financas publicas unidade i

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1.º Ano - II Semestre FINANÇAS PÚBLICAS Unidade I O FENÓMENO FINANCEIRO Instituto Superior Monitor Fevereiro 2010

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1.º Ano - II Semestre

FINANÇAS PÚBLICAS

Unidade I

O FENÓMENO FINANCEIRO

Instituto Superior Monitor

Fevereiro 2010

Copyright

Este manual é propriedade do Instituto Superior Monitor (ISM), sendo que todos os direitos para o seu uso, por estudantes e docentes, lhe estão reservados. É proibido fazer cópias ou usar este material sem autorização prévia do ISM.

Instituto Superior Monitor

Avenida Guerra Popular No. 1148 1o Andar Maputo

Moçambique

Tel. 21 300436 Cel. 82 3055795/84 7696894 Fax: +258 21 323432

E-mail: [email protected] Website: www.monitor.co.mz

FINANÇAS PÚBLICAS

Índice

ACERCA DESTA UNIDADE I 3

ESTRUTURA DA UNIDADE I ....................................................................................... 3 RESULTADOS DE APRENDIZAGEM .......................................................................... 5

DURAÇÃO ....................................................................................................................... 5 TÉCNICAS DE ESTUDO ................................................................................................ 5 PRECISA DE AJUDA? .................................................................................................... 7 TRABALHOS .................................................................................................................. 7 AVALIAÇÕES ................................................................................................................. 7

UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS) 9

CAPÍTULO I - CONCEITO DE FINANÇAS PÚBLICAS ............................................. 9

OBJECTIVOS ......................................................................................................... 9 FINANÇAS PÚBLICAS E FINANÇAS PRIVADAS ........................................... 9

ACEPÇOES DE «FINANÇAS PÚBLICAS» ....................................................... 10

O FENÓMENO FINANCEIRO ............................................................................ 11

A ECONOMIA DO FENOMENO FINANCEIRO (ECONOMIA PRIVADA, SOCIAL E PÚBLICA) .......................................................................................... 11 A ACTIVIDADE FINANCEIRA ......................................................................... 18

A OPTIMIZAÇÃO SOCIAL E SEUS CRITÉRIOS TEÓRICOS ........................ 21 CAUSAS DE INCAPACIDADE DO MERCADO .............................................. 28

A PROVISÃO PÚBLICA DE BENS ................................................................... 34

A ACTIVIDADE FINANCEIRA E SEUS CRITERIOS FINALISTAS ............. 41 EXERCÍCIOS PRÁTICOS I ................................................................................. 44

CORRECÇÃO DE EXERCÍCIOS ........................................................................ 45

CAPÍTULO II - FINANÇAS, DOUTRINAS E SISTEMAS ECONÓMICOS ............. 46 2. 0 SISTEMA CAPITALISTA ............................................................................ 49

3. OS REGIMES ECONÓMICOS E AS DOUTRINAS ...................................... 50

4. O LIBERALISMO E AS FINANÇAS NEUTRAS .......................................... 52

5. A TRANSIÇÃO PARA AS FINANÇAS INTERVENCIONISTAS................ 57 6. O INTERVENCIONISMO FINANCEIRO E AS FINANCAS ACTIVAS ..... 60 7. FINANÇAS PÚBLICAS E SISTEMAS COLECTIVISTAS ........................... 67 EXERCÍCIOS PRÁTICOS ................................................................................... 71

CORRECÇÃO DE EXERCÍCIOS ........................................................................ 72

CAPÍTULO III - A ACTIVIDADE FINANCEIRA COMO FENOMENO POLÍTICO 73 OBJECTIVOS: ...................................................................................................... 73 ESTADO E ACTIVIDADE FINANCEIRA ......................................................... 73

ESTADO E OUTRAS ENTIDADES SOCIAIS ................................................... 91

CAPÍTULO IV -FACTOS E NORMAS NA ACTIVIDADE FINANCEIRA ............... 93 OBJECTIVOS ....................................................................................................... 93 AS FINANÇAS PÚBLICAS E 0 DIREITO FINANCEIRO ................................ 93 AUTONOMIA E NATUREZA DO DIREITO FINANCEIRO ........................... 95 EXÉRCICIOS PRÁTICOS ................................................................................... 99

CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS ................................................................... 100

SUGESTÕES DE LEITURA .............................................................................. 102

ii Índice

QUADRO SINÓPTICO ...................................................................................... 102

AVALIAÇÃO DE FINANÇAS PÚBLICAS ............................................................... 104

FINANÇAS PÚBLICAS

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ACERCA DESTA UNIDADE I

Estas notas de ensino constituem a primeira unidade da disciplina de Finanças Públicas leccionada no primeiro semestre no Instituto Superior Monitor (ISM). É uma disciplina pertencente ao curso de Direito, servindo de ferramenta essencial para a compreensão e melhor abordagem das disciplinas tais como, Direito Fiscal, Finanças Públicas, Direito Comercial, Direito Bancário, Direito Financeiro, Direito Económico, Direito Internacional Económico. Como facilmente poderá se depreender, a Economia Política serve como disciplina vestibular, para o estudo das disciplinas acima referidas.

Com efeito, o estudante dificilmente poderá entender a essência da obrigação dos cidadãos em pagar os impostos, a política do Estado na defesa do emprego, nas decisões do governo em agravar as taxas de poluição do meio ambiente, sem que tenhamos abordado a problemática da redistribuição de rendimentos, conceitos que serão tratados na disciplina de Economia Política.

ESTRUTURA DA UNIDADE I

Presente unidade tem como tema central o fenomeno finaceiro esta dividada em quatro capítulos nomeadamente: o conceito de finanças públicos; finanças, doutrinas e sistemas; a actividade financeira como fenómeno político e os factos e normas da actividade financeira.

Com estas matérias pretendemos dotar os nossos esttudantes de conhecimentos necessários para percebeer como é que a economia se encontra organizada e as formas que o Estado optou para ordenar, intervir e actuar no seio da economia de modo a evitar desequilíbrios;

Recomendamos que leia atentamente as generalidades desta unidade antes de iniciar os seus estudos.

GENERALIDADE DO CURSO

Caro Estudante

Seja Bem-vindo(a) à Unidade 1- introdução à Economia Política do ISM!

4 Índice

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Para ter sucesso nesta Unidade I, você precisa de estudar cuidadosamente o material apresentado nesta Unidade, os recursos auxiliares disponíveis e apresentar as suas dúvidas ao tutor.

Esta é uma disciplina que apesar de nova em alguns aspectos, muitos aspectos, sendo pressupostos, o estudante deve trazer do ensino geral. Dos que não é preciso ter conhecimento anterior são os ligados com a ciência económica, entretanto, o domínio da história universal, geografia económica, e filosofia, disciplinas leccionadas no ensino geral, constituirá uma base para melhor compreender os conceitos dados na presente unidade, o contrário, constituindo um constrangimento.

A dificuldade esperada que o estudante experimentar nesta Unidade poderá ser de natureza filosófica, onde certa terminologia se torna indigesta. É preciso compreender por outro lado que esta a introdução às finanças públicas versa essencialmente parte teórica destacando-se sobre ela o pensamento, concepções, doutrinas económicas.

RECURSOS

Se você estiver interessado em aprender mais acerca desta matéria, nós providenciamos uma lista de recursos adicionais no fim desta unidade. Estes recursos incluem títulos bibliográficos e de artigos, websites da Internet e a biblioteca virtual do ISM.

SEUS COMENTÁRIOS

Agradecíamos que após a conclusão desta unidade nos enviasse os seus comentários sobre os seguintes aspectos:

� Conteúdos e estrutura da unidade;

� Materiais de leitura e recursos da unidade;

� Trabalhos da unidade;

� Avaliações da unidade;

� Duração da unidade;

� Apoio ao estudante (tutores atribuídos, apoio técnico, etc.);

� Outros aspectos que achar pertinente.

Os seus comentários ajudar-nos-ão a melhorar e reforçar esta unidade.

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RESULTADOS DE APRENDIZAGEM

Ao concluir esta unidade você será capaz de:

Resultados

� Distinguir dentre várias concepções o objecto da Economia Política;

� Utilizar numa perspectiva histórica, a génese e evolução da conceito da Economia Política entanto que ciência diferentes das outras ciências;

� Demonstrar o domínio dos melhores métodos de investigação de fenómenos económicos;

� Delimitar o âmbito da ciência económica;

� Argumentar situações económicas de forma clara e lógica

DURAÇÃO

Duração da unidade:

28 Horas

Tempo para leitura da unidade: 10 horas

Tempo para trabalhos de pesquisa: 14 horas

Tempo para a realização de exercícios práticos: 2 horas

Tempo para a realização de avaliação: 2 horas

TÉCNICAS DE ESTUDO

Técnicas de Estudo

Por você ser um estudante universitário as suas técnicas de aprendizagem serão diferentes das que usava nos tempos da escola secundária e na presença de um professor.

Neste curso você terá uma grande autonomia, isto é, RESPONSABILIDADE. Acima de tudo, você fará uma gestão responsável do seu tempo. Faça um programa de estudos realista e cumpra-o rigorosamente. Escolha horas e locais tranquilos para os seus estudos. Faça uso dos demais recursos referenciados na unidade e mobilize a sua motivação profissional e/ou pessoal para

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adequar as suas actividades de estudo a outras responsabilidades profissionais, sociais e pessoais. Partilhe as suas aprendizagens com os outros.

Usufrua das várias formas de apoio disponíveis, mas fundamentalmente, você tomará controlo do seu ambiente de aprendizagem.

Recomendamos que consulte alguns sites da Internet, em inglês, com informações importantes sobre a melhor forma de estudar de maneira autónoma:

� http://www.how-to-study.com/

� http://www.ucc.vt.edu/stdysk/stdyhlp.html

� http://www.howtostudy.org/resources.php

Bons Estudos!

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PRECISA DE AJUDA?

Ajuda

Os materiais deste curso estão na página seguinte da Internet:

Www.monitor.co.mz

Você vai precisar de uma senha para poder ter acesso a estes materiais. No caso de ter problemas de acesso à página que tem materiais desta unidade, por favor contactar o Instituto Superior Monitor pelo e-mail [email protected].

No caso de dúvidas sobre o material desta unidade, por favor contactar o seu tutor através do e-mail [email protected]. Também poderá contactá-lo por telefone ou telemóvel cujos números são disponibilizados pelo Departamento de Apoio ao Estudante.

TRABALHOS

Trabalhos

Depois de estudar cada capítulo desta unidade o estudante deve resolver todos os exercícios de aplicação como forma de consolidação das matérias nela vertidas. Os exercícios de aplicação não seram submetidos ao Instituto Superior Monitor. O Instituto Superior Monitor fornece as soluções dos trabalhos de auto-avaliação para lhe ajudar nos estudos. Mas Atenção Caro Estudante, você deve resolver os exercícios de auto-avaliação antes de consultar as soluções fornecidas.

AVALIAÇÕES

Avaliações

Você deve fazer uma avaliação nesta unidade. A avaliação encontra-se no final da unidade. A avaliação deve ser submetida ao Instituto Superior Monitor até ao 28 de Março de 2010. Você pode submeter a avaliação por e-mail, fax, entregar directamente na instituição ou usando outros meios de comunicação.

O docente irá corrigir as avaliações e lhe atribuirá uma nota com base no seu desempenho. A média aritmética das avaliações de cada Unidade vai ditar a sua nota de frequência. Depois, você terá que fazer um exame presencial para poder ter a avaliação final da disciplina. São admitidos ao exame presencial, os estudantes que

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tiverem uma nota de frequência igual ou superior a 10 valores. NÃO HÁ DISPENSAS. Para poder concluir a disciplina, os estudantes devem ter uma média final igual ou superior a 10 valores e com uma classificação igual ou superior a 10 valores no exame presencial.

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UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

CAPÍTULO I - CONCEITO DE FINANÇAS PÚBLICAS

OBJECTIVOS

Ao concluir este capitulo os estudantes terão o domínio sobre matéria referentes ao:

• Ao conceito de Finanças Públicas;

• Aos vários sentidos em que as Finanças Públicas podem ser entendidas;

• Fenómeno Financeiro, que representa o estado das relações económicas entre as pessoas e instituições sociais, por um lado e o Estado, do outro lado;

• Entender o que é a economia privada;

• O que é a economia social;

• O que é a economia pública;

• Terá também a capacidade de entender as causas de incapacidade do mercado, a provisão pública de bens e os princípios doutrinários e políticos da actividade financeira;

FINANÇAS PÚBLICAS E FINANÇAS PRIVADAS

Uma primeira aproximação ao conceito de finanças públicas exige a sua separação de outra noção com que anda muitas vezes confundido e de que e rigorosamente distinto: as finanças privadas.

Enquanto por finanças privadas se entendem os aspectos tipicamente monetários do financiamento de uma economia ou de um agente económico, abrangendo os problemas da moeda e do crédito (ou, mais restritamente, os «mercados financeiros» onde se transaccionam activos representados por títulos a médio e a longo prazo), as finanças públicas designam a actividade económica de

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um ente público tendente a afectar bens a satisfação de necessidades que lhe estão confiadas.

Trata-se de uma mera similitude vocabular, com razões históricas, que leva a utilização do mesmo termo para designar duas realidades distintas. Preferimos qualificar de financeiro quanto diga respeito as Finanças Públicas, e de financial o respeitante as finanças privadas, incluídas na teoria económica da Moeda e do Crédito; mas isto não é ainda do consenso.

ACEPÇOES DE «FINANÇAS PÚBLICAS»

A expressão finanças públicas pode ser utilizada em três sentidos fundamentais:

(a) Sentido orgânico - Fala-se de finanças públicas para designar o conjunto dos órgãos do Estado ou de outro ente público (incluindo a parte respectiva da Administração Publica) a quem compete gerir os recursos económicos destinados a satisfação de certas necessidades sociais (p. ex. Ministério das Finanças).

(b) Sentido objectivo - Designa a actividade através da qual o Estado ou outro ente público afecta bens económicos a satisfação de certas necessidades sociais.

(c) Sentido subjectivo - Refere a disciplina cientifica que estuda os princípios e regras que regem a actividade do Estado com o fim de satisfazer as necessidades que lhe estão confiadas.

No segundo e no terceiro sentidos, tende-se modernamente a designar por Economia Pública, quer esta forma de actividade económica, quer o ramo da Economia que a estuda, sobretudo quando o faz de uma perspectiva predominantemente dedutiva, teórica ou analítica e em termos reais. Preferimos designar por Finanças Públicas o estudo deste fenómeno, quando e feito numa óptica de economia aplicada, fundamentalmente segundo métodos indutivos e institucionais e em valores monetários (não reais)1

1 A família pode ter uma organização institucional, mas a sua dimensão e forma exterior de actuação não se diferenciam das dos indivíduos em sociedades como a nossa; por isso e aqui tomada como instituição privada.

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O FENÓMENO FINANCEIRO

Como aspecto da realidade e objecto científico das Finanças, há que caracterizar, pois, o fenómeno financeiro. Ele representa, talvez do modo mais significativo e expressivo, o estado das relações económicas entre as pessoas e instituições sociais, por um lado, e o Estado, do outro; como o seu estudo contem a visão mais concreta e insofismável das tarefas e das funções que, com prioridade, o poder público concretamente desenvolve numa sociedade, por vezes bem diferente das proclamações políticas, das concepções ideológicas e, até, de certas visões superficialmente científicas. Poucos campos melhor do que este são um verdadeiro termómetro das relações concretas entre o poder e a sociedade que o integra, bem como das tarefas e funções que esta leva o poder a desempenhar, e do modo como os grupos, estratos ou classes sociais se situam perante o poder, beneficiando dos seus gastos ou suportando o respectivo custo.

A ECONOMIA DO FENOMENO FINANCEIRO (ECONOMIA PRIVADA, SOCIAL E PÚBLICA) A actuação económica das pessoas, dos grupos e da sociedade pode ser exercida de diversas formas.

Em alguns casos, achamo-nos perante indivíduos, famílias ou organizações de base contratual que, na produção, no consumo, na repartição ou na circulação, actuam como unidades individuais ou como organizações de mera base contratual, na satisfação das respectivas necessidades, segundo critérios predominantemente individuais.

Trata-se da economia privada, em regra contratual2

Outras vezes, deparamos com organizações que visam satisfazer necessidades segundo uma lógica cooperativa ou colectiva, recorrendo a disciplina institucional interna do grupo, mas sem a possibilidade de recorrer a mecanismos coactivos externos. As tradicionais formas de comportamento económico comunitário, as novas modalidades de unidades cooperativas ou autogestionárias, as instituições sociais não contratualistas constituem exemplos desta economia comunitária, cooperativa ou colectiva (social, «hoc sensu»).

2 Não se esquece que nem tudo que e hoje publico será politico; toma-se todavia o politico como forma matricial, dirigente e predominante do público

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Enfim, as pessoas podem associar-se em organizações políticas, as quais têm por fim o interesse geral de sujeitos indeterminados, indo assim para além da simples satisfação de necessidades comuns sociais. Para isso se socorrem de poderes de autoridade - no duplo sentido da produção de preceitos sociais obrigatórios, mesmo para quem não participou na respectiva elaboração, e da possibilidade de recorrer, se necessário, a coacção por parte dos órgãos da instituição. Temos então uma economia pública, que iremos estudar primeiramente em referência ao seu sujeito actual mais típico e importante: o Estado.

• A economia privada baseia-se no livre comportamento dos agentes económicos e em equilíbrios, parciais e gerais, por eles livremente estabelecidos, de acordo com os seus interesses próprios confrontados com transparência e medidos por referenciais comuns - os preços formados em mercado. Tem como instrumentos fundamentais os contratos e como instituição básica de apropriação dos bens, produtivos ou de consumo, a propriedade privada.

• A economia social assenta na solidariedade, organizada em grupos de diversa dimensione nível económico, na liberdade de comportamento das pessoas e dos grupos, na combinação da propriedade privada com a propriedade social e comunitária, na cooperação organizada (mais livremente ou com maior peso dos interesses sociais); ela pode integrar instrumentos de racionalidade e solidariedade orgânica diversificados, que combinam 0 individualismo com o solidarismo, nos seus diversos matizes.

Por seu lado, a economia pública assenta, a partida, na existência de uma solidariedade organizada e dotada de poder politico portanto, da coacção social máxima - a escala da colectividade ou de subsistemas do sistema social, numa lógica de direcção económica mais ou menos planeada, com formas de apropriação dos bens pela sociedade através dos seus órgãos políticos e juízos colectivos de utilidade; estes impõem-se do centro (órgãos de decisão politica) para a periferia (membros da sociedade), seja qual for a forma de designação e o critério de funcionamento interno da entidade pública considerada.

Até ao presente, não conhecemos sociedades - fora algumas pequenas comunidades primitivas ou, pelo menos, atrasadas - que concretizem a sua organização global segundo princípios comunitários ou solidaristas: este apenas tem vincado em pequenas comunidades ou sectores delimitados das grandes sociedades.

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A economia privada e a economia pública até hoje dominantes constituem dois princípios opostos de estruturação e funcionamento da sociedade económica, que podem situar-se fundamentalmente em dois planos distintos;

- O da definição do sistema económico, caracterizando assim, consoante seja globalmente dominante um ou outro destes princípios, diversos tipos de sistemas económicos;

O fenómeno financeiro - actos e normas

Adopção dos respectivos modelos ou critérios de comportamento, dentro de um ou outro dos sistemas económicos, por sectores, órgãos sociais ou agentes económicos.

Embora pudesse ser mais lógica a ordem inversa, vamos começar por nos situar no plano de um sistema económico dominado pelos princípios de economia privada: no plano sociocultural (filosofias e ideologias individualistas, sistemas sociais e políticos parcialmente descentralizados), no das instituições e instrumentos económicos fundamentais (propriedade e iniciativa privada dominantes, ajustamentos económicos pelo mercado e pelos princípios da máxima utilidade individual, tomada em si ou reflectida nos grupos) e no plano dos comportamentos sociais (motivação egoísta predominante, dinamismo competitivo ou conflitual). São estes os sistemas e as estruturas historicamente dominantes atem ao presente, e é no seu modelo que se integra Moçambique, tal como os países que nos são mais próximos.

PODER E A ECONOMIA: ORDENAÇÃO, INTERVENÇÃO E ACTUAÇÃO ECONOMICAS

a) Noções prévias

Vejamos então quais os principais tipos de relações entre o poder político - podem tomar como sua forma protótipos de organização o Estado, sem prejuízo do que adiante se dirá - e a actividade económica, entendida como o processo orgânico de satisfação de necessidades humanas mediante" a afectação de bens materiais raros a fins alternativos (individuais ou sociais; privados, comunitários ou públicos).

Parece-nos que essa relação pode ser de três tipos principais: a ordenação económica, a intervenção económica e a actuação económica pública. Vejamo-las sucessivamente.

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b) A ordenação Económica

1. Cabe aos poderes públicos estabelecer os quadros gerais em que toda a actividade económica tem de se desenvolver (por mais liberal que seja a sua filosofia económica e Social): da constituição económica e da legislação económica, as próprias directivas e decisões concretas da administração económica... A máquina político-administrativa, em larga parte, procede assim a definição do enquadramento da vida económica, designadamente de natureza jurídica e social; Assim estrutura a actividade económica e condiciona a actuação dos sujeitos económicos.

Cumpre desde já acentuar que não e apenas no domínio jurídico que esta forma de actuação do poder político sobre a actividade económica se concretiza. Ela decorre também da modelação, no domínio extra-jurídico, das diversas instituições sociais (hábitos, formas de comportamento, grupos inorgânicos ou organizados de forma não jurídica, etc.).

Tal forma de actuação constitui o que pode chamar-se domínio de ordenar; ao da actividade económica (ou ordenação económica)3.

II. Um primeiro aspecto desta ordenação resulta naturalmente da definição e execução de uma doutrina ou politico económico-social seguida pelo Estado: abstencionista, liberal, socialista a, comunista, etc. A doutrina económica do Estado explícita ou implícita, constitui uma primeira forma de ordenação genérica da actividade económica e social, a qual há-de conformar-se as suas actuações políticas e as dos sujeitos privados.

III. As doutrinas e políticas económicas de índole geral podem especificar-se, tanto em normas como numa prática jurídico-política (com a qual estão, alias, interdependentes). Então formulam-se princípios gerais, aos quais deve obedecer toda a vida económico-social, e também a produção e normas jurídicas ou as situações e relações jurídicas a ela pertinentes. Este conjunto de disposições fundamentais, expressão concretizada de uma doutrina ou filosofia social, que pode designar-se por constituição económica4.

3 Sobre as noções de ordem económica: VITAL MOREIRA, A ordem jurídica do capitalismo, 1973.

4 Note-se que doutrina (como ideologia e politica, decorrentes dela) e constituição são realidades interferentes, mas não hierarquizáveis: diversas constituições podem convergir numa mesma doutrina; e diversas doutrinas podem executar-se a sombra de uma constituição (veja-se o debate entre as interpretações Liberais e as interpretações dirigistas da Constituição de 1933 nos

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IV. 0 Estado pode ainda, ao abrigo da sua função ordenadora da vida económica, definir normas gerais, que não demarcam Já os quadros fundamentais de toda a vida económica, mas a eles se subordinam, seja para toda a actividade económica, seja para certos sectores, tipos de actividade ou de relações económico-sociais gerais e permanentes antes referidos, regulando de forma directa, por exemplo, um sector, um tipo ou uma área de actividade: será legislação ou regulamentação económica. Ela pode abranger as instituições económicas gerais nas áreas da produção, do consumo, dos instrumentos reguladores - mercados e plano -, da circulação de bens - moeda e crédito -, dos mercados de factores de produção, da repartição do rendimento e das relações internacionais) e as específicas, nomeadamente sectoriais (agricultura, industria, comercio, outros serviços...).

De uma forma jurídica ou por via política, através da Administração activa ou dos Tribunais, a administração e jurisdição económica constituem ainda, em seus critérios constantes, uma forma de ordenação jurídica (paredes-meias já com a intervenção): prevalecerá a vinculação na função ordenadora, a discricionariedade na intervenção. Por elas o Estado desempenha uma função ordenadora da vida económica, definindo e executando padrões e quadros mais ou menos concretos, no âmbito dos quais tanto o seu próprio comportamento como o dos sujeitos económicos vão livremente desenvolver-se. Condiciona-se e ordena-se então o comportamento dos diversos sujeitos; mas não se visa interferir directamente sobre ele.

c) A intervenção económica

I. Não se esgotam aqui a relação entre político e a actividade económica. Um seu outro modelo e o que visa alterar Concretamente o que seria a actividade livre e norma dos sujeitos económicos. Assim, Suponhamos que o Estado considera indesejável que se produzam mais tecidos de fibras sintéticas: poderá evitar que abram mais fábricas, poderá baixar os preços dos têxteis, levando algumas unidades a falência e outras a retraírem a produção, podem restringir o crédito ao sector, poderá fixar quotas de mercado ou limitar por contingentes a produção de cada fábrica ou empresa, etc. Em tal caso, o Estado recorre ao seu poder para modificar o comportamento de sujeitos económicos (embora não altere os quadros gerais da actividade económica); isso pode resultar de disposições directamente limitativas, como de restrições financeiras, do agravamento de impostos, de simples movimentos de forte persuasão ou coacção psicológica (particularmente usados

anos setenta; ou o debate entre as interpretações socializantes e as liberalistas do texto constitucional de 1976).

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quando existem crises graves), ou de muitas outras formas indirectas.

II. Este tipo de comportamento que se designará, em sentido próprio, por intervenção económica do Estado a qual tem como forma mais racionalizada a política económica. Ela pode ser directa ou indirecta, e representa a relação mais flexível, diversificada e variada entre o Estado e a actividade económica. O que a caracteriza é que o Estado visa alterar o comportamento dos produtores ou dos consumidores (em suma, dos sujeitos económicos) que dispõem de uma certa margem de liberdade: a intervenção estadual tenta modificar a forma natural como esses agentes actuariam, de modo genérico (teremos então politicas económicas) ou em termos casuísticos (por actuações individualizadas). Fá-lo, porem, sem modificar os quadros gerais da actividade económica, e sem tão-pouco tomar ele próprio decisões relativas a utilização de bens e satisfação de necessidades sociais ou estaduais, isto é, sem ser ele próprio sujeito económico).

d) A actuação económica do Estado

1. 0 Estado pode, porém, desenvolver ele próprio - como «forma» política da sociedade - uma actividade de sujeito económico colectivo ou social. Sabemos de sistemas sociais em que todas as necessidades económicas, em sociedades primitivas ou integralmente socialistas, são satisfeitas pela própria sociedade política (que terá, para uns, necessidades próprias, como organismo que e; que apenas «interpreta» necessidades individuais; ou que actua num e noutro plano).

Em todos os tempos, contudo, zonas da actividade económica, conexas com os fins e as funções do Estado, foram por este exercidas; pois a prossecução de fins de segurança, justiça e bem-estar implica a administração de diversos bens raros, a qual, de per si, e actividade económica.

Em tais casos - de actuação económica do Estado - este dispõe de bens económicos, cuja gestão e disposição lhe esta atribuída, para os afectar a necessidades sociais que lhe cumpre satisfazer. Pela disposição ou administração desses bens que ele actua economicamente, fazendo também politica ou administração.

II. Todos sabemos que há serviços que o Estado e só ele podem prestar numa sociedade evoluída: a administração da justiça, a defesa e a segurança a interna, certas zonas de administração civil. Para tanto, ele haverá de dispor de bens, de utilizar meios de financiamento, de remunerar o trabalho e outros factores produtivos...

Mas sabemos igualmente que há serviços que o Estado, por razões diversas chamou a Se prestar (embora pudesse não fazer; e o faça

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nuns países e não em outros): dos correios e telecomunicações, de certas modalidades de crédito da rádio e televisão e certos países (por vezes em concorrência com os particulares)...

