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  • S936c STURZA, Janana Machado

    Caderno de Filosofia Aplicada ao Direito Dom Alberto / Janana Machado Sturza. Santa Cruz do Sul: Faculdade Dom Alberto, 2010.

    Inclui bibliografia.

    1. Direito Teoria 2. Filosofia Aplicada ao Direito Teoria I. STURZA, Janana Machado II. Faculdade Dom Alberto III. Coordenao de Direito IV. Ttulo

    CDU 340.12(072)

    Catalogao na publicao: Roberto Carlos Cardoso Bibliotecrio CRB10 010/10

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  • APRESENTAO

    O Curso de Direito da Faculdade Dom Alberto teve sua semente lanada no ano de 2002. Iniciamos nossa caminhada acadmica em 2006, aps a construo de um projeto sustentado nos valores da qualidade, seriedade e acessibilidade. E so estes valores, que prezam pelo acesso livre a todos os cidados, tratam com seriedade todos processos, atividades e aes que envolvem o servio educacional e viabilizam a qualidade acadmica e pedaggica que geram efetivo aprendizado que permitem consolidar um projeto de curso de Direito.

    Cinco anos se passaram e um ciclo se encerra. A fase de crescimento, de amadurecimento e de consolidao alcana seu pice com a formatura de nossa primeira turma, com a concluso do primeiro movimento completo do projeto pedaggico.

    Entendemos ser este o momento de no apenas celebrar, mas de devolver, sob a forma de publicao, o produto do trabalho intelectual, pedaggico e instrutivo desenvolvido por nossos professores durante este perodo. Este material servir de guia e de apoio para o estudo atento e srio, para a organizao da pesquisa e para o contato inicial de qualidade com as disciplinas que estruturam o curso de Direito.

    Felicitamos a todos os nossos professores que com competncia nos brindam com os Cadernos Dom Alberto, veculo de publicao oficial da produo didtico-pedaggica do corpo docente da Faculdade Dom Alberto.

    Lucas Aurlio Jost Assis Diretor Geral

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  • PREFCIO

    Toda ao humana est condicionada a uma estrutura prpria, a uma natureza especfica que a descreve, a explica e ao mesmo tempo a constitui. Mais ainda, toda ao humana aquela praticada por um indivduo, no limite de sua identidade e, preponderantemente, no exerccio de sua conscincia. Outra caracterstica da ao humana sua estrutura formal permanente. Existe um agente titular da ao (aquele que inicia, que executa a ao), um caminho (a ao propriamente dita), um resultado (a finalidade da ao praticada) e um destinatrio (aquele que recebe os efeitos da ao praticada). Existem aes humanas que, ao serem executadas, geram um resultado e este resultado observado exclusivamente na esfera do prprio indivduo que agiu. Ou seja, nas aes internas, titular e destinatrio da ao so a mesma pessoa. O conhecimento, por excelncia, uma ao interna. Como bem descreve Olavo de Carvalho, somente a conscincia individual do agente d testemunho dos atos sem testemunha, e no h ato mais desprovido de testemunha externa que o ato de conhecer. Por outro lado, existem aes humanas que, uma vez executadas, atingem potencialmente a esfera de outrem, isto , os resultados sero observados em pessoas distintas daquele que agiu. Titular e destinatrio da ao so distintos.

    Qualquer ao, desde o ato de estudar, de conhecer, de sentir medo ou alegria, temor ou abandono, satisfao ou decepo, at os atos de trabalhar, comprar, vender, rezar ou votar so sempre aes humanas e com tal esto sujeitas estrutura acima identificada. No acidental que a linguagem humana, e toda a sua gramtica, destinem aos verbos a funo de indicar a ao. Sempre que existir uma ao, teremos como identificar seu titular, sua natureza, seus fins e seus destinatrios.

    Consciente disto, o mdico e psiclogo Viktor E. Frankl, que no curso de uma carreira brilhante (trocava correspondncias com o Dr. Freud desde os seus dezessete anos e deste recebia elogios em diversas publicaes) desenvolvia tcnicas de compreenso da ao humana e, consequentemente, mecanismos e instrumentos de diagnstico e cura para os eventuais problemas detectados, destacou-se como um dos principais estudiosos da sanidade humana, do equilbrio fsico-mental e da medicina como cincia do homem em sua dimenso integral, no apenas fsico-corporal. Com o advento da Segunda Grande Guerra, Viktor Frankl e toda a sua famlia foram capturados e aprisionados em campos de concentrao do regime nacional-socialista de Hitler. Durante anos sofreu todos os flagelos que eram ininterruptamente aplicados em campos de concentrao espalhados por todo territrio ocupado. Foi neste ambiente, sob estas circunstncias, em que a vida sente sua fragilidade extrema e enxerga seus limites com uma claridade nica,

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  • que Frankl consegue, ao olhar seu semelhante, identificar aquilo que nos faz diferentes, que nos faz livres.

    Durante todo o perodo de confinamento em campos de concentrao (inclusive Auschwitz) Frankl observou que os indivduos confinados respondiam aos castigos, s privaes, de forma distinta. Alguns, perante a menor restrio, desmoronavam interiormente, perdiam o controle, sucumbiam frente dura realidade e no conseguiam suportar a dificuldade da vida. Outros, porm, experimentando a mesma realidade externa dos castigos e das privaes, reagiam de forma absolutamente contrria. Mantinham-se ntegros em sua estrutura interna, entregavam-se como que em sacrifcio, esperavam e precisavam viver, resistiam e mantinham a vida.

    Observando isto, Frankl percebe que a diferena entre o primeiro tipo de indivduo, aquele que no suporta a dureza de seu ambiente, e o segundo tipo, que se mantm interiormente forte, que supera a dureza do ambiente, est no fato de que os primeiros j no tm razo para viver, nada os toca, desistiram. Ou segundos, por sua vez, trazem consigo uma vontade de viver que os mantm acima do sofrimento, trazem consigo um sentido para sua vida. Ao atribuir um sentido para sua vida, o indivduo supera-se a si mesmo, transcende sua prpria existncia, conquista sua autonomia, torna-se livre.

    Ao sair do campo de concentrao, com o fim do regime nacional-socialista, Frankl, imediatamente e sob a forma de reconstruo narrativa de sua experincia, publica um livreto com o ttulo Em busca de sentido: um psiclogo no campo de concentrao, descrevendo sua vida e a de seus companheiros, identificando uma constante que permitiu que no apenas ele, mas muitos outros, suportassem o terror dos campos de concentrao sem sucumbir ou desistir, todos eles tinham um sentido para a vida.

    Neste mesmo momento, Frankl apresenta os fundamentos daquilo que viria a se tornar a terceira escola de Viena, a Anlise Existencial, a psicologia clnica de maior xito at hoje aplicada. Nenhum mtodo ou teoria foi capaz de conseguir o nmero de resultados positivos atingidos pela psicologia de Frankl, pela anlise que apresenta ao indivduo a estrutura prpria de sua ao e que consegue com isto explicitar a necessidade constitutiva do sentido (da finalidade) para toda e qualquer ao humana.

    Sentido de vida aquilo que somente o indivduo pode fazer e ningum mais. Aquilo que se no for feito pelo indivduo no ser feito sob hiptese alguma. Aquilo que somente a conscincia de cada indivduo conhece. Aquilo que a realidade de cada um apresenta e exige uma tomada de deciso.

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  • No existe nenhuma educao se no for para ensinar a superar-se a si mesmo, a transcender-se, a descobrir o sentido da vida. Tudo o mais morno, sem luz, , literalmente, desumano.

    Educar , pois, descobrir o sentido, viv-lo, aceit-lo, execut-lo. Educar no treinar habilidades, no condicionar comportamentos, no alcanar tcnicas, no impor uma profisso. Educar ensinar a viver, a no desistir, a descobrir o sentido e, descobrindo-o, realiz-lo. Numa palavra, educar ensinar a ser livre.

    O Direito um dos caminhos que o ser humano desenvolve para garantir esta liberdade. Que os Cadernos Dom Alberto sejam veculos de expresso desta prtica diria do corpo docente, que fazem da vida um exemplo e do exemplo sua maior lio.

    Felicitaes so devidas a Faculdade Dom Alberto, pelo apoio na publicao e pela adoo desta metodologia sria e de qualidade. Cumprimentos festivos aos professores, autores deste belo trabalho. Homenagens aos leitores, estudantes desta arte da Justia, o Direito.

    .

    Luiz Vergilio Dalla-Rosa Coordenador Titular do Curso de Direito

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  • Sumrio

    Apresentao..........................................................................................................

    Prefcio...................................................................................................................

    Plano de Ensino......................................................................................................

    Aula 1

    Consideraes sobre o Conhecimento em geral e o Conhecimento Jurdico.......

    Aula 2

    A origem da filosofia especialmente da tica e da poltica..................................

    Aula 3

    O jusnaturalismo Romano e as Concepes Medievais de Justia....................... Aula 4

    Concepes modernas sobre o direito e o Estado.................................................

    Aula 5

    O Direito e o Estado no idealismo alemo e no materialismo histrico..................

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  • Misso: "Oferecer oportunidades de educao, contribuindo para a formao de profissionais conscientes e competentes, comprometidos com o comportamento tico e visando ao desenvolvimento regional.

    Centro de Ensino Superior Dom Alberto

    Plano de Ensino

    Identificao Curso: Direito Disciplina: Filosofia aplicada ao Direito Carga Horria (horas): 30 Crditos: 2 Semestre: 2

    Ementa Formas do conhecimento: senso comum, filosofia, tcnica, cincia e ideologia. Formas do conhecimento jurdico: filosofia, dogmtica e cincia. A origem da filosofia: o milagre grego; a tica e a poltica em Scrates, Plato e Aristteles. Concepes romanas e medievais de justia. As fundaes do pensamento poltico moderno: Maquiavel e Hobbes. Os iluministas: Locke, Rousseau e Montesquieu. Idealismo alemo e materialismo histrico: Kant, Hegel e Marx.

    Objetivos Geral: Despertar percepes para a reflexo crtica sobre os fundamentos da ordem jurdica contempornea, atravs do domnio dos conceitos bsicos da Filosofia do Direito. Estudar as principais escolas filosficas, situando a Filosofia do Direito no mbito da Filosofia Geral. Analisar as diferentes concepes filosficas sobre o fenmeno jurdico e suas conexes histricas.

