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1 FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA David Ferez Prof Adjunto da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP. 1. Estrutura e função 2. Ventilação pulmonar 3. Difusão dos gases 4. Perfusão pulmonar 5. Relação ventilação-perfusão 6. Transporte de gases 7. Controle da ventilação pulmonar 8. Literatura consultada 1. Estrutura e função pulmonar Os pulmões, direito e esquerdo, têm forma grosseiramente cônica com um ápice, uma base e três lados. Seu peso depende da quantidade de líquido presente, em média pesa 900 gramas na mulher e 1100 gramas no homem. O pulmão direito é ligeiramente maior que o esquerdo e é responsável por 55% da função pulmonar total. O pulmão direito apresenta três lobos (superior, médio e inferior) enquanto o pulmão esquerdo apresenta apenas dois

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FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA

David Ferez

Prof Adjunto da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia

Intensiva da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP.

1. Estrutura e função

2. Ventilação pulmonar

3. Difusão dos gases

4. Perfusão pulmonar

5. Relação ventilação-perfusão

6. Transporte de gases

7. Controle da ventilação pulmonar

8. Literatura consultada

1. Estrutura e função pulmonar

Os pulmões, direito e esquerdo, têm forma grosseiramente

cônica com um ápice, uma base e três lados. Seu peso depende da

quantidade de líquido presente, em média pesa 900 gramas na

mulher e 1100 gramas no homem. O pulmão direito é ligeiramente

maior que o esquerdo e é responsável por 55% da função pulmonar

total.

O pulmão direito apresenta três lobos (superior, médio e

inferior) enquanto o pulmão esquerdo apresenta apenas dois

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(superior e inferior). Contudo, existe correspondência do lobo médio

direito com a região do esquerdo chamada língula (figura 01).

Figura - 01 Lobos pulmonares. Superior, médio e inferior à

direita e superior e inferior à esquerda.

Na cavidade torácica a pleura visceral é uma fina membrana

de tecido conjuntivo-elástico que envolve os pulmões e suas

reentrâncias de forma independente. A pleura parietal reveste toda

a cavidade torácica em sua face interna. Em condições normais

uma quantidade mínima de líquido, menos de 10 mililitros, está

presente entre estas duas membranas. Este líquido é conhecido

como líquido pleural.

O líquido pleural é um ultrafiltrado do plasma, secretado por

linfáticos da pleura parietal e absorvido por linfáticos da pleural

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visceral. A função principal do líquido pleural é lubrificar as

superfícies do pulmão durante seu deslocamento nas fases

inspiratória e expiratória (figura 02).

Figura - 02 Pleuras parietal e visceral e suas reflexões.

Apesar dos pulmões possuírem várias funções como a

metabólica, endócrina etc, o seu principal papel é permitir que as

trocas gasosas se realizem entre o ar do ambiente e o sangue. Para

que este fenômeno ocorra com eficiência, este órgão teve que

adaptar sua estrutura a esta função.

A quantidade do deslocamento de um gás de uma região para

outra através de uma membrana, depende de algumas variáveis. As

mais importantes são a área da membrana e sua espessura.

Portanto, é de se esperar que o pulmão possua uma superfície de

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troca elevada e uma membrana muito fina. A área de troca de

gases do pulmão, área alveolar, é aproximadamente de 50 a 100

metros quadrados e a espessura da membrana entre o alvéolo e o

capilar, membrana alvéolo-capilar, é de 0,5 micrometro. Adequada

à função das trocas gasosa.

Cada pulmão contém aproximadamente 300.000.000 de

alvéolos os quais são os responsáveis primários pelas trocas

gasosas. Os alvéolos são estruturas poligonais que grosseiramente

podem ser representados como esféricos e apresentam diâmetro de

0,3 milímetros.

Chama a atenção o fato do pulmão conseguir manter uma

superfície de troca tão extensa em um volume de apenas 4 litros da

cavidade torácica. Isto se torna possível pelo sistema de dicotomia

que o sistema respiratório apresenta.

A traqueia é uma estrutura formada por anéis cartilaginosos

incompletos em forma de “U”. Na sua parte livre a cartilagem é

substituída por músculo liso. Seu epitélio é do tipo cilíndrico ciliado

com inúmeras glândulas na submucosa e vasos (figura 03).

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Figura - 03 Estruturas que compõe a traqueia e sua forma de

“U”.

A traqueia se divide nos brônquios fontes principais direito e

esquerdo. O brônquio principal direito é mais curto com apenas 2,5

centímetros e de calibre mais grosso quando comparado com o

brônquio fonte esquerdo, praticamente é uma continuação da

traqueia. O brônquio principal esquerdo é mais longo (5

centímetros) e estreito, apresenta um ângulo mais agudo com a

traqueia (figura 04).

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Figura - 04 Divisões da traqueia, brônquios principais e

lobares.

Os brônquios fontes principais direito e esquerdo se dividem

em brônquios lobares e estes em segmentares. A dicotomia

irregular se segue em 23 gerações até os alvéolos.

