flávio tartuce direito civil - vol. 04 - direito das coisas (2014).pdf

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  • A EDITORA MTODO se responsabiliza pelos vcios do produto no que concerne sua edio (impresso eapresentao a fim de possibilitar ao consumidor bem manuse-lo e l-lo). Os vcios relacionados atualizao da obra,aos conceitos doutrinrios, s concepes ideolgicas e referncias indevidas so de responsabilidade do autor e/ouatualizador.Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais, proibida a reproduo total ouparcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrnico ou mecnico, inclusive atravs de processos xerogrficos,fotocpia e gravao, sem permisso por escrito do autor e do editor.Impresso no Brasil Printed in Brazil

    Direitos exclusivos para o Brasil na lngua portuguesa Copyright 2014 byEDITORA MTODO LTDA.Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial NacionalRua Dona Brgida, 701, Vila Mariana 04111-081 So Paulo SPTel.: (11) 5080-0770 / (21) 3543-0770 Fax: (11) [email protected] | www.editorametodo.com.br

    Capa: Rafael MolotievschiProduo Digital: Geethik

    CIP Brasil. Catalogao-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Tartuce, FlvioDireito civil, v. 4 : direito das coisas / Flvio Tartuce. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; So Paulo:

    MTODO, 2014.

    BibliografiaISBN 978-85-309-5373-7

    1. Direitos reais - Brasil. I. Tartuce, Flvio. II. Ttulo. III. Ttulo: Direito das coisas.

    07-1311. CDU: 347.2(81)

    mailto:[email protected]://www.editorametodo.com.br

  • Aos meus alunos de ontem, de hoje, de sempre.Ao Largo de So Francisco, pelos primeiros passos jurdicos.

  • NOTA DO AUTOR 6. EDIO

    Sigo sozinho. A partir desta 6. edio, a presente obra deixa de ser escrita a quatro mos e passaa ser um livro solitrio. Por iniciativa e pedido do meu querido coautor, Jos Fernando Simo, estacoleo de Direito Civil passa a ser escrita somente por mim.

    Penso que, ao final, ganha toda a comunidade jurdica nacional com a outra coleo que surgir,escrita pelo meu querido irmo acadmico. E Simo continuar a ser um irmo para mim, um cone,uma referncia, um guru intelectual, uma pessoa a quem devo me espelhar. A ele devo muitos dosmeus pensamentos, muitas das minhas concluses e parte da minha formao jurdica, pois pude, nosltimos anos, dividir com ele grandes debates a respeito do Direito Privado Brasileiro. Penso queJos Fernando Simo e ser um dos grandes expoentes da minha gerao de civilistas. Desejo a eletoda a sorte possvel nas suas novas jornadas bibliogrficas. Tenham certeza que seu novo projetoser citado nas edies seguintes deste livro.

    Mas esta nave segue. Para a presente edio deste livro, dedicado ao Direito das Coisas, inclunovos estudos sobre os captulos iniciais, que j eram escritos por mim (Captulos 1 a 4). OsCaptulos 5 a 9 antes escritos pelo Professor Simo foram totalmente reescritos. Mantive, naquiloem que havia compatibilidade com o jurista coautor, os pensamentos das edies anteriores do livro,devidamente citados. Ressalto, contudo, que a obra est remodelada nos temas relativos aocondomnio, aos direitos reais de gozo ou fruio, ao direito real de aquisio, aos direitos reais degarantia e alienao fiduciria em garantia. Ampliei e acrescentei novos assuntos, que passaram aser meu objeto de estudo nos ltimos anos.

    Como sempre, foram includas as principais novidades do ltimo ano em todo o livro. Destaco ainsero de novos julgados e posicionamentos doutrinrios, bem como o estudo dos enunciadosaprovados na VI Jornada de Direito Civil, realizada em maro de 2013.

    Ressalto que o ltimo ano foi muito intenso quanto s minhas atividades profissionais. A atuaoconsultiva e em pareceres foi maior do que nos anos anteriores, repercutindo diretamente na obra, atporque as principais atuaes foram relacionadas ao Direito Imobilirio. Ademais, passei a serProfessor Titular permanente no programa de mestrado e doutorado na FADISP, o que mepossibilitou aprofundar sobremaneira alguns assuntos, especialmente pelos debates que ocorreramnas minhas duas disciplinas que ministrei durante 2013. Passei a ter orientandos de mestrado edoutorado, com quem tambm tive a honra de mesclar meus posicionamentos e reflexes.

    Esses foram alguns incrementos realizados no livro. Espero que ele continue ganhando espao nomercado editorial brasileiro, especialmente entre os alunos de graduao. E que o ano de 2014 sejato frutfero quanto foi o ltimo.

    Vila Mariana, dezembro de 2013.

  • Nota da Editora: o Acordo Ortogrfico foi aplicado integralmente nesta obra.

  • PREFCIO

    Em meio a tantas transformaes por que passam as relaes jurdicas de Direito Privado, oDireito das Coisas talvez seja o mais instigante, por atrair aspectos a um s tempo dogmticos eideolgicos, a suscitar mecanismos de permanente conflito de interesses, no que tange aoaproveitamento dos bens, entre a tutela patrimonial (propriedade como garantia) e a concretizao dedireitos fundamentais (propriedade como acesso). A sistematizao da matria, permeada porncleos normativos no raro conflitantes, exige reconstruo terica de elevado grau de dificuldade.A tal desafio se lana o Professor Flvio Tartuce, nesta 6. edio do volume 4 de sua j consagradaobra dedicada ao Direito Privado Brasileiro.

    O livro encontra-se organizado em nove captulos, dedicados aos principais institutos dos DireitosReais e s suas principais controvrsias doutrinrias e jurisprudenciais. O primeiro deles traz umaIntroduo ao Direito das Coisas, analisando a questo terminolgica, a discusso a respeito dataxatividade e da tipicidade dos direitos reais, as diferenas em face dos direitos pessoaispatrimoniais, bem como a aproximao entre tais categorias jurdicas na perspectiva da ConstituioFederal de 1988.

    No segundo captulo, estuda-se a posse, seu conceito e natureza jurdica, as teorias justificadoras,a viso sociolgica, as principais classificaes possessrias, seus efeitos, formas de aquisio,transmisso e extino. Merecem destaque as incurses interdisciplinares ento levadas a cabo, emespecial os aspectos processuais, com a exposio das principais aes possessrias, diretas eindiretas.

    A propriedade tema do captulo seguinte, com a sua conceituao civil-constitucional,abordagem profunda da sua funo social e de outras limitaes ao seu exerccio. So estudadas,com detalhes, as formas de aquisio da propriedade, com ateno especial usucapio. EsteCaptulo 3 ainda analisa o controvertido mecanismo da chamada desapropriao privada, constantedo art. 1.228, 4. e 5., do Cdigo Civil, tendo como referncia informativa os enunciadosaprovados nas Jornadas de Direito Civil. O encontro dos elementos tericos com a realidade prticad-se mediante o confronto dessa nova categoria com o julgado da Favela Pullman, pronunciado peloTribunal de Justia de So Paulo e pelo Superior Tribunal de Justia.

    O Captulo 4, relativo ao Direito de Vizinhana, segue a linha dos anteriores, com visointerdiciplinar dos institutos vicinais, enfocando questes constitucionais, ambientais e processuais.So estudados, pontualmente: o uso anormal da propriedade, as rvores limtrofes, a passagemforada e o novo regime da passagem de cabos e tubulaes, o direito de tapagem, o direito deconstruir e o regime de guas. As aes fundadas no direito de vizinhana tambm compem esteimportante captulo.

    O condomnio o assunto da seo seguinte, tendo sido o Captulo 5 totalmente reformulado emrelao s edies anteriores. Alm do condomnio comum ou tradicional, o autor aprofunda ostemas relativos ao condomnio edilcio, analisando, entre outros assuntos: as limitaes da autonomiaprivada na conveno de condomnio, problemas jurdicos do dia a dia condominial, as penalidadesaos condminos, a permanncia de animais e a problemtica relativa expulso do condminoantissocial. Mais uma vez, percebe-se a preocupao com a axiologia civil-constitucional, em

  • especial quanto s limitaes da autonomia privada nos pactos relativos vida em comum.Os Captulos 6, 7, 8 e 9, que tratam dos direitos reais sobre coisa alheia, tambm foram reescritos.

    Destaca-se o texto aprofundado dos direitos reais de gozo ou fruio, com nfase no usufruto e nasuperfcie. O mesmo ocorre com os direitos reais de garantia, com a exposio de questesintricadas relativas ao penhor, hipoteca e, em especial, alienao fiduciria em garantia, seja debens mveis ou imveis.

    Tive a satisfao de conhecer o Prof. Flvio Tartuce como seu professor em curso de ps-graduao, participando posteriormente da banca examinadora de seu doutoramento, na Faculdade deDireito da USP e de numerosas atividades acadmicas comuns. O Prof. Tartuce prima por seudinamismo e inquietude, integrando diversas instituies cientficas, especialmente o nosso InstitutoBrasileiro de Direito Civil (IBDCivil), o que lhe permite dialogar com grupos de pesquisa de todo oBrasil, ampliando o olhar de suas obras para a metodologia civil-constitucional. Na esteira dasedies anteriores, Flvio Tartuce, nacionalmente conhecido por sua intensa atividade docente,consegue tratar de forma didtica os intrincados problemas que, de maneira arguta, identifica eanalisa, oferecendo ao leitor, em boa hora, subsdios tericos e prticos para a compreenso e aconstruo do direito vivo.

    Stanford, dezembro de 2013.

    Gustavo TepedinoProfessor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ.

    Advogado e Consultor Jurdico. Presidente do IBDCivil(Instituto Brasileiro de Direito Civil).

  • SUMRIO

    1. INTRODUO AO DIREITO DAS COISAS Conceitos iniciais1.1 Conceito de direito das coisas. A questo terminolgica1.2 Conceito de direitos reais. Teorias justificadoras e caracteres. Anlise preliminar do art. 1.225

    do CC1.3 Diferenas entre os direitos reais e os direitos pessoais patrimoniais1.4 O direito das coisas e a Constituio Federal. Primeiras noes a respeito da funo social da

    propriedadeResumo esquemticoQuestes correlatasGabarito

    2. DA POSSE2.1 Conceito de posse e teorias justificadoras. A funo social da posse. A deteno2.2 Principais classificaes da posse

    2.2.1 Classificao quanto relao pessoa-coisa ou quanto ao desdobramento2.2.2 Classificao quanto presena de vcios2.2.3 Classificao quanto boa-f2.2.4 Classificao quanto presena de ttulo2.2.5 Classificao quanto ao tempo2.2.6 Classificao quanto aos efeitos

    2.3 Efeitos materiais da posse2.3.1 A percepo dos frutos e suas consequncias2.3.2 A indenizao e a reteno das benfeitorias2.3.3 As responsabilidades2.3.4 O direito usucapio

    2.4 Efeitos processuais da posse2.4.1 A faculdade de invocar os interditos possessrios2.4.2 A possibilidade de ingresso de outras aes possessrias

    2.4.2.1 Da ao de nunciao de obra nova ou embargo de obra nova2.4.2.2 Da ao de dano infecto2.4.2.3 Dos embargos de terceiro2.4.2.4 Da ao de imisso de posse2.4.2.5 Da ao publiciana

    2.4.3 As faculdades da legtima defesa da posse e do desforo imediato2.5 Formas de aquisio, transmisso e perda da posse2.6 Composse ou compossesso

  • Resumo esquemticoQuestes correlatasGabarito

    3. DA PROPRIEDADE3.1 Conceito de propriedade e de direito de propriedade. Direitos e faculdades dela decorrentes3.2 Disposies preliminares relativas propriedade constantes do Cdigo Civil de 2002. Suas

    principais limitaes. A funo social da propriedade. Aprofundamentos necessrios3.3 Principais caractersticas do direito de propriedade3.4 A desapropriao judicial privada por posse-trabalho e a funo social da propriedade.

