.
A Corte entende que essa garantia deve ser defendida a todo custo, sendo a
proteção contra a prisão arbitrária, de extrema importância, sobretudo no interesse do
referido órgão em evitar que paradigmas de prisões e processos arbitrários tornem a se
repetir ou a se perpetuar como praxe nos países-membros da Declaração.
19
3 VIOLÊNCIA PRATICADA POR AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA,
TERRORISMO DE ESTADO E DIREITOS HUMANOS
A Ditadura Militar brasileira, ocorrida entre os anos de 1964 e 1985, é um marco
histórico de fundamental importância para a compreensão das marcas político-social-
históricas existentes no Estado contemporâneo. O período ditatorial instituiu, por meio de
métodos de tortura e institucionalização da violência, uma forte repressão baseada no
suprimento de direitos políticos aos movimentos sociais e censura aos meios de
comunicação opositores ao regime. Também nesse período, foram criados Grupos de
Operações Especiais (GOE), dos quais todas as polícias foram submetidas ao comando e
à lógica militar, bem como foram criadas diversas ramificações da polícia política.
Nessa perspectiva, o surgimento de um poder estatal autoritário e repressivo
conectado ao Terrorismo de Estado14 foram uma das marcas deixadas pelo regime e que
continuam a ser perpetuadas no Estado Democrático de Direito, período no qual se
mantém intacta a cultura organizacional que foi formatada no período ditatorial, baseada
na segmentação das ações violentas, na difusão de responsabilidades, na
desumanização dos suspeitos e vítimas, na garantia do anonimato, na absoluta cisão
entre a vida profissional e a vida pessoal e social e no culto à obediência hierárquica.
No Brasil, essa prática é institucionalizada, têm nomes, sedes, heranças
escravocratas, clientelistas e autoritárias e uma hierarquia extremamente obsessiva. As
forças de segurança pública, que segundo o Artigo 14415 da Constituição Federal são
14 “O terrorismo de estado é caracterizado por um conjunto de práticas e discursos políticos abusivamente
violentos, de caráter legal ou extralegal, que visam controlar populações por meio da disseminação do medo e do terror, da repressão à oposição, e pela indução de comportamentos”. (BRANCO, 2013)
15 CF, art. 144: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. § 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. § 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do
20
organizações administrativas que tem o objetivo de preservar a ordem pública e a
incolumidade das pessoas e do patrimônio respeitando os Direitos Humanos, funcionam,
na prática, como um dos maiores infratores aos referidos direitos.
Por deter o monopólio da violência, o Estado, por meio de suas instituições de
segurança, é aquele que possui as maiores probabilidades de utilizá-la de modo
inadequado. A seu serviço estão aparelhos fortemente treinados e armados, como as
polícias e as forças militares que na prática funcionam como verdadeiros escudos
humanos das atrocidades cometidas pelo Estado. Na estruturação destes aparelhos se
observa uma organização burocrática com várias e complexas ramificações, um conjunto
ideológico que justifica suas ações sob um forte sentimento corporativo e uma
racionalidade instrumental que perpassa todas as suas instâncias.
Dessa maneira, no Brasil não é raro identificarmos práticas violentas e abusivas
por parte das instituições de segurança pública, que amparadas por um ideal de
segurança nacional e manutenção da ordem pública, se utilizam de atitudes unicamente
racionais, cometem atrocidades e rasgam direitos adquiridos por anos de luta.
Segundo o Mapa da Violência de 2016, entre 1980 e 2014 foram mortas
aproximadamente 967.85116 pessoas por armas de fogo no Brasil. Esse dado indica um
crescimento de mais de 415,1% se comparado aos números de 1980. No Brasil, os
índices que contabilizam essas porcentagens são financiados e gerenciados pelo poder
estatal, logo, há uma camuflagem institucional de atos cometidos por agentes públicos de
segurança.
Com essa reflexão surge um questionamento: como o Estado pode ser tipificado
como um agente criminoso se é ele mesmo quem define o que é um comportamento
criminoso? É justamente diante de perguntas como essas que se pode avaliar a grande
Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades. § 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. § 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. § 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas: I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 22 de maio de 2017.
16 Sobre a evolução dos homicídios praticados por armas de fogo, vide Mapa da violência 2016 — Homicídios por arma de fogo. Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2016/Mapa2016_armas_web.pdf>. Acesso em: 22 de maio de 2017.
21
importância do direito internacional, principalmente quando o foco recai sobre a violação
dos direitos humanos. Atualmente, é vasta a legislação internacional que não só
estabelece limitações para as ações do Estado como também tipifica os crimes que este
pode cometer, demarcando responsabilidades individuais dos agentes e
responsabilidades atribuídas diretamente à organização estatal. Além disso, o recurso ao
direito internacional ajuda a anular o argumento do ataque à soberania, já que os Estados
acatam voluntariamente tais normas, participando da sua elaboração.
Logo, os fenômenos supracitados caracterizam-se como uma forte violação aos
Direitos Humanos17 na medida em que ferem a dignidade, a moral e, por vezes, a própria
integridade física dos indivíduos, cerceando liberdades individuais e coletivas.
Faz-se necessária, portanto, uma revisão dos nossos conceitos e práticas no
campo das violências. Revisão esta que nos permitirá realizar análises para além das
fronteiras atuais. O tempo presente não se reduz à dimensão racional, mas deve incluir os
processos de subjetivação e a dimensão simbólica dos comportamentos sociais.
3.1 A evolução federal dos direitos humanos no Brasil
As estruturas normativas internacional e regional de proteção aos direitos
humanos, conforme já fora tratado, devem ser entendidas como coexistentes ou
complementares entre si, porquanto o direito a ter direitos é igualmente protegido por
ambos os sistemas e fez lastrear sua influência na legislação doméstica de cada país.
Além disso, é inerente a todos os indivíduos, sujeitos de direitos, merecedores de
proteção jurídica nacional e internacional, porquanto, se faz materializar o propósito dos
direitos humanos.
A Emenda Constitucional número 45, de dezembro de 2004 18 , promoveu a
reforma do sistema judiciário brasileiro, estabelecendo a federalização dos crimes
cometidos contra dos direitos humanos ao determinar que o processamento, bem como o
julgamento de causas concernentes a práticas de violação de direitos humanos deverão
17 Direitos Humanos são direitos e proteções à pessoa humana consagrada pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos que visam assegurar e trazer respeito à dignidade da pessoa humana funcionando como mecanismos limitadores do arbítrio estatal e assegurando individualidade e proteção aos cidadãos (SCANDOLEIRO, 2015).
18 Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004: Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm>. Acesso em: 2 de março de 2017.
22
ser realizados por juízes federais, conforme estabelece o art. 109, inc. V-A e §5º19 do
mesmo artigo.
A emenda possibilitou ainda a inserção dos tratados de proteção dos direitos
humanos ao ordenamento jurídico pátrio brasileiro, ao dispor nos §§ 2º e 3º do art. 5º da
CF, que os tratados internacionais sobre a matéria, dos quais o Brasil seja parte, passam
a desempenhar uma dupla fonte interpretativa, oriunda do direito interno e do direito
internacional. Logo, os tratados que compõem os sistemas nacional e internacional de
proteção aos direitos humanos, desde que tenham sido ratificados pelo Brasil, integram o
sistema constitucional brasileiro, com mesmo plano de eficácia e hierarquia normativa,
justificando, assim, o status de norma constitucional que esses tratados passaram a ter
após a aprovação da referida Emenda, conferindo completude ao sistema jurídico
nacional.
trouxe ainda a possibilidade de integração dos referidos tratados ao ordenamento
jurídico brasileiro, dispondo no nos §§ 2º e 3º do art. 5º20 da CF, em uma interpretação
contígua, da qual os direitos e garantias dispostos na Constituição e a proteção dada aos
direitos humanos pelos tratados internacionais sobre a matéria, dos quais o Brasil seja
parte, conferem uma dupla fonte interpretativa, advinda do direito interno e do direito
internacional. Logo, os tratados de direitos humanos que compõem o sistema
internacional e regional de proteção, que tenham sido ratificados pelo Brasil são fontes do
sistema constitucional de proteção de direitos, com mesmo plano de eficácia e hierarquia
normativa, o que justifica o status de norma constitucional que ganharam esses
instrumentos após a Emenda, conferindo completude e integração a ambos os sistemas.
Logo, foi com a Emenda Constitucional de nº 45 que tratados de direitos humanos
passaram a ser considerados como se escritos na Constituição Federal de 1988
estivessem, sem reduzir a importância dada à proteção dos direitos e garantias
19 Emenda Constitucional nº 45: art. 109, inc. V-A: as causas relativas a direitos humanos a que se refere
o § 5º deste artigo; § 5º: Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm>. Acesso em: 2 de abril de 2017.
20 CF, Art. 5º, §§ 2º e 3º: § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte; e § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 2 de abril de 2017.
23
fundamentais dada pelo Carta Magna. Dessa forma, a Emenda possibilitou ainda a
ampliação da hermenêutica, em grau principiológico e valorativo, conferindo novas
interpretações fundadas em uma ética universal de respeito e concretização dos direitos
inerentes ao homem, previstos nos instrumentos internacionais, corroborando para o
alcance da justiça social, e combate ao abuso de direitos, a exemplo do terrorismo de
Estado.