Também estes bens e serviços têm uma natureza económica bem evidente. O Estado, ao produzi-los, e um produtor como outro qualquer: quer seja monopolista, quer se integre num esquema concorrencial; quer aja em regime de preços livres, quer se socorra de preços dirigidos; tanto se tiver organizações de tipo empresarial, como se sujeitar a critérios, as vezes pouco económicos, de gestão dos serviços públicos com carácter estritamente político.

É fácil! Compreender a atribuição de carácter intrinsecamente económico a produção deste tipo de bens (coisas como serviços) pelo Estado; já será, contudo, mais difícil compreender O carácter económico da polícia ou da defesa nacional, por exemplo. Contudo, também eles constituem serviços, «pagos» pela colectividade, por via dos impostos (ou das taxas); e ao presta-los, o Estado suporta custos, formulando decisões acerca da afectação de bens económicos raros a fins específicos de carácter social.

Nestas situações, que poderemos designar por actuação económica em sentido próprio, o Estado age por si mesmo como sujeito ou agente económico, formulando escolhas ou opções económicas no interesse da comunidade (ou da sua maquina ou aparelho estadual).

e) Exemplos; ralações entre estas modalidades

Como formas de ordenação, podem referir-se as disposições constitucionais que se referem a actividade económica; a legislação sobre os sectores institucionais de produção; a legislação sobre sociedades comerciais...

A situação de intervenção corresponde, por exemplo, a realização de compras pelo Estado para facilitar o combate a depressão económica; a constituição de empresas públicas com o fim de promover o desenvolvimento económico; 0 tabelamento de preços, no fito de lutar contra a inflação: a acção psicológica da persuasão dos industriais para estimular o aparecimento de novas indústrias;

A aprovação de um plano económico-social pelo Parlamento e pelo Executivo...

Na sua actuação económica, o Estado cobra impostos e realiza despesas de edifícios públicos, de parques e de matas; tem acções e obrigações de que e titular; contrai e reembolsa empréstimos; vende o património; etc.

Os próprios exemplos demonstram o evidente carácter não exclusivo desta tipologia. Nenhum destes tipos de comportamento exclui, em concreto, o outro; são antes cumuláveis. Assim, a

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actuação do Estado pode ser uma forma de intervenção (mas também pode não o ser); a ordenação da vida económica pode assumir-se como mera forma de intervenção generalizada, e ate pode ser tomada como meio de criação de bens...

A ACTIVIDADE FINANCEIRA

I. 0 Fenómeno financeiro é um tipo cientificamente definido de fenómeno social. Em concreto, faz parte da vida social e pode ser objecto de uma análise segundo a óptica própria das diversas ciências sociais: do Direito, se for encarado na perspectiva dos valores de justiça e' das normas que intentam defini-los; da Economia, se encarado como forma de afecta ao de meios objectivamente raros a fins a alternativos; a ciência Politica ou Politologia, se for toma o como forma de exercício do poder (em geral; ou politico em especial) da psicologia, se for encarado nos aspectos de psicologia individual e social que envolva; da Sociologia, se for concebido na sua essência pura e mais geral de fenómeno social. Não pensamos, pois, que seja adequado distinguir nele elementos - o fenómeno social e uno - nem destacar fenómenos sociais que são financeiros e fenómenos sociais que o não são.

II. Parece-nos antes que a actividade financeira corresponde a utilização de meios económicos (meios objectivamente raros susceptíveis de aplicações alternativas) por entidades públicas ou pela própria comunidade, a fim de satisfazer necessidades comuns. A análise destes conceitos que resultará a sua melhor caracterização: onde tais caracteres se verifiquem, sempre haverá finanças públicas.

III. Tomemos um exemplo. Imaginemos que há uma praga de mosquitos, portadores de malária, numa colectividade, e que os membros desta pretendem exterminar os insectos. Para isso, as alternativas possíveis são as seguintes

(I) Não sair de casa para não ser atingido por nenhum mosquito. Excepto se algum mosquito entrar em casa, a solução será eficiente; tem porém o inconveniente de os habitantes da área não poderem deslocar-se fora de casa. O custo directo desta alternativa e quase nulo; mas ela tem o grande contra de impedir a actividade normal das pessoas, envolvendo assim custos bem maiores.

(2) Ficando em casa, seria possível instalar condicionado, e assim ter melhores condições de existência e trabalho. O custo seria mais elevado e o mesmo inconveniente perdura.

FINANÇAS PÚBLICAS

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(3) Pode-se sair de casa, usando cremes ou outros processos, mais ou menos falíveis, de protecção contra os mosquitos. O incómodo pode ser grande, e a eficácia da solução duvidosa, mas ela é barata e permite as pessoas fazerem a sua vida fora de casa.

(4) Pode-se utilizar um nebulizador ou extintor no jardim da casa de cada um, afastando um pouco mais os mosquitos infectados. A eficácia e duvidosa e o custo mais elevado:

(5) Nenhuma destas soluções elimina o mal na origem: os mosquitos continuarão a existir e a multiplicarem-se. A única solução totalmente eficiente será a pulverização aérea dos seus viveiros com pesticidas adequados: ela custará, por hipótese, (frete do avião e produtos químicos).

A escolha entre estas diversas soluções técnicas - que não são equivalentes, mas todas resolvem o problema minimamente - depende das possibilidades orçamentais (constrangimento orçamental) de cada pessoa e dos inconvenientes pessoais de cada uma delas. Para a generalidade, a alternativa e seria desejável, mas estaria acima das possibilidades orçamentais de cada um. As outras quatro alternativas seriam escolhidas consoante o custo e os orçamentos de cada um (que fixaria a parcela dos recursos afectada a satisfação deste tipo de necessidades, em concorrência com outras): os mais pobres teriam acesso apenas a alternativa; outros disporiam de outras alternativas.

A acção individual apenas tem, em regra, acesso as quatro primeiras soluções. Na verdade, a quinta solução, ainda que estivesse ao alcance dos recursos económicos de algum particular muito rico, sempre possibilitaria a «boleia» ou a «borla» de todos os outros: estes tirariam o mesmo proveito que o financiador da iniciativa, mas de graça, enquanto este a pagou por inteiro. Ou então, para ela poderão associar-se os vizinhos, empreendendo uma acção comum: mas quem garante que todos queiram contribuir, admitindo que algum tome por si a iniciativa, de modo parcialmente altruísta? A verdade e que, sem fazer nada, os vizinhos que nada gastarem tiram o mesmo beneficio da extinção dos mosquitos; mesmo ficando mal vistos, podem não gastar nada, utilizando - por «boleia» ou «a borla» - os benefícios gerados pelas acções dos outros. Pode suceder que os poucos que aceitem pagar ou cooperar de outra forma, acabem por achar o custo tão elevado que os levara a desistir por não poderem financiar a acção necessária.

Sabendo como é difícil levar o «borlista» a pagar alguma coisa pelo benefício que tira, o rico não estará disposto a custear sozinho um benefício para todos; alguns poderão querer fazê-lo, mas só com a garantia de que todos contribuirão. A não ser que o façam por altruísmo (caridade, filantropia, vaidade, ambição social...) ou que tenham forte interesse individual (apesar da aversão as «borlas»)

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em conseguir os benefícios individuais resultantes da solução 5... O vizinho rico ou o pequeno grupo promotor normalmente proporão ao conjunto dos vizinhos uma acção colectiva: se todos pagarem uma parcela igual, a iniciativa far-se-á. Estão então sujeitos a recusas e, ou assumem o encargo de preencher as faltas, ou não haverá obra comum... Os indivíduos juntar-se-ão em grupo ou clube - com fins temporários e permanentes - se o custo de se associarem for inferior aos benefícios que tiram do «clube» C).

Da associação em «clube» podem mesmo advir economias de escala ou a cobertura de outras utilidades imprevistas (sinergia). Ou pode suceder que a acção colectiva seja oligárquica: apenas alguns dos beneficiários - e não todos - se associarão para conseguir o efeito social pretendido. Neste caso, o custo individual será superior -- mas o benefício de cada um pode ainda ser maior do que se não se empreendesse a iniciativa.

IV. A acção colectiva mais elaborada e a acção pública - a que e empreendida por entidades públicas: entidades dotadas de poder de autoridade, obrigadas a prossecução de fins gerais da colectividade e representativas dos seus membros, com base institucional que não e necessariamente a da voluntariedade de associação (embora possa 'sê-lo em associações publicas livres). Este conjunto de actividades que constitui o cerne da economia pública (em sentido amplo, abrangendo as actividades de ordenação, intervenção ou actuação económica publica); ou, em sentido restrito, abrangendo apenas esta ultima (ou tão-só o seu lado de obtenção de recursos - finanças públicas estrito senso -, ou a sua expressão monetário-financial- finanças publicas em sentido institucional).

A natureza das formas não publica de acção colectiva e diversa da das formas públicas. Nas primeiras, o indivíduo põe abandonar o grupo; nas segundas só pode deixa-lo se fizer sacrifícios pessoais muito onerosos (deixa de ser sócio de um clube escrevendo uma carta: mas só cessa de ser munícipe se deixar de residir no território do concelho). Nas primeiras, o indivíduo participa na elaboração do estatuto e tem acesso directo aos órgãos; nas segundas, aceita uma constituição preestabelecida e põe não ter controlo dos órgãos (autocracia), ou tem-no só de forma indirecta (democracia indirecta). Nas primeiras não existe em princípio (com muitas restrições históricas e actuais) o uso potencial da coacção para impor as decisões tomadas e o cumprimento das normas (embora possam existir sanções privadas judicialmente executórias); nas segundas, todo o comportamento social é marcado pela possibilidade de recurso a coacção para impor as decisões por via de autoridade.

Podem a este respeito fazer-se várias perguntas. Porque são certas actividades prosseguidas pela acção colectiva privada e outras pela acção colectiva pública? Como se decide sobre a quantidade do

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bem colectivo público a produzir e sobre a quantidade de recursos a afectar-lhe? Como distribuir os custos da provisão de bens colectivos entre os membros da colectividade? Como são tomadas as decisões colectivas, a partir das preferências individuais? Como são distribuídos os benefícios e os custos? Estes os problemas-chave da decisão financeira - que estudaremos, primeiro, quanto ao conteúdo, e depois na forma e nos órgãos.

A OPTIMIZAÇÃO SOCIAL E SEUS CRITÉRIOS TEÓRICOS

a) Critérios gerais

I. Porque e que há necessidades que são satisfeitas pela comodidade (ou pelo Estado), ao passo que outras o são pelas pessoas e pelos grupos?

O problema central da economia pública prende-se com os critérios de satisfação das necessidades dos indivíduos e da comunidade. Numa economia baseada no principio da liberdade de comportamentos descentralizados, que princípios e critérios determinam ai as necessidades que são satisfeitas pelos indivíduos e pela colectividade? Fundamentalmente, o mercado. Nele as pessoas confrontam entre si as respectivas possibilidades e necessidades: oferecem aquilo de que dispõem, procuram aquilo de que necessitam e confrontam o valor relativo através da licitação em público, mediante critérios que resultam na formação de equilíbrios de mercado (preços e quantidades), de equilíbrios internos do consumidor e do produtor, em relação a certos tipos de bens, bem como nos equilíbrios por sectores ou da economia em geral (equilíbrios parciais, equilíbrio económico geral).

Num sistema de economia de mercado a existência de bens produzidos fora do mercado resulta daquilo a que pode chamar-se incapacidade ou falha do mercado (market failure). Trata-se dos bens que, ou não são produzidos, ou para o serem em condições eficientes necessitam de uma actuação não movida pela lógica do mercado.

II. O Estudo teórico dos critérios de provisão pública de bens parte, como toda a teoria, de um certo número de pressupostos de base:

(a) Que nos encontramos numa sociedade politicamente organizada - isto e, na qual existe o Estado (ou outras entidades dotadas de poder politico);

(b) Que essa sociedade e constituída por indivíduos e grupos cujos padrões culturais são essencialmente competitivos (isto e, livres e

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rivais, buscando a satisfação individual e a eficiência), e não cooperativos, comunitários, solidários ou de outros tipos;

(c) Que, por isso, a atitude fundamental do Estado em relação a provisão de bens disponíveis será passiva e não activa;

(isto e, tratar-se-á de uma sociedade e uma economia descentralizada, cujas normas e instituições hão-de garantir a apropriação privada dos bens, a liberdade individual e as decisões descentralizadas (ao invés dos sistemas totalmente centralizados, em que toda a actividade seria - ou tenderia a ser - pública, integrando-se no publico o social, e no social o pessoal);

(d) Que nessa sociedade a afectação dos recursos se faz através dos mercados livres - tendencialmente em concorrência pura e perfeita, ou com formas de concorrência limitada -, e ainda que o mercado assegura a melhor satisfação possível dos consumidores (equilíbrio óptimo do produtor).

A melhor afectação dos recursos materiais raros susceptíveis de aplicações alternativas (bens económicos, incluindo coisas, realidades imateriais apropriáveis e serviços) resultará da liberdade de motivações dos agentes e do confronto livre dos seus interesses em mercado. Pressupõe-se ainda que os preços se fixem em níveis tais que o ajustamento da oferta a procura e feito automaticamente em cada momenta para todos os mercados, e que os agentes económicos oferecem os factores de produção (trabalho, recursos naturais, capital, factores imateriais) e obtêm assim um rendimento aplicável no consumo dos bens finais produzidos ou na aquisição de factores para novas produções futuras. Admitindo as leis técnicas da produção, uma dada estrutura de repartição dos recursos entre as pessoas e padrões de comportamento moderadamente, egoístas e racionais, e possível demonstrar que do funcionamento dos mercados resulta um conjunto de afectações de recursos - a produção e ao consumo pelo menos tão satisfatório para todos (se não mais) como qualquer outro conjunto de aplicações. Isto e, demonstra-se que o mercado tende a optimizar a afectação dos recursos - ou, o que e o mesmo, realiza a satisfação geral de todos e cada um, com o melhor nível possível de utilidade, nas condições e com os bens disponíveis (I).

III. Poderá dizer-se que esta teorização só e aplicável as economias de mercado: mas não se esqueça que, se estas condições de algum modo sintetizam a essência de capitalismo, delas também fluem as regras do planeamento e a lógica colectiva de um socialismo hedonista, inteiramente racional e industrial (I): o essencial da teoria e mais a sociedade hedonista do que o capitalismo. A sua estrutura pressupõe um sistema de economia de mercado - que não pode confundir-se com um qualquer sistema livre, em que o Estado se limita a mera garantia da ordem social e). Ora, este sistema tem, como se sabe, diversas limitações:

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(a) Desigualdade na distribuição da riqueza;

(b) instabilidade no conjunto de economia e em sectores específicos;

(c) custo crescente dos serviços públicos;

(d) situações monopolísticas abundantes e crescentes;

(e) actividades económicas que por reflexo beneficiam ou prejudicam outras (exterioridades: «externalidades»);

(f) provisão inadequada (insuficiente ou incorrecta) de bens públicos (nomeadamente colectivos);

(g) ma distribuição dos recursos entre presente e futuro (3).

A afectação de recursos neste sistema e dominada pelo principio de que os sujeitos não produzem nem obtêm por troca bens cujo custo de produção (desutilidade da sua obtenção) seja superior a utilidade que auferem. É possível demonstrar que a mais eficiente afectação de recursos e, como regra, a que tendencialmente se situa no ponto de igualdade entre o preço de cada bem e o seu custo marginal. A fixação de preços afastados deste nível terá como consequência que, se o preço for inferior ao custo marginal, isso maximizara o benefício do consumidor - mas a consequência e que a procura aumentará e fará subir os preços. Ao invés, se o preto for superior ao custo marginal, isso tendera a maximizar o benefício do produtor - mas a procura diminuirá e, sendo a oferta excessiva, o preto tendera a descer. Esta simples regra que explica o ajustamento das quantidades e dos valores, definindo o equilíbrio do produtor, o do consumidor e os dos mercados dos vários bens, e dai o equilíbrio económico geral5

b) A economia de bem-estar

1. A esta luz, a economia de bem-estar (com seus pressupostos de individualismo, racionalismo e hedonismo) fornece a melhor base de analise das situações em que o mercado não e capaz de satisfazer o melhor possível os interesses de todos os membros de uma comunidade. Ela explica teoricamente as regras para a

5 O quadro teórico do raciocínio e o da economia neoclássica, como se recordara do estudo da Economia; ele constitui 0 melhor quadro de racionalidade nos sistemas de economia de mercado: cf. O nosso artigo Neoclássica (escola), em Polis - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. IV, S.V., 1986.

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formulação de juízos de valor (que nunca podem derivar directamente e apenas de juízos de realidade: regra de Hume) sobre situações globais e finais de economia. Não se trata de dizer que «e melhor aumentar os impostos, porque...», ou que «estas despesas deve subir, senão...»; trata-se de dizer que uma certa situação global, para a colectividade ou para os seus membros - numa concepção de equilíbrio que não e mecanicista nem moralista (Rawls 6chamou-lhe de equilíbrio reflexivo e) - e, segundo critérios de bem-estar, melhor do que aquela outra situação. Nesse sentido, ao integrar fins, estas teorias chamar-se-ão normativas (ou melhor: teleológicas), em contraste com as meras análises descritivas, explicativas ou de «economia positiva».

II. A. C. PIGOU 7aplicou critérios de bem-estar ao estudo da distribuição de recursos entre sector publico e sector privado - como entre os sujeitos da economia em geral, partindo do principio de que cada individuo recebe utilidades da utilização (consumo) dos bens público, e que o pagamento de impostos para financiar esses

Esses bens e uma desutilidade para os indivíduos (pois e medido, em tem os de «custo de oportunidade», pelo consumo privado que ele e obrigado a sacrificar para pagar o imposto). Para cada pessoa, o ponto óptimo de oferta de bens públicos é o ponto em que a utilidade marginal dos bens públicos e igual a hostilidade marginal do imposto: se pagasse mais impostos, a sua utilidade marginal implicava mais sacrifício de que o beneficio obtido dos bens públicos; se pagasse menos impostos, então a utilidade do último bem privado corresponderia a desutilidade marginal do bem público que obtinha. Este princípio, aplicado - a todos os indivíduos, regera a afectação óptima dos recursos individuais entre bens privados e públicos: até ao equilíbrio imposto-bem público, há interesse em pagar mais impostos; depois, em receber menos bens públicos e não pagar mais impostos...

Esta concepção tem limitações. Toma a utilidade em termos cardinais e não apenas ordinais. Admite que as apreciações subjectivas são comparáveis. Não fornece nenhum mecanismo de agregação dos óptimos individuais para determinar um óptimo social. Ora, se a sociedade for tratada como se tratasse de um indivíduo, a igualdade entre a utilidade social do total dos bens públicos e, a desutilidade social de todos os impostos será o ponto da sua maior utilidade social - mas pode ou não coincidir com o

6 J. RAWLS, A theory of Justice, 1971, § 4.

7 A. C. PIGOU, The economy of welfare (antes com o titulo Wealth and Welfare), J.a ed., 1912; 4." ed., 1940; A study inpublicjinance, I." ed., 1928; 3." ed., 1930.

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ponto de maior utilidade (igualdade marginal individual) de cada indivíduo. Pode haver equilíbrio na sociedade sem que haja necessariamente equilíbrio individual.

Então, para PIGOU, a distribuição do sacrifício entre os indivíduos assentaria em duas ideias: o máximo de bem-estar social resultaria da igualdade entre todos, porque só então seriam iguais todas as satisfações marginais de todos os indivíduos; mas tal igualdade não pode existir, pois colocaria em risco a liberdade e tornaria impossível a manutenção de níveis elevados de poupança, que são essenciais para prolongar o bem-estar económico pelo crescimento e pela estabilização das flutuações económicas e). A distribuição da carga fiscal deve basear-se nos princípios de que os desiguais devem ser tratados desigualmente e que a redução das desigualdades aumenta o bem-estar geral: dai que o sacrifício fiscal deva ser repartido de acordo com a capacidade de cada um para pagar e que as despesas devam ser usadas pelo estado para redistribuir o bem-estar de forma mais igualitária.

III. PIGOU forneceu as bases para a tentativa, algo ambiciosa, de tentar definir os critérios de um óptimo social (máximo de bem-estar social), precisando em que condições e que da perda de utilidades para alguns membros da sociedade resultava uma melhoria de bem-estar social do conjunto. Menos ambiciosamente, iria construir-se (a partir da pesquisa de V. PARETO) uma explicação para a mera definição de critérios de melhoria do bem-estar (eficiência económica) em relação a situações anteriores, como efeito de decisões económicas pontuais (óptimo relativo ou óptimo de Pareto).

A definição de critérios de eficiência, analisando as situações da economia a luz dos critérios de bem-estar, e o campo próprio da economia de bem-estar. Para os clássicos, o bem-estar comum era a mera soma das utilidades individuais: quanto maiores estas fossem, maior seria o bem-estar. Na falta de um critério de medição comum das utilidades e desutilidades ou de comparação intersubjectiva das satisfações - inevitável escolho das concepções subjectivistas da economia, V. PARETO8 e E. BARONE e) formularam uma

8 Pela ordenação do bem-estar social Bergson-Samuelson. Cf. em geral: PARETO, Manual d'Economie Politique, ·I909; A. BERGSON, «A reformulation of certain aspects of welfare economics», em Quarterly Journal of Economics, vol. 66 (1938), pp. 366--384; P. SAMUELSON, Foundations of economic analysis, 1947, «Reaffirming the existence of «reasonable» Bergson-Samuelson social welfare funcctionsf>, em Economic Journal, 1960, pp. 197-265; R. SUGDEN, The political economy of public choice, 1981, cap. 3.

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concepção de bem-estar relativo, segundo a qual, numa situação dada, a determinação do bem-estar assentaria nos seguintes pressupostos:

- Cada pessoa é o melhor juiz possível do seu próprio bem-estar;

- O bem-estar social (Ug) e função apenas do bem-estar de cada um dos membros da sociedade: Ug = f (U1,U2, U3)... Un);

- Se o bem-estar de uma pessoa (i) É melhor na situação x do que na situação y, e se o bem-estar de todos os outros não é menor em nenhuma das duas, então 0 bem-estar social e maior na situação x do que na y.

Generalizando este critério, pode dizer-se que e «Pareto-efficient» - relativamente eficiente em termos paretianos - qualquer melhoria de bem-estar que não afecte a situação dos restantes membros da sociedade; uma situação (que correctamente não pode dizer-se «óptima») e eficiente quando não for possível/ nenhuma melhoria na situação de qualquer dos membros sem prejudicar os restantes C).

IV. As melhorias de bem-estar paretianas baseiam-se em dois teoremas fundamentais, que enunciaremos apenas:

1.0 – Se: a) as famílias e empresas actuarem de forma perfeitamente competitiva, tomando os preços como dados; b) houver um conjunto completo de mercados; c) houver perfeita informação: então um equilíbrio competitivo será eficiente em termos paretianos.

2.° - Se: a) as famílias e as curvas de indiferença; a dos consumidores e das empresas forem normais (convexas); b) houver um conjunto completo de mercados; c) houver perfeita informação; d) os impostos de soma fixa (isto e, aqueles que não podem sofrer qualquer influencia do comportamento dos contribuintes) e as transferências forem realizadas sem custos: então, qualquer afectação de recursos os eficiente em termos paretianos pode ser realizada em equilíbrio competitivo, com impostos e transferências adequadas e).

Nestes termos, uma melhoria paretiana e qualquer transformação que me/hora o bem-estar de pelo menos um individuo sem diminuir o dos demais; e uma situação é eficiente (óptimo relativo ou óptimo de Pareto) se não forem possível qualquer melhoria em termos paretianos.

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0 Estado tem para a teoria neo-clássica uma função própria de utilidade ou de preferência, da qual pode deduzir-se uma função de comportamento racional (função de reacção para a teoria dos jogos); Pareto veio estabelecer que aquela função de preferência colectiva se baseia exclusivamente nas funções de utilidade individuais, dando assim uma solução sua ao problema das relações entre o individual e o colectivo (problema da agregação).

É ainda possível definir as condições necessárias para um óptimo de Pareto. Tomemos como conceito prévio o de taxa marginal de substituição de um bem X por um bem Y, que e a quantidade de Y que um consumidor tem de sacrificar para compensar o ganho de uma utilidade (unidade marginal) de X, substituindo X por Y, de modo a manter o mesmo nível de satisfação do conjunto dos dois bens (o conceito e generalizável a n bens). As condições de Pareto são: Iº a taxa marginal de um dado par de bens deve ser idêntica para todos os consumidores que consomem esses bens: 2.° - a taxa marginal de substituição de um dado par de factores de produção deve ser a mesma para todos os bens em que esses factores são empregues; 3." - a taxa marginal de substituição de um dado par de bens para qualquer consumidor e a mesma que a taxa marginal de transferência desses dois bens na produção (isto e, a quantidade de um bem que e necessária para produzir uma unidade marginal de outro bem). Em concorrência perfeita, estas três condições devem verificar-se, existindo então um «óptimo de Pareto em 1.0 grau».

Fala-se, designadamente na elaboração da política económica, de óptimos de segundo grau (second best): quando, por virtude de um constrangimento, limitação ou dado de politica económica, não e possível realizar uma das condições de Pareto, então a melhor posição que pode atingir-se poderá determinar também a violação de outra ou todas as condições: estas, ainda que possam ser atingidas, podem deixar então de ser desejáveis9.

9 Podem distinguir-se diversos critérios de aferição do bem-estar igualitário (definindo condições mais restritivas, mas em termos bem diversos das de Pigou), dos quais o mais generalizado e o do maximin de Rawls, que define o nível óptimo, em cada situação, pela melhor situação possível para o menos favorecido dos sujeitos em confronto. Cf. RAWLS, A theory of Justice, 1972; R. NOZICK, Anarchy, State and Utopia, 1974; J. BUCHANAN, The limits of liberty, 1975; Para uma critica e mais bibliografia, SUGDEN, The political economy of public choice, 1981. A teoria do bem-estar e frequentemente omissa nos cursos de economia professados nas Faculdades de Direito: por isso se remete a exposição feita em MFP, I, 1974. Por outro lado, ela também o aspecto processual da tomada de decisões, desembocando então num terreno próximo da ciência politica: cf. inira § 4.°, p. 53.

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V. Com base nas concepções dos paretianos, tem sido possível avançar mais, integrando na definição do bem-estar, em simples termos de eficiência, a determinação das condições de justiça social. Assim, sem abandonar os pressupostos individualistas da analise de Pareto, e possível defender que 0 bem-estar depende, não apenas das preferências reveladas por cada um dos membros da sociedade, mas também da visão que ele tem das condições gerais de bem-estar, em consequência de a posição social das pessoas e dos grupos resultar como que de um novo contrato social, em que as pessoas negoceiam a sua entrada na sociedade em condições de desconhecimento concreto das condições sociais (véu de ignorância: Rawls), mas pressupondo uma certa ordenação da sociedade.

Em termos paretianos, e possível dizer que a situação w e melhor do que x, e y melhor do que z; mas não e possível comparar as restantes, o que significa que nenhuma solução e em absoluto a melhor de todas. Admitindo critérios de comparação intersubjectiva, que levam a projectar no bem-estar a concepção que cada um tem da melhor distribuição - entendida esta como a mais igualitária -, e possível então entender que w e melhor do que x, que e melhor do que y, que e melhor do que z. Passa-se então a considerar que não interessa apenas a afectação dos bens, mas também a sua distribuição óptima (logo, igualitária), para medir 0 bem-estar C).

