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FICHA TÉCNICA Título: Maestra Autor: L. S. Hilton Copyright © L. S. Hilton 2016 Edição original publicada em língua inglesa por Zaffre Publishing, uma chancela de Bonnier Publishing, London Edição portuguesa publicada por acordo com International Editors Co. e Bonnier Publishing Fiction Os direitos morais da autora desta obra estão certificados Tradução: Jorge Freire Revisão: José João Leiria/Editorial Presença Direção artística: Jet Purdie Design: Grey318&Blacksheep-uk.com Fotografia da autora: Derrick Santini Capa: A. Sena Composição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda. 1. a edição, Lisboa, junho, 2016 Depósito legal n. o 409 337/16 Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (exceto Brasil) à EDITORIAL PRESENÇA Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730‑132 Barcarena [email protected] www.presenca.pt

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FICHA TÉCNICA

Título: MaestraAutor: L. S. HiltonCopyright © L. S. Hilton 2016Edição original publicada em língua inglesa por Zaffre Publishing, uma chancela de Bonnier Publishing, LondonEdição portuguesa publicada por acordo com International Editors Co. e Bonnier Publishing FictionOs direitos morais da autora desta obra estão certificadosTradução: Jorge FreireRevisão: José João Leiria/Editorial PresençaDireção artística: Jet PurdieDesign: Grey318&Blacksheep-uk.comFotografia da autora: Derrick Santini Capa: A. SenaComposição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.1.a edição, Lisboa, junho, 2016Depósito legal n.o 409 337/16

Reservados todos os direitospara a língua portuguesa (exceto Brasil) àEDITORIAL PRESENÇAEstrada das Palmeiras, 59Queluz de Baixo2730 ‑132 [email protected]

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PRÓLOGO

As bainhas dos quimonos e os saltos altos pontiagudos ressoa‑vam em simultâneo no parquê. Atravessámos o corredor até che‑garmos junto de umas portas duplas, com o burburinho a indicar que os homens já tinham entrado. A sala era iluminada por velas, com pequenas mesas entre os sofás e cadeiras baixas. Os homens lá dentro usavam pijamas grossos de cetim preto, com casacos deco‑rados com alamares, o brilho do tecido a contrastar com as camisas engomadas. Um botão de punho ou um relógio fino brilhavam em tons de ouro ocasionalmente à luz das velas; um monograma dou‑rado ondulava sob um lenço de seda extravagante. Teria parecido ridículo, teatral, se os pormenores não fossem tão perfeitos, mas senti‑me hipnotizada, a minha pulsação lenta e profunda. A Yvette foi levada por um homem com uma pena de pavão presa no punho da camisa; levantei o olhar e vi outro homem a aproximar‑se de mim, com uma gardénia na lapela igual à minha.

— Então, é assim que funciona?— Sim, enquanto comemos. Depois, pode escolher. Bonsoir.— Bonsoir.Era alto e magro, mas o corpo era mais jovem do que o seu rosto

severo e marcado por rugas, com cabelo já grisalho penteado para trás, revelando uma fronte alta e grande, a pele em volta dos olhos levemente escurecida, como um santo bizantino. Levou‑me para um sofá, esperou enquanto me sentei e deu‑me um copo de cristal com vinho branco seco, límpido. A formalidade era calculada, mas gostei da coreografia. O Julien apreciava claramente o prazer da

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antecipação. As raparigas que serviam, praticamente nuas, traziam pratos pequenos com pastéis minúsculos de lagosta, e depois fatias de peito de pato com mel e pasta de gengibre, tuile de framboesas e morangos. Apontavam para a comida, sem dizerem nada.

— Os frutos vermelhos dão um sabor tão delicioso à rata de uma mulher — comentou o meu companheiro de refeição.

— Eu sei.Ouviram‑se conversas em surdina, mas as pessoas preferiam

observar e beber, com os seus olhos a focarem‑se nos outros em volta, nos movimentos rápidos das empregadas, que tinham cor‑pos de dançarina, reparei, magras mas musculadas, as barrigas das pernas firmes acima das botas apertadas. Um segundo emprego além do corps de ballet? Vi a Yvette do outro lado da sala sombria; davam‑lhe figos recheados com amêndoas espetados num garfo de prata, o corpo estendido como o de uma serpente, a sugestão de uma coxa escura sob a seda vermelha. Solenemente, as emprega‑das percorreram a sala com apagadores de velas, escurecendo‑a e espalhando a fragrância de cera de abelha, e senti então a mão do homem na minha coxa, a descrever círculos e a acariciar, sem qual‑quer pressa, e a firmeza entre as minhas pernas como resposta. As raparigas pousaram tabuleiros lacados com preservativos, garrafas pequenas de cristal com óleo de Monoi, lubrificante decantado para pratos de bombons. Alguns dos casais beijavam‑se, felizes com o par, outros levantaram‑se educadamente e atravessaram a sala para encontrarem a presa que tinham selecionado. O roupão da Yvette pendia‑lhe das pernas abertas, no meio das quais a cabeça de um homem mergulhava. Entreolhámo‑nos e ela sorriu, voluptuosa‑mente, deixando depois a cabeça pender para trás e pousar nas almofadas com os movimentos extasiados de uma drogada a perder os sentidos.