4 CASO A: COSME ROSA GENOVEVA, EVANDRO DE OLIVEIRA E OUTROS
(FAVELA NOVA BRASÍLIA) VERSUS REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL21
O caso de número 11.566 retrata a ocorrência de duas incursões policiais que
visavam, inicialmente, reprimir o tráfico de drogas na Comunidade de Nova Brasília,
situada no Complexo de favelas do Alemão, no Rio de Janeiro, datadas de 18 de outubro
de 1994 e 8 de maio de 1995, as quais tiveram como resultado duas chacinas onde em
cada uma delas puderam ser contabilizadas 13 mortes, ocasionando um total de 26
vítimas.
Dentre essas vítimas estavam adolescentes e adultos22, que em decorrência do
uso excessivo da força policial e de arbitrariedades praticadas, foram torturadas e
abusadas sexualmente pelos agentes do Estado, consubstanciando em praticas
violadoras dos direitos previstos nos artigos 4.1 e 1.1 da Convenção Americana de
Direitos Humanos23, respectivamente, os quais asseguram os direitos à vida e a liberdade.
Além disso, é imprescindível enfatizar, que ambos os casos foram arquivados
sem que os responsáveis fossem punidos ou indiciados, sob o risco de prescrição dos
crimes no âmbito judicial interno do país. Ainda, as execuções foram justificadas pelas
21 As informações a seguir apresentadas neste tópico foram retiradas do Relatório de Mérito n.º 141 de 31 de outubro de 2011. Disponível em: <http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2015/11566FondoPt.pdf>. Acesso em: 02 de março de 2017. 22 Esta alegação específica refere-se apenas às três supostas vítimas do caso 11.694, cujas identidades são mantidas em sigilo por solicitação dos peticionários, em virtude da segurança à vida e integridade pessoal. Disponível em: <http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2015/11566FondoPt.pdf>. Acesso em: 09 de março de 2017.
23 O artigo 4.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que: Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida, Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente; o artigo 1.1 do mesmo documento estabelece que: Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 13 de março de 2017.
24
autoridades como “autos de resistência à prisão”24, ou seja, optaram por responsabilizar
as vítimas pelo ocorrido a responsabilizar o Estado pela chacina realizada.
Contudo, devido à ociosidade e apatia das autoridades brasileiras em investigar o
caso e punir os responsáveis, Organizações Não Governamentais brasileiras
formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que enviou
como resposta um Relatório de Mérito ao Estado brasileiro, o qual se recomendava a
realização de uma exaustiva investigação pelo poder público judiciário a fim de se
determinar os fatos e punir os eventuais responsáveis, buscando-se combater as
omissões, atrasos e negligências, e alcançando uma compensação às vítimas e familiares
dos mortos, bem como, uma formação mais adequada e “humana” dos agentes de
segurança pública, para que assim, os estigmas sociais fossem superados. Ocorre que o
Estado brasileiro não adotou as medidas necessárias e recomendadas pela Comissão,
mostrando-se novamente omisso para com o caso, sem prestar qualquer auxílio às
vítimas.
Oportuno é ressaltar também, que a Chacina de Nova Brasília é o primeiro caso
envolvendo violência policial a ser julgado pela Corte, e é a primeira vez em que Brasil se
tornou réu em um organismo por não punir a repressão violenta de seus agentes de
segurança pública, os quais deveriam proteger a população, e não se constituir como
inimiga da população.
4.1 Contexto histórico: o padrão de uso excessivo da força militar e execuções
sumárias
“Menina de 13 anos morre baleada dentro de sua escola”25, “Amarildo teria sido
torturado e morto na sede da UPP”26, “Estudante perde a visão após ser ferida em
protesto contra impeachment” 27 . Não é de hoje que casos como esses tomam as
24 CPP, art. 292: Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à
determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 13 de março de 2017.
25 Menina de 13 anos baleada dentro de escola é enterrada no RJ. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/04/menina-de-13-anos-baleada-dentro-de-escola-e-enterrada-no-rj.html>. Acesso em: 07 de março de 2017.
26 Caso Amarildo: entenda o que cada PM condenado fez, segundo a Justiça. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/02/caso-amarildo-entenda-o-que-cada-pm-condenado-fez-segundo-justica.html>. Acesso em 07 de março de 2017.
27 Estudante perde a visão após ser ferida em protesto contra impeachment. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,estudante-perde-a-visao-apos-ser-ferida-em-protesto-contra-impeachment,10000073517>. Acesso em: 07 de março de 2017.
25
manchetes jornalísticas, evidenciando e expondo a forma repressiva e violenta com que
os agentes policiais salvaguardam o direito à segurança pública dos cidadãos brasileiros.
Há uma complexa conjuntura, no que diz respeito, às corporações militares, tanto no que
se refere a questão do treinamento antiquado, como também ao que se relaciona às
péssimas condições de trabalho enfrentadas pelos agentes, que vão desde a falta de
treinamento adequado, à falta de equipamentos de trabalho, o que em alguns casos,
acabam por corromper e, consequentemente, marginalizá-los em formações de milícias.
O cenário da violência policial no Brasil obteve maior destaque após o final do
período ditatorial, em meados da década de 80, no momento em que surgiram denúncias,
evidências e provas de que os oficiais do Estado teriam praticados atos de tortura e de
violência contra opositores e personalidades da época. Nos anos de ditadura acreditava-
se que toda pessoa ou instituição que defendesse ideais divergentes aos do governo
eram subversivos, portanto, considerados inimigos internos. Neste grupo podemos incluir
além de comunistas, estudantes, líderes de sindicatos, artistas, escritores, intelectuais e
outros. Tendo essa premissa como ponto de partida, a tortura se tornou um instrumento
legal e justificável para supostamente promover a harmonia da sociedade. Entre as
vítimas dos porões da ditadura, a morte do jornalista Vladimir Herzog teve grande
repercussão. Em 1975, seu óbito, declarado primeiramente como suicídio, foi um dos
muitos casos de assassinato sob torturas praticados pelos agentes estatais. O jornalista
Milton Bellintani acredita que “o golpe de 1964 representou a transformação da tortura em
política de Estado”28.
Com isso, a Polícia Militar (PM) foi largamente utilizada como extensão dos
órgãos de repressão da ditadura, e recebia treinamentos análogos aos recebidos por
soldados do Exército brasileiro, os quais eram preparados para situações conflituosas de
grande porte, fazendo com que a PM empreendesse uma abordagem excessiva,
autoritária e truculenta para com a população daquela época. Hodiernamente, o que se
constata é que a máquina de segurança pública, herdou práticas autoritárias e opressivas
e não se reciclou, sendo notória a presença de alguns resquícios que subsistem ainda
hoje, como a falta de transparência, a política classicista que estigmatiza a população
negra e de baixa renda como marginais, as prisões muitas vezes arbitrárias, a prática de
torturas, assassinatos e ocultações de cadáveres, entre outras práticas, ultrapassando
cotidianamente os limites da lei.
28 Os efeitos da Ditadura na atual Polícia Militar. Disponível em: <http://agemt.org/?p=4066>. Acesso em:
11 de março de 2017.
26
A população, contudo, se mostra amedrontada com a atuação das polícias
brasileiras, assim como temia os algozes da ditadura. É possível ainda constatar
características comuns a ambos os períodos quando se trata da atuação da polícia no
controle de massas em protestos, como, por exemplo, durante as manifestações da
“Revolta do Busão” em 201329. Nota-se que o despreparo e a dificuldade dos policiais em
contornar a situação de forma humana e pacífica possuem uma enorme similitude com o
modo de operação da polícia na contenção dos movimentos estudantis à época da
ditadura, da qual jovens eram, assim como em 2013, torturados, reprimidos e violentados.
Dessa maneira, o objetivo final de paz e controle social só tomava proporções inversas e
negativas, tais quais se repetem nos dias atuais.
Por outro lado, deve-se reconhecer as condições de trabalho dos policiais
militares no Brasil. Na maioria dos casos, com os baixos salários de servidor não os
permitem sustentar a família, fazendo-os depender de outras atividades remuneradas
para complementar 0a renda, contribuindo para o aumento do estresse emocional e a
abalo psicológico. Mencione-se ainda que a profissão de policial é de alto risco, e em
missões, o agente se coloca entre a vida e a morte, uma vez que o armamento policial é
frágil, assim como, os equipamentos de segurança. Acrescente-se a isso, o despreparo
para lidar com situações cotidianas, dando margem à prática de arbitrariedades.
Segundo pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, 64% dos policiais
assumem não ter treinamentos adequados 30 . Dados como esse, comprovam que os
agentes da segurança pública são vítimas do descaso do Estado brasileiro, o qual deveria
zelar pela segurança de seus cidadãos.
Paradoxalmente, o índice de homicídios no país fica entre os mais altos das
Américas e do mundo. Entre os milhares de homicídios que acontecem todo ano,
destacam-se os incidentes de execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais. Trata-se
de casos dos quais as autoridades, ou agentes particulares que contam com o apoio
explícito ou implícito das autoridades, matam civis sem justificava aparente, tendo ou não
meios de defesa impossibilitados. Essa conjuntura somente obteve maior repercussão
com o fim da ditadura, e com o passar dos anos, diversos casos bárbaros de execuções
sumárias aconteceram, e se mostram ainda hoje como práticas rotineiras no país.
29 São mais que R$ 3,50. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/sao-mais-que-r-3-50-
5236.html>. Acesso em: 11 de março de 2017. 30 Em pesquisa, 64% dos policiais assumem não ter treinamento adequado para lidar com protestos.
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/em-pesquisa-64-dos-policiais-assumem-nao-ter-treinamento-adequado-para-lidar-com-protestos-11476813?loginPiano=true>. Acesso em: 13 de março de 2017.
