figueira e trigueirinho

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MÁRCIA DE OLIVEIRA ESTRÁZULAS

A COMUNIDADE ESPIRITUAL “FIGUEIRA”: AINFLUÊNCIA DE TRIGUEIRINHO SOBRE O “EU”

(SELF) DE SEUS SEGUIDORES

1 EDIÇÃO

2010

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Copyright © 2011 by Márcia de Oliveira EstrázulasTodos os direitos para o BRASIL e países de lingua portuguesa reservados eprotegidos pelas leis em vigor, em cada um deles, sobre DIREITOS AUTORAISa Márcia de Oliveira Estrázulas.Nenhuma parte desse livro poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quaisforem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravaçãoou quaisquer outros.A responsabilidade total e integral sobre o conteúdo deste livro é da autora.

Capa: Márcia de Oliveira EstrázulasImpresso no BRASIL

Contato:Márcia de Oliveira Estrá[email protected]

SOBRE A FORMAÇÃO DA AUTORA MÁRCIA DE OLIVEIRA ESTRÁZULAS:- LICENCIADA EM ESTUDOS SOCIAIS- LICENCIADA EM CIÊNCIA SOCIAIS- BACHAREL EM CIÊNCIAS SOCIAIS- ESPECIALISTA EM METODOLOGIA DO ENSINO SUPERIOR- MESTRE EM CIÊNCIAS SOCIAIS- EMPRESÁRIA DESDE 1989 NO RAMO DE PERFUMARIA- ESPECIALISTA: EM CULTURA(ARTE E CIÊNCIA DOS PERFUMES);- EM MARKETING(MERCADO DE LUXO DE PERFUMES);- EM MERCHINDISING DE PERFUMES.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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Dedico esta dissertação aos meuspais, Daniel e Eny, aos quais devo tudo,aos quais amo profundamente, e a meusobrinho e afilhado, Marcelo, na espe-rança de despertar seu interesse pelapesquisa.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Roberto Ramos, professor do Doutorado da Facul-dade de Comunicação Social - PUCRS (Famecos-PUCRS), que me re-comendou ao Mestrado de Ciências Sociais – PUCRS;

À Profª. Dra. Merli Leal Silva, professora coordenadora do Cur-so de Publicidade e Propaganda da Universidade Metodista – IPA,da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e do PGCOM-PUCRS, que me incentivou a fazer o mestrado e me indicou aoPGCS-PUCRS;

Ao Prof. Me. Eduardo Pedro Corsetti, professor de CiênciasPolíticas da UFRGS, que me recomendou ao PGCS;

Ao Prof. Dr. Glênio Nicola Povoas, professor da Famecos, pelacópia do filme de Trigueirinho “Bahia de todos os Santos” (1960) epelas cópias da revista “Anhembi” de crítica de cinema editada pelaUSP;

Ao Prof. Dr. Hélio R.S. Silva, professor convidado do PGCS, porter despertado em mim a admiração por Erving Goffman e pelointeracionismo simbólico, além de suas ricas orientações extra-ofi-ciais;

Ao Prof. Dr. João Luís Medeiros, ex-professor convidado doPGCS, pelo incentivo, consideração e orientações;

Ao Prof. Dr. Ricardo Mariano, professor permanente do PGCS,excelente ouvidor, mediador e coordenador;

Ao Prof. Dr. Édson Gastaldo, professor do PGCS–UNISINOS, pelasorientações e por seu parecer sobre as alterações requeridas pelaBanca, mesmo sem termos nos conhecido pessoalmente;

Agradeço ao ex-colega, ex-vice reitor da UNISC, Me. MarcosMoura Batista dos Santos, atual Coordenador do Departamento deAntropologia da UNISC, por seu parecer sobre as alteraçõesrequeridas pela Banca;

Agradeço ao ex-colega, Me. João Paulo Cunha, professor depolítica da graduação da UFRGS, por seu parecer das alteraçõessugeridas pela Banca;

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À professora Dra. Mª Suzana Arrosa Soares, professora doPGCS-UFRGS, pelo seu parecer e consultoria em relação as altera-ções sugeridas pela Banca;

Ao Prof. Me. Celso Dias, professor da FACCAT, pela orientaçãoprovidencial e apoio emocional;

À Profª. Me. Ivone Bengochea, professora da Faculdade SãoJudas Tadeu, por sua ajuda metodológica e didática na apresenta-ção oral;

Ao Prof. Dr. José Rogério Lopes, professor do PGCS-UNISINOS,pela disposição em contribuir, mesmo sem nos conhecermos pes-soalmente até o momento da Banca. Ele é um mestre que não sótransmite conhecimento, mas ensina pelo próprio exemplo. Esta éa verdadeira maestria, uma vocação que me re-encantou pelo ofí-cio do educador;

Agradeço ao Professor Dr. Léo Peixoto Rodrigues, pela sua re-orientação em relação as alterações sugeridas pela Banca;

Ao tempo, o melhor dos mestres, senhor da razão e da justi-ça;

AO MEU MESTRE, MESTRE DOS MESTRES, MESTRE DOS AN-JOS E DOS HOMENS.

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NOTA DO AUTOR

Este livro é a publicação na íntegra da Dissertação apresenta-da como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre emCiências Sociais, pelo Programa de Mestrado em Ciências Sociais,área de concentração “Organizações e Sociedade”, da Faculdadede Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católi-ca do Rio Grande do Sul.

Como tal, este trabalho é uma pesquisa metodológica cientí-fica cujo fim não é pessoal com relação à pessoas ou fatos, apenasuma análise comportamental cinetífica.

MÁRCIA DE OLIVEIRA ESTRÁZULAS

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................ 13

2 A COMUNIDADE “FIGUEIRA” ..................................... 292.1 A COMUNIDADE FIGUEIRA E ASPECTOS DA TRAJETÓRIADE SEU LÍDER ............................................................... 302.1.1 A Fundação da Comunidade “Nazaré” ................. 342.2 A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DE “FIGUEIRA”,ASPECTOS LOGÍSTICOS, MATERIAIS, ETC. .................... 372.2.1 Estrutura Física: Sede, Casas, Setores, Monastérios,Redes de Serviço no Brasil e no Exterior ....................... 402.2.2 Organização Administrativa, Hierarquia, Categoria deMembros, Atividades, etc. ............................................. 442.2.3 Forma de Subsistência, Trabalho Voluntário e Gratuito..................................................................................... 47

2.3 CULTURA ESPIRITUAL DE “FIGUEIRA” ..................... 502.4 CONCLUSÃO ........................................................... 55

3 ERVING GOFFMAN - O INTERACIONISMO SIMBÓLICOCOMO MARCO PARA A ANÁLISE DOS RITOS DA INSTITUIÇÃOE DOS RITOS DA INTERAÇÃO ........................................ 573.1 ERVING GOFFMAN - UMA VIDA MESCLADA COM SUAVISÃO TEÓRICA ............................................................ 573.2 INTERAÇÃO SOCIAL ................................................ 683.1.1 A persuasão entre atores sociais .......................... 723.1.2 Instituições Totais ................................................ 75

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3.1.3 Comunidade desviante ......................................... 84

4 MÉTODO DE GOFFMAN E SUA APLICAÇÃO NA INTERAÇÃOSOCIAL DE “FIGUEIRA”.................................................. 894.1 PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS...... 894.2 A PESQUISA DE CAMPO SEGUNDO O MÉTODO DEGOFFMAN ..................................................................... 924.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE DOS RITOS DA INSTITUIÇÃODIMENSIONADAS COMO categorias ABSORVENTES ..... 954.3.1 Anotações das observações de campo dos ritos dainstituição já categorizadas .......................................... 974.4 CATEGORIAS SOBRE OS RITOS DE INTERAÇÃODIMENSIONADAS COMO categorias CONVERGENTES 1134.4.1 Roteiro dramático de uma instituição total ........ 1154.4.2 Conclusão .......................................................... 126

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................. 127

REFERÊNCIAS ............................................................. 135

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1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem como objetivo apresentar o estudo dacomunidade “Figueira”. Para tanto foram organizados cinco capí-tulos. A introdução é o primeiro.

No segundo há o histórico de “Figueira”. Traçamos a trajetó-ria pessoal do fundador da comunidade, trazendo à luz alguns dadosda sua biografia, sua formação de diretor de cinema no Brasil e noexterior, seus trabalhos e obras na área, seus sucessos e fracassosprofissionais até a desistência da carreira de cineasta e a posteriorfundação da comunidade “Nazaré”, de onde foi excluído pelo pró-prio grupo devido à sua forma de administrá-la. Após sair da“Nazaré”, Trigueirinho funda a comunidade “Figueira”, uma orga-nização ainda mais fechada que a “Nazaré”. Concomitantemente àadministração de “Figueira”, Trigueirinho escreveu dezenas de li-vros com profecias do fim do mundo e o resgate da terra com aju-da de extraterrestres. Hoje vive isolado.

Depois, apresentamos a comunidade “Figueira”, propriamen-te dita, sua localização geográfica, o número aproximado de resi-dentes, objetivo principal, extensão territorial, sua fauna e flora,um panorama geral das atividades cotidianas e os perfis das pes-soas que podem participar das rotinas e tarefas.

A estrutura física da comunidade, a utilização do espaço geo-gráfico tem relação com a organização espiritual e hierárquica. Aorganização hierárquica segue o modelo de pirâmide. O líder vita-lício Trigueirinho fica no topo (o profetismo tornou-se sua formade ascendência), os grupos externos e itinerantes na base e,intermediando ambos, os coordenadores mais próximos do líder.

Descrevemos a sede, as atividades e funções das casas na áreaurbana, dos setores e monastérios nas áreas rurais e dos grupositinerantes do Brasil e exterior que se hospedam e participam dasatividades da comunidade “Figueira”.

A divisão de trabalho, de tarefas e de atividades, descrita nes-te trabalho, é conseqüência do desenvolvimento da organização.Uma característica a se destacar são os conflitos decorrentes do

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choque de valores do grupo de residentes internos e do grupoexterno itinerante. Outro fator que desencadeia divergências é ointeresse do grupo estar acima das individualidades. Também omodo como as tarefas devem ser executadas e o tempo de duraçãodas mesmas são previstos pelo grupo de coordenadores internos,sem espaço para criatividade, liberdade de escolha e livre-arbítrio,aos grupos de externos itinerantes.

Também apresentamos as formas de subsistência da comuni-dade: produção agrícola para subsistência; troca do excedente;doações de alimentos, remédios, equipamentos, roupas, dinheiro,etc.; mão-de-obra voluntária e gratuita; venda de livros, fitas k-7,cds, fitas de vídeo (VHS).

Descrevemos a cultura espiritual de “Figueira”, o eremitério,onde vivem os eremitas em reclusão; seus monastérios femininose masculinos, reclusos e semi-reclusos; as regras, normas, discipli-nas e hábitos advindos da atividade espiritual; a formação ou re-quisitos dos monges, oblatos, zeladores, sacerdotes, seres-espe-lhos, residentes, aspirantes e instrutores são outras peculiaridadesaqui esclarecidas.

Estivemos pessoalmente em “Figueira”, e constatamos que láresidem mais ou menos trezentas pessoas. Sua base é a vida grupal,há pessoas de todas as idades e nacionalidades com diferentesvivências. “Figueira” tem como principal objetivo ser uma escolade formação e instrução espiritual. Como um centro espiritual, cul-tiva o serviço e a vida espiritual.

As terras de “Figueira” localizam-se na cidade de Carmo daCachoeira, interior de Minas Gerais, região sudeste do Brasil. Suaárea geográfica é, atualmente, uma fazenda de uns cem hectares.“Figueira” possui fauna e flora abundantes, plantações para sub-sistência, casas para alojamento dos visitantes, bibliotecas paraestudo, locais para curas alternativas, laboratórios artesanais e ofi-cinas de trabalho, obras e manutenção. Os alojamento são sim-ples, tanto nas casas da cidade, quanto nas da fazenda, e são dis-tribuídos aos visitantes pela secretaria geral conforme a disponibi-lidade e necessidades das tarefas internas.

Não era e não é permitido, no período em que nos hospeda-mos ali, chamadas telefônicas e contatos externos considerados

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desnecessários por parte da administração. Não são permitidostelefones celulares, filmadoras, máquinas fotográficas ou gravado-res. Os residentes optaram pelo celibato. Os hóspedes ou visitan-tes são obrigados a assumir essa condição enquanto permanecemno local. Enquanto os visitantes estão ocupando os quartos, sãoproibidas visitas ao recinto íntimo. Em “Figueira” não se estimu-lam intimidades e vínculos emocionais.

O alimento é disponibilizado, de acordo com as estações dotempo, é plantado em “Figueira” organicamente e sem agrotóxicos.Os frutos da terra não são comercializados e nenhum dos voluntá-rios que participam dessas tarefas é remunerado. As refeições sãovegetarianas e integrais, sem laticínios, açúcar refinado, sal, alho,cebola, temperos, café, bebidas alcoólicas ou refrigerantes. Nãosão usadas bebidas alcoólicas, drogas ou fumo.

Os que se hospedam em “Figueira” devem levar roupas sim-ples para trabalhos, agasalhos para trabalhos noturnos ou mati-nais, relógio para cumprir a agenda de tarefas, despertador paraacordar cedo, lanterna para trabalhos noturnos e para falta de luze demais objetos pessoais. O vestuário deve ser discreto.

As tarefas compõem-se de limpeza de casa, preparo de ali-mentos, desidratação de legumes e frutas, trabalhos na padaria,lavanderia, marcenaria e manutenção, horticultura, jardinagem,plantios e colheitas em geral. Mutirões para aberturas de estradas,radioamadorismo para contatos de emergência, apicultura, ediçãoe difusão de livros, folhetos, boletins e gravações, recepção dehóspedes, além de atendimento a pessoas necessitadas.

Todas as atividades são grupais, os estudos e as tarefas sãodesenvolvidos nas áreas de trabalho. Aos semi-internos, hóspedes,visitantes itinerantes são distribuídos tarefas que devem ser reali-zadas nos seus devidos setores. As tarefas começam antes que odia amanheça e seguem até à tardinha. Bem cedo, o grupo todocoopera na limpeza básica dos ambientes. Só depois é que é servi-do o café da manhã. Há refeições ao meio-dia e à noite. O recolhi-mento para o sono deve iniciar-se às 20h30min. O silêncio deveser respeitado a partir das 21h30min.

As palestras com Trigueirinho acontecem semanalmente, emespecial, no dia da vigília mensal, nos encontros de oração e nas

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reuniões dos monastérios. Os encontros do setor saúde (médicos eterapeutas) realizam-se também semanalmente. Os encontros deoração ocorrem três vezes ao ano.

Como fomos, por várias vezes, à “Figueira”, constatamos quehá uma organização física por setores. São duas áreas, uma urbanae uma rural na fazenda. A urbana situa-se geograficamente na cida-de de Carmo da Cachoeira, interior de MG. Encontra-se ali a Casa 1,que foi a primeira sede no início em 1987. Ela é designada secreta-ria geral de “Figueira”, coordena e distribui tarefas. Na área rural,há uma fazenda de mais ou menos cem hectares e há um setor quechama-se “Vida Criativa”, onde são feitos plantio de hortas, colhei-ta e armazenamento.

Em “Figueira” há, atualmente, sete monastérios. Alguns sãoreais, físicos, com localização geográfica precisa, onde vivem osresidentes internos; outros são virtuais, ainda não se materializa-ram fisicamente, não têm localização geográfica, são considera-dos um “modo de vida”, uma filosofia, sem precisar de um localfísico concreto propriamente dito:

O monastério 1 é feminino, semi-recluso. Localiza-se na fa-zenda e é chamado Figueira 1 ou F1. Ali há o pátio com uma áreaaberta e outra reclusa, sendo esta última o local onde residemmonjas, que são desestimuladas a ter qualquer contato social como grupo semi-interno e com o próprio grupo interno.

O monastério 2 é masculino, semi-recluso. Localiza-se na fa-zenda e é chamado de Figueira 2 ou F2. Há uma área reclusa, ondeficam os monges.

O monastério 3 é misto, eremítico (recluso).Figueira 3 ou F3localiza-se na fazenda. É designado eremitério, onde atualmentereside Trigueirinho e mais duas pessoas. Este trio vive como ere-mita e não tem contato social com o grupo interno, muito menoscom o grupo externo ou semi-interno. Dos três, apenas Trigueirinhopode transitar livremente por qualquer setor ou ter contato socialcom quem bem lhe aprouver. São permitidos retiros eremíticos em“Figueira”. O interessado deve levar uma barraca e sua própria ali-mentação, pois ficará no eremitério sem contato com ninguém.

O monastério 4 é misto, externo. Localiza-se na casa 4, quefica na cidade de Carmo da Cachoeira.

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O monastério 5 é misto, externo. Localiza-se em F1 na fazen-da.

O monastério 6 é misto, domiciliar. Localiza-se em cidadesdistantes da fazenda “Figueira”.

O monastério 7 é misto, itinerante. Localiza-se em cidadesdistantes da fazenda “Figueira”.

A organização “Figueira” está aberta para pessoas abnegadase úteis que formam grupos que poderiam ser denominados de semi-internos ou itinerantes, hóspedes, visitantes, simpatizantes, cola-boradores, adeptos, discípulos ou redes de serviço. Hospedam-seem “Figueira” para ouvir as palestras de Trigueirinho. Compramlivros, executam tarefas, em troca, “Figueira” fornece comida parao corpo e “alimento” para o espírito.

Percebemos, nas vezes em que visitamos “Figueira”, queTrigueirinho, devido à sua personalidade forte e a seu carisma,possui ascendência sobre o grupo, está, portanto, no topo da pirâ-mide hierárquica. Trigueirinho, por ser cineasta, por viajar pelomundo, teve uma vida intelectual, uma cultura mais vasta que osintegrantes de seu grupo, adquiriu mais conhecimentos, mais po-der intelectual. A “poder do saber”, de maior soma de conheci-mentos, levou-o a se tornar líder, superior em relação às pessoasdo seu grupo, podendo assim atrair, em torno de si, quantidadede simpatizantes e a organizar comunidades.

A grande profecia de Trigueirinho, hoje considerado um pro-feta pelo seu grupo, fala sobre a “Operação Resgate” da raça huma-na. Ela salvará o seu grupo do fim do mundo. Porém para queessas pessoas sejam resgatáveis precisam passar por uma mudan-ça de comportamento. Essa mudança de padrão de personalidadetêm como finalidade torná-lo humilde, sem liberdade de escolha,sem livre-arbítrio. Dessa forma passam a aceitar, acatar ordens efunções alheias à sua natureza individual egoísta e a atender aosobjetivos do coletivo, do grupo, e não aos da sua individualidade.

Percebemos que os internos de “Figueira” não lidam com di-nheiro, nem conhecem o valor a moeda nacional. A organização“Figueira”, por sua vez, dispõe de meios para a obtenção de recur-sos para a consecução de suas metas. Uma das formas de arrecadarrecursos é através de mão-de-obra voluntária e gratuita, além de

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contribuições voluntárias. Outra maneira é o cultivo agrícola parasubsistência própria. A produção excedente é trocada na cidade deCarmo da Cachoeira por gêneros alimentícios que estejam faltan-do.

Há, atualmente, poucos residentes em “Figueira”. Não há umnúmero maior porque, segundo Trigueirinho, no atual momentoda civilização, poucas pessoas conseguem libertar-se, liberar-se docompromisso com a sociedade. A estrutura, a engrenagem da pre-sente civilização continua exercendo grande influência. Algumastêm, portanto, que se despojar de encargos e desvincular-se detendências retrógradas e antiquadas, segundo Trigueirinho, paracorresponder ao que é exigido do residente. Esta postura emergiráda renúncia das ambições e satisfações pessoais em função da co-letividade.

Os que aspiram à vida no local são chamados aspirantes. Elesdevem ter uma disposição para seguir, sem reservas, com abnega-ção, com desapego, de forma altruísta e impessoal, o caminho doserviço. O aspirante deve deixar de lado o orgulho e o preconceitopara servir à humanidade. Deve aprender que a sujeição a umaorganização, a uma ordem, às regras, às normas, a determinadascondutas é necessária para um trabalho evolutivo e que, impostasnum ambiente, servem de exemplo aos demais.

O terceiro capítulo tem o objetivo de contextualizar, compre-ender e explicar a organização “Figueira”. Para tanto utilizamos,como referencial teórico e metodológico, o interacionismo simbó-lico. Neste viés estão as pesquisas de Erving Goffman, autor queenfoca as interações entre atores sociais.

Num primeiro momento, há a biografia de Erving Goffman, oexplica e justifica temas e conceitos teóricos próprios. Assim, al-guns dados biográficos ajudam a entender como a obra deste au-tor reproduz o status social dele. Uma pesquisa científica nunca étotalmente dissociada da formação de classe que lhe preexiste, detal maneira que a obra encerra sempre a marca da trajetória socialdo seu autor.

Traçamos os princípios e paradigmas do interacionismo sim-bólico, dando especial relevância aos conceitos teóricos do livro “Arepresentação do Eu na Vida Cotidiana”. A abordagem dinâmica

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constitui uma preocupação dos sociólogos e antropólogos, por istooptamos por embasar o presente estudo neste referencial teórico.Joas (1999) sustenta que a teoria deve ser desenvolvida a partirdas observações das interações dos atores sociais na vida real. Afinalidade desta pesquisa é mostrar o que os atores sociais real-mente fazem em determinados contextos, em processos observáveisde interação.

O interacionismo simbólico é uma escola da microssociologia*e introduz um objeto novo, a situação de interação. Dentro destavisão, a sociologia das organizações sugere que o funcionamentode uma organização torna-se viável com a existência de um pro-cesso flexível e permanente de negociação entre os vários atoressociais interessados na forma de divisão do trabalho. A principaltarefa da sociologia das organizações, dentro da visão dointeracionismo simbólico, é a reconstituição dos processosinteracionais, definidos e desdobrados no tempo. A tese centralque o sustenta é a da conversação diplomática, o que mantém ainstituição contínua da sociedade. O que tem por objetivo mantera continuidade da instituição da sociedade. (JOAS, 1999)

Segundo Joas (1999), a interação social é um processo quecondiciona o comportamento humano. O ator social tem um “eu”(self), que se torna objeto para si mesmo, comunica-se consigo pró-prio e age em relação a si. O “eu” (self) precisa de uma visão reflexi-va; o ator social, através de um processo de self-interaction, interagecom o mundo e com outros. Nessa interação, define o significadodas coisas. Por isso há influência das pesquisas dessa corrente naantropologia e na sociologia. Sua tarefa central é identificar o quena sociedade condiciona os comportamentos individuais do atorsocial, o que nele faz diferença para aspectos coletivos da socieda-de. O quanto o comportamento individual, a interação social e oator social são afetados pela estrutura social e também como osatores sociais podem, através de seus comportamentos, individual

* Referimo-nos à microssociologia para apontar diferentes vertentes teóricas quesurgem após a crise dos clássicos, sobretudo Durkheim e Weber nas primeiras déca-das do século xx. A microssociologia desenvolveu-se sobretudo no interior da escolade Chicago onde surgiram vertentes tais como o evolucionismo psicológico,quantativismo, condutivismo.

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e coletivo, alterar as estruturas em que atuam. Não é possível con-ceber o ator social sem a sociedade e a sociedade sem o ator social.Os dois são gerados na interação. Há influência do ator social nasociedade e vice-versa. A partir da interação, a natureza dual darelação ator social e sociedade gera o processo de individualizaçãoque é derivado da socialização (JOAS, 1991).

Goffman delimita um campo de estudo propriamente socioló-gico centrado nas situações, na análise das relações sociais em ter-mos de ações recíprocas. Em seu estudo sobre os rituais deinteração, examina o trabalho de construção da face (GOFFMAN,1999). O termo face é determinado pelos valores percebidos numainteração com o ator social. A face dá indícios da identidade, do selfformado por características sociais reconhecidas e aceitas pelo gru-po de atores sociais. As regras do grupo determinam as faces apre-sentadas em interação.

O livro “A Representação do Eu na Vida Cotidiana” serve deorientação para estudar a vida social sob o ponto de vista da mani-pulação da impressão aplicável a qualquer estabelecimento socialconcreto, poderia servir como uma referência a ser utilizada noestudo de casos da vida social institucional.

Um estabelecimento social é qualquer lugar no qual se reali-za regularmente uma forma particular de atividade. Nesse espaçohá uma equipe de atores que, em conjunto, apresenta-se à platéiautilizando regras de comportamentos social. Há uma região ondeé preparada a representação. Também há uma área onde essa ence-nação é apresentada. A entrada nessas regiões é vigiada para evi-tar que a platéia ou o auditório veja os bastidores. Entre os mem-bros da equipe há certa conivência, fidelidade, lealdade, vigilânciapara que os segredos que possam prejudicar a representação nãovenham a público.

O ponto de vista do livro “A Representação do Eu na VidaCotidiana” é o de uma representação teatral, na qual se utilizampremissas, axiomas, princípios de caráter dramatúrgico. No palcose apresentam simulações. O ator social se apresenta sob umamáscara de um personagem social para personagens sociais,projetados por outros atores sociais, a platéia social.

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Em quarto lugar, buscamos na obra de Goffman, publicada nolivro “Prisões, Manicômios e Conventos”, trazer à luz as categoriasde análises que poderiam definir as instituições totais. A caracte-rística marcante de uma instituição total é o condicionamento davida dos indivíduos através da imposição de regras internas paraas interações. Neste ambiente institucionalizado, a face, o “eu”, oself, a identidade é ameaçada ou deteriorada, podendo ser estig-matizada por parte ou por todos os membros do grupo do qual oator social faz parte, mesmo que não apresente características físi-cas que incentivem tais atitudes.

Em termos conceituais mais detalhados, limitam suas própri-as atividades num único espaço físico, é um mesmo local de mora-dia e trabalho, e as regras de comportamento condicionam a iden-tidade ideológica e filosófica do grupo. Existe um fechamento emrelação à sociedade. Goffman (1999) diz que há importância socio-lógica nas pesquisas das instituições totais, porque são locais decondicionamento dos atores sociais. Normas coletivas e compulsó-rias condicionam o comportamento interacional daqueles que per-tencem ao grupo.

Também é um objetivo da instituição total transformar o atorsocial num ser o mais próximo possível da perfeição idealizada.Goffman (1999) explica que as normas culturais condicionam comoos atores sociais devem agir quando inseridos num determinadogrupo social.

Ao se fazer parte de uma instituição qualquer, um novo pro-cesso de socialização é iniciado, porque começa um processo deadaptação com caráter permanente a seus padrões de interação.Podemos observar como um ator social condiciona sua conduta deacordo com as circunstâncias. Isto se explica pelo fato de o atorsocial ser flexível e ter a capacidade de se adaptar ao meio social ecultural. O contexto e a conjuntura social condicionam a atitude eaté o pensamento, porque a instituição exerce domínio sobre o“eu” (self) ou personalidade dos seus membros, condicionando suaideologia, cultura, costumes, hábitos, conduta e postura.

Por último, buscamos delinear, superficialmente, o perfil da-queles que se identificam com comunidades desviantes, os estig-matizados, divergentes, outsiders, liminares, retraídos, marginais,

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deslocados, rebeldes, perdidos, desenraizados, minorias, artistas,etc. Durante a mudança do século XX para o XXI, houve um perío-do de transição. Dentro desse contexto surgiu Trigueirinho re-anun-ciando a Era de Aquário, um movimento tão diverso quanto acontracultura da década de 1960, e com raízes na New Age.Trigueirinho anunciava em suas profecias que a transição para omilênio aquariano, de amor e fraternidade, seria plena de violên-cia e riscos para os espiritualmente despreparados. Por outro lado,os que estivessem em harmonia com a operação resgate, lideradapor ele, ingressariam numa nova era de iluminação espiritual eseriam orientados por seres intra-terrenos, superiores e avança-dos, emissários de uma civilização extra-terrestre, cujas espaçonaveseram os OVNIS, ajudariam a criar uma nova civilização.

Contemporaneamente não existe mais a identificação físicado estigma, mas existem os estigmatizados. São aqueles que poralgum motivo não são aceitos em determinada comunidade, por-que se afastam das expectativas sociais, culturais, econômicas, in-telectuais, físicas, etc.Suas resignações sociais podem se manifes-tar como um mecanismo de fuga e abandono da sociedade, con-vergindo para comunidades desviantes (GOFFMAN, 1988), ondeentram em contato com seus semelhantes formando uma sub-cul-tura.

Os desviantes sociais, descreve Goffman (1988), orgulham-sede sua rebeldia e evitam as divergências (Velho, 1974), restringin-do-se à proteção auto-defensiva de viverem isolados numa sub-comunidade. Ali não se sentem mais deslocados como na socieda-de aberta. Sentem-se melhores, superiores, exemplos e modelosde vida para os atores sociais da sociedade aberta, assim atraemmais simpatizantes. Turner (1974) diz que a communitas é formadapor um conjunto de atores sociais concretos e idiossincrásicos que,apesar de serem diferentes quanto ao físico e às personalidades,são iguais do ponto de vista da humanidade comum a todos. Bus-cam uma transformação e encontram algo profundamente comunale compartilhado: sua alma ou humanidade, sua ‘comum unidade’.

No quarto capítulo, descrevemos o método de pesquisa, cria-do por Goffman, para observar de forma participativa as interações.Em primeiro lugar, descrevemos o procedimento teórico-

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metodológico Goffminiano utilizado na pesquisa de campo em“Figueira”. Em segundo lugar, tomamos ciência desta comunidadepor intermédio da cadeira de cinema, da Faculdade de Comunica-ção Social da PUCRS (FAMECOS-PUCRS). Trigueirinho foi um diretorpremiado na fase do Cinema Novo brasileiro, em 1960, com o fil-me “Bahia de todos os Santos”. Em terceiro lugar, é importanteressaltar que esta pesquisa é pioneira. Não existiam estudos, en-saios, artigos, textos acadêmicos anteriores sobre esta organiza-ção. Tivemos, pois, que desbravar um novo caminho de pesquisa econstruir um novo saber, um novo conhecimento. O ineditismotornou-a trabalhosa. Levamos seis anos para realizá-la. Tivemosparadas que foram muito frutíferas, pois procuramos pôr em práti-ca o que o sociólogo Domenico de Masi chamou de ócio criativo,isto é, utilizar o tempo de lazer, o tempo recreativo para criar, pro-duzir sem pressão, sem estresse.

Por curiosidade, um exemplo do esforço que fizemos: Há umlivro chamado “Internados”, de Goffman, editado em Buenos Aires,pela Amorrortu Editores. Na época, estava esgotado na editora,não foi encontrado na Feira Internacional do Livro de Porto Alegreem novembro de 2006. Não estava disponível na biblioteca daPUCRS, UFRGS, Ulbra nem Unisinos. Nenhum dos professores doPGCS, nem os sebos de Porto Alegre, RS, possuíam um exemplaroriginal ou cópia de tal livro. Somente encontramos um exemplar,de 1972, em um sebo de São Paulo, SP, através da internet e envi-ado via sedex.

Esperamos que esta dissertação possa servir de referência paraposteriores estudos e aprofundamentos sobre o mesmo tema. Po-díamos ter optado pelo viés do ‘messianismo’, ou, pelo viés do‘poder’, estudado por Foucault, ou, ainda, do mesmo autor , o viésde ‘vigilância e punição’. Ainda, poderíamos ter optado, pelo pon-to de vista do ‘líder carismático’, de ‘communitas e liminaridade’ es-tudado por Victor Turner, pelo recorte do ‘desvio de divergência’de Gilberto Velho, etc, mas escolhemos o Interacionismo Simbóli-co e a trilogia de Goffman que trata das instituições totais, da re-presentação do “eu” na vida cotidiana e do estigma.

