fichamento história das escolas

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Pag. 91 A história da nouvelle histoire pode ser dividida em sua dimensão mais ampla, que envolve todo século XX, em quatro períodos. T. Stoianovich caracteriza estes períodos das seguintes maneiras: 1 – 1900 – 1920 – fase da “crise da consciência histórica”, que aparece nos artigos das recém-fundadas revistas Annales da Geographie, L’Annee Sociologique, Revue de Synthese Historique. 2 – 1920 – 1946 – aparecimento do 10º volume da coleção dirigida por H. Berr, L’Evolution de l’Humanite, a organização do Centre de Synthese e colóquio anual Semaines de Synteses, a criação do projeto de uma Encyclopedie Française e a fundação da revista Annales d’ Histoire Economique Et Sociale. 3 – 1946 – 1968 – fase de explosão criadora e de expansão institucional. Os Annales entraram em uma fase de consolidação quase burocrática. 4 – 1968 – 1988 (?) – período sob a influencia inicial do movimento estudantil de 1968, que obrigou a revisões da orientação da revista e na reorganização institucional. Braudel não terá mais a direção solidaria da revista. Pag. 92 T. Stoianovich considera como central, para a construção do novo paradigma dos Annales, a presença de E. Braudel, entre 1957 e 1972, como produtor da obra mais revolucionaria e como administrador do patrimônio dos Annales, diluindo, assim, a importância da criação da revista e dos “combates” e

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Page 1: Fichamento História das Escolas

Pag. 91

A história da nouvelle histoire pode ser dividida em sua dimensão mais ampla,

que envolve todo século XX, em quatro períodos. T. Stoianovich caracteriza estes

períodos das seguintes maneiras:

1 – 1900 – 1920 – fase da “crise da consciência histórica”, que aparece nos

artigos das recém-fundadas revistas Annales da Geographie, L’Annee Sociologique,

Revue de Synthese Historique.

2 – 1920 – 1946 – aparecimento do 10º volume da coleção dirigida por H.

Berr, L’Evolution de l’Humanite, a organização do Centre de Synthese e colóquio

anual Semaines de Synteses, a criação do projeto de uma Encyclopedie Française e

a fundação da revista Annales d’ Histoire Economique Et Sociale.

3 – 1946 – 1968 – fase de explosão criadora e de expansão institucional. Os

Annales entraram em uma fase de consolidação quase burocrática.

4 – 1968 – 1988 (?) – período sob a influencia inicial do movimento estudantil

de 1968, que obrigou a revisões da orientação da revista e na reorganização

institucional. Braudel não terá mais a direção solidaria da revista.

Pag. 92

T. Stoianovich considera como central, para a construção do novo paradigma

dos Annales, a presença de E. Braudel, entre 1957 e 1972, como produtor da obra

mais revolucionaria e como administrador do patrimônio dos Annales, diluindo,

assim, a importância da criação da revista e dos “combates” e “apologias” da

história, de Febvre e Blochm, antes da Segunda Guerra. Posição que o próprio

Braudel, prefaciando a obra do próprio Stoianovitch, contestará.

“Podemos dividir a historia do Annales em dois períodos, um anterior a 1945,

que foi caracterizado por Le Roy Ladurie como sendo o da “história estrutural

qualitativa”, e um segundo, posterior a 1945, no qual uma “história quantitativa

conjuntural” cresceu sem substituir a orientação anterior. Entre esses dois períodos

existem diferenças instituicionais: antes de 1945, a Revista dirigida por Febvre e

Bloch representa sozinha o grupo (...) após 1947, a Revista ganha um novo nome e

o grupo dos Annales liga-se a uma nova instituição, a 6ª Seção da École Pratique

des Hautes Études (...)

O equivoco de Stoianovictch, a nosso ver, está em dar mais importância a

uma fase em detrimento de outras, pois a cada fase, em seu momento especifico,

Page 2: Fichamento História das Escolas

construía a nouvelle histoire, fortalecia-se e ampliava sua área de influencia teórica e

institucional. Entretanto, geralmente, divide-se a história da nouvelle histoire em três

fases distintas, a partir da fundação da revista Annales d’Histoire Economique ET

Sociale: de 1929 a 1946, de 1946 a 1968, de 1968 em diante.

Fala-se de três “gerações dos Annales”, com lideranças e orientações

diferentes, ligadas a momentos históricos diversos.

Pag. 93.

Na primeira, de 1920 a 1945, era pequena, radical e subversivo, fazendo uma

guerrilha contra a história tradicional, a história política e a história acontecimental.

Após a Segunda Guerra, os rebeldes tomaram o estabelecimento histórico. Esta

segunda fase foi dominada por Braudel. Uma terceira fase abriu-se por volta de

1968. A história dos Annales pode ser, portanto, interpretada em termos da

sucessão de três gerações”. (Burke, 1990, p. 2-3).

A primeira fase: 1929/1946

Febvre, Bloch e a Renovação da História com a Revista Annales D’Histoire

Economique Et Sociale

Retomaremos aqui a atividade de Bloch e Febvre, que, por meio da revista

Annales d’Histoire Economique ET Sociale, combateram a história tradicional e os

seus representantes, apresentando o projeto de uma nouvelle histoire, para

constatar essa fase do movimento com as suas fases posteriores.

Alguns sustentam que a 3ª geração não só teria continuado a tradição dos

fundadores e mesmo radicalizado suas primeiras formulações, e outros falam de

uma descontinuidade e até de uma “traição” dos novos Annales aos fundadores. O

que Febre e Bloch trouxeram de novidade, de fato, foi sua compreensão

temporalidade histórica.

Pag. 94.

Em suas obras históricas e teóricas, eles introduziram o permanente, o

duradouro, recusando a história como o conhecimento exclusivamente da mudança.

As relações entre os homens e a natureza não são concebidas como uma “luta”,

mas como relações de complementaridade e solidariedade recíprocas.

Interessaram-se pelas estruturas econômico-sociais: nas estruturas econômicas,

Page 3: Fichamento História das Escolas

aprecem os meios de intervenção coletiva dos homens na natureza, para a

produção dos bens materiais necessários à reprodução da vida; nas sociais,

aparece o que há de “natural” na sociedade, isto é, o repetitivo, o resistente, o que

há de comum entre os indivíduos. O historiador tenderá a privilegiar o que “dura”, o

que se repete, para estabelecer ciclos e tendências seculares.

Pag. 95.

A história efetiva dera razão ao seu programa: a partida contra a história

tradicional estava ganha. A partir daí, foi a revista de história que mais cresceu e

mais influência exerceu no mundo. Tornou-se, enfim, uma sólida instituição. Até

1946, ela será formuladora e combatente por uma nova história. Nesse período,

Febvre e Bloch Abandonarão a Universidade de Estrasburgo e irão instalar-se,

respectivamente, no Collège de France e na Sorbonne.

Para Le Goff, as motivações de Febvre e Bloch, quando do lançamento da

Revista, eram três: 1º tirar a história de seu isolamento disciplinar, derrubando as

paredes que a compartimentavam; 2º afirmar direções novas de pesquisa,

interessando pelas esferas econômica, social, geográfica, mental; 3º empreender o

combate contra a história política, na sua forma diplomática, narrativa e

acontecimental, que mascarava o verdadeiro jogo histórico, que se passa nos

bastidores estruturais, que seria o que se deveria fazer aparecer e explicar (Le Goff,

1988ª). Além disso, propuseram um conhecimento histórico a partir do presente ,

um presente que compreende a sua história como continuidade e alteridade em

relação ao passado. Le Goff concorda que a grande “invenção” dos fundadores foi

sua nova percepção da temporalidade histórica, que eles não puderam desenvolver

plenamente, mas que braudel, a aprtir deles, fará a teoria definitiva. Este

conhecimento do “duradouro” e da mudança das sociedades humanas só poderia

ser realizado através da aliança com as ciências sociais.

Pag. 96.

A Revista se aproximou das ciências sociais, visando a realizar, sob a sua

influencia, pesquisas sobre novos objetos, como as estruturas agrárias, as técnicas,

as mentalidades coletivas, sobretudo com o século XVI europeu, através de

biografias de líderes intelectuais e religiosas. O caráter dessa primeira fase, talvez,

Page 4: Fichamento História das Escolas

tenha sido mais bem explicitado por Iggers: aqui teria predominado a abordagem

“estrutural qualitativa” da história.

Segundo F. Dosse, a nouvelle histoire do tempo de Febvre e Bloch ainda era

uma ciência da mudança, dentro de uma duração global, que tinha, ainda em seu

centro, os homens e seu vivido. Para eles, o historiador devia abandonar os juízos

de valor sobre os homens do passado, deixar de ser um juiz, pretenso portador de

uma “verdade” que distinguisse o Bem e o Mal, e deveria compreendê-los, isto é,

situá-los em seu tempo e sociedade, distinguir os recursos que possuíam para

representarem essa sua situação e, assim, promover o diálogo entre eles e os

homens do presente.

O historiador belga H. Pirenne era o seu guia-orientador e várias vezes o

convidaram para orientá-los na criação de uma revista de história econômico-social;

várias vezes, ele recusou e o projeto foi adiado, até que, finalmente, ele cedeu, mas

preferiu manter-se em uma posição de “eminência parda”. Influenciado por K.

Lamprecht, que havia confrontado, na Alemanha, a história metódica de Ranke,

Pirenne sustentava o que viria a ser a causa dos Annales.

Pag. 97.

Além de Pirenne, os seus aliados eram alguns outros historiadores: Charles

Perrin, Charles Morazé, G. Lefebvre e, sobretudo, cientistas sociais: Charles

Blondel, Henri Walon, Vidal de La Blache, E Simiand, M. Halbwachs, G. Friedmann,

A. Siegfried, H. Berr. Colaboraram frequentemente na Revista, nessa fase: G.

Méquet, P. Leul-Liot, H. Baulig, G. Le Bras, M. Baumont, J. Houdaille, Henri Sée, E.

Soyous, P. Monbeig, H. Brunschwig, J. Sion, A. Varagnac, A. Girard, M. Blanchard,

entre outros.

Um outro nome fundador: Ernest Labrousse

Além de Febvre e Bloch, essa primeira fase possui ainda um nome, que será

fundamental para os desdobramentos posteriores da Revista e da “Escola dos

Annales”: este terceiro nome fundador dos Annales é o de Ernest Labrousse.

Seguindo os pasos de Bloch, influenciado por Marx, Jaurès e Simiand, as obras de

Labrousse Esquisse Du Mouvemem des Prix ET des Revenus em France au XVII e.

Entretanto o Esquisse não pertence, originalmente, ao campo da história, pois

foi defendida em uma Faculdade de Direito, em 1932. Somente a partir de 1936 é

Page 5: Fichamento História das Escolas

que esta obra se tornou conhecida entre os historiadores, através da intermediação

de G. Lefebvre. Lefebvre, para incorporar Labrousse entre os historiadores, procurou

separá-lo de Simiand: Labrousse seria mau historiador – descritivo, empírico, crítico

rigoroso das fontes e as utilizava com prudência, apresentando o homem como uma

realidade mais viva, mais concreta. Simiand seria mais abstrato e filosófico.

Pag. 98.

Para Braudel, refutando a tese de T. Stoianovitch, que põe como o criadopr

do verdadeiro paradigma dos Annales, a fase de 1929 a 1940 foi decisiva para os

Annales. A grande data da história dos Annales é 1929, quando, em um período de

crise da história efetiva, e como resultado de um longo debate sobre as condições

de possibilidades de uma nova história, Febvre e Bloch fundaram a revista “AHES”.

Para Braudel, o impacto dessa revista trincou a auto-suficiencia e a mediocridade da

historiografia francesa. “Em 1929”, afirma Braudel, “tudo em história estava para ser

feito, refeito ou repensado conceitual e praticamente. A história só pode-se-ia

renovar pela associação com as ciências sociais.

A “História da História” dos Annales feita por alguns de seus membros

Há uma tendência dos “herdeiros” a narrar uma história “epopéia do

nascimento dos Annales, que considera o surgimento da nouvelle histoire como o

resultado da atuação impressionante de dois heróis, que produziram grandes

eventos, bons e justos, contra uma má história e maus historiadores. Essa

tendência, hoje, já possui seus críticos dentro do próprio grupo, que procuram

“datar” a nouvelle histoire, inserir sua novidade nas condições objetivas que o

tornaram possível.

A nova história da ciência se interessa pelas relações que a ciência de uma

época mantêm com as estruturas ideológicas e sociais dessa época. Procura-se,

hoje, fazer uma “história-problema” dessa primeira fase dos Annales.

Pag. 99.

A história erudita era cabível e necessária no século XVII, para estabelecer os

fatos de uma história religiosa longínqua, que naquele momento vivia sua

controvérsia. A história do século XIX não era política e nacionalista por acidente.

Ela o foi por causa do traumatismo revolucionário e da necessidade de afirmação

Page 6: Fichamento História das Escolas

das nacionalidades. Por que o século XX teve necessidade de elaborar uma outra

história diferente daquela história política e factual do século XIX?

Mas o desafio de fazer uma história de si própria, problemática e critica, foi

enfrentada pelo artigo de A. Burguière, que apareceu na Revista quando da

comemoração do seu 50º aniversario (Burguière, 1979).

