filosofia do direito

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José Rodrigo Rodrigues.Teoria Crítica. Filosofia do Direito.

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  • COLEO DE ARTIGOS DIREITO GV (WORKING PAPERS)A Coleo de Artigos Direito GV (Working Papers) divulga textos em elaborao para debate, pois acredita que a discusso pblica de produtos parciais e inacabados, ainda durante o processo de pesquisa e escrita, contribui para aumentar a qualidade do trabalho acadmico.A discusso nesta fase cria a oportunidade para a crtica e eventual alterao da abordagem adotada, alm de permitir a incorporao de dados e teorias das quais o autor no teve notcia. Considerando-se que, cada vez mais, o trabalho de pesquisa coletivo diante da amplitude da bibliografia, da proliferao de fontes de informao e da complexidade dos temas, o debate torna-se condio necessria para a alta qualidade de um trabalho acadmico.O desenvolvimento e a consolidao de uma rede de interlocutores nacionais e internacionais imprescindvel para evitar a repetio de frmulas de pesquisa e o confinamento do pesquisador a apenas um conjunto de teorias e fontes. Por isso, a publicao na Internet destes trabalhos importante para facilitar o acesso pblico ao trabalho da Direito GV, contribuindo para ampliar o crculo de interlocutores de nossos professores e pesquisadores.Convidamos todos os interessados a lerem os textos aqui publicados e a enviarem seus comentrios aos autores. Lembramos a todos que, por se tratarem de textos inacabados, proibido cit-los, exceto com a autorizao expressa do autor.

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    Emancipao humana e direito: Franz Neumann

    Jos Rodrigo Rodriguez

    Envie seus comentrios para: [email protected].

    Sumrio

    1 Um grande autor desconhecido ................................................................................................. 2

    2 A entrada da classe operria no Parlamento transforma o direito liberal ...................................... 6

    2.1 O direito uma faca de dois gumes .................................................................................... 8

    2.2 O Nazismo um no-estado de no-direito ......................................................................... 9

    2.3 Direito liberal, mas no necessariamente burgus ............................................................. 12

    3 O que uma revoluo? O que emancipao? ...................................................................... 14

    Referncias ................................................................................................................................ 17

    Textos de Franz Neumann ....................................................................................................... 17

    Sobre Franz Neumann (monografias, artigos e captulos) ........................................................ 17

    Palestra proferida no Curso Livre de Teoria Crtica de Curitiba, Pao das Artes, 19 de Abril de 2010.

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    1111 Um grande autor desconhecidoUm grande autor desconhecidoUm grande autor desconhecidoUm grande autor desconhecido

    Um grande autor desconhecido: talvez esta seja uma boa maneira de nos referirmos a Franz Neumann, objeto da exposio de hoje. Precursor da cincia poltica alem, historiador do nazismo, funcionrio do Departamento de Estado dos Estados Unidos e jurista radical, autor de textos militantes sobre direito do trabalho e direito econmico, Neumann tem sido lembrado, principalmente, por contribuies parciais a diversos ramos das cincias humanas (THORNHILL: 2000; COTTERREL: 1995) e, eventualmente, como representante da Teoria Crtica da Sociedade (HONNETH: 1999; SCHEUERMANN: 1997). Seja como for, seus escritos, dispersos em publicaes variadas, ainda aguardam uma organizao unitria e interpretaes compreensivas.1

    Parte da culpa por essa situao dele mesmo. No necrolgio que escreveu para Franz Neumann, Theodor W. Adorno disse nunca ter conhecido algum to pouco interessado em sua prpria obra quanto nosso autor.2 Neumann, diz Adorno, parecia ficar satisfeito em investigar e compreender determinados fenmenos sem a preocupao de encontrar a melhor maneira de transmitir e organizar sua produo.

    Adorno, muito ao contrrio, soube divulgar suas idias com eficcia ao longo de toda sua carreira. Ele escreveu, como Neumann, obras complexas e seminais, mas tambm textos curtos que desenvolveram alguns aspectos de seu pensamento e artigos para jornais e revistas. Alm disso, tambm ministrou cursos abertos, inclusive por meio do rdio.