    Anlise do caso da Favela Pullman (STJ). Semelhanas e diferenas3.4.1 Estudo da desapropriao judicial privada por posse-trabalho (art. 1.228, 4. e 5., do

    CC)3.4.2 As tentativas de orientao da desapropriao judicial privada por posse-trabalho, pelos

    Enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil, do Conselho da Justia Federal edo Superior Tribunal de Justia

    3.4.3 O caso da Favela Pullman e a funo social da propriedade3.4.4 Semelhanas e diferenas entre a desapropriao judicial privada e o julgamento do caso

    da Favela Pullman3.5 Da propriedade resolvel. O enquadramento da propriedade fiduciria. Primeira abordagem3.6 Da propriedade aparente3.7 Formas de aquisio da propriedade imvel. Formas originrias e derivadas

    3.7.1 Das acesses naturais e artificiais3.7.1.1 Da formao de ilhas3.7.1.2 Da aluvio3.7.1.3 Da avulso3.7.1.4 Do lveo abandonado3.7.1.5 Das plantaes e as construes

    3.7.2 Da usucapio de bens imveis3.7.2.1 Aspectos materiais envolvendo a usucapio de bens imveis. As modalidades de

    usucapio de imvel admitidas pelo direito brasileiro3.7.2.2 Da usucapio de bens imveis e o direito intertemporal3.7.2.3 A usucapio de imveis pblicos3.7.2.4 Aspectos processuais envolvendo a usucapio de bens imveis

    3.7.3 Do registro do ttulo3.7.4 Da sucesso hereditria de bens imveis

    3.8 Formas de aquisio da propriedade mvel. Formas originrias e derivadas3.8.1 Da ocupao e do achado do tesouro (arts. 1.264 a 1.266 do CC). O estudo da

    descoberta (arts. 1.233 a 1.236 do CC)3.8.2 Da usucapio de bens mveis (arts. 1.260 a 1.262 do CC). Aspectos materiais

  • 3.8.3 Da especificao (arts. 1.269 a 1.271 do CC)3.8.4 Da confuso, da comisto e da adjuno (arts. 1.272 a 1.274 do CC)3.8.5 Da tradio3.8.6 Da sucesso hereditria de bens mveis

    3.9 Da perda da propriedade imvel e mvelResumo esquemticoQuestes correlatasGabarito

    4. DIREITO DE VIZINHANA Anlise a partir do Cdigo Civil, da Constituio Federal e daLegislao Ambiental4.1 Conceito de direito de vizinhana4.2 Do uso anormal da propriedade4.3 Das rvores limtrofes4.4 Da passagem forada e da passagem de cabos e tubulaes4.5 Das guas4.6 Dos limites entre prdios e do direito de tapagem4.7 Do direito de construirResumo esquemticoQuestes correlatasGabarito

    5. DO CONDOMNIO5.1 Introduo. Conceito, estrutura jurdica e modalidades5.2 Do condomnio voluntrio ou convencional

    5.2.1 Dos direitos e deveres dos condminos5.2.2 Da administrao do condomnio voluntrio5.2.3 Da extino do condomnio voluntrio ou convencional. o direito de preferncia tratado

    pelo art. 504 do Cdigo Civil5.3 Do condomnio legal ou necessrio5.4 Do condomnio edilcio

    5.4.1 Conceito e estrutura interna. Regras gerais bsicas. A questo da natureza jurdica docondomnio edilcio

    5.4.2 Da instituio e da conveno do condomnio. O controle do contedo da convenocondominial

    5.4.3 Direitos e deveres dos condminos. Estudo das penalidades no condomnio edilcio. Ocondmino antissocial

    5.4.4 Da administrao do condomnio edilcio

  • 5.4.4.1 O sndico5.4.4.2 As assembleias (ordinria e extraordinria). Quoruns e deliberaes5.4.4.3 O conselho fiscal

    5.4.5 Da extino do condomnio edilcioResumo esquemticoQuestes correlatasGabarito

    6. DOS DIREITOS REAIS DE GOZO OU FRUIO6.1 Generalidades sobre os direitos reais de gozo e fruio6.2 Da superfcie

    6.2.1 Conceito, partes e estrutura. Cdigo Civil de 2002 versus Estatuto da Cidade6.2.2 Regras fundamentais a respeito do direito real de superfcie6.2.3 Da extino do direito real de superfcie e suas consequncias

    6.3 Das servides6.3.1 Conceito, caractersticas, constituio e institutos afins6.3.2 Principais classificaes das servides6.3.3 Do exerccio das servides6.3.4 Da extino da servido

    6.4 Do usufruto6.4.1 Conceito, partes, estrutura interna e figuras afins6.4.2 Principais classificaes do usufruto

    6.4.2.1 Classificao quanto ao modo de instituio ou quanto origem6.4.2.2 Classificao quanto ao objeto que recai6.4.2.3 Classificao quanto extenso6.4.2.4 Classificao quanto durao

    6.4.3 Regras fundamentais relativas ao usufruto. A questo da inalienabilidade do direito real6.4.4 Dos direitos e deveres do usufruturio6.4.5 Da extino do usufruto

    6.5 Do uso6.6 Da habitao6.7 Das concesses especiais de uso e para fins de moradia. Novos direitos reais de gozo ou

    fruio introduzidos pela Lei 11.481/2007 no CC/20026.8 Da enfiteuse. Breves palavrasResumo esquemticoQuestes correlatasGabarito

    7. DO DIREITO REAL DE AQUISIO. O COMPROMISSO IRRETRATVEL DE

  • COMPRA E VENDA DE IMVEIS7.1 Primeiras palavras sobre o compromisso de compra e venda. Evoluo histrica legislativa7.2 Diferenas conceituais entre o compromisso de compra e venda registrado e no registrado na

    matrcula do imvel7.3 Requisitos de validade e fatores de eficcia do compromisso irretratvel de compra e venda

    de imvel7.4 Inadimplemento das partes no compromisso irretratvel de compra e venda de imvel

    7.4.1 Inadimplemento por parte do promitente vendedor7.4.2 Inadimplemento por parte do compromissrio comprador

    7.5 Questes controvertidas atuais sobre o compromisso irretratvel de compra e venda.Interaes entre os direitos reais e pessoais. A Smula 308 do Superior Tribunal de Justia esuas decorrncias. O contrato de gaveta

    Resumo esquemticoQuestes correlatasGabarito

    8. DOS DIREITOS REAIS DE GARANTIA SOBRE COISA ALHEIA Do penhor, da hipotecae da anticrese8.1 Teoria geral dos direitos reais de garantia sobre coisa alheia

    8.1.1 Regras gerais e caractersticas dos direitos reais de garantia sobre coisa alheia8.1.2 Dos requisitos subjetivos, objetivos e formais dos direitos reais de garantia8.1.3 A vedao do pacto comissrio real8.1.4 Direitos reais de garantia e vencimento antecipado da dvida

    8.2 Do penhor8.2.1 Conceito, partes e constituio8.2.2 Dos direitos e deveres do credor pignoratcio8.2.3 Das modalidades de penhor

    8.2.3.1 Do penhor legal8.2.3.2 Do penhor convencional especial rural8.2.3.3 Do penhor convencional especial industrial e mercantil8.2.3.4 Do penhor convencional especial de direitos e ttulos de crdito8.2.3.5 Do penhor convencional especial de veculos

    8.2.4 Da extino do penhor8.3 Da hipoteca

    8.3.1 Conceito, partes e Constituio8.3.2 Bens que podem ser hipotecados8.3.3 Das modalidades de hipoteca

    8.3.3.1 Da hipoteca convencional8.3.3.2 Da hipoteca legal

  • 8.3.3.3 Da hipoteca cedular8.3.3.4 Da hipoteca judicial

    8.3.4 Da possibilidade de alienao do bem hipotecado e suas consequncias. Da sub-hipoteca8.3.5 Da remio da hipoteca

    8.3.5.1 A remio da hipoteca pelo adquirente do imvel8.3.5.2 A remio da hipoteca pelo executado ou seus parentes8.3.5.3 Remio da hipoteca no caso de falncia ou insolvncia do devedor hipotecrio

    8.3.6 Da perempo da hipoteca convencional8.3.7 Da possibilidade de hipoteca sobre dvida futura ou condicional8.3.8 Da diviso ou fracionamento da hipoteca8.3.9 Da extino da hipoteca

    8.4 Da anticrese8.4.1 Conceito, partes e estrutura8.4.2 Regras fundamentais da anticrese

    Resumo esquemticoQuestes correlatasGabarito

    9. A ALIENAO FIDUCIRIA EM GARANTIA9.1 Introduo. A propriedade fiduciria. Conceito, evoluo legislativa e natureza jurdica9.2 Regras da propriedade fiduciria no Cdigo Civil de 20029.3 A alienao fiduciria de bens mveis. Regras previstas no Decreto-Lei 911/1969. A questo

    da priso civil do devedor fiduciante9.4 A alienao fiduciria em garantia de bens imveis. Regras previstas na Lei 9.514/1997Resumo esquemticoQuestes correlatasGabarito

    BIBLIOGRAFIA

  • INTRODUO AO DIREITO DAS COISAS

    Conceitos iniciais

    Sumrio: 1.1 Conceito de direito das coisas. A questo terminolgica 1.2 Conceito de direitos reais. Teoriasjustificadoras e caracteres. Anlise preliminar do art. 1.225 do CC 1.3 Diferenas entre os direitos reais e osdireitos pessoais patrimoniais 1.4 O direito das coisas e a Constituio Federal. Primeiras noes a respeito dafuno social da propriedade Resumo esquemtico Questes correlatas Gabarito.

    1.1 CONCEITO DE DIREITO DAS COISAS. A QUESTO TERMINOLGICA

    notria e conhecida a classificao dos direitos patrimoniais em direitos pessoais e direitosreais. Essa classificao confirmada por uma anlise sistemtica do Cdigo Civil de 2002, aexemplo do que acontecia com o seu antecessor.

    Os direitos patrimoniais pessoais esto disciplinados no Cdigo Civil pelo tratamento dado aoDireito das Obrigaes (arts. 233 a 420 e arts. 854 a 965), ao Direito Contratual (arts. 421 a 853) eao Direito de Empresa (arts. 966 a 1.195). Tambm h regras pessoais patrimoniais nos livrosdedicados ao Direito de Famlia e ao Direito das Sucesses. Por outra via, os direitos patrimoniaisde natureza real esto previstos entre os arts. 1.196 e 1.510, no livro denominado Do Direito dasCoisas (Livro III).