Após os bronquíolos terminais (16a geração) seguem-se os

bronquíolos respiratórios (17a geração) de onde saem da parede

raros sacos alveolares. Seguindo os bronquíolos respiratórios

nascem os ductos alveolares (20a geração) que são ductos cujas

paredes são constituídas de sacos alveolares e, finalmente, tem-se

a origem dos sacos alveolares (23a geração) (figura 05).

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Figura - 05 Sistema de dicotomização da traqueia (Z0-Z1-Z2-

...).

BR - Brônquios

BL - Brônquios Lobares

BLT - Bronquíolos Terminais

BLT - Bronquíolos Respiratórios

DA - Ductos Alveolares

SA - Sacos Alveolares

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Quando se avança da estrutura traqueal até os alvéolos,

observa-se a perda gradual das cartilagens, glândulas secretoras e

do epitélio cilíndrico ciliar. No bronquíolo terminal não se observa

cartilagem em sua parede.

Não se observa a existência de sacos alveolares da traqueia

até os bronquíolos terminais, esta região apresenta somente a

função condutora, pois não apresenta função respiratória mas

somente a de condução dos gases. Esta região é denominada de

espaço morto anatômico e seu volume encerra 150 mililitros.

Após o espaço morto anatômico passa-se para a região

responsável pelas trocas gasosas, a zona respiratória. O volume da

zona respiratória corresponde a 2500 mililitros.

Deve-se destacar que o fluxo de gás ocorre até os

bronquíolos terminais. Após este ponto a transferência de gás é

realizada por difusão uma vez que, a somatória de toda a área de

secção transversal dos bronquíolos respiratório se eleva de forma

impressionante, diminuindo a resistência ao fluxo aéreo próximo a

ZERO (figura 06).

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Figura - 06 Gerações das vias aéreas, zona condutora e

respiratória.

A inervação pulmonar é autonômica e se faz pelos ramos do

nervo vago e simpático torácico que formam plexos anteriores e

posteriores ao hilo pulmonar de onde inervam seus vasos e

brônquios.

A irrigação pulmonar apresenta dois sistemas circulatórios

diferentes. A mais importante, a circulação pulmonar, realizada pela

artéria pulmonar, participa das trocas gasosas e supre os

bronquíolos respiratórios, ductos alveolares e sacos alveolares. O

outro sistema circulatório, a circulação brônquica, realizada pela

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artéria brônquica, supre toda a árvore traqueal até os bronquíolos

terminais e os linfonodos.

A artéria pulmonar acompanha o sistema de divisão da árvore

traqueal, que na região das trocas alveolares se multiplica em

dezenas de capilares. Estes capilares envolvem, como uma rede,

os sacos alveolares. Apresentam diâmetro aproximado de 8

micrômetros e um comprimento de 10 micrômetros. A área de seu

leito é aproximadamente igual a da área alveolar (70 a 100 metros

quadrado). O total do volume do sangue capilar é de apenas 140

mililitros. A circulação pulmonar é considerada um sistema de

elevada complacência e baixa resistência.

As vênulas se reúnem após os capilares e, no sentido inverso,

vão se agrupando até emergirem de cada pulmão duas grandes

veias que adentram pelo átrio esquerdo.

As artérias brônquicas são dois pequenos vasos que se

originam da aorta e acompanham os brônquios. A drenagem

venosa deste sangue é realizada principalmente para o sistema

venoso pulmonar, veias ázigos e hemiázigos.

O alvéolo pulmonar é constituído basicamente de dois tipos

de células: o pneumócitos tipo-1 cuja função é a de revestimento,

sendo uma célula muito delgada e o pneumócito tipo-2 que é uma

célula mais robusta, com corpos lamelares em seu interior e sua

função principal é a de secretar surfactante pulmonar (figura 07).

A estrutura conhecida como membrana alvéolo-capilar é

constituída apenas pelo epitélio alveolar (pneumócito tipo-1) e

endotélio capilar (figura 07).

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Figura - 07 Estrutura alveolar, pneumócito tipo1 e pneumócito

tipo2.

2. Ventilação pulmonar

O movimento de líquidos e fluídos é governado pela lei de

Poiseuille. Portanto, para que exista um fluxo da atmosfera até os

alvéolos é necessário que ocorra uma diferença de pressão entre a

atmosfera e o alvéolo na fase inspiratória ,na fase expiratória ocorre

o inverso.

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.8 .L η.r .π ΔPΦ

4

=

Figura - 08 Lei de Poiseuille.

Φ - fluxo.

ΔP - variação da pressão entre as extremidades.

π - 3,14.

r - raio do tubo

η - viscosidade do gás.

L - comprimento do tubo.

Na posição de repouso do complexo toraco-pulmonar

observa-se pressão interpleural negativa. Isto se deve ao gradeado

costal que exerce uma força de expansão e ao pulmão que, ao

contrário, imprime uma força para se retrair.

