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Filosofia Política

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Filosofia Política

O que é Filosofia Política?

Material Teórico

Responsável pelo Conteúdo:Profa. Ms. Yoná Santos

Revisão Textual:Profa. Ms. Rosemary Toffoli

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O principal objetivo desta Unidade é estabelecer um contato introdutório com a problemática da Filosofia Política. Para isso, primeiramente, delimitaremos o nosso campo de reflexão e o nosso objeto de estudo, localizaremos a origem da política no Ocidente, precisamente, na Grécia Antiga, na cidade de Atenas, e, por fim, analisaremos como era a participação dos cidadãos na política. Aqui você terá um entendimento sobre a importância da política na vida dos homens e como ele faz parte da nossa natureza.

Em materiais didáticos você encontrará o conteúdo e as atividades propostas para o tema do nascimento da filosofia política.

Nesta Unidade, abordaremos o nascimento da política e como é importante diferenciar política sob o ponto de vista da filosofia e do senso comum.

O que é Filosofia Política?

· O que é filosofia política?

· A Democracia na Grécia Antiga

· Os Sofistas e a Política

· A Morte de Sócrates

· Considerações finais

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Unidade: O que é Filosofia Política?

Contextualização

Para iniciar esta Unidade, com base na tabela abaixo, reflita sobre a questão da falta de interesse dos brasileiros por política. De maneira geral, temos a opinião, muitas vezes caracterizada como senso comum, que as pessoas não gostam de política, que têm, inclusive, até uma certa aversão ao tema, ou que procuram excluir esse assunto de suas vidas. Será que isso é verdade? Temos dados que comprovam esse tipo de crença?

Gráfico

Interesse dos Brasileiros por Política – Brasil - Em % 2011

60

50

40

30

20

10

13,9 13,5

48,6

23,1

0Nenhum Baixo Médio Alto

Fonte: DataSenado/senado.gov.br

Para Pensar

Oriente sua reflexão pelas seguintes questões:

Qual foi o interesse dos brasileiros por política em 2011?

O interesse dos brasileiros por política está ligado a quais fatores?

O desinteresse dos brasileiros por política está ligado a quais fatores?

O que podemos concluir ao analisar esse gráfico?

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O que é filosofia política?

Abordaremos, nesta unidade, não só do que se trata a Filosofia política, como também seu objeto de estudo.

Serão enfocados dois tópicos: primeiramente, delimitaremos o nosso objeto de estudo, elencando as diferenças entre filosofia política e ciência política, esboçando um conceito de política, e, posteriormente, trataremos da democracia na Grécia Antiga, precisamente, em Atenas, através dos sofistas e da morte de Sócrates. Aqui você terá melhor compreensão sobre esses tópicos, cujas análises são baseadas em estudos realizados por especialistas sobre esses temas.

Delimitando o nosso objeto de estudo: considerações sobre a filosofia política

A filosofia, como a conhecemos no Ocidente, surgiu no século V a.C. na Grécia Antiga, precisamente, na cidade de Atenas. Seu surgimento é marcado pela passagem do pensamento mítico para o pensamento racional. Instaurando o logos, o discurso racional a filosofia desponta através dos filósofos pré-socráticos, os chamados primeiros filósofos. Ao olharem para a physis, a natureza, e buscarem o princípio, a causa inicial que deu origem a tudo (a arché), os pré-socráticos romperam com a visão mitológica do mundo, estabelecida, desde então, por Hesíodo, em sua Teogonia. Desse modo, a filosofia não começa debatendo questões políticas e sociais, mas olhando para a natureza e buscando construir uma visão de mundo diferente da teogonia: uma cosmologia.

Depois dos pré-socráticos, temos a discussão de questões voltadas para o homem, para a natureza humana. Os sofistas e Sócrates são os percursores dessa abordagem , cujo foco é voltado para as questões políticas e sociais.