Goffman, em sua tese de doutorado na comunidade das IlhasShetland, construiu sua própria metodologia. Apresentou-se aos

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moradores das Ilhas como um estudante universitário que deseja-va obter informação direta sobre a economia insular. Ele se colo-cou no próprio espaço da pesquisa de campo, ou seja, no espaçodas interações dos moradores. Ali pôde perceber o infinitamentepequeno, o evidente e o óbvio. Não utilizou questionários, grava-dor, câmera de filmar. Tomava algumas notas escondidas. Mais tar-de, já conhecido e mais “participante observador” do que “obser-vador participante”, vai simplesmente reviver as interações e relatá-las no seu diário elaborado à noite no silêncio do seu quarto.

Goffman teve a oportunidade de observar as crisesinteracionais que surgem, por vezes, no meio de pequenos gruposde atores sociais. Ele participava de atividades mais informais eobservou as interações em forma de conversa. A interação, objetoda atenção de Goffman, denominava-se conversacional. Goffmanobservou a interação que ocorrem nos espaços cotidianos e ex-cluiu a preocupação com as características macrossociológicas dacomunidade. Excluiu traços que distinguiam esta ilha de uma ou-tra e examinou as interações que se assemelhavam às dos lugaresmais impessoais da vida moderna. Goffman rejeitou o tempo e oespaço, anulou a tradição da história. Dessa forma isolou as carac-terística do homem interacional puro. Ele observou as interaçõesmais impessoais das Ilhas Shetland, o resto não lhe interessava.Isto justificava sua posição, de que o seu estudo se desenrolou nacomunidade das Ilhas Shetland, mas não era um estudo da comuni-dade das Ilhas Shetland.

Através de indícios sutis das interações, Goffman captou a ló-gica do ato de encenação, o conjunto de estratégias para exibiruma imagem social que valorizava o ator, que causava uma boaimpressão, que distinguia um do outro, aspectos por vezes des-percebidos pelos leigos e que não eram considerados relevantespela maioria dos sociólogos. No entanto, esses detalhes modifica-ram o pensar sociológico no mundo.

Sua pesquisa etnográfica do hospital psiquiátrico para doen-tes mentais Santa Elizabeth colaborou para deflagrar a lutaantimanicomial no mundo. A junção do sociólogo e do etologistaserviu como uma vantagem a mais para Goffman. A linguagem docorpo ,em interação, que se observava nas ruas estava conectada

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aos contextos antropológicos de todas as interações sociais e issose tornou um critério de julgamento das formas institucionais decontrole social e dos esquemas explicativos da socialização.

Este estudo das instituições totais e, particularmente, domundo dos atores sociais, denominados por nós como hóspedes e/ou visitantes itinerantes da comunidade “Figueira”, tem como umdos seus interesses principais avaliar, o mais possível, a versão so-ciológica do “eu” (self) em interação na organização “Figueira”. Aocontrário de Goffman, acentuamos nesta pesquisa o mundo do atorsocial não-internado, dos hóspedes e/ou visitantes itinerantes quese hospedam em “Figueira” e que, ao interagirem com os atoressociais ou residentes permanentes – fazendo parte ou não da equi-pe dirigente –, entram em conflito em função de diferentes perso-nalidades, comportamentos, interesses, objetivos, hábitos, costu-mes, usos, criando-se, assim, um clima constante de conflito, dis-córdia, etc.

Apresentamo-nos como colaboradores e ficamos hospedadoscomo alguém que simpatizava com a cultura espiritual propostano local, mas evitamos a intimidade e a amizade, até porque estaconduta é condenada. Colocamos-nos no próprio espaço dasinterações, no campo de pesquisa propriamente dito, para fazeruma observação participante das interações, para verificar como aintegração faz a vida social acontecer. Procuramos nos integrar àvida cotidiana para observar as interações. Não pudemos usar gra-vadores, filmadoras, nem fotografar. Estes instrumentos são proi-bidos. Também não fizemos questionários, porque chamaria mui-ta atenção e tiraria a espontaneidade, a naturalidade das pessoasanalisadas. Tomávamos, inicialmente, pequenas notas aqui e acoláescondidas. Mais tarde, tomávamos notas, no quarto, mesmo es-tando, quase sempre, em quartos coletivos. Hospedados e viven-do no meio deles, tivemos a oportunidade e o privilégio de pre-senciar comunicações, interações e conversas cotidianas interes-santes e bastante elucidativas da sua cultura ímpar ou singular.

Queremos informar que fizemos uma observação participan-te das interações que se passam na comunidade “Figueira”, por-tanto não realizamos um estudo, propriamente dito, da comuni-dade “Figueira.” Por esta razão, não pesquisamos as características

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macrossociológicas, não levamos em conta o tempo, a história,mas somente estudamos o espaço e os traços que caracterizamesta comunidade. Procuramos examinar as interações impessoaisque podem ocorrer por divergências nas relações de poder. Portan-to, coletamos informações da organização “Figueira” seguindo,passo a passo, o método criado por Goffman.

Foram seis observações participantes ao todo no campo depesquisa. O tempo de permanência é determinado por eles. A pri-meira foi nas férias acadêmicas de verão, porque, obviamente, tí-nhamos mais tempo e porque nesta época afluem mais atores so-ciais à “Figueira”. Realizou-se no primeiro semestre de 2001, emjaneiro, por dez dias consecutivos; a segunda, nas férias acadêmi-cas de inverno, também por termos mais tempo, e também porirem mais pessoas para lá nessa ocasião, portanto realizou-se noprimeiro semestre de 2001, em julho, por quinze dias consecuti-vos; a terceira observação foi no primeiro semestre de 2002, emjulho, também nas férias acadêmicas de inverno, por sete dias con-secutivos; a quarta, no primeiro semestre de 2004, nas férias aca-dêmicas de verão, em fevereiro, por quinze dias consecutivos; aquinta foi no primeiro semestre de 2006, em fevereiro, nas fériasacadêmicas de verão, por sete dias consecutivos. A sexta e últimafoi no primeiro semestre de 2006, em julho, por cindo dias. Alémdisso, fizemos duas pesquisas de campo na comunidade Nazaré,situada na cidade de Nazaré Paulista, interior do Estado de SãoPaulo, as quais se realizaram nas férias de verão do ano 2003, maisprecisamente em janeiro, por uma semana, retornando novamen-te em fevereiro por quinze dias.

Fizemos várias outras pesquisas de campo nos subgrupos ourede de serviço de Porto Alegre. Realizamos reuniões com atoressociais do grupo e fizemos algumas observações participativas nasaudições públicas. Também pesquisamos a bibliografia, exclusiva-mente utilizada para consulta interna, do grupo de “Figueira” edas redes de serviço, pesquisamos a bibliografia das obraspublicadas por Trigueirinho, algumas indicações bibliográficasapontadas pelo próprio Trigueirinho em seus escritos tais como:‘Revistas de Sinais’, ‘Jornais de Sinais’, ‘Boletim de Sinais’, textos eartigos na internet, seu filme “Bahia de todos os Santos”, seus VHS,

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cds, fitas k-7, seus artigos críticos publicados na Revista “Anhembi”,editada pela USP, algumas críticas especializadas em cinema sobresua obra. Quase todas as fontes citadas estão anexadas para futu-ras consultas, já que seria muito dispendioso em termos de tempoe muito oneroso deslocar-se até “Figueira”, além de toda uma bu-rocracia para entrar lá.

Conforme Becker (1977) aconselha, esclarecemos que a pes-quisa foi feita sob o ponto de vista de hóspedes e/ou visitantes.Este autor enfatiza que a neutralidade ideal nas pesquisas científi-cas dificilmente é atingida, tornando assim necessário informar dequal ponto de vista nos situamos. A presente pesquisa, portanto,foi feita buscando compreender os atores sociais denominadoshóspedes e/ou visitantes itinerantes que permanecem temporaria-mente em “Figueira” e que, ao interagirem com os residentes ouinternos, sejam auxiliares ou coordenadores, entram em conflitoem função da sujeição hierárquica. Isto gera um clima de tensãopermanente, pois as disciplinas, normas, regras e tarefas impostaspelo grupo de “Figueira”, liderado por Trigueirinho, condicionamo seus “eus” (self) ou personalidades.

Quanto às instituições totais, Goffman (1999) salienta que háum interesse sociológico no estudo delas, porque condicionam osatores sociais. Regras e normas condicionam o comportamento e oque devem pensar coletivamente em virtude de pertencerem ounão àquele grupo específico. Nossa tese é que “Figueira” pode serclassificada, parcialmente, como uma instituição total por possuirmuitas características inerentes a esse fenômeno. O mais impor-tante é a percepção do seu condicionamento sobre o “eu” (self),sobre o comportamento, o pensamento e até os sentimentos dosque estão ligados a ela direta ou indiretamente.

Numa terceira instância, definimos as categorias de análisedos ritos da instituição e dos da interação, as quais foram extraí-das do referencial teórico. As categorias definidas na “representa-ção dos atores sociais” são convergentes às categorias absorven-tes das instituições totais. A seguir, fizemos um quadro de catego-rias de análises fundamentadas no livro “A Representação do Eu naVida Cotidiana”, tais como: manipulação da impressão; represen-tação; regiões e comportamento regional/estabelecimentos soci-

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ais; região frontal/região de fachada; região posterior/fundo/basti-dores; equipe; platéia/observador; segredos; papéis discrepantes;princípio norteador. As interações dos atores sociais foram exami-nadas tomando por base a interpretação teatral, a representação,o desempenho de um papel e/ou simulação de caráter dramatúrgico.

A “representação dos atores sociais” e as características dainstituição total, no contexto do Interacionismo Simbólico, pres-supõem que a situação da interação, a circunstância, o espaço dascontrovérsias (os quais têm muita importância para a sociologia)não deveriam dissociar os ritos de interação e os da instituição. Nocaso estudado da comunidade de “Figueira”, não se observou taldissociação entre os ritos. Alguns aspectos foram apresentadosseparadamente apenas para fins analíticos.

Em quarto lugar, listamos o material empírico e o classifica-mos em categorias. Por fim, analisamos as observações de campoque estão divididas em ritos da instituição e ritos de interação efazemos algumas considerações finais em forma de análise domaterial relacionado às categorias.

Mesmo conhecendo o fato de que existem muitas críticas àsinstituições totais nesta contemporaneidade, a importância desteestudo, vincula-se ao fato de que: ainda existem instituições totaisno âmbito das organizações sociais que podem ser consideradas,mesmo que parcialmente, ou em alguma medida, em instituiçõestotais. Neste sentido, é o Interacionismo Simbólico de ErvingGoffman que pode e deve ser utilizado como referência teórica parao conhecimento de tais instituições em detrimento dos estudoscontemporâneos sobre religião.

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2 A COMUNIDADE “FIGUEIRA”

O presente capítulo tem como objetivo apresentar a comuni-dade “Figueira”, para tanto foram organizados subcapítulos.

Primeiro, traçamos a trajetória pessoal do fundador, mostran-do alguns dados da sua biografia, sua formação de diretor de cine-ma no Brasil e no exterior, seus trabalhos e obras na área, seussucessos e fracassos profissionais até a desistência da carreira decineasta e a posterior fundação da comunidade “Nazaré”, de ondefoi excluído devido à sua forma absolutista de administrá-la. Apóssair da “Nazaré”, Trigueirinho funda a comunidade “Figueira”, umaorganização ainda mais fechada que a “Nazaré”.

Em segundo lugar, apresentamos a comunidade “Figueira”,sua localização geográfica, o número aproximado de residentes,seu objetivo principal, sua extensão territorial, sua fauna e flora,um panorama geral de suas atividades, seu cotidiano, suas rotinase tarefas, quais são os perfis das pessoas que poderiam participardessas atividades diárias.

A estrutura física da comunidade e a utilização do espaço ge-ográfico têm relação com a organização espiritual e hierárquica. Aorganização hierárquica segue o modelo de pirâmide. O líder vita-lício Trigueirinho no ápice (o profetismo tornou-se sua forma depoder), os grupos externos e itinerantes na base e, intermediandoambos, os discípulos, os adeptos e os coordenadores mais próxi-mos do líder.

Descrevemos a sede, as atividades e funções das casas na áreaurbana, dos setores e monastérios nas áreas rurais e dos grupositinerantes do Brasil e exterior que se hospedam e participam dasatividades da comunidade “Figueira”.

A divisão de trabalho, de tarefas e de atividades, descrita nes-te trabalho, é conseqüência do aumento da organização. Uma ca-racterística a se destacar são os conflitos decorrentes do choque devalores do grupo de residentes e do grupo externo itinerante. Ou-tro fator que desencadeia divergências é o interesse do grupo estaracima das individualidades. O modo como as tarefas obrigatórias

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devem ser executadas e o tempo de duração das mesmas são im-postos pela administração e pelo grupo de residentes aos gruposde externos itinerantes sem espaço para criatividade, liberdade deescolha e livre-arbítrio.

Também apresentamos as formas de subsistência de “Figuei-ra”: produção agrícola para subsistência; troca do excedente; doa-ções de alimentos, remédios, equipamentos, roupas, dinheiro, etc.;mão-de-obra voluntária e gratuita; venda de livros, fitas k-7, cds,fitas de vídeo (VHS).

Numa terceira parte, focalizamos a cultura espiritual de “Fi-gueira”, o eremitério, onde vivem os eremitas em reclusão; seusmonastérios, feminino e masculino, reclusos e semi-reclusos; asregras, normas, disciplinas e hábitos advindos da atividade espiri-tual; a formação ou requisitos dos monges, oblatos, zeladores,sacerdotes, seres-espelhos, residentes, aspirantes e instrutores. Porúltimo, apresentamos a conclusão.

2.1 A COMUNIDADE FIGUEIRA E ASPECTOS DA TRAJETÓRIA DESEU LÍDER

“Figueira” é uma organização liderada por José HipólitoTrigueirinho Netto. Ele nasceu em São Paulo, no ano de 1929. Seupai era um coronel do exército e professor de português.

Segundo José Inácio de Melo Souza (2003), pesquisador daCinemateca Brasileira, Trigueirinho iniciou a carreira de diretor naCompanhia Vera Cruz como auxiliar do produtor Alberto Cavalcanti.Costumava freqüentar a casa de Cavalcanti em São Bernardo doCampo - SP, onde ele e vários intelectuais conversavam sobre odestino do cinema brasileiro. Seu estudo de cinema foi no Centrode Estudos Cinematográficos do Museu de Artes de São Paulo.

Trigueirinho auxiliou o diretor Adolfo Celi no filme “Caiçara”.Foi crítico de cinema e escrevia artigos para a revista “Anhembi”especializada em cinema (editada pela Faculdade de Comunicaçãoe Artes da USP). Nas críticas de cinema que escrevia para a revista,sempre se colocava contra o imperialismo norte-americano e suaindústria cinematográfica. Ajudou em roteiros de documentários;escreveu um roteiro de propaganda para o Jockey Clube de São Pau-

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lo. Em 1953, ganhou uma bolsa de estudos do Instituto CulturalÍtalo-Brasileiro para o Centro Sperimentale de Cinematografia, emRoma.

Trigueirinho morou na Itália de 1953 a 1958, cinco anos, por-tanto, embora apenas três fossem suficientes para obter o diplomade diretor de cinema. Em 1956, colaborou nos “argumentos cine-matográficos” da equipe brasileira de produção internacional co-ordenada por Joris Ivens, Die Windrose.

Escreveu um “argumento cinematográfico” para “Roma deNotte”, outro para “Estate Romana”, e fez o roteiro de “Epoca Bella”.O roteiro de “Bahia de todos os Santos” (1959/1960), seu longa-metragem premiado, foi escrito nessa mesma época, concorrendoao Prêmio Fábio Prado, enquanto Trigueirinho realizava na Itália odocumentário “Nasce un Mercatto”.

Visando ao prêmio Fábio Prado, em 1958, para melhor rotei-ro do filme “Bahia de todos os Santos”, Trigueirinho retornou aopaís para finalização do filme. No segundo semestre, trabalhou naRex Filme. “Bahia de todos os Santos” foi filmado com JurandirPimentel (ator que cometeu suicídio após sua atuação em “Bahia”).

Em quatro de setembro de 1958, Trigueirinho solici-tou financiamento de dois milhões de cruzeiros aoBanco do Estado de São Paulo (Banespa), que foi nega-do. Em quatorze de maio de 1959, foi pedido, direta-mente ao presidente do banco Banespa, o reexame doroteiro. A Comissão de Moral e Costumes da Confe-deração das Famílias Cristãs, que era uma espécie decomissão de censura, colaborou no reexame do rotei-ro e concluiu que o mesmo não deveria ser censurado,mas salientava o fato de o filme poder se tornar gros-seiro se não fossem subtraídas algumas palavras taiscomo: “Que merda; tem ainda bons peitos; as brancasgostam de ir pra cama com negro; mas é virgem?; espe-ra que eu vou mijar”. Para fazer essas modificações,era necessária a concordância de Trigueirinho, a qualse deu por carta em nove de junho de 1959:

Desnecessário seria dizer que, sendo a minha inten-ção realizar um documento cinematográfico limpo,despido de qualquer intuito menos limpo, capaz de

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vir a representar, em verdade, uma película de cunhoaltamente social, estou disposto a exibir, de acordocom a sugestão da Confederação das Famílias Cristãs,os ‘rushes ’(tomadas), na proporção em que a fita forrodada (TRIGUEIRINHO apud SOUZA, 2003, p. 7).

Uma semana após a carta de Trigueirinho, o Banespa conce-deu-lhe o empréstimo de dois milhões de cruzeiros. Com o gover-no da Bahia, Trigueirinho conseguiu passagens de avião gratuitaspara o elenco e técnicos, bem como a cooperação da Polícia Militarpara acomodação do grupo e, ainda, suporte nos translados nacidade e arredores. As filmagens foram feitas em Salvador entrenovembro de 1959 e janeiro de 1960.

O custo final do filme foi quatro milhões de cruzeiros. Poresse motivo foi necessário um pedido de empréstimo suplementarde um milhão. A necessidade de mais recursos devia-se, também,ao convite para exibição do filme na XXI Mostra Internacional deVeneza, que começaria em agosto do mesmo ano. Esta participa-ção em Veneza não se concretizou. Trigueirinho pretendia enviar ofilme para os festivais de São Francisco, Berlim e Karlovy-Vary, mas aDivisão Cultural vetou sua participação no exterior. Em novembrode 1961, o Banco do Estado enviou a Trigueirinho a cobrança dotítulo de dois milhões de cruzeiros, vencido em doze de setembrode 1960. “Bahia de todos os Santos” somou-se à lista de emprésti-mos insolventes da Carteira de Cinema Nacional. “Bahia de todosos Santos” atraiu cerca de trezentos mil espectadores somente nacidade de São Paulo, mas eram necessários novecentos mil paranão haver prejuízo. A demora para saldar a dívida com o banco eraconseqüência da espera por vaga nos cinemas para veiculação defilmes não-comerciais, rotulados como cult pelos exibidores. “Bahiade todos os Santos” estreou em setembro de 1960, em Salvador,mas somente em março de 1961 entrou em cartaz em São Paulo.No circuito de Belo Horizonte, seis meses depois.

Trigueirinho era tido no meio cinematográfico como um cine-asta promissor, Alguns críticos cinematográficos, professores, pro-dutores apostavam na sua carreira. Por anos, ele foi identificadocomo um discípulo do mestre Cavalcanti. Os estudos deTrigueirinho no Centro Sperimentale forneceram-lhe knowhow teóri-

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co. Ele era um intelectual afinado com a vanguarda cinematográfi-ca, o viés rosselliniano. Trigueirinho seguiu, no filme “Bahia de to-dos os Santos”, as mesmas preocupações com a estética barroca deRoberto Rossellini e Frederico Fellini. Segundo confirma em suaspalavras, em 1961:

[...] esses homens (Cavalcanti e Rossellini) contribuí-ram para que eu me dedicasse de corpo e alma aocinema. Mas, se sua linguagem fosse reconhecida emminha fita, isso significaria falta de perfeita assimila-ção de minha parte. Cultura é exatamente aprender omáximo, manifestando-se em seguida através de re-cursos próprios. Seria absurdo imitar Rosselini eCavalcanti, já que, no que se propuseram exprimir,eles foram completos (TRIGUEIRINHO apud SOUZA,2003).

O roteiro transcorria no período ditatorial, salientando o can-domblé, o sindicalismo, a greve e a questão racial. Tinha um cu-nho sociológico ao captar o homem baiano em suas raízes, levan-tando o problema da miscigenação, contextualizando a questãodo homem e do humanismo, desenvolvendo uma vertente do ci-nema moderno: o documentário social (SALLES, 1988). Enquantofilmando, criou um novo paradigma para alguns críticos e futuroscineastas em Salvador, para os quais “Bahia de todos os Santos” setornaria inspiração.

O diretor Trigueirinho tende a um existencialismo. A buscado homem rosselliniano de profundas raízes religiosas. Em termosde religião, Trigueirinho não se declarava católico, tinha interessepelo hinduísmo. Foi administrador de um ashram (comunidade es-piritual hinduísta formada em torno de um guru) do indiano SriAurobindo, em Salvador. Também não era partidário dos cultos afro-brasileiros.

Traduzia um realismo social na sua concepção do homem ilus-trada em obras como “Francisco, Arauto de Deus” e “Romance naItália”. Também expressava uma modernidade em outros aspec-tos. Seguia a escola neo-realista, a improvisação com atores não-profissionais, o que favorecia uma maior criação artística. No rotei-

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ro, apareciam cenas de homossexualismo, relações ilícitas, diálo-gos chulos, cenas realistas (Miss Collins em camisola). Eram filmesproibidos para menores de dezoito anos. Para os adultos, talvezfossem uma contribuição intelectual. Para os cultos, talvez forne-cessem uma visão real da Bahia e para os incultos, mostravam aproblemática do mulato, da miscigenação.

Trigueirinho prometeu a filmagem do romance de Mário deAndrade “Amar Verbo Intransitivo”, mas parou em um único longa-metragem:

Com o abandono da carreira por Trigueirinho, váriasperguntas ficaram sem ser respondidas, como, porexemplo, qual o papel do homossexualismo na cons-trução de um personagem como Tonio, ator protago-nista do filme “Bahia de todos os Santos”? O comple-xo sexual poderia ser um sentimento de divisão naidentidade nacional do cineasta, dividido entre doispaíses, o Brasil e a Itália... (SOUZA, 2003).

Após desistir do cinema, Trigueirinho gerenciou grupos derecursos humanos em hotéis, onde foi treinador de ‘maîtres’ noSENAC/SP, foi administrador do ashram-comunidade do guru india-no Sri Aurobindo em Salvador. Trigueirinho ainda fundou comuni-dades alternativas. Primeiro, a comunidade “Nazaré Paulista”, de-pois “Figueira”. Concomitantemente, escreveu dezenas de livroscom profecias do fim do mundo e o resgate da terra com ajuda deextraterrestres.

2.1.1 A FUNDAÇÃO DA COMUNIDADE “NAZARÉ”

Antes de fundar “Figueira”, Trigueirinho criou a comunidade“Nazaré”, onde estivemos pessoalmente por duas vezes, na cidadede Nazaré Paulista, interior de São Paulo.

Inicialmente, o centro da comunidade “Nazaré”, construídoem terreno doado a Trigueirinho em comodato, foi chamado deComunidade Nazaré (Anexo A) e era um local de retiro espiritual(SILVEIRA, 2003).

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Para organizar “Nazaré”, Trigueirinho utilizou como base omesmo modelo de organização da Fundação “Findhorn”, a qual ficaao norte da Escócia. Ele convidou Sara Marriot, escritora america-na, que residia em “Findhorn”, para conhecer a comunidade “Nazaré”.Sara permaneceu mais uma temporada, somente em 1983, decidiufiar e morar na comunidade “Nazaré”. Assim, “Nazaré” passou acontar com uma co-administradora que seguia também o modelode “Auroville”, comunidade criada por Sri Aurobindo na cidade dePondicherry, Índia. Organização esta que foi, também, co-adminis-trada pela artista plástica francesa Mira Alfhassa.

A comunidade “Nazaré” é uma organização não-governamen-tal (Ong). Conta com mão-de-obra e contribuições voluntárias(GOHN, 2000). A Ong tem um centro de vivências onde se realizamworkshops e palestras terceirizados, parte do lucro destasterceirizações serve para a auto-manutenção.

A comunidade “Nazaré” localiza-se numa área de proteçãoambiental(APA), porque havia problemas ambientais existentes naregião, esta era uma área de devastação permanente.Mas apesardisso, pode-se encontrar uma variedade de animais e plantas. Hápoucos anos, a comunidade “Nazaré emprestou parte de suas ter-ras para o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) objetivando con-tribuir para a sustentabilidade ecológica local (PÁDUA, 2003).

“Nazaré” também é um centro ecumênico. Por lá circulampessoas de várias religiões, cor, raça, sexo, idade, status social oueconômico e provenientes de várias cidades do Brasil e de váriasnacionalidades.

Na comunidade, há horta e pomar, onde são plantadas verdu-ras, legumes e frutas sem agrotóxicos. A alimentação é vegetaria-na e natural. Há um jardim de ervas com estufa para secagem dasmesmas que servirão para tinturas de chás medicinais. Nesta área,há flores de diversas áreas geográficas do mundo e um jardim deinverno. Na parte construída, há copa e cozinha industrial, umapadaria que abastece o local, sala de vídeo, sala de artes e costura,além de lavanderia. Também uma sala de cura para massagens,uma sala de música e outra de estudos. Ainda há uma oficina deferramentas, uma despensa e um centro comunitário onde as pes-soas se reúnem. Os quartos são individuais, alguns com banheiros

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privativos A maioria dos banheiros é coletiva. Há uma sala zen es-pecial para meditações que são feitas em conjunto três vezes aodia e, finalmente, uma biblioteca esotérica com vários títulos eminglês, pois a mesma foi organizada por Sara Marriot.

Segundo alguns integrantes antigos do grupo, houve umarebelião, com o apoio de Sara Marriot, contra a administração radi-cal e centralizadora de Trigueirinho, não lhe restando outra opçãoque a de se retirar. Assim, em 1987, Trigueirinho cria e funda acomunidade”Figueira”, situada em Carmo da Cachoeira - MG, saidefinitivamente de “Nazaré”. Quem ficará à testa da administra-ção de “Nazaré” será Sara Marriot até abril de 1999, quando estaretorna ao seu país de origem, Estados Unidos da América. Emdois de novembro de 2000, com noventa e cinco anos de idade,faleceu.

Desde sua fundação, “Nazaré” recebe pessoas de várias cida-des do Brasil e do exterior. A sua finalidade é ser uma escola deeducação informal. Hoje, a comunidade tornou-se uma Universida-de da Luz, a Uniluz, e continua prestando serviços através de di-versos workshops, cursos e vivência, a principal vivência é a de resi-dência temporária, que possibilita experienciar, residir e estudarno seu campus.

A Uniluz é um laboratório experimental de convivência grupal,coletiva e cooperativa, a experiência de viver valores humanos nocotidiano estimula o trabalho voluntário, exercitar-se a responsa-bilidade social. A interação se dá de forma saudável, propiciando-se uma vivência e experiência ecológica interna e externa. “NazaréUniluz” é uma Ong que pratica a sustentabilidade do viver emcoletivo, em grupo. As interações se constroem e sãopotencializadas nos encontros teóricos-experenciais, comprome-tendo-se dessa forma com a sustentabilidade ecológica do planeta(SILVEIRA, 2003).

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2.2 A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DE “FIGUEIRA”, ASPECTOSLOGÍSTICOS, MATERIAIS, ETC.

Estivemos pessoalmente em “Figueira” e constatamos que láresidem aproximadamente trezentas pessoas, tendo como princi-pal objetivo a formação e instrução espiritual.

As terras de “Figueira” localizam-se na cidade de Carmo daCachoeira, interior de Minas Gerais, região sudeste do Brasil. Suaárea geográfica era originalmente uma fazenda de uns cem hecta-res. Recentemente, Trigueirinho adquiriu mais terras.

“Figueira” possui bosques, lagos, matas naturais, plantações,casas para alojamento, estudos, cura, laboratórios artesanais e ofi-cinas de trabalho. Não está ligada a doutrinas, seitas, religiões neminstituições. Sua base é a vida grupal. Cultiva o serviço e a vidaespiritual. Lá encontramos pessoas de todas as idades e nacionali-dades com diferentes vivências. As tarefas do dia-a-dia são vistascomo sagradas. Não era e não é permitido, no período em que noshospedamos ali, chamadas telefônicas e contatos externos consi-derados desnecessários por parte da administração.

Não estimulam intimidades e vínculos emocionais. Por essarazão, parentes e amigos, em geral, ficam hospedados em áreasdistintas. Existem pouquíssimas crianças, porque devem estar pron-tas para cuidar de si mesmas sem a presença dos pais e sem darmuito trabalho. São acompanhadas com atenção pelos encarrega-dos das áreas. Eles até permitem que menores de idade hospe-dem-se em “Figueira” e participem dos trabalhos, desde que com oconhecimento e a autorização escrita dos responsáveis. Os resi-dentes optaram pelo celibato. Os hóspedes ou visitantes são obri-gados a assumir essa condição enquanto permanecem no local.

As acomodações são simples e rústicas, tanto nas casas dacidade quanto nas da fazenda, e são designadas aos visitantes pelasecretaria geral de “Figueira” conforme as necessidades das tarefasinternas e a disponibilidade de alojamentos. Enquanto os visitan-tes estão ocupando os quartos, proíbem-se visitantes ao recintoíntimo.

O alimento servido é disponibilizado, de acordo com as esta-ções do ano, é cultivado organicamente e sem agrotóxicos. As re-

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feições são vegetarianas e integrais, sem laticínios, açúcar refina-do, sal, alho, cebola, temperos, café ou refrigerantes. Não são usa-das bebidas alcoólicas, nem drogas, nem fumo. Os produtos daterra não são comercializados e nenhum dos colaboradores quecompartilham de suas metas é remunerado. Come-se ao redor debufetes e senta-se fora da mesa em bancos ou cadeiras, em silên-cio. Depois, cada um lava os utensílios utilizados.

Para solicitar uma temporada, participar de algum treinamen-to ou seminário, ou em qualquer estudo, ou mesmo para uma sim-ples visita é preciso seguir certa burocracia: avisá-los com antece-dência prévia e aguardar resposta, pois não permitem a presençade pessoas sem a devida autorização.

Os que se hospedam em “Figueira” devem levar roupas debanho, roupas simples para trabalhos na lavoura, horta, pomar,estradas, agasalhos para trabalhos noturnos ou matinais, relógiopara cumprir a agenda de tarefas, despertador para acordar cedo,lanterna para trabalhos noturnos e para falta de luz e demais obje-tos pessoais. O vestuário é sóbrio e discreto. Não se permitemmaquiagens, decotes, saias curtas, vestidos curtos, roupas trans-parentes, shorts, calça de cintura baixa, miniblusa, saltos altos, etc.Não se permite uso de perfumes, incensos, telefones celulares,filmadoras ou máquinas fotográficas. Também não se podem usargravadores.

Todas as atividades são grupais, os estudos e as tarefas sãodesenvolvidos nas áreas de trabalho. Aos semi-internos, hóspedes,visitantes são distribuídos trabalhos compulsórios diversos, feitosnos setores (serão explicados posteriormente). As tarefas começamantes que o dia amanheça e seguem até 17h30min. Compõem-sede limpeza de casa, preparo de alimentos, desidratação de legu-mes e frutas, trabalhos na padaria, lavanderia, marcenaria e manu-tenção, horticultura, jardinagem e plantios e colheitas em geral,mutirões para aberturas de estradas, radioamadorismo para conta-tos de emergência, apicultura, edição e difusão de livros, folhetos,boletins e gravações, recepção de hóspedes, além de atendimentoa pessoas necessitadas. Às seis horas, o grupo todo em conjuntocoopera na limpeza básica dos ambientes. O café da manhã é às7h30min. Há refeições às doze e dezoito horas. O recolhimento

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para o sono tem início às 20h30min. O silêncio deve ser feito emespecial a partir das 21h30min.