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PRIMEIRA PARTE

EXTERIOR

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CAPíTULO UM

Se me perguntassem como tudo começou, eu poderia dizer sinceramente que a primeira vez foi um acidente. Era por volta das seis da tarde, quando a cidade se agitava de novo, e apesar de lá fora, nas ruas, o vento soprar forte em mais um dia horro‑roso de maio, havia na estação uma atmosfera abafada e húmida, suja de jornais e pacotes de fast food espalhados pelo chão, turistas com ar stressado a usarem roupas práticas e de mau gosto, api‑nhados contra as pessoas resignadas e extenuadas que regressavam a casa depois do trabalho. Eu esperava na plataforma pelo metro da linha de Piccadilly, na estação de Green Park, depois de outro começo fabuloso de uma semana fabulosa em que fui humilhada e maltratada no meu emprego superfabuloso. Quando o metro da linha contrária chegou, soltou‑se um burburinho coletivo da multidão que aguardava. O painel de informações indicava que o comboio seguinte estava parado em Holborn. Provavelmente por causa de alguém que se tinha atirado para debaixo dele. Era o que mais faltava, viam‑se as pessoas a pensar. Porque é que tinham de se matar sempre na hora de ponta? Os passageiros do outro lado da linha dirigiram‑se para as escadas, e entre eles ia uma rapariga que caminhava com dificuldade nos seus sapatos de salto alto e usava um vestido azul‑elétrico muito aderente ao corpo. Da última coleção Alaïa, da Zara, pareceu‑me. Provavelmente, ia a caminho de Leicester Square atrás da outra gente com ar falhado. Tinha um cabelo extraordinário, uma imensa cascata cor de ameixa de exten‑sões e madeixas douradas que refletiam a luz do néon.

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— Judeee! Judy! És mesmo tu? — perguntou ela, acenando na minha direção alegremente.

Fingi não ouvir.— Judy! Estou aqui!As pessoas começaram a olhar. A rapariga abrandou o passo,

insegura, perto da linha amarela de segurança.— Sou eu! A Leanne!— A sua amiga está a chamá‑la — disse‑me, solícita, uma

mulher que estava ao meu lado.— Vemo‑nos lá fora daqui a um minuto! — exclamou a rapa‑

riga.Eu já não ouvia vozes como aquela há algum tempo. Não espe‑

rava voltar a ouvir a dela. Era óbvio que ela não iria desaparecer, e o metro não dava sinal de vida, por isso pus a minha pesada mala de couro ao ombro e abri caminho por entre a multidão. Ela esperava‑me no corredor entre as duas plataformas.

— Olá! Bem me parecia que eras tu!— Olá, Leanne — disse‑lhe com delicadeza.Cambaleou nos últimos passos que deu na minha direção e abra‑

çou‑me como se eu fosse a irmã que ela não via há muito tempo.— Olha‑me só para ti! Que ar tão profissional. Não sabia que

vivias em Londres!Não lhe disse que isso era provavelmente porque não falava com

ela há uma década. Ter amigos no Facebook não fazia o meu estilo, e eu não precisava que me lembrassem de onde tinha vindo.

Mas depois senti‑me como uma cabra.— Estás com ótimo aspeto, Leanne. Adoro o teu cabelo.— Já não uso o nome de Leanne. Agora chamo‑me Mercedes.— Mercedes? É… giro. A mim tratam‑me por Judith. É mais

adulto.— Pois é. Olha‑me só para nós, tão crescidas.Acho que eu própria não sabia, na altura, qual era a sensação de

ser adulta. Perguntei‑me se ela faria alguma ideia.— Olha, tenho uma hora livre antes de entrar no trabalho —

disse‑me na sua pronúncia carregada. — Queres tomar uma bebida rápida? Podemos pôr a conversa em dia.

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Eu podia ter dito que estava ocupada, que estava com pressa, ter‑lhe pedido o número de telemóvel, como se fosse mesmo ligar‑‑lhe. Mas o que é que eu ia fazer? E a voz dela era estranhamente bem‑vinda, por ser familiar, e fez‑me sentir sozinha e reconfortada ao mesmo tempo. Tudo o que eu tinha eram duas notas de vinte libras e faltavam ainda três dias para receber o ordenado. Ainda assim, podia acontecer alguma coisa.

— Claro — respondi. — Deixa‑me pagar‑te uma bebida. Vamos ao Ritz.