CAUSAS DE INCAPACIDADE DO MERCADO

a) Razão de ordem

A esta luz que podem pesquisar-se os casos em que o mercado não e eficiente para criar a optimização em certas áreas. Importa, então, ou prescindir da respectiva utilidade, ou buscar outras formas de produzir os bens em causa. A primeira alternativa tomaria impossível a vida em sociedade; pois renunciaria as normas jurídicas, a defesa, a segurança, a ordem social bens sem os quais todos os outros não poderiam ser produzidos. Antes de ver como podem eles ser oferecidos, vejamos melhor quais as situações mais típicas de incapacidade de mercado e observemos que, muito provavelmente, as categorias mencionadas não se excluem, podendo cumular-se, em algum caso concreto, características de virias delas (').

b) Os bens colectivos

O primeiro caso é o dos bens colectivos (ou bens «puramente públicos» ou «públicos por natureza»), que são aqueles em que, para um determinado nível de existência ou provisão de bens, a

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utilização por uma pessoa não prejudica minimamente a utilização por qualquer outra: e 0 caso de um farol, da defesa nacional, do serviço de patrulha costeira, do funcionamento geral dos órgãos de soberania. Ao invés, os bens individuais - ou «puramente privados» - se são consumidos por uma pessoa em determinada quantidade, não podem ser consumidos por outra: o pão que A come não pode ser comido por B.

Podem enunciar-se assim as características típicas dos bens colectivos:

1. ° - Prestam, pela sua própria natureza, utilidades indivisíveis e proporcionam satisfação passiva (independente da procura em mercado: esta caracteriza a satisfação activa).

2.° - São bens não exclusivos, já que não é possível (em regra; pode haver, com maior ou menor custo, exclusão ou limitação artificial) privar alguém da sua utilização.

3. - São bens não emulativos: os utilizadores não entram em concorrência para conseguir a sua utilização.

Por força deste conjunto de circunstâncias pode afirmar-se que os bens colectivos nunca serão oferecidos em mercado por um particular: só serão criados, sustentados e oferecidos por sujeitos desinteressados e tendencialmente dotados de autoridade, que definam e imputem as utilidades que eles prestam e possam cobrar coactivamente o respectivo montante. Na verdade, se não for assim, quem custeia a provisão do bem não pode impedir que qualquer outro beneficie dele, e de graça (a «boleia», de «borla»: «free rider». Só um benemérito ou alguém que possa excluir os outros do acesso, ou forçar todos a pagar, já que todos podem beneficiar, o poderão oferecer.

c) Os custos decrescentes e o efeito de monopólio

A produção dos bens é normalmente regida pela lei das proporções definidas, segundo a qual existe um ponto óptimo nas combinações de factores produtivos em que o custo de produção por unidade é o mais baixo possível (exceptuados casos de melhoria por alteração da própria combinação produtiva ou de melhor técnica e/ ou produtividade, como as economias de escala). Até ao ponto óptimo, os custos de produção são normalmente decrescentes: isto é, o aumento de uma unidade de um factor de produção diminui o respectivo custo (marginal e médio). Alcançado ele, entra-se na fase dos custos crescentes, isto é, o custo da unidade marginal - e portanto o custo médio de cada unidade - vai aumentando com a adição de novas unidades do factor de produção.

Existem, todavia, certos tipos de actividades produtivas em que as coisas se não passam assim. Neles os custos diminuem sempre -

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uniformemente ou não, consoante a função de produção respectiva -, tornando-se assim mais eficiente ter uma empresa a produzir 100 unidades do que 10 empresas produzindo 10 unidades. Assim sendo, o número de empresas no sector tende a diminuir – porque a empresa maior pode sempre oferecer os bens a custo inferiores aos das restantes; as empresas tendem então a possuir um poder de monopólio ou oligopólio, que pode levar a situação de mercado a identificar-se com a própria situação de monopólio (de facto, se resultar simplesmente da falta de acesso das demais; legal, se resultar de obstáculos legais a entrada de outros competidores; ou natural, se resultar de só a empresa que oferece dispor do bem natural ou da tecnologia que condiciona a sua oferta). Havendo vários produtores, as empresas menos eficientes ver-se-ão obrigadas a descer o seu preço ate ao nível da mera cobertura do custo médio de produção (e, a médio prazo, tenderão a retirar-se do mercado por falta de poder competitivo, se o preço descer abaixo do custo médio, ou menor poder financeiro, se as perdas se prolongarem). Então, se houver poucos produtores concertados ou um só produtor - a situação estável final tendera a ser esta -, os preços tenderão a situar-se acima do nível normal do preço em concorrência (a diferença é o que teoricamente se chama «renda do monopolista»); e as empresas farão um sobre-lho, teoricamente apenas limitado pela sua capacidade de produção e pelas condições de elasticidade da procura. Ora, esse nível de produção é ineficiente, no sentido de não corresponder aos critérios de optimização geral da economia (que são definidos pela estrutura concorrencial do mercado), pois limita anormalmente o consumo. E em termos políticos, o prejuízo causado aos consumidores e a posição tendencial de monopólio exprimem essa ineficiência, concretizando-a em situações privadas que se não pautam pelas regras normais do mercado.

Estas situações ilustram uma concreta incapacidade do mercado: para restabelecer as regras do óptimo no mercado o Estado deve intervir, ou chamando a si a actividade, para baixar os preços em relação aos de um monopolista privado, ou limitando o preço por intervenção administrativa (fazendo-o baixar tendencialmente ao nível do custo marginal, definidor do equilíbrio em mercado concorrencial)·.

d) As exterioridades e a actividade pública

A interdependência entre as pessoas em sociedade gera situações difíceis de regular: na verdade, as decisões de um consumidor ou de um produtor reflectem-se por vezes - positiva ou negativamente sobre outras pessoas que com elas nada têm que ver: ora proporcionando-lhes utilidades externas (benefícios resultantes de comportamento alheio), ora impondo-lhes desutilidades externas (custos resultantes de comportamento alheio). Se eu ouvir musica muito alto em casa, tanto posso proporcionar aos vizinhos o

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benefício de me ouvirem (se tiverem 0 mesmo gosto que eu...), como impor-lhes o custo de renunciarem aos bens do silêncio e do sossego. Os tais efeitos chamam exterioridades (externalidades).10

Estes efeitos externos da interdependência social são bem diversificados. Eles assumem importância porque não podem limitar-se a definição dos limites do direito de propriedade e da liberdade individual, se não forem eles próprios objecto de uma negociação entre particulares (caso em que se tornam bens mercantis) e se não houver um processo legal e abstracto de regular a produção e apropriação de certos efeitos externos (no caso referido, pode haver direitos pessoais de intimidade a respeitar). Seria impossível estabelecer uma regulamentação social tão minuciosa que tentasse disciplinar todas as formas de efeito externo - ela suprimiria, na prática, a própria liberdade e diversidade humana.

Vejamos melhor.

Algumas actividades de consumo ou produção podem ter efeitos positivos (proporcionarem utilidades) sobre pessoas diversas das que as desenvolvem (benefícios externos); outras podem ter efeitos negativos (imporem sacrifícios), traduzindo-se então em custos externos e é claro que tanto podem afectar relações entre dois agentes sociais - pessoas ou grupos - como podem envolver múltiplas relações externas. Se a função de utilidade do senhor i for Ui e se A, B, etc., representarem actividades de produção ou consumo diversas, haverá uma exterioridade quando:

Ui X f (Ai, Bi, Aj)

Porque a utilidade de independe de actos seus. (Ai, Bi) de actos do senhor j (Aj).

Estes fenómenos de interdependência, extremamente frequentes, são fonte de desperdício para o seu produtor e criam bens mistos (em parte próprios, em parte de utilidade partilhada com outrem,

10 I) As exterioridades podern ainda ser tecnológicas (quando a produção ou o consumo de um agente económico se ref1ectem na produção ou no consumo de outro agente económico) ou pecuniárias (quando um comportamento influencia os preços e, por via destes, o bem-estar de outros produtores ou consumidores: a subida dos preços de uma empresa sobe os custos das outras ou altera o rendimento real dos consumidores): cf. BROWN e JACKSON, Public sector economics, cap. 2, por urna sintese.

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determinado ou indeterminado); assim geram benefícios sociais ou custos sociais.

Estes benefícios ou custos apenas redundam num problema de incapacidade do mercado quando não São tornados como objecto de negócio entre particulares, porque as pessoas envolvidas entendem que tal negociação seria excessivamente custosa para os intervenientes: os benefícios que resultariam de formar um mercado não seriam equivalentes aos custos de o formar. Perante esta situação, tanto pode suceder que a comunidade nada decida e os produtores da exterioridade tenham de resignar a vê-la aproveitada por outrem (um espectáculo que é observado de graça pelos vizinhos) como que os seus pacientes tenham de a suportar (o ruído de uma fábrica suportado pelos vizinhos). Ou pode suceder que o Estado ou a comunidade as tentem regular, estabelecendo regras gerais (é o caso das normas de Direito Civil em situações de vizinhança, por exemplo), regulações específicas (intervenção estadual) ou actuações estaduais (tributações do impositor do custo externo ou do beneficiário do proveito externo, despesa compensatória do paciente do custo extremo ou do produtor do beneficio extremo). E porque deve o Estado ou a comunidade intervir? Porque pode suceder que sem a sua intervenção se não realizem as condições do óptimo social: se a fábrica que polui não for tributada, em compensação do custo extremo da deterioração do ambiente que ocasiona a colectividade, produzirá a um nível que não é óptimo (produz demais, porque não contabiliza o custo social da poluição). E assim por diante...

A comunidade, ou o Estado, podem pois resolver estas situações de diversas formas: quando o fazem, não pela simples regulação de interesses entre os intervenientes, mas pela socialização da exterioridade (impondo custos compensadores do beneficio apropriado ou apropriando proveitos gerados), então tem cabimento a actividade financeira: financiando a educação de todos, que dá proveitos a sociedade, e não só ao próprio; impondo contribuições à empresa poluidora, que tira benefícios do custo que impõe a comunidade (quem polui, paga). São as exterioridades fortes, que tendem a tomar-se públicas.

e) Incerteza e risco na actividade económica

Não é apenas nas exterioridades puras que se geram caracteres não mercantis indesejáveis (1). Também em situações de risco e incerteza deparamos com casos deste tipo. Os riscos previsíveis da vida podem ser objecto das transacções mais diversas. Com efeito, quase não há contrato sem uma dose de risco (risco contratual, de crédito, cobertura do risco: seguro), ou em que o risco é elemento essencial (contratos aleatórios) ou importante (especulação financeira). Em todos estes casos, o risco é integrado pelos mecanismos do mercado. Todavia, há casos em que os riscos se

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tomam tão elevados, ou tão desproporcionados com as compensações ou os prémios pagos para segurar o risco, que não serve o método normal dos comportamentos livres: apesar de haver na população «arrisca dores» e «generosos do risco»; apesar de os riscos poderem ser assumidos individual ou colectivamente, reduzindo assim a probabilidade e o custo da compensação (fenómenos de mutualidade, por exemplo); apesar de as companhias de seguros poderem, com base no cálculo da probabilidade de riscos estatisticamente aferidos, aceitar assumir, em contrapartida de prémios de seguro, riscos objectivos (isto é, previsíveis por critérios de cálculo de probabilidades; quer assumindo os riscos na totalidade, quer partilhando-os com os segurados, para aumentar a sua atitude de responsabilidade e prevenção do risco)...

Há casos em que podem acorrer em massa à seguradora pessoas cujas condições objectivas são tão más que, pela multiplicação dos riscos, a forçam a elevar os prémios: então, os bons segurados podem fugir da companhia, assumindo por si os riscos; isto pode reduzir de tal maneira a procura que a companhia desistirá de segurar esse risco. É o caso, por exemplo, do seguro de reforma generalizado. Em outros casos, poderá haver uma incerteza, cuja probabilidade de verificação não pode ser aleatoriamente prevista: ela na será coberta pelas empresas seguradoras.

Sucede assim que as incertezas não cobertas pelo mercado; ou que o mercado apenas cobre por prémios muito elevados os riscos mais fortes para muitos membros da colectividade, que não podem ou não querem pagar esses prémios (doença, invalidez, velhice) cobrindo por prémios baixos os riscos menores. Existe aqui claramente incapacidade do mercado: e então - para alem das razoes distributivas e de justiça - a optimização só e possível se for assumida a cobertura dos riscos por entidades estranhas ao mercado (pense-se nas pensões de reforma da segurança social: quanto maior e a necessidade, maior será o preço das seguradoras: e os mais necessitados, que são os mais pobres, não poderão pagar esse seguro).

Hipótese análoga poderá ser a de um empreendimento produtivo socialmente útil, mas tão arriscado que nenhuma empresa ousa enfrentar a sua elevada incerteza: é esta a razão por que o Estado assume, só ou em associação, a iniciativa produtiva em muitas empresas de rendibilidade extremamente aleatórias

f) Outras situações

Podem conceber-se outros tipos de incapacidade do mercado, Um deles é a incapacidade macroeconómica. O equilíbrio económico geral não é sempre alcançado pelo simples funcionamento dos mercados em sociedades concretas; ainda que o fosse, não esta provado que o equilíbrio económico realize sempre o óptimo

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social. Então, a estabilidade (preços estáveis, emprego, equilíbrio externo) resultará, como KEYNES demonstrou, de uma acção sobre os agregados da economia, a qual só é possível através de políticas globais: definem-se então condições para a estabilização dos agregados globais, para a luta contra a desigualdade na distribuição do rendimento, para a qualidade da vida, o desenvolvimento ou a independência nacional (1). E então a incapacidade do mercado - agora em termos globais - que se revela. E a ela responde a política económico-social, produtora, ela própria de exterioridades (comportamentos obrigatórios em beneficio alheio) e de bens colectivos (alterações benéficas para todos na estrutura e na conjuntura económica) como resultado da acção do Estado. Um caso típico é o das políticas de redistribuição, que visam objectivos inalcançáveis pelo mercado.

De natureza semelhante, mas com sentido e instrumentos opostos, e a intervenção nas situações de doença ou morte dos requisitos constitutivos do próprio mercado, que também determinam a sua incapacidade, mas de formas que normalmente podem resolver-se por acções de reposição dos condições de mercado. O caso das coligações entre empresas para prejudicarem os consumidores, cuja inclusão na incapacidade de mercado (como causa de poder monopolista, em sentido amplo) tem dado origem a interessantes aprofundamentos; ou da insuficiente informação dos consumidores, por exemplo. Então, as deficiências do funcionamento do mercado suscitam acções do Estado tendentes a recriar condições normais de mercado, as quais tanto podem consistir em intervenções sobre o comportamento dos sujeitos individuais (defesa da concorrência, v.g.) como na sua actividade económica própria (finanças públicas).

A PROVISÃO PÚBLICA DE BENS

a) Formas de suprir as incapacidades do mercado

1. As incapacidades do mercado obrigam pois, para haver níveis aceitáveis de bem-estar social, a actuações correctivas e supletivas de sujeitos económicos não dominados pela lógica do mercado. Tomemos, por exemplo, o caso do farol, bem colectivo que nunca poderá ser produzido para mercado (pondo agora de lado as situações, menos claras, em que há «bens públicos impuros», cujo uso não é necessariamente colectivo, porque a exclusão se torna possível e a consequente imputação individual das satisfações também: auto-estradas com portagem). A sua criação e funcionamento é incompatível com as regras do mercado e, no entanto, a necessidade do farol é sentida por todos os que fazem navegação costeira. As utilidades que ele presta não podem ser imputadas a um deterrninado sujeito económico que possa como tal

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pagar a sua criação ou funcionamento, mas são sentidas por todos. Todos o podem usar, sem se prejudicarem uns aos outros nem poderem ser obrigados a pagar para isso.

Suponhamos que um particular resolve - apesar do elevadíssimo custo - construir o farol, porque tem navios que precisam de o utilizar. Ele vai então financiá-lo sozinho, e não pode obter sequer compensação de todos os que o usam: porque o uso do farol é livre para todos os que o vêem e assim o utilizam, à boleia» do construtor do farol. Este só poderia ressarcir-se do custo que suportou para criar este bem disponível para toda a comunidade (ou para número indeterminado de sujeitos) se dispusesse de poder de autoridade, cobrando taxas dos navios que passassem junto da costa ou vedando-lhes o acesso à zona de visibilidade; ora, os particulares não o podem fazer. Ou, então, o mero interesse egoísta chega para financiar o uso do bem: o caminho municipal que conduz à quinta do Sr. Alberto financiado pelo dono da quinta é acessível a todos: pode ser usado por todos, mas o Sr. Alberto além de ser considerado benemérito, fica compensado pelo proveito que tira do caminho. Todavia, isto só sucederá, em regra, com pessoas altruístas e com bens cujo custo de produção ou provisão não seja excessivamente elevado, Pode ainda suceder que vários interessados se associem para construir o caminho de acesso às suas quintas: mas não poderão, se tratar de vias públicas, vedar a utilização a outros, pelo que alguns se sentirão tentados a não participar, beneficiando da obra comum; ou então tentarão cobrar um pedalo ou portagem, ou vedar o acesso aos outros - o que só o poder público pode consentir ou Impor.

Assim, sucederá que bens úteis e necessários não estejam disponíveis, admitindo que todos se motivam pela lógica egoísta da maximização da utilidade individual (se introduzirmos a lógica do benfeitor, ele poderá produzir bens úteis a outros e doá-los ou colocá-los a disposição de outrem; se o benfeitor for ditador... então poderá servir de «modelo elementar» da actuação do Estado). Em tais casos, todos podem cooperar na criação do bem, porque o custo da cooperação é inferior ao de ficarem sem o bem; mas basta que um deles recuse cooperar para que não exista o bem, pelo que a sua provisão ocorrerá raramente. Ou o bem será transformado (ou substituído por) em um bem privado, oferecido apenas aos que cooperem para a sua disponibilidade e de cujo uso estão excluídos outros: caso de uma brigada de bombeiros que apenas socorra os acidentes ocorridos em prédios dos seus contribuintes (é então necessário que a contribuição seja proporcional a utilidade recebida). Ou pode ainda suceder que o bem seja transformado num acessório de um bem puramente privado, fornecido conjuntamente com aquele bem colectivo (um sindicato pode dar segurança aos seus membros, no emprego, por exemplo, e por causa disso prestar outras utilidades. comuns: estas são, em

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princípio, sempre acessórias e dificilmente dissociáveis da utilidade principal).

Na maior parte dos casos estas fórmulas não são satisfatórias. Então, resta apenas a cooperação ou a coacção (legítima ou de facto; efectiva ou potencial). Assim, fora dos casos em que seja possível a cooperação ou a exclusão do grupo, há que recorrer ao uso da autoridade para produzir os bens necessários.

II. 0 Problema não surge apenas no momento da produção do bem, mas no da utilização (ambas formas de provisão para uso público). É célebre o exemplo da relva comum, dado por DAVID HUME . Os proprietários de uma relva comum podem utilizá-la em comum, isto é, sem recorrerem a qualquer forma societária (que admitiria que alguém cedesse a sua posição a outrem). Sucederá então que todos ou alguns usem excessivamente a relva: não existe uma autoridade (excepto por imposição de lei que dê tal poder aos condóminos) capaz de restringir o acesso, salvo acordo de todos nesse sentido (mais que não seja, acordando na regra da maioria para assegurar a gestão). Pode suceder que, se todos quiserem usar excessivamente a relva (o mau usa do bem comum também faz parte da noção teórica de «boleia» nos bens públicos), esse interesse a curto prazo prejudique o interesse a longo prazo de dispor da relva. É evidente então a necessidade de uma autoridade - ou dimanada do grupo utilizador ou exterior a ele (2).

III. Os exemplos dados demonstram os limites do altruísmo. Eles servem também para mostrar até onde pode, no âmbito do sistema capitalista, confiar-se nas soluções cooperativas (contratuais ou institucionais; cooperativas de produção ou de serviços; associações de utilidade colectiva - «clubes», etc.), que não dão suficiente lugar ao egoísmo nem dispõem de poder bastante para ultrapassarem dimensões modestas e problemas relativamente simples, não pertinentes as áreas fundamentais da vida em comunidade. Estas só são resolvidas pelo mercado ou pelo poder11, enquanto não mudar, se puder mudar, o comportamento humano...

IV. Por outro lado, o poder de iniciativa e auto organização é também, nas sociedades massificadas do mundo moderno, limitado: a sociedade produz mais facilmente bens imateriais (bens de cultura e civilização); no domínio dos bens materiais e dos actos

11 A teoria económica das formas de associação avançou do Estado e das coligações para a teoria económica dos clubes - formas de cooperação organizada que os membros aceitam ou rejeitam em bloco: cf. J. BUCHANAN, «An economic theory of clubs», ern Economica, 1965, pp. 1-14; e o artigo citado supra.

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de força, é em regra do Estado que se socorre para resolver problemas mais complexos, inacessíveis ao mercado.

b) O Estado e os bens públicos

Os casos de incapacidade do mercado geram pois situações que, normalmente, e apenas a intervenção de entidades públicas, das quais tomaremos o Estado como protótipo, que permite realizar o bem-estar social, em termos que todos achem desejáveis (2).

É necessário que haja condições sem as quais não existiria a própria colectividade: os serviços políticos, legislativos e de justiça, a defesa, a segurança, certos serviços administrativos gerais, a diplomacia e política extrema, certas infra-estruturas materiais e imateriais. Eis casos de bens colectivos. E necessário gerir, no interesse de todos, os bens cuja provisão tem custos uniformemente decrescentes, que são em regra bens de utilização indivisível, nos quais não existe um problema de superlotação (dentro de certos limites técnicos, fornecer mais um ou menos um é indiferente; embora possa haver imputação dos benefícios individuais, para possibilitar a cobertura dos custos, para limitar o acesso, ou por outros motivos): e o caso do saneamento básico, das vias de comunicação (estradas, pontes), da electricidade e água, de outras infra-estruturas urbanas, de grandes obras de infra-estrutura rural (canais e barragens de rega), etc. É imperativo que o Estado intervenha para socializar as exterioridades, custeando a educação dos mais pobres, financiando a saúde, defendendo o ambiente, cultivando as florestas, etc. É necessário que o Estado assuma riscos de diversos tipos: lançando empreendimentos industriais de grande risco ou criando sistemas de segurança social. Só ele tem meios para traçar e executar politicas económico-sociais e defender o mercado da concorrência destruidora.

A provisão destes bens públicos pode e deve ser feita pelo Estado por diversas razões:

(1) Ele tem uma perspectiva de interesse geral, ou, pelo menos, os seus órgãos e os detentores do poder confrontam-se com o conjunto da sociedade à luz de critérios de interesse geral.

(2) Tem uma perspectiva temporal ilimitada e uma capacidade de risco superior à dos outros grupos ou associações contratuais.

(3) Dispõe de poder de autoridade para impor regras de utilização dos bens e seu financiamento (coacção, no seu aspecto sociológico).

(4) Tem por via de regra, em cada comunidade, dimensão que lhe possibilita empreender esforços que não estão ao alcance de instituições ou pessoas privadas e que a comunidade inorganicamente não pode resolver com êxito.

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c) Formas de actuação financeira

Existem assim situações em que há bens públicos (puros ou mistos) que são objecto de actuações económicas do Estado destinadas a criar condições de maior bem-estar económico e social. Estas actuações têm dois momentos distintos:

I) A provisão do bem nas condições adequadas a obtenção da satisfação óptima: isso faz-se prestando serviços públicos ou colocando bens a disposição da colectividade, com carácter duradouro (património estadual) ou em cada ano (despesas públicas). Observar-se-á que em alguns casos se trata de actividades sem as quais não haveria Estado; a defesa do prestígio e autoridade do Estado pode levar a proibir a existência de exércitos privados (mas porventura não de serviços privados de segurança - hoje em expansão, concorrendo com os policiais ou suprindo-os, e fornecendo bens privados a par do bem público da segurança). Mas isso demonstra, por um lado, que os critérios de decisão do Estado, sendo economicamente racionais, são fundamentalmente polípticos: aqui se pode entender que o ensino deve ser todo público, ali predominantemente privado, além concorrencial (inter-sectores). Demonstra, por outro lado, como própria lógica do liberalismo leva, em sociedades industriais, ao aparecimento de um aparelho estadual forte, por razões inerentes ao processo complexo de satisfação das necessidades sociais, ainda que se concentre num número restrito e pouco ponderosa de actividades.

2) A obtenção dos recursos necessários a assegurar a provisão dos bens (financiamento: receitas públicas), tanto no que se refere a sua obtenção originária como a manutenção dos bens e a prestação dos serviços públicos.

O recurso à coacção é a forma mais normal de financiar a provisão pública de bens: a imposição, a todos os cidadãos, segundo critérios diversos, de um sacrifício patrimonial para financiar os bens de que, em principio, todos podem beneficiar (individualmente ou por grupos; efectiva ou potencialmente) e o modo típico de obter recursos, que é acessível apenas ao Estado e outras entidades públicas.12A forma mais normal será recorrer a receitas que têm como único fundamento - ou contrapartida - a possibilidade de ter acesso ao uso dos bens públicos: tributos ou impostos. Os bens e serviços podem ser pagos por preços ou receitas equivalentes. Ou podem ser financiados por donativos ao Estado. Ou podem - então como mera antecipação de receitas futuras - ser financiados pelo recurso ao crédito. Estas são as principais fontes de financiamento

12 Dai a ligação entre finanças públicas, autoridade e coacção (MAFFEO PANTALEONI; cf. SOUSA FRANCO, MFP (r), pp. 20 e 55.).

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da provisão de bens públicos - e a importância da sua problemática é evidente nas finanças públicas.

d) Bens públicos e bens privados

A provisão de bens por entidades públicas e privadas não corresponde, no actual e complexo modelo social, a uma relação rígida de correspondência entre tipos de bens e entidades que os produzem. Assim, quanto aos bens colectivos13:

(a1) Os bens colectivos são normalmente fornecidos por entidades públicas;

(a2) Pode haver bens colectivos excepcionalmente produzidos por entidades privadas como tais (1), por altruísmo ou interesse próprio (utilidade individual conjunta; mecenato);

(a3) Pode haver provisão conjunta ou por iniciativa comum de bens colectivos por entidades públicas e privadas, caso em que, em regra, a decisão fundamental será pública, contando com a colaboração privada.

E quanto a provisão de bens individuais:

(b I) Pode haver bens individuais oferecidos por entidades públicas: ou por pura lógica política (certas empresas publicas) ou porque a sua produção é necessária para socializar exterioridades ou obviar a outras causas de incapacidade do mercado;

(b2) Pode haver bens individuais objecto de provisão mista (caso muito frequente), paralela ou comum;

(b3) A generalidade dos bens individuais tende a ser objecto de provisão privada14.

13 Isto é, sem agirem como mandatários ou executores de entidades públicas.

14 E, quando assim deixar de ser - pelo acesso ao consumo de massa, conjugada com a alteração das prioridades e teor das necessidades, pela concentração das empresas e generalização dos custos decrescentes, pela generalizada substituição do mercado pelos planos, pela expansão do poder económico, que pode criar exteriormente negativas - então o próprio sistema da economia de mercado esta em causa. A análise de J. K. GALBRAITH tem demonstrado a existência de alguns dos factores acima referidos: The affluent society, 1958, The new industrial state, 1967, Econoomics and the public purpose, 1970; cf. «Galbraith J. K.)),

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Consoante a entidade que oferece os bens, falaremos de bens públicos, nos casos de bens oferecidos por entidades públicas (a1l e b1); de bens privados, nos casos de bens oferecidos por entidades privadas (a2 e b2); e de bens mistos nos casos (a3 e b3), excepto quando a cooperação entidade privada não retire ao bem a natureza pública (então, o bem será em regra público; e, quando a cobertura pública de certos custos não alterar o carácter privado do bem e do agente, será privado).

Sublinhe-se enfim que ao considerar a actividade tendente a satisfação de necessidades pelas entidades públicas, e outras a elas equiparadas, fala-se de sector público (infra, cap. III), o qual constitui objecto essencial, no conjunto das suas actuações económicas, da actividade financeira e da Ciência das Finanças.