Palestras com Trigueirinho realizam-se às quartas-feiras e aossábados, às dezessete horas; aos domingos, às 11h30min; no diada vigília mensal às dezessete horas; nos encontros de oração enas reuniões dos monastérios às seis horas e às 13h30min. Osencontros do setor saúde realizam-se às quartas-feiras às nove ho-ras pelos médicos e terapeutas. Os encontros de oração ocorremtrês vezes ao ano. Nestes encontros, há uma palestra com Arthur(nome espiritual do “braço direito” de Trigueirinho), às seis horas.As reuniões do monastério são feitas no segundo fim de semanado mês. Às vezes, são realizados, durante o ano, treinamentos eseminários na área da saúde, alimentação, socorro e sobrevivênciaem momentos de catástrofes.

Há em “Figueira” uma vigília permanente, uma espécie demeditação, que é feita dia e noite num bosque de eucaliptos. Osparticipantes revezam-se de duas em duas horas. Também, umavigília mensal realizada por todo o grupo na última quarta-feira domês, ocasião em que se dedicam ao silêncio reflexivo. Neste dia,acontece uma palestra às nove horas com Arthur e uma comTrigueirinho às dezessete horas. Em ocasiões especiais, mantrassão entoados (Anexo B), sons sem lógica ou sentido. O único lazere atividade cultural é o coral (Anexo C), com execução de peçascriadas pelo próprio grupo. Criou-se um novo idioma, chamadopor eles de Irdin. É mântrico, sem significação, o que importa é osom utilizado em repetições orais e no coral que há em “Figueira”.Segundo Trigueirinho:

Irdin, idioma cósmico, usado nos universos confedera-dos. Revestido de forma adequada ao estado de cons-ciência do planeta onde se manifesta. Exprime a es-sência criadora e arquétipos da evolução. Como vibra-ção, está na origem e na base de todos os idiomas.Palavras e símbolos em irdin unificam consciências,mundos e ciclos evolutivos. Podem surgir espontane-amente no interior do homem em decorrência da suasintonia com a Lei e com a supraconsciência. É umacomunicação com a vida maior, a Vida Cósmica, e apre-

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senta-se a nós nesta época em especial à medida quetranscendemos as fronteiras da mente. Em “Figuei-ra”, a maioria dos mantras foi concebida em irdin(TRIGUEIRINHO, 1997, p. 220).

Também há em “Figueira” tratamentos para revitalização ecura por meio de medicamentos sutis, homeopatia, florais, chás deervas e procedimentos terapêuticos como compressas, enemas(colonterapia), desintoxicação, cuidados com a coluna, etc. Essestratamentos são disponibilizados aos que necessitam de cuidadosmédicos leves. Há uma unidade específica, chamada “abrigo”, queatende pessoas traumatizadas ou excluídas pelo caos social, pes-soas que procuram equilíbrio e paz. “Figueira” não é clínica médi-ca, mas lá há médicos voluntários que também se hospedam eprestam serviços com sua especialidade. “Figueira” não é um cen-tro de reabilitação, por este motivo não aloja dependentes de ál-cool, fumo ou drogas. Eles tampouco têm estrutura para atendercasos psiquiátricos (Anexo D).

2.2.1 ESTRUTURA FÍSICA: SEDE, CASAS, SETORES, MONASTÉRIOS, REDES DE SERVIÇO NO

BRASIL E NO EXTERIOR

Constatamos que existe uma organização física por setores, aqual se divide em duas áreas, uma urbana, localizada na cidade deCarmo da Cachoeira, interior de MG; e uma rural, na fazenda.

Na área urbana situa-se, geograficamente, a casa 1, primeirasede em 1987 e chama-se secretaria geral, pois coordena e distri-bui tarefas; a casa 2 é uma espécie de ambulatório; a casa 3 é umlocal para hóspedes; a casa 4, ou central de atendência (Anexo E),recebe e distribui doações de remédios, gêneros e roupas e coor-dena o abrigo, que atende pessoas necessitadas; a casa 5 é o apiário.

Na área rural, há uma fazenda de aproximadamente cem hec-tares. No setor da “vida criativa” são feitos o plantio e colheita, háuma lavanderia, padaria, cozinha e marcenaria, setor de manuten-ção, silo para armazenamento de alimentos, estufa para sementese setor de ferramentas para horta e pomar. Há também um labirin-

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to de pedra, onde as pessoas fazem caminhadas reflexivas e tera-pêuticas.

Em “Figueira” há, atualmente, sete monastérios, alguns sãoreais, físicos, localizam-se gepgraficamente em “Figueira” mesmo,onde vivem os residentes internos; outros são virtuais, não estãomaterializados, não possuem uma existência concreta, não temlocalização física, nem geográfica, pois são um modo de vida,uma filosofia, são um estado de consciência, segundo Trigueirinho,sem precisar de um local físico e/ou geográfico propriamente dito:

O monastério 1 é feminino, semi-recluso. Ali há a prática doyoga (significa religare ou religação na língua hindi) da entrega,agrega personalidades com perfil espiritual ou linhagem dos se-res-espelhos, seres que devem espelhar na matéria o arquétipoespiritual puro. Localiza-se na fazenda e é chamado Figueira 1 ouF1. Também no F1 existe, com a colaboração de médicos e dentis-tas semi-internos, um laboratório que produz remédios homeopá-ticos e florais, um consultório dentário e um ambulatório. Ali háum pátio, tipo um jardim de inverno, com uma área aberta e outrareclusa, sendo esta última o local onde residem monjas, que sãodesestimuladas a ter qualquer contato social com o grupo semi-interno e com o próprio grupo interno.

O monastério 2 é masculino, semi-recluso, onde se pratica oyoga da igualdade. Agrega pessoas com o perfil espiritual ou linha-gem dos sacerdotes. Localiza-se na fazenda e é chamado de Figuei-ra 2 ou F2. Há uma área reclusa, onde ficam os monges do sexomasculino e uma área aberta, onde se realiza plantio e colheita deervas aromáticas, temperos, verduras, leguminosas e cereais.

O monastério 3 é misto, eremítico (recluso). Neste pratica-seo yoga da totalidade. Agrega pessoas com o perfil espiritual oulinhagem dos contemplativos. ‘Figueira 3’ ou F3 localiza-se na fa-zenda. É designado eremitério, onde atualmente reside Trigueirinhoe mais duas pessoas, uma ex-freira católica já acostumada com aclausura e/ou vida reclusa e Arthur. Lá ninguém possui sobrenome,todos foram rebatizados com novos nomes. Este trio vive comoeremita e não tem contato social com o grupo interno, muito me-nos com o grupo externo ou semi-interno. Dos três, apenasTrigueirinho pode transitar livremente por qualquer setor ou ter

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contato social com quem bem lhe aprouver. São permitidos retiroseremíticos em áreas de silêncio, junto à natureza. A pessoa develevar uma barraca e sua própria alimentação, pois ficará no eremi-tério sem contato com ninguém.

Arthur sai, esporadicamente, para dar palestras internas. Nin-guém do grupo de internos pode entrar no eremitério. Se quise-rem morar lá, deverão viver uma vida isolada do grupo principal.

O monastério 4 é misto, externo, pratica-se o yoga da açãoabnegada. Agrega pessoas com o perfil espiritual ou linhagem dosguerreiros. Localiza-se na casa 4, que fica na cidade de Carmo daCachoeira.

O monastério 5 é misto, externo, pratica o yoga da cura. Agre-ga pessoas com o perfil espiritual ou linhagem dos curadores. Lo-caliza-se em F1 na área rural da fazenda.

O monastério 6 é misto, domiciliar, pratica o yoga do coração.Agrega pessoas com o perfil espiritual ou linhagem dos instruto-res. Localiza-se em cidades distantes da fazenda “Figueira”.

O monastério 7 é misto, itinerante, pratica o yoga do fogo.Agrega pessoas com o perfil espiritual ou linhagem dos governantes.Localiza-se em cidades distantes da fazenda “Figueira”. (Anexo F).

A organização “Figueira” está aberta para quem se comportede maneira adequada, dócil, obediente, abnegada, submissa, sub-serviente, subalterna, subordinada e, ainda, mostre-se útil. Essesgrupos podem ser denominados semi-internos ou itinerantes. Elesse hospedam para ouvir as palestras de Trigueirinho que são cha-madas de partilha. Compram livros e, em troca, “Figueira” fornececomida e “alimento” para o espírito. O grupo visitante executa ta-refas compulsórias, na maioria braçais, designadas conforme asnecessidades e sem prévio acordo com a coordenação geral. “Fi-gueira” conta com uma equipe de supervisores que coordena ossetores e zela pelo exato cumprimento (em tempo e perfeição) des-sas tarefas (Anexo G).

O somatório dos grupos de visitantes ou itinerantes compõeuma “Rede de serviços” no Brasil e no exterior que tendem a mul-tiplicar-se. Para participar de uma, é necessário dedicar-se volunta-riamente a assuntos práticos e operacionais. Trabalhos grupais dãoorigem às redes que nas horas de caos e catástrofes estarão prepa-

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rados para se defrontar com situações que os levarão a uma atua-ção prática de socorro. Precisarão contribuir para a sobrevivênciacoletiva, minimizar o sofrimento alheio e, segundo eles, auxiliarmuitos seres a passarem em harmonia para outros mundos ou pla-nos de existência.

Os membros de uma “Rede de serviços” são das mais diversasorigens. São estimulados a interiorizar-se e a buscar conhecimentoatravés do estudo espiritual. Cada um tem tarefas específicas a cum-prir como, por exemplo, a sintonização de mantras, etc., mas for-ma com os demais um conjunto. Nem sempre devem se tornarnumerosas. Não são criadas para entrar em disputas, discussõesou polêmicas. São campos de prática para autoconhecimento e paratransformações pessoais e, portanto, coletivas (Anexo H).

No Brasil, são extensões e/ou prolongamentos de “Figueira” eestão subordinadas à administração da comunidade. É principal-mente com a mão-de-obra, voluntária e gratuita desses gruposexternos, semi-internos ou itinerantes que “Figueira” se mantémprodutiva, pois seguidamente são convocados para mutirões e reu-niões em regime de internato em Carmo da Cachoeira. As necessi-dades internas são supridas com o dinheiro de doações destas pes-soas. Com o excedente, eles ajudam pessoas carentes com doaçõesde remédios, roupas e alimentos.

A rede de serviços de “Figueira” tem prolongamentos e/ougrupos no Céu Azul, Rua Astolfo Bueno, 20, em Belo Horizonte,Minas Gerais - Cep 31545-350; Granja Vianna, Rua Otelo Zeloni,333 - Cep 06351-160 Carapicuíba, SP; São Carlos, Rua Abrahão João,1114, Jd. Bandeirantes, São Carlos, SP (Anexo H).

“Figueira” tem contatos para informações no Brasil em Atibaia(SP); Belo Horizonte (MG); Brasília (DF); Campinas (SP); Campo Gran-de (MS); Curitiba (PR); Fortaleza (CE); Gov. Valadares (MG); Jundiaí(SP); Londrina (PR); Montes Claros (MG); Porto Alegre (RS); Recife(PE); Ribeirão Preto (SP); Rio de Janeiro (RJ); Salvador (BA); São Carlos(SP); São Paulo (SP); Vitória (ES).

Em Porto Alegre, há cinco grupos: a) grupo de audições públi-cas quinzenal – às segundas-feiras, às 19h30min b) grupo de sintonia(mantras) semanal – às terças-feiras, às 18h30min; c) grupo desintonia (atributos do monastério) semanal, às quartas-feiras, às

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15h30min; d) grupo de estudos semanal, às quintas-feiras, às 20h;e) grupo de audições públicas quinzenal, aos sábados, às 14h30min.O grupo principal em Porto Alegre situa-se na Rua São Benedito,815, loja 05 - Bairro Jardim do Salso (Anexo I).

As redes de serviço no exterior estão localizadas em váriascidades da Argentina – Ciudad de Buenos Aires; Buenos Aires, MarDel Plata; Chaco-Fontana; Corrientes; Córdoba; Mendonza; Formosa;Misiones - Posadas; Rio Negro - Viedma; Santa Fé-Santo Tomé.

Há rede de serviços na Austrália – cidade de Sidney; Canadá –cidade de Victória; as redes de serviço do Chile estão centralizadasem Santiago; Equador –cidade de Quito; Espanha – cidade de Bar-celona e Cáceres; Estados Unidos – cidade de Tahlequah eTrumansburg; Inglaterra – cidade de Berks; Paraguai – cidade deAssunção; Portugal – cidade de Colares, cidade de Oeiras, cidadedo Porto; Suécia – cidade de Estocolmo; Uruguai – cidade de Mon-tevidéu; Venezuela – cidade de Caracas.

2.2.2 ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, HIERARQUIA, CATEGORIA DE MEMBROS, ATIVIDADES,ETC.

Percebemos, nas vezes em que visitamos “Figueira”, queTrigueirinho, devido sua personalidade forte e carisma que lheoutorga poder (WEBER, 1979), alcançou ascendência sobre seugrupo, portanto, está no topo da pirâmide hierárquica. Teve umavida mais variada que os integrantes de seu grupo, adquiriu maiorsoma de conhecimentos, mais poder intelectual, mais oratória. Eracineasta, viajou pelo mundo. A posse de mais conhecimentos le-vou-o a se tornar líder, levou-o a um lugar superior ao comum daspessoas do seu grupo, reunindo em torno de si simpatizantes eorganizando comunidades há vinte anos(desde 1987), como o casode “Figueira”. Já “Nazaré” tem vinte e cinco anos(desde 1982).

A grande profecia de Trigueirinho, hoje considerado um pro-feta com vários livros escritos, fala sobre a operação resgate daraça humana, que salvará o seu grupo do fim do mundo. Para queessas pessoas sejam resgatáveis precisam passar por uma mudan-ça de comportamento e sujeitarem-se a um ritual de passagem(TURNER, 1974), a uma disciplina, a um treinamento, a um ades-

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tramento, a um condicionamento, a uma subordinação, a uma re-educação, a uma desconstrução, a uma desprogramação, a umadespersonalização, a uma purificação, a uma mortificação, a umadomesticação, a uma homogeneização, a um despojamento, a umnivelamento, a uma modelagem, a uma uniformidade, a uma igual-dade, até chegar à santidade, à perfeição moral do ser humano. Oresgate e mudança de padrão de personalidade têm como finalida-de torná-los humildes, modestos, dóceis (FOUCAULT, 1979), úteis,maleáveis, obedientes, submissos, subservientes, flexíveis, sem li-berdade de escolha, sem livre-arbítrio, para que aceitem, acatemordens e funções alheias à sua natureza vocacional e atendam aosobjetivos do coletivo e não da sua individualidade.

As relações de Trigueirinho com o grupo que dirige estão es-treitamente ligadas às suas qualidades carismáticas e proféticas(QUEIROZ, 1977). Desse modo, consegue que os internos e exter-nos de “Figueira” cumpram suas normas, regras quotidianas, e tra-balhem em atividades gratuitas e voluntárias com o fim coletivode transformação dos que transitam por ali em seres humanos res-gatáveis. São os colaboradores semi-internos, externos, itinerantes,autoconvocados ou visitantes que fazem parte das redes de servi-ço.

Os grupos externos, visitantes, itinerantes são supervisiona-dos, vigiados (FOUCAULT, 1984), controlados por um grupo desupervisores, por coordenadores de setores e por colaboradoresinternos com o intuito de sujeitá-los, submetê-los, condicioná-los,dominá-los para que sejam obedientes, dóceis e úteis às ativida-des e tarefas necessárias à manutenção de “Figueira”. Obviamente,há um permanente conflito (VELHO, 1989) entre os desejos, hábi-tos, necessidades, características e comportamentos resultantes dainteração entre colaboradores internos e externos. O interesse dogrupo está acima das individualidades. O indivíduo encontra-sesubordinado a determinações coletivas, senão haverá sanções pri-vando sua independência, seu livre-arbítrio.

Os supervisores ou colaboradores são os indivíduos mais che-gados a Trigueirinho. Ajudam ativamente e, em geral, também sãodotados de certas virtudes carismáticas. Também ministram pales-tras e servem de intermediários entre Trigueirinho e o restante do

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grupo, portanto dispõem de certo poder: são reconhecidamentediscípulos de Trigueirinho Dr. José Maria Clemente (médico) e Arthur.Trigueirinho e os coordenadores procuram organizar os colabora-dores internos e externos, constituindo-os em uma sociedade comdireitos e obrigações estabelecidos de acordo com as instruçõesdadas por Trigueirinho, que modela, de certa forma, a comunidadeque o cerca.

A quantidade de funções impõe divisão de trabalho e, conse-qüentemente, o aparecimento de uma série de colaboradores in-ternos e externos. Como não pode assumir sozinho as múltiplastarefas do setor espiritual e temporal, Trigueirinho divide-as comos coordenadores. Assim, há um tipo único de estrutura social,com três camadas superpostas, com Trigueirinho no ápice, os ex-ternos ou semi-internos ou redes de serviço na base. Intermediárioa ambos, está um grupo de coordenadores internos mais chega-dos, escolhidos por Trigueirinho, pessoas de confiança. A divisãodo trabalho é condição indispensável para que a comunidade sediscipline e possa partir para o resgate do mundo, através da “Ope-ração resgate”.

Os coordenadores dos setores de “Figueira”, por sua vez, es-tão constantemente sendo mudados por Trigueirinho. Há umarotatividade, um rodízio de funções (GOFFMAN, 1999) com o intui-to de evitar apego às tarefas, cultivar o desapego entre os colabo-radores e não permitir a possível formação de clãs, como os quesurgiram na Comunidade Nazaré, resultando na exclusão deTrigueirinho. A centralização (CROZIER,1981) das decisões deTrigueirinho acarretam a falta de comunicação interna. Há umabarreira entre Trigueirinho e o grupo menos próximo de forma anão se desenvolver clãs que venham a se insurgir contra a lideran-ça dele. Suas ordens não podem ser, portanto, criticadas e/ou con-trariadas. Os colaboradores são condicionados a não se comunica-rem. Uma das maiores regras em “Figueira” é o silêncio. Tambémhá um isolamento que priva os colaboradores de iniciativa ecriatividade, porque estão submetidos às regras impostas que re-gulam a função, o comportamento, as operações e a forma derealizá-la, seu modo operativo único ao qual devem conformar-se.A ordem do seu desenvolvimento já está especificada. Tudo está

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previsto com bastante exatidão, portanto não há espaço para ainiciativa pessoal ou para o livre-arbítrio. Para Trigueirinho, o livre-arbítrio gera um estado caótico, egoísta. Os colaboradores, paraserem salvos e resgatados, devem ceder e entregar seu livre-arbí-trio à sua autoridade (HOBBES, 1974).

Trigueirinho torna os limites de “Figueira” muito precisos emfunção de experiências negativas passadas que o excluíram da co-munidade “Nazaré”. Por isso, os indecisos não podem ser aceitos.Todos os membros devem manifestar zelo no desempenho dosdeveres. Se um membro recusa obediência, a salvação do grupotodo é posta em perigo, em jogo. Assim, uma das grandes preocu-pações de Trigueirinho é dar ênfase aos limites do grupo, preser-vando os integrantes do contato nocivo com as pessoas com ideaiscontrários. Isto, em parte, determina a segregação do grupo emrelação à sociedade global.

“Figueira”, sob a égide de um novo código cultural, subvertea ordem social estabelecida, fazendo normas que contrariam a so-ciedade estruturada. Com isso, o grupo interno, que possui idéiasque conflitam com os valores da sociedade maior, gera tensão ediscordância permanentes com o grupo de externos quandointeragem (JOAS,1999;MERTON,1968).

2.2.3 FORMA DE SUBSISTÊNCIA, TRABALHO VOLUNTÁRIO E GRATUITO

Percebemos, nas vezes em que visitamos “Figueira”, que osinternos não conhecem o valor do dinheiro, não lidam com ele,nem conhecem a moeda nacional atual. Só alguns poucos adminis-tram contas bancárias. São os que trabalham na secretaria, que ficana Casa 1, na área urbana. Eles precisam, eventualmente, sair pararealizar compras para os que permanecem na fazenda, os quaisnão podem sair nunca, nem em feriados, nem de férias, etc.

Embora os internos desconheçam valores monetários, a orga-nização, por sua vez, dispõe de meios para a obtenção de recursospara a consecução de suas metas. Uma das formas de arrecadá-losé através de mão-de-obra voluntária e gratuita, além de contribui-ções voluntárias. Outra forma são os cultivos agrícolas para subsis-

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tência própria. A produção excedente é trocada na cidade de Carmoda Cachoeira por gêneros alimentícios que estejam faltando.

Para se manter economicamente “Figueira” tem, também,como um de seus meios de vida, a venda de livros. Possui umaeditora própria – Irdin Editora Ltda. (Anexo J) - São Paulo - CGC01303476/0001-64, sem fins lucrativos. Atualmente, estão em cir-culação, dois milhões – segundo Trigueirinho – de exemplares noBrasil, em Português, pelas editoras Pensamento, Nova Cultural,Círculo do Livro e Irdin; e em espanhol, na Argentina, pela EditoraKier. Parte dessa obra começa a ser lançada em inglês pela IrdinEditora, e em francês pela Éditions Vesica Piscis. A Irdin tambémcomercializa 572 gravações feitas ao vivo de palestras deTrigueirinho. Em todos os setores, há expositores e preços à mos-tra, induzindo à compra por impulso de livros. Abaixo, está trans-crito um pedido de colaboração para o setor de difusão de livros efitas (Anexo K):

O setor de Difusão de Livros e Fitas de “Figueira” temcomo meta (...) a venda de livros e fitas (...) Nossaproposta para o corrente ano de 2001 é a seguinte:levantar recursos para vendas por preços simbólicosde 14.500 livros de Trigueirinho, cujo total é R$64.000,00; 1.350 livros do Dr. José Maria Campos (Cle-mente), cujo custo total é de R$15.000,00. Formas departicipar: comprar livros e doá-los por iniciativa indi-vidual (...) Qualquer quantia é bem-vinda.

Também são vendidos em “Figueira” fitas de vídeo (VHS), cds,fitas k-7 com gravações ao vivo das palestras de Trigueirinho paradivulgação da obra dele. Além disso, têm sido organizadas audi-ções dessas fitas em outras cidades, complementando essa divul-gação. Também há, às dezessete horas, aos domingos, uma parti-lha de Trigueirinho numa rádio da internet, chamada Rádio Mun-dial FM 95. 7 AM 660. Pode-se escutá-la no sitewww.radiomundial.com.br (Anexo L).

Outra forma de “Figueira” manter-se produtiva dá-se pela pre-sença dos meeiros (Anexo N). Os residentes internos e os gruposde itinerantes não conhecem profundamente as técnicas de agri-cultura. Os meeiros conhecem e fazem um trabalho cooperativo.

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Os participantes dessas frentes de trabalho, em geral camponeses,reúnem-se com os responsáveis pelo setor de plantios para o pla-nejamento do ano agrícola. A partir daí, cada um assume a suaparte. A maioria encontra nessa cooperação uma forma de comple-mentar seus meios de subsistência, enquanto outros se colocamcomo voluntários pela simples oportunidade de ajudar o próximo.Usam técnicas naturais de cultivo e abastecem-se de alimentos sa-dios, sem circulação de dinheiro. Devidamente processadas, frutasda região são conservadas para consumo durante o ano todo. Par-te do grupo de “Figueira” dedica-se ao trato das árvores frutíferas,ao passo que as famílias dos meeiros elaboram os produtos e osembalam para armazenagem. Grãos como arroz, milho e feijão sãosemeados após o devido preparo da terra feito por tratores, en-quanto mutirões formados por meeiros e membros do grupo deresidentes e visitantes encarregam-se das capinas e colheitas. Abó-bora, amendoim, batata, inhame, mandioca e milho foram incluí-dos nesses plantios a pedido dos próprios meeiros. Recentemente,outras atividades são oferecidas a eles nos mesmos moldes, taiscomo a produção de leite de soja e a confecção e conserto de rou-pas. O setor de plantios e sementes, com a ajuda dos colaborado-res, residentes ou visitantes que se apresentam, cuida do cultivode alimentos não apenas para hóspedes e moradores, mas tam-bém para famílias carentes da região. O volume de tarefas realiza-das por esse setor é considerável, e nelas procura-se preservar assementes originais, respeitar a vida do solo e da natureza em ge-ral. Em 2002, foram produzidas 77 toneladas de grãos, além dehortaliças e frutas de modo natural e sem agrotóxicos.

Ainda, para manter sua fazenda produtiva, “Figueira” contacom a mão-de-obra voluntária de grupos urbanos de serviço. Sãogrupos rotativos provenientes de cidades próximas chamados tam-bém de redes de serviço. Eles fazem mutirões para tarefas varia-das, como construções e aberturas de estradas e produção orgâni-ca.

Não há pagamento de taxas para nenhuma atividade nem parahospedagem. Isso pode ocorre devido ao trabalho voluntário egratuito de todos os grupos que também fazem doações espontâ-neas em dinheiro, roupas, gêneros alimentícios, remédios ou equi-

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pamentos, etc. Com relação às doações, apresentamos transcriçãode carta-aberta (Anexo N) dirigida aos colaboradores, solicitandocontribuições e/ou doações:

Aos colaboradores de “Figueira” (...) faz-se notar quealgumas providências devem ser tomadas para que aágua não venha a faltar em “Figueira” (...) A ampliaçãodo sistema de abastecimento de água pressupõe, en-tre outros itens: a construção de um novo reservató-rio com capacidade de 500 mil litros, para suprir F1(Figueira 1 – monastério feminino) e F3 (Figueira 3 –eremitério), no valor aproximado de R$ 80.000,00(2001). A instalação de quatro rodas de água, com suasrespectivas barragens, para completar o bombeamentosem uso de eletricidade. Bombas e 4.500 m de tubula-ções e conexões, tanto para interligar a rede de abas-tecimento das áreas recém-incorporadas com a já exis-tente, quanto para redimensionar a rede atual. Aconcretização desse importante projeto custará apro-ximadamente R$ 250.000,00 (2001). Estamos, pois,levando ao conhecimento de todo o grupo essas ne-cessidades prementes. Qualquer colaboração é preci-osa e pode expressar-se de várias formas: apoio inter-no, participação na execução das tarefas do setor água,apresentação de idéias e soluções técnicas ou ajudafinanceira. Para remessa de dinheiro, pode-se usar aconta 01139-3, Banco Itaú, Agência 3204, de Carmo daCachoeira/MG, em nome de Berkman Mendonça San-tos e/ou Vera Lúcia Pereira.

2.3 CULTURA ESPIRITUAL DE “FIGUEIRA”

Soubemos, a partir de entrevistas informais com Trigueirinho,que o desenvolvimento dos monastérios (Anexo O) deveria passarpor três etapas distintas:

- A fase inicial, fundação para a energia espiritual se materiali-zar em nível físico;- A fase intermediária, expansão da energia espiritual jáestabelecida. Essa é a etapa vivida no momento, a de capta-ção de novos colaboradores;

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- A fase de realização, elevação da energia espiritual, quetranslada a atividade espiritual para os planos interiores davida.

Estão previstos sete monges, sete oblatos e sete zeladorespara cada monastério. Na etapa inicial, foi criado o grupo de oblatos(Anexo F), que prossegue colaborando na construção e no desen-volvimento dos monastérios em todos os seus níveis. Os oblatospraticam a vida espiritual em meio aos afazeres do mundo e navida cotidiana. Oblatos são leigos que se oferecem para servir emordem monástica, abnegadamente, sem se ater a estruturas rígi-das, nem a formalizações supérfluas. Um oblato deve ter comofunção colaborar diretamente na construção e no desenvolvimen-to de um monastério. Oblato não é só um posto, título ou posiçãodentro da divisão de trabalho grupal, é uma tarefa. Auto-afirma-ção, orgulho, idiossincrasias e vaidade não devem interferir na suatarefa, cujas bases são o altruísmo, despojamento, o desapego e aprontidão ao serviço impessoal para atender aos objetivos espiri-tuais do grupo. Anonimato e silêncio são as característicasrequeridas à personalidade do oblato. Também o recato, a simpli-cidade no falar e no agir e a alegria são qualidades que nele devemser incentivadas.

Na atual etapa intermediária, foi criado o grupo de zeladores(Anexo P). Cada monastério contará com sete zeladores. Um zela-dor pode servir a vários monastérios ao mesmo tempo. Ele é umdefensor do plano espiritual. De maneira especial, segue a via dodespojamento e dedica-se a suprir tudo e todos incondicionalmen-te. O zelador deve inspirar-se nos que se devotam incondicional-mente à vida de serviço. Na sua tarefa, descobre a diferença entre ovazio humano e a palavra viva que provém da alma. Proferir a pa-lavra é para ele um objetivo maior, o qual vai desenvolvendo aopraticar a ação correta.

“Figueira” acolhe seres com vocação sacerdotal. A atividadesacerdotal (Anexo Q), para eles, é interior e desvinculada de orga-nizações cristalizadas e formalizadas. Por isso, quase sempre tra-balham livre de instituições e raramente sua obra é percebida pe-los sentidos externos dos demais. Ela é silenciosa e discreta. A

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ordenação sacerdotal não é um fato externo. Não se usa um hábi-to, refere-se à vida do espírito. O sacerdócio não pode ser ensinadoem seminários espirituais da civilização profana e secular, tampoucopode ser outorgado pelos homens.

Os denominados seres-espelhos (Anexo R) que ali se encon-tram devem captar e refletir as energias e leis espirituais. O ser-espelho capta os arquivos do akasha, o inconsciente coletivo, ima-ginário ou arquétipos. Todo ser-espelho chega à revelação da exis-tência desse arquivo. No akasha estão registradas as informaçõessobre o universo. Teresa d’Ávila ou Santa Teresa de Jesus, carmelitanatural da cidade de Ávila na Espanha, fundadora dos carmelitasdescalças, é considerada, por Trigueirinho e pelo seu grupo, umser-espelho e nela muitos têm, em “Figueira”, se espelhado, seinspirado, como modelo de um ser espiritual perfeito, um cami-nho de perfeição como dizia ela em suas obras.

Há, atualmente, poucos residentes no local. Não há um nú-mero maior porque, segundo Trigueirinho, no atual momento dacivilização poucas pessoas conseguem libertarem-se, liberarem-sedo compromisso com a sociedade. A estrutura, a engrenagem dapresente civilização continua exercendo grande influência sobre aspessoas. Alguns têm, portanto, que se despojarem de encargos edesvincularem-se de tendências retrógradas e antiquadas, segun-do Trigueirinho, para ajudar no que é exigido ao residente de “Fi-gueira”. Esta postura emergirá da renúncia a ambições e satisfa-ções próprias em função da coletividade. O residente (Anexo S)deve viver suas provas de renúncia, humildade, humilhação, abne-gação em silêncio, sem tagarelice, sem choro, sem emoções, semdor. Ao cultivar o silêncio, perceberá que tanto as experiências po-sitivas como as negativas são fontes de aprendizado e evolução. Oresidente deve viver com simplicidade e em simplicidade. Tambémdeve ordenar e organizar-se no dia-a-dia de tal forma que não te-nha dispersões de energia. Para o residente, as atividades diárias eas provas que advêm do seu cumprimento são oportunidades detransformação, por isso deve imprimir uma energia ou qualidadede desapego e renúncia em tudo o que faz, realizando as tarefasque lhe cabem com dedicação, abnegação e livre de preocupaçãocom os resultados. O residente deve ser um apoio. Trabalhando

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em grupo, realiza o necessário à vida espiritual e presta serviçosem conjunto com muitos colaboradores. No grupo de “Figueira”,amplo e diversificado, o residente representa um catalisador, umaforça conjunta voltada para o serviço ao mundo. Um residente deverenunciar às delícias, ao conforto, aos prazeres da vida. Não devese envolver com as coisas materiais. Não deve se apegar ao sono.Deve ser grato pelo alimento que recebe e pelo qual trabalha, porpior que seja, e deixar de lado a murmuração, a queixa, a lamúria.Deve empregar bem o seu tempo e prescindir de consolo.