27
Os esquadrões da morte tiveram origem dentro de instituições policiais, em meio
ao período ditatorial, como órgão informal e secreto que visava executar, torturar e
intimidar inimigos do regime, transcendendo às atribuições legais da polícia. No decorrer
do tempo, esses esquadrões cresceram e passaram a fazer parte de todo o Brasil. Com o
final da ditadura, o objetivo principal foi alterado, ganhando um novo foco: a execução de
criminosos de alta periculosidade.
Nas últimas décadas as execuções sumárias deixaram de ser práticas meramente
realizadas por grupos de extermínio e passaram a constituir práticas corriqueiras da
polícia civil e militar. A exemplo, o Caso de Nova Brasília, atesta a irresponsabilidade do
Estado brasileiro quanto ao cumprimento dos dispositivos e interesses consubstanciados
na Carta de Direitos Humanos da ONU. Tem o Estado falhado duplamente em seu papel
de garantir o direito à vida de todas as pessoas.
É importante lembrar que as execuções extrajudiciais não devem ser atribuídas
apenas como práticas da polícia brasileira, pois em muitos dos casos as autoridades
estatais e militares incentivam a formação de grupos de extermínio dentro das
corporações, premiando aqueles que participarem das execuções e maior saldo de morte
obtiver. Ademais, é necessário reconhecer que dentro de alguns redutos tem-se ainda
enraizada a ideologia advinda dos tempos ditatoriais que é a de violência praticada contra
cidadãos favelados, negros e pobres, estigmatizados, marginalizados e rotulados como a
causa da criminalidade no país.
Destarte, quando se trata de poder de polícia e execuções sumárias, é pertinente
realizar um apanhado histórico da Ditadura aos dias atuais e refletir sobre quais avanços
e desserviços ocorreram nesse período, apontando as necessidades de mudança e de
modernização, para que haja uma quebra dos paradigmas sociais com que a polícia vem
se sustentando, e para que seja realizada uma formação mais humana, pacífica e ética
dos policiais dentro das corporações.
4.2 Descrição dos fatos e definição do problema
O caso a ser abordado neste Guia de Estudos, refere-se à duas importantes
incursões policiais ocorridas no Estado do Rio de Janeiro nos anos de 1994 e 1995,
especificamente na favela denominada Nova Brasília, que resultaram em mortes e abusos
de residentes da comunidade, bem como arbitrariedades por parte dos agentes de
segurança pública designados para tal operação. Ambas as incursões ficaram conhecidas
28
como a Chacina de Nova Brasília tendo esta, sido veiculada fortemente em meios de
comunicação com o intuito de alertar as autoridades competentes sobre o descaso das
instituições policiais e os abusos recorrentes para os moradores da comunidade, com
maior frequência nas regiões periféricas, socioeconomicamente defasadas.
Haja vista a semelhança entre os casos que serão abordados neste Guia, é
relevante a observância da gravidade inerente à segurança pública do Estado do Rio de
Janeiro, intensificado pela expansão do crime organizado, bem como, os confrontos
travados entre policiais e criminosos que na maioria das vezes culminam em prisões
arbitrarias, mortes de inocentes e violações de direitos e garantias fundamentais, trazidos
nos escopos dos diplomas legais e tratados internacionais em que o Brasil se fez
signatário. Conforme já fora mencionado, o Estado brasileiro aderiu à Convenção
Americana de Direitos Humanos em 25 de setembro de 1992 e aceitou a competência
contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998; ratificou a Convenção Interamericana
para Prevenir e Punir a Tortura31 em 20 de julho de 1989, e a Convenção Interamericana
para Prevenir e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”32,
em 27 de novembro de 1995.
Contudo, após os fatos ocorridos, não houve investigação satisfatória por parte do
Estado Brasileiro, sendo o caso levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Respectivamente, em 1995 e 1996, a Comissão recebeu duas petições registradas sob os
números 11.556 e 11.694 em desfavor da República Federativa do Brasil, apresentadas
pelo Centro de Justiça e o Direito Internacional (CEJIL/ Brasil) e Human Rights
Watch/Americas (HRW/A)33, alegando que os agentes do Estado — oficiais da Polícia
Civil (PC) do Rio de Janeiro, perpetraram execuções extrajudiciais e abusos contra as
supostas vítimas durante as incursões realizadas na Favela Nova Brasília. Comissão
31 Decreto n.º 98.386, de 9 de dezembro de 1989: Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir e
Punir a Tortura. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D98386.htm>. Acesso em: 14 de março de 2017.
32 Decreto n.º 1.973, de 1º de agosto de 1996: Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=122009>. Acesso em: 14 de março de 2017.
33 Organizações não governamentais que defendem e realizam pesquisas sobre os direitos humanos.
Durante a tramitação da petição 11.694, mediante uma comunicação de 17 de novembro de 1998, os peticionários solicitaram que a organização ISER (Instituto de Estudos da Religião) fosse incluída como co-peticionária. Ainda, mediante uma comunicação de 21 de junho de 2011, os peticionários solicitaram que o ISER também fosse incluído como co-peticionário do caso 11.566. Vide Relatório de Mérito n.º 141, de 31 de outubro de 2011. Disponível em: <http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2015/11566FondoPt.pdf>. Acesso em: 17 de março de 2017.
29
decidiu por unificar ambos os casos em razão da similitude nas práticas de violência
policial.
4.3 As incursões de 18 de outubro de 1994 e de 8 de maio de 1995
Os óbitos de correntes das incursões de 18 de outubro de 1994 e em 8 de maio
de 1995, à Favela de Nova Brasília, foram justificados pelas autoridades policias como de
atas de resistência à prisão, tendo havido ainda durante a incursão de 1994, três vítimas
de violência sexual por parte dos agentes. A Comissão estabeleceu que estes fatos
ocorreram em um contexto e padrão de uso excessivo da força e execuções extrajudiciais
levadas a cabo pela polícia no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, e que o contexto
em que ocorreram os fatos relativos aos casos foram tolerados, patrocinados por
instituições estatais. A comissão estabeleceu que há a falta de mecanismos de prestação
de contas e situação de impunidades em que permanecem estas violações.
De acordo com os peticionários, em 18 de outubro de 1994, aproximadamente às
5 da manhã, uma incursão policial em larga escala foi realizada na Favela Nova Brasília,
por um grupo de 110 policiais civis de vários distritos da Polícia Civil do Rio de Janeiro,
incluídas a Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE) e a 21ª Delegacia de Polícia.
Tal operação, tinha supostamente o objetivo de cumprir 104 mandados de prisão contra
traficantes de droga. Foi observado que a imprensa local qualificou o episódio como uma
forma de “retaliação” devido ao ataque armado a 21ª Delegacia de Polícia, fato ocorrido
em 15 de outubro, o qual teria sido perpetrado por traficantes de Nova Brasília e deixaram
três policiais feridos. Após o ataque, os policiais invadiram pelo menos cinco casas da
comunidade, onde sujeitaram os residentes à violência e detenção arbitrária, além de
efetuar disparos e executar moradores.
Para ilustrar os atos cometidos nesta operação, os peticionários descrevem que
na primeira casa invadida pela polícia, uma jovem de 16 anos de idade foi submetida à
tortura e abuso sexual enquanto lhe interrogavam sobre o suposto paradeiro de
“macarrão” (um dos líderes do tráfico de drogas na Favela Nova Brasília). Na quinta
residência invadida, os agentes entraram atirando, e uma vez dentro da mesma,
encontraram uma menina de 15 anos de idade e outra de 19 anos, (os nomes das
seguintes vítimas foram postos em sigilo) onde abusaram sexualmente de uma delas. Um
dos policiais conhecido como “Turco” foi citado no relatório pela forma violenta em que
tratou as vítimas. Foi alegado também, que na segunda e terceira casas invadidas, os
30
policiais entraram atirando e executaram sumariamente pelo menos seis pessoas. Por
fim, na quarta casa invadida, os policiais prenderam arbitrariamente três outros indivíduos,
cujos corpos posteriormente apareceram entre os treze cadáveres que foram removidos
das cenas dos crimes e jogados numa rua da Favela em tela.
A segunda incursão ocorreu em 8 de maio de 1995, aproximadamente as 6 da
manhã, uma operação policial de larga escala, realizada na Favela Nova Brasília por um
grupo de 14 policiais civis com armamento de grosso calibre lotados na Delegacia de
Repressão a Roubos e Furtos contra Estabelecimentos Financeiros (DRRFCEF), os quais
contavam com apoio de helicópteros. A operação tinha como objetivo apreender um
carregamento de armas que seria entregue a traficantes de droga dessa localidade. Foi
indicado pelos peticionários que, de acordo com testemunhas, depois da chegada dos
agentes houve um intenso confronto com os traficantes, provocando pânico à
comunidade. Após o ocorrido, foi constatado o óbito de oito supostos traficantes,
executados pelos policiais em uma residência no endereço Rua Santa Catarina, número
26, depois que as vítimas já haviam se rendido. Como resultado dessa incursão policial,
ninguém fora detido e apenas três policiais sofreram lesões, enquanto que treze pessoas
foram mortas.
No contexto de ambos os casos, é notório a presença de padrões de atos de
violência e execuções sumárias, perpetrados pelos agentes de polícia designados para
tais operações, não apenas tolerados, mas também frequentemente apoiados pelas
autoridades estatais. Esses padrões de condutas assumidos pelos agentes de polícia se
repetem em diversas operações policias realizadas, cada vez mais comuns e frequentes
nas comunidades do Rio de Janeiro. É comum a ocorrência dos seguintes elementos: a
disparidade entre o número de “bandidos” mortos e policiais feridos ou mortos; graves
deficiências nas necrópsias oficiais, a adulteração de cenas de crimes, com a remoção
dos cadáveres das vítimas do local das mortes. Logo, comumente as autoridades estatais
utilizam a justificativa de “fogo cruzado” para explicar as mortes causadas nos confrontos.