Dois cocktails de champanhe no bar Rivoli, trinta e oito libras. Tinha doze no meu cartão do metro e duas na mão. Não teria muito para comer até ao fim da semana. Provavelmente era estúpido, ser assim ostensiva, mas por vezes temos de exibir ao mundo uma atitude desafiadora. A Leanne — a Mercedes — pescou a cereja do copo com a unha postiça pintada de fúcsia e bebeu um gole, alegre.

— É ótimo, o champanhe, obrigada. Se bem que agora estou habituada ao Roederer.

Eu merecia ouvir aquilo, por tentar fazer‑me mais importante do que era.

— Trabalho por aqui — comecei. — Arte. Numa casa de lei‑lões. Lido com Mestres Antigos — continuei. É claro que eu não trabalhava com obras desse período, mas não estava preocupada com a ideia de que a Leanne conseguisse distinguir um Rubens de um Rembrandt.

— Que chique — respondeu, parecendo entediada e brincando com o pauzinho da bebida. Será que estava arrependida por me ter chamado? Mas, em vez de ficar zangada, senti uma vontade patética de lhe agradar.

— Até pode parecer — disse‑lhe confiante, sentindo o brandy e o açúcar a entrar‑me no sangue —, mas o salário é uma merda. Passo a vida nas lonas.

A «Mercedes» disse‑me que estava em Londres há um ano. Trabalhava num bar de champanhe em St. James.

— Parece um sítio com classe, mas está sempre cheio dos velhos porcos do costume. Enfim, nada de duvidoso — acrescentou rapi‑damente. — É só um bar. E as gorjetas são incríveis.

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Disse‑me que ganhava duas mil libras por semana.— Mas engorda — acrescentou num tom brincalhão, espetando

o indicador na barriga lisa. — Temos de estar sempre a beber. Mas não pagamos as bebidas. E o Olly disse que as deitássemos para os vasos, se tiver de ser.

— O Olly?— É o dono. Hum… devias lá ir, um dia destes, Judy. Traba‑

lhar lá um bocado, se te apetecer. O Olly está sempre à procura de raparigas. Queres outra bebida?

Um casal mais velho, vestido formalmente, talvez preparados para irem à ópera, sentou‑se diante de nós. A mulher fitou, com um ar crí‑tico, as pernas da Mercedes, bronzeadas no solário, o decote ousado. A Mercedes virou‑se na cadeira, e lenta e deliberadamente descruzou e voltou a cruzar as pernas, mostrando‑me, a mim e ao pobre coitado do marido, a tanga de renda preta, sem nunca deixar de fixar a mulher nos olhos. Não havia necessidade de perguntar se havia problemas.

— Como eu estava a dizer — continuou ela, depois de a mulher virar a cara vermelha para a lista das bebidas —, é divertido. As raparigas vêm de todo o lado. Tu ias arrasar, se te embonecasses um bocado. Vá, anda daí.

Olhei para o meu fato preto de tweed. Casaco cintado e curto, saia plissada. Eu procurava parecer elegante e inteligente, profis‑sional, mas com um toque de Margem Esquerda, ou pelo menos era o que repetia a mim mesma quando cosia desajeitadamente as bainhas pela milésima vez. Ao lado da Mercedes, porém, só fazia lembrar uma vaca deprimida.

— Agora?— Sim, porque não? Tenho uma pilha de roupa na minha mala.— Não sei, Leanne.— Mercedes.— Desculpa.— Anda lá. Usas o meu top de renda. Com as tuas mamas, vais

arrasar. A não ser que te vás encontrar com alguém.— Não, não vou — respondi, inclinando a cabeça para trás,

para beber as últimas gotas de champanhe e angustura. — Não vou encontrar‑me com ninguém.

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CAPíTULO DOIS

Li algures que causa e efeito são salvaguardas contra a contin‑gência, contra a mutabilidade assustadoramente imprevisível do acaso. Por que razão fui com a Leanne naquele dia? Não tinha sido um dia pior que os outros. Mas as escolhas são feitas antes das explicações, quer queiramos saber, quer não. No mundo da arte, só há dois tipos de casas leiloeiras que interessa conhecer. São as que fazem vendas de trezentos milhões de libras, tratam das coleções de duques desesperados e de oligarcas socialmente ansiosos, que canalizam mil anos de beleza e talento para as suas salas silencio‑sas como museus e os transformam em dinheiro vivo e sensual. Quando comecei a trabalhar na British Pictures, há três anos, senti‑me finalmente bem‑sucedida. Pelo menos durante um dia ou dois. Depois, apercebi‑me de que os carregadores, os tipos que transportam os quadros, são os únicos que se importam com eles. Para os restantes, até podiam estar a vender fósforos, ou manteiga. Apesar de ter sido contratada por mérito, apesar de toda a minha dedicação, diligência e conhecimentos relativamente profundos sobre arte, fui obrigada a admitir que, pelos padrões da Casa, eu não era grande coisa. Após algumas semanas no departamento, apercebi‑me de que ninguém queria saber se eu conseguia distin‑guir um Brueghel de um Bonnard, e que havia outros códigos mais importantes a decifrar.