R. MUSGRAVE usou a expressão bens de mérito para designar os bens privados destinados a utilização individual e oferecidos por entidades públicas, devido a elevadas exterioridades de consumo e por ser importante que exista um elevado nível de consumo individual desses bens. Nestes casos, o juízo dos governantes pode facilmente divergir do próprio juízo dos interessados.

II. Note-se que a economia pública não interessa tanto quem produz ou cria os bens, quem os oferece no mercado, quando começam a ser utilizados - mas quem os coloca a disposição da entidade utilizadora, que em principio e a colectividade (provisão dos bens), e quem promove o respectivo financiamento.

A produção dos bens pode resultar da intervenção de diversos tipos de entidades públicas, como intérpretes de necessidades da colectividade ou portadoras de necessidades próprias. No âmbito da escolha por critérios de decisão social, ela pode fazer-se por diversas formas: pela provisão do bem por uma entidade pública (ainda que o tenha adquirido a uma entidade privada) ou pela provisão de entidades privadas que actuam como representantes, executoras ou mandatárias de entidades públicas. As empresas privadas concessionárias de bens públicos actuam como se fossem entidades públicas (como o seriam as entidades concessionarias da gestão de empresas públicas): para a colectividade e os particulares elas sã órgãos do Estado, ainda que possuam, na relação com o Estado ou a entidade concedente, interesses privados e tenham internamente uma estrutura privada.

em EnciclopMia Verba, S.V. e W. BAUMOL e A. BUNDER, Economics: principles and policy, 1979, pp. 818-824.

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As formas de publicitação de actividades podem ser totais ou parciais: na actividade de educação de haver publicação parcial na concessão de subsídios a escolas privadas ou na constituição de entidades mistas responsáveis por escolas, tornando assim pública parte do custo (correspondente a exterioridade forte do bem educação, entendido como criação capital humano para a colectividade); ou pode ser prestada integralmente por uma entidade pública (escola pública, financiada com preços, taxas ou impostos...).

Neste sentido, o próprio pão - cujos preços foram largamente mantidos de forma artificial para concessão de diversos subsídios do Fundo de Abastecimento e outras fontes públicas - pode ser um bem em cuja composição entraram custos (tornados) públicos, porque financiados pela colectividade em função de um critério de benefício social (exterioridade resultante da política de abastecimento público a baixo preço dos bens essenciais ou de subsistência).

Observe-se, enfim, que até a produção de normas gerais - ordenação e a interferência no comportamento dos sujeitos económicos - intervenção podem constituir criação de bens públicos: quer porque se trata de bens colectivos (típico é o caso da norma jurídica), quer porque se trata de exterioridades positivas de comportamentos impostos aos sujeitos (caso da intervenção económica com constrangimento imposto ao comportamento de particulares).

A ACTIVIDADE FINANCEIRA E SEUS CRITERIOS FINALISTAS

a) Os princípios doutrinários e políticos da actividade financeira

Sujeita que está a estes critérios fundamentais numa economia descentralizada de mercado, a actividade financeira nem por isso deixa de ser regida por critérios essencialmente políticos: é de decisões política - embora não subtraídas a uma racionalidade económica - que em última instância se trata.

Estas estão, pois, submetidas a critérios doutrinários e ideológicos acerca do desenvolvimento da vida social, designadamente no campo económico, mesmo em sistemas capitalistas; são profundamente influenciadas pela época histórica em que ocorrem Por outro lado, sempre se sujeitam a um princípio de equilíbrio entre bens públicos e bens privados, tendente a definir, em cada sociedade os óptimos sociais de provisão relativa dos bens públicos

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e de dimensão global do sector público (nomeadamente o sacrifício imposto pelo Estado através da tributação, que e nas sociedades modernas melhor índice sintético da relação público-privado).

Elas implicam ainda uma opção de sistema, conexa com os do problemas da concepção doutrinaria político-económica e da dimensão do sector publico - bem como das respectivas escolhas cone tas. Autores como MILTON FRIEDMAN, F. YON HAYEK e outros têm demonstrado como a socialização operada pelo crescimento do sector público e das necessidades satisfeitas de forma pública põe e risco os valores liberais, entendidos, em muitos casos, como o conjunto indissociável das concepções juízos políticos, económicos sociais do liberalismo. Já SCHUMPETER mostrou como a evolução da organização empresarial se orientava no sentido da instauração evolutiva de uma certa forma de socialismo, pela gradual transformação interna do capitalismo. Mas, ao invés, é evidente que os critérios usados, para além de respeitarem o princípio da supletividade pública, integram um preconceito implícito favorável ao sector privado, que é regra e fornece os padrões de normal funcionamento em economias de mercado.

Tudo depende, pois, de opções de princípio e de fins gerais que elas ditam a actividade financeira; a pretensão de apresentar explicações científicas compatíveis com o comportamento do Estado na sociedade industrial não dispensa de ter isto bem claro, como enquadramento doutrinário ou ideológico de uma teoria que, não obstante, e a mais ajustada a uma dada realidade. Há, por certo, argumentos teoricamente fundados (v.g. 0 mercado orienta a produção com eficiência, mas não distribui a riqueza com justiça); as soluções globais são, porém, sempre doutrinárias no plano das ideias e politicas no dos actos.

b) Funções do sistema financeiro

1. O sistema financeiro exerce funções que podem constituir fins possíveis da sua gestão, mas sobretudo configuram grandes tipos de efeitos objectivos resultantes do respectivo funcionamento. Claro que a análise das funções globais do sistema financeiro compreenderia, de forma mais ou menos discriminada, uma referência as funções sociais do Estado, que lhe cumpre prosseguir.

"II. Parece útil limitar a análise ao domínio económico. Uma contribuição decisiva que a tal perspectiva foi dada deve-se a RICHARD MUSGRAVE. Restringindo-se a actividade orçamental (recursos de rendimento do Estado - receitas e despesas; mas a teoria poderia generalizar-se porventura, com formulação diversa, ao património), distinguiu este autor três «sub-orçamentos» ou ramos de actividade em que ela assumiria relevância. As questões suscitadas pela gestão e efeitos do sistema financeiro seriam, para MUSGRAVE, de três ordens: afectação de recursos, distribuição da

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riqueza, estabilização económica. A primeira função seria constituída pela satisfação de necessidades públicas ou, mais precisamente, pela realização dos necessários ajustamentos a afectação de recursos operada pelo mercado. A segunda traduzir-se-ia na alteração da repartição da riqueza entre os diversos sujeitos e sectores da economia, consoante os padrões de justiça adoptados. A função de estabilização, por seu lado, consistiria na obtenção de um alto nível de utilização dos recursos da economia, uma estabilidade razoável do nível geral de preços e o equilíbrio externo da economia.

A primeira seria a função clássica - sobre ela nos temos debruçado sobremaneira; as duas últimas foram focadas sobretudo em tempos mais recentes. Cada função tem seus princípios próprios, ditados por objectivos específicos e pelas regras que regem o ajustamento do sistema financeiro a economia global: O orçamento, na totalidade das receitas e despesas, obedece a dados princípios e produz certos efeitos sobre a afectação dos recursos; mas também ele, na sua totalidade, produz efeitos diferentes sobre a distribuição e a estabilização. O planeamento das receitas e despesas haverá de ser feito, em referência a cada função, com pressuposição do equilíbrio neutral das outras duas; os efeitos de afectação, distribuição e estabilização produzem-se sempre quando há actividade financeira, embora possam ser deliberadamente provocados ou resultem apenas da própria estrutura do orçamento. O orçamento provoca sempre efeitos estabilizadores ou desestabilizadores; mas pode ser objecto da busca deliberada de um efeito estabilizador, ou omitirá porventura tal efeito.

III. A visão de MUSGRAVE e particularmente relevante para o entendimento das relações da actividade financeira com o funcionamento da economia e do sistema social. Pelo simples facto de existir - e, globalmente, é a prossecução de uma finalidade de afectação de bens que antes de mais a justifica - ela terá de exercer estas funções, com os correspondentes efeitos (fortes ou fracos, positivos ou negativos) sobre a economia. Ela pode ser criticada por não integrar o crescimento da economia - mas e possível incluir este numa ampla noção de estabilização. Pode entender-se que na prática, a distinção entre as três funções não pode fazer-se com clareza. É possível reconduzi-las teoricamente a duas categorias: eficiência (afectação óptima dos recursos) e «equidade», ou melhor justiça (ajustamento a um padrão predeterminado de repartição entre sujeitos ou sectores) - sendo a primeira própria de uma concepção explicativa e a segunda de uma concepção teleológica (normativa). Pode entender-se, com BUCHANAN, que ela assenta em critérios contraditórios.

IV. O Critério, todavia, permite utilmente distinguir os seguintes grandes efeitos ou ópticas relevantes em relação a actividade financeira:

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(I) Afectação de recursos: atribuição eficiente de recursos sociais apropriados pelo Estado a provisão de bens públicos, incluindo a função de segurança do Estado.

(2) Distribuição de recursos: repartição, em conformidade com critérios dados, dos recursos existentes entre os membros da sociedade.

(3) Objectivos macroeconómicos, designadamente:

- Estabilização: manutenção de um nível satisfatório de actividade económica, assegurando a expansão em equilíbrio, a plena utilização dos recursos e a estabilidade da moeda.

- Crescimento e reformas estruturais: aumento do potencial produtivo nacional, garantindo assim a manutenção ou intensificação da expansão em períodos longos, e outras formas de remodelação das estruturas económico-sociais.

c) Funções financeiras e extra financeiros

A actividade financeira pode prosseguir funções financeiras - atinentes a mais eficiente satisfação possível das necessidades resultantes da incapacidade do mercado, e necessidades extrafiinanceiras, os que se prendem com os outros fins públicos gerais que podem ser prosseguidos tomando como meio a actividade financeira e seus instrumentos e instituições, ao serviço, designadamente, das políticas económico-sociais do Estado. O aproveitamento e a gestão deliberada das outras funções caracterizam as finanças funcionais; e a redução ao mínimo dos efeitos caracteriza as finanças neutrais. Assim, o Estado constrói pontes, ministra ensino, adquire armas para satisfazer necessidades públicas; mas novas necessidades públicas, de segundo grau - passarão a ser satisfeitas se ele se propuser, ao mesmo tempo que constrói a estrada, criar emprego; ou se reduzir as despes as militares para travar a inflação... Se, globalmente, as funções existirão sempre, parece que a gestão mais intencional dos orçamentos segundo óptica redistributiva ou estabilizadora determina uma diversificação e alargamento do seu conteúdo; e, considerando cada decisão de per si, muitas despesas e receitas poderão ser determinadas exclusivamente por fins de estabilização ou redistribuição correctiva - embora também produzam necessariamente efeitos em sede de afectação de recursos.

EXERCÍCIOS PRÁTICOS I 1) “A expressão Finanças Públicas pode ser utilizada em três

sentidos fundamentais.”

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a) Diga quais são e fale resumidamente sobre cada um deles.

2) Estabeleça a diferença entre Economia Privada e a Economia Pública, tendo como base o conhecimento sobre o conceito de Economia Social.

3) “ A actividade econômica, entendida como o processo orgânico de satisfação de necessidades humanas mediante a afectação de bens materiais raros afins alternativos, a sua relação pode ser de três tipos principais.” a) Diga quais são os tipos de relações existentes e suas

diferenças.

4) Enuncie as características típicas dos bens colectivos.

5) “A provisão de bens públicos pode e deve ser feita pelo estado por diversas razoes que se perdem com o interesse geral.” Comente esta afirmação.

CORRECÇÃO DE EXERCÍCIOS 1. A expressão Finanças Públicas pode ser entendida em três

sentidos, que são:

a) Sentido Orgânico

b) Sentido Objectivo

c) Sentido Subjectivo

2. A economia privada é o sistema que se baseia no livre comportamento dos agentes económicos e em equilíbrios, por eles, livremente estabelecidos, de acordo com os seus próprios interesses, mas conformados com transparência, e tem como instrumentos fundamentais, os contratos e como instituição básica de apropriação dos bens produtivos ou de consumo, a propriedade privada.

Enquanto a economia pública assenta, na existência de uma solidariedade organizada e dotada de poder político, numa lógica de direcção económica mais ou menos planeada, com formas de apropriação dos bens pela sociedade através dos órgãos políticos e juízos colectivos de utilidade.

46 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

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3. A actividade económica entendida, como acima se refere, pode ser entendida como:

• Ordenação económica; • Intervenção económica; • Actuação económica

4. As características típicas dos bens colectivos são as

seguintes:

Prestam, pela sua própria natureza, utilidades indivisíveis e proporcionam satisfação passiva (independentemente da procura no mercado: esta caracteriza a satisfação activa).

São bens não exclusivos, já que não é possível privar alguém da sua utilização.

São bens não emulativos, isto é, os utilizadores não entram em concorrência para conseguir a sua utilização.

5. Dizer que é um facto que a provisão dos bens públicos tenha que ser realizado pelo estado, porque ele tem como perspectiva o interesse geral, ou, pelo menos, os seus órgãos e os detectores do poder confrontam-se com o conjunto da sociedade a luz de critérios de intervenção geral; Dispõe também de poder de autoridade para impor regras de utilização e funcionamento dos bens, e ter por via de regra, em cada comunidade, uma dimensão que lhe possibilita empreender esforços que não estão ao alcance de instituições ou pessoas privadas e que a comunidade inorgânica não pode resolver com êxito.

CAPÍTULO II - FINANÇAS, DOUTRINAS E SISTEMAS ECONÓMICOS

Neste capitulo o estudante será capaz de:

• Entender as relações existentes entre finanças públicas e os sistemas económicos – sociais, tomando em consideração, que pela sua própria definição a actividade financeira configura-se de forma diferente, consoante o sistema económico em que se concretiza.

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1. AS FINANÇAS PÚBLICAS E OS SISTEMAS ECONÓMICO-SOCIAIS

a) Sistemas e estrutura

I. Pela sua própria definição a actividade financeira configura-se de forma diferente, consoante o sistema económico-social em que se concretiza.

II. Importa precisar - muito brevemente - o que se entende por sistema económico abstracto, estrutura económica e sistema concreto,

Temos de partir, para os definir, da noção fundamental de sistema - um conjunto de elementos unidos por um conjunto de relações. Os sistemas económicos, em geral, são formas típicas e globais de organização e funcionamento da sociedade em geral (sistemas sociais) e da sua actividade económica em especial. Os sistemas socioeconómicos são inspirados por concepções valorativas da sociedade (doutrinas ou, na sua versão sintética e orientada para a pratica social, ideologias) e são condicionados pelas estruturas sociais (naturais, socioculturais, políticas, económicas), cujos modelos de organização são bem diversos.

Por sistema abstracto entendemos um tipo ideal de organização e funcionamento de uma sociedade, que pode estruturar-se, em princípio, de harmonia com duas ideias distintas: a ideia de economia descentralizada livre e a de direcção central total. Tanto uma com outra correspondem, em qualquer caso, a princípios abstractos puros, já que nunca existirá uma economia completamente livre de qualquer orientação ou intervenção central; nem, por outro lado, há uma total direcção estatal. Os sistemas abstractos confrontam – se precisamente com realidades concretas, que são as estruturas sócio -económicas.

Por estruturas socioeconómicas entendemos a forma como configuram numa dada economia, quer os seus elementos extra-económicos (condições geográficas, demográficas, institucionais, etc.), quer os elementos económicos permanentes: as estruturas da produção, da repartição, da circulação e do consumo (estruturas económicas).

Um último conceito a reter é o do sistema concreto - tipo de organização e funcionamento da actividade económica, suficientemente diferenciado dos outros e aplicável em diferentes estruturas.

Trata-se aqui de escolher um determinado número de características que se consideram suficientemente típicas para caracterizar o sistema e, no entanto, suficientemente genéricas para serem aplicáveis a várias economias concretas.

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É neste sentido que se pode falar em economias capitalistas (ou de mercado), usando um conceito que cobre uma gama de situações muito distintas, mas que tem de comum um certo tipo de instituições típicas e leis económicas fundamentais.

Definido o sistema económico, importa ver como se caracterizam os fenómenos financeiros nos grandes sistemas concretos.

b) Sistemas pré-industriais e sistemas da sociedade industrial

Para efeitos de delimitação dos sistemas económicos concretos, a rotura fundamental estabelece-se em torno da revolução industrial, que constitui um marco de separação histórica para a sociedade moderna, na medida em que veio introduzir profundas alterações nas instituições, nas técnicas e até na forma vital e psicológica como as pessoas encaram a actividade económica15.

Temos de optar aqui em exclusivo pelos sistemas saídos da revolução industrial, embora se aconselhe vivamente o estudo dos sistemas prê-industriais16; o da economia dominial, com caracteres de arcaísmo social e cultural e de direcção central do processo económico (patentes quer na economia tribal quer na feudal) e o da economia urbana (tanto no modelo de economia greco-latina como nas economias nacionais do século XV ao século XVIII europeus e em diversas economias mais evoluídas extra-europeias·.

A revolução industrial produziu modificações fundamentais nas técnicas de produção, nas mentalidades, nos comportamentos e nas instituições económicas. É a partir dela que pode falar-se nos actuais sistemas económicos dominantes: capitalismo e colectivismo - os quais, apesar de todas as suas diferenças têm, entre si, alguns traços comuns, que correspondem aos caracteres da sociedade industrial17: trata-se de sistemas dominados pela predominância de idênticos factores fundamentais, como a sujeição a uma tecnologia complexa, evoluía, dinâmica e integrada com o saber científico, a existência de motivações hedonísticas e materialistas nos agentes económicos e a adopção de atitudes

15 Sobre o conceito e as modalidades de sistemas económicos cfr., por todos, SOUSA FRANCO, Noções de Direito da Economia, I, 1982-83, pp. 94 sS. AVELAS UNES, OS sistemas económicos, 1975; SOUSA FRANCO, «Capitalismo», em Enciclopedia poliss, s.y., e «Sistema», «Liberalismo) e «Intervencionismo», em Enciclopedia Verbo, S.Y. (com abundante bibiiografia).

16 Veja-se SOUSA FRANCO, MFP (r), pp. 149-161

17 Conceito aprofundado por autores tao diversos como Max Weber, Daniel Bell, Raymond Aron e Herbert Marcuse

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económicas activas (predomínio da indústria e dos serviços sobre o sector primário.

Diferentes embora no espírito e na ideologia, sistema capitalista e sistema colectivista·. São ambos modelos saídos da revolução industrial: não serão gémeos, mas São irmãos...

Entre 1917 (revolução russa) e a «descolonização», que pode datar-se de 1989, o capitalismo foi dominante e o colectivismo quis ser sua alternativa global. Hoje há ainda economias nacionais colectivistas e economias mistas (de transição para o mercado); mas o mundo e dominado, mais do que nunca o foi, por uma economia de mercado diferente (com forte presença do Estado em todos os países).

.

2. 0 SISTEMA CAPITALISTA

a) Razão de ordem

Trata-se do mais antigo dos dois sistemas directamente emergentes da revolução industrial. A sua caracterização pode ser feita por uma serie de traços individualizadores:

(1) Existência de um conjunto de instituições juridico-sociais típicas.

(2) Um conjunto de princípios e leis económicas fundamentais, que regulam o funcionamento da vida económica.

(3) Um móbil específico das actividades económicas.

b) As instituições sociais

As instituições típicas do capitalismo são, no domínio da produção, o capital e a empresa. Ao mesmo tempo, um conjunto de direitos fundamentais vai integrar o quadro essencial de organização e funcionamento deste sistema - propriedade privada e iniciativa privada.

A ideia de propriedade privada começa por ser entendida em termos absolutos, dela decorrendo o predomínio do capital dentro da empresa, sem que haja praticamente qualquer possibilidade de intervenção do Estado no sentido de limitar os poderes do proprietário.

Também a iniciativa privada se concretiza numa série de princípios, entre os quais assumem particular destaque:

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- Liberdade de contratar - total autonomia da vontade individual como reguladora dos contratos, e destes como principal instrumento regulador da actividade económico-social;

- Liberdade de trabalho - segundo a qual cada um exerce a profissão que deseja e dispõe do seu trabalho, contratando ele próprio com total liberdade as condições em que vai trabalhar;

- Liberdade de empresa - a qual e o poder de criar livremente quaisquer unidades de produção e o direito de as gerir e delas dispor.

c) Princípios económicos fundamentais

d) Motivações Típicas

O elemento mais profundamente característico encontra-se aqui. O sistema pode ser caracterizado como uma economia de lucro ou de ganho. Os sujeitos económicos são dominados pela intenção de obter ganhos, ao contrário do que sucedia nos sistemas anteriores, em que se pode dizer que havia no essencial apenas uma ideia de sobrevivência e moderação regendo o funcionamento dos mecanismos económicos.

3. OS REGIMES ECONÓMICOS E AS DOUTRINAS

a) Os regimes económicos

O conceito de sistema económico pode cobrir realidades muito diversas.

Por um lado, as próprias estruturas em que o sistema é aplicado são profundamente diferentes entre si (pense-se na Europa, no Japão, nos Estados Unidos da América, em países da América Latina como o Brasil, em Taiwan ou na Coreia do SUL). Por outro lado, a articulação entre o poder político e a actividade económica pode fazer-se de maneiras distintas, que vão provocar diferentes modos de funcionamento do sistema, os quais podem ser designados por regimes económicos18

No sistema capitalista podemos distinguir dois regimes económicos fundamentais:

18 Embora o conceito de regime seja bem mais amplo, podendo designar todas as formas de articulacao estrutural do poder com a actividade económica

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-liberalismo, caracterizado por um reduzido peso do poder politico na actividade económica, que se desenrola sobretudo em obediência ao princípio da liberdade dos múltiplos sujeitos individuais;

- Intervencionismo «lato senso», que se caracteriza pelo importante papel de ordenação e intervenção económica do poder político que, no entanto, continua a respeitar os princípios fundamentais do sistema (ou seja, a propriedade privada e a iniciativa privada).

A configuração da actividade financeira nestes dois tipos de regimes e bastante diversa. E em função disso que se costuma falar em finanças clássicas - que seriam as características do liberalismo e finanças modernas - as finanças dos Estados intervencionistas; ou, destacando apenas um dos seus caracteres definidores, finanças nébulas (as quais, em Estados politicamente liberais ou autoritários, são marcados pelo critério da não perturbação da actividade económica pela actividade financeira) ou finanças activa (dominadas pelo critério da intervenção sobre a actividade económico-social).

b) As doutrinas económicas

As grandes doutrinas acerca da sociedade inspiraram os sistemas económicos e projectam-se no entendimento de cada um dos seus aspectos, designadamente o fenómeno financeiro. As principais doutrinas que tem inspirado a ciência e a pratica social desde o sec. XIX parece-nos que podem agrupar-se em quatro grandes famílias. O Individualismo, que integra a forma mais corrente da ideologia liberal, concebe o sistema social como uma simples rede de relações entre os indivíduos e o Estado como um meio de prossecução dos fins individuais agregados contratualmente; ou pode negar 0 Estado (anarquismo). Nas concepções solidaristas, diversamente, já se entende que a solidariedade social determina a existência de relações criadoras entre as pessoas, as quais dão origem ao aparecimento de instituições com orgânicas, fins e fun~6es próprios (institucionalizo), ou determinam 0 aparecimento de relações de cooperarão que transcendem o individualismo (corporativismo), ou visam fazer prevalecer interesses ou valores sociais na organização da sociedade (socialismos não marxistas de diversa inspiração). As doutrinas organicistas concebem a sociedade, ou 0 Estado, como dotados de entidade própria na sua organização, quer se trate de organização baseada em estratos sociais (corporativismo), quer na prevalência do Estado como forma social e entidade suprema (estatismos de diverso tipo). Enfim, os personalismos sociais encaram a organização social e do Estado como expressão de realidades que transcendem a sociedade, quer se trate das ideias - idealismo - quer se trate da matéria -

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imaterialismo, que encontra no marxismo a sua expressão mais importante.

O individualismo liberal inspira, evidentemente, o sistema da economia de mercado, enquanto o marxismo constitui a principal fonte de inspiração dos colectivismos ainda existentes no mundo. Para além destes dois tipos, outros modelos ideais de sistemas existem (o cooperativismo, o socialismo autogestionário, a social-democracia avançada, o comunitarismo terceiro-mundista, na linha do solidarismo; o corporativismo, o nazismo, na linha organicista, etc.). Mas nenhum deles se concretizou em sistemas dominantes na organização concreta das sociedades dos nossos dias; por isso os pomos de lado (sem excluir que possam vir a inspirar sistemas económicos novos). O modelo doutrinário do sistema de economia de mercado pode designar-se por capitalismo, o da economia integralmente planeada (planificação, em sentido próprio) por colectivismo, forma de socialismo alternativa a social-democracia (que e apenas uma politica correctiva do capitalismo, assente na justiça e na concertação sociais). E no âmbito deles que as doutrinas podem inspirar as politicas e as praticas sociais ou determinar a configuração de regimes económicos concretos.

4. O LIBERALISMO E AS FINANÇAS NEUTRAS

a) Caracterização geral

A primeira fase do regime capitalista, inspirada pelo pensamento da escola clássica e dominada pela necessidade de consolidar um crescimento assente na liberdade económica das empresas, consumidores e detentores de factores de produção, e na economia privada, corresponde ao modelo doutrinário das financias liberais e ao modelo pratico das finanças neutras. Distinguiremos quatro perspectivas fundamentais: o lugar e função das finanças públicas; as suas relações com a economia privada; as instituições jurídico-políticas; e a configuração dos instrumentos financeiros.

b) Lugar e função das finanças públicas

A este respeito o pensamento e a prática das finanças liberais são dominados por quatro princípios essenciais.

Todos eles decorrem de as finanças clássicas corresponderem a fase do puro liberalismo económico e reflectirem as suas necessidades e preocupações, designadamente a restrição do papel do Estado e a actuação da iniciativa privada como instrumento fundamental de progresso na actividade económica. As modernas teorias neoclássicas e marginalistas vieram, alias, retomar em

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muitos pontos este tipo de análise (bem como os monetaristas e a escola financeira da «escolha publica»).

1.0 - A privatização da economia

A primeira grande característica do modelo e a regra da privatização da economia, entendendo-se que ao Estado apenas compete criar as condições que permitam a sociedade manter-se organizada e estável, a propriedade privada defender-se e a iniciativa privada prosperar. No quadro liberal, ao Estado cumpre estritamente remeter-se a funções como a defesa, segurança, administração geral e manutenção da ordem; ou apenas a outros serviços que não interessem a iniciativa privada, que detém o capital e toma todas as grandes decisões relativas a produção, ao consumo e a repartição. Economia privada, administração e autoridade públicas: eis a regra de ouro.

2. ° - Sector público reduzido

Por esta razão, o sector publico e reduzido substancialmente em relação a anteriores períodos históricos, desfazendo-se o Estado de muitas actividades que ate ai desenvolvia. Geralmente os sectores públicos no liberalismo não iam além dos 10 a 15 por cento do produto nacional.

Entendendo que era a iniciativa privada que devia deixar-se a prossecução do bem-estar geral, nomeadamente no domínio produtivo, o Estado abandonou ate actividades produtivas que tradicionalmente vinha exercendo e reduziu o seu património, que aumentará durante o mercantilismo.

3.° - O princípio do mínimo

Critério prático de dimensão ideal da actividade económica pública perfila-se como fundamental o princípio do mínimo. Segundo ele, qualitativa e quantitativamente, a actividade financeira deve reduzir-se ao mínimo imprescindível, absorvendo a menor parcela possível do rendimento nacional.

4. ° - A simplicidade das finanças públicas

Da exiguidade das suas funções decorre, pois, uma extrema simplicidade da administração financeira dos seus instrumentos. Ela cobre apenas a administração tradicional, de uma maneira uniforme e homogénea, não se justificando então a existência de empresas públicas, de administra~6es autónomas ou complexos regimes de especializarão financeira. Administração central (federal ou estadual) e local, com fun~6es c1aras e delimitadas e instrumentos simples e uniformes, eis quanto basta para as fun~6es financeiras. E isto e acentuado pelo carácter racionalista, uniformizador e universalista do pensamento liberal.