A filosofia política é uma área da filosofia que se preocupa em estudar a convivência dos homens em grupo, em sociedade e de discutir assuntos relacionados à vida em comum. Contudo, não devemos confundir filosofia política e ciência política.

Diferenças entre filosofia política e ciência política É muito comum fazer uma confusão com os conceitos filosofia política e ciência política. A

ciência política tem como objeto de estudo os partidos políticos, as manifestações políticas e sociais, os processos e comportamentos políticos (como, por exemplo, adesão às ideologias) e as instituições política de maneira geral. Utilizando o método indutivo, a ciência política relaciona-se com outras ciências como a estatística, a economia, a psicologia, história etc.

A filosofia política tem como objetivo a teorização de como deve ser o Estado e a forma de governo ideal. Utilizando o método dedutivo e teorizando como seria uma sociedade ideal, do ponto de vista político. A filosofia política coloca as seguintes questões: que tipo de Estado

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Unidade: O que é Filosofia Política?

deve existir? Como deve ser mediada a relação Estado e indivíduo? O que é poder? Qual a sua origem? Para que ele deve ser usado? Para que ele não deve ser usado? Qual a relação entre ética e política? Quem deve participar da política? Quem deve ser considerado cidadão? Quais são os direitos dos cidadãos?

Maquiavel é considerado o pai da ciência política, por ter escrito a sua obra O Príncipe (1514). Na referida obra, o filósofo italiano afirma que o que lhe interessa era é a verdade efetiva das coisas e não as idealizações.

Essas duas áreas - filosofia política e ciência política - muitas vezes, caminham juntas, muitas vezes, misturam-se e por isso a linha divisória entre elas é muito tênue.

O conceito de política A Grécia Antiga era constituída por um aglomerado de cidades estados autônomas. Atenas,

Esparta e Tebas são exemplos de pólis. Política ou politiké vem de pólis, em português cidade-estado, ou seja, política era uma prática que estava relacionada com a vida na pólis e que envolvia, consequentemente, um conjunto de pessoas.

Dessa primeira definição de política, nasce uma pergunta: como os povos anteriores aos gregos se organizavam? Ou de uma maneira mais direta e simples: antes dos gregos não existia a política?

Segundos os historiadores, antes dos gregos vigorava o poder despótico ou patriarcal. O patriarca era o chefe da família que possuía o poder e decidia sobre a vida e a morte de todos os membros do grupo, determinando o que era e o que não era permitido, a distribuição de riquezas, a guerra, a paz e as alianças. A origem desse poder estava na posse das terras ou de riquezas e também se atribuía a ele uma origem divina. Ou seja, quem detinha a autoridade e o poder possuía o privilégio de relacionar-se diretamente com o divino, concentrando também a autoridade religiosa. Além disso, também era o chefe militar, era o comandante máximo. Agregava-se a isso o fato de que o patriarca também delegava funções, criando, assim, as castas dos sacerdotes e a dos guerreiros.

Quando afirmamos que os gregos inventaram a política, significa dizer que eles reformularam o poder patriarcal, agregando às atribuições do chefe político a atividade política que garantia a participação dos cidadãos nos destinos da pólis, fundando dessa forma, a prática política no mundo Ocidental.

Diálogo com o Autor

Em outros locais, como na Pérsia ou no Egito, a atividade política seria a do governante, que comandava autocraticamente o coletivo em direção a certos objetivos: as guerras, as edificações públicas, a pacificação interna. Na Grécia, ao lado dessas atribuições do soberano, a atividade política desenvolver-se-ia como cimento da própria vida social. O que a política grega acrescenta aos outros Estados é a referência à cidade, ao coletivo da pólis, ao discurso, à cidadania, à soberania, à lei. (MAAR, 1988, p.29).