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Figura - 09 Forças elásticas opostas do gradeado costal e

pulmão durante o repouso no volume da capacidade residual

funcional.

Como se pode deduzir a pressão interpleural é, nas condição

normais sempre será negativa.

Durante a fase inspiratória existe um aumento dos diâmetros

da cavidade torácica como os: laterolateral, craniocaudal e

anteroposterior (figura 10).

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Figura -10 Aumento dos diâmetros torácicos

Estes aumentos nos diâmetros ocorrem às custas de

contração muscular como: diafragma, intercostais externos e

intercartilaginosos paraesternais.. Nesta fase a pressão interpleural

torna-se ainda mais negativa.

A fase expiratória é realizada pelo relaxamento muscular e

recolhimento elástico passivo pulmonar. Nesta etapa a pressão

interpleural torna-se menos negativa. A pressão interpleural é

parcialmente transmitida aos alvéolos.

A pressão atmosférica é convencionada como ZERO. Na fase

inspiratória a pressão alveolar torna-se negativa (abaixo de zero).

Na etapa expiratória, ao contrário, a pressão alveolar fica acima de

zero (positiva). Esta mudança nas pressões alveolares gera o fluxo

inspiratório e expiratório do pulmão em conformidade com a lei de

Poiseuille.

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A pressão transmural é definida como a diferença entre a

pressão interpleural e a alveolar e dela depende a distensão dos

alvéolos durante a inspiração (figuras 11 e 12).

Figura - 11 Analogia com o complexo toraco-pulmonar com

uma bexiga inserida em um frasco e sua curva de complacência.

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Figura - 12 Curvas da pressão interpleural, fluxo, volume e

pressão alveolar.

Como já foi visto, a distensão dos alvéolos depende da

pressão transmural. Os alvéolos centrais, distantes da cavidade

pleural, são igualmente distendidos devido a arquitetura entre os

alvéolos que favorece a transmissão das forças até aquelas regiões

(figura 13).

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Figura 13 -Interdependência alveolar.

Tabela - 1 Musculatura respiratória

músculos inspiratórios músculos expiratórios principais acessórios principais acessórios intercostais

externos

esternocleidomastoideo passiva intercostais

internos Intercartilagilaginosos paraesternais

escalenos:

anterior

médio

posterior

abdominais:

reto

oblíquos

transverso Diafragma

A compreensão da relação entre as mudanças de pressão

transpulmonar e o volume pulmonar, que resulta na curva de

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complacência pulmonar, é de importância capital, pois estabelece

algumas características da inflação pulmonar (figura 14).

Figura -14 Curva de complacência.

A complacência toraco-pulmonar é definida como a relação

entre variação de volume e a pressão necessária para promover

aquela mudança.

Como se observa, a curva de complacência toraco-pulmonar

durante a inflação pulmonar não é a mesma que a durante a fase

de deflação. Este fenômeno é conhecido como histerese pulmonar.

Deve-se entender que a complacência toraco-pulmonar é a

somatória da curva de complacência pulmonar e a curva de

complacência do gradeado costal (figura 15).

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Figura - 15 Curva de complacência torácica e pulmonar.

A complacência pulmonar torna-se reduzida quando o pulmão

apresenta-se edemaciado, com fibrose ou nas doenças de depósito

alveolar. Nestas situações para uma mesma variação de volume é

necessária uma grande variação de pressão.

Cabe ressaltar a diferença existente entre os conceitos de

complacência estática e dinâmica.

A complacência estática envolve a relação entre o volume e a

pressão em um determinado ponto estático da curva. Não leva em

consideração a resistência ao fluxo de gases. Na complacência

dinâmica, como é obtida de forma progressiva durante a fase de

insuflação pulmonar, a resistência ao fluxo inspiratório eleva a

pressão obtida (figura 16).

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Figura - 16 Avaliação da complacência estática e dinâmica.

Os asmáticos apresentam complacência dinâmica reduzida,

entretanto sua complacência estática é próxima ao normal uma vez

que, a elevada pressão traqueal é secundária à resistência ao fluxo

de gases inspiratório.

Outro fator de importância e que influência a curva volume e

pressão é o fenômeno da tensão superficial.

Sempre que existir a interface entre um líquido e um gás

existirá uma tendência das moléculas superficiais se manterem

mais coesas uma vez que, não há moléculas na fase gasosa para

atrai-las.

Esta força de atração entre as moléculas superficiais de uma

interface líquido-gás é conhecida como tensão superficial. A tensão

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superficial induz as moléculas a manterem a menor área possível

de contato com a região gasosa. Quando este conceito é aplicado,

por exemplo, a uma bolha de sabão, observa-se que rapidamente

ela adquire a forma de uma esfera. A esfera é a figura geométrica

de menor área por unidade de volume, portanto é a menor área de

contato entre o ar interior e o seu revestimento líquido.

A pressão necessária para manter esta bolha insuflada,

opondo-se à tensão superficial, é subordinada pela lei de Lapace

(figura 17).

