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26 OUT 09 CICLO INTEGRADO DE CINEMA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC 2009/2010 A ECONOMIA GLOBAL E OS MUROS DA REPARTIÇÃO DO RENDIMENTO DOC TAGV / FEUC --------------------------------------------------- SESSÃO 2 ECONOMIA GLOBAL E OS MUROS DA REPARTIÇÃO: MIGRANTES E REGULAÇÃO DOS MERCADOS DE TRABALHO 26.10.2009 --------------------------------------------------- FILME/DOCUMENTÁRIO: A ATRAVESSAR O ARIZONA (CROSSING ARIZONA) DE JOSEPH MATHEW & DAN DEVIVO / 2006 COMENTÁRIOS E DEBATE COM: MARIA LORENA COOK GRACIELA BENSUSAN MARIA DA CONCEIÇÃO RAMOS MARIA TERESA MENDES

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26OUT09

CICLO INTEGRADO DE CINEMA,

DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

2009/2010

A ECONOMIA GLOBAL E OS MUROS DA REPARTIÇÃO DO RENDIMENTO

DOC TAGV / FEUC

---------------------------------------------------

SESSÃO 2

ECONOMIA GLOBAL E OS MUROS DA REPARTIÇÃO:

MIGRANTES E REGULAÇÃO DOS MERCADOS DE TRABALHO

26.10.2009

---------------------------------------------------

FILME/DOCUMENTÁRIO:

A ATRAVESSAR O ARIZONA (CROSSING ARIZONA)

DE JOSEPH MATHEW & DAN DEVIVO / 2006

COMENTÁRIOS E DEBATE COM:

MARIA LORENA COOK

GRACIELA BENSUSAN

MARIA DA CONCEIÇÃO RAMOS

MARIA TERESA MENDES

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CICLO INTEGRADO DE CINEMA,

DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

2009/2010

A ECONOMIA GLOBAL E OS MUROS DA REPARTIÇÃO DO RENDIMENTO

DOC TAGV / FEUC---------------------------------------------------

SESSÃO 2

ECONOMIA GLOBAL E OS MUROS DA REPARTIÇÃO:

MIGRANTES E REGULAÇÃO DOS MERCADOS DE TRABALHO

26.10.2009

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A COMISSÃO ORGANIZADORA AGRADECE A

SANDRA POLASKI

(ACTUAL SUBSECRETÁRIA DE ESTADO

PARA AS QUESTÕES INTERNACIONAIS

NO MINISTÉRIO DO TRABALHO AMERICANO)

O SEU APOIO À REALIZAÇÃO DESTA SESSÃO,

NÃO PODENDO PARTICIPAR UMA VEZ QUE JÁ DEPOIS DE CONVIDADA

ASSUMIU FUNÇÕES NA ADMINISTRAÇÃO AMERICANA

WE HOPE THAT IN THE OBAMA ADMINISTRATION WILL BE ABLE TO

STEER GLOBAL ECONOMIC POLICY IN A BETTER DIRECTION THAT

TAKES INTO ACCOUNT THE NEEDS AND LIVELIHOODS OF THE BILLIONS

OF PEOPLE WHO ARE CURRENTLY NOT BENEFITTING FROM GLOBAL

ECONOMIC INTEGRATION.

I WORK VERY HARD AT THAT GOAL EVERY DAY!

SANDRA POLASKI,

EM CARTA ENVIADA À COMISSÃO ORGANIZADORA DESTE CICLO

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ECONOMIA, MIGRAÇÕES, SOCIEDADE: LIGAÇÕES EM CADEIA

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1. NA EXTREMIDADE DO INFERNO, A FRONTEIRA

2. CAMPO DE BATALHA: EL PASO

3. A LÓGICA ECONÓMICA DA IMIGRAÇÃO ILEGAL

4. MIGRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO: AS LIÇÕES DA EXPERIÊNCIA MEXICANA

5. A VEDAÇÃO QUE NÃO LEVA A LADO NENHUM

6. REFAZER BEM A REFORMA DA IMIGRAÇÃO

ANEXO: ALGUNS DADOS SOBRE O COMÉRCIO E A EMIGRAÇÃO DO MÉXICO

PARA OS ESTADOS UNIDOS

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1. NA EXTREMIDADE DO INFERNO, A FRONTEIRACAMILLA PANHARD

A maior parte vem da Guatemala, das Honduras, de S. Salvador e partem para os Estados Unidos para reencontrar a sua família ou para procurarem trabalho. Mas, têm primeiro que atravessar o México onde as espera a violência dos gangs mafiosos e dos polícias corruptos… A jornalista Camilla Panhard seguiu a mesma estrada que Griselda, Yohanna, Sonia… Tantas mulheres, tantas mães Coragem das quais conta a história no número 8 da revista XXI. Extractos.

TAPACHULA (CHIAPAS) “NÃO HÁ NECESSIDADE DE IR MAIS LONGE PARA SE SER VIOLADA”

Duas jovens mulheres olham para o mapa rodoviário do México em silêncio: “Tapachula-Houston = 2 900 km”, diz a legenda. Uma e outra são relativamente baixas, o grande mapa afixado esmaga-as. Como se, atravessando o rio Suchiate que separa o Guatemala do México, tivessem diminuído de tamanho.

Uma e outra estão ligeiramente inclinadas. A outra responde sim quando as interrogo se foram atacadas. Já ali estavam há mais de uma hora. Tinham bifurcado exactamente antes da aldeola El Silencio para contornarem primeiro a guarita dos guardas da fronteira. Era a sua primeira agressão. Em cada desvio, serão esperadas por bandidos armados de cutelos, metralhadoras Kalachnikov ou pistolas já velhas de vários arranjos.

As duas jovens mulheres preparam-se para contornar a próxima guarita instalada no bairro Viva México de Tapachula, sede meridional do Estado mexicano do Chiapas. Um jovem de bicicleta trava e quer indicar-lhe o caminho, mas muda de ideias e imediatamente aconselha-as a renunciar.

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— “Eu efectivamente tinha-te dito, suspira uma.

— Vamos, vamos, diz a outra.

— São corajosas, digo, calmamente.

— Não, eu não! Eu não! reage a mais pequena, levando a mão à sua boca.

— Perdeu a sua virgindade nestes caminhos. Não há necessidade de ir mais longe para se ser violada”, explica a sua companheira, enquanto fica toda corada. Chama-se Griselda e esperou pelos seus 18 anos para deixar as Honduras. Partiu sozinha. Na fronteira do México, logo depois de a ter atravessado, um suposto passador violou-a. Ficou a dois dedos de acabar num dos bordéis desta fronteira do sul, o seu caminho cruzou o de Yohanna. Originária da Cidade da Guatemala, esta migrante de 27 anos tem uma força de alma extraordinária.

Desde há alguns anos, os bandidos preferem o assalto ao rapto, mais rentável. Com estas mulheres migrantes, os lucros são multiplicados. Fazem-nas primeiro rodar pelos pornos. Em seguida, fazem-nas prostituir-se. Depois, pedem aos seus pais uma quantidade de dinheiro para as encaminhar até aos Estados Unidos. Chegadas ao seu destino, as mulheres são entregues num bordel: acabam por pagar elas mesmas o resgate da sua libertação. Aproveitando o afastamento da sua companheira, Yohanna diz baixinho: “É necessário ajudá-la, é muito pobre. Sabes de onde ela vem? De uma cabana feita de folhas de palmeira. Não tinha cama e nunca viu uma ventoinha.”

Para mitigar a fome dos migrantes com uma sopa e uma cama, os padres católicos abriram refúgios de apoio onde se cruzam o informático de Tegucigalpa, o adolescente de São Salvador e o pescador da costa das Caraíbas, lançados sobre a estrada pelas dívidas, pela violência e pela fome. Estas estruturas de religiosos salvam vidas. Com o risco de perderem a sua, laicos e religiosos batem-se de modo a que nem as máfias nem as autoridades tomem conta destes lugares, verdadeiras bandeiras brancas num campo de batalha. Porque é mesmo de uma batalha que se trata...

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ARRIAGA (CHIAPAS) “UM OLHAR E ESTOIRO-LHE A CABEÇA”

Percorreu quase 270 quilómetros a pé desde a fronteira entre o México e a Guatemala para chegar a Arriaga, uma cidade da costa do Pacífico. Estamos sentados na borda de um colchão no dormitório das mulheres do refúgio Irmãos da misericórdia, bairro de Areia fina.

Com a sua silhueta andrógina e os seus cabelos longos presos por uma pinça amarela de plástico, o homem poderia ser um cabeleireiro ou um massagista. Goza de uma grande popularidade junto das viajantes que esperam dele que transforme pela magia dos seus dedos esta célula de betão nu num salão Vénus Beleza...

É o único que aceita reconstituir a sua passagem por Arrocera, uma aldeola flanqueada por um posto migratório, uma das etapas mais perigosas desta travessia do México... Uma semana forçada e as pernas pareciam avançar sozinhas, atravessadas por uma corrente histérica, impossível pará-las. Senta-se um momento sobre um banco. Atrás dele, ficam dois dias de selva a saltarem à menor das lembranças. Mas, desta vez não ouve saltarem cinco indivíduos, cabelos longos, armas de assalto, uniformes militares, botas de montanha. “Juro-lhe, era um filme”, diz ele.

“Um olhar e estoiro-lhe a cabeça”, declara-lhe um assaltante. Fecha os olhos. Vê os restos humanos sobre o solo e uma mulher presa a uma árvore. Despem-no, inspeccionam-na até ao ânus à procura de dinheiro. Um dos tipos mergulha-lhe os seus jeans num líquido, na lama, faz-lhe sinal para se tornar a vestir. O mesmo tipo, com as suas unhas pretas, estende-lhe, a gozar, uma nota de cinco pesos: “Para o transporte”...

Peço-lhe ainda um instante para falar da sua vida antes, em São Salvador, onde era florista e criava cinco crianças: a sua pequena irmã e quatro pequenos que lhe tinham confiado. “O meu comércio estava a andar bem. Tinha encomendas até para a Guatemala e passava a fronteira com maços de notas entre as mãos. Nunca tive problemas de dinheiro, nem mesmo agora. Eu tomei este caminho, para me juntar à minha mãe nos Estados Unidos, ela está doente e devo substituí-la no seu trabalho. É ela que me paga a viagem. Onde quer que vá, uma transferência espera-me. Basta-me encontrar uma Western Union.”

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Para sobreviver sobre os caminhos da migração, é necessário agir como espião. Nos refúgios, os telefones estão sobre escuta e os migrantes comunicam por mensagens codificadas. A minha estratégia: errar sistematicamente os meus encontros. Chego sempre a uma hora ou um dia diferente daquele que anunciei. Nas cidades como Arriaga onde há apenas dois hotéis, um com vidraças matizadas e o outro para caixeiros-viajantes, é difícil circular incógnito, ou mesmo dormir sobre as duas orelhas.

Uma noite, alguém bateu à minha porta e suplicou-me que abrisse chamando-me pelo meu nome. Para me defender, pus o som da televisão no máximo. As cadeias mexicanas estão cheias de filmes de acção: som de vozes, um fuzilamento, uma explosão… Um cliente, por sua vez, acabou por ficar a tocar tambor e, por sua vez, o barulho afastou o perigo.

No dia seguinte, o recepcionista avisa-me que, me tinha reservado o táxi, era sempre o número 85 diz. O que fazer? Pegar no meu saco, ir-me embora e apanhar o primeiro autocarro para a estação rodoviária. É um velho calhambeque, dos que naufragam com as portas grandes abertas. Instalo-me exactamente atrás do motorista e descubro, ao pé do autocarro, um homem com cerca de trinta de anos com um dente de ouro plantado no meio do seu grande sorriso: apresenta-se como o táxi número 85.

O motorista pergunta: “o que é que faço, minha senhora? Arranco?” Concordo, aliviada. Neste autocarro de terceira zona, com um passaporte bem classificado no hit-parade das potências mundiais e com um pouco de dinheiro, os homens continuam a ser galantes. Mas, não esqueço que, na véspera, tinha estado nesta mesma estação rodoviária para acompanhar duas viajantes corajosas. Tinham-me pedido que comprasse dois bilhetes em meu nome uma vez que, explicam-me, se os empregados localizassem o seu acento centro-americano, não somente lhe dobravam o preço do bilhete, mas marcá-lo-iam com um sinal para que o motorista, por sua vez, também as assaltasse.

IXTEPEC (OAXACA) “AQUELE QUE DORME MELHOR GANHA A GUERRA”

Acaba de viajar doze horas de seguida em cima do tecto de um vagão desde Arriaga, cidade de partida do comboio de mercadorias. Após uma parada neste refúgio, apanhará outro comboio que vá até ao Estado de Vera Cruz.

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E assim, de comboio em comboio, de refúgio em refúgio, atingirá talvez, finalmente, a fronteira.

O caminho-de-ferro, que a revolução mexicana trouxe foi privatizado nos anos 90. Depois, não houve mais comboios de passageiros. Permaneceram os comboios de mercadorias e uma vasta rede de caminho-de-ferro que atravessa o país, servindo os 3 200 quilómetros de fronteira com os Estados Unidos. Ironia da história, o comboio volta a ser legendário graças ao migrante que dele fez o personagem central da sua epopeia, baptizando-o de todas as espécies de apelidos de acordo com os Estados atravessados. “O Animal” quando o comboio atravessa a selva do Chiapas, “O Verme de Aço” quando trespassa a verdura do Estado de Vera Cruz, “O Cavalo de Ferro” quando se embala nos desertos do Norte.

Engole uma sopa de brócolos sob os raios do sol do fim de tarde. “Não tens umas calças?”, pede antes de se levantar, enfiada num jeans de veludo e em tom de rosa claro, certamente uma roupa de caridade.

Desde a sua chegada ao refúgio, o primeiro reflexo das viajantes corajosas é inspeccionar a trouxa de vestuários. Demasiado frequentemente, há apenas roupa da parte de cima, as calças são raras e os sapatos não são adaptados. Recordo-me do desespero de uma mulher que tinha que subir para cima do comboio no dia seguinte e só encontrava calçado leve de cidade.

— “Chamo-me Sonia e tenho sono, diz, procurando um canto protegido onde enfiar o nariz.

— Quanto tempo esteve sem dormir? — Várias semanas “, responde antes de se estender e se afundar profundamente a dormir.

“O que dorme melhor é o que ganha a guerra”, dizem os migrantes. Pendurados noites inteiras sobre o tecto dos vagões, todos viram, e possívelmente por mais de uma vez, um dos seus companheiros cair, vítima de um ataque de sono. À mais pequena sonolência, correm o risco de ficarem debaixo do comboio. Alguns morrem esmagados, outros acabam por ficar amdos de uma perna ou de um pé.

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A PATROA (VERA CRUZ)

“JÁ VI JOVENS MULHERES QUASE QUE NUAS ENFIADAS EM CARROS DA POLÍCIA”

…Levam bonés. Nesta paisagem tropical, aquilo dá-lhes um ar engraçado mas, quando pôem as nádegas sobre a chapa quente durante doze horas de enfiada e com trombas de água, as palmeiras rapidamente são esquecidas. Norma pergunta-lhes, tirando um pacote do automóvel: “Eh! tenho muda de roupa, olhe!” Interrompem para uma pausa para café. As camadas de roupa protegem-nas sem dúvida do frio, sim, mas também do olhar dos bandidos. Todas têm os seios enfaixados. Uma delas, grávida, enfia umas calças, mas sem conseguir fechar o botão.

Relembro frequentemente esta cena, a sua última prova de mulheres livres. Na etapa seguinte, serão sequestradas. Soube-o depois da boca de um dos seus companheiros de viagem, que voltei a cruzar, por acaso, num refúgio mais ao norte.

O rapto deu-se em Lechería, “a central leiteira”. Este nó ferroviário no subúrbio de México é um lugar de tráfico. Ao pé da via-férrea, vêm fornecer-se os bordéis da capital de mais de 20 milhões de habitantes. As quatro jovens mulheres estão destinadas à morte lenta da prostituição. “Até que ficam loucas ou morrem de SIDA”, dizem os proxenetas que, vendo uma mulher, calculam já quantos anos é que ela vai durar.

Na estação de Lechería, uma empregada, de cujos escritórios dão para a via-férrea, confirma: “Vi jovens mulheres metidas em carros de pllícias e estavam todas elas quase nuas, acredita que é verdadeiramenete assim?”

San Luis Potosi “As minhas crianças, deixei-as sozinhas” …As que têm chegado até agora são já heroínas, pioneiras. São elas que organizam e financiam a sua viagem com uma tal capacidade que, às vezes, fazem disso uma profissão e tornam-se passadoras. Já me aconteceu passar por passadoras camufladas num grupo. Reconhecem-se facilmente porque gostam de levar roupa desportiva de marca e estão “menos danificadas”, assim como dizem as outras mulheres que devem lutar no dia a dias com o seu corpo em sofrimento: pele queimada, diarreia, conjuntivite e bolhas nos pés.

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Localizo uma no dormitório, leva um jogging em veludo perfeitamente ajustado ao seu corpo de liana. Deve ter uma vintena de anos: “Já me aconteceu levar uma rapariga que provocava todos os homens do comboio. Eh bem, tive que deixá-la. Sabe o que isto significa nas Honduras, arrastarmo-nos com este tipo de carinha? É catalogar-se como uma puta despachada”, diz olhando para a mulher de pulôver cor-de-rosa.

“Mas, enfim, viste-me? Eu sou apenas uma velha que parte para que os seus cinco filhos possam ter como herança o direito aos estudos, responde esta última que não tem 30 anos. Viajo sozinha, parti sozinha.” E não volta a si mesma, como se tivesse acreditado que o seu acto de coragem extremo lhe servirá de escudo.

Agora que se encontra aninhada neste grupo, o medo, em vez de se eclipsar, aumenta. A mulher de pulôver cor-de-rosa, cor fuchsia, encontra-se paralisada com a ideia de por o nariz de fora, faria agora o que fosse preciso para seguir acompanhada. “Tenha confiança em mim”, implora dirigindo-se à passadora que, por uma razão que ignoro, não a quer admitir no seu grupo.

Não é a sua primeira rejeição. Desde que pôs os pés fora do seu país, sofre por não mais ser olhada, daí esta estranha maquilhagem sobre as pálpebras: uma pintura azul, lunar. Forçou ligeiramente a dose como para dizer: “vou conseguir, vou conseguir.” Mas, mais um infortúnio, ela rebenta e grita: “Os meus filhos, deixei-os sozinhos. O maior tem 16 anos. Nem sequer sei se têm qualquer coisa para comer neste momento.” …Depois, parte para exercer a função de baby-sitting. Os refúgios de migrantes raramente servem para descansar: durante a duração da estada fixa de vinte e quatro horas a três dias, de acordo com a política do lugar, é necessário encontrar dinheiro para continuar. Pequenos trabalhos são propostos, ou são mesmo impostos.

Fronteira Norte “Marchem, com passo rápido…” Estamos a uma centena de quilómetros da fronteira, às portas do deserto. Yoli, a decana das viajantes corajosas, não tem vergonha de contar as suas diss com as patrulhas da fronteira, os guardas da fronteira. Os outros candidatos preferem calar-se. Frequentemente, a detenção na fronteira é vivida como um acto que se repete, a ter que voltar e conseguir passar. Existe de resto um curso para aprender a atravessar a fronteira. Tem lugar todas as noites sob o pátio desta escola

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primária reciclada em refúgio. Se o seu conteúdo pode parecer incongruente, para a audiência é-o menos certamente do que estar sentado nos bancos das suas escolas a cantar o hino nacional dos seus países.

Das Honduras ou de Salvador, as silhuetas ambíguas à saída dos colégios não são as dos dealers, mas as dos corretores, estes agentes que prometem viagens a crédito para os Estados Unidos. “A média de idade dos migrantes recuou de dez anos. Antes, tinham cerca de trinta, agora são crianças com menos de 20 anos”, confirma um activista. É suficiente lançar um olho para estes alunos de uma noite para o confirmar: dir-se-ia uma sala de aulas de liceu para quem a prova final não é a admissão à Universidade, mas a travessia do Rio Bravo sobre uma bóia improvisada.

“Sendo vários, cotizem-se, comprem uma câmara-de-ar na drogaria e uma bomba de bicicleta. Perguntas?”, questiona o professor a quem alcunharam de “Chuck Norris”. “Nada de vestuário de cores vivas… Sim, esse amarelo, aquele ainda passa…”, responde ele a um aluno que lhe mostrou a sua T-shirt com um ar interrogativo. “Bom, sabe, os gringos colocaram câmaras de infravermelho capazes de captar a mais de um quilómetro o calor libertado pelo corpo humano. Não acendam nunca o cigarro. Instalaram também detectores sísmicos e então vocês andem com um passo rápido, ligeiro. E inútil recordar-vos que não podem nem cantar nem assobiar ainda que não sintam nenhuma presença à vossa volta.”

“Chuck Norris” gosta de dar estes cursos noite após noite e desde há três anos, continua a ficar espantado com a motivação dos seus alunos: “No meu primeiro curso cometi uma asneira, disse uma gaffe. Eram mais ou menos cento e sessenta alunos e disse-lhes: ‘Sabe-se que não irão passar todos.’ E, do lado de lá, o silêncio. Um deles levantou-se e respondeu firmemente: ‘Sim, nós passaremos’.”

Traduzido de Camilla Panhard, “Au bout de l’enfer, la frontière”, Le Monde, 13 de Janeiro, 2009.

Disponível em http://www.lemonde.fr/ameriques/article/2009/10/13/au-bout-de-l-enfer-la-

frontiere_1253362_3222.html.

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2. CAMPO DE BATALHA: EL PASODOUGLAS MASSEY

É geralmente aceite que os Estados Unidos foram “invadidos” por uma onda sem precedentes de imigrantes ilegais que terá começado na década de 80. De acordo com o Ministério do Interior dos Estados Unidos, em 2008, já existiam 11,6 milhões de imigrantes ilegais a viverem nos Estados Unidos, sendo 61% deles originários do México. A origem mais próxima era El Salvador, mas apenas com 5%. Daí que a “invasão” tenha sido tomada como uma questão mexicana, com gurus como Lou Dobbs ou Patrick Buchanan a assustarem com as consequências terríveis para a América se não se acabasse com esta invasão, pela força se necessário.

O único problema com a invasão é que esta nunca aconteceu. A fronteira entre os Estados Unidos e o México não está agora, e nem nunca o esteve, fora de controlo. Desde 1950 até ao presente, que o número total de imigrantes que entram nos Estados Unidos vindos do México tem variado muito pouco. É certo que não existiu nenhuma entrada abrupta em massa. O que mudou foram os auspícios sob quais os mexicanos entram no nosso país, o que mudou foi o seu local de entrada, o seu destino nos Estados Unidos e a sua tendência para permanecerem aqui, em vez de voltarem para casa. Os trabalhadores anteriormente rotulados de imigrantes tornam-se agora ilegais, clandestinos. A fronteira foi reforçada. Estados com elevadas percentagens de populações de imigrantes entram em ruptura. A fronteira foi fortificada. A imigração é transformada numa questão de polícia militarizada. E desde então tornou-se cada vez mais arriscado para os mexicanos atravessar a fronteira, mas uma vez que já aqui estavam, aqui então permaneceram. Todas estas mudanças são uma consequência das nossas próprias políticas de imigração e de fronteira completamente erradas.

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As afirmações anteriores podem parecer bizarras dada a ideologia dominante, mas não há ninguém a argumentar com os números. A política dos Estados Unidos criou, em muitos aspectos, o nosso problema dos imigrantes. Durante a década de 50, os Estados Unidos receberam centenas de milhares de migrantes mexicanos anualmente. Muitos dele entraram inseridos no âmbito do programa Bracero como trabalhadores temporários, um acordo bilateral com o México em vigor a partir de 1942 até 1964. No final dos anos 50 o afluxo de trabalhadores mexicanos temporários foi da ordem de 450 mil por ano. Ao mesmo tempo, não havia nenhum contingente legal para a imigração originária do México e cerca de 42 mil mexicanos estabeleciam-se anualmente como residentes permanentes. Dadas as amplas opções para a entrada legal, a imigração ilegal não existia.

Tudo isso mudou no ano de 1965. Embora, de facto, o número total de mexicanos que entravam nos Estados tenha entrado em declínio, as novas políticas americanas passaram a reclassificar os mexicanos como ilegais. Isso mudou todo o sentimento da América quanto à imigração. Contra os protestos mexicanos, os Unidos Estados unilateralmente encerram o programa Bracero e aprovam alterações à Lei da Imigração e da Nacionalidade que definia os limites para a imigração a partir do hemisfério ocidental. A este imenso hemisfério foram concedidos, a partir de 1968, 120 mil vistos e em 1976 o México foi colocado sob um contingente específico de 20 000 imigrantes legais por ano. As condições da procura de mão-de-obra nos Estados Unidos não tinham mudado, no entanto, e na ausência de grandes vias legais de entrada, a satisfação desta procura foi alcançada por aquilo a que se chama agora imigração ilegal. Embora o Congresso tenha voltado a autorizar um novo programa de trabalho temporário em 1976, este foi limitado a apenas alguns milhares de vistos por ano. Em 1986, o afluxo líquido de novos imigrantes ilegais tinha vertiginosamente subido, alcançando cerca de 230 mil por ano, quando este era essencialmente zero até três décadas antes. Quando no número global incluímos estes e os que entraram legalmente com vistos e com residência legal permanente, o número total de mexicanos que entraram os Estados Unidos terá sido agora, de cerca de 300 mil. Embora isto seja bem inferior ao quase meio milhão que se inscreviam em cada ano durante a década de 50, o enquadramento dos migrantes como “ilegais” deu à questão da imigração uma sensibilidade totalmente diferente. As sementes para as nossas batalhas futuras sobre a imigração foram assim semeadas.

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A autoridade ao assumir a aplicação desta mudança de orientação fê-lo a dado preço político. Enquanto estávamos a criar o problema da imigração ilegal a partir de uma mentira, de uma história fictícia, estávamos simultaneamente a criar um “relançamento rápido e repentino” de mexicanos residentes permanentes. Pressionados pelos imigrantes e pelos lobbies das entidades patronais, o Governo criou dois programas de legalização nos anos 80: uma amnistia para os imigrantes ilegais que pudessem provar que estavam há mais de cinco a residir nos Estados Unidos e uma legalização especial para trabalhadores agrícolas que estivessem estado empregados durante as colheitas de 1985-86. Por fim, legalizaram-se 2,3 milhões de mexicanos que passaram a ter o estatuto jurídico temporário — a primeira expansão real da migração legal desde 1965 — criando-se exactamente o problema que os políticos esperavam evitar. Quando estes migrantes se tornaram residentes permanentes legais, estes geraram o que parecia ser um forte e repentino crescimento maciço da imigração legal; mas, é claro, a maioria destas pessoas já estavam no país — eles apenas não eram mostrados nas estatísticas oficiais.

Com mais mexicanos a residir permanentemente deste lado da fronteira e com a ideia que mais clandestinos estavam a atravessar a fronteira para os Estados Unidos, as metáforas militares para descrever todo o problema tornaram-se um lugar-comum. Começou uma guerra em matéria de imigração. Nos meios de comunicação social, a fronteira entre os Estados Unidos e o México foi cada vez mais descrita como sendo uma “zona de guerra” onde as autoridades da imigração estavam armadas até aos dentes a tentaram “manter a linha” contra os “exércitos” de estrangeiro “invasores”.

Na realidade, é claro, nada mudou realmente excepto as categorias jurídicas com que os mexicanos foram chegando. Mas, as linhas de batalha já foram desenhadas e só se temia o dia do seu início. A metáfora da invasão era mantida dia a dia. Isto levou à aprovação, em 1986, da Immigration Reform and Control Act (IRCA), que desencadeou uma nova militarização da fronteira entre os dois países. Em 1993, essa militarização foi completada com um bloqueio total lançado em El Paso. No ano seguinte foi feita uma operação semelhante em San Diego. Foram erguidos muros, aumentado e concentrado o material de vigilância e agentes colocados foram massa em ambas as áreas da fronteira. Em 2000, o número de agentes de patrulha de

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fronteira tinha mais do que duplicado, o número de horas gasto por patrulha da fronteira aumentou oito vezes e o orçamento da Agência aumentou quase sete vezes. Estas medidas diminuíram a imigração. Mas, especialmente, reduziram a imigração para as regiões que mais precisavam de trabalhadores migrantes, enviando-os para Estados completamente diferentes.

À medida que o processo de ajustamento prosseguia, o Congresso silenciosamente expandiu os programas de trabalho temporário para atender à procura de mão-de-obra (o número de vistos mexicanos passou de 12 mil em 1986 para 104 mil em 2000). Mas, nessa altura já era tarde demais. Este aumento do acesso legal, combinado com a queda na procura de mão-de-obra associada com a recessão do pós-guerra fria significou que, pela década de 90, o volume da migração ilegal tinha disparado e começou a tendência para a descida.