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Aristóteles, filósofo grego, afirmou que o homem é um zoon politikon, ou “o homem é um animal político”. Nesse sentido, para o filósofo a política é algo inerente ao ser humano, faz parte da sua essência. Logo, o homem não chegou à política por uma escolha pessoal ou por um acidente. A vida coletiva é uma necessidade do próprio homem, é uma característica biológica própria do ser humano. Ao entendemos o homem como animal político, cabe a discussão sobre qual o lugar do próprio homem na sociedade e qual a melhor forma de governo para cada cidade.

É importante ressaltar que não devemos petrificar o conceito de política dos gregos e transpô-lo de maneira direta para os dias atuais: é necessário contextualizar e ter consciência que são sociedades e culturas diferentes.

Diálogo com o Autor

(...) usar a palavra político no sentido grego da pólis grega não é arbitrário nem artificial. (...) De fato, é difícil e mesmo enganoso falar sobre a política e seus princípios sem recorrer, em alguma medida, às experiências da Antiguidade grega e romana e isso pela única razão de que os homens, antes ou depois nunca tiveram em tão elevada consideração a atividade política e conferiram tanta dignidade ao seu âmbito. (WAGNER, 2006, P. 34)

Uma das características da democracia grega antiga é o vínculo entre ética e política, então, se admitirmos que a política tem como fim a vida justa e feliz, fica estabelecida uma relação com a ética. Aristóteles e Platão vão afirmar que as qualidades da pólis dependiam das qualidades morais dos cidadãos, ou seja, somente na cidade boa e justa os homens podem ser bons e justos, podem construir uma cidade boa e justa.

Ética é uma palavra grega, que deriva de outra, ethos que significa caráter. Também pode significar costume. Em filosofia moral, definimos ética como a reflexão acerca dos valores, normas e padrões que são estabelecidos pelos homens ao viverem em sociedade.

Diálogo com o Autor

Falar sobre ética e política na pólis não faria sentido para o homem grego, pois, no pensamento filosófico político da época, não há propriamente uma relação entre ética e política, mas um laço indissolúvel entre ambas, ou seja, não se tratava de um pensamento moral voltado para a interioridade, para a consciência individual, tal como concebemos modernamente. Toda a ética é um “olhar fora”, um modo de ser para ver e ser visto, uma ética pela qual o homem se define pela relação que estabelece com os outros. (TONELLI, 2008, P. 12)

Desse modo, falar em relação entre ética e política como dimensões distintas e separadas do agir humano no contexto da pólis grega do século V a.C. não faria sentido, uma vez que a ética surge como modo de ser virtuoso em função de uma vida na comunidade política. (TONELLI, 2008, P. 10)

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Unidade: O que é Filosofia Política?

A Democracia na Grécia Antiga

Foi na democracia ateniense (em português, demos significa “povo”, já kratos, “poder”) que a política se manifestou, que ganhou forma. Estudiosos afirmam que o único regime verdadeiramente democrático foi em Atenas, pois, nas outras cidades gregas, vigorava a monarquia e a oligarquia.

A democracia grega tinha como locus primordial a ágora, a praça pública. Os cidadãos reuniam-se, em média, de nove em nove dias. Não eram considerados cidadãos as mulheres, os escravos, as crianças e os estrangeiros. Logo, a palavra cidadão aplicava-se somente aos homens, nascidos em Atenas, maiores de 18 anos.

Em termos percentuais, no século V. a. C, em Atenas, eram cidadãos pouco menos de 10% da população, ou seja, 90% eram escravos, estrangeiros, mulheres e crianças. Somente 10% estavam autorizados a irem à ágora e nesse grupo todos tinham o mesmo direito na hora de votar, não importando a sua situação econômica, social ou intelectual.

Para saber mais sobre a democracia em Atenas, leia o livro Democracia, do Professor e Filósofo, Renato Janine Ribeiro.

Uma vez que eram livres, ou cidadãos eram iguais no direito de falar. A igualdade entre os cidadãos, ou isonomia, era resultado da isegoria, igual direito de todos de manifestar sua opinião, de participar nas decisões da comunidade através da palavra. (TONELLI, 2008, P. 11)

Não era obrigatória a participação dos cidadãos na política, iria à ágora aquele que desejasse, que quisesse. Para quem não participava da política, das reuniões na praça, na ágora, da vida pública, os gregos davam o nome de idiota (em grego idiotes, em oposição ao polites).