    Franz Neumann (1900-1954)

    (Fonte: http://www.marcuse.org/herbert/people/neumann/FranzNeumann.htm)

    Neumann, de sua parte, nunca organizou seus escritos em livro, manteve seus dois doutorados inditos3 e nunca escreveu um artigo sinttico com o objetivo de

    1 As excees so os livros: INTELMANN:1996, SCHEUERMANN:1997, THORHILL:1999, KELLY:2003, RODRIGUEZ:2009 e duas coletneas: PERELS:1984, ISER & STRECKER. Ver a bibliografia para os textos de Franz Neumann. 2 O texto aparece como apndice edio francesa de Behemoth de Franz Neumann, editada pela Payot em 1987. 3 O primeiro foi escrito em 1923 sob a orientao de Max Ernest Mayer e ainda est indito. Seu ttulo Introduo Jusfilosfica a um Tratado sobre a Relao entre Estado e Pena (Rechtsphilophische Einleitung zu einer Abhandlung ber das Verhltnis von Staat und Stafe). O segundo foi escrito na London School of Economics em 1936 sob a oriantao de Harold Laski e se intitula The Rule of Law: Political theory and the legal system in

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    organizar suas idias. Cada um de seus escritos aborda problemas e questes novas, sem a preocupao de organizar seu pensamento na forma de uma trajetria coerente. possvel perceber como seus textos incorporam novas questes e evoluem; por exemplo, deixam de ser estritamente jurdicos e se tornam cada vez mais tericos e crticos.

    No entanto, ele prprio no traou essa trajetria, no se preocupou em ligar os pontos de sua obra. interessante notar que o nico livro completo que publicou em vida, Behemoth, declaradamente um estudo de caso. A obra procura demonstrar a singularidade do nacional-socialismo e no se apresenta explicitamente como o ponto culminante ou conclusivo de seus escritos anteriores.

    No pretendo fazer aqui o que Neumann, ele mesmo, no fez: conferir unidade terica a um trabalho que se volta mais para o problema do que para o sistema.4 Esta parece ser, na verdade, uma caracterstica de seu modo de pensar e no uma falha em sua carreira intelectual. Neumann escreve, de fato, sempre rente empiria e ao mundo contemporneo, sem perder de vista, em nenhum momento, os fenmenos sociais de seu tempo. Um pouco maneira dos psicanalistas, seus conceitos seguem muito de perto o material emprico analisado. maneira dos analistas polticos e econmicos, seu interesse sempre se volta para os acontecimentos contemporneos e no para a erudio filosfica ou histrica.

    Franz Neumann tinha em vista, principalmente, a singularidade dos fatos histricos de sua poca, em particular, a situao da Alemanha e seus impasses jurdicos, polticos e econmicos. Seu objetivo nunca foi construir alguma espcie de teoria geral capaz de abarcar fenmenos variados, separados pelo espao e pelo tempo. Quando Neumann se refere ao direito, quer dizer direito europeu e ocidental; quando discute poltica, refere-se aos problemas da Alemanha e dos EUA (pas para o qual migrou em 1937) e assim em diante.

    Em seus dois livros mais sistemticos, O Imprio do Direito e Behemoth, isto fica muito claro: a discusso de todas as questes tericas sempre fundada em anlises institucionais detalhadas dos pases a que ele se refere. No sei se no final da vida, caso ele tivesse sobrevivido ao acidente de carro que o matou, aos 54 anos na Sua (em 1954), Neumann teria desenvolvido uma teoria geral organizada. As circunstncias de sua vida e sua inspirao intelectual, a Teoria Crtica, que procura sempre juntar teoria e prxis, fazem supor que no.

    Neumann procurou combinar durante toda a sua carreira, as atividades de militante e professor, seja em seus anos de estudante de direito, poca em que foi militante estudantil, seja depois de formado, em sua atuao como advogado de sindicatos, ainda durante a Repblica de Weimar. Em seu exlio americano, no foi diferente: Neumann trabalhou para o Departamento de Estado dos EUA como chefe de um escritrio cuja funo era fornecer informaes sobre a Alemanha, capazes de enfraquecer o regime nacional socialista e preparar a desnazificao do pas aps a guerra.

    modern society. Foi publicado em 1980 em alemo e na lingual original, o ingls, em 1986. Sua traduo brasileira foi publicada em 2010 pela editora Quatier Latin. 4 Trao um panorama da obra do autor em RODRIGUEZ: 2009.