    A expresso Direito das Coisas sempre gerou dvidas do ponto de vista terico e metodolgico,principalmente quando confrontada com o termo Direitos Reais. Muito didaticamente, pode-seafirmar que o Direito das Coisas o ramo do Direito Civil que tem como contedo relaesjurdicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas, ou mesmo determinveis. Como coisaspode-se entender tudo aquilo que no humano, conforme exposto no Volume 1 da presente coleo(TARTUCE, Flvio. Direito civil..., 2014, v. 1). Pode-se, ainda, entender que o termo significa benscorpreos ou tangveis, na linha da polmica doutrinria existente em relao terminologia. Segue-se a clssica conceituao de Clvis Bevilqua citada, entre outros, por Carlos Roberto Gonalves,para quem o Direito das Coisas representa um complexo de normas que regulamenta as relaesdominiais existentes entre a pessoa humana e coisas apropriveis (GONALVES, Carlos Roberto.Direito Civil Brasileiro..., 2010, v. 5, p. 19).

    Na mesma linha de pensamento a respeito do conceito de Direito das Coisas, cumpre transcreveras palavras de Luciano de Camargo Penteado:

    O Direito das Coisas , assim, para sumarizar, uma parte ou um ramo do Direito que disciplina (isto , que confere uma normativa,

  • uma estruturao deontolgica), um particular dado fenomnico: o contato da pessoa humana com as coisas, principalmente aquelas decarter material. Sabe-se, entretanto, que este contato interessa ao direito na medida em que desencadeia e projeta consequncias paraalm do mero contato sujeito/objeto em sua singularidade. H relevncia jurdica do processo apropriatrio de algum em relao aalguma coisa na medida em que h ou pode haver repercusses dessa prtica na posio ou situao jurdica de outros indivduos quesejam estritamente derivadas deste processo (PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas..., 2008, p. 40).

    Em suma, deve-se ter em mente que no Direito das Coisas h uma relao de domnio exercidapela pessoa (sujeito ativo) sobre a coisa. No h um sujeito passivo determinado, sendo este toda acoletividade (sujeito passivo universal).

    Na vigncia do Cdigo Civil de 1916, expunha Clvis Bevilqua que O Direito das coisasconstitui o segundo livro da Parte especial do Cdigo Civil Brasileiro. Comprehende: a posse, apropriedade, os seus desmembramentos e modificaes, inclusive a propriedade literria, scientficae artstica. Em doutrina, esse mesmo o contedo do direito das coisas, salvo quanto ao direitoautoral, que o nosso Cdigo denominou propriedade literria, scientfica e artstica, sem attender evoluo desse complexo de normas, que estava a reclamar outra designao mais conforme anatureza das relaes jurdicas a disciplinar, segundo se ver em logar opportuno (Direito dascoisas..., 2003, v. 1, p. 10).

    Levando-se em conta o Cdigo Civil de 2002, no h previso para a propriedade literria,cultural e artstica, que se encontra regulamentada pela Lei 9.610/1998, norma disciplinadora dosdireitos patrimoniais e morais do autor. O que se observa, portanto, que o atual Cdigo Civilcontinua tratando da propriedade sobre bens corpreos, conceituados por alguns juristas como sendocoisas, caso de Washington de Barros Monteiro e Orlando Gomes. Quanto aos direitos de autor, defato, melhor consider-los como direitos pessoais de personalidade, conforme ainda ser expostona presente obra, quando do estudo da propriedade.

    Da obra do primeiro autor, entre os dois ltimos citados, devidamente atualizada por CarlosAlberto Dabus Maluf, retira-se que:

    O Ttulo do Livro II do Cdigo Civil de 1916, Do Direito das Coisas, vinha sofrendo pesadas crticas da atual doutrina, no secoadunando com a amplitude do prprio Livro que regulava todos os direitos reais e a posse, considerada como um fato socioeconmicopotestativo, no como um direito real. Importante observar que a palavra coisas diz respeito apenas a uma espcie de bens (gnero)da vida, no sendo, em razo disso, de boa tcnica jurdica continuar dando a um dos Livros do Cdigo Civil de 2002 o ttulo de direito dascoisas, uma vez que ele mais amplo, pois regula relaes fticas e jurdicas entre sujeitos e os bens da vida suscetveis de posse edireitos reais. Assim, e considerando que o Cdigo Civil de 2002 prima por conferir melhor terminologia aos institutos jurdicos, ttulos,captulos e sees, teria sido de boa tcnica que o Livro III tivesse a denominao adequada: Da Posse e dos Direitos Reais (Monteiro,Washington de Barros. Curso..., 2003, p. 2).

    Seguindo esses ideais, h proposta de alterao da denominao desse livro do Cdigo Civil, peloProjeto de Lei 699/2011, antigo Projeto de Lei 6.960/2002, originalmente elaborado pelo DeputadoRicardo Fiuza. A proposta tem origem no trabalho de Joel Dias Figueira Jr. (Cdigo Civil..., 2004, p.1.093).

    Em verdade, as crticas apontadas por Washington de Barros Monteiro no procedem, pelo menosem parte. Isso porque possvel solucion-la pela ideia seguida, entre outros, por Silvio Rodrigues,para quem coisas expresso gnero, a abranger tudo aquilo que no humano; enquanto que osbens so coisas com interesse jurdico e/ou econmico, ou seja, constituem espcie (RODRIGUES,Silvio. Direito civil..., 1994, p. 110). Por essa distino conceitual, correta a expresso utilizada

  • pelo atual Cdigo Civil: Direito das Coisas. Deve-se apenas fazer a ressalva a respeito dos direitosde autor, que tm por objeto bens incorpreos, devendo ser tratados como direitos de personalidadee no como propriedade, em seu sentido amplo.

    De qualquer forma, surge a dvida, pela leitura das capas dos manuais de Direito Civil: qual aexpresso correta a utilizar, Direito das Coisas ou Direitos Reais?

    No Direito Portugus, esclarece Jos de Oliveira Ascenso que No basta conhecer a gnese daexpresso Direitos Reais; cumpre averiguar se a terminologia adequada. Na Alemanha, usa-se adesignao Sachenrecht, traduzindo literalmente, Direito das Coisas. esta tambm a aplicada noBrasil ao nosso ramo e a preferida pelo Novo Cdigo Civil. A doutrina nacional fala, porm,predominantemente, em Direitos Reais, de harmonia com a epgrafe mantida por sucessivas reformas disciplina universitria (Direitos reais..., 2000, p. 16). Mais frente, aponta o professor daUniversidade de Lisboa que a expresso Direito das Coisas parece mais adequada para designaraquele conjunto de regras que traam o estatuto jurdico das coisas, estatuto esse previsto na ParteGeral do Cdigo Civil. Por isso que prefere o doutrinador portugus a expresso Direitos Reais,pois tem como estudo um ramo do direito objetivo, e no unicamente de uma categoria de direitossubjectivos.

    De qualquer forma, Ascenso apresenta tambm o inconveniente de utilizar a ltima terminologia,eis que se muito adequada para descrever esta segunda realidade, no consegue englobar aprimeira. Esta deficincia torna-se flagrante se confrontarmos com as designaes dos restantesramos do Direito Civil: Direito das Obrigaes, Direito da Famlia, Direito das Sucesses. Por isto,quando se usa a expresso Direitos Reais para designar um ramo do direito objectivo, forosoreconhecer-lhe tambm um sentido meramente convencional (Direitos reais..., 2000, p. 18). Emsuma, para o jurista, tanto uma quanto outra expresso no so absolutamente corretas, do ponto devista tcnico.

    Pois bem, na doutrina brasileira, utilizam o termo Direitos Reais: Caio Mrio da Silva Pereira,Orlando Gomes, Slvio de Salvo Venosa, Marco Aurlio S. Viana, Cristiano Chaves de Farias eNelson Rosenvald. Direito das Coisas usado por Lafayette Rodrigues Pereira (o famosoConselheiro Lafayette), Clvis Bevilqua, Silvio Rodrigues, Washington de Barros Monteiro, MariaHelena Diniz, Arnaldo Rizzardo, Carlos Roberto Gonalves, Marco Aurlio Bezerra de Melo eLuciano de Camargo Penteado.

    Este autor prefere a ltima expresso, por ter sido a opo metodolgica do Cdigo Civil de 2002.Ademais, preciso ressaltar que o atual Cdigo traz ainda o tratamento da posse, que no representaum direito real propriamente dito. Quanto questo dos direitos subjetivos, tambm estudados nestelivro, parece incomodar menos do que a opo didtica feita pela comisso elaboradora da atualcodificao privada. Por isso que consta a expresso Direito das Coisas na capa do presentetrabalho. Superada essa questo terminolgica, passa-se ao estudo tcnico preliminar do contedodos Direitos Reais.

    1.2 CONCEITO DE DIREITOS REAIS. TEORIAS JUSTIFICADORAS E CARACTERES.ANLISE PRELIMINAR DO ART. 1.225 DO CC

    A partir das lies dos doutrinadores clssicos e contemporneos aqui utilizados como referncia,

  • pode-se conceituar os Direitos Reais como sendo as relaes jurdicas estabelecidas entre pessoas ecoisas determinadas ou determinveis, tendo como fundamento principal o conceito de propriedade,seja ela plena ou restrita. A diferena substancial em relao ao Direito das Coisas que esteconstitui um ramo do Direito Civil, um campo metodolgico. J os Direitos Reais constituem asrelaes jurdicas em si, em cunho subjetivo.

    No tocante aos Direitos Reais, da obra clssica de Orlando Gomes, devidamente atualizada porLuiz Edson Fachin, podem ser retiradas duas teorias justificadoras (Direitos reais..., 2004, p. 10-17),a saber:

    a) Teoria personalista teoria pela qual os direitos reais so relaes jurdicas estabelecidas entre pessoas, mas intermediadas porcoisas. Segundo Orlando Gomes, a diferena est no sujeito passivo. Enquanto no direito pessoal, esse sujeito passivo o devedor pessoa certa e determinada, no direito real seria indeterminada, havendo nesse caso uma obrigao passiva universal, a derespeitar o direito obrigao que se concretiza toda vez que algum o viola (GOMES, Orlando. Direitos reais..., 2004, p. 12-17). O que se percebe, portanto, que essa teoria nega realidade metodolgica aos Direitos Reais e ao Direito das Coisas,entendidas as expresses como extenses de um campo metodolgico.

    b) Teoria realista ou clssica o direito real constitui um poder imediato que a pessoa exerce sobre a coisa, com eficcia contratodos (erga omnes). Assim, o direito real ope-se ao direito pessoal, pois o ltimo traz uma relao pessoa-pessoa, exigindo-sedeterminados comportamentos.

    Entre as duas teorias justificadoras, parecem ter razo os defensores da teoria clssica ourealista. Como ensina o prprio Orlando Gomes, o retorno doutrina clssica est ocorrendo luzde novos esclarecimentos provindos da anlise mais aprofundada da estrutura dos direitos reais. Ospartidrios dessa doutrina preocupavam-se apenas com as manifestaes externas desses direitos,particularmente com as consequncias da oponibilidade erga omnes, objetivadas pela sequela.Voltam-se os autores modernos para a estrutura interna do direito real, salientando que o poder deutilizao da coisa, sem intermedirio, o que caracteriza os direitos reais (Direitos reais..., 2004,p. 15).