Mas a declaração de guerra da América aos imigrantes já tinha transformado o que tinha sido um modesto fluxo sazonal de trabalhadores que iam exactamente apenas para três Estados e, em grande medida, regressavam ao México após dois anos, numa muito mais vasta população de famílias estabelecidas a viverem nos cinquenta Estados.

Antes do endurecimento dos controles da fronteira, a grande maioria dos imigrantes ilegais entravam para os Estados Unidos por meio de duas vias de entrada: San Diego e El Paso. Como os muros subiram e a passagem por

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estes sectores se tornou cada vez mais difícil, os migrantes, naturalmente, contornavam as novas barreiras, e os fluxos foram desviados para as zonas outrora calmas e silenciosas da fronteira, especialmente no Arizona. Apesar de, em 1986, 64% dos imigrantes ilegais ter entrado nos Estados Unidos por San Diego ou El Paso, em 2000 a taxa tinha caído para 29%.

Uma vez desviadas para longe dos mercados de trabalho, da Califórnia e de outros locais a Ocidente, os migrantes deslocavam-se para novos destinos em todo o país. Dois terços dos mexicanos que chegaram entre 1985 e 1990, foram para a Califórnia, mas entre 1995 e 2000, apenas um terço o fez. As populações mexicanas de mais rápido crescimento nos Estados Unidos vivem agora em lugares como a Carolina do Norte e do Sul, Geórgia, Minnesota, Iowa e Florida. Embora o volume subjacente da migração ilegal não tinha aumentado, estas mudanças reforçam a narrativa da invasão.

A percepção faz toda a diferença. A política americana tornou a migração ilegal muito mais visível deslocando os locais onde pessoas atravessaram a fronteira de áreas que foram usados pelos Mexicanos para áreas que nunca o foram. Enquanto dezenas de milhares de migrantes chegavam regularmente à área metropolitana de San Diego não tendo criado grande perturbação nos seus 3 milhões de habitantes, o mesmo número que chegava a Douglas, Arizona, criava perturbação nos seus 15 000 habitantes e nos rancheiros vizinhos. Os media americanos afluíam antecipadamente para a fronteira do Arizona para relatar a invasão “nova” pelo México.

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As políticas americanas pela primeira vez colocaram os imigrantes em contacto directo com as populações nativas em lugares que nunca tinham conhecido nenhuma imigração durante gerações, especialmente no Sul e Midwest, ao tê-las desviado para fora da Califórnia, para novos destinos em todo o país. Como os imigrantes iam em massa para os novos destinos, o que tinham sido exclusivamente comunidades nativas, residentes do Iowa, Carolina do Norte e Geórgia puderam apenas assim concluir que uma invasão de novos estrangeiros estava de facto em curso.

Mas a política tem feito mais do que exactamente transformar a geografia da migração e da passagem de fronteiras. O brutal endurecimento dos controlos exercidos sobre a imigração também deslocou o cálculo de custos e benefícios do regresso a casa versus o da permanência nos Estados Unidos. O custo de contratar um guia para ajudar um imigrante ilegal a atravessar a fronteira quadruplicou entre 1986 e 2008. O chamado Coiote agora custa cerca de 2 200 dólares. Além disso, como os migrantes foram desviados para longe dos pontos de passagem urbana, para os desertos abertos, para as altas montanhas e para as zonas selvagens do Rio Grande, triplicou assim a sua taxa de mortalidade. Estes desvios reduziram, contudo, as probabilidades de serem presos porque o país selvagem tinha muito menos agentes de patrulha de fronteira. Esta é também uma outra ironia das nossas políticas de imigração.

Os dados mostram os efeitos evidentes das novas condições. A probabilidade de se fazer só uma primeira viagem não documentada diminuiu consideravelmente, como, também, evidentemente, se reduziu a probabilidade de um mexicano fazer uma segunda viagem sem documentos para os Estados Unidos após uma primeira tentativa bem sucedida. Tendo em conta os custos e riscos de passar a fronteira, os migrantes logicamente decidiram arriscar menos na sua ida para os Estados Unidos sem documentos. O que também mudou foi o número de mexicanos que decidiu permanecer na América, uma vez que eles arriscavam ter uma viagem perigosa para passar a fronteira. A probabilidade de um migrante retornar ao seu país de origem diminui nos depois doze meses após uma entrada sem documentos nos Estados Unidos.

O crescente aumento dos meios de controlo fez reduzir a taxa global de migração depois de 1989, mas não parou cada um dos mexicanos. Pelo mesmo até 2001, não foi o aumento dos meios de controlo nas fronteiras

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que dissuadiu verdadeiramente os migrantes experientes. Na sequência do 11 de Setembro, os americanos, pelo menos aparentemente, precisavam de símbolos concretos nos quais projectam os seus medos e os migrantes ilegais e a fronteira mexicana foram meios apropriados para o efeito. A guerra contra o terrorismo transformou-se numa nova escalada na guerra contra os imigrantes.

Embora nenhum dos terroristas tenha vindo do México e o país não tenha nenhuma célula terrorista, não haja população islâmica significativa e haja uma taxa de declínio de migração ilegal, a fiscalização militarizada na fronteira, no entanto, aumentou exponencialmente. O orçamento para as patrulhas das fronteiras aumentou para 52 vezes o seu nível de 1986 e o número de horas gastas a patrulhar a fronteira aumentou 146 vezes. As deportações internas também aumentaram, ultrapassando um velho recorde estabelecido durante o período da deportação em massa da década de 30 (com o registo de deportações que passou de 11 mil em 1986 para 349 mil em 2008). Para muitos mexicanos imigrantes, a América assemelhava cada vez mais um Estado policial.

No final de tudo isto, as pequenas variações nas probabilidades da entrada de imigrantes foram ultrapassadas por uma diminuição maciça da taxa de retorno dos migrantes. Agora, os mexicanos simplesmente permanecem no país, uma vez que conseguiram chegar até aqui. A probabilidade de um imigrante em voltar ao México no prazo de doze meses após uma entrada

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ilegal era, em média de 45%, antes de 1986, tendo esta taxa sido sujeita a um declínio constante, até que atingiu um mínimo recorde de cerca de 8% em 2007. Foram as novas avaliações feitas pelos mexicanos sobre as passagens das fronteiras que fez aumentar rapidamente a população mexicana não documentada nas últimas duas décadas. Tendo em conta os custos e riscos mais elevados, houve menos migrantes a partirem para os Estados Unidos, mas aqueles que o fizeram, fizeram-no mais facilmente através da fronteira porque eles ultrapassaram-na face a um sistema disfuncional. Na verdade, as hipóteses de detenção permaneceram baixas apesar do fortalecimento das fronteiras. Uma vez dentro dos Estados Unidos, os migrantes quer novos quer antigos, sujeitam-se a uma estadia mais longa e em muito maior número para evitar ter mais uma vez que enfrentam o desafio da fronteira. Se a migração de regresso ao México se tivesse permanecido aos níveis de antes de 1986, teríamos 2 milhões de mexicanos ilegais a menos estabelecidos no país entre 1980 e 2005, do que aqueles que estão aqui hoje.

Por várias razões, o período de migração ilegal em grande escala do México pode estar a chegar ao fim. Todas as estimativas mostram que a população ilegal atingiu o pico estando agora numa trajectória descendente. Embora seja tentador atribuir esta queda da migração ilegal à aplicação controles apertados contra a imigração maciça, igualmente importante foi a evaporação da procura de mão-de-obra ao longo dos últimos anos. O que tem sido mais importante ainda foi sim a abertura de duas novas portas de entrada para os imigrantes, mesmo com a imposição continua e em grande escala dos controles contra eles. Tal como na década de 80, o processo de legalização está a ser feito e que está a aumentar o número de vistos e de oportunidades para se conseguir o estatuto de residente permanente aos mexicanos.

A primeira porta foi aberta de modo silencioso e sem muita fanfarra, mas foi um longo caminho percorrido para satisfazer a procura de trabalhadores não qualificados. A partir de 2000-2008, o número de vistos de trabalho temporário emitidos aos mexicanos mais do que triplicou, atingindo um total de 361 mil. Estes números são diferentes dos últimos conhecidos durante o programa Bracero e ultrapassam mesmo os 300 mil imigrantes ilegais observados no auge da “invasão” ilegal no final dos anos 80.

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A segunda oportunidade foi criada pelas acções dos próprios imigrantes. Em resposta à escalada da guerra que contra eles era movida, muitos mexicanos procuraram obter a cidadania americana. Já em 1996, a política americana se tinha endurecido não apenas contra os migrantes ilegais, mas também contra os imigrantes legais. Nesse ano, a alteração da legislação sobre a imigração e os benefícios sociais impedia os residentes permanentes legais de usufruírem de certos direitos, de usufruírem de uma variedade de benefícios sociais. A aprovação de lei Anterrorism and Effective Death Penality Act deu, entretanto, ao Governo federal novos e amplos poderes para a “acelerada exclusão” dos imigrantes legais que haviam migrado ilegalmente ou cometido alguma infracção, não importa se há muito ou pouco tempo. Houve um grande aumento no número de imigrantes que se passou a considerar deportável. Em seguida, em 2001, a lei Patriot Act autorizou a deportação, sem audição ou mesmo sem elementos de prova, de todos os estrangeiros — legais ou ilegais — em que o Ministro da Justiça tivesse “razão para crer” que pudessem ter cometido ou facilitado qualquer acto de terrorismo.

Estas acções aumentaram drasticamente os custos de não se ser um cidadão americano e os resultados eram previsíveis — um aumento maciço de naturalização entre mexicanos legalmente residentes, um grupo que historicamente tinha sempre tido a taxa mais baixa de naturalização do que qualquer outro grande grupo de imigrantes. Depois de se situar nas dezenas de milhares durante décadas, o número de mexicanos que procuram a cidadania americana subiu para centenas de milhares durante o final da década de 90 e de 2000. Isto teve o involuntário efeito da abrir o caminho para mais imigrantes entrarem legalmente nos Estados Unidos.

Embora não fosse essa certamente a intenção do Congresso, este disparar do aumento de naturalizações dinamizado pela legislação anti-imigrante actuou no sentido de aumentar o acesso legal de mexicanos aos vistos de residência permanente. Agora estes poderiam trazer também as famílias para aqui. Cada novo cidadão adquiriu o direito de patrocinar a entrada das suas mulheres, dos seus filhos menores e pais sem qualquer limite numérico e permitia também patrocinar a entrada de irmãos, irmãs e filhos mais velhos através do sistema de quotas. Cada nova naturalização, abria assim a porta para novos imigrantes legais mais a montante. Os dois picos de naturalização, em 1996 e em 1999, foram seguidos de perto por situações paralelas de picos

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nas entradas legais dos membros da família em 2002 e 2004. As naturalizações dos mexicanos mais uma vez dispararam em direcção a níveis recorde no pós-11 de Setembro na América, o número de membros da família que têm entrado fora das quotas tem novamente subido em flecha, uma tendência que só se pode esperar que venha a manter-se no futuro.

A nossa actual crise da imigração é, portanto, muito mais a nossa própria obra. As políticas destinadas a reduzir drasticamente a imigração ilegal são responsáveis por um aparentemente esmagador afluxo de trabalhadores ilegais. Nunca houve uma “invasão” vinda do México. Os migrantes têm vindo num ritmo contínuo para os Estados Unidos desde a década de 40. O que mudou ao longo do tempo foram as formas com que os migrantes entraram no país, se eram considerados “legais” ou “ilegais,” o que mudou também foi a taxa dos migrantes que retornavam ao seu país e os locais de destino. Essas mudanças foram geradas pela decisão de redução unilateral das vias legais de entrada, da nossa injustificada militarização da fronteira e de errada declaração de guerra contra os imigrantes mexicanos.

Paradoxalmente, esta importante mudança massificou as acções de polícia e ocorreu num momento em que os Estados Unidos estavam a crescer economicamente a uma taxa mais próxima da do México, procurando pelo Tratado reduzir as barreiras à circulação transfronteiriça das mercadorias, dos capitais, das informações e dos serviços. Com efeito, a partir de 1986 até 2008, o comércio total aumentou 13 vezes mais e o México tornou-se um dos mais importantes parceiros comerciais da América, juntamente com o Canadá e a China. Como seria de esperar, no contexto da integração norte-americana em curso, as consequências de detenção em massa, do encarceramento e da deportação não foram benignos. Além dos estragos causados aos imigrantes individualmente e às suas famílias, as políticas seguidas contra a massa dos migrantes não resolveu os problemas de imigração da América. Sem excepção, tornou-os pior.

Agora, precisamos de enfrentar a realidade e de assumirmos a os custos da recuperação dos estragos causados pelas nossas próprias políticas. Com as possibilidades legais para a entrada no seu nível mais elevado desde 1965 e a economia em profunda crise, as novas entradas ilegais são quase inexistentes e até mesmo as viagens repetidas de não documentados caíram para níveis

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extremamente baixos. Neste contexto, o que é de longe o mais premente problema na mudança da política de migração, é a existência de quase 12 milhões de pessoas que continuam com o estatuto jurídico de ilegais, de não autorizados, como resultado do nosso passado de loucuras políticas. A taxa de regresso das pessoas que já vivem nos Estados Unidos continua a cair e o seu declínio assim só tem sido acelerado. As famílias a viverem aqui ilegalmente obviamente que não vão embora, apesar da deterioração da nossa economia — porque têm laços profundos e raízes aqui e os seus filhos mais jovens são, frequentemente, cidadãos americanos. Em vez disso, são deixados juridicamente em terras de ninguém.

Dos 11,6 milhões actualmente sem estatuto jurídico, pelo menos 3 milhões entrou no país como menores na companhia dos seus pais ou de outros familiares. A esmagadora maioria destas pessoas cresceu nos Estados Unidos, manteve-se aqui sem problemas criminais ou outros, fala inglês e tem diplomas do secundário ou acima. Mas até que o peso de ilegalidade lhes seja retirado, estes sentem aqui a existência de uma barreira impermeável à sua mobilidade ascendente. A única solução em termos morais e práticos para a resolução deste dilema é uma imediata e incondicional amnistia para estes migrantes indocumentados que entraram quando crianças e que têm o seu registo criminal completamente limpo. No fim de contas, o seu único pecado foi apenas o de terem obedecido aos seus pais.

Algumas das restantes pessoas sem estatuto jurídico ainda não estabelecerem raízes nos Estados Unidos e iriam tirar proveito do aumento dos vistos de trabalho temporário para ficarem no país. A maioria tem fortes sentimentos de dívida da sociedade americana para com eles por força de anos de vida sem residência legal, de trabalho sem remuneração condigna, de pagamento de impostos e por envolvimento na comunidade. Para estas pessoas, um programa de concessão de legalização é a única solução, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista prático. Os imigrantes indocumentados desde há muito tempo deveriam imediatamente receber o estatuto jurídico de trabalhador temporário e, em seguida, procurar obter o estatuo jurídico de residente permanente pela acumulação de créditos por comportamentos positivos, como a aprendizagem de inglês, pelo seu civismo, pelo pagamento de impostos, por terem crianças com a cidadania americana, por terem casa própria etc. A fase final implicaria o pagamento de

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uma multa como penalização por terem desrespeitado as Leis de imigração dos Estados Unidos, permitindo-lhes sentir o seu futuro nos Estados Unidos com uma situação limpa, tendo pago as suas dívidas à sociedade.

A crise actual da imigração deriva das nossas erradas e mal informadas opções de política migratória do passado. Felizmente isto significa que com políticas mais razoáveis e mais informadas no futuro poderemos resolver os nossos problemas e avançar para a criação de uma América do Norte estável, próspera e integrada, em que não nos iremos debater e lutar contra os fantasmas das invasões.

Traduzido de Douglas Massey, “Battlefield: El Paso”, The National Interest, 8 de Junho, 2009.

Disponível em http://www.nationalinterest.org/Article.aspx?id=21654.

Douglas S. Massey é professor de sociologia e relações públicas na cadeira Henry G. Bryant na Universidade

de Princeton.

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3. A LÓGICA ECONÓMICA DA IMIGRAÇÃO ILEGALGORDON H. HANSON

INTRODUÇÃO

A imigração ilegal é uma fonte de preocupação crescente para os políticos nos Estados Unidos. Nos últimos dez anos, a população de imigrantes ilegais nos Estados Unidos aumentou de cinco milhões para cerca de doze milhões, o que despoletou acusações de que o país perdeu o controlo sobre as suas fronteiras1. O Congresso aprovou medidas no ano passado que significativamente tornaram mais apertados os controlos ao longo da fronteira entre o México e os Estados Unidos — num esforço para interromper o fluxo de migrantes ilegais e espera-se que se venha a fazer outro esforço este ano com a primeira grande reforma das leis sobre a imigração desde há mais de vinte anos. Os imigrantes legais, que representam dois terços de todos os estrangeiros residentes nos Estados Unidos e 50 a 70% das entradas adicionais de imigrantes, estão menos sujeitas à crítica pública. Há uma crença generalizada de que a imigração legal é amplamente positiva para o país e de que a imigração ilegal é em grande parte má. Apesar das intensas divergências de opinião no Congresso, há um forte consenso de que se os EUA simplesmente pudessem reduzir o número de imigrantes ilegais no país, ou convertendo-os em residentes legais ou dissuadindo-os de passar a fronteira, então o bem-estar económico dos Estados Unidos aumentaria.

1 Jeffrey S. Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”, Pew Hispanic Center, 2006. As estimativas da imigração ilegal são imprecisas. Elas são baseadas na comparação entre o actual número de imigrantes (como é declarado nos inquéritos às famílias) com o número de imigrantes admitidos através dos meios legais. O valor dos imigrantes ilegais é então a diferença entre estes dois valores (depois de ter contabilizado os que morreram e os que regressaram ao país de origem). Ver Jennifer Van Hook, Weiwei Zhang, Frank D. Bean e Jeffrey S. Passel, “Foreign-Born Emigration: A New Approach and Estimates Based on Matched CPS Files”, Demography, Vol. 43, N.º 2 (Maio de 2006), pp. 361-82, para uma discussão da recente literatura académica sobre os métodos de estimação e de como as estimativas existentes dos valores da imigração ilegal podem não ter em conta parte desta população.

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Há alguns factos e dados a apoiar estas opiniões dominantes? Em termos de benefícios económicos e de custos, a imigração legal é realmente melhor do que a imigração ilegal? O que é que os Estados Unidos como um país devem esperar atingir economicamente através das suas políticas de imigração? São o tipo de propostas legislativas que Congresso pensa aprovar coerentes com essas metas?

O presente relatório aborda a lógica económica dos níveis elevados actuais da imigração ilegal. O objectivo não é fornecer uma análise abrangente de todos os problemas envolvidos na imigração, especialmente com aqueles relacionados com a segurança interna. Em vez disso, pretende-se analisar os custos, benefícios, os incentivos e desincentivos da imigração ilegal dentro das fronteiras da análise económica. Do ponto de vista puramente económico, a política de imigração ideal seria admitir indivíduos em cujas qualificações o país está deficitário e cujas contribuições fiscais, líquidas do custo dos serviços públicos que recebem, sejam tão elevadas quanto possível. A admissão de imigrantes neste tipo de ocupações resultaria no maior aumento do rendimento dos Estados Unidos, e, independentemente do nível de formação técnica desses imigrantes. Nos Estados Unidos, entre estes trabalhadores incluir-se-iam não apenas indivíduos com uma formação mais elevada, tais como os programadores de software e engenheiros que seriam imediatamente empregados pelas indústrias tecnológicas rápida expansão, mas também trabalhadores menos qualificados para a construção, preparação de alimentos e serviços de limpeza, para os quais tem vindo a diminuir o volume de mão-de-obra local disponível nos Estados Unidos. Em qualquer caso, o mercado de trabalho interno para estes trabalhadores é reduzido, no sentido em que os salários americanos para estes empregos são elevados relativamente aos salários praticados no exterior.

Naturalmente, as consequências económicas globais da política de imigração não entram em conta com outras considerações importantes, incluindo o impacto da imigração sobre a segurança nacional, sobre os direitos civis ou sobre a vida política2. A imigração ilegal tem falhas evidentes. Continuando com altos níveis de imigração ilegal pode-se minar

2 Ver Samuel P. Huntington, Who Are We? The Challenges to America’s National Identity (New York: Simon and Schuster, 2004) e Patrick J. Buchanan, State of Emergency: The Third World Invasion and Conquest of America (New York: Thomas Dunne, 2006).

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o Estado de direito e enfraquecer a capacidade do Governo dos EUA em aplicar a regulamentação do mercado de trabalho. Há uma preocupação compreensível de que a entrada ilegal maciça dos imigrantes do México aumente a exposição americana ao terrorismo internacional, embora nenhuma actividade terrorista até à data tenha sido ligada a indivíduos que furtivamente tenham passado a fronteira entre o México e os Estados Unidos3. A entrada massiva de estrangeiros ilegais leva também ao relaxamento das obrigações das entidades empregadoras no mercado de trabalho dos Estados Unidos e criam uma população de trabalhadores com uma limitada mobilidade ascendente sem um lugar definido na sociedade americana. Estas são queixas obviamente válidas que merecem ser ouvidas no debate sobre a reforma da política de imigração. No entanto, no quadro deste debate ouvimos relativamente pouco acerca da actual grandeza dos custos e benefícios associados com a imigração ilegal e como é que se comparam estes custos com os da imigração legal.

Esta análise conclui que existem poucos dados que nos mostrem que a imigração legal é economicamente preferível à imigração ilegal. Na verdade, a imigração ilegal responde às forças de mercado de uma forma que a imigração legal não faz. Os migrantes ilegais tendem a chegar em grandes números quando a economia americana está em expansão (em relação ao México e aos países da América Central, que são a origem da maioria dos imigrantes ilegais para os Estados Unidos) e deslocam-se para regiões onde o crescimento do emprego é forte. A imigração legal, em contraste, está sujeita a critérios de selecção arbitrários e com atrasos burocráticos, que tendem a dissociar as entradas legais das condições do mercado de trabalho4. Na última metade do século, parece ter havido pouca ou nenhuma resposta

3 Segundo o republicano Tom Tancredo (R–CO), um líder da oposição no Congresso: “São entre 9 a 11 milhões de imigrantes ilegais que vivem entre nós exactamente agora que nunca tiveram um registo criminal e que nunca foram referidos nas bases de dados sobre terrorismo. Ainda assim, a direcção política deste país parece pensar que o ataque ao terrorismo no exterior nos vai permitir ignorar o convite para abrir as nossas fronteiras actualmente àqueles que desejam combater-nos na nossa própria casa” (http://www.house.gov/tancredo/Immigration/, acesso em 31 de Outubro 2006). O antigo candidato presidencial Pat Buchanan acrescenta, “O inimigo já nos entrou em casa. Quantos são, entre os nossos onze milhões de imigrantes ilegais, os que estão prontos para levar a cabo bombardeamento, assassinatos, sabotagens, desvios de aviões? (“U.S. Pays the High Price of Empire”, Los Angeles Times, 18 de Setembro de 2001.) Ver também Steven A. Camarota, The Open Door: How Militant Islamic Terrorists Entered and Remained in the United States, Center for Immigration Studies Paper N.º 21 (2002).

4 Susan Martin, “U.S. Employment-Based Admissions: Permanent and Temporary”, Migration Policy Institute Policy Brief N.º 15 (Janeiro de 2006).

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da imigração legal à taxa de desemprego dos Estados Unidos5. Dois terços dos imigrantes legais permanentes são admitidos por terem parentes nos Estados Unidos. Só por acaso as habilitações profissionais desses indivíduos coincidem com aquelas em que há mais procura pelas indústrias americanas. Enquanto a maioria dos imigrantes legais temporários vêm para o país, a convite de um empregador americano, o processo de obtenção de visto é frequentemente árduo e lento. Uma vez aqui, os trabalhadores temporários legais não podem mudar facilmente de emprego, limitando assim a sua vantagem para a economia americana.

Há muitas razões para se estar preocupado com os níveis crescentes de imigração ilegal. No entanto, agora que o Congresso vai novamente este ano definir e aprovar as maiores alterações às leis de imigração em duas décadas, é essencial não perder de vista o facto de que a imigração ilegal tem uma lógica económica clara: ela oferece às empresas americanas os tipos de trabalhadores de que estas necessitam, quando deles necessitam e onde deles necessitam. Se a mudança da política de imigração conseguir tornar os imigrantes ilegais nos Estados Unidos em imigrantes legais, em termos das suas habilitações profissionais, de tempos de chegada e de mobilidade profissional, é provável que venha a diminuir o bem-estar nacional, em vez de aumentar. Nos seus esforços para obter o controlo sobre a imigração ilegal, o Congresso e a Administração precisam de ser prudentes para que os custos económicos não ultrapassem os benefícios esperados.

Para um cidadão estrangeiro, há três opções para viver e trabalhar nos Estados Unidos: ser um residente permanente legal, obter um visto de trabalho temporário, ou entrar ilegalmente no país e permanecer aqui como um imigrante ilegal. Em 2005, eram trinta e cinco milhões os imigrantes que viviam nos Estados Unidos, dos quais 30% entraram ilegalmente no país e 3 % foram residentes legais temporários (Figura 1)6. Os residentes nascidos no

5 James Hollifield and Valerie F. Hunt encontraram que ao longo do período entre 1891 e1945, havia uma correlação negativa entre a imigração ilegal americana e a taxa de desemprego nos Estados Unidos a significar que os fluxos de entrada de imigrantes são maiores quando os mercados de trabalho nos Estados Unidos estão mais tensos, quando a mão-de-obra escasseia. Depois de 1945, esta relação deixou de existir. Ver James F. Hollifield e Valerie F. Hunt, “Immigrants, Markets, and Rights: The US as an Emerging Migration State”, texto preparado para uma apresentação em Migration Ethnicity Meeting (MEM) at IZA em Bonn, Germany, Maio, 13-16, 2006.

6 O número total de imigrantes é segundo o Census Bureau (http://www.census.gov/); o número dos imigrantes temporários legais e imigrantes ilegais são de Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”.

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estrangeiro são agora 12% da população americana. Cada tipo de imigrante — legal, permanente, temporariamente legal — está sujeita ao seu próprio conjunto de políticas de admissão e de restrições quanto a comportamentos.

Figura 1. População imigrante, Estados Unidos

Fonte: U.S. Census Bureau (http://www.census.gov/); Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of

the Undocumented Population”.

Os Estados Unidos concedem vistos de residência legal permanente ou cartões verdes, com base num sistema de quotas estabelecido pela lei de imigração de Hart-Celler de 1965. A lei Hart-Celler trata os reagrupamentos familiares, como um dado central nas decisões de admissão à entrada nos Estados Unidos. O Governo americano atribui aos requerentes de cartão de verde uma das várias categorias, cada uma sujeita à sua própria quota. A lei garante a admissão aos membros da família que sejam familiares directos de cidadãos americanos, e estes estão isentos de quotas de entrada. Quotas específicas são atribuídas a outros membros da família dos cidadãos americanos, a familiares próximos dos residentes legais americanos, a indivíduos com habilitações profissionais especiais, aos refugiados e exilados que enfrentam a perseguição nos seus países de origem, e algumas outras categorias7. Os candidatos devem ser patrocinados por um cidadão americano ou residente legal.

7 A lei Immigration Act of 1990 estabelece um limite flexível para as admissões legais em 675 000, dos quais 480 000 serão baseados na família, 140 000 no emprego e 55 000 noutros imigrantes diversos. A lei também estabelece imigração para os programas H-1 e H-2 e criou novas categorias para os trabalhadores temporários (O, P, Q, R). A subsequente legislação criou categorias para a imigração de trabalhadores profissionais a partir de países que têm acordos de livre-troca com os Estados Unidos. Ver U.S. Department of Homeland Security, “2005 Yearbook of Immigration Statistics”. Office of Immigration Statistics, 2006.

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A concessão de vistos é parcial a favor de candidatos com membros da família nos Estados Unidos. Dos 958 000 imigrantes permanentes legais admitidos em 2004, 66 por cento adquiriu o direito à entrada sob preferências para os imigrantes patrocinados pela família, cerca de 16% adquiriram o direito de entrada sob preferência para os imigrantes patrocinados pela entidade patronal, 7% eram refugiados ou exilados, cerca de 5% foram imigrantes diversificados (de países sub-representados nas admissões anteriores) e 5 por cento foram admitidos por outras categorias8. Muitas vezes há um longo atraso entre a entrega de um cartão verde e a recepção de um visto, com atrasos que muitas vezes vão além dos cinco anos9.