Segundo ele, os fundadores não eram “marginais” – eles cultivaram a

marginalidade, para conseguir criar um espírito diferente do da sua época. Na

verdade, eles eram filhos de professores universitários, eram “herdeiros” de postos

acadêmicos. Seu programa não foi uma intuição original desses dois solitários e

geniais, mas o desenvolvimento, graças às condições favoráveis específicos da

França, de um programa que era formulado ao mesmo tempo na Inglaterra.

Pag. 100.

A escola dos Annales só tomou forma graças à centralização que lhe conferiu

um caráter parisiense(...) Na universidade de hoje, há um grande numero de

historiadores que não têm relações institucionais com a Escola dos Annales mas

que podem ser relacionados a ela pelo seu trabalho(..)” (Le Roy Ladurie citado em

Gadoffre, 1987, p.210).

A revista “AHES” foi o resultado da confluência dessas três correntes, em

uma síntese original, pois marcadamente histórica. Cultivando o antidogmatismo, em

um mundo dogmático – radicalmente capitalista, comunista ou facista – e a

marginalidade, em um mundo intelectual enrijecido pela institucionalização, os

Annales não ofereciam sistemas, teorias fechadas sobe a realidade social, mas um

campo inesgotável de problemas a pôr e a resolver sobre o passado dos homens.

Seu objetivo era o de renovar a história e, com essa renovação, desalojar os

então ocupantes das instituições históricas francesas e ocupá-las, obtendo o apoio

do novo poder tecnocrático e do Estado planejador. Agressivos, polêmicos, diretos e

ligados à história efetiva, realizaram este segundo objetivo, aproveitando-se da crise

de seus possíveis rivais: o pensamento geográfico bloqueou-se, os durkheimianos,

dispersaram-se, a economia estava isolada nas Faculdades de Direito, a Revue

Historique em queda vertiginosa.

A história, ciência federadora do nosso tempo, nasceu entre 1929 e o inicio

dos anos 30, nasceu da angustia e infelicidade deste tempo, na atmosfera dolorosa

Page 7: Fichamento História das Escolas

de uma crise de dimensões enormes e repercussões infinitas (...). O que é anterior

tem valor de documento(...)”.

Pag. 101.

Se é verdade que o conhecimento histórico tomou uma nova forma a partir

dessa data, pois se adequou à nova realidade da história mundial e atualizou-se

com as novas formas de pensar e conhecer a sociedade, não é verdade, a nosso

ver, que o que é anterior só tem valor de documento. Quanto à história econômica,

especificamente, se Chaunu se refere a ela em particular, ela não reduz todo o

campo da história, não o funda, e, se ela ganhou tal dimensão e sofisticação, é

porque ela está situada em um tempo que enfrenta e “valoriza” os problemas

econômicos como maiores. Os problemas “valorizados”maiores antes eram

metafísicos, políticos, culturais, militares, diplomáticos, psicológicos e tiveram sua

história correspondente; assim como uma sociedade tecnocrática e de massas

“valoriza” e tematiza especialmente os problemas econômicos que ela enfrenta,

apesar de estar mergulhada inteiramente naquelas dificuldades anteriores, que as

sociedades, do passado consideravam mais importantes.

A 2ª “geração” dos Annales realizará essa radicalização: quantificará aquela

nova compreensão do tempo histórico proposta pelos fundadores, que ainda

realizavam uma abordagem qualitativa.

Pag.102.

A segunda fase: 1946/1968

Annales: economies, societés, civilisations:

A consolidação do Novo Programa Teórico e Projeto de Poder

Depois de ter mudado seu titulo por duas vezes, durante a Segunda Guerra, a

revista obteve um novo e, parece, definitivo título: Annales: Economies, Societés,

Civilisations. Até aqui, enfatizou-se uma pesquisa histórica econômico-social e a

partir daqui um novo campo de pesquisa, sob o título civilisations. Parece um

esforço em direção à história global, que os fundadores tinham defendido.

A história econômica tendera a se constituir autonomamente, desvinculando-

se de seu lado social, e a história social, mais tarde, irá também procurar constituir o

seu espaço próprio de pesquisa, desvinculando-se ou não se submetendo ao seu

lado necessariamente econômico. Em 1963, agora com o apoio da Fundação Ford,

Page 8: Fichamento História das Escolas

foi criada a Maison des Sciences de L’Homme, que se tornou um importante centro

de pesquisa e ensino de ciências sociais. A nouvelle histoire ampliou enormemente

seu centro institucional: não está sediada mais em uma revista menor, mas em uma

revista “maior” e em sólidos “corpos físicos” – prédios, laboratórios, bibliotecas,

editoras, funcionários – e em Paris, e não mais na Província.

Dir-se-ia que a institucionalização dos Annales poderia fazer parte do plano

de reconstrução da Europa – Marshall – pelos americanos, após a Segunda Guerra.

Os franceses saíram dessa meio vitoriosos, eram aliados dos americanos, mas

queriam manter sua posição de “grande potencia”.

Pag. 103.

Vitoriosos enquanto administradores da derrota, os Annales levaram o seu

espírito imperialista original, nessa segunda fase, ao seu máximo. Seus métodos se

difundiram pelos países mediterrâneos, na Península Ibérica, na America Latina, nos

EUA, em alguns países socialistas. A antropologia polemizará com a história,

através de Lévi-Strauss. O pensamento estruturalista, que dominará os anos 60,

atacava a história com uma velha argumentação: factual, trata de fenômenos

conscientes, narrativa, diacronia simples, não - cientifica.

A “estrutura” da história ainda é “tempo” – lento, longo, quase imóvel – mas o

“tempo concreto das sociedades humanas”. A incorporação e redefinição do

conceito de estrutura, por Braudel, sem se distanciar de Febvre e Bloch, permitiram

aos historiadores resistir aos ataques estruturalistas.

O planejamento das empresas privadas e do Estado empresarial terá uma

grande necessidade das ciências sociais. Há, portanto, uma disputa entre elas, e

Brudel teve que sair em defesa da história contra os ataques estruturalistas da

antropologia. Para isto, escreveu um dos dois textos – manifesto desse período da

Escola do Annales.

O primeiro é de Febvre, sob o titulo Face au Vent – Manifeste des Annales

Nouvelles, onde Febvre justifica as mudanças de titulo e de orientação que a Revista

tomou desde a sua fundação.

Pag. 104.

Segundo ele, entre 1929 e 1946, a Europa viveu a ascensão do nazismo e do

fascismo italiano, a consolidação da URSS stalinista, a crise do capitalismo e a

Page 9: Fichamento História das Escolas

Guerra Mundial de 40 e, passar por essa tempestade sem alterações e

reorientações seria um mau sintoma para uma revista de “história econômico-social”,

que se queria atrelada ao presente, atenta ao desenvolvimento da história efetiva:

Braudel: seus debates, combates e vitórias

o texto-manifesto de Braudel é a elaboração teórica a posteriori da sua obra

La Mediterranee ET Le Monde Mediterraneen a l’Epoque de Philippe II, de 1949.

Trata-se de um artigo que apareceu na seção Debats ET Combats da sua Revista,

sob titulo La Longue Duree em 1958.

A história visaria as permanências que dão sentido aos eventos. A estrutura

sofre o “vento da história”, que são seus eventos, e é obrigada a se rearticular, a

mudar lentamente. A estrutura é o “não há nada de novo”, que envolve o evento, a

novidade, ela é uma articulação dos “elementos” já presentes nela.

Nesse artigo, Braudel formula o conceito de “longa duração”, já presente

embrionariamente nos fundadores e, praticamente, em sua obra de 1949.

Pag. 105

A “estrutura” do historiador é o Carter repetitivo das atividades dos indivíduos

e grupos e que define os limites de atividade, do crescimento demográfico, da

produção agrícola. A descrição de uma estrutura leva a as história: as mudanças

internas, as crises conjunturais, os movimentos cíclicos, as tendências a estagnação

e ao crescimento (Pomian citado em Le Goff, 1988ª). O historiador enfatiza o que se

repete, o que se permanece constante durante um longo intervalo de tempo.

Em Braudel, o homem é descentrado e sofre, de alguma forma, a

temporalidade muito mais do que a produz. O homem perdeu o controle total de sua

historicidade – ele já teve algum dia? – e sabe que age sob limites geográficos,

sociais, mentais, culturais, econômicos, demográficos, conscientes e inconscientes,

que ele não pode vencer, pois não dependem de sua vontade.

O mais cético verão aqui um rompimento de Braudel com os fundadores. Para

Dosse, “o humanismo de Febvre e Bloch se apaga diante do jogo inexorável das

forças econômicas e o homem se acha descentrado dos estudos históricos”.

Além de referir a pluralidade das civilizações, que implica a divergência de

direções temporais, ele falará também de um tempo cortado em três ritmos

heterogêneos: estrutural, conjuntural, acontecimental.

Page 10: Fichamento História das Escolas

Pag. 106

Braudel define as “estruturas” como um conjunto de pressões, limites e

barreiras, que intermetiam as diferentes variáveis de elevar acima de certo teto. K.

Pomian, cuja interpretação de Braudel vem seguindo, possui uma concepção

original da elaboração da temporalidade histórica de Braudel, não só quanto as

áreas ligadas a cada ritmo de tempo, como a noção de evento, que deveria dessa

visão do tempo.

Quanto as áreas ligadas a cada ritmo do tempo, geralmente se associa o

tempo longo ao geográfico, o tempo conjuntural ao econômico-social e o tempo

breve ao individual e acontecimental, considerava que essa vinculação dos três

ritmos temporais a uma divisão da matéria histórica e arbitraria. As três durações

podem ocorrer em qualquer uma das dimensões históricas: uma monarquia milenar,

um terremoto ou vulcão de segundo ou dias.

Braudel será a figura central da segunda fase dos Annales, tanto como

historiador como administrador do patrimônio físico, institucional e da influencia, que

ele herdou. Até 1956, quando de sua morte, Febvre terá ainda a liderança do grupo.

A partir de 1957, Braudel assumirá essa posição, a qual se dedicará com uma

fidelidade.

Pag. 107

Para Hexter, ainda no estabelecimento do domínio dos Annales, sobre os

outros historiadores franceses de parte do mundo, houve três momentos cruciais.

“1929, a fundação dos Annales; 1946-1947, sua refundação por Febvre e a

ocupação por ele da presidência da 6ª Seção da E.P.H.E, finalmente, 1956-1957, a

sucessão de Febvre por Braudel...” (Hexter, 1972, p. 493).

O predomínio do quantitativismo

Essa fase, entretanto, vai-se diferenciar bastante da primeira, pois produzirá

trabalhos, principalmente, de história estrutural quantitativa, “serial”, nas áreas da

economia e da demografia. A historia econômica, sob a influencia de Labrousse e

Simiand.

A partir de 1950, o quantitativo tomou conta de todas as áreas do

conhecimento histórico. O fato histórico tornou-se fenômeno repetido e comparável

em um período de tempo dado. Houve uma verdadeira euforia com as possibilidades

Page 11: Fichamento História das Escolas

“cientificas” da qualificação. Le Roy ladurie chegara a afirmar: a La limite, Il n’ est

d’histoire scientifique que Du quantifiable (Le Roy Ladurie, 1973, p. 22).

Pag. 108

O quantitativismo dá a ilusão de cientificidade e pode ser uma “cortina de

fumaça” para anacronismos, naturalismos. Embora tenha sido uma revolução na

escrita histórica e na manipulação de documentos históricos, pois resgatou arquivos

“adormecidos”, inexplorados, como mercuriais, arquivos judiciais, etc. o quantitativo

dogmáticos, hoje se vê, era um equivoco.

Le Quantitatif em Histoire, onde ele, apesar de mostrar as dificuldades da

quantificação em historia, considera a história serial um grande salto “qualitativo” na

direção de um conhecimento histórico mais seguro e confiável (Furet citado em Le

Goff & Nora, 1974, p. 46-61). A Revoluçao quantitativa transformou inteiramente o

trabalho do historiador.

Através da demografia, Malthus foi redescoberto pelos historiadores e seus

temas passaram a interessar a nova história demográfica: o crescimento explosivo

da população, e os meios utilizados para conte-lo: técnicas preventivas de

nascimento, especialmente o “casamento tardio” e sua repercussão sobre a cultura,

sobre a vida sexual e o crescimento demográfico (Le Roy Ladurie, 1973).

Métodos e tecnicas quantitativas, econômicas e demográficas foram

integrados ao conceito de “estrutura” dos Annales.

Pag. 109

Quanto as fontes, ele preferia aos dados onde a subjetividade dos seus

produtores estivesse neutralizada: dados contábeis, balanços financeiros, livros de

entrada e saída de receitas, controle portuário, documentos alfandegários, arquivos

notariais, judiciais, paroquiais. “Massas” de documentos homogêneos e

comparáveis, sobre os quais se elaboraram “séries”, que descreviam em gráficos,

curvas ascendentes, descendentes, oscilações cíclicas.

O homem com um nome e que nomeia, pois

pai/mãe/filho/sobrinho/neto/avô/tio... O homem afetivo, privado, imerso em sua rede

de relações intimas, que o apreendem e identificam. O historiador pode chegar até ai

através de documentos estatísticos.