Logo, é imprescindível a realização de investigações exaustivas e efetivas por
parte do Estado a fim de apurar todas as informações inerentes ao caso em tela, tendo
em vista o uso desproporcional da força policial utilizada nas incursões, ensejando as
mortes. Em síntese, após analisar os fatos do caso abordado, nota-se que as apurações
foram negligenciadas sem que houvesse uma solução até a presente data. Além da
morosidade do julgamento do presente caso, que somente veio a acontecer no presente
ano, o acesso aos inquéritos fora repetidamente negado pelas autoridades, tendo cerca
31
de 389 inquéritos policiais, sido congelados, os quais versavam sobre a violência policial
no período de 1995 a 1999, incluindo os incidentes ocorridos na Favela Nova Brasília.
4.4 Denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e resposta da
República Federativa do Brasil
Em 25 de setembro de 1998, a Comissão adotou o relatório nº 11.566, dando
início ao trâmite processual. Por solicitação dos peticionários foi realizada uma audiência
sobre o mérito deste caso no dia 6 de maio do ano 2000, durante o 106º Período de
Sessões. Posteriormente, em 10 de maio de 2000, o Estado se pronunciou enviando sua
primeira resposta escrita a respeito do caso, tendo em seguida, os peticionários, no dia 30
de junho de 2000, apresentado suas observações a respeito da resposta do Estado
brasileiro.
Durante o trâmite, o Estado brasileiro em 19 de maio de 2005, solicitou que se
fosse iniciado um procedimento de solução amistosa, onde o mesmo foi aceito pelos
peticionários em 25 de agosto de 2006. Porém, a CIDH não recebera nenhuma
comunicação posterior à tentativa de negociação consensual e solicitou informações
sobre de ambas as partes em 9 de março de 2007. Os peticionários enviaram a
informação solicitada em 16 de abril de 2007; enquanto que o Brasil só enviou em 16 de
outubro de 2007. Tendo em vista a negligência Estatal bem como a não realização da
solução do conflito de forma pacífica e amistosa, os peticionários decidiram não mais
aderir tal medida e se retiraram formalmente do procedimento de solução amistosa, tendo
o Brasil reiterado o seu interesse em alcançar resultado positivo sobre o assunto,
mediante uma nota recebida em 5 de junho de 2008.
Por solicitação dos peticionários, a CIDH realizou uma reunião de trabalho sobre
este caso em 24 de outubro de 2008, durante o seu 133º Período de Sessões, com o
objetivo de facilitar uma nova tentativa de solução amistosa. Assim como a anterior, a
tentativa de solução do conflito fora infrutífera. Logo, a CIDH, durante essa reunião de
trabalho solicitou novamente que o Estado apresentasse os autos do inquérito policial,
pedido esse, que já tinha sido solicitado outras quatro vezes ao longo do processo. Em 3
de dezembro de 2008, o Estado apresentou cópias dos autos do inquérito policial, sendo
transmitidas aos peticionários no dia 9 de dezembro de 2008. Já em 5 de janeiro de 2009,
os peticionários solicitaram que a Comissão Interamericana adotasse uma decisão sobre
o mérito do caso 11.566.
32
Contudo, é importante destacar que por serem duas operações policiais distintas,
até que houvesse a unificação de ambos os casos pela CIDH, eles seguiram separados.
Logo, em 22 de fevereiro de 2001 a Comissão Interamericana declarou o caso 11.694
admissível. Então, em 21 de março de 2005, foi requerido aos peticionários que
submetessem suas observações adicionais sobre o mérito do caso; devido à inexistência
de informações a serem prestadas por ambas as partes, fora solicitado o envio perante a
CIDH de matéria atualizada sobre o assunto, em 23 de abril de 2007. Posterior a
solicitação, em 25 de maio de 2007, os peticionários apresentaram suas observações
sobre o mérito, e por fim, em 1º de junho de 2007, enviaram informações adicionais. O
Estado, por fim, apresentou suas observações em setembro de 2007.
Certamente, o trâmite continuou a passos lentos, tornando-se cada vez mais
enfadonho. Em 21 de dezembro de 2007, os peticionários apresentaram informação
adicional a qual foi transmitida ao Estado. O Brasil por sua vez, trouxe a conhecimento
informações adicionais em 5 de julho de 2008. Foram requeridos pela CIDH que o Estado
trouxesse apresentasse cópias completas dos autos do inquérito policial sobre este caso.
Todavia, por solicitação dos peticionários, fora realizada uma reunião de trabalho em 24
de outubro de 2008, durante o 133º Período de Sessões, com a finalidade de facilitar uma
possível solução amistosa. Assim como as demais, a presente tentativa fora infrutífera.
Portanto, durante essa reunião de trabalho, a Comissão Interamericana solicitou
novamente que o Estado apresentasse os autos do inquérito policial. Por fim, em 25 de
novembro de 2008, o Brasil apresentou cópias dos autos.
Mediante a todo esse desgaste processual, em 10 de maio de 2011, a CIDH
solicitou aos peticionários o número de supostas vítimas e suas identidades em ambos os
casos. Contudo, em 17 de junho de 2011 os peticionários alegaram que o número de
vítimas nas duas incursões policiais totalizava 26, e fora também apresentadas
informações sobre os seus familiares. Por fim, a Comissão Interamericana decide cumular
os dois casos (11.566 e 11.694) e tramitá-los conjuntamente sob o número 11.566, em
conformidade com o Regulamento da Comissão Interamericana, visto que, versam sobre
fatos similares e aparentemente revelam o mesmo padrão de conduta.
Conforme fora explicado, os peticionários foram os responsáveis por levar o caso
junto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com objetivo único, de aclarar as
investigações inerentes ao fato, bem como buscar a punição dos envolvidos, além de
expor a omissão estatal perante os fatos, que com frequência são abafados, para não
33
evidenciar os abusos praticados por policiais em operações nas comunidades do Rio de
Janeiro.
Em ambos os casos os peticionários argumentam que os fatos são consistentes
com um padrão de atos violentos e execuções sumárias perpetradas pela polícia. Eles
ressaltam que foi utilizado força letal desproporcionadamente durante as incursões
realizadas em 1994 e 1995. Além disso, os peticionários observam que foi apresentado
prova pericial e testemunhos que comprovam que algumas das mortes se tratam de
evidentes execuções efetivadas pelos policiais. Em suas argumentações os peticionários
também enfatizam que quando os agentes estatais utilizam de força letal, a qual resulta
no óbito de civis, o Estado tem o dever de realizar todos os trâmites legais necessários a
apurar os fatos, de maneira eficiente e eficaz, a fim de determinar se o uso da força foi
necessário e proporcional.
Ao se tratar de confrontos com armamentos letais, os peticionários fundamentam
seus argumentos, afirmando que tal medida deve ser usada em último recurso. Criticam
também, que as investigações sobre os fatos ocorridos na Favela Nova Brasília foram
levadas a cabo sem a devida diligência e aguardam solução até a presente data. Por isso,
ressaltam, que é motivo de preocupação o fato de seu acesso aos autos do inquérito
policial ter sido repetidamente negado pelas autoridades.
Por fim, alegam que, mais de vinte anos após os dois eventos denunciados
nestes dois casos, os inquéritos policiais continuam pendentes, sem que exista qualquer
ação penal em curso sobre os eventos, e sem que alguém tenha sido punido penalmente
pelas execuções extrajudiciais e/ou pelo uso excessivo da força, denunciado em ambos
os casos.
Por sua vez, o Estado brasileiro alega que todas as acusações feitas pelos
peticionários são infundadas, pois nenhuma delas foi comprovada por provas trazidas nos
autos do inquérito policial. Afirma ainda que as incursões realizadas na favela de Nova
Brasília em 18 de outubro de 1994 e 8 de maio de 1995, não foram “operações de
extermínio”. Em oposição aos argumentos levantados pelos peticionários, o Estado
assevera que as operações foram motivadas por questões de segurança pública. Todo o
efetivo utilizado nas incursões, bem como o apoio aéreo foram disponibilizados
previamente, de acordo com as disposições legais vigentes. Nesse sentido, o Brasil
reitera que as operações policiais foram planejadas minunciosamente, objetivando
surpreender os traficantes, legalmente amparadas.
34
O Estado argumenta que nenhum residente da Favela Nova Brasília declarou
perante as autoridades que os mortos foram executados sem chance de defesa ou após
estarem rendidos. Pelo contrário, o Estado afirma que tais depoimentos confirmam o
confronto entre policias e marginais. Observa ainda, que as autoridades na presente
incursão apreenderam grande quantidade de armas, munições e drogas. Justifica
também, que o inquérito conduzido pela Polícia Civil estabeleceu que os policias reagiram
à injusta agressão, utilizando não apenas de meios necessários para a defesa dos que ali
estavam, como também às suas próprias vidas, tendo em vista, o vasto arsenal bélico
utilizado pelos traficantes.
Entretanto, afirma que o único reparo que se poderia fazer à atuação policial
consistiu em terem desfeito a cena do crime, ficando impossibilitada a realização de uma
perícia satisfatória, mas que o ato se deu em razão de terem tentado prestar socorro às
supostas vítimas, levando-as ao hospital.
