ficha de identificaÇÃo da produÇÃo didÁtico … · 2011-08-14 · obras: bosquejo da história...
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Secretaria de Estado da Educação – SEED Superintendência da Educação - SUED
Diretoria de Políticas e Programas Educacionais – DPPE Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE
FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA PROFESSOR PDE
1. Nome do(a) Professor(a) PDE TITULADO (a): SANDRA APARECIDA PIRES FRANCO 2. Disciplina/Área: Língua Portuguesa 3. IES: Universidade Estadual de Maringá – UEM 4. Orientador(a): Prof.ª Dra. Mirian Hisae Yaegashi Zappone 5. Co-Orientador(a) (se houver): 6. Caracterização do objeto de estudo (exceto Professor PDE Titulado): 7. Título da Produção Didático-Pedagógica: Tomás Antônio Gonzaga e o Cânone Brasileiro 8. Justificativa da Produção: A idéia central deste OAC é o de estudar o cânone, uma preocupação que deve ser freqüentemente discutida pelos professores, uma vez que muitos apenas se mantêm ensinando o que o livro didático veicula como correto. É preciso que os professores busquem estudar sobre cânone para que possam ensinar textos literários nunca divulgados como também os contemporâneos, não ficando presos somente ao que está estabelecido, pois se continuarem lecionando somente o que os livros didáticos apresentam, a escola será o espaço apropriado para que história literária se fortaleça, transformando-se em uma espécie de patrocinadora e divulgadora dos paradigmas por ela criados. Esse OAC desenvolve a temática do ensino de literatura, por meio de exposição teórica sobre a historiografia literária e suas relações com a leitura da literatura no ambiente escolar. 9. Objetivo geral da Produção: Estudar as razões da prevalência do cânone no estudo da literatura na escola, a fim de repensar o estudo dos textos canônicos. 10. Tipo de Produção Didático-Pedagógica: ( ) Folhas (X) OAC ( ) Outros (descrever): 11. Público-alvo: Professores do Ensino Médio da área de Língua Portuguesa e Literatura
Maringá, 29/02/2008.
___________________________________________________ Sandra Aparecida Pires Franco
Professor PDE TITULADA
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA E O CÂNONE BRASILEIRO
OBJETO DE APRENDIZAGEM COLABORATIVA – PROFESSORA PDE TITULADA
SANDRA APARECIDA PIRES FRANCO
“A formação de um cânone tem uma função específica: preservar uma estrutura de
valores considerada como fundamental seja para o indivíduo ou para o grupo; esses valores constituem uma norma, sob a qual este ou aquele se guia. O Cânone é, pois, resultado de um
consenso de valores, que passa a refletir o ideal do grupo, agindo ainda como padrão de conformidade, na medida em que há uma discussão da extensão daqueles mesmos valores. (...) O
consenso do grupo em torno de certos valores se dá a partir da aceitação da autoridade que os define, que está baseada no princípio da experiência no qual o velho sempre ensina ao jovem”.
Alamir Aquino Corrêa
RECURSO DE EXPRESSÃO
Uma percepção da História Literária Brasileira
Antes de qualquer reflexão acerca da História Literária Brasileira, é preciso conceituar
História e Literatura. A História geralmente é estudada como progressiva, ocorrendo relações de
causa e de efeito, sempre relatada pelo subjetivo que escreve, ou seja, a verdade dos fatos para o
homem que a constrói. Devemos salientar que o ponto de vista daquele que escreve sempre
refletirá seu estrato social.
Podemos perceber que a História não se altera, somente se revisa. E quem poderia, nessa
sociedade, fixar essa História? É claro que a escola é uma das instituições que ajuda a definir a
sacralização da História. Só que, infelizmente, ela apenas repete as verdades, não possibilitando
ao aluno uma reflexão.
Existem vários textos que poderão nos ajudar a solucionar o nosso propósito principal
nesta discussão entre história e literatura. Para tanto vamos relembrar os principais críticos
literários no Brasil.
O trabalho dos Críticos Literários no Brasil
Para melhor entendimento da nossa proposta nesse OAC, torna-se importante verificar o
conceito de cânone. A palavra cânone pode significar relação ou catálogo importante, pois que
definido por autoridade reconhecida, assim, cânone literário implica um conjunto de obras
valorizadas por uma característica qualquer.
O que se verifica é que no cânone literário somente são privilegiados os considerados
clássicos, pois a literatura ignora os que não se enquadram em sua época e nos critérios
estabelecidos. Verifica-se que a história literária está diretamente ligada a um valor estético e a
uma relação das obras com o contexto histórico-social e cultural. A sociedade conservadora ou
preservadora estabelece a autenticidade da obra e a mais jovem dificilmente consegue substituí-la,
pois o cânone é selecionado a partir de um corpus maior, por críticos que detêm a autoridade da
seleção.
A historiografia literária tende a consolidar modelos de interpretação segundo interesses de
oligarquias. Toda a interpretação que postule algo diverso do cânone, como o de uma minoria
étnica, de uma periferia, de uma classe social não-dominante, tende a ser excluída, por ser
menorizada quanto à capacidade de formular conteúdos científicos.
O Cânone brasileiro foi criado a partir da primeira metade do século XIX, quando estes
escreviam bosquejos, florilégios, além de antologias, mais tarde biografias e edições de obras,
sendo influenciada pela crítica romântica européia visando à configuração de uma literatura
nacional.
O papel do crítico é fundamental, tendo em vista que são eles quem definem o que é ou
não canônico. Esta definição está envolta em um contexto histórico e por jogos de interesse e de
poder. A crítica literária se une à história literária e torna possível uma visualização do conjunto da
produção estética de cada época, já que o crítico realiza a função de mapear autores e obras,
estabelecendo, inclusive o cânone literário do país, a partir de certos paradigmas.
Introduzir as obras de História da Literatura Portuguesa, sem citar a obra Introduction sur la
littérature portugaise, avec dês notes historiques, géographiques et littéraires de A. M. Sané de
1808, é impossível, pois se trata de uma obra que apresenta um panorama da história de Portugal
elegendo as mais representativas obras literárias portuguesas, selecionando os monumentos
literários, ou seja, os que segundo seus critérios, consistiam em verificar quais obras se
aproximavam dos modelos clássicos.
Devemos observar que, em 1826, as histórias literárias foram influenciadas por duas
obras: Bosquejo da História da Poesia e Língua Portuguesa, de Almeida Garrett, e Resume de l’
histoire littéraire du Portugal, suivi du Resume de l’histoire littéraire du Brésil, de Ferdinand Denis.
Na primeira, o autor seguiu a sistemática de ordenar cronologicamente nomes e obras,
delimitando-os em épocas marcadas por fatos histórico-políticos, embora sem relacioná-los aos
fatos sociais. Garrett destaca o nativismo, sentimento (pré)nacional em suas apreciações. No seu
Bosquejo comparecem Cláudio Manuel da Costa, Santa Rita Durão, Basílio da Gama e Tomás
Antonio Gonzaga.
Percebemos na obra de Ferdinand Denis uma iniciativa de selecionar obras
significativas na produção literária portuguesa, mas o que se observa é que suas escolhas acabam
sendo as mesmas de Bouterwek e Sismondi, pioneiros nesta atividade de seleção de obras
canônicas, o que evidencia a existência da tradição crítica na escolha dos textos que deveriam
comparecer em uma história literária. Um dado importante na obra de Ferdinand Denis é o de ter
mostrado a construção de uma matéria específica, a literatura. Outro aspecto a considerar é o de
que a obra de Ferdinand Denis é o primeiro estudo a evidenciar a singularidade da Literatura
Brasileira, nela aparecendo pela primeira vez a defesa da autonomia. Ele define como critério de
diferenciação de nossa produção em relação à Europa, a natureza grandiosa e o indianismo,
defendendo o critério espacial como natureza, hábitos, tradições e grupos étnicos. Podemos notar
que Ferdinand Denis citou Bento Teixeira, Botelho de Oliveira, Cláudio Manuel da Costa, Antonio
José da Silva, Santa Rita Durão, Basílio da Gama, Gonzaga e Souza Caldas. Mencionou ainda as
Metamorfoses do Brasil, de Cruz e Silva, nascido em Portugal, como também era o caso de Bento
Teixeira e Gonzaga.
Verifica-se por meio desta apresentação de obras pioneiras, a presença de autores
brasileiros, consolidando-se assim a Literatura Brasileira, principalmente pelo fato dos autores
citados apresentarem um projeto nacional e o ordenamento social e político da nação na fase pós-
independência. Até aquele momento, apenas Sismondi e Bourterwek tinham registrado a
produção, que era tida como de autores brasileiros vistos como integrantes da literatura de
Portugal. Em 1829, é publicado o Parnaso Brasileiro, uma antologia das produções poéticas
brasileiras, de Januário da Cunha Barbosa, a que se segue a publicação de bosquejos e florilégios,
dentre outras formas de registro, que começam a surgir na jovem nação, incluindo fundação de
sociedades, revistas e jornais, que iriam compor o projeto de nacionalidade da Literatura Brasileira.