Vários trabalhos grupais servem a todos os reinos (Anexo T),seja animal, vegetal, mineral, humano, angelical, etc. Trabalhos deplantios, cuidados com animais, atendimentos às pessoas necessi-tadas, cura, publicações, entre muitos outros, realizam-se dessamaneira altruística e abnegada. Essas atividades, em geral, são fei-tas em rodízio, segundo as necessidades do momento. Colabora-dores (Anexo U) que moram em diversos lugares vêm participardelas. Médicos, dentistas e outros profissionais prestam assistên-cia ao grupo de modo gratuito. Todos compartilham o mesmo rit-mo diário de trabalho e estudos.

O “Abrigo” (Anexo V) está a cargo da coordenação da casa 4,ou central de atendência. Presta serviço aos que foram excluídosou querem se excluir da sociedade comum. A energia do local pos-sibilita prestar serviço altruístico, livre dos apegos que limitam otrabalho em grupo. No “Abrigo”, deve-se trabalhar com dinamis-mo, mas sem estresse e sem interferir no caminho dos outros. Tam-bém não se deve buscar reconhecimento para não reforçar o egoís-mo, porque esta atitude torna-se um obstáculo à vida grupal. Acolaboração é necessária, pois a tarefa deverá cumprir-se conformeplanejada pelo grupo. A função do “Abrigo” é ajudar todos a selibertarem, desvencilharem-se, desapegarem-se da sociedade. Mui-tos dos que se aproximam estão para se libertarem e necessitamde coragem, ajuda e reforço. Os que servem devem estar prontospara apoiar os que passam por tragédias coletivas, porque a conta-minação do planeta se agrava, segundo Trigueirinho, e o efeitodas atuais explosões nucleares pode tirar o planeta de sua órbitagravitacional não fosse a intervenção das tempestades e dos fortesventos. As forças da natureza se ativarão para facilitar o trabalho

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de transformação da Terra. Alto é o nível de radiação nuclear que aenvolve, e as cidades já estão se tornando inabitáveis.

Os que aspiram à vida em “Figueira” são chamados de aspi-rantes (Anexo W). Eles devem ter disposição para seguir, sem reser-vas, com abnegação e desapego, de forma altruística e impessoal,o caminho do serviço. O aspirante deve deixar de lado o orgulho eo preconceito para servir a humanidade. Deve aprender que a su-jeição a uma organização, a uma ordem, às regras, às normas, adeterminadas condutas é necessária a um trabalho evolutivo e que,imposta num ambiente, serve de exemplo aos demais. Perceberque sem elas, o trabalho espiritual não pode sobreviver aos fre-qüentes ataques de forças contrárias, destrutivas. O aspirante devereconhecer que o condicionamento a uma disciplina hierárquica(Anexo X) é imprescindível para a transcendência do egoísmo e daspreferências de natureza mental e emocional individuais em detri-mento das coletivas e grupais. Quando o egoísmo é transcendidoe as preferências individuais superadas, surge a disciplina grupal ecoletiva. As regras externas tornam-se então menos conflitantes.Enquanto o egoísmo existir, o aspirante sabe que o abandono daobediência em muito prejudicaria o seu serviço e colaboração. Or-dem, disciplina e obediência devem fazer parte da vida do aspiran-te, revelando uma maneira flexível, meiga e cordata de viver. Eledeve tratar a natureza, as casas, os objetos e seres vivos com cui-dado, mas sem objetivo de posse ou propriedade. Mesmo não sen-do dono, não deve desperdiçar. Deve saber que cada coisa tem seulugar e valor e usá-las com bom senso. A desordem e a má utiliza-ção são incorreções, imperfeições inaceitáveis.

A vigília (Anexo Y) é um ritual para promover a atitude demeditação, reflexão ou contemplação. Períodos de vigília criamintensa concentração de força que alinha o propósito da consciên-cia ou personalidade com o da alma. Calma, paz, harmonia e rela-xamento se estabelecem no ser em vigília, porque a ansiedade porresultados desaparece, as dúvidas da mente dissolvem-se. Os resi-dentes e colaboradores revezam-se voluntariamente de duas emduas horas durante as 24 horas do dia para realizá-la. Na últimaquarta-feira do mês, o grupo todo, durante o dia inteiro, dedica-seà vigília, ao silêncio interno e externo. Nesse dia, há duas partilhas

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reflexivas a cargo de Trigueirinho.Em “Figueira”, há por parte de alguns poucos, Trigueirinho,

Arthur e Clemente, a tarefa de instrução (Anexo Z), que vem a seruma educação adequada às necessidades. Deve levar em conside-ração a globalidade do ser e o universo em que ele se encontra(Trigueirinho é considerado um instrutor). O instrutor deve saberque o seu trabalho é ajudar os demais a realizarem seus potenci-ais, suas vocações, suas capacidades latentes, seus propósitos exis-tenciais, seus destinos. A cada instrutor corresponde um grupo que,para evoluir, usufrui da energia que é canalizada por seu intermé-dio. A instrução não é uma atividade acadêmica, restrita e limita-da, mas diz respeito a todos os que querem evoluir transcendendoos paradigmas impostos pela sociedade. Enquanto a educação dizrespeito aos níveis da personalidade, a instrução diz respeito àalma e ao espírito. Instrução não é somente doutrinação, mas deveestimular que cada um encontre o conhecimento dentro de si mes-mo.

2.4 CONCLUSÃO

“Figueira” rompeu com os princípios fundamentais da socie-dade, abolindo a propriedade, o casamento e a família. Tornou-seum espaço comunitário singular, indiferente ao Estado. É uma co-munidade composta de indivíduos semelhantes que formam umasubcultura. A comunidade evoluiu para um estado monástico como tempo e o aumento do número de residentes.

Em “Figueira” se confunde submissão com santidade, humi-lhação com humildade, pois deve se sujeitar à autoridade deTrigueirinho e demais coordenadores. O aspirante que deseja viverem “Figueira”, portanto pelas suas regras, deve devotar-se intei-ramente ao serviço pela autodisciplina, oração e trabalho. Devemviver uma vida em comunhão, desapegar-se da família, condicionar-se à pobreza, desapegar-se do dinheiro e da propriedade privada,abster-se do sexo, conseqüentemente do casamento, e de alimen-tos de origem animal. Obedecer aos superiores, restringir a con-versa e observar o silêncio. A liberdade, o livre-arbítrio e a privaci-dade são suprimidos em favor da coletividade.

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3 ERVING GOFFMAN - O INTERACIONISMO SIMBÓLICOCOMO MARCO PARA A ANÁLISE DOS RITOS DA INSTITUIÇÃOE DOS RITOS DA INTERAÇÃO

O presente capítulo tem o objetivo de contextualizar, com-preender e explicar a organização “Figueira”. Para tanto, utiliza-mos, como referencial teórico e metodológico, o interacionismosimbólico, porque neste viés situam-se as pesquisas de ErvingGoffman, autor eleito em função do seu foco nas interações entreatores sociais.

Num segundo momento, há a biografia de Erving Goffman ea sua criação de temas e conceitos teóricos próprios.

Em terceiro lugar, traçamos os conceitos, os princípios eparadigmas do interacionismo simbólico, dando especial relevân-cia aos conceitos teóricos da interação social escritos no livro “ARepresentação do Eu na Vida Cotidiana”.

Em quarto lugar, buscamos na obra de Goffman “Prisões, Ma-nicômios e Conventos”, trazer as categorias de análises que po-dem definir as instituições totais: um mesmo local de moradia etrabalho; fechamento em relação à sociedade; regras, normas; co-ação, controle, vigilância; liberdade, livre-arbítrio; despojamento,nivelamento; papel subalterno humilhante; incompatibilidade coma vida familiar; desconstrução do eu (self); desculturação; purifica-ção; acomodação, sujeição.

Por último, buscamos delinear, superficialmente, o perfil da-queles que se identificam com comunidades desviantes, estigmati-zados, divergentes, outsiders, liminares, retraídos, marginais, des-locados, rebeldes, perdidos, desenraizados, minorias, artistas, etc.

3.1 ERVING GOFFMAN - UMA VIDA MESCLADA COM SUA VISÃOTEÓRICA

O histórico da construção da personalidade de um autor éfundamental para a compreensão da sua obra. Assim, alguns da-dos biográficos ajudam a entender a formação intelectual de Erving

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Goffman: “(...) a reconstituição das ‘forças formadoras de hábitos’de um autor é essencial para compreensão da sua obra” (WINKIN,1999, p.7).

“A obra de Goffman é uma autobiografia” (WINKIN, 1999, p.13), pois ele reproduz nos seus escritos o seu status social. Umapesquisa científica nunca é totalmente dissociada da formação declasse que lhe preexiste, de tal maneira que uma obra científicaencerra sempre a marca da trajetória social do seu autor:

(...) pode-se considerar conjuntamente os recursosretóricos característicos da obra de Goffman e os es-quemas predominantes na sua recepção por um públi-co científico. Essa consideração conjunta permitiriaver mais de perto, no detalhe, o jogo das figuras doautor que fazem sua aparição no lance de leitura. Tal-vez essa atenção ao detalhe possa contribuir para com-preendermos melhor as suposições que fazemos, nanossa sociedade, sobre esse deus oculto, o autor, játantas vezes banido, mas que retorna sempre, com aforça redobrada dos mitos (MALUFE, 1992, p. 134).

A biografia de Goffman sugere um estudo de caso queelucidaria a história da sociologia americana nos anos que sucede-ram a Segunda Guerra Mundial. Inicialmente, é a história de umoutsider (Becker, 1977) geográfica e socialmente, de um intelectualque na sua geração subiu ao topo da sua área, tanto institucional(faculdades de renome, foi presidente da “American SociologicalAssociation”), quanto cientificamente. Esteve no rol, por anos, dosdez autores mais citados do Social Science Citation Index: “A obra deGoffman será, tal como a de Freud, a história autobiográfica deuma ascensão social” (WINKINN, 1999, p.16).

Erving Goffman nasceu dia 11 de junho de 1922, em Mannville,Alberta. Passou sua infância e os primeiros anos de adolescênciaem Dauphin, ao norte de Winnipeg. Seus pais, Max e Ann, nasce-ram na Rússia, Ucrânia. Dauphin é uma das primeiras colôniasucranianas de Manitoba, constitui-se, na sua maior parte, de umacomunidade de mercadores judeus que são, ao mesmo tempo, aco-lhidos e discriminados. Goffman cresceu nesse ambiente de oposi-ção camuflada.

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A família de Goffman mantém relação com a comunidade ju-daica da metrópole de Winnipeg. A irmã de Goffman, de nomeFrânces, destaca-se, em Winnipeg, na carreira teatral. Goffman reú-ne-se a ela em 1936, com quatorze anos, quando é admitido na“Saint John’s Technical High School”, uma escola progressista queacolhia em seu estabelecimento os filhos de imigrantes judeus.

Goffman, na “Saint John’s”, é um brilhante e mau aluno,concomitantemente. Em 1939 ele foi admitido na Universidade deManitoba, em Winnipeg. Como matéria principal, elege a química.A sociologia ainda não existia na Universidade de Manitoba na-quela época.

O que nos pareceu mais relevante na sua biografia foi suaexperiência de cinema, em 1943, na “National Film Board” (NFB),produtora de documentários em Otawa, coordenada por JohnGrierson. Nessa ocasião, ele aprendeu as técnicas dos especialistasna arte de representar. Nesta fase, formam-se os primeiros hábitos,a base intelectual do Goffman, observador de planos, sua compre-ensão cinematográfica da realidade. Desvenda a arte de iludir, per-cebe que a vida social não é tanto um teatro, mas uma cenadramatúrgica, um filme em montagem. Assim ele decodificará avida cotidiana em cenas, em grandes planos de um detalhe, emjogos de campo/cantracampo entre observador e observado, comose estivesse realizando filmes documentais. Aliás, ele produziu,através da escrita, documentários na sua vida restante.

Goffman tem uma forma de observar muito visual, baseadano detalhe que revela o conjunto ou o todo. Faz-se necessário terum senso de observação, ter um “olho clínico” para praticar a soci-ologia etnográfica, e a vivência no “National Film Board” lheoportunizou esse treinamento e conhecimento. Goffman baseiatodas as suas pesquisas, ensaios, estudos, inspirado pelo cinema.Suas obras são, fundamentalmente, visuais.

Encontramos na obra, o Goffman do “National Film Board”,aquele que adora ir ao cinema, o cinéfilo, que ilustra as suas pales-tras com diapositivos que colecionou na sua vida cotidiana, quan-tidades de fotografias, retiradas de revistas. Goffman revelou-secinéfilo, num longo artigo de 1975, o qual se tornou um livro em1979: Gender Advertisements. O livro foi fundamentado num con-

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junto de fotografias de publicidade que mostram as posições nasquais as mulheres são, sistematicamente, expostas ao consumidor.

A aprendizagem racional da profissão de sociólogo é uma se-gunda vertente intelectual de Goffman, que se tornou amigo deum jovem produtor do “National Film Board”, no decorrer do verãode 44, Dennis Wrong. Este termina, na Universidade de Toronto, alicenciatura em Sociologia. Ele convida Goffman para visitá-lo.Goffman aceita o convite. Foi exatamente na época de início dasaulas. Aproveitou a ocasião e conseguiu uma autorização para fre-qüentar disciplinas isoladas, com as quais, talvez, poderia obterum diploma de sociologia.

Marcaram a sua vocação de sociólogo dois professores e umajovem estudante. O slogan de Charles William Norton Hart, “tudo ésocialmente determinável”, não mais o abandonará. Ele era coor-denador dos cursos de sociologia da universidade, antropólogoformado por Radcliff-Brown em Sidney, viveu entre 1928 e 1930,numa tribo aborígene, os Tiwis, que habitavam a ilha Bathurst, norteda Austrália. Ele era meio exótico e excêntrico, tinha uma unhacomprida no dedo mindinho direito, como sinal da sua iniciaçãona comunidade tribal. Goffman o admirou. Não só a sua unha, mastodo o seu estilo pedagógico fascinou o jovem Goffman.Aprofundou-se, de 1944-1945, na leitura do “Suicido” de Durkheim,que não estava ainda traduzido. É assim que Goffman se iniciou nasociologia.

Ray Birdwhistell, o segundo professor, o inicia na antropolo-gia. É um jovem antropólogo de vinte e seis anos que, após termi-nar sua tese, deu o curso “Relação entre Cultura e Personalidade”,na Universidade de Chicago. Ele incentivou os alunos a lerem mui-tos livros. A singularidade da sua pedagogia estava na maneiracomo ele lhes fazia compreender que a instância entre a cultura e apersonalidade é o corpo. A cultura é algo que se incorpora ao cor-po nos trejeitos, no seu modo de portar e comportar.

Dessa forma, os alunos viam-no e ouviam-no andar, caminha-va como um ator, imitava o modo de falar do sul, do norte, imitavaum cawboy do oeste. Ele fazia um show à parte da sua aula – como único intuito de ensinar e fazer com que os alunos compreendes-sem que o social se infiltra, se imiscui nas mínimas atitudes, nas

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ações corriqueiras, cotidianas. Por isso, até os gestos são suscetí-veis de análise sociológica similar à das instituições.

A observação de índices corporais permitem classificar os seusportadores segundo a tipologia warneriana, é isto o que ensinavaBirdwhistell aos estudantes, levando-os a um pub perto do campouniversitário e pedindo-lhes que determinassem a classe social dosclientes através do modo como andavam e através da sua maneirade beber e fumar. Goffman apaixonou-se por esta pedagogia didá-tica.

Concomitantemente, a esta aculturação intelectual, Goffmanviveu uma vida boêmia e política intensa junto a um grupo deestudantes vindos do oeste do Canadá. Neste meio conheceuElizabeth (Liz) Bott, uma estudante de psicologia que se interessavapor antropologia. Liz e Erving foram amigos inseparáveis. A famade intelectual de Goffman começou a repercutir no meio estudan-til. Achavam-no um gênio estranho, surpreendente, também pelainteligência vivaz de suas observações lógicas. Era uma pessoailuminada, com presença de espírito e, isso, por vezes, incomoda-va muito, provocava ciúmes e inveja.

Uma outra característica presente na sua biografia: Goffmanlia bastante. Licenciou-se em junho de 1945, em sociologia, épocaem que estava em desenvolvimento a etapa intelectual de Goffman,a do aprendizado racional da profissão. Já estavam adquiridas asmotivações para a leitura intensiva, essencial para um futuro in-vestigador. Os livros-fetiche apareceram: “Busca do tempo perdi-do”, por exemplo. Surgiram os mestres do pensamento também:Durkheim, Radcliffe-Brown, Warner. Mas, também, mais sutilmente,Freud e Parsons.

Goffman não era casado, ainda, e seus pais financiavam-lheos estudos, não precisava trabalhar, ao contrário de muitos dosseus colegas. Dessa forma, ele pôde entrar para a Universidade deChicago, para o departamento de sociologia, em setembro de 1945,onde foi submetido a uma imensa quantidade de mais ou menosduzentos estudantes.

A Universidade de Chicago centrava-se no mestrado e douto-rado. Era essencialmente uma universidade de investigação. Oscursos eram em forma de seminários. O objetivo proposto aos es-

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tudantes era passar nos exames gerais, para tanto, todos os meioseram auxiliares: os cursos, no departamento ou fora, as conferênci-as oferecidas aqui e ali, e, sobremaneira, as leituras pessoais e asdiscussões entre colegas.

Os estudantes egressos, que foram à guerra e retornaram, in-gressando na Universidade de Chicago, queriam queimar etapas.Eram, na sua maior parte, de origem humilde, maduros, mais ve-lhos e quase todos casados. Tinham anos a resgatar econômica eintelectualmente.

Este meio ambiente, esse contexto e circunstâncias de traba-lho desconcertaram o jovem Goffman que não tinha nenhuma ex-periência da guerra e do mundo, tinha apenas 23 anos. Por isso, osdois primeiros anos em Chicago foram muito duros para ele. Esta-va angustiado, escrevia com muita dificuldade, entregava os seustrabalhos fora de prazo e faltava às aulas. Os seus professores nãoestavam muito satisfeitos com ele, alguns desejavam afastá-lo. Noentanto, ele pareceu ultrapassar a crise e impôs-se, pouco a pouco,junto aos colegas e professores, a partir de 1947. Quase todos osseus conhecidos eram judeus que, em quase sua totalidade, viriama se tornar nomes da sociologia americana conhecidos nacional,senão internacionalmente.

Naquela época, seus colegas estavam ainda longe de preverseu sucesso profissional, mas quando, durante um encontro, al-guém perguntou: “Quem será célebre daqui a vinte anos?”, res-ponderam, sem dúvida, com unanimidade: “Erving!” A frase quaseprofética traduziu bem a impressão que os amigos tinham deGoffman. O seu intelecto, aparentemente, impressionou-os de umamaneira ou outra. Os amigos tornaram-se os primeiros professoresde Goffman em Chicago. Todos liam muito.

Gustav Ichheiser deu um curso de Sociologia da Religião emChicago e tornou-se uma das fontes de inspiração de Goffman, quetambém se entusiasmou pelo filósofo Kenneth Burke, de quem apren-deu o modelo “dramatúrgico” das relações humanas de que oshomens encarnam papéis, mudam-nos, participam neles. Goffmanreferiu-se ao professor Everett Cherrington Hughes como tendo sidoo seu santo patrono em Chicago, uma das filiações intelectuaisdele. Com ele aprendeu a importância dos dados. Essas são mais

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duas chaves para compreender a obra de Goffman.Por volta de 1935, o professor Lloyd Warner estimulou Goffman

a ler e utilizar os estudos de Henry Murray, psicólogo junguianoque construiu o Teste de Apercepção de Temas (TAT), o qual, com aajuda de antropólogos, tenta separar as variações culturais e soci-ais dos determinantes da personalidade. No final de 1949, perce-beu-se a clara influência desta bibliografia na tese de mestrado, deGoffman, com o seguinte título: “Algumas características das res-postas a experiências representadas por imagens”. Este foi o pri-meiro trabalho escrito de Goffman.

Antes de tudo, na primeira parte da tese provou o seu conhe-cimento sobre o TAT: história, objetivos, potencialidades e limitesdo teste foram analisados num estilo sóbrio e denso. Explicou, nasegunda parte, como entrou em contato com os seus sujeitos portelefone, segundo a técnica clássica da “bola de neve”: um nomeleva a outro. Na terceira parte havia uma surpresa: Goffman esbo-çou a sua própria interpretação sociológica, pôs de lado o quadropsicológico realista no qual se analisam habitualmente as respos-tas às imagens do TAT, fundamentou-se em Whorf, Sapir, Burke eCassirer, entre outros.

Goffman pretendeu abarcar o “real”, com suas teorias de “pe-queno alcance”, o momento no qual se diluem os conceitos, o realque se encontra por trás das situações particulares que os dadosmostram, a realidade dos mecanismos e engrenagens que origi-nam as condutas e comportamentos, que darão origem a ordemsocial.

O ano de 1949 foi também o ano de partida para Edimburgoe Ilhas Shetland. Lloyd Warner estava, de novo, por trás desta via-gem. Na Universidade de Edimburgo, ainda em 1949, abriram umdepartamento de antropologia social e seu diretor pediu a um dosseu velhos conhecidos, que lhe enviasse um bom doutorando quepudesse dinamizar a nova estrutura. Warner sugeriu o nome deGoffman, que aceitou o convite e aí chegou em outubro de 1949.

Goffman desempenhou todas as tarefas que se esperava deum assistente, oficialmente colocado como monitor em antropo-logia social. Mais tarde, chegou à Universidade de Edimburgo umsociólogo chamado Tom Burns que estava elaborando uma teoria

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das “relações de troca”, a hipótese era de que os membros de qual-quer interação mantinham a polidez entre si para evitar choques.Essa possibilidade seduziu Goffman, que pensando sobre ela diri-giu-se às Ilhas Shetland, norte da Escócia, onde, entre dezembro de1949 e maio de 1951, fez seu campo de tese de doutorado.

Percebeu-se, ainda, nesta pesquisa, a influência de Lloyd Warner,seu orientador. Obviamente, porque o especialista das pequenascomunidades semi-rurais americanas não tinha desistido do sonhode qualquer antropólogo: estudar uma cultura insular tal como aspesquisadas por Malinowski, as Ilhas Trobriand e, por Radcliffe-Brown,as Ilhas Andaman.

Goffman construiu a sua própria metodologia. Ele se apresen-tou aos moradores como um estudante universitário que desejavaapenas obter informações sobre a economia da agricultura insular.Ele procurava tornar-se simpático, assim teve o privilégio de poderobservar os conflitos interacionais que surgiam, por vezes, no meiodesses grupos de atores sociais. Porém, os locais de observaçãoque escolheu não lhe proporcionaram entrar na estrutura social dailha, somente entrou nas atividades de lazer extracotidianas reser-vadas a alguns privilegiados: a vida no hotel, as partidas de bilhar,os serões. Mas é justamente aí, nessas atividades cotidianas, queele vai observar as interações em forma de conversa.

As atividades mais mundanas de um universo interacionalessencialmente familiar são o objeto da atenção de Goffman, asquais ele chama de conversacionais: “...essa técnica estilística deGoffman como a capacidade para fazer que um instante banal einsignificante na vida de uma pessoa se transforme em uma expe-riência memorável (para o leitor)” (ANDACHT, 2004, p.130).

O que Goffman fez foi observar o desenrolar da comunicaçãointerativa na atmosfera dos espaços. A expressão de si, que se tor-nava a impressão para o outro, era passível de ser manipuladapropositalmente, com o fim de desinformar o seu interlocutor quepodia agir de modo similar.

Goffman pretendeu examinar as interações sociais que se as-semelhavam mais às dos lugares mais impessoais da vida moder-na. Assim, qualquer interação, torna-se um constante jogo de dis-simulação e de enganar, demonstrando uma sintomatologia soci-

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al:

O projeto de Goffman aparece, assim, como umasintomatologia social, como uma desmedicalizaçãodestes sintomas, cujas raízes Freud mergulhara noinconsciente deixando ver nelas os fundamentos soci-ais e culturais. Quando Goffman invoca os lapsosfreudianos para dizer que ‘neste jogo quem descobreé freqüentemente melhor do quem dissimula’, está adialogar com a psicanálise, reconhecendo-lhe o poderde revelação, mas pensa acrescentar-lhe uma dimen-são sociológica (...) Goffman fala do social onde Freudfala do inconsciente (WINKIN, 1999, p. 70-71).

Em 1955 viveu ao ritmo dos acontecimentos quotidianos emum enorme hospital psiquiátrico, Santa Elizabeth, com mais de setemil camas. De certa maneira retoma o processo utilizado na suatese de doutorado.

Em 1956, publicou uma primeira versão de “A Representaçãodo Eu na Vida Cotidiana”. Organiza o livro, que se torna um novoalicerce conceitual: a famosa linguagem do teatro (cenário, repre-sentação, papel, etc.) o qual tornou Goffman conhecido e que lhevaleu a denominação de primeiro representante da análisedramatúrgica. O livro popularizou-se e difundiu-se nas massas es-tudantis. Em 1959, Goffman estava intelectualmente amadureci-do; a sua intelectualidade e cultura estavam na sua plenitude. Pu-blicou obras nas quais constatou que é na interação com o outroque se situa a dificuldade, não na própria pessoa. Em 1961, publi-cou “Asylums” e, em 1963, “Estigma”:

Goffman permite que os leitores ‘vejam por si mes-mos’, que detectem por sua própria conta os padrõesque ele deseja tornar notáveis e salientes.Tais técni-cas persuasivas ou de predisposição tornam fácil paraos leitores ‘chegar as suas próprias conclusões’ - con-clusões inteiramente de acordo com aquelasrequeridas por Goffman. Esta é a qualidade sedutorada prosa de Goffman; é muito fácil ler as coisas à suamaneira (WATSON, 2004, p. 92).

Segundo Malufe (1992), Erving Goffmam desfrutou de umprivilégio de ser reconhecido em vida. Seus primeiros escritos fo-

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ram tidos como algo novo e valioso. Dentro e fora dos círculosprofissionais da sociologia, foi forte o impacto dos seus escritos.Sua ascensão profissional foi rápida e esse próprio sucesso acaboupor transformar-se em problema para todos os críticos eresenhadores, porque ele sempre foi polêmico ao longo dos seustrinta e tantos anos de vida acadêmica.

Milhares de exemplares dos seus livros foram lidos em váriosidiomas. O seu sucesso popular veio, surpreendentemente, associ-ado a um interesse acadêmico, um tipo de associação mais comumde se ver no campo da literatura do que no das ciências humanas esociais:

Se a leitura de Goffman é, ao mesmo tempo, fascinan-te e desconcertante é porque, sem jamais se afastardos princípios do ofício do sociólogo, ele convida acomparar o incomparável, a mudar constantemente ovocabulário descritivo para que se possa permanecero mais perto possível da experiência individual da vidasocial (JOSEPH, 2000, p. 11).

Recebeu, em 1961, uma das maiores condecorações no meioprofissional, a MacIver Award. Foi autor de onze livros, dentre osquais o maior best-seller da história da sociologia, “A Representaçãodo Eu na Vida Cotidiana”, traduzido em quinze idiomas, com ven-dagem de mais de dois milhões de exemplares. A doença o vitimouquando estava ocupando o mais alto posto na hierarquia da socio-logia acadêmica - a presidência da “American Sociological Association”.Morreu em 1982, aos sessenta anos e no apogeu da carreira.

Velho (2004) explica que as pesquisas de Goffman começarama ser mais divulgadas no Brasil por volta dos anos 60. A sociologia,no país, possuía naquele momento o marxismo e o estruturalismocomo referência. O nacionalismo e o regime militar não estimula-vam a divulgação de pesquisadores norte-americanos. Nos anosque se sucederam ao golpe de 64, a tendência era discriminar aprodução norte-americana, tratada como empiricista.

Antropólogos e profissionais da área psicológica passam a seinteressar por Goffman mais para o fim da década de sessenta, apartir de maio de 1968. Há uma mudança e a valorização de ou-tros tipos de cultura. É a época da contracultura, de estilos alterna-

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tivos, aumentando o interesse por uma análise política do cotidia-no. Assim há uma abertura maior em relação a estudos classifica-dos de forma pejorativa como microssociologia. Começam a sereditados alguns de seus livros. Cresce o interesse por Goffman,aumentando com isso a aproximação entre antropólogos e a áreapsicológica. Goffman demonstrou um interesse pela vida cotidianae a análise do cotidiano em uma perspectiva sócio-antropológica edas relações interpessoais, por isso incentivaram-se pesquisas einvestigações interdisciplinares... “Goffman e Becker (...) não viamcomo barreiras os limites acadêmicos entre sociologia e antropo-logia. Atravessavam-nos e consideravam-nos desnecessários ou atéfonte de mal-entendidos” (VELHO, 2004, p.41).

Goffman tinha interesse por situações humanas particularmen-te penosas e empregava procedimentos não-convencionais de pes-quisa ou rigor analítico. Na sua produção percebe-se a presençamarcante de um diálogo com os clássicos através de alusões. Semassumir uma postura erudita, possui uma linguagem acessível etrabalhada:

A questão relativa aos costumes sociais da linguagemfoi importante para ele em todo o seu percurso (...) Sea linguagem é, para ele, um objeto de estudo funda-mental, é também o seu principal instrumento de tra-balho. É que Goffman escreve de uma maneira requin-tada, e este requinte irá aumentando à medida que asua obra se constrói. Ele esculpe literalmente os seustextos, não por preocupação estética, mas para expri-mir com a maior concisão possível, toda a complexida-de da realidade social (WINKIN, 1999, p. 98).

O trabalho de Goffman, segundo Gastaldo (2004), evidencia-va aspectos da vida rotineira que não eram relevantes para as ciên-cias sociais, mas ofereceram uma contribuição valiosa. “Sua descri-ção etnográfica de um hospital para doentes mentais deflagrou aluta antimanicomial no mundo” (GASTALDO, 2004, p. 9).

O ponto de vista de Goffman passava despercebido para osleigos, mas modificou o olhar e o pensar sociológico sobre asinterações, “sobre o deslocamento dos pedestres, sobre a ocupa-ção social dos espaços públicos, sobre a atuação de vigaristas,

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mendigos, loucos, espiões e jogadores” (GASTALDO, 2004, p.9).Sua obra contém força até os dias atuais. Vinte e quatro anos

depois de sua morte, os temas e os conceitos desenvolvidos porele ainda estão em voga: “(...) é pelo estudo das civilidades da vidacotidiana que a sociologia de Goffman irrompe no debate das ciên-cias sociais” (JOSEPH, 2000, p.14).

Através das interações sociais, ele percebia a lógica da repre-sentação, captava as estratégias que os atores sociais simulavampara moldar sua imagem social: os sujeitos sociais se exibiam, en-cenavam, para impressionar, para se valorizar.

Bordieux (2004) afirma que a pesquisa de Goffman consistiaem olhar de perto a realidade social e de se colocar no próprioespaço das interações. A totalidade perfaz a vida social. Ele fezcom que a sociologia valorizasse o infinitamente pequeno, o evi-dente e óbvio, tornando-se, dessa forma, uma referência para soci-ólogos, psicólogos, psicossociólogos e sociolingüistas.

3.2 INTERAÇÃO SOCIAL

Com o objetivo de inserir o Interacionismo Simbólico na pers-pectiva do campo organizacional e no contexto da pesquisa social,utilizamo-no como referencial teórico, porque seu foco são os pro-cessos de inter-ação social.