54 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

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c) Relações entre actividade financeira e economia privada

Este domínio, que decorre do anterior e com ele integra a caracterização sócio económica das finanças públicas, pode ser sintetizado em três ideias simples.

1.0 - Separarão entre finanças e economia

A primeira e que - no plano teórico como no plano pratico a separação entre finanças e economia e radical.

Separação científica: a ciência das finanças, dominada por princípios opostos, mais jurídico-administrativa e politica que económico-social, e autonomizada de raiz em relação a ciência económica, mais económico-social. Separação no plano dos seus princípios inspiradores, que são - como viu - opostos. Quando há autores que tratam as finanças públicas integrando-as numa teoria geral da economia - e o caso, antes de mais, de WICKS ELL -, então as finanças c1assicas «cientifica» estão caminhando para o fim (o qual, note-se, corresponde a um esforço de integração, que já encontramos nas obras de ADAM SMITH e RICARDO).

Separação, também, entre a gestão financeiros a actividade económica, entre os instrumentos financeiros e a actividade dos particulares que com eles se relacionam.

2.0 - A neutralidade das finanças

Com mais profundidade, o critério que essencialmente preside a relação entre actividade financeira e actividade económica geral e o da neutralidade.

Quer isto dizer que a actividade financeira deve ser organizada de forma a não perturbar (ou perturbar no mínimo) a actuação livre dos sujeitos económicos.

Da ideia de neutralidade derivam duas consequências:

- A actividade financeira deve decorrer de forma que não cause distorções da actividade económica privada (deve «deixar a economia como estava antes» de pagar o imposto ou suportar a despesa, ou o mais perto possível...);

- As instituições e actividade financeira não devem propor-se qualquer finalidade de alteração ou comando da actividade económica privada (a única «politica financeira» e que não deve haver politicas financeiras, no sentido intervencionista e voluntarista).

3.° - Abstenção económica do Estado

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Outro principio fundamental que preside ao relacionamento entre o Estado e a actividade económica e, naturalmente, o da abstenção.

O Estado tendera então a não exercer funções de regulamentação e intervenção sobre a actividade económica, para deixar agir 'espontaneamente a livre concorrência. Toda a sua orientação económica e dominada pela preocupação de não modificar o comportamento normal dos sujeitos económicos privados, abstendo-se quanto possível de interferir sobre eles ao desenrolar o seu comportamento económico próprio (actividade financeira).

d) Estruturação jurídico-política das finanças

Dado o papel fundamental de garantia que cabe as instituições financeiras e o modelo de Estado demoliberal em que as finanças liberais se situam, são essenciais os caracteres institucionais das finanças e enorme a sua, importância científica e prática. Acentuemos em quais aspectos principais.

1.° - Importância da participação democrática parlamentar na actividade financeira

A actividade financeira e uma actividade que por essência e regulada normativamente, decidida na aplicação concreta (orçamento), controlada na execução e objecto de prestação de contas por parte do Governo: nisto tudo, cabe papel primordial a instituição parlamentar, primeiro como defensora dos cidadãos, depois também como sua representante. A existência do sufrágio censitário limita esta participação aos proprietários, ate a lenta adopção do sufrágio universal (sufragismo, etc.). E o carácter essencialmente representativo limita as formas de participação directa dos cidadãos (acção popular, referendo, v.g., que nos últimos anos se difundem e ganham vigor teórico e doutrinário)19

2. ° - A actividade financeira e os direitos do homem

A actividade financeira decorre constantemente no âmbito da arbitragem entre o poder público e o direito privado; dai que, para os liberais, ponha em causa direitos fundamentais, designadamente o direito de propriedade (concebido como direito fundamental, não como mero «direito económico e social»).

19 ) 0 Princípio contratual, desde a origem, as democracias representativas: a regra «no taxation without representatioll» consta do art. 14.0 da Magna Carta (1215) e e alargada no «Bill (1628) e na «Petition of Rights» (1648).

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No domínio jurídico-político pode dizer-se que foi o liberalismo que criou ou aperfeiçoou a generalidade das instituições financeiras modernas, sobretudo daquelas que se orientam pela defesa dos direitos individuais - maxime, do direito de propriedade.

Entre os princípios e instituições para isso criado pelo liberalismo, podem citar-se o princípio da legalidade em matéria de impostos, a autorização legal da emissão de empréstimos públicos, a aprovação anual do orçamento pelas Câmaras legislativas, a apreciação das questões financeiras litigiosas pelos tribunais financeiros (maxime, fiscais) e a tomada de contas públicas pelo Parlamento.

Estas instituições foram criadas sobretudo na perspectiva global de limitação do aumento das despesas públicas e dos encargos que recaiam sobre os contribuintes - proprietários que, através dos seus representantes na Assembleia Parlamentar (eleita, na primeira parte do século XIX, por sufrágio censitário), poderiam defender 0 seu património; e ainda para garantir 0 respeito concreto pela propriedade privada.

3.° - Princípio da legalidade

Dos dois anteriores fundamentos decorre o entendimento estrito do princípio da legalidade, tanto como garantia dos cidadãos -proprietários como enquanto reserva de competência parlamentar. Do mesmo passo, deles provem a natureza estrita do próprio orçamento e a aplicação rigorosa e com o mínimo de limitações das regras orçamentais.

e) Configuração dos instrumentos financeiros

Dos princípios do liberalismo económico e político, no âmbito de uma estrutura capitalista amadurecida ou em crescimento, decorre uma certa configuração dos instrumentos financeiros. Qual?

1.0 - A importância primordial do imposto

O imposto e a receita típica do liberalismo: pode mesmo falar-se do período das finanças clássicas como o tempo das finanças tributárias.

O peso do imposto explica-se por diversos factores: redução do património do Estado; aumento da importância da riqueza mobiliária no conjunto do rendimento nacional, acompanhado da abstenção do Estado neste domínio; e ainda a generalização da ideia da «contribuição» como dever de cidadania, consentido livre mente pelo Parlamento.

Os sistemas fiscais típicos do liberalismo assentam numa ideia de justiça meramente formal, já que se entende que, para que seja justo o sistema, lhe cabe apenas assegurar a igualdade formal de

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cada contribuinte perante a lei e manter um nível moderado de tributação. Não existe, portanto, a ideia da utilização do imposto como instrumento que visa a redistribuição da riqueza ou outros fins de política economico-socia1.

Os impostos atingem sobretudo as classes agrárias tradicionais (impostos prediais) e os consumidores (impostos aduaneiros e impostos sobre a despesa), começando a expandir-se a tributação das formas mais «capitalistas» de riqueza a medida que o processo de consolidação do modelo da sociedade industrial se aprofunda (impostos sobre os lucros, sobre os juros, sobre o rendimento do trabalho acima de mínimos de subsistência; tributação do conjunto do rendimento - «income tax» - no sistema inglês).

2.0 - 0 Equilíbrio orçamental

O equilíbrio orçamental aparece como 0 ultimo grande princípio das finanças liberais.

Para os clássicos, «equilíbrio orçamental» significa que as despensas totais devem ser cobertas pelas receitas normais ou rendimentos do Estado; ou sejam, os impostos e as receitas patrimoniais que ainda existam - excepcionando-se assim 0 recurso aos empréstimos, que só era possível numa situação de guerra ou calamidade pública (como recursos de «finanças extraordinárias»).

A ideia - base era a de que, sempre que existisse um défice, o Estado iria recorrer ou a empréstimos ou a criação de moeda; tal recurso tinha consequências negativas, porque representava um desvio para o sector público de aforro do sector privado, único que se entendia ser produtivo, e porque abria um processo inflacionista, pelo excesso de emissão de moeda, bem como poderia conduzir o Estado ate uma situação de bancarrota (impossibilidade de cumprir os seus compromissos). É evidente que o equilíbrio, assim entendido, limita também o crescimento do sector público - pois os parlamentos têm naturais limitações quanto ao nível máximo de impostos que podem votar; e o credito esta vedado, como ilegítima absorção pelos cidadãos presentes dos impostos que, no futuro, outros cidadãos terão de suportar para pagar as dívidas herdadas.

5. A TRANSIÇÃO PARA AS FINANÇAS INTERVENCIONISTAS

a) Principais factores de mutação

I) - A evolução interna das economias liberais

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No domínio dos factos ocorreu uma serie de acontecimentos que foram determinando ou justificando um maior papel do Estado na direcção da vida económica, como sejam: 0 aumento da intervenção política das classes mais desfavorecidas e das próprias classes médias, pelo sufrágio universal e o aparecimento dos partidos trabalhistas e socialistas; a crescente concentração de empresas e 0 capital cada vez mais elevado que e necessário para produzir; a larga diversificação dos modelos sociais de desenvolvimento; e a necessidade de intervenções militares por forcas armadas profissionais crescentemente caras. Posteriormente, 0 Estado e chamado a satisfazer novas necessidades sociais e económicas, a rentabilizar actividades privadas não lucrativas, a prosseguir objectivos gerais relativos a vida económica e social20

II) - Os movimentos doutrinários e teóricos

Podem também ser apontadas como causas de abandono do liberalismo as correntes ideológicas antiliberais que começaram a desenvolver-se, quer se trate de correntes socialistas, quer de doutrinas de outra natureza (como a doutrina social da Igreja ou as varias doutrinas intervencionistas).

Surgiram, por outro lado, teorias económicas tendentes a demonstrar que 0 equilíbrio não era um dado nem uma tendência natural da economia, mas que existiam, pelo contrário, factores permanentes e fundamentais de desequilíbrio, que só a intervenção do Estado poderia contrariar. Entre estas teorias foram particularmente marcantes, as de KEYNES e WICKSELL (escola de Estocolmo): a primeira mais orientada para 0 uso intensivo dos instrumentos financeiros como meio de lutar contra 0 desemprego, a segunda tendente a reforçar 0 papel dos instrumentos de política monetário como forma de lutar, alternativamente, contra a depressão e a alta inflacionista.

III) - Factos marcantes da evolução económica do século xx

A intervenção do Estado foi também determinada por toda uma serie de acontecimentos que originaram roturas mais ou menos profundas com 0 liberalismo:

- A guerra de 1914-1918, que representou um enorme esforço militar em economia de guerra e forçou o Estado a assumir a orientação da economia em termos ate ai desconhecidos, além de provocar roturas e acelerações dos movimentos sociais, como sucede com todas as guerras;

20 Na óptica marxista, esta fase será a do capitalismo monopolista de Estado; em SCHUMPETER ela e a da socializll9lio crescente

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- O primeiro pós-guerra, caracterizado por uma situação de grande depressão e instabilidade, sobretudo na Europa;

- A crise de 1929 e a consequente depressão, com deflação, enorme volume de desempregados e subaproveitamento dos factores de produção;

- A segunda guerra mundial, ainda mais exigente e destruidora do que a primeira;

- O segundo pós-guerra, com o «reforço do bloco socialista» e a necessidade de uma intervenção económica para a reconstrução das economias abaladas, após 0 que se seguiu duradoura expansão social nas sociedades de consumo (1950-1970);

- Os anos setenta e oitenta, com toda uma seriem de perturbações no plano interno e internacional e a abertura, após as crises monetárias e os «choques do petro1eo», de uma profunda crise estrutural que ainda dura21.

- O final dos anos oitenta e os aos noventa, com o afundamento do «bloco socia1ista» e as tendências de privatização, neo-liberalismo e nacionalismo.

IV) - As transformações ocorridas no exterior do capitalista

No século XIX dominou uma tendência para identificar, política e economicamente, o mundo com o sistema capitalista. Durante cem anos, que se prolongaram por mais cinquenta de lenta regressão, o «mundo» era 0 sistema capitalista mundial, que integrava, por via do comércio internaciona1, da colonização ou da dominação económica, as estruturas não - capitalistas, subordinando-se aos seus princípios de funcionamento e integrando-as na periferia da sua estrutura mundial. No século xx começou a deixar de ser assim. Primeiro. Com o aparecimento do colectivismo marxista da URSS (1917), progressivamente extensivo a diversos países do mundo e). Fa1haram, porque derrotadas, as tentativas do nazismo e do fascismo de criar sistemas corporativistas ou de dirigismo integral, sendo os seus sucedâneos absorvidos no sistema capitalista mundial. Surgiram, experiencias de novos sistemas económicos no Terceiro Mundo, em particular após 0 movimento dos nao-a1inhados nascido em Bandoeng (1954) e reforçado pe1as descolonizações do pós-guerra (ate 1975: Portugal). A estratégia

21 25 paises, Segundo o criterio de J. WILCZYNSKY, An encyclopedic dictioonary of Marxism. Socialismo and Comunismo, 1981, antes da descolectivização do final dos anos oitenta.

60 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

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dos produtores de petro1eo (OPEP) provocou as duas crises do petróleo e demonstrou a necessidade de uma Nova Ordem Económica Internacional. Com raras excepções (China, Cuba, Estados indochineses) 0 co1ectivismo democratiza-se, gera 0 renascer dos nacionalismos e transforma-se numa economia mista de transi9ao (para 0 sistema de mercado): assiste-se a hegemonia mundial dos Estados Unidos, seguidos, como «potências económicas», do Japão e da Alemanha unificada, ao progresso de alguns «novos países industrializados» (N.1. C. 's), ao aprofundamento da integra9ao da Europa Ocidental e a continuada deteriora9ao das regiões subdesenvolvidas (África, Ásia do Sul, América Latina), com agravamento do fosso Norte-Sul22

b) Traços fundamentais da evolução registada

Traço comum da evolução registada ate aos anos setenta foi a substancial alteração do relacionamento entre 0 Estado e a Economia. 0 Estado passa a ter um maior peso e as formas de intervenção são quantitativa e qualitativamente diversas. Surge assim 0 que podemos designar por intervencionismo <dato senso», abrangendo 0 intervencionismo «estrito senso» e 0 dirigismo. Foram diferentes as finalidades com que 0 Estado interveio, mas todas reforçaram o papel e o peso do próprio Estado; entre essas finalidades, podem destacar-se a premência de fazer face a necessidades de carácter social (características das funções dos modernos Estados de bem-estar), a estabilização da conjuntura, o crescimento e 0 desenvolvimento económico e as correcções estruturais. Após a depressão dos anos setenta, a privatização e uma certa desregula9ao reduz 0 papel do Estado na produ9ao, mas não 0 peso da sua interven9ao (anos 80-90).

6. O INTERVENCIONISMO FINANCEIRO E AS FINANCAS ACTIVAS

a) O Intervencionismo e o dirigismo

22 Sobre estes factos da história económica recente recomenda-se a leitura de uma história economica: CARLO M. CIPOLLA (ed.), The Fontana economic history of Europe, 2 vols., 1976 (reed.); ANDRE e LOIC PHILIP, Histaria dosfaclOs econamiicos e sociais de 1800 aos nossos dias, trad., 2." ed., 1980; no aspecto financeiro, cr. SOUSA FRANCO, MFP (r), 187-231. Como obra exaustiva, vejam-se os volumes resspectivos de Histaria econamica e social do Mundo, dirigida por PIERRE LEON, tract., ed. Sa da Costa, Lisboa, vanos anos.

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. Na fase do «capitalismo tardio» (WERNER SOMBART) 0 conceito de intervencionismo estadual corresponde a uma doutrina e uma prática segundo as quais o Estado, sem por em causa os princípios fundamentais do sistema de mercado procura corrigir os aspectos do seu funcionamento que se mostraram particularmente ineficazes injustos ou inconvenientes.

(I) Cr., de entre a abundante bibliografia recente, a síntese muito acessível de A. GELEDAN e outros, Les mutations de economia mundial e -1975-/99/, Paris, 1991.

No intervencionismo «stricto sensu» 0 funcionamento da economia continua a basear-se essencialmente no livre comportamento dos sujeitos económicos; mas, no caso de não resultar da sua actuação 0 progresso e 0 bem-estar geral, 0 Estado intervém correctivamente, alargando consequentemente as suas formas de actuação e assumindo objectivos próprios.

No dirigismo económico o Estado propõe-se determinar objectivos globais, que há-de presidir a sua actuação económica e também as dos próprios sujeitos económicos privados, cuja actividade deve enquadrar-se nos objectivos fixados para toda a economia.

Embora 0 dirigismo possa conduzir a criação de um sector publico maior do que aquele que caracteriza um Estado intervencionista, 0 certo e que a diferença entre estas duas formulas e sobretudo qualitativa. Num caso - intervencionismo - há apenas uma ideia de correcção, enquanto no outro - dirigismo - haja uma ideia de direcção da economia.

Vejamos agora os caracteres essenciais das finanças intervencionistas.

b) Lugar e função das finanças públicas

1.0 - Autonomia do sector público e SUDS funções Diversamente do princípio da privatização - no seu sentido de subordinação do sector público ao privado e no de subalternidade quantitativa - pode dizer-se que as finanças públicas ganham aqui autonomia. Para além da supletiva satisfação das necessidades tradicionais, cabem-lhes novas funções, tanto na satisfação de novas necessidades colectivas como na realização de objectivos de política económica e social.

2.0 - Equilíbrio entre economia pública e economia privada Segue-se que, no âmbito de um sistema económico que tende a ser misto - sem subordinar a economia pública a privada, como nas finanças liberais, nem a privada a pública, como nas finanças colectivistas -, o lugar das finanças públicas se situa em posição de equilíbrio com o das finanças privadas. Equilíbrio parcial do sector da economia pública e equilíbrio geral da economia privada e da economia

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pública, tanto no plano pratica como no dos princípios (teóricos ou doutrinados).

3.° - A regra do óptimo

Em vez da regra do mínimo, o critério definidor do sector público estabelece-se em obediência a regra do óptimo: são a melhor satisfação das necessidades públicas e o possível óptimo social que inspiram o lugar das finanças públicas no conjunto da actividade económica23

4.° - Dimensão crescente do sector público

Da anterior regra qualitativa decorre quantitativamente que e crescente a dimensão do sector publico, que passa a absorver parcelas que se situam entre os 30 e os 50 por cento do rendimento nacional. O Problema que daqui resulta, na actualidade, e claro: ou se muda de sistema que trava o crescimento do sector público.

5.° - Pluralidade e complexidade do sector público

O património estadual alarga-se consideravelmente, multiplicam-se as empresas públicas, cresce 0 peso dos impostos e aumenta também o recurso aos empréstimos públicos: as finanças estaduais, que eram simples, assumem crescente complexidade, pelas novas funções que assumem.

E surgem zonas crescentemente diferenciadas, ou mais autónomas, no sector público (serviços e fundo os autónomos, empresas publicas, segurança social, regiões, organizações supranacionais): 0 que era uniforme, torna-se múltiplo e plural.

c) Relações entre actividade financeira e economia privada

I. ° - Integração entre economia e finanças

Ao contrário do que sucedia com o liberalismo, que assentava na ideia de separação entre actividade económica e finanças públicas, as politicas e as teorias intervencionistas passam a orientar-se pelo princípio da integração entre economia e finanças: uma e outra fazem parte do mesmo conjunto económico-social e estão sujeitas a

23 Sobre a caracterização financeira do liberalismo e do intervencionismo vejam-se, por todos e com bibliografia abundante: MAURICE DUVERGER, Finanças Publiques, cap. I; F. EM YOlO OA SILVA, Conceptions classique et moderne des jinances publiques, 1950; A. L. SOUSA FRANCO, MFP (r), pp. 176-231 (a completar com: MFP, I, pp. 498-508).

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interacção das mesmas forças e princípios (sociais, económicos ou políticos).

(I) Verguemos melhor ao estudar o óptimo das despes as publicas e o nível óptimo da tributação.

2. ° - As finanças funcionais

As finanças públicas abandonam o ideal de neutralidade e passam a visar o aproveitamento pleno de todos os seus efeitos, a fim de influenciar o comportamento dos sujeitos económicos privados e a economia global.

Passam, designadamente, a ser utilizadas como instrumentos de políticas económicas e sociais - ou seja, surgem as políticas financeiras.

Pode assim dizer-se C) que as finanças públicas são agora dominadas pela funcionalidade, sendo a sua estrutura e gestão determinadas pelos fins sociais que elas visam realizar (fins extra financeiros, para alem dos financeiros).

3.0 - Finanças activas

As finanças passam, por outro lado, a ser marcadas por uma atitude e uma politica intervenientes. O Estado abandona a sua posição de abstenção e quer assumir um papel muito diverso na economia, restringindo a actividade privada e assumindo fins autónomos: passa, pois, a ser activo, e nao passivo ou abstencionista.

d) A evolução das instituições jurídico-políticas

Alguns dos aspectos jurídico-políticos que tinham caracterizado o liberalismo e que se orientavam pelas ideias de garantia individual e predomínio parlamentar, vão conhecer alterações significativas, tendentes a tomar preponderantes a eficácia e a justiça substanciais.

1.0 - Declínio da instituição parlamentar e formas de participação diversificada

Sem que isso represente uma intenção de muitos dos seus defensores (embora 0 seja de alguns), as finanças intervencionistas marcam um certo declínio da instituição parlamentar (e originam-no também). A concentração de poderes nos Governos, a tecnocratizacao e burocratização das decisões, originam uma certa decadência dos Parlamentos, reforçada pelo predomínio dos instrumentos de planeamento e programação e pela importância das políticas monetárias, tratadas pela cooperação técnica Governo-banco central

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Por outro lado, a existência de formas mais diversificadas de participação e intervenção social dos grupos de interesses leva a uma larga pluralidade das formas de decisão e controlo da política financeira, convertida em uma das vertentes da política econ6rnico-social. E a possibilidade de divergências entre estes agentes oligopolistas e os reais interesses dos cidadãos leva ao multiplicar de formas de intervenção e participação directa destes, quer sob o ângulo dos direitos de intervenção individual, quer na forma da opinião pública mediatizada pelos meios de comunicação social, quer através do recurso aos referendos em matéria financeira (designadamente sobre o nível dos impostos e a afectação dos recursos por via das despesas).

2.° - Afirmação predominante dos direitos económicos e sociais

Sem que os direitos, liberdades e garantias do tipo c1assico sejam necessariamente subalternizados (embora possam sê-lo, quando as finanças intervencionistas se integram numa estrutura de Estado autoritária, ou ate totalitária), surgem todavia, com crescente expressão financeira, direitos econ6rnico-sociais. Assim, o direito a segurança social, 0 direito ao trabalho e ao emprego, o direito a assistência médica, o direito a educação, a nova dimensão da igualdade de oportunidades e a qualidade de vida, exprimem-se em numerosas pretensões, que determinam prestações por parte do Estado, da Administração Publica ou de outras entidades públicas - portanto, aumento das despesas e do sector público em geral.

3.° - Limitações ao princípio da legalidade

Das duas causas antes referidas decorre que o princípio da legalidade pode assumir sentidos amplamente pervertidos, se coincidir com a concepção «governamentalista» do Governo como fonte do poder legislativo, que surge com os Estados autoritários e totalitários e vai alastrando com a componente tecno-burocratica dos Estados modernos. Pode assumir um sentido mais limitado, com a partilha de muitos poderes financeiros entre Parlamentos e Governos (finanças e para finanças; tributos e receitas parafiscais), competência legislativa do Governo concorrente ou subordinada a do Parlamento, abuso das autorizações legislativas, transferência do crédito público (nomeadamente externo) para instituições monetário -financiais imunes ao controlo público, alastramento de empresas públicas e «para -empresas» subtraídas a controlos não governamentais. e) As instituições financeiras

1.0 - O Ressurgir do património

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As finanças intervencionistas são caracterizadas por um importante ressurgimento do património e das receitas patrimoniais, sobretudo das provenientes do património mobiliário; assume então o Estado cada vez mais uma posição de empresário (criando empresas publicas) ou mesmo de capitalista em empresas mistas, obtendo receitas provenientes de empreendimentos produtivos, etc.

2.0 - A saturação fiscal

Ao mesmo tempo, a importância do imposto e grande, como o era nas finanças clássicas. Mas ele passa a ser utilizado, numa perspectiva extra fiscal, como instrumento de política económica ou de política social (servindo, por exemplo, para redistribuir a riqueza ou para combater a inflação); e a carga fiscal (real e psicológica) sobe continuamente, atingindo Limites sociais e políticos e levando a por 0 problema da saturação fiscal.

3.0 - Abandono ou limitações do principio do equilíbrio orçamental

Também o principio do equilíbrio orçamental e abandonado, ou pelo menos deixa de ser unanimemente aceite e praticado com tanto rigor, passando 0 desequilíbrio a ser defendido em determinadas circunstancias, como forma de 0 Estado combater os aspectos mais negativos da conjuntura (desemprego, depressão), e sendo em outras tolerado como consequência da expansão do sector publico e das suas novas responsabilidades.

(') Sobre a caracterização financeira do liberalismo e do intervencionismo vejam-se, por todos e com bibliografia abundante: MAURICE DUVERGER, Finanças Publiques, Cap. I; F. EM YOlO OA SILVA, Conceptions classique et moderne des jinances publiques, 1950; A. L. SOUSA FRANCO, MFP (r), pp. 176-231 (a completar com: MFP, I, pp. 498-508).

1) Momento actual das doutrinas e das políticas

Tal como já se referiu a prop6sito da evolução recente no domínio dos factos (supra, n.O 1.15), os anos oitenta representam uma certa viragem - alguns dirão inversão - da tendência dominante das décadas anteriores. Assiste-se ao declínio do marxismo e, em geral, dos socialismos colectivistas; ao fim do dirigismo e a crise do planeamento; a superação das duas gerações do keynesianismo por correntes neo-liberais e/ou monetaristas (v. HAYEK, v. MISES, Milton FRIEDMAN); a revalorização do mercado e do lucro, no âmbito de valores, politicas e instituições crescentemente individualistas; a um certo predomínio da liberdade, da propriedade

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e da iniciativa privada, em detrimento da igualdade, da solidariedade e da justiça social; a desregularão e as privatizações, em vez da direcção (panificadora ou burocrática) e das estatizações; a uma certa crise do papel e da função do Estado, combinando abertura internacional e reforço do predomínio das economias fortes dos grandes grupos e dos mercados e instituições financiais com nacionalismos e regionalização.

No domínio das finanças publicas, daqui resultam importantes consequências. Torna-se central a discussão das fronteiras e dos critérios de escolha entre os sectores público e privado, prevalecendo a aceitação de uma vocação produtiva do segundo e da vocação infra-estrutural e redistributiva do primeiro. Reabilitam-se os critérios de contenção do crescimento e de busca da neutralidade na configuração e gestão dos instrumentos financeiros: busca-se o equilíbrio ornamental, tenta-se conter a divida (ate pela dimensão da divida nacional externa de muitos países do Terceiro Mundo... e dos Estados Unidos), visa-se limitar a burocracia e a despesa publica corrente, procura-se aliviar a carga fiscal para estimular a despesa e a produção, reduz-se a progressividade e duvida-se da eficiência e da justiça do imposto de rendimento, desvaloriza-se a politica orçamental e revaloriza-se a politica monetária, tenta-se limitar a despesa social (saúde, educação, segurança social), privatizam-se empresas, participações e bens patrimoniais estatais, reforça-se a orçamentação, 0 controlo parlamentar e o controlo externo jurisdicional ou independente da receita e da despesa, tenta-se devolver aos contribuintes 0 poder de «consentir os impostos» corrigindo por referendo os abusos da tributação. O plano monetário e o orçamento reafirma-se como o instrumento por excelência da intervenção do Estado...