Para Pensar

Na ágora, o debate tinha como temas (sempre propostos pelos cidadãos): os jogos olímpicos, os assuntos relativos ao teatro e as festas religiosas. Por que temos a ideia que a democracia grega só se preocupava com temas que estivessem obrigatoriamente ligados à economia e a guerra?

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Os debates organizavam-se da seguinte maneira: havia um mediador escolhido por sorteio, o que indicava algum grau de rotatividade. Votava-se e ganhava a tese endossada pelo maior número. Aquela pessoa que tivesse o discurso mais hábil, mais bem elaborado, mais persuasivo conseguiria impor suas teses na ágora e fazer com que a maioria votasse a seu favor. Assim o poder na ágora dependia da persuasão, da competência de conseguir a adesão do maior número de pessoas.

Em 399 a. C., o filósofo Sócrates foi julgado pela democracia ateniense. Participaram do seu julgamento 501 pessoas, sendo que 281 votaram pela sua condenação à morte.

Mas como aprender a arte da retórica e da persuasão? Quem poderia ensiná-las àqueles que não nasceram com o dom da palavra e do convencimento?

Era possível pagar por esses ensinamentos e os sofistas eram os responsáveis por ensinar a retórica e a persuasão. O mais famoso deles foi Protágoras, de Abdera.

Os Sofistas e a Política

Os responsáveis por formar politicamente os cidadãos em Atenas eram chamados de sofistas. A palavra sofista vem do grego sophos e quer dizer “sábio”. Originalmente, seu significado era relativo ao detentor de alguma habilidade, perícia. O sophos não é o homem que sabe muitas coisas, mas aquele cujo conhecimento é útil.

Figura 1 – A Era de Péricles

Fonte: Philip Von Folz (1860)/Wikimedia Commons

Obra de Philipp Von Foltz - 1983

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Unidade: O que é Filosofia Política?

Diálogo com o Autor

Críton (CR) . Quem é Sócrates, aquele com quem conversavas ontem no Liceu? Decididamente,

uma grande multidão vos cercava, de modo que eu, querendo escutar, <ainda que> me aproximando, nada pude ouvir de distinto. Debruçando-me entretanto <sobre os outros>, consegui ver, e pareceu-me ser um estrangeiro aquele com quem falavas. Quem era?

Sócrates (SO). De qual dos dois exatamente perguntas, Críton? Pois eram dois, não um.

CR. Esse de quem falo estava sentado à direita, o terceiro a contar de ti. Entre vós dois estava o menino de Axíoco. Pareceu-me ter-se desenvolvido realmente muito, Sócrates, e não diferi muito em idade do nosso Critóbulo. Só que este é franzino, enquanto aquele é bem crescido para sua idade, e de bela e nobre aparência.

SO. É Eutidemo, Críton, esse de quem perguntas, enquanto o que estava sentado à minha esquerda é o irmão dele, Dionisodoro; e também este participa das discussões.

CR. Não conheço nenhum dos dois, Sócrates. Alguns novos sofistas também estes, segundo parece. De onde são? E qual é seu saber?