    Especficos: Proporcionar uma reflexo crtica sobre a relao entre Filosofia do Direito e Dogmtica Jurdica, a partir das noes de justia, tica e conhecimento. Situar os alunos nas discusses contemporneas da Filosofia do Direito, examinando as suas principais tendncias. Desenvolver as habilidades atinentes reflexo filosfica, em especial o raciocnio lgico, a capacidade de argumentao e o senso crtico. A disciplina filosofia do direito desperta percepes para que o aluno consiga ter uma viso de totalidade, pensando a justia e o direito acima das leis. No final do curso, o aluno dever ser capaz de compreender teorias clssicas e contemporneas em filosofia do direito, bem como ter compreenso da complexidade da existncia humana na cultura e na sociedade. A disciplina orienta-se para o estudo da filosofia do direito mediante uma anlise crtica das principais ideologias jurdicas ou escolas do pensamento jurdico. Para alcanar esse objetivo, a disciplina comea com a anlise do termo direito, bem como a utilizao ideolgica desse termo. Aps, a abordagem das ideologias jurdicas at chegarmos ao que se chama teoria crtica do direito ou correntes crticas do direito em suas mltiplas feies. H integrao da disciplina filosofia do direito com as outras disciplinas fundamentais (filosofia geral, sociologia, teoria geral do estado, direito constitucional, tica, introduo ao direito, hermenutica).

    Inter-relao da Disciplina Horizontal: Sociologia Aplicada, Antropologia Aplicada, Cincia Poltica, Teoria da Constituio.

    Vertical: Sociologia Aplicada, Antropologia Aplicada, Cincia Poltica, Teoria da Constituio, Direito Constitucional.

    Competncias Gerais Compreender dos fundamentos filosficos e tericos do Direito e sua articulao com a aplicao prtica; Utilizar o raciocnio jurdico de argumentao de persuaso e de reflexo crtica e sensvel, bem como a capacidade metafrica e analgica.

    Competncias Especficas Pesquisar a legislao, da doutrina e da jurisprudncia e das outras fontes do direito; Utilizar corretamente a terminologia jurdica e da Cincia do Direito; Utilizar o raciocnio jurdico, de argumentao, de persuaso e de reflexo crtica e sensvel, bem como a capacidade metafrica e analgica; Realizar julgamento fundamentado e tomada de decises; Dominar tecnologias e mtodos alternativos para permanente compreenso e aplicao do direito; Compreender os fundamentos filosficos e tericos do Direito e sua articulao com a aplicao prtica.

    Habilidades Gerais

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  • Misso: "Oferecer oportunidades de educao, contribuindo para a formao de profissionais conscientes e competentes, comprometidos com o comportamento tico e visando ao desenvolvimento regional.

    Instigar o raciocnio filosfico e jurdico; criar e ressalvar situaes em que seja necessria a argumentao e a persuaso; estimular a reflexo crtica e sensvel, bem como a capacidade.

    Habilidades Especficas Promover aes de pesquisa da legislao, da doutrina e da jurisprudncia e das outras fontes do direito, com um interesse filosfico e tcnico; Discutir acerca da melhor utilizao da terminologia jurdica e da Cincia do Direito; Instigar o raciocnio filosfico e jurdico; criar e resolver situaes em que seja necessria a argumentao e a persuaso; estimular a reflexo crtica e sensvel, bem como a capacidade metafrica e analgica; Habilitar para a fundamentao racional das tomadas de decises; Utilizar e dominar o uso das tecnologias e dos mtodos alternativos disponveis para permanente compreenso e aplicao do direito; Fornecer as ferramentas e os recursos conceituais e intelectuais para compreenso dos fundamentos filosficos e tericos do Direito e para a sua articulao com sua aplicao prtica.

    Contedo Programtico Programa:

    1. A natureza do conhecimento filosfico: 1.1. Formas de conhecimento. Senso comum e filosofia; ideologia e cincia; 1.2. O status epistemolgico da filosofia e da cincia; 1.3. O conhecimento em Direito: filosofia, dogmtica e cincia.

    2. A origem da filosofia especialmente da tica e da poltica: 2.1. O pensamento e a poltica primitivos; 2.2. O milagre grego; 2.3. Scrates, Plato e Aristteles: teria da justia e teoria das formas de governo;

    3. O jusnaturalismo romano e as concepes medievais de justia: 3.1. Ccero; 3.2. Santo Agostinho e So Toms de Aquino.

    4. Concepes modernas sobre o Direito e o Estado: 4.1. Os fundadores do pensamento poltico moderno: Maquiavel e Hobbes; 4.2. Os idealizadores das instituies republicanas: Locke, Rousseau e Montesquieu.

    5. O Direito e o Estado no idealismo alemo e no materialismo histrico: 5.1. A filosofia do direito de Kant; 5.2. O Estado na filosofia do esprito de Hegel; 5.3. A questo social e a crtica de Marx s funes ideolgicas do Direito.

    Estratgias de Ensino e Aprendizagem (metodologias de sala de aula) Aulas expositivas dialgico-dialticas. Trabalhos individuais e em grupo e preparao de seminrios. Leituras e fichamentos dirigidos. Elaborao de dissertaes, resenhas e notas de sntese. Utilizao de recurso udio-Visual.

    Avaliao do Processo de Ensino e Aprendizagem A avaliao do processo de ensino e aprendizagem deve ser realizada de forma contnua, cumulativa e sistemtica com o objetivo de diagnosticar a situao da aprendizagem de cada aluno, em relao programao curricular. Funes bsicas: informar sobre o domnio da aprendizagem, indicar os efeitos da metodologia utilizada, revelar conseqncias da atuao docente, informar sobre a adequabilidade de currculos e programas, realizar feedback dos objetivos e planejamentos elaborados, etc.

    Para cada avaliao o professor determinar a(s) formas de avaliao podendo ser de duas formas:

    1 um trabalho em sala de aula com peso 10,0 (dez). 2 Avaliao: Peso 8,0 (oito): Prova; Peso 2,0 (dois): referente ao Sistema de Provas Eletrnicas SPE (mdia ponderada das trs provas do SPE)

    Avaliao Somativa A aferio do rendimento escolar de cada disciplina feita atravs de notas inteiras de zero a dez, permitindo-se a frao de 5 dcimos. O aproveitamento escolar avaliado pelo acompanhamento contnuo do aluno e dos resultados por ele

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  • Misso: "Oferecer oportunidades de educao, contribuindo para a formao de profissionais conscientes e competentes, comprometidos com o comportamento tico e visando ao desenvolvimento regional.

    obtidos nas provas, trabalhos, exerccios escolares e outros, e caso necessrio, nas provas substitutivas. Dentre os trabalhos escolares de aplicao, h pelo menos uma avaliao escrita em cada disciplina no bimestre. O professor pode submeter os alunos a diversas formas de avaliaes, tais como: projetos, seminrios, pesquisas bibliogrficas e de campo, relatrios, cujos resultados podem culminar com atribuio de uma nota representativa de cada avaliao bimestral. Em qualquer disciplina, os alunos que obtiverem mdia semestral de aprovao igual ou superior a sete (7,0) e freqncia igual ou superior a setenta e cinco por cento (75%) so considerados aprovados. Aps cada semestre, e nos termos do calendrio escolar, o aluno poder requerer junto Secretaria-Geral, no prazo fixado e a ttulo de recuperao, a realizao de uma prova substitutiva, por disciplina, a fim de substituir uma das mdias mensais anteriores, ou a que no tenha sido avaliado, e no qual obtiverem como mdia final de aprovao igual ou superior a cinco (5,0).

    Sistema de Acompanhamento para a Recuperao da Aprendizagem Sero utilizados como Sistema de Acompanhamento e Nivelamento da turma os Plantes Tira-Dvidas que so realizados sempre antes de iniciar a disciplina, das 18h00min s 18h50min, na sala de aula.

    Recursos Necessrios Humanos

    Professor. Fsicos

    Laboratrios, visitas tcnicas, etc. Materiais

    Recursos Multimdia.

    Bibliografia Bsica

    ADEODATO, J. M. Filosofia do Direito: uma crtica verdade na tica e na cincia So Paulo: Saraiva, 2005. CHAUI, Marilena. Convite Filosofia. So Paulo: tica, 2002. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurdico: Lies de filosofia de Direito. So Paulo: cone, l999. WOLKMER, Antnio Carlos. Introduo ao pensamento jurdico crtico. So Paulo: Acadmica, 2002. ARRUDA JNIOR, Edmundo Lima de; GONALVES, Marcus Fabiano. Fundamentao tica e Hermenutica: alternativas para o direito. Prefcio de Andr-Jean Arnaud. Florianpolis: CESUSC, 2002.

    Complementar

    BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurdico. Braslia: UNB, 1999. AGUIAR, Roberto A. R. de. O que e justia: uma abordagem dialtica. So Paulo: Alfa-Omega, 1999. BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis. Curso de Filosofia do Direito. So Paulo: Atlas, 2007. HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundao Lacouste Gulbenkian, 1994. WEFFORT, Francisco C.. Os clssicos da poltica. So Paulo: tica, 2003. Vols. I e II. So Paulo: tica, 2003. Vol. 02

    Peridicos

    Jornais: Zero Hora, Folha de So Paulo, Gazeta do Sul, entre outros. Jornais eletrnicos: Clarn (Argentina); El Pas (Espanha); El Pas (Uruguai); Le Monde (Frana); Le Monde Diplomatique (Frana). Revistas: Revista Scielo.