Page 12: Fichamento História das Escolas

Pag. 110

Albert Soboul: a história social resiste ao quantitativo dominante

Ainda nessa fase, a “história social” procurará constituir o seu espaço próprio

de pesquisa. A. Soboul vai procurar definir esse seu campo da história econômica e

demográfica. Soboul procura traçar a separação e a complementaridade entre a

história econômica e social.

Pag. 111

Soboul já se mostrava critico em relação ao excesso de otimismo dos

quantitativistas, apesar de reconhecer as conquistas reais da quantificação. Para

ele, a história social se apóia nos resultados quantitativos da história demográfica e

econômica, mas os repensa e os ultrapassa. A história social é também

quantitativista, mas evita as ilusões da cifra e a vertigem do numero. Aqui, o

historiador pode obter falsas certezas e uma aparente precisão. Estrutural, a história

social não saberia de limitar ai quantitativo. O fato medido deve ainda ser qualificado

e apreciado. A medida tem seu lugar, conclui Soboul, mas na história social, a

“descrição” retoma os seus direitos. A média estatística só é valida se apóia sobre

conceitos claramente elaborados (Soboul, 1967, p. 13).

A resistência a quantificação tornou-se mais aguda na terceira “geração” do

Annales. A quantificação será mantida, mas a crença dogmática nela foi superada.

Ainda em pleno apogeu do serial. G. Lefebvre também apontava para os limites:

linving, suffering man does not appear in it (lgger, 1948, p. 60).

Segundo L. Wallerstein (1986), a Escola dos Annales, nesse contexto,

fornecer um meio favorável a expressão desse equilíbrio procurado (Wallerstein

citado em Ouvrage Collective, 1988, p. 17-24). E é uma escola que resiste à

hegemonia anglo-saxônica e é também afastado do Partido Comunista Francês.

Existe uma dose importante de nacionalismo no pensamento dos Annales,

nacionalismo que o sustentou e o fez expandir-se.

Pag. 112

Após 68, Braudel não dirigirá mais a Revista sozinho: ele se cercará de um

comitê de jovens historiadores – J. Goff, E. Le Roy Ladurie, M. Ferro e de um

secretariado, onde se sucederam R. Mandrou. A história ocupa um lugar central em

sua administração. Em 1975, ela se tornara Ecole des Hautes Etudes em Scientes

Page 13: Fichamento História das Escolas

Sociales, ganhará o status de universidade e poderá conceder diplomas. Os Annales

continuarão a centralizar o poder intelectual na França.

A partir de 68, fala-se de Nouvelles Nouvelles Annales, o que desperta o riso

e a ironia dos adversários, pois parece-lhes um claro esforço de continuarem

sempre jovens e capazes de vencer as resistências ao seu poder. Essa expressão

se liga, certamente, aquele manifesto de Febvre de 1946, quando ele falava de

Nouvelles Annales. Em 68, só se poderia falar, então, de Nouvelles Nouvelles

Annales, no espírito do mesmo manifesto, que é o de não transformar as instituições

controladas pelos Annales em “majestosos túmulos”, mas manterem-nas “em face

do vento” da história.

Pag. 113

Aos quarenta anos, afetados pelo movimento estudantil de 68, os Annales

tiveram ainda que mudar de pele sob o sopro do vento da história. A importância da

economia se reduz, não por indiferença, mas pela presença de novas exigências.

Alguns aspectos do programa dos fundadores foram radicalizados: a historia como

uma relação entre o presente e o passado chega ao extremo de se tornar história

imediata, “historia do presente”. Novas técnicas são utilizadas pelo historiador:

computadores, dendocronologia, carbono 14, analises de matemática, modelos.

Sensível as interrogações do presente, a historia se aliou a antropologia e se

interessou pelos aspectos simbólicos e culturais da sociedade.

Essa historia antropológica acenou a desaceleração do tempo realizada por

Braudel. Os gestos cotidianos, costumes, são abordados na perspectiva da “longa

duração”. A história cultural ganhou o lugar da historia econômico-social. O conceito

que então mais circula é o brauliano – de origem leninista! – “civilização material” ou

“cultura material”. É um conceito sintético, impreciso, que engloba as técnicas, as

atividades econômicas elementares, a metade informal da atividade econômica, a

troca de produtos e serviços em um raio curto, a produção para o consumo próprio.

Essa nova etno-história é mais descritiva, menos quantitativa, embora não

exclua a quantificação. A “interpretação” do historiador retoma um espaço mais

amplo. Parece que aquela orientação apontada por Soboul venceu a historia serial.

A dimensão cultural se tornou mais importante. Segundo Dosse, os Annales teriam

conseguido, mais uma vez, adaptar o seu discurso ao poder dominante: os meios de

Page 14: Fichamento História das Escolas

comunicação de massa, que realizam uma dominação “cultural”. A massa anônima

sofre hoje um poder da mídia e a Escola dos Annales se associou a esse poder.

Pag. 114

A história em migalhas

A história é escrita no plural: há histórias de... As “estruturas mentais”, que se

tornam o interesse central da pesquisa histórica, são plurais, múltiplas,

heterogêneas, dispersas. A história não pensa mais o global, mas o “geral”, como o

definiu M. Foucault. O historiador pode tematizar tudo sob qualquer perspectiva.

Alguns vêem aqui, como Dosse, uma infidelidade aos fundadores.

Foucault é o teórico que melhor expressou o projeto dos Nouvelles Nouvelles

Annales. A historia não visaria mais a uma síntese, mais a analise monográfica. A

palavra que predomina, vinda de Foucault, é “descontinuidade”: a história produz

abordagens múltiplas de uma sociedade sem centro, sem sujeito e sem futuro.

Na verdade, parece-nos, não houve, nessa recusa da história global, uma

rejeição da racionalidade histórica, mas pelo contrario, uma radicalização da

racionalidade nova, introduzida pelo ponto de vista das ciências sociais. Segundo

esta, o “todo” é inacessível e só s pode abordar a realidade social por partes,

conceitualmente e sem juízos de valor, isto é, sem referencia a um “dever ser”, que

introduziria a perspectiva de um futuro no presente e no passado. Nesse sentido, a

nouvelle histoire, continuando a tradição dos fundadores, realiza e se distancia

desse ponto de vista das ciências sociais: ela não explica mais a realidade, mas

somente descreve partes dela, utilizando a tecnologia mais sofisticada e o texto mais

perigoso.

Pag. 115

As polemicas de Le Roy Ladurie: o computador,o evento, a história

imóvel, novas técnicas...

No seu “Le Territoire de l’historien”, Le Roy Ladurie se dedicou a produzir uma

apologia do computador como instrumento de pesquisa fundamental do historiador.

Ele não perde de vista que o importante de uma pesquisa histórica é problema, a

hipótese e o conjunto de conceitos, mas da ênfase especial ao aspecto tecnológico,

Page 15: Fichamento História das Escolas

em particular, a informática. O computador é visto como o “desafio americano”. A

escola do Annales, ele profetiza, perderia sua hegemonia para os americanos, se

não passasse a utilizar em massa desde cedo o computador: “o historiador de

amanha será programador ou não será mais...” (Le Roy Ladurie, 1973, p.14).

Pag. 116

Além de uma defesa da plena informatização da pesquisa histórica, Le Roy

Ladurie radicalizará na recusa do evento: falará de uma “história imóvel” e de uma

historia sem homens. Esta ultima, ele a fará através da historia do clima, que não

pretende explicar a historia humana, nem dar conta de tal ou tal episodio grandioso,

mas tratando dos fatos sociais como “coisas”, inserir os homens quantificados em

um ambiente geo-historico e biológico. O objetivo é, segundo ele mesmo, desenhar

os lineamentos de um devir meteorológico, no espírito do que Paul Veyne chama

uma historia cosmológica da natureza. Para ele, a historia do clima teria passado de

uma idade metafísica a uma idade positiva. Nos EUA a dendroclimatologia,

trabalhando com velhas arvores, é capaz de desenhar, sobre um milênio, as curvas

pluviométricas, graças aos anéis de crescimento das sequóias e outras coníferas:

anéis finos para o sudoeste árido dos EUA, anéis espessos para as regiões úmidas.

Na França, na falta de arvores seculares, a Fenologia trabalha com os dados da

maturidade das flores e frutos: maturidade mais precoce ara as temperaturas mais

quentes. Utilizando a correlação entre temperatura e maturidade, a Fenologia utiliza

os dados das vindimas, preservados em arquivos na Borgogne e Midi, desde o

século XVI. Postos em grupos, essas datas de vindimas autorizam conclusões sobre

o caráter de verões quentes e frescos durante os últimos quatrocentos anos. Na

URSS, encontra-se a climatologia dinâmica, que classifica e descreve as mudanças

que afetam a circulação geral da atmosfera.

Pag. 117

A sociedade francesa acionou alguns mecanismos que paralisaram a

progressão demográfica e estabeleceram um equilíbrio estável. Forças endógenas e

exógenas frearam o crescimento demográfico: “unificação microbiana” do mundo, o

encontro dos homens do extremo leste e do extremo oeste teve como conseqüência

não desejada a unificação das doenças e da medicina e da morte em massa: as

guerras não eram mais locais, entre senhores feudais, mas nacionais, que

Page 16: Fichamento História das Escolas

disseminavam epidemias, fome, marginalidade, destruição de plantações, a fuga da

população rural para as cidades, que não tinham infra-estrutura, o que levava a

pestes, fome... O Estado que se constituía era predador pelos impostos e pela

guerra, pois essencialmente econômico e militar; as guerras de religião eram

violentas e genocidas; as condições precárias da saúde publica levavam a um alto

índice de mortalidade infantil. As cidades eram túmulos, que recebiam o excesso de

população rural e a conduziam à morte. Houve um esforço de contenção do avanço

demográfico, pelas praticas ascéticas e o casamento tardio. Resultado: durante

quatro séculos, na França, a reprodução simples da economia e da demografia

tornou-se impossível: “quanto mais muda, mais é a mesma coisa”...

Pag. 118.

A posição de Le Roy ladurie é peculiar. Ele quis levar a intuição original dos

Annales às ultimas conseqüências e, parece-nos, chega ao pecado mortal do

exagero. Se os fundadores falaram de tempo longo e do homem, ele falará de

retirada do homem da história; se falaram de “estudo cientificamente conduzido”, ele

falará de ciência exata, quantificada, lógica, capaz de previsões. O que não o

impediu de se tornar o membro do grupo considerado mais próximo de se tornar um

“sucessor” de Braudel e mais popular, pois sua obra Montaillou, Um Village Occitain,

foi o maior sucesso de vendas em livrarias que a “Escola” já obteve(Burke, 1990, p.

44-61). O que não surpreende em se tratando das orientações teóricas e das

praticas históricas complexas da nouvelle histoire.

As teses de Le Goff e Nora

“Complexidade” da nouvelle histoire, é a obra coletiva, publicada em 1974,

sob a direção de J. Le Goff e P. Nora, sob o titulo Faire de I’Histoire, em três

volumes, que reuniu os membros mais eminentes da “Escola” , que procurarão dar

conta do novo tempo que vive o movimento do Annales. O primeiro volume trata dos

Novos Problemas: o quantitativo em história, o conceito em história, a história e as

ideologias, o marxismo e a nouvelle histoire, o problema do evento e de seu retorno,

a documentação histórica; o segunda dedica-se à analise das Novas Abordagens as

alianças interdisciplinares da história com a arqueologia, a economia, a demografia,

o estudo das religiões, da literatura, da arte, das ciências, da política; o terceiro

Page 17: Fichamento História das Escolas

refere-se aos Novos Objetos: o clima, o inconsciente, o mito, as mentalidades, a

língua, o livro, os jovens, o corpo, a cozinha, a opinião publica, o filme, a festa.

Pag. 119.

Segundo Le Goff e Nora, os Annales novos, embora admitam sua

descendência de Bloch, Febvre e Braudel, aos quais a história deve muito, não

querem constituir uma “escola”. Essa descendência não implica nenhuma ortodoxia

nem mesmo a mais aberta. Nessa fase, os historiadores tomaram consciência do

caráter relativo do conhecimento histórico e procuram interrogar-se sobre os

fundamentos epistemológicos de sua disciplina, em sua relação com a história viva,

presente. Eles não aceitam que outros – filósofos, teóricos – façam essa

epistemologia da história, mas eles mesmos, os práticos, fariam a teoria dessa sua

pratica. Aqui, em 1974, talvez, já se pudesse vislumbrar o tournant critique, que se

dará em 1988 (Le Goff & Nora, 1974, p. X-XI).

A nouvelle histoire não quer elaborar visões globais, síntese totais da história,

mas ampliar o campo da história e multiplicar seus objetos. Radicalizando o projeto

dos fundadores da ligação do presente ao passado, a história toma o próprio

presente como seu objeto e quer produzir um conhecimento do “imediato”. Objetos

que jamais foram considerados tematizáveis pelo historiador entram em seu campo

de pesquisa. Novas alianças são feitas: com a psicanálise, a lingüística, a literatura,

o cinema. A história se interessa sobre sua própria trajetória e amplia o espaço da

“história da história”. O historiador novo de interroga sobre sua profissão, sobre seus

antecessores, sobre as obras clássicas e transitórias, sobre as condições teóricas,

técnicas, sociais e institucionais dentro das quais ele produz o conhecimento das

sociedades passadas. A orientação principal, que predomina todas as outras, é

“fazer a história que o presente exige”.