Deste modo, estas fontes demonstram uma visão dos escritores brasileiros, apesar de que o
padrão de referência ainda fosse o de autores estrangeiros.
Torna-se importante visualizarmos quais as histórias literárias brasileiras que temos. São
elas: Ensaio sobre a Literatura no Brasil de Domingos José Gonçalves de Magalhães; Bosquejo da
história da poesia brasileira de Joaquim Norberto de Sousa e Silva de 1841; Da nacionalidade da
Literatura Brasileira de Santiago Nunes Ribeiro de 1843; Histoire de la litterature bresiliene de
Ferdinand Wolf de 1863; Resumo da história literária de Fernandes Pinheiro de 1872; História da
Literatura Brasileira de Sílvio Romero de 1888; História da Literatura Brasileira de José Veríssimo
de 1916; Pequena História da literatura de Ronald de Carvalho de 1919; História da Literatura
Brasileira de Arthur Motta de 1930; Noções de história da Literatura Brasileira de Afrânio Peixoto
de 1931; História da Literatura Brasileira: seus fundamentos econômicos de Nelson Werneck Sodré
de 1938; A Literatura no Brasil de Afrânio Coutinho de 1955; História da Literatura Brasileira de
Antônio Soares Amora de 1955; Formação da Literatura Brasileira de Antonio Candido de 1959;
História Concisa da Literatura Brasileira de Alfredo Bosi de 1970 e História da Literatura Brasileira
de Luciana Stegagno Picchio de 1997.
Nestas histórias literárias, o que percebemos é que de forma bastante sutil, há algumas
apresentações dos autores estabelecidos canonicamente com suas obras mais divulgadas.
Poucos são os historiadores literários que apresentam todas as obras de todos os autores.
Sendo assim, verificamos que, o cânone apresenta o que interessa à classe dominante do
sistema, fora desse contexto, a obra não tem existência. Se um autor serve às necessidades do
sistema, ele é escolhido; senão, não. Seria interessante, pois, constituir um cânone alternativo que
insista em obras esquecidas e rastreie novas fontes da literatura brasileira, tomando o cuidado
para não se estabelecer um outro cânone.
Assim, as histórias literárias tendem a consolidar as interpretações segundo interesses dos
mais poderosos, estabelecendo o cânone. Toda a interpretação que não está no Cânone tende a
ser ignorada, excluída.
Critérios da crítica
A história literária estabeleceu alguns padrões que devem ser seguidos pelos escritores
para que estes possam se incorporar ao cânone. Um dado importante é o de que não podemos
ficar presos apenas ao lado documental, precisamos analisar o lado artístico, senão caímos no
registro do que foi escrito ou não na época. É claro que o contexto é importante, mas também não
podemos julgar só por ele.
Precisamos esclarecer que existem várias histórias: a do conhecimento científico, a história
da recepção, com testemunhos de leitura e crítica da época; a história da leitura, com testamento,
como se agia, com volumes de venda e relato de leitores; a história do desenvolvimento artístico,
preocupando-se com o gênero; a história da utilidade contemporânea, segundo a qual devemos
nos preocupar com o que devemos procurar nessa obras e a história de idéia de valor que acaba
fundada numa estética subjetiva.
Segundo Corrêa (1996), o Romantismo estabeleceu algumas idéias relacionadas à pátria e
suas manifestações em relação à literatura. Datam, desse período, o estudo da definição de
literaturas nacionais e o caso brasileiro não foi exceção. O autor deu destaque à literatura brasileira
que foi objeto de estudos, inicialmente, de estrangeiros, que influenciaram a postura dos literatos
locais. Chegaram até a elaborar esquemas de organização da literatura brasileira válidos até hoje.
A construção de um Cânone literário nacional não é nada simples. Percebemos que
Helena (1995) procurou refletir sobre a necessidade de reinvestigar e questionar os fundamentos
da Literatura Comparada, o que nos faz repensar o lugar da nossa literatura na sociedade e da
nossa cultura no panorama contemporâneo internacional.
Para Coutinho (1996), a Literatura Comparada nos anos 70 teve considerável
transformação e vários debates. Alguns dizem que a Literatura Comparada é o estudo da literatura
e que não se deve deixar afetar por circunstâncias econômicas, sociais e políticas. Para o autor, é
impossível estudar literatura sem a política e termina seu texto dizendo que a Literatura
Comparada tem uma possibilidade enorme de pesquisas, podendo ser muito explorada.
Segundo Lima, o Estado-nação exibe seus escritores. É uma das tarefas do estado a
propagação da literatura enquanto nacional. Quanto à América Latina, esse aspecto é
interessante, por uma série de razões: a) a literatura introduzida na América Hispânica e
Portuguesa foi o romantismo normalizado; b) a literatura estava preocupada em exprimir um estado
nacional, talvez pela nossa autonomia política, segundo Humboldt, as literaturas-americanas ao
falar sobre a natureza, poderiam ficar ao lado das literaturas maduras. Principalmente num tempo
onde se avançam as ciências naturais, em especial a observação; c) a literatura que fosse
descritiva, realista e sentimental e altissonante, era valorizada; d) como também na Europa do
século XIX, o texto literário rompia o intercâmbio com a filosofia, privilegiando a história e a
sociologia nascente; e) descritivismo resultante na história literária e se associando ao
evolucionismo que reforçam as visões homogêneas da cultura; f) a boa literatura era aquela que,
conforme ao padrão descritivo-realista, se revelasse acessível a interpretações alegorizantes –
obra como ilustração de um estado de coisas.
Segundo Lima, estas são as linhas básicas do quadro histórico que devemos repensar.
Para o autor, hoje, o casamento entre Estado nacional e a literatura não existe mais. Lima nos diz
que é preciso uma reflexão, uma nova maneira de estudar a literatura, pois continuamos
vocacionados para uma literatura nacional, importando-nos sempre com valores que nos tornem
grandiosos.
Outro conceito que deve ser discutido por nós neste texto é o valor e o uso do cânone.
Sabemos que o Estado detém o poder e a religião mascara o interesse econômico ou ideológico
da nação. É preciso que haja, então, uma identidade nacional, pois sempre recebemos influências
européias e temos consciência disto. Sabemos que há outros elementos para que possamos
construir uma literatura nacional brasileira sem resquícios europeus.
Infelizmente temos o conceito de que literário deve ser escrito, logo, a verdade deve ser
escrita, só é verdade o que é escrito. As estruturas sociais estabelecem verdades para a
compreensão do que são valores e essas verdades absolutas, que estão presentes no cânone
devem ser aceitas, não sendo possível mudá-las. Por isso, a escola é o local da padronização e
por que não dizer da banalização. Sabemos que não se ensina como ler, não se ensina a
transgressão, ou seja, a correlação mental e muito menos formam-se leitores.
Entra, então, em questão o crítico literário que é o revelador, escrevendo e determinando a
história literária, porém existem decisões que ultrapassam o papel do crítico, como o mercado, por
exemplo.
Na Idade Média, por exemplo, o latim era o meio de seleção do cânone nacional. A
perspectiva geográfica incorpora ao cânone todos os autores que nasceram ou viveram numa
determinada região. As nacionalidades se diferenciam através da língua, ambiente físico, modo de
educação, mescla-se ou não com outras culturas, tradição e hereditariedades. Para Taine a
literatura nacional é produto de um meio, uma raça e um momento; Marx e Engels introduziram o
elemento econômico nos fatores determinantes. Nessa perspectiva, há de se ver as relações
econômicas de nações diferentes, na medida em que tais estruturas são refletidas na literatura;
Tolstoi implica na identificação, observações e análise dos problemas sociais enfrentados pelo
grupo, o que torna essa produção literária um instrumento didático, o que torna a obra micro-
localizada e de intenção concentrada na transformação do processo social. Há uma interação entre
leitor e obra, havendo uma concreta e imediata percepção da realidade. A intervenção do governo
na literatura constituiu na categorização do cânone literário russo; Antonio Gramsci preocupa-se
em caracterizar a literatura nacional como popular. O poeta tem valor por aquilo que apresenta de
diferente à tradição anterior. Uma obra, desde que nova, modifica uma ordem anterior, um cânone.
Assim, verificamos que conforme a cultura e o momento histórico, surgem diferentes
critérios de seleção dos textos que podem figurar no cânone.
Podemos, assim, concluir que conceitos de História, Literatura Nacional e Cânone são
conceitos que precisam ficar bem definidos na mente dos pesquisadores e dos críticos literários,
para que esses não cometam erro algum no momento de elegerem um obra, ou um autor como
parte de um cânone literário nacional, verificando se há ou não a necessidade da história, o que a
nosso ver será estabelecido segundo a perspectiva desse pesquisador e crítico literário, ou seja,
da sua tendência pessoal e da sua época.
Discutindo a historiografia literária
A definição do objeto de estudo desse OAC é, portanto, o de estudar as razões da
prevalência do cânone no estudo da literatura na escola, a fim de repensar o estudo dos textos
canônicos.