    Sites para Consulta www.scielo.br www.cjf.jus.br www.tj.rs.gov.br www.trf4.gov.br www.senado.gov.br www.stf.gov.br

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  • Misso: "Oferecer oportunidades de educao, contribuindo para a formao de profissionais conscientes e competentes, comprometidos com o comportamento tico e visando ao desenvolvimento regional.

    www.stj.gov.br www.ihj.org.br www.oab-rs.org.br

    Outras Informaes Endereo eletrnico de acesso pgina do PHL para consulta ao acervo da biblioteca: http://192.168.1.201/cgi-bin/wxis.exe?IsisScript=phl.xis&cipar=phl8.cip&lang=por

    Cronograma de Atividades

    Aula Consolidao Avaliao Contedo Procedimentos Recursos

    1

    2

    3

    4 Primeira: Trabalho

    5

    6

    7 1

    8 Segunda

    9 Substitutiva

    Legenda Procedimentos Recursos Procedimentos Recursos Procedimentos Recursos Cdigo Descrio Cdigo Descrio Cdigo Descrio AE Aula expositiva AE Aula expositiva AE Aula expositiva TG Trabalho em

    grupo TG Trabalho em grupo TG Trabalho em grupo

    TI Trabalho individual

    TI Trabalho individual TI Trabalho individual

    SE Seminrio SE Seminrio SE Seminrio

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  • FILOSOFIA APLICADA AO DIREITO Profa. Janana Machado Sturza

    2010/02

    CONSIDERAES SOBRE O CONHECIMENTO EM GERAL E O CONHECIMENTO JURDICO

    Sobre a possibilidade do conhecimento Duas correntes de pensamento se destacam no debate sobre a possibilidade do conhecimento: o dogmatismo e o ceticismo (Reale, 1998, p. 158). Mas se impe a meno a uma terceira vertente, o relativismo, que consiste em um dogmatismo parcial, que muitos autores confundem com o ceticismo, conforme se ver adiante. Dogmatismo o pensamento atribudo "(...) corrente que se julga em condies de afirmar a possibilidade de conhecer verdades universais quanto ao ser, existncia e conduta, transcendendo o campo das puras relaes fenomenais e sem limites impostos a priori razo" (Reale, 1998, p. 158-159). O dogmatismo pode ser total ou parcial. total o dogmatismo quando a afirmao da possibilidade de se alcanar a verdade ltima feita tanto no plano da especulao, quanto no da vida prtica ou da tica, inexistindo barreiras intransponveis ao conhecimento humano. O dogmatismo total cr na livre possibilidade de acesso realidade em si, sem quaisquer dvidas quanto rigorosa adequao entre o pensamento e a realidade. O dogmatismo parcial acredita na possibilidade de atingir-se o absoluto em dadas circunstncias e modos quando no sob certo prisma (Reale, 1998, p. 158). O dogmatismo total pode ser encontrado em Hegel, para quem o pensamento tem absoluta identidade com a realidade. O dogmatismo parcial apresenta duas vertentes: o dogmatismo teortico, que concentra autores que se julgam aptos a afirmar a verdade absoluta no plano da ao; e o dogmatismo tico, reunindo autores que somente admitem tais verdades no plano puramente especulativo. David Hume e Kant so exemplos de autores que esto na primeira vertente. David Hume duvidava da possibilidade de atingir as verdades ltimas enquanto no plano terico, mas afirmava as razes primordiais de agir, estabelecendo as bases de sua tica ou de sua Moral. Kant tambm achava impossvel o conhecimento absoluto, porm, no plano da tica ele era dogmtico, sustentando que o homem, na vida prtica, deve obedecer a

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  • imperativos categricos, que no se revelam razo terica, mas vontade pura, descortinando-lhe o mundo noumental (Reale, 1998, p. 159-160). possvel ser dogmtico em um sentido e relativista (dogmtico parcial) em outro, como o caso de Pascal, que no duvidava de seus clculos matemticos e da exatido das cincias enquanto cincias, mas tinha dvidas sobre a possibilidade do conhecimento absoluto no plano do agir ou da conduta humana (Reale, 1998, p. 160). O ceticismo "implica uma constante atitude dubidativa ou em todos os graus e formas de conhecimento, convertendo a incerteza em caracterstica essencial dos enunciados da Cincia como da Filosofia" (Reale, 1998, p. 162). A Filosofia Ctica ou Escola Ctica provm de Prron de Elis. Este filsofo viveu na Grcia no tempo de Alexandre Magno e o acompanhou em sua expedio ao Oriente, tendo morrido por volta de 270 a.C. Tornou-se conhecida como Pirronismo a forma extrema do ceticismo grego de Prron, que consistia na pregao da necessidade de suspender o assentimento. Considerando que para o homem as coisas so inapreensveis, a nica atitude legtima a de no julg-las verdadeiras ou falsas, nem belas ou feias, nem boas ou ruins etc. (Abagnano, 2000, p. 764). Assim como o dogmatismo, o ceticismo se manifesta de forma parcial ou total. O ceticismo total ou radical ou Pirronismo, como visto costuma ser repudiado. Cticos parciais correspondem queles que so cticos quanto a alguns problemas da realidade ou da vida, ao mesmo tempo em que so dogmticos em relao a outrosproblemas, como o caso de Pascal, j mencionado, a quem se atribui um ceticismo tico ao mesmo tempo em que se diz dele tratar-se de um dogmtico quanto sua matemtica e em relao s cincias, enquanto tais (Reale, 1998, p. 163-164). Resta ainda dar a noo de relativismo. Este, conforme afirmado anteriormente, uma manifestao do dogmatismo, porm, um dogmatismo parcial. Reale condena a atitude de muitos autores que consideram as doutrinas relativistas (entre elas, por exemplo, o criticismo de Kant e o positivismo de Augusto Comte) como uma expresso do ceticismo, pois "(...) o ceticismo nunca abandona a atitude dubidativa do esprito, mesmo quando enuncia juzos de natureza cientfica (...) e o relativismo baliza o conhecimento humano, excluindo de suas possibilidades a esfera do absoluto, mas da no resulta que o relativismo possa ser considerado ctico. Os relativistas declaram que se conhece parcialmente, mas sustentam a certeza objetiva do pouco que se conhece, at que se no prove a sua invalidade" (Reale, 1998, p. 162). Dada a noo bsica acerca do dogmatismo, do ceticismo e do relativismo, passa-se, nos trs tpicos seguintes, a tratar dessas doutrinas especificamente com relao ao conhecimento do Direito.

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  • O dogmatismo no Direito Como visto, grosso modo, o dogmatismo afirma a possibilidade de atingir-se a verdade com certeza e sem limites a priori (Reale, 1998, p. 162). No Direito, o dogmatismo se revela, principalmente, por meio das doutrinas do Direito Natural e do Direito Positivo. Reale (1998, p. 161) aponta como exemplos, embora parciais, de dogmticos no Direito "os construtores de sistemas racionais de Direito, to em voga na poca do Iluminismo(...)", assim como "os contratualistas de vrios matizes, ou (...) os juristas que pretenderam plasmar o Direito Positivo mediante o encadeamento formal de raciocnios inicialmente assentes em verdades evidentes ou reveladas" e, ainda, "(...) a concepo tomista do Direito Natural, (...) ao subordinar o Direito ao justo(...)". Os dois extremos do dogmatismo jurdico esto representados nas teorias de Hegel e Kant. Na teoria hegeliana, "a posio dogmtica atinge sua expresso mxima, superando o dualismo entre Direito Natural e Direito Positivo, pois no processo dialtico em que o real e o pensamento se identificam, no h que falar em dever ser ou em valores jurdicos, porque tudo se resolve na realidade jurdica como expresso do esprito objetivo". Por sua vez, para Kant, rgida a distino entre o mundo da realidade e o dos valores (Reale, 1998, p. 162). Atribui-se aos filsofos do Direito contemporneos a renovao de algumas teses fundamentais do hegelismo, assumindo caractersticas de uma terceira soluo a da polaridade ser-dever-ser , que constitui um meio-termo entre a identificao hegeliana daquilo que com o que deve ser e a rgida distino formal Kantiana entre o mundo da realidade e o dos valores.

    O ceticismo no Direito Ao longo da histria, sempre existiu quem negasse a possibilidade de se encontrar fundamentos para o Direito, alegando que este no tem qualquer fundamento intrnseco e exprime apenas autoridade e fora. Em Roma, o embaixador da Grcia Carnades de Cirene teria gerado perturbao com sua dialtica, ao sustentar que o critrio do justo no se funda na natureza. O mesmo pensamento foi formulado pelos modernos cticos franceses dos sculos XVI e XVII, como Montaigne e Pascal. De Montaigne, expressiva a seguinte indagao: "que bondade ser essa, que da banda de l do rio delito (?)"; e de Pascal, estas constataes: "mudando o clima, muda a justia. Trs graus de elevao no plo derrubam a jurisprudncia. Um meridiano decide da verdade... Divertida justia que um rio limita! Verdade aqum dos Pirineus,

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  • erro alm" (Vecchio, 1979, p. 333; Gusmo, 1985, p. 68). O ceticismo no Direito tem se manifestado quando se discute sobre a possibilidade de determinar-se o valor da justia de maneira universal, ou sobre a viabilidade de um conhecimento do fenmeno jurdico dotado de certeza e de natureza cientfica. Duvida-se "(...)da objetividade do justo, quer em virtude dos critrios mutveis que a Histria do Direito nos revela, quer pela no menos desconcertante variedade do sentimento jurdico, ou pelo conflito entre a justia e os demais valores" (Reale, 1998, p. 164-165).

    O relativismo no Direito Adotada a orientao de Reale (1998), de no confundir o dogmatismo parcial como uma manifestao do ceticismo, tem-se que concluir que o relativismo consiste na posio daqueles que crem na viabilidade de se alcanar um conhecimento do fenmeno jurdico que, mesmo sendo parcial, estreme de dvidas. O relativismo, historicamente, tem-se apresentado sob vrias formas. Destacam-se o relativismo criticista e o relativismo positivista. O relativismo criticista, ou "kantismo", a doutrina originria de Kant, segundo a qual o homem no pode conhecer seno fenmenos, considerando-se fenmeno aquilo que suscetvel da experincia. Kant subordina o conhecimento do objeto a algo que preexiste logicamente em nosso esprito, s formas a priori da sensibilidade e s categorias do intelecto. O relativismo positivista, ou "comtismo", teve incio com Augusto Comte e, como o "kantismo", exclui o absoluto da possibilidade de conhecer, contrapondo-se metafsica tradicional. Ambos partem, porm, de pressupostos diversos, pois, ao contrrio de Kant, Comte no admite qualquer subjetividade a priori, estabelecendo uma correlao progressiva entre o processar-se dos fenmenos e o pensamento que no real encontra a fonte de seu desenvolvimento (Reale, 1998, p. 165-167). Segundo Reale, mais doutrinas poderiam ser inseridas entre os relativistas, como, por exemplo, o convencionalismo gnoseolgico, o pragmatismo e muitas outras.Segundo o convencionalismo gnoseolgico, h algo de convencional no saber cientfico, na medida em que sempre existe uma preocupao de adaptar as respostas a certas convenincias ditadas pelo xito, pela segurana etc. Assim, por exemplo, o pensamento de Hans Vaihinger, sustentando o carter puramente ficcionalista de todo conhecimento: afirmamos algo como se houvesse certeza, por sua utilidade biolgica. Por sua vez, o pragmatismo sustenta que devemos resolver o problema do conhecimento e do alcance do conhecimento reconhecendo que a teoria se insere ou se integra como momento da "ao" ou da vida prtica, a tal ponto que os "elementos

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  • formais" da Lgica so "formas de dada matria".