Pag. 120.

Essa “tendências” apontadas por Le Goff e Nora serão reafirmadas no

Dicionario, organizado também por Le Goff, intitulado La nouvelle histoire, onde os

participantes são mais ou menos os mesmos daquela obra anterior, de 1974.

Retomando as palavras de Bloch, Le Goff, na Introdução, apresenta a história como

Page 18: Fichamento História das Escolas

uma ciência em marcha, une science dans I’enfance. Os temas abordados são,

dentre outros: a analise da história e do momento presente da nouvelle histoire, por

J. Le Goff; a longa duração, por M.Vovelle; a história estrutural, por K. Pomian; a

antropologia histórica, por A. Burguière; a história imediata, por Jean Lacouture; a

história marxista, por Guy Bois; a história das mentalidades, por P. Ariès; a história

da cultura material, por J-M.Pesesz; a história dos marginais, por J.C. Schmitt; a

história do imaginário, por Evelyne Patlagean e uma grande quantidade de verbetes

menores.

A nouvelle histoire fala aqui, através de Le Goff, de liberdade e de homens livres e

de uma história escrita por homens livres. São afirmações que exigem uma

tematização, uma problematização, uma argumentação, uma defesa e um ataque.

Pag.121.

Paul Veyne: o desafiante interno.

Nesse período, aparecerá um historiador de Aix-em-Provence, da “província”,

portanto,classicista, que desafiará as orientações de Paris. Em 1971, Paul Veyne

publucou sua obra Comment on Écrit I’Histoire, que é uma obra polemica,

derangeant, que, segundo Le Goff, “confere aos eu autor um lugar à parte e revela

suas relações complexas com a história nova”(Le Goff, 1988ª, p.34). Mas Le Goff

conclui, talvez, querendo evitar uma cisma: “esta obra impôs Paul Veyne como um

dos raros historiadores epistemólogos” (Le Goff, 1988ª, p.34).

Em 1974, na já citada coleção Faire de I’Histoire, Veyne recusará algumas

das teses de seu primeiro livro, apresentando a história como um conhecimento

ainda não - cientifico, mas que poderia atingir algum rigor somente pela

conceptualização de tipo weberiano. A perspectiva que continua aberta à história é a

da conceptualização, caminho que foi aberto pela obra de M.Weber. A atividade

conhecedora dos historiador se baseia na invenção dos conceitos, para que a

história se torne mais analise e menos narração. O conceito e o documento são o

que a distingue do romance. O conceito se dirige ao “não-acontecimental” e a afasta

da narrativa “acontecimental” impressionista. A história não abandonaria de vez a

narração, mas, para ele, a verdadeira narração exige a analise. O conhecimento

histórico teria um interesse mais intelectual, pois mais conceitual, e seria o resultado

Page 19: Fichamento História das Escolas

de uma racionalização do social. E conclui, heterodoxo: “o interesse da história é

intelectual, sociológico e sobretudo filosófico”.

Pag. 122

O conceito de “imperialismo”, por exemplo, permite a apreensão de

individualidades originais: o americano, o romano, o inglês, o russo, etc. o individual

não é inesgotável, a vida, mas o que não é fluido. Este individual só pode ser

apreendido pelo conceito. Ele chega a admitir a possibilidade da “história cientifica”,

pois pergunta, o que é mais uma ciência senão a determinação de “invariantes”, que

permitem explicar a diversidade das formas? O que a “historia cientifica”,

individualização de cada um pelo conceito. Uma historia completa que dá conta da

mais escondida sociedade. A palavra caracteriza a história seria, então, “inventario”.

Através de tipos invariantes, pode-se conhecer e inventariar, reunindo e

distinguindo, todos os eventos. A tarefa da história é conceitualizar para aprender a

originalidade das coisas. Nesse sentido, ela tem tudo ainda a fazer. Ela será o

inventario explicativo do que há de social no homem, ou mais precisamente, das

diferenças que apresenta este aspecto social.

O que diferenciará o historiador do sociólogo? Para Veyne, eles escreveriam

a mesma pagina, mas com objetivos diferentes: para o historiador, a pagina escrita

já é o conhecimento, para o sociólogo será o exemplo que sustentará uma teoria

sociológica. O sociólogo não citará muitos exemplos, enquanto que o historiador fará

o inventario completo. O historiador teoriza seus exemplos, o sociólogo exemplifica

suas teorias. E termina a sua “lição” com uma idéia “inaugural”.

Pag. 123

A repercussão de Michel Foucault

Focault exercera suas influencias pela sua obra histórica sobre assuntos

novos, como a loucura, a sexualidade, o crime, mas principalmente, pelas hipóteses

e conceitos que apresentou na Archeologie Du Savoir, de 1969. Nessa obra, ele faz

uma avaliação das propostas da nouvelle histoire, enquanto interessa em longos

períodos, em estabilidades, em continuidades seculares. Para ele, o que marca a

nouvelle histoire enquanto “nouvelle” e sua atitude diante do documento, que teria

Page 20: Fichamento História das Escolas

conseqüências revolucionarias para o conhecimento histórico. A história, para

Foucault, existe para usar documentos, interrogá-los com a finalidade de

“reconstituir”, a partir deles, o passado que desapareceu atrás deles. A nouvelle

histoire não quer saber se eles dizem a “verdade”, mas trabalha-os do interior,

elabora-os, organiza-os, recorta-os, distribui-os, ordena-os, estabelece series, define

modelos, descreve relações. Os documentos não são mais uma matéria inerte, que

agrupados e criticados, reconstituíram o passado em si. A história nova era mais a

“memória milenar” que usa os documentos para reencontrar suas lembranças, mas

a elaboração de uma materialidade documentaria. A história tradicional, prossegue

Foucault, memorizava os “monumentos” do passado, transformando-os em

“documentos”, hoje a história nova transforma documentos em monumentos. A

história nova tenderia a Arqueologia – a descrição intrínseca do “monumento”.

Pag. 124

As conseqüências dessa mudança de atitude do historiador em relação aos

documentos são descritas por Foucault como “revolucionadora” da história:

1 – os períodos longos são verificados por séries documentais. A

possibilidade mesma de se conceber um tempo longo teria derivado da possibilidade

de estabelecer tais series. É porque o documento não é isolado, mas seriável, que

se pode conceber uma duração mais longa em história.

2 – o estabelecimento de séries possibilitou a concepção da “descontinuidade

histórica”. Antes, quando o documento não era seriavel, a descontinuidade era o

dado pelo documento isolado e aquilo que deveria ser eliminado do discurso

histórico.

A descontinuidade real era suprida. Hoje, ela se tornou um dos elementos

fundamentais do historiador. Ela é uma operação que distingue níveis possíveis de

analise, periodizações e métodos específicos de casa uma; a descontinuidade é o

resultado da descrição histórica.

3 – a possibilidade da série documental levou também ao abandono da

história “global” e a realização de uma história “geral”. Para a nova história “serial”, a

história “global” tornou-se problemática, pois ela define limites, desníveis,

defasagens, especificidades cronológicas.

Page 21: Fichamento História das Escolas

Pag. 125

4 – mais uma vez, afirmam-se os problemas metodológicos postos pela

nouvelle histoire mostram o quanto ela se afastou da filosofia da história. Seus

problemas são os da constituição de corpos coerentes e homogêneos de

documentos, o estabelecimento de um principio de escolha, a definição do nível de

analise e dos elementos que lhes são pertinentes, as especificações de m método

de analise, a determinação dos conjuntos e subconjuntos que articulam o material...

Sob a influencia da filosofia da história, os problemas da historia eram: a

racionalidade e teleologia do devir, a relatividade do conhecimento histórico, a busca

do sentido.

Foucault procurou definir o “sentido” dessa mutação epistemológica da

história, que ainda não foi terminada e que remonta a Marx. Até então, a historia do

pensamento produziu “teorias da continuidade”, sínteses, abrigos para a soberania

da consciência. A historia continua estava ligada a posição fundadora do “sujeito” –

dispersaria e de que, pela consciência de si, ele poderia unificar e dominar toda

dispersão. Para essa história do “sujeito consciente em busca da liberdade”, uma

“teoria da descontinuidade” seria a morte da história. Mas Foucault reage: é a

desaparição, na verdade, de um “tipo de história”: a do sujeito consciente em

marcha para liberdade. Atirada a descontinuidade, a consciência se dispersa e o

sujeito perde o seu abrigo. Essa “teoria da descontinuidade”: em lugar de “tradição”,

“influencia”, “evolução”, “desenvolvimento”, “mentalidade”, “espírito”, ela falará de

“ruptura”, “solo”, “limite”, “serie”... A historia não seria mais o lugar de repouso, da

reconciliação, da certeza, do sono tranqüilo da consciência do sujeito em busca da

liberdade.

A manifestação da crise e a necessidade de um tournant critique

Essa influencia de Foucault e sua “teoria da descontinuidade” sobre os

Nouvelles Nouvelles Annales é considerada pelos seus adversários como uma

“traição” aos fundadores. A 3ª “geração” teria renunciado a “historia global”, a busca

da “síntese total” e teria se perdido nos fragmentos do saber, nas praticas

discursivas, nos micropoderes. A história se fragmentou em pesquisas com

resultados justapostos, independentes uns dos outros, embora a “história geral”, de

Foucault, fosse apresentada como uma solução para esse risco.

Page 22: Fichamento História das Escolas

Pag. 126

Os Annales monopolizam, praticamente, o controle das instituições de ensino

e pesquisa, edição e administração da história, na França. As coleções mais

importantes de história das editoras mais poderosas são controladas pelos Annales.

A publicação de obras de história passa pelo crivo da consultoria dos membros do

grupo.

Mas, apesar de inabaláveis em seu poder, a partir de 1988, eles começaram

a se dar conta de que o “vento da história” estava soprando em outra direção e que

já seria hora de “mudar de pele”. Eles começaram a discutir um possível tournant

critique, que tendemos a considerar como , talvez, o inicio de uma “4ª fase” da

história dos Annales.

Um tournant critique História e Ciências Sociais: a crise da

interdisciplinaridade

A partir de 1988, os Annales iniciaram uma revisão do seu projeto, desde os

fundadores. No editorial do numero 2, de março/abril, tentam compreender o novo

momento que atravessam. O que pretendem fazer é, mais que um balanço ou um

exame de consciência, definir os ermos de um tournant critique.

Pag. 127.

Agora, em 1988, os Annales parecem não confiar mais em seus sócios e

falam de uma “crise das ciências sociais”. Crise que a história não estaria vivendo,

pois passa por um momento de vitalidade: multiplicação dos objetos de pesquisa,

especializações cada vez mais sofisticadas, uma produção abundante. É verdade;

entretanto, trata-se de uma “vitalidade critica”, problemática, pois anárquica,

dispersiva, desordenada, que não tem mais grandes sistemas de interpretação da

sociedade, como o marxismo, o estruturalismo, todos eles em crise.

”Crise” das ciências sociais, o que poderia fazer a história? Que novas

alianças fazer? O editorial que anuncia esse tournant critique, que a história estaria

obrigada a realizar, propõe um debate sobre duas questões principais:

1 – repensar os “novos métodos”:,

2 – repensar as “novas alianças”,

Page 23: Fichamento História das Escolas

O que esta levando os Annales a repensarem suas relações com as ciências

sociais foi o resultado que chegou a interdisciplinaridade, na pratica dos

historiadores. A história chegou à fragmentação, à produção de “migalhas” de

conhecimento sobre “objetos-migalha”.

Pag. 128.

No inicio, a “interdisciplinaridade” significou o direito e o dever dos

historiadores de atravessar os limites disciplinares e aproveitar as ofertas das

ciências sociais. Esse projeto enriqueceu enormemente a história, mas, hoje,

ameaça-a em sua própria identidade. Bloch e Febvre propuderam uma “abertura” do

trabalho intelectual através do empréstimo entre as ciências sociais, o que foi

praticado, desde então, de forma selvagem.

No plano geral, a interdisciplinaridade continua sendo a orientação central;

“reunir os saberes” continua sendo o centro do projeto dos Annales; mas como ela

deve ser praticada sem que a história perca sua identidade, eis o que precisa ser

definido. A interdisciplinaridade é uma unidade de uma multiplicidade, é um olhar

comum e múltiplo. Se antes o lado comum era o mais acentuado, agora, será a

especificidade de cada olhar, sem perder o horizonte de convergência, que é

enfatizada.

A “Dialética da Duração” posta em duvida

O editorial do número 6, de 1989, é explicito a esse respeito: “contra o tempo

linear das crônicas e da história positivista, os historiadores dos Annales, os

primeiros, sublinharam a complexidade do tempo social e privilegiam a longa

duração.

Pag. 129

Se o tournant fosse só um rearranjo da interdisciplinaridade, a história nova

ainda se matéria sob o “ponto de vista” das ciências sociais, que definiu enquanto

nouvelle. Mas, se o próprio conceito de tempo foi alterado, a história nova parece

estar abandonado parcialmente esse ponto de vista, o que o transformaria em outra

coisa diferente. A nouvelle histoire afasta-se dos grandes sistemas explicativos das

ciências sociais, o estruturalismo, o funcionalismo e quer produzir análises das

Page 24: Fichamento História das Escolas

estratégias, das negociações, das “jogadas sociais”, que implicam memória,

aprendizagem, incertezas. Uma multiplicidade de consciências em interação, uma

pluralidade de sujeitos produtores de “jogadas”, de “eventos”, que só poderiam ser

apreendidos pela “narração”.