Em síntese, as alegações do Estado sobre ambos os casos, inclinam-se para o
grave problema de segurança pública no Rio de Janeiro que supostamente é intensificado
pelo crime organizado gerando confrontos com os agentes de polícia, que durante os
conflitos encontram-se acuados por bandidos, em razão do desproporcional poder bélico.
Enfatiza também, que haverá a inserção de projetos e estratégias de segurança pública
direcionados para a redução da criminalidade em regiões com altos índices de
mortalidade, totalizando em 11 regiões metropolitanas brasileiras mais violentas, incluindo
o Rio de Janeiro.
5 CASO B: VLADIMIR HERZOG E OUTROS VERSUS REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL34
Iniciada em 31 de março de 1964, com um golpe de Estado, a Ditadura Militar se
estendeu até 1985 e foi nesse contexto político que Vladimir Herzog, jornalista e diretor do
canal de televisão “TV Cultura”, passou a militar politicamente contra o regime de
governo, alinhando-se ao Comunismo, valendo-se ainda do fato de ser jornalista e poder
contar com os veículos de imprensa para realizar críticas ao governo.
34 As informações a seguir apresentadas neste tópico foram retiradas do Relatório de Mérito n.º 71 de 28 de outubro de 2015. Disponível em: <http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2016/12879FondoPt.pdf>. Acesso em: 19 de fevereiro de 2017.
35
A partir de então, Vladimir Herzog passou a ser visto como um suposto inimigo do
Estado e foi em razão da militância jornalística que realizava contra o governo militar que
em 25 de outubro de 1975 foi detido arbitrariamente no II destacamento de Exército de
São Paulo, o DOI-CODI, torturado e morto por agentes do Estado encarregados de
aplacar toda e qualquer oposição ao governo.
A morte de Vladimir Herzog foi dada a família e a sociedade como um suicídio, do
qual descobriu-se, posteriormente, ter sido forjado. A morte de jornalista causou grande
comoção social e representou um primeiro passo para a fragilização do governo militar.
Contudo, passados anos da morte de Herzog, poucas medidas foram tomadas pelo
Estado brasileiro, sobretudo no que se refere a punição de seus algozes, em razão de
uma Lei de Anistia aprovada ainda durante a ditadura militar. Por essa razão, em outubro
de 2015, o caso foi levado a Corte Interamericana Direitos Humanos a fim de que seja
apurada a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela omissão em não ter
apurado o caso, conforme se verá adiante.
5.1 Contexto histórico: do Golpe Militar de 1964 ao regime democrático
O mundo estava dividido em dois polos. O socialista — liderado pela União
Soviética —, e o capitalista — liderado pelo Estados Unidos da América —, duas
potências bélicas e econômicas que estabeleciam um conflito mundial “velado”.
O Brasil estava vivendo os gloriosos “anos dourados”, promovidos pelo governo
JK, que gerou uma grandiosa dívida externa para o país. Além disso, estávamos no clima
de novas eleições para a presidência, tendo Jânio Quadros, eleito por voto popular,
assumido uma grande aproximação ao bloco comunista, a qual não foi bem vista
internamente — em especial pelos setores mais conservadores: industriais, latifundiários
e empresários no geral —, nem mesmo externamente. Dessa forma, ele renunciou ao
cargo e João Goulart, seu vice-presidente, o assumiu.
O deficit governamental e a taxa de inflação cresciam mensalmente e as receitas
das exportações só diminuíam. A crise exigia soluções rápidas. Foi então que o ministro
do Planejamento, Celso Furtado, lançou, em 1962, o plano Trienal de Desenvolvimento
Econômico e Social. O programa propunha uma taxa de crescimento de 7% ao ano e a
redução drástica da inflação por meio de empréstimos externos e da renegociação da
36
dívida. Mas, com forte oposição no Congresso e desconfiança do empresariado nacional
e estrangeiro, o plano fracassou e a inflação e o custo de vida voltaram a crescer. Outras
tentativas de reestruturação também foram feitas, como reformas de base (agrária,
bancária, eleitoral e fiscal), no entanto, tornaram-se ineficazes diante da resistência da
oposição.
Seguiu-se em um período de intensa radicalização política: de um lado, greves e
manifestações populares a favor das propostas do presidente, do outro, adversários da
oposição, que responsabilizavam o governo pela crise política e acusavam Jango da
preparação de um golpe comunista. Em meio a uma intensa tensão no cenário brasileiro,
no dia 13 de Março de 1964, o presidente promoveu um grande comício popular no Rio
de Janeiro, com a presença de cerca 300 mil pessoas para apoiá-lo. Posteriormente, no
dia 19 do mesmo mês, seus adversários reagiram com a conservadora Marcha da Família,
com Deus pela Liberdade, que reuniu cerca de 200 mil pessoas, em São Paulo, numa
passeata conta o governo. A tensão continuou até que, no dia 31 de Março, tropas
militares ocuparam as ruas das principais cidades do país, expulsando Jango do poder,
que se refugiou em exílio no Uruguai, e instituindo um longo regime militar no Brasil.
Ao longo da ditadura, o Brasil foi governado por cinco generais (Castello Branco
— 1964-67; Costa e Silva — 1967-69; Médici — 1969-74; Geisel — 1974-79; e Figueiredo
— 1979-85). Do ponto de vista econômico o primeiro governo militar, tomou uma série de
medidas a fim de solucionar a devastadora crise econômica herdada do período anterior.
Porém, elas não surtiram o efeito imediato esperado, o que, somado à crescente
repressão, suscitou as primeiras críticas geradas, inclusive, por parte daqueles que teriam
apoiado o golpe. Além disso, Castelo Branco, também, pôs fim ao pluripartidarismo —
instituindo o característico bipartidarismo reconhecido no período militar, com o
Movimento Democrático Brasileiro e a Arena.
Entre 1968 e 1973 o Brasil viveu o chamado “Milagre Econômico”. As exportações
triplicaram, o PIB ficou acima de dois dígitos e a inflação recuou, em média, 20% ao ano.
Muitas obras foram iniciadas nesse período (Ponte Rio-Niterói, Itaipu, Transamazônica),
revelando a grandeza o país, sua economia e seu ideal positivista liderado pelo slogan
“Ordem e Progresso”.
Todos os setores da sociedade foram beneficiados pelo “boom” econômico,
porém, de maneira crescente e desigual. Com o passar do tempo, a modernização
37
conservadora da economia tendeu a aprofundar as desigualdades entre os mais ricos e
os mais pobres. Os efeitos sociais desse processo, como greves por melhores salários,
por exemplo, só puderam ser controladas pela situação política do Brasil — a ditadura.
As primeiras medidas repressivas foram tomadas logo depois do golpe, com
cassações de mandatos, suspensão de direitos políticos, demissões de funcionários
públicos e expulsão de militares das forças armadas. A “Operação Limpeza” tinha como
objetivo, eliminar todos os elementos identificados com o período anterior ou
considerados ameaçadores para os propósitos do novo regime. A “Operação Condor”, por
sua vez, visava articular a ditadura brasileira com outros regimes militares da América do
Sul para identificar e perseguir inimigos.
Ao passo da instituição do sistema bipartidário, houve uma série de medidas de
exceção aprovadas com o objetivo de controlar qualquer antagonismo político. O principal
deles, sem dúvidas, foi o Ato Institucional n.º 5 (AI-5), aprovado no governo Costa e Silva,
em 1968. Este foi considerado, por muitos, um verdadeiro “golpe dentro de outro golpe”.
Entre outras providências, o AI-5 eliminava o habeas corpus para crimes políticos.
Com o início da ditadura, parte da oposição seguiu pelo caminho da luta armada,
promovendo ações de guerrilha urbanas e rurais. Seus militantes foram as principais
vítimas dos atos de tortura cometidos durante o regime. Muitos acabaram assassinados,
desaparecidos ou exilados.
Em 1974 um novo governo assumiu, e assim como todos os outros, prometia a
democracia. A abertura “lenta, gradual e segura”, que terminara apenas em 1985 — com
eleições para o primeiro presidente civil desde o golpe — contemplava diversas medidas
importantes, como a suspensão da censura, o retorno do pluripartidarismo e a anistia
política. Em todas elas o governo procurou manter um controle sobre o processo de
abertura, numa política de avanços e recuos, que visava definir uma posição confortável
aos militares no regime democrático que se aproximava.
Porém, a mobilização pela anistia ampla, geral e irrestrita, as greves dos
metalúrgicos no ABC paulista e as campanhas pelas “Diretas já!” foram alguns exemplos
de que a sociedade estava disposta a contestar o projeto oficial. As oposições dentro e
fora do Congresso buscaram ampliar os limites da abertura, tomando iniciativas políticas
com relação a temas como condições de vida e trabalho, por exemplo. Instituindo,
finalmente, o direito ao voto direto.
38
5.2 Vida e morte do jornalista Vladimir Herzog
Vlado Herzog era seu nome verdadeiro, Vladimir foi o nome que ele escolheu
assinar, pois imaginava ser menos exótico ao vocabulário brasileiro. Vladimir nasceu no
dia 27 de junho de 1937, na Iugoslávia, em Osijek, onde, posteriormente eclodiria a
Segunda Guerra Mundial e a perseguição aos judeus. Seus avós maternos, Zigma e
Sirena, foram executados em Auschwitz e os paternos, Moritz Herzog e Gisela, morreram
no campo de extermínio na Iugoslávia. Essa perseguição levou Vladimir e seus pais,
Zigmund e Zora, a procurar refúgio em algumas cidades da Itália, onde o então garoto
aprendeu o idioma do país rapidamente e usava-o para lidar com os oficiais fascistas no
lugar do seu pai, que se fingia de mudo por não saber o idioma italiano. Posteriormente,
em 1942, os Herzog escolheram o Brasil para fixar-se, onde seu pai trabalhou na área de
contabilidade e sua mãe se tornou sócia de uma confecção.