Ainda restavam algumas coisas que eu apreciava no meu tra‑balho na Casa, passados três anos. Gostava de passar pelo porteiro que usava uniforme e de entrar no átrio onde pairava um perfume

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a orquídea. Gostava da forma reverente como os clientes olhavam para os «peritos», enquanto subia a imponente escada de madeira de carvalho, porque, naturalmente, tudo naquela Casa parecia acumu lar três séculos de imponência. Gostava de ouvir discreta‑mente as conversas das secretárias europeias, que pareciam todas iguais, as suas vogais francesas e italianas tão cuidadas como o seu cabelo. Gostava de sentir, ao contrário delas, que não tinha de tentar seduzir um qualquer gestor de fundos através dos meus dotes físicos. Sentia‑me orgulhosa daquilo que consegui alcançar, um emprego de assistente depois de um ano de estágio na British Pictures. Apesar de não querer ficar nesse departamento muito mais tempo. Não queria passar o resto da vida a olhar para quadros de cães e cavalos.

Esse dia, o dia em que me cruzei com a Leanne, tinha come‑çado com um email da Laura Belvoir, a subchefe de departamento. Vinha com um «Fazer Imediatamente!» no assunto, mas não con‑tinha qualquer mensagem. Fui ao gabinete dela para lhe perguntar o que pretendia que eu fizesse. Os diretores tinham frequentado recentemente um curso de gestão e a Laura tinha adorado a ideia da comunicação digital direta, mas infelizmente ainda não se tinha dado ao trabalho de escrever as mensagens.

— Preciso que faças a atribuição dos quadros do Longhi.Estávamos a preparar uma série de obras da autoria daquele

artista veneziano, para uma venda de quadros italianos a realizar em breve.

— Quer que verifique os títulos no armazém?— Não, Judith. O Rupert faz isso. Vai ao Heinz e vê se conse‑

gues identificar os sujeitos que aparecem nos quadros.O Rupert era o chefe de departamento, e raramente aparecia

antes das onze.O Arquivo Heinz era um imenso catálogo de imagens legenda‑

das; eu tinha de procurar que fidalgotes ingleses poderiam ter, no século xviii, posado para Longhi, pois a identificação dos indivíduos nas obras poderia torná‑las mais interessantes para os compradores.

— Está bem. Pode dar‑me as fotografias?A Laura suspirou.

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— Estão na biblioteca. Estão assinaladas como Longhi, barra, Primavera.

Como a Casa ocupava todo o edifício, levei quatro minutos do departamento até à biblioteca, um percurso que fazia várias vezes ao dia. Apesar dos rumores de que já tínhamos chegado ao século xxi, a Casa ainda era gerida como se fosse um banco vito‑riano. Muitos dos empregados passavam os dias a calcorrear os corredores, entregando notas manuscritas uns aos outros. O arquivo e a biblioteca não estavam devidamente informatizados; por vezes parecia que nos cruzávamos com pequenos fantasmas dickensianos desesperadamente presos em cubículos entre pilhas de recibos e faturas em triplicado. Peguei no envelope com as fotografias e vol‑tei para a minha secretária, para pegar na mala. O telefone tocou.

— Estou? É a Serena, na receção. Tenho aqui as calças do Rupert.

E lá fui eu à receção, pegar no saco enorme vindo do alfaiate do Rupert, que o enviara por um estafeta que percorreu os qui‑nhentos e poucos metros que separam a Savile Row da Casa, dei‑xando depois o saco no departamento. A Laura fitou‑me.

— Ainda não foste, Judith? O que raio estiveste a fazer? Já que estás aqui, podes ir buscar‑me um cappuccino? Não vás à cantina, vai àquele cafezinho simpático de Crown Passage. Traz o recibo!

Depois de ter ido buscar o café, fui para o arquivo. Tinha cinco fotografias na minha mala, cenas no Teatro La Fenice, nas Zattere e num café no Rialto, e, depois de passar duas horas a examinar o conteúdo das caixas, fiz uma lista de doze possíveis identificações de indivíduos que, durante alguma estadia em Itália, poderiam eventualmente ter posado para aqueles retratos pintados. Fiz uma nota remissiva do índice do Heinz e das fotografias, para que a atribuição pudesse ser confirmada para figurar no catálogo, e levei‑‑as à Laura.

— Que fotografias são estas?— As dos quadros do Longhi que me pediu para fazer.— Essas fotos são dos quadros do Longhi vendidos há seis anos.

A sério, Judith… As fotografias estavam anexadas no email que te enviei esta manhã.