Desta forma, faz-se necessário verificar o conceito da palavra cânone, como expusemos
anteriormente. Percebemos que há uma ideologia de poder muito forte e estabelecida em todas as
épocas históricas e uma classe dominante que delimita o que deve se sobressair e o que deve ser
excluído.
A idéia central deste OAC, então, é o de estudar o cânone, uma preocupação que deve ser
freqüentemente discutida pelos professores, uma vez que muitos apenas se mantêm ensinando o
que o livro didático veicula como correto. É preciso que os professores busquem estudar sobre
cânone para que possam ensinar textos literários nunca divulgados como também os
contemporâneos, não ficando presos somente ao que está estabelecido, pois se continuarem
lecionando somente o que os livros didáticos apresentam, a escola será o espaço apropriado para
que história literária se fortaleça, transformando-se em uma espécie de patrocinadora e
divulgadora dos paradigmas por ela criados. Vale ressaltar que esta associação entre história
literária e escola, data do século XIX e permanece até hoje.
O que percebemos com relação à literatura na escola é que ela é didatizada,
pedagogizada, escolarizada. Desse processo, decorre que muitos professores sentem dificuldade
de trabalhar com textos literários na escola, de promover a leitura de livros, de contribuir para
formar verdadeiros leitores, principalmente em razão de não terem teorias claras nas quais podem
se embasar. Ao invés de aproximação e identificação com a leitura literária, vê-se que o acesso a
ela leva os alunos a não gostarem de ler e muito menos entender o conteúdo de literatura
apresentada.
Diante dessa problematização, precisamos retornar um pouco à fase inicial da
escolarização de nossas crianças. Infelizmente, no Brasil o conceito de alfabetização e letramento
tomaram rumos diversos dos países como os EUA, França e Inglaterra.
Nos países desenvolvidos foi percebido que a população, embora alfabetizada, não
dominava as habilidades de leitura e de escrita necessárias para uma participação efetiva e
competente nas práticas sociais e profissionais que envolvessem a língua escrita.
Na França, segundo Soares (2003), a palavra letramento surgiu para caracterizar jovens e
adultos da classe mais desfavorecida que revelavam precário domínio das competências de leitura
e de escrita, dificultando sua inserção no mundo social e no mundo do trabalho.
No Brasil, o despertar já foi em direção contrária. O letramento deu-se vinculado à
aprendizagem inicial da escrita, desenvolvendo-se a partir de um questionamento do conceito de
alfabetização. Ambos se mesclaram, se confundiram. Para Soares (2003), parece haver, nesse
contexto, uma perda do processo de alfabetização, talvez seja o fato de haver o fracasso na
aprendizagem como mencionamos.
No entanto, para compreendermos melhor o que está estabelecido como cânone, torna-se
importante discutir o conceito de letramento, para que não o confundamos com a alfabetização.
Kleiman em seu texto define letramento como: “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita
enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos
específicos”(SCRIBER e COLE 1981 apud KLEIMAN 2004:19).
Sabendo-se desse conceito, o que verificamos é que a escola preocupa-se, não com o
letramento, prática social, e sim com apenas um tipo de letramento que é a alfabetização, o
processo de aquisição de códigos. Devemos ressaltar que a alfabetização está pressuposta no
letramento, não são independentes, mas são interdependentes, pois a alfabetização desenvolve-se
no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades
de letramento e esse só se faz em dependência com o desenvolvimento das relações fonema-
grafema, da alfabetização.
Para seguirmos nossa discussão, vale salientar as duas concepções expostas por Kleiman
acerca do letramento. A autora delimita a existência do modelo autônomo e do modelo ideológico.
O modelo autônomo pressupõe somente uma maneira de o letramento ser desenvolvido e
o modelo ideológico que afirma que as práticas de letramento são sociais e culturalmente
determinadas e que os significados que a escrita assume para um grupo social dependem dos
diferentes contextos em que foi adquirida.
Sabendo-se dessa divergência, perceberemos que o modelo autônomo é o que prevalece
nas instituições escolares. Nessa concepção, o que é pré-estabelecido não sofre alterações desde
o antepassado, mesmo com a massificação da escola.
Segundo Kleiman, o modelo autônomo é o que apresenta “um produto completo em si
mesmo, sem nenhuma ligação com o contexto de sua produção para ser interpretação”(KLEIMAN
2004:22). O que interessa é o texto em si, sem preocupação com o interlocutor.
O modelo ideológico procura demonstrar que a cultura não é o único âmbito de reflexão,
mas sim que as estruturas de poder numa sociedade devem ser analisadas.
Para tanto, debruçar-nos-emos na análise da vida e obra de um único escritor, no caso, o
de Tomás Antônio Gonzaga, autor escolhido por nós por uma questão de delimitação, já que por
meio da análise do caso desse autor poderemos problematizar a temática do Cânone Literário e
Escola.
Salientamos que, infelizmente, quanto mais se desenvolve a divisão do trabalho, mais o
conhecimento cultural fica distante da classe dominada, o que nos leva a perceber que se a escola
é aquela que apresenta somente o modelo autônomo, logo o conhecimento não será adequado
para todos, diante dessa desigualdade social que se alastra no sistema capitalista.
Sabemos muito bem que, além de a escola não saber como adequar sua forma de ensinar,
as relações de poder existentes nela somente aumentarão essa divisão social do conhecimento.
Resta-nos, então, discutir após essa pesquisa se o modelo ideológico prevalecerá na
escola e se os professores estão conscientes de sua prática, repensando a função dos textos
canônicos presentes nos livros didáticos.
Bibliografia consultada
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VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. Brasília: UnB, 1963.
SONS E VÍDEOS
SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS
Direção: Peter Weir
Este emocionante filme, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original, mostra o valor da
poesia para os seres humanos e pode ser um ótimo recurso na introdução do trabalho com o
cânone literário, despertando os alunos para a questão.
Em 1959, na Welton Academy, uma tradicional escola preparatória, um ex-aluno
(interpretado por Robin Williams) se torna o novo professor de literatura, mas logo seus métodos
de incentivar os alunos a pensarem por si mesmos cria um choque com a ortodoxa direção do
colégio, principalmente quando ele fala aos seus alunos sobre a “Sociedade dos Poetas Mortos”.
O professor Keating fala com amor da poesia, mostrando que ela é um bem acessível a
todos e pode melhorar suas vidas. Adquirindo o gosto pela poesia e despertando para a prática da
reflexão filosófica, esses alunos reativam a Sociedade dos Poetas Mortos, reunindo-se
secretamente para as leituras e discussões.
Uma das cenas mais interessantes do filme, especificamente para este trabalho, é a da
primeira aula do Professor John Keating, na qual ele fala aos moços que “não se lê ou escreve
poesia por ser bonitinha, mas sim porque somos membros da raça humana. E a raça humana está
imbuída de paixão. Medicina, Direito, Administração, Engenharia são ocupações nobres,
necessárias à vida, mas poesia, beleza, romance, amor, isso é o que nos mantêm vivos”. É
interessante discutir, a partir disso, que há uma idéia distorcida apregoada por muitos racionalistas
de que a poesia é “perfumaria”, é divagação desnecessária de pessoas sentimentalistas.
Referência:
SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS. Direção de Peter Weir. EUA: Touchstone Pictures,
1989.(129 min).
SÌTIOS
Neste OAC você terá a oportunidade de verificar alguns sítios em que poderá pesquisar
mais e saber quem estuda o cânone.
Diretório de Pesquisa
Cânone Literário Brasileiro
Neste sítio há a apresentação de um diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil, que tem
por título Cânone Literário no Brasil, criado desde 1995, pelo pesquisador Alamir Aquino Corrêa.
O grupo de pesquisa trabalha em três níveis: (a) na revisão historiográfica, no sentido de
estudar os caminhos tomados pelas diversas histórias literárias, delineando propostas e
alternativas de seleção canônica e caracterizando as transformações do cânone brasileiro; (b) na
identificação de vozes não-canônicas (femininas, negras, afro-brasileiras) que passam ao largo do
cânone histórico-acadêmico, e de manifestações literárias recentes ainda não canonizadas
(especialmente no conto e na crônica pós-45; e (c) na identificação de percursos literários
matizados por gêneros e/ou temas (regionalismo, conto urbano, morte/crueldade/noite,
contaminação da prosa de ficção pelo texto dramático). Sem fugir da organização em estilos de
época e/ou momentos históricos, busca-se esmiuçar as nuanças do cânone, especialmente na
tradição dos estudos historiográficos (supressões, recuperações, modificações de juízos críticos
centrados em autores e obras), com vistas a uma consciência de um processo de historicização, a
par de uma descrição mais cuidada, menos seletiva, mais sistêmica dos fatos literários brasileiros.