A abordagem dinâmica constitui uma preocupação dos soció-logos e antropólogos. Segundo Joas (1999), o Interacionismo Sim-bólico sustenta que a teoria deve ser desenvolvida observando-seas interações dos atores sociais na vida real. A partir desse pontode vista, a finalidade da pesquisa será mostrar o que os atoressociais realmente fazem em determinados contextos, em proces-sos observáveis de interação entre eles:

Ao lado das entidades constitutivas da sociologia, quesão o coletivo (grupo, classe, população) e o indivíduo(ator, agente, sujeito), a microssociologia introduz,pois, um objeto novo, a situação de interação (JOSEPH,2000, p.11).

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Para esta teoria, as organizações não são regidas por regrasúnicas. As ações que a organização realiza são passíveis da interfe-rência do ator social. A reflexão e o diálogo são necessários para amodificação de regras e normas e, também, para a sua manuten-ção e reprodução.

A continuidade das organizações, para o interacionismo, estáestritamente ligada à sua reprodução na ação. Seus objetivosorganizacionais estão sujeitos a contradições, apresentam carátercondicional, transitório e podem assumir muitas formas diferen-tes: “A existência das organizações depende de sua contínuareconstituição na ação; se reproduzem na ação e por meio dela”(JOAS, 1999, p. 162).

Dentro desta visão, a sociologia das organizações sugere queo funcionamento de uma organização torna-se viável com a exis-tência de um processo flexível e permanente de negociação entreos vários atores sociais interessados na forma de divisão do traba-lho. “(...) o princípio geral proposto por essa sociologia das organi-zações: elas devem ser concebidas como ‘sistemas de negociaçãocontínua’” (JOAS, 1999, p. 162).

A principal tarefa de uma sociologia das organizações é areconstituição dos processos interacionais, definidos e desdobra-dos no tempo. A tese central é a da conversação diplomática, aqual mantém a instituição contínua da sociedade. De outra forma,esse processo encontraria o obstáculo de ser mal-entendido: “(...)de maior alcance é a tese de que praticamente todos os tipos deordem social serão mal-interpretados se o papel dos processos denegociação não for considerado.” (JOAS, 1999, p.163)

O ponto de vista teórico do interacionismo simbólico de Joas(1999) é que a interação social é um processo que molda o com-portamento humano. O ator social tem um “eu” (self) que se tornaobjeto para si, se comunica consigo e age em relação a si: “O selfpara Mead surge e se desenvolve no processo da experiência dosindivíduos e suas ações, portanto no espaço das interações soci-ais.” (BAZZILLI et al., 1998, p. 59).

O “eu” (self) precisa de uma visão reflexiva; o ator social, atra-vés de um processo de self-interaction, interage com o mundo, comoutros e nessa interação define o significado de coisas: “Exige-se

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reflexão e diálogo não apenas para modificação de regras e nor-mas, mas também para sua manutenção e reprodução” (JOAS, 1999,p. 162).

Existem axiomas que definem a teoria do Interacionismo Sim-bólico, quais sejam:

Os atores sociais interagem tendo por referencial o significado que as coisastêm para eles (casa, carro), até mesmo pessoas (colega ou porteiro), categoriasde indivíduos (simpático, antipático), instituições (faculdade ou prefeitura),virtudes (sinceridade, integridade);

O significado destas coisas surge da interação social entre atores sociais. Omundo simbólico (o simbólico não é resultado nem do sujeito consigo, nemdo sujeito com o objeto) é construído nas interações entre dois ou mais atoressociais. O momento no qual surge o “eu”, ou self, é um processo social queenvolve a interação de atores sociais, o “eu”, ou self, surge através da relaçãocom atores sociais. Os atores sociais se condicionam mutuamente. A individu-alidade é baseada nas interações e aquilo que o “eu”, ou self, faz é condiciona-do por aquilo que o ‘nós’ constrói socialmente;

Através de um processo interpretativo desenvolvido pelas pessoas em interação,estes significados são modificados. Num primeiro momento, o ator socialestabelece para si mesmo os simbolismos com os quais tem relação, especificaos significados que têm sentido para ele, depois seleciona, reagrupa e trans-forma-os de acordo com o ponto de vista da situação na qual ele se encontrae que está relacionado com suas ações;

Quadro 1 - Axiomas que definem a teoria do Interacionismo Simbólico

Essas premissas oferecem uma percepção da sociedade for-mada por atores sociais que se engajam em atividades e/ou fun-ções ao interagirem uns com os outros. Os atores engajados emações dão início à vida social. A sociedade é vista como existindoem ação.

As premissas anteriormente elencadas configuram-se uma li-nha de pensamento com um núcleo teórico comum, com uma iden-tidade acadêmica: “Goffman (...) faz das interações sociais o objetoda sociologia como ciência específica.” (JOSEPH, 2000, p. 17)

Por isso há relevância e influência das pesquisas dessa corren-te na antropologia e sociologia, pois sua tarefa central é identificaro que na sociedade causa influência nos comportamentos indivi-duais do ator social, assim como o que no ator social faz diferençapara aspectos coletivos da sociedade. O quanto o comportamentoindividual, a interação social e o ator social são afetados pela es-

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trutura social e também como os atores sociais podem, através deseus comportamentos, individual e coletivo, alterar as estruturasem que atuam. Não é possível conceber o ator social sem a socie-dade e a sociedade sem o ator social, os dois são gerados nainteração. Há influência do ator social na sociedade e vice-versa. Apartir da interação, a natureza dual da relação ator social e socie-dade gera o processo de individualização, que é derivado da soci-alização (JOAS, 1991).

Smith (2004, p. 56) delineia os axiomas sociológicos queGoffman diz serem necessários para que a ordem social de interaçãoface a face ocorra (Quadro 2):

1º O ator social encontra-se na presença dos outros atores sociais, forneceinformações através da fala ou, de forma subjetiva, as transmite pela própriapessoa, ou são incorporadas e evidentes para todos ou para alguns;

2º O ator social é um receptor e emissor ao mesmo tempo, delimitando acapacidade de levar em consideração a atitude dos outros atores sociais pre-sentes;

3º O ator social tentará filtrar a informação que fornece de forma a manipular,influenciar e controlar a sua exibição.

Quadro 2 - Axiomas sociológicos da interação face a face

Conclui Smith (2004, p. 56) que para que haja interação face aface, os atores sociais devem ser capazes de sondar, monitorar osoutros atores sociais, captar as atitudes dos outros atores sociais econtrolar as informações sobre si mesmos.

Em seu estudo sobre os rituais de interação, Goffman exami-na o trabalho de construção da face (GOFFMAN, 1999). Face signi-fica os valores percebidos numa interação com o ator social. A facedá indícios da observação da identidade, do self, o qual é formadopor características sociais reconhecidas e aceitas pelo grupo de ato-res sociais. As regras do grupo de atores sociais é que determinama aceitação das faces em interação. Numa instituição total, a face, o“eu”, o self, a identidade é ameaçada ou deteriorada, podendo serestigmatizada por parte ou por todos os membros do grupo deatores sociais, mesmo que a pessoa não apresente característicasfísicas que induzam tal estado. Os egressos de uma instituição to-tal não estão em condições de recompor a face em função de uma

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situação psicológica pouco favorável que viveram e também pelascondições sociais a que estavam submetidos.

3.2.1 A PERSUASÃO ENTRE ATORES SOCIAIS

O livro “A Representação do Eu na Vida Cotidiana” pode servircomo uma orientação. A partir dele é possível estudar a vida socialdo ponto de vista sociológico da manipulação da impressão, apli-cável a qualquer estabelecimento social concreto. Poderia ser umareferência a ser utilizada no estudo de casos da vida socialinstitucional.

Um estabelecimento social é qualquer lugar no qual se reali-za regularmente uma forma particular de atividade. Nesse espaço,há uma equipe de atores sociais que, em conjunto, apresenta-se àplatéia utilizando regras de comportamentos sociais como decoroe polidez. Há uma região onde é preparada a representação, cha-mada de fundos. Também há uma onde essa encenação é apresen-tada, chamada região de fachada. A entrada nessas regiões é vigia-da para evitar que a platéia ou auditório veja os bastidores. Entreos membros da equipe de atores sociais há certa conivência, fideli-dade, lealdade, vigilância para que os segredos que possam preju-dicar a representação não venham a público. Há certo consensoentre a equipe de atores sociais e a platéia para manter certo nívelde concordância. Inconscientemente pode haver oposições,discordâncias, aparecendo assim papéis discrepantes como atoressociais ‘estranhos’ ao grupo. Eles são acolhidos como simpatizan-tes, mas na realidade visam apenas obter informações comprome-tedoras dos bastidores.

O ponto de vista do livro “A Representação do Eu na VidaCotidiana” é o de uma representação teatral, na qual se utilizampremissas, axiomas, princípios de caráter dramatúrgico. No palco,simulações são apresentadas. O ator social apresenta-se sob umamáscara de um personagem social para personagens sociais,projetados por outros atores sociais, a platéia social.

Um estudo sobre as manifestações dramáticas certamentepoderá sugerir um modelo de explicação sobre os momentos emque se deve sorrir, chorar, entonar, gesticular, etc., como ato de

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significação social. A expressão dramática, do ponto de vista soci-al, não segue a norma da racionalidade, mas a de reconhecimentomútuo dos atores sociais sobre formas de vestir, gesticular, entonar,sorrir, chorar e assim por diante.

A ação dramatúrgica abrange os seguintes momentos: o pal-co; ator (papéis sociais); o texto; as cenas; os meios de expressão.Todos, atores sociais, platéia e estranhos utilizam-se de técnicaspara salvar o espetáculo, por essa razão é importante selecionarmembros leais, disciplinados, discretos e uma platéia semcriticidade ou discernimento.

Interação para Goffman (1999) é a influência recíproca dosatores sociais sobre as ações dos outros atores sociais. O papelsocial pode ser definido como a promulgação de direitos e deveresligados a uma determinada situação social.

Para Goffman (1999), há duas fontes de informação sobre ooutro na representação. Uma é quando se tem alguma idéia dequem é a outra pessoa. A outra vai depender da comunicação quefluir na situação – a partir de sua conduta e aparência, supondobase na experiência anterior, confiando no que ele diz ou em docu-mentos.

Goffman (1999) diz, em seus estudos interacionistas, que todoator social, em qualquer interação social, representa um papel,exibe-se aos outros atores sociais de forma estudada, planejada,estratégica, domina as opiniões e conceitos que possam ter dele.Para realizar esse intuito, utiliza-se de certos meios para represen-tar sua performance, seu personagem diante de um público. Eleconhece a arte da persuasão, do contrário seus objetivos verdadei-ros se desmascaram, se desnudam, se desvelam.

Goffman (1999) diz que o método do diretor ou ator socialem questão, visa garantir o mínimo de deslizes durante a repre-sentação como, por exemplo, a habilidade para encarnar o perso-nagem e seu papel de forma espontânea, evitando gestosinvoluntários, a presença de espírito e de palco, o saber incitar eacolher brincadeiras da platéia, se resguardando emocionalmente,essas são habilidades que servem para poder contornar as situa-ções de interação dramatúrgica que, ocasionalmente, podem ocor-rer durante a representação. O ator ou diretor social é também

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alguém que possui autocontrole dramatúrgico, com um método e/ou metodologia que comanda a expressão do rosto e da voz, dissi-mula a emoção real e simula uma emoção fictícia.

Goffman (1999) diz que a vida pregressa de um líder espiritu-al, por exemplo, pode conter alguns segredos, mistérios, que seforem expostos ao domínio público, desacreditariam ou, no míni-mo, enfraqueceriam a representação do seu papel social de líder e,conseqüentemente, as pretensões relativas à sua liderança, quecomo ator social ou diretor estava tentando projetar. Esses segre-dos podem envolver fatos escusos, bem dissimulados ou estigmasque todo mundo percebe, mas aos quais ninguém se refere.

Segundo Goffman (1999), o ator social ou diretor prudenteseleciona, estrategicamente, o tipo de público crente, puro, semcríticas, sem reflexão, sem consciência, sem informação, sem lógi-ca, sem racionalizações, que não tenha pensamento livre e criati-vo, enfim, que não provoque contrariedades em termos da apre-sentação que o ator social ou diretor deseja encenar. Que não lhecoloque em xeque, não o exponha ao ridículo, não o desmascare,não o desmoralize, etc., só assim poderá ter êxito e iludir, do con-trário, como diz Cohn, será desmascarado:

Se falha o êxito, seu domínio oscila (...) quando deca-em (...) a fé dos que crêem em suas qualidades delíder, então seu domínio também se torna caduco (...)a autoridade carismática baseia-se na crença no profe-ta (...) e com eles cai (COHN, 1979, p.136-7).

Goffman (1999) salienta que, se o público tiver que assistir aapenas uma ligeira e breve palestra, apresentação, encenação, apossibilidade de uma situação constrangedora será relativamentepequena e será seguro, para o ator social ou diretor manter umafachada falsa.

Há uma técnica padronizada e defensiva de proteção. Ela neu-traliza o risco ou probabilidade de se criar condições que favore-çam a intimidade entre atores sociais que interagem (Goffman,1999).

Os segredos são informações negativas. O ‘especialista numserviço’, como um diretor social ou cineasta, por exemplo, infor-

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ma-se do drama particular dos atores sociais. Ele tem uma visão dacoxia, dos bastidores, observa de camarote o que se passa, real-mente, na vida íntima de cada um. Percebe o que eles tentam ca-muflar, com máscaras sociais engendradas estrategicamente, atécomo defesa dos seus pontos fracos e vulneráveis. Ele se informade tudo a respeito dos outros. Essa informação é um poder, porémos outros não conhecem a sua real e verdadeira personalidade.

Goffman (1999) diz que qualquer tipo de representação terádiferentes impactos, dependendo do modo como é dramatizada.Para tanto, estará camuflada de meios eficientes de exibição. As-sim, a forma mais objetiva de poder é, freqüentemente, um meioeficiente de comunicação que funciona, principalmente, como umarepresentação para iludir o público.

3.2.2 INSTITUIÇÕES TOTAIS

Goffman (1999) diz que há relevância sociológica nas pesqui-sas das instituições totais, porque são locais de condicionamentodos atores sociais, onde regras e normas de interação social coleti-va e compulsória condicionam o comportamento interacional da-queles que pertencem ao grupo em interação com os atores sociaisou residentes permanentes. Também é um objetivo da instituiçãototal a transformação do ator social num ser mais próximo de umideal de perfeição... “Já se sugeriu também que um freqüente obje-tivo oficial é a reforma dos internados na direção de algum padrãoideal” (GOFFMAN, 1999, p. 70).

Segundo Goffman (1999), as normas culturais condicionamcomo os atores sociais devem agir, socialmente, quando inseridosnum determinado grupo social. As instituições totais limitam suaspróprias atividades num único espaço físico, e as regras de com-portamento garantem a identidade ideológica e filosófica do gru-po:

A adoção das atitudes gerais de um grupo constituiparte essencial da organização do self, em seu sentidomais complexo, pois provoca no indivíduo o senti-mento de pertencer a uma comunidade ao se apropri-

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ar, em sua experiência, de valores institucionalizadospor essa comunidade (BAZILLI et al., 1998, p. 68).

Ao se fazer parte de uma instituição qualquer, um novo pro-cesso de socialização é iniciado, porque adere-se a seus padrões deinteração. Podemos observar como um ator social modifica suaconduta de acordo com as circunstâncias. Isso se explica pelo fatode o ator social ser flexível e ter a capacidade de se adaptar aomeio social e cultural. O contexto, a conjuntura social influencia aatitude e, até, o pensamento do ator social, porque a instituiçãoexerce seu domínio sobre o “eu” (self) ou personalidade dos seusmembros, condicionando sua forma de pensar, sua ideologia, suacultura, seus costumes, seus hábitos, sua conduta, sua postura:

Freqüentemente, pode-se observar como uma pessoamuda de comportamento, de acordo com as diversassituações dadas. Isto pode ser explicado pelo fato defazer parte do indivíduo assumir papéis ou condutasadaptativas ao contexto social (BAZILLI et al., 1998, p.63).

A instituição é organizada por grupos e constituída pelas rea-ções dos atores sociais em reciprocidade com as reações idênticasdos outros atores sociais, tal como a lei da física “uma ação provo-ca uma reação na mesma intensidade e sentido contrário”. Elasformariam as reações em cadeia entre atores sociais, os quais rece-bem estímulos sociais e que, por sua vez, constituem as institui-ções sociais.

Portanto, o domínio ou controle social numa instituição totalpode esmagar o “eu” (self) ou aniquilar sua personalidade, suaautoconsciência, porque se utiliza de normas e regras reacionári-as, opressivas, estereotipadas e ultraconservadoras. Possui umaforma administrativa rígida e inflexível. Condiciona os “eus” (selfs)submetidos à sua organização de maneira a inibir ou coibir qual-quer indício de comportamento e pensamentos criativos diferen-tes daqueles por elas instituídos. Somente as instituições totaissuprimem a divisão entre as diferentes facetas da vida social econdicionam a participação do ator social sob uma única e mesmaautoridade.

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Todas as instituições têm tendência ao isolamento, umas maisque outras. Algumas estão abertas para quem se comporte de ma-neira servil, outras restringem a freqüência. Algumas são mais fe-chadas e nelas há uma obstaculização à interação social com omundo aberto, com proibições à saída dos seus membros. Tais lo-cais Goffman (1999) denominou instituições totais:

Usando a linguagem neutra que constrói para discutiras instituições totais, Goffman isola uma classe deobjetos sociais que têm características bem definidasem comum, características essas que sãoempiricamente observáveis e que podem serconectadas umas às outras em padrões verificáveis.Ele sabe fazer ciência (BECKER, 2004, p. 109).

As instituições totais podem ser classificadas em cinco cate-gorias, segundo Goffman (1999):

1º - As que têm por finalidade cuidar de pessoas incapazes eque não apresentam uma ameaça à sociedade: casas para ce-gos, velhos, órfãos e indigentes;2º - As que têm por finalidade cuidar de pessoas incapazesque são de maneira não-intencional uma ameaça à socieda-de: sanatórios para hansenianos, tuberculosos, hospitais psi-quiátricos;3º - As que têm por finalidade isolar pessoas que intencional-mente são uma ameaça à sociedade: cadeias, penitenciárias,campos de prisioneiros de guerra, campos de concentração;4º - As que têm por finalidade fundamentalmenteinstrumentar, treinar para uma tarefa específica ou trabalho:quartéis, navios, escolas internas, campos de trabalho, colô-nias, kibutz;5º - Por último, as que têm por finalidade instruir religiosos.Servem, também, de refúgio do mundo: abadias, mosteiros,conventos e outros claustros como monastérios, comunida-des alternativas, etc.

Em todos os diferentes tipos, o ator social direcionado para otrabalho na sociedade aberta será desmoralizado pelo sistema da

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instituição total, porque é incompatível com a estrutura básica detrabalho e pagamento da sociedade aberta e/ou externa a ela:

Em algumas instituições, existe uma espécie de es-cravidão, e o tempo integral do internado é colocado àdisposição da equipe dirigente. Neste caso, o sentidodo eu de posse do internado pode tornar-se alienadoem sua capacidade de trabalho (GOFFMAN, 1999, p.21).

As instituições totais também são incompatíveis com a famí-lia, um pilar fundamental da sociedade aberta. Há vida comunitá-ria, mas não há vida doméstica, familiar:

Independentemente do fato de determinada institui-ção total agir como força boa ou má na sociedade civil,certamente terá força, e esta depende em parte dasupressão de um círculo completo de lares reais oupotenciais (GOFFMAN, 1999, p. 2).

A instituição total suprime as distâncias físicas de locais apro-priados e separados fisicamente para lazer, trabalho ou família.Todas essas instâncias da vida cotidiana são realizadas num mes-mo espaço e sob uma mesma e única autoridade.

As atividades cotidianas são feitas em companhia de grupos,e as tarefas não permitem usar criatividade. Não se respeitam asnecessidades humanas individuais e todas as atividades são reali-zadas em conjunto.

O desenvolvimento das tarefas é planejado e imposto, hierar-quicamente, através de normas, regras, com o fim de atender àsnecessidades da instituição. Como há um contingente muito gran-de de atores sociais, faz-se necessário que haja supervisão e/oucoordenação, com o intuito de coagir todos a realizarem, em tem-po e qualidade, o que foi determinado pela autoridade mentora.Por isso, as tarefas são examinadas, vistoriadas, avaliadas.

O ator social interno é comumente condicionado por um pro-cesso sociológico de despojamento da identidade, para tanto sofreconstantes humilhações, degradações, profanações do seu “eu” (self).A carreira, a vida familiar, as ocupações terapêuticas e a educaçãodo ator social interno são interrompidas, criando-se, assim, um

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estado estigmatizado e não há alívio momentâneo de tensões,como uma vida cultural (estudo, cinema, show, teatro, circo, espe-táculo), social (bailes, reuniões, festividades), afetiva (família, ami-gos, vizinhos, colegas), sexual (parceiro(a)), lazer (rádio, TV, internet,telefone), viagens, passeios, livre-arbítrio, necessidades individu-ais, cidadania, diretos humanos, dignidade, criatividade, comuni-cação, interação:

Nas instituições religiosas, podemos encontrar teori-as sofisticadas do ponto de vista sociológico quanto ànecessidade de purificação da alma e penitência atra-vés da disciplina da carne (...) Nos conventos, encon-tramos teorias sobre a forma em que o espírito podeser fraco e forte, e as formas em que seus defeitospodem ser combatidos (GOFFMAN, 1961, p. 72-309).

Nas instituições totais há sempre um grupo de atores sociaisque tem contato restrito com o mundo externo. São os supervisoresque, parcialmente, por questões de trabalho, são obrigados a tercontato superficial com o mundo externo. Até mesmo a interaçãoentre os grupos de atores sociais internos residentes e ossupervisores é restrita.

A lacuna, o vazio, o hiato entre os dois grupos de atores soci-ais é um aspecto central da instituição total. No entanto, Goffman(1961) diz que há uma permeabilidade entre os padrões sociaisdas instituições totais e os da sociedade aberta, sendo que ambosinfluenciam-se mutuamente.

Para se definir uma instituição como total, segundo Goffman(1999), ela tem que ser local de residência e trabalho, ao mesmotempo, num único espaço físico. Deve abrigar e obrigar a convi-vência entre atores sociais em posição de igualdade, por um espa-ço de tempo razoável. Eles são confinados, enclausurados, inter-nados, reclusos, fechados e isolados e não há quase interação soci-al entre si e, muito menos, interação com o mundo aberto.

O normal na sociedade aberta é que os atores sociais tenhamdiferentes locais para trabalhar, morem em locais diferentes do seutrabalho e convivam com seus familiares em outros locais aindamais diferenciados, tenham seu lazer em locais específicos, ondepossam encontrar atores sociais diferentes. Mas na instituição to-

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tal, segundo Goffman (1999), esse espaço físico que divide ou se-para essas diferentes esferas ou áreas da vida diária são suprimi-dos. Todas as atividades são realizadas num mesmo local e sobuma mesma administração, portanto essa é uma das característi-cas que serve para defini-la. Segundo Goffman:

Uma instituição total pode ser definida como um localde residência e trabalho, onde grande número de indi-víduos com situação semelhante, separados da socie-dade mais ampla por considerável período de tempo,levam uma vida fechada e formalmente administrada(GOFFMAN, 1999, p.11).

As tarefas diárias são obrigatórias e hierarquicamente impos-tas. São realizadas em conjunto, ou seja, com um contingente deatores sociais tratados de forma padronizada, sem levar em consi-deração suas diferenças, criatividades e seus livres-arbítrios, alémde se estabelecer horários meticulosos para execução dessas mes-mas tarefas, que são impostas com a finalidade de atender aosobjetivos e interesses planejados racionalmente pela direção dainstituição.

Através de seus estudos, Goffman (1999) percebeu que, habi-tualmente, parece haver uma diferença entre as normas e regrasinstituídas pela sociedade aberta e as restritivas instituídas pelainstituição total. Talvez, o ator social que não se adapte ao sistemade regras instituídas por uma instituição total possa não ser consi-derado inadaptado pela sociedade aberta, na qual ele agirá comoum ator social comum, porque as regras limitadoras instituídaspor uma instituição total qualquer não são comumente e/ou uni-versalmente aceitas.

As relações nas instituições totais são sempre de superiorida-de e subordinação, onde há a expectativa social que o ator socialsuperior exerça controle sobre o comportamento do ator socialsubordinado (por ordens, proibição, etc). Assim, a desobediênciaao comando de uma autoridade, na instituição total, pode resultarem sanções:

(...) fazer com que todos façam o que foi claramenteindicado como exigido, sob condições em que a infra-

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ção de uma pessoa tende a salientar-se diante da obe-diência visível e constantemente examinada dos ou-tros (GOFFMAN, 1999, p. 18).

As normas e regras instituídas são aplicadas aos atores soci-ais ligados a ela mais ou menos contra a sua vontade e sem o seuconsentimento. A capacidade de fazer regras e de aplicá-las a ou-tros atores sociais representa essencialmente um poder, uma im-posição, um domínio, um controle, porque são impostas, hierar-quicamente, de cima para baixo.

Goffman (1999) diz que o controle, a vigilância, a fiscalizaçãoa que são submetidos os atores sociais são características dessesorganismos. Há uma coação ou coerção permanente nas interaçõesdos atores socais. Observa Goffman (1999) que estes são espaçosímpares onde se criam formas de interações sociais ‘sui generis’,adequadas exclusivamente a esse respectivo local: “O controle demuitas necessidades humanas pela organização burocrática de gru-pos completos de pessoas (...) é o fato básico das instituições to-tais” (GOFFMAN, 1999, p. 18).

Ao contrário do que acontece na sociedade aberta, salientaGoffman (1999), as comodidades ou conforto material como obje-tos de consumo, um banho quente, uma cama macia, roupas dequalidade, lavada e passada, preferências alimentares ou objetosde higiene pessoal são suprimidos ao se residir, permanente outemporariamente, numa instituição total ou fechada. O ator socialnão tem opção de escolha, não tem livre-arbítrio, porque não tempoder para tanto:

Um conjunto de bens individuais tem uma relaçãomuito grande com o eu. A pessoa geralmente esperater certo controle da maneira de apresentar-se diantedos outros. Para isso precisa de cosméticos e roupas(...) em resumo, o indivíduo precisa de um ‘estojo deidentidade’ para o controle de sua aparência pessoal(GOFFMAN, 1999, p. 28).

O residente de uma instituição total, segundo Goffman (1999),tem sua interação social restringida ao mundo confinado, isolado,enclausurado, recluso da instituição fechada. Ele se submete, as-sim, a uma desprogramação, a uma despersonalização de sua iden-

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tidade anterior e é programado e reeducado pelo grupo de atoressociais coordenadores que o supervisionam, vigiam, controlam,fiscalizam. Há, como conseqüência, um despojamento, umnivelamento, porque o ator social perde sua referência e identida-de. Há um processo que obriga o residente a evitar problemasmaiores, os quais teria, certamente, se tentasse impor sua vonta-de. Então ele se cala, abre mão dos seus direitos, vontades e prefe-rências para se proteger de possíveis sanções e represálias.

Nas instituições totais, ainda observa Goffman (1999), há ummétodo, um processo, um sistema de coação ou coerção que cons-titui formas para obrigar todos residentes realizarem tarefas servi-çais como afazeres domésticos, obrigando-os a submeterem-se aum papel indigno, subalterno, humilhante, subserviente, etc.

Outra característica das instituições totais é a abolição da vidafamiliar. Turner (1974) ratifica essa idéia, pois sublinha que a vidaem comunidades fechadas rompe com as premissas, com os pila-res da sociedade aberta, tais como o casamento, o sexo, a família,a propriedade privada, etc.

Para Goffman (1999) há, nas instituições totais, um processode violação ao “eu” (self), no sentido de não se permitir liberdade,privacidade, livre-arbítrio, preferência, escolha em relação a seusbens. O ator social perde, assim, sua identidade, dignidade e cida-dania, situação esta que tem, como conseqüência, um enfraqueci-mento, até uma involução irrecuperável do seu processo de apren-dizagem mental, da sua educação intelectual, da sua vida profissi-onal, do seu amadurecimento emocional, da sua auto-estima, dasua valorização e amor próprio:

Segundo a perspectiva ‘meadiana’, há instituiçõessociais opressivas, estereotipadas eultraconservadoras. Essas instituições, em sua formarígida e inflexível, atuam sobre os selfs envolvidos comou submetidos a sua organização de maneira a inibirqualquer expressão de condutas e pensamentos dife-rentes daqueles por elas instituídos (BAZILLI et al.,1998, p. 95).

O processo dessociativo ou de associalização do ator social,diz Goffman (1999), é tão profundo que a interação com os atores

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sociais do mundo aberto gera processos de pânico, estresse, an-gústia, ansiedade, depressão e medo, dificultando sua readaptaçãoà sociedade, tornando-se, portanto, um ator anti-social.

Normalmente, as instituições, para alcançarem seus objeti-vos, precisam impor certas normas e regras. O ator social, no de-correr da sua vida, pode pertencer a várias instituições sociais for-madas por atores sociais ligados por parentesco, por interessesmateriais ou por objetivos espirituais. Em todas as instituiçõessociais, ele ingressa voluntariamente e delas se retira quando bemdesejar, sem que ninguém possa coagi-lo a permanecer, mas doestigma de ter feito parte de uma instituição total, o ator socialnão se libertará jamais, porque a influência sobre o seu “eu” (self)torna-o substancialmente muito diferente dos demais atores soci-ais da sociedade aberta. Pelo menos foi essa uma das constataçõesde Goffman:

Podemos passar agora para uma consideração da an-gústia da liberação (...) Um fator que tende a ser maisimportante é a desculturação, a perda ou impossibili-dade de adquirir os hábitos atualmente exigidos nasociedade mais ampla (GOFFMAN, 1999, p. 69).

Alguns atores sociais que seguem, por vocação, a vida religi-osa e entram para uma instituição espiritual de clausura, subme-tem-se, voluntariamente, às humilhações do “eu” (self), preferemuma vida ascética de flagelação, de mortificação com fins de purifi-cação espiritual e transcendência do ego.

Já os atores sociais que vivem na sociedade aberta se incomo-dariam com o fato de terem seus cabelos raspados. Isso seria to-mado como uma violação à sua integridade física. Mas o mongepode se agradar disso, mesmo que seu corpo seja violado e suaaparência fique desfigurada. Por este e muitos outros motivos, al-guns atores sociais convergem para instituições totais que servemde refúgio e fuga do mundo, como abadias, mosteiros, conventos,claustros, ashrams (comunidade liderada por um guru - no oriente)e monastérios:

(...) instituições religiosas que lidam apenas com aque-les que acham que foram chamados e, destes voluntá-

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rios, tomam apenas aqueles que parecem os mais ade-quados e mais sérios nas intenções. Em tais casos, aconversão parece já ter ocorrido e apenas restarámostrar ao neófito ao longo de que linhas poderámelhor autodisicplinar-se (GOFFMAN, 1961, p. 328).

Numa sociedade aberta, quando um ator social tem que acei-tar ordens que invadem sua individualidade, sua privacidade, li-berdade e livre-arbítrio, ele tem certa autonomia para reagir e de-fender-se, nem que seja só em termos de expressão facial. Ele temcerta válvula de escape, pode externar mal-humor, reagir comindelicadeza, mostrar má vontade, agir com fingimento, utilizar-se de certa hipocrisia, tornar-se cínico, irônico, fazer caretas escon-didas, sussurrar palavrões ditos em voz baixa. Nas instituições to-tais, qualquer comportamento semelhante é passível de sanções erepresálias.

Este poder de pressão, coação, através da representação, édramatizado por meios eficazes para sua comunicação e terá dife-rentes efeitos, dependendo do modo como é dramatizado. A for-ma de poder mais direta atua, principalmente, como uma repre-sentação para iludir a platéia e é, freqüentemente, uma forma decomunicação.