Os fantasmas da nouvelle histoire, que foram militarmente banidos, retornam:

o sujeito, o evento, a narração, as nações e a história política, a biografia. O “tempo-

breve” terá retomado a cidadela da história? Se isto for verdade, sob que novos

termos ele seria readmitido?

Esses fantasmas da nouvelle histoire foram excluídos muito mais por uma luta

rigorosa e apaixonada do que pela sobriela definitiva do conceito. A nouvelle histoire

deverá enfrentá-los, agora teoricamente ou perderá grande parte de sua hegemonia,

pois haveria espaços da pesquisa histórica que ele não poderia controlar. Há limites

para a sua capacidade de renovação e a solução é o surgimento de um “novo

concreto”: novos problemas, novas abordagens, novos objetos, novos nomes, novas

instituições.

Pag. 130

Os Annales são lúcidos ainda – percebem sua riqueza passado e seus limites

atuais – resta saber se saberão transformar essa lucidez em “exemplo e fato”. Por

outro lado, ele prossegue, pode-se encontrar membros do grupo dos Annales

redescobrindo a história política e o evento. Por outro, vêem-se muitos outsiders

inspirados pelo movimento... Assim, termos como “escola” e “paradigma” perdem

seu sentido. “O movimento está se dissolvendo em parte como resultado do deu

sucesso”, conclui (Burke, 1990, p. 107).

R. Chartier: redefinindo os termos da crise

R. Chartier, em seu artigo Le Monde Comme Representation, publicado no

numero já citado da Revista, de 1989, faz a sua avaliação do tornant critique pelo

qual passa a nova história e discorda dos termos do editorial de 1988 (Chartier,

1989). As mutações da história nos últimos anos não são produtos de uma “crise”

das ciências sociais, que seria preciso demonstrar, ou de uma mudança qualquer de

paradigma. Essas mudanças estão ligadas a um distanciamento dos princípios de

inteligibilidade que comandavam a nouvelle histoire desde a sua origem: renunciou-

Page 25: Fichamento História das Escolas

se à descrição da totalidade social à história global, ao modelo braudeliano, que se

tornou intimidante.

R. Chartier não acredita no retorno de uma “filosofia da consciência”, que o

editorial de 88 menciona, que obrigaria a uma “adesão critica” ao “ponto de vista”

das ciências sociais.

Pag. 131

Para a história a possibilidade do ressurgimento de uma “filosofia da

consciência”, que recusa determinismos sociais e condicionamentos coletivos e

restabelece a eficácia histórica da ação intencional de sujeitos interagindo em

situações dadas.

As ciências sociais estariam em crise por causa mesmo desse surgimento de

uma “filosofia da consciência” que obrigaria a história a “por entre parênteses” suas

relações com as ciências sociais e, talvez, tomar uma nova direção.

Seria o retorno do difícil dialogo entre a história e a filosofia?

Esta “filosofia da consciência” ressurgente, P. Ricoer procurou definir os seus

contornos em sua obra Soi-même comme um autre (Ricoeur, 1990). Essa filosofia

trás de volta uma “teoria da ação”. A “descrição” oculta o “quem” e enfatiza o “que” e

o “porquê”. É uma redução das ciências sociais ao modelo da Física.

Os eventos são atribuídos a “alguém” – os atos visíveis pertencem a

“alguém”. Se a descrição atravessa o agente em busca das “causas” mais profundas

da ação, a narração suspende a busca da causa da ação nos motivos de um sujeito

identificado.

Pag. 132

O dilema da nouvelle histoire, hoje, talvez se possa definir nos seguintes

termos: ou se mantém sob a influencia das ciências sociais apesar de sua “crise”, ou

possa para a área de influencia dessa “filosofia da consciência” renascente, ou

combina as duas possibilidades. De qualquer maneira, qualquer que seja o

desdobramento que se verificará, a situação é delicada para os Annales. A nouvelle

historie surgi da aliança com as ciências sociais e da exclusão da filosofia.

Atualmente, se pudesse falar desse retorno de uma “filosofia da consciência”,

não seria uma “traição” da história das ciências sociais, se passasse a se interessar

Page 26: Fichamento História das Escolas

pelas questões e objetos da filosofia? A estranheza da situação esta nisto: a

nouvelle histoire teria que dialogar com aquelas que recusou com a mais “absoluta

razão” e terá que duvidar daquela com a qual se aliou com a mais “absolta razão”.

Nessa perspectiva, ao invés de a história estar aberta a uma “filosofia da

consciência”, que afastaria do paradigma das ciências sociais em “crise”, as ciências

sociais é que se teriam aberto a uma “filosofia da consciência” e puseram a história

em crise.

Pag. 133

A filosofia da história e seus conceitos – liberdade, necessidade, totalidade,

finalidade, sentido, continuidade, consciência – representam tudo aquilo que os

Annales recusaram. Por sua vez, a história da filosofia, produzida pelos filósofos, é

o tipo de história que os historiadores rejeitam: é desencarnada, dobrada sobre si,

voltada ao jogo das idéias puras, sem contexto social e econômico e político. Está

longe da história que produzem os historiadores. Parece-lhes que a história da

filosofia é ela própria filosofia.

O olhar do historiador é diferente: quer estabelecer a “realidade” filosófica de

certas doutrinas, partindo das condições reais de produção e recepção dos

discursos sustentados por filósofos em tal ou tal mundo de discursos.

Pag. 134

Se o dialogo entre historiadores e filósofos são considerados difícil, ele se fará

necessário, entretanto, caso se confirme o ressurgimento de uma “filosofia da

consciência”, que exigiria dos historiadores uma “teoria da ação”, do evento, de

sujeitos e motivos, que não poderia ser realizada sem apoio conceitual dos filósofos.

Essa “filosofia da consciência” pode ser observada, como apontamos antes, nos

“retornos”, nos anos 80, das abordagens do sujeito através da narração. Há uma

repolitização da história. A história das “representações” convive com a história das

“mentalidades coletivas”. Há pesquisa sobre a intimidade privada dos indivíduos e

das famílias.

Os Annales dos anos 90 serão obrigados a rever suas posições as mais

ostensivas defendidas, pois nos anos 80, tudo que eles reprimiram ao longo de

sessenta anos, voltou com mais força, embora sob novas formas. Analisaremos

Page 27: Fichamento História das Escolas

brevemente esses retours para melhor perceber o que eles representam para os

Annales. Abordaremos os retornos da “narração”, da “biografia” e do “evento”.

A volta da narração

A polêmica sobre a volta da narração obteve uma repercussão considerável a

partir do artigo de L. Stone, “Retorno à Narração ou Reflexão sobre uma Nova Velha

História”, onde ele defende a tradição narrativa da história e a resposta a ele, em

defesa da “história cientifica”, de E. Hobsbawn (Stone, 1979, e Hobsbawn, 1983). L.

Stone para ele, os Annales interromperam, ao abandonarem a forma narrativa, uma

tradição de mais de vinte séculos. Eles tinham abolido a narração e trocaram-na por

uma história estrutural quantitativa. Entretanto, ele constata os mais novos

historiadores da própria “escola” dos Annales já estavam fazendo uma história

narrativa, novamente, sem confessarem.

Enquanto narração prossegue, a história se interessa mais pelos homens e

menos pelas circunstancias e sua abordagem é mais do particular e do especifico e

menos do coletivo e estatístico. Ele não defende uma narração simples, como uma

crônica ou um relatório, mas uma narração orientada por um princípio, que possua

um tema ou um argumento. O historiador narrador não evita a analise, mas não se

limita a ela. Ele se interessa pelo aspecto formal do texto, pela arte da literatura.

Pag. 135

“Os historiadores do futuro”, ele afirma, criticarão severamente os novos

historiadores dos anos 50-60 por não terem sabido levar em conta o poder, a

organização e a decisão política” (Stone, 1979, p. 125).

O retorno da narração significa o desencantamento com o determinismo

econômico e demográfico, com a quantificação e a colocação de novas questões,

que a história estrutural é incapaz de responder.

Com a aliança com a antropologia, a narração teria retornado dentro do

próprio grupo de Annales. Novos interesses se impuseram, somente tratáveis pela

narração: emoções, sentimentos, comportamentos, valores, estados de espírito,

desejo sexual, relações familiares e afetivas, indivíduos, idéias, crenças, costumes.

A volta do narrativo se liga também ao interesse dos novos historiadores em

Page 28: Fichamento História das Escolas

retornarem o contato com o público culto não-especializado, que os tinha

abandonado...

Pag. 136

... com seu texto cifrado e esotérico, produzido para a circulação interna. Os

novos historiadores procuram tratar dos temas que interessam a esse grande

público: natureza do poder, da autoridade, do carisma, o casamento, a

concubinagem, o aborto, o trabalho, o lazer, a religião, a magia, o amor, o medo, o

desejo, o ódio, a educação, a vida cotidiana, as visões do mundo...

A narração de hoje ocupa-se da vida, sentimentos, condutas, de pobres e de

desconhecidos e não de grandes e poderosos; a analise é indispensável e convive

com a descrição narrativa, passando-se de outra, usam-se novas fontes – processos

verbais de tribunais, processos criminais, e não só documentos escritos oficiais e

políticos, diplomáticos e administrativos, é uma narração sob a influencia do

romance moderno, que explora o inconsciente, é entrecortado e complexo, a

narração não se interessa por uma pessoa, processo ou evento por eles mesmos,

mas entra através deles na cultura e na sociedade.

Pag. 137

A narração reproduz e faz aparecer o caráter essencialmente temporal da

experiência humana. Há uma circularidade entre o tempo e narração: o tempo

constitui (da sentido) a narração: a narração constitui (apreende refigurando) o

tempo. Entre o tempo cosmológico e fenomenológico, a narração cria um terceiro: o

tempo calendário, que seria estabelecido de pontos “fixos” cosmológicos – estações,

dias e noites, anos e meses – que possibilitem a unificação da “experiência intima”

do tempo. A narração, para melhor apreender a temporalidade, deve ser um

cruzamento de ficção e historia. O acontecimento só se deixa apreender se

comparado e contrastado com o imaginável e vice-versa. Assim, o acontecido – a

história – tem em si, implicado, o imaginável – a ficção – e esta tem como

interlocutor, aquele.

Page 29: Fichamento História das Escolas

Pag.138

A pretensão da nouvelle histoire de banir da história a narrativa

“acontecimental”.

Assim, a historiografia seria mais do que uma narração, mas em ultima

instancia, narração. Seria necessário, então, segundo Ricoeur, admitir a

especificidade da “explicação histórica” e preservar sua ligação com o campo

narrativo.

A primeira parte, prossegue, apesar da predominância do geográfico, tem seu

caráter histórico em virtude das marcas que anunciam a 2ª e 3ª partes. A 2ª parte,

propriamente consagrada à “longa duração”, aos fenômenos de civilização, mantém

unido os dois pólos: Mediterranee, primeira, e Philippe II, terceira. A segunda parte

constitui em objeto distinto e uma “estrutura de transição”. Ela já está aplicada e

anunciada na primeira e implica e anuncia a terceira. Tudo conspira, portanto, na

primeira e na segunda parte, para a coroação do edifício por uma história dos

eventos, que Poe em cena a “política e os homens”. A terceira parte da obra não

seria uma concessão a historia tradicional, os eventos são testemunhos dos

movimentos profundos da história.

Pag. 139

Os historia da nouvelle historie reagem um pouco confusamente a essas

novidades. Sobre o desafio da volta do narrativo, eles se dividem. Mas J. Le Goff é

ortodoxo: “a história narrativa é um cadáver que não se pode ressuscitar, pois será

preciso matá-la uma segunda vez. Esta história narrativa dissimula e se dissimula

opções ideológicas e encaminhamentos metodológicos que devem ser, ao contrario,

claramente enunciados.” (Le Goff, 1988ª, p. 16).

Pag. 140

Como se desdobrará esse confronto entre nouvelle histoire e a volta do

narrativo, só o futuro poderá dizer. Entretanto, a “tentativa de assassinato” é ainda

ilegal, sobretudo quando é pela segunda vez. Melhor seria o enfrentamento racional,

teórico, a assimilação e rejeição das ofertas positivas e negativas ao conhecimento

histórico.

Page 30: Fichamento História das Escolas

O retorno da biografia e do evento

Outro “retorno”, que expressa o ressurgimento de uma “filosofia da

consciência”, é o da “biografia”. Esse retorno, os Annales não têm dificuldade em

assimilar, pois tem em sua tradição biógrafos de grande talento, como o seu próprio

fundador, L.Febvre. na sua Revista, no nº. 6, de 1989.

Segundo ele, antes se podia contar a vida de um homem fazendo abstração

de todo evento histórico, depois foi possível relatar um evento histórico fazendo

abstração de todo destino individual. Vive-se, hoje, segundo ele, uma fase

intermediaria: a biografia ocupa o centro das preocupações dos historiadores, mas é

ambígua: ora é usada para mostrar a irredutibilidade de indivíduos ao sistema social,

ora para mostrar a presença das normas sociais sobre o comportamento individual.