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    Robert Jackson, chefe da acusao, no Tribunal de Nuremberg

    (Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Prosecutor_Robert_Jackson_at_Nuremberg_Trials.jpg)

    Alm disso, atuou no Tribunal de Nuremberg para investigar a ao dos nazistas contra a Igreja catlica. Quando morreu, j na condio de professor de Cincia Poltica da Universidade de Colmbia, no havia abandonado suas atividades paralelas. Tal continuidade em seu modo de proceder faz supor que este era seu modo de pensar e de estar no mundo. Para ser fiel urgncia e atualidade do modo de pensar de Franz Neumann, como j disse, no vou tentar reconstruir seus pressupostos tericos. Ao contrrio, vou falar dele a partir de dois problemas centrais em sua reflexo, a saber, a entrada da classe operria no Parlamento e o advento do Nazismo. A partir destas duas questes, vou apresentar algumas de suas construes tericas e tentar mostrar sua utilidade, com as devidas adaptaes, para pensar problemas contemporneos.

    Estes dois acontecimentos histricos so vistos por Neumann como rupturas de grande alcance que motivaram a rearticulao de conceitos e narrativas promovidas por seus escritos. So fatos que demandam rearticulao conceitual por desafiarem o conhecimento de ento. Nesse sentido, eles podem ser equiparados a uma crise, categoria central para a tradio da teoria crtica. Normalmente, a crise a que se refere teoria de inspirao marxista diz respeito ao colapso do capitalismo, a crise final deste sistema que, para ser figurvel, exige ao prtica revolucionria e rearticulao do conhecimento posto para desnaturalizar as categorias que tomam o capitalismo, o regime existente, como se fosse algo natural, uma segunda natureza. No caso de Franz Neumann, como veremos adiante, o assunto o colapso do estado de direito ocidental e a desnaturalizao da concepo liberal-burguesa de direito por meio da articulao entre teoria e prxis. Veremos a seguir, o colapso do direito, promovido pelo nazismo, no marca o fim do capitalismo e tem conseqncias outras tanto para a reproduo do sistema e quanto para a ao revolucionria que, como veremos, muda de sentido nesse processo.

    A partir de sua avaliao de cada um destes problemas e da ligao que estabelece entre ambos, ser possvel compreender e organizar melhor suas idias centrais. O ponto central a se compreender a transformao sofrida pelo direito

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    liberal burgus, que deixa de funcionar como mero instrumento de dominao de classe e passa a ser veculo para interesses variados, torna-se um espao de disputa pela melhor maneira de regular a sociedade. Como veremos, o direito perde seu carter ideolgico e se torna momento necessrio da emancipao humana em funo da entrada da classe operria no parlamento e suas conseqncias, dentre as quais est o advento do Nazismo.

    importante esclarecer que este potencial emancipatrio no foi necessariamente encarado desta forma pela classe trabalhadora de ento, tampouco assumido explicitamente em sua prxis revolucionria. Franz Neumann, como terico crtico, identificou tal potencial e explicitou os processos sociais que criaram suas condies de possibilidade por meio de uma ampla reconstruo conceitual sobre o que o direito para o campo marxista. No momento histrico em que nosso autor escreveu, regimes autoritrios dominavam a Europa toda, o que dificultava apostar na forma direito como estratgia de luta: era preciso antes derrubar, eventualmente, destruir com violncia o autoritarismo. Como veremos, Neumann estava bem consciente desta necessidade. Suas afirmaes sobre o carter emancipatrio do direito s se aplicam a contextos em que o direito esteja, de fato, em funcionamento. Veremos a seguir como este problema se pe para o autor.

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    2222 A entrada da classe operria no Parlamento A entrada da classe operria no Parlamento A entrada da classe operria no Parlamento A entrada da classe operria no Parlamento transforma transforma transforma transforma o direito liberal o direito liberal o direito liberal o direito liberal

    A deputada Clara Zetkin fala em um protesto do KPD (Partido Comunista de Alemanha) em 31 de Agosto de 1921 em Berlin (Lustgarten) ao lado do Ministro das Finanas do Reich Matthias Erzberger.

    (Fonte: http://einestages.spiegel.de/static/entry/clara_zetkin_parteisoldat/16046/kpd_kundgebung.html)

    A entrada da classe operria no parlamento, sua participao no jogo eleitoral e parlamentar provocou uma mudana profunda nas estruturas do estado de direito. A face mais visvel deste processo foi a criao de direitos sociais (direitos trabalhistas, direito educao, sade etc.). Tais direitos representam, explicitamente, uma compensao pela explorao dos trabalhadores conquistada pela classe operria por meio da luta social. Esta a maneira pela qual eles foram justificados no contexto da racionalidade do direito.