3.2.3 COMUNIDADE DESVIANTE

Durante a mudança do século XX para o século XXI, houveum período de transição (MORIN, 1996) e incertezas, quando sur-giu a dialética entre o presente e o futuro, uma mudança deparadigmas. Foi o fim das certezas até no campo científico, comobem se refere Ilya Prigogine no título de um livro seu muito conhe-cido nos meios científicos, “O fim das certezas” (PRIGOGINE, 1996):“As pessoas necessitam de algo que as tranqüilize com relação àsincertezas da vida” (WEBER, 2000, p. 212).

Dentro desse contexto surgiu Trigueirinho re-anunciando aera de Aquário num movimento tão diverso quanto a contraculturada década de 1960, que tinha suas raízes na New Age.

Trigueirinho anunciava em suas profecias que a transição aomilênio aquariano, de amor e fraternidade, seria plena de violên-

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cia e riscos para os espiritualmente despreparados. Mas, por outrolado, os que estivessem em harmonia com a operação resgate lide-rada por ele ingressariam numa nova era de iluminação espiritual,orientados por seres intraterrenos, superiores e avançados, emis-sários de uma civilização extraterrestre, cujas espaçonaves eramos ovnis, ajudariam a criar uma nova civilização:

Se dezenas de escatologistas mostraram estar erra-dos, a resposta não é que um deles mostrará estarcerto um dia, mas que muitos deles revelaram-se in-fluentes demais - destrutivos, construtivos,inspiradores, consoladores - e que é tolice os histori-adores rejeitá-los ou, pior ainda, não tomar conheci-mento deles (WEBER, 2000, p. 248).

A confusão, a incerteza e a insegurança nas relações sociais,segundo Gilberto Velho (1974), fez com que alguns atores sociaisse sentissem perdidos. Eles poderiam ter optado por um compor-tamento de adaptação aos valores culturais, que no entender deMerton (1968) chamava-se ‘retraimento’. Eram atores sociais quese adaptavam mal aos objetivos culturais da sociedade, não com-partilhavam e repudiavam a escala comum de valores, os objetivosculturalmente preestabelecidos. Estavam à margem. ‘Outsider’ deacordo com Becker (1977). Os seus comportamentos não se ajusta-vam às normas sociais:

(...) os desviantes intra-grupais, desviantes sociais, osmembros de minorias e as pessoas de classe baixaalgumas vezes, provavelmente, se verão funcionandocomo indivíduos estigmatizados, inseguros sobre arecepção que os espera na interação face a face, eprofundamente envolvidos nas várias respostas a estasituação (GOFFMAN, 1988, p. 157).

O termo estigma na Grécia descrevia os sinais no físico utili-zados para identificar o escravo, o traidor ou o criminoso.Contemporaneamente não existe mais a identificação física do es-tigma, mas existem os estigmatizados. São aqueles que por algummotivo não são aceitos em determinada comunidade, porque seafastam das expectativas sociais, culturais, econômicas, intelectu-ais, físicas, etc. Os sentimentos destes são de fracasso e derrota.

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Suas resignações sociais podem se manifestar como um mecanis-mo de fuga e abandono da sociedade, convergindo para comuni-dades desviantes (GOFFMAN, 1988), onde entram em contato comseus semelhantes formando uma subcultura. “Teoricamente, umacomunidade desviante poderia vir a desempenhar para a socieda-de em geral algumas das funções desempenhadas por um desvianteintragrupal para o seu grupo” (GOFFMAN, 1988, p. 156).

Segundo Goffman (1988), os que se juntam numasubcomunidade podem ser classificados como desviantes sociais esua vida em comum, em conjunto, pode ser denominada comuni-dade desviante ou destoante. Atores sociais que negam a ordemsocial e se engajam coletivamente numa subcomunidade formamuma subcultura. Estes atores não possuem motivação de progredirsegundo os valores aprovados pela sociedade. Por exemplo, umator social solteiro que não deseja constituir família pode ingres-sar numa subcomunidade que se rebela contra o sistema familiar:“(...) optaram fugir da ordem social ligada ao status e adquiriramos estigmas dos mais humildes (...) e subalternos em qualquer ocu-pação casual de que se incumbam. Valorizam mais as relações pes-soais do que as obrigações sociais” (TURNER, 1974, p. 138):

O estresse da vida industrial induz um número cadavez maior de cidadãos a acalentar a idéia de um retor-no ao ritmo lento da sociedade rural, sem o tráfego eas corridas frenéticas entre a casa, o escritório, oscursos e supermercado (DOMENICO DE MASI, 2006,p. 66).

Os desviantes sociais, descreve Goffman (1988), orgulham-sede sua rebeldia e evitam as divergências (Velho, 1974), restringin-do-se à proteção autodefensiva de viverem isolados numasubcomunidade. Ali não se sentem mais deslocados como na soci-edade aberta. Sentem-se melhores, superiores, exemplos e mode-los de vida para os atores sociais da sociedade aberta e angariamsimpatizantes e adeptos:

Os profetas e os artistas tendem a ser pessoasliminares ou marginais, ‘fronteiriços’ que se esforçamcom veemente sinceridade por libertar-se dos clichês

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ligados às incumbências da posição social e à repre-sentação de papéis (TURNER, 1974, p. 155).

Turner (1974) diz que a ‘communitas’ era formada por um con-junto de atores sociais concretos e idiossincrásicos que, apesar deserem diferentes quanto aos seus físicos e personalidades, eramiguais do ponto de vista da humanidade comum a todos. Busca-vam uma transformação profunda, onde encontravam algo profun-damente comunal e compartilhado: sua alma ou humanidade, sua‘comum unidade’.

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4 MÉTODO DE GOFFMAN E SUA APLICAÇÃO NA INTERAÇÃOSOCIAL DE “FIGUEIRA”

Num primeiro momento, descrevemos o método de pesquisacriado por Goffman, para observar de forma participativa asinterações.

Em segundo lugar, descrevemos o procedimento teórico-metodológico utilizado na pesquisa de campo em “Figueira” deacordo com a metodologia Goffminiana.

Numa terceira instância, definimos as categorias de análisedos ritos da instituição e dos ritos da interação extraídas doreferencial teórico.

Em quarto lugar, listamos o material empírico e o classifica-mos em categorias. Por fim, fazemos algumas considerações finais.

4.1 PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Tomamos ciência da comunidade “Figueira” por intermédioda cadeira de cinema da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS(FAMECOS). Trigueirinho é conhecido neste meio, porque foi umdiretor premiado na fase do Cinema Novo brasileiro, em 1960, como filme “Bahia de todos os Santos”.

É importante ressaltar que esta pesquisa sobre “Figueira” épioneira. Não existiam estudos, ensaios, artigos, textos acadêmi-cos anteriores sobre esta organização. Desbravamos um novo ca-minho de pesquisa e construímos um novo saber, um novo conhe-cimento. O ineditismo tornou-a trabalhosa. Levamos seis anos pararealizá-la. Tivemos paradas que foram muito frutíferas, pois procu-ramos pôr em prática o que o sociólogo Domenico de Masi chamoude ócio criativo, isto é, utilizar o tempo de lazer, o tempo recreati-vo para criar, produzir sem pressão, sem estresse. Esperamos quetodo esse trabalho sirva para amenizar posteriores estudos eaprofundamentos sobre o mesmo tema. Talvez por ser uma pes-quisa pioneira, ela sirva de referência.

Poderíamos optar pelo viés do ‘messianismo’ estudado pela

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Maria Queiroz, pelo recorte do ‘poder’ ou ‘vigilância e punição’,estudado por Foucault, pelo viés do ‘líder carismático’ pesquisadopor Max Wever, pelo recorte de ‘comunidade’ e ‘liminaridade’ estu-dado por Victor Turner, pelo viés do ‘desvio de divergência’,pesquisado por Gilberto Velho, pelo recorete das organizações não-governamentais (ongs), estudas pela Maria da Glória Gohn, peloviés da psicologia ou teologia, etc., mas optamos peloInteracionismo Simbólico e pela trilogia de Goffman que trata dasinstituições totais, da representação do “eu” na vida cotidiana e doestigma.

Procuramos, então, seguir a metodologia de pesquisa utiliza-da por Goffman. WINKIN (1999) disse que Goffman, em sua tese dedoutorado na comunidade das Ilhas Shetland, construiu sua pró-pria metodologia.

No trabalho de análise, a abordagem dramatúrgica éum meio de ordenar as informações (...) Método quepossibilita descrever as técnicas de manipulação daimpressão, com suas várias inter-relações dentro doambiente, observando os possíveis problemas de iden-tidade (BAZILLI et al., 1998, p. 126).

Goffman apresentou-se aos moradores das Ilhas Shetlands comoum estudante universitário que desejava obter informação diretasobre a economia insular. Ele se colocou no próprio espaço da pes-quisa de campo, ou seja, no espaço das interações dos moradores.Ali pôde perceber o infinitamente pequeno, o evidente e o óbvio.Procurou tornar-se tão aceitável quanto possível aos habitantesdas ilhas, não lhes colocando muitas questões e não os observan-do com os olhos arregalados. Não utilizou questionários, grava-dor, câmera de filmar. Tomava algumas notas escondidas durantesalguns acontecimentos públicos.

Mais tarde, já conhecido e mais participante observador doque observador participante, vai simplesmente reviver as interaçõese relatá-las no seu diário elaborado à noite no silêncio do seu quar-to. Goffman teve a oportunidade de observar as crises interacionaisque surgem, por vezes, no meio desses pequenos grupos de atoressociais. Ele participava das atividades mais informais. Durante es-tas atividades, observou as interações em forma de conversa.

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A interação, que é objeto da atenção de Goffman, denomina-se conversacional. Ele observou o desenrolar da comunicação naatmosfera dos espaços cotidianos e afastou toda a preocupaçãocom as características macrossociológicas da comunidade. Elimi-nou todo interesse pelos traços que distinguiam esta ilha de umaoutra e começou a examinar as interações sociais que se asseme-lhavam às dos lugares mais impessoais da vida moderna. Rejeitouo tempo e o espaço, anulou a tradição da história, evitando a inti-midade e a amizade. Com isto, criou as condições do homem soci-al puro, do homem interacional puro. Verificou as condutas maisimpessoais das Ilhas Shetland. O resto não lhe interessava. Isto jus-tificava sua posição de que o estudo se desenrolou na comunidadedas Ilhas Shetland, mas não era um estudo da comunidade das IlhasShetland.

Através de indícios simples nas interações, este pesquisadorcaptou a lógica do ato de encenação, o conjunto de estratégiaspara exibir uma imagem social que valorizava o ator, que causavauma boa impressão, que distinguia um do outro. Ele tinha especi-al predileção pelas interações humanas no cotidiano, aspectos porvezes despercebidos pelos leigos e que não eram considerados re-levantes pela maioria dos sociólogos. No entanto, esses detalhesmodificaram o pensar sociológico no mundo.

“Goffman emprega procedimentos não-convencionais de pes-quisa ou rigor analítico, possui uma linguagem acessível e traba-lhada literariamente” (MALUFE, 1992, p. 16). Pelo menos sua des-crição etnográfica sobre o hospital psiquiátrico de doentes men-tais Santa Elizabeth colaborou para deflagrar a luta antimanicomialno mundo:

Ele descreve e analisa práticas sociais deencarceramento e degradação que repelem e mesmoenojam muitos leitores, e que nos provocam senti-mentos de vergonha, por vivermos em uma sociedadena qual tais coisas aconteceram e continuam a aconte-cer. Suas descrições detalhadas e completas tornamimpossível ignorar a existência continuada dessas ati-vidades organizadas e socialmente aceitas, e têm,ocasionalmente, instigado tentativas de reformá-las(BECKER, 2004, p. 103).

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“Goffman realizou um duplo trabalho: o do etnógrafo e o dosociólogo” (JOSEPH, 2000, p. 35). A fusão do sociólogo e doetologista serviu como uma vantagem a mais para o sociólogo,uma vez que a linguagem do corpo que via nas ruas estavaconectada com os contextos antropológicos de todas as interaçõessociais. Tornava-se, assim, um critério de julgamento das formasinstitucionais de controle social e dos esquemas explicativos dasocialização:

A proposta de Goffman é que se examine a organiza-ção da experiência social, em termos de certos princí-pios básicos que estejam simultaneamente presen-tes, tanto na organização dos próprios eventos comona organização do nosso envolvimento subjetivo ne-les - princípios básicos aos quais nós recorremos sem-pre que procuramos uma resposta para a pergunta: ‘Oque é isto que está acontecendo aqui?’ (MALUFE, 1992,p. 21).

4.2 A PESQUISA DE CAMPO SEGUNDO O MÉTODO DE GOFFMAN

Este estudo das instituições totais e, particularmente, domundo dos atores sociais, denominados por nós como hóspedes e/ou visitantes itinerantes da comunidade “Figueira”, tem como umdos seus interesses principais avaliar, o mais possível, a versão so-ciológica do “eu” (self) em interação nesta organização.

Ao contrário de Goffman, acentuamos o mundo do ator socialnão-internado, dos hóspedes e/ou visitantes itinerantes que sehospedam em “Figueira” e que, ao interagirem com os atores soci-ais ou residentes permanentes – fazendo parte ou não da equipedirigente –, entram em conflito em função de diferentes personali-dades, comportamentos, interesses, objetivos, hábitos, costumes,usos, criando-se, assim, um clima constante de conflito, discórdia,etc.

Apresentamo-nos como colaboradores e ficamos hospedadosem “Figueira” como alguém que simpatizava com sua cultura espi-ritual, mas evitamos a intimidade e a amizade, até porque estascondutas são condenadas. Colocamos-nos no próprio espaço das

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interações, no próprio campo de pesquisa propriamente dito, parafazer uma observação participante das interações, para verificarcomo a integração faz a vida social acontecer. Procuramos nos inte-grar à vida cotidiana sem chamar a atenção e acompanhar o óbvio,o corriqueiro, o pequeno, o evidente, o cotidiano, etc. Não pude-mos usar gravadores, filmadoras, nem fotografar. Estes instrumen-tos são proibidos. Também não fizemos questionários, porque cha-maria muita atenção e tiraria a espontaneidade, a naturalidade daspessoas analisadas. Tomávamos, inicialmente, pequenas notas aquie acolá escondidas. Mais tarde, já mais acostumados com a rotina,tomávamos notas à noite, no quarto, mesmo estando, quase sem-pre, em quartos coletivos.

Hospedados e vivendo no meio deles, tivemos a oportunida-de e o privilégio de presenciar comunicações, interações e conver-sas cotidianas interessantes e bastante elucidativas da sua culturaímpar ou singular.

Queremos informar que fizemos uma observação participan-te das interações que se passam na comunidade “Figueira”, por-tanto não realizamos um estudo, propriamente dito, da comuni-dade “Figueira.” Não pesquisamos as característicasmacrossociológicas da comunidade, não levamos em conta o tem-po, a história, mas somente estudamos o seu espaço e traços ca-racterísticos. Procuramos examinar as interações impessoais quepodem ocorrer numa comunidade por divergências nas relaçõesde poder. Portanto, coletamos informações da organização “Figuei-ra” seguindo, passo a passo, o método criado por Goffman.

A comunidade “Figueira” localiza-se na área rural e urbana,na cidade de Carmo da Cachoeira, Estado de Minas Gerais. Foramseis observações participantes ao todo no campo de pesquisa. Otempo de permanência em “Figueira” é determinado por eles. Aprimeira foi nas férias acadêmicas de verão, porque, obviamente,tínhamos mais tempo e porque nesta época afluem mais atoressociais ao local. Realizou-se no primeiro semestre de 2001, emjaneiro, por dez dias consecutivos; a segunda, nas férias acadêmi-cas de inverno, por termos mais tempo e por irem mais pessoaspara lá nesta época, portanto realizou-se no primeiro semestre de2001, em julho, por quinze dias consecutivos; a terceira observa-

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ção foi no primeiro semestre de 2004, em julho, também nas fériasacadêmicas de inverno, por sete dias consecutivos; a quarta, noprimeiro semestre de 2005, nas férias acadêmicas de verão, emfevereiro, por quinze dias consecutivos; a quinta foi no primeirosemestre de 2006, em fevereiro, nas férias acadêmicas de verão,por sete dias consecutivos. A sexta e última foi no primeiro semes-tre de 2006, em julho, por cindo dias. Além disso, fizemos duaspesquisas de campo na comunidade Nazaré, situada na cidade deNazaré Paulista, interior do Estado de São Paulo, as quais se reali-zaram nas férias de verão do ano 2003, mais precisamente emjaneiro, por uma semana, retornando novamente em fevereiro porquinze dias. Fizemos várias outras pesquisas de campo nossubgrupos ou rede de serviço de Porto Alegre. Realizamos reuni-ões com atores sociais do grupo e fizemos algumas observaçõesparticipativas nas audições públicas. Também pesquisamos a bibli-ografia, exclusivamente utilizada para consulta interna, do grupode “Figueira” e das redes de serviço, pesquisamos a bibliografiadas obras publicadas pelo Trigueirinho, algumas indicações bibli-ográficas apontadas pelo próprio Trigueirinho em seus escritos taiscomo: ‘Revistas de Sinais’, ‘Jornais de Sinais’, ‘Boletim de Sinais’,textos e artigos na internet, seu filme “Bahia de todos os Santos”,seus VHS, CDS, fitas k-7, seus artigos críticos publicados na Revista‘Anhembi’, editada pela USP, algumas críticas especializadas em ci-nema sobre sua obra. Quase todas as fontes citadas estão anexa-das. Consideramos necessária sua anexação para futuras consultasde pesquisadores que não disponham de tempo ou condições fi-nanceiras para ir até “Figueira”.

Conforme Becker (1977) aconselha, esclarecemos que a pes-quisa foi feita como hóspedes e/ou visitantes. Este autor enfatizaque a neutralidade ideal na pesquisa dificilmente é atingida, assimse torna necessário dizer em qual ponto de vista nos situamos:

Na verdade seria possível fazer uma pesquisa que nãoseja contaminada por simpatias pessoais e políticas?Proponho argumentar que isso não é possível e, por-tanto, que a questão não é se devemos ou não tomarpartido, já que inevitavelmente o faremos, mas sim deque lado estamos nós (BECKER, 1977, p. 122-36).

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A presente pesquisa foi realizada buscando compreender osatores sociais denominados hóspedes e/ou visitantes itinerantesque permanecem temporariamente em “Figueira” e que, aointeragirem com os residentes ou internos, sejam auxiliares oucoordenadores, entram em conflito em função da sujeição hierár-quica. Isto gera um clima de tensão permanente, pois as discipli-nas, normas, regras e tarefas impostas pelo grupo de “Figueira”,liderado por Trigueirinho, interferem no “eu” (self) ou personalida-de deles.

Goffman (1999) salienta que há um interesse sociológico naspesquisas sobre instituições totais, porque nestes espaços, as re-gras e normas condicionam, obrigatória e compulsoriamente, comoos atores sociais devem pensar, comportar-se e interagir coletiva-mente, em virtude de pertencerem ou não àquele grupo específi-co.

Nossa hipótese é que “Figueira” possa ser classificada parcial-mente como uma instituição total por possuir muitas característi-cas semelhantes às das instituições totais. O mais importante é apercepção de que essa sua forma de administrar pode condicionaro “eu” (self), o comportamento, o pensamento e até os sentimentosdos que estão ligados a ela direta ou indiretamente.

4.3 CATEGORIAS DE ANÁLISE DOS RITOS DA INSTITUIÇÃODIMENSIONADAS COMO CATEGORIAS ABSORVENTES

As categorias absorventes das instituições totais tendem aabsorver em si os sujeitos por processos de socialização, aparta-ção, inclusão, identificação, etc. Estas categorias absorventes ba-seiam-se em interações que anulam a intersubjetividade nasinterações.

(...) toda institución absorbe parte del tiempo y delinterés de sus miembros (...) la tendencia absorbenteo totalizadora está simbolizada por los obstáculos quese oponen a la interacción social con el exterior y aléxodo de los miembros (GOFFMAN, 1972, p. 17-18).

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As instituições totais podem ser classificadas em cinco cate-gorias, segundo Goffman (1999):

1ª - As que têm por finalidade cuidar de pessoas incapazes e que não apresen-tam uma ameaça à sociedade: casas para cegos, velhos, órfãos e indigentes;

2ª - As que têm por finalidade cuidar de pessoas incapazes que são de maneiranão-intencional uma ameaça à sociedade: sanatórios para hansenianos,tuberculosos, hospitais psiquiátricos;

3ª - As que têm por finalidade isolar pessoas que intencionalmente são umaameaça à sociedade: cadeias, penitenciárias, campos de prisioneiros de guer-ra, campos de concentração;

4ª - As que têm por finalidade fundamentalmente instrumentar, treinar parauma tarefa específica ou trabalho: quartéis, navios, escolas internas, camposde trabalho, colônias, kibutz;

5ª - Por último, as que têm por finalidade instruir religiosos. Servem, tam-bém, de refúgio do mundo: abadias, mosteiros, conventos e outros claustroscomo monastérios, comunidades alternativas, etc.

Quadro 3 – Categorias das Intituições Totais-Goffman

ANÁLISE

A comunidade “Figueira”, que serve de objeto para estapesquisade para sua operação;, pode ser enquadrada tanto na quar-ta, quanto na quinta das categorias. Na quarta, pelo fato de seorganizar como uma fazenda com produção própria, que contacom mão-de-obra voluntária e gratuita para sua operação, isto é,semelhante ao que acontece em um kibutz. Enquadra-se de manei-ra mais enfática na quinta, na medida em que nesta há ummonastério (um masculino e um feminino, um eremitério misto,com a finalidade de instruir religiosos, também de servir de refú-gio do mundo) sendo, ao mesmo tempo, uma comunidade alter-nativa.

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Quadro 4 - Categorias de análise dos ritos da instituição

4.3.1 ANOTAÇÕES DAS OBSERVAÇÕES DE CAMPO DOS RITOS DA INSTITUIÇÃO JÁ CATEGORIZADAS

1ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Observamos uma hóspede visitante, de nacionalidade Argen-tina, afirmar que ficou em “Figueira” durante vinte dias. Tentousair antes do tempo acordado, mas não conseguia passagem deretorno. Disse que não sentia mais seu corpo, que ele não respon-dia mais ao seu comando de tão cansada que estava. Já não tinha

a.As instituições totais limitam suas próprias atividades, funções e tarefasdentro de um mesmo espaço físico, e as normas de conduta garantem aidentidade do grupo.

b.As instituições totais são espaços de condicionamento de atores sociais,onde regras e normas de interação social, seguidas de forma coletiva e com-pulsória, modelam o comportamento interacional daqueles que fazem partedo grupo.

c.Ao fazer-se parte das instituições totais, adere-se a novos padrões de interação.Um novo processo de socialização é iniciado. O ator social assume o novocódigo de comportamento, porque se adapta ao novo conceito interacional.

d.As instituições totais influem na conduta do ator social, exercem seu con-trole sobre o comportamento, tornando-se um fator determinante no pensa-mento do ator social.

e.As instituições totais são reacionárias, opressivas, estereotipadas,ultraconservadoras. Através do controle podem esmagar o ator social ouaniquilar sua individualidade, podendo vir a perder sua consciência reflexiva.

f.Existem instituições totais como abadias, mosteiros, conventos, claustros,monastérios, comunidades religiosas que têm por finalidade instruir religio-sos, servem de refúgio do mundo.

g.Nas instituições totais, há uma invasão ao “eu” (self) do residente, que édesprogramado, despersonalizado de seu “eu” (self) anterior, reprogramado ereeducado pelo grupo de residentes que o supervisionam, vigiam, fiscalizame controlam.

h.Nas instituições totais, há um processo de desconstrução do “eu” (self). Nãose permite ao ator social ter uma vida individual. Ele é despojado de seusbens, de suas preferências, de seus gostos, de suas escolhas, de seu livre-arbítrio, de sua liberdade, de sua identidade, de sua personalidade, de seusdireitos humanos, de sua cidadania, ocasionando uma involução no seu de-senvolvimento educacional, profissional, emocional, de sua auto-estima,autovalorização e amor próprio.

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mais reflexos, porque era obrigada a acordar, algumas vezes, àsquatro horas para ir trabalhar na horta e pomar com frio e chuva.Ela afirmou, também, que dos vinte argentinos que a acompanha-ram em “Figueira”, todos saíram antes do tempo acordado com osetor de hospedagem, porque não agüentaram o regime de traba-lho e horários estabelecidos.

Essa observação pode ser classificada, de acordo com ataxonomia anteriormente apresentada na categoria “e”, a qual dizo seguinte: “As instituições totais são reacionárias, opressivas, es-tereotipadas, ultraconservadoras. Através do controle podem es-magar o ator social ou aniquilar sua individualidade, podendo vira perder sua consciência reflexiva.”

ANÁLISE

Em “Figueira”, conforme foi observado, e em sintonia com ascategorias de Goffman, pode-se perceber uma rigidez em termosde horários, normas e regras impostas, hierarquicamente, pelo gru-po dirigente. Este grupo é composto pelos residentes auxiliares epelos residente-coordenadores, objetivando atender às necessida-des de “Figueira”.

2ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Observamos no dia da vigília mensal – um dia dedicado aosilêncio externo e interior, que todos eram obrigados a participar –, Trigueirinho falar sobre a necessidade de lavar os pecados noritual de lava-pés. Também se observou uma visitante dizer queestava entusiasmada, a qual falou ao Trigueirinho que desejavalavar não só os seus pés, mas todo seu corpo e todos os seus peca-dos. Pretendia fazer isto na cachoeira que existia na zona rural dacidade de Carmo da Cachoeira. No mesmo dia, porém mais tarde,uma das coordenadoras, ex-professora universitária do Rio de Ja-neiro, disse-lhe que não era permitido, ir tomar banho na cachoei-ra ou ir à cidade, e fazer atividades independentes do grupo.

Essa observação pode ser enquadrada na categoria “a” dasclassificação apresentada, a qual diz o seguinte: “As instituições

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totais limitam suas próprias atividades, funções e tarefas dentrode um mesmo espaço físico e as normas de conduta garantem aidentidade do grupo”.

ANÁLISE

Além das regras estabelecidas pela coordenação, o própriogrupo atua como um fator de condicionamento de comportamen-to em “Figueira”. Isto se deve ao fato de que o interesse do grupoestá acima das individualidades, portanto o ator social encontra-sesubordinado ao condicionamento coletivo, do contrário teria con-flitos passíveis de sanções que restringiriam sua independência,liberdade e livre-arbítrio. Os supervisores de “Figueira” tentam di-rigir as atividades dos atores sociais subalternos por meio da per-suasão, manipulação, punição, coerção e ameaça. Demonstram oque querem impor como padrão, e mostram, sutil e ameaçadora-mente, o que farão caso isto não seja cumprido em tempo, quali-dade e quantidade.

3ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Percebemos, em determinado momento, uma colaboradorafalar que já não afluíam mais pessoas, em “Figueira”, como antiga-mente. A maioria desistia de retornar, porque não suportava tantasnormas, regras, horários, trabalhos pesados e alguns tratamentoshumilhantes por parte dos residentes.

Essa observação pode ser classificada na categoria “g”: “Nasinstituições totais, há uma invasão ao “eu” (self) do residente, queé desprogramado, despersonalizado de seu “eu” (self) anterior,reprogramado e reeducado pelo grupo de residentes que o super-visionam, vigiam, fiscalizam e controlam.”

ANÁLISE

Há em “Figueira” a adoção de regras e normas que são maisrestritivas em relação às da sociedade aberta. Isto se expressa, como

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já foi destacado, em horários e tarefas que conflitam com o ritmoda vida fora da comunidade. Além da rigidez das normas, observa-se uma dinâmica, previamente estabelecida, que impede aflexibilização da forma de realizar as coisas de forma criativa. Comonas demais instituições totais, estas estratégias objetivamcondicionar os partícipes, submetendo-os à vontade coletiva.

4ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Observamos uma visitante dizer que achou a comida horrí-vel, não tinha sal, açúcar, tempero. O caldo do feijão era aguado, oarroz integral era grudado, o pão integral era duro, alguns legu-mes não eram cozidos e servidos crus e com casca, o café da ma-nhã era um caldo de polenta aguada, não serviam leite, manteiga,iogurte, queijo, nada de origem animal. Serviam apenas no café damanhã: chá verde, pão integral com uma pasta de soja salgada,chamada missô. A dieta de “Figueira” é vegetariana, sem sal, semaçúcar, sem temperos, sem óleo, sem carne, ovos, laticínios e cafépreto. Não se pode beber bebida alcoólicas ou fumar. Como nãomastigavam, alguns tiveram, em função disto, seus dentes afrou-xados. Os participantes faziam as refeições em silêncio, sentadosfora da mesa e com os pratos apoiados nas pernas.

Essa observação pode ser inserida na categoria “h”, que des-creve o seguinte: “Nas instituições totais, há um processo dedesconstrução do “eu” (self). Não se permite ao ator social ter umavida individual. Ele é despojado de seus bens, de suas preferênci-as, de seus gostos, de suas escolhas, de seu livre-arbítrio, de sualiberdade, de sua identidade, de sua personalidade, de seus direi-tos humanos, de sua cidadania, ocasionando uma involução noseu desenvolvimento educacional, profissional, emocional, de suaauto-estima, autovalorização e amor próprio.”

ANÁLISE

O ambiente nas refeições coletivas difere bastante do das nos-sas refeições rotineiras. Em “Figueira”, as pessoas não interagem,

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não se cumprimentam, não se olham, não conversam, não se co-municam, ou seja, não confraternizam. Comem sentados em ban-cos fora da mesa, apoiando os pratos nas pernas, sem a opção deescolha do tipo de dieta e da forma de prepará-la.

5ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Uma outra visitante relatou que estava saindo da casa 1, (lo-calizada na cidade de Carmo da Cachoeira, onde fica a secretariageral), em direção à casa 4 (prédio da central de atendência, osdois prédios localizam-se na esquina do mesmo quarteirão), quan-do deparou-se com uma visão chocante, segundo o ponto de vistadela: viu um caminhão estilo pau-de-arara, com residentes vesti-das com roupas rurais de trabalho, em silêncio, de cabeça baixa,enfileiradas nos bancos laterais da carroceria do caminhão cobertopor lona. Assemelhavam-se, segundo ela, àqueles caminhões doexército que carregam soldados para manobras militares. Estavamrumando para o campo. Para a hóspede visitante, pareciam ir paraum ‘campo de concentração’ e de ‘lavagem cerebral’. Ela afirmouque nunca esqueceu a imagem, a qual ficou gravada na sua retina.Imagem que a fez se dar conta do que ocorreria em relação ao seufuturo se ficasse ali como residente.

Enquadramos esta observação na categoria “g”, a qual diz oseguinte: “Nas instituições totais, há uma invasão ao “eu” (self) doresidente, que é desprogramado, despersonalizado de seu “eu” (self)anterior, reprogramado e reeducado pelo grupo de residentes queo supervisionam, vigiam, fiscalizam e controlam.”

ANÁLISE

Os atores sociais de “Figueira”, em quase todos os momentosse movimentam em grupos. Eles são coordenados por uma equipesupervisora, que não se preocupa somente em auxiliar ou orientar,mas controlar, vigiar, intimidar para a realização de tarefas com-pulsórias. Este comportamento de passividade pode ser observa-do não só nas atividades laborais, como em muitos outros mo-

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mentos do cotidiano.

6ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Percebemos que, em “Figueira”, os internos e os visitantesnão vêem televisão, não assistem a peças de teatro, espetáculosou shows, não lêem jornais ou revistas, não freqüentam uma esco-la formal, não convivem com parentes ou amigos. Devem observaro silêncio, portanto não costumam conversar entre si ou comuni-car-se com o grupo de semi-internos e colaboradores externos. Nãoganham salário, por isso não podem comprar roupas ou objetosde higiene pessoal. Ganham-nos por doações sem opção de esco-lha. Não têm férias, não têm acesso à comunicação por fax, telefo-ne celular ou internet (esses aparelhos são restritos à secretaria enão podem ser usados particularmente). Não têm feriados, mastêm folga uma vez por semana. Apesar de terem um único dia defolga, mesmo assim são convocados neste dia para fazer plantões.Acrescido a isto, este dia é destinado ao estudo obrigatório, qualseja, participar das palestras de Trigueirinho pela manhã e outra àtarde à cargo do setor de cura.