SO. Quanto a sua origem, como eu creio, eles são de algum lugar daqui, de Quios, mas emigraram para Túrio; estando banidos porém de lá, já há muitos anos moram por estas bandas. Sobre o que perguntas, o saber deles, é uma maravilha, Críton. Os dois são simplesmente sábios em tudo; e eu ignorava até aqui o que fossem os pancratiastas. Pois esses dois são certamente lutadores de tudo; não como eram os dois acarnanes, os irmãos pancratiastas. Pois estes só eram capazes de lutar com o corpo, enquanto aqueles são, em primeiro lugar, habilíssimos com o corpo e na luta na qual é possível dominar a todos - pois são sábios consumados em lutar com armas, e capazes de nisso fazer sábio a outrem, desde que lhes pague um salário; em seguida, no que concerne à disputa nos tribunais, são ótimos, tanto para sustentar o litígio, quanto para ensinar outrem a falar e a redigir discursos tais que apropriados aos tribunais. De fato, até o presente, eram hábeis só nessas coisas, agora, entretanto, colocaram o remate na arte do pancrácio. Pois, a luta que lhes restava por exercer, essa agora eles realizaram plenamente, de modo que ninguém será capaz de sequer erguer-se contra eles, de tal forma tornaram-se hábeis em lutar com palavras e em refutar completamente o que, a cada vez, é dito, de forma semelhante se for falso e se for verdadeiro. Assim sendo, Críton, eu, de minha parte, estou com intenção de entregar-me nas mãos desses homens, pois eles dizem que, em pouco tempo, fariam qualquer outra pessoa hábil nessas mesmas coisas. (PLATÂO, 2000)

Um sophistes é, então, aquele que, dotado de perícia especial, habilidade ou conhecimento para comunicar, possui sophia prática, tanto nos campos da conduta e política, como nas artes técnicas. (TONELLI, 2008, P. 28)

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Diálogo com o Autor

(...) a persuasão era uma forma específica do diálogo político. Como lembra Arendt, os gregos se orgulhavam com o fato de sua política ser conduzida pela palavra e sem a utilização da violência, o que os distinguia dos bárbaros. (TONELLI, 2008, P. 45 e 46)

De acordo com os sofistas, os homens, ao perceberem que viver em sociedade era mais vantajoso que viver sozinho, decidem inventar a pólis, através de um acordo. As leis, as regras de convivência são fruto desse ajuste entre os homens.

Considerados os pais do relativismo, como doutrina filosófica, acreditavam que as verdades são sempre relativas, subjetivas, particulares, mutáveis, depende de cada um, de seus gostos, preferências, culturas, sendo sempre provisória.

Protágoras de Abdera, um dos sofistas com mais notoriedade, afirmava que o homem é a medida de todas as coisas, daquelas que são e daquelas que não são. Ou seja, cada pessoa estabelecerá um valor, uma crença, não existindo uma verdade absoluta e definitiva.

Estudiosos alegam que os sofistas eram sábios itinerantes, viveram em muitas cidades, conheceram muitas culturas, costumes e crenças, o que teria contribuído para a visão contingente acerca do mundo. Eram professores que cobravam por seus ensinamentos, instruindo, assim, os jovens ricos de Atenas. Ao irem para a ágora, os cidadãos tinham a possibilidade de debater e votar os temas, utilizando a retórica e a persuasão como instrumentos. Assim, a vontade da maioria estabelecia o que era verdadeiro. Logo, o objetivo último da política era criar e estabelecer consensos.

Os sofistas (...) foram os primeiros a responder que a realidade e a lei moral transcendem a capacidade cognitiva do homem. Tudo o que o homem conhece sobre a filosofia e sobre a ética é por ele mesmo arquitetado e não proveniente de quaisquer divindades. Os sofistas ensinavam aos seus discípulos que só existe conhecimento provável; não pode existir conhecimento verdadeiro. Tampouco para os sofistas existe uma lei moral absoluta; todas as leis são convencionais. Para eles, as leis humanas e os costumes variam de uma cidade para a outra, por isso são meras convenções. (TONELLI, 2008, P. 28 e 29)

Os sofistas foram atraídos para Atenas em virtude das novas condições políticas com o objetivo de ensinar os cidadãos de uma forma diferente daquela que caracterizava a formação guerreira dos poetas. Eram os mestres da técnica do discurso e o caminha que percorriam não era o da verdade, mas o da opinião. Com o aparecimento do movimento sofista, surge a primeira crítica da razão política porque para os sofistas a política não é da esfera da verdade (alethéia) mas da opinião (doxa) daí a aposição dos filósofos, que estavam em busca da verdade. Os sofistas, nesse sentido, são os primeiros a fundarem uma filosofia da democracia. (TONELLI, 2008, P. 29)

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Unidade: O que é Filosofia Política?