    Mesmo com a adeso momentnea teoria realista, preciso apontar que h forte tendncia decontratualizao do Direito Privado, ou seja, o contrato vem ganhando campos que antes no eramde sua abrangncia. Por isso, ousa-se afirmar que todos os institutos negociais de Direito Civilseriam contratos, pela forte influncia exercida pelo princpio da autonomia privada. Diante dessainfluncia, Luciano de Camargo Penteado discorre sobre a existncia de Contratos de Direito dasCoisas. So suas palavras:

    Todo contrato gera obrigao para, ao menos, uma das partes contratantes. Entretanto, nem todo o contrato rege-se, apenas, pelodireito das obrigaes. Existem contratos de direito de empresa, contratos de direito obrigacional, contratos de direito das coisas,contratos de direito de famlia. No sistema brasileiro, no existem contratos de direito das sucesses, por conta da vedao do art. 426 doCC, o que significa que, de lege ferenda, no se possa introduzir, no direito positivo, a figura, doutrinariamente admitida e utilizada napraxe de alguns pases, como o caso da Alemanha. Interessante proposio terica seria, em acrscimo, postular a existncia decontratos da parte geral, como parece ser o caso do ato que origina a associao, no atual sistema do Cdigo Civil (PENTEADO,Luciano de Camargo. Efeitos contratuais..., 2007, p. 89).

    A contemporaneidade demonstra que o futuro de uma contratualizao de todo o direito, umneocontratualismo, tese defendida h tempos por Norberto Bobbio, Giulliano Pontara e SalvatoreVeca (Crise..., 1984). Entre os portugueses, Rui Alarco demonstra a tendncia, ao discorrer sobre anecessidade de menos leis, melhores leis (Menos leis..., Revista Brasileira..., 2009). Para o juristade Coimbra, se est assistindo a um recuso do direito estadual ou estatal, e se fala mesmo em

  • direito negociado, embora se deva advertir que aquele recuo a esta negociao comportam perigos,relativamente aos quais importa estar prevenido e encontrar respostas, no avulsas masinstitucionais. Como quer que seja, uma coisa se afigura certa: a necessidade de novos modelos derealizao do Direito, incluindo modelos alternativos de realizao jurisdicional e onde havercertamente lugar destacado para paradigmas contratuais e para mecanismos de natureza ou de recortecontratual, que tm, de resto, tradio jurdico-poltica, precursora de dimenses modernas ou ps-modernas (Menos leis..., Revista Brasileira..., 2009). E arremata, sustentando que tem ganhadofora a contratualizao sociopoltica, para que exista uma sociedade mais consensual do queautoritria ou conflituosa (Menos leis..., Revista Brasileira..., 2009). Em suma, a construo decontrato serve no s para as partes envolvidas, mas para toda a sociedade. O contrato rompe suasbarreiras iniciais, no tendo limites de incidncia.

    De qualquer forma, ainda cedo para confirmar essa tendncia de contratualizao do direitoprivado ou at de todo o direito , principalmente no Brasil, o que colocaria em xeque a divisometodolgica que na presente obra se prope. Mas, para o futuro, deveras, a contratualizao doDireito Civil a tendncia. importante frisar, contudo, que esse contrato diverso do seucontedo clssico, pois tambm enfoca questes existenciais, alm das patrimoniais. Alm disso, avontade perde o papel relevante que exercia, substituda por uma interveno legal e estatal(dirigismo negocial ou contratual). Para o estudo do conceito clssico e do conceito contemporneode contrato, recomenda-se a leitura do primeiro captulo do Volume 3 da presente coleo.

    Pois bem, os direitos reais giram em torno do conceito de propriedade, e, como tal, apresentamcaracteres prprios que os distinguem dos direitos pessoais de cunho patrimonial. A partir dadoutrina contempornea de Maria Helena Diniz, podem ser apontadas as seguintes caractersticas dosdireitos reais (Curso..., 2007, v. 4, p. 20):

    a) Oponibilidade erga omnes, ou seja, contra todos os membros da coletividade.b) Existncia de um direito de sequela, uma vez que os direitos reais aderem ou colam na coisa.c) Previso de um direito de preferncia a favor do titular de um direito real, como comum nos direitos reais de garantia sobre coisa

    alheia (penhor e hipoteca).d) Possibilidade de abandono dos direitos reais, isto , de renncia a tais direitos.e) Viabilidade de incorporao da coisa por meio da posse, de um domnio ftico.f) Previso da usucapio como um dos meios de sua aquisio. Vale dizer que a usucapio no atinge somente a propriedade, mas

    tambm outros direitos reais, caso das servides (art. 1.379 do CC).g) Suposta obedincia a um rol taxativo (numerus clausus) de institutos, previstos em lei, o que consagra o princpio da

    taxatividade ou tipicidade dos direitos reais. Todavia, como se quer demonstrar, essa obedincia vem sendo contestada.h) Regncia pelo princpio da publicidade dos atos, o que se d pela entrega da coisa ou tradio (no caso de bens mveis) e pelo

    registro (no caso de bens imveis).

    Analisadas, em termos gerais, tais caractersticas, preciso aqui aprofundar o assunto, diante daatual realidade do Direito Privado Brasileiro, partindo-se principalmente de uma interpretaosistemtica.

    Primeiramente, comum afirmar que os direitos reais so absolutos, no sentido de que trazemefeitos contra todos (princpio do absolutismo). Todavia, como fazem Cristiano Chaves de Farias eNelson Rosenvald, preciso esclarecer que esse absolutismo no significa dizer que os direitosreais geram um poder ilimitado de seus titulares sobre os bens que se submetem a sua autoridade.

  • Como qualquer outro direito fundamental o ordenamento jurdico o submete a uma ponderao devalores, eis que em um Estado Democrtico de Direito marcado pela pluralidade, no h espao paradogmas (Direitos reais..., 2006, p. 3). Tm plena razo os doutrinadores citados, sendo opluralismo um dos aspectos do Direito Civil Contemporneo, da realidade ps-moderna.

    notrio que mesmo os direitos da personalidade, aqueles que protegem a pessoa humana e a suadignidade, podem e devem ser relativizados em algumas situaes, principalmente se encontrarempela frente outros direitos de mesma estirpe. Em situaes tais, deve-se procurar utilizar a tcnica deponderao, muito bem desenvolvida, no Direito Alemo, por Robert Alexy ( Teoria..., 2008). Apartir dessa ideia, no Brasil, na IV Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado n. 274,prevendo que:

    Os direitos da personalidade, regulados de maneira no exaustiva pelo Cdigo Civil, so expresses da clusula geral de tutela dapessoa humana, contida no art. 1., III, da Constituio (princpio da dignidade da pessoa humana). Em caso de coliso entre eles, comonenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a tcnica da ponderao.

    Ora, se essa mitigao atinge at os direitos da personalidade, tidos como fundamentais por suaposio constitucional, o que dizer ento dos direitos reais, uma vez que existem claras restriesprevistas em lei, sendo a mais invocada a funo social da propriedade, prevista no art. 5., XXIII,da Constituio Federal de 1998? De forma clara possvel a relativizao, sopesando-se o melhorcaminho de acordo com o caso concreto.

    No tocante existncia de um rol taxativo, ou numerus clausus, quanto aos direitos reais, tambmvem se insurgindo a civilstica contempornea. Para a anlise da questo, importante transcrever aatual redao do art. 1.225 do CC/2002:

    Art. 1.225. So direitos reais:I a propriedade;II a superfcie;III as servides;IV o usufruto;V o uso;VI a habitao;VII o direito do promitente comprador do imvel;VIII o penhor;IX a hipoteca;X a anticrese;XI a concesso de uso especial para fins de moradia; (Includo pela Lei 11.481/2007)XII a concesso de direito real de uso. (Includo pela Lei 11.481/2007).

    Preliminarmente, percebe-se que a recente Lei 11.481, de 31 de maio de 2007, introduziu duasnovas categorias de direitos reais sobre coisa alheia, quais sejam a concesso de uso especial parafins de moradia e a concesso de direito real de uso, que podem ser objeto de hipoteca, conforme anova redao que foi dada ao art. 1.473 do CC/2002. Mais frente, no presente trabalho, seroinvestigados esses novos institutos criados pela recente alterao legislativa.

    A autonomia privada, conceituada como o direito que a pessoa tem de regulamentar os prprios

  • interesses, tida como um dos principais regramentos do Direito Civil Contemporneo. A influnciada autonomia privada para o Direito das Coisas, assim, pode trazer a concluso de que o rolconstante do art. 1.225 do atual Cdigo Civil no taxativo (numerus clausus), mas exemplificativo(numerus apertus), havendo uma quebra parcial do princpio da taxatividade ou tipicidade dosdireitos reais (sobre o tema, confira-se: GONDINHO, Andr Pinto da Rocha Osrio. Direitosreais..., 2001, e NEVES, Gustavo Kloh Mller. O princpio..., Princpios..., 2006, p. 413). A recentealterao legislativa acaba por confirmar o entendimento de que a relao constante do art. 1.225 doCC/2002 aberta, pela possibilidade de surgimento de novos direitos reais, por novas leisemergentes.

    Analisando o prprio esprito da atual codificao privada, fica realmente difcil concluir que asrelaes constantes da lei so fechadas. Isso porque o atual Cdigo, inspirado ideologicamente notrabalho doutrinrio de Miguel Reale, traz um sistema aberto, de clusulas gerais, que fundamenta oprincpio da operabilidade, na busca de um Direito Civil mais concreto e efetivo. Como mencionadono Captulo 2 do Volume 1 desta coleo, a ontognoseologia jurdica de Reale ampara o Direito emtrs subsistemas: o dos fatos, o das normas e o dos valores. O desenho a seguir denota a existnciadessa realidade:

    Seguindo em parte esse entendimento, ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvaldque a rigidez na elaborao de tipos no absoluta. Nada impede que o princpio da autonomiaprivada possa, no mbito do contedo de cada direito real, ainda que em pequena escala, intervirpara a afirmao de diferentes modelos jurdicos, com base nos espaos consentidos em lei. Desdeque no exista leso a normas de ordem pblica, os privados podem atuar dentro dos tipos legais,utilizando a sua vontade criadora para inovar no territrio concedido pelo sistema jurdico,modificando o contedo dos direitos reais afirmados pela norma. Como exemplo, podemos citar amultipropriedade tanto resultante da fuso da propriedade individual e coletiva nas convenes decondomnio, como aquela tratada na propriedade de shopping center, de flat ou time sharing(Direitos reais..., 2006, p. 12).

    Merece destaque o que mencionado quanto ofensa ordem pblica. Por certo que osurgimento dos novos direitos reais encontra limites em normas cogentes, caso daquelas queconsagram a funo social da propriedade (art. 5., XXII e XXIII, da CF/1988 e art. 1.228, 1., do

  • CC/2002).Pois bem, em reforo ao que ilustram os doutrinadores citados, outro exemplo a ser mencionado

    o da alienao fiduciria em garantia, que, como modalidade de propriedade resolvel, seenquadraria no inciso I do art. 1.225 do CC/2002. Todavia, na literalidade da norma, a alienaofiduciria em garantia no consta do art. 1.225 do Cdigo Privado.

    Como outra ilustrao, a Lei 11.977/2009, que dispe sobre o Programa Minha Casa MinhaVida, trata em seu art. 59 da legitimao da posse que, devidamente registrada no Cartrio deRegistro de Imveis, constitui direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia. Talinstituto ser concedido aos moradores cadastrados pelo poder pblico, desde que: a) no sejamconcessionrios, foreiros ou proprietrios de outro imvel urbano ou rural; e b) no sejambeneficirios de legitimao de posse concedida anteriormente. Reconhecido o instituto como umdireito real, como realmente parece ser, verifica-se que ele amplia o rol do art. 1.225 do CC/2002.

