festas juninas em bandiaçu dos anos de 1990 a 2011

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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV COLEGIADO DE HISTÓRIA JAIR MOTA JUNQUEIRA FESTAS JUNINAS EM BANDIAÇU DOS ANOS DE 1990 A 2011 Conceição do Coité 2011

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV

COLEGIADO DE HISTÓRIA

JAIR MOTA JUNQUEIRA

FESTAS JUNINAS EM BANDIAÇU DOS ANOS DE 1990 A 2011

Conceição do Coité

2011

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JAIR MOTA JUNQUEIRA

FESTAS JUNINAS EM BANDIAÇU DOS ANOS DE 1990 A

2011

Artigo apresentado ao Departamento de Educação do Estado da Bahia (UNEB), curso de licenciatura em História, como parte do processo avaliativo para obtenção do grau de Licenciado em História.

Orientadora: Prof. Ms. Adriana Teles Boudoux

Conceição do Coité 2011

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FESTAS JUNINAS EM BANDIAÇU DOS ANOS 1990 A 2011

Jair Mota Junqueira1

RESUMO

A festa revela não apenas os momentos festivos de uma localidade, mas também

as vivências cotidianas, suas identidades, valores e tensões. O artigo discute as festividades no mês de Junho, enfatizando o São João, focando o distrito de Bandiaçu2 no município de Conceição do Coité dos anos 1990 a 2011. Para tanto, são analisadas as imbricações entre as esferas sagradas e profanas; as relações políticas existentes nessa festividade; continuidades, mudanças e dificuldades que se efetivaram ao longo dos anos. O objetivo será entender suas origens e perpetuação, recorrendo, portanto, às narrativas dos participantes bem como registros fotográficos.

Palavras-Chave: Festas Juninas. Sagrado. Profano. Política.

ABSTRACT

The party reveals not only the festive moments of a locality, but also the daily experiences, their identities, values and tensions. The article discusses the festivities in June, focusing on John, focusing on the district Bandiaçu in the municipality of Conceição do Coité the years 1990-2011. To this end, we analyze the interplay between sacred and secular spheres, the political relations existing at that feast; continuities, changes and difficulties that they conducted over the years. The goal is to understand its origins and perpetuation, using, hence the participants' narratives as well as photographs. Keywards: State Fairs. Sacred. Profane. Politics.

¹ Estudante do curso de História da Universidade do Estado da Bahia, Campus XIV. Pesquisa desenvolvida sob orientação da Professora Adriana Teles Boudoux. 2 Esse distrito situa-se no município de Conceição do Coité, em pleno semi-árido nordestino. Está a cerca de 10 km da sede. Sua economia baseia-se na agropecuária, nos benefícios do INSS e mais recentemente, nos valores repassados pelo governo federal através do programa Bolsa Família. (IBGE, 2010).

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Considerações introdutórias

Este artigo tratará sobre festejos juninos no distrito de Bandiaçu dos anos 1990 a

2011. Esse recorte temporal dá-se pela incorporação de algumas novidades nos festejos

nesse período. Será dada ênfase à festa de São João, que é a manifestação mais

comemorada. Percebe-se, após algumas leituras, que os festejos do mês de Junho (Santo

Antônio, São João e São Pedro), de forma geral, são tratados como O São João, por

alguns autores, na mídia, em propagandas e principalmente entre os populares, não

havendo, portanto, uma distinção acentuada na comemoração dos santos.

Também será analisado o famoso Rapa, uma tradição que, ao que tudo indica,

teria sido iniciada na localidade no dia 25 de Junho, entre os anos de 1967/68 por

populares que, inconformados com o final das festas, resolveram sair de casa em casa,

recolhendo as comidas e bebidas que haviam sobrado das comemorações. Essa

manifestação encontra-se em crise desde início do século XXI, quando apareceram os

primeiros sinais da “decadência”, percebida após sucessivos períodos de diminuição na

quantidade de adeptos, que talvez tenha ocorrido pela concorrência de povoados

vizinhos, os quais passaram a copiá-lo, e da má organização facilmente percebida no

evento.

O objetivo do trabalho é perceber como se deu a introdução dos festejos locais,

suas permanências, mudanças e influências, dialogando com manifestações análogas em

diferentes lugares, percebendo e discutindo semelhanças e diferenças culturais e

regionais.

Foram utilizados livros, artigos, textos e imagens que tratam sobre o conteúdo de

maneira geral. Porém, como não existe nenhum trabalho sobre o assunto específico da

localidade, entrei em contato com moradores locais que presenciaram os fatos, assim,

através da oralidade, buscarei preencher as lacunas deixadas pela ausência de

documentação escrita.