    Concepes a respeito do processo de elaborao do conhecimento Na discusso do problema atinente ao processo de elaborao do conhecimento, destacam-se trs correntes: o empirismo e o racionalismo, que tm debatido entre si ao longo da histria; e a moderna dialtica, que parece superar os questionamentos das duas outras. O empirismo, cuja forma mais radical e mais moderada so representadas, respectivamente, pelo positivismo de Augusto Comte e pelo empirismo lgico ou neopositivismo do Crculo de Viena, tem como principal caracterstica a suposio de que o conhecimento nasce do objeto. No empirismo, o vetor do conhecimento parte do real para o racional (no a razo que toma a iniciativa), o conhecimento flui do objeto, refere-se especificamente a ele e s tem validade quando comprovvel empiricamente. o conhecimento, para o empirismo, uma descrio do objeto, que tanto mais exata quanto melhor apontar as caractersticas reais deste. O papel do sujeito seria semelhante ao de uma cmara fotogrfica, ou seja, registrar e descrever o objeto tal como ele . Enfim, a preocupao fundamental do empirismo, em qualquer de suas correntes, consiste em reduzir todo o contedo do conhecimento a determinaes observveis (Marques Neto, 2001, p. 3). Por sua vez, para o racionalismo, o vetor epistemolgico vai do racional para o real (a razo que toma a iniciativa), constituindo o objeto real mero ponto de referncia, quando no praticamente ignorado, como ocorre na forma extrema do racionalismo, que o idealismo. Para o idealista, o conhecimento nasce e se esgota no sujeito, como idia pura... No se conhecem as coisas, mas sim representaes de coisas ou as coisas enquanto representadas (...), o que no implica necessariamente numa negao do real, mas na concepo de que impossvel conhecer as coisas tal como elas so em si mesmas. Uma forma moderada de racionalismo representada pelo denominado intelectualismo, que atribui razo o papel de conferir validade lgico-universal ao conhecimento, embora sustente que este no pode ser concebido sem a experincia. O fundamento do ato de conhecer, segundo o racionalismo, est no sujeito... "O pensamento opera com idias, e no com coisas concretas. O objeto do conhecimento uma idia construda pela razo" (Marques Neto, p. 6). A moderna dialtica parte de uma crtica ao empirismo e ao racionalismo, atacando os pressupostos fundamentais tanto de uma como de outra corrente, sobretudo nas suas formas extremas, representadas pelo positivismo e pelo idealismo.As epistemologias dialticas tratam sob um enfoque novo o problema da relao entre

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  • o sujeito e o objeto: discordam quer da concepo metafsica empirista como idealista, que separam o sujeito cognoscente do objeto real que conhecido... O que importa a prpria relao concreta que efetivamente ocorre dentro do processo histrico do ato de conhecer (Marques Neto, 2001, p. 13-14). So exemplos de epistemologias dialticas o materialismo histrico, a epistemologia gentica, a epistemologia histrica e a epistemologia crtica, das quais no h espao para comentrios neste trabalho monogrfico, pelo seu alcance restrito. As epistemologias dialticas distinguem o objeto real do objeto de conhecimento aquele coisa existente independente do pensamento, seja em si mesma considerada, seja atravs de suas manifestaes concretas; por sua vez, o objeto do conhecimento vem a ser o objeto tal como conhecido, um objeto construdo, sobre o qual se estabelecem os processos cognitivos (filosficos, cientficos, artsticos etc.). Dessa maneira, o ato de conhecer equivale a um ato de reconstruir, de aprimorar os conhecimentos anteriores. O conhecimento , assim, na epistemologia contempornea, um processo de retificao de verdades estabelecidas. O sujeito no vai "em branco" observar o objeto, ele leva consigo todo um conhecimento j acumulado historicamente e tenta super-lo para construir conhecimentos novos.

    O permanente questionamento sobre a viabilidade de se submeter o Direito a um conhecimento cientfico Entre os que estudam o Direito, os adeptos do ceticismo cientfico-jurdicoacreditam que invivel um conhecimento sistemtico do Direito e que, por isso, a cincia do Direito no uma cincia. O argumento dessa corrente o de que o Direito, que o objeto de estudo dessa "cincia", se modifica no tempo e no espao, de modo a impedir o jurista de alcanar exatido na construo cientfica, no que difere do naturalista, que "(...) tem diante de si um objeto permanente ou invarivel, que permite fazer longas locubraes, verificaes, experincias e corrigir erros que, porventura, tiver cometido" (Diniz, 2001, p. 32-33). Mas, para a maioria dos autores, o Direito suscetvel de conhecimento cientfico, conforme Diniz (2001) e Ferraz Jnior (1977). Segundo este ltimo autor, "(...) se percorrermos os tratados de Direito Civil, Direito Comercial, Direito Penal e outros, podemos assinalar duas preocupaes que revelam um aparente comum acordo sobre a existncia de uma cincia do Direito, nas suas diversas ramificaes, e sobre sua especificidade: 1) definir cada um destes ramos como partes de uma cincia unitria do Direito; e 2) distinguir a cincia do Direito, propriamente dita, de

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  • outras com as quais mantm relaes, em geral, de subsidiariedade, p. ex., cincia do Direito Penal e Criminologia; Psicologia Forense, Sociologia Criminal. Fala-se da Cincia Dogmtica do Direito, para distingui-la da Psicologia, Histria e outras".

    Graus do conhecimento Do ponto de vista lgico, o conhecimento humano em geral pode ser vulgar, cientfico e filosfico (Torr, 1997, p. 35-36). O conhecimento ou saber vulgar de um objeto, tambm conhecido como conhecimento pr-cientfico, ingnuo ou imperfeito, o conhecimento que tem uma pessoa sem preparao especial para tanto e que deriva da prpria experincia da vida. Esto nessa classe todos aqueles conhecimentos revelados pelos sentidos, ainda que com uma dose mnima de raciocnio, como o caso do conhecimento vulgardesenvolvido pelos homens da cidade, impregnado de noes cientficas ou pseudo-cientficas assimiladas insensivelmente. O conhecimento vulgar tem como caractersticas principais o fato de ser incerto, superficial e desordenado: incerto, porque, mesmo sendo verdadeiro, no se conhece com certeza; superficial porque somente se lhe conhece a partir dos efeitos; e desordenado por no ser metdico, que facilmente conduz a concluses distorcidas (Torr, 1997, p. 35-36). O conhecimento cientfico o conhecimento que se caracteriza por ser certo, explicado e fundamentado, sistemtico e de sentido limitado: certo, no sentido de certeza objetiva, ou seja, de poder ser constatada por todos, de buscar a realidade tal qual ela e no como ela se reflete em nossos sentidos; explicado e fundamentado, porque a cincia nos d uma explicao satisfatria da realidade material e espiritual, fundamentada em rigorosas comprovaes; sistemtico, uma vez que, por mais provado e justificado que esteja, o conhecimento no cincia se no estiver organizado metodicamente, se no estiver sistematizado; e de sentido limitado, tendo em vista que as cincias, embora s vezes considerem determinados setores do universo que s vezes so muito amplos, elas, contudo, no ultrapassam um certo setor ou regio, que constitui o objeto de cada uma, posto que, se o fizesse, adentraria no objeto de outra disciplina (Torr, p. 37-39). O conhecimento ou saber filosfico um tipo de conhecimento que no pressupe outros conceitos, ou seja, que dispensa pressupostos, dedicando, alis, grande parte de seu esforo dilucidao dos pressupostos cientficos. Tambm se distingue o conhecimento filosfico por caracterizar a totalidade dos objetos, naquilo que eles tm de essencial, de modo que qualquer matria pode ser objeto de reflexo filosfica (Torr, 1997, p. 39).

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  • No campo jurdico, a noo do conhecimento vulgar e do conhecimento cientfico, e a diferena entre ambos, podem ser mais bem transmitidas atravs deexemplos prticos. Uma pessoa qualquer, pelo fato de ter celebrado um contrato de locao, por certo sabe como se realiza esse contrato, que clusulas ele contm etc., o que caracteriza um conhecimento apenas vulgar do assunto (contrato). Mas, se essa mesma ou qualquer outra pessoa estudar o regime jurdico do referido contrato nas leis do local da celebrao, ou com base na jurisprudncia etc., ou mesmo se vier a cuidar da anlise dos elementos permanentes e essenciais daquele contrato, j estar fazendo Cincia do Direito, ou seja, conhecimento cientfico. Destarte, "(...) o enfoque cientfico da realidade jurdica o que d origem s Cincias Jurdicas, as quais, por serem vrias, a encaram a partir de distintos pontos de vista" (Torr, 1997, p. 40). Quanto distino entre o conhecimento cientfico e o filosfico no campo jurdico, bem assim a noo deste, pode-se afirmar que as cincias jurdicas so as que fornecem como pressupostos uma srie de conceitos, como a noo do Direito, da justia etc. Por sua vez, o pensamento filosfico trata de problematizar e estudar intensivamente os mencionados pressupostos dados pelas cincias jurdicas, implicando essa atividade na anlise dos prprios fundamentos sobre os quais repousam as cincias jurdicas. Em suma, o conjunto dos problemas essenciais e mais profundos que se referem ao Direito que d origem Filosofia do Direito (Torr, 1997, p. 40).