Estas tendências reafirmam valores das finanças clássicas - tanto os que caracterizam instituições e regras de democracia financeira como os que garantem a economia privada e 0 mercado. O económico, ao menos nos anos oitenta, afoga um tanto 0 social; pessoas, regiões e grupos tornam-se, uns, mais pobres e, outros, mas ricos, dentro e fora das fronteiras dos Estados. Mas a verdade e que, se mudam ideias, critérios e valores, se há uma certa alteração de sentido, continua predominante 0 intervencionismo financeiro: a despesa pública não decresce, as empresas públicas tendem a «passar de moda»; mas reforçam-se regiões (municípios), o intervencionismo da Comunidade Europeia tende a crescer e, nela, afirma-se um dirigismo regulamentador que os Estados abrandam, a reestruturação da Europa de Leste e a unificação alemã são factores de enorme gasto público de cooperação e intervenção, 0 keynesianismo foi impugnado mas continua florescente na teoria e na prática; sem esquecer que a agudização do subdesenvolvimento e 0 crescimento da injustiça social e das desigualdades nos países mais ricos não torna muito ousado prever, para os anos noventa, um reforço das despesas sociais (cujo nível nos Estados do Norte se

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manteve, alias, sempre elevado: Portugal esta, neste como em outros domínios de bem estar, muito abaixo dos padrões médios europeus).

7. FINANÇAS PÚBLICAS E SISTEMAS COLECTIVISTAS

a) Generalidades

I. Os sistemas colectivistas do século xx podem caracterizar-se por três grandes traços: a apropriação pública dos meios de produção (com desaparecimento tendencial da propriedade privada), a subordinação vinculativa ao plano e a existência de motivações dominantes de interesse estatal, solidariedade social ou bem-estar colectivo C).

Restringiremos o nosso estudo apenas ao mais importante dos. Modelos do socialismo colectivista – o soviético.

II. Uma primeira questão a levantar em relação as finanças públicas neste sistema e a de saber se efectivamente existem; isto e, se, na medida em que cabe ao Estado desenvolver a actividade produtiva, faz sentido manter a fronteira entre actividade financeira e de economia de poderio. Para maiores desenvolvimentos remete-se para: SOUSA FRANCO, MFP, 1 (1974), pp. 508-532.

Actividade económica privada. Não aprofundaremos 0 problema. Verificaremos apenas que 0 que e certo e que se tem mantido tal diferenciação, e por duas razoes básicas.

A primeira e que, enquanto se justificar a existência do Estado, será necessário que este disponha de alguns meios económicos para realizar certos fins específicos inerentes a sua actividade (defesa, burocracia, etc.). Ora, uns e outros são bem diversos dos meios e da gestão das empresas públicas ou sociais.

A segunda ordem de razoes e esta: motivos de eficácia económica e administrativa justificam a distinção entre sector público administrativo e sector público produtivo, entre orçamento e actividade empresarial do Estado ou colectiva.

A actividade financeira decorre portanto, numa economia de tipo soviético, segundo regras e instituições cuja forma se aproxima da das sociedades ocidentais (Orçamento, Contas do Estado, receitas e despesas semelhantes as capitalistas, etc.); só que a função que exercem e profundamente diferente da das economias capitalistas - e a função acaba por transformar o órgão...

b) Funções dos instrumentos financeiros

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Na fase revolucionaria de implantação do socialismo, o papel dos instrumentos financeiros e mais importante do que depois de estabelecido 0 socialismo, já que os instrumentos financeiros se apresentam como um meio idóneo para desapropriar a classe anteriormente dominante em beneficio de uma nova classe que toma 0 poder. E nomeadamente este o caso dos impostos, que podem atingir os que anteriormente possuíam rendimentos elevados para lhes confiscar a propriedade; ou podem visar desfavorecer a actividade produtiva na burocratização das decisões originam uma certa decadência dos Parlamentos, reforçada pelo predomínio dos instrumentos de planeamento e programação e pela importância das políticas monetárias, traçadas pela cooperação técnica Governo -banco central -publica.

Numa segunda fase - de transição evolutiva - são outras as funções dos instrumentos financeiros:

1.0 - Eles asseguram 0 exercício de certas actividades essenciais para a sobrevivência da colectividade, que não são consideradas directamente produtivas - como sejam 0 ensino, a administração pública, a segurança social, etc.

2.0 - Garantem o equilíbrio na distribuição dos recursos por sectores e por regiões, permitindo um desenvolvimento equilibrado da economia, através do desvio dos excedentes criados em algum ID empresas ou regiões para outras menos favorecidas.

3. ° - O Orçamento e um relevante instrumento de execução do plano, na parte referente a infra-estruturas, serviços e equipamento sociais. O orçamento resulta do plano, integrando o seu programa é financeiro; a sua função e importante mas, como instrumento de politica económica, menor que nas economias de mercado.

4. () - Uma outra função das finanças publicas será a de desviar recursos, que de outra forma se manteriam estéreis, para o financiamento de certas actividades socialmente úteis, através da existência de empréstimos públicos e impostos indirectos ou sobre o rendimento, que continuam a existir neste tipo de «economias de transi9ao para o socialismo colectivista» (mas ainda não comunista).

c) Características fundamentais dos instrumentos financeiros

1.° - Integração entre o sector financeiro e o planeamento global, no domínio da preparação como no da execução, sendo 0 orçamento um meio relevante de execução do plano pela Administração Publica, preparado pelo Ministério das Finanças e pelo órgão politico de planeamento (Gosplan na U RSS) e aprovado pelo órgão para lamentar juntamente com o plano e a este subordinado.

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2. ° - Existência de receitas e despesas semelhantes as das economias de mercado, sendo a diferença mais significativa o relevo assumido pelas receitas patrimoniais, dado o peso da produção do Estado e do respectivo património.

3.° - Cerca de dois terços do rendimento nacional (na óptima socialista) passa pelo orçamento, que assim pesa mais do que nas economias capitalistas (este valor desce para valores da ordem de 50 % nos Estados federais, como a URSS e a Jugoslávia, e também na China).

4.° - Pressão fiscal relativamente reduzida, sobretudo no que toca aos impostos directos sobre os particulares, em virtude da apropriarão colectiva dos meios de produção dominantes.

5.° - Equilíbrio orçamental, com 0 sentido de evitar a necessidade de o Estado recorrer ao credito ou emitir moeda, perturbando a actividade económica, e de restringir a actividade administrativa em proveito da actividade produtiva

d) Evolução recente

Embora no essencial, os princípios fundamentais encarados continuem aplicáveis aos modelos de organização social colectivista, os países em que esse modelo se encontra efectivamente implantado são hoje muito menos do que no momento originário deste texto. Com efeito, a transformação resultante da prossecução na URSS da política baseada em dois princípios (glasnost - transparência e perestroika - reestruturação, reforma profunda), efectivada por MIKHAIL GORBATCHOV desde que assumiu as responsabilidades de Secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (1988), depois a função de Presidente da União Soviética, determinaram uma evolução profunda, ainda em curso no momento em que se escreve esta nota. No que se refere as finanças públicas, essa evolução situa-se na confluência de três factores distintos: por um lado, uma concepção mais aberta e pluralista da vida social (incluindo a realidade politica); por outro, a transposição desse pluralismo para o domínio da propriedade, conduzindo a um movimento, mais rápido nos países da Europa Oriental, mas lento na União Soviética e nos países fora da Europa, no sentido de privatizações com efectiva repercussão na transformação do modelo de sistema económico e da organização social, e admitindo (pode mesmo dizer-se que fomentando estrategicamente) a propriedade privada dos meios de produção; e, enfim, 0 funcionamento crescentemente desregulado da economia, abandonando os instrumentos de planeamento e confiando em ajustamentos de mercado, muitas vezes tradutores, mais que de uma efectiva liberdade economia, de dolorosos reajustamentos a verdade dos custos e a irracionalidade de «preços administrativos».

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As transformações dai resultantes conduzem, desde já, a integração em economias de modelo capitalista pouco acentuadamente estatizado (como e 0 caso da integração da chamada «Republica Democrática Alemã» na Alemanha unificada, formalmente operada em 3/10/1990). Em outros casos, 0 objectivo estratégico e o processo que se desenvolve apontam claramente (em alternativa, porque duvidas são legitimas sobre a sua concepção e sobre 0 resultado real estável a que se chegara) para uma verdadeira economia de mercado ou para economias mistas (em configurações diversas), nuns casos mais abertas a simultaneidade dos instrumentos de mercado e da propriedade privada, noutros com funcionamento nem sempre muito coerente de instrumentos de liberdade económica, tendencialmente mercantis, combinados com fortes propriedade privada e iniciativa empresarial externa, fracos níveis de propriedade e iniciativa interna e manutenção de subsistemas públicos e sociais de organização produtiva, embora em crise. Em qualquer destas situações, o papel dos instrumentos financeiros (e também dos instrumentos monetário - cambiais) será certamente reforçado, devido ao abandono ou a restrição da regulamentação directa, tanto por via do plano como por via do dirigismo administrativo. Isto significa que a configuração qualitativa e quantitativa dos instrumentos financeiros sofrera pro-fundas transformações em relação ao que se afirmou antes, quer venha a prevalecer uma pura óptica de mercado, quer uma óptica de economia mista. Apontam-se, entre essas transformações: a necessidade de reformas fiscais que criem impostos directos sobre os rendimentos, impostos sobre os lucros das empresas e impostos indirectos mais importantes; 0 renascimento do crédito público, tanto externo como interno, e quer para satisfazer necessidades de financiamento como para funcionar como instrumento auxiliar da criação de mercados financeiros internos; a possibilidade da existência de políticas conjunturais de receita como de despesa pública; a emergência, nuns casos pelo fim da sua ocultação, em outros por efectivo desequilíbrio resultante de aumento de despesas e quebra de receitas, de verdadeiras situações de défice orçamental, quer corrente (o que significaria substancialmente mais um dos aspectos do aumento do consumo, ao menos expresso em termos monetários, que acompanhou esta «revolução do mercado»), quer em termos globais, então com expressão relativamente próxima da das necessidades brutas de financiamento do sector administrativo; e, ainda, porventura, a emergência de um sector publico mais complexo e descoordenado, com componentes regionais e locais, com um novo posicionamento das componentes empresariais, mais marcadamente flexíveis e orientadas pelo lucro, com 0 aparecimento de instituições semelhantes as ocidentais no domínio da segurança social e do financiamento da satisfação de necessidades sociais (ate ao momento assegurado pela combinação da gratuitidade do uso de bens e da prestação de serviços ou do seu custo de utilização quase simb6lico com agravadas despesas publicas orçamentais ou para orçamentais).

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Em Setembro de 1990 decorreu na Rússia (mas com envolvimento do Governo da U RSS) 0 que foi, porventura, a mais importante discussão ate ao presente acerca da transição de uma economia «colectivista» para uma economia (regulada?) de mercado (socialismo de mercado). Em contraste com a orientação tímida do Governo da URSS e do economista L. ABALKINE, o Governo russo defendia 0 plano de ST ANISLA v CHAT ALINE para uma mudança acelerada e faseada em 500 dias. Este previa a propriedade privada dos bens de produção, a reforma dos impostos, do sistema bancário, da bolsa e da segurança social em três meses. Depois, uma ampla privatização, a venda das casas de habitação e dos terrenos afectos a agricultura. E, enfim, a compensação social pelo controlo dos preços e por politicas de estabilização. Tudo isto ilustra a importância das reformas financeiras e dos instrumentos financeiros nesta transição, cuja programação na URSS permanece por fazer, apesar da clara assunção do objectivo da transformação em economia de mercado (GORBATCHOV, Julho de 1991) (I).

A verdade, porem, e que a transforma9ao politica - no sentido da democracia pluralista e do principio das nacionalidades - tem sido mais profunda e nítida na Rússia e na confedera9ao que lidera (a URSS) do que a evolu9ao económica; a de mora nas privatizações e no restabelecimento do mercado nesta que foi a primeira economia colectivista do século (revolução de Outubro/Novembro de 1917) tem agravado a ajuda internacional, agravado a ineficiência e os traços caóticos da estrutura e do funcionamento da economia soviético. As economias da Europa Oriental - e outras do chamado «bloco socialista» - tem evoluído na via da transição para 0 mercado, gerando estruturas mistas de natureza varia, em boa parte sob 0 impulso da perestroika (embora 0 processo polaco tenha causas e ritmos anteriores e autónomos); em todas 0 ressurgir de estruturas financeiras de carácter democrático marca decisivamente a mutação em curso (revalorização do orçamento como autorização parlamentar; desvaloriza9ao do plano; responsabilidade financeira dos Governos e Administra90es perante os Parlamentos democratizados e os Tribunais de Contas que foram criados ou restaurados; renascimento do credito publico; reformas fiscais e or9amentais, ao menos iniciadas).

EXERCÍCIOS PRÁTICOS 1) Diga o que entende sobre a expressão “Sistemas

Económicos”.

2) No sistema capitalista podemos distinguir dois regimes económicos fundamentais.

a) Diga quais são e defina-os.

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3) Diga qual é a importância da participação democrática parlamentar na actividade financeira.

4) “Sendo o imposto a receita típica do liberalismo e podendo mesmo falar-se do período das finanças clássicas como o tempo das finanças tributarias.”

a) Diga como se explica o peso do imposto nestes sistemas.

5) Diga o que entende sobre a regra do equilíbrio orçamental.

6) Diga o que entende por intervencionismo financeiro.

7) Estabeleça a diferença entre intervencionismo estadual e dirigismo económico do Estado.

CORRECÇÃO DE EXERCÍCIOS

1. Sistemas económicos são formas típicas e globais de organização e funcionamento da sociedade em geral (sistemas sociais) e da sua actividade económica em especial.

Os sistemas socioeconómicos são inspirados por concepções valorativas da sociedade (doutrinas, na sua versão sintética e orientada para a pratica social, ideologias) e são condicionadas pelas estruturas sociais (naturais, socioeconómicas, políticas e económicas), cujos modelos de organização são bem diversos.

2. Os dois regimes económicos que se podem distinguir no sistema capitalista são os seguintes: Liberalismo e o Intervencionismo.

3. A importância da participação democrática parlamentar na actividade financeira, reside no facto desta ser uma actividade que por essência é regulada normativamente, decidida na aplicação concreta (orçamento), controlada na execução e objecto de prestação de contas por parte do governo;

Nisto tudo cabe o papel fundamental a instituição parlamentar, primeira como defensora dos cidadãos, depois também como sua representante.

4. O peso do imposto nestes sistemas explica-se por diversos factores que são:

A redução do património do Estado;

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Aumento da importância da riqueza mobiliária no conjunto do rendimento nacional, acompanhado da abstenção do Estado neste domínio;

E ainda a generalização da ideia da contribuição como dever de cidadania, consentido livremente pelo parlamento.

5. A regra do equilíbrio orçamental significa que as despesas totais devem ser cobertas pelas receitas normais ou rendimentos do Estado.

6. O conceito de intervencionismo do Estado na economia corresponde a doutrina e a uma prática segundo as quais o Estado, sem pôr em causa os princípios fundamentais do sistema do mercado, procura corrigir os aspectos do seu funcionamento que se mostraram particularmente ineficazes, injustos ou inconvenientes.

7. A diferença existente entre estes dois conceitos é, sobretudo qualitativa, num caso, intervencionismo, há apenas uma ideia de correcção de aspectos económicos, no dirigismo há uma ideia de direcção da economia.

CAPÍTULO III - A ACTIVIDADE FINANCEIRA COMO FENOMENO POLÍTICO

OBJECTIVOS:

Neste capítulo, pretende-se que o estudante entenda que a actividade financeira do Estado é sobretudo um fenómeno de natureza politica, e que, a actividade financeira vária profundamente em função da sua componente política e da forma de organização do Estado em que se integra

ESTADO E ACTIVIDADE FINANCEIRA

I. A actividade financeira varia profundamente em fun9ao da sua componente politica e da forma de organiza9ao do Estado em que se integra. De facto, desde que o Estado, e de todos os tempos a existência de formas politicas diversas de ordena9ao económica, de interven9ao económica e de actividade financeira. Vejamos alguns aspectos principais.

II. No tocante a análise da actividade financeira, o Estado tanto pode designar o aparelho de poder, constitucionalmente organizado, e externa; c) reforma da propriedade, envolvendo a

74 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

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nítida privatização do comercio de retalho e das pequenas empresas, bem como a «comercialização. Das grandes empresas estatais. É curioso confrontar com a experiencia de «descentralização limitada» seguida por Deng Xiaoping na China: cf. BIRD (Country studies) - China - between plan and market, 1990 que representa e governo um povo, e bem assim as organizações administrativas que dele dependem; como apenas 0 nível central deste poder político-administrativo (Estado central), contraposto as entidades descentralizadas (Estados federados, regiões, autarquias locais...).

Podemos distinguir quatro concepções típicas de Estado:

a) O Estado soberano, entidade autónoma, que toma macro - decisões, «garante e gestor dos interesses da não, concebidos como distintos dos interesses dos cidadãos e superiores a estes» e «interprete natural do interesse geral que se impõe a todos» (HEGEL; jacobinismo francês; escola da coação - A. WOLFENSPERGER).

b) O Estado - republica (republica), organização de gestão colectiva dos interesses comuns dos cidadãos, que definem os objectivos, escolhem os meios e seleccionam os seus representantes e responsáveis (tradições democrática e institucional; teoria económica neoclássica, que atribui funções próprias de utilidade e preferência).

c) 0 Estado de classe, concebido como um instrumento de coação publica da classe dominante que 0 utiliza para manter e reforçar o seu domínio e explorar as restantes classes (marxismo).

d) 0 Estado - aglomerado, organização em que se defrontam grupos com interesses conflituais e meios de acção diferentes, uns internos e outros externos a organização; a organização não tem uma verdadeira função de comportamento comum e estável, mas situações resultantes dos jogos estratégicos dos principais jogadores e equilíbrios mais ou menos estáveis deles resultantes (escola da public choice) 24

24 Veja-se em geral, sobre as diversas formas de Estado: JORGE MIRANDA, Manual de DireilO Constitucional, tomo III, caps. I e VI; Luis SA, Introdução o leoria do Eslado, 1986, caps. 4 a 7. Sobre a evolução das finanças públicas em função das tipologias de Estados, cf. 0 nosso citado artigo «Finanças Publicas», em Enciclopédia Polis, III, s. v.

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III. Também os principais tipos históricos de Estado determinam formas diversas de actividade financeira - quanto as suas instituições fundamentais, quanto aos recursos e sua afectação, quanto as decisões financeiras e seus fins (necessidades sociais a satisfazer).

Assim, na nossa civilização, O Estado escravista corresponde a uma certa forma de atrofia financeira; O Estado urbano ou urbano - imperial - de que temos entre nos da, um bom exemplo nas civilizações greco-romanas - cortlbina finanças de base privatística (contratual ou patrimonial) com finanças de base publicista (impostos e grandes despesas publicas); O Estado feudal e senhorial faz assentar a actividade financeira na riqueza patrimonial fundiária (rendas senhoriais, direitos reais ou pessoais relativos a terra e direitos relativos as respectivas actividades produtivas). O Estado moderno ressurge como Estado patrimonial - agora assente nas indústrias e actividades comerciais, em regime de monopólio ou concessão, típicas da Idade Moderna; assiste-se então ao nascer do instrumento fiscal, que se torna típico dos Estados modernos de matriz democrática (liberal ou social) e mesmo de variantes autoritárias que, conquanto numerosas, se configuram como suas formas «pervertidas». Os Estados socialistas, por seu lado, regressam a componente patrimonial, agora concebida em termos globalizantes (propriedade publica e/ou de todo o povo) e apenas completada pelos impostos, concebidos como instrumento complementar de ajustamento macroeconómico e de execução do plano C).

IV. Também as formas doutrinárias do Estado influenciam a actividade financeira, designadamente nas tocantes as funções do Estado e aos objectivos e prioridades que os seus órgãos definam no campo da respectiva actuação. E uma constante da história a ordenação, a intervenção e a actuação económica do Estado: mas elas podem assumir níveis e formas bem diferenciados.

O nosso Estado moderno começou por ser patrimonial, transferindo para o aparelho estadual centralizado e racionalizado e' para novas modalidades de actividades produtivas (industriais e comerciais) a estrutura patrimonial pessoal e fundiária que era típica do feudalismo.

O liberalismo atacou o Estado patrimonial, reduzindo o papel do Estado a defesa da ordem e das instituições jurídico-económicas fundamentais: Estado - policia, Estado guarda-nocturno...

O intervencionismo social fez o Estado intervir na prestação de serviços sociais (Estado de serviços), completar a garantia da liberdade com a promoção da segurança individual e colectiva (Estado-

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-providencia), adaptar-se a crescente complexidade das técnicas produtivas e organizativas modernas (Estado de tecnologia), prosseguir políticas económicas e sociais que visam a prosperidade (Estado de bem-estar), prosseguir o desenvolvimento económico e a afirmação nacional nos novos Estados do «Terceiro Mundo» (Estado de desenvolvimento). Os totalitarismos fizeram o Estado reclamar-se da promoção de valores próprios seus ou da comunidade racial, nacional ou social que serve de base (Estado ético do fascismo, por exemplo), ser portador de uma ideologia global de organização social (socialismo de Estado) ou elemento agregador de toda a organização social (corporativismo de Estado), vincando assim a tendência estadista omnipresente no século xx.

A sujeição do Estado ao Direito determina o predomínio de critérios de legalidade e regularidade na actividade financeira (Estado de Direito, o qual tanto pode ser democrático como autocrático). O predomínio da função redistributiva e da finalidade de satisfação dos grupos sociais leva a subordinação a critérios sociais (Estado Social), que se combinam com 0 recente relevo de critérios tecnológicos na apreciarão substancial da boa gestão finança ira, seja no domínio militar, no das infra-estruturas ou no das despesas produtivas (Estado TeenoI6gieo).

Nos anos setenta e oitenta, a crise do Estado - providencia, do novo Estado patrimonial e dos estatismos foi encarada tanto pelo neoliberalista (defendendo «menos Estado, para haver melhor Estado») como por diversas outras correntes de pensamento. Naturalmente, 0 reflexo desta problemática no nível, forma qualitativa e funções da actividade financeira e evidente, e ressaltara da evolução que se desenha no sentido de um Estado de cultura típico da sociedade (HABERMAS) C).

Mas não só em função dos principais tipos históricos de Estados varia a configuração da actividade financeira. Ela diferencia-se dos fenómenos da mera economia privada ou social, de índole contratual ou dominial, por exigir o recurso - efectivo ou potencial, aos poderes de autoridade, pela subordinação a uma avaliação de interesses e necessidades que ultrapassa a esfera individual e a dos grupos (tanto no domínio dos poderes e instituições financeiras, como no dos actos, bens e necessidades económicos envolvidos) e pelo recurso a formas de coação. O poder que se exerce no domínio financeiro pode ser político (traçando as orientações gerais) ou administrativo (resolvendo os problemas específicos ou de pormenor, em subordinação ao primeiro.

O Estado pode concentrar as decisões - que são políticas e administrativas - ou partilha-las com outras entidades, no plano politico como no administrativo; a actividade financeira localiza-se também no plano política como no administrativo.

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No primeiro nível, cabe aos órgãos políticos do Estado, de forma relativamente especializada desde que apareceu 0 moderno aparelho estadual moderno, embora com concentração de poderes; ou então de modo coerente com a divisão de poderes que exista em cada estrutura estadual (decisões próprias do Executivo, do Legislativo ou do Judicial). Se no interior de um Estado soberano existirem diversas organizações políticas, caberá ao poder supremo resolver as potenciais conflitos e repartir adequadamente as competências financeiras.

No plano administrativo, o Estado pode criar organizações que prossigam interesses específicos ou reconhecer organizações naturais, disciplinando a sua actividade e subordinando-as a formas de disciplina ou controlo estadual. No primeiro caso, ele recorre da desconcentração da actividade administrativa, na sua componente financeira. É o que sucede com a criação de serviços autónomos (institutos públicos, se personalizados: fundos, se tiverem fins exclusivamente ou predominantemente financeiros), dotados de poderes financeiros meramente administrativos (autonomia). Ele pode ainda criar (ao apropriar-se de) empresas destinadas a produzir actividades produtivas de teor, em princípio, semelhante ao de empresas privadas; ou ainda, num misto de empresa e serviço que tem surgido no nosso século, poderá criar instituições que combinem o interesse público com actividades exercidas segundo critérios de racionalidade afins dos da produção privada (e o caso da segurança, a social ou de certas actividades de intervenção económica, como a dos organismos de intervenção económica, em vias de transformação em verdadeiros institutos públicos). Estes fenómenos são frequentes na grande complexidade do Estado contemporâneo.

Todavia, 0 Estado pode ainda reconhecer ou atribuir poderes financeiros a entidades que, alem de formalmente autónomas dele, representam interesses diferenciados dos seus: e o caso das associações publicas e dos municípios. A descentralização territorial e a forma descentralizadora mais frequente e importante nos Estados modernos, dando origem as finanças locais. Estas, em sentido estrito, prosseguem finalidades de natureza meramente administrativa. O processo de descentralização territorial (local) pode, porem, atingir níveis político-administrativos (é o caso das nossas regiões autónomas: regionalização) ou níveis estritamente políticos (os estados federados, «Estados dentro do Estado»).

Desde a idade moderna, o conceito de soberania do Estado inspira as noções de descentralização e desconcentração do Estado, para dentro de si mesmo ou de cima para baixo. Todavia, hoje e frequente uma certa descentralização (ou desconcentração) para fora do Estado, nomeadamente mediante a criação de organizações internacionais, do tipo tradicional ou de natureza supra nacional.

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Por outro lado, esbate-se a rígida distinção entre formas públicas e formas de poder puramente privadas ou mistas (por exemplo, nas empresas publicas: ainda mais nitidamente, nas empresas participadas); e as entidades privadas podem integrar-se no domínio financeiro, quer por integração numa actividade pública (concessionárias de serviço publico ou da exploração de empresas publicas), quer pela assunção de poderes de autoridade, quer ainda por utilizarem fundos públicos, sendo assim, responsáveis por uma quota-parte do interesse público (entidades subvencionadas pelo Estado ou, por exemplo, pelas Comunidades Europeias; associações ou fundações privadas com financiamento publico).

VI. Com esta distinção não deve confundir-se a relação a estabelecer entre as diversas formas de organização do Estado e a actividade financeira e suas instituições.

Por um lado, existe estreita conexão entre a forma estrutural de Estado e a actividade financeira. Quando 0 Estado tem forma federal, e normal a existência de estruturas político-administrativas de decisão financeira, correspondentes a uma constituição financeira federal. O modelo nasceu historicamente da experiencia norte-americana, em que, de uma confederação de Estados formalmente independentes, se evoluiu para uma estrutura de Estado nacional com Estados nela integrados (da confederação it. federação). Existem assim duas ordens de poderes política -financeiros - a da federação e as dos Estados federados -, que são relativamente autónomas entre si. A Constituição federal só pode ser alterada com participação dos Estados federados e as finanças federais - no seu aspecto constitucional, no institucional e no dos meios financeiros - não apenas prevalecem sobre as financias federadas, como definem em última insuficiência os critérios de coordenação, dependência ou resolução - de conflitos entre umas e outras, ou entre os diversos estados federados. Todavia, as finanças dos Estados federados são também autónomas, nos seus fundamentos e mecanismos, embora sujeitam a um poder supremo. Este modelo e 0 do federalismo financeiro; mas a expressam aplica-se a estruturas financeiras que não são federais no sentido jurídico - constitucional (1)

Existem, por outro lado, Estados complexos, que dão origem a finanças também complexas. Nuns casos existe uma clara subordinação de sistemas financeiros diferenciados e autónomos a um sistema financeiro central: nos impérios, as finanças imperiais subordinam sistemas financeiros diversos, tendo sido frequentes as situações de império colonial (finanças coloniais, derivadas das diferenças de cultura, civilização e nível de desenvolvimento sócio económico entre metrópole imperial e colónia); mas a história conhece também situações de aliança subordinada (protectorados, Estados vassalos ou «aliados imperialistas»), em que a autonomia histórica dos Estados ou estruturas subordinadas justifica uma

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maior diferenciação entre as estruturas financeiras dos dois poderes ou espaços integrados. E deixam de corresponder a hipóteses de subordinação financeira situações tão complexas e diferenciadas como a da ocupação (finanças em que, por virtude de uma anterior situação de guerra, um Estado domina politicamente a estrutura politico -financeira de outro Estado ocupado), entre outras.

