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Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no DF Filiado à CUT/FENAJUFE Ano XVIII - nº 65 Abril de 2010

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  • Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciárioe do Ministério Público da União no DF

    Filiado à CUT/FENAJUFE

    Ano XVIII - nº 65Abril de 2010

  • 2 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    A capital foi decapitada em 64, pela ditadura deles, mas resistiu; a

    capital foi ultrajada pela arrogância, deles, que criaram currais eleito-rais na distribuição de lotes e horRORIZaram a cidadania, mas sobre-

    viveu; a capital foi traída por eles, em sua confiança, quando o que

    seria um “renascer”, uma “retomada” da sua utopia foi jogada no

    ralo das meias e infâmias. Precisa levantar. Eles não nos merecem.

    Eles são selos cúmplices do silêncio comprado, são celas acarpetadascom ares de gabinetes, são as salas perfumadas pelos dejetos lobis-

    tas. Eles são o que são porque, de certo modo, permitimos a existên-

    cia deles. E não percebemos as máscaras da conversa fácil como

    simulacro de um caráter frívolo. Eles nos desacatam com tamanho

    escárnio que só nos resta aprender como servir melhor para que eles

    nunca mais voltem...

    traídaCapital

    “Eles aviltamo suor

    candango”

    TT CATALÃO

    CONTINUA NA P. 26 FOTO

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  • 3Revista do Sindjus • Abril de 2010

    “Nunca foi fácilpassar pelascomissões emtempo hábil.Sempre tivemosque pressionarmuito. Agora nãoserá diferente.Temos de mostraraos poderesLegislativo, Execu-tivo e Judiciário eao MPU a nossamobilização”

    AO LEITOR

    Roberto PolicarpoCoordenador-geraldo Sindjus

    ROBE

    RTO

    STU

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    Pressão totalPressão! Esta é a principal pala-vra no dicionário de aprovaçãode um plano de cargos e salári-os. Foi assim nas versões anteri-ores e continuará a ser assim emrelação à atual proposta de PCCRque está na Câmara. Nunca foifácil passar pelas comissões emtempo hábil. Sempre tivemos quepressionar muito. Agora não serádiferente. Temos de mostrar aospoderes Legislativo, Executivo eJudiciário e ao Ministério Públi-co a nossa mobilização. O sindi-cato já colocou adesivos pelaaprovação imediata dos projetos

    à disposição dos filiados. Sem dúvida, esta é uma lutapara levar no peito e viver vinte e quatro horas por dia.

    Não dá para dar moleza, para esmorecer, paraesperar tudo se resolver sozinho. Braços cruzados nãocombinam com planos como esses. O que faz a diferen-ça é a nossa pressão. Por isso nós, diretores, estamosfazendo inúmeras incursões à Câmara para pressionaros deputados responsáveis por apreciar nossos proje-tos. Já convencemos o relator, deputado Sabino Caste-lo Branco, e o presidente da Comissão de Trabalho,Administração e Serviço Público, Alex Canziani, a tra-balharem para que a votação das nossas matérias sedê o mais rápido possível. Trabalho semelhante seráfeito nas outras comissões.

    Desde o momento em que aceitamos, em conjun-to, lutar pela revisão do plano vigente, sabíamos que

    seria uma luta contra o tempo, que o embate seria emano eleitoral e que o Ministério do Planejamento ale-garia falta de orçamento para viabilizar nosso projeto.Por isso, ao contrário de se lamentar, reclamar e redi-mensionar as dificuldades, nós temos de arregaçar asmangas e ir à luta. Somos combativos ou não? O Sind-jus tem realizado blitz na Comissão para pressionar osdeputados. Você já participou de alguma? O nosso sin-dicato disponibilizou cartas eletrônicas para serem en-viadas para o email dos membros da Comissão. Vocêjá enviou a sua?

    Como disse no começo deste texto, a palavra deordem é pressão. Estamos cumprindo as fases iniciaisdesse processo, que pode nos levar a uma nova greve.No entanto, é preciso nos mobilizar desde já. O movi-mento de pressão precisa ganhar corpo. A categoriatem de vir a campo. A experiência nos ensina que é commobilização, e mobilização intensa, que chegaremos lá.Tudo o que está ao alcance do sindicato nesse momentotem sido feito. Os diálogos com os Três Poderes continu-am sendo realizados com frequência, para sairmos vito-riosos dessa luta. Mas a categoria precisa abraçar acausa, solidarizando-se às atividades do sindicato.

    Afinal, ainda estamos no começo da caminhada relati-va ao Congresso Nacional. Temos de aquecer nossas bate-rias para enfrentar os obstáculos da Comissão de Finanças.A palavra de ordem maior é pressão, mas há outras extre-mamente necessárias para viabilizar nossa luta: determi-nação, coragem e confiança são algumas delas. Esperamosque os servidores do Poder Judiciário e do MPU dêem nova-mente uma demonstração de garra e virtuosismo. Afinal,somos ou não somos uma categoria vencedora?

    Manifestaçãono STF emdezembro de2009: na lutapelo PCCR

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  • 4 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    Universidade de Brasília, sem dúvida, cor-porifica muito da história da capital. Cria-

    da a 15 de janeiro de 1962, contemporânea poisda própria cidade que lhe serve de berço, provo-cou uma circunstância sui generis: pela primeiravez na história do país se observou a edificaçãode uma cidade quase que simultaneamente àedificação de sua universidade. Não houve ummomento em que não houvesse uma classe inte-lectual presente.

    Mais do que isso: não foi o caso, diferente-mente das demais universidades brasileiras, dese criar uma instituição que tivesse de se adaptaràs características identitárias regionais de sua ci-dade mãe. A identidade de Brasília é cronológicae socialmente indissociável da identidade da UnB.

    Em sua vida política, teve oportunidade deacompanhar as idas e vindas de mais de quinzepresidentes nos mais diferentes regimes de Esta-dos novos, novíssimos e enfim democráticos. Foitambém abalada em 64, reformada em 68, sola-pada pela ditadura militar e ressurgida das cin-zas em 85, compartilhando um passado de cum-plicidade com Brasília.

    Também fisicamente as trajetórias se entrela-çam: ocupando, de acordo com o projeto arqui-tetônico e urbanístico, um espaço nobre e cen-tral, o campus da Universidade não se restringeaos limites institucionais e se confunde com aprópria cidade. Cresceram juntas, e os treze milmetros quadrados iniciais de área construída hojesomam 464 mil, que abrigam não somente os413 estudantes que inauguraram as salas de aula,mas já cerca de 33 mil jovens e adultos que con-tribuem para oferecer à sociedade o retorno doinvestimento em sua formação.

    Isto porque a instituição universitária que am-para e media a relação entre o intramuros e acidade não pode estar acima da ciência de queestamos todos, cidadãos, moradores e vizinhos,usufruindo bens comuns, princípio que tem raiznas diretrizes originais da Universidade. Como ex-

    OPINIÃO

    José Geraldo deSousa Junior

    Reitor da Universidade deBrasília, professor da Faculdade

    de Direito e coordenador doprojeto O Direito Achado na Rua

    “Pela primeira vezna história do país

    se observou aedificação de umacidade quase que

    simultaneamente àedificação de suauniversidade. Não

    houve um momentoem que não houves-

    se uma classe inte-lectual presente“

    O papel da UnB na capital da

    cidadania

    O pró-labore de José Geraldopara este artigo é doado

    mensalmente à campanha devoluntariado Eu Doo Talento

    (veja em www.sindjusdf.org.br)

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    pressa um de seus principais fundadores, AnísioTeixeira, em 1961, “queremos que a Universida-de de Brasília não seja apenas a 28ª universida-de do Brasil. Queremos que ela concretize umamudança real e seja um instrumento de promo-ção de cultura e de soluções de problemas, vol-tada para o meio social exterior, (...) preocupadacom o desenvolvimento da sociedade”.

    É a partir dessa bonita relação de troca,de retroalimentação, que a UnB vem consolidan-do seu espaço na constituição de Brasília numadisposição educadora para que se forme aqui umacapital da cidadania.

    É para fazer jus a essa responsabilidade quea UnB busca aprimorar cada vez mais os seusserviços à comunidade, como se pode observarnos resultados da realização da sua IX Semanade Extensão, onde mais de 22 mil inscritos detodas as idades e origens puderam participardas cerca de 400 atividades oferecidas ao pú-blico, ou nos serviços permanentes, como o Hos-pital Universitário de Brasília (HUB), a BibliotecaCentral e a presença multi-campi (Planaltina,Gama e Ceilândia).

    Para brindar, ainda, o aniversário da capitalfoi organizada a comissão “UnB 50 anos de Bra-sília”, composta por professores da universida-de, alunos, ex-alunos, representantes do gover-no federal e personalidades da mídia e da cultu-ra locais. Seu objetivo é propor e realizar ativida-des que fomentem a reflexão e a análise de gran-des temas relacionados à história, à cultura, àsociedade e ao futuro de Brasília. A programa-ção e sobretudo o processo de reflexão, que jávêm tomando lugar no âmbito da Universidade eque se desenvolverão durante todo o ano jubileude 2010, podem ser conferidas no endereço ele-trônico: http://unb50bsb.wordpress.com.

    Agradeço à estagiária Layla Jorge as idéias e a preponde-rante contribuição para a redação deste texto.