Isto não significa que todos os indivíduos a quem seja atribuído um cartão verde sejam indivíduos recentemente chegados aos Estados. Em 2004, 61% dos destinatários de cartão verde eram já residentes no país, quer como imigrantes legais temporários ou estrangeiros ilegais. Muitos imigrantes ilegais ou legais temporários actualmente nos Estados Unidos solicitaram a residência permanente legal e, em última instância, receberão um cartão verde. Para esses imigrantes, o seu estatuto jurídico de imigração inicial é a primeira etapa no caminho para se tornar um residente permanente legal. O grande número de transições de temporário para residência legal permanente e de estatuto ilegal para estatuto legal sugerem que distinções permanentes entre a imigração legal e outros tipos de entradas são situações menos claras do que se possa pensar.

Após cinco anos como residente legal permanente, um imigrante é elegível para solicitar a cidadania americana. A cidadania confere o direito de voto e o direito de recorrer a todos os programas de apoio do Governo para o qual um indivíduo é elegível. Em 1996, o Congresso excluía os não-cidadãos do acesso a muitos programas de apoio governamental10. Com efeito, aqueles que recebem o cartão verde têm agora de esperar cinco anos

8 Em 2005, o número de pessoas a receberem o cartão verde foi de 1,1 milhão, um acréscimo relativamente a 2004 devido em parte ao governo americano ter concedido por uma só vez o acréscimo nas admissões patrocinadas pelas entidades empregadoras (para compensar os visas patrocinados pelos empregadores que não tinham sido preenchidos nos últimos anos, como se vê na Figura 4).

9 David A. Martin, “Twilight Statuses: A Closer Examination of the Unauthorized Population”, Migration Policy Institute Policy Brief N.º 2 (Junho de 2005).

10 Muitos estados restauraram assim o acesso dos não-cidadãos a alguns benefícios sociais, segundo Wendy Zimmerman and Karen C. Tumlin, “Patchwork Policies: State Assistance for Immigrants under Welfare Reform”, Urban Institute Paper N.º 21 (Abril de 1999).

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antes de serem elegíveis para participar, de direito, na maioria dos tipos de programas governamentais. No entanto, o Supremo Tribunal decretou que o Governo não pode negar o ensino público ou serviços médicos de emergência de saúde para qualquer residente nos Estados Unidos que tenha nascido no estrangeiro e esteja ele em permanência legal ou ilegal.

Os vistos de imigração temporária permitem que os cidadãos estrangeiros trabalhem nos Estados Unidos durante um período de tempo determinado. Estes vistos são destinados aos trabalhadores temporários, aos investidores provenientes de países com quem os Estados Unidos têm um Tratado de livre comércio e a transferências no interior de empresas11. Em 2005, esses vistos permitiram que 1,6 milhão desses indivíduos e suas famílias pudessem entrar no país12. Cerca de metade das admissões foram para os trabalhadores temporários e para os seus familiares. Anualmente, os Estados Unidos tornam disponíveis sessenta e cinco mil novos vistos de três anos para os trabalhadores altamente qualificados sob o programa H-1B e sessenta e seis mil vistos de um ano disponíveis no âmbito dos programas H-2A e H2-B. O visto H-1B aplica-se principalmente aos trabalhadores de indústrias de alta tecnologia. Este foi criado em 1990 para permitir que os estrangeiros com um grau universitário pudessem trabalhar nos Estados Unidos por um período renovável de três anos e para os empregadores que o peçam em seu nome. O visto H-2A aplica-se aos trabalhadores sazonais na agricultura, o visto H-2B aplica-se aos trabalhadores manuais sazonais na construção, no turismo e nas outras actividades não agrícolas. Outros vistos de trabalho temporário são destinados a trabalhadores com habilitações profissionais bem específicas e especiais, atletas, artistas e trabalhadores em ocupações religiosas.

Excepto para os vistos H-2 que tipicamente contam menos que 10% do total, a vasta maioria dos vistos de trabalho temporário destinam-se aos indivíduos com elevados níveis de formação ou com empregos altamente especializados. As condições aplicadas a estes vistos tornam difícil para a maioria dos trabalhadores temporários mudar de entidade empregadora

11 Outros vistos de entradas temporárias foram para turistas, estrangeiros em trânsito, troca de visitantes, estudantes, representantes dos media estrangeiros, autoridades dos governos estrangeiros e representantes estrangeiros das organizações internacionais. Destes, os últimos quatro grupos é-lhes permitido trabalhar nos Estados Unidos sob condições restritas.

12 DHS, “2005 Yearbook”. DHS, “2005 Yearbook”.

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uma vez que já está nos Estados Unidos. Muitos empregadores recorrerem a um visto H-1B quando não conseguem obter um cartão verde patrocinado pela entidade patronal para um trabalhador estrangeiro que gostariam de empregar. Isto sugere uma ligação entre vistos H-1B e a imigração permanente patrocinada pela entidade patronal, na medida em que a diminuição da oferta de vistos para uma dessas categorias é susceptível de aumentar a procura de outra.

Embora os Estados Unidos não definam explicitamente o nível de imigração ilegal, a existência de reforços nos diversos controlos sobre os imigrantes permite, efectivamente, pensar em números substanciais de estrangeiros ilegais a entrar no país. Em 2005, a população imigrante ilegal foi estimada em 11,1 milhões de indivíduos, muito acima dos cinco milhões em 1996 e dos 8,4 milhões em 200013. Mais imigrantes ilegais vêm para os Estados Unidos através da fronteira entre os Estados Unidos e o México ou estão com vistos de entrada temporária fora do limite de validade. As patrulhas de fronteiras norte-americano tentam evitar a imigração ilegal pelo policiamento da fronteira entre o México e os Estados Unidos e outros pontos de entrada para quem vem de fora. Enquanto a patrulha de fronteira percorre a fronteira num esforço para deter a entrada ilegal desde que a Agência foi criada em 1924, a experiência moderna de grande imigração ilegal data da década de 70, após o final do programa Bracero (1942-1964), que permitiu aos trabalhadores agrícolas sazonais do México e das Caraíbas trabalhar na agricultura americana numa base de trabalho temporário14. Inicialmente os imigrantes ilegais estavam concentrados na agricultura; hoje, é mais provável trabalharem na construção, na produção fabril de produtos de baixo de gama, nos serviços de limpeza ou na preparação de produtos alimentares15.

13 Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”. Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”.

14 O Congresso americano estabeleceu o programa Bracero em resposta à falta de mão-de-obra associada com a II Grande Guerra, segundo Kitty Calavita, Inside the State: The Bracero Program, Immigration and the INS (Routledge, Chapman and Hall, 1992). O programa permaneceu activo durante duas décadas depois da guerra, apesar da intensa oposição das organizações dos trabalhadores. Às entidades patronais americanas era-lhes permitido mandarem vir trabalhadores do México e das Caraíbas para executarem contratos de trabalho de curta duração. No final dos seus contratos, era exigido aos trabalhadores que voltassem para os seus países de origem. A grande maioria de braceros trabalhava nas herdades americanas. No seu ponto mais alto, de 1954 a 1960, 300.000 a 450,000 trabalhadores migrantes temporários entravam anualmente nos Estados Unidos. O fim do programa Bracero marcou o início da imigração ilegal em larga escala a partir do México, criando a percepção que o acabar da imigração temporária induzia as entidades empregadoras americanas a procurarem trabalho ilegal.

15 Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”. Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”.

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A actual política americana relativa à imigração ilegal baseia-se em grande parte no “Immigraton Reform and Control Act” (IRCA) de 1986, que tornou ilegal o emprego de trabalhadores indocumentados, legislou a monitorização dos empregadores e alargou as leis sobre fronteiras16. O IRCA também concedeu uma amnistia aos estrangeiros ilegais, que tinham estado a residir nos Estados Unidos desde antes de 1982 (com requisitos de residência mais curtos para os trabalhadores agrícolas). Como resultado do IRCA, os Estados Unidos concederam residência legal permanente a 2,7 milhões de indivíduos, dois milhões dos quais eram nacionais mexicanos17.

Ao longo do tempo, a patrulha de fronteira acentuadamente intensificou a sua actividade. Entre 1990 e 2005, o número de horas gastas por cada oficial no patrulhamento da fronteira entre os Estados Unidos e o México aumentou 2,9 vezes. Em 2004, as autoridades de imigração interceptaram 1,2 milhões de estrangeiros ilegais nos Estados Unidos, 95% dos quais foram capturadas na ou perto da fronteira entre o México e os Estados Unidos18. Mais actividades de patrulha de fronteira estão concentradas nas cidades dos Estados Unidos que são fronteiriças ao México, o que encorajou os imigrantes ilegais a atravessá-la em zonas menos povoadas — e mais traiçoeiras — regiões de deserto e as regiões montanhosas do Arizona, Califórnia e Texas19. Actualmente, há relativamente pouca fiscalização e controle contra a imigração ilegal nos locais de trabalho nos Estados Unidos. Aos empregadores é necessário solicitarem aos candidatos a emprego uma prova de elegibilidade de emprego (normalmente na forma de um cartão de segurança social e um cartão verde). Desde que a documentação oferecida pareça legítima, um empregador é de forma plausível capaz de negar conscientemente que

16 A Illegal Immigration Reform and Immigrant Responsibility Act of 1996 alargou ainda mais os largos recursos para o controlo das fronteiras e tornou mais fácil, a deportação de estrangeiros ilegais e de criminosos estrangeiros.

17 Bureau of International Labor Aff airs, Bureau of International Labor Affairs, Effects of the Immigration Reform and Control Act:Characteristics and Labor Market Behavior of the Legalized Population Five Years Following Legalization (Washington, DC: U.S. Department of Labor, 1996).

18 As apreensões de estrangeiros ilegais aumentavam a imigração ilegal mal sucedida e as patrulhas de fronteira podiam capturar o mesmo indivíduo cerca de 10 vezes durante um só ano.

19 Wayne A. Cornelius, “Death at the Border: Effi cacy and Unintended Consequences of U.S. Immigration Wayne A. Cornelius, “Death at the Border: Efficacy and Unintended Consequences of U.S. Immigration Control Policy”, Population and Development Review, Vol. 27, N.º 4 (Dezembro de 2001), pp. 661-85.

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contratou qualquer imigrante ilegal20.

Em conjunto, os imigrantes nos Estados Unidos constituem um grupo diversificado. Em relação à população nativa eles estão desproporcionalmente concentrados ou na parte mais alta ou mais baixa das habilitações profissionais (Figura 2). Um terço dos imigrantes têm uma formação inferior ao secundário, em comparação com apenas 12% da população americana, um quinto têm menos de nove anos de escolaridade comparado com apenas 4% dos nacionais americanos. No outro extremo, um quarto dos imigrantes tem um bacharelato ou grau superior. Enquanto a maioria dos trabalhadores nativos americanos tem níveis de formação intermédios secundário ou superior estas categorias contam somente para uma pequena parcela de imigrantes.

Figura 2. Nível de habilitações dos imigrantes e dos nativos, 2004

Fonte: U.S. Census, Current Population Survey 2003 (URL: http://www.census.gov/population/www/

socdemo/education/cps2003.html).

Diferentes tipos de imigração produzem tipos de imigrantes muito diferentes. Com excepção dos trabalhadores manuais em matéria de vistos H-2, a maioria

20 Entre 1999 e 2003, o número de homens-hora dos agentes americanos dedicados às inspecções nos locais de trabalho caía de 480 000 (ou 9 por cento das horas totais dos agentes) para 180.000 horas (ou 4 por cento do total das horas dos agentes). Poucas entidades empregadoras que empregavam imigrantes ilegais foram detectadas ou julgadas. O número de entidades empregadoras americanas pagando multas de pelo menos $5,000 devido ao emprego de trabalhadores não autorizados foi somente quinze em 1990 e caiu para doze em 1994 e para zero em 2004. Desde 11 de Setembro de 2001, a maioria das leis sobre a fiscalização nos locais de trabalho foi dedicada à monitorização e vigilância, designadamente as infra-estruturas críticas, tais como aeroportos e centrais eléctricas, segundo o U.S. Government Accountability Office, “Immigration Enforcement: Preliminary Observations on Employment Verification and Worksite Enforcement”, GAO-05-822T (21 de Junho de 2005).

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dos imigrantes legais temporários têm elevados níveis de habilitações21. Entre os imigrantes legais permanentes estão aqueles que entraram na base de preferências da entidade empregadora e que também são altamente qualificados, com 30% desses indivíduos a terem um grau universitário e outros 38% a terem um grau de pós-graduação22. Os imigrantes legais permanentes que entraram por base familiar parecem ter níveis inferiores de educação. Os imigrantes ilegais parecem ter os mais baixos níveis de ensino e parecem estar mais concentrados em empregos de baixos salários, como a construção, a preparação de alimentos, os serviços e a agricultura23.

Não são apenas a educação e as habilitações profissionais que distinguem os imigrantes legais e ilegais. As entradas de imigrantes ilegais tendem a ser altamente sensíveis às condições económicas, com as entradas a subir durante os períodos em que a economia americana se está a expandir e o México em recessão. Uma análise das variações mensais nas detenções de imigrantes ilegais que tentam atravessar a fronteira entre os Estados Unidos e o México revela que quando os salários mexicanos caiem 10 por cento relativamente aos salários americanos as tentativas de entrada ilegal aumentam em 6 por cento24. A capacidade de resposta da imigração ilegal às condições económicas é de esperar. Essas pessoas vêm para os Estados Unidos à procura de trabalho e o seu incentivo para o fazer é mais forte quando a diferença de perspectivas de emprego nos dois lados da fronteira é maior. A população imigrante ilegal é também bastante móvel geograficamente dentro dos Estados Unidos. Durante a década de 90, a taxa de crescimento do emprego nos Estados Unidos foi mais forte nos Estados de montanha e a Sudeste. Estes Estados também registaram um dos maiores aumentos em

21 DHS, “2005 Yearbook”. DHS, “2005 Yearbook”.

22 Guillermina Jasso and Mark R. Rosenzweig, “Selection Criteria and the Skill Composition of Immigrants: Guillermina Jasso and Mark R. Rosenzweig, “Selection Criteria and the Skill Composition of Immigrants: A Comparative Analysis of Australian and US Employment Immigration” (mimeo, New York University and Yale University, 2005).

23 Sobre os níveis de educação, ver Gordon H. Hanson, “Illegal Migration from Mexico to the United Sobre os níveis de educação, ver Gordon H. Hanson, “Illegal Migration from Mexico to the United States”, Journal of Economic Literature, Vol. 44, N.º 4 (Dezembro de 2006), pp. 869-924. Sobre as ocupações, ver Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”.

24 Gordon H. Hanson e Antonio Spilimbergo, ““Illegal Immigration, Border Enforcement, and Relative Gordon H. Hanson e Antonio Spilimbergo, ““Illegal Immigration, Border Enforcement, and Relative Wages: Evidence from Apprehensions at the U.S.-Mexico Border”, American Economic Review, Vol. 89, N.º 5 (December 1999), pp. 1337-57.

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percentagem do número de imigrantes ilegais25.

A imigração legal, em contraste, responde a condições económicas que são de reacção mais lenta. As quotas anuais para cartões verdes são fixas e o acabar de um a fila de espera para um cartão verde exige vários anos ou mais, tornando a imigração legal permanente insensível ao ciclo de negócios americanos. Os contingentes de imigração legal temporária mudam ao longo do tempo, mas não acompanham a economia americana com muita precisão. Em relação aos imigrantes ilegais os imigrantes legais temporários são muito menos móveis assim como a maioria dos vistos de trabalho estão ligados a um empregador específico26. Os titulares não podem mudar de emprego sem a aprovação do empregador.

A flexibilidade e a mobilidade de imigrantes ilegais podem reflectir, em parte, as relações de trabalho informal a que muitos estão sujeitos. Na construção, os empregadores contratam imigrantes ilegais para um trabalho específico, sem nenhuma promessa de emprego depois de o projecto ser concluído. Existem acordos semelhantes na agricultura, onde os imigrantes ilegais que trabalham numa herdade e para uma época podem ou não podem ser convidados para voltarem no ano seguinte. Em serviços de limpeza, na assistência às crianças ou na preparação de alimentos, a procura de mão-de-obra ilegal pode ser menos sazonal, por natureza, mas as relações de trabalho não são necessariamente mais seguras. Os imigrantes ilegais são normalmente contratados numa base de despedimento fácil, sem um contrato legal que define os termos e as condições de seus postos de trabalho. A informalidade do emprego ilegal contribui para a flexibilidade dos mercados de mão-de-obra ilegal.

A IMIGRAÇÃO ILEGAL E A ECONOMIA AMERICANA

Para uma dada entrada de mão-de-obra, os ganhos de produtividade de imigração serão tanto maiores quanto maior for a escassez das habilitações

25 Ver David Card e Ethan G. Lewis, “Th e Diff usion of Mexican Immigrants During the 1990s: Explanations Ver David Card e Ethan G. Lewis, “The Diffusion of Mexican Immigrants During the 1990s: Explanations and Impacts”, in George J. Borjas, ed., Mexican Immigration to the United States (Chicago: University of Chicago Press, 2007) and Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”.

26 Martin, “U.S. Employment-Based Admissions”. Martin, “U.S. Employment-Based Admissions”.

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profissionais no país dos imigrantes entrados. Um determinado tipo de trabalhador pode ser escasso, ou porque a oferta de trabalho no mercado americano deste tipo de habilitação profissional é baixa em relação ao resto do mundo, como acontece com os trabalhadores que têm pouca escolaridade, ou porque a procura americana deste tipo de habilitações profissionais é alta em relação ao resto do mundo, como acontece com os engenheiros e os cientistas em computação.

Devido aos constantes aumentos nas taxas de conclusão de ensino, os trabalhadores nativos americanos, com níveis baixos de escolaridade são cada vez mais difíceis de encontrar. Contudo, estes trabalhadores são parte importante da economia americana — a construir casas, a preparar alimentos, a limpar escritórios, na colheitas agrícolas e a preencher postos de trabalho vagos nas fábricas. Entre 1960 e 2000, a percentagem de trabalhadores nascidos nos Estados Unidos em idade de trabalhar com menos de doze anos de escolaridade caiu de 50% para 12%. No estrangeiro, os trabalhadores com menores níveis de qualificação são mais abundantes. No México, a partir de 2000, 74% dos residentes em idade de trabalhar tinham menos de doze anos de ensino. A migração do México para os Estados Unidos desloca indivíduos de um país onde a sua abundância relativa os deixa com baixa produtividade e com salários baixos para um país onde a sua escassez relativa lhes permite muito mais elevados ganhos salariais. Para um mexicano de vinte e cinco anos do sexo masculino com nove anos de ensino (ligeiramente acima da média nacional), que migre para os Estados Unidos este iria aumentar o seu salário de US$ 2,30 para US$ 8,50 por hora, já ajustando as diferenças de custo de vida nos dois países27. Enquanto o impacto económico líquido da imigração sobre a economia americana pode ser pequeno (como iremos discutir), os ganhos para as famílias de imigrantes ao irem para os Estados Unidos são enormes.

Para os trabalhadores de baixo nível de qualificação em quase toda a parte do mundo, as políticas de admissão de imigração nos Estados Unidos fazem da imigração ilegal, o meio mais viável de entrada no país. Em 2005, 56% dos imigrantes ilegais foram cidadãos mexicanos. Dada a baixa escolaridade média, poucos cidadãos mexicanos se qualificaram para um emprego com

27 Hanson, “Illegal Migration from Mexico to the United States”. Hanson, “Illegal Migration from Mexico to the United States”.

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base no cartão ou em muitos dos tipos de vistos de imigração baseados em trabalho temporário. Os vistos para as famílias (Figura 328) têm filas que são muito longas e têm critérios de admissão que são demasiado arbitrários para poderem servir a maioria dos migrantes potenciais que gostariam de trabalhar nos Estados Unidos no futuro imediato.

Como consequência, muitos imigrantes mexicanos entram ilegalmente nos Estados Unidos. Embora muitos tenham ultimamente podido obter o cartão verde, eles permanecem não autorizados para um período de tempo considerável. O Pew Hispanic Center estima que em 2005 de 80 a 85% dos imigrantes mexicanos que tinham estado nos Estados Unidos menos de dez anos não foram autorizados29. A imigração ilegal então faz o que a imigração legal não faz: movimenta grande número de trabalhadores de baixo nível de qualificação profissional de um ambiente económico de baixa produtividade para um ambiente económico de alta produtividade.

Figura 3. Imigrantes mexicanos nos Estados Unidos

Fonte: DHS, “2005 Yearbook”.

A imigração ilegal traz também trabalhadores de baixa qualificação para os Estados Unidos, quando os ganhos de produtividade com a deslocação parecem ser mais altos. Durante os últimos vinte anos, o México passou por

28 A imigração patrocinada pela família representa cerca de 90 por cento dos nacionais do México que ganharam o direito de permanência legal permanente nos Estados Unidos (DHS, “2005 Yearbook”).

29 Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”. Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”.

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várias recessões económicas severas, com a emigração deste país a ser ainda maior na sequência de cada recessão. Em termos de ganhos económicos, isto é exactamente o que se quer com a deslocação dos trabalhadores — quando a sua produtividade de mão-de-obra nos Estados Unidos é mais elevada em relação à produtividade desta mão-de-obra no seu país natal. Longas filas de espera para a obter do cartão verde nos Estados Unidos significam que há poucas vias para a imigração legal e permanente poder responder a tais alterações das condições económicas internacionais.

Para a mão-de-obra altamente qualificada, a imigração legal é o principal meio de entrada dos Estados Unidos. Em comparação com o resto do mundo, os Estados Unidos têm uma oferta abundante de mão-de-obra altamente qualificada. Por isso, seria de esperar que a mão-de-obra altamente qualificada quisesse deixar o país, em vez de se querer deslocar para aqui. No entanto, ao longo dos últimos duas décadas a economia americana tem usufruído de rápidos avanços nas novas tecnologias, que aumentaram a procura de trabalho altamente qualificado30. A difusão das tecnologias da informação, entre outros desenvolvimentos, criou a procura de programadores de software, de engenheiros eléctricos e de outros técnicos qualificados. Mesmo com o fornecimento abundante de mão-de-obra altamente formada nos Estados Unidos, os aumentos induzidos pelas novas tecnologias na procura deste tipo de mão-de-obra tornaram este país um destino atraente para os trabalhadores estrangeiros qualificados. O emprego baseado no cartão verde e nos vistos de trabalho temporário possibilitam esta imigração qualificada.

Pelo critério da escassez, a imigração temporária e permanente assente nas habilitações profissionais admite o tipo de mão-de-obra de que se precisa. No entanto, o calendário destes influxos e a imobilidade profissional subsequente de muitos destes trabalhadores deixam muito a desejar. Com base no emprego permanente, a imigração movimenta-se irregularmente ao longo do tempo, não mostrando uma evidente correlação com a taxa de emprego dos Estados Unidos

30 Lawrence F. Katz e David H. Autor, “Changes in the Wage Structure and Earnings Inequality”, Lawrence F. Katz e David H. Autor, “Changes in the Wage Structure and Earnings Inequality”, in Orley Ashenfelter and David Card, eds., Handbook of Labor Economics, Vol. 3A (Amsterdam: Elsevier Science, 1999), pp. 1463-1555.

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(Figura 4)31. A volatilidade das admissões baseadas no emprego é devida não a considerações económicas, mas a longos atrasos das autoridades de imigração americanas no processamento de pedidos de admissão e de naturalização. Um aumento inesperado nos pedidos de cidadania na década de 90 complicou o avanço do processo de concessão de vistos de imigração, incluindo os vistos baseados no emprego com cartão verde levando a uma diminuição do número de imigrantes altamente qualificados que receberam vistos de residência legal permanente32.

Figura 4. Imigração e taxa de emprego, 1990-2005

Fonte: DHS, “2005 Yearbook”; B. Lindsay Lowell, “H-1B Temporary Workers: Estimating the Population” (mimeo, Institute for the Study of International Migration, Georgetown University, 2000); U.S. Department of State Office of Visa Statistics (http://travel.state.gov/visa/frvi/statistics/). Para mais informações sobre os cálculos, ver nota 31.

Ironicamente, a redução de admissões baseadas no emprego ocorreu durante a altura do boom tecnológico dos anos 90. A imigração temporária de trabalhadores qualificados acompanha um pouco mais de perto a economia americana. O número de vistos H-1B caiu para valores abaixo do crescimento do emprego nos Estados Unidos no início da década de 90, aumentado para valores

31 A figura 4 mostra as admissões de indivíduos nos Estados Unidos na concessão de vistos de residência permanentes na base do patrocíniodos empregadores (DHS, “2005 Yearbook”) e o número global de indivíduos em vistos H1-B, que foram calculados utilizando os dados do número de vistos H1-B emitidos, em B. Lindsay Lowell, “H-1B Temporary Workers: Estimating the Population” (mimeo, Institute for the Study of International Migration, Georgetown University, 2000), e de U.S. Department of State Office of Visa Statistics (http://travel.state.gov/visa/frvi/statistics/). O valor global iguala a soma dos actuais e anteriores emissões de vistos dos dois anos antes (uma vez que os vistos H1-B são válidos para os três anos), assumindo que em cada ano 2 por cento dos detentores dos vistos morrem e que 50 por cento regressam a casa. Os valores para as taxas de mortalidade e de imigração foram tomadas de Lowell, “H-1B Temporary Workers”.

32 DHS, “2005 Yearbook”.

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acima durante a fase final do boom dos anos 90 e em seguida, voltou a perder força no ano início de 2000 depois da economia ter abrandado levemente e baixado o seu crescimento. Longe de avançar em paralelo com a expansão da economia americana, os vistos de trabalho temporário têm mostrado desfasamento relativamente ao crescimento do emprego de dois a três anos.

A imigração ilegal, a imigração baseada no emprego permanente e a imigração de trabalho temporário legal tendem cada uma delas a fornecer à economia americana os trabalhadores de que há escassez de oferta. A imigração baseada na família, que é a maior componente das admissões permanentes, é estabelecida sem referência às condições de mercado de trabalho nos Estados Unidos. A imigração legal de trabalhadores qualificados é prejudicada pela existência de filas para vistos e de atrasos em ajustar os níveis de vistos, o que reduz o valor económico desta imigração. Os fluxos de imigrantes ilegais, em contraste, estão estreitamente ligados aos ciclos de negócios dos Estados Unidos e do México

OS BENEFÍCIOS E OS CUSTOS DA IMIGRAÇÃO

Será que os ganhos que a imigração ilegal traz em termos da flexibilização dos mercados de trabalho compensam os outros custos económicos? Os críticos da imigração ilegal argumentam que um afluxo de imigrantes ilegais traz altos custos económicos, reduzindo os salários no mercado interno e aumentando as despesas com serviços públicos como os cuidados de saúde e a educação. Se estes custos são suficientemente elevados, o ponto de vista económico para restringir a imigração ilegal viria assim a ser reforçado.

Globalmente, a imigração aumenta o rendimento dos residentes americanos, permitindo que a economia utilize com mais eficiência os recursos do mercado interno. Mas porque imigrantes de diferentes tipos — ilegal, legal permanente e legal temporário — têm diversos níveis de habilitações profissionais, diferentes capacidades na obtenção de rendimentos, na dimensão da família e na utilização de direitos de utilização de serviços públicos, as alterações nos seus respectivos influxos têm diferentes impactos económicos. A imigração também afecta a formação dos rendimentos dos americanos através de seu impacto nas receitas de impostos e nas despesas públicas. Os imigrantes com rendimentos mais baixos e as

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famílias maiores tendem a ter um maior gasto de despesas públicas. Os imigrantes pagam rendas, têm folha de pagamento de salários, vendas, propriedade e outros impostos, sendo as contribuições mais baixas as dos imigrantes menos qualificados. Os imigrantes usam os serviços públicos enviando os seus filhos para as escolas públicas, exigindo protecção contra incêndios e protecção policial, conduzindo nas estradas e auto-estradas e recebendo assistência pública, com as famílias que têm o maior número de crianças a absorverem mais despesas. Adicionando o rendimento ganho pela imigração antes dos impostos às contribuições de impostos líquidas dos imigrantes — os seus pagamentos de impostos, menos o valor dos serviços governamentais que utilizam — permite uma estimativa aproximada do impacto líquido da imigração sobre a economia americana.

A imigração gera rendimentos extra para a economia americana, mesmo que reduza os salários para alguns trabalhadores. Através do crescimento da oferta de mão-de-obra, a imigração aumenta a produtividade dos recursos que são complementares ao trabalho. Mais trabalhadores permitem aos Estados Unidos utilizar o capital, as terras e os recursos naturais de modo a serem explorados de forma mais eficiente. Aumentando a oferta de mão-de-obra nos produtos hortícolas e nos frutos perecíveis, por exemplo, significa que cada acre de terra cultivada gera mais produção. Da mesma forma, uma expansão do número de trabalhadores na indústria transformadora permite que a base industrial existente produza mais mercadorias. O ganho de produtividade traduz-se em rendimento extra para as empresas americanas, que é o chamado excedente de imigração. O excedente de imigração anual nos Estados Unidos parece ser pequeno, é igual a cerca de 0,2% do PIB em 200433.