    Ao refletir sobre os direitos trabalhistas, poderemos compreender melhor o alcance desta transformao institucional, objeto da reflexo de Franz Neumann. Tais direitos assumem a forma tcnico-jurdica de clusulas que passam a fazer parte obrigatoriamente de todos os contratos de trabalho celebrados num determinado territrio, mesmo que as partes no deliberem sobre elas e no as incluam no instrumento contratual, ou seja, no papel em que os termos do contrato so escritos. As partes tambm no podem evitar que estas clusulas faam parte de seu contrato, ou seja, no podem decidir contratar de outra forma, pois seu papel , explicitamente, diminuir a margem de explorao do trabalho com a criao de determinados benefcios.

    Podemos citar aqui como exemplo o 13 salrio e as frias anuais remuneradas. obrigatrio pagar estes benefcios a todos os empregados, sem exceo. No permitido negociar seus termos, tampouco afastar sua incidncia sobre o contrato de emprego. Note-se que, a rigor, ambos os valores so pagos sem nenhuma contraprestao por parte do empregado. A remunerao das frias paga, por definio, sem que o empregado preste nenhum servio. Da mesma forma, o 13 salrio um valor que no est ligado a nenhuma contraprestao. A lgica de ambos permitir que o trabalhador recupere suas foras durante o descanso e tenha mais dinheiro para gastar no final de cada ano. Ambos os institutos diminuem a

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    quantidade de mais valia que o empregador pode extrair de seus empregados, diminuindo sua margem de lucro.

    interessante notar que o direito liberal, ao admitir a existncia de direitos trabalhistas, muda suas feies. A existncia de contratos de emprego que antes serviam para ocultar a explorao de classe ajuda agora a reduzir sua margem e, ponto central para esta anlise, a explicit-la na letra da lei. Ao contrrio do que diz Marx em O Capital, o contrato de emprego no serve mais para ocultar a extrao de mais valia: ele expe a explorao e torna-se um meio de reduzi-la. Como foi possvel criar o direito a frias remuneradas e ao 13 salrio, possvel criar novos direitos trabalhistas, novos benefcios. Com esta mudana crucial, o direito liberal deixa de funcionar como forma alienante e ganha uma inflexo emancipatria e antiburguesa.

    Cartaz do SPD, eleio geral de 6.11.1932 Contra Papen, Hitler, Thlmann, Lista 2 Socialdemocrata

    (Fonte: http://www.kommunisten-online.de/historie/ernst_thaelmann1.htm)

    Alm do contrato de trabalho, podemos citar os efeitos desta movimentao da classe operria sobre outro instituto fundamental da ordem capitalista, a propriedade privada. A entrada da classe operria no parlamento teve como resultado a alterao no modo de se conceber e regular este instituto. A propriedade deixa de ser o poder absoluto de deter, usar e abusar do bem e passa a ser definida em funo de sua funo social.

    Por exemplo, torna-se possvel desapropriar imveis no utilizados pelos seus donos, estabelecer limites ao seu uso para impor o respeito sade do trabalhador e, mais tarde, ao meio ambiente e aos consumidores, entre outras limitaes. Como diz o art. 153, 2 da Constituio de Weimar: "A propriedade impe obrigaes. Seu uso deve constituir, ao mesmo tempo, um servio para o mais alto interesse comum".

    No h espao aqui para detalhar o regime da propriedade privada sob a gide da funo social. Para o que nos interessa, basta dizer que institutos jurdicos

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    liberais foram transformados pela ao parlamentar da classe operria. Para ficar em nossos dois exemplos, o contrato de emprego deixa de ocultar a explorao do trabalho e passa a funcionar como meio de proteo ao trabalhador; e a propriedade privada deixa de ser sacrossanta e individualista e ganha inflexes coletivas: seu contedo e funo passam a ser disputados e definidos em razo dos interesses de toda a sociedade. Este processo de transformao deixa claro, portanto, que o direito liberal no imutvel e pode ser disputado por intermdio das instituies formais.

    Constituio de Weimar

    (Fonte: http://www.zum.de/psm/weimar/weimar_vv.php)

    2.1 O direito uma faca de dois gumes

    Como resultado deste processo, a burguesia deixa de defender o estado de direito e passa a apoiar outros modelos de regulao. Afinal, o direito se revela uma faca de dois gumes. A defesa da implantao do estado de direito foi um instrumento importante para destruir os privilgios da aristocracia e impor limites ao exerccio do poder pelo Estado com o objetivo de proteger a propriedade privada e a liberdade de contrato. No entanto, uma vez implantado e em funcionamento, o estado de direito passou a ser utilizado pela classe trabalhadora para ameaar o poder da burguesia, impondo limites explorao do trabalho e ao exerccio individual da propriedade privada.