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O email sem conteúdo.— Mas não disse que estavam na biblioteca, Laura?— Queria dizer biblioteca eletrónica.Não respondi. Acedi ao catálogo online do departamento,

encontrei as fotografias corretas (numa pasta com o título «Lun‑ghi»), descarreguei‑as para o telemóvel e voltei para o Heinz, fula com a Laura por me ter feito perder tempo. Acabei as segundas atribuições quando ela voltava do almoço no Caprice, e comecei a telefonar aos possíveis compradores que ainda não tinham res‑pondido aos convites para verem as obras em privado, antes da venda. Depois, escrevi as biografias e enviei‑as por email à Laura e ao Rupert, mostrei à Laura como se abria um documento anexado a uma mensagem, fui de metro até ao depósito de Artes Aplica‑das em Chelsea Harbour, para verificar uma amostra de seda que o Rupert pensava poder coincidir com um cortinado num dos Longhis, descobri, para surpresa de ninguém, que não coincidia, regressei fazendo o percurso quase todo a pé porque o metro da linha circular estava parado na estação de Edgware Road, fiz um desvio para ir ao Lillywhite, em Piccadilly, para comprar um saco‑‑cama para a visita de estudo do filho da Laura, voltando exausta e cheia de pó às cinco e meia da tarde, para ouvir outra reprimenda por ter faltado à análise pelo departamento dos quadros, nos quais passara a manhã a trabalhar.

— Sinceramente, Judith — criticou a Laura —, assim não vais progredir, se passas os dias na cidade, quando devias estar a analisar as obras.

Apesar dos truques do destino, não fiquei minimamente sur‑presa quando, ao cruzar‑me com a Leanne na estação de metro pouco depois, senti que precisava mesmo de tomar uma bebida.

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CAPíTULO TRêS

A minha entrevista no Gstaad Club, naquela noite, resumiu‑se apenas ao Olly, o finlandês gigante e taciturno que era o proprie‑tário, gerente e segurança, passar o tempo todo a olhar para mim através da blusa rendada e transparente que vesti apressadamente nas casas de banho do Ritz.

— Consegues beber? — perguntou ele.— Ela é de Liverpool — respondeu a «Mercedes», soltando

uma risadinha.E mais nada.Nas oito semanas que se seguiram, trabalhei às quintas e sextas‑

‑feiras à noite, no clube. O horário não seria agradável para a maioria das pessoas da minha idade, mas ir tomar uma bebida com os cole‑gas de trabalho não era lá muito importante para a minha carreira. O nome, como tudo o resto naquele sítio, era uma tentativa falhada de alardear classe; a única coisa verdadeira no clube era o lucro altís‑simo que fazia com o champanhe. Na verdade, não era muito dife‑rente do Annabel’s, a discoteca onde já ninguém ia, a algumas ruas de distância, em Berkeley Square. As mesmas paredes amarelas ao estilo Sloane‑Ranger, os mesmos quadros desinteressantes, o mesmo grupo de homens mais velhos e barrigudos, a mesma trupe de raparigas à espera, que não eram bem prostitutas, mas que precisavam sempre de uma ajudinha para pagar a renda da casa. O trabalho era simples. Cerca de dez raparigas reuniam‑se meia hora antes de o clube abrir às nove, para tomarem uma bebida encorajadora servida pelo Carlo, o barman, que usava um casaco branco imaculadamente passado a

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ferro, mas ligeiramente bafiento. Os outros empregados eram uma velhota que trabalhava no bengaleiro, e o Olly. Às nove em ponto, ele destrancava a porta da rua e fazia sempre a mesma piada solene.

— Vamos lá. Tirem as cuecas, meninas!Depois de o bar abrir, sentávamo‑nos a conversar, folheando

revistas cor‑de‑rosa, ou a enviar mensagens de telemóvel, durante mais ou menos uma hora, até os clientes começarem a chegar, um a um, quase sempre sozinhos. A ideia era escolherem uma rapa‑riga de que gostassem e levarem‑na para uma das alcovas forradas a veludo cor‑de‑rosa, ato esse a que chamávamos, de forma nada elegante, «ser reservada». Quando éramos reservadas, o objetivo era fazer o cliente encomendar o máximo possível de garrafas de cham‑panhe ridiculamente caras. Não recebíamos salário, apenas dez por cento de cada garrafa, e fosse o que fosse que o cliente nos quisesse deixar. Na primeira noite, levantei‑me da mesa, cambaleante, a meio da terceira garrafa e tive de pedir à velhota do bengaleiro que me segurasse o cabelo, enquanto forçava o vómito.

— Sua estúpida — disse ela com uma satisfação sombria. — Não deves beber!

E aprendi. O Carlo servia o champanhe em taças enormes, quase do tamanho de aquários, que despejávamos para o balde do gelo, ou para os vasos, assim que o cliente saía da mesa. Outra estratégia era convencê‑los a convidar uma «amiga» para tomar um copo. As raparigas usavam sapatos fechados, e nunca sandálias abertas, e outro truque era seduzi‑los e convencê‑los a beber do nosso sapato. É possível verter uma quantidade incrível de champanhe num sapato Louboutin tamanho 39. Se não tivéssemos alternativa, despejávamos simplesmente os copos para o chão.