Esses benefícios, no entanto, não são igualmente partilhados As entradas de trabalho com origem no estrangeiro redistribuem os rendimentos dos trabalhadores que concorrem com os imigrantes no mercado de trabalho.

33 A fórmula para o excedente da imigração expressa como percentagem do PIB (em 2004), é dada por 0,5 vezes o produto da taxa dos salários no rendimento nacional (0,7), o quadrado da força de trabalho que nasceu no estrangeiro (o ratio 21,2 milhões/146,1 milhões ao quadrado e a percentagem da variação dos salários devida à variação de 1 ponto percentual no acréscimo da força de trabalho (0,3). Ver George J. Borjas, Heaven’s Door: Immigration Policy and the American Economy (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1999). As estimativas do excedente da imigração devem ser vistas com muito cuidado uma vez que no cálculo se considera o trabalho como homogéneo e se ignora as consequências da imigração na acumulação do capital e na inovação tecnológica. Mesmo incorporando tais considerações pode ser difícil produzir uma plausível estimativa do excedente da imigração que seja muito maior que a fracção de 1 por cento do PIB americano.

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George Borjas estima que no período entre 1980 a 2000 a imigração contribuiu para uma diminuição média de salários americanos de 3 por cento34. Esta estimativa tem em conta a variação total da força de trabalho nos Estados Unidos devida à imigração, incluindo a de origem legal e ilegal. Uma vez que a imigração está concentrada entre as pessoas de baixo nível de habilitações profissionais, os nacionais menos qualificados são os trabalhadores mais provavelmente a serem atingidos. Ao longo do período de 1980 a 2000, os salários dos trabalhadores nativos com um grau de formação abaixo de um grau de ensino médio diminuíram 9% como resultado da imigração35. Por outro lado, os salários mais baixos da mão-de-obra fracamente qualificada significam preços mais baixos para os bens e serviços intensivos em trabalho, especialmente daqueles cujos preços são definidos nos mercados locais em vez de o serem através da concorrência nos mercados globais. Patricia Cortés estima que entre os anos 80 e 90 as cidades americanas com mais entrada de imigrantes de fraca qualificação profissional tiveram maiores reduções nos preços para de limpeza e conservação das casas, de jardinagem, de assistência à criança, de limpeza a seco e de outros serviços transaccionados apenas localmente36. Preços mais baixos para os bens e serviços aumentam o rendimento real das famílias americanas, com a maior parte destes ganhos concentrada em regiões com maior população de imigrantes.

A imigração, ao admitir um grande número de indivíduos fracamente qualificados, pode agravar as ineficiências associadas com o sistema de financiamentos públicos do país37. Se os imigrantes pagam mais impostos

34 George J. Borjas, “Th e Labor Demand Curve is Downward Sloping: Reexamining the Impact of George J. Borjas, “The Labor Demand Curve is Downward Sloping: Reexamining the Impact of Immigration on the Labor Market”, Quarterly Journal of Economics, Vol. 118, N.º 4 (Junho de 2003), pp. 1335–74. Este impacto salarial deve ser visto como temporário. No longo prazo pode-se esperar que a imigração aumente os incentivos para a acumulação do capital, que pode vir a negar o impacte da imigração sobre os salários. Outros investigadores sugerem que as consequências salariais da imigração são mínimas — Ver David Card, “Is the New Immigration Really So Bad?” NBER Working Paper N.º 11547 (Agosto de 2005) Quando tal acontece o excedente da imigração pode mesmo ser mais pequeno que as estimativas no caso acima.

35 Consistentes com estes efeitos, Kenneth F. Scheve e Matthew J. Slaughter encontram que a oposição à imigração nos Estados Unidos é mais intensa entre os trabalhadores nativos com uma formação inferior ao secundário concluído. Ver Kenneth F. Scheve e Matthew J. Slaughter, Globalization and the Perceptions of American Workers (Washington, DC: Institute for International Economics, 2001).

36 Patricia Cortes, “Th e Eff ect of Low-Skilled Immigration on U.S. Prices: Evidence from CPI Data” Patricia Cortes, “The Effect of Low-Skilled Immigration on U.S. Prices: Evidence from CPI Data” (mimeo, MIT, Novembro de 2005). Baseados nestas estimativas, um acréscimo de 10 por cento na população imigrante local está associado a um decréscimo nos preços dos serviços intensivos em de 1,3 por cento e outros bens e serviços apenas transaccionados localmente de 0,2 por cento.

37 Também, o crescimento induzido da população imigrante pode piorar as distorções devidas à pobreza das definições dos direitos de propriedade sobre o ar, a água, os espaços públicos. Mais pessoas significam mais poluição e mais dificuldades de movimentação.

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do que recebem em benefícios governamentais, então, a imigração gera uma transferência líquida fiscal para os contribuintes nativos. O impacto total da imigração nos residentes americanos — a soma do excedente de imigração (o ganho de rendimento antes de impostos) e a transferência fiscal líquida dos imigrantes — seria inequivocamente positiva. Este parece ser o caso dos imigrantes com níveis elevados de formação sugerindo que a emigração baseada no emprego permanente e na de imigrantes temporários altamente qualificados têm um impacto líquido positivo sobre a economia americana38. Estes geram um excedente de imigração positivo (pelo aumento da produtividade nos Estados Unidos) e dão um contributo de impostos líquido positivo (adicionando-se aos cofres do Estado americano)39.

Por outro lado, se os imigrantes pagam menos impostos do que recebem em benefícios do Governo, então, a imigração gera uma carga fiscal líquida sobre os contribuintes nativos — as famílias nativas teriam que fazer uma transferência de rendimento para as famílias de imigrantes. Para o pagamento desta transferência fiscal exigir-se-ia aumentos de impostos sobre as populações locais, reduções nos benefícios do Governo para os nativos ou aumento do endividamento público com encargo para as gerações futuras (emissão de dívida pública). Se os imigrantes provocam uma drenagem fiscal líquida, então o impacto total da imigração sobre os Estados Unidos seria positivo apenas se o excedente de imigração excedesse a transferência fiscal feita para os imigrantes. Para a imigração de baixa qualificação, quer legal ou ilegal, isso não parece ser o caso40.

38 James P. Smith e Barry Edmonston, eds., James P. Smith e Barry Edmonston, eds., The New Americans: Economic, Demographic, and Fiscal Effects of Immigration (Washington, DC: National Academies Press, 1997).

39 Um potencial benefício adicional resultante da imigração é que isto pode ajudar o governo a gerir responsabilidades sobre pensões em que não há financiamento. Ver Alan J. Auerbach e Philip Oreopoulos, “Analyzing the Fiscal Impact of U.S. Immigration”, American Economic Review, Vol. 89, N.º 2 (Maio de 1999), pp. 176-180.

40 Ver Smith e Edmonston, Ver Smith e Edmonston, The New Americans; e Steven A. Camarota, The High Cost of Cheap Labor: Illegal Immigration and the Federal Budget (Center for Immigration Studies, 2004). Os imigrantes ilegais contribuem para os impostos sobre rendimentos. Estes pagam os impostos sobre os produtos vendidos nas suas compras de bens de consumo e de propriedades, seja da sua própria casa seja arrendada. Adicionalmente muitos contribuem para a Segurança Social e pagam as taxas sobre rendimentos estaduais e federais. Como a lei de 1986,a actual lei americana exige que a entidade empregadora registe o número da Segurança Social e a informação do visto de cada imigrante empregado. Muitos imigrantes ilegais apresentam aos empregadores cartões da Segurança Social que não têm números válidos. Entre 1986 e 2000 as contribuições anuais para a Segurança Social com números inválidos subiram de $7 mil milhões para $49 mil milhões (Social Security Administration, 2003). Como a Administração da Segurança Social não comunica estes fundos imediatamente, estes podem eventualmente ser considerados como fundos gerais do governo federal.

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Calcular as consequências fiscais da imigração, enquanto simples conceptualmente, apresenta-se na prática bem difícil. Para se estimar correctamente, é necessário saber muitos detalhes sobre os rendimentos, despesas e comportamentos ao nível do emprego de toda a população de imigrantes. Como resultado, há poucas análises abrangentes, a nível nacional, sobre o impacto fiscal da imigração. O National Research Council (NRC) efectuou estudos detalhados de situações fiscais sobre a imigração em New Jersey e Califórnia, onde há populações relativamente grandes de imigrantes41. No ano 2000, alguns anos depois de se ter realizado este estudo, a parte da população adulta nascida no estrangeiro era de 34% na Califórnia e de 24% em Nova Jersey, em comparação com a taxa de 15 por cento à escala nacional. Os dois Estados têm populações de imigrantes com perfis profissionais e perfis de utilização dos recursos do Estado bastante diferentes. Em 2000, a parte das famílias de imigrantes, em que a cabeça de casal seria alguém com formação escolar inferior à conclusão do secundário era de 34% na Califórnia e de 29% no país como um todo, mas apenas 23% em New Jersey. Da mesma forma, a percentagem de famílias imigrantes que recebiam em numerário prestações pecuniárias de programas de apoio social foi de 13% na Califórnia e 10 por cento na nação como um todo, mas apenas 8% em Nova Jersey. Essas diferenças na utilização de serviços de apoio social são devidas em parte ao facto de os imigrantes na Califórnia serem menos qualificados e em parte também porque a Califórnia oferece benefícios sociais mais generosos.

Com base nas despesas do Governo federal, estadual e local e nas receitas fiscais, o NRC estima que o impacto fiscal de curto prazo da imigração foi negativo em New Jersey e na Califórnia. Em New Jersey, usando dados para 1989-1990 as famílias de imigrantes, receberam uma transferência fiscal líquida média dos nativos na ordem de US$ 1 500, ou seja, de 3% do rendimento do agregado familiar médio dos imigrantes nesse Estado. Repartindo este valor pela população nativa dos Estados mais populosos, isto representa uma carga fiscal líquida média de US$ 230 por agregado nativo, ou seja de 0,4% do rendimento agregado familiar nativo médio. Na Califórnia, utilizando-se dados para 1994-95, as famílias de imigrantes receberam em média de transferência fiscal líquida cerca de US$ 3 500, ou

41 Smith e Edmonston, Smith e Edmonston, The New Americans.

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seja, 9% do rendimento do agregado familiar médio de imigrantes, o que resultou numa carga fiscal média sobre as famílias nativas de US$ 1 200, ou seja, cerca de 2% da média do rendimento das famílias nativas. (B) O impacto da imigração na Califórnia é mais negativo porque as famílias de imigrantes neste Estado (a) são mais numerosas em relação à população nativa, (b) têm mais crianças, o que leva a utilizarem mais os serviços de educação pública e (c) ganham rendimentos mais baixos, levando-os a pagamentos de impostos mais baixos e uma maior utilização da assistência pública.

Para a nação como um todo, o NRC estima que em 1996 a imigração instituiu uma carga fiscal média agregada de curto prazo, sobre os nativos de US$ 200, ou seja, de 0,2% do PIB dos Estados Unidos42. Nesse ano, o excedente de imigração foi de cerca de 0,1% do PNB43. A consequência destes cálculos sugere-nos então que em termos de curto prazo a imigração em meados de 90 reduziu o rendimento anual dos americanos em 0,1 do PIB. Dadas as incertezas envolvidas na obtenção destes valores não se deve colocar grande importância ao facto de que a estimativa resultante dê um valor negativo. A margem de erro na previsão em torno da estimativa, embora desconhecido, é susceptível de ser grande, pelo que o valor 0,1 por cento de estimativa é estatisticamente não diferente de zero. Utilizando este tipo de análise, não podemos dizer com muita convicção se o impacto global de imigração sobre a economia americana é positivo ou negativo. O que os dados nos sugerem é que o impacto total é pequeno.

Ao analisarmos as reformas da política americana sobre a imigração não é o efeito total da imigração sobre a economia americana que importa mas sim o impacto dos imigrantes que poderiam ser afectados pelas alterações

42 Partindo de uma estimativa de curto prazo para uma de longo prazo dos custos fiscais da imigração podem mudar os resultados. Os imigrantes são relativamente jovens e longe de estarem nos seus anos de pico de rendimentos ganhos e de pagamento de impostos. Com a idade dos imigrantes a aumentar, as suas contribuições líquidas fiscais crescem. Depois os seus filhos terão geralmente mais anos de formação escolar e pagarão mais elevadas contribuições fiscais. O NRC estima que em média cada imigrante admitido em 1990 poderá ter gerado uma contribuição fiscal líquida de $80 000 sobre os próximos 300 anos (em termos de valor actualizado, com uma contribuição que depende do nível de qualificações profissionais. A contribuição fiscal de longo prazo é negativa para os imigrantes de fraco nível de formação (menos que uma educação de nível do secundário) e positiva para os imigrantes de elevado nível de qualificação (mais que uma educação de nível secundário). Avançando 300 anos para a frente requer fortes hipóteses acerca do futuro da economia. Mesmo para o imigrante médio, a contribuição fiscal anual líquida é negativa para os primeiros 25 anos depois de terem chegado aos Estados Unidos. A estimativa de longo prazo assume que o Governo Federal em última análise irá aumentar os impostos para colocar o orçamento federal em equilíbrio. Se isso não acontecer, a contribuição fiscal de longo prazo do imigrante média seria negativa. Ver Smith and Edmonston, The New Americans.

43 Borjas, Borjas, Heaven’s Door.

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que actualmente estão a ser analisadas na admissão aos Estados Unidos e nas suas políticas de controlo. Os imigrantes que contam para o impacto fiscal negativo da imigração na Califórnia e nos Estados Unidos como um todo são principalmente os indivíduos com baixos níveis de habilitação profissional. Este grupo inclui imigrantes legais (muitos dos quais presumivelmente entraram no país com de vistos de imigração na base da família) e os imigrantes ilegais. O Centro de Estudos de Imigração (CIS), um grupo de reflexão que defende a redução da imigração, aplicou recentemente a metodologia de NRC para estimar o impacto fiscal da imigração ilegal. O CIS estimou que a imigração ilegal tinha, em termos líquidos, recebido 10 mil milhões em benefícios sociais do Governo a mais do que tinham pago em impostos, um valor igual a 0,1% do PIB norte-americano naquele ano44. Com os imigrantes ilegais a representarem cerca de 5% da força de trabalho dos Estados Unidos, os residentes nacionais receberiam um excedente pela parte da imigração ilegal de cerca de 0,03% do PIB. Combinando esses dois números, a imigração ilegal em 2002 terá causado uma perda de rendimento anual de 0,07% do PIB norte-americano. Novamente, dadas as incertezas em torno deste tipo de cálculo, poder-se-ia dizer com muita confiança que este impacto é estatisticamente vizinho de zero.

O impacto económico líquido da imigração sobre a economia americana parece ser modesto. Os dados disponíveis sugerem que a imigração de indivíduos altamente qualificados tem um pequeno impacto positivo sobre os rendimentos dos residentes americanos, enquanto a chegada de imigrantes fracamente qualificados, legais ou ilegais, tem um pequeno impacto negativo. Dado que as estimativas em questão exigem pressupostos fortes e no que no global são apenas uma fracção de um por cento do PIB norte-americano, não podemos dizer que eles diferem significativamente de zero. Para a economia americana, a imigração parece ter mais ou menos um valor nulo.

Do ponto de vista económico, a questão para os decisores políticos torna-se, então, procurar saber se os custos da travagem da imigração ilegal ultrapassam significativamente os benefícios possíveis. Neste texto já

44 Camarota, Camarota, The High Cost of Cheap Labor. O CIS estima que em 2002 as famílias em que o cabeça de casal é um imigrante pagaram taxas de um valor igual a 16 mil milhões e impuseram custos ao governo no montante de 26,3 mil milhões. Nesse ano, o PIB americano foi de $10,47 milhões de milhões.

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discutimos sobre os benefícios que advêm de uma oferta flexível de trabalho não qualificado, que ficaria comprometido por algumas das reformas que estão a ser consideradas. Além disso, os custos de um maior controlo para reduzir o fluxo de imigrantes ilegais são significativos e crescentes. Na proposta de orçamento do Presidente George W. Bush para 2008 foram alocados 13 mil milhões de dólares americanos para reforçar os mecanismos de controlo sobre a imigração nas fronteiras, incluindo mil milhões de dólares para a construção de barreiras e aplicação de outras medidas de segurança na fronteira com o México. Desde 2001, o Congresso aumentou o financiamento para a segurança das fronteiras em cerca de 145% e para o controle da imigração em cerca de 118 por cento45.

Em nome da discussão, assuma-se literalmente a estimativa de que a imigração ilegal custou à economia, a partir de 2002, o equivalente a 0,07% do PIB ao ano. Nesse ano, o serviço de naturalização de imigração gastou cerca de 4,2 mil milhões de dólares (ou 0,04 por cento do PIB) nos controles de fronteira e do interior, incluindo a detenção e o reenvio de estrangeiros ilegais, num ano em que a entrada líquida no país terá sido de mais de 500 000 de clandestinos46. Os 13 mil milhões de dólares propostos para gastar no próximo ano na segurança de fronteiras são já duas vezes e meia esse número a 0,1% do PIB. Com os já enormes aumentos das despesas, o fluxo de imigrantes ilegais através da fronteira sul (como é medido pelas detenções) estima-se ter caído de cerca de 27% no ano passado. Que dinheiro seria necessária para reduzir a imigração ilegal a zero? Ainda muito aquém do encerramento das fronteiras, os fundos gastos na execução extra excederiam imensamente a receita obtida com eliminação da transferência fiscal líquida para as famílias, em que o cabeça de casal são imigrantes ilegais. Tenhamos em mente, no entanto, que este cálculo de custo-benefício é baseado pura e simplesmente nas consequências económicas da imigração ilegal. Pode haver ganhos ao aumentar os controlos sobre as fronteiras ligados a uma melhoria da segurança nacional que justifiquem estas despesas, mas não são ganhos económicos.

45 Ver Offi ce of Management and Budget, Department of Homeland Security, http://www.whitehouse. Ver Office of Management and Budget, Department of Homeland Security, http://www.whitehouse.gov/omb/budget/fy2008/homeland.html.

46 Ver Orçamento do Governo dos Estados Unidos em http://origin.www.gpoaccess.gov.

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Enquanto os impactos globais da imigração legal e ilegal são pequenos, a intensidade do debate público sobre os impactos económicos da imigração não é um reflexo das suas consequências económicas agregadas. A actividade económica, que é a maior vencedora dos elevados níveis de imigração, é o mais forte defensor do status quo. Os trabalhadores de baixo nível de qualificação e os trabalhadores altamente qualificados, cujos salários tendem a baixar devido à pressão da imigração, pelo menos a curto prazo, desejam ver o reforço dos controles contra a imigração. Em termos nacionais, as pessoas residentes de menor nível de formação tendem a ser mais opostas contra a imigração, sendo esta oposição mais forte nos Estados com maior população de imigrantes47.

Os contribuintes dos Estados em que a imigração é elevada também têm sido adversários claros da imigração ilegal. Os Estados pagam a maior parte dos custos da prestação de serviços públicos aos imigrantes, onde se que inclui a educação aos filhos de imigrantes e os serviços de saúde públicos às famílias de imigrantes pobres (cujos filhos são nascidos nos Estados Unidos e naturalizados membros e são elegíveis para receber os apoios públicos)48. O Governo federal, em contraste, parece usufruir de um excedente fiscal líquido dos imigrantes49. Washington é responsável por muitas actividades, incluindo a defesa nacional e a gestão de terrenos públicos, cujos custos varias relativamente pouco com a dimensão da população. Uma vez que imigrantes (incluindo muitos clandestinos) pagam impostos, com a sua retenção o Governo federal usufrui de um aumento de receitas provenientes da imigração, mas não incorre em muitas das despesas adicionais, que são suportadas acima de tudo, pelo Estado a nível local. Parte da oposição política à imigração provém da desigualdade nos encargos associados com a entrada de trabalhadores. Os Governadores dos Estados Ocidentais de elevada imigração, independentemente de sua filiação partidária, estão entre os críticos mais fortes do laxismo legal do Estado Federal contra a entrada ilegal.

47 Scheve e Slaughter, Scheve e Slaughter, Globalization and the Perceptions of American Workers.

48 Frank D. Bean and Gillian Stevens, Frank D. Bean and Gillian Stevens, America’s Newcomers and the Dynamics of Diversity (New York: Russell Sage Foundation, 2005).

49 Smith e Edmonston, Smith e Edmonston, The New Americans.

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Os resultados dos inquéritos de opinião pública confirmam essa análise. As pessoas com formação universitária, embora geralmente mais apoiantes da imigração, são menos favoráveis nos Estados em que vivem as maiores populações de imigrantes de baixo nível de qualificações e em que há mais generosas políticas de bem-estar, o que, em combinação, tendem a produzir maiores encargos fiscais sobre as pessoas de mais elevados rendimento individuais50.

A REFORMA POLÍTICA DA IMIGRAÇÃO

As mudanças na política de imigração dos Estados Unidos que o Congresso está a avaliar são destinadas a reduzir a imigração ilegal, deixando intacta a legislação sobre a imigração legal permanente e sobre a imigração temporária de trabalhadores altamente qualificados. Se um projecto de lei for aprovado este irá provavelmente apertar a fiscalização contra os imigrantes ilegais, aumentar o número de vistos de trabalho temporário legal disponíveis para os trabalhadores e rever as disposições para que os imigrantes ilegais possam obter o estatuto jurídico. Como é que esta reforma política poderá o impacte da imigração sobre a economia americana?

Uma questão em que a maioria dos membros do Congresso está de acordo é que deve haver uma maior fiscalização das fronteiras e no interior do país. Ao nível da situação de controlo actual entram anualmente cerca de 400 000 novos imigrantes ilegais no país em termos líquidos e parar este fluxo vai exigir um substancial aumento dos elevados recursos já aplicados nesta tarefa.

As despesas de controlo de fronteira (mais de 0,1% do PIB) já são mais elevadas do que os benefícios fiscais em reduzir a imigração ilegal (menos de 0,1% do PIB). Com isto não se quer dizer que os controles sobre as fronteiras e no interior devam devem ser ignorados. As propostas legislativas existentes também contêm disposições para redireccionar os fundos em direcção à verificação electrónica da elegibilidade dos empregados e de reafectação de pessoal de patrulha de fronteira para locais onde a sua

50 Gordon H. Hanson, Gordon H. Hanson, Why Does Immigration Divide America? Public Finance and Political Opposition to Open Borders (Washington, DC: Institute for International Economics, 2005); Gordon Hanson, Kenneth Scheve e Matthew Slaughter, “Public Finance and Individual Preferences over Globalization Strategies”, Economics and Politics, a aparecer.

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presença pode ser um dissuasor de um maior movimento ilegal. Estes ou outras reafectações de despesas existentes podem ser eficazes na redução da imigração ilegal. Actualmente, as entidades patronais americanas, por força de serem obrigadas a pedir identificação aos trabalhadores no momento da sua contratação plausivelmente podem negar conscientemente que tenham contratado imigrantes ilegais. Um sistema de verificação electrónica eliminaria potencialmente esta recusa plausível, colocando um maior peso sobre os empregadores para não seleccionarem os trabalhadores que não estão autorizados a trabalhar. Mas, qualquer que seja a medida, interromper a imigração ilegal é provavelmente uma drenagem, em termos líquidos, da economia americana.

O Presidente Bush e alguns membros do Congresso também defendem a expansão do número vistos disponíveis para os trabalhadores temporários fracamente qualificados para absorver os imigrantes ilegais que já estão no país e que assim reduz os incentivos para a futura migração ilegal. Entre as medidas actualmente em análise, o aumento máximo previsto para os vistos de trabalho temporário é aproximadamente de 320 000 por ano. Com o número combinado de H-2A (trabalhadores agrícolas manuais) e vistos H-2B (trabalho manual excluindo a agricultura) actualmente em 66 000 por ano, isto significaria aumentar o número de trabalhadores legais temporários de baixa qualificação nos Estados Unidos por um valor superior a cinco vezes.

A alteração proposta no número de trabalhadores legais de trabalho temporário pode parecer um grande aumento. No entanto, devemos ter presente que os trabalhadores legais de trabalho temporário são por definição temporários. Aumentando o número anual de vistos em 260 000, isto não significa que 260 000 novos trabalhadores permanentes entrem anualmente para a economia do país. No âmbito de um programa de trabalho temporário, a maioria ou mesmo todos os trabalhadores legais admitidos anualmente teriam que regressar aos seus países de origem, algum tempo depois. Suponhamos, por exemplo, cada trabalhador legal temporário tenha um visto por um ano, e que este poderia ser renovado até duas vezes (a duração máxima de estada para um trabalhador temporário seria de três anos). Mesmo se todos os trabalhadores nestas condições fossem elegíveis para renovar os seus vistos durante o período máximo permitido, o que

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parece improvável, dada a experiência com o programa H-1, a longo prazo o aumento no volume de trabalhadores estrangeiros na economia dos Estados Unidos seria apenas de 780 000 indivíduos, aproximadamente igual ao número de novos imigrantes ilegais que entram em cada dois anos51. O aumento aparentemente maciço no programa de trabalho temporário legal pelo Congresso seria apenas para absorver o volume de alguns anos das actuais entradas de imigrantes ilegais. Ausentes os aumentos substanciais em matéria de fiscalização, é difícil acreditar que um programa de trabalhador legal e temporário a esta escala faria muita mossa na procura de mão-de-obra ilegal de longo prazo.

Para além da magnitude dos valores de entrada de trabalhadores, é fundamental reconhecer que uma atractiva característica dos trabalhadores ilegais para os empregadores americanos é a sua flexibilidade. Os imigrantes ilegais vão preencher os postos de trabalho para os quais a oferta de trabalhadores nativos americanos está em declínio, e aparecem em grandes valores quando a economia americana é próspera (e o México não o é) e movimentam-se entre empregadores e entre as regiões do país de acordo com as alterações da procura de mão-de-obra. Dependendo de como é que os vistos de trabalho temporário são concedidos e definidos, os novos trabalhadores neste regime jurídico podem não ter nenhuma destas qualidades. Sob o actual programa americano de vistos H-2 os empregadores devem solicitar vistos para os trabalhadores estrangeiros temporários legais bastante antes de estes chegarem, sendo obrigados a demonstrar que não há trabalhadores americanos disponíveis para preencher os postos de trabalho designados e também que estão a pagar os salários que aí são prevalecentes. Uma vez no país, os trabalhadores legais e em regime de trabalho temporário ficam ligados aos empregadores que os têm patrocinado, levando a que sejam incapazes de tirar proveito de novas oportunidades que possam surgir.

O adiantamento do planeamento, as limitações profissionais e os obstáculos burocráticos envolvidos na contratação de trabalhadores legais em regime de trabalho temporário reduzem o seu valor para a economia americana relativamente a trabalhadores ilegais qualificados.

51 Lowell, “H-1B Temporary Workers”. Lowell, “H-1B Temporary Workers”.

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Se a reforma de imigração tem o efeito de substituição de trabalhadores ilegais, móveis e flexíveis, por trabalhadores legais de regime temporário, inflexíveis e relativamente imóveis, é provável que venha a diminuir o excedente de imigração gerado pela mão-de-obra estrangeira para a economia americana. As práticas de emprego existentes apoiam este raciocínio. Em matéria de vistos tem havido uma forte procura de imigrantes temporários de baixas qualificações, tipo H-2 na indústria turística, cujas actividades sabem, pelos mecanismos das reservas, com antecedência quantos trabalhadores serão necessários e é possível, portanto, planear que trabalhadores são necessários. Em contrapartida, os trabalhadores com vistos H-2 têm sido muito menos procurados em sectores voláteis como a construção.

Para se ter êxito, um programa sobre a imigração temporária teria que permitir flexibilidade e rapidez na contratação. A actual contratação de imigrantes ilegais assemelha-se muito mais às práticas de emprego do mercado de trabalho temporário em rápida expansão do que ao emprego de vistos H-2. Os organismos de emprego temporário legal confrontam um grande volume de trabalhadores com um pool de empregadores sempre em mudança. Dadas as dificuldades que o Ministério das Segurança Interna tem na localização de imigrantes legais no país, haveria óbvias complicações na aplicação e desenvolvimento de um programa que permitia que os trabalhadores imigrantes de matriz temporária pudessem ser confrontados sucessivamente com as necessidades de vários empregadores. No entanto, sem um tal dinâmico processo de correspondência entre oferta e procura, um programa de imigração temporária poderia efectivamente não responder ao ritmo acelerado das mudanças nas condições de mercado de trabalho nos Estados Unidos, o que limitaria o interesse dos empregadores americanos em utilizar o sistema. Poucas propostas legislativas existentes fornecem informações específicas de como é que os novos programas de imigração temporária seriam aplicadas. É crucial para o sucesso de qualquer programa que ele integre os recursos necessários para incentivar a participação activa dos empregadores americanos52.