    No comeo do sculo XX, o agravamento da chamada questo social com o crescimento de poder da classe operria foi levando a burguesia a adotar um iderio cada vez mais autoritrio, voltado represso do movimento operrio, ao controle das classes subalternas e ao abandono do estado de direito. Est criado o paradoxo que se resolver nos fascismos que dominaro a Europa: A mesma classe que lutara para criar o estado de direito, um instrumento claramente racional de legitimao do poder, passa a defender formas irracionais de legitimao como o carisma do lder, a autoridade transcendente do estado, o sangue do povo, o bem da nao.5

    5 Ver a introduo de Franz Neumann ao seu O Imprio do Direito (NEUMANN,1986).

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    Afinal, o direito exige que os poderosos prestem contas do que fazem, ou seja, que suas decises sejam justificadas com fundamento em normas jurdicas. Em sua essncia, o direito justificao racional. Em formas de dominao irracionais, os poderosos podem ser arbitrrios e agir sem justificao, pois a legitimidade de seu poder advm de outras fontes. Tradio, divindade, nao: diante do crescimento do poder proletrio a burguesia foge do direito para construir um espao de ao arbitrria e neutralizar as reivindicaes das classes subalternas. O objetivo central desse movimento desarmar o mecanismo de controle do poder e evitar a formao de demandas que contrariem seus interesses.

    A execuo de Sadam Hussein dia 30/12/2006.

    (Fonte: http://www.informationliberation.com/?id=19108)

    Um breve parntese: os Estados Unidos da Amrica, ao menos durante o governo Bush, negou apoio a todo e qualquer mecanismo jurdico que pudesse criar entraves ao exerccio unilateral do poder, como o Tribunal Penal Internacional. Alm disso, imps restries aos direitos fundamentais para combater o terrorismo, criou um tribunal de exceo para julgar Sadam Hussein ao invs de usar as cortes iraquianas ou tribunais internacionais.

    Poderamos citar outros exemplos como o esforo das corporaes internacionais de criarem padres prprios para a regulao, longe do controle dos estados e da sociedade civil nacional, alm de outras aes que tem como objetivo neutralizar a arena jurdica quando ela confere a vitria ao adversrio. Em suma, o processo de fuga do direito, ou seja, fuga aos entraves impostos pela forma direito ao poder que se pretende autrquico, parece ser um fenmeno absolutamente atual.

    2.2 O Nazismo um no-estado de no-direito

    Mas retomemos o fio da exposio: A dissociao entre burguesia e estado de direito, o divrcio entre direito liberal e classe burguesa, mostra-se de maneira clara durante o regime nacional-socialista. No final do livro O Imprio do Direito, escrito por Neumann em 1936, e em Behemoth, de 1942, nosso autor afirma que a Alemanha,

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    naquele momento, no era um estado e, alm disso, no contava com um regime de direito no sentido ocidental da palavra. Numa frmula sucinta, para Neumann a Alemanha era um no-estado de no-direito e, apesar disso, o capitalismo funcionava normalmente.

    Antes de continuar, faamos uma pausa para refletir sobre o alcance do que acabamos de dizer: segundo Neumann, na Alemanha nazista, no havia nem estado liberal burgus, nem direito liberal burgus, mas, mesmo assim, o capitalismo continuava a funcionar. Ora, para qualquer militante ou terico socialista, a supresso destas duas estruturas deveria ser o sinal do advento de uma sociedade socialista. No entanto, o Nazismo foi capaz de suprimir ambas as estruturas e manter o capitalismo funcionando. Como isso foi possvel? Mais do que isso, o que isso significa para o papel do estado e do direito na luta pela emancipao humana?

    Para Neumann, a Alemanha era um no-estado porque sua estrutura de poder deixou de se basear na tenso entre estado e sociedade e passou a ser baseada em acordos instveis celebrados entre burguesia, burocracia, exrcito e partido nazista, mediados pelo Fhrer. Neumann intitula o livro que escreveu sobre o Nazismo de Behemoth justamente para ressaltar esta estrutura instvel, disforme e singular, a qual, segundo ele, no encontra paralelo na histria ocidental e representa uma ruptura com esta tradio poltica. Criatura bblica que aparece no livro de J, Behemoth um monstro que, no livro de Thomas Hobbes, utilizado para representar a guerra civil inglesa, ou seja, uma situao de destruio das instituies.