Além das diversas dissertações de mestrado orientadas e em processo, os resultados têm sido
divulgados em periódicos como Remate de Males (Unicamp), Signum (UEL), Cerrados (Unb) e
Expressão (UFSM), e em comunicações apresentadas em encontros do CELLIP, do GEL-SP, da
ABRAPLIP, da ABRALIC, da ANPOLL, de História da Literatura (PUC/RS), entre outros, além de
disseminações internacionais em Portugal, Espanha e Venezuela. Essa exposição do grupo tem
ensejado convites para participação em bancas de defesa em diversas universidades, para
palestras e mini-cursos e para constituição de grupos interinstitucionais.
Compõem o grupo os professores: Adelaide Caramuru Cezar (Doutora), Gizelda Melo do
Nascimento (Doutora), Sérgio Paulo Adolfo (Doutor) e Luiz Carlos Simon (Doutor). Há a presença
de estudantes como: Daniela Dias Augusto, Irinelson Lopes, Josiane Aparecida Bressan, Michele
Andressa de Souza, Flávia Balarotti, Jaqueline Souza Sampaio de Oliveira, Jusiléia Rocha de
Oliveira e Paula Gerez Robles Campos Vaz.
http://plsql1.cnpq.br/dwdiretorio/pr_detalhe_bt_grupos?strPNroIdGrupo=0080802LXEPBO9&strPQ
uery=&strPConector=ALL
Acessado em:10/12/2007
CURIOSIDADES
Tomás Antônio Gonzaga
Fonte: Isgorogota, Judas, São Paulo, 10 de maio de 1963, p.14-15
Tomás Antônio Gonzaga sabia bordar, o que é compreensível numa época em que as
roupas masculinas primavam pela caprichosa bordadura em prata e ouro. O certo é que essa
habilidade muito lhe valeu quando em Vila Rica, em Pleno coração do Brasil, longe dos grandes
costureiros de Lisboa e do Rio de janeiro, teve necessidade de preparar seus “vestidos”, tanto para
a correta apresentação no exercício de seu cargo, como para o sonhado casamento.
O nome pastoril de Dirceu veio possivelmente do drama “Dircéia” do poeta italiano Pedro
Boaventura Trapassi, o árcade Metástasio, que Cláudio Manuel da Costa havia traduzido. Os
nomes árcades surgiram das tertúlias (momento de encontro), ao modo dos poetas pertencentes
às Arcádias de Lisboa e de Roma.
Importante esclarecer que:
...essas Arcádias – dêem-se-lhes as denominações de Ultramarina e Brasileira – jamais existiram como instituição organizada segundo as normas da Arcádia de Roma, fundada por Gian Vincenzo Gravina e mais treze literatos italianos, em 1690. segundo essas normas, as Arcádias criadas nas cidades italianas ou estrangeiras, passavam a ter a classificação de “colonie”, quando reconhecidas pela Arcádia de Roma, a qual de início realizava suas reuniões nos palácios de nobres romanos até que, por doação do Rei D. João V, de Portugal, conseguiu um local próprio para suas tertúlias, uma formosa casa residencial na colina de Janículo, em Roma. (ISGOROGOTA, 1963: 14-15).
Mas essa Arcádia teve um árcade, Gonzaga, o Dirceu da Marília.
NOTÍCIAS
Será preciso um cânone literário?
Nesta notícia, Jonathan Sacks está certo quando diz que precisamos de uma cultura
comum, mas errado em pensar que deve ser baseada em um cânone. Forçar os jovens a ler a
Bíblia não vai promover um sentido de comunidade. As referências compartilhadas devem evoluir
mais organicamente.
Esta notícia foi escrita por Richard Jenkyns, tradução de Deborah Weinberg.
Disponível em:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/prospect/2007/12/06ult2678u130.jhtm
Acessado no dia: 13/12/2007.
SUGESTÃO DE LEITURA O texto apresentado no sítio abaixo apresenta uma leitura que propiciará aos professores
mais informações a respeito da vida e obra de Tomás Antônio Gonzaga. Trata-se que um trabalho
desenvolvido pela professora PDE Titulada Sandra Aparecida Pires Franco, apresentado no Real
Gabinete Português em 2006 e que é objeto de estudo do seu Doutorado em Letras pela
Universidade Estadual de Londrina.
http://www.realgabinete.com.br/coloquio/3_coloquio_outubro/titulos.htm
Acessado no dia: 13/12/2007
Outra sugestão de leitura está presente na Literatura Brasileira – Textos literários em
meio eletrônico, que apresenta obras completas de Tomás Antônio Gonzaga como Marília de
Dirceu, Cartas Chilenas e uma lista de obra do século XVIII, entre elas: Caramuru de Frei José de
Santa Rita Durão, Poemas de Cláudio Manuel da Costa e O Uraguai de Basílio da Gama.que
poderá ser lida no sítio:
http://www.cce.ufsc.br/ñupill/literatura/gonzaga.html
Acessado no dia: 13/12/2007.
Quanto à obra Tratado de Direito Natural de Gonzaga, é possível ler um texto de Rodrigo
Elias Caetano Gomes, presente no sítio Klepsidra, Série Projetos de Pesquisa com o texto O
Tratado de direito Natural de Tomás Antônio Gonzaga e o Discurso Político no Período Pombalino:
1750-1777, que está presente fazendo o download –antoniogonzaga.doc -62kb.
O tema sobre o qual o autor se debruça para a confecção desta intenção de trabalho está
diretamente relacionado com as preocupações surgidas durante o período no qual fui integrante do
Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, com trabalhos realizados acerca da temática
Cultura Política na América Portuguesa. Especificamente, a preocupação surgida é quanto à teoria
luso-americana de Estado na segunda metade do século XVIII à luz do pensamento jurídico-
político dos estudantes da Universidade de Coimbra – em especial, através do Tratado de Direito
Natural de Tomás Antônio Gonzaga.
http://www.klepsidra.net/klepsidra13/antoniogonzaga.htm
Acessado no dia: 13/12/2007.
INVESTIGANDO
Tomás Antônio Gonzaga: sua classificação nas histórias literárias
Afinal, quem foi Gonzaga? Como os críticos literários o classificam?
Sabe-se que a historiografia literária tende a consolidar modelos de interpretação segundo
interesses de oligarquias. Toda a interpretação que postule algo diverso do cânone, como o de
uma minoria étnica, de uma periferia, de uma classe social não-dominante, tende a ser excluída,
por ser desclassificada quanto à capacidade de formular conteúdos científicos.
Muitos escritos acabam por reforçar determinados cânones e sua revisão quase nunca é
feita, sempre impondo as mesmas obras.
Mas e a obra Tratado de Direito Natural foi canonizada? Pense, você já a leu? Se alguém
lhe fizer essa pergunta, certamente dirá: Só conheço Marília de Dirceu ou Cartas Chilenas.
Gonzaga era de família de origem portuguesa e, para concluir seus estudos, precisava
provar boa origem. O fato de não ter sido trabalhador manual o possibilitou receber o diploma.
Rodrigues Lapa nos demonstra num documento que:
Aos 21 do mês de Junho de mil setecentos e quarenta e
hum em casas de moradas do Reverendo Senhor Comissário Doutor Jose de Souza Ribeiro de Araújo, onde eu escrivão eleito fui vindo para escrever nesta deligencia e para haver de continuar na forma da comissão dos muito Ilustres Senhores Inquisidores Apostólicos da Inquisição de Lisboa, mandou vir perante sy as testemunhas nomeadas, cujos ditos sãos seguintes:
(...) Ao 4º disse que tem noticia do padre João do Rozario, o qual era religioso de S. Francisco e grande muzico, e que vivera nesta cidade mas elle testemunha o não alcançou, e conheceu a D. Maria, may do dito Doutor Thomé do Souto, que he Avo paterno da habilitanda, a qual era natural desta cidade e moradora da frequezia da candelária e tão bem conheceu a D. Joanna de tal, May da dita D. Maria, e SisAvó da habilitanda, a qual se dizia ter sido casada com hum capitam da praça a quem ele testemunha já
não alcançou, e declarou elle testemunha que a dita D. Maria Avó da habilitanda não fora cazada, e teve vários filhos de pais diversos, e entre elles foi hum o dito Doutor Thomé de Souto, o qual se dizia ser filho do dito frei João do Rozario, e esta era a voz mais comum, se bem que lembra elle testemunha que ouvira em huã occasião ao capitam mor Francisco Gomes Ribeiro o qual já he defunto que o dito Doutor era filho de hum religioso do Carmo chamado segundo sua lembrança frei Ignácio da graça, e que este tal religioso tinha seu defeito de sangue por ser de nasção Hebrea porem que o dito capitam mor a quem unicamente ouviu isto alem de ser de gênio mordas estava naquella occasião queixoso contra o dito Doutor por este como Procurados da Coroa se oppor alicença que os Irmãos da Irmandade dos passos, de que elle dito capitam mor era Provedor, ou principal da dita Irmandade pertendião, e procuravão para desmanchar huã Porta chamada da cidade por baixo da qual passava a porsição, e era necessário abaixar o andor dos ombros e trazello nas mãos, e por razão da duvida, que pos o dito Doutor se não se desmanchou a porta naquelle anno.(...)