Essa observação pode ser classificada na categoria “c”, a qualdiz o seguinte: “Ao fazer-se parte das instituições totais, adere-se anovos padrões de interação. Um novo processo de socialização éiniciado. O ator social assume o novo código de comportamento,porque se adapta ao novo conceito interacional”.

ANÁLISE

O interno de ‘Figueira’ parece tornar-se mais vulnerável e frá-gil por não ter interação com a sociedade aberta. Fica solitário eisolado do que acontece no mundo, sem apoio da família e paren-tes, sem contato com seu bairro, vizinhos, ambiente de trabalho,amigos, etc.

Esta forma de vida, marcada pela reclusão, sintetiza a totalausência de cidadania. Os internos não possuem relações traba-lhistas e, assim sendo, não podem fazer greve, não têm seguro-

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desemprego, não recebem hora extra ou aposentadoria. Tambémnão possuem propriedade privada, dormem em quartos comunitá-rios e são celibatários. Mais do que isso, algumas práticas, sob oponto de vista dos direitos humanos, são desconsideradas.

7ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Uma visitante informou-nos que permaneceu trinta dias em“Figueira” e que quase enlouqueceu sem poder falar, sem dialogar,sem sexo. Disse que quando retornou à sua casa, quase não conse-guia se comunicar com sua própria família.

Podemos classificar esta observação na categoria “d”, que afir-ma o seguinte: “As instituições totais influem na conduta do atorsocial. Exercem seu controle sobre o comportamento, tornando-seum fator determinante no pensamento do ator social”.

ANÁLISE

A maior regra em “Figueira” é fazer silêncio interno e externo.A interação entre membros é totalmente desestimulada. Assim sen-do o próprio diálogo – como forma de compreensão das coisas domundo – é terminantemente reprimido. Outra forma de interaçãofundamental para o crescimento humano, o sexo, é proibido emesmo o afeto não é incentivado. Enfim, a comunicação entre osmembros não é estimulada.

8ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Também observamos uma outra visitante dizer que tentouvárias vezes morar em “Figueira”, mas não conseguiu se adaptar.Afirmou não estar preparada, psicologicamente, para tanto, poisalguns mudam de nome, são rebatizados. Também não comemo-ram datas históricas, feriados cristãos, aniversários, etc.

Esta observação pode ser classificada na categoria “f ”, a qualdiz o seguinte: “Existem instituições totais como abadias, mostei-ros, conventos, claustros, monastérios, comunidades religiosas que

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têm por finalidade instruir religiosos, servem de refúgio do mun-do”.

ANÁLISE

“Figueira” exige um comprometimento de seus simpatizan-tes ou aspirantes maior que o normal nas instituições comuns,restringindo-lhes a interação social existente internamente e como restante da sociedade aberta.

Como prova da renúncia a sua personalidade, identidade so-cial, eles são rebatizados, recebendo a partir de então um novonome. Outras marcas da vida social são negligenciadas, pois nãocomemoram datas históricas, feriados cristãos, aniversários, etc.

9ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Em relação a esta colaboradora, acima referida,observou-seque ela era muito lenta ao movimentar-se, falava baixo e muitopouco. Percebia-se no seu comportamento e no dos demais, umamaneira singular de ser. Muitas vezes, no ônibus que se viajava deSão Paulo a Carmo da Cachoeira, onde os passageiros em geral nãose conheciam, que os atores sociais que iam para “Figueira” sereconheciam entre si, apenas pela forma de se comportar, pelasatitudes, pelo modo de falar, andar, vestir, etc.

Essa observação pode ser classificada na categoria “c”, a qualdiz o seguinte: “Ao fazer-se parte das instituições totais, adere-se anovos padrões de interação. Um novo processo de socialização éiniciado. O ator social assume o novo código de comportamento,porque se adapta ao novo conceito interacional”.

ANÁLISE

A finalidade de “Figueira”, juntamente com a instrução espiri-tual, é fazer com que o simpatizante ou aspirante à vida espiritualdesfaça-se das suas origens culturais e sociais e assuma, total eintegralmente, a cultura do grupo. Isto transparece na forma de

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pensar, falar, agir, trajar dos simpatizantes da ideologia.

10ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Observamos um residente, que há seis anos vivia na primeiracomunidade fundada por Trigueirinho, “Nazaré”, afirmar ter sidomonge zen-budista. Morou por um tempo num mosteiro zen comum sistema muito rigoroso. Disse que esteve, por uns dias, em“Figueira”, e que o colocaram para limpar calhas, telhados, colhergoiabas. Essas tarefas não o incomodaram. Achou a comida horrí-vel e gostou das palestras, ou melhor, partilhas de Trigueirinho.

Essa observação pode ser classificada na categoria “f ”, a qualdiz: “Existem instituições totais como abadias, mosteiros, conven-tos, claustros, monastérios, comunidades religiosas que têm porfinalidade instruir religiosos. Servem de refúgio do mundo”:

ANÁLISE

A informalidade de regras que existiam no início de sua fun-dação, tal como em “Nazaré”, foi se alterando com o aumento dogrupo e com a criação de um monastério. Com o tempo e aumentode números de simpatizantes, “Figueira” tornou-se uma institui-ção mais estruturada que “Nazaré”.

Assim “Figueira” não representa um lugar de privações paraas pessoas que já viveram em instituições semelhantes. A adapta-ção a este ambiente, como de “Figueira”, é mais fácil para as que játiveram outras experiências em outras comunidades fechadas ou,então, apresentam predisposição para este modo de vida.

11ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Através de pesquisa de campo realizada, no grupo de “Figuei-ra”, em Porto Alegre, uma colaboradora itinerante disse-nos que aprimeira e última vez que foi à “Figueira”, colocaram-na para pe-gar lenha empilhada no chão e depois colocá-la num caminhão.Isso durante uma jornada de dez dias consecutivos, por um perío-

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do de oito horas por dia. Ela disse que não se sentiu humilhadapor ser uma tarefa menor, mas ficou preocupada pelas conseqüên-cias físicas, uma vez que não estava condicionada àquele tipo deatividade. Não era má vontade sua, mas apenas precaução no sen-tido de não provocar dores musculares, o que poderia ser umaconseqüência natural. Então comunicou à coordenação, do setorresponsável pela tarefa, que pretendia ir embora (para tanto eranecessário autorização, não se podia simplesmente sair), tendo emconta que não era bem visto solicitar troca de tarefa, fato este quepoderia parecer um ato de rebeldia. Surpreendentemente, eles re-cusaram sua saída antecipada e a colocaram em outras tarefas do-mésticas, tais como limpar latrinas. Em poucos dias, trocaram-nade vários setores. Ela cumpriu todas as suas outras obrigações, eachou que tudo havia se normalizado e que o incidente da trocahavia sido esquecido. Porém, este fato foi usado como argumentoposterior para negar-lhe novos períodos de hospedagem, alegan-do que a mesma não se adaptava ao sistema.

Essa observação pode ser classificada na categoria “b”, a qualdiz o seguinte: “As instituições totais são espaços de condiciona-mento de atores sociais, onde normas e regras de interação social,seguidas de forma coletiva e compulsória, modelam o comporta-mento interacional daqueles que fazem parte do grupo”.

ANÁLISE

Os atores sociais ligados ao grupo são privados de iniciativa ecriatividade em “Figueira”. Estão submetidos às regras impostasque regulam sua função, seu comportamento, suaoperacionalização, sua forma de realização. Já estão especificadoso modo operativo único, ao qual têm que se conformar, e a ordemdo seu desenvolvimento. Tudo está previsto com bastante exati-dão. Não há espaço para iniciativa pessoal, criatividade ou o livre-arbítrio.

Outro aspecto, enfatizado por esta informante, é a imposiçãode tarefas físicas pesadas, bem como de tarefas consideradas hu-milhantes como, por exemplo, limpar as latrinas de uso coletivo.Com a imposição destas tarefas, procura-se cultivar a humildade e

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a subserviência.

12ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Observamos uma visitante dizer que estranhou o ambienteafetivo frio e resolveu, numa certa manhã, não tomar o café. Ficouno quarto choramingando. Surpreendeu-se com a entrada,intempestiva, da coordenadora no seu quarto, dizendo que ali nãohavia espaço para emocionalismos, nem para manifestações decaráter individualizado. Todas as atividades eram obrigatórias efeitas em grupo. A visitante achou aquela atitude, da coordenado-ra, uma invasão à sua privacidade, ao seu livre-arbítrio, à sua liber-dade de escolha e uma falta de sensibilidade em relação aos seussentimentos.

Essa observação pode ser classificada na categoria “h”, a qualdiz o seguinte: “Nas instituições totais, há um processo dedesconstrução do “eu” (self). Não se permite ao ator social ter umavida individual. Ele é despojado de seus bens, de suas preferênci-as, de seus gostos, de suas escolhas, de seu livre-arbítrio, de sualiberdade, de sua identidade, de sua personalidade, de seus direi-tos humanos, de sua cidadania, ocasionando uma involução noseu desenvolvimento educacional, profissional, emocional, de suaauto-estima, autovalorização e amor próprio.”

ANÁLISE

Na sociedade aberta, os atores sociais têm o direito de esco-lher o que querem tomar no café da manhã, ou até liberdade denão tomá-lo. Em “Figueira”, segundo nossas observações, até estasimples escolha pessoal é problematizada. Ou seja, até nas maisrotineiras atividades, as preferências e gostos pessoais devem sersublimados em prol do coletivo. Teoricamente, tal procedimento écompreensível, mas para tanto é necessário um exercício de entre-ga, de aprendizado, e de prática cotidiana, por um largo períodode tempo.

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13ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Observamos Trigueirinho dizer, em várias partilhas, que émuito simples trabalhar em grupo. É fácil se há desapego do con-flito. Os conflitos são diluídos em função do serviço, que o grupopresta, de transmutação dos conflitos planetários.

A forma de escrever, em “Figueira”, é grupal. O grupo espiri-tual pode suportar mais energia que um indivíduo. O grupo espiri-tual não é horizontal. O apego dentro do grupo espiritual podeimpedir o indivíduo de contatar uma energia superior impessoal,por isso há que se viver, sem conflito, uns com os outros. Isto éconsciência grupal. O cumprimento das tarefas, num grupo espiri-tual, precisa de um indivíduo que coopere sem crítica, sem resis-tência, sem rejeição. Para o grupo funcionar, é preciso que todosestejam afinados com o propósito do grupo. Ninguém deveria es-tar num grupo coagido. Deve estar por livre vontade, e cumprirassim integralmente a proposta.

Para que um grupo como “Figueira” realize suas tarefas é pre-ciso evitar contatos físicos, alimentação carnívora, contato compessoas que não estejam afinadas com a purificação do grupo. Deve-se preservar o grupo da curiosidade e atenção dos outros, porquea atitude, das pessoas do grupo, torna-se estranha para os quevêm de fora visitá-lo. A maior chave para essa preservação é o si-lêncio. Há um esforço para que uma nova consciência, espiritualfutura, vá se implantando na Terra. Consciência esta que inspirou aconstrução de “Figueira”.

Leva muitos anos para trabalhar e viver grupalmente. É preci-so não ter senso de posse individuais, sem necessidades, ser flexí-vel, ajustável. “Figueira” é para ser um laboratório para todo esseprocesso de transcender o livre-arbítrio. Livre-arbítrio é uma carac-terística puramente mental e racional. Com a escolha, a mente vaiaprendendo a discernir. Só depois de bem desenvolvida a mente éque ela vai abrir mão do livre-arbítrio, para ser regida por umavontade superior, impessoal e transcendental.

Essa observação pode ser classificada na categoria “h”, a qualdiz o seguinte: “Nas instituições totais, há um processo dedesconstrução do “eu” (self). Não se permite ao ator social ter uma

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vida individual. Ele é despojado de seus bens, de suas preferênci-as, de seus gostos, de suas escolhas, de seu livre-arbítrio, de sualiberdade, de sua identidade, de sua personalidade, de seus direi-tos humanos, de sua cidadania, ocasionando uma involução noseu desenvolvimento educacional, profissional, emocional, de suaauto-estima, autovalorização e amor próprio.”

ANÁLISE

Conflitos em função de divergências fazem parte da naturezahumana, porém em “Figueira”, esta natureza humana é lapidadadiariamente com o intuito de condicionar o caráter individual,objetivando homogeneizá-lo. Eles pretendem uma mutação gené-tica; a criação de uma nova raça sem livre-arbítrio, segundo profe-tiza Trigueirinho na “Operação resgate”.

14ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Observamos uma hóspede visitante dizer que, em seu horá-rio livre das tarefas de “Figueira”, foi para a biblioteca. Os residen-tes não lêem livros que não sejam espirituais, os quais já foram,previamente, selecionados por Trigueirinho na montagem da bi-blioteca, que se localiza na área urbana, na casa 1, onde fica asecretaria e a recepção. Lá havia um tapete com almofadas paraque os hóspedes se deitassem e lessem relaxadamente. Tambémhavia um outro hóspede visitante, do sexo oposto, heterossexual,consultando livros, lendo, etc. Esta hóspede disse que se deitou debruços, no tapete, ficando com as nádegas voltadas para cima. Erauma posição sensual, embora sua roupa fosse discreta. Ela estavaao mesmo tempo recostada nas almofadas. Para sua surpresa, per-cebeu que o coordenador (homossexual) da casa 1 entrou e perma-neceu lá até ela sair. Ele parecia ter o intuito de vigiá-los, no senti-do de não permitir uma aproximação de caráter, aos olhos dele,sexual.

Essa observação pode ser classificada na categoria “g”: “Nasinstituições totais, há uma invasão ao “eu” (self) do residente, queé desprogramado, despersonalizado de seu “eu” (self) anterior,

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reprogramado e reeducado pelo grupo de residentes que o super-visionam, vigiam, fiscalizam e controlam.”

ANÁLISE

Em relação à biblioteca, só podem ser encontrados livros es-pirituais esotéricos previamente selecionados por Trigueirinho,evitando assim a pluralidade de pensamento e opiniões.

Na atmosfera de “Figueira”, há certa repressão do desejo se-xual. Neste sentido, há um comportamento que busca homogeneizaros sexos, evitando qualquer manifestação que possa despertar odesejo e o erotismo.

15ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Um dentista, homossexual, que sentou ao nosso lado no ôni-bus, de volta de Carmo de Cachoeira para São Paulo, contou-nosque era constantemente vigiado no quarto, nas tarefas, nas vigíli-as, nas partilhas, nas horas livres, nas refeições. Ele percebeu quehavia uma repressão, de forma a evitar contatos, de ordem afetivaou sexual.

Essa observação pode enquadrada na categoria “g”: “Nas ins-tituições totais, há uma invasão ao “eu” (self) do residente, que édesprogramado, despersonalizado de seu “eu” (self) anterior,reprogramado e reeducado pelo grupo de residentes que o super-visionam, vigiam, fiscalizam e controlam.”

ANÁLISE

Alguns sentimentos mais íntimos dos colaboradores, visitan-tes ou itinerantes são incompreensíveis ao grupo de residentes.Parece haver um conflito permanente entre os desejos, hábitos,necessidades, características e comportamentos dos colaborado-res visitantes ou itinerantes e os interesses dos auxiliares residen-tes e coordenadores residentes de “Figueira” que reprimem asmanifestações emocionais dos colaboradores visitantes ou

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itinerantes.Parece haver um controle, inclusive, dos hábitos higiênicos

dos residentes. Dentro dos sanitários, há regras escritas sobre nãodar descarga à noite, para não fazer barulho; juntar os fios de cabe-los que caem no ralo do box do banheiro; passar rodo no chão dobox do banheiro, após utilizar o chuveiro; não colocar absorventeou papel no vaso sanitário. Parece que nem mesmo na hora desatisfazer suas necessidades biológicas, o residente de tem totalprivacidade, livre-arbítrio ou liberdade. Não tem privacidade, nãofica a sós relaxadamente.

16º DEPOIMENTO DE UM MÉDICO PSIQUIATRA QUE TINHA UMAPARENTE QUE FOI AMIGA ÍNTIMA DE TRIGUEIRINHO

“Minha tia o conheceu na Associação Palas Athena em SãoPaulo. Ele era contra o homossexualismo e até mesmo criticavaessa opção sexual”.

Esse depoimento pode ser classificado na categoria “h”, a qualdiz o seguinte: “Nas instituições totais, há um processo dedesconstrução do “eu” (self). Não se permite ao ator social ter umavida individual. Ele é despojado de seus bens, de suas preferênci-as, de seus gostos, de suas escolhas, de seu livre-arbítrio, de sualiberdade, de sua identidade, de sua personalidade, de seus direi-tos humanos, de sua cidadania, ocasionando uma involução noseu desenvolvimento educacional, profissional, emocional, de suaauto-estima, autovalorização e amor próprio.”

ANÁLISE

Os residentes de “Figueira” demonstram atitudes e compor-tamentos dominadores, enquanto nos visitantes há um compo-nente de submissão ao se sujeitarem a algumas condutas impos-tas pelos residentes. Estes, por sua vez, também sofrem humilha-ções impostas pelos coordenadores que se sujeitam a Trigueirinho.As humilhações representam, simbolicamente, um ritual de des-truição do “eu” (self), uma purificação preparatória à entrada em“Figueira”.

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17ª ANOTAÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Ouvimos Trigueirinho aconselhar, em uma de suas partilhas,que os homossexuais, que visitam “Figueira”, deveriam deixar deter relações sexuais e aderir ao celibato. Os internos são celibatári-os. Todos ficam em quartos coletivos com pessoas do mesmo sexo,o que reprime intimidades e atividades sexuais entre atores sociaisou solitárias, pois não há privacidade.

Essa observação pode ser classificada na categoria “h”, a qualdiz o seguinte: “Nas instituições totais, há um processo dedesconstrução do “eu” (self). Não se permite ao ator social ter umavida individual. Ele é despojado de seus bens, de suas preferênci-as, de seus gostos, de suas escolhas, de seu livre-arbítrio, de sualiberdade, de sua identidade, de sua personalidade, de seus direi-tos humanos, de sua cidadania, ocasionando uma involução noseu desenvolvimento educacional, profissional, emocional, de suaauto-estima, autovalorização e amor próprio.”

ANÁLISE

Dentro de um único e mesmo grupo espiritual, como o de“Figueira”, o residente perde o poder de pensar com vigor,criatividade e originalidade. Ele é forçado a configurar-se a umâmbito estreito, privado dos resultados estimulantes da vida nomundo. Não pode ter desejo, nem vontade de sair dos limites im-postos pelo seu próprio grupo de atores sociais, avaliar outras idéiase experimentar outros ideais. Também não pode beneficiar-se deoutros insights. Há certa aceitação, sem crítica, das idéias e ideaisdo grupo. Suas idéias ficam congeladas em dogmas, e o grupoespiritual começa a gerar certo fanatismo e sectarismo.

18ª OBSERVAÇÃO PARTICIPATIVA

Observamos que as mulheres, residentes de “Figueira”, nãopintam as unhas, não usam vestidos, saias, bermudas, shorts,miniblusas ou calças de cintura baixa. Não depilam as axilas oupernas, não se maquiam, não usam bijuterias, não se perfumam,

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não arrumam o cabelo, o qual não têm brilho pela ausência decosméticos. Usam o cabelo curtíssimo, quase zero.

Essa observação pode ser classificada na categoria “c”, a qualdiz o seguinte: “Ao fazer-se parte das instituições totais, adere-se anovos padrões de interação. Um novo processo de socialização éiniciado. O ator social assume o novo código de comportamento,porque se adapta ao novo conceito interacional.”

ANÁLISE

Os residentes e os colaboradores, itinerantes, de “Figueira”não possuem status, propriedades, roupa indicativa de classe soci-al ou papel social. Não há nada que possa distingui-los uns dosoutros.

Assim, há um nivelamento, homogeneidade, uniformidade eigualdade. O que torna seus comportamentos submissos, subser-vientes. Devem obedecer e acatar a ordens e funções arbitrárias.

Perdem seu “eu”, seu self, sua identidade, sua personalidade.Morrem para a vida material e deverão renascer, para o espírito,com novos valores.

4.4 CATEGORIAS SOBRE OS RITOS DE INTERAÇÃO DIMENSIONADASCOMO CATEGORIAS CONVERGENTES

As categorias definidas na representação dos atores sociaissão convergentes às categorias absorventes das instituições to-tais. As categorias da interação face a face, dentro do projeto depesquisa, convergem em torno das categorias da instituição. Ascategorias convergentes das interações face a face são resultantesdos processos de interação e constituem fatos de socialização, por-que tendem a aproximações, a produzir sentidos.

A seguir fizemos um quadro de categorias de análises, funda-mentadas no livro “A Representação do Eu na Vida Cotidiana” taiscomo: manipulação da impressão; representação (fachada pessoal,realização dramática, idealização, manutenção do controle expres-sivo, mistificação, atributos e práticas defensivas); regiões e com-portamento regional/estabelecimentos sociais; região frontal/região

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de fachada; região posterior/fundo/bastidores; equipe; platéia/ob-servador; segredos (indevassáveis, estratégicos, íntimos); papéisdiscrepantes (delator, farol/cúmplice do ator, agente, intermediá-rio/mediador); princípio norteador (ruptura na interação social, rup-tura na estrutura social, ruptura na personalidade do indivíduo).

As categorias advindas das interações dos atores sociais tive-ram por base a interpretação teatral, uma representação, um de-sempenho de um papel e/ou simulação, de caráter dramatúrgico.

1. Manipulação da impressão: controle do ator social sobre as impressões queos outros possam ter dele.

2. Representação: atividade, exercendo influência, de um ator social nos obser-vadores.

2.1. Fachada pessoal: cenário em torno do ator social.

2.2. Realização dramática: exagero na representação, objetivando impressio-nar a platéia.

2.3. Idealização: tentar parecer melhor do que se é.

2.4. Manutenção do controle expressivo: controle dos gestos involuntários quepossam qualificar a representação como falsa, atos falhos, gafes.

2.5. Mistificação: proteger o ator, criando distância social e uma ‘aura ‘ demistério.

2.6. Atributos e práticas defensivas: a) fidelidade dramatúrgica, não revelarsegredos da equipe; b) disciplina dramatúrgica, autocontrole, domínio da voze rosto, distância emocional; c) circunspeção dramatúrgica, prudência na esco-lha da platéia, na escolha de membros da equipe social de atores.

3. Regiões e comportamento regional/estabelecimentos sociais: lugar ou espa-ço onde se realizam atividades de forma regular.

3.1. Região frontal/região de fachada: onde ocorre a representação do ator/equipe social de atores.

3.2. Região posterior/de fundo/bastidores: local que o público não tem acesso,e o ator pode ser informal e relaxar, sem representar um papel.

4. Equipe: qualquer grupo de atores sociais que contracenam uma rotinaparticular.

5. Platéia/observador: grupo de observadores da atuação dos atores sociais.

6. Segredos: informações destrutivas.

6.1. Indevassáveis: fatos incompatíveis com a imagem que quer passar.

6.2. Estratégicos: revelado em hora apropriada de forma a surpreender a pla-téia.

6.3. Íntimos: marca ou estigma ou carimbo ou rótulo que o identifica comoator diferente da platéia.

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Quadro 5 - Categorias de análise dos ritos da interação dimensionadas como categoriasconvergentes

4.4.1 ROTEIRO DRAMÁTICO DE UMA INSTITUIÇÃO TOTAL

Dada a escolha do nosso referencial teórico, bem como o tipode observação que realizamos na nossa pesquisa de campo, estamospreferindo – neste sentido, seguir mais adequadamente, o pontode vista de Goffman – chamar as anotações da nossa observaçãode campo de “cenas de interação”.

1ª CENA DE INTERAÇÃO:

Quando vão assistir às palestras de Trigueirinho, os residen-tes adotam uma circunspeção dramatúrgica: fecham os olhos en-quanto ele fala, demonstrando que suas palavras têm prioridadesobre a imagem, ou seja, têm poder; ficam de cabeça abaixada portodo o tempo da sua palestra em sinal de humildade; não conver-sam entre si ou com os visitantes itinerantes, oferecem um modelode conduta a ser seguido, de silêncio, de circunspeção, ou melhor,de introspecção. Eles poderiam ser considerados co-atores, coad-juvantes, coniventes ou comparsas sociais.

7. Papéis discrepantes: atores sociais com informações destruidoras e compro-metedoras ao espetáculo.

7.1. Delator: finge ser membro, tem acesso aos bastidores e a informaçõesnegativas, podendo revelar a trama do espetáculo à platéia.

7.2. Farol/cúmplice do ator: atores sociais que fingem ser platéia, mas fazemparte realmente da equipe de atores sociais.

7.3. Agente: crítico que qualifica o nível da representação.

7.4. Intermediário/mediador: um ator social que finge ser fiel à platéia e, aomesmo tempo, fiel à equipe de atores sociais, mas só é fiel aos seus interessespróprios.

8. Princípio norteador: acordo tácito, um consenso entre atores e platéia.

8.1. Ruptura na interação social: embaraço nas interações das equipes sociais,criando um clima insustentável.

8.2. Ruptura na estrutura social: comprometimento na representação socialdo ator que compromete toda equipe social a qual pertence.

8.3. Ruptura na personalidade do indivíduo: descrédito na sua personalidade.

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Essa observação pode ser classificada nas seguintes categori-as: “1.”: “Manipulação da impressão: controle do ator social sobreas impressões que os outros possam ter dele.”; “2.5.”: “Mistifica-ção: proteger o ator criando distância social e uma aura de misté-rio.”; “2.1.”: “Fachada pessoal: cenário em torno do ator social.”;Outro enquadramento possível é na categoria “2.6.”: “Atributos epráticas defensivas: a) fidelidade dramatúrgica, não revelar segre-dos da equipe; b) disciplina dramatúrgica, autocontrole, domínioda voz e rosto, distância emocional; c) circunspeção dramatúrgica,prudência na escolha da platéia, na escolha de membros da equipesocial de atores.”

ANÁLISE

Com o intuito de transformar o mundo com a operação resga-te, Trigueirinho e o grupo de atores sociais de “Figueira” precisamcontar com o esforço de seus simpatizantes, por isso desempe-nham um papel ativo. Como são responsáveis pelo sucesso, sãoco-atores sociais, coadjuvantes.

2ª CENA DE INTERAÇÃO:

Em “Figueira”, observamos que há atitudes diferentes dosatores sociais nos bastidores e na região de fachada. Uma diferen-ça comportamental na região dos bastidores. De um lado, há asituação que é ensaiada e por outro, a que é encenada. A entradapara as regiões mais íntimas é proibida.

Essa observação pode ser enquadrada na categoria “3.1.”:“Região frontal/região de fachada: onde ocorre a representação doator/equipe social de atores. Também diz respeito à categoria “3.2.”:“Região posterior/de fundo/bastidores: local que o público não temacesso, e o ator pode ser informal e relaxar, sem representar umpapel”.

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ANÁLISE

A finalidade, provavelmente, é impedir que os expectadoresvejam os atores sociais em atitudes espontâneas e compartilhemuma intimidade que “Figueira” não deseja estimular. Há um con-trole, um domínio dos bastidores, além do domínio, óbvio, da re-gião de fachada.

3ª CENA DE INTERAÇÃO:

Ainda observamos, nas regiões de bastidores, que entre osatores sociais residentes de “Figueira” prevalece a familiaridade ea solidariedade.

A categoria “6” descreve essa situação: “Segredos - informa-ções destrutivas.” A “6.1.” explica esse comportamento:“Indevassáveis - fatos incompatíveis com a imagem que quer pas-sar”. A observação também pode ser classificada na categoria “6.3.”,a qual diz o seguinte: “Íntimos - marca ou estigma ou carimbo ourótulo que o identifica como ator social diferente da platéia.”

ANÁLISE

Os residentes de “Figueira” guardam segredos, que são parti-lhados de comum acordo entre si, que poderiam enfraquecer, des-valorizar e menosprezar sua representação. Estes segredos são osuporte das crenças que mantêm a existência e o funcionamentode “Figueira”, conferindo-lhe uma aura de mistério.

4ª CENA DE INTERAÇÃO:

Observamos que Trigueirinho, talvez, evita o constrangimen-to com possíveis críticas ao selecionar, previamente, as perguntasque deseja responder. Elas são colocadas, estrategicamente, numescaninho antes de Trigueirinho iniciar sua palestra, que se desen-rola sempre por um mesmo período de uma hora apenas.

Essa observação pode ser classificada na categoria “2.3.”, a

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qual diz: “Idealização: tentar parecer melhor do que se é”. A obser-vação pode também ser classificada na categoria “2.4.”, que afir-ma: “Manutenção do controle expressivo: controle dos gestosinvoluntários que possam qualificar a representação como falsa,atos falhos, gafes. A observação também pode ser classificada nacategoria “2.5.”, a qual menciona: “Mistificação: proteger o atorcriando distância social e uma aura de mistério”. A observação tam-bém pode ser classificada na categoria “2.6.”, que afirma: “Atribu-tos e práticas defensivas: a) fidelidade dramatúrgica. Não revelarsegredos da equipe; b) disciplina dramatúrgica, autocontrole, do-mínio da voz e rosto, distância emocional; c) circunspeçãodramatúrgica, prudência na escolha da platéia, na escolha de mem-bros da equipe social de atores”.

ANÁLISE

Uma representação breve e perguntas previamenteselecionadas pode evitar o descrédito dos líderes carismáticos oumessiânicos, cujas crenças e fé dos seus adeptos dependem. Elasnão podem oscilar, têm que ser inabaláveis. Esta forma de repre-sentação impede qualquer tipo de dissonância que poderia abalara credibilidade e a sustentabilidade da sua encenação.

5ª CENA DE INTERAÇÃO:

Uma visitante confidenciou-nos ter visto dois coordenadoresde setores diferentes de “Figueira” conversarem descontraidamenteentre si. Esboçavam expressões de gracejo. Porém, quando perce-beram sua presença não consentida, automaticamente retomaramsuas posturas formais e reassumiram seus papéis com ares de cir-cunspeção. À noite, quando todos estavam dormindo, os residen-tes iam sorrateiramente até a cozinha para comer e conversar. Ati-tudes contrárias às regras aplicadas aos atores sociais visitantes ouitinerantes de silêncio, de respeitar e observar os horários das re-feições.

Esta observação pode ser enquadrada nas seguintes categori-as “3.1.”: “Região frontal/região de fachada: onde ocorre a repre-

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sentação do ator/equipe social de atores”; “3.2”: “Região posterior/de fundo/bastidores: local onde o público não tem acesso, e o atorpode ser informal e relaxar sem representar um papel; “2.4”: “Ma-nutenção do controle expressivo: controle dos gestos involuntáriosque possam qualificar a representação como falsa: atos falhos, ga-fes; “6.”: “Segredos: informações destrutivas”; “6.1.”:“Indevassáveis: fatos incompatíveis com a imagem que quer pas-sar”; “6.3”: “Íntimos: marca ou estigma ou carimbo ou rótulo queo identifica como ator diferente da platéia”; “7.”: “Papéis discre-pantes: atores sociais com informações destruidoras e comprome-tedoras ao espetáculo.”

ANÁLISE

É bem nítida a separação entre o local onde é representado odrama, a peça, quer dizer, o palco das ações e o local da coxia,onde há um relaxamento na representação de um papel formal.Nos momentos em que a observação externa não é visível, a ence-nação se desfaz, e até mesmo os coordenadores podem ser surpre-endidos em atitudes informais.