  • 5Revista do Sindjus • Abril de 2010

    EdiçãoUsha Velasco (DRT-DF 954/99)

    ReportagemCarlos TavaresDaniel CamposFabíola GóisThais Assunção

    ColaboradoresJosé Geraldo de Sousa JuniorTT Catalão

    RevisãoAna Paula Barbosa Cusinato

    Projeto gráfico e arteUsha Velasco

    Tiragem15.000 exemplares

    Revista do Sindjus

    Coordenadores-GeraisAna Paula Barbosa CusinatoBerilo José Leão NetoRoberto Policarpo Fagundes

    Coordenadores de Administraçãoe FinançasCledo de Oliveira VieiraJailton Mangueira AssisRaimundo Nonato da Silva

    Coordenadores de AssuntosJurídicos e TrabalhistasJosé Oliveira Silva

    Marília Guedes de AlbuquerqueNewton José Cunha Brum

    Coordenadores de Formaçãoe Relações SindicaisJosé Joventino Pereira de SousaAntônio José Oliveira SilvaEliane do Socorro Alves da Silva

    Coordenadores deComunicação, Cultura e LazerSheila Tinoco Oliveira FonsecaMaria Angélica PortelaValdir Nunes Ferreira

    Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do MPU no DFSDS, Ed. Venâncio V, s. 108 a 114, Brasília-DF, 70393-900 • (61) 3212-2613

    www.sindjusdf.org.br

    Brasília de todos nósNesta edição especial em homenagem aos 50 anos

    da cidade, oito fotógrafos mostram sua visão da Bra-sília viva: aquela que nós habitamos, ocupamos e mo-dificamos a cada dia. Publicamos, pela primeira vez, ahistória do sindicalismo no DF, marcada pelo suor dospioneiros e nascida de uma tragédia que o governotentou abafar, em 1959. Segundo o reitor da UnB,José Geraldo de Sousa Junior, essas lutas sociais fo-ram fundamentais para o processo de amadurecimentopolítico do DF – leia a entrevista nas páginas 18 a 21.

    Na seção Outros Eus, conheça a escritora Custódiae seu romance que mistura realidade e ficção ao relatara saga dos candangos. No poster central, TT Catalãodesabafa contra “eles”, os do “poder sem pudor”, os

    das “pegadas de lama”. Mas, em contraponto à indig-nação contra os políticos sanguessugas, lançamos nes-ta edição a série Brasília do Bem, inaugurada com ahistória da servidora do TST Márcia Miranda e sua gran-de família, todos voluntários em projetos sociais.

    As cerca de 700 entidades espiritualistas com sedeDF motivaram a reportagem sobre a vocação ecumê-nica da cidade, que ajuda até a incrementar o turis-mo. Preparamos também um apanhado sobre os mu-seus, que oferecem um amplo leque de opções parapassear e, de quebra, enriquecer a educação das cri-anças. Por fim, a reportagem visual sobre sobre o nos-so patrimônio tombado mostra um dos principais ele-mentos que valorizam a cidade: os amplos espaços.

    EDIÇÃOESPECIAL

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  • 6 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    vivaCidade

    IMAGEM

    Nem só de concreto é feita a capital, nemsó de políticos é feito o seu povo. Muitopelo contrário. Vista de perto, do lado dedentro, Brasília joga por terra os chavões,

    passa ao largo da preconceitosa visãode fria ou burocrática e nos acolhe em seusespaços amplos, seus bosques exuberantes

    e sua paradoxal beleza que mescla acidade-monumento aos ares de

    cidadezinha do interior. Em homenagem aessa beleza, oito fotógrafos aceitaram oconvite da Revista do Sindjus e mostram

    aqui a sua visão da vida em Brasília.

    Pista de skate entre o Cruzeiro e a Octogonal • Foto de Arthur Monteiro As cores e a fila na rodoviária do Plano Piloto • Foto de Luísa Molina

  • 7Revista do Sindjus • Abril de 2010Pequena bailarina vai às aulas na 303 sul • Foto de Susana Dobal A vida invade as esculturas de concreto • Foto de Usha Velasco

    Agosto na UnB: ipês amarelos explodem • Foto de Jorge Diehl

  • 8 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    Arte por toda parte:obras coletivas

    dominam as paredes naW3 sul e norte • Foto

    de Usha Velasco

    Às margens plácidasdo espelho d’água,

    na 308 sul • Foto deArthur Monteiro

    Setor Comercial Sul às 8h da manhã: ares de feira • Foto de Usha Velasco

    IMAGEM

    8 Revista do Sindjus • Abril de 2010

  • 9Revista do Sindjus • Abril de 2010No centro, à noite • Foto de Hélio Rocha As quadras também são parques • Foto de Rinaldo Morelli

    A paz do Parque da Cidade • Foto de Jorge Diehl

  • 10 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    Não, nós não erramos de cidade...Os surfistas realmente vão ao lago treinarbraçadas • Fotos de Leonardo Amaral

    IMAGEM

  • 11Revista do Sindjus • Abril de 2010

    JK acena para nós e nós acenamospara ele • Foto de Hélio Rocha

    Os cubos de Athos voltam ao Teatro, apósuma longa ausência • Foto de Jorge Diehl

    Camelôs: planejamento cede espaço àescala humana • Foto de Luísa Molina

    Parada de ônibus na 215 norte: sensação demorar num bosque • Foto de Usha Velasco

  • 12 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    Carlos Tavares

    quele carnaval de 1959 foi a gotad’água que fez transbordar a paciên-

    cia dos mais de 1.200 operários de umdos acampamentos de obras da futura ca-pital. Cansados de serem maltratados ereceber diariamente a pior alimentaçãode todos os canteiros de Brasília, um pe-queno grupo de trabalhadores atirou foraa comida – que estava estragada – e emseguida começou a bater os pratos de alu-mínio nas mesas. Foi o bastante para umdos homens da construtora Pacheco Fer-nandes avisar aos policiais da temida Guar-da Especial de Brasília (GEB) que os ope-rários estavam revoltados e haviam inici-ado um conflito.

    Como a história é sempre escrita pe-los vencedores, há inúmeras versões parao episódio que ficou conhecido como “oMassacre da Pacheco Fernandes”. Ofi-cialmente houve apenas um morto. Vá-rios outros relatos apontam dezenas ouaté centenas de trabalhadores assassi-nados a tiros covardemente, enquantodormiam num galpão de madeira mon-tado na atual Vila Planalto. Fotos que ojornalista Dídimo Paiva, do extinto Bi-nômio, de Belo Horizonte, conserva emseus arquivos, mostram três linhas de fu-ros de balas em uma das laterais do dor-mitório, que só poderiam ter sido proje-tadas por metralhadoras.

    “Esse conflito se deu porque a cons-trutora não quis deixar os operários sai-rem da obra para brincar o carnaval emFormosa, Luziânia e em outras cidadespróximas. Além disso eles já vinham recla-mando da comida, que era muito ruim, masa administração não fazia nada. Então ocor-

    Exagero, realidade, tragédia, massacreou mito, a verdade é que, ironicamente,foi preciso derramar o sangue de traba-lhadores inocentes e desarmados paranascer o primeiro sindicato de trabalha-dores do Distrito Federal, o da construçãocivil, que em março de 2010 completou 51anos. Eles desejavam apenas o direito deuma boa alimentação e de se divertir nocarnaval, “mas a firma [a Pacheco Fernan-des construiu o Palácio do Planalto, entreoutros prédios] não queria saber disso, ocarnaval ia atrasar a obra, com os traba-lhadores de ressaca, e isso ia afetar em

    HISTÓRIA

    reu o atrito que terminou em morte”, afir-ma o advogado José Oscar Pelúcio, 80 anos,que ajudou a estruturar diversos movimen-tos sindicais na capital e que ainda estáem plena atividade.

    A história nega fatos, mas não podesimplesmente rasurar os testemunhos dequem sobreviveu à carnificina. Um dosmais ricos materiais de pesquisa sobreo acontecimento é o filme ConterrâneosVelhos de Guerra, do cineasta VladimirCarvalho. Nele aparecem diversas pes-soas contando como escaparam ao cer-co ao acampamento. Aparecem viúvas,filhos de operários e outros parentes.Niemeyer se irritou com a insistência deVladimir em ouvir sua opinião: “Cortaisso, corta!”, exigiu ríspido. Mas o diá-logo está registrado na obra. Lucio Cos-ta chegou a dizer que tudo não passavade “exagero”.

    Pioneirosdo sindicalismo

    seu faturamento”, resume o advogado Ge-raldo Campos, 84 anos, que chegou a Bra-sília em 1958 para trabalhar na Novacap eesteve no acampamento da Vila Planaltono dia seguinte ao conflito.

    Campos viu os estragos no barracão, masnão os corpos dos mortos. Havia sinais deluta e confusão, marcas de bala e manchasde sangue. “Os trabalhadores contaram quemuitos deles apanharam, outros foram feri-dos, levaram tiros e muitos foram mortos.Depois os corpos foram levados em cami-nhões-caçambas e atirados em vários pon-tos distantes do acampamento. Não sei di-zer quantos foram. Mas a verdade é que foipreciso ocorrer essa tragédia para nascer o

    Suor e sangue

    Movimento sindicalno DF nasceu com

    massacre de operáriosem 1959, sobreviveu ao

    golpe militar e hoje éum grande mobilizador

    das lutas sociais

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  • 13Revista do Sindjus • Abril de 2010

    primeiro sindicato do DF”, lamenta o pionei-ro, que ajudou a enviar para o Rio de Janeiroe outras capitais os telegramas denuncian-do a tragédia.

    Se atualmente morrem no Brasil diari-amente mais de 800 trabalhadores do se-tor industrial por acidentes de trabalho, se-gundo dados oficiais, dá para imaginar comoera a situação quando se instalava, no cer-rado coberto de poeira e de segredos, a cha-mada “capital da esperança”. “As pessoasque vinham para cá eram pessoas simples,que trabalhavam na roça e não tinham con-tato com técnicas de construção. Além dis-so estavam desprotegidas, não havia quemas defendesse”, avalia Vladimir Carvalho.

    VladimirCarvalho:documentárioconta ahistórianão oficial

    Obras dacapital:milhares detrabalhadoresindefesosdiante deabusos deempreiteiras

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  • 14 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    Hoje, 51 anos após a tragédia que re-presenta um dos lados mais obscuros dahistória de Brasília, apenas um marco as-sinala o local: o cristo operário esculpidopelo artista plástico Gougon, com um parde luvas de couro e um crucifixo abraçado

    por uma corren-te. Está em ummodesto pedes-tal na Vila Planal-to, mas poucagente da própriacidade capta osignificado daobra. A correnterepresenta a ver-dade aprisionadapela história dospoderosos, se-gundo Gougon.As luvas de cou-ro simbolizam ohomem que fez acidade e que de-

    pois se fez e conquistou o seu lugar, pou-co a pouco, com a formação de uma cons-ciência social que gerou cidadania e espe-rança, ao longo de cinco décadas de lutapor seus direitos.