Ao 8º, disse que a Habilitanda e seus Pais o Doutor Thomé do Souto Gonzaga, e D. Tereza e sua Avó D. Maria, e sua BisAvo D. Joanna forão sempre tidos e havidos por inteiros christãos velhos de limpo sangue, e geração sem raça de judeu christão novo, mouro, mourisco, mulato, infiel, nem de outra alguã infecta nação, nem de gente novamente convertida a nossa Santa fee catholica, antes que forão sempre tidos por christãos velhos sem do contrario haver fama nem rumor. (LAPA apud KOTHE 1997:392-393).
Notamos, assim, que por este documento, não podia ter formação acadêmica nem participar da elite governante quem não fosse da melhor classe social lusitana.
Quanto aos inconfidentes, colocá-los no cânone faz parte do cultivo da sua imagem idealizada de precursores da independência. Percebemos que há uma determinação política antes de verificar o que se deve ou não estar presente no cânone.
Observe os fatos. Na Inconfidência, o Visconde de Barbacena, ao receber a denúncia da conjura, escreveu ao Vice-rei:
Que Gonzaga tendo acabado há muitos meses o seu lugar, se tem demorado por cá so com o pretexto de esperar huma licença para casar que lhe devia ter chegado há muito, e de huma monção que já chegou, e não fala huma palavra ainda de retirada; (...) que he Brasileiro de nascimento, ou ao menos de criação, e não tem que perder em Portugal: assim como também Alvarenga, o qual de mais a mais tendo muito nesta terra, não tem nada, porque tudo deve especialmente à Fazenda real, e só desta forma poderá pagar e ter bens para seus filhos; (...) que o Vigário de São José he amigo particular de Gonzaga, e ao mesmo tempo do Denunciante, e he verdade que elle há muito tempo se dispôs a hir para Lisboa, e depois não tratou mais de tal couza.(...)
Por outra parte lembrou-me também que o Denunciante he reputado por hum homem de mão coração, e capaz de usar para sua conveniência de meyos violentos; que está tanto, ou mais que qualquer outro no estado de divida e responsabilidade à real Fazenda que assim ponderei; e que mesmo agora estará sendo apertado com alguma força, e que por estes motivos tomaria a
resolucção de vir fazer-se emportante e benemérito pela declaração dos factos referidos.(...)
Feitas estas reflecçoens, e levando-as a parte oposta, achei-me sem forças e sem conselho, porque alem de serem os officiaes do único Regimento que tenho pela mayor parte interessados na mesma revolução, ainda que não tenhão concorrido para ella, (...) he certo não tinha na Praça senão até setenta soldados prontos.(...) declarei que tomava sobre mim a demora, ou suspenção do lançamento.(...) Succedeo depois disto vir Gonzaga visitar-me a esta casa onde me acho a três legoas fora de Vila Rica, e logo depois dos primeiros comprimentos contou-me que o Povo daquela Villa estava na mayor satisfação, e que até se lhe fosse possível me levantaria huma estatua. (...) acrescentou logo, que a suspenção da Derra tinha sido huma providencia muito útil, porque o cazo estava muito mão; (...) demorou-se até se achar só, e tornou a mover a conversação para o mesmo objecto, dizendo-me depois de varias antecedências, que ele considerava a Capitania em taes circunstancias que só lhe faltavão duas cabeças; e escapando-me eu ainda desta com boa arte, tornou ainda depois a procurar ocazião de dizer-me que esta Capitania devia estar nas meninas dos do Ministério, porque era a que mais facilmente se podia levantar ainda sem dependência das outras, tanto pela sua situação e defesa natural, como pelas suas producçoens e riqueza etc; de cuja confidencia ou conservação me fui também desviando com a mayor arte e decimulação que podia occorrer. (...) Caxoeira do Campo, 25/3/1789.(LAPA apud KOTHE 1997:393-394).
Outro fato foi quando Gonzaga procurou estabelecer contato com a autoridade portuguesa
para livrar-se da situação:
Nas primeiras perguntas, querendo mostrar o referido Reo
que não só contribuira para a Conjuração, mas que ao contrario sempre indicara e mostrara os meios de a evitar.(...) Imediatamente depois continua o mesmo Reo dizendo: “que sempre que falara com o seu Ex. General lhe dissera que não se podião cobrar as Dividas da Coroa, por serem muitas e estar o Povo muito pobre; e que se devia representar a sua Magestade o estado da Capitania para as perdoar.(...) a dita suspenção era muito útil ao sucego publico: E hum Vassalo (reflete o mesmo Reo) que inspira estas ideas a hum Ministro zeloso, e que tem grande parte na Administração da real Fazenda não interessa senão na fidelidade, e zelo a que se dirigirão similhantes praticas.(LAPA apud KOTHE 1997:395).
Observamos que a sua produção escrita nos momentos mais críticos não ficaram
registrados, mas sim uma produção mais ingênua: que é o caso de Marília de Dirceu, uma versão
romântica, em que não são demonstrados fatos históricos, políticos e econômicos, nem muito
menos falar sobre a Inconfidência Mineira.
Gonzaga foi, portanto, jurista e poeta. No jurista podemos verificar o defensor da existência
de Deus, da fidelidade absoluta ao rei, da indissolubilidade do casamento, mas também o homem
preocupado com direitos superiores a qualquer sistema positivo, o defensor da diferença entre si e
privilégio, da utilidade pública, da liberdade do Estado de Direito contra as turbulências dos chefes
militares e policiais que encontramos na obra Tratado de Direito Natural.
No poeta, temos o imitador da forma arcádica européia e uma elaboração da experiência
do seu tempo e meio, no caso da obra Marília de Dirceu.
Em suma: o cânone só ressalta seu lado mais neutro. O que percebemos é que o pretexto
de se casar era para não se transferir para a Bahia naquele momento histórico.
Segundo Kothe:
Dentro da mesma definição, os inconfidentes foram
condenados de modo geral, por terem traído a confiança. A lírica dos “poetas da Inconfidência” não está no cânone para provar a grandeza interior dos condenados, mas é usada pelo novo Estado para se legitimar contra o estatuto anterior. A rigor, isso não tem nada a ver com poesia.( KOTHE 1997:402).
Percebemos, então que, o cânone apresenta o que interessa à classe dominante do
sistema, fora desse contexto a obra não tem existência. Se um autor serve às necessidades do
sistema, ele é escolhido; senão, não.
É preciso, pois, constituir um cânone alternativo que insista em obras esquecidas e rastreie
novas fontes da literatura brasileira, tomando o cuidado para não se estabelecer um outro cânone.
Assim, a historiografia literária tende a consolidar as interpretações segundo interesses dos
mais poderosos, estabelecendo o cânone. Isso leva a três significados de história: 1. Conjunto de
fatos sociais relevantes; 2. relato do fato com exclusões e deformações; 3. Narração de fatos não
ocorridos. Os três significados são confundidos, não se percebendo mais a diferença entre eles.
Toda a interpretação que não está no Cânone tende a ser ignorada, excluída. Torna-se, às
vezes, uma curiosidade, a ser excluída, a ser esquecida, incapaz de mexer no cânone instituído,
reafirmando-se só o vigente.
Sugerimos, então, que se faça um reexame do cânone, para diferenciar o que nele
ingressou devido à necessidade de ocupar espaço e aquilo que é capaz de se manter após uma
releitura crítica.
Assim, após a confirmação da necessidade de manter relações entre literatura, história e
filosofia, acrescentamos o importante fato de que há a necessidade de se estabelecer na história,
um Cânone Literário específico e se os nomes de autores e livros ali presentes realmente são os
melhores, cabe aos pesquisadores da área investigar.
BIBLIOGRAFIA: CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 7. ed. São Paulo. Companhia ed. Nacional, 1985.
GONZAGA, Tomás Antônio. Tratado de Direito Natural. Edição crítica de M. Rodrigues Lapa. Ministério da Educação e Cultura. Instituto Nacional do Livro. Rio de Janeiro, 1957. KOTHE, Flávio René. O Cânone colonial: ensaio. Editora Universidade de Brasília, 1997. PROPONDO ATIVIDADES
1. Pensando didaticamente a historiografia
Atividade didática: Leitura de livros didáticos, interpretação e análise da prática de sala de aula. Objetivo: - analisar diferentes livros didáticos, verificando como é apresentado determinado autor,
para discussão acerca da canonização.
Recursos: Livros didáticos, textos comentados. Método: Leitura individual, análise individual e/ou coletiva dos livros didáticos. Desenvolvimento: Esta atividade é destinada aos professores do Ensino Médio. Nessa atividade
caberá aos professores investigarem, nos livros didáticos, quais obras são apresentadas pelo autor
que deverá ser estudado pelo aluno. Os professores deverão fazer um levantamento e depois
estruturar um planejamento adequado, vinculado ao Projeto Político Pedagógico da escola em que
atua, repensando a canonização. Para tal atividade, apresentarei um modelo de análise de livros
didáticos, analisando o autor Tomás Antônio Gonzaga. Para essa atividade foram selecionados
três livros didáticos consagrados pelos professores do Ensino Médio.