    Neumann chega a prever a imploso do nazismo em razo de sua estrutura, mas a derrota da Alemanha na guerra no permitiu verificar se tal previso se confirmaria na prtica. Seja como for, Neumann demonstra seus argumentos em mais de 480 pginas de pesquisa emprica sobre o funcionamento de todo o aparato nazista, percurso que, infelizmente, no posso sequer tentar resumir aqui. Sigamos adiante.

    Como acabo de explicar, a Alemanha nazista era um no-estado. Resta explicar porque este regime tambm foi classificado por Neumann como de no-direito. Em uma palavra: as regras que governavam a Alemanha eram produzidas sem a participao da sociedade como um todo; eram criadas unilateralmente pelos poderosos sem a participao de alguma coisa que se possa identificar como sociedade. De fato, diz Neumann, o Nazismo promoveu a destruio da tenso entre sociedade e estado, criando um plo de poder nico que no podia sofrer nenhuma resistncia.

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    Hitler fala multido em Dortmund, 1933

    (Fonte: www.gettyimages.com)

    O sonho do poder arbitrrio suprimir a sociedade ou qualquer outro entrave que impea seu livre exerccio. O direito, ao menos em sua manifestao ocidental, impe aos poderosos o dever de justificarem-se perante a sociedade, por isso mesmo, a supresso da tenso entre sociedade e estado destri o direito. O que havia na Alemanha no era direito, mas um conjunto de regras de natureza tcnica que visavam apenas estabilizar expectativas, ou seja, regulavam, mas de maneira fundamentalmente autrquica.

    Tais regras eram capazes de criar previsibilidade para os negcios e para os comportamentos em geral. No entanto, sua formao era autrquica e sua obedincia imposta pelo terror e pela fora. Qualquer oposio ou discordncia, por mais insignificante que fosse, era simplesmente suprimida. Claro, pode-se ampliar o conceito de direito e chamar tais regras de jurdicas de direito. No entanto, ao fazer isso, perde-se justamente a especificidade da Alemanha desta poca que Neumann pretende evidenciar.

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    Hans Scholl (esquerda), Sophie Scholl (centro), and Christoph Probst (direita),

    lderes da organizao de resistncia Rosa Branca, executados em 1943. Munique, 1942

    (Fonte: http://www.ushmm.org/)

    2.3 Direito liberal, mas no necessariamente burgus

    Direito liberal e burgus: espero que a esta altura da exposio, esta conjuntiva j no soe to natural como poderia soar antes. O direito liberal necessariamente um direito burgus? O estado de direito serve necessariamente aos interesses da burguesia?

    Como eu acabo de dizer, a estrutura institucional singular do Nazismo, ou melhor, Behemoth, conviveu, sem qualquer problema, com o regime capitalista. Em seu livro, Neumann mostra como o Nazismo ajudou a fortalecer as grandes empresas monopolistas alems, destruindo sistematicamente os pequenos negcios. Mostra tambm como estas empresas passaram a contar com a ajuda do regime para competir na arena internacional e, por isso mesmo, como o regime adquiriu uma natureza belicosa e expansionista para conquistar cada vez mais mercados.

    A supresso de qualquer oposio social aos desgnios do capitalismo garantia proteo propriedade privada e previsibilidade para os negcios. Um movimento sindical livre, capaz de protestar na esfera pblica, organizar greves e reivindicar direitos no Parlamento muito mais nocivo ao capitalismo, gera muito mais imprevisibilidade, do que um regime autoritrio. Com efeito, em seus escritos sobre a Rssia, Max Weber j mostrara a afinidade existente ali entre autoritarismo e capitalismo, mostrando como as elites preferiam fazer acordos com um pequeno grupo de poderosos do que ter lidar com as massas numa democracia e ter que negociar com uma pletora de agentes sociais. Desde que respeitada a propriedade privada, tudo andaria bem.

    De qualquer forma, fica bastante claro, aps a anlise do regime nazista feita por Neumann, que nem o direito e o estado liberais so, necessariamente, uma instituio burguesa. Ambos tm sim uma origem burguesa e serviram sim para destruir os privilgios da aristocracia e proteger a propriedade privada e os contratos. No entanto, o prosseguimento dos conflitos sociais conferiu a estas instituies novas inflexes.

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    A entrada da classe operria no Parlamento e a reivindicao de novos direitos transformaram por dentro o estado e o direito liberais, conferindo a ele caractersticas completamente distintas. A movimentao poltica desta classe fez com que o direito liberal se tornasse contraditrio, ou seja, se tornasse, ao mesmo tempo, meio de manuteno e de transformao da sociedade.