    No se olvide que a legitimao da posse j era tratada com relevo no mbito do Direito Agrrio,tendo sido criada pela Lei de Terras (Lei 601/1850) e regulamentada pela Lei 6.383/1976 (art. 29).Nessa perspectiva, leciona o agrarista Benedito Ferreira Marques que tem-se que se trata deinstituto tipicamente brasileiro, cujos fundamentos jurdicos tm merecido, at aqui, a mais acuradaanlise dos estudiosos, posto que, a partir de sua criao, vem atravessando os tempos, chegando amerecer guarida nos prprios textos constitucionais republicanos e na legislao margeante. O seuconceito decorre do prprio dispositivo que o concebeu e consagrou, por isso que L. Lima Stefaniniassim a definiu: a exarao de ato administrativo, atravs do qual o Poder Pblico reconhece aoparticular que trabalhava na terra a sua condio de legitimidade, outorgando, ipso facto, o formaldomnio pleno (MARQUES, Benedito Ferreira. Direito..., 2011, p. 87).

    Reconhecendo a existncia ftica de ttulo possessrio antes da legitimao da posse pela LeiMinha Casa Minha Vida, na VI Jornada de Direito Civil, realizada no ano de 2013, aprovou-se oEnunciado n. 563, com a seguinte redao: O reconhecimento da posse por parte do Poder Pblicocompetente anterior sua legitimao nos termos da Lei n. 11.977/2009 constitui ttulo possessrio.Conforme as suas justificativas, No mbito do procedimento previsto na Lei n. 11.977/2009,verifica-se que o Poder Pblico municipal, ao efetuar cadastramento dos possuidores no momento dademarcao urbanstica, emite documento pblico que atesta a situao possessria ali existente. Talreconhecimento configura ttulo possessrio, ainda que anterior legitimao da posse. Oenunciado est fundamentado na funo social da posse, a ser estudada no prximo captulo destelivro, contando com pleno apoio deste autor.

    Feitas tais consideraes, vivel afirmar que leis extravagantes podem criar novos direitos reais,sem a sua descrio expressa no dispositivo civil. O que propem os civilistas da atual gerao,portanto, uma quebra do princpio da taxatividade, desde que se trabalhe dentro dos limites da lei,que pode at criar novos direitos reais, alm daqueles previstos no art. 1.225 da atual codificao.Em suma, no haveria taxatividade estrita dentro do rol mencionado, devendo ser observada apenasa tipicidade em lei. O desafio futuro diz respeito possibilidade de criao de novos direitos reaistambm pela autonomia privada, quebrando-se tambm a tipicidade.

    Assim, a exemplo do que ocorre com os contratos, pela forte influncia da autonomia privada, possvel concluir pela possibilidade de criao de novos Direitos Reais, diante da constatao deque a lei no consegue e no pode acompanhar o imaginativo do ser humano. Ora, se o art. 425 do

  • CC/2002 possibilita a criao de contratos atpicos, dando concretude ao sistema privado, deve-setambm pensar na possibilidade de criao de direitos reais atpicos, operacionalizando efuncionalizando os institutos de Direito das Coisas. Como se sabe, e isto chegou a ser apontado porNorberto Bobbio, a estrutura rgida do sistema foi substituda pela funcionalizao dos institutos(Da estrutura..., 2007).

    Essa parece ser a tendncia, para o futuro, apesar de ser o entendimento ainda minoritrio,principalmente levando-se em conta a doutrina clssica, que acredita ser o rol de direitos reais umarelao taxativa (numerus clausus) e no exemplificativa (numerus apertus). Alis, seguindo essaviso clssica, pelo rol taxativo, podem ser mencionados Caio Mrio da Silva Pereira(Instituies..., 2004, v. IV, p. 8), Orlando Gomes (Direitos reais..., 2006, p. 21) e Maria HelenaDiniz (Curso..., 2007, v. 4, p. 20).

    De todo modo, insta verificar que, entre os clssicos, Washington de Barros Monteiro sempre foifavorvel ao reconhecimento de que o rol dos direitos reais previsto na lei geral privada seriaexemplificativo. Segundo as suas palavras: outros direitos reais podero ser ainda criados pelolegislador ou pelas prprias partes, desde que no contrariem princpios de ordem pblica. Vriosautores sustentam esse ponto de vista. Realmente, texto algum probe, explcita ou implicitamente, acriao de novos direitos reais, ou a modificao dos direitos reais j existentes (MONTEIRO,Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus, Curso..., 39. ed., 2009, v. 3, p. 12). Como senota, mesmo entre os doutrinadores mais antigos, o tema era amplamente debatido, inclusive notocante fora da autonomia privada para a gerao de novos direitos reais.

    Superada a anlise preliminar do importante art. 1.225 do CC/2002, passa-se a diferenciar,pontualmente, os direitos reais dos direitos pessoais de carter patrimonial.

    1.3 DIFERENAS ENTRE OS DIREITOS REAIS E OS DIREITOS PESSOAISPATRIMONIAIS

    Exposta a viso estrutural do tema, possvel demonstrar as diferenas bsicas que afastam osdireitos reais dos direitos pessoais de cunho patrimonial. Para os ltimos, sero utilizados comoparmetro os direitos obrigacionais contratuais.

    Primeiramente, levando-se em conta a teoria realista, os direitos reais tm como contedorelaes jurdicas estabelecidas entre pessoas e coisas, relaes estas que podem at ser diretas, semqualquer intermediao por outra pessoa, como ocorre nas formas originrias de aquisio dapropriedade, cujo exemplo tpico a usucapio. Portanto, o objeto da relao jurdica a coisa emsi. Por outra via, nos direitos pessoais de cunho patrimonial h como contedo relaes jurdicasestabelecidas entre duas ou mais pessoas, sendo o objeto ou contedo imediato a prestao.

    Nos direitos reais existe apenas um sujeito ativo determinado, sendo sujeitos passivos toda acoletividade. Nos direitos pessoais h, em regra, um sujeito ativo, que tem um direito (credor); e umsujeito passivo, que tem um dever obrigacional (devedor). Contudo, vale dizer que, entre os ltimos,tm prevalecido relaes jurdicas complexas, em que as partes so credoras e devedoras entre si(sinalagma obrigacional).

    A segunda diferena entre os institutos refere-se ao primeiro princpio regulamentador. Enquanto

  • os direitos reais sofrem a incidncia marcante do princpio da publicidade ou da visibilidade,diante da importncia da tradio e do registro principais formas derivadas de aquisio dapropriedade , os direitos pessoais de cunho patrimonial so influenciados pelo princpio daautonomia privada, de onde surgem os contratos e as obrigaes nas relaes intersubjetivas.Todavia, conforme aduzido, cresce a importncia da autonomia privada tambm para o Direito dasCoisas, particularmente pela tendncia de contratualizao do Direito Privado.

    Como terceiro ponto diferenciador, os direitos reais tm eficcia erga omnes, contra todos(princpio do absolutismo). Tradicionalmente, costuma-se afirmar que os direitos pessoaispatrimoniais, caso dos contratos, tm efeitos inter partes, o que consagrao da antiga regra resinter alios e do princpio da relatividade dos efeitos contratuais. Entretanto, conforme exposto noVolume 3 da presente coleo, h uma forte tendncia de se apontar a eficcia dos contratos peranteterceiros e a tutela externa do crdito, como precursores da eficcia externa da funo social doscontratos, temas to bem explorados por Luciano de Camargo Penteado (Efeitos..., 2007).

    Nesse sentido, na I Jornada de Direito Civil, aprovou-se o Enunciado n. 21, prevendo que afuno social dos contratos, prevista no art. 421 do CC/2002, traz a reviso do princpio darelatividade dos efeitos contratuais, possibilitando a tutela externa do crdito. A ttulo de exemplo,enuncia o art. 608 do atual Cdigo Civil que aquele que aliciar pessoas obrigadas em contratoescrito a prestar servios a outrem, pagar a este o correspondente a dois anos de prestao deservios. Assim sendo, o aliciador tido como um terceiro cmplice , que desrespeita a existnciado contrato e sua funo social, pode responder perante uma parte obrigacional, o que denota que osnegcios jurdicos de cunho pessoal patrimonial tambm atingem terceiros.

    Ademais, preciso verificar que, em alguns casos, a jurisprudncia tem reconhecido que mesmoos direitos reais devem ter os efeitos restringidos. Estabelece a Smula 308 do Superior Tribunal deJustia que A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior celebrao da promessa de compra e venda, no tem eficcia perante os adquirentes do imvel.Trata-se de smula com relevante enfoque sociolgico.

    Ora, sabe-se que a hipoteca um direito real de garantia sobre coisa alheia, que recaiprincipalmente sobre bens imveis, tratada entre os arts. 1.473 a 1.505 do atual Cdigo Civil. Umdos principais efeitos da hipoteca a constituio de um vnculo real, que acompanha a coisa (art.1.419). Esse vnculo real (direito de sequela) tem efeitos erga omnes, dando direito de excusso aocredor hipotecrio, contra quem esteja o bem (art. 1.422).

    Exemplificando, se um imvel garantido pela hipoteca, possvel que o credor reivindique obem contra terceiro adquirente da coisa. Assim, no importa se o bem foi transferido a terceiro; estetambm o perder, mesmo que o tenha adquirido de boa-f.

    A constituio da hipoteca muito comum em contratos de construo e incorporao imobiliria,visando a um futuro condomnio edilcio. Como muitas vezes o construtor no tem condieseconmicas para levar adiante a sua obra, celebra um contrato de emprstimo de dinheiro com umterceiro (agente financeiro ou agente financiador), oferecendo o prprio imvel como garantia, o queinclui todas as suas unidades do futuro condomnio.

    Iniciada a obra, o incorporador comea a vender, celebrando compromissos de compra e venda, asunidades para terceiros, que no caso so consumidores, pois evidente a caracterizao da relao

  • de consumo, nos moldes dos arts. 2. e 3. da Lei 8.078/1990. Diante da fora obrigatria que aindarege os contratos (pacta sunt servanda), espera-se que o incorporador cumpra com todas as suasobrigaes perante o agente financiador, pagando pontualmente as parcelas do financiamento.Ocorrendo desse modo, no haver maiores problemas.

    Entretanto, infelizmente, nem sempre isso ocorre. Em casos tais, quem acabar perdendo o imvel,adquirido a to duras penas? O consumidor, diante do direito de sequela advindo da hipoteca.

    A referida smula do Superior Tribunal de Justia visa justamente a proteger o consumidoradquirente do imvel, restringindo os efeitos da hipoteca s partes contratantes. Isso diante da boa-fobjetiva, eis que aquele que adquiriu o bem pagou pontualmente as suas parcelas perante aincorporadora, ignorando toda a sistemtica jurdica que rege a incorporao imobiliria.

    Presente a boa-f do adquirente, por essa pontualidade negocial, no poder ser responsabilizadoo consumidor pela conduta da incorporadora, que acaba no repassando o dinheiro ao agentefinanciador. Fica claro, pelo teor da smula, que a boa-f objetiva envolve ordem pblica, pois casocontrrio no seria possvel a restrio do direito real. Em poucas palavras, a boa-f objetiva,atualmente, vence at a hipoteca.