Pag. 141

Assim a como a narrativa, a biografia retorna com pressupostos diferentes,

visando a outros objetivos, tomando uma nova estruturação. Mas o retour que

poderia levar os Annales ao pânico, pois eles não se cansam de clamar contra ele,

seria do mesmo evento a longa duração, da mudança a permanência. O evento (e

seu tempo breve) deixaria de ser a dimensão temporal privilegiada da nouvelle

histoire, como o foi para a história tradicional, mas não poderia ser eliminado, pois

também constituidor do vivido.

O problema não consiste em negar o individual sob o pretexto de que é

contingente, mas de ultrapassá-lo, distinguir nele forças diferentes dele, reagir contra

uma história reduzida ao papel dos heróis (...) não acreditamos no culto de todos

estes semideuses (...) Nós somos contra a orgulhosa frase “os homens fazem a

história”. Não, a história faz também os homens e molda o seu destino – a historia

anônima profunda e silenciosa, cujo imenso e incerto domínio é preciso abordar”

(Braudel, 1959, p. 21).

Pag. 142

Também na biologia, o aparecimento da vida dói um evento e a aparição do

homem dói um superevento, pois maior produtor de eventos. Nessa perspectiva, “a

história se impôs como uma ciência fundamental. Ela é a ciência mais apta para

apreender a dialética do sistema e do evento” (Morin, 1972, p. 13).

Page 31: Fichamento História das Escolas

O evento é o singular, o elemento introduzido em uma serie, isto é, que

perdeu o caráter de singularidade para se tornar repetitivo. A noção de elemento

esta ligada ao espaço, a de evento ao tempo.

Pag. 143

A nouvelle histoire terá condições de ceder a esse novo “vento da história”

das ciências após ter recusado com tanta segurança e com absoluta razão a história

acontecimental? De qualquer maneira, alguns de seus, membros iniciam já um

esforço de reelaboração do evento, para incorporá-lo aos pressupostos da história

estrutural; o que, parece-nos, significa nada menos do que um retorno a Brudel. Le

Roy Ladurie procura conciliar história estrutural e evento em seu artigo L’Evenement

El Logue Duree dans l’Histtorie Sociale (Le Roy Ladurie, 1972).

Pag. 144

Le Roy considera que esse esforço do resgate do evento para a história

estrutural e quantitativa resultou em um fracasso total. Segundo ele, a New

Economic History conclui que a falta desses grandes eventos não alteraria

significamente o curso da história americana, o que leva a concluir que esses

eventos importantes não foram tão eficazes historicamente. Essa tentativa

americana de salvar o evento, na verdade, veio confirmar a tese do pouco peso dos

eventos e não realizou o que pretendia: promover o retorno do evento.

Pag. 145

Além do evento retornar como inaugurador de estruturas, como um ponto de

inflexão de um modelo ou como o “ocorrido” entre possibilidades objetivas, ele volta

também sob uma nova perspectiva: “entrada”, “janela”, “abertura” através da qual se

pode atingir a estrutura social. A partir de um evento súbito e da subjetividade do

seu autor, busca-se atingir as condições objetivas que o sustentam. A hipótese que

dirige essa perspectiva é a de que a sociedade global aparece na experiência vivida

dos indivíduos e os integra.

O evento testemunha menos pelo que aparece do que pelo que revela,

menos o que ele é do que ele deflaga. “Ele só é um eco, um espelho da sociedade,

um buraco (...). A morte de De Gale dizia mais do que sua vida inteira.” (Nora, 1974,

p. 222-223).

Page 32: Fichamento História das Escolas

Pag. 146

Dentro de uma longa duração, o evento ganhou novo sentido, não foi

abandonado, pois é fundamentalmente o que interessa ao historiador. Se não fosse

assim, conclui Ricoeur, alonga duração seria fim do tempo histórico e da história,

mas tempo da natureza.

O evento, portanto, apesar do radicalismo que tomou algumas formulações de

alguns membros dos Annales em sua recusa, não PE estranho a nouvelle histoire.

Como “dialética da duração”, como Braudel definiu a história, o evento é uma

duração onipresente, que se integra nessa dialética e cuja “abolição” seria uma

mutilação da experiência vivida da temporalidade. Retomar ao evento, parece-nos, é

retomar a Braudel.

Pag. 41

Historia e ciências sociais a longa duração

Há uma crise geral das ciências do homem: estão todas esmagadas sob seu

próprio progresso, ainda que seja apenas devido a acumulação dos novos

conhecimentos e da necessidade de um trabalho coletivo, cuja organização

inteligente falta ainda eregir, direta ou indiretamente, todas são atingidas, queiram

ou não, pelos progressos das maus ágeis dela, mas permanecem entretanto as

voltas com um humanismo retrogrado, insidioso, que não lhes pode mais servir de

quadro.

Pag. 42

As ciências do homem sairão, dessas dificuldades por esforço suplementar de

definição ou um acréscimo de mau humor? Talvez tenham a ilusão disso, pois (no

risco de voltar a antigas repetições ou falsos problemas) ei-las preocupadas, hoje,

ainda mais que ontem, em definir suas metas, seus métodos, suas superioridades.

Tende para uma ciência que ligaria, sob o nome de ciência da comunicação,

a antropologia, a economia política, a lingüística... mas que está pronto para esses

fraqueamentos de fronteira e para esses reagrupamentos? Por um sim, por um não,

a própria geografia se diversificaria da história!

Page 33: Fichamento História das Escolas

Pag. 43

É preciso ainda que reunião das ciências sociais seja completa, que não se

negligenciem as mais antigas em benefícios das mais jovens, capazes de prometer

tanto, senão de cumpri sempre. Por exemplo, o lugar dado a Geografia nessas

tentativas americanas é praticamente nulo e, extremamente reduzido o que se

concede a História.

As outras ciências sociais são muito mal informadas a respeito da crise que

nossa disciplina atravessou no decorrer desses últimos vinte ou trinta anos, e sua

tendência é desconhecer, ao mesmo tempo que os trabalhos dos historiadores, um

aspecto da realidade social do qual a história é boa criada, senão hábil vendedora:

essa duração social, esses tempos múltiplos e contraditórios da vida dos homens,

que não são apenas substancias do passado, mas também o estofo da vida social

atual.

Pag. 44

História e durações

Todo trabalho histórico decompõe o tempo decorrido, escolhe entre suas

realidades cronológicas, segundo preferências e opções exclusivas mais ou menos

conscientes. A história tradicional, atenta ao tempo breve, ao individuo, ao evento,

habitou-nos há muito tempo a sua narrativa precipitada, dramática, de fôlego curto.

Pag. 45

Os filósofos não diriam, sem duvida, que isto significa esvaziar a palavra de

uma grande parte de sentido. Um evento, a rigor, pode carregar-se de uma serie de

significações ou familiaridades. Extensível ao infinito, liga-se, livremente ou não, a

toda uma corrente de acontecimentos, de realidade subjacentes, e impossíveis,

parece, de destacar desde então uns dos outros. Por esse jogo de adições,

Benedetto Croce podia pretender que, em todo evento, a história inteira, o homem

inteiro se incorporam e depois descobrem a vontade.

Pag. 46

A primeira apreensão, o passado é essa massa de fatos miúdos, uns

brilhantes, outros obscuros e indefinidamente repetidos, esses mesmos fatos que

constituem, na atualidade, o despojo cotidiano da micro-sociologia ou sociometria

Page 34: Fichamento História das Escolas

(há também uma micro-história). A ciencia social tem quase horror do evento. Não

sem razão: o tempo curto é a mais caprichosa, a mais enganadora das durações.

Esse ideal, “a historia no estado nascente”, resulta por volta do fim do século

XIX numa crônica de novo estilo, que na sua ambição de exatidão, segue...

Pag. 47

... passo a passo a história ocorrencial tal como ela se desprende de

correspondências de embaixadores ou de debates, parlamentares. Os historiadores

do século XVIII e do inicio do XIX haviam estado mais atentos as perspectivas da

longa duração.

Mas sobre, houve alteração do tempo histórico tradicional. Ontem, um dia, um

ano podiam parecer boas medidas para um historiador político. O tempo era uma

soma de dias. Mas, uma curva dos preços, uma progressão demográfica, o

movimento dos salários, as variações da taxa de juro, o estudo (mais imaginado do

que realizado) da produção, uma analise precisa da circulação reclamam medidas

muito mais ampla.

Pag. 48

O historiador dispõe seguramente de um tempo novo, elevado a altura de

uma explicação onde a historia pode tentar inscrever-se, dividindo-se de acordo com

referencias inéditas, segundo essas curvas e sua própria respiração.

As ciências, as técnicas, as instituições políticas, as ferramentas mentais, as

civilizações (para empregar essa palavra cômoda, (tem igualmente seu ritmo de vida

e de crescimento, e a nova história conjuntural, só estará no ponto, quando houver

completado sua orquestra.

Pag. 49

Em 1943, no maior livro de história publicado na França no decorrer desses

últimos vinte e cinco anos, o mesmo Ernest Labrousse cedia a essa necessidade de

retorno a um tempo menos embaraçante, quando, no próprio côncavo da depressão

de 1774 a 1791, assimilava uma das fontes vigorosas da Revolução Francesa, uma

de suas rampas de lançamento.

O historiador é, de bom grado, encenador.

Page 35: Fichamento História das Escolas

Certas estruturas, por viverem muito tempo, tornam-se elementos estáveis de

uma infinidade de gerações: atravancam a história, incomodam-na, portanto,

comandam-lhes o escoamento.

Pag. 50

Durante séculos, o homem é prisioneiro de climas, de vegetações, de

populações animais, de cultuas, de um equilíbrio lentamente construído, do que não

pode desviar-se sem o risco de por tudo novamente em jogo. Vede o lugar da

transumância na vida montanhesa, a permanência de certos pontos privilegiados

das articulações litorâneas, vede a durável implantação das cidades, a persistência

das rotas e dos tráficos, a fixidez surpreendente do quadro geográfico das

civilizações.

As mesmas permanências ou sobrevivências no imenso domínio cultural.

Pag. 51

A dificuldade, por um paradoxo só aparente, é discernir a longa duração no

domínio onde a pesquisa histórica acaba de obter seus inegáveis sucessos: o

domínio econômico. Ciclos, interciclos, crises estruturais ocultam aqui as

regularidades, as permanências de sistemas, alguns disseram de civilizações – isto

é, velhos hábitos de pensar e de agir, quadros resistentes, duros de morrer, por

vezes contra a lógica.

Pag. 52

Durante séculos, a atividade econômica depende de populações

demograficamente frágeis, como hão de mostrar os grandes fluxos de 1350 – 1450

e, sem duvida, de 1630 – 1730. Durante séculos, a circulação vê o triunfo da água e

do navio, sendo toda a espessura continental, obstáculos inferiores.

Não obstante todas as modificações evidentes que os percorrem, esses

quatro ou cinco séculos de vida econômica tiveram uma certa coerência, até a

agitação do século XVIII e da revolução industrial da qual ainda não saímos.

Pag. 53

Para o historiador, ocultá-lo é prestar-se uma mudança de estilo, de atitude, a

uma alteração de pensamento, a uma nova concepção do social. É familiarizar com

Page 36: Fichamento História das Escolas

um tempo diminuído, por vezes, quase no limite do movediço. Nessa faixa, não em

outra – voltarei a isso – é licido desprender-se do tempo exigente da história, sair

dele, depois voltar a ele, mas com os outros olhos, carregados de outras

inquietudes, de outras questões.

Pag. 54

O historiador quis-se atento a “todas” as ciências do homem. Eis o que dá ao

nosso mister estranhas fronteiras e estranhas curiosidades. Além disso, não

imaginemos, entre o historiador e o observador das ciências sociais, as barreiras e

diferenças de ontem. Todas as ciências do homem, inclusive a história, estão

contaminadas uma pelas outras. Falam a mesma linguagem ou podem falá-la.

A querela do tempo curto

Entretanto, as ciências sociais não se sentem quase tentadas pela busca do

tempo perdido. Não que se possa levantar contra elas um firme requisitório e

declará-las sempre culpadas de não aceitar a história ou a duração com dimensões

necessárias de seus estudos.

Pag. 57

Historiadores e social scientists poderiam, pois eternamente passar a bola um

para o outro no que tange ao documento morto e ao testemunho muito vivo, ao

passado longiquo, a atualidade muito próxima. Não acho que esse problema seja

essencial. Presente e passado iluminam-se com luz recíproca. E se observa

exclusivamente na estreita atualidade, a atenção incidira sobre o que se mexe

depressa, brilha com razão ou sem razão, ou acaba de mudar, ou faz barulho, ou se

revela sem esforço.

Pag. 59

Comunicação e matemática sociais

Na verdade, ai o debate se desenrola sem grande interesse, ou ao menos

sem surpresa útil. O debate essencial que a mais nova experiência das ciências

sociais conduz, sob o duplo signo da “comunicação” e da matemática, está alhures,

entre nossos vizinhos.

Page 37: Fichamento História das Escolas

Mas aqui, não será fácil advogar o processo, quero dizer, será algo difícil

provar que nenhum estudo social escapa ao tempo da história, a propósito de

tentativas que, ao menos aparentemente, se situam absolutamente fora dele.

Com efeito, na linguagem da história, não pode haver sincronia perfeita: uma

parada instantânea, suspendendo todas as durações, é quase absurda em si.