Quando jovem, cursou Filosofia na Universidade de São Paulo. Em 1959 iniciou a
sua carreira de jornalista no jornal O Estado de São Paulo e no início da década de 1960
casou-se com Clarice Herzog, a menos de dois meses do golpe apoiado por civis e
praticado por militares ao governo de João Goulard. Vladimir começou a trabalhar com
televisão em 1963, sendo contratado dois anos depois pelo Serviço Brasileiro da BBC,
mudando-se para Londres, onde nasceram seus dois filhos, Ivo e André. No período em
que viveu em Londres, teve a oportunidade de conciliar o jornalismo com o cinema,
descobrindo as possibilidades da produção de televisão.
Herzog acreditava no cinema como ferramenta de investigação e denúncia da
sociedade brasileira. Em Setembro de 1968, Clarice retornou para o Brasil com os seus
filhos, enquanto Vladimir terminava um curso de produção em televisão educativa e
marcava seu retorno para o final do ano, ao saber da instituição do AI-5 no Brasil. Ficou
em dúvida quanto ao seu retorno, adiando-o em dois meses. Tinha uma proposta de
emprego feita pela TV Cultura, mas a oportunidade foi vetada, pois seu nome já estava
em uma lista de supostos comunistas, transformando-o em um profissional inadmissível
em uma empresa pública. Dessa forma, ele foi contratado como editor cultural pela revista
Visão por cinco anos. No início da década de 1970, foi professor de telejornalismo na
Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e na Escola de Comunicação e Artes da
39
USP — Universidade de São Paulo. Em 1975, Vladimir Herzog foi escolhido pelo
secretário de Cultura de São Paulo, José Mindlin, para dirigir o jornal da TV Cultura.
Em 24 de Outubro do mesmo ano, Vlado foi chamado para dar depoimento em
uma das sedes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações
de Defesa Interna, o DOI-CODI, um órgão repressor, criado pelo regime militar brasileiro
para prender e torturar aqueles que fossem contrários ao regime. Os militares desse
órgão eram treinados na Escola Superior de Guerra e defendiam os ideais de direita
disseminados pelos militares).
A prisão de Vlado foi uma entre as dezenas de detenções determinadas pela
Operação Jacarta, conduzida pelo DOI-CODI, com a finalidade de destruir bases do
Partido Comunista em órgãos da imprensa, sindicatos e outras entidades. Vários
jornalistas foram presos anteriormente, mas ao menos um, Paulo Markun, conseguiu
fazer chegar a Herzog e outros o aviso de que também estavam correndo perigo.
Vlado sempre foi crítico de regimes antagônicos ao democrático, no entanto, a
situação no Brasil estava crítica, e uma conversa com sua esposa, ele exclamou “só há
dois movimentos organizados que podem se articular para combater a ditadura — a igreja
e o Partido Comunista. Eu sou judeu. Só tenho uma opção”. Não se sabe ao certo até
onde Herzog concordava com a ideologia comunista, já que ele não deixou nenhum
documento expressando a sua opinião, mas, de fato, ele concordava com a linha de
atuação do partido para o momento vigente no país. Diferente de outras correntes
esquerdistas, o PCB confrontava o regime expondo as mazelas sociais que o governo
militar pretendia ocultar e denunciavam as violações dos direitos humanos praticadas
pelos militares. Vlado era um adversário ideológico, contrário à violência e militante em
prol do fim da ditadura.
Herzog foi morto de forma brutal em decorrência da tortura e espancamento
empregados no DOI-CODI, mas esse não foi o limite em que chegaram os algozes do
regime militar, que quiseram se esquivar da culpa, forjando uma cena de suicídio,
confirmada pelo perito do IML, à época dos fatos. Segundo eles, Herzog teria tido um
surto e enlouquecido de arrependimento após ter escrito uma confissão, que na cena do
suposto suicídio aparecia rasgada ao chão. O assassinato de Herzog foi uma tragédia
para a família e para milhares de brasileiros que foram violentamente privados da
40
convivência, da inteligência e do talento de um profissional que, aos 38 anos, ainda teria
muito a contribuir para a história do país.
Sob outra perspectiva, também foi o momento que impulsionou a luta pela
redemocratização do país, a começar pelo ato ecumênico realizado na catedral de São
Paulo seis dias depois de seu falecimento, no qual oito mil pessoas enfrentaram o medo e
iniciaram os protestos em busca de um Brasil mais justo, democrático, que respeitasse os
Direitos Humanos.
5.3 Descrição dos fatos e definição do problema
Em 24 de outubro de 1975, Vladimir Herzog foi convocado por dois oficiais a
comparecer à sede do “DOI-CODI” para que esclarecesse questões acerca de sua
militância no PCB, pois era considerado por parte da gestão governamental da época
como inimigo do Estado. Assim era considerado pelo governo devido às reportagens que
realizava pela TV Cultura, sendo o motivo da de sua convocação reportagem histórica na
qual abordou os dez primeiros anos após o golpe militar, que viria a publicar em 1974.
O jornalista conseguiu autorização para comparecer apenas no dia seguinte,
assim, não foi ao órgão de imediato. Dessa forma, os próprios agentes do DOI-CODI
foram até sua casa, sob a justificativa de a ele encomendar um trabalho jornalístico extra,
segundo sua esposa, Clarice Herzog, para a qual respondeu que ele certamente não teria
interesse em realizar tal trabalho.
No dia seguinte, compareceu junto ao também jornalista Paulo Pereira Nunes à
sede do DOI-CODI. Assim que lá chegaram, o soldado que os recebeu alegou que
Herzog teria que permanecer na unidade e, seu amigo, ir embora. Assim, foi preso
arbitrariamente, sem qualquer ordem judicial competente ou documento que autorizasse o
ato.
Uma conduta comum no DOI-Codi, segundo testemunhas, era a de entregar aos
recém-detidos um macacão sem cinto e sapatos sem cadarços ou meias, além terem
colocado sobre suas cabeças um capuz de pano preto. Outros jornalistas também detidos,
como Rodolfo Konder e Jorge Duque Estrada, foram levados para uma sala onde os
interrogatórios ocorriam e reconheceram a voz de Vladimir Herzog e, mais tarde, a de seu
41
inquisidor, Pedro Antônio Mira Grancieri, nas prisões conhecido como Capitão Ramiro,
que também havia-os torturado.
A sessão de perguntas a Vlado durou cerca de três horas, segundo o inquisidor
Grancieri, que afirmou a confirmação por parte jornalista de que era do PCB, e completou
dizendo que sua conversa com Herzog manteve um tom amigável, o que mais tarde foi
negado por Konder e Duque Estrada.
Afirmou também que Herzog havia se enforcado ao ficar sozinho durante o
horário de almoço dos oficiais sob a causa de temer perder o emprego após admitir ser
militante do PCB, pois trabalhava em uma emissora estatal, o que não seria admitido,
após ter confirmado sua filiação ao partido, que nunca aconteceu, pois o jornalista não era
integrante deste. Além de ter sido encontrado morto, estava acompanhado de um bilhete
rasgado. Assim, as afirmações do Capitão Ramiro acerca do medo da demissão foram
negadas por Clarice Herzog, a qual afirmou que o marido já tinha planos de deixar a
televisão para cursar cinema, uma paixão que havia abandonado.
Há também uma versão dada pelos jornalistas Rodolfo Konder e Jorge Duque
Estrada, mencionada em um documento da Comissão Nacional da Verdade, que, por
estarem em cela próxima a de Herzog, puderam ouvir seus gritos, além das pancadas
deferidas em seu corpo e ordens de aplicação de choques. Além disso, Konder afirmou
em entrevista que, enquanto ouvia os gritos do colega na cela ao lado, percebeu que, de
repente, sua voz havia ficado diferente, como se algo tivesse sido colocado em sua boca,
até que os gritos cessaram. Assim morria Vladimir Herzog.
Ainda no mesmo dia, foi divulgado que o jornalista havia se suicidado, o que
gerou comoção e repúdio na população do país, levando à greves estudantis e
trabalhistas, devido à grande indignação que tomava a nação pelo fato de ser encoberta a
realidade do que tinha de fato acontecido com Herzog, como já havia acontecido a tantos
outros, assassinados e divulgados como suicidas.
Konder afirmou posteriormente, em uma entrevista, que acreditava que Herzog
havia se arrependido de algo em seu depoimento, tendo rasgado sua declaração. Por
conta disso, o torturador teria voltado a eletrocutá-lo, o que o matou. Mas não foi somente
nos testemunhos de seus colegas que a versão do suposto suicídio foi negada. Os laudos
cadavéricos que afirmavam que Vladimir Herzog havia se suicidado com o cinto que vinha
com o uniforme da prisão (que muitos dos que já ficaram detidos alegam não fazer parte
42
da vestimenta) amarrado às grades da cela onde fora interrogado, local este no qual o
jornalista havia ficado com os joelhos flexionados e pés apoiados no chão devido à altura
do teto (condições impossíveis para que morresse de tal forma), o que foi contestado
posteriormente pelo caráter impossível de seus fatos.