Nas primeiras semanas, pareceu‑me um milagre o bar manter‑se aberto. Os rituais nada subtis de sedução pareceram‑me verdadei‑ramente eduardianos, próprios do início do século xx, assim como o custo que pagavam pela companhia de uma rapariga. O que levava os homens a passar por aquilo, se podiam contratar uma prostituta usando a aplicação i-Hooker? Era dolorosamente anti‑quado. Mas apercebi‑me gradualmente de que era isso que fazia os clientes voltar. Não vinham atrás do sexo, apesar de muitos se

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tornarem atrevidos depois de alguns aquários de champanhe. Não eram sedutores, estes tipos, nem sequer nas suas fantasias. Eram indivíduos normais de meia‑idade, casados, que durante algumas horas queriam acreditar que estavam a ter um encontro verdadeiro, com uma rapariga verdadeira, uma rapariga bonita, bem vestida e bem‑educada, que queria falar com eles. A Mercedes, com as suas garras e extensões, era a menina má oficial, para os clientes que queriam algo mais atrevido, mas o Olly preferia que as outras raparigas usassem vestidos simples e bem feitos, pouca maquilha‑gem, cabelo lavado, joias discretas. Os clientes não queriam correr riscos, não queriam complicações, nem que as suas mulheres desco‑brissem, nem sequer a vergonha e a trabalheira de conseguirem ter uma ereção. Por muito patético e inacreditável que fosse, queriam apenas sentir‑se desejados.

O Olly conhecia o mercado e satisfazia as suas necessidades na per‑feição. Havia uma pequena pista de dança no bar, onde o Carlo fazia de DJ, para dar a ideia de que, a qualquer momento, o nosso cliente se levantaria e nos levaria para dançar, mas não o devíamos encorajar. O bar tinha um menu, com um bife perfeitamente aceitável, vieiras e gelados — os homens de meia‑idade gostam de ver as raparigas a comerem sobremesas que engordam. Claro, estas iguarias só ficavam no nosso estômago até podermos ir discretamente à casa de banho. As raparigas que consumiam droga, ou que eram descaradamente promíscuas, não ficavam lá uma noite sequer, e havia um aviso afi‑xado perto da casa de banho dos homens onde se lia: «É Estritamente Proibido Oferecer‑se para Acompanhar qualquer das Meninas fora do Clube». Tínhamos de nos manter ligeiramente inacessíveis.

Dei por mim ansiosa que chegassem as noites de quinta e sexta‑‑feira. À exceção da Leanne (ainda não conseguia imaginá‑la como Mercedes), as raparigas não eram nem simpáticas nem antipáticas; eram agradáveis, mas distantes. Pareciam não estar interessadas na minha vida, talvez porque nenhum dos pormenores que revela‑vam sobre si próprias fosse real. Na primeira noite, quando desci a cambalear a Albemarle Street, a Leanne sugeriu que eu escolhesse um nome para usar no bar. O meu nome do meio era Lauren; neutro e reservado.

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Contei que estudava História da Arte, em part-time. Todas as raparigas pareciam estudar algo, gestão de empresas, principalmente, e algumas delas talvez até estudassem. Nenhuma era inglesa; a ideia de que trabalhavam no bar para tentar melhorar a vida sensibilizava os clientes. A Leanne tentava atenuar a sua pronúncia de Liverpool; modifiquei também a minha, aquela que usava no emprego, e que se tornara a pronúncia com que eu sonhara; agora queria que pare‑cesse menos forçada, mas, para clara satisfação do Olly, ainda soava bastante «chique».

Durante o dia, no meu trabalho em Prince Street, havia um milhão de códigos minúsculos a seguir. O lugar de qualquer pessoa na escala social era calibrado ao milímetro com um mero olhar avaliador, e aprender as regras era muito mais difícil do que identificar quadros, porque o único objetivo dessas regras era, se se estivesse integrado, não ser necessário explicá‑las. As horas que passara a aprender cuidadosamente a falar e a caminhar talvez impressionassem a maioria das pessoas — a Leanne, por exemplo, parecia divertir‑se e invejar a minha transformação —, mas algures dentro da Casa havia um armário escondido com chaves da Alice no País das Maravilhas a que eu nunca teria acesso, chaves que abriam jardins cada vez mais pequenos e cujas paredes eram mais impreg‑náveis por serem invisíveis. Porém, no Gstaad, eu era a «betinha», e as raparigas, se é que pensavam nisso, acreditavam que não havia nenhuma diferença entre as namoradas dos futebolistas e as debu‑tantes antiquadas que apareciam lado a lado nas páginas da revista OK! Claro que, no fundo, até tinham razão.