52 Uma outra preocupação é que se aos imigrantes legais e temporários lhes é permitido trazerem as suas famílias com eles, os novos imigrantes podem escolher permanecer no país depois dos seus vistos terem expirado, independentemente do seu estatuto jurídico. Ver Martin, “U.S. Employment-Based Admissions”. Um novo programa de trabalho temporário e legal para os migrantes poderia reflectir os efeitos da lei Hart-Cellar Act, que redefiniu as políticas de admissão nos anos 60 de modo a permitir que a reunião da família fosse a principal motivação para a entrada e que serviu de veículo para um substancial influxo de novos imigrantes.

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A questão que mais divisões provoca acerca da reforma sobre a imigração é se esta deve oferecer ou não uma oportunidade de legalização às pessoas actualmente com o estatuto de imigrantes ilegais. Um dos pontos de vista é de que não há nenhum outro meio, salvo as deportações em massa politicamente inaceitáveis, para reduzir o número de estrangeiros ilegais no país. Outro ponto de vista é que legalizar as pessoas ilegalmente entradas no país é recompensar os indivíduos que desrespeitaram as leis e é criar um incentivo para continuar no futuro a imigração ilegal. Os opositores à legalização citam o aumento na imigração ilegal, depois da amnistia provocada pela lei IRCA no final dos anos 80 como uma prova de que a concessão de estatuto legal a estrangeiros ilegais não resolve o problema.

A população imigrante ilegal — actualmente situada em cerca de 12 milhões de indivíduos — atingiu um nível em que qualquer tentativa de diminuir a sua dimensão exigirá um esforço prolongado. Mesmo ignorando a ajuda humanitária e as dificuldades práticas em encorajar os imigrantes ilegais a abandonar o país, qual seria o seu impacto económico? O envio de todos os imigrantes ilegais ao seu país de origem reduziria a força de trabalho em 5% reduziria em 10% ou mais a mão-de-obra não qualificada (trabalhadores com uma formação inferior à do ensino médio). Em 2005, os imigrantes ilegais, representavam cerca de 24% dos trabalhadores empregados na agricultura, 17% na limpeza, 14% na construção e 12 por cento no sector de preparação alimentar53. Perder esta mão-de-obra levaria provavelmente à subida dos preços para muitos tipos de bens e serviços não negociados internacionalmente, ao aumento dos salários para os residentes nacionais de baixo nível de formação, ao decréscimo dos rendimentos dos empregadores que utilizam este tipo de mão-de-obra e acréscimo dos rendimentos dos contribuintes que pagam os serviços públicos utilizados pelos imigrantes. O impacto líquido dessas mudanças seria pequeno, embora em algumas regiões e indústrias as transformações causadas pela fuga de mão-de-obra poderiam ser considerável.

Se, em vez disso, os imigrantes ilegais foram autorizados a permanecer no país e obterem de vistos de residência legal, o impacto económico vai depender dos direitos concedidos a esses indivíduos. A curto prazo,

53 Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”. Passel, “Estimates of the Size and Characteristics of the Undocumented Population”.

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o impacto económico da legalização provavelmente seria mínimo. Os imigrantes ilegais são já autorizados a enviar os seus filhos para as escolas públicas e para receber cuidados médicos de emergência. Os filhos de imigrantes ilegais desde que nascidos nos Estados Unidos são elegíveis para receber os apoios na saúde (Medicaid), almoços nas escolas e outras formas de assistência pública destinada às crianças. Mesmo como residentes legais, os imigrantes ilegais existentes seriam inelegíveis para receber grande parte da assistência pública até se terem tornado cidadãos americanos, um processo que levaria pelo menos cinco anos após a recepção do cartão verde. Segundo algumas propostas, para os imigrantes ilegais seria necessários dez anos ou mais a percorrer o caminho para alcançar a cidadania, o que implica que as consequências fiscais globais da legalização teriam de se fazer sentir durante pelo menos uma década. Para os próprios imigrantes, os estudos sobre a Amnistia IRCA sugere que a legalização conduziria a salários mais elevados e mais oportunidades de carreira profissional. Sherrie A. Kossoudji e Deborah A. Cobb-Clark comparam salários para imigrantes ilegais antes e depois de terem obtido a respectiva carta verde com a IRCA54. Entre os anos de e 1989 e 1992, os ganhos médios por hora para os imigrantes, homens, recém legalizados aumentou 6% relativamente aos ganhos para os outros homens latinos (controláveis pelas características observáveis destes trabalhadores). Com base na análise posterior, Kossoudji e Cobb-Clark sugerem que a penalização em salário devido à situação de ilegalidade se deve ao facto de os trabalhadores ilegais não poderem movimentar-se entre as diferentes profissões.

Não há respostas fáceis para os problemas de imigração nos Estados Unidos. Qualquer reforma substancial da política existente poderia levar a intensa oposição de algumas zonas. Enquanto a análise económica não pode identificar o conjunto legislativo para a reforma ideal que iria melhorar o bem-estar nacional e obter o apoio político da maioria, a análise económica ajuda a identificar os caminhos que possivelmente agravariam a situação do país. Entre as mudanças de política que seriam susceptíveis de diminuir os rendimentos dos residentes americanos está o grande aumento das despesas na fronteira ou na fiscalização interna ou na conversão de

54 Sherrie A. Kossoudji and Deborah A. Cobb-Clark, “Coming out of the Shadows: Learning about Legal Sherrie A. Kossoudji and Deborah A. Cobb-Clark, “Coming out of the Shadows: Learning about LegalStatus and Wages from the Legalized Population”, Journal of Labor Economics, Vol. 20, N.º 3 (Julho de 2002), pp. 598-628.

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trabalhadores ilegais em trabalhadores legais por tempo determinado que não podem ser contratados rapidamente ou não se podem mover facilmente entre os diversos empregos possíveis. Curiosamente, a curto prazo, as consequências económicas da legalização, o aspecto mais amargamente controverso da reforma da política sobre a imigração, parecem ser limitadas. As consequências fiscais da disponibilidade de imigrantes ilegais com uma trajectória para alcançarem a cidadania não poderão ser sentidas por mais de uma década e poderiam ser controladas pela definição dos tipos de benefícios governamentais para os quais os imigrantes legais são elegíveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contencioso em torno da imigração leva a que muitos políticos não abordem a questão. Enquanto grupos específicos de trabalhadores, de empregadores e de contribuintes podem ter muito a ganhar ou a perder se as políticas que regem a imigração ilegal forem alteradas, os efeitos económicos agregados da mudança da política sobre imigração não parecem ser grandes. Ao reverem as condições de admissão e das restrições à entrada, os membros do Congresso enfrentam a escolha nada invejável de alterarem drasticamente as condições de vida de alguns eleitores e, ao mesmo tempo, havendo apenas um efeito quase imperceptível sobre o bem-estar a nível global. Este dilema pode explicar porque é que os decisores políticos levam tanto tempo a debaterem a questão da imigração ilegal. Por mais de uma década, o influxo líquido de entradas ilegais tem sido de quase 500 mil pessoas por ano. No entanto, só no último ano ou nos dois últimos é que o Congresso se sentiu obrigado a reexaminar a questão.

Ponderando as diferentes propostas em discussão, os decisores políticos fariam bem em separar os impactos da distribuição resultantes da imigração dos seus efeitos agregados. Nenhuma das iniciativas em questão tem capacidade para aumentar substancialmente o rendimento global dos residentes nos Estados Unidos. Porque os valores agregados de ganhos e perdas são pequenos, qualquer nova política que requer um grande volume de gastos seria susceptível de reduzir o bem-estar económico dos estados Unidos. Numa corrida para proteger as fronteiras americanas alguns responsáveis políticos insistem em que são necessários grandes esforços para impedir a continuação de influxos ilegais do estrangeiro.

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Enquanto as metas de reduzir a ilegalidade e de estabelecer um maior controlo das fronteiras são louváveis, pode ser difícil justificar novos e volumosos gastos em termos de rentabilidade económica.

A imigração ilegal é um fenómeno persistente em parte porque ela tem uma forte base económica. Os trabalhadores fracamente qualificados são cada vez mais escassos nos Estados Unidos, enquanto ainda abundantes no México, na América Central e noutros países. Impedir a imigração ilegal, sem criar outros caminhos para a entrada legal, estaria em conflito com as forças de mercado que empurram para a imigração a mão-de-obra de países de baixa produtividade e de baixos salários para os países de alta produtividade, para os países de salários elevados como é o mercado de trabalho nos Estados Unidos. A aceitação dessas pressões de mercado está por detrás das propostas para uma expansão em grande escala da imigração legal temporária. Para muitos representantes eleitos, a imigração legal temporária é ainda a imigração, de tal forma que têm procurado regulamentar os trabalhadores legais de trabalho temporário de forma a isolar os mercados de trabalho dos Estados Unidos de repercussões económicas. Mas seria improvável obter grande interesse dos empregadores americanos por fluxos de entrada altamente regulamentados de trabalho temporário de estrangeiros qualificados. Se a mão-de-obra estrangeira quer entrar para os Estados Unidos e as empresas dos Estados Unidos desejam contratar estes trabalhadores, então, criar canais legais complicados através do qual serão possíveis os fluxos de mão-de-obra daria aos empregadores um incentivo para evitar os novos trabalhadores admitidos e, em vez disso, continuar a contratar trabalhadores ilegais. Se a nova legislação procurando combinar uma fronteira mais forte e maior fiscalização interna com um programa pouco atractivo de admissão legal de trabalho temporário, isto seria colocar a mudança da política contra si mesma, em que apenas alguns destes elementos seriam susceptíveis de sobreviver a longo prazo.

Quais as disposições que poderia implicar um programa bem-sucedido de admissão de trabalhadores? Para reduzir a procura de mão-de-obra imigrante ilegal, um novo programa de vistos teria que imitar actuais aspectos positivos da imigração ilegal. Os empregadores teriam de poder contratar os tipos de trabalhadores que desejarem. Uma maneira de o conseguir seria para que o Department of Homeland Security sancionasse a criação de agências temporárias globais, nas quais os empregadores dos Estados Unidos colocavam anúncios

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de empregos e de trabalhadores estrangeiros interessados em preencher estes postos de trabalho. Face ao mercado de mão-de-obra temporária legal nos Estados Unidos, os intermediários provavelmente iriam surgir para fornecer os serviços de pré-selecção dos trabalhadores e avaliar as suas características profissionais. Com a mão-de-obra ilegal, a triagem acontece informalmente. Os imigrantes clandestinos do México ajudam amigos ou parentes a obter empregos nos Estados Unidos com certificados para suas qualificações. As redes de trabalho informais ajudam a integrar os mercados de mão-de-obra nos Estados Unidos e no México. A formalização destas redes, permitindo que os empregadores e empregados nos dois países se correspondam legalmente poderia aprofundar a integração dos Estados Unidos e do México.

Combinar os trabalhadores estrangeiros e os empregadores americanos de modo eficiente exigiria flexibilidade quanto ao número de trabalhadores legalmente admitidos. Durante os períodos de expansão económica nos Estados Unidos haveria mais empregadores à procura de trabalhadores estrangeiros. Da mesma forma, durante os períodos de recessão económica no México e noutros países, haveria mais trabalhadores estrangeiros a publicitarem a sua disponibilidade para assumir postos de trabalho no estrangeiro. Mantendo o número de vistos fixo ao longo do tempo, como é o caso agora, significa que, durante o boom, os empresários americanos têm um incentivo ainda mais forte para procurar a mão-de-obra ilegal. Uma maneira de tornar o número de vistos concedidos sensível aos sinais do mercado seria licitar o direito de contratar um trabalhador admitido legalmente, pelos possíveis empregadores. O Congresso poderá determinar o número apropriado de vistos a emitir em termos de condições macroeconómicas normais. O preço de leilão que equilibra o mercado poderia reflectir a oferta e a procura de trabalhadores estrangeiros legalmente admitidos. As subidas em termos do preço do leilão poderiam sinalizar a necessidade de expandir o número de vistos disponíveis, enquanto a diminuição do preço em leilão indicaria que o número de vistos de admissão pode ser reduzido. Ao estabelecer um intervalo no qual o preço de adjudicação de um direito de vistos de entrada nos estados Unidos iria flutuar, o Congresso poderia assegurar que os fluxos de trabalhadores legais admitidos para a economia americana poderiam ajudar a evitar a procura de mão-de-obra ilegal.

Talvez a mais importante determinação legal de um qualquer novo programa de vistos seria permitir que os trabalhadores admitidos se pudessem deslocar

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de emprego para emprego nos Estados Unidos. Actualmente, os titulares de vistos H-1 e H-2 estão vinculados ao empregador que os patrocina. Sem qualquer mobilidade entre os empregadores, aos trabalhadores assim admitidos perdem também a atractividade dos trabalhadores ilegais. Por outro lado, estes também estariam expostos aos abusos por patrões sem escrúpulos. Uma forma para facilitar a mobilidade dos trabalhadores assim legalmente admitidos seria permitir que os actuais detentores de vistos se pudessem deslocar para trabalhos com outras características, apoiados conjuntamente com as prospectivas externas dos mercados americanos55. Os empregadores americanos poderiam então contratar ou os actuais trabalhadores legalmente admitidos existentes ou novos trabalhadores legalmente autorizados a estar no país, dependendo do que melhor correspondesse às suas necessidades. Desta forma, os trabalhadores legalmente admitidos poderiam deslocara-se entre as indústrias e regiões do país, como resposta a alterações das condições económicas, tal como os trabalhadores ilegais o fazem agora. O que poderia ser diferente entre o emprego ilegal e o emprego temporário legal é que este último beneficiaria da protecção das leis e regulamentos do mercado de trabalho americano.

Nenhuma das disposições discutida seria fácil de implementar, quer administrativa quer politicamente. No entanto, a ausência de uma reformulação audaz dos programas de trabalho temporário, torna os imigrantes legais temporários incapazes de competir com a mão-de-obra ilegal.

Na Immigration Reform and Control Act de 1986 (IRCA) o Congresso votou para se aumentarem os controles sem criar um mecanismo para o contínuo fluxo legal de mão-de-obra pouco qualificada. Sob pressão constante das actividades económicas, as autoridades de imigração, em última análise, as autoridades sobre a imigração esticaram a corda ou redireccionaram IRCA dando-lhe maiores condições de controlo. O resultado final foi que a mão-de-obra ilegal continuou a encontrar uma forma de entrar no país. Como o Congresso se debate novamente com a reforma de imigração, seria de esperar que desse mais atenção aos fracassos do IRCA estabelecendo uma estrutura que permita a participação dinâmica dos trabalhadores imigrantes

55 Empregando um trabalhador legalmente admitido e já no país poderá exigir ao novo empregador compensar o empregador anterior deste trabalhador, pagando o preço amortizado do visto correctamente comprado quando o trabalhador foi inicialmente contratado.

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legais, na economia americana. Caso contrário, os Estados Unidos irão provável encontrar-se eles próprios com populações ilegais ainda maiores num futuro já muito próximo.

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Gordon H. Hanson é professor na universidade da Califórnia, San Diego, e investigador no National Bureau

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4. MIGRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO: AS LIÇÕES DA EXPERIÊNCIA MEXICANARAÚL DELGADO, LUIS EDUARDO

A relação entre a migração internacional e o desenvolvimento tem chamado a atenção dos governos e das organizações internacionais, tais como Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. De acordo com alguns destas organizações, as remessas dos emigrantes são um recurso fundamental para o desenvolvimento dos países de saída dos migrantes.

O México tem sido citado muitas vezes como um exemplo bem sucedido desta relação positiva. No entanto, este ponto de vista — presente em muitos discursos públicos e em muitas recomendações de política sobre o tema — reflecte uma noção muito particular do desenvolvimento e não estabelece as raízes das causas subjacentes ao extraordinário dinamismo que caracteriza a migração de mão-de-obra entre os Estados Unidos e o México de hoje.

Os efeitos das migrações sobre o desenvolvimento dependem de amplos factores estruturais em que os dois fenómenos se integram. O caso mexicano é um exemplo clássico porque ilustra como é que o processo de integração regional México-EUA, na forma do Acordo de Comércio Livre Norte-Americano (NAFTA), ampliou as assimetrias entre os dois países, aumentando a migração para os Estados Unidos e o aprofundamento da dependência do México das remessas dos seus migrantes. Esta situação é insustentável. Para alterá-la, seriam necessárias mudanças radicais nas políticas públicas relativas à migração e ao desenvolvimento.

A RELAÇÃO ENTRE AS MIGRAÇÕES E O DESENVOLVIMENTO

A maioria dos estudos que analisam a relação existente entre as migrações e o desenvolvimento sublinham o primeiro elemento, uma vez que tendem

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a considerar a migração como uma variável independente e o potencial de desenvolvimento dos países que enviam os migrantes como dependente, em parte dependente dos recursos e das iniciativas dos migrantes. No entanto, predominam duas interpretações contrastantes deste esquema de análise:

O círculo vicioso: de acordo com este ponto de vista, as migrações e o desenvolvimento são processos antitéticos, especialmente com referência à migração dos países em vias de desenvolvimento do Sul para os países industrializados do Norte. Nesta perspectiva, as migrações são vistas como um promotor possível de desenvolvimento das zonas de envio de migrantes. No sentido contrário, está associado a vários efeitos adversos, tais como a inflação, a fragmentação do sistema produtivo, o abandono das actividades económicas e o despovoamento, e todos estes factores, por seu lado, encorajarem ainda mais as migrações.

O círculo virtuoso: no caso dos processos migratórios maduros, caracterizados pela presença de redes sociais consolidadas e organizações de migrantes aqueles que trabalham no estrangeiro são vistos como agentes potenciais para o desenvolvimento local, para o desenvolvimento regional e mesmo para o desenvolvimento nacional. Esta concepção inclui uma ampla e por vezes contrastante gama de perspectivas analíticas que sublinham os aspectos positivos do papel das remessas e/ou organizações de migrantes. Um ponto de vista, que tem exercido forte influência política, vê esta ligação como a promoção de uma orientação neoliberal de mercado “com uma face humana”.

Uma segunda abordagem, chamada de “transnacionalismo ascendente”, vê os migrantes interessados em apoiar os seus locais de origem como agentes potenciais de desenvolvimento local e regional. A relação entre as migrações e o desenvolvimento parece bastante diferente se a ênfase for colocada no lado do desenvolvimento da equação. Tal movimento analítico inverte a lógica de estudo. A principal questão não é mais “como é que a migração afecta o país que está na origem do desenvolvimento”, mas sim,”que condições a nível local, nacional e internacional geram e mantêm as migrações e a que custos e em benefício de quem?”

Esta mudança de perspectiva também pode produzir diferentes recomendações de política ao mostrar os factores estruturais subjacentes

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que sustentam e exacerbam as migrações internacionais, como mostrou recentemente o economista Humberto Marquez.

A EXPORTAÇÃO DE TRABALHO BARATO: O MODELO DO MÉXICO

A maneira através da qual o México foi integrado na órbita económica do sistema dos EUA, mais particularmente no âmbito do NAFTA, é fundamental para o modelo de desenvolvimento que o México segue actualmente.

O que domina no México — ao contrário de uma situação de sucesso na indústria transformadora para exportação — é a exportação de mão-de-obra barata, em grande medida com baixo nível de formação técnica. Este modelo, que por sua vez tem desempenhado um papel importante na reestruturação da economia dos Estados Unidos opera através das ligações e da combinação de três mecanismos seguintes:

1. As fábricas de montagem do sector indústria de maquiladora (fábricas sob controlo estrangeiro em que componentes importadas são utilizadas em produtos destinados à exportação), que estão ligadas a processos de produção internacionalizados de empresas transnacionais americanas mas têm muito baixo níveis de integração com a economia mexicana.

2. O disfarçado sector apenas aparentado com o sector maquiladora, incluindo instalações fabris com processos de produção relativamente mais complexos que o das fábricas do sector maquiladoras (por exemplo, automóvel e produtos electrónicos), opera segundo o mesmo sistema.

3. O escalonamento da migração de mão-de-obra de mexicanos é dirigido a partir do estrangeiro. Este é o resultado da natureza bastante rígida e cada vez mais precária do mercado de trabalho mexicano. O México dispõe de uma reserva de mão-de-obra e uma oferta barata de trabalhadores de baixos salários e altamente vulneráveis para a economia americana. É bom lembrar que maquiladoras e o sector aparentado, sector tecnicamente mais evoluído mas equivalente do ponto de vista das condições de trabalho, partilham duas características importantes:

• são praticamente desprovidos de ligações na estrutura de produção, tanto a montante como a jusante, que os vincularia ao resto da economia nacional;

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• estão sujeitos a uma intensa concorrência global que torna os postos de trabalho que oferecem cada vez mais marginais e precários.

De acordo com o Instituto do México de Estatísticas e Informações Geográficas (INEGI), em 2004, havia 2 810 maquiladoras a empregar 1 115 000 trabalhadores. Em 1994, o ano entrada em vigor do NAFTA, havia 583 000 pessoas a trabalhar nas 2085 maquiladoras do país.

Devido a altos níveis de componentes importados em ambas os sectores, que vão até 80 por cento do seu valor de exportação, os ganhos para a economia mexicana restringiam-se basicamente aos salários. O efeito actual é, então, a exportação de mão-de-obra, até mesmo o local físico dos postos de trabalho nacional é alugado, uma espécie de exportação disfarçada de mão-de-obra mexicana (disembodied export).

Nestas condições, se esta aparentada exportação de mão-de-obra for adicionada à exportação directa da mão-de-obra através de migração de mão-de-obra, o modelo económico mexicano é então evidentemente um modelo orientado para a exportação de mão-de-obra barata (exported led model).

O CARÁCTER ASSIMÉTRICO DA INTEGRAÇÃO ECONÓMICA ENTRE O MÉXICO E OS ESTADOS UNIDOS

Como salientou a economista do trabalho Sandra Polaski, para a economia mexicana, o modelo orientado para a exportação de mão-de-obra barata levou à fragmentação do sector industrial, a uma economia estagnada, a um mercado de mão-de-obra formal em contracção e cada vez mais inseguro, a um sector informal em crescendo e ao aprofundamento da pobreza, da marginalização social e da desigualdade.

Esse ambiente provocou um aumento sem precedentes na migração de mão-de-obra para os Estados Unidos durante as últimas duas décadas. De acordo Conselho Nacional de População (CONAPO), em cada ano deslocam-se cerca de 575 000 mexicanos para o Norte, para os Estados Unidos.

Entretanto, a população de origem mexicana nos Estados Unidos atingiu 28 milhões em 2005, dos quais 11 milhões nasceram no México, de acordo com o Census Bureau American Comunity Survey. Em 2006, de acordo com o

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último relatório do Banco Central do México, as remessas enviadas para o país ultrapassaram 21 mil milhões de dólares.

O crescimento histórico da imigração mexicana tem gerado uma gigantesca reserva de mão-de-obra para a economia americana, cujos custos iniciais de formação e socialização são pagos pela sociedade mexicana. Este enorme volume de mão-de-obra, da qual uma parte significativa é ilegal, é também um factor essencial para a reestruturação economia dos Estados Unidos.

Em termos gerais, os imigrantes mexicanos participam em dois segmentos do mercado de emprego dos Estados Unidos:

• Um vasto sector de postos de trabalho cada vez mais inseguros tendo como pano de fundo social uma ampla exclusão que é um precursor da reestruturação económica (por exemplo, na agricultura e na construção).

• Numa dimensão considerável, o segmento do mercado de trabalho altamente inseguro está associado à reestruturação e aos processos de reprodução em áreas tais como mão-de-obra no trabalho doméstico, nas indústrias de alta tecnologia, na produção de bens de consumo e de indústrias já com dada maturidade submetidas à concorrência global e à reconfiguração daí resultante.

Enquanto a reestruturação industrial afectou negativamente os trabalhadores nos EUA, os trabalhadores mexicanos sofreram indiscutivelmente as suas agudas consequências. Evidentemente, a integração económica no âmbito do NAFTA, em vez de promover a convergência dos níveis de desenvolvimento entre o México e os Estados Unidos, como foi sugerido por vários analistas e decisores políticos, acentuou as assimetrias entre os dois países.

Dados do INEGI e do US Census Bureau mostram que enquanto, em 1994, o PIB per capita nos Estados Unidos foi 2,6 vezes superior ao do México, em 2004 esta mesma relação tinha aumentado para 2,9. Da mesma forma, os salários na indústria transformadora aumentaram mais, em média e em dólares por homem-hora nos Estados Unidos. Assim, neste país passaram de 5,7 vezes mais do que os do México, em 1994, para 6,8 vezes mais, em 2004.

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O ADVENTO DO DESENVOLVIMENTO BASEADO NAS REMESSAS DOS EMIGRANTES

A fragilidade da economia mexicana é resultado da sua dependência estrutural da economia americana e, a um nível mais profundo, da vulnerabilidade inerente assente numa vantagem comparativa estática e de curto prazo — a exportação de mão-de-obra barata.

Além disso, uma vez que agora os dois sectores, o sector maquiladoras e o aparentado à maquilas, concorrem entre si na disputa destas remessas e como são os elementos centrais do crescimento económico, o modelo orientado para a exportação de mão-de-obra barata é cada vez mais metamorfoseado no modelo de desenvolvimento baseado nas remessas dos emigrantes. É assim gerado um grau crítico de dependência sobre as remessas para a estabilidade socioeconómica do país.

Para a macro economia mexicana, as remessas, o segundo item em valor, apenas atrás do das receitas do petróleo, constituem a fonte de crescimento mais rápido de divisas e um suporte principal para o saldo da balança comercial. Entretanto, as exportações de maquila têm estagnado desde o ano 2000. Além disso, como indicam os dados CONAPO e INEGI, as remessas permanecem como uma fonte de subsistência familiar para 1,6 milhões de lares, retardando o crescimento da pobreza e da marginalização social.

A ABORDAGEM DO MÉXICO À POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO

Apesar da enorme importância da migração para um segmento significativo de sua população, o México não tem uma migração abrangente sustentável, nem uma política de desenvolvimento. Em vez disso, existem três principais programas que se destinam a tratar com as causas profundas da migração (pobreza e desemprego) no México: Contigo, o programa principal contra a pobreza; NAFTA; e a Parceria para a Prosperidade, uma série de programas bilaterais com os Estados Unidos. Alguns analistas acreditam nesses programas ao mesmo tempo que atenuam a pobreza extrema, também institucionalizam a integração assimétrica do México com a economia americana.

As políticas de migração do México, enquanto abundantes e variadas,

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resultaram num conjunto de programas sem ligação destinado a abordar alguns efeitos parciais das migrações. Tem sido um dos objectivos fundamentais do Governo tem sido procurar assegurar que essa migração passivamente mantenha a estabilidade macroeconómica e social. Os actuais programas podem ser classificados em cinco categorias:

1. Direitos Humanos. Trata-se de medidas destinadas a proteger a passagem clandestina dos migrantes na fronteira, promovendo o regresso seguro ao México e fornecendo serviços consulares eficientes. Estes incluem iniciativas como os grupos Beta, o programa de Paisano, o registo consular dos documentos e a expansão da rede de consulados. Não houve iniciativas de mesmo nível para que fossem introduzidas medidas para defender os direitos humanos dos migrantes e trabalhadores nos Estados Unidos.

2. Ligações Transnacionais. Promover o desenvolvimento de iniciativas destinadas a identificação e apoio de comunidades mexicanas fora México. Isto levou à criação do Instituto de Mexicanos no Estrangeiro, cujos esforços parcialmente cobrem as áreas de criar e reforçar laços para com o México e de promover a educação e diversos programas de saúde no estrangeiro para mexicanos.

3. Direitos Políticos. A promoção dos direitos dos cidadãos a um nível binacional baseia-se numa reforma constitucional de1998, que permite aos mexicanos que assumam a cidadania americana manter a sua nacionalidade mexicana, e numa Lei Federal mexicana de 2005, que concede direitos políticos limitados a mexicanos que vivam no estrangeiro.

4. Desenvolvimento Social através de remessas colectivas. As iniciativas de bases transnacionais têm sido institucionalizadas através de políticas, como o programa de 3 x 1, no qual os municípios, os Estados e os Governos Federais correspondam com contribuições colectivas para os projectos de benefício social. Além disso, este programa promove a organização binacional. Através desses programas, o Estado coopta o apoio financeiro dos emigrantes para as suas comunidades. As contribuições dos migrantes representam uma espécie de subsídio para as obras públicas, que não é exigida a outros sectores da sociedade civil mexicana de maiores rendimentos.