Pag. 60

A historia inconsciente é, bem entendido, a historia das formas inconsciente

do social. “Os homens fazem a história, mas ignoram que a fazem”. A formula de

Karl Marx esclarece, mas não explica o problema. De fato, sob um novo nome, uma

vez mais, é todo o problema do tempo curto, do “microtempo”, do factual que se nos

reapresenta. Os homens sempre tiveram a impressão, vivendo seu tempo, de

apreender seu desenrolar no dia-a-dia. Essa história consciente, clara, é abusiva,

como muitos historiadores, já há muito tempo, concordam em considerá-la.

Acrescentamos que história “inconsciente”, em parte domínio do tempo

conjuntural e, por excelência, do tempo estrutural, é muitas vezes, mais claramente

percebida do que se costuma dizer.

Pag. 61

Os modelos não são mais do que hipóteses, sistemas de explicação

solidamente ligados segundo a forma da equação ou da função: isso é igual aquilo

ou determina aquilo.

O modelo estabelecido com cuidado permitirá, pois colocar questão, fora do

meio social observando – a partir do qual foi, em suma do meio social observando –

a partir do qual foi, em suma, criado – outros meios sociais de mesma natureza,

através do tempo e espaço. É seu valor recorrente.

Pag. 62

Daí também, a necessidade de confrontar os modelos, por sua vez, com a

idéia de duração, pois da duração que implicam dependem bastante estreitamente,

o meu ver, a respectiva significação e o valor de explicação.

Fabricados por historiadores, modelos bastante grosseiros, rudimentares,

raramente desenvolvidos até o rigor de uma verdadeira regra cientifica e nunca

Page 38: Fichamento História das Escolas

preocupados em desembocar numa linguagem matemática revolucionaria – todavia,

modelos a sua maneira.

Pag. 63

O modelo assim concebido é, evidentemente, capas de correr os séculos.

Supõe certas condições sociais precisas, mas cuja história tenha sido prodiga: é

valido, por conseguinte, para uma duração muito mais longa do que os modelos

procedentes, mas ao mesmo tempo Poe em causa realidades mais precisas

estreitas.

Pag. 64

as explicações que precedem não são mais que uma insuficiente introdução a

ciência e a teoria dos modelos. E é preciso que os historiadores ocupem ai posições

de vanguarda. Seus modelos não passam quase de feixes de explicações.

Pag. 65

Da analise do social, pode-se passar diretamente a uma formulação

matemática, a maquina de calcular.

Evidentemente, é preciso preparar o trabalho dessa maquina que não engole,

nem tritura todos os alimentos. Além disso, foi em função de verdadeiras maquinas,

de suas regras de funcionamento, para as comunicações no sentido mais material

da palavra, que se esboçou e desenvolveu uma ciência de informação.

Essa relações rigorosamente determinadas dão as próprias equações, das

quais a matemática tirarão todas as conclusões e prolongamentos possíveis para

chegar a um modelo que as resuma todas, ou antes, leve todas em conta.

Pag. 66

“Em toda sociedade”, escreve Claude Levi- Strauss, “a comunicação se opera

pelo menos em três níveis: comunicação das mulheres; comunicação dos bens e

dos serviços, comunicação das mensagens”.

Assim sendo, não teremos o direito de tratá-las como linguagens, ou mesmo

como a linguagem, e de associá-las, de maneira direta ou indireta, aos progressos

sensacionais da lingüística, ou melhor, da fonologia, que “não pode deixar de

Page 39: Fichamento História das Escolas

representar, em face das ciências sociais, o mesmo papel renovador que a física

nuclear, por exemplo, representou para o conjunto de ciências exatas.

Pag. 67

A partir desse elemento quadrangular e de todos os sistemas de casamentos

conhecidos nesses mundos primitivos – e são numerosos – os matemáticos

procurarão as combinações e soluções possíveis. Ajudado pelo matemático Andre

Weill, Levi-Strauss conseguiu traduzir em termos matemáticos a observação do

antropólogo. O modelo obtido deve provar a validade, a estabilidade do sistema,

assinalar as soluções que este último implica.

Pag. 68

O modelo é assim, alternadamente, ensaio de explicação da estrutura,

instrumento de controle, de comparação, verificação da solidez e da própria vida de

uma estrutura dada. Se eu fabricasse um modelo a partir do atual, gostaria de

recolocá-lo imediatamente na realidade, depois fazê-lo remontar no tempo, se

possível, até seu nascimento.

A não ser que, servindo-me dele, como de um elemento de comparação, eu o

faça passear no tempo ou no espaço, em busca de outras realidades capazes de se

iluminar graças a ele, com uma luz nova.

Pag. 69

A cada instante, aqui quantas rupturas, quantas reviravoltas. Até na própria

estrutura do maquiavelismo, pois esse sistema não tem solidez teatral, quase

eterna, do mito; ele é sensível às incidências e saltos, às intempéries múltiplas da

história. Numa palavra, não caminha apenas sobre as estradas tranqüilas e

monótonas da longa duração...

Pag. 70

Os modelos ditos estatísticos se destinam, ao contrario, às sociedades

amplas e complexas onde a observação só pode ser desenvolvida graças às

medias, isto é, às matemáticas tradicionais. Mas, essas médias estabelecidas, se o

observador é capaz de estabelecer, na escala dos grupos e não mais dos

indivíduos, essas relações de base de que falávamos e que são necessárias às

Page 40: Fichamento História das Escolas

elaborações das matemáticas qualitativas, nada impede por conseguinte de recorrer

a elas.

Pag. 71

Tempo do historiador, tempo do sociólogo

Ao termo de uma incursão pelo país das intemporais matemáticas sociais,

eis-me de volta ao tempo, à duração. E, historiador incorrigível, espanto-me, uma

vez mais, que os sociólogos tenham podido escapar dela. Mas é que seu tempo não

é o nosso: é muito menos imperioso, menos concreto também, nunca está no

coração de seus problemas e de sua reflexões.

Recusar os eventos e o tempo dos eventos, era colocar-se à margem, ao

abrigo, para olhá-los um pouco de longe, melhor julgá-los e não crer muito. Do

tempo curto, passar ao tempo menos curto e ao tempo muito longo (se existe, este

ultimo, só pode ser o tempo dos sábios); depois. Chegado a esse termo, deter-se,

considerar tudo de novo e reconstruir, ver tudo girar à volta: a operação tem com o

que tentar um historiador.

Pag. 72

Para o historiador, tudo começa, tudo acaba pelo tempo, um tempo

matemático e demiúrgico, do qual seria fácil sorrir, tempo como que exterior aos

homens, “exógeno”, diriam os economistas, que os impede, os constrange, arrebata

seus tempos particulares de cores diversas: sim, o tempo imperioso do mundo.

Pag. 73

O que interessa apaixonadamente um historiador, é o entrecruzamento

desses movimentos, sua interação e seus pontos de ruptura: coisas todas que só

podem se registrar em relação ao tempo uniforme dos historiadores, medida geral

de todos esses fenômenos, e não ao tempo social multiforme, medida particular a

cada um desses fenômenos.

Pag. 74

O vasto edifício social (diremos o modelo?) de Georges Gurvtch se organiza

segundo cinco arquiteturas essenciais: os patamares em profundidade, as

sociabilidades, os grupos sociais, as sociedades globais – os tempos, esse ultimo

Page 41: Fichamento História das Escolas

andaime, o das temporalidades, o mais novo, sendo também o ultimo construído e

como que sobreposto ao conjunto.

Pag. 75

Para os historiadores, que não serão todos da minha opinião, seguir-se-ia

uma inversão do vapor: é para a história curta que vão, instintivamente, suas

preferências. Estas têm a cumplicidade dos sacrossantos programas da

Universidade. Jean-Paul Sartre, em recentes artigos, reforça o ponto de vista deles

quando, querendo protestar contra o que, no marxismo, é ao mesmo tempo

demasiado simples e demasiado pesado, ele o faz em nome do biográfico, da

realidade abundante do factual.

Pag. 76

Esses modelos forma congelados na sua simplicidade ao lhes ser dado valor

de lei, de explicação previa, automática, aplicável em todos os lugares, a todas as

sociedades.

O século XVIII europeu, no seu conjunto, está semeado por nossos canteiros

de obra, mas já o XVII, também, e mais ainda o XVI. Estatísticas de uma dimensão

inaudita nos abrem por sua linguagem universal, as profundezas do passado chinês.

Sem duvida, a estatística simplifica para melhor conhecer. Mas toda ciência vai

assim do complicado ao simples.

Pag. 77

Na pratica – pois esse artigo tem um fim pratico - desejaria que as ciências

sociais, provisoriamente, cessassem de tanto discutir sobre suas fronteiras

recíprocas, sobre o que é ou não é ciência social, o que é ou não é estrutura...Que

procurem antes traçar, através de nossas pesquisas, as linhas, se existem linhas,

que orientariam uma pesquisa coletiva, bem como os temas que permitiriam atingir

uma primeira convergência.

Pag.221.

HISTORICISMO E NACIONALISMO

Page 42: Fichamento História das Escolas

Se a França da Restauração utilizou a história para assimilar a herança da

Revolução e colocar as bases da nova sociedade burguesa, na Alemanha a situação

seria muito diferente. As conseqüências que esse ponto de partida teria na evolução

da história seriam transcendentais a partir do momento em que a “história cientifica”,

elaborada nas universidades alemãs por pesquisadores que eram funcionários do

estado, converteu-se num modelo imitado no mundo inteiro.

A Alemanha do inicio do século XIX tinha dois problemas fundamentais que

influenciaram decisivamente na orientação assumida por seus historiadores: o

desejo de realizar a unificação política a partir do mosaico das diversas unidades

que a compunham (um caos de estados, cidades livres e feudos que o congresso de

Viena reduzira a 39) e o de empreender o caminho da modernização sem correr

riscos revolucionários.

Pag.222.

No campo da história, a avaliação de um passado clássico comum seria

enriquecida

Com a recuperação das crônicas medievais, que acrescentaram um elemento

“nacional”, havendo também, e isso foi muito importante para a consolidação da

“história cientifica”, o desenvolvimento de métodos de critica erudita que tinham

origem, principalmente, no campo da filologia.

A dimensão política do projeto é fundamental para entender sua evolução. A

ameaça revolucionaria ensinou aos políticos prussianos que era melhor antecipar-

se, e ceder alguma coisa de antemão – fazer uma limitada “revolução pelo alto” – do

que arriscar perder tudo. A derrota para Napoleão conduziu ao inicio efetivo das

reformas que levaram à abolição formal do feudalismo por obra de homens como

Stein ou Hardenberg, convencidos da necessidade de “introduzir os princípios

democráticos no estado monárquico”. Reformas muito limitadas no entanto, pois

mesmo que permitissem a livre utilização da terra e abolissem a servidão,

mantinham a prestação de serviços e as obrigações por parte dos camponeses,

caso quisessem conservar terras que eram consideradas como propriedade dos

senhores. A situação haveria de piorar ainda mais quando se permitiu aos grandes

proprietários apropriarem-se de uma parte cada vez maior da terra, manter a própria

policia rural e controlar os órgãos de governo local. Este seria o paradoxo de uma

Page 43: Fichamento História das Escolas

modernização política que tornaria possível o desenvolvimento industrial, ao mesmo

tempo em que conservava os privilégios sociais da nobreza.

Pag. 223.

A ação iniciou-se com a reforma educacional de Humbolt e continuou nas

universidades prussianas – em especial a de Berlim, fundada em 1810 – que

ofereciam aos intelectuais bem-estar econômico e promoção social, recebendo

deles, em troca, as armas ideológicas para fazer frente à subversão sob a forma de

uma cultura nacional que se apresentava dissociada do terreno da política e

renunciava às funções de critica social assumidas pelos intelectuais da ilustração,

encarregando-se de preparar a população para reverenciar o estado ao qual

proporcionavam legitimação.

Uma característica que o define é a rejeição do universalismo da ilustração,

substituído por uma visão em que cada nação é considerada como uma tonalidade

orgânica que tem leis próprias de evolução. A escola histórica de direito, com

homens como K. Von Savigny, Gustav F. Hugo e Karl F. Von Eichhorn, combatia as

formulações do jusnaturalismo que pressupunham a existência de princípios legais

comuns para todo o mundo e defendia a peculiaridade individual e histórica das leis

de cada povo. A história, por seu lado, não deveria ocupar-se de estágios de

desenvolvimento social, nem de “séculos”, da cultura humana, mas das nações

consideradas organicamente e os fatos estudados pelo historiador deveriam ser

analisada individualmente, no contexto nacional, sem buscar leis ou regularidades

gerais que os explicassem. O interesse político do projeto explica porque Stein um

dos dirigentes do reformismo prussiano, fosse, após retirar-se da política, o fundador

da sociedade encarregada de publicar as fontes da historia alemã nos Monumenta

Germaniae histórica, qualificadas como “o principal produto do novo espirito do

nacionalismo”.

Pag. 224.