    REFERNCIA BIBLIOGRFICA ABAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia. So Paulo: Martins Fontes, 2000. AFTALIN, Enrique R. VILANOVA, Jos. Introduccin al Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998. BOBBIO, Norberto. Contribucin a la teoria del derecho, edicin a cargo de Alfonso Ruiz Miguel. DINIZ, Maria Helena. Compndio de introduo cincia do direito. 13. ed. So Paulo: Saraiva, 2001. FERRAZ JNIOR, Trcio Sampaio. A cincia do Direito. So Paulo: Atlas, 1977. GUSMO, Paulo Dourado de. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Forense,

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  • 1985. KAUFMANN, Arthur. Filosofa del derecho, teora del derecho, dogmtica jurdica. In KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. EL PENSAMIENTO JURDICO CONTEMPORNEO. [Trad. Gregrio Robles]. Madrid: Editorial Debate, 1992, cap. 1, p. 27-44. LANDIM, Francisco Paes. Aulas ministradas no perodo de 23 a 25 de nov. de 2001, no primeiro curso de Mestrado Interinstitucional em Teoria e Filosofia do Direito da Universidade Federal de Pernambuco, em convnio com a Universidade Federal do Piau e a Escola Superior de Advocacia do Estado do Piau ESAPI. MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A cincia do Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. MYNEZ, Garca Eduardo. Introduccin al estudio del Derecho. Mxico, Porra, 1978. MORCHON, Gregorio Robles. Introduccin a la teora del derecho. Madrid: Editorial Debate S/A, 1993. REALE, Miguel. Filosofia do direito.18. ed. So Paulo: Saraiva, 1998. REALE, Miguel. Lies preliminares de direito. So Paulo: Saraiva, 1976. RUSSO, Eduardo Angel. Teora general del derecho en la modernidad y en la posmodernidad. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995. SALDANHA, Nelson. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. TORR, Abelardo. Introduccin al derecho. Buenos Aires: Editorial Perrot, 1997. VECCHIO, Giorgio del. Lies de filosofia do direito. [Traduo de Antonio Jos Brando]. 5. ed. Coimbra: Sucessor, 1979.

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    1FISOSOFIA APLICADA AO DIREITO

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    1. A origem da filosofia especialmente da tica e da poltica:

    A presente exposio tem por objeto a origem da filosofia, especialmente naquilo que tange tica e poltica. Em primeiro lugar sero expostas as caractersticas gerais do pensamento primitivo (teolgico) e do processo de gnese do sistema poltico correlato (monarquia de direito divino). Aps, ser explicado o processo pelo qual dito modelo foi-se racionalizando (milagre grego), at ser substitudo por um sistema de dominao laico (sobretudo a idia de repblica). Por ltimo, sero apresentadas, em linhas gerias, as principais idias dos filsofos que encarnaram essa tendncia Scrates, Plato e Aristteles , principalmente no que se refere aos campos da tica e da poltica.

    Primeiro, a caracterizao do homem primitivo e do seu sistema de conhecimento tpico. Sabe-se sobejamente que o homem rudimentar vivia num regime teolgico e comunista primitivo (ou, se preferirem, comunal). A noo de comunismo primitivo aqui deve ser tomada em sentido amplo, englobando no apenas a apropriao coletiva dos recursos econmicos, mas tambm o fato da imerso de todos os indivduos numa forte conscincia coletiva. O indivduo nem sequer chega a conhecer-se como tal, pois todos os aspectos de sua vida e o seu prprio pensamento so sobredeterminados pela pertena comunidade e pela vinculao aos valores desta. Estes valores so de contedo religioso e se explicam pelo status teolgico do sistema de conhecimento vigente. E os valores da comunidade superam ontologicamente os interesses dos indivduos. Pode-se dizer, ainda, que a sociedade, lgica e cronologicamente, precede ao indivduo. Resumindo: a religio coisa coletiva e o sentimento religioso vincula e sobrepe-se aos prprios indivduos.

    Por todo o precedente, o nmade do paleoltico tem como mtodo de tomada de decises, naquilo que de interesse comum, a formao de uma assemblia (Eclsia) rudimentar. Devemos ter em mente a imagem de aborgines decidindo suas questes em torno de uma fogueira, coletivamente, lembrando ainda que, para eles, esse mtodo

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    poltico tinha um sentido ritual e religioso. Pode-se dizer, assim, que a poltica dos primitivos era uma poltica eclesial rudimentar.

    Mas o processo de sedentarizao levou os homens a substiturem, de pouco em pouco, o sistema de tipo eclesial pelo sistema de tipo tradicional... Na medida em que um cl abandona o nomadismo, surge-lhe um lder carismtico1 que reclama para si, com sucesso, o monoplio do manuseio legtimo dos bens religiosos. Os valores morais do grupo so todos concentrados nesta pessoa, que se transforma numa pessoa moral. O lder carismtico, ao redor do qual toda a sociedade vai orbitar, precisa necessariamente ser concebido como um Deus ou um enviado de Deus. Ele enfim o fundador do Estado na sua primeira conformao histrica, isto , como monarquia de direito divino. Devemos ter a imagem dos reinos da mesopotmia, dos egpcios, dos fencios, dos persas e ainda dos governos de muitas cidades gregas (exceto Atenas).

    Tudo o que os indivduos pretendem obter do poder coletivo, eles precisam reclamar ao Deus-rei. E os mtodos polticos mais comuns, nesta que chamamos de poltica tradicional, no podem ser outros que no a intriga e o assassinato. Se no estivesse presente a justificao teolgica do poder, um regime to instvel no teria durado. Com efeito, s uma crise na concepo religiosa do mundo, ento predominante, levaria a uma crise no sistema de legitimao da monarquia de direito divino tradicional.

    Eis que um acaso histrico muito grande excepcionou certas cidades gregas. Num lapso temporal relativamente curto e por uma srie de fatores, reuniram-se num pequeno territrio muitas concepes de mundo. E os gregos conheceram, pelo menos, a matemtica, a navegao, o comrcio e a guerra, alm de uma srie de outros elementos culturais dos mais diversificados. Sem dvida, eles puderam reunir uma srie de elementos no-religiosos que lhes resultaram eficazes para interagir com o mundo. E a concepo teolgica do mundo foi-se profanando, ao mesmo tempo em que a atitude filosfica foi-se afirmando.

    1 O fundamento do carisma do fundador da monarquia de direito divino pouco importa aqui. Este deve ter sido,

    principalmente, algo entre o guerreio mais valente e o mais sbio ancio. O importante , incontestavelmente, o fato de um indivduo encarnar em si a moral coletiva, transformando-se numa pessoa moral, ao mesmo tempo em que se transforma tambm em pessoa sagrada (tabu).

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    O estgio intermedirio entre a teologia e a filosofia a mitologia. V-se nitidamente em mitologias como as de Homero e Hesodo o processo pelo qual a explicao sagrada vai sendo racionalizada. A figura do heri, poderoso como os Deuses mas mortal como os homens, uma racionalizao de Deus sob uma forma humana. E a classificao dos Deuses numa hierarquia uma racionalizao que j assume um carter lgico. Neste processo, temos a classificao dos Deuses por assunto, o Deus do mar, o Deus do sol, o Deus disso, o Deus daquilo... O processo pelo qual os gregos atingiram a maturidade da Razo, substituindo gradualmente a atitude teolgica pela atitude filosfica, juntamente com as conseqncias polticas desta mudana no sistema de conhecimento, chamado de milagre grego.

    Os primeiros filsofos dignos deste nome foram filsofos da natureza. Explicavam sobretudo fenmenos fsicos, tais como a origem da vida e do cosmos. Os principais foram Tales, Anaxmenes, Anaxgoras, Herclito e Pitgoras, dentre outros. Estes foram chamados de filsofos pr-socrticos.

    To racionais, to autnomos e to bem sucedidos economicamente, os atenienses no mais se deixariam governar por um pretenso Deus-rei. Queriam autogovernar-se! E o seu desejo de autogoverno levou-os implantao da primeira democracia da histria. A democracia ateniense diferencia-se da democracia moderna por ser uma democracia direta ou participativa, em oposio nossa, que indireta ou representativa. Todo o cidado participava da votao das Leis e do julgamento dos processos pblicos, embora a noo de cidadania fosse, na poca, ainda muito limitada (homens livres, em idade adulta e possuindo patrimnio).

    Em Atenas, pode-se dizer, houve uma substituio do modelo poltico tradicional por um novo modelo de tipo eclasial, mas tratava-se de uma poltica eclesial de bases racionais. Portanto, diferente da poltica eclesial rudimentar, impregnada de religio. A poltica aqui passa a basear-se em debates pblicos, onde a palavra (argumento racional) a principal arma poltica. Os cidados mais iminentes passam a tomar aulas de oratria

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    e retrica com os chamados sofistas, dentre os quais o mais conhecido Protgoras (O homem a medida de todas as coisas).

    no contexto da democracia ateniense que surgem os pais da tica e da filosofia poltica, Scrates, Plato e Aristteles, cujas idias estudaremos. Primeiro, Scrates. Este homem viveu conforme pregou... Era um homem muito moderado e desprendido dos bens materiais e dos valores temporais. Dizia: Nada em excesso. No precisaria usufruir as coisas comuns mais do que o mnimo necessrio. Pois o bem comum est acima do bem particular; e agir em desacordo com a diretriz coletiva o mesmo que ser injusto... Desde que se havia surpreendido com a revelao do Orculo de Delfos, de que era o mais sbio dos homens, Scrates passou a viver perambulando pelas ruas de Atenas inquirindo seus concidados sobre assuntos dos mais variados, sobretudo sobre questes de tica. O que a justia? O que a coragem? Etc. Etc.

    Nas suas inquiries, exigia dos respondentes que, pelo menos, fossem coerentes consigo mesmos. Que uma vez que tivessem sustentado um argumento, todos os demais deveriam coadunar-se ao primeiro, e uns com os outros, numa sucesso lgica, sob pena de carem em contradio e revelarem-se ignorantes. Mas ocorre que, de fato, os inquiridos freqentemente caam em contradio e revelavam-se menos sbios do que se supunham. E, a fortiori, menos sbios que o prprio Scrates. A maiutica levava-os ironia e impunha-lhes a humildade. Scrates dizia: Conhece-te a ti mesmo.

    No que ele soubesse algo de extraordinrio. Simplesmente, diferentemente dos arrogantes e pretensiosos cidados atenienses, Scrates estava consciente de suas limitaes e ignorncias. E dizia: Sei que nada sei. Ora, a dvida por princpio a condio primeira da atitude filosfica!