Figura -17 Relação da tensão superficial com o raio da esfera

(Lei de Laplace).

Devido à lei de Laplace é de se esperar que pequenas bolhas

descarreguem todo o seu conteúdo nas bolhas maiores uma vez

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que, o raio da esfera menor imprime uma grande pressão interna,

muito maior que a da bolha de maior raio.

Esta analogia aplicada aos alvéolos pulmonares, permite o

raciocínio de que isto também poderia ocorrer nos pulmões. Os

alvéolos menores evacuariam seu conteúdo aéreo nos alvéolos

maiores. Contrariamente, os alvéolos menores são extremamente

estáveis.

A estabilidade destes alvéolos repousa na presença da

surfactante pulmonar, substância secretada pelos pneumócitos tipo-

2 que permite esta convivência estável entre alvéolos de raios

diferentes. A surfactante pulmonar diminuí acentuadamente a

tensão superficial dos alvéolos com raios menores em comparação

com os alvéolos de raios maiores.

A natureza exata da surfactante pulmonar é ainda

desconhecida. Contudo, a dipalmitoil-lecitina é um dos seus

principais componentes. Os efeitos deste material sobre a tensão

superficial são impressionantes. Ao se estudar o comportamento

desta substância em relação à área da superfície observa-se um

fenômeno muito interessante.

Induzindo-se a variação da área de superfície e observando a

tensão superficial, verifica-se que a tensão superficial da água é

constante. Quando se adiciona detergente existe diminuição da

tensão superficial, mas mantém-se constante. Contrariamente, a

surfactante pulmonar apresenta um comportamento diferente.

Quando a superfície é grande a tensão superficial é elevada e

quando a superfície é pequena a tensão superficial é menor.

Portanto, nos alvéolos maiores, com maior superfície, a surfactante

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seria menos efetiva na diminuição da tensão superficial. Nos

alvéolos menores, com menor superfície, a surfactante seria mais

efetiva. O fenômeno serviria para promover a estabilização dos

alvéolos menores sobre os maiores (figura 18).

Figura -18 O gráfico demonstra a relação da tensão

superficial em relação à área. Para superfícies pequenas a tensão

superficial é mínima, demonstrando uma elevada eficiência da

surfactante pulmonar em diminuir a tensão superficial. Nas áreas

maiores a tensão superficial se eleva denotando uma menor

eficiência da surfactante.

A própria arquitetura pulmonar também pode ser

responsabilizada, em parte, pela manutenção da estabilidade

alveolar, pois sempre que um alvéolo tende a entrar em colapso, é

contraposto pelos alvéolos vicinais. Contrariamente, na insuflação

em excesso de um alvéolo, seus semelhantes vizinhos se opõem a

esta distensão.

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Figura -19 A arquitetura pulmonar contribuí para a

estabilização dos alvéolos.

As bases pulmonares recebem a maior parte do gás inspirado

na posição ereta. Existe uma maior captação deste elemento nas

bases, diminuindo à medida que nos aproximamos do ápice

pulmonar (figura 20).

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Figura - 20 A ventilação pulmonar se faz principalmente para

a base pulmonar.

Este achado repousa no fato da base pulmonar apresentar

pressão interpleural menos negativa do que no ápice pulmonar. Isto

é secundário principalmente pelo peso pulmonar. Qualquer objeto

na posição supina requer maior pressão nas bases.

Outro ponto que reflete o fenômeno das bases pulmonares

serem mais ventiladas que os ápices e a curva de complacência

alveolar. Como já foi exposta, a curva referida é de forma sigmóide.

Como a pressão interpleural é menos negativa nas bases, pois

sofre grande influência do peso pulmonar, faz com que os alvéolos

aí situados durante o repouso tenham um volume pequeno.

Contudo, durante a inspiração, pequenas variações de pressão

interpleural ocasiona grandes variações de volume alveolar, pois

encontram-se na região ótima da curva de complacência.

Como a pressão interpleural é muito mais negativa nos ápices

pulmonares os alvéolos aí situados, durante o repouso, têm um

volume elevado. Entretanto, como se encontra na faixa ruim da

curva de complacência, grande variação de pressão provoca

pequena variação de volume, a ventilação desta região é pobre

quando comparada com as bases (figura 21).

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Figura - 21 Curva de complacência pulmonar e sua relação

com as regiões pulmonares. A base pulmonar encontra-se na faixa

ideal da curva. O ápice pulmonar encontra-se na região ruim da

curva.

Nas pequenas vias aéreas, provavelmente próximas ao

bronquíolo terminal, onde se perde o arcabouço de cartilagem, a

diminuição da pressão negativa intratorácica na fase expiratória,

associada ao peso pulmonar, provoca sequestro de parte do

volume de gás expiratório. Portanto, as regiões basais são

intensamente comprimidas e não tem todo o seu gás eliminado

durante a expiração. Este volume sequestrado é conhecido como

volume de fechamento das vias aéreas.