De todos os sofistas, o mais importante foi Protágoras de Abdera, autor da célebre frase “O homem é a medida de todas as coisas”. Isso quer dizer que para Protágoras nada existe a não ser o que cada indivíduo percebe ou conhece, o que para Aristóteles tratava-se de puro subjetivismo e relativismo. (TONELLI, 2008, P. 30 e 31)

Para Pensar

Os sofistas são considerados os pais do relativismo. Ou seja, não existem verdades absolutas. A verdade é sempre subjetiva, relativa e provisória. Diante disso, podemos afirmar que os sofistas são filósofos amorais?

Se por um lado podemos dizer que se trata de uma visão extremamente realista ou pragmática da política, por outro, é inegável a contribuição dos sofistas no que se refere à participação política igualitária dos cidadãos num regime democrático, embora saibamos que nem todos tivessem esse direito em Atenas. (TONELLI, 2008, P. 32)

Na medida em que a democracia era o regime da opinião, os sofistas podiam reconhecer que a democracia se traduz num permanente ato da linguagem e é exatamente esse ato o instrumento sem o qual para ele o elo social não seria possível. (TONELLI, 2008, P. 32 e 33)

A Morte de Sócrates

Nascido em Atenas, provavelmente no ano de 469 a.C., filho de uma parteira e de um escultor, Sócrates é considerado o patrono da filosofia. Apreciava e cultivava a arte do diálogo, o que o teria levado a não escrever livros. Por esse motivo tudo o que conhecemos de Sócrates hoje nos foi relatado por Platão (seu aluno e discípulo), Xenofonte e Aristófanes.

Diálogo com o Autor

Depõe muito a favor de Sócrates o fato de que só ele, entre todos os grandes pensadores – singular neste aspecto como em muitos outros- jamais se tenha entregue ao trabalho de dar forma escrita a seus pensamentos. (ARENDT, 2000, P. 28)

Nos diálogos de Platão, temos como personagem principal Sócrates, que gostava de interrogar as pessoas e levá-las a ter consciência que a ignorância é o primeiro passo para se alcançar o conhecimento e que, muitas vezes, tomamos por verdadeiro opiniões particulares e contraditórias.

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Tinha como inimigos os sofistas, os quais criticava por não terem amor à sabedoria, não se empenharem por desvelar as verdades absolutas e ensinarem aos jovens que a elaboração de discursos e o convencimento era algo mais importante do que a busca pelas ideias absolutas, pelos conceitos.

Andando sempre com os pés descalços e com roupas velhas e desgastadas, Sócrates perambulava pelas ruas de Atenas e interpelava os jovens, usando para isso o seu método.

O diálogo, o elenchos, a ironia e a maiêutica são elementos do método socrático. Sócrates, ao dialogar com uma pessoa, fazia uma série de perguntas, fingindo não saber o que sabia pare que, ao final, a pessoa fosse levada a abandonar a opinião que possuía e dar a luz para uma ideia, para um conceito, o mais geral possível. Sócrates indagava: O que é a justiça? O que é a beleza?

Todas essas perguntas deixavam as pessoas irritadas, constrangidas e por isso Sócrates criou muitas inimizades, pois, ao final do diálogo, as pessoas esperavam que o filósofo desse para elas a resposta de suas perguntas, mas Sócrates, muitas vezes, dizia ao final dos diálogos: eu não sei, atitude essa que deixava as pessoas perplexas e desconcertadas, mas que revelava que a consciência da própria ignorância é o início da filosofia, ou seja, “Só sei que nada sei”.