    Afinal, cada nova demanda includa por ele implica na modificao de sua estrutura: o direito no pode ser visto como meio neutro cuja funo transmitir a vontade do poder uma vez que sua tessitura tambm est em disputa. Ela no permanece inalterada, transformada continuamente pelas lutas sociais. Para fazer uma analogia, podemos dizer que os eventos lingsticos, quando levados em conta e incorporados pelas regras formais do idioma, resultam na transformao da gramtica, em nosso caso, da gramtica institucional.

    (Fonte: http://www.democraticunderground.com/discuss/duboard.php?az=view_all&address=389x5908942)

    O contrato de trabalho que era apenas meio para ocultar a explorao torna-se instrumento de luta contra a explorao. A propriedade privada que era um direito sacrossanto e eminentemente individualista, ganha um sentido social e limites ao seu exerccio em nome do respeito ao trabalhador, ao meio ambiente, ao consumidor etc. Numa perspectiva macroscpica, o estado mnimo se transforma radicalmente e vai se tornando um estado social, cuja estrutura tributria, administrativa e poltica completamente diferente daquela caracterstica do liberalismo clssico.

    A possibilidade de controlar o mercado, de impor a ele um padro racional de funcionamento, abre a perspectiva de suprimir o capitalismo por meio das instituies e no com a sua destruio violenta. Afinal, mercado e capitalismo no so sinnimos. O capitalismo existe quando sua lgica toma conta de todas as esferas sociais. Uma das funes do direito , exatamente, impedir que isso ocorra. Nenhum poder, poltico, econmico ou social, deve suprimir a tenso entre uma esfera soberana e uma esfera de liberdade independente desta: em sua encarnao mais conhecida, Estado e sociedade civil.

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    3 O que uma revoluo? O que emancipao?

    Parece ficar claro que este movimento terico e real resulta na modificao do prprio sentido de revoluo. Altera-se a viso da transformao social, que deixa de ser concebida como uma ruptura temporalmente rpida e violenta das instituies sociais e passa a ser pensada como um processo que se realiza na imanncia das mesmas. Parece cair por terra, portanto, a dicotomia Reforma X Revoluo, clssica para a histria do marxismo.

    evidente que, no que se refere Alemanha nazista, Neumann no acreditava haver nenhuma possibilidade de resistncia institucional, afinal, ali o direito havia sido suprimido. A nica soluo para combater o Nazismo seria uma vitria militar, acachapante e inequvoca, acompanhada da desnazificao das posies de poder do aparelho estatal alemo, programa que Neumann endossa explicitamente em Behemoth e defender em seu exlio americano (SALTER, 2007).

    A possibilidade de emancipao via direito, idia presente em especial no livro O Imprio do Direito, pressupe que direito liberal esteja em funcionamento. Apenas assim as reivindicaes da sociedade podem alterar as instituies por dentro e os detentores do poder so obrigados a justificar suas aes racionalmente, sem romper com o estado de direito.

    A manuteno da tenso entre estes dois plos, sociedade e estado soberano, torna-se essencial emancipao humana. Neumann percebe que a liberdade da sociedade diante do estado que permite s classes oprimidas formularem suas demandas de transformao e utilizarem o direito para fazer avanar a emancipao humana. O direito passa a ser no mais um mero instrumento de luta, mas parte constitutiva da sociedade emancipada. Deixemos este ponto mais claro.

    (Fonte: http://www.democraticunderground.com/discuss/duboard.php?az=view_all&address=389x5908942)

    Podemos identificar a emancipao, exclusivamente, com a realizao dos objetivos da classe operria? Se esta fosse a posio de Neumann, seria difcil

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    sustentar o que dissemos at agora. Como os demais marxistas, Neumann veria algo de positivo no direito apenas quando ele serve de instrumento para determinados interesses, mas no como algo valioso em si mesmo.

    Sua posio foi esta durante a repblica de Weimar, mas j em 1936, ano em que termina de escrever O Imprio do Direito, sua posio mudou. No livro, Neumann j tira diversas lies do regime nazista recm implantado, criticando com veemncia toda e qualquer forma de legitimao irracional do poder. O livro mostra com clareza que a tenso entre sociedade e estado o que confere ao direito potencial emancipatrio: desde que mantida a separao entre estado e sociedade, possvel organizar reivindicaes, lutar por direitos e modificar por dentro as instituies.