Como já discutido, o movimento de gases através da árvore

traqueal é subordinado à lei de Poiseuille, entretanto, esta lei só se

aplica aos fluxos laminares. Nas baixas velocidades de fluxo aéreo,

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este se apresenta com um padrão laminar. Contrariamente, nos

fluxo elevados obtém-se certa instabilidade do padrão laminar,

principalmente nas regiões de bifurcações. Na presença de fluxo

muito elevado ocorre completa desorganização do padrão laminar

levando à turbulência (figura 22).

O fluxo turbulento apresenta propriedades diferentes do

laminar, portanto não é regido mais pela lei de Poiseuille. Para um

mesmo volume conduzido através de um conduto, o fluxo turbulento

necessita de uma pressão muito mais elevada que o laminar (figura

23).

Figura - 22 Aspecto morfológico do fluxo turbulento e laminar.

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Figura - 23 Relação entre pressão de “driving” e fluxo

(turbilhonar e laminar).

3. Difusão dos gases

A difusão de um gás ocorre quando existe movimento das

moléculas de uma área na qual o gás exerce uma elevada pressão

parcial para outra de baixa pressão parcial.

A difusão dos gases através da membrana alvéolo-capilar fica

na dependência da lei de Fick. Esta lei estabelece que a velocidade

de transferência de um gás através de uma membrana permeável

ao gás é proporcional à área desta membrana e ao gradiente de

pressão parcial deste gás entre os lados. Estabelece também que é

inversamente proporcional à espessura desta membrana (figura

24).

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Figura - 24 - Fatores que determinam a difusão dos gases

através de uma membrana (Lei de Fick).

TΚ . P2)Δ(P1 .A Vgás −

=

Figura - 25 Lei de Fick.

A - Área de superfície

Δ(P1-P2) - Gradiente de pressão

K - Constante

T - Espessura da membrana

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A constante K da lei de Fick é estabelecida pela lei de

Grahan. Esta lei institui que a constante K é diretamente

proporcional à solubilidade do gás na membrana e inversamente

proporcional à raiz quadrada do peso molecular do mesmo.

2 PMηΚ =

Figura - 26 Lei de Grahan

η - Solubilidade do gás na membrana

PM - Peso molecular do gás

O tempo necessário para o sangue capilar passar por todo um

alvéolo é de aproximadamente de 0,75 segundos. Entretanto, em

apenas 0,25 segundos (1/3 do total) já se encontra em equilíbrio

com o gás alveolar.

4. Perfusão pulmonar

A circulação pulmonar tem seu início na artéria pulmonar que

recebe sangue venoso impulsionado pelo ventrículo direito. Esta

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artéria se divide em miríades de ramificações semelhantes à via

aérea. Os capilares pulmonares revestem toda a parede alveolar

formando o “leito capilar”. O sangue então oxigenado é coletado

pelas vênulas e conduzido às veias pulmonares, em número de

quatro, ao átrio esquerdo.

A circulação pulmonar, ao contrário da circulação sistêmica, é

de baixa resistência e de alta complacência. As pressões são

excepcionalmente baixas quando comparadas com as da circulação

sistêmica. A pressão média da artéria pulmonar é de apenas 15

milímetros de mercúrio sendo a pressão sistólica de 24 milímetros

de mercúrio e a diastólica de 8 milímetros de mercúrio.

Figura - 27 Pressões da circulação pulmonar.

As baixas pressões da circulação pulmonar impõem pequeno

trabalho ao ventrículo direito. O valor real da pressão capilar

pulmonar é desconhecido, mas acredita-se que seja intermediário

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32

entre a pressão arterial e venosa da circulação pulmonar, portanto

aproximadamente de 8 milímetros de mercúrio.

Devido ao regime de baixa pressão e alta complacência, a

circulação pulmonar sofre grande influência da gravidade quando

comparada com a circulação sistêmica. Este padrão é, portanto,

influenciado pela postura. Na posição ereta as bases são melhor

perfundidas que as regiões apicais. Na posição supina a região

dorsal recebe o maior fluxo quando comparado com a ventral. Já na

posição lateral, o pulmão inferior é mais perfundido do que o

superior (figura28).

Figura - 28 As bases pulmonares recebem a maior parte da

perfusão pulmonar.

Os capilares pulmonares recebem pouco suporte do tecido

conjuntivo e sofrem também influências da pressão alveolar. No

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33

ápice pulmonar a pressão interpleural muito negativa faz com que

os alvéolos permaneçam muito insuflados, o que comprime os

vasos justa-alveolares. O oposto ocorre nas bases, a pressão

interpleural menos negativa permite que os alvéolos desta região

fiquem menos insuflados e, portanto, não exercem compressão

sobre os vasos justa-alveolares (figura 29).

Figura - 29 Zonas de West.