    Sobre a construção dessa nova men-talidade, Geraldo Campos acredita que,ao se reunir em um sindicato, os operári-os, que antes só pensavam em receber osalário para enviar às famílias, saíram doestágio do per si para o coletivo. Come-çaram a perceber que havia uma realida-de maior em torno e que poderiam se or-ganizar mais.

    “Quando aconteceu o massacre, o Hei-tor Silva falou sobre o risco de passar ama-nhã o que os operários da Pacheco Fer-nandes passaram hoje. Ele foi de obra emobra para conscientizar os trabalhadorese isso foi muito importante para o movi-mento que surgia”, atesta Campos. HeitorSilva foi um dos pioneiros na formação dosprimeiros sindicatos da capital, ao lado deGeraldo Campos, José Oscar, Benedito

    Chavita, Humberto Schetino e Adelino Cas-sis, entre outros companheiros do extintoPartido Comunista Brasileiro.

    Mais de 50 anos após o ocorrido, o nomede um desconhecido mestre de obras ain-da está presente na memória de Campos:Assunção. “Os telegramas não poderiamsair daqui porque Israel Pinheiro não ia dei-xar. Então o Assunção se ofereceu para ir aGoiânia ou a Anápolis e de lá passar ostelegramas denunciando o massacre”, lem-bra o pioneiro. Segundo ele, o presidenteJuscelino Kubitschek ficou revoltado quan-do soube do episódio e consentiu em auto-rizar a criação do sindicato.

    “Setores do governo maquinavam umplano para fazer de Brasília uma cidadeonde não houvesse pressão de massa so-bre os governantes. Chegaram até a ten-tar baixar leis proibindo a formação de sin-dicatos, mas isso não aconteceu e o movi-mento floresceu na capital. A verdade éque o movimento sindical em Brasília, mes-mo antes de sua fundação, sempre foi

    HISTÓRIA

    Consciência

    “Quando aconteceu o mas-sacre, o Heitor Silva falousobre o risco de passar

    amanhã o que os operáriosda Pacheco Fernandes pas-saram hoje. Ele foi de obraem obra para conscientizaros trabalhadores e isso foimuito importante para omovimento que surgia”

    Geraldo Campos,advogado e pioneiro

    Sempre forte, sempre ativo

    Oscar Pelúcio e Geraldo Campos,pioneiros do sindicalismo no DF:trajetória do per si para o coletivo

  • 15Revista do Sindjus • Abril de 2010

    Para Sadi Dal Rosso, professor de So-ciologia da Universidade de Brasília (UnB),a organização sindical no DF começouenfrentando problemas dos mais graves, apartir da distância de tudo na época, “umacidade surgindo do nada”. Ele faz coro comCampos e Pelúcio na constatação de que,além da construção civil, os movimentosmais fortes foram os dos bancários e dosservidores da Novacap.

    O regime militar extinguiu o movimen-to sindical em Brasília, como em todo o Bra-sil. “Todos sofreram intervenção. Só houveuma recuperação dos sindicatos lá pelosanos de 1975, 1976, quando começou aluta pela abertura política. É bom lembrarque os estudantes exerceram um papel mui-to importante. Houve a invasão da UnB emduas ocasiões, em 68 e em 77, mas elesnão recuaram, tanto alunos como profes-sores. Um fato marcante na década de 1970foi a criação da Associação dos Docentesda UnB (Adunb), em 1977. Nessa época,até 1979, ocorreu a recuperação do sindi-cato dos professores do DF, que estava sobintervenção”, lembra Dal Rosso.

    A história das lutas políticas e sociaisem Brasília, desde a fundação da cidadeaté o golpe militar, mostra que as entida-des permaneceram atuantes. Mesmo como regime de exceção houve um floresci-mento das organizações sindicais, que per-maneceram atuantes nas décadas de 70 e

    muito forte, muito ativo”, diz José Os-car Pelúcio, que ajudou a estruturar di-versas entidades entre 1961 e 1964.

    Sobre o episódio da construtora Pa-checo Fernandes, o paulista José Oscar,advogado trabalhista há 48 anos emBrasília, também militante do antigoPCB, explica que o tratamento dado pelaempresa aos trabalhadores era o piorpossível e eles não tinham com quemcontar ou a quem recorrer. “Não haviasindicato, não havia Justiça do Traba-lho. Havia apenas um juiz em Planalti-na, da Justiça comum, e mesmo assimele não contava com funcionários queconhecessem bem a legislação do tra-balho”, conta Pelúcio.

    Para ele, o avanço da consciênciade classe dos trabalhadores em Brasí-lia foi fruto da experiência de vida dosoperários e também do trabalho de se-tores mais intelectuais. No começo,lembra o advogado, as primeiras as-sembleias não animavam muito os ope-rários; mas depois elas foram crescen-do e uma nova consciência política esocial começou a surgir. Dentro desseclima, outras entidades apareceram eos operários não se sentiram mais tãosozinhos. Entre as entidades que Oscardestaca, ao lado do Sindicato da Cons-trução e do Mobiliário do DF, a Associ-ação dos Servidores da Novacap e oSindicato dos Bancários.

    Pelúcio dá destaque especial ao Sin-dicato dos Bancários na influência so-bre a criação de outras entidades, por-que era uma categoria mais experienteem lutas sindicais e negociações, comuma atividade já solidificada em gran-des centros urbanos como São Paulo, Rioe Belo Horizonte. “Um dos grandes lí-deres desse movimento foi Adelino Cas-sis, que dirigiu o sindicato em diversasocasiões. Entre as grandes conquistasdessa época (entre 60 e 64) estão a equi-paração do salário mínimo com o Rio eSão Paulo, o 13º salário e o status deservidor público para os funcionários daNovacap”, ressalta Oscar. Para chegar aessas vitórias houve muita passeata ecomícios na frente do Ministério do Tra-balho, do Palácio do Planalto e de ou-tros órgãos. As manifestações chegavama reunir, já naquele tempo, uma massade 30 mil a 40 mil trabalhadores.

    de 80, lembra o professor. Em sua análise,desde os anos 60 (da construção civil, dosbancários e dos professores) até essa fase,com o nascimento de outros sindicatosimportantes (como o dos vigilantes, co-merciários, médicos, rodoviários, entre ou-tros), o período foi de retomada da açãodos sindicatos e de surgimento de novasentidades. A partir daí houve uma mudan-ça de perfil sindical, com a hegemonia doABC Paulista e a força demonstrada pelasociedade em outras lutas, como o movi-mento pelas Diretas Já.

    Segundo Dal Rosso, houve uma reper-cussão muito forte em todo o país das ne-gociações dos metalúrgicos das fábricas deacessórios e de automóveis. Isso se irra-diou para outras regiões e os sindicatosganharam força ainda maior com a cria-ção da Central Única dos Trabalhadores(CUT): “Após a Nova República, a forçasocial era muito grande. No caso dos pro-fessores universitários, foi quando orga-nizamos o nosso plano de cargos e salári-os. A força do sindicalismo não ficou só noABC, ela se propagou pelo Brasil.”

    Em Brasília, segundo o professor, oprocesso foi o mesmo: “Os sindicatos mo-bilizaram as pessoas em lutas como a daautonomia política, por exemplo. Eles exer-ceram um papel definidor no DF. Tanto quemuitos dos nossos políticos vieram das ba-ses sindicais”, recorda.

    Um papel definidor no DF

    Sadi Dal Rosso: entidades permaneceram atuantes mesmo com o golpe militar

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  • 16 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    Ficou pronto neste mês de abril o projetode reforma do Clube do Servidor. Com

    esse empreendimento o Sindjus resgataum patrimônio dos servidores públicosque há doze anos estava entregue ao

    abandono. E implanta um novo modelode interação sociocultural, calcado nos

    conceitos de cidadania e deresponsabilidade pessoal e ambiental.

  • 17Revista do Sindjus • Abril de 2010

  • 18 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    Dentro dos 50 anos de Brasília, comovocê analisa a existência da cidade a par-tir de seu projeto original?

    Brasília, em minha opinião, concreti-za a meta e a utopia de sua fundação, nosentido de que era um projeto modernistae de interiorização do país. Nesse aspecto,sem dúvida cumpriu o seu papel. Mas, naverdade, Brasília acabou sendo tambémum espaço de revitalização social.

    Mas havia na ideia original de Bra-sília uma certa ingenuidade, porque hojevemos que ela cresceu e se desenvol-veu como qualquer outra cidade...

    Sim, mas esse é o caráter utópico dacidade. O que caracteriza a utopia? É apossibilidade de inscrever no presente umpensamento de transformação social emdireção a um futuro almejado. Não é alie-nação, é uma agregação de valores que já

    ENTREVISTAJOSÉ GERALDO DE SOUSA JUNIOR

    Para o reitorda UnB, “boaparte da dimen-são espontâneada sociedade éconduzida pelosestudantes,pela força dajuventude”

    Carlos Tavares

    o mesmo modo que se constrói uma cidade ou um prédio, cons-trói-se uma sociedade a partir de uma ideia, de uma crença, de

    uma luta. Foi assim que o carioca José Geraldo de Sousa Junior, atualreitor da Universidade de Brasília (UnB), começou a difundir seu tra-balho de assistência jurídica a comunidades carentes quando eraprofessor do Departamento de Direito, na década de 1980. Assim sur-giu o projeto Direito Achado nas Ruas – para levar assessoria jurídicaa movimentos sociais que reivindicam emprego, moradia, educação.Um dos maiores exemplos desse trabalho foi a luta pelo “direito a terdireitos” movida na Vila Telebrasília nos últimos 20 anos*.

    José Geraldo acredita que, nesse mesmo período, Brasília ergueu-se além das escalas de seu projeto original e firmou a escala humana,onde o homem atua como protagonista social em defesa de seusdireitos e aplica seus deveres para melhorar a sociedade. Com mestra-do e doutorado na UnB, onde também se graduou, ele assumiu umamilitância jurídica que o levou desde cedo a participar dos momentosdramáticos da vida da universidade nos tempos da ditadura e a atuarem defesa de estudantes e professores como advogado. Nesta entre-vista o professor fala sobre a capital, a UnB e os movimentos sociaisque deflagraram uma consciência política coletiva. E afirma que, apesarda crise, a reconstrução de Brasília está a todo vapor.