    Por certo, Scrates era um verdadeiro pentelho, um chato no sentido mais comum da palavra... Algum que bagunou a vida poltica ateniense ao expor ao ridculo os homens mais iminentes da cidade. Mas fazia-o por amor verdade e tudo o que fez para tanto foi perguntar e, insistentemente, continuar perguntando... At que dissessem: Est bem. Eu admito. No sei nada sobre esse assunto. E o que eu achei que sabia,

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    agora vejo, no sei mesmo. Evidentemente, tal padro de atitude no poderia deixar de criar inimizades.

    Assim, Scrates foi acusado e levado a julgamento. As principais acusaes foram as de ser ateu, alm de cultuar demnios, bem como a de corromper a juventude. Na sua defesa, foi capaz de refutar brilhantemente cada um dos argumentos dos seus acusadores. E o fez, novamente, inquirindo os seus acusadores e cobrando-lhes simplesmente que fossem coerentes consigo mesmos. Se eu corrompi a juventude, por que, hoje que so velhos, esses amigos permanecem comigo? Porque no so eles que me acusam? Porque, ao contrrio, esto aqui para testemunhar em meu favor? Se eu adoro demnios e sou ateu, diga-me o que so demnios seno filhos dos Deuses que acabaram por se corromper? Como posso ento, eu, crer na criatura se no creio no criador? Etc. Etc.

    Em que pese Scrates tenha se defendido to brilhantemente, a assemblia movida certamente por uma indisposio frente a Scrates alheia ao mrito da acusao entendeu que devia conden-lo. Ainda perguntaram a Scrates que sentena ele esperava receber tendo em vista tudo o que tinha feito... E ele no teve a menor dvida em afirmar que, devido a to grandes servios, deveria ser sustentado vitaliciamente pela cidade, tal como sucedia aos vencedores olmpicos.

    Ainda foi-lhe ofertado, como era costume na poca, o ostracismo, como pena alternativa. Mas ele manteve-se firme e assumiu as conseqncias da condenao, bebendo a cicuta e morrendo. Ele, cuja vida havia sido o testemunho do princpio da primazia do interesse pblico sobre o interesse privado, jamais deixaria de submeter-se a uma sentena legitimamente prolatada pela polis. Ele no cometeria uma injustia contra a cidade, embora a cidade estivesse cometendo uma injustia contra ele. Nada em excesso. Conhece-te a ti mesmo. Sei que nada sei.

    O principal discpulo de Scrates foi Plato. Desgostoso com um regime democrtico que dava provas inequvocas da sua corrupo, dentre as quais a condenao injusta do

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    mestre e amigo, Plato comeou a perguntar-se por uma forma de governo ideal. No pensamento de Plato, o ideal se ope ao real, como a essncia se ope aparncia.

    Plato explica que todos os homens j experimentaram a idia do mundo ideal em outras vidas. Todavia, nesta vida, eles sofrem da amnsia dessa experincia. Poucos so os que acessam o mundo das idias; e a estes cabe a misso de restituir aos demais a verdade sobre o mundo ideal. Da o mito da caverna: Os homens comuns esto agrilhoados dentro de uma caverna, de costas para a abertura. No podem enxergar os objetos reais do mundo de fora, mas apenas as suas sombras distorcidas. Para eles, essas sombras so o real. O mundo ideal o que est fora, inacessvel para eles. O filsofo aquele que consegue romper os seus grilhes e acessar o mundo de fora da caverna. Ainda que tenha a viso ofuscada pela luz, ele o nico que conhece o mundo ideal. O mundo ideal o mundo verdadeiro, real. E o mundo que os homens comuns pensam que o mundo real, na verdade, um mundo de iluso e fantasia. Um mundo falso, edificado sob valores e instituies corrompidos. Uma vez que o acesso e a viso do mundo ideal so privilgios do filsofo, este tem a misso de educar (Paidia) o homem comum, mostrando-lhe as imagens do mundo ideal.

    Na sociedade perfeita de Plato, h uma concepo de justia. Justia dar a cada um conforme o que lhe cabe. Os homens ocupam um lugar na Repblica tendo em vista suas aptides e inclinaes pessoais: os homens ambiciosos e excitveis na regio do baixo ventre devem ocupar-se da produo; os homens corajosos e excitveis no peito devem cuidar da defesa; e os homens sbios e excitveis no crebro devem cuidar da administrao. Para os primeiros, as leis devem ser rgidas; para os segundos, brandas; e para os ltimos, no deve haver leis. Pelo menos isso era o que o Plato achava no incio...

    Plato teve a oportunidade de testar algumas de suas teses quando foi convidado a participar do governo do rei-tirano de Siracusa. Mas a ambio excessiva e a falta de moderao do tirano simplesmente inviabilizaram o intuito de Plato de implantar qualquer coisa parecida com a repblica. A foi que Plato compreendeu que, no importa quem seja, nenhum homem pode estar acima da Lei, nem mesmo o sbio.

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    Por fim, Aristteles, o mais destacado discpulo de Plato... Sua obra vasta e analisa diversos temas, fsica, metafsica, psicologia, poesia, etc. Embora Aristteles tenha-se inspirado em Plato, ele se ops ao pensamento do mestre em muitos aspectos. Negou o idealismo platnico e, em vez de buscar uma sociedade ideal, limitou-se, em princpio, ao estudo das constituies vigentes. Com efeito, as relaes com a coroa macednica garantiram a Aristteles fundos bastantes para reunir o maior acervo literrio, assim como de fauna e flora, de toda a histria helnica.

    O pensamento de Aristteles estrutura-se segundo o seguinte raciocnio. Todas as coisas tendem para um fim (telos) que um bem. As coisas tm uma potncia interna que precisa ser desenvolvida e colocada em ato para que implemente o seu fim. A semente pode ser regada ou no. A rvore tende a dar frutos, mas ela pode d-los ou no, conforme seja cultivada ou no... Quanto ao homem e sociedade, o raciocnio o mesmo.

    O homem tende a realizar um fim que um bem. O bem para o homem a felicidade. E ele pode atingi-la ou no, conforme coloque ou no a potncia em ato. Para chegar felicidade, o homem precisa educar-se na virtude. E a principal virtude a justia. O meio ideal para o homem implementar o seu fim a sociedade poltica, pois esta exige e estimula atitudes virtuosas e justas. E a sociedade poltica, igualmente, pode desenvolver-se ou no at o status de repblica constitucional (politea), o regime em que os homens so mais virtuosos e esto mais perto da felicidade.

    A partir disto, possvel classificar todas as concepes de justia vigentes, bem como todas as formas de governo existentes, atravs de um critrio lgico (mtodo aristotlico). preciso estabelecer a teoria do justo meio-termo: A virtude sempre um meio-termo entre um excesso e uma falta. Entre o esbanjador e o mesquinho h o simplesmente econmico, por exemplo.

    A justia pode ser de vrios tipos. Pode-se verificar a oposio entre a justia natural, igual em todos os lugares, e a justia legal, especfica de uma sociedade; entre o

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    justo poltico, vlido na cidade, e o justo domstico, vlido na vida privada; alm de outras distines... A justia pode ser geral ou particular. Sendo geral, recebe o nome de justo total e designa a justia da cidade para com todos; ou, dito de outro modo, a obrigao de todos seguirem as mesmas leis. Esta a concepo de justia mobilizada por Scrates quando se deixou matar pela Eclsia. Ele submeteu-se de bom grado deciso da Eclsia, pois esta instituio da cidade era aquela a qual todos deviam submeter-se indistintamente (princpio da primazia do interesse pblico). E hoje em dia se diz que todos so iguais perante a Lei.

    Num sentido particular, importa a justia de cada cidado considerado em relao aos outros, individualmente. O justo particular pode ser de dois tipos, distributivo e corretivo. O justo distributivo a justia aplicada quando bens, atributos ou encargos pblicos devem ser atribudos aos particulares com base num critrio de proporcionalidade geomtrica. sem dvida a concepo de justia mobilizada por Plato na Repblica, mas tambm por Scrates quando argumentou que deveria receber o sustento vitalcio pela cidade. E hoje em dia temos o concurso pblico, que distribui cargos e posies com base num critrio objetivo, a nota na prova. Para no falar da tributao proporcional renda. E assim por diante.

    O justo corretivo, por sua vez, aplicado nas relaes entre indivduos particulares, com base num critrio de proporcionalidade aritmtica. Devo pagar tantos mangos por este produto unitrio, ou trs unidades daquele outro produto, desde que os valores se equivalham. Numa palavra, deve-se pagar o preo justo. Esta concepo de justia vale tambm para as relaes involuntrias, como os ilcitos civil e penal. Se, por culpa minha, num ato imprudente, danificaram-se os bens de outrem, devo repar-los na justa medida, para que o prejudicado retorne ao status quo ante.

    Por fim, cabe ainda um breve comentrio sobre as relaes entre justia e eqidade e entre justia e amizade. Ao aplicador da lei impe-se uma prudncia muito especial. Quando a aplicao da lei tende a gerar uma injustia, preciso afastar-se da lei e aplicar-se a eqidade. Nas minhas singelas palavras, a equidade no mais que o bom senso na aplicao das leis. Por fim, devemos ter em conta o valor da amizade no

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    pensamento aristotlico. Pois, em todo o seu sistema, a amizade o nico valor capaz de relativizar a justia. Certamente, o valor da verdade foi aprendido com os amigos da Academia. Aristteles pensava: ainda que a justia seja a virtude por excelncia, ela dispensvel entre amigos.

    Todas as coisas tendem para um fim que o seu bem. Para o homem, o bem a felicidade. E este s pode ser feliz se se educar na virtude, a fim de tornar-se o mais justo possvel. A justia, enquanto disposio de carter, encontra as condies ambientes ideais para a atualizao da sua potncia na sociedade poltica. As diferentes sociedades polticas, tambm elas, tendem a evoluir para o seu fim ideal, a sociedade mais justa possvel, que a repblica constitucional (politea).