A situação mais frequente de subordinação financeira nas últimas dezenas de anos tem sido a do regionalismo financeiro. Em tais casos, existe uma subordinação político-administrativa das regiões ao Estado, sendo certo que os poderes das regiões são qualitativamente diferentes dos das organizações de índole municipal, mas são também qualitativamente distintos dos Estados federados (o Estado regional e um Estado politicamente unitário, como se sabe). As situações de base que dão origem a constituição de Estados regionais são distintas das dos Estados federados. Normalmente, ou se trata de regiões cuja gestão financeira tem de ser, por motivos geográficos, diferente da do Estado e da das forma normais e mais mitigadas de descentralização; ou estamos perante a regionalização territorial do Estado, que tende a criar um escalão intermédio de decisão, entre o Estado e as tradicionais autarquias (regiões territoriais); ou se trata de regiões dentro do Estado dotadas de especial idades geográficas, sociais ou culturais (nesse caso existem algumas regiões, mas o Estado não e, todo ele, regionalizado na sua organização); ou se trata de grandes autarquias locais ou associações de autarquias que, devido aos problemas gerados pelo gigantismo urbano, tem uma forma especial de gestão (regiões metropolitanas, no sentido urbanístico de «metrópole»). Estas situações de base podem dar origem a criação de regiões político-administrativas, distintas dos Estados (mesmo federados), mas também diferentes das regiões meramente administrativas, quando existem poderes financeiros como tal caracterizados; todavia, não o determinam necessariamente. A indagação das fronteiras entre estas formas de organização do Estado, que tem nos aspectos institucionais de ordem financeira um dos traços mais marcantes, embora se integrem em estruturas político-administrativas coerentes com a mesma opção organizativa, nasce de uma realidade recente e ainda em movimento, carecendo de ser mais aprofundada (1).

Enfim, a descentralização puramente administrativa (hoje; no passado foi político-administrativa, quando não - como na «polis» cidade- estado grega - substancialmente politica) da origem a crivação de diversas entidades de poder próprio, no plano institucional e no dos recursos, mas sem qualquer base política ou consistência normativa e, portanto, inteiramente subordinadas ao poder politico que as constitui, cria ou extingue. As «autarquias», em sentido amplo (usado ainda no Brasil), podem ser de diverso tipo, mas as mais tradicionais são as que se baseiam em relações de vizinhança - por vezes muito alargada e diluída, designadamente

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em virtude do fenómeno da urbanização de massas típico do século xx, as autarquias territoriais ou locais de base municipal (quer sejam, entre nos, freguesias, concelhos - que a constituição designa por «municípios» em sentido estrito - Note-se bem que ao referir esquematicamente estes tipos de organizações financeiras adoptamos um critério puramente dependente do tipo de organização institucional dos Estados: ao falar de dependência, por exemplo, temos em vista a dependência expressa nas relações politicas de poder e nas relações normativas de Direito; não nos referimos a uma analise substancial da «dependência» como fenómeno de estrutura económica.

VII. Enfim, uma última ordem de distinções entre os Estados modernos permite contrapor «grosso modo» Estados autocráticos a Estados democráticos, sendo os primeiros aqueles que não respeitam, de modo julgado satisfatório, os direitos do homem e não asseguram a direcção pelo povo (mediante certas formas de decisão politica politico -financeira), ao passo que os segundos serão aqueles que respeitam satisfatoriamente os direitos do homem e asseguram a participação directa possível e a participação representativa do povo, mediante o voto, na tomada das decisões políticas (e politico -financeiras) fundamentais. E claro que, como tudo na vida, a distinção tem graus diversos de afirmação: os Estados podem ser mais ou menos democráticos, mais ou menos autocráticos; existem mesmo situações de transição difíceis de qualificar. O nosso século, ao construir o conceito e ao viver a experiencia do totalitarismo (v.g., teorizado por HANNAH ARENDT), abriu uma distinção capital entre os Estados autoritários em sentido estrito (que, recusando a democraticidade do poder e violando alguns direitos do homem de modo qualitativamente grave, permitem certa autonomia das instituições da sociedade civil e toleram certas zonas de liberdade individual ou certas formas de pluralidade cultural ou social) e os Estados totalitários (que se assumem como instrumento de uma ideologia, cultura ou sistema de valores potencialmente universal ou totalizaste, visando moldar toda a vida social económica e cultural segundo essa visão única e dominante do mundo e da vida). 0 Sistema capitalista tem coexistido com Estados democráticos (de doutrina liberal, intervencionista ou «socializante» -social-democracia, socialismo democrático), simplesmente autoritários ou totalitários. As experiencias recentes de sistemas colectivistas, embora procurem recuperar 0 conceito de democracia identificando-o com 0 seu conceito de socialismo, não tem coexistido, ate ao presente, com formas tradicionais de democracia representativa25

25 Também se situam antes do domínio do político - aqui por nos adoptados com exc1usividade - as concepçes marxistas sobre 0

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DECISÃO POLÍTICA E DECISÃO FINANCEIRA

a) A economia da política

I. 0 Fenómeno financeiro e, pois, uma decisão política sobre um objecto económico. Não admira então que, aliado ao facto de a ciência económica moderna tender a cobrir a totalidade dos fenómenos de raridade social com 0 seu estudo (economia do amor, do direito, do crime ou da ciência, por exemplo...), haja surgido do seu estudo uma teoria económica da política, que veio a alargar 0 seu campo para alem do domínio estrito das finanças públicas, embora as condicione e delas tenha nascido cientificamente.

Assim, e possível debater o próprio conceito económico de Estado, desde a visão individualista a visão marxista e a conceitos orgânicos do Estado como entidade dotada de vontade própria, acentuando 0 papel dos órgãos e governantes (na sua globalidade ou nas suas relações internas, nomeadamente na articulação fundamental Governo-Parlamento) ou os critérios objectivos de definição do bem comum ou do interesse geral (consoante a Conceição filosófica que se tenha dos critérios valorativos da escolha politica) [supra, n.o 1.l8-b)].

O grau de autonomia que se atribua ao Estado relativamente aos indivíduos, grupos e classes não permite esquecer que as decisões são tomadas também em função de interesses: os governantes (que buscam um «apoio» ou «suporte politico» -A. DOWNS), os administradores (ou «burocratas», cuja decisão assenta no critério da maximização do seu poder, em termos de regulação da economia, de aumento do pessoal ou dos seus orçamentos - teoria iniciada com originalidade por NOZICK), os grupos de interesse da sociedade e os próprios cidadãos eleitores (e a concepção da escola da «publica choice»: BUCHANAN, TULLOCK, OLSON, MUELLER; entre nos, A. PINTO BARBOSA)26.

carácter necessariamente autoritário da democracia capitalista (identificando socialismo com democracia real), bem como os argumentos do liberalismo moderno que se reportam forçosa coerência dos sistemas político e económico: economia de mercado e democracia política seriam modelos de organizaao social dotados de uma relaçao de necessária interconexão, ao passo que o socialismo seria por força autoritário, qualquer que fosse a sua forma.:.

26 0 Estudo da economia de bem-estar e da sua relação com a teoria da escolha pública, nos pianos te6rico e institucional, foi abordado em duas dissertações policopiadas de mestrado apresentadas na Faculdade de Direito de Lisboa: C. PINTO

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Pessoalmente considera-se que a decisão financeira, como opção económica, melhor pode ser interpretada na sua racionalidade essencial (abstraindo da multiplicidade concreta das suas motivações e objectivos) adoptando uma concepção neo-clássica, que corresponderia ao «Estado republica»: os governantes buscam alcançar 0 bem-estar geral (absoluto ou de segundo grau: secund best), sintetizando nele os vários interesses sociais que representam (incluindo os deles próprios); ou, pelo menos, visam fazer a melhor aplicação relativa dos bens públicos (óptimo paretiano). A decisão financeira, por outras palavras, e uma decisão económica que tem a particularidade de ser colectiva, mas obedece a lógica fundamental da escolha económica: comparar funções de utilidade ou de preferência com curvas de possibilidade ou «de constrangimentos». Mas ela não e imune a disputa do poder pelas pessoas e grupos, sobretudo nos sistemas democráticos.

II. No plano político, sobretudo, a análise, mais individualista e desagregada, da public choice ilumina, a partir de outro modelo, aspectos novos da mesma realidade - a decisão financeira.

Segundo ela, todos os agentes visam, essencialmente, maximizar o seu interesse individual no campo político. A lógica do eleitor votante leva-o a escolher 0 voto para tal mais eficiente, encontrando-se no mercado do voto e no âmbito dos sistemas eleitorais, com as propostas concorrentes dos partidos, que oferecem os seus serviços de representação (legislativa ou governativa), fazendo o seu marketing e publicidade e procurando, de umas formas em fase pré-eleitoral e de outras logo após (ciclos políticos), realizar os seus interesses próprios, os dos grupos de interesse que os apoiam e os dos eleitores, «apanhando» os votos e fazendo as coligações necessárias a maioria.

A «public choice» nasceu dos estudos da «matemática dos votos», já iniciados nos secs. XVIII e XIX (CONDORCET, BORDA, LAPLACE, LEWIS CARROL) e teve 0 seu começo real com BLACK ('), analisando os sistemas de voto (unanimidade, maioria; referendo; «voto tácito», «voto com os pés» % emigração).

Destacando eleitores, parlamentares e governantes, a teoria económica da política procurou analisar as relações, essenciais na democracia representativa (não na teoria económica do Estado autoritário, que, alegam os neoliberais, pode ser interpretado a luz do conceito de «déspota», borne ou mau...), entre governantes e parlamentares, de um lado, e eleitores e governados, por outro; bem

CORREIA, «A teoria da escolha pública - sentido, limites e implicções», 1986; J. COSTA SANTOS, «Bem-estar social e decisivo financeira», limites e implicações», 1986; refere mais bibliografia.

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como, no seu âmbito, as articulações entre as diversas facções ou partidos, que se comportam, a semelhança dum mercado, como concorrentes de oferta relativamente a uma procura expressa no voto dos eleitores, tendo em conta as coligações de partidos (sistemas bipartidários e pluripartidários) e a disputa do poder governativo, que e sempre um monopólio (com complexidades - as vezes esquecidas pelos autores anglo-saxónicos - diferentes se atentarmos nos sistemas presidencialistas ou nos de base parlamentar). Importa não esquecer ainda a estrutura política dos órgãos de decisão (relação Governamental; legislativo unicameral ou bicameral). Em particular, os governantes pretenderiam conquistar os votos do eleitoral sobretudo o voto flutuantes, susceptíveis de mudar de campo, no centro estatístico do espectro político: «eleitor mediano», decisivo segundo A. DOWNS - e para isso praticam, antes das eleições; politicas susceptíveis de corresponderem as suas funções de preferência (expansão do rendimento real, redução da inflação ou criação de emprego); depois das eleições praticariam então politicas impopulares (redução do rendimento real, desemprego), quando necessárias. Resulta daqui que se tem defendido existirem «ciclos político-económicos» - flutuações económicas cuja regularidade, derivada da fixação, mais ou menos flexível, dos períodos eleitorais, viria afinal substituir os tradicionais ciclos médios da economia, derivados da regularidade de uma economia livre e, para alguns, suprimidos ou reprimidos pelas politicas anticiclónicas de inspiração keynesiana (dos anos trinta ate hoje). Tem-se estudado então, por via dedutiva ou indutiva, 0 modo como se tomam as decisões de voto, a relação entre sistemas eleitorais e decisões financeiras, as determinantes da função de preferência dos eleitores e da função de popularidade dos governantes... Em suma, a componente idealista - valores abstractos que inspiram a escolha financeira - contrapõe-se a componente realista da dimensão financeira no meio político, analisando os interesses próprios dos governantes e parlamentares e os dos eleitores relativamente a decisão financeira. Se o mercado nem sempre era racional e tinha incapacidades, também assim se evidenciam incapacidades e irracionalidades do Estado.

Por outro lado, também esta componente realista leva! A discernir os critérios de decisão impostos pelos interesses permanentes e independentes dos prazos eleitorais (fixos ou flexíveis), como os da burocracia, da tecnocracia e dos interesses e parceiros sociais, e os que se ligam directamente a cronologia eleitoral (partidos, governos, parlamentos...)27

27 Muitas prendem-se com a constituição económico-social- a1em do que se dispõe sobre a forma das decisões políticas; com razão apontou BUCHANAN que o equilíbrio orçamental era uma regra

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Particularmente importante, no dormindo financeiro, e 0 estudo da burocracia (ou, ate, tecnoburocracia), que não e eleita mas condiciona decisivamente 0 fenómeno financeiro (em geral no sentido do aumento da sua dimensão, que e sempre acréscimo do poder dos burocratas): os burocratas condicionam mais, pelo saber e pela execução, as decisões dos políticos (governantes e parlamentares) do que são mandados por eles: pois «dão» a informação, levantam os problemas, traçam as alternativas (poder de agenda») e comandam a execução. Os seus interesses básicos consistem em manter 0 emprego, ganhar mais e subir na carreira, por um lado; em ganhar poder (ascender a chefia, ter mais poderes - «sub-regulamentação burocrática» - com expressão, sobretudo, em mais pessoal e maior orçamento); em trabalhar menos; e em ganhar influencia (o publico como cliente, como patrão e como aliado, pois o burocrata também e eleitor...)28.

b) Democracia, consenso social e decisões institucionais

I. Interessa-nos particularmente o caso da democracia - primeiro, porque e esse o sistema de organização politica (com sua projecção institucional ou jurídica) que existe em Portugal; segundo, porque e

não escrita do orçamento norte-americano; e os critérios de repara"ao dos impostos e as actividades que certas constituições imp5em ao Estado desenvolver directamente, produzem 0 mesmo efeito. A par da constituirão, a legislação definidora dos quadros de actuarão condiciona decisivamente as decisões financeiras, que não são instantâneas, ocasionais ou conjunturais, antes se inspiram num processo histórico: a actividade financeira depende essencialmente da ordena1ao económica., como esta, da estrutura económico-social/, que por ela esta também estavelmente condicionada - 0 que já e bem diverso problema.

28 Cr., por todos, CLUB JEA MOULIN, Pour une democratie economique, 1964, para uma visao socialista que privilegia as transforma~5es sociais tendentes a maior igualdade, justiça e participaçao; os autos res neo1iberais (VON HAYEK), para uma identificaçao com a liberdade, a propriedade e 0 mercado; e sobre a identificaçao com economia de participaçao (democracia industrial, como caso limite, na empresa), BRUNO FREY, Democratic economy policy, cap. 3; merece leitura a ref1eexao radicalmente libertária de R. NOZICK, Anarchy, state and utopia, 1976.

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O modelo que mais tem permitido avançar na teoria da politica económica.29

Deve notar-se que não partimos aqui da noção, algo equivoca, de democracia económica e), mas apenas do quadro da democracia política como pressuposto e elemento informador da política económica. Ela caracterizar-se-á essencialmente pela existência de um consenso livre - isto e, um entendimento ou acordo implícito entre a generalidade (não necessariamente a totalidade) dos cidadãos, grupos, correntes de opinião e estratos sociais sobre certo tipo de instituições e normas de organização. Nem todas as constituições beneficiam desse consenso - embora seja socialmente desejável que 0 consigam - e nem tudo 0 que integra esse consenso se esgota na formulação jurídica da constituição. A voluntariedade e a unanimidade do consenso social aumentam a segurança e a produtividade do funcionamento da sociedade: em princípio, 0 consenso deve existir sobre 0 processo para tomar decisões, mas não sobre 0 seu conteúdo - a solução a dar a casos particulares (e sobre a «regra das regras» que ele se exige; não sobre as decisões subordinadas e concretas). Ele poderá resultar da espontaneidade com que grupos sociais actuam em conformidade com os seus interesses individuais e colectivos; mas e também possível que o consenso seja provocado, no sentido de que se procure que haja procedimentos e instituições que estabeleçam um acordo entre os grupos e as pessoas numa certa colectividade

II. De qualquer das formas, um consenso social tem três características essenciais incidem sobre aspectos fundamentais ou básicos da vida em sociedade, indo para além das questões de curto prazo e do dia-a-dia;

Deriva de situações de incerteza relativamente ao futuro CJ: para que ele exista e necessário que as pessoas não saibam em que situação se encontrarão no futuro - pois, se 0 souberem, tenderão a sobrevalorizar a sua posição e a dificultar 0 acordo ou

29 E evidente, parece-nos, que seria possível uma teoria econ6mica da autocracia (tirania, despotismo, ditadura - sem curar agora das diferenças hist6ricas entre estes conceitos), fundamentalmente consoante se trate de uma estrutura de poder pessoal ou de poder de grupo (estratocracia - militar; oligarquia - grupo reduzido com critérios pr6prios de se1ecçao; plutocracia - grupo se1eccionado pelo dinheiro; regime de partido unico ou dominante); consoante ela vise interpretar necessidades sociais gerais (despotismo esclarecido, ditadura progressiva) ou necessidades egoístas da pessoa ou grupo dominante; consoante seja mais ou menos limitada por factores democráticos (pura ou impura).

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impossibilita-lo; e voluntario, espontâneo, livre e tendencialmente unânime no que toca as pessoas como aos grupos e estratos sociais envolvidos (o que não quer dizer que não existam discordâncias pouco significativas ou irrelevantes). 30

Quanto mais consensual e uma sociedade (e mais largo 0 seu consenso básico) maior eficiência e bem-estar pode alcançar no seu funcionamento, segundo regras clarificadas. Tendencialmente, e este o aspecto mais essencial da democracia; por em causa pontos essenciais do consenso significa impossibilitar o funcionamento do sistema, e traduz, portanto, uma atitude «subversiva)} (revolucionaria, neste sentido), seja qual for o conteúdo da opção em nome da qual se contraria o consenso - ou ate a inexistência de opção real.

C) Todavia, não e de excluir a democracia como expressão de certas formas de confronto ou imposição; resta saber se, sendo estas totais e incapazes de gerarem consensos, a democracia pode subsistir

Por exemplo: só e possível que haja aceitação generalizada do princípio segundo o qual através de impostos se deve financiar o

pagamento de pensões ou prestações aos deficientes e desempregados, se as pessoas não souberem se serram contribuintes ou desempregados; se alguns o souberem, os que sabem que serram contribuintes e não serão desempregados bloquearão ou contrariarão o consenso.

III . O Consenso pode -ser implícito ou explicitar-se, nomeadamente através de um processo que para alguns tende a identificar-se com um «contrato constitucional» C); parece-nos preferível entender que tal consenso pode abranger acordos não explícitos nem escritos, num conceito de constituição tradicional ou consuetudinária. Por outro lado, a hipótese do contrato - que vem de J. J. ROUSSEAU, Do contrato social (1762) - racionaliza uma serie de factores que não são necessariamente de ordem racional; explicita na hipótese contratual comportamento que ou são inatos ou tem fundamentos não exclusivamente voluntários; e mesmo se estendida a grupos e não só a indivíduos (o que não e já a lógica essencialmente individualista dos seus seguidores), parte de

30 O caso de terrorismo na navegação aérea e um bom exemplo: se todas as nações harmonizarem os seus comportamentos (extraditar sempre, por exemplo), a luta contra ele será mais eficaz; mas se alguns paises importante o recusar, a eficiência ou a produtividade do acordo acaba...

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hipóteses individualistas e hedonismos sobre o comportamento social que estamos longe de ter por aceitáveis. Esta e todavia uma hipótese individualista, racional e sensualista do comportamento; como tal pode ser provisória e limitadamente acolhida.

IV . A análise económica do sistema democrático note-se que formula o conceito de constituição diferentemente da sua concepção jurídica. Assim, para BUCHANAN e TULLOCK uma constituição e um modo de intervenção dos agentes na vida económica e), distinguindo-se como tal três tipos de constituições: a' acessão individual; a constituição cooperativa, que se traduz no entendimento para determinado número de agentes individuais actuar como grupos de interesse, ou seja, como uma associação de agentes constituída com o fim de favorecer os seus interesses comuns. E a acção colectiva, expressa pelo processo colectivo de voto e pelas instituições e regras de direito positivo que dele decorrem (neste sentido encontrarmos a base da formalização jurídica da constituirão). De cada uma decorre uma distinta lógica de sistema económico.

Enquanto para BUCHANAN e TULLOCK a constituição e uma instituirão, que sanciona a vontade do indivíduo, de um grupo ou da Colectividade, para ARROW e a regra fundamental de agregação, isto é, da passagem de n vontades individuais a uma vontade colectiva, que permite determinar as preferências sobre situações sociais a partir de preferências individuais. Será, de qualquer forma, com base na constituição - e na lógica económica que dela deriva ou que ela incorpora (consoante as concepções) - que e possível tomar as decisões politicas correntes, então por simples maioria.

O consenso democrático exprime-se normalmente por uma serie típica de instituições e regras C) que tentaremos caracterizar no domínio financeiro (constituição financeira).

V. Os consensos sociais podem assim ser espontâneos, quando as vantagens das respectivas regras e instituições são óbvias, ou podem resultar de acções inovadoras, tendentes a provoca-los. Os níveis de acordo numa sociedade podem ainda ser bem diversos por exemplo: a) umas situações sem nenhuns consensos; b) uma situação em que existem acordos feitos com base no que RAWLS chamou de o «véu da ignorância» - a incerteza absoluta sobre a própria posição no futuro, que e condição de adesão a certos acordos; c) ou processo social de decisão corrente, em que existem regras básicas de convivência social e as pessoas conhecem a sua posição na sociedade: então as decisões correntes serão tomadas num estado de certeza, quanto as regras e quanto a posição essencial das pessoas e).

(3) Por exemplo: é admissível que cada um dos membros da sociedade desejasse uma ditadura se fosse ele o ditador; mas todos

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estão incertos sobre quem o se tido de que se procure que haja procedimentos e instituições que estabeleçam um acordo entre os grupos e as pessoas numa certa colectividade (I). Caso ele seja determinado, o ditador preferia sê-lo, e os restantes não; e haverá decisão se ele tiver força para a impor. No segundo caso, havendo um consenso de recusa do ditador baseada no «véu de ignorância» (os olhos estão velados, porque ninguém sabe quem será ditador...). Decisão corrente falará adiante; ela afasta-se da decisão sobre as regras e instituições fundamentais da sociedade.

Os acordos de consenso social apenas serão possíveis quando (nos dois primeiros níveis referidos) houver incerteza sobre a sua posição futura na sociedade ou no processo politico-econ6mico; caso contrário, vigoraria a lei da forca e prevaleceria a vontade do mais forte.

VI. Algumas circunstâncias favorecem, portanto, a formulação de consensos: uma assembleia constituinte (BUCHANAN), em que os constituintes pensam que ganharão no futuro com as regras que formulam; a capacidade de prever a situação dos descendentes, que pode justificar sacrifícios actuais para beneficio deles; a igual possibilidade de cada um se encontrar na situação do outro; a existência de um período de tempo antes da entrada em vigor da regra (tomando provável que os ganhadores agora sejam beneficiados daqui por dois anos, por exemplo).

Teoricamente formularam-se duas regras de decisão nestas circunstâncias:

1) – O principio (formulado como regra básica por J. RAWLS) do Maximino, segundo o qual, em condições de incerteza, o consenso mais provável parte deste conceito; por prudência, as pessoas tendem a concentrar-se na hipótese pior; e tendera a ser escolhida a solução que seja a melhor de entre as alternativas piores.

Suponham-se quatro situações possíveis (A, B, C, D) e três alternativas de decisão (I, II, III) cujas utilidades constam do seguinte quadro:

O critério de escolha de uma pessoa prudente será, para RAWLS, mão o de procurar a solução em que ganha mais (a alternativa II, com utilidade 110. na situação A), mas aquela em que pode perder menos (I, com um mínimo de 20), por uma razão de prudência (').

2) – O consenso social exige, para se manter, a regra da unanimidade (ou melhor: a unanimidade politica, isto e, ausência de discordâncias significativas). Aqui não como critério corrente de decisão financeira - que a ideia de unanimidade formulada por WICKSELL tem sentido. Para demonstrar que um consenso exige, para ser mantido, que todos os sujeitos sociais relevantes estejam

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de acordo em mante-lo, pode recorrer-se ao caso de teoria dos jogos designado por dilema do prisioneiro C).

Tomemos dois agentes, A e B, considerados por hipótese em situações idênticas. O numero em cima e a esquerda de cada quadrado representa a utilidade de A e 0 de baixo a direita a utilidade de B; no quadrado central indica-se a utilidade total (isto e, a soma das utilidades de cada um deles). A pode aumentar a sua utilidade de IO para 13. Violando as regras (por exemplo actuando como contrabandista); mas apenas se B observar as regras e só nesse caso, caso em que a utilidade de B, que observa as regras sozinhas, desce radicalmente (na sociedade a posição de quem cumpre e pior se houver incumprimento generalizado...). Mas se B deixar de cumprir as regras, anula a utilidade de A - e também a sua: ambos ficam então na pior situação possível. Logo, ambos têm interesse em cumprir as regras, porque essa e a maior utilidade estável de ambos do ponto de vista social: 0 maior incentivo ao incumprimento, num jogo com muitos intervenientes, e a existência de castigos ou sanções para os incumpridores.

VII. Qual e, então, o âmbito do consenso mínimo necessário? Pode dizer-se que ele deve abranger (considerando sobretudo uma economia de mercado) as regras fundamentais e instituições da saciedade:

- Direitos individuais (em especial liberdade económica e propriedade privada);

- Os limites da área individual e colectiva da sociedade;

- A estruturação do Estado, que pode recorrer a forca para prosseguir os bens colectivos constitucionalmente acordados (mas e limitado pelos direitos individuais, a divisão de poderes e a descentralização);

- Enfim, a participação da população (democracia económica e financeira) em variados níveis: a decisão directa (democracia directa); 0 referendo e a iniciativa legislativa popular (democracia semi-recta); a codecisão em certas decisões económicas (co-gestão, autogestão, planeamento participado, etc.) e).

VIII. Estas concepções, como já se apontou, são individualistas, voluntaristas e relativamente racionalistas. N a politica, 0 grau de determinação dos indivíduos e dos grupos e bem menor - podendo, no limite, entender-se que ele e determinado necessariamente pela evolução da infra-estrutura económica (como entendem os marxistas). De qualquer modo, os fundamentos voluntários das instituições e regras de decisão, em relação a liberdade das pessoas, ficam relativamente (mas não absolutamente) esclarecidos pelo recurso a este tipo de análise - dedutiva quanto ao método, neoliberal quanto a inspiração.

90 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

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c) Decisões financeiras concretas

Designamos por decisões financeiras as opções relativas a satisfação pública de necessidades e ao nível do sector público em confronto com o privado, bem como as respectivas afectasses de recursos e fontes ou processos de financiamento e) o seu conteúdo concreto ser definido em fundamentais:

(i) Quais os critérios da decisão financeira?

(ii) Qual a forma da decisão financeira (processos de decisão, execução e controlo)?

A primeira pergunta já responde; quanto a segunda, brevíssimas palavras apenas.

As decisões financeiras são tendencialmente bilaterais - abrangem a provisão de bens como o seu financiamento.

Os bens mercantis ou privados são produzidos para mercado e nele avaliados; os bens colectivos ou públicos são produzidos a margem do mercado e avaliados fora dele, por critérios de valor aplicados pelo próprio poder político.

Com razão se tem acentuado o papel dos mecanismos institucionais na escolha dos bens públicos: eles não resultariam, ao menos nos Estados com constituições democráticas, da pura imposição do Estado ou dos governantes; resultariam antes de um processo de formação da vontade colectiva, por formas institucionais adequadas e segundo a constituição e a organização social de cada país (escola da «public choice» ou escolha publica). Mesmo nos Estados autocríticos os meios de pressão social (opinião publica, pressões politicas, dinâmica revolta repressão) existem e influenciam as decisões.