    O protagonismo social garante a maturidadedo DF. A crise política mostra a fragilidade, de umlado, mas do outro mostra a força de uma cidade.A presença da comunidade organizada em seusmovimentos foi fundamental para as mudanças

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    * Leia na Revista do Sindjus nº 55, em www.sindjusdf.org.br

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  • 19Revista do Sindjus • Abril de 2010

    apontam para a transformação. O trídolorevolucionário de 1789 (Revolução Fran-cesa) falava em liberdade e igualdade, masfalava também em fraternidade. Eles con-formam uma categoria da política que es-tava no imaginário da ideia de um direitoà cidade, de um direito à cidadania. Brasí-lia representou também um imaginário quepermitiu, nas lutas sociais e políticas, rei-vindicar a cidade para a cidadania.

    Podemos citar Marshall Berman [filósofonorte-americano]: “tudo o que é sólido sedesmancha no ar”. Ele parafraseia uma ex-pressão que está no Manifesto Comunistade 1848, escrito por Marx e Engels, que diztudo que é sagrado se dessacraliza. Engelstambém analisou a cidade, quando traba-lha uma das expressões dinâmicas da vidada cidade, que é a rua [referência às im-pressões de Engels quando chega a Man-chester, descritas no ensaio A condição da

    classe operária na Inglaterra]. Ele fala darua como o lugar onde a multidão se trans-forma em povo. É nos espaços públicos queas tensões se materializam, é lá que acon-tecem os encontros e os desencontros, asreivindicações para os direitos do homem epara a cidadania. E é nesse processo que amultidão se transforma em povo. Havia esseidealismo no projeto de Brasília e tambémhavia um horizonte utópico, mas no senti-do de que a utopia é constituída por umpensamento inscrito nos processos quetransformam o social.

    Mas aqui foram construídos espaçosmuito amplos... Será que é possível fa-lar em rua à maneira de Berman?

    Sim, os espaços são amplos, mas acidade constrói os muitos centros de ma-terialização de seus encontros. Ela cons-trói a si mesma e ocupa os espaços. Pode-

    se dizer que Brasília é um lugar onde sefazem estratégias de ação de movimentossociais. Um exemplo é a luta por moradia,que aqui representou sempre a ocupaçãodo espaço, a definição do lugar do sujeito,a expressão da autonomia.

    O registro maior desse tipo de experi-ência é a Vila Telebrasília, um lugar nãoinscrito na escala original da cidade, masque foi um espaço apropriado pela cida-dania. Na entrada da vila tem uma placacom a seguinte frase: “Aqui tem história.”A comunidade se organizou, resgatou osignificado da sua memória coletiva e so-cial. Ela trocou a subjetividade jurídica pelaafirmação do direito de morar e ocupouum espaço que antes era restrito; transfor-mou esse espaço e transformou-se, con-quistou direitos. Essa comunidade atuoucom a mediação da história e construiu odiscurso de que ao lado da urbs, ao lado

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  • 20 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    da civita, era preciso também estruturar apolis como condição de cidadania. E esseprocesso não é obra do projeto de Brasí-lia, é obra do povo, assim como a Vila Pla-nalto, o Paranoá, a Ceilândia, com o mo-vimento dos Incansáveis da Ceilândia, epor aí vai. Temos muitos exemplos ao lon-go desses 50 anos.

    Parece que a epopeia da construçãode Brasília foi sendo desdobrada em ca-pítulos de luta em busca de espaço, dodireito à habitação, e assim foi constru-ída uma tradição de consciência social...

    Sim. Criaram-se espaços de lutas soci-ais que ninguém esperava ver floresceraqui. São lutas de caráter humano queescrevem nas cidades a dimensão das ne-cessidades básicas, a necessidade de mo-rar, a necessidade de se alimentar, os di-reitos elementares da pessoa. Mas essasbuscas também ocorreram no imagináriode se criar uma cidade autônoma, como aluta pela autonomia política, na décadade 80. Aliás, esse foi também um dos tra-balhos que fizemos aqui na Comissão dos50 anos, com o lançamento do livro Me-mórias da UnB: a história da luta pela au-tonomia política, que tem depoimentos depessoas que estiveram na cena pública fa-zendo a mobilização que resultou na Cons-tituição de 1988.

    Esse movimento participou da relei-tura da Constituição de 88?

    Claro. A possibilidade de instalar naCâmara e no Senado, na presença federati-va do Brasil, representantes do Distrito Fe-deral que participaram das grandes discus-sões para formar o acervo legislativo e aatualização da Constituição foi um privilé-gio para a capital. Eu interpreto Brasíliacomo um espaço onde a utopia e o prota-gonismo social, que aqui foi muito forte,acabaram configurando a cidade como umacapital da cidadania. Tanto que o título darevista Humanidades em homenagem aos50 anos é “BrasíliaCidadePensamento”.

    Como o senhor analisa a crise queBrasília vive? É possível reconstruir uma

    situação mais sólida em termos de valorespolíticos e sociais a partir de agora?

    Eu vejo tudo isso com um sentido ex-tremamente otimista, porque sou fiel aoque acabei de argumentar. Poucas cidadesem tão pouco tempo puderam amadure-cer de forma tão expressiva como a nossa.A experiência social que antecedeu a re-presentação e a autonomia política foi fun-damental para o presente e o será para ofuturo da capital. Ela foi fruto do protago-nismo dos movimentos populares, sobretu-do dos movimentos sindicais, que tiveramum papel extremamente ativo [leia sobresindicalismo no DF nas páginas 12 a 15].Isso ocorreu aqui na UnB, com a criação daAssociação dos Docentes (Adunb) e com vá-rios outros sindicatos. Eles formaram a Fren-te Sindical de Brasília no momento em quese articularam com diversas associações desetores organizados. Isso ocorreu desdeantes da fundação da cidade até os anos70 e 80, e resultou na realidade política esocial que vivenciamos hoje.

    É interessante notar que a cidade faz50 anos e o seu primeiro sindicato, o dostrabalhadores da construção civil, com-pletou 51 anos em março. Infelizmenteele surgiu de uma tragédia, o massacreda Pacheco Fernandes.

    Esse episódio é relatado num livromuito expressivo da professora Nair Bica-lho, da UnB, chamado Construtores de Bra-sília: a participação política dos operáriosda construção civil. Observe que essa pre-sença pré-representação política, pré-au-tonomia, inseriu na dinâmica da cidadeuma experiência de protagonismo socialque foi decisiva na formação dos movimen-tos populares, como os Incansáveis Mora-dores da Ceilândia, a luta pela fixação daCidade Livre, que virou Núcleo Bandeiran-te e que era para ser só um canteiro deobras, depois a Vila Telebrasília, entre ou-tras cidades.

    É como se esses movimentos, naépoca, estivessem abrindo caminho paraa autonomia política futura da capital...

    Exatamente. Isso significa que houveum aprendizado para a política. E mesmo

    com a eleição de uma Câmara Legislati-va, com a constituição de uma bancadafederal no Congresso, é preciso dizer queesses movimentos nunca se aposentaram.É esse protagonismo social que garante amaturidade do DF. Temos agora uma crise,e a crise mostra a fragilidade, de um lado,mas do outro mostra a força de uma cida-de, de todo um povo. A presença da co-munidade organizada em seus movimen-tos, com estudantes, sindicalistas, isso tudofoi e é fundamental para as mudanças.

    Na verdade foramos estudantes que semobilizaram e protes-taram na frente do Bu-riti e da Câmara con-tra o Mensalão doDEM...

    Mas é natural queocorra isso, porque, his-toricamente, boa parteda dimensão espontâ-nea da sociedade éconduzida pelos estu-dantes, pela força da ju-ventude. A história daUNE [União Nacionaldos Estudantes] mostraisso. Há uma presençaforte dos estudantesem Brasília desde a fun-dação da UnB. Pode-mos lembrar, por exem-plo, como os estudan-tes se mobilizaram du-rante a publicação dasmedidas de emergên-cia, baixadas em 1984,às vésperas do ColégioEleitoral que elegeuTancredo Neves. Pareceque a presença dos es-tudantes na rua desen-cadeia um processoque corresponde a umarranque. Depois, osdemais setores da so-ciedade se mobilizam.

    É evidente que, se

    ENTREVISTAJOSÉ GERALDO DE SOUSA JUNIOR

    Poucas cidades em tão pouco tempo puderam amadurecer de forma tãoexpressiva como a nossa. A experiência social que antecedeu a autonomiapolítica foi fundamental para o presente e o será para o futuro da capital

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  • 21Revista do Sindjus • Abril de 2010

    não houvesse a presença de outros seg-mentos na reação à crise no GDF, eles nãoteriam conseguido despertar uma consci-ência coletiva. Isso ocorreu no noticiário,na sociedade em geral. Então eles acorda-ram o Legislativo e começaram a correratrás para que as instituições republicanasfuncionassem e cumprissem o seu papel. Asituação do DF é triste porque nos abala doponto de vista moral, mas também nos es-timula a fazer do nosso voto um ato deconsciência, de responsabilidade social.

    Tudo isso serve também para refle-tir sobre os rumos da cidade...

    Sim, mas com uma reflexão que nãoseja conformista, que seja ativa e que ori-ente a ação. Assim eu fico otimista, com a

    perspectiva de um otimismo de ação, queoriente a comunidade. Acho que Brasília,como poucas cidades no Brasil, tem umaexperiência decorrente da sua construçãoe do aprendizado da política a partir davivência prática; nesse sentido ela é mes-mo uma capital da cidadania.

    Como surgiu a idéia da Comissão dos50 Anos?

    A Universidade de Brasília e a cidadeBrasília são filhas do mesmo gesto fun-dador. UnB e Brasília são xifópagas, en-trelaçadas. Por isso entendi que a univer-sidade deveria ter uma presença mais re-flexiva sobre Brasília: a UnB pensar na ci-dade e pensar-se nela nesses 50 anos. Aideia é extrair de um conjunto de proje-

    tos um eixo que traduza as várias dimen-sões da UnB e da cidade.