6ª CENA DE INTERAÇÃO:

Em várias incursões à “Figueira”, observamos que a coorde-nação dos setores está constantemente mudando. Há um rodíziode pessoas na coordenação, nas funções, nos locais de dormitório.Isto ocorre com o intuito de evitar o apego às tarefas, a proximida-de entre as pessoas, o relacionamento, a integração, a comunica-ção, a intimidade entre os residentes e os itinerantes e, ao mesmotempo, cultivar a impessoalidade e o desapego às pessoas.

As seguintes categorias explicam este comportamento: “1.”:“Manipulação da impressão: controle do ator social sobre as im-pressões que os outros possam ter dele”; “6.”: “Segredos: informa-ções destrutivas”; “7.”: “Papéis discrepantes: atores sociais cominformações destruidoras e comprometedoras ao espetáculo”; “7.1”:“Delator: finge ser membro, tem acesso aos bastidores e a infor-mações negativas, podendo revelar a trama do espetáculo à pla-

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téia”.

ANÁLISE

A força de trabalho, de “Figueira”, só é possível se os atoressociais estiverem presos no seu sistema de sujeição, e os seus cor-pos se tornem servis e submissos. As necessidades, atividades etarefas são instrumentações políticas cuidadosamente organizadas,calculadas e utilizadas de forma a mascarar a realidade. A sujeiçãoé obtida pela ideologia religiosa estrategicamente pensada, agin-do sobre os seus corpos, sobre as suas personalidades e até mes-mo nas suas almas, no seu íntimo, sem, no entanto, fazer uso deviolência ou de armas. Assim, os residentes condicionam os visi-tantes para que ajam de forma igual. Os seus comportamentos sãopreviamente decididos e há, portanto, uma flexibilidade adaptativados corpos.

Variação contínua, mudança constante, rotativa, periódica epermanente de tarefas, funções, coordenações, setores, atividades,etc., evitando, com isso, propiciar meios que induzam à intimida-de, à interação, à comunicação, à amizade, ao relacionamento dosresidentes com os visitantes e itinerantes. Há uma rotatividade dopúblico itinerante, das tarefas e atividades designadas, das ocupa-ções, das funções da coordenação e de espaços ou setores físicostanto para residentes, como para os itinerantes. A mudança cons-tante das funções e locais de atuação dos coordenadores se deve àintenção de que estes não criem cumplicidade entre si e com osvisitantes. Isto poderia condicionar um relaxamento nas relaçõesque devem ser pautadas pela austeridade.

7ª CENA: COMENTÁRIO DE ARTIGO ACESSADO EM JUNHO DE 2003

A seguir comentário do Cipfani, um site de pesquisasufológicas, sobre o artigo publicado em seu próprio site,“Trigueirinho explora a credulidade alheia”, de autoria do histori-ador com título de Mestre pela Faculdade de Ciências e Letras deAssis, campus local da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Cláu-

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dio Tsuyoshi Suenaga, onde editores do Cipfani identificam a téc-nica de proteção defensiva para evitar perguntas de cunho crítico:

Por duas ocasiões tivemos contato pessoal com o“Picaretólogo” Trigueirinho. Em uma das vezes, du-rante suas palestras, proferida no Minascentro, en-chemos duas folhas com “dúvidas”, pois ele respon-deria a elas no final. As perguntas deveriam ser porescrito, colocadas em uma cesta. Para nossa surpresa,NENHUMA das perguntas foi respondida. Tentamosperguntar oralmente, mas ele se recusou a responder.Tentamos abordá-lo pessoalmente no final da pales-tra, e fomos repelidos pelos “fiéis” gorilas que o acom-panhavam (SITE DO CIPFANI, 17/06/2003).

Esse artigo enquadra-se em várias categorias, a saber: “2.5”:“Mistificação: proteger o ator criando distância social e uma aurade mistérios”; “2.4”: “Manutenção do controle expressivo: contro-le dos gestos involuntários que possam qualificar a representaçãocomo falsa: atos falhos, gafes; “2.6”: “Atributos e práticas defensi-vas: a) fidelidade dramatúrgica; não revelar segredos da equipe; b)disciplina dramatúrgica, autocontrole, domínio da voz e rosto, dis-tância emocional; c) circunspeção dramatúrgica, prudência na es-colha da platéia, na escolha de membros da equipe social de ato-res”.

ANÁLISE

Alguns líderes espirituais, carismáticos, messiânicos, não sepredispõem a tratar com diferenças de comportamento e pensa-mento. Eles tendem a encarar a divergência como um perigosoataque às suas convicções. Este tipo de liderança não aceita a di-versidade e a democracia. Por esta razão, evita o diálogo, a críticae o questionamento sobre suas convicções e pregações.

8ª CENA: ARTIGO ACESSADO EM JUNHO DE 2003

Cláudio Tsuyoshi Suenaga, em seu artigo publicado no site doCipfani, intitulado “Trigueirinho Netto explora a credulidade alheia”

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denuncia a persuasão de Trigueirinho para cooptar mão-de-obravoluntária e obter lucro com isto:

A idéia de explorar a credulidade mística e a falta desenso crítico da massa só veio mais tarde, quando jáhavia abandonado o cinema. Não obstante, os conhe-cimentos adquiridos com a técnica cinematográficacertamente lhe foram úteis para que fraudasse todasas fotos de discos voadores que ilustram seus livros.Sim, porque suas naves espaciais não passam de fon-tes de luz convencionais, fotografadas com longo tem-po de exposição ou mediante movimentos aleatóriosde câmera. Trigueirinho manipula os fiéis com a mes-ma habilidade com que manipula os negativos das suasfotos falsas (ANEXO AAF) (SUENAGA, 2003).

Dentre as categorias de análise, este artigo enquadra-se nasseguintes: “1.”: “Manipulação da impressão: controle do ator soci-al sobre as impressões que os outros possam ter dele”; “2.1.”: “Fa-chada pessoal: cenário em torno do ator social”; “2.”: “Representa-ção: atividade, exercendo influência de um ator social nos observa-dores”; “2.2”: “Realização dramática: exagero na representaçãoobjetivando impressionar a platéia”; “2.5”: “Mistificação: protegero ator criando distância social e uma aura de mistério”; “6.2”: “Es-tratégicos: revelado em hora apropriada de forma a surpreender aplatéia.”

ANÁLISE

Trigueirinho, tendo sido diretor e cineasta, disse que os mes-mos conhecem muito bem a necessidade de satisfazer a exigênciade um público desorientado, e o meio mais fácil e rápido para istoseria o da criação de mitos. Portanto, um especialista, um expert,um connaisseur, um diretor, um cineasta conhece as ferramentas etécnicas de autocontrole dramatúrgico, de domínio da expressãodo rosto, de domínio da voz, de dissimulação, de como esconder aemoção verdadeira e simular uma representação falsa, de comomanipular e persuadir as impressões dos expectadores da platéia.

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9ª CENA: ARTIGO ACESSADO EM JUNHO DE 2003

Prof. Cláudio Suenaga percebeu a técnica de persuasão deTrigueirinho:

Trigueirinho continua arrebanhando milhares de fiéisque, através de seus livros, chegam a formar gruposque se dedicam a propalar seus ensinamentos ou pre-gações. Nada mais do que uma mistura barata de lite-ratura mística, teosófica e esotérica devidamentedistorcidas para que atendam a seus propósitos, ouseja, continuar arrebanhando milhares de fiéis quecompram mais livros, formam novos grupos e propalamseus ensinamentos que irão continuar atraindo maisincautos engordando sem parar a conta bancária doguru (SUENAGA, 2003).

As categorias que explicam a opinião acima sobre Trigueirinhosão as seguintes: “1.”: “Manipulação da impressão: controle doator social sobre as impressões que os outros possam ter dele”;“2.1”: “Fachada pessoal: cenário em torno do ator social”; “2.5”:“Mistificação: proteger o ator criando distância social e uma aurade mistério”; “4.0”: “Equipe: qualquer grupo de atores sociais quecontracenam uma rotina particular.”

ANÁLISE

A idéia de fim de mundo que Trigueirinho profetiza não énova. Foi imortalizada na obra de Tomas Morus, “Utopia”. Naconcretização da cidade santa e sagrada de “Figueira”, inicia-se umparaíso terreno, uma ilha paradisíaca, uma sociedade perfeita. Po-rém uma comunidade perfeita precisa contar com atores sociaisperfeitos. Por isso os que aspiram a esse mesmo ideal devem sesubmeter, se sujeitar a um condicionamento de purificação, umasantificação, uma transformação pessoal. Segundo Trigueirinho, seapenas 10% da humanidade aceitar se sacrificar voluntariamenteatravés da “Operação resgate”, profetizada por ele, então a huma-nidade, como um todo, será salva, resgatada.

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10ª CENA: ARTIGO DO MESTRE SUENAGA SOBRE A TÉCNICA DEPERSUASÃO DE TRIGUEIRINHO ACESSADA EM OUTUBRO DE 2006

(...) afirma Trigueirinho, que se diz contatado por ets eescolhido para uma missão importante: conscientizara humanidade a respeito de seus vizinhos(...)Osufólogos ortodoxos torcem o nariz e têm argumentospara não crer nas predições de Trigueirinho, mas issonão o impede de continuar suasafirmações(...)Trigueirinho foi duramente criticado porufólogos de todo país, em especial os da revista UFO,em 1995. Nessa ocasião, no auge de sua fama comoescolhido de ets, já tinha vários livros publicados e umvasto esquema mercadológico de palestras por todo oBrasil, onde apresentava suas teorias. Seus livros fo-ram objeto de suspeita principalmente por trazerem,em suas capas, fotos com luzes noturnas nãoidentificadas que Trigueirinho descrevia como sendoextraterrestres e pertencentes aos seus amigos deoutros planetas. As imagens não resistiram a uma meraanálise e resultaram em falsificações grosseiras depontos de luz urbanos, flagrados com lentes especiaise em circunstâncias extraordinárias. As capas de seulivro são bonitas, mas não são ufos, declarou o ufólogopaulista e também co-editor de UFO Marco AntônioPetit (ANEXO AA) (SUENAGA, 2006).

Esse artigo pode ser classificado na categoria “2.3”:“Idealização: tentar parecer melhor do que se é”; e na “2.5” quemenciona: “Mistificação: proteger o ator criando distância social euma aura de mistério.”

ANÁLISE

Historicamente, muitos profetas são emocionalmente instá-veis, e este desequilíbrio contribuiu, em grande parte, para seusucesso. Muitos deles revelaram-se influentes demais, tal comoAntônio Vicente Maciel, o “Conselheiro”. Sua imagem foi imortali-zada por Euclides da Cunha no célebre livro “Os Sertões”, onde eledescreve o líder de “Canudos” como um demente, um desequili-brado, um manipulador, que arrebanhou um exército de gente aves-

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sa ao trabalho. Também em sua versão romanceada de “Canudos”,“A Guerra do Fim do Mundo”, o peruano Mario Vargas Llosa pintaimagem semelhante, a do beato enlouquecido, porque o “Conse-lheiro”, de “Canudos”, começou a pregar depois da desilusão coma esposa, que o abandonou para morar com um cabo de milícia.

11ª CENA: ENQUETE PUBLICADA NA INTERNET, NO SITEGEOCITIES.COM/VITALUXBRASIL/RELATÓRIO, EDITOR ALDONOVAK, EDIÇÃO Nº 2000, ACESSADO EM 06 DE OUTUBRO DE2006; E, TAMBÉM, NO SITE VIGILIA.COM.BR/SESSÃO.PHP°CATEG=0&ID=342, EDITADO PELA REVISTA VIGÍLIA,EDITORIAL NOVA ONDA COMUNICAÇÃO, ACESSADO EM 06/10/006

Uma enquete realizada pelo Grupo de Estudos Ufológicos daBaixada Santista (GEUBS) revela a opinião dos pesquisadores dedi-cados à ufologia no Brasil a respeito do grau de credibilidade dealguns dos casos mais famosos de contatos com ovnis e extrater-restres da ufologia mundial. Foram consultados cinqüenta pesqui-sadores, 10% do total de ufólogos considerados ‘ativos’ no Brasil.Na enquete, os pesquisadores deram notas de 0 a 10.

Escore de 0,00 a 1,99: casos sem nenhuma credibilidade, con-siderados as grandes fraudes da ufologia mundial. Segundo a pes-quisa, não existe absolutamente nada que seja digno deconfiabilidade nestes casos. Os casos que receberam nota zero até1,99 não são considerados sérios.

Trigueirinho afirma estar em contato com seres intraterrenose extraterrestres de universos paralelos. Ele teve um escore finalde 1,36.

Essa enquete pode ser classificada na categoria “6.”: “Segre-dos: informações destrutivas”; também pode ser classificada nacategoria “6.1.”: “Indevassáveis: fatos incompatíveis com a ima-gem que quer passar”; categoria “7.”: “Papéis discrepantes: atoressociais com informações destruidoras e comprometedoras ao es-petáculo.”

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ANÁLISE

A enquete apresentada ,e que atribui à ufologia de Trigueirinhoos mais baixos escores, prende-se ao fato de a ufologia deste serconsiderada mística, isto é, não se enquadra nos parâmetros míni-mos do rigor científico.

4.4.2 CONCLUSÃO

O elo entre o viés da “representação dos atores sociais” e o da“instituição total”, no contexto da teoria do interacionismo simbó-lico, é que a situação da interação, a circunstância, o espaço dascontrovérsias (os quais têm muita importância para a sociologia)não deveriam dissociar os ritos de interação dos ritos da institui-ção.

No caso estudado da comunidade de “Figueira”, não se obser-vou tal dissociação entre os ritos de interação e os da instituição.Alguns aspectos foram apresentados separadamente apenas parafins analíticos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema desta pesquisa é pioneiro, inédito e dessa forma espe-ramos que possa servir de ponto de partida para posteriores estu-dos e aprofundamentos sobre temas afins. Este estudo da comuni-dade “Figueira” como exemplo de uma instituição total e, particu-larmente, o mundo dos atores sociais tinha como um dos seusinteresses principais apresentar uma versão sociológica do “eu”(self) em interação.

Diferentemente de alguns pontos de vista de Goffman, acen-tuamos o mundo do ator social não-internado que se hospeda em“Figueira”. Estes, ao interagirem com os internos, entram em con-flito em função de diferentes condicionamentos, criando-se, assim,um clima constante discórdia. Eles entram em divergência em fun-ção da sujeição hierárquica do grupo de “Figueira”, por sua vez,liderado por Trigueirinho. Elas geram uma atmosfera de divergên-cia permanente pela interferência ao “eu” (self) de cada um.

Portanto, há um interesse sociológico nas pesquisas sobreinstituições totais, porque nestes espaços, as regras e normascondicionam como os atores sociais devem interagir coletivamen-te em virtude de pertencerem a um grupo específico.

O funcionamento de “Figueira” confirma nossa hipótese deque esta comunidade pode ser classificada, parcialmente, em algu-ma medida, como uma instituição total por possuir algumas ca-racterísticas similares àquelas estudadas por Goffman. Também severificou que a forma como é administrada “Figueira” condiciona o“eu” (self), o comportamento, o pensamento e até os sentimentosdos que estão ligados a ela direta ou indiretamente.

As categorias definidas na “representação dos atores sociais”são convergentes às categorias absorventes das instituições to-tais. As categorias das instituições totais convergem com as dascategorias da interação face a face, sobretudo porque, as tendênci-as absorventes destas instituições, funcionam nas interações e anu-lam a intersubjetividade por processos de apartação ou isolada-mente principalmente. O elo entre elas é que a situação da

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interação(a qual têm muita importância para a sociologia) não de-veria dissociar os ritos de interação dos ritos da instituição. Nocaso estudado da comunidade de “Figueira”, não se observou taldissociação entre os ritos de interação e os da instituição. Algunsaspectos foram apresentados isoladamente apenas para fins analí-ticos. As categorias convergentes nas interações face a face sãoresultantes dos processos de interação e constituem fatos de soci-alização. São convergentes, porque possibilitam aproximações.Todas as instituições tendem a atrair para si os sujeitos por proces-sos de socialização, apartação, inclusão, identificação e outros. Nasinstituições totais, essa absorção é mais acentuada.

Dentro desse contexto da transição do século XX para o sécu-lo XXI, surgiu Trigueirinho re-anunciando a Era de Aquário. Estatransição passoupor uma fase em que a insegurança nas relaçõessociais fizeram com que alguns atores sociais ficassem perdidos,fracassados, derrotados e suas resignações sociais podiam se ma-nifestar em fuga e abandono da sociedade, quando convergiampara comunidades desviantes. Ali entravam em contato com seussemelhantes formando uma sub-cultura. Os desviantes sociais evi-tavam as divergências, restringindo-se à proteção auto-defensivade viverem isolados numa sub-comunidade, onde não se sentiammais deslocados como na sociedade aberta. Sentiam-se melhor queos da comunidade aberta, superiores, exemplos e modelos de vida,angariando simpatizantes.

Trigueirinho anunciava em suas profecias que a transição aomilênio aquariano seria plena de riscos para os espiritualmentedespreparados. Mas, por outro lado, os que estivessem em harmo-nia com a operação resgate, liderada por ele, ingressariam numanova era de iluminação espiritual, uma nova civilização.

Em relação à “Operação resgate”, como já dito anteriormen-te, tinha por objetivo salvar o grupo de “Figueira” do fim do mun-do. Porém para que cada um deles fosse resgatável, precisaria pas-sar por uma mudança de comportamento, isto é, teria que se sujei-tar a um condicionamento. Esse resgate e condicionamento dapersonalidade teriam como finalidade torná-lo sem livre-arbítrio,para que acatassem ordens e funções alheias à sua naturezavocacional e atendessem aos objetivos do coletivo e não aos da

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sua individualidade.Concluímos que Trigueirinho exerce poder, devido à sua per-

sonalidade e carisma, o que desperta o fascínio e o deslumbre nossimpatizantes. Assim adquiriu ascendência sobre um grupo de sim-patizantes que agruparam em torno dele e consegue com que osgrupos de pessoas internas e externas de “Figueira” trabalhem ematividades e tarefas gratuitas e voluntárias com o fim coletivo detransformação e resgate dos seres humanos que transitam por “Fi-gueira”.

Nessa “Operação resgate”, oss supervisores ou coordenado-res são os indivíduos mais próximos de Trigueirinho. Ajudam ati-vamente e em geral também são dotados de certas virtudescarismáticas. Ministram palestras e servem de intermediários en-tre Trigueirinho e o restante do grupo, portanto dispõem de certopoder. Procuram organizar os colaboradores internos e externos,constituindo-os numa sociedade com direitos e obrigações esta-belecidos de acordo com as instruções que condicionam a comuni-dade.

A quantidade de tarefas fez com que surgisse a divisão detrabalho e, conseqüentemente, a necessidade do aparecimento deuma série de colaboradores internos e externos. Trigueirinho nãopode assumir sozinho a comunidade, por isto divide as tarefas comos coordenadores. Assim desenvolveu-se em “Figueira uma hierar-quia, um tipo único de estrutura social, com três camadassuperpostas. Trigueirinho no topo, os externos ou redes de serviçona base, e intermediando a ambos um grupo de coordenadoresinternos mais próximos: os escolhidos por Trigueirinho. A divisãodo trabalho é uma condição necessária para que a comunidade sedesenvolva e possa partir para o resgate do mundo.

Os coordenadores dos setores estão constantemente sendomudados por Trigueirinho. Há uma rotatividade, um rodízio defunções com o objetivo de evitar apego às tarefas, cultivar o desa-pego entre os colaboradores e impedir a possível formação de fo-cos de rebeldia, como surgiram na Comunidade Nazaré, resultan-do na exclusão de Trigueirinho.

A centralização das tomadas de decisões em Trigueirinho acar-reta uma falta de comunicação interna. Trigueirinho torna os limi-

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tes de “Figueira” muito precisos em função de experiências negati-vas do seu passado que o excluíram da Comunidade Nazaré, porisso os indecisos não podem ser aceitos. Todos os membros devemmanifestar zelo no desempenho dos deveres. Se um membro recu-sa obediência, a salvação do grupo todo é posta em perigo, emjogo. Uma das grandes preocupações de Trigueirinho é dar ênfaseaos limites do grupo, preservando os integrantes do contato noci-vo com pessoas com ideais contrários. Isto, em parte, condiciona asegregação do grupo em relação à sociedade global. Assim, em“Figueira”, há uma permanente divergência resultantes da interaçãoentre colaboradores internos e externos, porque o interesse dogrupo está acima das individualidades. O indivíduo encontra-sesubordinado a uma determinação coletiva, agindo em contrario aelas, poderia haver sanções privando sua independência, liberda-de, livre-arbítrio.

Os colaboradores são condicionados a não se comunicarem,como já foi dito anteriormente, uma das maiores regras em “Fi-gueira” é o silêncio interno e exterior. Por isso, há um isolamentoque priva os colaboradores de iniciativa e criatividade, porque es-tão submetidos às regras, às operações e a forma de realizá-las quecondicionam o seu comportamento. Seu modo operativo único aoqual devem condicionar-se e a ordem do seu desenvolvimento jáestão especificados. Tudo está previsto com bastante exatidão,portanto não há espaço para a iniciativa pessoal ou para o livre-arbítrio. Para Trigueirinho, o livre-arbítrio gera um estado caótico.Os colaboradores, para serem salvos e resgatados, devem entre-gar-se à sua autoridade.

Vários trabalhos grupais realizam-se dessa maneira abnega-da: oblatos são leigos que se oferecem para servir no grupo de“Figueira” abnegadamente. Auto-afirmação, orgulho, idiossincrasiase vaidade não devem interferir na sua tarefa, cujas bases são odespojamento, o desapego e a prontidão ao serviço impessoal paraatender aos objetivos coletivos do grupo.

O zelador segue a via do despojamento e dedica-se a suprirtudo e todos incondicionalmente. O zelador deve se inspirar nosque se devotam incondicionalmente à vida de serviço.

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Há, atualmente, poucos residentes em “Figueira”, porque,segundo Trigueirinho, no atual contexto social, poucas pessoasconseguem liberar-se do compromisso com a sociedade. A estrutu-ra, a engrenagem da sociedade continua exercendo grande atraçãosobre as pessoas. Alguns devem, portanto, se despojarem de en-cargos e desvincularem-se da sociedade, segundo Trigueirinho, paraajudar no que é exigido aos residentes de “Figueira”. Esta posturaresultará da renúncia a ambições, desejos e satisfações própriasem função da coletividade.

O residente deve vivenciar suas provas de renúncia, humilda-de, humilhação, abnegação em silêncio, sem tagarelice, sem cho-ro, sem emoções, sem dor. Para o residente as provas, que advêmdo cumprimento das tarefas diárias, são oportunidades de trans-formação, por isso, devem cultivar a virtude ou qualidade de desa-pego e renúncia em tudo o que faz, realizando as tarefas que lhecabem com abnegação. Um residente deve renunciar às delícias,ao conforto, aos prazeres da vida. Deve deixar de lado a murmura-ção, a queixa, a lamúria, deve prescindir de consolo.

Há em “Figueira” uma atividade chamada de abrigo que pos-sibilita prestar serviço livre dos apegos que limitam o trabalho emgrupo. Também não se deve buscar reconhecimento para não re-forçar o egoísmo. Esta atitude torna-se um obstáculo à vida grupal.A colaboração é necessária, pois a tarefa deverá cumprir-se confor-me planejada pelo grupo. A função do abrigo é de ajudar todoslibertarem-se, desvencilharem-se e desapegarem-se da sociedade.Muitos dos que se aproximam do abrigo estão para se libertarem enecessitam de coragem, ajuda e reforço.

Os que aspiram à vida em “Figueira” são chamados de aspi-rantes e devem ter uma disposição para seguir, sem reservas, comabnegação, com desapego, de forma impessoal, o caminho do ser-viço. O aspirante deve deixar de lado o orgulho e o preconceitopara servir à humanidade. Deve aprender que a sujeição a umaorganização, a uma ordem, às regras, às normas, a determinadascondutas são necessárias a um trabalho evolutivo e que, impostasnum ambiente, servem de exemplo aos demais. O aspirante devereconhecer que o condicionamento a uma disciplina hierárquica éimprescindível para a transcendência do egoísmo e das preferênci-

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as de natureza mental e emocional individuais em detrimento dascoletivas e grupais. Só quando o egoísmo é transcendido e as pre-ferências individuais superadas surge a disciplina grupal e coleti-va. Ordem, disciplina e obediência devem fazer parte da vida doaspirante, revelando uma maneira flexível, meiga e cordata de vi-ver.

“Figueira” como já foi dito anteriormente, é um híbrido soci-al, uma organização formal que administra uma comunidade alter-nativa. Os monges nunca devem entrar em interação com o grupode colaboradores itinerantes e/ou visitantes que se hospedam em“Figueira” e, em hipótese alguma, estabelecem interação com orestante da sociedade aberta. Há um monastério feminino e outromasculino, são semi-reclusos. Vivem separados fisicamente semmuita interação com o grupo de residentes. Mais afastados e seminteragir com os itinerantes ou visitantes que se hospedam em“Figueira”. Estão sem nenhuma interação com a sociedade aberta.Eles só têm interação com o grupo de residentes em raras reuni-ões, excepcionalmente têm interação com o grupo itinerantes ouvisitantes e jamais têm interação com a sociedade aberta. Essa fal-ta de interação só vêm ratificar o enquadramento em parte, emalguma medida, de “Figueira” como uma instituição total, ondequase inexiste interação.

Os atores sociais que almejam morar em “Figueira” devemviver em comunidade, separados da família, desapegados do di-nheiro, sem posses ou propriedade privada. Devem condicionar-seà pobreza, sublimar o sexo e, conseqüentemente, abrir mão dainstituição casamento, abster-se de alimentos de origem animal,ser obedientes aos seus superiores, observar o silêncio e restringira conversa ao estritamente necessário para o andamento das tare-fas. Essas são características similares às das instituições totais es-tudadas por Goffman.

A seguir, algumas considerações breves sobre a influência dosatores sociais de “Figueira” no condicionamento “eu” (self) dos sim-patizantes. O efeito dá-se sobre a reprodução dos seus valores es-pirituais, padronizando gestos, expressões e linguagem.

Os valores culturais dos atores sociais de “Figueira”condicionam em detalhe o modo como os residentes pensam, apa-

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rentemente, em relação a muitos assuntos, até mesmo estabele-cem um quadro de referências, de parâmetros, de paradigmas.

Os atores sociais estão alicerçados numa ideologia que mol-da o comportamento dos que entram em contato mais diretamen-te com ela, tornando-os servis. Essa marca ou estigma transparecenas atitudes dos seus atores sociais, na sua maneira de interagir,de sentar, de andar, na sua forma de comer, de falar, porque estãocondicionados por uma cultura espiritual que submete o corpo àpurificação moral, cultura baseada nas virtudes do tipo ideal decaráter cristão sobre as quais diz o filósofo Nietzsche serem virtu-des do escravo.

“Figueira” tem como objetivo principal a espiritualidade e estáalicerçada numa ideologia que condiciona um comportamento servilque transparece na forma de interagir (self-interaction), de sentar,de andar, nos gestos, nas expressões, na linguagem e até na formade comer dos atores sociais, os quais representam um “eu” (self)cotidiano humilde e modesto.

Através da imposição de regras, normas e disciplinas, “Figuei-ra” reproduz seus valores nos mínimos gestos, expressões e lin-guagem de forma a padronizar e homogeneizar os comportamen-tos, não permitindo que as pessoas vivam como quiserem, comliberdade de escolha, com livre-arbítrio, etc., criando, assim, umacomunidade de atores sociais condicionados, automatizados, fe-chados e segregacionistas, tal como a ficção científica do livro “OAdmirável Mundo Novo”.

“Figueira” rompeu com os princípios fundamentais da socie-dade abolindo a propriedade, o casamento e a família. Tornou-seum espaço comunitário singular, indiferente ao Estado. É uma co-munidade composta de indivíduos semelhantes que formam umasubcultura. A comunidade evoluiu para um estado monástico como tempo e o aumento do número de residentes. Hoje lá se confun-dem submissão com santidade. Todos devem se sujeitar à autori-dade de Trigueirinho. Os que desejam viver pelas regras de “Fi-gueira” devem querer devotar-se inteiramente ao serviço pelaautodisciplina, oração e trabalho. Devem viver uma vida em comu-nhão, desapegar-se da família, condicionar-se à pobreza, desape-gar-se do dinheiro e da propriedade privada. Devem abster-se do

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sexo e conseqüentemente do casamento, devem obedecer aos su-periores, devem abster-se de alimentos de origem animal, devemrestringir a conversa e observar o silêncio. A liberdade, o livre-arbítrio e a privacidade são suprimidos em favor da coletividade.

“Figueira”, sob a égide de um novo código cultural, subvertea ordem social estabelecida, criando normas que contrariam a so-ciedade aberta. Com isso, o grupo possui idéias que conflitam comos valores da sociedade na qual se insere, gerando uma divergên-cia permanentes entre o grupo de externos e o dos internos.

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LISTA DE ANEXOS

A. Folder “Nazaré Paulista”B. Mantras de “Figueira”C. Folder CoralD. Folder de “Figueira”E. Panfleto “A Sustentação da Central de Atendência”F1. Opúsculo “Oblatos”F. Opúsculo “Redes de Serviço” + Boletim de “Sinais” de nº 10c/a programação dos encontros das “Redes de Serviços” em 2006G. Boletim de “Sinais” de nº 10, pg.2.H. Mosquitinho 2006 + dois cartazes divulgando as audiçõesde Trigueirinho em Porto Alegre, RSI. Folder de publicações da Editora Irdin + Catálogo da Edito-ra IrdinJ. Panfleto do setor de “Difusão de Livros e Fitas”K. Rádio MundialL. Cadernos de Sinais nº 2 (1998) e Boletim de Sinais (2003)sobre MeeirosM. Carta Aberta(circular)dirigida aos colaboradoresN. Opúsculo “Monastérios”F2. Opúsculo “Oblatos” P. Opúsculo “Zeladores”Q. Opúsculo “Sacerdotes”R. Opúsculo “Espelhos”S. Opúsculo “Residentes”T. Opúsculo “Reinos”U. Opúsculo “Colaboradores”V. Opúsculo “Abrigo”W. Folder “Aspirantes”X. Opúsculo “Hierarquia”Y. Opúsculo “Vigília”Z. Opúsculo “Instrução”AA.Artigo da Internet + cópias xerox de capas de alguns livros deTrigueirinho sobre ovnis

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A. Folder “NazaréPaulista”

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B. Mantras de “Figueira”

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C. Folder Coral

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D. Folder de “Figueira”

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E. Panfleto “ASustentação da Central

de Atendência”

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F. Opúsculo “Oblatos”

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G. Opúsculo “Redes deServiço” + Boletim de“Sinais” de nº 10 c/aprogramação dos

encontros das “Redesde Serviços” em 2006

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H. Boletim de “Sinais”de nº 10, pg.2, Relaçãode Endereços no Brasileno exterior dos Gruposdas “Redes de Serviço”.

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I. Mosquitinho 2006 +dois cartazes

divulgando as audiçõesde Trigueirinho em

Porto Alegre, RS

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J. Catálogo da EditoraIRIDIN e Folder da

Editora IRIDIN

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K. Panfleto do setor de“Difusão de Livros e

Fitas”

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L. Programação daRádio Mundial

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M. Cadernos de Sinaisnº 2 (1998) e Boletim de

Sinais (2003) sobreMeeiros

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N. CartaAberta(circular)dirigida

aos colaboradores

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O. Opúsculo“Monastérios”

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P. Opúsculo “Zeladores”

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Q. Opúsculo“Sacerdotes”

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R. Opúsculo “Espelhos”

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S. Opúsculo“Residentes”

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T. Opúsculo “Reinos”

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U. Opúsculo“Colaboradores”

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V. Opúsculo “Abrigo”

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W. Folder “Aspirantes”

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X. Opúsculo“Hierarquia”

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Y. Opúsculo “Vigília”

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Z. Opúsculo “Instrução”

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AA. Artigo da Internet+ cópias xerox de capas

de alguns livros deTrigueirinho sobre

ovnis

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