A filosofia política nasce com Sócrates, embora uma filosofia política escrita só tenha início com Platão. Sócrates, na verdade, foi um filósofo-cidadão, leal às leis da cidade, um verdadeiro legalista, a ponto de afirmar que mesmo as leis injustas devem ser respeitadas. (TONELLI, 2008, P. 44)

Sócrates não podia pensar outra forma de fazer filosofia. Seu ofício era interrogar os homens e a cidade, por isso mesmo pensava em seu ofício de filósofo como “missão política”. Para Sócrates, uma vida só vale a pena ser vivida se for examinada. O amor de Sócrates pela política nada tinha a ver com qualquer aspiração ao poder. Para Sócrates, a interrogação, a reflexão, enfim, o exame sobre a política é missão do filósofo, um ato de lealdade para com a cidade. (TONELLI, 2008, P. 45)

Os sofistas ao procurarem opiniões (algo relativo, subjetivo, mutável), afastavam-se da filosofia que, no entender de Sócrates, deveria ser pautada pela busca de conceitos, ideias, essências universais, absolutas.

Sócrates é aquele que se dedicou à atividade de pensar, mas não pretendeu converter os cidadãos da pólis a quaisquer crenças ou convicções. Desejava instaurar um espaço de compreensão, que não era a sua própria, num momento em que a pólis, em crise, desde a morte de Péricles, encontrava-se assolada por um individualismo exacerbado. Sócrates queria tornar amigos os cidadãos da pólis. (WAGNER, 2006, P. 29)

Utilizando a maiêutica – o diálogo que questionava as convicções dos cidadãos – Sócrates acreditava que poderia recriar um espaço de convivência entre eles.

Um dos elementos do método socrático é a dialética, que procura desvendar as opiniões dos cidadãos, conduzindo-os à verdade absoluta, ao conceito. (WAGNER, 2006, P. 31)

Platão, no diálogo “Apologia de Sócrates”, conta-nos porque Sócrates foi levado a julgamento. Um certo dia, seu amigo de longa data, Querefonte, foi ao oráculo de Delfos e, chegando lá, perguntou à Pitonisa quem era o homem mais sábio da Grécia. Os deuses responderam que esse homem era Sócrates. Voltando a Atenas, Querefonte conta a boa nova ao seu amigo que

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Unidade: O que é Filosofia Política?

de posse de uma atitude filosófica decide colocar tal verdade a prova, pois não tinha consciência da sua própria sapiência, pelo contrário, não se achava sábio. Para tanto, decide procurar as pessoas que eram tidas como sábias, pois elas poderiam confirmar que os deuses se enganaram e que Sócrates não possuía tanta sapiência

Sócrates decide procurar os políticos, os poetas e os artífices. Conversa com um representante de cada um deles e, no final, descobre que essas pessoas que eram tidas como sábias, na verdade, não sabiam tudo aquilo que achavam que sabiam. Na verdade, elas sabiam muito pouco, pois, quando interrogadas sobre o seu ofício, sobre o seu fazer, perdiam-se em argumentos frágeis e sempre subjetivos. Dessa experiência, Sócrates conclui que realmente era o homem mais sábio da Grécia, onde mesmo sabendo pouco, tem consciência que não sabe tudo. Já os que pensam saber muito, sabem muito pouco.

Dessa constatação nascem muitas inimizades e duas acusações: a de corromper a juventude e a de ser ímpio, ou seja, duvidar dos deuses.

Por ironia, a democracia, o regime da palavra, condenou Sócrates à morte. A partir de então, segundo Hannah Arendt, abriu-se um abismo entre filosofia e política, o que fez com que Platão se desencantasse com a vida na pólis. Mas não só isso. Conforme Arendt, Platão teria colocado em dúvida alguns princípios fundamentais dos ensinamentos de seu mestre, pois a incapacidade de Sócrates em persuadir os juízes de sua inocência, foi o fato decisivo para que Platão perdesse de uma vez por todas qualquer certeza a respeito da validade da persuasão. (TONELLI, 2008, P. 45)

Diálogo com o Autor

Temerosos e desencantados, os discípulos de Sócrates deixaram a praça pública e optaram pelo modo de vida contemplativo. O temor adveio da condenação de Sócrates; o desencanto resultou daquilo que consideraram ser uma insuficiência do poder de persuasão da retórica: a incapacidade de Sócrates para convencer aqueles que o julgaram. (WAGNER, 2006, P. 31, 32)

Levado à assembleia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar cicuta, ou seja, morreu envenenado. Diferentemente dos sofistas, acreditava que a política deveria ser uma oportunidade para a reflexão, para o pensamento sobre si mesmo e sobre a pólis.