As conversas entre as raparigas, no bar, eram principalmente sobre roupa, sapatos e malas de marca, e sobre homens. Algumas das raparigas juravam ter namorados, muitos deles casados, o que dava origem a uma série de queixas intermináveis sobre os namorados; outras, saíam com homens, o que as obrigava a uma série de queixas intermináveis sobre os encontros. Para a Natalia e a Anastasia e a Martina e a Karolina, os homens eram verda‑deiramente um mal necessário, que tinha de ser suportado para poderem ter sapatos, malas e ir ao sábado à noite a restaurantes japo neses em Knightsbridge. Passavam horas a analisar mensa‑

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gens de telemóvel, a frequência destas e o afeto exprimido, mas a única resposta emocional era reservada para a possibilidade de os homens poderem andar com outras mulheres, ou não estarem a dar presentes suficientes. Seguiam‑se tramas e mais tramas e conspirações nos iPhones, sobre homens que possuíam barcos e até aviões, mas nunca me pareceu que nada disto envolvesse prazer. O amor não era uma língua através da qual comunicássemos; a pele macia e as coxas firmes eram a nossa moeda, que só tinha valor para quem era demasiado velho para as desfrutar. Os homens mais velhos, era a crença partilhada, davam menos trabalho, ape‑sar de terem como contrapartida as suas vulnerabilidades físicas. A calvície e o mau hálito e o Viagra eram realidades, mesmo que nin guém suspeitasse pelas sedutoras mensagens trocadas entre as raparigas e os seus homens. Era a ordem natural das coisas, e elas guardavam o desprezo e umas raras lágrimas para quando estávamos juntas.

Pela primeira vez, no Gstaad Club, tive amigas e senti‑me um pouco envergonhada por me sentir tão feliz. Não tivera amigos na escola. Ainda ganhei alguns olhos negros, assumia uma atitude altiva e agressiva, faltava às aulas e sentia um gozo saudável pelo prazer sexual, mas para arranjar amigos não tive tempo. Além de explicar‑mos que nos tínhamos conhecido no Norte, a Leanne e eu fizemos um acordo tácito de que tínhamos sido amigas na adolescência (se não ter mergulhado a cara de alguém numa retrete contava como ser amiga), e nunca falávamos disso. Além da Frankie, a secretária do departamento na Casa, as únicas presenças femininas constantes na minha vida tinham sido duas raparigas coreanas, sérias, que estudavam Medicina no Imperial College. Tínhamos um calendá‑rio de limpeza da casa pendurado na casa de banho, que seguíamos escrupulosamente, e, além disso, pouca necessidade sentíamos de conversar. À exceção das mulheres que conhecia nas festas muito especiais a que gostava de ir, a única coisa de que eu estava à espera de encontrar nas pessoas do meu sexo era a hostilidade e o desdém. Nunca aprendera a coscuvilhar, ou a dar conselhos, ou a ouvir as histórias aborrecidas e interminavelmente repetidas sobre o desejo frustrado. Mas, aqui, descobri que podia participar nas conversas.

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No metro, deixei de ler a Burlington Magazine e a Economist, e passei a ler a Heat e a Closer, e assim, quando a conversa acerca dos homens escasseava, já podia recorrer à novela interminável da vida dos ato‑res de cinema. Inventei um coração partido (após um aborto), para explicar a minha falta de casos com homens. Não «Estava Pronta» e gostei que me aconselhassem a «Ultrapassar o Problema» e «Con‑tinuar a Viver». Não partilhei com quem quer que fosse as minhas estranhas saídas noturnas. Convinha‑me, apercebi‑me, este universo pequeno e concentrado, do qual o mundo exterior parecia estar longe, onde nada era muito real. Fazia‑me sentir segura.

A Leanne não tinha mentido acerca do dinheiro. Exagerara, tal‑vez, mas era extraordinário, ainda assim. Mesmo com o que gastava em táxis para ir para casa, ganhava seiscentas libras por noite em gorjetas, notas de vinte e cinquenta amarrotadas, e por vezes mais. Bastaram duas semanas para pagar o saldo negativo do cartão de crédito, e algumas semanas depois, num domingo, apanhei um comboio para um outlet perto de Oxford, onde fiz alguns investi‑mentos. Uma saia preta da Moschino, para substituir o meu vestido da Sandro, um vestido de cerimónia branco, maravilhosamente simples, da Balenciaga, sapatos rasos da Lanvin, um vestido estam‑pado da DVF. Pude finalmente tratar os dentes a laser na Harley Street, um luxo depois de anos a ir ao serviço nacional de saúde, e fiz uma marcação no Richard Ward, que me cortou o cabelo para ficar subtilmente parecido com o corte que usava, mas cinco vezes mais caro. Nada disto era para o clube. Para trabalhar no Gstaad, comprei alguns vestidos simples de lojas comuns e melhorei‑os com sapatos de salto alto com plataforma da Loubie. Esvaziei uma prateleira do meu guarda‑vestidos para guardar cuidadosamente a maior parte das novas aquisições, embrulhadas em sacos da lavan‑daria. Gostava de olhar para a roupa, contar as peças como uma colecionadora. Quando era pequena, devorei os livros de Enid Bly‑ton sobre miúdas que viviam em colégios internos, o Colégio de Santa Clara e o das Quatro Torres e Whyteleafe, e esta roupa nova era como se fosse a minha bata e o meu taco de lacrosse, o uniforme da pessoa em que me transformaria.