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5. As remessas família. Uma abordagem de mercado procura maximizar os fluxos e o controle das remessas e reduzir os custos das transferências. O objectivo era aumentar a concorrência, facilitando então o acesso do sistema bancário ao mercado das remessas de emigrantes e promovendo a integração de migrantes no mercado financeiro formal.

PARA UM MODELO ALTERNATIVO DE MIGRAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

A oferta mexicana de mão-de-obra barata não irá durar sempre. Na verdade, começa a assistir-se a uma tendência no crescimento do despovoamento no México. Actualmente, 34% dos municípios mexicanos mostram taxas de crescimento negativo e um declínio acentuado na produção agrícola de acordo com INEGI — para não falar da dependência crescente nas remessas. Além disso, a pobreza e a marginalização social estão a aumentar no seio das áreas de envio significativo de migrantes, especialmente em Estados como Zacatecas e Oaxaca.

O debate político sobre a imigração mexicana nos Estados Unidos não pode ignorar a presença e a importância crescente dos migrantes na vida social, económica, política e cultural naquele país. O mesmo se pode dizer do lado mexicano.

Uma condição essencial para redireccionar o presente debate sobre as migrações e para integrar também as questões de desenvolvimento é o pleno reconhecimento de ambas as contribuições feitas pelos migrantes mexicanos para a economia e para a sociedade americana, enquanto terá criado condições adversas para o desenvolvimento do México como resultado da assimetria do processo de integração económica.

Os responsáveis políticos de ambos os lados da fronteira podem sentir-se obrigados a considerar os seguintes factores na reorientação sua abordagem.

• A cooperação para o desenvolvimento. No contexto da integração económica regional, uma forma de cooperação bilateral é necessária para determinar quais as raízes e as causas profundas da migração — principalmente no que se refere ao crescimento das assimetrias socioeconómicas — e que substitui as preocupações ligadas à segurança como passando a ser o foco central da agenda política dos dois países.

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• Completo respeito pelo trabalho e pelos direitos dos trabalhadores. Atendendo à insegurança e à exclusão social prevalecente na arena binacional, são necessários novos instrumentos jurídicos e políticos para proteger as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores.

• Integração da diáspora mexicana no processo de desenvolvimento do país. Considerando que o México tem uma população considerável a viver nos Estados Unidos e que mantém a sua identidade mexicana, assim como mantém fortes laços para com o México, a participação deste importante segmento da cidadania mexicana é fundamental para um modelo de desenvolvimento alternativo para o México.

O modelo orientado para a exportação de mão-de-obra barata impôs insustentáveis custos económicos, sociais e políticos à sociedade mexicana. Determinar as assimetrias estruturais com os Estados Unidos poderiam impedir um maior aprofundamento das raízes e das causas que provocam as migrações e dos seus efeitos nefastos sobre os dois países.

FONTES

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CONAPO. 2006. “El CONAPO, el INEGI y el COLMEX concilian cifras sobre ladinámica demográfica del país

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Cornelius, W.A. and P.L. Martin. 1993. “The Uncertain Connection: Free Trade and Mexico Migration”.

International Migration Review. 27(3): 484-512.

Delgado-Wise, R. and Cypher, J. 2005. “The Strategic Role of Labor in Mexico’s Subordinated Integration

into the U. S. Production System Under NAFTA”.Documento de trabajo 12/11/2005, Doctorado en Estudios

del Desarrollo-UAZ. Disponível online.

Delgado-Wise, R. and Márquez, H. 2006. “The Mexico-Unites States Migratory System: Dilemmas

of Regional Integration, Development, and Emigration”, Proceedings. Conference: Migration and

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Desarrollo. Universidad Autónoma de Zacatecas.

Polaski, Sandra. 2004. “Mexican Employment, Productivity and Income a Decade after NAFTA.” Carnegie

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Traduzido de Raúl Delgado e Luis Eduardo, Migration and Development: Lessons from the Mexican

Experience, Fevereiro de 2007. Disponível em http://www.migrationinformation.org:80/Feature/display.

cfm?id=581.

Raúl Delgado Wise é professor na Universidad Autónoma de Zacatecas e Luis Eduardo Guarnizo na Universidade

da Califórnia Davis.

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5. A VEDAÇÃO QUE NÃO LEVA A LADO NENHUMALEJANDRO PORTES

Com o aprofundar da crise iraquiana e sem fim à vista, uma Administração desacreditada [a Administração Bush — o texto é de Abril de 2008] procurou contrabalançar com alguma forma de vitória da sua legislatura noutros domínios. A imigração afigurou-se uma boa hipótese, considerando que a conjugação dos interesses económicos da direita, interessada em abundantes recursos de mão-de-obra migrante, e os de uma esquerda moderada, sensível aos direitos humanos e interessada em acabar com a exploração dos imigrantes nos locais de trabalho, poderia possibilitar ultrapassar a intransigente oposição da direita de linha dura e dos extremistas liberais. Nesse sentido, a Administração Bush colou-se a um grupo de democratas liberais no Senado para elaborar um projecto de lei que abriria o caminho para a legalização de entre 10 a 12 milhões de imigrantes ilegais que viviam já no país, bem como para conter o fluxo migratório, através de barreiras adicionais no controlo fronteiriço e para a criação de um programa planeado de entrada de mão-de-obra temporária. No Verão passado, a proposta de Bush chumbou no Senado por razões que poderiam ter sido facilmente previstas e evitadas.

Até ao ano passado, as tentativas legislativas para abordar o problema da imigração, “as nossas fronteiras violadas”, como diariamente diz Lou Dobbs, foram dominadas pela agenda da direita radical. Tal como foi caracterizado pelo professor de Harvard, Samuel Huntington, e popularizado por Dobbs e outros observadores dos media, essa postura tem quatro componentes:

1. Os imigrantes ilegais “invadem” os Estados Unidos contra a vontade do país.

2. Eles tiram os empregos aos americanos e fazem baixar os salários.

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3. Eles transmitem traços culturais e linguísticas indesejáveis que põem em perigo a cultura americana, assim como a hegemonia do inglês.

4. A melhor maneira de lidar com a imigração ilegal é suprimi-la pela militarização da fronteira e, se necessário, pela construção de uma vedação ao longo dela.

Cada uma destas ideias é comprovadamente falsa. As múltiplas evidências nesta matéria podem ser resumidas da seguinte maneira:

a) Os trabalhadores migrantes ilegais vêm para os Estados Unidos, não só porque querem, mas também porque são desejados, se não por toda a gente, pelo menos por um grande número de empregadores e de empresas de mão-de-obra intensiva. Esta procura — na agricultura, na construção, nas fábricas de baixa tecnologia e nos serviços — não só é grande como é crescente, induzida por duas forças, a do declínio da fertilidade nos Estados Unidos e a da qualificação cada vez mais elevada da força de trabalho americana. O declínio da fertilidade reduz o número de trabalhadores que entram no mercado de trabalho e, por seu turno, uma formação mais elevada atrasa a sua entrada no mercado de trabalho e induz a uma maior relutância em aceitar empregos braçais mal remunerados. Relatórios recentes do Congressional Budget Office e da Manpower Comission consideraram que este estrangulamento da mão-de-obra é um dos principais desafios com que se confrontará a economia americana no futuro.

b) Os empregos braçais que os trabalhadores migrantes ilegais agarram não são geralmente de salário mínimo, porque são trabalhos tão árduos que os empregadores são obrigados a pagar melhor para conseguirem arranjar trabalhadores. Mesmo assim, poucos americanos se conseguem encontrar nos trabalhos de colheita de frutas, a cavar valas, a lavar pratos ou a fazer um sem número de outras tarefas humildes. Quando não conseguem arranjar trabalhadores imigrantes para fazerem estes trabalhos, os empregadores passam a fazer apelos em anúncios. Como ilustração, veja-se o caso da Carolina do Norte, em que, no ano passado, os agricultores puseram anúncios para postos de trabalho nas colheitas, oferecendo 10 dólares por hora, com seguro de saúde e outros benefícios. Para estas colheitas eram necessários 150 mil trabalhadores. Houve 300 candidatos americanos,

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dos quais 100 se apresentaram ao trabalho no primeiro dia. Nenhum deles chegou ao fim da colheita. A história repete-se rotineiramente nas chamadas colheitas sazonais e nos estaleiros de construção em todo o país. A ideia de que os trabalhadores manuais migrantes “roubam os postos de trabalho aos americanos” é, em grande medida, um mito. É verdade que a presença de trabalhadores imigrantes abranda o crescimento dos salários nos sectores em que mais se concentram. Em sectores como a construção e os serviços de hotelaria, os trabalhadores migrantes têm sido preferidos relativamente aos nacionais por aceitarem realizar estes trabalhos por um salário menor, ou pelo menos, sem aumentos salariais. Se muitas empresas de trabalho intensivo elevassem os salários a um nível suficiente para atrair trabalhadores internos americanos — digamos, por exemplo, 25 dólares à hora nas colheitas — teriam consequentemente de aumentar os preços para além do que seria aceitável pelos consumidores ou teriam de sair do mercado. A existência de uma grande multiplicidade destas empresas — explorações agrícolas, ranchos, empresas de construção, restaurantes, empresas de jardinagem e de arranjos paisagísticos, fábricas de confecção e muitas outras — gera, por sua vez, efeitos multiplicadores de novas actividades, na forma de empregos de escritório, de gestão, de serviços públicos, mais bem pagos, que são atractivos para os trabalhadores nacionais. A mão-de-obra migrante acaba, assim, por criar oportunidades de emprego para os trabalhadores nacionais em múltiplos de postos de trabalho, quer de escritório, de supervisão ou em serviços públicos.

Ainda que os defensores de restrições à imigração gostem de pôr em foco os nacionais americanos cujos empregos foram alegadamente roubados por imigrantes, este infundado argumento não resiste à mínima prova. Estudos feitos por economistas e também por sociólogos demonstram de forma consistente não haver um significativo efeito directo da mão-de-obra imigrante sobre as taxas de emprego e os níveis de rendimento dos trabalhadores nacionais, incluindo o grupo dos Afro-americanos. Em vez disso, os estudos realizados, quer por Bean e Stevens, quer por Rosenfeld e Tienda, entre outros, apontam para uma segmentação padronizada do mercado de trabalho, em cujo segmento inferior, o de trabalhos braçais e das indústrias de baixos salários, se concentra uma imensidão de imigrantes ilegais, enquanto nos empregos mais bem pagos, designadamente as ocupações de escritório e de administração, predominam os trabalhadores

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nacionais. O efeito indutor da imigração no crescimento das oportunidades de trabalho dos trabalhadores nacionais é inteiramente escamoteado pelos nativists (defensores da prevalência dos interesses dos nacionais sobre os dos imigrantes).

Em comparação com outros países desenvolvidos com semelhante escassez de mão-de-obra nacional, para onde flui mão-de-obra estrangeira de baixos salários, como a França, Alemanha e Grã-Bretanha, os Estados Unidos estão, em boa verdade, numa situação afortunada. O México é não apenas geograficamente contíguo, mas é também uma nação Ocidental com numerosos laços culturais com o seu vizinho do Norte. O México é um país católico; o espanhol é uma língua mundial com múltiplas afinidades com o inglês e não há qualquer objecção da parte dos mexicanos em aprendê-lo. Os imigrantes com mais baixos níveis de formação podem ter dificuldade em aprender inglês, mas não há dúvida que o tentam. Entre os seus descendentes, contudo, a fluência em inglês é praticamente universal. O que passa em boa verdade a “perigar” nas segundas gerações é a sua capacidade de falar espanhol com alguma fluência. Estudos sobre a segunda geração de hispânicos mostra que, enquanto mais de 98% são fluentes em inglês, apenas um terço (35%) mantém a fluência em Espanhol.

O conhecimento do espanhol é um recurso valioso no mundo moderno que muitos americanos com formação educacional procuram esforçadamente adquirir. Os filhos de casais mexicano-americanos nascem com essa capacidade, e todavia a maioria perde-a devido às pressões de conformidade com uma cultura de língua única. Ao contrário do que defende o professor Huntington, não há nenhum “desafio hispânico”, a não ser o de lhe atribuírem esse estatuto e as mínimas oportunidades para progredirem. Os imigrantes mexicanos matriculam-se em larga escala nas aulas de inglês na Califórnia e no Texas, havendo em muitas escolas longas listas de espera. Esses imigrantes nunca se mobilizaram politicamente, excepto como reacção à ameaça imediata de criminalização e de deportação, tal como aconteceu em 2006, na sequência da aprovação na Câmara de Representantes do projecto de lei 4437, o brutal projecto de restrição da imigração de Sensenbrenner.

Depois de mais de três décadas a lidar com a imigração ilegal como uma

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questão de polícia e a gastar milhares de milhões de dólares na militarização da fronteira sul, os Unidos Estados têm muito pouco para mostrar como resultados. Sob a pressão da direita de linha dura, o corpo da “Border Patrol” aumentou de tal forma que se tornou o maior braço armado do Governo Federal, com excepção das próprias forças armadas. Ainda assim, o fluxo de entrada de ilegais continua e tem até crescido, ano após ano. Já em 1996, o economista Thomas Espenshade calculava a probabilidade de captura durante qualquer tentativa de atravessar a fronteira em 33 por cento. Uma vez que os imigrantes capturados e recambiados para o México voltavam a tentar e a tentar, era quase certo conseguirem-no à terceira tentativa. De acordo com Douglas Massey, a probabilidade de captura, baixou na verdade para menos de 15% por volta de 2004, e a razão foi que, no dealbar da militarização da fronteira, a travessia ilegal da fronteira tornou-se profissionalizada. Enquanto é caro contratar um coyote (“passador”) (o preço atinge cerca de 3 000 dólares), uma organização de rede profissional reduz consideravelmente as hipóteses de captura, em comparação com as travessias da fronteira do passado, sem ajuda.

Porque é que o fluxo continua apesar de todos esses esforços da polícia? Porque este resulta da conjunção natural entre a necessidade dos mexicanos pobres encontrarem empregos mais bem pagos para melhorarem a sua situação económica e as necessidades das empresas de trabalho intensivo dos Estados Unidos arranjarem trabalhadores motivados. A conjunção é tão forte que permite desafiar qualquer tentativa de repressão. A construir-se um muro, serão escavados túneis por baixo dele e novos pontos de passagem serão arranjados, desafiando o deserto e, se necessário, a morte.

A militarização da fronteira não deixou, contudo, de ter as suas consequências, as quais foram geralmente o oposto do que se pretendia: uma vez que passar para os Estados Unidos se tornou tão caro, os imigrantes que atravessam a fronteira raramente regressam à origem. Em vez disso, mandam vir também as famílias logo que possível. Assim, o reforço do policiamento das fronteiras, que não tem conseguido estancar o fluxo de entradas ilegais, tem como êxito manter estes migrantes acantonados do lado americano da fronteira. Esta política tem contribuído para a criação de uma numerosa e crescente população estrangeira ilegal nos Estados Unidos, exactamente o contrário do que os defensores dessa política pretendiam em

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primeiro lugar. Não é por acaso que o estatuto de ilegalidade desta população acarreta directamente a sua vulnerabilidade no mercado de trabalho e, daí, às práticas de exploração regularmente denunciadas na imprensa. Estas práticas não aconteceriam se os trabalhadores imigrantes usufruíssem de condições legais para lutar contra elas.

O fim do antigo paradigma cíclico em que os trabalhadores mexicanos atravessavam a fronteira nos períodos de trabalho sazonal e retornavam depois à origem implica também que agora os filhos destes trabalhadores passam a crescer nos Estados Unidos. As crianças criadas na pobreza e como estrangeiros ilegais sentem grandes dificuldades na escola e há um número significativo que a abandona, perdendo assim as suas oportunidades de subir na escala social. A discriminação generalizada, as más escolas e a falta de assistência externa formam os alicerces da reprodução da pobreza de geração em geração e para que, pelo menos algumas dessas crianças abandonem o trabalho manual para enveredarem pela actividade dos gangs e das drogas. O processo tem sido rotulado na literatura académica como “a assimilação descendente”. Assim, a política de restrição intransigente da imigração não só veio criar o que pretendia evitar, mas está também a formar as condições para a perpetuação do pesadelo urbano de criminalidade, violência e gangs nas cidades da América.

Esta situação catastrófica poderia ter sido evitada pela razão e pela adopção na esfera política de três coisas simples:

1. A América precisa e vai continuar a precisar de grande quantidade de mão-de-obra imigrante e o México é a fonte natural para satisfazer essa necessidade.

2. A manutenção do carácter cíclico dos fluxos migratórios é vital para a utilização racional desta mão-de-obra no interesse de ambos países.

3. Qualquer intervenção governamental para ter êxito deve procurar gerir este portentoso fluxo, em vez de tentar eliminá-lo.

O Estado mexicano tem assediado continuamente os Estados Unidos para tentar melhorar a situação dos seus emigrantes e facilitar o seu retorno.

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Deveria ser trabalhado um acordo entre os dois governos em que, em troca da legalização temporária de trabalhadores mexicanos, o Governo mexicano crie incentivos para o seu retorno. Um fluxo cíclico de mão-de-obra é do interesse, quer do México, quer dos Estados Unidos, por três razões:

• Evita o despovoamento de cidades e de regiões inteiras, consequência inevitável da emigração permanente das famílias.

• Garante a continuação do fluxo de remessas de emigrantes, o que tende a desaparecer quando os emigrantes levam suas famílias para o outro lado da fronteira.

• Permite captar as poupanças dos emigrantes regressados, que podem ser investidas produtivamente na agricultura e nas pequenas empresas urbanas, nas comunidades que antes viam sair mais do que recebiam.

Uma falácia comum nos círculos políticos de Washington é que, uma vez neste lado da fronteira, os imigrantes nunca mais se vão embora. Este pressuposto é negado pelo padrão de imigração cíclica que existia antes da militarização da fronteira e que continua a existir entre os imigrantes legais de hoje.

A razão é simples: os adultos, homens e mulheres, que crescem no seio de uma língua e cultura diferente, geralmente preferem-no e a ele retornam, se e quando as condições económicas o permitirem. Enquanto uma minoria se estabelecesse permanentemente nos Estados Unidos, a maioria preferiria continuar a ter a sua casa no México, se lhe fosse permitido fazê-lo. Reconstruir esse padrão da imigração cíclica exige três condições:

1. Dar aos imigrantes o direito legal de passagem na fronteira quando regressassem das visitas às famílias e às suas comunidades de origem.

2. Criar condições mínimas de saúde e de educação para as famílias e para os filhos que deixaram para trás.

3. Gerar oportunidades para a aplicação das poupanças dos emigrantes em investimentos produtivos.

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O princípio do esquema é que, para que os migrantes regressem, deve haver algo para que o façam. Comunidades viáveis onde as famílias possam viver em paz e os seus filhos serem adequadamente educados é uma primeira condição para que isso aconteça. Haver oportunidades de investimento para as poupanças dos emigrantes regressados é uma segunda condição.

A proposta de reforma da lei da imigração, que soçobrou em Junho passado no Senado americano era um passo na direcção certa, mas tinha quatro defeitos fatais:

1. Para agradar à direita de linha dura, foi sobrecarregada com tantos meios adicionais de repressão e de tantos condicionalismos para acesso à legalização, que a tornavam muito cara, burocraticamente pesada e provavelmente impraticável. As medidas repressivas — mais agentes de patrulha da fronteira, mais vedações, mais vigilância electrónica — serão dispendiosas e produzirão o mesmo resultado que políticas semelhantes no passado: não pararão o fluxo, mas gerarão o acantonamento dos imigrantes neste lado da fronteira. Tornar o processo de legalização mais intrincado e sobrecarregado com medidas punitivas lançá-los-á directamente nas mãos de contrabandistas e empregadores sem escrúpulos, uma vez que irá desencorajar os imigrantes ilegais a exporem-se.

2. A proposta da Administração Bush pretendeu refazer todo o sistema legal de imigração sem ter em conta que a imigração ilegal é um fenómeno distinto, com uma dinâmica completamente diferente das outras formas de migração. Para solucionar a situação actual exige-se um enfoque centrado; e não a dispersão por múltiplas vias e complexidades da imigração actual.

Pior do que tudo foi a proposta de introdução de um “ponto de sistema” para a futura imigração legal. Este sistema é criticável de muitas maneiras e enfrentou firme resistência de vários senadores democratas. Esta proposta era desnecessária: o que está em causa é a imigração ilegal. O sistema de imigração legal funciona relativamente bem e as suas poucas falhas poderiam ter sido trabalhadas separadamente mais tarde.

3. A proposta da Administração Bush tratou a questão da imigração ilegal de um modo universalista, sem ter em atenção o facto de que se trata,

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proeminentemente, de uma questão bilateral entre o México e os Estados Unidos. A grande maioria dos imigrantes ilegais vem através, ou a partir, do México. Qualquer medida reformista com alguma hipótese de êxito tem de privilegiar este carácter bilateral dos fluxos migratórios e requer uma cooperação estreita entre os dois governos.

4. Em grande medida porque foi desenhada em Washington, a proposta assumia que, depois de os imigrantes atravessarem a fronteira, nunca mais se iriam embora. Assim, foi inteiramente negligenciada a necessidade de restaurar o paradigma da imigração cíclica de mão-de-obra, através da criação de condições e incentivos para o seu retorno.

Em vez da proposta chumbada e da ineficaz e cara política actual de repressão nas fronteiras, um acordo bilateral de gestão programática no domínio laboral pode ser estabelecido segundo as seguintes linhas:

• Todos os mexicanos adultos, com um registo cadastral limpo e uma comprovada proposta de trabalho nos Estados Unidos, teriam direito a uma autorização de permanência para trabalho temporário, mediante o pagamento de 3 000 dólares na fronteira entre o México e os Estados Unidos (mais ou menos o actual preço que se paga a um “passador” profissional).

• A licença de permanência seria válida por três anos e renovável por outros três, subordinada à condição em permanecer com o primeiro empregador num mínimo de 90 dias. Depois disso, o imigrante seria livre para procurar alternativas de emprego.

• Os trabalhadores imigrantes teriam os mesmos direitos que os trabalhadores nativos, incluindo o direito de votar e de aderir a sindicatos. Os impostos e as taxas sobre o rendimento e a segurança social poderiam ser deduzidas nas suas remunerações.

• Depois de regressar definitivamente ao México, o imigrante receberia metade do valor da sua taxa de entrada nos Estados Unidos (1 500 dólares) acrescida de todos os pagamentos de segurança social acumulados, pagáveis através de um banco mexicano.

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• Os imigrantes que pretendessem estabelecer-se permanentemente nos Estados Unidos após seis anos como trabalhadores temporários, teriam condições de acesso para tal, através de uma disposição legal especial, desde que tivessem o seu registo cadastral limpo, um emprego estável e uma conta num banco norte-americano com pelo menos 5 000 dólares. Não receberiam reembolso da taxa de entrada ou dos pagamentos da segurança social acumulados, uma vez que se esperaria que deles precisariam para a sua reforma aqui. No entanto, as suas candidaturas de residência permanente deveriam ter tratamento expedito.

• Os trabalhadores imigrantes ilegais que já se encontrassem nos Estados Unidos teriam prioridade na atribuição de licenças de mão-de-obra temporária, desde que tivessem um registo cadastral limpo e emprego comprovado. Todos os mexicanos ilegais que se apresentassem obteriam o estatuto de imigrante temporário enquanto decorresse o seu processo de legalização. Teriam de pagar a mesma taxa de entrada como recém-chegados e seriam posteriormente sujeitos às mesmas regras. Os que demonstrassem que viviam há pelo menos três anos no país, seriam elegíveis para a licença de residência permanente após mais outros três anos como trabalhadores temporários legais.

• O programa seria inicialmente limitado a um milhão de novas entradas por ano (uma estimativa conservadora do presente fluxo de entradas ilegais). O número seria ajustado periodicamente, consultando as associações das entidades patronais, os sindicatos e o Governo mexicano.

O Estado mexicano garantiria o seu apoio a este programa bilateral nos seguintes termos:

• Acelerando os investimentos sociais nas zonas de origem dos emigrantes para garantir adequadas estruturas de saúde e de educação para as famílias e para os filhos que ficam no país.

• Dando continuidade ao actual programa de “três-por-um” (tres-por-uno) através do qual cada dólar remetido por organizações

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de emigrantes nos Estados Unidos para fins filantrópicos ou obras públicas na suas terras natais é secundado por contribuições proporcionais do México a nível federal, estatal e local.

• Respeitando o estatuto de isenção de impostos das remessas dos emigrantes e criando programas de crédito ajustados ao investimentos destes fundos em empresas produtivas.

• Policiando activamente o seu lado da fronteira para evitar novas tentativas de passagem de fronteira fora do programa de mão-de-obra legal.

• Estabelecendo um programa similar de imigração de mão-de-obra temporária destinado aos trabalhadores oriundos da América Central. À medida que os emigrantes mexicanos se movem para o Norte e se desenvolve a economia mexicana, serão criadas oportunidades de trabalho atraentes para os camponeses e para trabalhadores oriundos da Guatemala, Honduras e El Salvador. Desta forma, poderia ser estabelecido um sistema de migração circular disciplinado e organizado.

O México não é um país pobre, mas sim um país de rendimento médio, e o seu governo não é tão desqualificado como se retrata habitualmente nos media americanos. O Governo federal mexicano interveio com determinação e eficácia em muitas situações de perturbação interna e de catástrofes naturais; desenvolve uma vigorosa política externa; e gere operacionalmente uma complexa rede de 50 consulados deste lado da fronteira, com uma variedade de programas úteis para os seus emigrantes. O enorme desafio que representa a guerra contra o tráfico de droga faz com que pareça menos eficaz do que realmente é. Se a migração fosse redefinida como um programa bilateral de gestão de mão-de-obra, seria certamente capaz de cumprir a sua parte no acordo.

As medidas propostas teriam as seguintes vantagens mútuas:

• Providenciar à agricultura e a outras actividades de trabalho intensivo dos Estados Unidos uma mão-de-obra de confiança, acabando simultaneamente com a actual exploração dos trabalhadores imigrantes.

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• Facilitar a organização da mão-de-obra imigrante no âmbito sindical, uma vez que deixaria efectivamente de existir medo de represálias e de deportação.

• Reduzir o nível de concorrência dos trabalhadores mexicanos aos postos de trabalho, uma vez que diminuiria a sua vulnerabilidade a abusos dos empregadores, pela intervenção a nível sindical e dos tribunais. Isto faria pressão para a subida dos salários, fazendo com que os trabalhos manuais se tornassem mais atractivos para alguns trabalhadores americanos.

• Manter a residir no México as famílias dos imigrantes nos Estados Unidos, acabando com o fardo social de uma população empobrecida nos Estados Unidos e as probabilidades da designada “assimilação descendente” das segundas gerações.

• Evitar o despovoamento das cidades e regiões no México, incentivando ao mesmo tempo a aplicação das poupanças dos emigrantes em investimentos produtivos após o seu regresso.

• Estabelecer um programa estruturado para a imigração definitiva e para a sua instalação no território americano. Os pedidos de residência permanente nos Estados Unidos seriam reduzidos através de incentivos reais para o regresso, sendo a selectividade dos candidatos assegurada através dos seus registos de trabalho e do seu comportamento, enquanto trabalhadores temporários.

• Organizar um sistema de gestão integrada de mão-de-obra ao nível dos países da América do Norte, em que as vagas de trabalho abertas no México criadas pela partida dos emigrantes mexicanos para os Estados Unidos sejam preenchidas, por seu turno, por trabalhadores oriundos da América Central, reduzindo assim as pressões migratórias nesses países em direcção aos Estados Unidos.

Os críticos que argumentam que os imigrantes “roubam os empregos aos nossos cidadãos” e que eles são difíceis de sindicalizar, ou que argumentam que um programa de imigração temporária criaria condições “semelhantes à escravatura” devem fazer o ónus da prova, mostrando se as actuais

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circunstâncias são diferentes das que denunciam ou se são superiores ao programa proposto. Estas críticas são singularmente incongruentes, dado que tendem a projectar no futuro condições já existentes, precisamente porque nenhum programa de gestão de mão-de-obra foi criado para as superar.

Apesar das suas falhas, o antigo programa mexicano Bracero era indiscutivelmente superior ao que se lhe seguiu. Foi posto fim a este programa com o argumento de que era “exploração” e que “tirava o emprego aos trabalhadores americanos”. O fluxo de clandestinos que se seguiu ao encerramento do programa reavivou estas condições e tornou-as muito piores. Os trabalhos dos imigrantes ilegais tornaram-se ainda mais explorados e os empregadores tornaram-se mais acostumados a usar mão-de-obra estrangeira, dócil e barata, em detrimento dos trabalhadores nativos. A situação catastrófica que vivemos hoje é uma consequência directa do fim do programa Bracero, sem que tenha sido instituída qualquer alternativa racional em seu lugar.