    Como está o projeto de construçãodo Memorial Darcy Ribeiro?

    Foi o próprio Darcy que definiu esse pro-jeto: um espaço com a sua biblioteca e a deBerta Ribeiro, com cerca de 30 mil livros,uma pinacoteca, coleções de arte plumáriados índios brasileiros, de artesanato indí-gena, documentos. Darcy, bem ao estilodele, chamava de esse memorial de “beijó-dromo”. Ele queria um lugar também paraencontros afetivos entre os alunos, para quealém de ler os estudantes pudessem tam-bém partilhar seus sentimentos... As obrasdevem começar logo, o presidente Lula jáautorizou a liberação de recursos.

    Manifestaçãoem novembrode 2009: “Boaparte da dimen-são espontâneada sociedadeé conduzidapelos estudan-tes, pela forçada juventude”

    MARCELLO CASAL JR/ABR

    21Revista do Sindjus • Abril de 2010

  • 22 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    Thais Assunção

    m meio a personagens fictícios quese misturam a fatos reais, a escrito-

    ra Custódia Wolney, em seu romance deestreia – O preço de um sonho –, resgatade forma envolvente a história da constru-ção de Brasília e a saga dos candangos.

    Custódia veio morar em Brasília comapenas um ano de idade e aqui criou raí-zes. Casou-se, teve três filhos, já escreveutrês livros e não pensa em deixar a cida-de por nada. Viúva do servidor do TRERoberto Mateus de Oliveira – a quem de-dica o livro –, ela pesquisou muito paraampliar seu conhecimento sobre o con-texto que envolveu a transferência da ca-pital do Rio de Janeiro para o sertão goi-ano. “Busquei informações no Arquivo Pú-blico de Brasília, Museu da Memória Can-danga e Memorial JK”, conta. Em 2004,impulsionada pela amiga e jornalista Mar-garida Drumond, apresentou o livro aoFundo de Apoio à Cultura (FAC) e conse-guiu patrocínio para a primeira edição.

    No ano seguinte Custódia participouda Bienal Internacional do Livro, em SãoPaulo, onde o expôs no estande de obrasautônomas (sem editora). E teve uma sur-presa: João Antonio Carvalho Filho, dire-tor da editora paulista LivroPronto, inte-ressou-se pelo contexto cultural da obraO preço de um sonho e assinou o primei-ro contrato de edição com a escritora.

    Depois disso ela não parou mais; atu-almente já publicou a segunda edição desseromance e a primeira e segunda ediçõesde seu segundo livro, Eu, Kalunga, que con-ta a história de uma comunidade quilombola

    Do alto dos seus 91 anos,o poeta Manoel de Barros

    ensina que o ser humanoé incompleto, e que isso nãoé defeito; é qualidade.

    Assim como ele, muitas outraspessoas precisam ser Outras.E são. Esta coluna publicará

    mensalmente histórias de genteque concilia o serviço públicocom as mais diversas

    atividades. São atletas, chefesde cozinha, professores,pintores, mágicos, mecânicos,

    músicos... A lista não tem fim.

    OUTROS EUS

    A maior riqueza do homemé a sua incompletude.Nesse ponto sou abastado.Palavras que me aceitam comosou – eu não aceito.Não aguento ser apenas umsujeito que abreportas, que puxa válvulas,que olha o relógio, quecompra pão às 6 horas da tarde,que vai lá fora,que aponta lápis,que vê a uva etc. etc.PerdoaiMas eu preciso ser Outros.Eu penso renovar o homemusando borboletas.

    Manoel de Barros

    isolada desde a época da escravidão até me-ados de 1980, que ainda hoje conserva seuscostumes e suas tradições afrobrasileiras. Oterceiro romance (Sombras da Revolta) estásaindo do forno, com lançamento previstopara junho próximo.

    Outro motivo que levou CustódiaWolney a escrever sobre a capital fede-ral foi mostrar a saga dos candangos, asdificuldades dos milhares de homens emulheres que deixaram sua terra natalpor acreditarem no sonho de JK e a par-tir daí construíram seus próprios sonhosde uma vida melhor.

    Fatos marcantes que não foram re-latados na época também foram abor-dados pela escritora, como o massacredos operários da construtora PachecoFernandes (veja reportagem na página12), além dos incêndios na Cidade Livre(hoje Núcleo Bandeirante) na tentativade retirar os moradores do local após ainauguração da capital.

    “Brasília sempre despertou em mimmuito interesse, pelo fato de tantos bra-sileiros terem vindo para cá na busca demelhores condições de vida e toda a tra-jetória que envolveu a construção e atransferência da capital. No livro somen-te os personagens são fictícios, todo o con-texto histórico é real.

    Esse amor que Custódia Wolney sen-te por Brasília se reflete em seus olhos,que brilham ao falar da cidade. “Brasíliaprecisa de mais Juscelinos, líderes visio-nários e com ideais comprometidos como social. O maior presente que Brasília po-deria ganhar em seu cinquentenário seriao fim da corrupção”, sonha a escritora.

    letrasOs sonhos e as

    22 Revista do Sindjus • Abril de 2010

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    A escritoraCustódia:“Brasíliaprecisa demaisJuscelinos”

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  • Foto: Jorge Diehl

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  • 26 Revista do Sindjus • Abril de 2010

    SÉRIE BRASÍLIA DO BEM

    famíliaTudo em

    Engajado em obras sociais desde ainfância, casal compra terreno para erguer

    creche contando apenas com o salário

    26 Revista do Sindjus • Abril de 2010

  • 27Revista do Sindjus • Abril de 2010

    Usha Velasco

    nquanto políticos desonestos metema mão no dinheiro público e deixam

    no desamparo as pessoas que depen-dem dos precários serviços de saúde eeducação oferecidos pelo governo, háquem faça diferente. Bem diferentemesmo. Por todo o DF se espalham pes-soas especiais que doam seu tempo, suaenergia e o dinheiro do próprio bolsopara projetos sociais.

    “Somos muitos”, diz Márcia Miran-da Moreira, com os olhos brilhando. Ela éuma dessas pessoas – muitas – paraquem a vida só faz sentido se comparti-lhada com o próximo. Tanto que, juntocom o marido, Wagner Moreira dos San-tos, decidiu assumir, em maio de 2009,uma dívida de 2.100 reais por mês du-rante 20 anos – para comprar um lote econstruir uma creche e um centro de aten-dimento às famílias carentes de Sobra-dinho II. O dinheiro para tocar o projetosai do salário do casal, que tem quatrofilhos e mora em Sobradinho.

    Pedagoga por formação, Márcia éanalista do Tribunal Superior do Traba-lho (TST). Impressionados com tanto des-prendimento, seus colegas divulgaram ahistória no jornal eletrônico do tribunal,o TST OnLine. A divulgação espalhou-sepor e-mail e rendeu frutos. Um dia, al-guns meses após a compra do terreno,um desconhecido entrou em contato.Queria ajudar no projeto. Wagner quasenão acreditou no tipo de ajuda que eleoferecia: quitar o lote.

    Assim foi feito: a doação garantiu oterreno para construir a creche.“É incrí-vel a confiança que as pessoas deposi-tam umas nas outras, porque esse ho-mem nem nos conhecia...”, alegra-seMárcia. Wagner conta que o benfeitor nãoé nem milionário nem uma pessoa àsportas da morte, como seu desapego aodinheiro poderia fazer supor: “É um mé-dico de classe média, na faixa dos 50 anos,que decidiu dividir o patrimônio com osfilhos e quis dedicar a sua parte a umprojeto que ajudasse as pessoas.”

    Com isso, a construção da crechepode se acelerar. Márcia e Wagner têm pres-

    sa; enquanto os projetos de arquitetura eengenharia são elaborados, vão murar olote e construir um barracão para começaro atendimento à comunidade.

    “Sobradinho II cresceu muito rápidoe com pouquíssima estrutura para a po-pulação, principalmente em termos deeducação e saúde”, conta Márcia. “En-tre os adolescentes há muito consumode drogas e um alto índice de suicídios.Temos muitas mães criando os filhos so-zinhas. E muitos casais jovens, também.As crianças menores de seis anos sãouma população vulnerável. Se conseguir-mos oferecer uma creche para que asmães trabalhem tranquilas, vamos con-tribuir para garantir uma família estru-turada, no futuro.”

    A ideia é atender 120 crianças emperíodo integral e um número equiva-lente de crian-ças maioresem dois tur-nos, alternadosao horário es-colar. E ofere-cer aos paisa t i v i d a d e seducativas ede geração derenda. “A ca-rência aqui émuito grande.Temos idosos,d e f i c i e n t e sdesampara-dos, pessoasdoentes... Por isso toda ajuda é impor-tante; para todo lado que você apontar,estará acertando”, explica Wagner.

    Os planos não param por aí. “No fu-turo queremos levar a comunidade deSobradinho II para ajudar outras pesso-as necessitadas. Mostrar que eles nãosão pobres coitados, que também podemcontribuir para melhorar a vida dos ou-tros”, diz Márcia. “Temos uma depen-dência muito grande do governo e es-quecemos nosso valor pessoal. O gover-no tem que cumprir o seu papel, mas nóstambém temos nossa parte a fazer. Otrabalho social tem que ser algo queemancipe as pessoas”, analisa ela.

    Márcia com o maridoWagner e os filhos

    Paulo, Ana Luísa, André ePedro: os seis trabalham

    juntos para ajudar acomunidade carente

    Doação

    Para realizar o sonho deconstruir a creche, o casalfinanciou o lote em vinte

    anos por R$ 2.100 mensais.Um dia um desconhecidoentrou em contato: ficou

    sabendo do projeto e quisquitar o terreno. “Acho queestamos no caminho certo

    porque tudo está seencaixando”, diz Márcia.