    Sem prejuzo dessa concluso, compreendo que a Smula 308 do Superior Tribunal de Justiaainda mantm relao com o princpio da funo social dos contratos, pois tem o escopo depreservar os efeitos do contrato de compra e venda do imvel a favor do consumidor, parteeconomicamente mais fraca da relao negocial. Por essa simples razo, j mereceria o apoio desteautor. Mas a smula tenciona tambm a proteger o direito moradia, assegurado constitucionalmenteno art. 6., caput, da Carta Poltica de 1988. Reforando, tende-se a preservar o negcio jurdicodiante do princpio da conservao negocial, inerente concepo social do contrato.

    Percebe-se que a eticidade e a socialidade acabam fazendo milagres no campo prtico,relativizando o rigor formal da concepo dos direitos reais em prol da proteo do vulnervelcontratual, daquele que sempre agiu conforme a boa-f. Em concluso, pode-se afirmar que a eficciacontra todos dos direitos reais no to forte assim. No tocante aos efeitos dos direitos reais e dosdireitos pessoais patrimoniais, portanto, pode-se dizer que h uma aproximao terica e prtica.

    Como quarta diferena entre os institutos, enquanto nos direitos reais, o rol supostamentetaxativo (art. 1.225 do CC/2002), de acordo com o entendimento ainda majoritrio de aplicao doprincpio da taxatividade; nos direitos pessoais patrimoniais, o rol exemplificativo, o que pode serretirado do art. 425 do CC, pela licitude de criao de contratos atpicos, aqueles sem previsolegal.

    Outra diferena importante refere-se ao fato dos direitos reais trazerem o to aclamado direito desequela, respondendo a coisa, onde quer que ela esteja; enquanto que nos direitos pessoais h umaresponsabilidade patrimonial dos bens do devedor pelo inadimplemento da obrigao (art. 391 doCC/2002).

    Por fim, deve ser observado o carter permanente dos direitos reais, sendo o instituto basilar apropriedade. Isso se contrape ao carter transitrio dos direitos pessoais, como ocorre com oscontratos. Contudo, importante apontar que h, atualmente, contratos que representam uma relaode perpetuidade diante de seu prolongamento no tempo. So os contratos relacionais ou contratoscativos de longa durao, verdadeiros casamentos contratuais (TARTUCE, Flvio. Funo

  • social..., 2007, p. 315-318). importante citar que a expresso contratos cativos de longa duraofoi criada por Cludia Lima Marques (Contratos..., 2006, p. 92). Essa nomenclatura muito feliz,tanto do ponto de vista tcnico quanto do prtico, explicando um fenmeno negocial cada vez maiscomum no mundo contemporneo. A ttulo de exemplo, podem ser citados os contratos de plano desade ou de seguro de vida, que se perpetuam por dcadas.

    Em resumo, o quadro a seguir ainda pode ser elaborado e solicitado em provas e concursos.Apesar de ainda ser mantido, do ponto de vista didtico, pde-se perceber uma grande aproximaometodolgica entre os dois mbitos jurdicos, a fazer ruir o quadro no futuro:

    Direitos reais Direitos pessoais de cunho patrimonial

    Relaes jurdicas entre uma pessoa (sujeito ativo) e uma coisa. O sujeito passivo no determinado, mas toda a coletividade.

    Relaes jurdicas entre uma pessoa (sujeito ativo credor) e outra (sujeito passivo devedor).

    Princpio da publicidade (tradio e registro). Princpio da autonomia privada (liberdade).

    Efeitos erga omnes. Os efeitos podem ser restringidos. Efeitos inter partes. H uma tendncia de ampliao dos efeitos.

    Rol taxativo (numerus clausus), segundo a viso clssica art. 1.225 do CC. Rol exemplificativo (numerus apertus) art. 425 do CC criao dos contratos atpicos.

    A coisa responde (direito de sequela). Os bens do devedor respondem (princpio da responsabilidade patrimonial).

    Carter permanente.

    Instituto tpico: propriedade.

    Carter transitrio, em regra, o que vem sendo mitigado pelos contratos relacionais oucativos de longa durao.

    Instituto tpico: contrato.

    Tambm a colocar em dvida esse tradicional quadro do Direito Civil, importante salientar queexistem conceitos hbridos, que se encontram em um ponto intermedirio do quadro demonstrado.

    De incio, pode ser citada a posse, que representa a exteriorizao do domnio. Na opinio destesautores, trata-se de um direito de natureza especial, no um direito real em particular, uma vez queno consta no rol do art. 1.225 do CC/2002. Logicamente, pela concepo tridimensional do direito, luz da ontognoselogia jurdica de Miguel Reale, a posse, sendo fato, tambm direito. Aconcluso ser aprofundada no prximo captulo.

    As obrigaes reais ou propter rem em razo da coisa tambm se situam em uma zonaintermediria entre os direitos reais e os direitos obrigacionais de cunho patrimonial, sendo tambmdenominadas obrigaes hbridas ou ambulatrias. Surgem como obrigaes pessoais de umdevedor, por ser ele titular de um direito real, mas acabam aderindo mais coisa do que ao seueventual titular. Como exemplo tpico pode ser citada a obrigao do proprietrio de pagar asdespesas de condomnio, o que pode ser retirado do art. 1.345 do atual Cdigo Civil, pelo qual oproprietrio da unidade condominial em edifcios responde pelas dvidas anteriores que gravam acoisa. Na jurisprudncia podem ser encontradas inmeras decises com tal concluso, podendo ser

  • destacadas as seguintes:

    Agravo regimental. Condomnio. Ao de cobrana. Despesas condominiais. Legitimidade. Proprietrio. Em se tratando de obrigaopropter rem, as despesas de condomnio so de responsabilidade do proprietrio, que tem posterior ao de regresso contra o ex-muturio (STJ, AgRg no Ag 776.699/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3. Turma, j. 19.12.2007, DJ 08.02.2008, p. 1).

    Processual civil e civil. Condomnio. Taxas condominiais. Legitimidade passiva. Adjudicao. Adquirente. Recurso no conhecido. 1 Na linha da orientao adotada por esta Corte, o adquirente, em adjudicao, responde pelos encargos condominiais incidentes sobre oimvel adjudicado, tendo em vista a natureza propter rem das cotas condominiais. 2 Recurso no conhecido (STJ, REsp 829.312/RS,Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4. Turma, j. 30.05.2006, DJ 26.06.2006, p. 170).

    Por fim, tambm como conceito intermedirio pode ser mencionado o abuso do direito depropriedade ou ato emulativo, retirado dos arts. 187 e 1.228, 2., do Cdigo Civil Brasileiro.Prev o ltimo comando legal que so proibidos os atos que no trazem ao proprietrio qualquercomodidade, ou utilidade, e sejam animados pela inteno de prejudicar outrem. Como exemplo deato de emulao pode ser citado o excesso de barulho em um apartamento to somente para perturbaro vizinho de quem se desafeto, um legtimo ato chicaneiro, como dizem os portugueses. Como sepercebe, o que ainda ser aprofundado, trata-se de um exerccio da propriedade que repercute nodireito obrigacional, particularmente na responsabilidade civil.

    1.4 O DIREITO DAS COISAS E A CONSTITUIO FEDERAL. PRIMEIRAS NOES ARESPEITO DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE

    A exemplo do que ocorre nos demais volumes da coleo, este autor procurar analisar osinstitutos do Direito Privado a partir da Constituio Federal de 1988, caminho metodolgicotrilhado pelos adeptos do Direito Civil Constitucional.

    Sendo assim, nesse primeiro captulo preciso expor as previses dos institutos de Direito dasCoisas que constam do Texto Maior, particularmente o tratamento que dado por aquela normaprimaz propriedade, instituto que est no centro gravitacional dos direitos reais.

    Conforme exps Gustavo Tepedino, principal idealizador da escola do Direito CivilConstitucional em nosso Pas, Diante da promulgao do Cdigo, deve-se constru-lointerpretativamente, com paixo e criatividade, no sentido de buscar a sua mxima eficcia social,harmonizando-o com o sistema normativo civil-constitucional. Um novo tempo no se realiza com aproduo de leis novas, desconhecendo-se a identidade cultural da sociedade. preciso que seoferea aos profissionais do Direito, com esforo e inteligncia, a interpretao mais compatvelcom a Constituio da Repblica, com os valores da sociedade, com a experincia do Direito vivo,forjado, em grande parte, pelos magistrados. Assim ser possvel verificar criticamente os aspectosque poderiam estar melhor redigidos, ou que poderiam estar regulados de outra maneira, procurando,de todo modo, esgotar as possibilidades hermenuticas de lege lata (Os direitos..., Temas..., 2006,p. 147).

    De imediato, ao consagrar os direitos da pessoa humana, tidos como fundamentais, enuncia o art.5., caput, da CF/1988 que Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes (...) XXII

  • garantido o direito de propriedade; XXIII a propriedade atender a sua funo social (comdestaque). Em suma, o que se percebe que o direito de propriedade um direito triplamentefundamental, devendo ele atender aos interesses sociais.

    Como entendeu o prprio Supremo Tribunal Federal, O direito de propriedade no se reveste decarter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida afuno social que lhe inerente (CF, art. 5., XXIII), legitimar-se- a interveno estatal na esferadominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentosfixados na prpria Constituio da Repblica. O acesso terra, a soluo dos conflitos sociais, oaproveitamento racional e adequado do imvel rural, a utilizao apropriada dos recursos naturaisdisponveis e a preservao do meio ambiente constituem elementos de realizao da funo socialda propriedade (STF, ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, j. 04.04.2002, DJ 23.04.2004). Oconceito de hipoteca social bem interessante, tanto do ponto de vista terico quanto do didtico,para demonstrar a amplitude da expresso funo social da propriedade, concebida na perspectivacivil-constitucional.

    H, portanto, em nosso ordenamento jurdico, uma ampla proteo da propriedade, seja no tocanteaos interesses individuais do proprietrio, ou no que toca proteo dos direitos da coletividade, oque tambm exprime muito bem o contedo de sua funo social. Quanto ao indivduo em si,relembre-se a previso do inc. XI do prprio art. 5. da CF/1988, segundo o qual a casa asiloinviolvel do indivduo, ningum nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo emcaso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinaojudicial.

    A tutela da residncia, nesse sentido, pode expressar a proteo da propriedade, o que entrelaaos direitos reais aos direitos existenciais de personalidade. A concluso a mesma quando se l oart. 6., caput, da CF/1988, comando legal consagrador do direito social moradia, de acordo com aideia de patrimnio mnimo (FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurdico..., 2001).

    No obstante, conforme afirmado outrora, o direito de propriedade, como um direito subjetivo,no absoluto. Justamente por isso, o inc. XXV do art. 5. do Texto Maior preconiza que no caso deiminente perigo pblico, a autoridade competente poder usar de propriedade particular, asseguradaao proprietrio indenizao ulterior, se houver dano.

    No aspecto objetivo, expressa o art. 170, tambm da Constituio Federal, que A ordemeconmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar atodos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios:(...) II propriedade privada; III funo social da propriedade; IV livre concorrncia. Deacordo com esse dispositivo, a proteo da propriedade e o princpio da funo social devem seraplicados em harmonia com os demais princpios da ordem econmica, caso da livre iniciativa. Adefesa do meio ambiente, constante do inc. VI do referido artigo tambm entra em cena para a devidaponderao entre os princpios e a valorizao da propriedade conforme se pronunciou o SupremoTribunal Federal:

    A atividade econmica no pode ser exercida em desarmonia com os princpios destinados a tornar efetiva a proteo ao meioambiente. A incolumidade do meio ambiente no pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente demotivaes de ndole meramente econmica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econmica, considerada a disciplinaconstitucional que a rege, est subordinada, dentre outros princpios gerais, quele que privilegia a defesa do meio ambiente (CF, art.

