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  • O artista aquele que saiu

    da trincheira e no cedeu

    quanto sua marca

    diferencial. (Jorge Forbes)

    Repetio, com Estilo1.

    Repetio e o Artista

    Raymond Queneau, escritor

    francs, contemporneo de

    Lacan, fez parte do movimento

    surrealista, liderado por

    Andr Breton. Separou-se, no

    entanto, por discordar de um

    dos princpios elementares do

    Manifesto Surrealista. Este

    tentava desenvolver um

    trabalho de expresso pura do

    inconsciente sem a mediao

    da conscincia do autor, enquanto que, para Queneau, os

    trabalhos deveriam ser concebidos depois de extensas e

    detalhadas consideraes da mente consciente.

    Como muitos surrealistas, ele submeteu-se psicanlise,

    mas no para estimular sua criatividade. Destacou-se em

    1959 com o famoso Zazie dans le mtro que ganhou adaptao

    da nouvelle vague por Louis Malle, no ano seguinte.

    1 Trabalho apresentado ao Corpo de Formao em Psicanlise 2009, Mdulo II, pelo Grupo 1: Clara

    Efignia V. Brasil, Daniela Maria H. De Lamare, Daniela Gatto Rossi, Garabet Kissajikian Jr., Guilherme

    Scaff, Jaci Palma Jr., Nekhama Kovari, Tasa Zogbi, Dorothe Rdiger (sombra) e Elza Macedo (tutora).

  • Queneau fundou e liderou a OuLiPo (Ouvroir de Littrature

    Potentielle), um grupo de escritores que se dedicava a

    aplicar princpios matemticos combinatrios literatura,

    gerando imensas possibilidades de recriao da lngua

    escrita. Em atividade, at hoje, teve como integrantes

    conhecidos Georges Perec e Italo Calvino, dentre outros.

    O exemplo mais notvel da aplicao destes princpios o

    de Exercices de style. A histria prosaica de um homem que

    encontra um estranho duas vezes no mesmo dia contada de

    99 maneiras diferentes, ilustrao inequvoca da imensa

    variedade de estilos lingsticos que podem ser criados.

    Ilustrao inequvoca da repetio que demanda o novo.

    Repetio e Arte

    A repetio na arte aquela que existe por estar ancorada

    no real. a repetio da diferena, e da seu aspecto

    criativo singular e incompleto. Freud, em Os Escritores

    Criativos, quer ...saber de que fontes esse estranho ser,

    o escritor criativo, retira seu material, e como consegue

    impressionar-nos com o mesmo e despertar-nos emoes das

    quais, talvez, nem nos julgssemos capazes. (Freud)

    Os criadores, poetas, artistas, cientistas, cineastas,

    esto implicados em algo novo. Possuem menos identificaes

    paralisantes e da a mobilidade pode se manifestar, ou

    seja, ainda que toquem a mesma msica, podem toc-la em

    outro tom. Nos artistas h maior coragem e

    responsabilidade, assumem o risco de uma felicidade que no

    se encaixa nos modelos prt--porter. A arte toca o corpo,

    pois no importa mais o sentido e sim o ressoar, o ritmo.

    Da, o corolrio:reencontrar a singularidade do prprio

    trao, em qualquer tipo de expresso, uma maneira de

  • destacar o estilo (...) O artista aquele que saiu da

    trincheira e no cedeu quanto sua marca diferencial.

    (Forbes)

    atravs da anlise que se torna possvel encontrar um

    significante que por no remeter a significado algum, traz

    a marca do Real e da inveno. Ao savoir-faire com seu

    sinthoma o analisante passa do sonho criao, da

    imaginao inveno, do adiar ao agir. No porque h

    algo que sempre escapa, que no se pode fazer nada:

    ...algo sempre escapa, e do que escapa faz-se algo de bom

    (Forbes). A repetio no artista, diferente da repetio no

    neurtico, tem sempre novidade e surpresa.