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    Assim que decidiram comprar o ter-reno para montar a creche, Márcia eWagner passaram a fazer visitas sema-nais à comunidade de Sobradinho II. Oobjetivo é conhecer o melhor possível aspessoas e suas necessidades. Todos ossábados, de nove da manhã até a horado almoço, eles visitam as famílias, con-versam, levam livros, cestas básicas, fral-das... Às vezes dão pequenos apoios fi-nanceiros, para ajudar, por exemplo, apagar uma conta atrasada.

    Dessas visitas participam sempre osquatro filhos do casal: Paulo, de 20 anos,que se forma este ano em Biologia naUnB; André, de 18, estudante de Músi-ca na mesma universidade; Ana Luísa,de 13 anos, e o caçula Pedro, de 10, es-tudantes de uma escola particular naAsa Sul. “Eles estão acostumados comesse tipo de trabalho desde pequenini-nhos”, conta o pai, lembrando que to-dos, ainda no carrinho de bebê, estive-ram presentes nas campanhas do quilofeitas pela família.

    “Nossa família caminha sempre jun-ta”, conta Márcia. Ela também recebeudesde cedo valiosas lições de união e desolidariedade. Sua mãe, Maria Iria de Mi-randa, criou sete filhos sozinha, com osalário que recebia como merendeira deuma escola em Taguatinga. Mesmo as-sim sempre teve tempo e energia paraajudar as pessoas ainda mais necessita-das. “Ela dizia assim: ‘Filha, o mundo agente melhora’ “, lembra Márcia. A “es-cadinha” de filhos acostumou-se a vê-laenvolvida com arrecadação de alimen-tos, enxovais, sopa para os pobres... Hojetodos eles fazem trabalhos voluntários,

    junto com esposas, maridos e filhos.É impossível quantificar os resultados

    desse trabalho, em termos de vidas mo-dificadas para melhor. Só escolas a famí-lia de Dona Maria Iria já construiu duas,ambas em Sobradinho: o EducandárioEurípedes Barsanulfo (erguido junto comamigos que colocaram a mão na massaliteralmente, na maioria das vezes à noi-te e nos finais de semana) e o ColégioAlan Kardek, coordenado por José Mi-randa de Oliveira Filho, filho de DonaMaria. A matriarca dessa linhagem de vo-luntários ainda hoje dá aulas ali, para gru-pos de mulheres da comunidade.

    A família também está diretamenteenvolvida com a manutenção do Lar dosVelhinhos Bezerra de Menezes, que hojeabriga 60 idosos em Sobradinho e ondeoutra irmã de Márcia, Inês Miranda, é di-retora. Inês trabalha como oficial de jus-tiça, também tem quatro filhos e é vo-luntária desde criança. “O trabalho vo-luntário tem retorno, ele gera uma satis-fação muito grande”, garante.

    A preocupação em ajudar o próximopassou de pais para filhos também nafamília de Wagner. Quando menino, napequena Pará de Minas, cidade próxima aBelo Horizonte, ele acompanhava seuspais Maria de Lourdes e Sebastião Mo-reira dos Santos na rotina de fazer ces-tas básicas para famílias carentes e cola-borar na construção de casas. “Nesse tipode trabalho a nossa tarefa é a da perse-verança. Se a gente persevera as coisasacontecem”, ensina ele.

    Caminhando juntos

    Eles fazemacontecerA série Brasília do Bem começaoficialmente neste mês deabril, em homenagem aos 50anos da cidade. Mas, na verda-de, começou bem antes. Fazparte da tradição da Revista doSindjus publicar histórias depessoas que fazem de Brasíliaum lugar melhor. Veja aqui umpedacinho dessas histórias.Para ler mais, consulte as edi-ções anteriores no site – ondetambém funciona a campanhaEu Dôo Talento, com endereçose telefones de entidades seleci-onadas para receber a sua aju-da, como voluntário ou doador.www.sindjusdf.org.br

    Para conhecer o projeto e saber como ajudar, liguepara 9223-2213 ou acesse crechemeimei.org.br

    Vicky TavaresNas décadas de 80 e 90 ela brilhounas passarelas como modelo e estilis-ta. Mas decidiu abandonar o univer-so glamouroso da moda para cuidarde crianças em situação de risco emuitas vezes com graves problemasde saúde. Ela fundou, administra ecoordena a ONG Vida Positiva, umacasa em Taguatinga onde abrigadezenas de crianças, a maioria delassoropositiva. Tudo é feito na base daboa vontade, com doações e traba-lho voluntário – desde a comida paraas crianças até a escola e os cuida-dos com a saúde, que não são pou-cos. Para ajudar, ligue para 3034-0948 ou 3034-0040.

    Inês Miranda, diretora do Lar dos Velhinhos: trabalho voluntário gera retorno e satisfaçãoA

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    Antônio Matias,Carmen Gramachoe Iza AraújoOs recursos financeiros doadospelo empresário e o incansáveltrabalho da dupla de voluntáriasfizeram brotar nada menos de 66bibliotecas no DF, em pouco maisde dois anos. Trata-se do projetoCasa do Saber, financiado porAntônio Matias e executado pelaempresária aposentada Carmen,veterana em trabalhos pelacomunidade, e por Iza, presidenteda Associação dos Bibliotecáriosdo DF. Foram mais de um milhão eseiscentos livros espalhados porbibliotecas nas áreas maiscarentes das satélites e doentorno de Brasília.

    Paraibano, de uma família com 13filhos, Antônio Matias foi pioneiroem Brasília, para onde veio aos14 anos, “com uma mão na frentee outra atrás”, conta. Começou atrabalhar num posto de gasolinacomo frentista, foi crescendo,virou diretor e acabou sócio darede de combustíveis Gasol.Sem esquecer a origem humilde,organizou desde sempre campa-nhas de coleta e distribuição deagasalhos, brinquedos e alimen-tos – em 2006 essas campanhaschegaram à casa das toneladas.Além disso, mais de 400 funcioná-rios da Gasol estão no quadropermanente de doadores de san-gue do Hemocentro, que abastecehospitais de todo o DF.

    O projeto Casa do Saber aceitadoação de livros e precisa devoluntários para trabalhar natriagem do material doado.Informações: 3217-8585 e800-61-4554

    Luiz AmorimAs bibliotecas distribuídaspelos 35 pontos de ônibus daW3 norte são uma iniciativado empreendedor proprietáriodo Açougue Cultural T-Bone.Luiz veio de Salvador paraBrasília em 1973, aos seteanos, com a mãe e os cincoirmãos. Depois de trabalharcomo engraxate e vendedorde picolé, empregou-se aostreze anos de idade numaçougue que, duas décadas emeia mais tarde, conseguiriacomprar.

    Ele conta que só aprendeu aler aos 16 anos, na Escola-Classe da 312 norte, vizinhaao açougue onde trabalhava emorava. Apaixonou-se peloslivros e foi montando o seuacervo, sempre disponível emuma estante do açougue eemprestado sem burocracia.Em 2002 inaugurou abiblioteca comunitária T-Bone,na 712/713 norte, com 45 millivros – os mesmos queespalhou pela W3, para queficassem mais perto daspessoas. A ONG T-Boneprecisa sempre de doações delivros. Veja o projeto emwww.t-bone.org.br.

    Romilda eJosé EurípedesO técnico do TJDFT JoséEurípedes de Souza e suaesposa Romilda (na foto, coma aluna Ana Júlia) fazem umaespécie de troca. Ela évoluntária no TJ, onde traduzjulgamentos e audiências comréus surdos. Ele é voluntáriono local onde ela dá aulas, aEscola Classe 21, emTaguatinga Norte. LáEurípedes, que é deficienteauditivo, há dez anos ensinaàs crianças a LínguaBrasileira dos Sinais (Libras).

    Mesmo com poucos recursos,a escola desenvolve projetosde inclusão desde a décadade 80. “Faço isso por amor”,conta Romilda, que temaudição normal mas jáestudava Libras antes deconhecer o marido. De famíliahumilde, o mineiro Eurípedesenfrentou muitas dificuldadesna escola até aprender alinguagem de sinais, aos 14anos. “O surdo que aprendeLibras se desenvolvesocialmente e pode fazer doportuguês uma segundalíngua”, explica.

    Márcia BernardesPresidente da Associação dosVoluntários do HospitalUniversitário de Brasília(HUB), Márcia conta quesente “a maior alegria” aover que o projeto contribuipara melhorar a condição dospacientes.

    Fundada em 1993, aassociação tem treze núcleosque fazem vários tipos detrabalho. O núcleo Bula doRiso é formado por jovensvestidos de palhaço, quebrincam nos corredores,enfermarias e salas de espera.O núcleo Mediadores deHistórias, com livros efantoches, leva a literatura àsenfermarias infantis. Nonúcleo Sala de Espera daMastologia, os voluntáriosorientam as pacientes eajudam na recuperação doequilíbrio emocional e daauto-estima.

    A Associação conta com cercade 180 voluntários – númeroainda pequeno comparado aovolume de pacientes. Paraentrar para este time ouajudar de outras formas, ligue3307-1598 ou 3448-5378.

    Gláucia Maria da SilvaCoordenadora da Maria Brejeira, que fez sucesso na elitistamostra Capital Fashion Week, ela conta que a associação surgiupara ampliar a renda familiar de um grupo de donas de casa.“Deu tão certo que não conseguimos mais parar”, sorri. Muitasdelas tinham depressão, eram vítimas de agressão pelos mari-dos, estavam desempregadas ou solitárias. “Hoje elas são outrasmulheres”, conta Gláucia. Juntas, conseguiram sair da linha dapobreza sem depender de políticas assistenciais, favores políti-cos ou ajuda constante de entidades filantrópicas.

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    Templo da LBV:mandala giganteno chão e cristalno topo doprédio em formade pirâmide

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    Fabíola Góis

    a ponta de uma Asa, na 315/6Sul, um templo budista. Na ou-

    tra, na 315/6 Norte, um templo messi-ânico. Ambos de religiões orientais. Eem meio às quadras residenciais, se-guem-se inúmeras igrejas católicas,evangélicas, espíritas e seitas das maisvariadas vertentes que dão a Brasíliao título de cidade mística. O sincretis-mo religioso da capital do Brasil dá aela um charme especial, ao mesmotempo em que intriga pesquisadores,religiosos e especialistas na área.