A perícia da Comissão Nacional da Verdade aponta também como evidência do
assassinato o fato de a declaração contida no anteriormente mencionado bilhete rasgado
encontrado com o jornalista apresentar características de ter sido ditada ou copiada de
algum modelo, por conta das alterações de calibre e espaçamento interligais e
intervocabulários, bem como variações de pressão e de tonalidades do traçado, que
configuram falta de fluidez própria das escritas espontâneas.
Outra falha encontrada na versão estava no laudo da necrópsia, documento que
dizia existir somente um sulco no pescoço do jornalista, quando é possível notar na
famosa fotografia feita do corpo pendurado por um cinto que existem no mínimo dois
sulcos, um horizontal, contínuo e com reação vital, e o outro oblíquo ascendente no lado
esquerdo do pescoço. Assim, foi concluído que a vítima havia sofrido, inicialmente, um
estrangulamento, resultando em um sistema de forca, onde uma das extremidades foi
fixada à grade metálica de proteção da janela e, a outra, envolvida ao redor do pescoço
de Vladimir Herzog, por meio de uma laçada móvel. Após, o corpo foi colocado em
suspensão incompleta de forma a simular um enforcamento, conforme apontou a perícia.
Apesar de a versão original dos acontecimentos muito ter sido contestada, foi
apenas por meio de investigações que as mortes de Vladimir Herzog e de tantos outros
foram apuradas e levadas a público como de fato aconteceram, ou pelo menos
entendidas mais profundamente. Essas investigações partiram da Comissão Nacional da
Verdade, criada para que fossem investigadas as mortes e os desaparecimentos de
diversas pessoas na história do Brasil, trazendo luz aos fatos e trabalhando para que as
atrocidades ocorridas não sejam esquecidas.
5.4 Denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e resposta da
República Federativa do Brasil
Em 10 de julho de 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
recebeu uma petição contra a República Federativa do Brasil na qual se alegava a
43
responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela detenção arbitrária, tortura e
morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida em 25 de outubro de 1975, em um
destacamento do Exército brasileiro, e em razão da contínua impunidade dos fatos,
somando-se a isso a existência de uma Lei pátria, a Lei de Anistia Nacional, a qual prevê
investigações, bem como o reconhecimento dos algozes, responsáveis por torturar e
assassinar diversos militantes contrários ao governo ditatorial da época.
Os peticionários, representados pelo Centro de justiça e Direito Internacional
(CEJIL/BRASIL), pela Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos
(FIIDDH), pelo Centro Santo Dias da Arquidiocese de São Paulo, e pelo Grupo Tortura
Nunca Mais de São Paulo, alegaram violação aos artigos I, XVIII, XXV e XXVI da
Declaração Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem35; dos artigos 1, 2, 5, 8 e
25 da Convenção Americana de Direitos Humanos36; e dos artigos 1, 6 e 8 da Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura37.
35 Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem: Art. I. Todo ser humano tem direito à vida, à
liberdade e à segurança de sua pessoa; Art. XVIII. Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente; Art. XXV. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, a não ser nos casos previstos pelas leis e segundo as praxes estabelecidas pelas leis já existentes. Ninguém pode ser preso por deixar de cumprir obrigações de natureza claramente civil. Todo indivíduo, que tenha sido privado da sua liberdade, tem o direito de que o juiz verifique sem demora a legalidade da medida, e de que o julgue sem protelação injustificada, ou, no caso contrário, de ser posto em liberdade. Tem também direito a um tratamento humano durante o tempo em que o privarem da sua liberdade; e Art. XXVI. Parte-se do princípio que todo acusado é inocente, até provar-se-lhe a culpabilidade. Toda pessoa acusada de um delito tem o direito de ser ouvida numa forma imparcial e pública, de ser julgada por tribunais já estabelecidos de acordo com leis preexistentes, e de que se lhe não inflijam penas cruéis, infamantes ou inusitadas. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm>. Acesso em: 5 de abril de 2017
36 O Decreto Legislativo de nº 678, de 6 de novembro de 1992, promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em: 27 de março de 2017.
37 Decreto n.º 98.386, de 9 de dezembro de 1989: Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Art. 1º - Os Estados Partes obrigam-se a prevenir e a punir a tortura, nos termos desta Convenção; Art. 6º Em conformidade com o disposto no artigo 1, os Estados Partes tomarão medidas efetivas a fim de prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição. Os Estados Partes segurar-se-ão de que todos os atos de tortura e as tentativas de praticar atos dessa natureza sejam considerados delitos em seu direito penal, estabelecendo penas severas para sua punição, que levem em conta sua gravidade. Os Estados Partes obrigam-se também a tomar medidas efetivas para prevenir e punir outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, no âmbito de sua jurisdição; Art. 8º Os Estados Partes assegurarão a qualquer pessoa que denunciar haver sido submetida a tortura, no âmbito de sua jurisdição, o direito de que o caso seja examinado de maneira imparcial. Quando houver denúncia ou razão fundada para supor que haja sido cometido ato de tortura no âmbito de sua jurisdição, os Estados Partes garantirão que suas autoridades procederão de ofício e Partes garantirão que suas autoridades procederão de ofício e imediatamente à realização de uma investigação sobre o caso e iniciarão, se for cabível, o respectivo processo penal. Uma vez esgotado o procedimento jurídico interno do Estado e os recursos que este prevê, o caso poderá ser submetido a instâncias internacionais, cuja competência tenha sido aceita por esse Estado. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D98386.htm>. Acesso em: 7 de abril de 2017.
44
Na petição, recebida em 10 de julho de 2009 pela Comissão Interamericana, os
peticionários alegaram que os fatos ocorridos ocorreram em um contexto de sistemáticas
detenções arbitrárias, torturas e execuções extrajudiciais, praticadas pelas forças de
segurança do Estado brasileiro, contra jornalistas, estudantes, advogados, membros da
Igreja Católica, líderes sindicais e dissidentes políticos, contrários a Ditadura Militar que
restringia as liberdades mais sensíveis dos indivíduos.
Nesse contexto, Vladimir Herzog era considerado um inimigo do Estado em razão
da militância política e jornalísticas que empreendia em favor do Partido Comunista do
Brasil e contrária ao regime político instalado no país após o Golpe Militar de 1964, que
durou até 1985.
Vladimir Herzog foi convocado a prestar esclarecimentos sobre as atitudes
suspeitas e contrárias ao governo na sede do DOI-CODI, onde foi preso arbitrariamente,
torturado e morto, conforme investigações posteriores realizadas pela Comissão Nacional
da Verdade apurou, consubstanciando em uma prática de execução extrajudicial,
mediante tortura, amplamente praticada por agentes do Estado contra opositores do
regime.
O Estado brasileiro reconheceu por sua vez, a responsabilidade pela morte de
Vladimir Herzog, negando, contudo, a omissão em ter promovido diligências internas para
apurar e responsabilizar os seus agentes, afirmando que um conjunto de medidas foram
tomadas para reparar e combater práticas análogas à morte de Vladimir Herzog, bem
como a destinação de uma reparação financeira no valor de R$100.000,00 à Clarice
Herzog, esposa de Vladimir Herzog, a título de danos morais.
Ainda, o Estado brasileiro alega ter adotado iniciativas com vistas a preservar a
memória de Vladimir Herzog, apoiando a criação do Instituto Vladimir Herzog38, bem
como os trabalhos realizados pela Comissão Nacional da Verdade, na intenção de
estimular a proteção do direito a vida e acesso amplo a justiça, levantando informações
sobre o período e divulgando-as a fim de esclarecer a verdade e manter a memória sobre
os fatos viva, identificando a autoria dos crimes e tonando-as públicas.
Por fim, alegaram os representantes do Brasil que uma reforma legislativa está
sendo desenvolvida, com o propósito de modificar a interpretação dada ao artigo 1º, § 1º,
38 Vide plataforma digital do Instituto Vladimir Herzog. Disponível em:<http://vladimirherzog.org/>. Acesso
em: 5 de abril de 2017.
45
da lei de Anistia39, de forma que o conceito de crimes conexos exclua os crimes cometido
por gentes públicos, militares ou civis, ou que supostamente praticaram crimes políticos,
impedindo que a prescrição e outros motivos de extinção de punibilidade não mais sejam
aplicados ao referido artigo.
5.5 A Lei de Anistia e suas implicações em âmbito nacional e internacional
A Lei de Anistia política, promulgada em 1979, no governo do presidente militar
Figueiredo, teve como objetivo reverter punições aos cidadãos brasileiros que, entre os
anos de 1961 e 1979, foram considerados criminosos políticos pelo regime militar.
A instituição dessa lei foi o ponto de partida para o fim da ditadura militar no país
e abertura da política brasileira. O regulamento garantia, dentre outros direitos, o retorno
dos exilados ao país, a volta ao serviço de militares e funcionários públicos excluídos das
suas funções durante a ditadura, restauração dos direitos políticos dos servidores do
Legislativo e Judiciário, além de benefícios aos militares. Não foram beneficiadas pessoas
condenadas por crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado.
Por beneficiar militares que praticaram perseguições, torturas e assassinatos, a
Lei de Anistia sofreu severas críticas no âmbito nacional e internacional, pois livrava-os de
responder judicialmente por crimes de violação aos direitos humanos.
Em 2002, uma nova lei foi promulgada com o objetivo de ampliar os benefícios e
direitos dos anistiados. Esta vale para pessoas que, no período de 18 de setembro de
1946 a 5 de outubro de 1988, foram punidas e impedidas de exercer atividades públicas.