O primeiro deles é o livro didático Língua e Literatura de Carlos Emílio Faraco e Francisco
Marto Moura da Editora Ática de 1998. O livro apresenta em um volume único uma síntese das
concepções de Língua e Literatura para se trabalhar com alunos do Ensino Médio (1º, 2º e 3º
anos). Quanto à história da literatura, os autores partem do conceito de estilo de época para
estudar cada movimento no contexto em que predominou e propõem em cada unidade o estudo de
textos para que o aluno possa desenvolver o espírito crítico em relação à literatura. A gramática
parte de textos de natureza diversa, desenvolvendo a teoria e os exercícios de maneira gradativa
para garantir a fixação dos conteúdos e a redação apresenta a teoria básica da narração,
descrição e dissertação. Durante a análise esse livro será considerado o nº 1.
O segundo livro didático é Português - Novas palavras: Literatura, gramática , redação
escrito pelos autores: Mauro Ferreira, Ricardo Leite, Emília Amaral e Severino Antônio da Editora
FTD, editado no ano de 2000. trata-se de um único volume que atende aos conteúdos do Ensino
Médio (1º, 2º e 3º Anos). O livro, segundo os autores, aprofunda o conhecimento acerca das
linguagens, de seus sistemas e dos diversos usos a que se destinam. Inicia-se com um roteiro da
literatura portuguesa e brasileira a partir de exercícios de compreensão e interpretação que
permitem identificar a natureza, as especificidades e os traços essenciais dos diversos estilos
literários que se sucedem desde o século XII, em Portugal, e desde o XVI, no Brasil. Procura
examinar os textos mais importantes de cada período no contexto histórico em que surgiram e
verificar como vêm sendo lidos desde então, para perceber o diálogo que cada uma dessas
manifestações da linguagem estabelece com a atualidade. Apresenta também a gramática com
exposições teóricas de cada assunto e um conjunto de experiências de redação. Durante a análise
será considerado o nº 2.
O terceiro livro é Gramática, Literatura e Redação para o Ensino Médio de Ernani Terra e
José de Nicola da Editora Scipione, editado em 1997. O livro apresenta a literatura brasileira em
seus estilos de época e seus autores mais representativos desde o Quinhentismo e suas crônicas
de viagens até as produções contemporâneas. Apresenta também a redação nas composições
tradicionais e técnicas. A gramática é apresentada por meio de textos contemporâneos, letras de
música popular brasileira e textos jornalísticos. Durante a análise será considerado o nº 3.
Nesses livros didáticos selecionaremos o autor, que no caso será Tomás Antônio Gonzaga
e observaremos como ele é apresentado e quais os textos de sua autoria selecionados pelos
autores dos livros didáticos.
No livro didático nº 1, os autores apresentam Tomás Antônio Gonzaga, com uma pequena
biografia, data de nascimento e morte e demonstram duas produções suas: uma poesia lírica, no
caso Marília de Dirceu, colocando-o como um eu-lírico pastor que se apaixona por Marília. Aponta
a divisão dessa poesia lírica em duas partes e apresenta um trecho da Lira XXI; e a poesia satírica,
destacando a obra Cartas Chilenas que foi um poema satírico que percorreu Vila Rica antes da
Inconfidência, em forma manuscrita e anônima, sem a transcrição de trechos da obra. Nos
exercícios, os autores do livro didático questionam somente sobre Marília de Dirceu, perguntando
quem é o autor e como ele foi identificado, qual era o seu pseudônimo, devendo copiar três
palavras relacionadas ao bucolismo que fica evidente na obra.
No livro didático nº 2, apresenta-se uma biografia do autor, destaca-se a obra Marília de
Dirceu e suas divisões, demonstra a Lira XXXIV e LXXXI. Quanto à obra Cartas Chilenas, esta
aparece somente em um quadro cronológico, sem explicação e sem a apresentação de trechos
originais do texto. Os exercícios são basicamente vinculados as liras apresentadas, perguntando
em quantas parte a obra é dividida, o que o autor quis dizer na Lira LXXXI quando grafou a palavra
amor com letra maiúscula. E que as liras apresentam as convenções neoclássicas como: o
pastoralismo, o bucolismo e a personificação alegórica do amor.
No livro didático nº 3, verificamos que a biografia se faz presente, com a obra Marília de
Dirceu, um trecho da lira I. Quanto à obra Cartas Chilenas, há a menção, mas nenhuma
transcrição, apenas um comentário explicativo. Os exercícios basicamente são de alternativas em
que o aluno deve fazer a relação do autor com sua obra.
Ao comparar os três materiais, notamos que Tomás Antônio Gonzaga é apresentado de
forma bastante superficial, mencionando-se rapidamente dados sobre sua vida, suas atividades
sociais. Quanto à apresentação de suas obras, podemos perceber que todos os livros analisados
apresentam basicamente uma obra como importante, que no caso é Marília de Dirceu,
mencionando Cartas Chilenas de forma bastante abreviada e não mencionando em hipótese
alguma a obra Tratado de Direito Natural, um tratado escrito por Gonzaga quando tinha 24 anos de
idade.
O que se pode observar é que todos os livros didáticos fazem uma seleção de textos
semelhante, sem muitos acréscimos, logo o que um estabeleceu como correto, quase todos os
outros acabam fazendo. Trata-se do questionamento deste OAC, ou seja, o de fazer com que o
professor apresente outras obras aos seus alunos, expondo mais dados sobre a vida dos autores,
não prendendo-se somente ao livro didático, pois o professor precisa repensar a sua prática de
aula e estabelecer o estudo da canonização é um meio de iniciar essa nova prática.
Agora é a sua vez:
1.) Selecione três livros didáticos de sua preferência ou livros usados por seus colegas
professores;
2.) Escolha um autor – Carlos Drummond de Andrade, José da Alencar, Machado de Assis ou
outro;
3.) Observe os textos selecionados pelos autores dos livros didáticos -são poesias, contos
crônicas;
4.) Compare os textos apresentados;
5.) Relate o que você pôde observar em relação aos textos selecionados e às informações sobre
os autores. Como você vê tal fato?
Número de participantes: Esta proposta pode ser aplicada aos professores do Ensino Médio da
área de Língua Portuguesa.
Avaliação: Produção de um Folhas pelos professores, verificando se a aprendizagem e o estudo
acerca da canonização foi adequado.
CONTEXTUALIZANDO
A MENTALIDADE BRASILEIRA: CONCEPÇÕES SOBRE A MORTE NAS OBRAS DE TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA
Sandra Aparecida Pires Franco
O propósito deste texto é o de apresentar a mentalidade brasileira do século XVIII a partir
das obras Tratado de Direito Natural e Marília de Dirceu de Tomás Antônio Gonzaga, destacando a
concepção da morte demonstrada pelo autor. Tal pesquisa debruçar-se-á sobre as dimensões da
história das mentalidades, o que se constitui bem mais amplo que o conceito de ideologia, pois
segundo Vovelle ele integra o que não está formulado, o que permanece aparentemente como
não-significativo, o que se conserva muito encoberto ao nível das motivações inconscientes. Trata-
se de analisar a história das atitudes, dos comportamentos e das representações coletivas
inconscientes sobre a morte. O trabalho fundamenta-se no tema morte por ser este um fato natural,
assim como o nascimento. Diante dela todos os homens se igualam, salientando-se que a sua
duração e as modalidades do fim são diferentes segundo as classes sociais a que pertencem os
indivíduos. Para que tal mentalidade brasileira seja registrada para futuros estudos, o trabalho
seguirá o caminho filosófico, verificando o conceito de morte em Aristóteles, Cícero, Sêneca, São
Tomás de Aquino, Santo Agostinho e outros, pois entender a morte é entender o próprio homem
como ser social. Assim, como também, haverá a necessidade de uma pesquisa voltada para os
jusnaturalistas e retóricos do século XVIII. A análise preponderante será sobre a obra Tratado de
Direito Natural (1768), dedicado ao Marquês de Pombal para adquirir o almejado cargo de
professor na Universidade de Coimbra. Trata-se de uma versão que se encontra disponível na
edição crítica de M. Rodrigues Lapa, publicada em 1957. O Tratado retrata o ambiente político e
cultural no qual se conforma o Estado Moderno português do século XVIII. Para esclarecimentos
sobre a obra é preciso destacar que apesar de estar escrevendo em Portugal, Tomás Antônio
Gonzaga não deixou de expressar o ideário dos intelectuais da colônia, uma vez que na colônia
não havia universidades e todos os que queriam estudar iam para a Universidade de Coimbra.