    Repetio em Freud

    Em sua clnica, Freud se deparava com aquilo que insistia,

    que no cessava em buscar se fazer dizer, que provinha do

    passado, que no encontrava seu caminho em direo

    conscincia e que redundava na formao do sintoma. A

    repetio foi, assim, se transformando, ao longo do

    percurso freudiano, de um fenmeno clnico a um conceito de

    grande importncia: a compulso repetio.

    Em Recordar, Repetir e Elaborar, de 1914, Freud destaca: o

    que nos interessa, acima de tudo, , naturalmente, a

    relao desta compulso repetio com a transferncia e

    com a resistncia. Sob o efeito da resistncia, o paciente

    no recorda coisa alguma do que esqueceu e recalcou, mas o

    expressa pela atuao ou acting out. Repete no como

    lembrana, mas como ao e sem saber que est repetindo.

    Mais tarde, em 1920, Freud se deparou com um impasse ao

    perceber que havia algo que se repetia Para Alm do

    Princpio do Prazer. Deu-se conta de outra espcie de

  • satisfao que se d no nvel da pulso e que desafia os

    princpios do prazer e da realidade. Foi este o momento da

    formulao do conceito da pulso de morte.

    Repetio em Lacan

    Lacan fez da repetio um dos quatro conceitos fundamentais

    da psicanlise. Ele afirma que a repetio nunca a

    repetio do mesmo. H invariavelmente algo novo: O que se

    repete sempre algo que se produz. (Lacan) Ou seja,

    diferente da reproduo.

    O que se repete o real, que volta sempre no mesmo lugar,

    em que o sujeito procura e no acha. Isso se articula com o

    gozo que ...encontra sua origem na busca, to repetitiva

    quanto intil, do momento de satisfao de uma necessidade,

    que s se constitui como demanda no s-depois da resposta

    que lhe foi dada.(Lacan)

    Lacan busca na Fsica de Aristteles dois conceitos acerca

    da repetio: tiqu e automaton. A tiqu caracteriza-se

    como o encontro do real, essencialmente faltoso, e que no

    pode mais se dar a no ser repetindo-se infinitamente. O

    encontro com o real no est situado no nvel do

    pensamento, mas no nvel onde a fala oracular produz non-

    sense, aquilo que no pode ser pensamento.(Fink)

    J o automaton articula-se com a pulso de morte e com a

    compulso repetio de Freud. a repetio simblica,

    no do mesmo, mas da origem. O real est sempre alm do

    automaton, do retorno, da volta, da reproduo.

    Em Lacan, a repetio se articula com a subjetividade e

    est relacionada com poder fazer outra coisa com aquilo

    que, inicialmente, levava o sujeito ao sintoma. No existe

  • uma resposta racional no sentido do entendimento. S existe

    uma resposta necessria: fazer uma ao perante isso.

    (Forbes) Assim, cada sujeito, em sua singularidade, dispe

    da possibilidade de fazer algo novo.

    Referncias Bibliogrficas

    FINK, B. A causa real da repetio. IN: FELDSTEIN, R. et

    alii. Para ler o Seminrio XI de Lacan. Rio de Janeiro:

    Jorge Zahar, 1998.

    FORBES, J. Da palavra ao gesto do analista. Rio de Janeiro:

    Jorge Zahar, 1999

    ______. Voc quer o que deseja? Rio de Janeiro: Best Seller

    2003.

    FREUD, S. Alm do Princpio do Prazer (1920). ESB, vol.

    XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1969.

    ______.Escritores criativos e devaneio (1907-8). ESB, vol.

    IX. Rio de Janeiro: Imago, 1969.

    ______, Recordar, repetir e elaborar (1914). ESB, vol. XII.

    Rio de Janeiro: Imago, 1969.

    LACAN, J. Seminrio 2: O eu na teoria de Freud e na

    tcnica da psicanlise (1953-54). Rio de Janeiro:

    Jorge Zahar, 1985.

    ______. Seminrio 8: A transferncia (1960-61). Rio

    de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

    ______. Seminrio 11 : Os quatro conceitos fundamentais da

    psicanlise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.