Além de receber uma reparação financeira, em prestação única ou mensal, os
beneficiários passaram a ter como garantia a contagem do tempo em que o anistiado
esteve forçado ao afastamento de suas atividades profissionais (ameaçado de punição,
por exemplo) sem que se exija o recolhimento de nenhuma contribuição previdenciária; a
39 Lei n.º 6.683, de 28 de agosto de 1979: Concede Anistia e dá outras providências. Art. 1º É concedida
anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado). § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm>. Acesso em: 5 de abril de 2017.
46
conclusão de curso em escola pública ou com prioridade de bolsa em escola particular, a
partir do período letivo em que foi interrompido, bem como o registro de diploma brasileiro
se o cidadão tiver concluído o curso em instituição de ensino exterior; a reintegração de
funcionários públicos civis e de empregados públicos punidos por interrupção da atividade
profissional em decorrência da decisão dos trabalhadores, por adesão à greve em serviço
público e em atividades essenciais de interesse da segurança nacional por motivos
político.
Nesse sentido, o perdão político, não apenas aos presos, torturados e exilados,
como também aos torturadores e assassinos que trabalharam para o regime militar coloca
lado a lado torturadores e torturados, em razão da inexistência de uma sanção efetiva aos
algozes que praticaram crimes contra a vida e contra os direitos humanos, ainda que
passados 30 anos de sua aprovação.
5.6 A formação de uma Comissão Nacional da Verdade e a apuração da morte de
Herzog40
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi instituída para que fossem apuradas
e trazidas a público as violações de direitos humanos ocorridas em território nacional
entre os anos de 1946 a 1988, demandada pelos familiares de mortos e desaparecidos
políticos, com o intuito de que não fossem esquecidos, assim como esclarecer as
questões que restaram sobre tais violações no período em que aconteceram e fortalecer
as instituições democráticas.
A Comissão foi instalada em maio de 2012 e, apesar de buscar sanar dúvidas e
apurar as atrocidades acontecidas no período militar, procura dar destaque à época do
regime ditatorial brasileiro, de 1964 a 1985, devido à gravidade dos fatos neste período
ocorrido.
Iniciou-se devido a uma reunião ocorrida no mês de dezembro de 2009 em razão
da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, entre aproximadamente 1.200
delegados convocados pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH), objetivando a
atualização do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Foi durante esta reunião
40 Vide informações sobre a Comissão Nacional da Verdade na plataforma digital. Disponível
em:<http://www.cnv.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=571>. Acesso em 6 de abril de 2017.
47
que surgiu a recomendação de ser criada a Comissão Nacional da Verdade, a partir do
entendimento de que eram necessários a publicação e o esclarecimento acerca das
violações aos Direitos Humanos cometidas por agentes do Estado.
Em 2010, foi formado o grupo responsável por criar o projeto de lei que explicaria
o que viria a ser a CNV, projeto esse que tramitou em regime de urgência no Congresso
Nacional em maio do mesmo ano. Mas foi somente em novembro de 2011 foi sancionada
a Lei nº 12.528, dando vida à ideia da Comissão Nacional da Verdade.
A CNV inicialmente era constituída por um grupo de sete pessoas escolhidas pela
então presidenta da república, Dilma Rousseff: Claudio Lemos Fonteles (ex-procurador-
geral da República), Gilson Langaro Dipp (ministro do Superior Tribunal de Justiça), José
Carlos Dias (advogado, defensor de presos políticos e ex-ministro da Justiça), José Paulo
Cavalcanti Filho (advogado e ex-ministro da Justiça) Maria Rita Kehl (psicanalista e
jornalista) Paulo Sérgio Pinheiro (professor titular de ciência polícia da Universidade de
São Paulo — USP) e Rosa Maria Cardoso da Cunha (advogada criminal e defensora de
presos políticos). O grupo sofreu duas alterações, a primeira sendo a substituição de
Claudio Lemos Fonteles por Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari (advogado e professor
titular de direito internacional do Instituto de Relações Internacionais da USP), a segunda
se deu pelo afastamento de Gilson Langaro Dipp, sendo substituído por Pedro
Bohomoletz de Abreu Dallari41.
Nessa comissão, foram feitas diversas investigações para que se chegasse ao
fundo de questões deixadas sem resposta durante o período tratado. Uma dessas levou
uma equipe à cela onde Vladimir Herzog foi assassinado para medir as dimensões desta
a fim de entender se era possível mesmo que o jornalista tivesse se suicidado,
comprovando a partir dessas a incompatibilidade da altura das janelas para que fosse, de
fato, ocorrido um suicídio.
6 CONCLUSÃO
Dado o exposto, é possível considerar a importância internacional da Corte
Interamericana de Direitos Humanos e de toda a completude do sistema jurídico
41 Vide a composição da Comissão Nacional da Verdade na plataforma digital. Disponível em:
<http://www.cnv.gov.br/institucional-acesso-informacao/equipe.html>. Acesso em: 6 de maio de 2017.
48
interamericano, na promoção da igual, do respeito aos direitos, da promoção das
garantias fundamentais salvaguardadas nos ordenamentos jurídicos pátrios de cada
Estado-membro da OEA, bem como dos pactos e tratados sobre direitos humanos dos
quais forem signatários, cumprindo com a formação de uma ética universal de respeito
aos direitos do homem, bem como a consolidação do regime democrático nos países
americanos, evitando que atrocidades similares, como as que tangem à violência policial,
bem como ao abuso de direitos praticados em regimes de exceção.
A importância da Corte Interamericana corresponde ao mérito que casos como os
que envolvem violência policial, a ser julgado pela primeira vez por este órgão, bem como
execuções sumárias, extrajudiciais, arbitrariedades, políticas de fomento a formação de
grupos de extermínio, a existência de leis internas que corroboram para práticas
extralegais e para impunidade, num corporativismo que perpetua violações de direitos
humanos a décadas, constituem fatores que justificam a apuração da responsabilidade
internacional de um Estado-membro pela Corte, e para que a comunidade internacional
tome como parâmetro as decisões e interpretações dadas ao Pacto de São José da Costa
Rica, bem como para com a forma que cada um dos países deve respeitar e promover os
direitos humanos.
49
REFERÊNCIAS
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morte de Vladimir Herzog. 2015. Disponível em:
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125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A,
103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. 2004. Disponível em:
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RELATÓRIO DE MÉRITO Nº. 71/15 - CASO 12.879: VLADIMIR HERZOG E OUTROS X
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CIVIL-MILITAR NO BRASIL: DIREITO DE RESISTÊNCIA NÃO É TERRORISMO.
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54
ANEXOS
CASO A: CHACINA DE NOVA BRASÍLIA
I. Carta de Submissão. Disponível em:
<http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2015/11566NdeRPt.pdf>.
II. Relatório de Mérito nº. 11.566, de 31 de outubro de 2011. Disponível em:
<https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2015/11566FondoPt.pdf>.
III. Princípios básicos da ONU sobre o uso da força e armas de fogo pelos funcionários
responsáveis pela aplicação da lei. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-
conteudos-de
apoio/legislacao/segurancapublica/principios_basicos_arma_fogo_funcionarios_1990.pdf>
.
IV. Código de conduta da ONU para os funcionários responsáveis pela aplicação da lei.
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/931761.pdf>.
V. Chacinas: Memórias de um passado presente - Ep. 03 (Nova Brasília). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=tRWIQv_oPSc>.
VI. Crime, Polícia e justiça no Brasil, vários autores. Disponível em:
<http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/pmrn_de/DOC/DOC000000000133941.PDF>.
CASO B: VLADIMIR HERZOG
I. Carta de Submissão. Disponível em:
<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&uact
=8&ved=0ahUKEwiKoe-
mpqLVAhXLkZAKHRh0DlkQFggxMAE&url=https%3A%2F%2Fcidh.oas.org%2Fannualrep
%2F2012port%2FBRAD859-
09PO.DOC&usg=AFQjCNEohz4dNaWhw9jDluoEJJdrTg4Bbg>.
II. Relatório de Mérito nº. 12.879, de 28 de outubro de 2015. Disponível em:
<http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2016/12879FondoPt.pdf>.
III. Relatórios da Comissão Nacional da Verdade. Disponível em:
<http://www.cnv.gov.br/index.php>.
55
IV. Relatório da CNV: Volume III - Mortos e desaparecidos políticos. Disponível em:
<http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_3_digital.pdf>.
V. Relatório Final da Comissão Municipal da Verdade — Vladimir Herzog, de dezembro
de 2012. Disponível em:
<http://www2.camara.sp.gov.br/dce/relatorio_final_comissao_da_verdade.pdf>.
VI. Comissão da Verdade — Caso Vladimir Herzog. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=158kVBQRG1s>.
VII. Vlado — Trinta anos depois. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Z2FxGL2SWGw>.
VIII. Crimes da Ditadura Militar - Relatório sobre as atividades de persecução penal
desenvolvidas pelo MPF em matéria de graves violações a DH cometidas por agentes do
Estado durante o regime de exceção. MPF, 2017. Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/roteiro-
atuacoes/005_17_crimes_da_ditadura_militar_digital_paginas_unicas.pdf>.
IX. Comissão Nacional da Verdade Laudo pericial indireto produzido em decorrência da
morte de Vladimir Herzog. Disponível em: <
http://www.cnv.gov.br/images/pdf/laudos/analise_vladimir_herzog.pdf>.
X. Relatório da CNV: Volume II — Textos temáticos — Civis que colaboraram com a
Ditadura. Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-
%20Texto%208.pdf>.
XI. Rompendo o Silêncio, de Carlos Alberto Brilhante Ustra. Disponível em:
<http://www.averdadesufocada.com/images/rompendo_o_silencio/rompendosilencio.pdf>.