Os liberais podem tirar ensinamentos desta experiência e não permitir que as suas opções idealistas os levem a deixar de ver o que é viável e o que está correcto. Num mundo ideal, os trabalhadores mexicanos e outros trabalhadores estrangeiros teriam oportunidades de emprego decente nos seus países e não teriam de emigrar; as empresas americanas teriam de contratar trabalhadores nativos e pagar salários elevados e amplas regalias sociais. Mas não é assim que as coisas funcionam no mundo real e continuar a espadeirar por esses ideais coarcta o caminho para soluções práticas. Um programa de imigração temporária não é o ideal; é, simplesmente, a melhor opção, face às realidades presentes, e, se tratada adequadamente, pode fazer acabar os protestos de “fronteiras violadas” e ir ao encontro do interesse dos trabalhadores e dos empregadores de ambos os lados da fronteira.

Traduzido de Alejandro Portes, “The Fence to Nowhere: The Case for a Bilateral Labor Management

Program”, Center for Migration and Development, 25 de Abril de 2008. Disponível em http://cmd.

princeton.edu/papers/POM_0408.pdf.

Alejandro Portes, professor de Sociologia na Universidade de Princeton e director do Center for Migration

and Development.

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6. REFAZER BEM A REFORMA DA IMIGRAÇÃO

RAY MARSHALL

A dificuldade do Congresso americano em aprovar a reforma da legislação sobre imigração não surpreendeu ninguém que tenha acompanhado esta questão ao longo destes anos, especialmente os debates que conduziram à inquinada Lei da Reforma e Controlo da Imigração (Immigration Reform and Control Act) (IRCA) de 1986. Muitos dos factores que levaram ao fiasco desta lei estão agora tão presentes como estavam em 1986. Os interesses económicos, as influências pessoais e as ideologias políticas tornam difícil chegar a consenso na definição de políticas de imigração correctas. Estas complicações são agravadas pela falta de informação fiável sobre a magnitude da imigração ilegal e sobre o seu impacto na economia americana e na sociedade. Ao contrário de muitas outros temas políticos, não há nenhum posicionamento partidário claro quanto à questão da imigração, tornando difícil conseguir a concertação necessária para alinhar as complexas componentes de uma política de imigração bem sucedida.

A partir do momento em que a IRCA foi suficientemente alterada para poder ser aprovada no Congresso, tornou-se claro para os especialistas em imigração que a lei, em vez de restringir a entrada, aceleraria o fluxo de imigrantes ilegais para os Estados Unidos, e foi exactamente o que aconteceu. Estimativas vulgares sobre o número de imigrantes ilegais em 1986 apontavam para entre 3 a 6 milhões; hoje, as estimativas apontam para entre 10 a 20 milhões. As redes que proporcionam aos empregadores uma fonte segura de imigrantes ilegais estão muito mais estruturadas e difíceis de controlar. Se os Estados Unidos não definirem agora uma política de imigração correcta, daqui a 20 anos terão provavelmente o dobro de imigrantes ilegais, tornando ainda mais difícil — senão impossível — o respectivo controlo.

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Dito isto, no entanto, a imigração não é o verdadeiro problema: os Estados Unidos são e continuarão a ser uma nação de imigrantes, que contribuíram grandemente para a vitalidade, para a diversidade e para a criatividade da vida americana. Os imigrantes são particularmente importantes para a economia americana, representando mais de metade do crescimento de mão-de-obra durante a década de 90, bem como de um aumento de 86% do emprego, entre 2000 e 2005. Uma vez que não haverá nos próximos 20 anos qualquer acréscimo líquido do número de nacionais de primeira geração em idade activa (entre os 25 e 54 anos de idade), a força da economia americana poderá depender fortemente da forma como o país relacione a imigração com a política económica e social.

A imigração ilegal, por outro lado, sujeita os imigrantes a actividades de grande perigosidade e exploração desenfreada, condiciona os salários dos trabalhadores nacionais e fragiliza as condições de trabalho, torna difícil conseguir o ajustamento da imigração às necessidades do mercado de trabalho, perpetua as indústrias marginais de baixos salários que vivem de um fluxo constante de imigrantes ilegais, é injusta para as pessoas que aguardam para entrar nos Estados Unidos legalmente e mina o Estado de direito. A questão não reside nos imigrantes, mas sim no seu estatuto legal, nas suas características e na sua integração na vida americana.

Devido à sua importância para a diversa população hispânica na América, em rápido crescimento, a imigração tem também significativas implicações políticas. O poder político da população hispânica é reforçado pela sua concentração geográfica nas zonas onde Democratas e Republicanos têm de lutar pela supremacia a nível nacional, especialmente no Sudoeste e a Oeste das Montanhas Rochosas. Esta realidade foi um vector importante da estratégia política gizada por George W. Bush e por Karl Rove. Durante o seu primeiro mandato, o Presidente Bush cortejou os Latinos com uma estratégia que incluía o falar em espanhol, nomeação de hispânicos para posições de destaque na sua Administração, e medidas de política de imigração que inclusivamente criavam um esquema de “trabalhador convidado” apadrinhado pelo Presidente mexicano Vicente Fox. A estratégia de Bush-Rove foi desfeita pelos republicanos “nativistas” no Congresso, que se opunham inflexivelmente a uma reforma global da legislação sobre imigração, contrapondo a aposta exclusiva no reforço da segurança das

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fronteiras. Como Bush e Rove temiam, membros “nativistas” do seu partido contribuíram para o forte apoio dos hispânicos aos Democratas nas eleições de 2006, assim como na Califórnia no mandato do Governador Republicano Pete Wilson. Com efeito, o ressentimento contra as proclamações anti-imigrantes dos “nativistas” é uma das poucas questões que suscitam a unidade entre a diversificada população latina na América.

Devido à profunda integração económica e demográfica internacional, a imigração tem importantes implicações na política externa, especialmente nas relações dos Estados Unidos com o México, a fonte mais importante de imigrantes ilegais para os Estados Unidos. Na verdade, ao longo de muitos anos, a política mexicana foi baseada na expectativa de forte emigração para os Estados Unidos. Nos anos 70, por exemplo, o ministro dos negócios estrangeiros do México, Jorge Misticismo (o pai do primeiro ex-ministro dos negócios estrangeiros do Presidente Vicente Fox) disse-nos que, façamos o que quer que façamos, os Estados Unidos absorveriam uma grande parte do acréscimo populacional do México. Muitos de nós que estávamos a tentar formular uma nova política para os Estados Unidos não queríamos acreditar que teríamos tão pouco controlo sobre a imigração, mas ele tinha razão.

A emigração é decisivamente muito importante para o México: permite uma válvula de escape para compensar a incapacidade do país em criar os necessários empregos a nível nacional para a maior parte do seu acréscimo de mão-de-obra, sendo que as remessas de dinheiro dos 20 a 25 milhões de mexicanos que vivem nos Estados Unidos se tornaram a segunda fonte de divisas, apenas superada pelas exportações de petróleo. As remessas são também a alma de muitas comunidades rurais e complementam a fraca rede de segurança social do país. Tendo em conta o lento crescimento do México e os graves problemas estruturais (pobreza e desigualdade; corrupção; baixo nível de tributação; um fraco sistema escolar; uma responsabilização política ineficaz; um inadequado desenvolvimento de infra-estruturas; uma regulamentação comercial restritiva; políticas e instituições no âmbito laboral rígidas, antiquadas e ineficientes; e as limitadas capacidades dos governos a todos os seus níveis), é pouco provável que os seus cidadãos tenham boas oportunidades de trabalho no país nos tempos mais próximos. O que os Estados Unidos fizerem no campo da imigração tem, por conseguinte, implicações importantes para a evolução económica e política

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mexicana, com significativas repercussões positivas ou negativas na própria América.

Uma vez que os erros do passado nos podem fornecer lições para políticas mais correctas no futuro, este primeiro relatório irá abordar primeiro as razões do falhanço da IRCA, incluindo a abordagem de alguns mitos comuns sobre a imigração ilegal. Este relatório termina com a análise de um conjunto integrado de políticas que poderão ir ao encontro dos mais altos interesses dos Estados Unidos e de outros países, especialmente do México.

OS DEFEITOS DA IRCA

O principal defeito técnico da IRCA foi não ter previsto um sistema fiável para as autorizações de trabalho e para a identificação dos trabalhadores imigrantes, sem o qual todas as outras medidas de controlo eram menos eficazes e muitas vezes contraproducentes. Esta realidade era bem conhecida dos contendores nos debates sobre política de imigração — tanto dos que defendiam controlos fronteiriços mais vigorosos (que perderam o combate legislativo) como dos que defendiam uma imigração relativamente mais aberta (que venceram). Os peritos do departamento ministerial americano do Trabalho e da Imigração desenvolveram, em ligação com os trabalhos feitos para a Select Comission on Imigration and Refugee Policies (SCIRP) de 1979-81, um sistema de autorizações de trabalho, quer para novas contratações, quer para mudanças de emprego, em que a responsabilidade da sua verificação seria atribuída a uma agência federal, que não aos empregadores; o empregador apenas teria a obrigação de verificar o número de identificação da autorização concedida pelo organismo estatal. Devido à oposição concertada dos apologistas da imigração aberta e dos libertários preocupados com a possível instituição do bilhete de identidade nos Estados Unidos, a lei IRCA optou por uma matriz de identificadores facilmente falsificáveis, permitindo uma quantidade razoável de fraudes, especialmente nas matérias da lei relativas ao emprego e equivalências profissionais, o que contribuiu para acelerar o fluxo de entrada ilegal de imigrantes. A lei IRCA atribuiu também aos empregadores a responsabilidade de verificar os documentos de autorização de trabalho, uma tarefa para a qual não tinham, nem capacidade, nem vontade de executar.

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Para entender porque é que os empregadores não tinham vontade de verificar as situações de legalidade ou ilegalidade dos imigrantes é necessário olhar para a sintonia entre estes empregadores e os imigrantes ilegais. Para a ocupação de postos de trabalho muito árduos, os empregadores preferem frequentemente os imigrantes ilegais aos trabalhadores legais. Esta preferência deve-se, não só à aceitação pelos imigrantes de salários mais baixos, mas também porque, por falta de outras opções de trabalho, constituem uma fonte de mão-de-obra mais dependente deste tipo de trabalhos, além de que têm menores possibilidades de abandonar o trabalho ou de apresentar queixa às autoridades sobre os abusos. Redes clandestinas eficazes levam a informação junto dos imigrantes na origem e apoiam-nos na passagem da fronteira, proporcionando aos empregadores uma fonte de mão-de-obra dependente. Estas redes têm ganho cada vez mais força, desde 1986, pela disseminação das tecnologias de comunicação e informação, relativamente baratas, especialmente telemóveis e rádios. Por seu lado, na óptica dos trabalhadores imigrantes, os empregos que os americanos rejeitam são, não só muito melhores do que os disponíveis no país de origem, como também lhes dão maior segurança e às suas famílias, apesar da situação de ilegais.

Estas redes são reforçadas e perpetuadas por grupos de apoio comunitário, funcionários do país de origem e pelas decisões de investimento dos empregadores. Uma vez institucionalizadas, estas cadeias são muito difíceis de quebrar e tendem a excluir do sistema os trabalhadores nacionais.

MITOS QUE FORTALECEM AS REDES

Estes laços que unem o empregador e o imigrante são reforçados por atitudes públicas e por mitos, de que o mais importante é o de que os imigrantes apenas vêm ocupar os empregos que os americanos rejeitam, uma postura incentivada pelos empregadores, pelos imigrantes e pelos seus apoiantes no exterior e nacionais para justificar a imigração ilegal. A verdade é que não há ocupações profissionais deste tipo: de acordo com o Center for Immigration Studies (CIS), no conjunto de 473 categorias profissionais, apenas quatro (estucadores, alfaiates, escolha de frutos e legumes, e salões de cabeleireiro) têm maioritariamente uma população imigrante (legal e ilegal), sendo que nestas profissões os nacionais detêm 40% dos empregos.

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À semelhança de muitos outros mitos antigos este também tem um grão de verdade: os nacionais têm muito mais opções e estão na verdade muito menos disponíveis para aceitar estes empregos. Mas, como se assinalou, uma vez estabelecidos os fortes laços entre o empregador e o imigrante, passa a ser difícil aos nacionais interessados nestes postos de trabalho em competirem por eles, o que alimenta a aparência de confirmar o mito.

Aqueles que perpetuam este mito procuram ignorar outras opções que podem e têm sido utilizadas como uma alternativa ao emprego dos imigrantes ilegais, nomeadamente: o recrutamento activo dos trabalhadores com autorização de residência; a melhoria da gestão (que muitas vezes é muitíssimo má sobretudo em empregos de baixos salários, onde os custos de ineficiência são transferidos para os trabalhadores através de práticas tais como o trabalho à peça); a introdução de tecnologias de melhoria da produtividade, tal como foi feito na agricultura da Califórnia, após o final do programa de Bracero, em 1964; ou, obviamente, a melhoria dos salários, dos benefícios sociais e das condições de trabalho.

Outra falácia vulgar sobre a imigração ilegal é que esta não é realmente assim tão má, uma vez que os seus impactos negativos para os trabalhadores nacionais são muito pequenos e tem efeitos benéficos na competitividade da economia americana. Reconhece-se uma vez mais aqui que há alguma dose de verdade neste argumento que lhe permite aparentar algum grau de plausibilidade superficial. Há, porém, várias dificuldades no exercício de equacionar os efeitos económicos da imigração ilegal e legal, como alguns analistas o fazem. Citam-se, por exemplo, estudos sobre o impacto dos refugiados — que são residentes autorizados, normalmente com mais capital humano e financeiro — como prova dos efeitos positivos da imigração ilegal. Da mesma forma, os imigrantes legais, que tendem a ter níveis de escolaridade, quer inferiores, quer superiores aos dos trabalhadores nacionais, não podem ser equiparados aos imigrantes ilegais, que possuem pouca ou nenhuma escolaridade. É sintomático que, não considerando outros factores, as autorizações de trabalho legal melhoram os salários dos imigrantes.

Os economistas não estão de acordo quanto ao impacto da imigração ilegal sobre os trabalhadores americanos. Alguns consideram haver pouco

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ou mesmo nenhum impacto negativo56, enquanto outros referenciam vastos efeitos significativos. Por exemplo, um estudo amplamente citado concluiu que para a Nação globalmente, entre 1980 e 2000, os imigrantes (legais e ilegais) fizeram baixar em mais de 8% os salários dos trabalhadores com o ensino secundário, em quase 4% o dos trabalhadores com o ensino superior e em mais de 3%57 o do conjunto de todos os trabalhadores.

O debate sobre esta controvérsia ultrapassa a finalidade deste texto, mas a minha experiência, bem como os meus trabalhos de investigação sobre o impacto da imigração nos mercados de trabalho, levam-me a várias conclusões58:

1. Muita da controvérsia entre economistas focaliza-se nos dados estatísticos e nos métodos. Embora tenha havido melhorias, não existem dados precisos sobre a imigração ilegal. Não há, em particular, dados de evolução temporal que permitam seguir os mesmos trabalhadores através de tempo. Os analistas, por isso, cometem erros quando tentam chegar a inferências temporais a partir de dados de amostragens. Por exemplo, os dados com que se compara o impacto dos imigrantes nos salários dos trabalhadores nacionais das áreas metropolitanas, em datas diferentes, deve contar para as migrações inter-áreas. Porque os trabalhadores residentes legais concorrentes a empregos de baixos salários tendem a evitar áreas de grande afluxo de imigração ilegal, enquanto os trabalhadores residentes legais com salários mais elevados tendem a deslocar-se para essas áreas. Qualquer estudo inter-cidades que não tenha em conta estas migrações poderia concluir, erradamente, que os imigrantes ilegais não têm nenhum efeito negativo — ou até ter mesmo positivo — sobre os trabalhadores nacionais.

2. Como já se disse, os estudos que não façam a distinção entre a imigração ilegal e a legal chegarão provavelmente a conclusões erradas no que respeita ao impacto da imigração ilegal.

56 David Card, David Card, Is the New Immigration Really so Bad? National Bureau of Economic Research, Agosto de 2005.

57 George B. Borjas and Lawrence F. Katz, “Th e evolution of the Mexican-born workforce in the United George B. Borjas and Lawrence F. Katz, “The evolution of the Mexican-born workforce in the United States”, National Bureau of Economic Research, Abril de 2005.

58 Ray Marshall, “Immigration and human capital”, Ray Marshall, “Immigration and human capital”, in David Hornbeck and Lester M. Salamon (eds.), An Economic Strategy for the Nineties (Baltimore, Md.: Johns Hopkins Press, 1991); and “Immigration: An international economic perspective”. International Migration Review, 18, Outono de 1984.

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3. As condições do mercado de trabalho provocam claramente diferenças. Os efeitos negativos da imigração nos baixos salários dos trabalhadores nacionais serão maiores se houver desemprego generalizado no grupo de trabalhadores nacionais que, pelas razões anteriormente apontadas, não consigam competir com a imigração ilegal, mesmo que o quisessem. Os laços magnéticos que unem os empregadores e os imigrantes ilegais não são susceptíveis de ser detectados pela análise quantitativa.

4. Quaisquer que sejam as limitações da investigação empírica, a teoria económica afirma que os trabalhadores nacionais cujo trabalho seja complementar do dos imigrantes (por exemplo, os gerentes ou os trabalhadores qualificados) beneficiarão com a imigração, enquanto os salários dos trabalhadores que concorrem com os imigrantes serão reduzidos. Por conseguinte, as políticas públicas devem procurar minimizar a concorrência de baixos salários e maximizar a complementaridade.

5. Embora a sua magnitude possa ser debatida, não há dúvida que a imigração ilegal faz baixar os salários e adultera a qualidade do emprego dos trabalhadores nacionais de baixos salários. É verdade, efectivamente, que a imigração não é o único factor a comprimir esses salários, mas é um factor significativo, especialmente para aqueles que abandonam o ensino secundário, cujos salários reais diminuíram em mais de 16%, desde 1979, devido à imigração, à globalização, às mudanças tecnológicas e à redução dos benefícios de protecção social dos trabalhadores. Os decisores públicos devem desenvolver políticas de imigração, políticas sociais e políticas económicas de alto valor acrescentado para permitir que esses trabalhadores mantenham e melhorem as suas condições de vida.

Dada a tendência em segmentar os trabalhadores em grupos não concorrentes, é útil examinarmos o impacto dos imigrantes nos trabalhadores jovens e nos grupos minoritários que mais directamente concorrem com eles. Na análise criteriosa desses efeitos, realizada por três investigadores universitários na área do mercado de trabalho, é possível ver a avaliação dos efeitos: os investigadores concluíram que os imigrantes que chegaram aos Estados Unidos entre 2000 e 2005 (mais de metade, ou seja, 56%, ilegais) representaram um acréscimo sem precedentes de 86 % no conjunto do acréscimo líquido de emprego, desalojando trabalhadores

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nacionais e fragilizando a estrutura dos mercados laborais59. O impacto foi particularmente importante para os jovens americanos do sexo masculino (16 a 34 anos), com uma redução, entre 2000 e 2005, de 1,7 milhões de postos de trabalho, ao passo que o número de jovens imigrantes do sexo masculino com emprego aumentou 1,9 milhões. O impacto negativo foi maior no caso dos jovens americanos negros e hispânicos. Estes investigadores verificaram também que o emprego de imigrantes foi acompanhado por uma mudança na estrutura dos mercados de trabalho privados, orientando-se para o emprego informal, sem cobertura de seguros de desemprego, sistemas de saúde, ou protecção social60.

O argumento de que a imigração reforça a competitividade da economia americana depende de como é que a competitividade da economia é definida. O que muitos economistas querem dizer é que os salários mais baixos melhoram a competitividade por reduzirem o custo dos produtos americanos. Mas, embora isso seja uma opção fácil para os empregadores, a disputa dos trabalhadores pelos salários baixos é uma estratégia perdedora para os trabalhadores, para as comunidades e para as nações: há sempre países com salários mais baixos. Por exemplo, os Estados Unidos estão a perder empregos para o México, que, por sua vez, está a perder empregos para a China e para outros países onde os salários são muito inferiores aos do México. Além disso, num país de elevado nível salarial, a competição salarial dos trabalhadores induz salários mais baixos e mais desiguais, que é exactamente o que tem estado a acontecer nos Estados Unidos, desde a década de 70. Haverá poucas dúvidas que as desigualdades crescentes têm estado a enfraquecer as instituições democráticas, o desempenho económico e a unidade nacional.

É verdade, efectivamente, que numa economia global competitiva, as remunerações entre trabalhadores similares tendem a aproximar-se. A questão política, no entanto, é saber se a convergência assume a forma de maior rapidez de crescimento dos salários nos países em desenvolvimento, o que seria bom para toda a gente, em toda a parte, ou, alternativamente, se assume a forma de salários mais baixos nos países de elevado nível salarial,

59 Andrew Sum, Paul Harrington e Ishwar Khatiwada, “Th e impact of new immigrants on young native-born Andrew Sum, Paul Harrington e Ishwar Khatiwada, “The impact of new immigrants on young native-born workers, 2000-05”, Center for Immigration Studies, Setembro de 2006.

60 Ibid.

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o que irá agravar aí as desigualdades sociais e reduzir os salários de muitos trabalhadores, assim como agravar as tensões a nível nacional e internacional.

Uma melhor alternativa, sugerida pelas experiências de alguns países da Ásia Oriental, seria que todas as Nações adoptassem estratégias de elevado valor acrescentado para serem competitivas, através da melhoria da produtividade, da qualidade, da flexibilidade produtiva e da inovação. Tomando esta definição, a imigração que faça reduzir os salários americanos e faça subsistir as indústrias marginais de baixos salários, não contribui para melhorar o tipo de competitividade que devíamos encorajar.

A política de imigração deveria, portanto, ser concebida de modo a dar maior atenção ao aumento do fluxo de trabalhadores cuja qualificação profissional e níveis de educação fazem falta nos Estados Unidos. O que não será protagonizado por imigrantes ilegais, que são predominantemente trabalhadores com baixo nível de formação escolar e de conhecimentos da língua inglesa. Por exemplo, de acordo com o Instituto Tecnológico de México, mais de três quartos dos imigrantes mexicanos ilegais, entre 1992 e 2002, tinham menos de oito anos de formação escolar; 11% não tinham absolutamente nenhuma formação escolar; e um terço tinha menos de quatro anos de formação escolar61. É um problema, porque mesmo os empregos de baixos salários têm crescentes exigências de formação escolar.

Durante a década de 70 argumentou-se frequentemente que os imigrantes ilegais têm um impacto fiscal positivo porque pagam mais impostos do que custam os serviços públicos por eles utilizados. Isso poderá ter sido verdade, quando a maioria dos imigrantes eram principalmente jovens adultos, sem família, mas já não o é agora, quando os imigrantes se radicam nos Estados Unidos e aqui formam família ou as mandam vir. Uma vez que muitos dos imigrantes ilegais têm baixos rendimentos, não é de surpreender que os impostos que pagam não cubram o custo dos serviços públicos de que beneficiam. Num estudo de 2004, Gordon Hanson refere que recebem algum tipo de ajuda estatal 25% dos imigrantes ilegais originários do México, sendo essa percentagem de 15% no caso dos trabalhadores nacionais62.

61 William P. Kocewicz, “What ails Mexico’s economy”. William P. Kocewicz, “What ails Mexico’s economy”. NRO Financial, 3 de Maio de 2006.

62 Gordon H. Hanson, Gordon H. Hanson, Immigration Policy, National Bureau of Economic Research, Julho de 2004.

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Em estudos realizados em New Jersey e na Califórnia — dois Estados com grandes populações de imigrantes — o National Research Council (NRC) calculou que, com base nos dados dos anos 89-90, os agregados familiares imigrantes em Nova Jersey receberam, em média, uma transferência fiscal líquida de 1 500 dólares dos residentes nacionais, correspondente a 3% do rendimento familiar médio dos imigrantes; em 1994-95, a transferência fiscal média dos residentes nacionais para os agregados familiares imigrantes na Califórnia foi de 3 500 dólares, correspondente a 9% do rendimento familiar médio dos imigrantes. Para o total dos Estados Unidos, no entanto, o NRC estima que a carga fiscal de curto prazo dos imigrantes que recaiu sobre os residentes nacionais foi de 200 dólares, correspondente a 0,2% do PIB63. Assim, sendo embora relativamente pequena a carga fiscal da imigração no total do país, é maior nos Estados-Membros onde são relativamente mais generosos os benefícios sociais e onde se concentram maiores percentagens de imigrantes de rendimentos mais baixos e com mais crianças.

O QUE DEVÍAMOS FAZER?

A base de partida para uma política de imigração bem estruturada está em saber reconhecer o poder que têm as forças adversas que procuram perpetuar a imigração ilegal e, simultaneamente, conseguir encontrar formas de permitir a imigração legal e fazer com que a imigração se torne uma componente integrante das políticas económicas e sociais para a promoção de uma prosperidade amplamente partilhada nos Estados Unidos, no México e nos outros países.

Uma política eficaz de imigração deve conter uma combinação global de medidas de acção, nomeadamente: controlos de fronteira reforçados e processos de coerção legal a nível interno mais eficazes; um sistema que seja seguro de autorizações de trabalho, com pesadas sanções para os empregadores e os imigrantes que o violem; um mecanismo para regularizar o estatuto de pessoas que têm vivido e trabalhado satisfatoriamente nos Estados Unidos durante alguns anos, acompanhado por um sinal claro de que será improvável que haja regularizações futuras; um padrão de imigração

63 James P. Smith e Barry Edmonson (eds.), James P. Smith e Barry Edmonson (eds.), The New Americans: Economic, Demographic and Fiscal Effects of Immigration. Washington, D.C.: Academy Press, 1997.

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que atribua maior prevalência à regulamentação da mão-de-obra vigente no país; cooperação com o México e com os outros países para promover o desenvolvimento económico em regiões de forte emigração para os Estados Unidos, através de cooperação em investimentos, no comércio e ajuda externa; e o reforço dos acordos de trabalho no âmbito do NAFTA para limitar a competição que faz baixar os salários e para dar voz aos trabalhadores nos seus locais de trabalho e nas decisões políticas a nível nacional. Expomos, a seguir, sete propostas específicas para a reforma da política de imigração.

1. Meios de identificação seguros. A primeira prioridade deve ser a conceber um sistema de autorizações de trabalho de acordo com as linhas desenvolvidas pelo SCIRP. A maior importância nos dias de hoje das questões de segurança nacional e os avanços tecnológicos na identificação das pessoas tornarão provavelmente mais aceitável agora criar meios de identificação seguros do que era nos anos 70 e 80.

2. Fortes controlos nas fronteiras e nas obrigações legais relativas vistos. Os Estados Unidos precisam de fronteiras seguras e sistemas internos de coerção legal para evitar que os imigrantes ilegais entrem nos Estados Unidos ou aqui continuem depois de os vistos expirarem. A segurança na fronteira é claramente muito importante, mas, por si só, não chega, dado que mais de um terço dos imigrantes ilegais têm vistos caducados. As violações dos vistos irão aumentar, sem dúvida, com os controlos de fronteiras mais apertados.

3. Regularização da situação jurídica de imigrantes. A situação dos imigrantes ilegais que se radicaram em boas condições nos Estados Unidos deve ser regularizada. Uma proposta do Senado sobre esta questão permitiria que os trabalhadores que vivem nos Unidos Estados há cinco ou mais anos poderiam aqui continuar a viver, ganhando o direito de se tornarem cidadãos americanos. Àqueles que vivem aqui de há dois a cinco anos ser-lhes-ia atribuído o estatuto de trabalhador convidado, devendo no entanto abandonar os Estados Unidos e voltarem a entrar novamente para manter o seu estatuto. Aqueles que vivam nos Estados Unidos há menos de dois anos teriam de abandonar o país.

A regularização da situação jurídica é uma das propostas mais delicadas e mais controversas no domínio da imigração. Se não for feita de modo

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correcto, os imigrantes não sairão da sombra para pedir a regularização do seu estatuto jurídico. A autorização também poderia acelerar o fluxo de imigrantes ilegais no futuro, tal como resultou da IRCA. A disposição de que os trabalhadores que estejam ilegalmente nos Estados Unidos entre dois a cinco anos devam abandonar o país e depois candidatar-se ao estatuto de trabalhador convidado é problemática, assim como o é também a disposição de que os que estão há menos de dois anos devam sair do país. A menos que seja desenvolvida uma estratégia de coerção legal credível, não é provável que estas disposições venham a ser muito eficazes. Os imigrantes sabem que a probabilidade de serem interceptados e repatriados é menor do que a probabilidade de poderem permanecer nos Estados Unidos a trabalhar ou de, em última análise, adquirir um estatuto legal por diversos meios legais. Durante a década de 90, por exemplo, cerca de 1,5 milhões de imigrantes ilegais conseguiram obter o estatuto de trabalhadores autorizados e apenas cerca de 412 000 foram repatriados. Para além da amnistia inscrita na lei IRCA, que autorizou a legalização de 2,7 milhões de imigrantes — dos quais 2 milhões do México. Mas esta autorização não reduziu o afluxo de imigrantes ilegais, em parte porque o defeituoso sistema de identificação convidava à fraude e, em parte, porque aqueles a quem era atribuído o estatuto legal não eram autorizados a trazer as suas famílias.