Outros acentuam de preferência o uso de mecanismos coactivos na selecção dos bens produzidos pela autoridade pública, embora admitam formas diversas de os financiar (relacionadas com 0 tipo de utilidade individual que, alem da colectiva, também pode prestar).

Em alguns casos funcionariam um princípio de troca ou de justiça comutativa: cada um financiaria os bens colectivos (ou o seu custo), participando nos encargos públicos consoante as utilidades recebidas (paga taxas se beneficia de um serviço; paga impostos em função da utilidade geral que recebe do funcionamento da maquina estadual, etc.). Para outros, prevaleceria a justiça distributiva: em vez de haver uma troca não mercantil, repartir-se-iam encargos em proporção dos recursos distribuídos e das utilidades percebidas, utilizando a justiça fiscal, não como mera troca, mas como uma maneira de distribuir benefícios e custos entre cidadãos (pagam

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mais os mais ricos e menos os mais pobres), entre gerações, entre regiões, etc. Encaram outros, enfim, 0 financiamento dos bens colectivos como uma forma de politica e justiça social e um instrumento para criar condições de:

Igualdade e transformar a sociedade pela politica financeira: então, distribuem-se os encargos, tendo em conta a repartição que se julga ser mais justa entre os diversos grupos existentes na sociedade e os fins gerais da política.

Os problemas da decisão financeira têm haver, ainda, com 0 papel das estruturas de decida. Que sistemas de votação? Que órgãos - e sob que controlo - as tomarão? A que critérios obedecerem as decisões dos órgãos e a interpretação da escolha social que pretendem interpretar (unanimidade, maioria, maioria qualificada)? Como concorrem entre si, não apenas os órgãos do Estado, mas as diversas estruturas de decisão e poder política --designadamente os partidos? Como se repartem os poderes de decisão entre classes e entre grupos funcionais (governantes, burocracia, tecnocracia), sujeitos a quais formas de poder? C).

ESTADO E OUTRAS ENTIDADES SOCIAIS

I. E legitimo perguntar se ao Estado se limita a actividade financeira. Sem prejuízo do estudo da realidade portuguesa, deve responder-se que não. Vejamos.

II. Existem no âmbito das comunidades religiosas fenómenos que podem assemelhar-se, pelo menos formalmente, aos fenómenos financeiros. Numa dupla perspectiva: satisfação de necessidades colectivas e financiamento de instituições sociais de interesse geral. Todavia, pelo menos no caso dos Estados como Portugal, em que vigoram os princípios da separação entre Igreja e Estado e da liberdade religiosa, não parece existir um elemento necessário a caracterização desta actividade como financeira: a coação pública31.

Existem, e certo, formulas, em relação a Igreja Católica, de comparticipação dos fiéis, através de doações espontâneas ou do

31 Cf. SOUSA FRANCO, Introdução apolítica Financeira, cit., cap. II; ADRIA 0 MOREIRA, Ciencia Politica; 1979; ATKI SON e STIGLITZ, Lectures; BROW e JACKSON, op. cil., M. LAVER, The politics of private desires; WHYNES e BOWLES, The economic theory of the State; SOUSA FRANCO, M FP, I, pp. 55-77; e infra, cap. IX (2.0 vol.).

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pagamento de determinadas taxas em troca de serviços, reguladas exclusivamente pelo Direito Canónico: ora, este move-se num domínio de entidade pura e de cooperarão, sempre sem recurso a coação.

_____________

III. Problema de particular actualidade e 0 de saber se 0 fenómeno financeiro se restringe ao âmbito estadual ou se existem para alem do Estado actividades financeiras próprias da comunidade internacional, nomeadamente nas organizações internacionais.

A indagação sobre a existência de fenómenos financeiros extra-estaduais não se confunde com o reconhecimento forçoso de que existem regras internacionais que se repercutem sobre a actividade financeira interna do Estado, como sejam os tratados e convenções internacionais relativos a tributação. Trata-se aqui de saber se na vida das organizações internacionais existem fenómenos realmente financeiros.

Em princípio, pela sua própria existência e funcionamento, as Organizações Internacionais implicam que haja formas de financiamento e processos de gestão que podem aproximar-se daqueles que politica corrente nos Estados. Enquanto esse financiamento for assegurado através das contribuições associativas dos Estados, como sucede na Organização das Nações Unidas e na generalidade destas instituições, não existem traços típicos do fenómeno financeiro no financiamento, mas apenas na afectação a que sejam criados - e são-no - bens públicos.

O moderno desenvolvimento de organizações supranacionais veio, no entanto, introduzir novos elementos, na medida em que em alguns casos se atribui a essas organizações um poder que se exerce dentro das fronteiras dos Estados membros e lhes permite entrar em relação com os cidadãos de cada país membro. É o que veremos a respeito das Comunidades Europeias.

IV. Enfim, seria impensável que o Estado chamasse a si a totalidade da satisfação das necessidades públicas; mais ou menos em todos os países existem algumas zonas que estão afectas a outros entes públicos, seja aqueles que tem uma mera personalidade jurídica distinta da do Estado, seja aos que tem uma base territorial diferente. Basta dizer que, nos Estados modernos, encontramos, para além do Estado, múltiplas outras entidades que exercem uma verdadeira actividade financeira pública.

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CAPÍTULO IV -FACTOS E NORMAS NA ACTIVIDADE FINANCEIRA

OBJECTIVOS

Neste capitulo o estudante deverá ser capaz de entender que:

1. A actividade financeira é regulada por normas jurídicas que determinam a existência de instituições, situações e relações jurídicas.

2. O conceito de direito financeiro e o significado da autonomia e natureza de um ramo de direito, sobretudo do direito financeiro.

AS FINANÇAS PÚBLICAS E 0 DIREITO FINANCEIRO

1. A actividade financeira envolve complexas arbitragens de interesses e uma estruturação institucional, articulada em razão de fins públicos e do exercício do poder político ou da autoridade pública; por força tem então de ser regida por normas jurídicas e determina a existência de instituições, situações e relações jurídicas. Dai que, tomando-a imediatamente como objecto de uma regulação jurídica, ela de origem ao aparecimento de um complexo jurídico (ordem normativa e ordenamento concreto) e de uma disciplina da ciência jurídica, designados todos por Direito Financeiro.

As normas jurídicas que regulam a actividade financeira em função de valores fazem-no fundamentalmente em dois pianos:

I) - O da organização e funcionamento interno da actividade financeira do Estado e demais entidades públicas; 2) das relações financeiras entre o Estado e outras entidades, nomeadamente os particulares.

No primeiro plano, que também engloba diversas normas de Direito Constitucional e Direito Administrativo, estão incluídas matérias que se reportam, nomeadamente, a competência para a aprovação do Orçamento e a autorização política que lhe é inerente, além de todos os domínios relacionados com a fiscalização financeira (quer esta seja efectuada por entidades administrativas, judiciais ou politicas) e com a execução do orçamento (que inclui o regime das despesas), bem como o direito patrimonial e da tesouraria. Apenas para exemplificar...

94 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

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No segundo plano, trata-se sobretudo de matérias respeitantes ao direito das receitas, ou seja, a regulamentação dos processos pelos quais o Estado ou outros entes públicos obtêm os meios necessários ao financiamento das necessidades públicas. Neste aspecto o Direito Financeiro e particularmente marcado pelas suas origens hist6ricas e dominadas por uma preocupação de dar garantias aos particulares contra os possíveis abusos do Estado (no domínio dos impostos e outros tributos, no credito publico, etc.).

O Direito Financeiro e assim 0 ramo do Direito que regula, mediante um regime próprio, nascido no século XVIII, a actividade financeira. Para 0 definir relevam esta matéria e aquela forma específica.

II. O conteúdo destas normas parece-nos que abrange as seguintes áreas normativas principais:

a) O Direito Constitucional Financeiro, que integra as normas relativas aos princípios fundamentais de organização e exercício do poder politica em matéria financeira e aos princípios gerais orientadores da estrutura e da actividade financeira do Estado;

b) O Direito da Administração Financeira, que rege a organização interna da Administração financeira (e que nada repugna considerar, como as demais normas relativas a organização e funcionamento de qualquer parte do aparelho administrativo, normas de Direito Administrativo);

c) O Direito Patrimonial, que integra as normas financeiras relativas ao patrim6nio do Estado;

d) O Direito Orçamental, que integra o regime geral do orçamento e da sua execução - incluindo, portanto, o «direito das despesas» ou normas relativas a realização de despesas correspondente as áreas da contabilidade publica e controlo financeiro e integrando as normas relativas a tesouraria do Estado;

e) O Direito das Receitas, em que podemos ainda distinguir duas áreas bem significativas: 0 Direito Tributário (ou, mais restritamente, o Direito Fiscal, relativo apenas ao regime jurídico dos impostos), que rege todas as receitas tributarias e se subordina ao principio geral de garantir a propriedade privada contra as execuções arbitrarias ou excessivas; o Direito do Credito Publico, que regula o conjunto das operações de crédito com regime especial de direito público praticara pelas entidades públicas.

f) 0 Direito Processual Financeiro, que regula a organização e funcionamento processual da Administração e dos Tribunais financeiros (fiscais ou de contas).

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III. É evidente que, como esferas institucionais autónomas, podemos distinguir um Direito Financeiro Internacional e um Direito Financeiro Interno; podemos distinguir direitos financeiros próprios das principais zonas institucionais internas (local, regional, da segurança social, etc.), Obviamente como delimitações institucionais do Direito Financeiro Geral.

IV. A matéria é, desde logo, suficientemente ampla - como objecto estritamente jurídico - para justificar o seu estudo autónomo e o ensino separado (autonomias disciplinar e didáctica). É importante delimitar o seu âmbito formal da realidade financeira, de tal modo que, no plano institucional jurídico, económico, administrativo, etc.), Se justifique o seu estudo interdisciplinar em articulação com o das Finanças Publicas. Mas qual a sua autonomia real (objectiva) e cientifica (subjectiva)?

AUTONOMIA E NATUREZA DO DIREITO FINANCEIRO

I. A questão da autonomia substancial do Direito Financeiro tem sido bastante discutida e, apesar de não atribuirmos importância capital, ela justifica uma breve reflexão. Partimos do princípio de que o problema da autonomia dos ramos de Direito, colocado em termos objectivos (autonomia como conjunto de normas, relações e instituições distintas das demais e dotadas de um espírito e de regimes comuns e próprios) e em termos subjectivos (autonomia da disciplina jurídica que as tem como objecto), tem muitas consequências práticas. Não apenas na definição dos problemas e princípios próprios de cada ramo de Direito. Também, por exemplo, na abordagem das respectivas fontes, na definição dos critérios de interpretação e aplicação das respectivas normas, na definição do Direito subsidiário quando se trate de integrar lacunas da lei, na formulação do mecanismo da garantia jurídica e da aplicação pelos tribunais... Partimos, por outro lado, do principio de que, se homogénea e a realidade social, una e integra e a ordem jurídica: por isso os ramos de Direito não são estanques, e a mesma norma, situação ou instituto podem ter uns aspectos regidos por certo ramo de Direito e outros ordenados por um outro. E é particularmente nítido o caso das normas constantes da Constituição, que definem bases fundamentais -e por vezes mais do que isso - dos diversos ramos de Direito. Nada obsta a que o direito Constitucional as tome como suas, num plano de generalidade; mas elas há-de ser também apropriadas pelas disciplinas respectivas: a proibição do confisco ou a punição dos crimes e matéria de Direito Penal, como a existência obrigatória do recurso contencioso se situa no campo do Direito Administrativo...

II. Em nosso entender, um ramo de Direito caracteriza-se por:

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a) Exercer uma forma específica de regulação social, orientada por uma função própria;

b) Estruturar o exercício dessa função através de regimes jurídicos autónomos e coerentes, que formem um subsistema axiológico e normativo, com sua projectarão em relações e situações jurídicas diferenciadas das demais:

c) Conformar assim uma área da realidade jurídica em termos diferenciados, isto e, específicos e próprios (instituíres próprias de cada ramo de Direito);

d) Determinar a existência de uma disciplina jurídica, em sentido subjectivo, suficientemente autonomizada, designadamente no plano da realidade social e no da metodologia cientifica.

A esta luz o Direito Financeiro tem as características que delimitam um ramo de Direito autónomo, ao menos nos sistemas jurídicos de tipo ocidental (e, fundamentalmente, no sistema românico). Exerce uma função essencial da regulação social: a arbitragem concreta entre os bens económicos atribuídos ao estado e os dos particulares, não só numa perspectiva estática (direito de propriedade, direitos reais administrativos, etc.), mas também numa óptica dinâmica de rendimento. Como pode o Estado obter recursos as custa do sector privado garantias são dadas a este, nomeadamente na óptica de defesa a propriedade da iniciativa privada a e da liberdade económica? Que instituições vão ordenar a adequada ilimitada gestão desses recursos e a sua aplicarão, de forma a garantir 0 controlo social sobre os bens apropriados pelo Estado? O Direito Financeiro seria constituído exclusivamente por normas de organização e internas se elas se limitassem ao património, a administração financeira, a tesouraria, por exemplo; mas não e assim desde que o preocupa essencialmente a arbitragem nas receitas - tributárias e creditícias - entre o interesse público e os direitos patrimoniais privados, e porque 0 controlo politico -participativo da colectividade se exerce sobre a afectação dos recursos e sua gestão (ornamento, contabilidade publica). Regular a actividade financeira significa fazer a arbitragem concreta entre propriedade -actividade do Estado e propriedade -actividade privadas, em cada período de tempo: no plano das relações entre Estado e particulares, como no plano do controlo politico -participativo da actividade dos órgãos do Estado pelos representantes do povo, ou ate por este directamente (acção popular, referendos financeiros). Nesta perspectiva, a expropriação e a requisição exercem com lógica funções de Direito Financeiro e manifestam ate - veja-se a intervenção prévia dos tribunais - alguns dos seus caracteres estruturais; todavia, nada obsta a que continuem a considerar-se de Direito Administrativo, na medida em que 0 Direito Financeiro tendeu a restringir-se as relações pecuniárias entre 0 Estado e os particulares, e 0 carácter não pecuniário da

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relação económica e naquele caso fundamento para 0 seu tratamento fora do plano do Direito Financeiro (alias, figuras disputadas e de fronteira existem sempre...).

III. Da sua função própria decorrem conteúdos normativos próprios e regimes específicos de Direito Financeiro, como conjunto de regras e princípios do Estado moderno, constitucional, liberal e democrático C). Estes foram, alias, em boa parte formulados a partir do sec. XVllI, antes da existência do tipo de Estado que inspirou 0 aparecimento do Direito Administrativo nos Estados de modelo francês (napoleónico) ou germânico: O Direito Financeiro e um produto do Estado demo -liberal e, sobretudo, do seu modelo parlamentar anglo-saxónico. Alguns dos seus regimes próprios são importantes: a vigência anual das opções orçamentais de receitas e de despesas; os caracteres próprios da legalidade ornamental; a aprovação das opções financeiras concretas da Administração pelos Parlamentos e não pela Administração (como e próprio do Direito Administrativo); a inexistência do privilégio de execução prévia e o recurso aos tribunais comuns, ou a tribunais fiscais ou financeiros, mas nunca aos tribunais administrativos para a resolução de litígios financeiros efectivos ou potenciais; a decisão parlamentar ou directa sobre as receitas e as despesas, na fase de autorização como na tomada de contas; os exercícios das formas de responsabilidade financeira dos agentes responsáveis pelos dinheiros públicos - tudo isto são princípios que projectam o Direito Financeiro para alem das simples normas internas e de organização, por um lado, e que o relacionam com mais garantias para os particulares, maior vinculação governamental e administrativa, critérios próprios de autorização, legalidade, controlo e intervenção judicial, diferentes dos do Direito Administrativo. Os poderes financeiros são, pois, diversos dos administrativos. Mas também se afastam da simples aplicação do Direito Civil ou Comercial: desde o regime próprio do empréstimo público, dominado pelo poder de autoridade do Estado, ate regras especiais de prescrição das dívidas do Estado... Tudo isto demonstra também que se trata de um ramo de Direito Publico, em que o interesse público releva, embora constantemente ponderado em confronto com o privado, e que por ele se exercem poderes de autoridade. Ocioso se torna exemplificar que o Direito Financeiro informa instituições próprias (o imposto, o ordenamento, etc.) e tem vida jurídica autónoma (profissões financeiras, v.g.).

IV. Poderá, e devera, reconhecer-se particular homogeneidade e importância pratica do Direito Fiscal - sub-ramo cuja autonomia e evidente e crescente. Mas isso não impede a identificação de fundo do Direito Fiscal com os princípios acima definidos e a existência de uma unidade subjacente a todo o Direito Financeiro. Quanto ao grau de heterogeneidade dai resultante, querer-se-á conceber maior heterogeneidade que a do Direito Civil? Por outro lado, o argumento que tende a identificar as clássicas funções do Estado com cada um dos ramos do Direito Publico interno (Politico ou

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Constitucional; J judiciário e Processual; Administrativo), omite importantes ramos do Direito Publico (como o Direito Penal) e atribui ao Direito Administrativo um carácter residual e heterogéneo que não nos parece correcto. Nada obsta a que certos princípios gerais do Direito Administrativo se apliquem também - por integração ou aplicação directa - as relações e instituições de Direito Financeiro, quer pela íntima articulação entre actividade financeira e actividade administrativa em geral, quer por se tratar de princípios gerais do Direito Publico. Mas como integrar no Direito Administrativo, por exemplo, o Orçamento, cuja essência e precisamente vincular a Administração a execução de opções concretas e (lato senso) administrativas, que sac tomadas pelo Parlamento, controladas por este e objecto de responsabilização perante este? Nada obsta, porem, a que se considere que o Direito da Administração Fazendaria se integra no âmbito do Direito Administrativo. Sem fronteiras enganadoramente' rígidas, a distinção entre Direito Financeiro e Direito Administrativo não pode deixar de passar pelo reconhecimento de que a actividade financeira e uma actividade política e administrativa, mas que são completamente diferentes as perspectivas de um ramo de Direito como o Administrativo, marcado geneticamente pelo poder e autoridade administrativos, e de um ramo como o Financeiro, nascido da preocupação de delimitar os poderem da Administração em relação aos particulares e do primado do Parlamento, A sua origem histórica e também bem distinta:

O Direito Financeiro nasce na Inglaterra nos séculos XVII e XVIII, o Direito Administrativo é um produto do liberalismo continental do século XIX.

Para separar o Direito Financeiro do Direito Privado bastará recordar que só existe fenómeno financeiro quando estamos perante a satisfação pública de necessidades a cargo de um ente que pode recorrer aos seus poderes de autoridade e a coacção para definir quais as necessidades a satisfazer e o modo como o vai fazer. Desta particular coercibilidade de que é dotado o fenómeno financeiro resultam inúmeras especificidades de regime, que permitem a sua qualificação como Direito Publico. Note-se, no entanto, que anda assim o Direito Financeiro vai buscar ao Direito Privado um apoio importante recorrendo, por exemplo, ao Direito das Obrigações para estruturar as relações decorrentes do imposto ou do empréstimo público, ou ao Direito Processual Comum para as normas que regulam o contencioso fiscal.

Quanto ao Direito Constitucional, não cabem dúvidas de que uma importante parte do Direito Financeiro se situa em nível infraconstitucional, apesar de ser evidente que muitas das suas normas fundamentais (como a existência de votação dos impostos ou de aprovação parlamentar dos Orçamentos) há-de constar da

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própria Constituição, por envolverem poderes e processos jurídico-políticos ou direitos fundamentais.

V. A solução preferível parece ser assim a de considerar este ramo do Direito como dotado de autonomia, embora admitindo que muitas das suas normas estão intimamente relacionadas com (ou pertencem mesmo a) outros ramos de Direito, o que nem sequer e uma situação especifica do Direito Financeiro. A autonomia deste ramo do Direito Publico e hoje, de resto, admitida pela doutrina estrangeira dominante, e também o e em Portugal (embora não exista, particularmente entre nos, um tratamento didáctico e cientifico global correspondente a importância actual do Direito Financeiro, com excepção do Direito Fiscal). /Z-

Acentue-se, enfim, a importância histórica do Direito Financeiro, em cujo tratamento se distinguiram notáveis especialistas de Direito Publico, e as suas especialidades metodológicas em relação

Ao Direito Administrativo. Anote-se apenas a maior relevância dos conceitos contabilísticos e económicos (sem confundir disciplinas, métodos e campos de saber diversos, como por vezes fizeram os autores que defenderam, desde GRIZIOTI, uma excessiva interligação entre o Direito Financeiro e a Ciência das Finanças.

EXÉRCICIOS PRÁTICOS 1. Diga o que entende sobre actividade financeira do Estado.

2. “ As finanças públicas referem-se a aquisição e utilização de meios financeiros pelas entidades públicas

- Queira, por favor, comentar esta afirmação, tendo em consideração o conceito de finanças públicas.

3. “ As finanças públicas diferem radicalmente das finanças privadas

a) Estabeleça a diferença entre estas duas figuras.

4. Estabeleça a diferença entre intervenção económica e actuação económica.

5. De exemplos elucidativos de intervenção do Estado na economia.

6. Explique o que entende sobre abstenção económica do Estado.

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7. Diga o que entende sobre princípio de mercado.

CORRECÇÃO DOS EXERCÍCIOS 1. A actividade financeira do Estado e aquela que visa

satisfazer necessidades colectivas ou alcançar outro tipo de objectivos económicos, políticos e sociais e que se concretiza na arrecadação de receitas e na realização de despesas.

2. Comentando esta afirmação direi que e um facto que as finanças publicas referem-se a aquisição e utilização de meios financeiros pela entidades publicas, porque esta aquisição e utilização de meios financeiros referem-se a arrecadação das receitas com vista a efectuar respectivas despesas do Estado; porque o Estado tem como finalidade a satisfação de necessidades colectivas, tais como, a segurança, a ordem publica, a defesa nacional, a administração da justiça, o acesso a educação e saúde, a existência de infra-estruturas económicas e sociais e a estabilidade macroeconómica, tem também como objectivo atingir certos objectivos de politica económica e social, como a redução da pobreza, a redistribuição do rendimento e o desenvolvimento económico e para alcançar tais objectivos, o Estado vê-se obrigado a despender recursos, a efectuar despesas, e para conseguir financiar as suas despesas recorre a arrecadação de receitas, tais como, os impostos, as taxas, as receitas patrimoniais, os donativos e os empréstimos públicos.

3. Estabelecendo a diferença entre finanças publicas e finanças privadas direi o seguinte:

o Os impostos constituem um meio de financiamento do Estado, que não se encontra ao dispor de nenhuma empresa privada.

o As despesas públicas ao contrário das privadas, não são determinadas pelas receitas. O Estado visa satisfazer necessidades colectivas e alcançar objectivos económicos e sociais, enquanto as empresas procuram a maximização dos seus lucros.

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4. Estabelecendo a diferença entre intervenção económica e actuação económica podem afirmar que a intervenção económica refere-se a acções do Governo visando alterar a actuação ou o comportamento dos agentes económicos, sem contudo o modificar o quadro geral da actividade económica, na actuação económica o Estado assume-se como agente económico, dispondo neste Caso de bens económicos, afectando-os a necessidades sociais que pretende ver satisfeitas.

5. Os exemplos de intervenção do Estado na economia são os seguintes: A subida dos impostos sobre as actividades poluidoras, com vista a fazer com que as empresas reduzam a emissão de resíduos poluentes; a redução dos direitos aduaneiros sobre as importações de bens de capital, para estimular o investimento na economia; e também o caso de um subsídio aos preços dos produtos básicos, a fim de reduzir a inflação e os níveis de pobreza; de uma desvalorização da moeda, com vista a aumentar as exportações e diminuir as importações; ou de uma expansão da oferta monetária, com objectivo de reduzir as taxas de juro e incentivar o investimento.

6. A abstenção económica do Estado e um outro princípio fundamental que preside ao relacionamento entre o Estado e a actividade económica, neste princípio, o Estado tendera a não exercer funções de regulamentação e intervenção sobre a actividade económica, para deixar agir espontaneamente a livre concorrência. Toda a sua orientação económica e dominada pela preocupação de não modificar o comportamento normal dos sujeitos económicos privados, abstendo-se quanto possível de interferir sobre elas no desenrolar do seu comportamento económico próprio (actividade financeira)

7. Princípio de mercado define, em relação a cada tipo de bens, quais vão ser produzidos, em que quantidades o vão e a que preços, resolvendo-se através da livre licitação da oferta e da procura em mercado todos os problemas económicos fundamentais, sejam de produção, de consumo, de repartição ou de circulação. O principio do mercado e dominado peça lei da oferta e da procura.

102 UNIDADE I – FENÓMENO FINANCEIRO (FACTOS E NORMAS)

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SUGESTÕES DE LEITURA

Sousa Franco, A.L (1996), Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. 1, p.3; pp.50-68

Teixeira Ribeiro, J.J. (1991), Lições de Finanças Públicas, capítulo 1.

Adriano Moreira, Ciência Politica, (1979).

Sousa Franco, Introdução a Política Financeira

QUADRO SINÓPTICO

Finanças Públicas e Direito Financeiro

Actividade financeira: é regida por normas jurídicas e determina a existência de instituições, situações e relações jurídicas – Dá origem ao aparecimento de um complexo jurídico (ordem normativa ordenamento concreto e de um disciplina da Ciência Jurídica, designada por Direito Financeiro).

O conteúdo das normas do Direito Financeiro abrange as seguintes áreas normativas:

• Direito da Administração Financeira

• Direito Patrimonial

• Direito Orçamental

• Direito das Receitas

• Direito Processual Financeiro

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Esferas institucionais autónomas:

• Direito Financeiro Internacional

• Direito Financeiro Interno

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AVALIAÇÃO DE FINANÇAS PÚBLICAS

Avaliação

ATENÇÃO – TESTE DE AVALIAÇÃO

Teste da 1ª Unidade – Duração 2 horas

Leia atentamente as questões apresentadas neste teste. Resolva-o na folha de teste em anexo e envie ao ISM para correcção. A cotação para cada questão está entre parênteses.

1. “ As finanças públicas existem porque existe a necessidade do Estado realizar despesas e consequentemente arrecadar receitas.

a) Diga qual e a finalidade desta actividade do Estado, tomando em consideração o conceito de finanças publicas.

2. Quais são os tipos de receitas que o Estado arrecada para a realização das suas despesas.

3. “ A alienação de empresas estatais tem por detrás objectivos que não se cingem a mera arrecadação de receitas, tais como o aumento da eficiência económica, a transformação do papel do Estado na economia, a expansão do investimento e a melhoria dos serviços públicos”.

a) Diga que tipo de receita e a alienação do património do Estado e define-a.

4. “ E através desta que o Estado estabelece os princípios gerais que norteiam a sua intervenção na economia. Ela compreende a definição de um quadro geral – de balizas – dentro das quais o Estado e os sujeitos económicos desenvolvem livremente a sua actividade, ou seja, e através

NOME : ___________________________________________________________

Nº DE MATRÍCULA ________________ NOTA _________________

N.B: Envie-nos este teste já resolvido, para correcção.

FINANÇAS PÚBLICAS

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dela que se delimita o campo da acção do Estado e dos diferentes agentes económicos. E a definição da doutrina económica e social e a sua concretização na constituição e legislação económicas”.

a) Diga de que figura jurídico - financeira se trata e explique o que entende sobre a mesma.

5. Diga quais são as características que delimitam a autonomia do direito financeiro.

6. Faca a destrinça entre o direito financeiro e o direito privado, tomando em consideração que o direito financeiro e um direito de natureza púbica.

Fim

Bom Trabalho!