  • 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noes de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambienteartificial (espao urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurdicos de carter legal e de natureza constitucionalobjetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que no se alterem as propriedades e os atributos que lhe so inerentes, o queprovocaria inaceitvel comprometimento da sade, segurana, cultura, trabalho e bem-estar da populao, alm de causar graves danosecolgicos ao patrimnio ambiental, considerado este em seu aspecto fsico ou natural (STF, ADI 3.540/MC, Rel. Min. Celso de Mello,j. 1..09.2005, DJ 03.02.2006).

    Consagrando essa funo socioambiental da propriedade, a proteo do meio ambiente constaexpressamente do art. 225 da Constituio Federal, pela proteo do Bem Ambiental, um bem difuso,de todos, que visa sadia qualidade de vida das presentes e futuras geraes (PIVA, Rui Carvalho.Bem ambiental..., 2001).

    Existe, assim, uma preocupao com as geraes futuras, a consagrar os direitos intergeracionaisou transgeracionais. Esse interessante conceito pode ser retirado do caput do dispositivoconstitucional em comento, pelo qual Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao PoderPblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.

    Nos termos do 1. do art. 225 da CF/1988, para assegurar a efetividade desse direito, incumbeao Estado executar medidas de polticas pblicas, tais como:

    a) Preservar e restaurar os processos ecolgicos essenciais e prover o manejo ecolgico das espcies e ecossistemas.b) Preservar a diversidade e a integridade do patrimnio gentico do Pas e fiscalizar as entidades dedicadas pesquisa e

    manipulao de material gentico. A questo relativa biossegurana foi regulamentada pela Lei 11.105/2005.c) Definir, em todas as unidades da Federao, espaos territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a

    alterao e a supresso permitidas somente atravs de lei, vedada qualquer utilizao que comprometa a integridade dos atributosque justifiquem sua proteo.

    d) Exigir, na forma da lei, para instalao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradao do meioambiente, estudo prvio de impacto ambiental, a que se dar publicidade.

    e) Controlar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportem risco para a vida, aqualidade de vida e o meio ambiente.

    f) Promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a conscientizao pblica para a preservao do meio ambiente.g) Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a

    extino de espcies ou submetam os animais a crueldade.

    Na teoria e na prtica, pode-se afirmar que tais medidas limitam o prprio exerccio do domnio,da propriedade. No tocante s responsabilidades, aquele que explorar recursos minerais ficaobrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com soluo tcnica exigida pelo rgopblico competente, na forma da lei (art. 225, 2., da CF/1988).

    Alm disso, as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitaro osinfratores, pessoas fsicas ou jurdicas, a sanes penais e administrativas, independentemente daobrigao de reparar os danos causados (art. 225, 3., da CF/1988). Esse ltimo comando consagrao princpio do poluidor-pagador, prevendo a responsabilidade objetiva e solidria de todos aquelesque causam danos ambientais, o que regulamentado pela Lei 6.938/1981 (Lei da Poltica Nacionaldo Meio Ambiente). Todavia, no se deve ter em mente a ideia de que admissvel a poluio,diante de uma contraprestao pecuniria. A prioridade justamente impedir o dano ambiental, pelapreveno e pela precauo.

    No tocante s polticas urbanas, estas devem ser executadas pelo Poder Pblico municipal,

  • conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento dasfunes sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182, caput, da CF/1988).Esse comando constitucional tambm guarda relao com o bom exerccio do direito de propriedade,estando a poltica urbana regulamentada pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).

    No que concerne ao plano diretor, aprovado pela Cmara Municipal e obrigatrio para cidadescom mais de vinte mil habitantes, o instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e deexpanso urbana, trazendo claras limitaes ao exerccio da propriedade (art. 182, 1., daCF/1988). Isso porque a propriedade urbana cumpre sua funo social quando atende s exignciasfundamentais de ordenao da cidade expressas no plano diretor (art. 182, 2., da CF/1988).

    Ainda em relao a tais restries, mais especificamente, enuncia o 4. do mesmo art. 182 doTexto Maior que facultado ao Poder Pblico municipal, mediante lei especfica para rea includano plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietrio do solo urbano no edificado,subutilizado ou no utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente,de:

    a) Parcelamento ou edificao compulsrios.b) Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo.c) Desapropriao com pagamento mediante ttulos da dvida pblica de emisso previamente aprovada pelo Senado Federal, com

    prazo de resgate de at dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenizao e os juroslegais.

    Como notrio, a usucapio igualmente est tratada na Constituio Federal de 1988. O art. 183da CF/1988 consagra a usucapio constitucional ou especial urbana (pro misero), ao preceituar queAquele que possuir como sua rea urbana de at duzentos e cinquenta metros quadrados, por cincoanos, ininterruptamente e sem oposio, utilizando-a para sua moradia ou de sua famlia, adquirir-lhe- o domnio, desde que no seja proprietrio de outro imvel urbano ou rural.

    Ato contnuo, a usucapio constitucional ou especial rural (pro labore) consta do art. 191 domesmo Texto Fundamental que dispe: Aquele que, no sendo proprietrio de imvel rural ouurbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposio, rea de terra, em zona rural,no superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua famlia, tendo nelasua moradia, adquirir-lhe- a propriedade.

    Anote-se que ambos os dispositivos tiveram o cuidado de prever que os bens pblicos no podemser objeto de usucapio (arts. 183, 3., e 191, pargrafo nico, da CF/1988). O tema da usucapioser aprofundado no Captulo 3 da presente obra.

    Sem prejuzo de tudo isso, consta tambm da Constituio da Repblica uma ampla proteo dapropriedade agrria, estando em tal seo dispositivos fulcrais para a compreenso da funo socialda propriedade.

    O art. 184 da CF/1988 trata da desapropriao do imvel rural para fins de reforma agrria, todavez em que o imvel no esteja cumprindo a sua funo social. O seu art. 186 enuncia os requisitospara o cumprimento dessa finalidade, a saber:

    a) Aproveitamento racional e adequado.b) Utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e preservao do meio ambiente.

  • c) Observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho.d) Explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores.

    Ainda dentro da questo agrria, o art. 185 da CF/1988 protege alguns bens, insuscetveis dedesapropriao para esses fins: a pequena e mdia propriedade rural, assim definida em lei, desdeque seu proprietrio no possua outra; e a propriedade produtiva.

    O ltimo dispositivo criticado pelos doutrinadores agraristas de forma contundente, pela meno propriedade produtiva, conceito que sempre suscita debates. Explica Elisabete Maniglia quepercebe-se que o texto constitucional traz em seu bojo, aspectos de avanos quando trata da funosocial em diversas passagens constitucionais com nfase, inclusive nos direitos e garantiasfundamentais. O art. 5., incisos XXII e XXIII, exemplo j que deixa claro: que a propriedade protegida, mas ter que cumprir a funo social. Todavia, no texto agrrio embarca a questo e criauma antinomia ao inicialmente discorrer que toda a propriedade que no cumprir a sua funo socialser desapropriada (art. 184) para, em seguida, vetar a desapropriao nas terras produtivas,pequenas e mdias. Retroagiu-se, dessa forma, no que o legislador avanou criando uma expectativaem cumprimento da funo social e, em seguida, arrependido, preocupado em desagradar gruposaliados, vetou, de uma forma bem parcial, o que seria o interesse da maioria (Atendimento..., Odireito..., 2006, p. 29).

    Mais alm, diz a citada autora que o legislador criou a esperana de que a funo social sejacumprida, ao mesmo tempo em que a retirou, ao mencionar a propriedade produtiva. Tem razo ajurista, em uma anlise social do tratamento constitucional e dos conflitos de terra que envolvem oambiente rural brasileiro.

    Entre os civilistas, para solucionar essa suposta antinomia, Cristiano Chaves de Farias e NelsonRosenvald propem que o termo produtividade seja analisado no sentido de uma propriedadesolidria, que simultaneamente satisfaa os parmetros econmicos de seu titular, sem com istofrustrar os interesses metaindividuais. Alis, assim se manifesta o art. 9. da Lei 8.629/1993, aoreiterar a norma constitucional em apreo (Direitos reais..., 2006, p. 223). O dispositivoinfraconstitucional citado repete o art. 186 da Constituio Federal.

    Em reforo, compartilhando do mesmo entendimento, explica Gustavo Tepedino que Aprodutividade, para impedir a desapropriao, deve ser associada realizao de sua funo social.O conceito de produtividade vem definido pela Constituio de maneira essencialmente solidarista,vinculado ao pressuposto da tutela da propriedade. Dito diversamente, a propriedade, para ser imune desapropriao, no basta ser produtiva no sentido econmico do termo, mas deve tambm realizara sua funo social. Utilizada para fins especulativos, mesmo se produtora de alguma riqueza, noatender a sua funo social se no respeitar as situaes jurdicas existenciais e sociais nas quais seinsere (Contornos..., Temas..., 2004, p. 311).

    Todas essas opinies merecem a adeso deste autor. A propriedade, seja ela urbana ou rural, assimcomo ocorre com os demais institutos privados, deve ser interpretada e analisada de acordo com omeio que a cerca, com os valores de toda a coletividade. Sendo assim, a propriedade deve atenderno somente aos interesses do seu dono, mas tambm das pessoas que compem a sociedade. Osolidarismo constitucional, previsto no art. 3., I, do Texto Maior, deve entrar em cena para opreenchimento do conceito de funo social. No que concerne aos critrios constantes do art. 186 da

  • CF/1988, devem servir tambm para a propriedade urbana, eis que o art. 182 da CF/1988 no trazparmetros claros e definidos para o preenchimento da funo social desta.

    Por certo que essas ideias so revolucionadoras, uma vez que a propriedade, em nosso Pas,historicamente, sempre foi utilizada para atender aos interesses das minorias, detentoras de poder edo capital. Cabe, em parte, elite intelectual a mudana dessa perspectiva, para a construo de umasociedade mais justa e solidria, conforme ordena o Texto Constitucional. O desafio das presentese futuras geraes, para a construo de um Pas melhor.

    O que se percebe, nessa preliminar anlise do Texto Fundamental, uma ampla previso quanto aoatendimento da funo social e socioambiental da propriedade, nas esferas urbana e rural. Conformeser devidamente estudado, essa funo social e socioambiental consta expressamente do art. 1.228, 1., do atual Cdigo Civil.

    Sendo assim, devem os estudiosos da matria estar atentos a essa preocupao constitucional, nosentido de atender aos interesses dos indivduos e, sobretudo, da coletividade, na persecuo prticada efetivao do direito de propriedade. As questes relativas aos direitos reais devem serencaradas sob o prisma da dignidade da pessoa humana (art. 1., III, da CF/1988), da solidariedadesocial (art. 3., I, da CF/1988) e da isonomia ou igualdade lato sensu (art. 5., caput, da CF/1988). Atrade dignidade-solidariedade-igualdade deve ter um papel principal no estudo dos institutosprivados, como se ver dos prximos captulos deste livro.

    RESUMO ESQUEMTICO

    CONCEITOS INICIAIS

    DIREITO DAS COISAS ramo do Direito Civil que tem como contedo relaes jurdicas estabelecidas entre pessoas ecoisas determinadas, ou mesmo determinveis. Como coisas deve-se entender tudo aquilo que no humano. Trata-se,portanto, de um campo metodolgico.