    Afinal, Brasília está entre as capi-tais brasileiras com o maior número depessoas que se dizem sem religião,segundo pesquisa da Fundação Getú-lio Vargas (FGV). Isso não significa di-zer, no entanto, que o brasiliense nãoseja religioso, como explica o profes-sor de Filosofia da Religião da Univer-sidade de Brasília (UnB) Agnaldo Por-tugal. “Por trás disso há o ateísmo, airreligiosidade ou o desligamento emrelação às religiões institucionalizadas,tradicionais”, comenta.

    O fato de Lucio Costa e Niemeyerterem planejado o Plano Piloto comespaços e terrenos nas entrequadraspara as mais diversas religiões podeter dado à capital uma característicaecumênica. O presidente Juscelino Ku-bitschek cedeu os terrenos. E a pró-pria arquitetura da cidade dá margema esse ecumenismo. O prédio da Com-panhia Energética de Brasília (CEB), na904 norte, por exemplo, tem a formade uma pirâmide. Os míticos dizem que

    as pirâmides com a base de quatropontas e o topo de um ponto repre-sentam um canal de comunicação en-tre o mundo manifesto e Deus – o quecombina com a visão futurista e arro-jada que tanto queria JK.

    Mas a pirâmide mais visitada deBrasília é o templo da Legião da BoaVontade (LBV), na 916 sul. Símbolo doecumenismo da capital, atrai frequen-tadores de todas as religiões – ou atémesmo quem não é adepto de nenhu-ma, mas procura ali a paz que não en-contra do lado de fora. Há uma man-dala no piso, onde se pode andar so-bre uma espiral até chegar ao centro.Na abertura do topo da pirâmide háum enorme cristal que emana luz.

    O brasiliense é cristão, seja católi-

    co ou evangélico, como é a grandemaioria da população brasileira. NoBrasil, mais de 70% se diz católico. Asreligiões afrobrasileiras, em conjuntocom as religiões orientais como o Bu-dismo, o Xintoísmo, o Judaísmo e ou-tras, representam uma percentagempequena da população total do Brasil– menos de 5%. A média no Brasil depessoas que dizem não professar ne-nhuma religião é de apenas 7,4% dapopulação, de acordo com o Censodo Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE). Em Brasília, essenúmero chega a 18%. Mas são cres-centes as formas de religiosidade nãocristãs no Brasil, que ainda estão su-brepresentadas em razão do forte sin-cretismo religioso do país.

    Brasília já surgiu cheia de mistérios.Escritos indicam que Juscelino Kubitschekcristalizou o profético sonho de Dom Bos-co que, em 1883, ao viajar pela Américado Sul, disse que haveria uma terra prós-pera na faixa compreendida pelos parale-los 15 a 20, entre a cordilheira dos Andese o oceano Atlântico, exatamente onde foiinstalada a nova capital do Brasil, a “capi-tal da esperança”.

    Quanto ao futuro, não se sabe. Masessas profecias e histórias perseguem acidade desde a sua criação. Não é possí-vel dizer que aqui “jorrará leite e mel”,como disse Dom Bosco, mas pode-se afir-mar que aqui é a sede do sincretismo reli-gioso do Brasil. Estima-se que mais de 700organizações religiosas, esotéricas, filosó-

    ficas e espirituais estejam representadasem Brasília, que abriga o maior númerode templos religiosos do país.

    Ao redor da capital, há vários gruposmísticos: na Cidade Eclética, em SantoAntônio do Descoberto; no Vale do Ama-

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    RELIGIÕES

    Cheia de mistérios

    Portugal: Brasília não se enquadra nos padrões

    místicaDiversidade

    Cerca de 700 organizaçõesespiritualistas estão representadas

    em Brasília. Vocação ecumênicaajuda a incrementar até o turismo

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    nhecer, próximo a Planaltina, seita deDona Neiva, que ficou conhecida em todoo país e atraiu devotos de vários esta-dos. Em Alto Paraíso de Goiás, a 284quilômetros de Brasília, vizinha ao par-que Nacional Chapada dos Veadeiros, jáforam contadas 40 religiões e seitas.Além desses, há a Cidade da Paz, queabriga a Universidade Holística Interna-cional de Brasília (UniPaz).

    Duas pesquisas (As Novas Religiosi-dades no Ocidente: Brasília, Cidade Mís-tica e Hospitalidade e Religiosidade – Umencontro estratégico no Planalto Centraldo Brasil), realizadas pelo Centro de Ex-celência em Turismo da UnB e coordena-das pela professora Deis Siqueira, expli-cam a vocação da cidade para o turismomístico e procuram identificar o público-alvo e o tipo de infraestrutura necessáriapara bem recebê-lo. O turismo religioso éum ramo que cresce em todo o mundo. Asnovas consciências religiosas que surgemcom as seitas, filosofias e terapias alter-nativas e holísticas atraem seguidores. Sãoessas pessoas que se sentem atraídas avir para a capital do país.

    Estudos apontam que a “terra prome-tida” do sonho de Dom Bosco, nascida“entre os paralelos 15º e 20º”, fascinacada vez mais um tipo de turista que bus-ca conhecer algo além das estruturas físi-cas de Brasília. A capital seria uma espé-cie de centro irradiador de poder e ener-gia. Segundo a pesquisa, “de 200 pes-soas adeptas a grupos místicos, 76% dototal consideram Brasília predestinadae 61% consideram o Planalto Centralpredestinado”.

    “Religiões tradicionais, como o Budis-mo, estão sendo revividas no Ocidente eparticularmente em Brasília, dentro daperspectiva de uma nova religiosidade ede um novo estilo de vida, que se diferen-ciam das religiões ocidentais tradicionaiscristãs”, afirma a professora Deis Siquei-ra, no livro Novas Religiosidades no Oci-dente: Brasília, cidade mística.

    O professor Aguinaldo Portugal enten-de que o conceito do que é místico sem-pre foi pouco adequado quando o assun-to é religiosidade institucional. “É fato queBrasília não se enquadra dentro dos pa-drões”, comenta.

    RELIGIÕES

    Monge Sato:sincretismo éuma tendênciamundial, umamarca do pós-modernismo

    Há 40 templos budistas no Bra-sil, mas o de Brasília é o único aber-to à comunidade, porque os ofíci-os e meditações são feitos em por-tuguês. Ele fica na na 315/316 sul,sob a responsabilidade do mongeSato, brasileiro e neto de japonês.Formado em Sociologia e Econo-mia, o religioso é um visionário. Eleafirma que vivemos um mundo pós-modernista onde as pessoas cadavez mais buscam algo além de tec-nologia e informação.

    Sato explica que o sincretismo re-ligioso não é só característica de Bra-sília, mas sim uma tendência no mun-do. “No Japão, as famílias batizamas crianças no xintoísmo, casam nocatolicismo e enterram os entes que-ridos no budismo. Porque queremque descansem na Terra Pura doBuda”, relata. Para ele, essa é umamarca do pós-modernismo.

    Em todas as religiões, o perfil dequem procura os templos e igrejas é

    Em busca de equilíbrioo de quem está sofrendo. Segundo omonge, dificilmente o fiel ou segui-dor busca fortalecimento espiritual ena fé em Deus se está bem. “Em ge-ral, o sofrimento é disfarçado pelo es-tresse. A sociedade de hoje é muitocompetitiva”, diz.

    Para o monge Sato, essa buscapelo equilíbrio pode ser encontradano budismo e na meditação. “Masquando se procura o imediatismo, oganho é insignificante. As pessoasprecisam mudar hábitos, fazer comfrequência a meditação”, avisa. Eensina: a felicidade está dentro dagente. “Para o budismo, tudo é im-permanente, interdependente e in-substancial”, afirma.

    A comunidade que frequenta oTemplo Budista também conta compráticas orientais, como yoga e artesmarciais. Aos sábados, há a tradicio-nal feira orgânica. E durante todo omês de agosto há festas com comi-da, dança e cultura japonesa.

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  • 33Revista do Sindjus • Abril de 2010

    Templo Budistana 315/316 sul:

    filosofia oriental,meditação, yoga e

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    RELIGIÕES

    Alguns místicos dizem que Brasília é o ber-ço e ponto de partida para o aperfeiçoamentoda humanidade na Era de Aquário – era de luze beleza que, acreditam os astrólogos, propor-cionará um novo período de prosperidade es-piritual. Os ufólogos afirmam que a região éum ponto privilegiado para a comunicação comos extraterrestres. São inúmeras as especula-ções sobre a vocação mística da capital.

    Aluno da professora Deis Siqueira, Fernan-do José de Almeida diz, na monografia Hos-pitalidade e religiosidade, que as pessoas bus-cam, em geral, “experienciar a ampliação daconsciência e ver-se numa saga de autoco-nhecimento que não se restrinja a meramen-te acumular bens e patrimônios, a apenas ali-mentar-se bem, a apenas morar bem, a ape-nas viajar e ter amigos fraternos. (...) Porqueno fundo as pessoas estão buscando a si pró-prias, o Divino interno que aí reside e quer semanifestar livremente.”

    O autor afirma que essas pessoas são apoi-adas por práticas reconhecidamente relaxan-tes, como a meditação, a yoga, o tai-chi-chuane outras, que as ajudam a realizar melhor suastarefas, quando retornam aos fazeres do diaa dia e às relações familiares e sociais, quepodem ser, a partir daí, mais harmônicas.

    Foi o que procurou a servidora públicaMaria Cristina Holanda, 49 anos, adepta doBudismo há cinco anos. Praticante e tutora demeditação, ela encontrou na filosofia orientala tranquilidade que procurava. “Passei a termais energia e a me estressar menos. Aprendique precisamos viver cada momento, indepen-dente de onde estivermos”, explica.

    Maria Cristina é quem toca o sino do Tem-plo Budista todos os dias, às 7h. Em seguida,faz meditação. Começou a fazer isso depoisque o monge Haritani faleceu, em dezembropassado. A servidora é casada com o mongeSato, responsável pelo Templo. Ele toca o sinoàs 18h. “As pessoas estranham quando digoque moro no templo. Mudei meus hábitos,durmo cedo e me senti com a nobre missão detocar o sino”, conta Maria Cristina. Tocar o sinorepresenta louvar Buda e alegrar o espírito.