Outro fato importante é que, sob baixos volumes pulmonares,

os vasos extra-alveolares encontram-se tortuosos e imprimem uma

resistência vascular mais elevada. À medida que aumenta o volume

pulmonar, os vasos retificam-se e a resistência vascular diminui.

Contudo, com volumes pulmonares ainda maiores a pressão intra-

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alveolar eleva-se, induzindo ao colapso dos capilares justa-

alveolares. Nestas condições existe uma maior resistência vascular

pulmonar.

Estes fenômenos são os responsáveis pela variação bifásica

da resistência vascular pulmonar quando comparada com o volume

pulmonar utilizado (figura 30)

Figura - 30 Relação da resistência vascular e o volume

pulmonar utilizado.

Um elevado número de capilares pulmonares encontra-se

colapsados durante o ciclo respiratório. Quando ocorre aumento do

fluxo sanguíneo para os pulmões, estes capilares abrem-se

enquanto outros se dilatam e, naturalmente, a resistência pulmonar

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diminui. O fenômeno é conhecido como recrutamento e distensão

vascular. Concluindo, na circulação pulmonar normal, o aumento do

fluxo sanguíneo relaciona-se com um queda na resistência vascular

pulmonar, ao contrário do que se esperaria (figura 31).

Figura - 31 Fenômenos do recrutamento e distensão vascular

da circulação pulmonar.

Vários fatores neuroquímicos também interferem na

resistência vascular pulmonar. A hipóxia alveolar é um dos mais

importantes a ser analisado. O alvéolo que não sofre ventilação

alveolar normal ou sofre ventilação alveolar com uma mistura

hipóxica possui gás alveolar pobre em oxigênio. A baixa

concentração de oxigênio causa vasoconstrição dos vasos

pulmonares daquela área na tentativa de impedir a desoxigenação

sanguínea por aquele gás.

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Várias outras substâncias influenciam a resistência vascular

pulmonar (tabela 02).

Tabela - 02 dilatadores constritores agonistas beta-adrenérgico hipóxia acetilcolina hipercarbia agonistas h2 agonistas alfa-adrenérgicos bradicinina agonistas h1 prostaglandina e1 & i2 serotonina teofilina angiotensina óxido nítrico

Vários dos mediadores que induzem a vasodilatação

pulmonar relacionam-se à liberação de óxido nítrico pelas células

endoteliais da circulação pulmonar. Estes mediadores estimulam a

enzima óxido nítrico sintetase constitucional a produzir óxido nítrico

a partir do aminoácido L-citrulina, elevando os níveis celulares de

GMPc, um potente vasodilatador.

5. Relação ventilação/perfusão

A adequação entre a ventilação e o fluxo sanguíneo dentro

das várias regiões pulmonares é critico para que ocorra uma troca

gasosa adequada.

A relação entre ventilação e perfusão pulmonar ideal é de

uma unidade, ou seja, para cada unidade de ventilação alveolar

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(mililitros/minuto) haveria uma unidade de fluxo pulmonar

(mililitros/minuto).

Os dois distúrbios da relação ventilação/perfusão (V/Q) são

conhecidos como efeito espaço morto e efeito shunt.

O efeito espaço morto ocorre sempre que a ventilação

regional é maior que a perfusão (?V/Q?), portanto a relação V/Q

maior que a unidade. Este fenômeno pode ser resumido como

alvéolos bem ventilados, contudo mal perfundidos.

O efeito shunt aparece quando a perfusão regional excede a

ventilação(?V/Q?), portanto a relação V/Q maior que a unidade.

Este fenômeno é conhecido como alvéolos mal ventilados, mas

bem perfundidos (figura 32).

Figura - 32 Efeito espaço morto e shunt.

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No efeito shunt devido a má ventilação dos alvéolos, o gás

presente em seu interior se equaliza com a pressão parcial do gás

presente no sangue venoso, antes de ocorrer seu colapso. Ao

contrário, no efeito espaço morto o gás alveolar estabiliza-se com o

gás atmosférico assemelhando-se a este.

Como foi abordado anteriormente, a base pulmonar recebe a

maior parcela da perfusão, assim como a da ventilação. Seria de se

esperar que, as relações ventilação-perfusão nas várias regiões

pulmonares fossem próximas à unidade, a base mais perfundida

recebe maior ventilação e o ápice menos perfundido recebe menor

ventilação. Este fato é o que ocorre dentro de alguns limites,

contudo a base é proporcionalmente muito mais perfundida que

ventilada ocorrendo o oposto no ápice que é muito menos

perfundido do que ventilado. Como consequência observa-se que a

razão entre a ventilação e perfusão (V/Q) é menor que um na base

e maior que um nos ápices, ou seja predomina o efeito shunt nas

bases pulmonares (V/Q) e efeito espaço morto nos ápices (V/Q).

Nas regiões intermediárias do pulmão a relação ventilação-perfusão

é perto do ideal (próximas à unidade) (figura 33).

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Figura - 33 Relação do efeito shunt ou espaço morto nas

regiões pulmonares.