    Aristteles desenvolveu a primeira teoria sistemtica das formas de governo, utilizando um duplo critrio. Quantos governam? E como governam? O governo de um s homem, se votado ao bem comum, chama-se monarquia. Se votado s vontades egostas do rei, chama-se tirania. O governo de poucos, se votado a atender os interesses da maioria, chama-se aristocracia. Se votado a atender os interesses dos ricos apenas, chama-se oligarquia. O governo de muitos se chama democracia e sempre uma forma poltica corrupta, irresponsvel, e que atende, quando muito, somente aos interesses dos pobres. Todavia, pior ainda o governo de muitos quando estes se deixam manobrar por indivduos inescrupulosos, hiptese em que o regime recebe o nome de demagogia.

    A monarquia a melhor forma de governo que h, pois um homem pensa melhor sozinho do que vrios pensam coletivamente. Todavia, no uma forma de governo estvel, tendendo a degenerar-se facilmente numa tirania. A aristocracia um pouco menos racional que a monarquia, embora seja tambm um pouco mais estvel. Em todo o caso, a aristocracia tambm facilmente degenervel numa oligarquia. A democracia, por seu turno, uma forma de governo essencialmente corrupta, pois os muitos so to irracionais quanto uma manada. Embora mais estvel que a monarquia e a aristocracia, a democracia menos racional que ambas. E tem o inconveniente de poder-se degenerar numa demagogia. O ideal seria uma sociedade mista de aristocracia e democracia, onde

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    os ricos e os pobres estivessem devidamente representados e onde seus direitos estivessem equilibrados. Esse modelo misto, o mais justo e estvel possvel, dotado das instituies capazes de fomentar a virtude nos coraes dos homens, foi chamado por Aristteles de politea.

    A idia de se criarem instituies que atendessem aos ricos e aos pobres, equilibrando os direitos de ambos, foi implantada, por exemplo, na repblica romana. Assim, temos a convico de que as instituies republicanas romanas, o senado e o tribunato, foram inspiradas pelo pensamento aristotlico. Por fim, a prpria idia moderna de Constituio, no sentido de Lei maior, que contempla um conjunto de direitos fundamentais, tanto individuais quanto sociais, tem como precedente primordial esta idia de Aristteles.

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    O JUSNATURALISMO ROMANO E AS CONCEPES MEDIEVAIS DE JUSTIA

    O presente texto o resumo despretensioso das principais contribuies do jusnaturalismo da Roma Antiga e do cristianismo da Idade Mdia, nas suas implicaes para a definio filosfica da idia de Justia. Em primeiro lugar, sero expostas as caractersticas centrais da organizao poltica romana e do sistema de conhecimento jusnaturalista que a justificava, principalmente na fase da Repblica. Aps, sero estudados os principais fatores da decadncia do Imprio e a emergncia da sociedade medieval, juntamente com o sistema teolgico-cristo que a justificou.

    Em primeiro lugar, preciso relembrar algumas questes sobre a Constituio romana histrica e a sociedade romana. Roma iniciou, como todo o Estado primitivo, como uma monarquia de direito divino, a chamada monarquia etrusca (753 a.C.). Com a expulso dos reis etruscos e o fortalecimento da assemblia patrcia (o Senado), Roma implantou a Repblica em 509 a.C. A sociedade era caracterizada pela diviso entre os patrcios e os plebeus e era governada pelos primeiros. Os conflitos de ordens (anloga ao que se chama hoje de luta de classes) era possivelmente um dos principais problemas polticos da fase da Repblica, ao lado das guerras de conquista.

    Os autores modernos com destaque especial para Maquiavel explicam que a Liberdade foi conquistada em Roma em decorrncia do conflito entre os patrcios e os plebeus. Neste conflito, os plebeus exigiam concesses dos patrcios, sob pena de realizarem greves ou deixarem a cidade. Aos poucos, de concesso em concesso, os plebeus foram obtendo mais e melhores Leis para garantirem suas liberdades e direitos. Ao lado do Senado, foi implantado o Tribunato, onde tribunos da plebe atuavam com o direito de veto sobre as deliberaes senatoriais.

    Com o aumento das guerras de conquista, surge uma segunda diviso muito importante na cpula do poder republicano, a diviso entre o Senado e os generais. Estes, na medida em que ganhavam poder poltico, comeavam a opor-se ao Senado e a

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    funcionar autonomamente. Depois de dois triunviratos fracassados e da morte do general ditador Jlio Csar, Roma implanta o Imprio em 27 d.C. sob a gide de Otvio Augusto. Este foi um perodo de pax romana, marcado pelo assim chamado governo de po e circo.

    Para os fins desta aula, no oportuno discutir a monarquia e o imprio, quando o que nos interessa a repblica. Como foi que os romanos conseguiram implantar e manter um governo laico que permaneceu forte e livre por mais de 500 anos? Uma das explicaes que mais convm aquela que fixa o jusnaturalismo como sistema de legitimao do poder laico. Por certo, se observarmos os meandros da teoria jusnaturalista a de Ccero, por exemplo veremos que a racionalizao dos argumentos de legitimao no completa. H uma profanizao parcial da concepo teolgica do mundo, de modo que a autoridade da Repblica e das leis republicanas no concebida ainda como produto da emanao da vontade geral ou de uma assemblia de representantes legitimamente eleitos No! Mas a idia mstica de Deus, como fonte da emanao de todo o poder entre os homens, j substituda pela idia metafsica de Lei Natural. Devemos obedecer s Leis, porque conformes Lei Natural. Simples assim.

    O principal pensador dessa tendncia foi Marcus Tullius Cicerus, brilhante orador romano. Sua teoria da Justia e da Lei inspirada sobretudo no estoicismo, doutrina filosfica que pregava a ataraxia, entendida como felicidade vivenciada na serenidade de esprito e obtida pelo conhecimento de si e das leis naturais, bem como pela aceitao dos limites prprios e daqueles impostos pela natureza das coisas. O seu argumento estrutura-se, resumidamente, como segue...

    Existe uma s e nica Lei, que a Lei Natural. Esta Lei eterna e imutvel e rege desde sempre a ordem csmica. O homem, que um ser racional, tem a inspirao de qual seja a Lei natural; e, portanto, o nico comportamento que lhe cabe o agir justo e virtuoso em conformidade com esta Lei.

    A Lei convencional (hoje chamada Lei positiva) s justa se inspirada na Lei natural. No podem ser todos os ordenamentos jurdicos justos. E os que so, s o so

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    na medida em que respeitam a Lei natural. No podem ser justas as Leis dos tiranos, nem a sentena da Eclsia ateniense que condenou Scrates.

    O comportamento humano deve ser virtuoso, quando virtuosa toda a ao conforme a Lei natural. E somente a virtude conduz felicidade. Pois, uma vez que a felicidade no pode fundamentar-se na conveno, ela s pode advir da natureza. E a ao humana no pode buscar outros fins que no a prpria virtude, pois no h nada acima da virtude. Esta uma tica do dever. E justificava perfeitamente bem a constituio da repblica para um povo que cria na ordem csmica.

    No final da Repblica e no incio do Imprio, surge uma figura que vai mudar a histria do mundo, Jesus! No vamos entrar no mrito da doutrina filosfica sobre a justia eventualmente presente no cristianismo original. O nosso fim principal aqui dar conta genericamente do sistema de conhecimento que viabilizou a expanso e a forte adeso popular religio crist, que vai marcar toda a idade mdia ps-queda do Imprio Romano do Ocidente.

    A tica clssica, desde os gregos, pregava um sentido de virtude positiva, que foi subvertido pelo cristianismo. O homem devia ter as virtudes da grandeza, da coragem, da beleza, da riqueza, etc. E o cristianismo fundou, bem ou mal, uma tica baseada em virtudes negativas, uma vez que so bem-aventurados os que so pobres, os que choram, os puros de corao, etc. etc., porque deles o reino dos Cus, porque eles vero ao Deus, etc. etc., ainda que de algum modo a fundao de tal tica tenha escapado completamente s intenes reais do prprio Jesus Cristo1 que, quando muito, demandava uma religio da paz e do amor. preciso apenas entender aqui que o motivo do sucesso da Igreja Catlica, no incio, foi o encontro de uma religio que pregava virtudes negativas com uma civilizao em decadncia, em que o nmero de miserveis e coitados era crescente. Felizes agora, porque teriam um bom lugar no reino dos cus, apesar da pouca sorte neste mundo...

    1 Atribui-se a Paulo tanto a disseminao quanto a corrupo do sentido das principais idias de Jesus. Mas no vamos

    discuti-las aqui. Pode-se dizer que o uso que a Igreja Catlica histrica fez do cristianismo distancia-se tanto das idias de Jesus, quanto o uso que os Bolcheviques fizeram do marxismo distancia-se das idias de Karl Marx. No vamos discutir religio.

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    Roma entrou em crise por uma srie de fatores. A sociedade era escravocrata; e os escravos eram recrutados sobretudo nas guerras de conquista. Com o fim destas, houve uma crise no recrutamento dos escravos (crise da mo-de-obra) e a economia urbana, que j era perifrica, tendeu cada vez mais a sucumbir, deixando que aumentasse o peso relativo do trabalho rural. Assim, a circulao de moeda tambm entrou em crise (crise monetria), abrindo espao para um regresso economia natural e acarretando igualmente uma crise na arrecadao (crise fiscal). Sem poder pagar os soldados, Roma embarcou numa crise da defesa (crise militar), at que o governo central perdesse totalmente a sua autoridade (crise de legitimao). Por isso, pode-se dizer que apenas circunstancialmente se consegue imputar causalmente a queda do Imprio Romano do Ocidente s Invases Brbaras do ano 476 d.C. Porque, de fato, estvamos diante de uma situao complexa de crise, para alm da esfera meramente militar. Em suma, a queda de Roma deu-se em efeito cascata: crise de mo de obra; crise monetria; crise fiscal; crise militar e crise de legitimao.

    Os grandes homens deixaram as cidades e, fugindo das invases brbaras, construram fortificaes e recrutaram milcias privadas. Na produo material da existncia, empregaram os servos, no lugar dos escravos. Os servos no eram escravos! Eram homens livres que juravam obedincia ao senhor em troca de uma gleba e de parte da prpria produo. A partir de ento, ficavam presos gleba. A substituio dos escravos pelos servos pode ser explicada pelo fato simples de que os servos constituam famlia e reproduziam-se entre si, coisa que os escravos no faziam. Alm dos senhores feudais, incumbidos da defesa, e dos servos da gleba, incumbidos da produo, o sistema feudal era constitudo pelo clero. A funo do clero no sistema, aparentemente injustificada, a mais primordial de todas; e a nica efetivamente funcional. Pois a Igreja est ligada ao monoplio do poder espiritual e salvao dos homens neste e no outro mundo. Portanto, o clero funciona como agente de legitimao do sistema feudal de dominao.