    Claro, como todo pensador materialista, Neumann no defende a forma direito em qualquer contexto, sob qualquer hiptese e em qualquer de suas manifestaes concretas. Nenhum autor marxista seria capaz de afirmar a validade de uma estrutura para alm da histria e do contexto em que se localiza.

    Mesmo diante de um estado de direito em funcionamento, Neumann no se esquivou de afirmar a necessidade de rever seu desenho para alm da separao de poderes em sua concepo tradicional, a seu juzo, um entrave para pensar em formas mais radicais de democracia.6 Seria possvel e necessrio, sugere o autor, pensar em outra separao de poderes, que no promova um amlgama entre estado e sociedade, mas que distribua de maneira diferente o poder entre os diversos grupos sociais.

    O que Neumann, e mais tarde Habermas, nos fazem perceber, o potencial emancipatrio contido na forma direito diante de determinadas circunstncias histricas. Tambm a necessidade de transformar, por dentro, seu desenho, para radicalizar a democracia a cada momento, diante de novas demandas e de novos interesses sociais. Formulados desta maneira, estes conceitos nos permitem analisar melhor a conjuntura e pensar a prxis emancipatria de maneira mais ponderada e, principalmente, mais eficaz.

    A pergunta, nesta altura, a seguinte: Diante de um estado de direito em funcionamento, diante da possibilidade de qualquer grupo ou indivduo que se sinta excludo, injustiado, desprovido de direitos, organizar-se para reivindicar seus interesses e postular mudanas nas instituies, razovel dizer que o direito funciona como mero instrumento de dominao de classe?

    Com efeito, o direito, ainda hoje, revela sua fora quando pensamos, por exemplo, na ao de determinados estados e governos para se afastar de qualquer regra nas esferas nacional e internacional, ou seja, para fugir do controle de qualquer instncia que se parea com a sociedade civil. Tambm quando pensamos na estratgia de grandes empresas que buscam fugir do direito, escolhendo pases com legislao social e tributria mais favorvel aos seus interesses.

    Fugir do direito uma maneira eficaz de tentar construir um espao de arbitrariedade, livre de qualquer controle social. Dito isto, insisto na pergunta: diante de um estado de direito em funcionamento, faz sentido apostar na violncia e na destruio das instituies que garantem, justamente, a possibilidade de lutar pela transformao social?

    6 Ver texto de Neumann sobre Montesquieu, prefcio a uma edio norte-americana de O Esprito das Leis, que est contido em NEUMANN:1957.

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    Rebelio de Stonewall, 28 de Junho de 1969, bairro Village, Nova Iorque, EUA. Foto de Fred McDarrah.

    Se considerarmos que, hoje, a classe operria no mais a nica portadora da emancipao; que ela no mais a nica porta-voz dos interesses de todos os oprimidos, a importncia do estado de direito cresce ainda mais. No h tempo de detalhar este problema aqui, que foi objeto de outras exposies, especialmente aquela sobre Herbert Marcuse. Neumann escreveu antes deste problema se colocar e, portanto, no d conta dele de maneira inequvoca. Em sua poca, movimento social era sinnimo de classe operria: a reflexo sobre os assim denominados novos movimentos sociais posterior sua morte e ganha corpo a partir dos anos 60 e 70.

    Feministas, pacifistas, ativistas gays, ativistas queer, movimento negro, ecologistas, entre outros, mostraram que a luta distributiva voltada ao fim da explorao do trabalho no era a nica dimenso da opresso sob o capitalismo. Estas novas demandas passam a ser dirigidas ao estado de direito provocando novas transformaes nos direitos e nas estruturas de poder

    O estado social do ps-guerra est transformando em algo novo, algo para o qual ainda no temos um nome, mas que continua a experimentar transformaes radicais. Mais importante do que tudo, difcil identificar uma linha reta que ligue, hoje, uma determinada prxis com a sociedade emancipada do futuro. O desenho desta sociedade, aparentemente, ser muito mais plural, fragmentado e dinmico do que aquele antecipado pelo marxismo tradicional.

    Num contexto plural como este, e aqui a reflexo de Habermas central, o direito ganha importncia por ser capaz de promover uma disputa entre grupos sem o uso de violncia aberta. Acrescentando a este quadro as lies do nazismo e os fenmenos contemporneos de fuga do direito, podemos olhar para o estado de direito hoje com olhos bastante generosos.

    Na falta de uma verdade para as reivindicaes da esquerda e dos perigos do arbtrio e da falta de controle sobre o poder poltico e o poder econmico, o direito mantm e amplifica, na atualidade, seu potencial emancipatrio.

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    Referncias

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