O efeito shunt é o responsável pela diminuição da pressão

parcial de oxigênio no sangue arterial. Contudo, o efeito espaço

morto não consegue promover o aumento do oxigênio naquele

sangue. O fenômeno decorre da curva de dissociação oxigênio-

hemoglobina é de morfologia sigmoide e encontra-se em seu platô.

Nesta faixa da curva, mesmo grandes variações da PO2 promove

pequenas variações na saturação da hemoglobina. Outro fator

determinante é que o montante de sangue nesta região (efeito

espaço-morto) é pequeno, insuficiente para compensar o efeito

shunt (figura 34).

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Figura - 34 O efeito shunt determina hipóxia. O efeito espaço

morto não determina hiperóxia assim como não corrige a hipóxia do

efeito shunt.

6. Transporte dos gases

O transporte de oxigênio dos pulmões até os tecidos é

simples, ocorrendo apenas de dois modos: dissolvido no plasma ou

ligado à hemoglobina.

O oxigênio dissolvido no plasma obedece à lei de Henry que

estabelece que a concentração de um gás dissolvida em um líquido

é diretamente proporcional a sua pressão parcial, a determinada

temperatura. A quantidade dissolvida no plasma de oxigênio é

proporcional à pressão parcial deste (figura 35).

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C = K . P

Figura - 35 Equação da Lei de Henry - A solubilidade de um

gás em um determinado líquido, a determinada temperatura, é

proporcional à pressão parcial do gás sobre a solução e à constante

de solubilidade deste gás naquele líquido.

C - Quantidade do gás diluído no líquido.

K - Constante de solubilidade

P - Pressão parcial do gás

A constante de dissolução do oxigênio no plasma é de 0,003,

isto é, para cada milímetro de mercúrio da pressão parcial de

oxigênio haverá 0,003 mililitros de oxigênio em 100 mililitros de

plasma, na temperatura de 37oC. Portanto, para uma pressão

alveolar normal de oxigênio de 100 milímetros de mercúrio existirá

apenas 0,3 mililitros de oxigênio para cada 100 mililitros de plasma.

É lógico deduzir que só esta forma de transporte de oxigênio é

inadequada para os seres humanos.

O principal transporte de oxigênio dentro do sistema

circulatório dos vertebrados é muito facilitado pelas hemoglobinas

uma vez que, são extremamente adaptadas à esta função. As

hemoglobinas são proteínas conjugadas. Cada um dos quatro

grupos HEME da molécula normal de hemoglobina está ligado a

uma cadeia polipeptídica a GLOBINA. Esta cadeia polipeptídica

pode ser do tipo alfa e do tipo beta formando a hemoglobina A do

adulto (Hg A - 2 alfa / 2 beta). Existem outras hemoglobinas que

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podem ser citadas: hemoglobina fetal (Hg F), hemoglobina

falciforme (Hb S) etc.

A constante de dissolução do oxigênio na hemoglobina é de

1,34 sendo, portanto muito maior que a do plasma. A representação

gráfica da pressão parcial de oxigênio versus o teor de oxigênio na

hemoglobina é conhecida como curva de dissociação da oxi-

hemoglobina. Esta curva tem uma morfologia sigmoide (figura 36).

Figura - 36 Curva da dissociação da oxi-hemoglobina.

Para facilitar a interpretação dos fatores que modificam a

afinidade da hemoglobina pelo oxigênio foi definido o fator P50. O

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P50 é a pressão parcial de oxigênio necessária para saturar 50% da

hemoglobina (figura 37).

Figura - 37 P50 é a pressão parcial de oxigênio necessária

para saturar 50% da hemoglobina.

Alguns fatores modificam a afinidade da hemoglobina pelo

oxigênio. Os fatores que aumentam a afinidade da hemoglobina

pelo oxigênio desviam a curva para esquerda, diminuindo o P50.

Contrariamente, os fatores que diminuem a afinidade da

hemoglobina pelo oxigênio desviam a curva para a direita, elevando

o P50.

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O dióxido de carbono é um dos fatores mais importantes

envolvidos neste fenômeno. Esse gás diminui a afinidade do

oxigênio pela hemoglobina, desvia a curva para a direita elevando o

P50 (efeito Bohr) (figura 38) (tabela 03).

Figura - 38 Fatores que modificam a curva de dissociação da

hemoglobina.

Tabela - 03

diminuição da afinidade aumento da afinidade acidose alcalose hipercarbia hipocarbia hipertermia hipotermia

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aumento do 2,3-dpg diminuição do 2,3-dpg monóxido de carbono

O transporte total de oxigênio dos pulmões aos tecidos fica na

dependência do conteúdo de oxigênio presente no sangue (CaO2),

ou seja o ligado à hemoglobina mais o dissolvido no plasma e do

débito cardíaco (figura 39).