    DIREITOS REAIS relaes jurdicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas ou determinveis, tendocomo fundamento principal o conceito de propriedade, seja ela plena ou restrita. Os direitos reais constituem as relaesjurdicas em si, de cunho subjetivo. Prev o art. 1.225 do atual Cdigo Civil que so direitos reais: I a propriedade; II asuperfcie; III as servides; IV o usufruto; V o uso; VI a habitao; VII o direito do promitente comprador do imvel;VIII o penhor; IX a hipoteca; X a anticrese; XI a concesso de uso especial para fins de moradia (Includo pela Lei11.481/2007); XII a concesso de direito real de uso (Includo pela Lei 11.481/2007).

    CARACTERSTICAS DOS DIREITOS REAIS Segundo a doutrina de Maria Helena Diniz (Curso..., 2007, v. 4, p. 20): a)Oponibilidade erga omnes, ou seja, contra todos os membros da coletividade. b) Existncia de um direito de sequela, umavez que os direitos reais aderem ou colam na coisa. c) Previso de um direito de preferncia a favor do titular de um direitoreal, como comum nos direitos reais de garantia sobre coisa alheia (penhor e hipoteca). d) Possibilidade de abandonodos direitos reais, isto , de renncia a tais direitos. e) Viabilidade de incorporao da coisa por meio da posse, de umdomnio ftico. f) Previso da usucapio como um dos meios de sua aquisio. Vale dizer que a usucapio no atingesomente a propriedade, mas tambm outros direitos reais, caso da servido predial (art. 1.379 do CC). g) Obedincia a umrol taxativo (numerus clausus) de institutos, previstos em lei, o que consagra o princpio da taxatividade ou tipicidade dosdireitos reais. h) Regncia pelo princpio da publicidade dos atos, o que se d pela entrega da coisa ou tradio (no caso debens mveis) e pelo registro (no caso de bens imveis).

    TABELA COMPARATIVA VISO CLSSICADireitos reais x direitos pessoais obrigacionais, de cunho patrimonial

    Direitos reais Direitos pessoais de cunho patrimonial

  • Relaes jurdicas entre uma pessoa (sujeito ativo) e uma coisa. O sujeito passivo no determinado, mas toda a coletividade.

    Relaes jurdicas entre uma pessoa (sujeito ativo credor) e outra (sujeito passivo devedor).

    Princpio da publicidade (tradio e registro). Princpio da autonomia privada (liberdade).

    Efeitos erga omnes. Os efeitos podem ser restringidos. Efeitos inter partes. H uma tendncia de ampliao dos efeitos.

    Rol taxativo (numerus clausus), segundo a viso clssica art. 1.225 do CC. Rol exemplificativo (numerus apertus) art. 425 do CC criao dos contratos atpicos.

    A coisa responde (direito de sequela). Os bens do devedor respondem (princpio da responsabilidade patrimonial).

    Carter permanente.

    Instituto tpico: propriedade.

    Carter transitrio, em regra, o que vem sendo mitigado pelos contratos relacionais oucativos de longa durao. Instituto tpico: contrato.

    QUESTES CORRELATAS

    1. (MP/BA 2004) Segundo o Cdigo Civil, so direitos reais:(A) Propriedade, usufruto, penhor, hipoteca e rendas constitudas sobre imveis.(B) Propriedade, usufruto, uso, habitao e comodato.(C) Propriedade, usufruto, habitao, penhor e anticrese.(D) Superfcie, usufruto, direito do promitente comprador, penhor e locao.(E) Uso, servides, usufruto, habitao e reteno de benfeitorias.

    2. (Defensoria Pblica SP 2006) Considere as afirmaes:I. Os direitos reais e os pessoais integram a categoria dos direitos patrimoniais, sendo o primeiro exercido sobre

    determinada coisa, enquanto o segundo exige o cumprimento de certa prestao.II. Os direitos reais no podem ser classificados como direitos absolutos.III. O direito real, quanto sua oponibilidade, absoluto, valendo contra todos, tendo sujeito passivo indeterminado,

    enquanto que o direito pessoal (ou obrigacional) relativo e tem sujeito passivo determinado.IV. Os direitos reais obedecem ao princpio da tipificao, ou seja, s so direitos reais aqueles que a lei, taxativamente,

    denominar como tal, enquanto que os direitos pessoais podem ser livremente criados pelas partes envolvidas (desdeque no seja violada a lei, a moral ou os bons costumes), sendo portanto o seu nmero ilimitado.SOMENTE esto corretas as afirmaes(A) I e II.(B) II e III.(C) I, III e IV.(D) I, II e III.(E) I, II e IV.

    3. (OAB/SP 137. 2009) O direito das coisas regula o poder do homem sobre certos bens suscetveis de valor eos modos de sua utilizao econmica. Insta acentuar que o direito das coisas no pode ser compreendidoexatamente como sinnimo de direitos reais. Possui configurao mais ampla, abrangendo, alm dos direitosreais propriamente ditos, captulos destinados ao estudo da posse e aos direitos de vizinhana (CristianoChaves de Farias e Nelson Rosenvald. Direitos reais. 2. ed. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2006 comadaptaes).

  • Considerando as ideias do texto acima e os dispositivos do Cdigo Civil relativos ao direito das coisas, assinale a opocorreta.(A) So elementos da relao jurdica oriunda dos direitos reais subjetivos: aquele que detm a titularidade formal do

    direito, a comunidade e o bem sobre o qual o titular exerce ingerncia socioeconmica.(B) Ao titular do direito real imprescindvel o uso da ao pauliana ou revocatria para recuperar a coisa em poder de

    terceiros, inclusive na hiptese de fraude execuo.(C) A promessa de compra e venda registrada no respectivo cartrio de registro de imveis e a propriedade fiduciria

    constituem exemplos de direitos pessoais.(D) Caracterizam-se os direitos reais pela formao de relaes jurdicas de crdito entre pessoas determinadas ou

    determinveis, estando o credor em posio de exigir do devedor comportamento caracterizado por uma prestaode dar, fazer ou no fazer.

    4. (MAGISTRATURA FEDERAL TRF 02 CESPE 2013) Com relao a direitos reais, obrigaes e contratos,assinale a opo correta de acordo com o Cdigo Civil.(A) O atual Cdigo Civil consagra a positivao do princpio de que os direitos reais so numerus clausus, somente

    podendo ser criados por lei.(B) O Cdigo Civil vigente prev tanto a mora simultnea quanto a mora alternativa.(C) No seguro de pessoas, a aplice ou o bilhete podem ser ao portador.(D) Pode-se estipular a fiana ainda que sem consentimento do devedor, mas no contra a sua vontade.(E) A nulidade de qualquer das clusulas da transao no implica, por si s, a nulidade da transao.

    5. (XLI Concurso MP/MG). Processo Civil. Fraude execuo. Sem o registro da penhora no se caracteriza afraude execuo, salvo prova de que o adquirente tinha conhecimento da ao (STJ, REsp. 245.064-MG, rel.Min. Ari Pargendler, DJU 04.08.2000). A partir da orientao que se assentou no Superior Tribunal de Justiaacerca da necessidade de registro da penhora e da sua consequente oponibilidade erga omnes, algunscivilistas passaram a sustentar ser ela um novo direito real. Outros, apenas uma simples restrio ao direito depropriedade. luz dos princpios que norteiam os direitos reais em geral e o de propriedade em especial, estcorreta alguma das teses? Por qu?Comentrios: A questo referente primeira tese passa pela anlise do rol do art. 1.225 do CC/2002. Seguindo oentendimento pelo qual o rol taxativo (numerus clausus), no h que se falar em um novo direito real. Mesmo com aadeso corrente que tem afirmado que o rol exemplificativo (numerus clausus), a primeira tese no prospera, eis queos novos direitos reais devem ser criados, obrigatoriamente, por lei (tipicidade). Quanto corrente que prega a plenaliberdade de criao dos direitos reais, como ressaltado, ela ainda minoritria, estando relegada ao futuro.No convence este autor o argumento pelo qual o julgado criou uma restrio ao direito de propriedade (segunda tese).Em verdade, o bem penhorado, havendo o respectivo registro da penhora, pode ser vendido, no passando a serinalienvel. Como se ver na presente obra, a inalienabilidade do bem somente pode decorrer da lei ou da vontade daspartes.Concluindo, o registro da penhora apenas passou a ser requisito para a caracterizao da fraude execuo, segundo oSTJ, conforme est abordado no Volume 1 da presente coleo.

    GABARITO

    1 C 2 E

    3 A 4 A

  • DA POSSE

    Sumrio: 2.1 Conceito de posse e teorias justificadoras. A funo social da posse. A deteno 2.2 Principaisclassificaes da posse: 2.2.1 Classificao quanto relao pessoa-coisa ou quanto ao desdobramento; 2.2.2Classificao quanto presena de vcios; 2.2.3 Classificao quanto boa-f; 2.2.4 Classificao quanto presena de ttulo; 2.2.5 Classificao quanto ao tempo; 2.2.6 Classificao quanto aos efeitos 2.3 Efeitosmateriais da posse: 2.3.1 A percepo dos frutos e suas consequncias; 2.3.2 A indenizao e a reteno dasbenfeitorias; 2.3.3 As responsabilidades; 2.3.4 O direito usucapio 2.4 Efeitos processuais da posse: 2.4.1 Afaculdade de invocar os interditos possessrios; 2.4.2 A possibilidade de ingresso de outras aes possessrias;2.4.3 As faculdades da legtima defesa da posse e do desforo imediato 2.5 Formas de aquisio, transmissoe perda da posse 2.6 Composse ou compossesso Resumo esquemtico Questes correlatas Gabarito.

    2.1 CONCEITO DE POSSE E TEORIAS JUSTIFICADORAS. A FUNO SOCIAL DAPOSSE. A DETENO

    Como no poderia ser diferente, o Cdigo Civil de 2002 traz inovaes importantes a respeito dotratamento geral da posse, conceito vital tanto para o Direito das Coisas quanto para todo o DireitoPrivado. A anlise desse instituto tambm deve ser feita luz da Constituio Federal, dentro daproposta de encarar o Direito Civil a partir do Texto Maior (constitucionalizao do Direito Civil).

    A primeira dvida que pode surgir quanto ao instituto refere-se seguinte indagao: a posse umfato ou um direito? Na viso clssica, muitos juristas enfrentaram muito bem a questo, como fezJos Carlos Moreira Alves (Posse..., 1999, v. II, t. I, p. 69-137). Esse doutrinador aponta duasgrandes correntes, a que afirma se tratar de um mero fato e outra pela qual a posse, realmente,constitui um direito. A segunda corrente, que prega o entendimento de que a posse um direito aque acaba prevalecendo na doutrina.

    Nessa linha igualmente se posiciona este autor. Isso porque a posse pode ser conceituada comosendo o domnio ftico que a pessoa exerce sobre a coisa. A partir dessa ideia, levando-se em contaa teoria tridimensional de Miguel Reale, pode-se afirmar que a posse constitui um direito, comnatureza jurdica especial. Como afirmado no captulo anterior, a posse um conceitointermedirio, entre os direitos pessoais e os direitos reais. Mas esse carter hbrido no tem ocondo de gerar a concluso de que no constitui um direito propriamente dito.

    Pois bem, para Miguel Reale, o Direito fundado em trs s