    Aperfeiçoamentoda humanidade

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    Independentemente da filosofia de vida,quem busca Deus busca conforto espiritual.E é assim que os frequentadores e mem-bros da Igreja Messiânica Mundial do Bra-sil recebem johrei, uma oração ministradapor meio das mãos que serve para elevar epurificar o espírito. Eles acreditam que assimo corpo físico se libera das “toxinas” queaparecem na forma de conflito e doença.

    A Messiânica é uma religião japonesafundada por Mokiti Okada, introduzida noBrasil em 1955 e que hoje reúne três mi-lhões de seguidores em todo o mundo. Temno espiritualismo e no altruísmo as basesessenciais para a concretização do mundoideal, isento de doença, pobreza e conflito.Seu fundador, também conhecido porMeishu-Sama, incentivou a prática do al-truísmo e a apreciação do belo como for-mas para a elevação da sensibilidade. De-fendeu também a aplicação de um méto-do agrícola sustentável, que preserva omeio ambiente e promove a saúde de pro-dutores e consumidores, oferecendo ali-mentos puros e saborosos.

    O reverendo Éden Mendes é o respon-sável pela igreja em Brasília e Goiás. An-tes de vir à capital, morou em Mato Gros-so e no Rio de Janeiro. Ele diz sentir dife-rença entre os frequentadores das cida-des. “Em Brasília, os moradores têm umaespiritualidade tão profunda que conse-guem alcançar com mais rapidez a inteli-gência espiritual. Aqui existe uma atmos-fera espiritual vibrante, o que provoca umaelevação mais intensa para quem procuraesse caminho”, afirma.

    Os cultos da Messiânica no templo da315/316 norte – outro prédio em forma-to de pirâmide – reúnem católicos, espíri-tas, budistas. Ninguém é tratado diferen-te por professar outra fé. O reverendoacredita que a igreja tem a missão de unirtodas as religiões para transformar o mun-do em que vivemos. “Não haverá pazmundial enquanto houver sectarismo re-ligioso”, acredita.

    Para Éden Mendes, os moradores deBrasília possuem religiosidade, mesmo quedigam não ter religião. E afirma que o mo-

    mento que vive a cidade, com oescândalo que terminou com oafastamento e prisão do gover-nador José Roberto Arruda, temum significado espiritual. “Essemomento que vive a política dacidade, para nós messiânicos, éuma purificação espiritual quechega com os 50 anos. O núme-ro cinco, na simbologia japone-sa, representa a purificação pelofogo. O momento é de grandesmudanças”, prevê. O sacerdotevai além. Ele diz que Brasília ir-radia energia para todo o Brasil,seja negativa ou positiva. “Os po-líticos daqui precisam dar exem-plo”, completa.

    Sem discriminação:cultos da Igreja Messiânica

    reúnem praticantes devárias religiões, como

    católica, espírita e budista

    Éden Mendes acha que a crisepolítica pode significar umalimpeza espiritual nos 50 anosde Brasília: “O número cinco, nasimbologia japonesa, representaa purificação pelo fogo”

    “Inteligência espiritual”

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    Gostaria de ver de perto a mesa onde a Princesa Isabelassinou a Lei Áurea? Quer ler a primeira carta brasileira, aque Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei de Portugal, como famoso trecho onde diz que nessa terra, “em seplantando, tudo dá”? Ou ver objetos que pertenceram aoPadre Cícero, conhecer o Ford Bigode 1929 dirigido peloMarechal Rondon, olhar de perto fósseis pré-históricos deanimais que viveram há milhões de anos, ver armas usadasno século XIV? Se nada disso atiça sua curiosidade, talvezvocê se interesse em admirar de perto algumas pedraspreciosas como diamantes, rubis, esmeraldas, ametistas,quartzos, safiras, topázios... Ou analisar os equipamentos eas pesquisas do Observatório Sismológico da UnB, quedetecta terremotos pelo planeta afora.

    Tudo isso está à disposição do brasiliense nos muitos – epouco visitados – museus da cidade. Apesar do descasogovernamental com os espaços e das minguadas verbasdedicadas à cultura, as cerca de quatro dezenas de museussobrevivem bravamente, mantidas por instituições públicasou privadas. Podem ser pequenos, como o Museu de Arte eTradições do Nordeste da Casa do Ceará, ou famososmonumentos turísticos como o Congresso Nacional –em qualquer caso, eles têm sempre um conteúdo rico aoferecer para adultos e crianças. Para as crianças,são especialmente importante as oportunidades decomplementar e aprofundar as informações da escola comuma vivência concreta. Conheça os museus com seus filhos– fazer isso em família é uma receita certa para fixar parasempre na memória o prazer de ver, aprender, informar-se.

    Congresso NacionalO Senado e a Câmara realizam emparceria um programa de visitasguiadas ao Congresso. O roteiromostra os pontos principais dasduas Casas e aborda temas comoa arquitetura, a história, o papeldo Congresso, a estrutura e o fun-cionamento do Legislativo no Bra-sil. O visitante tem acesso a inú-meras obras de arte, como os pai-neis de azulejos criados por AthosBulcão, o jardim concebido pelopaisagista Burle Marx e o Anjo, es-cultura de Alfredo Ceschiatti.

    olhosPara encher

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    CULTURA

    Antônio Poteiro:obra do mestrenaif é um dostesouros do acervoda Caixa Cultural

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    As visitas acontecem todos osdias, inclusive aos sábados, do-mingos e feriados, das 9h30 às 17horas. A cada trinta minutos há sa-ídas de grupos a partir do SalãoNegro. A entrada é feita pela ram-pa, na face que fica voltada paraa Esplanada. Para visitantes indi-viduais ou pequenos grupos nãoé necessário agendamento prévio.As visitas para grupos com 15 oumais integrantes, ou para pesso-as com necessidades especiais,devem agendadas na Seção deVisitação da Câmara, pelos telefo-

    nes 3216-1771 ou 3216-1772, das9h às 17h, ou no site http://www2.camara.gov.br/conheca/visiteaca-mara/formulario-de-visitacao.

    Memorial JKProjetado por Oscar Niemeyer, oprédio possui uma câmara mor-tuária de forte impacto visual, queabriga o corpo de Juscelino Ku-bitschek. O museu expõe a bibli-oteca pessoal do presidente e mui-tos objetos históricos, além de fo-tografias e obras de arte. Fica noEixo Monumental. Visitação: de

    terça a domingo, das 9h às 18h.Informações: 3226-7860.

    Museu da CaixaEconômica FederalAbrange um longo período das ar-tes plásticas no Brasil e guardauma das mais completas coleçõesde obras de arte do país. As cincogalerias expõem trabalhos em umamplo leque de expressões artísti-cas. Endereço: Setor Bancário Sul,Quadra 4, lote 3/4, anexo do edifí-cio matriz da Caixa. Visitação: ter-ça a domingo, das 9h às 21h. Visi-

    tas monitoradas podem ser agen-dadas pelo telefone 3206-9450, de8h às 12h e de 13h às 18h.

    Museu Vivo daMemória CandangaAbriga a coleção Mário MoreiraFontenelle, com fotografias queregistram a construção de Brasí-lia passo a passo. Abriga tambémmóveis e objetos de prédios his-tóricos, como o primeiro hospitalde Brasília e o primeiro hotel deluxo, destruído por um incêndioem 1978. Atualmente expõe, ain-

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    da, as peças de artesanato e artepopular do Museu de Arte de Bra-sília (MAB). Outras cinco coleçõespermanentes formam o acervo.Cada coleção conta uma história:Poeira, Lona e Concreto, Os Mui-tos Mestres que Enriquecem Nos-sas Vidas, O Cerrado de Pau dePedro e Tradição e Renovação –novos caminhos. Localização:EPIA Sul, SPMS, Lote D, NúcleoBandeirante. Visitação: terça a do-mingo, das 9h às 17h. Informa-ções: 3301-3590.

    Museu do BancoCentralGuarda um precioso acervo deobras de artistas como AlbertoGuignard, Alfredo Volpi, AntônioBandeira, Candido Portinari, Sal-vador Dalí e Tarsila do Amaral,entre outros. Além disso, o Mu-seu de Valores reúne objetos douniverso dos valores monetários,como mercadorias que já foramutilizadas como meio de paga-mento, pesos monetários, meda-lhas, condecorações, sinetes etc.Mostra também as diversas eta-pas dos processos de fabricaçãodo dinheiro, com peças como de-senhos originais, matrizes, cu-nhos, discos monetários, papéisde segurança, estudo de cores,folhas progressivas etc. Fica noSBS, Quadra 3, bloco B1, subso-lo. Visitação: terça a sexta, das10h às 17h30; sábado e domin-go das 14h às 18h. Informações:3414-2093.

    Palácio doItamaratySede do Ministério de RelaçõesExteriores, abriga em seus salõesobras de arte antigas e modernas.Possui um dos maiores acervos ar-tísticos do Brasil, além de pintu-ras históricas como O grito do Ipi-ranga, de Pedro Américo, e Cora-ção de Dom Pedro I pelo bispo do

    Oscar Niemeyer para a cidade.Conserva móveis, objetos pesso-ais e de trabalho do presidenteJuscelino Kubitschek. Na sala devídeo são exibidos filmes sobre aconstrução da capital. Fica no km0 da rodovia BR-040. Informa-ções: 3338-8694.

    Museu daImprensa NacionalO acervo é formado por peças edocumentos raros, alguns únicos,como a planta da cidade de SãoSebastião do Rio de Janeiro, quefoi o primeiro clichê de um dese-nho feito no Brasil. Inaugurado em13 de maio de 1982, fica nos jar-dins da Imprensa Nacional, noSIG, Quadra 6, lote 800.Visitação: de segunda a sexta, das8h às 17h. Informações: 3441-9618, 3441-9680.

    Museu Postal eTelegráfico da ECTAbriga mais de mil peças, comdestaque para a coleção filatélicacom mais de um mi