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Quando ele começou a aparecer, eu estava há um mês no clube. As noites de quinta‑feira eram as mais movimentadas no Gstaad, antes de os homens que tinham vindo em negócios a Londres volta‑rem às suas casas na província, mas chovia a potes lá fora e só havia dois clientes no bar. As revistas e os telemóveis não eram permitidos mal chegassem os clientes, por isso as raparigas estavam apáticas e saíam discretamente para se porem debaixo do toldo a fumar, meio encolhidas, tentando com dificuldade proteger o cabelo da humi‑dade, para não ficar frisado. Ouviu‑se a campainha e o Olly entrou.

— Ponham‑se direitas, meninas! Estão com sorte, esta noite.Alguns minutos depois, um dos homens mais horríveis que eu já

vira entrou a arrastar a enorme barriga. Não tentou sequer sentar‑se num banco alto junto ao balcão do bar, e atirou‑se imediatamente para a banqueta mais próxima, afastando irritado o Carlo com um gesto, até tirar a gravata e limpar o rosto com um lenço. Tinha aquele ar desmazelado que só um fato de bom corte pode resolver, e o alfaiate tivera por certo grandes dificuldades para o conseguir. Abriu o casaco e revelou uma camisa creme esticada por cima da pança, pousada sobre as pernas abertas, e as dobras de gordura do pescoço pendiam‑lhe do colarinho; até os sapatos pareciam estar prestes a rebentar. Pediu um copo de água com gelo.

— Já não via o Bucha há algum tempo — sussurrou alguém.O ritual era as raparigas conversarem animadamente, mexendo

muito no cabelo e olhando de forma provocante, como se estivés‑semos ali por acaso, sozinhas e bem vestidas, até o cliente escolher. O gordo não demorou a fazê‑lo. Acenou na minha direção, com as pregas flácidas e avermelhadas das bochechas a afastarem‑se num sorriso. Ao atravessar o bar, reparei nas riscas da gravata que ele já tinha tirado, no anel de sinete mergulhado na gordura do seu dedo mindinho. Que nojo.

— Chamo‑me Lauren — disse eu enfaticamente. — Quer que me sente ao pé de si?

— James — disse ele.Sentei‑me num movimento delicado, com as pernas cruzadas no

tornozelo, e olhei para ele, com os olhos arregalados e expectantes. As raparigas não deviam falar enquanto eles não pedissem uma bebida.

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— Presumo que queiras que te pague uma bebida… — disse ele, com alguma relutância, como se soubesse como funcionava o clube e que isso era obrigatório.

— Obrigada. Seria ótimo.Não olhou para a lista.— Qual é a bebida mais cara?— Acho que… — hesitei.— Vá lá.— Bem, James, a mais cara é o Cristal de 2005. Queres?— Pede. Não bebo.Chamei o Carlo com um gesto, antes que ele mudasse de ideias.

A garrafa de 2005 tinha o preço escandaloso de três mil libras. Eu já ganhara trezentas. Olá, Gastador.

O Carlo segurou a garrafa como se fosse o seu filho mais velho, mas o James mandou‑o embora com um gesto, tirou a rolha e encheu obedientemente as taças, grandes como aquários.

— Gostas de champanhe, Lauren? — perguntou.Sorri forçadamente.— Bem, por vezes é monótono beber sempre a mesma coisa.— Porque não ofereces a garrafa às tuas amigas e pedes outra

coisa de que gostes?Gostei dele por isso. Ele era fisicamente repelente, mas revelava

coragem ao não exigir que eu fingisse o que quer que fosse. Pedi um Hennessey e bebi‑o devagar. Ele falou‑me do que fazia: traba‑lhava, claro, no mundo das finanças; levantou‑se depois a custo e saiu, deixando quinhentas libras em notas de cinquenta em cima da mesa. Na noite seguinte, voltou e fez exatamente o mesmo. A Leanne enviou‑me uma mensagem na quarta‑feira de manhã, para me dizer que ele viera e perguntara pela Lauren na terça, e na quinta reapareceu, alguns minutos depois de abrirmos. Várias raparigas tinham clientes «habituais», mas nenhum era tão generoso e o meu estatuto melhorou entre elas. Um pouco para minha surpresa, não houve invejas. Mas, ao fim e ao cabo, negócios são negócios.

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