CaO2 = 0,003 . PaO2 + (1,34 . SaO2 . Hb)

DO2 = CaO2 . DC

Figura - 39 Transporte de oxigênio aos tecidos

DO2 - Transporte de oxigênio aos tecidos

DC - Débito cardíaco

CaO2 - Conteúdo arterial de oxigênio

PaO2 - Pressão parcial de oxigênio no plasma

SaO2 - Saturação da hemoglobina

Hg - Concentração de hemoglobina no sangue

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O dióxido de carbono é transportado dos tecidos até os

pulmões de forma mais complexa do que o oxigênio. Ele é

transferido dissolvido no plasma, como bicarbonato ou combinado

com proteínas, em especial com a própria hemoglobina na forma

de carbamino, que são ligações covalentes entre os radicais NH2

das proteínas (globina) com o dióxido de carbono (NH2-CO2).

O dióxido de carbono dissolvido no plasma também segue a

lei de Henry. A constante de dissolução do dióxido de carbono no

plasma é 0,06 (vinte vezes maior que a do oxigênio).

O dióxido de carbono transportado na forma de bicarbonato

segue a reação química: CO2 + H2O ↔ H2CO2 ↔ H+ + HCO3-. É a

forma mais importante de transporte de dióxido de carbono.

Os compostos carbamínicos são formados pela combinação

do CO2 com os grupos aminos terminais, nas proteínas plasmáticas.

Neste processo a proteína mais importante é a globina da

hemoglobina seguindo a reação química: Hb-NH2 + CO2 ↔ Hb-

NHCOOH. A carboxi-hemoglobina tem maior capacidade de

ligações carbamino que a oxi-hemoglobina (efeito Haldane).

A representação gráfica da pressão parcial de dióxido de

carbono versus o teor de dióxido de carbono no sangue total é

conhecida como curva de dissociação do dióxido de carbono. Esta

curva tem uma morfologia mais retilínea do que a curva de

dissociação da oxi-hemoglobina (figura 40).

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Figura - 40 Curva de dissociação do dióxido de carbono.

Podem-se resumir os fenômenos envolvidos na seguinte

figura (figura 41).

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Figura 41 Modos de transporte do dióxido de carbono.

7. Controle da ventilação pulmonar

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A frequência, profundidade e padrão respiratório são

determinados pela contração sistemática do músculo diafragma,

músculos intercostais e outras estruturas relacionadas. A regulação

fisiológica da respiração envolve um complexo mecanismo de

reflexos. Os dois sistemas principais envolvidos são o mecanismo

neuronal e outro químico.

Para fins didáticos existe ao nível do tronco cerebral um

centro inspiratório e um centro expiratório responsável pela

ritmicidade da ventilação pulmonar. O núcleo respiratório dorsal tem

a função principalmente inspiratória sendo formado principalmente

pelo núcleo do trato solitário. O núcleo respiratório ventral é

formado pelo núcleo ambíguo e retroambíguo. O grupo respiratório

dorsal apresenta conexões com o grupo respiratório ventral (figura

42).

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Figura - 42 Núcleos responsáveis pelo controle da ventilação

pulmonar.

No grupo respiratório dorsal, observa-se eferências para o

nervo frênico que, assim, estimula a contração do diafragma. Por

outro lado, recebe aferências viscerais através do nervo

glossofaríngeo (IX) e vago (X). O IX par leva informações sobre o

PO2, PCO2 e pH obtidos através dos quimioreceptores presentes na

carótida e aorta. Já o X par leva informações sobre os receptores

de estiramento presentes nos pulmões.

O grupo respiratório dorsal é, portanto, o local primário da

gênese do ritmo respiratório. É provavelmente responsável pelo

“driving” do músculo diafragma e do grupo respiratório ventral.

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Por outro lado, o grupo respiratório ventral apresenta

neurônios com função inspiratória e expiratória.

Os centros mais superiores (centro apneustico, pneumotáxico

e córtex) modulam a ritmicidade e profundidade da ventilação

induzida pelos grupos ventral e dorsal (figura 43).

Figura - 43 Relação dos locais ablação com os ritmos

respiratórios.

O estímulo químico central da ventilação é um dos mais

importantes. O aumento da PCO2 provoca a uma diminuição do pH

liquórico que, por sua vez, estimula quimioreceptores presentes no

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tronco cerebral. Os quimioreceptores irão estimular os centros

respiratórios já descritos.

A hipóxia é também um estímulo da ventilação pulmonar,

contudo só observa-se resposta importante quando a PO2 cai

abaixo de 50 milímetros de mercúrio.

Deve-se levar em consideração que a hipercapnia

potencializa a resposta ventilatória à hipóxia (figura 44). Por outro

lado, a hipóxia também potencializa a resposta da ventilação à

hipercapnia (figura 45).

Figura - 44 Relação da resposta ventilatória e a hipoxemia.

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Figura - 45 Relação da resposta ventilatória e a hipercapnia.

8. Literatura consultada

Fisiologia Respiratória - 6ª Edição 2002 - West, John B

Tratado de Fisiologia Médica de Guyton & Hall – 11a Edição

2009 - John E. Hall