A objecção mais comum contra a faculdade de os imigrantes ilegais de longa data se possam tornar residentes autorizados e ganhem a cidadania é que assim se estará a recompensar comportamentos ilegais. É verdade, evidentemente, que o comportamento dos imigrantes era de ilegalidade, mas a lei era tão mal amanhada e tão aleatoriamente aplicada que os imigrantes ilegais têm muitos co-conspiradores. Nestes, inclui-se o próprio Congresso, que aprovou uma lei profundamente mal formulada e foi incapaz de implementar uma estratégia de aplicação eficaz; incluem-se também as empresas que contrataram trabalhadores com documentos claramente fraudulentos e que, conjuntamente com os membros do Congresso, pressionaram as autoridades para não implementarem as leis de imigração; incluem-se além disso os bancos que emitiram cartões de crédito para os imigrantes ilegais; o organismo de administração fiscal IRS, que lhes concedeu um número de identificação de contribuinte; também o público simpatizante dos imigrantes por considerarem que estes pouco

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prejudicavam, se é que causavam algum mal, e que supostamente só vinham ocupar postos de trabalho que os nacionais não queriam; diversos grupos de simpatizantes que acham que os imigrantes merecem o direito de procurar alcançar o sonho americano; os sindicatos dos trabalhadores — que anteriormente estavam entre os ferozes adversários de medidas relativas aos trabalhadores imigrantes — que agora organizam e protegem activamente os trabalhadores ilegais; e entre os conspiradores estão ainda os funcionários públicos no México, que enaltecem quer o direito constitucional dos imigrantes para emigrar e sublinham a dependência da América do trabalho dos trabalhadores imigrantes ilegais, e que têm adoptado medidas, como a emissão de bilhetes de identidade com foto, que facilita a capacidade dos imigrantes ilegais trabalharem e viverem nos Estados Unidos. Tendo em conta estes numerosos co-conspiradores, seria errado atribuir a culpa apenas aos imigrantes. Teríamos maior justificação na condenação da imigração ilegal se tivéssemos uma lei que, em vez de ser uma ficção bastante confusa, respeitasse os padrões das boas normas legais, ou seja, que fosse justa, transparente e exequível.

Uma outra razão para justificar que se regularizem as situações legais destes imigrantes é claro que é a alternativa de se efectuar uma deportação maciça, segundo o modelo da deportação em massa dos anos 50 feita sob a Administração Eisenhower, também chamada Wetback, que é agora impensável.

4. Órgão de regularização do estatuto de imigrante A composição e a dimensão económica da imigração devem ser calculadas por um órgão independente de regularização da situação legal dos trabalhadores estrangeiros. E as necessidades do mercado de trabalho devem tornar-se uma componente mais importante da política de imigração, como acontece em países como o Canadá e a Austrália.

Um órgão independente, com meios humanos adequados, poderia tecnicamente fazer previsões sobre as necessidades do mercado de trabalho, bem como compatibilizar os interesses dos empregadores, dos trabalhadores e do público. A imigração é um assunto demasiado técnico e político para ser deixado completamente nas mãos do Congresso, especialmente quando os empregadores têm um poder tal que lhes

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permite importar a mão-de-obra em excesso para assim manterem os salários baixos. Nos seus grupos de pressão (lóbis) sobre a reforma das leis de imigração, por exemplo, os grupos dos empregadores fazem questão de afirmar que seria inaceitável qualquer disposição que implique terem menos trabalhadores estrangeiros (legais e ilegais). Lindsey Lowell, do Institute for the Study of Immigration da Universidade de Georgetown, estimou que o número admissível de profissionais de informática e de engenharia, se feito ao abrigo das disposições legais de imigração propostas pelo Senado, registaria em 2017 uma multiplicação por cinco vezes, fazendo com que os trabalhadores estrangeiros fossem cerca de 19% mais do que o total que o Bureu of Labour and Statistics tinha estimado para o emprego nestas profissões64.

5. Melhorar os programas de trabalho temporário. Os Estados Unidos devem melhorar o funcionamento dos programas existentes de trabalhado temporário, mas não devem adoptar uma nova iniciativa de grande envergadura sobre trabalhadores convidados65. A experiência nos Estados Unidos e na Europa mostra que os eventuais benefícios económicos de curto prazo no âmbito dos programas de trabalho temporário são mais do que anulados pelos problemas económicos, sociais e políticos de longo prazo. Não é uma boa medida política para a democracia acolher grande número de trabalhadores com limitados direitos civis e de emprego. Uma vez que o seu quadro de referência são as condições dos seus países de origem, os trabalhadores convidados estão dispostos a aceitar o estatuto de segunda classe, pelo menos durante algum tempo, mas os seus filhos comparam a sua condição com a dos nativos, ressentindo-se provavelmente do seu estatuto inferior. Na verdade, muitos conflitos civis na Europa têm origem nos filhos de trabalhadores convidados, que são cidadãos, mas que estão ainda em situação de desvantagem devido à condição dos seus pais.

No final da década de 70, uma sondagem informal a um grupo de Ministros de Trabalho, colegas meus na OCDE, mostrou que nenhum deles

64 B. Lindsey Lowell, B. Lindsey Lowell, Projected Numbers of Foreign Computer and Engineering Workers Under the Senate’s Comprehensive Immigrants Reform Act (S.2611), Institute for the Study of International Migration, Georgetown University, Agosto de 2006.

65 O Serviço de Cidadania e Imigração (Citizenship and Immigration Services) emite 70 tipos diferentes de vistos que aumentam o número de trabalhadores estrangeiros.

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iria desenvolver um novo programa de trabalhador temporário se tivessem que repetir tudo uma vez mais. Além disso, todos eles consideraram que era difícil acabar com estes programas depois de se terem institucionalizado. Especialistas em imigração afirmam unanimemente que não há nada mais permanente que um programa de trabalhador temporário. Por estas razões, embora todas as mais relevantes comissões de trabalho dos Estados Unidos sobre a imigração, incluindo a SCIRP e a U.S. Comission on Immigration Reform de 1995, tivessem partido da ideia de que poderia ser desejável desenvolver uma iniciativa de trabalhador temporário, acabaram sempre, após uma análise mais cuidada, por rejeitar tal ideia, considerando-a como uma má política.

Os defensores das autorizações de trabalho temporário afirmam geralmente que esses programas irão conter o fluxo de imigração ilegal, citando a experiência do programa Bracero dos Estados-Unidos-México, de 1942-64, como a justificação para esta conclusão. É verdade que na década de 50, quando o programa Bracero — uma iniciativa claramente de trabalho agrícola em tempo de guerra — mais do que duplicou, chegando aos 450 mil trabalhadores, as detenções de ilegais na fronteira diminuíram. No entanto, o número de imigrantes ilegais ter-se-á provavelmente mantido a nível muito mais elevado do que o número de trabalhadores do Braceros. Entre 1942 e 1946, foram admitidos cerca de 4,6 milhões de Braceros e foram detidos na fronteira 5,2 milhões de imigrantes ilegais. Estima-se que o número de imigrantes ilegais será três vezes superior ao número de detenções realizadas.

Os defensores das autorizações de trabalho temporário citam o estudo do Congressional Research Service (CRS) de 1980, preparado para a lei SCIRP para justificar esses programas, embora raramente façam a citação completa, que é66:

“...o programa Bracero por si só não é uma solução para o problema da entrada ilegal e em grande escala do México. Pelo contrário, tal como aconteceu nas primeiras fases... o funcionamento do programa Bracero

66 Th e Congressional Research Service, The Congressional Research Service, Temporary Worker Programs: Background and Issues, A report for the use of the SCIRP, 90th Cong., 2nd Session, Fevereiro de 1980, p. 22.

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pareceu tornar a situação ainda pior. Só quando foram tomadas medidas coercivas reforçadas, combinadas com programas de acção bastante alargados, é que foi possível canalizar a maior parte do fluxo ilegal para os canais legais. No entanto... estas medidas foram efectuadas a um preço considerável, em termos de efeitos adversos sobre os trabalhadores agrícolas nacionais... assim como o mal-estar criado, particularmente, na comunidade mexicano-americana, pela operação Wetback.”

O programa Bracero também causou considerável atrito entre os governos dos Estados Unidos e do México, tendo também induzido a corrupção de administradores do programa e abuso de Braceros nos Estados Unidos e México. Como o programa se tornou institucionalizado, foi depois muito difícil de encerrar. No entanto, resultou em fortes laços imigrantes — empregadores, que permaneceram e se difundiram de forma ilegal para outras indústrias e áreas geográficas depois do programa ter acabado. O programa Bracero semeou, assim, as sementes de uma maior imigração ilegal. Por conseguinte, é verdadeiramente forçar a realidade quando se argumenta que aquela experiência fornece o suporte histórico para a necessidade de relançar um programa em grande escala de entrada de trabalhadores com autorização de trabalho temporário, como uma medida de controlo de imigração.

Os novos programas de autorização de trabalho temporário não são apenas imprudentes, são também desnecessários. Se uma entidade independente concluir que são necessários mais trabalhadores estrangeiros, estes devem ser admitidos como imigrantes com direitos jurídicos plenos, incluindo o direito de vir a obter a cidadania. E se os trabalhadores qualificados como imigrantes ilegais forem regularizados e a eles se juntarem as suas famílias, haverá automaticamente um fluxo contínuo de trabalhadores do México e de outros países.

Se se chegar à conclusão que são necessários mais trabalhadores estrangeiros verdadeiramente temporários, isto deve ser feito através da melhoria da gestão dos programas e do reforço das medidas de protecção dos trabalhadores, quer nacionais, quer estrangeiros, no âmbito dos programas em vigor. Os empregadores queixam-se de que estes programas são demasiado complicados e litigiosos, pelo menos em parte, porque

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não lhes agradam as disposições de protecção dos trabalhadores, quer nacionais, quer estrangeiros. Os empregadores têm sido capazes de “jogar” com o sistema para obterem os trabalhadores estrangeiros que querem, e além disso pretendem que o recrutamento estandardizado seja também feito para encontrar trabalhadores americanos que sejam tão bons quanto os trabalhadores estrangeiros altamente rastreados, mas não cumprindo os requisitos do recrutamento de trabalhadores nacionais que se satisfaçam os padrões mínimos razoáveis.

É particularmente importante reforçar os mecanismos de protecção dos trabalhadores nos actuais programas de trabalho temporário. Existem provas abundantes de que múltiplos trabalhadores estrangeiros são submetidos a terríveis abusos nos Estados Unidos e nos seus países de origem; designadamente informações fraudulentas dos recrutadores e empregadores sobre a qualidade e a quantidade de trabalho nos Estados Unidos, condições de vida deploráveis e não pagamento pelo trabalho realizado. A prática de sonegar os passaportes dos trabalhadores estrangeiros e a sua forte dependência em relação a determinados empregadores sujeitam frequentemente esses trabalhadores a condições próximas da situação de servos67. A minha experiência sugere-me que o desejo das entidades patronais de beneficiarem de baixos salários e de uma mão-de-obra temporária com limitadas opções de trabalho torna difícil— mas não impossível — proteger esses mesmos trabalhadores. Esta protecção, porém, deve estar inscrita num programa global de reforma da imigração.

6. A legislação de protecção da mão-de-obra. A rigorosa aplicação da legislação de protecção da mão-de-obra, especialmente o salário mínimo mais elevado, também faria com que muitos postos de trabalho ocupados por imigrantes ilegais se tornassem mais atraentes para os trabalhadores nacionais. Alguns especialistas acreditam que um salário mínimo superior seria suficiente para conter a imigração ilegal68. Embora seja desejável um salário mínimo mais elevado e o reforço da aplicação das leis de protecção

67 Ver Steven Greenhouse, “Low pay and broken promises great guest workers”. Ver Steven Greenhouse, “Low pay and broken promises great guest workers”. The New York Times, 28 de Fevereiro de 2007.

68 Ver Michael S. Dukakis and J.B. Mitchell, “Raise wages, not walls”, Ver Michael S. Dukakis and J.B. Mitchell, “Raise wages, not walls”, The New York Times, 25 de Julho de 2006, p. A23.

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de mão-de-obra, podem não ser medidas adequadas de controlo da imigração. Muitos empregadores prefeririam imigrantes ilegais em vez dos nacionais mesmo pagando só o salário mínimo: muitos imigrantes ilegais estão nos sectores informais e nos sectores isentos da obrigação de salário mínimo, pelo que um salário mínimo mais elevado atrairia mais imigrantes ilegais. Os laços estreitos entre imigrantes e empregadores não serão previsivelmente muito alterados somente pela imposição do salário mínimo.

7. Programas de ajuda ao comércio, ao investimento e a apoios sociais. A medida decisiva para a solução do problema dos imigrantes ilegais será um crescimento suficiente no México e noutros países de origem para assim fornecerem oportunidades de emprego adequadas para os seus cidadãos. Infelizmente, é pouco provável que o nível de crescimento do México venha a proporcionar nos tempos mais próximos empregos adequados para a maioria de seus novos trabalhadores. Os mexicanos emigram por causa da baixa qualidade dos postos de trabalho, e não tanto pelo número de empregos; cerca de 90% dos migrantes têm empregos quando emigram. O salário diário mínimo no México é inferior à hora de trabalho nos Estados Unidos; o salário médio no México é 10% a 20% do salário médio americano; cerca de metade da sua população vive abaixo do nível de pobreza; e metade da sua população economicamente activa está no sector informal. Embora a legislação mexicana sobre as condições de trabalho tenha padrões elevados, e as oportunidades tenham melhorado para alguns trabalhadores, as actuais condições para a maioria dos trabalhadores são muito pobres e as organizações sindicais independentes têm grande dificuldade em actuar no exercício das suas funções porque estão subordinadas a organizações não democráticas e corruptas controladas pelo governo. Assim, não é de surpreender que as sondagens mostrem que quase metade (49%) dos adultos do México gostariam de se mudar para os Estados Unidos.

Embora tenha havido importantes melhorias nas instituições políticas e nos resultados macroeconómicos, as políticas de desenvolvimento do México, assentes nos baixos salários, não irão provavelmente reduzir o fluxo da emigração ilegal. Como se tem observado, o México tem estado a perder empregos em favor de outros países, especialmente da China, onde os salários médios são ainda menos de metade dos salários do México.

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As autoridades mexicanas, por conseguinte, gostariam de fazer um acordo bilateral com os Estados Unidos tomando como referência o programa Bracero. E pareceu em certa altura que o programa, apoiado pelo Presidente Bush e dada a elevada prioridade pelo antigo Presidente mexicano Vicente Fox, iria ser adoptado. No entanto, esta proposta foi descartada em 2001 devido aos ataques terroristas de 11 de Setembro e não voltou a encarrilar, com muita pena para o Presidente Fox e outros líderes mexicanos.

No entanto, não seria aconselhável relançar um programa semelhante ao Bracero, que, além das razões apresentadas anteriormente, seria uma fonte de atritos, porque é pouco provável que o México viesse a limitar os seus cidadãos de exercerem o seu direito constitucional de emigrar e também seria pouco provável que os Estados Unidos prescindissem do seu direito soberano de controlo da imigração. Por outro lado, os dirigentes mexicanos acreditam que os mexicanos devem ter o direito de emigrar para os Estados Unidos e fazem eco do mito muito comum de que os imigrantes só vão ocupar os empregos que os americanos rejeitam. Antes do 11 de Setembro, também pensavam que a dependência dos empregadores americanos dos imigrantes era suficientemente forte e que os controlos sobre a imigração seriam suficientemente fracos de modo a que os Estados Unidos provavelmente pouco fariam para conter o fluxo de trabalhadores ilegais.

Os Estados Unidos devem, no entanto, ajudar o México a promover o crescimento do emprego, sobretudo nas principais regiões de saída de emigrantes. As acções desejáveis incluem políticas no domínio do comércio e do investimento centradas nessas regiões, o desenvolvimento de infra-estruturas e a melhoria do acordo NAFTA no que diz respeito à parte fraca da relação laboral, especialmente para dar maior controlo aos trabalhadores dos seus próprios sindicatos, e assim reforçar as suas posições no trabalho e na elaboração de políticas a nível nacional. Os Estados Unidos devem fazer um grande esforço para ajudar o México a melhorar a educação básica, especialmente para os estudantes de baixos rendimentos e para as raparigas. É hoje indiscutível, e as provas são muitas, de que a educação das raparigas é uma forma muito importante para quebrar os ciclos inter-geracionais69 de pobreza.

69 Nancy Birdsall, Nancy Birdsall, Education: The People’s Asset, CSED Worker Paper No. 5, Setembro de 1999; Nancy Birdsall, David Russ, and Richard Sabot”. Inequality and growth reconsidered: Lessons form East Asia”, Economic Review, Vol. 8, N.º 3, 1995.

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Os Estados Unidos também devem considerar a proposta do México para criar um fundo de desenvolvimento conjunto, do Canadá, México e Estados Unidos, tendo como modelo a muito bem sucedida experiência da União Europeia, que contribuiu muito para melhorar as condições de vida dos países mais pobres desta zona e para reduzir o fluxo de migrantes para os países mais ricos que se esperaria com a integração económica. Porém, é claro que o diferencial entre países ricos e pobres na Europa era muito menor que nos países da América do Norte. Devem ser utilizados programas de ajuda ao comércio, ao investimento e apoios sociais para dinamizar as reformas estruturais necessárias para um mais rápido crescimento económico no México.

CONCLUSÃO

A imigração é uma das mais difíceis questões que os decisores políticos enfrentam actualmente, principalmente por causa dos complexos interesses políticos, étnicos e económicos em confronto. Uma política de imigração eficaz afectará claramente a força da nossa economia, da nossa sociedade e da sua estabilidade étnica, assim como afectará as nossas relações com o México e com outros países. Os Estados Unidos devem conseguir fazer as coisas bem desta vez.

Traduzido de Ray Marshall, “Getting immigration reform right”, EPI Briefing papers n.º 186, 15 de Março

de 2007.

Disponível em http://www.sharedprosperity.org/bp186/bp186.pdf.

Ray Marshall foi Secretário do Trabalho na administração Carter. É professor emérito e titular da Audre e

Bernard Rapoport Centennial Cadeira de economia e relações públicas da escola LBJ de Relações Públicas na

Universidade do Texas. É autor de mais de 30 livros e monografias, nomeadamente Thinking for a Living:

Education and the Wealth of Nations e Back to Shared Prosperity e é membro do Conselho da EPI.

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ANEXO:

ALGUNS DADOS SOBRE O COMÉRCIO E A EMIGRAÇÃO DO MÉXICO PARA OS ESTADOS UNIDOS

— O México é, actualmente, o país com a mais numerosa população emigrante a nível mundial. As autoridades mexicanas calculam que mais de 11 milhões de mexicanos, ou seja, 11 por cento do total da população, residam fora do país70.

— Uma das principais promessas do Acordo de Comércio Livre Norte-Americano (NAFTA) era a de que este acordo iria criar empregos em quantidade suficiente para evitar que os mexicanos procurassem trabalho para lá da fronteira. No entanto, entre 1994 e 2004, 450 mil mexicanos, em média, por ano, atravessaram ilegalmente a fronteira dos EUA. O total anual de imigrantes do México cresceu 65%, em comparação com a década anterior. Os imigrantes indocumentados, que aumentaram 160% entre as duas décadas, ultrapassaram o número de entradas legais, as quais diminuíram 38% no mesmo período71.

— Os defensores do Acordo de Comércio Livre (NAFTA) argumentam que o acordo de comércio foi bom para o México, citando o crescimento médio anual do PIB do México, uma vez que depois do acordo passou para 3%. Este valor proporciona uma comparação favorável com o crescimento médio de 2,2%, durante a “década perdida” de 1981 a 1993, mas é decepcionante quando comparada com o crescimento anual médio dos vinte anos anteriores (1961-1980), que foi de 6,73%72.

70 Rodolfo Tuirán et al., Índice de Intensidad Migratoria, Consejo Nacional de Población, 2005, pp. 20.

71 Jeff rey Passel e Pew Hispanic Center, “Unauthorized Migrants: Numbers and Characteristics of the Jeffrey Passel e Pew Hispanic Center, “Unauthorized Migrants: Numbers and Characteristics of the Undocumented Population”, 2005.

72 Extraído das estatísticas do World Bank’s World Development Indicators, 2007, edição Extraído das estatísticas do World Bank’s World Development Indicators, 2007, edição online.

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— Em termos de rendimento per capita, o PIB do México cresceu anualmente, em média, 1,69%, entre de 1994 e 2006. Comparando uma vez mais com os valores referentes à “década perdida” ou período de “transição-para-uma-economia-de mercado aberto” de 1981 e 1993, que registou um valor de 0,15%, parece um resultado positivo. No entanto, de 1960 a 1980, o PIB per capita do México cresceu, em média, 3,56 por cento ao ano73. Este último dado representa uma duplicação do PIB per capita, mesmo com a duplicação da população do México registada neste mesmo período. O México estaria hoje muito perto dos níveis de vida europeus se tivesse continuado a registar a anterior taxa de crescimento.

— Segundo o Woodrow Wilson Institute, “o esvaziamento de oportunidades no México rural tem incentivado a emigração para os Estados Unidos”. Embora a população rural mexicana represente apenas 25% do total da população, contribui com 44% do total de emigrantes para os Estados Unidos74.

— O declínio económico na vigência do NAFTA conduziu a níveis de desigualdade do rendimento sem precedentes no México. Hoje, os 10 por cento mais ricos da população do México têm um rendimento 25 vezes superior ao dos 10% mais pobres, e o índice de desigualdade de rendimento do país continua a ser um dos mais elevados do mundo75. Um detalhado estudo de 2006 mostrou que os salários, em valores deflacionados, diminuíram ao longo dos primeiros seis anos do NAFTA para praticamente todas as categorias de trabalhadores mexicanos. Os trabalhadores que sofreram as perdas mais elevadas do rendimento real foram as mulheres com escolaridade básica (-16,1%) e os homens elevados níveis de escolaridade (-15,6%).

— Mesmo no sector das maquiladoras (indústrias de montagem em zona franca), em que o México tinha em teoria uma “vantagem competitiva”, os salários são quase 40% mais baixos do que nas indústrias não-maquiladoras. A partir de 2000, centenas de fábricas e centenas de milhares de postos

73 Ibid.

74 John Burnstein, “U.S.-Mexico Agricultural Trade and Rural Poverty in Mexico”, Woodrow Wilson John Burnstein, “U.S.-Mexico Agricultural Trade and Rural Poverty in Mexico”, Woodrow Wilson International Center for Scholars and Fundación Idea, 2007.

75 United Nations, Human Development Report 2007, pp. 281.

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de trabalho neste sector foram deslocalizados para a China quando esta entrou para a OMC, e as exportações chinesas das fábricas de mão-de-obra “escrava” (sweatshops) alcançaram uma importante quota do mercado global76. Esta combinação de factores tornou praticamente impossível a milhões de trabalhadores mexicanos poderem ganhar a vida, com as consequências previsíveis de imigração para os Estados Unidos.

— Dados do Governo mexicano mostram que a eliminação de disposições de segurança alimentar no âmbito do NAFTA levou a que mais de 1,3 milhões de camponeses mexicanos perdessem os seus meios de subsistência com as importações de produtos alimentares altamente subsidiados dos Estados Unidos, que passaram a inundar o mercado77. Enquanto o preço pago pelo milho aos agricultores mexicanos diminuiu cerca de metade a seguir ao NAFTA, o preço das tortillas disparou para mais cerca de 738%78 — em claro contraste com a promessa dos apologistas do NAFTA de que os consumidores mexicanos beneficiariam com o Acordo.

— A liberalização das trocas reduziu o nível de vida dos mexicanos pobres, desde os anos 80. Actualmente, com o salário mínimo no México adquire-se apenas um terço do que era possível adquirir em 198279.

— Antes do acordo que instituiu o NAFTA, 36% da população rural do México ganhava menos do que o salário mínimo indispensável para assegurar a alimentação, uma percentagem que subiu para quase 50% nos primeiros quatro anos que se seguiram ao acordo. Hoje, a percentagem da população mexicana na condição de pobreza continua a ser mais ou menos a mesma que existia antes do NAFTA, apesar das promessas dos apologistas do Pacto80.

76 Carlos Salas, “Between Unemployment and Insecurity in Mexico: NAFTA Enters Its Second Decade”, in Robert E. Scott, Carlos Salas, and Bruce Campbell, Revisiting NAFTA: Still Not Working for North America’s Workers, (Washington, D.C.: Economic Policy Institute, 2006).

77 John Audley, Sandra Polaski, Demetrios G. Papademetriou e Scott Vaughan, “NAFTA’s Promise and Reality: Lessons from Mexico for the Hemisphere”, Carnegie Endowment for International Peace Report, Nov. 19, 2003.

78 Luis Hernández Navaro, “The New Tortilla War”, Center for International Policy, Americas Program. May 7, 2007.

79 RMALC, “Los Trabajadores y Las Trabajadoras en el TLCAN”, 2006.

80 Colombia and Mexico Country Management Unit, Latin America and the Caribbean Region, Poverty Reduction and Economic Management Division, “Poverty in Mexico: An Assessment of Conditions, Trends and Government Strategy”, World Bank Report N.º 28612-ME, June 2004, at 57.

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Segundo o artigo do Washington Post a propósito dos 10 anos de vigência do NAFTA, “Vivem agora na situação de pobreza mais 19 milhões de mexicanos do que há 20 anos atrás, de acordo com o Governo mexicano e organizações internacionais. Cerca de 24 milhões — quase um em cada quatro mexicanos — são classificados como extremamente pobres e incapazes de suprir as necessidades alimentares”81.

— Em 2006, calculou-se que havia 12 milhões de imigrantes ilegais nos EUA, a maioria originários do México (57%) e da América Central e do Sul (24%).

— Quando os salários mexicanos caiem 10% relativamente aos salários americanos, as tentativas de passar a fronteira ilegalmente crescem 6%82.

81 Mary Jordan e Kevin Sullivan, “Trade Brings Riches, but Not to Mexico’s Poor”, Washington Post, March 22, 2003.

82 The Council on Foreign Relations, citado em Nathan Thornburgh, “Immigration: The Case for Amnesty”, Time Magazine, June 7, 2007. Disponível online em http://www.time.com/time/nation/article/0,8599,1630168-1,00.html.

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Ciclo organizado pelos docentes da disciplina de Economia Internacional

da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Colaboração do Núcleo de Estudantes de Economia da Associação Académica de Coimbra

Apoio da Coordenação do Núcleo de Economia da FEUC

Com o apoio das instituições:

Reitoria da Universidade de Coimbra

Teatro Académico de Gil Vicente

Caixa Geral de Depósitos

Fundação para a Ciência e a Tecnologia

Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC

DOC TAGV / FEUC

2009 - 2010

A Economia Global e os Muros da Repartição do Rendimento

Textos seleccionados, traduzidos e organizados por:

Júlio Mota, Luís Peres Lopes e Margarida Antunes

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CICLO INTEGRADO DE CINEMA,

DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

2009/2010

A ECONOMIA GLOBAL E OS MUROS DA REPARTIÇÃO DO RENDIMENTO

DOC TAGV / FEUC

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SESSÃO 2

ECONOMIA GLOBAL E OS MUROS DA REPARTIÇÃO:

MIGRANTES E REGULAÇÃO DOS MERCADOS DE TRABALHO

SEGUNDA-FEIRA 26.10.2009

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15:00 SALA KEYNES DA FACULDADE DE ECONOMIA

CONFERÊNCIAS DE:

MARIA LORENA COOK (UNIVERSIDADE DE CORNELL)

GRACIELA BENSUSAN (UAM, PROFESOR DE TIEMPO COMPLETO;

FLACSO, PROFESOR DE TIEMPO PARCIAL)

COMENTÁRIOS DE:

MARIA DA CONCEIÇÃO RAMOS (FEP), MARIA TERESA MENDES (CPR)

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21:15 TEATRO ACADÉMICO DE GIL VICENTE

FILME/DOCUMENTÁRIO:

A ATRAVESSAR O ARIZONA (CROSSING ARIZONA)

DE JOSEPH MATHEW & DAN DEVIVO / 2006

COMENTÁRIOS E DEBATE COM:

MARIA LORENA COOK, GRACIELA BENSUSAN,

MARIA DA CONCEIÇÃO RAMOS, MARIA TERESA MENDES