Nesta Universidade, Gonzaga entrou em contato com as traduções e obras filosóficas como a de
Aristóteles, Cícero, Horácio, Quintiliano e outros. O Tratado acaba por ser um revelador das
atitudes realizadas no século XVIII, o que possibilita um estudo das mentalidades do período com
relação à morte. O Tratado por se uma tese desenvolvida por Gonzaga para exercer o cargo de
professor como mencionada, foge dos moldes das teses universitárias que existem hoje e
apresenta-se como objeto as precauções intelectuais do século VIII. O trabalho de Gonzaga
aparecia com atraso, pois o seu tema já fora muito discutido. Gonzaga achava que Portugal estava
atrasado no cultivo das questões jusnaturalísticas e queria então suprir uma lacuna na literatura
portuguesa, apresentando o melhor da doutrina do direito natural, procurando corrigir alguns
pontos de Grócio, Pufendórfio, Tomás Cristiano e Cocceo que poderiam perturbar um principiante.
O Tratado divide-se em três partes, sendo a primeira a que trata dos princípios gerais “necessários
para o Direito Natural e Civil”, onde o autor discorre sobre os principais autores clássicos, tratando
de estabelecer os parâmetros a partir dos quais tratará das duas últimas partes. A segunda, que
trata basicamente das sociedades eclesiásticas e civil, é onde Gonzaga aplica os valores
construídos na primeira parte, a fim de estabelecer seus juízos acerca dos poderes espiritual e
temporal. Na terceira e última parte, o autor trata especificamente da natureza da justiça das leis.
Aqui também é onde ele transforma o arcabouço teórico estudado nas duas primeiras partes em
um discurso pragmático acerca do funcionamento do Estado Moderno. A obra apresenta ainda:
Carta sobre a Usura, Minutas, Correspondência, documentos importantes para se compreender o
passado. Para que haja o total entendimento, faz-se necessário conhecer as referências da tória
grociana que colocava o direito natural como independente da existência de Deus, para poder
compreender o posicionamento de Gonzaga. Para demonstrar que Grócio estava errado, Gonzaga
recorreu a Cocceo. Percebe-se assim, que Gonzaga cita Cocceo para explicar Grócio, mas se é a
opinião própria de Grócio que necessita, ele recorre ao De Jure Belli ac Pacis de Grócio, servindo-
se assim dos autores em proveito de suas próprias intenções. Interessante observar que Gonzaga
não nega a existência de Deus apesar das leituras que teve na sua formação. Gonzaga recusa as
conquistas mais recentes da ciência que cultivava, buscando uma posição que com toda clareza
contrastava com a de seus contemporâneos e predecessores imediatos. Entra, pois, em
contradição com a corrente jusnaturalista dominante, o que não será exagero supor se fez por uma
intenção ideológica, deixando assim muitas indagações. Percebe-se que Gonzaga não temia a
escola jusnaturalista do seu século, pois queria ser uma variante, pois verificando-se as influências
particulares, o regime pombalino incrementou o cultivo do direito natural, daí o desejo de ser
consagrado pela cultura européia de seu tempo para conseguir um cargo no âmbito universitário.
Gonzaga propõe então deixar claro que Deus é a base de todo o Direito Natural, demonstrando
que a existência começa pelas razões físicas, metafísicas e morais, e que as doutrinas conciliam
os princípios do Direito com os postulados do catolicismo. O trabalho deter-se-á na concepção de
morrer bem que se efetiva quando se pensa nas circunstâncias, racionaliza-se a morte e entende a
vida, ou seja, quando se tem consciência do fim,todos querem viver bem. Para morrer bem, deve-
se conviver bem com os outros, logo o conceito de moral, de decência atinge a todos. Deve-se
então organizar a vida. Essa organização está baseada na Igreja que tem sua supremacia perante
o estado, poder este que está inserido na obra Tratado de Direito Natural de Tomás Antônio
Gonzaga. Diante dessas exposições, o primeiro capítulo da tese pretende deixar claro as
dimensões da história das mentalidades, como surgiu, conseqüências, principais autores, suas
diretrizes de análise e o tema: morte. O segundo, visa uma explanação acerca da vida do autor,
sua ideologia. O terceiro pretende mostrar as concepções acerca da morte nos filósofos citados
nas obras de Gonzaga. O quarto pretende demonstrar a posição dos jusnaturalistas e as obras de
retórica e poética do século XVIII e no quinto discutir-se-á a concepção de morte nas obras de
Gonzaga, vasculhando seu posicionamento em relação a outros autores e a concepção de morte
pra a sociedade da época. Assim, o trabalho objetiva-se a demonstrar que há uma correlação entre
a história social e a história cultural, o que evidencia características universais e entender a morte
no transcorrer da história possibilita entender a concepção da mentalidade humana brasileira do
século XVIII, através da obra literária e de um autor que retratava a mentalidade do brasileiro.
Diante deste texto é possível verificar que Gonzaga viveu em uma época em que se
envolvia com problemas sociais, políticos e econômicos, relacionando-se os conteúdos propostos
com a filosofia e o jusnaturalismo.
PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
Diálogo com a História
É indispensável que se exponha os contornos fundamentais da visão de mundo burguesa.
Para tanto, sua contraposição à visão de mundo feudal é necessária para fecundar a compreensão
no âmbito do combate histórico.
Podemos citar Voltaire em sua obra Cândido, nela a sociedade feudal é alvo de ironia
demolidora desse grande iluminista. Há a condenação no caráter predatório que marca a
existência da nobreza, pois suas guerras levam à morte grandes contingentes de homens, além de
destruírem as plantações nos campos. Na busca de saques, a nobreza não cria riquezas, mas
destrói forças produtivas. Em Cândido há a condenação da Inquisição, da intolerância religiosa,
das missões jesuíticas e principalmente, o ócio. Ociosos, os integrantes da nobreza e do clero
tinham a sua existência assegurada pelo trabalho servil.
O camponês produzia para si mesmo, para o senhor feudal e pagava o dízimo para a Igreja
Católica. Assim, despreocupados com a reprodução material, os camponeses das classes
dominantes desprezavam o trabalho manual e não colocavam questões práticas no rol de suas
cogitações. Muito distinta era a situação do homem burguês. Esse homem prático manipulava
informações para exercer um domínio pleno dos seus negócios.
O domínio dos negócios burgueses associa-se, diretamente, ao próprio domínio do mundo
material. Por isso, quando começa a se desenvolver a ciência baseada na observação e na
experimentação, é o burguês o seu maior beneficiário. Os recursos que ela coloca em suas mãos
viabilizam o maior controle de seus negócios. Os instrumentos, que passam a mediar as relações
do homem com a natureza e com outros homens, dinamizam os empreendimentos burgueses. As
armas de fogo tornam as caravanas mais seguras. O telescópio desenvolve a astronomia. A
descoberta de novos astros e estrelas faz o homem se aventurar por mares desconhecidos. São
registrados novos acidentes geográficos. São feitos mapas de regiões até então ignorados. Novos
povos são contactados e seus costumes estudados para favorecer o intercâmbio comercial.
Quanto maior é o domínio do mundo material, expresso nos recursos de que são dotados os
instrumentos, maior é o controle que a burguesia tem de seus negócios. Mas é necessário
acentuar, também, a dependência da ciência moderna face aos empreendimentos práticos
burgueses. A ciência moderna não nasce dentro das universidades, mas no interior dos navios e
das manufaturas.
A compreensão do processo de transição em pauta demanda o próprio entendimento do
combate que lhe particulariza. No interior dele estão em disputa, fundamentalmente, a nobreza e o
clero feudais, de um lado, e a burguesia ascendente, de outro. Entretanto, o poder econômico e
político da burguesia são muito diferentes se comparados às épocas do Humanismo e do
Iluminismo. O Humanismo é o primeiro grande movimento ideológico burguês, enquanto o
Iluminismo, desencadeado em fins do século XVII e dominante no século XVIII – o Século das
Luzes, é o próprio pensamento burguês típico das vésperas da revolução burguesa. Por estar na
origem de um processo, o primeiro é, compreensivelmente, débil e conciliador, em oposição ao tom
desafiante do segundo, que culmina o mesmo processo. O Humanismo reivindica espaço para a
burguesia no mundo feudal, enquanto o Iluminismo nega às forças feudais um lugar no mundo,
pregando a sua destruição. São, como se deduz, movimentos que expressam diferenças nítidas
quanto ao grau de radicalidade do pensamento burguês. Mas ambos são o que são por serem,
antes de tudo, produtos de distintas correlações de forças, típicas de dois momentos muito
diferentes do processo de transição da sociedade feudal para a sociedade capitalista.
Quando se analisa o processo de desenvolvimento do pensamento burguês, pode ficar a
idéia de que se fez de forma homogênea em diferentes regiões da Europa. Isso não é verdade. O
Humanismo foi um fenômeno exclusivamente italiano no século XIV e predominantemente italiano
no século seguinte, quando passou a extravasar para além dos seus limites iniciais em direção à
França, à Alemanha, à Inglaterra, aos Países Baixos e à Península Ibérica. O Iluminismo, da
mesma forma, teve como berço a Inglaterra, em fins do século XVII, e expandiu-se para outros
países europeus no século XVIII. A França foi então reconhecida, por inúmeros estudiosos, como o
local onde se deu a manifestação clássica do fenômeno. Na segunda metade desse mesmo
século, o Iluminismo já dominava toda a Europa e atingia as mais distantes e distintas regiões do
globo, por força do processo de integração do mercado mundial realizado pelo capital.