O homem comumente considerado fundador do historicismo e que de fato,

seria o divulgador dos novos métodos “científicos” da história, Leopold Von Ranke

(1795-1886). Procedente de uma família de pastores luteranos, publicou Histórias

dos povos românicos e germânicos de 1494 e 1514, em 1824, quando ainda não

tinha trinta anos. O engano chegou ao extremo de apresentar como um dos grandes

Page 44: Fichamento História das Escolas

méritos de Ranke, como diz Gooch, o ter “separado o estudo do passado, tanto

quanto possível, das paixões do presente para escrever as coisas tal e como foram”.

Deixando de lado que o próprio Ranke repetiu uma ou outra vez que a missão da

história “não consiste tanto em reunir e buscar fatos como em entendê-los e explicá-

los”, sua biografia e sua obra – muito mais invocada que lida, salvo alguns breves

textos programáticos – desmentem o mito do “wieves eigentlich gewesen”.

Pag. 226.

Ranke não foi precisamente um homem que permaneceria à margem da

política. Depois da revolução de 1830, o governo prussiano publicou uma revista

para combater as idéias revolucionárias, a Revista histórica-política, que oi dirigida

por Ranke e, qual Savigny colaborou ativamente.

Pag. 227.

Nos momentos decisivos da história –diria – aparece o que acostumamos

chamar “o destino” e que é, na realidade, “o dedo de Deus”. Como escreveu, em

1837, ao filho Otto: “Sobre tudo flutua a ordem divina das coisas, difícil por certo de

demonstrar, mas que sempre se pode intuir. Dentro da ordem divina, assim como na

sucessão dos tempos, os individuas importantes ocupam seu lugar: assim é como

os há de conceber o historiador”. A atividade dos homens canaliza-se através das

nações, que são o componente fundamental da sociedade: cada uma delas é

diferente e peculiar de maneira que as generalizações não servem: “cada país tem a

própria política”.

Quando estuda a monarquia espanhola dos séculos XVI e XVII, por exemplo,

começa com os retratos pessoais dos reis, dedica-se à corte e aos ministros, à

organização do governo e à administração, à fazenda e “à situação publica”,

interpretada de maneira convencional com afirmações como a de que a pobreza de

Castela foi causada pelo catolicismo, pela “concepção hierárquica do mundo” e pelo

gosto dos espanhóis por “passar a vida alegremente e sem esforço”. Depois desta

analise do estado, Ranke passa a uma segunda parte, dedicada à ação da

monarquia espanhola no mundo que , como era de se prever, se limita a falar das

guerras que a mesma travou contra outros estados.

Page 45: Fichamento História das Escolas

Ranke, não entende as nações a não ser no seio dos estados: era contrario,

diz Wolfgang J. Mommsen, ás idéias contemporâneas de nação, seja as que se

baseavam em critérios étnicos e culturais, seja na vontade dos cidadãos.

Pag. 228.

Ranke falou sempre com reverencia do poder e com respeito dos dirigentes,

atribuindo os motivos mais elevados a seus atos. O historiador preparava, assim, o

caminho em direção à submissão absoluta dos cidadãos ao poder, sem discussões

nem critica, já que o estado encarna a nação e esta não faz senão observar as

pautas fixadas pelo dedo de Deus.

Os discípulos de Ranke envolveram-se na política de maneira ainda mais

explicita que ele, comprometendo-se num e noutro campo.

Pag. 229.

Também era discípulo de Ranke o suíço de língua alemã Jacob Burekhardt

(1818-1897), que começaria estudando teologia e se mudaria para a Itália em 1846

para investigar sua cultura e fugir da revolução (o que mais temia era a “passagem

da história ás mãos das massas”). Burckhardt escreveu um tipo de história diferente,

onde o grande protagonista já não escreveu um tipo de história diferente, onde o

grande protagonista já não era o estado, mas este compartilhava o papel central

com a religião e, principalmente, com a cultura; uma cultura definida como “o

conjunto dos desenvolvimentos espirituais que se produzem espontaneamente e

que não reivindicam uma validade coercitiva universal”, sendo um elemento de

critica do estado e da religião.

Pag. 230.

Sua obra fundamental, A civilização do renascimento da Itália (1860), iniciava

uma formulação inovadora da história da cultura, que, apesar de ter como pano de

fundo uma visão pessimista do futuro, ia mais além da mera descrição dos produtos

artísticos ou da consideração do retorno à antiguidade, articulando uma nova visão

global que incluía aspectos tão diversos como o desenvolvimento da individualidade

pessoal, o descobrimento da beleza da paisagem ou “o espírito geral de duvida”.

Page 46: Fichamento História das Escolas

Sentia vocação de político, mas se dedicou à história porque a atividade

política lhe estava negada numa Alemanha controlada pelo alto e pervertida por

baixo por um objeto conformismo.

Pag. 231.

O próprio Ranke não se mostrou favorável a que fosse nomeado professor

em Berlim – dedicou-se a escrever ambiciosa História da Alemanha no século XIX,

cujos cinco volumes, publicados entre 1879 e 1894, não lhe permitiram chegar mais

do que a 1847. A obra era uma justificativa dos atos políticos da Prússia e uma

glorificação da grandeza de uma Alemanha destinada a se tornar uma potencia

dominante, numa linha de pensamento que se manifestaria de acordo com suas

conferencias universitárias, nas quais lançava “ataques desmedidos contra a França

e a Inglaterra, contra os socialistas, os judeus, o governo parlamentar”.

Paradoxalmente, estes homens, que se negavam a aceitar a existência de

leis históricas gerais acima das realidades nacionais, seriam os criadores de

métodos de pesquisa que se difundiriam universalmente até serem admitidos como

norma cientifica da profissão e que seriam considerados, sem fundamento algum,

como equivalentes, no campo da história aos métodos de investigação das ciências

da natureza.”

O “método cientifico”, difundido pelos seminários universitários alemães foi

assimilado pelos historiadores de que outros países que, também, concordavam

com os colegas prussianos na preocupação em consolidar o consenso social em

torno de liberdade que não implicassem a conquista da democracia, contra o que

acreditavam as massas populares quando deram apoio às revoluções liberais.

Pag. 232.

Os historiadores liberais do século XIX defendiam uma idéia de organização

do estado que negava o direito de participação na política ao conjunto da população.

Carlyle dizia que o sufrágio universal era “uma forma diabólica de igualar Judas e

Jesus Cristo”; Odilon Barrot sustentava que era “o mais perigoso e despótico

absurdo que havia jamais saído de um cérebro humano”, Os pobres não tinham

tempo para dedicar-se à política, nem dispunham dos conhecimentos necessários

para fazê-lo. “Só a propriedade torna os homens capazes do exercício dos direitos

políticos”, dizia Constant, pensando exclusivamente na propriedade da terra.

Page 47: Fichamento História das Escolas

Na Grã-Bretanha do inicio do século XIX, uma época sem grandes

historiadores, caberia principalmente à economia exercer a função de explicar e

inculcar as regras de uma sociedade estável.

Pag. 233.

O primeiro dos grandes historiadores britânicos desde Gibbon foi Thomas

Babbington Macaulay (1800-1859) que, mesmo estando mais próximo dos

historiadores escoceses do século XVIII do que dos prussianos do XIX, soube, como

estes últimos, ajudar a reforçar o consenso social em tempos difíceis. Distinguiu-se

como político na época em que se preparava a reforma eleitoral de 1832, foi

membro do Conselho Supremo da Índia e ministro da Guerra num governo whig, ate

que decidiu renunciar à carreira política para dedicar-se plenamente à história,

publicando, em 1849, os dois primeiros volumes de sua História da Inglaterra, com

um êxito extraordinário. Macaulay é um dos maiores representantes da chamada

“interpretação whig” da história, que reconstrói o passado para mostrá-lo como uma

ascensão permanente em direção às formas da liberdade constitucional inglesa,

explicando as lutas políticas em termos da situação parlamentar na Grã-Bretanha no

século XIX, isto é, em termos de reformistas whigs lutando contra tories, defensores

do status quo.

Pag. 234.

O ponto de partida mostrava-se coerente com a intenção de mostrar que o

acordo estabelecido entre a monarquia e o parlamento, em 1688, havia permitido

evitar os riscos do radicalismo e construir um sistema político estável, condição do

progresso britânico. Macaulay acabava a primeira parte, escrita sob influencia dos

fatos de 1848, com uma apologia à estabilidade social britânica em meio a uma

Europa sacudida pelas revoluções. Este defensor do liberalismo e da

industrialização, indiferente em matéria religiosa, era um homem de considerável

cultura e um bom escritor que pôde oferecer à sociedade britânica de meados do

século XIX o tipo de analise do passado que deveria confirmar sua confiança no

caminho empreendido.

Pag. 236

Page 48: Fichamento História das Escolas

Na America do Norte de fins do século XIX, ocorreu um processo semelhante

de difusão dos métodos da erudição alemã, associada à pretensão da objetividade

que não era outra coisa que a simples aceitação da ordem estabelecida e

acompanhada pela profissionalização dos historiadores.

Pag. 237.

O manual de referencia dos historiadores norte-americanos era a introdução

aos estudos históricos de Langlois e Seignobos e a pretensão de alcançar a

objetividade e a certeza baseava-se na confiança que lhes davam os métodos

“científicos”utilizados, supostamente similares aos das ciências naturais. Assim,

conseguiram alcançar boa reputação profissional, numa sociedade para cuja

estabilidade contribuíam, prestando apoio a um consenso conservador, nacionalista

e racista.

“O significado da história”, que esta voltava a ser escrita em cada época, de

acordo com as próprias condições: o objeto real do historiador era o presente e seu

trabalho devia dirigir-se a um publico amplo. Em 1893, Turner publicou ensaio sobre

“O significado da fronteira na história norte-americana” em que negava a teoria

“germinal” que dizia que a sociedade norte-americana surgira no Leste, de sementes

culturais trazidas da Europa pelos imigrantes ingleses, sustentando, em troca, que

suas características derivavam da existência de uma fronteira de terras livres em

direção ao Oeste do país – Turner nunca faria menção aos indígenas que já as

habitavam previamente – cuja conquista que punha o homem em contato com a

natureza, havia forjado o caráter especifico da democracia norte-americana.

Pag. 238.

A fronteira possibilitou que os imigrantes se americanizassem rapidamente e

engendrou o caráter do pioneiro, independente e auto-suficiente, capaz de criar as

próprias instituições à margem do governo central, A fronteira foi, também, uma

“válvula de segurança” par os conflitos sociais: os descontentes da sociedade do

leste saíram a conquistar novas terras e nelas construíram uma sociedade aberta e

móvel que permitiu o surgimento de uma democracia individualista. Em fins do

século XIX, no entanto, a fronteira do oeste estava já fechada e a energia da nação

deveria buscar novos caminhos e novas fronteiras.

Page 49: Fichamento História das Escolas

Pag. 239.

Nos países de cultura européia, a ficção da independência do intelectual

podia ser sustentada, já que eram os próprios historiadores acadêmicos que

mantinham longe das fileiras da “ciência” os possíveis perturbadores da profissão.

Em outras culturas, a realidade da dependência da história em relação ao poder

mostrava-se sem disfarces. No Japão, a compilação da história era considerada

uma prerrogativa das autoridades, preocupadas sempre em difundir uma versão

canônica.

Em principio do século XX, no entanto, numa sociedade em mudança, a crise

do historicismo era evidente. Isso explica que se iniciassem as tentativas de superá-

la no terreno concreto da pesquisa histórica, ao mesmo tempo em que permanecia

estabelecido no da teoria econômica, depois de uma “querela de método” que levou

a reivindicar na economia a primazia da teoria contra o estudo isolado de casos

precisos, defendido pela escola histórica. As concorrentes de pensamento que

propunham, nestes anos, a revisão de um historicismo que consideravam, no

entanto, pelos problemas concretos da pesquisa – um terreno em que aceitavam de

fato as formulações tradicionais – mas somente pela fundamentação filosófica.

Pag. 240.

Nesta linha encontramos sobretudo o neokantismo da escola de Marburg,

com Heinrich Rickert (1863-1936), que afirmava que a realidade empírica era

múltipla e inabordável na totalidade. A forma em que as diversas ciências a

enfrentavam era diferente. As ciências da natureza o fazem com um método

“generalizador”, que utilizava os conceitos de lei, gênero e espécie, alcançando, com

eles, um conhecimento geral da realidade.

A seleção dos fatos com que o historiador constrói a história faz-se em função

de “valores” transcendentes, que estão alem do objeto e do sujeito. A história torna-

se, assim, uma construção mental erigida pelo homem e a concepção do progresso

histórico e uma armadilha.

Apesar de ser anterior a alguns neokantinianos, Wihelm Dilthey (1833-1911)

influenciou com atraso a filosofia da história. Para Dilthey, não são dois campos

distintos o que marca a diferença, entre as ciências da natureza e as de espírito,

mas o comportamento distinto destas ciências.

Page 50: Fichamento História das Escolas

Só podemos aceder à vida, em toda a complexidade, pelas próprias

experiências de vida: de nossas vivencias.

Pag. 241

Enquanto se desenvolvia o conjunto das novas tendências que

transformariam as ciências sociais – o complexo integrado pelo marginalismo,

funcionalismo e estruturalismo – os historiadores acadêmicos limitavam-se a

continuar recolhendo “fatos históricos”, colando-os um atrás do outro, convencidos

de que o que faziam não somente era “cientifico” – mesmo que fosse uma ciência de

categoria inferior – mas que era a única forma licita de trabalhar no campo da

história.