Assim, o trauma originado pela morte de Sócrates fez com que os filósofos passassem a desconfiar e a hostilizar a política, abandonando a pólis, refugiando-se em ideias políticos. (WAGNER, 2006, P. 32)

Produto disso é o mito da caverna, que levou Platão a elaborar uma teoria que definiu padrões e regras para a conduta humana e a ordenação do âmbito político. (WAGNER, 2006, P. 33)

Platão radicaliza de tal maneira sua teoria que passa a defender a ideia de que apenas os filósofos são capazes de serem bons governantes, exatamente porque só o filósofo é capaz de conhecer a verdade. (TONELLI, 2008, P. 46)

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Para Pensar

Observe a pintura A Morte de Sócrates (fr: La Mort de Socrate), de 1787, elaborada pelo pintor francês Jacques-Louis David. Por que Sócrates está apontando para cima?

Fonte: Jacques-Louis David (1748–1825)/Wikimedia Commons

Considerações finais

Em resumo, a filosofia política pode ser caracterizada como uma área da filosofia que se propõem a estudar a vida dos homens em sociedade ou, como afirmavam os gregos, a vida do homem na pólis, na cidade. Para tanto, ela teoriza ao responder questões que dizem respeito à melhor organização do Estado e à melhor forma de governo. Diante disso, abre-se uma diferença entre filosofia política e ciência política. Na cidade de Atenas, o berço da filosofia e da política, os cidadãos dirigiam-se à ágora e participavam, por meio da democracia direta, das discussões e decisões.

Os responsáveis por formar politicamente os cidadãos eram chamados de sofistas, filósofos responsáveis pelos ensino da retórica e da persuasão, duas artes fundamentais para quem quisesse ver suas propostas aceitas na praça. Sócrates, importante filósofo grego que não escreveu livros, pois acreditava que a filosofia se manifestava principalmente no diálogo, foi condenado pela democracia ateniense. Recusou-se, diante de seu júri, a usar a retórica e a persuasão, preferindo fazer com que as pessoas colocassem a prova suas ideias e chegassem ao conhecimento verdadeiro das coisas. Diante desse fato, Platão fará um exame crítico da democracia e proporá outro modelo político.

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Unidade: O que é Filosofia Política?

Material Complementar

Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta Unidade, leia as seguintes obras:

Explore · “O que é Política?” Coleção Primeiros Passos, de autoria de Wolfgang Leo Maar;

· “A condição humana”, de autoria da filósofa Hannah Arendt.

· “Política para não ser idiota” de autoria de Renato Janine Ribeiro e Mario Sérgio Cortella.

Todos enriquecerão sua compreensão sobre o nascimento da política na Grécia Antiga.

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Referências

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10º ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2000.

JANINE, Renato Ribeiro. A Democracia – Coleção Folha Explica. São Paulo: Publifolha.

MAAR, Leo Wolfgang. O que é política?. Brasiliense, São Paulo, 2002.

PLATÃO. Criton. Lisboa. Edições 70. 2000.

TONELLI, Maria Luiza Quaresma. Ética e Política: Qual Liberdade?. São Paulo, 2008. 150 p. Disseratção (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós Graduação em Filosofia, Universidade de São Paulo, 2008.

WAGNER, Eugênia Sales. Hannah Arendt: ética e política. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006.

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Unidade: O que é Filosofia Política?

Anotações