Logo, não há uma correspondência temporal imediata na ocorrência tanto do Humanismo
como do Iluminismo em diferentes regiões da Europa. Essa ocorrência se dá em estreita
correspondência com o estágio de desenvolvimento no espaço, diferenciam-se no tempo os seus
momentos de eclosão, assim como o grau de radicalidade de suas manifestações em áreas
distintas do universo. Mas há algo que deve ser acentuado: são as regiões que estão no epicentro
do desenvolvimento das forças produtivas que expressam, de uma forma mais acabada, esse
mesmo desenvolvimento no plano das idéias. Assim, a Itália esteve na vanguarda do Humanismo
por força do monopólio mercantil que suas cidades detiveram na Europa. De imediato, as grandes
descobertas e a exploração de novas rotas comerciais, tendo como eixo o oceano Atlântico,
deslocaram a hegemonia mercantil para a Espanha, para Portugal e para a Inglaterra. Reproduziu-
se, então, o que já havia ocorrido na Itália durante os séculos XIV e XV; houve um florescimento de
pensadores e artistas nessas novas regiões, nos séculos XVI e XVII. Contudo, somente a
Inglaterra encetou de forma radical o domínio do capital sobre a produção, segredo de seu poderio
e sua riqueza no comércio, daí perderem gradativamente as condições de competição no mercado.
No final do século XVII a Inglaterra emergiu para o mundo como a grande potência capitalista. A
partir desse momento, foi ela o berço de algumas das mais expressivas produções no plano do
pensamento. O Iluminismo nasceu no seu regaço em fins do século XVII. Também por força do
avanço de sua base material, em especial pelo fato de sua produção encontrar-se plenamente
dominada pelo capital, amadureceu no século XVII a economia política, cuja preocupação girava
em torno da elucidação da teoria do valor.
Sobre a defasagem do pensamento burguês em Portugal e na Espanha, países europeus
atrasados materialmente no século XVII, é muito expressivo um verbete de A Enciclopédia, escrito
por D’Alembert e intitulado Filosofia da escola:
ESCOLA (Filosofia da ), designa-se assim a espécie de filosofia também e mais vulgarmente chamada escolástica, que substituiu as coisas pelas palavras, e os grandes objectos da verdadeira filosofia pelas questões frívolas ou ridículas; que explica coisas initeligíveis por termos bárbaros; que fez nascer ou pôr em lugar de destaque os universais, as categorias, os predicamentos, os graus metafísicos, as segundas intenções, o horror do vazio, etc. esta filosofia nasceu do engenho e da ignorância. Pode-se ligar a sua origem, pelo menos o seu período mais brilhante, no século XII, tempo em que a Universidade de Paris começou a tomar um aspecto brilhante e duradouro. O pequeno número de conhecimentos então difundido no universo, a falta de livros, de observações, e a dificuldade em os conseguir, orientam todos os espíritos para os problemas fúteis; raciocinou-se com abstracções, em vez de se raciocinar sobre seres reais: criou-se para esta nova espécie de estudo uma nova língua, e as pessoas consideraram-se sábias por terem aprendido essa língua(...).
É a Descartes que principalmente devemos o ter sacudido o jugo desta barbárie; este grande homem desenganou-nos da filosofia da escola (...). A Universidade de Paris, graças a alguns professores verdadeiramente esclarecidos, livra-se insensivelmente desta lepra; no entanto ainda não está completamente curada. Mas as universidades de Espanha e de Portugal, graças à Inquisição que as tiraniza, são muito menos avançadas; nelas a filosofia está ainda no mesmo estado em que entre nós esteve do século XII até ao século XVII; os professores chegam a jurar que jamais ensinarão outras: a isto chama-se tomar todas as precauções possíveis contra a luz. Num dos jornais dos sábios do ano de 1752, no artigo Novidades literárias, não se pode ler, sem espanto nem aflição, o título deste livro recentemente impresso em Lisboa (em pleno século XVIII): Systema aristotelicum de formis substantia libus, ets., cum dissertatione de accidentibus absollutis (Ulèssipone, 1750). Quase que é de crer que se trata de um erro de impressão, e que é 1550 que devemos ler. (D’ALEMBERT, 1974, p.58-9).
A obra alvo da ironia de D”Alembert foi editada antes da instauração das reformas
pombalinas em Portugal, o que atenua o impacto da crítica. Mas, mesmo o Alvará Régio de 1759,
marco inicial das reformas pombalinas da instrução pública, ao extinguir as escolas jesuíticas,
coloca em evidência um discurso pedagógico conciliador. Na segunda metade do século XVIII, a
burguesia portuguesa ainda não combate frontalmente as forças feudais.
Portugal tardiamente sentira a influência do Iluminismo. O termo influência, no caso em foco,
expressa com rigor a natureza da manifestação lusitana dessa frente de luta ideológica que a
burguesia movia contra as forças feudais. A nação portuguesa não experimentara a transformação
de sua base material. E, sem desenvolvimento das forças produtivas, se estrangulara o próprio
desenvolvimento da burguesia e de suas manifestações culturais. Uma burguesia débil, vacilante e
conciliadora via-se impedida de expressar, na instância superestrutural, suas aspirações mais
puras e progressivas. Daí porque o Iluminismo se projetou muito mais como um movimento cujo
fluxo veio de fora, fruto da pregação de intelectuais. O Iluminismo português encarnou um desejo
incontido de modernização do reino, pobre e atrasado ainda na segunda metade do século XVIII,
cuja justificativa apelava sempre para o estágio das nações européias mais ricas e evoluídas.
Os intelectuais lusitanos clamavam, insistentemente, pela modernização do reino,
procurando, dessa forma, suprir o vácuo político decorrente da vacilante atuação da burguesia
portuguesa. O Iluminismo, produzido como expressão do desenvolvimento material dos países
mais avançados, se constitui numa arma de luta para justificar a proposta política dos
estrangeirados. Quadros intelectuais que assumiram a perspectiva burguesa, os estrangeirados,
quase sempre, beberam fora do país as idéias iluministas pelas quais lutaram. Como a base
material, em Portugal, não era suficientemente avançada para estimular a produção intelectual
correspondente aos problemas colocados pelo novo tempo, coube aos viajantes, aos diplomatas e
aos religiosos, que se deslocavam constantemente por outros países europeus, a constatação da
imensa defasagem econômica e cultural do reino. Entre os nomes que realizaram esta tarefa,
podem ser citados: Ribeiro Sanches, D. Luis da Cunha, Luis A. Verney e o próprio Marquês de
Pombal, que serviu à diplomacia lusa em Londres e Viena. Muitos deles registraram suas
impressões e recomendações no papel, dando margem ao surgimento de obras fundamentais do
pensamento burguês em Portugal. Contudo, pelo fato de terem assimilado no exterior as idéias
mais avançadas da época, foram estigmatizados pela reação feudal, no interior do país, com a
qualificação provinciana de estrangeirados.
PARANÁ
Salientamos que o estudo do Cânone se faz presente atualmente na Universidade
Estadual de Londrina, cujo objetivo é o de compreender os procedimentos e evoluções das
canonizações literárias brasileiras, caracterizando o desenvolvimento dos gêneros literários na
literatura brasileira e historiando as técnicas, formas e temas da literatura brasileira.
DESTAQUE
Importante destacar uma literatura nova que está surgindo. Trata-se de:
Uma sombra ao meio-dia
Tiago Coutinho especial para O POVO
Recém lançado com o apoio da Secretaria de Cultura do Ceará, o livro "O Sol na
Palavra - A Literatura Cearense Sob o Signo Solar", de Sarah Diva.
17/11/2007 00:49
"Como se formou uma tradição literária que tem no exílio sua possibilidade de existência?".
A pergunta curiosa demonstra a ousadia e o olhar apurado de Sarah Diva ao se debruçar sobre a
obra de três escritores nascidos no Ceará no século XIX. Imbricada nas prosas de José de Alencar
(1829-1877), Adolfo Caminha (1867-1897) e Antônio Sales (1868-1940), a autora apresenta como
eles recorreram ao signo do sol para revelar a formação de uma "literatura cearense". Em sua
análise, Sarah foge do conceito de identidade e anuncia, desde o princípio, não buscar respostas
para a sua indagação nos elementos regionais, carregados de estereótipos e equívocos. A ligação
entre os autores escolhidos são duas: o exílio e o sol. Todos deixaram o Ceará na mocidade.
Arribaram para a corte. Por outro lado, o sol é apresentado pelo trio de forma singular. Sarah
busca, em seu ensaio, a articulação da "expressividade significativa da metáfora solar".
Para saber mais: www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/745425html
Acessado no dia: 15/12/2007.