    Neste ponto da exposio cabe introduzir, em linhas muito genricas, o pensamento de Santo Agostinho, que marcou a doutrina fundamental da Igreja durante toda a Idade

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    Media. Santo Agostinho viveu exatamente no momento da crise do imprio romano. Ele tinha a dimenso daquele acontecimento. Percebia que a cidade dos homens era imperfeita, temporal e tendia a sucumbir; e pensava que a cidade de Deus era perfeita, atemporal e eterna. De fato, o Estado romano sucumbiu; e a Igreja foi a nica instituio romana que sobreviveu queda do Imprio e subsiste ainda hoje. O poder do Estado era temporal; enquanto o poder de Deus (portanto, da Igreja) era eterno!

    Santo Agostinho pensava que devamos nos espelhar na cidade de Deus, para construir a cidade terrena o mais prximo possvel daquele modelo ideal. Alm do cristianismo, Santo Agostinho incorporou elementos importantes do maniquesmo e do platonismo. Do primeiro, incorporou a viso

    dualstica do mundo, como dividido nas polarizaes Deus/Diabo, Bem/Mal, esprito/matria, cidade de Deus/cidade dos homens. Do segundo, que de resto tambm apresentava uma viso dualstica do mundo, representada pela polarizao mundo das idias/ mundo real, incorporou tambm uma concepo de justia distributiva e de sociedade ideal, onde cada um recebe o que seu. Assim, aos nobres cabia a defesa; aos servos, a produo; e aos clrigos, que so os representantes de Deus neste mundo, o governo espiritual. Opor-se a essa ordem das coisas, santificada e consagrada pela prpria Igreja, era considerado como ultraje pecaminoso. E os hereges, com certeza, seriam condenados a sapecarem-se no fogo do inferno. Diante disto, compreende-se bem como uma sociedade cristianamente inspirada pde-se dividir entre senhores, servos e clrigos. E estruturar-se numa conformao social estamental e rgida (hierrquica e sem mobilidade social) e que durou quase mil anos.

    O pensamento de Santo Agostinho (354-430) marca o incio da Idade Mdia e funda a sociedade medieval; e o pensamento de Santo Toms de Aquino (1225-1274) marca o seu fim, anunciando a nova sociedade burguesa. Santo Toms de Aquino tem a viso

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    privilegiada do mundo moderno e, especialmente, do ressurgimento do Estado2 e do Direito modernos. Ao adaptar o pensamento da Igreja, Aquino o reabilita e evita que ele perca totalmente o seu prestgio, j desgastado no final da baixa idade mdia, principalmente em decorrncia do ressurgimento do comrcio e dos interesses especficos da classe burguesa nascente.

    A sociedade agostiniana e medieval condenava qualquer pretenso de ascenso social como um pecado contra a ordem divina. Mas os burgueses, ento pequenos artesos e comerciantes das vilas europias, desejavam expandir o seu incipiente comrcio e o lucro dele proveniente. Ento Santo Toms de Aquino estabelece uma distino fundamental: que o fas (sagrado) e a vida do outro mundo deviam-se reger conforme bem queria a Igreja, seguindo a tradio tica agostnico-platnica; enquanto o jus (direito) e a vida neste mundo deviam-se reger segundo as Leis do Estado, seguindo uma concepo de justia comutativa (que cabe mui bem ao direito dos contratos de hoje) e que no outra que no aquela expressa no pensamento daquele que o Santo chamava de O Filsofo, ou seja, expressa no pensamento de Aristteles.

    2 O surgimento do Estado Moderno e os filsofos contemporneos desta tendncia o prximo tpico que estudaremos.

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    Concepes modernas sobre o direito e o Estado:

    Neste texto sero expostas, de forma resumida e do modo mais concatenado possvel para os limites de uma fala redigida, as principais idias dos fundadores do discurso do Estado Moderno (Maquiavel e Hobbes) e dos idealizadores das instituies republicanas (Locke, Rousseau e Montesquieu). Maquiavel o pai do realismo poltico e sustentou o discurso da legitimidade do o Estado moderno, baseando-se naquilo que chamaramos hoje de princpio da supremacia do interesse pblico; Hobbes criou uma teoria metafsica do fundamento do poder do Estado, sendo o primeiro a mobilizar a idia laica de contrato social; Locke introduziu a idia mui republicada de que os limites da ao do Poder Executivo deveriam ser estabelecidos e controlados pelo Poder Legislativo; Rousseau arrematou com a noo de soberania popular, basilar democracia moderna; e Montesquieu desenhou o esquema contemporneo da tripartio dos Poderes da Repblica.

    Comecemos por Nicolau Maquiavel. O primeiro aspecto importante sobre o pensamento do pensador italiano diz respeito ao equvoco mais comum que se comete quando se discute a sua sobra. uma idia falsa e de senso comum imaginar ingenuamente que ser maquiavlico ser mau. H muito se tem utilizado o termo maquiavlico para designar toda e qualquer ao calculista e inescrupulosa, independentemente dos fins por ela visados. Equvoco funesto! Pois Maquiavel era antes de tudo um humanista e possua ideais dos mais honrados, muito embora o seu realismo tenha sido interpretado como um certo pessimismo ou fatalismo, injustia que lhe rendeu a infame reputao de pensador maldito. Se Maquiavel aprovava o recurso a meios escusos e a violncia, era porque ele visava a valores absolutos, tais como a unidade do Estado e o bem comum; e o fazia apenas sob a condio de que os mesmos resultados no pudessem ser atingidos prescindindo-se daqueles meios. Ele aprovava os meios ilcitos, apenas quando eles se mostravam os mais eficazes. E tinha em mente que apenas em condies muito especiais e quando esto em jogo valores absolutos que os fins justificam os meios.

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    O contexto em que Maquiavel viveu o da Itlia do sculo XV, uma Itlia ainda no unificada enquanto estado-nao, toda ela fragmentada em pequenas repblicas e principados. Ele foi um dos grandes personagens da poca de ouro do Renascimento italiano, sendo contemporneo e concidado florentino de figuras do cacife de Leonardo da Vinci e Dante Allighieri. Sua educao diferenciou-se daquela que era tradicional poca, a catlico-agostnico-platnica, pois seu pai, o advogado Bernardo Machiavelli,

    viabilizou-lhe estudos clssicos de histria e filosofia romanas, especialmente a leitura de Polbio e Tito Lvio. Estes estudos tiveram forte influncia nas questes filosficas colocadas por Maquiavel e em sua maneira original de resolv-las.

    Nicolau Maquiavel, enquanto figura central do renascentismo poltico, realizou uma das mais fortes rupturas no sistema de crenas ticas ento vigentes. No se deve perguntar sobre como o bom governo deve ser. Mas sim como so os verdadeiros bons governos, isto , em primeiro lugar, aqueles governos que se conseguiram manter como tais. No basta que um rei tenha agido com justia e tenha-se devotado ao bem comum se, l penas tantas, ele deixou o seu reinado sucumbir. Muito melhor aquele rei que, embora tenha agido por vezes tiranicamente, soube manter a ordem, a paz, a liberdade e a felicidade no seu reino. Maquiavel recusou-se a focar seus estudos naquilo que os homens dizem; e procurou avaliar aquilo que eles efetivamente fazem. Ainda que uma noo daquilo que viria a ser o mtodo cientfico moderno fosse totalmente estranha a Maquiavel, a sua busca pela verdade efetiva j prenunciava a futura cincia poltica.

    Quanto tica, Maquiavel estabeleceu que a ao de um Prncipe deve ser avaliada pelos seus resultados e no pela sua aparncia de bondade ou maldade. E que a misso de todo o fundador de um Estado novo , em primeiro lugar, manter o Estado poderoso e livre; e, em segundo lugar, manter a liberdade dos sditos-cidados. Assim, no basta que um prncipe seja bom, justo, leal, fiel ou religioso. Na verdade, ele precisa parecer possuir todas estas virtudes; e at, de fato, possu-las. Mas precisa saber tambm ser

    Maquiavel

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    mal, injusto, desleal, infiel e descrente, sempre que isto seja necessrio para a manuteno do Estado. Sempre que a vida do Estado estiver em jogo, os fins justificam os meios (razo de Estado). At porque o vulgo esquece-se facilmente das boas aes dos seus governantes, e presta ateno apenas nas aparncias e nos resultados. E sabe-se bem que o inferno est cheio de boas intenes.

    Rompendo com a religio, que pregava a entrega dos desgnios humanos vontade divina, Maquiavel sustenta que o prncipe o senhor do seu destino. E que ele precisa dominar toda a informao disponvel para que possa fazer boas escolhas. Para que saiba o momento de mudar de atitude, para bem se adaptar aos novos ventos... Nas coisas humanas, apenas a metade delas depende das graas da Fortuna. A outra metade depende exclusivamente da virt. O prncipe precisa saber vestir tanto a pele do leo, para espantar os inimigos, quanto a pele da raposa, para escapar das armadilhas. Precisando escolher entre ser amado e temido, melhor que escolha ser os dois. Mas no podendo escolher, melhor que seja apenas temido, para que seja respeitado e no deixe que os seus subordinados adquiram-lhe demasiada familiaridade.

    Mas pra que tudo isso? Ao contrrio do que pensam muitos, Maquiavel no est realizando uma apologia despropositada do poder pelo poder. Ele ensina o prncipe a agir virtuosamente (com eficcia, ainda que tenha que utilizar meios escusos) apenas porque o prncipe tem a misso de realizar valores absolutos, em ltima anlise, a manuteno da ordem pblica e o bem comum.

    Maquiavel contribuiu tambm para a cincia poltica introduzindo um conceito do Estado e uma teoria das formas de governo. O prncipe inicia com o dizer: Todos os estados, todos os domnios que exerceram e exercem poder sobre os homens, so e foram repblicas ou principados. Da se deduz a teoria clssica de que o Estado composto por trs elementos, governo, territrio e povo. E qu