A história oral, segundo Paul Thompson, é a interpretação da história e das

mutáveis sociedades e culturas através da escuta das pessoas e do registro de suas

lembranças e experiências. Esta surgiu no século XX, com o intuito de diversificar as

fontes e somar-se às escritas. Em muitos casos, é o único meio de registrar e analisar

costumes e hábitos que não dispõem de documentos escritos. Porém, ela é seletiva,

estando sujeita tanto a esquecimentos, quanto a acréscimos e silêncios.

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Origens do São João e sua inserção no Brasil e em Bandiaçu

Segundo Campos (2007, apud Araújo, 1957; 1973), os estudiosos situam as

origens das comemorações juninas entre os povos arianos e os romanos, na Europa, na

Idade Antiga. As festas eram consideradas parte dos rituais de celebração da passagem

para o verão (inverno no Hemisfério Sul). A população rural promovia as festas para

afastar os espíritos maus que provocavam a esterilidade da terra, as pestes nos cereais e

as estiagens. No decorrer da Idade Média, a festa foi cristianizada e a Igreja Católica

deu-lhe como padroeiros os santos cujas datas localizam-se na época da mudança de

estação.

Chianca (2009) comenta que o São João passou a ser comemorado na Europa a

partir do nascimento de João Batista, no dia 24 de Junho. A fogueira que o representa

teria sido acesa por ordem de sua mãe Isabel para avisar a Maria, sua prima e mãe de

Jesus, que se encontrava em outro ponto do vilarejo, que havia dado a luz.

De acordo com Chianca (2009), buscando manter a hegemonia, evitando práticas

que pudessem distanciar os fiéis de seus dogmas, a Igreja Católica reagiu de forma

áspera à prática de acendimento das fogueiras que eram tidas como rituais pré-cristãos,

portanto, símbolo do paganismo. Eram acesas nos cultos solares no dia com maior

duração da luminosidade, no caso, 21 de Junho, simbolizando a vitória da luz e do calor

sobre a escuridão e o frio.

Ainda na visão da autora, inúmeras tentativas frustradas do alto clero, no sentido

de banir as práticas pagãs, consideradas satânicas, foram revistas somente no Concílio

de Trento (1545-1563) onde, após muitas opiniões contrárias, a Igreja resolveu

incorporar as fogueiras. Considerou-as “fogos eclesiásticos”, sendo banidas as

superstições, e o fogo sendo resignificado como sinônimo de purificação e símbolo da

Inquisição.

Chianca (2009) explana que, no século XVI, com a recente chegada dos

portugueses e como forma de aproximação e catequização dos povos indígenas, os

colonizadores souberam utilizar-se muito bem das fogueiras, há muito usadas pelos

nativos, e dos fogos que impressionavam e despertava a simpatia dos índios. Porém

após mais uma série de discussões no seio da religião predominante, as fogueiras e os

fogos foram proibidos desde 1641, até meados do século XX. Diante das proibições, as

festas ocorriam com grande vigilância do clero, que buscava identificar e punir práticas

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pagãs, como fogueiras, fogos, adivinhações, batismos e casamentos de fogueiras.

Verifica-se muita resistência no que se refere às mudanças, principalmente por parte da

ala mais conservadora da Instituição, os quais se colocam radicalmente contra ritos

pagãos nos festejos.

Soihet (2005) remete ao pensamento do padre José Maria Martins Alves da Rocha

a respeito das festas populares de cunho pagão:

Tais festejos não significam regozijo e muito menos idéia de religião, e nem recomenda a nossa civilização. Servir-se de atos de religião para dar-se à crápula, à embriaguez, ao jogo, a todos os vícios enfim, é a maior das ofensas que se possa fazer à religião, é voltar-se ao paganismo, é negar-se a fé. (Rocha apud SOIHET, 2005, p. 351).

Apesar de terem sido introduzidos no Brasil por povos europeus responsáveis pela

colonização do território, os festejos sofreram várias influências da cultura local. Tais

incorporações devem-se, segundo Darcy Ribeiro (2000), à singularidade da população

brasileira que foi formada a partir de etnias bastante diferenciadas e, consequentemente,

de diferentes culturas, o que de forma positiva contribuiu com vários ritmos, crenças e

sabores. Dentre as incorporações realizadas no São João brasileiro, está o costume de

nesse período consumir-se aipim, amendoim, milho e derivados (pamonha, canjica,

cuscuz, bolos de milho, mingau, mugunzá), jenipapo, cajá, umbu que são muito

utilizados na fabricação de licores, coco e derivados (cocadas, leite de coco), beiju e

tapioca no Norte, pinhão no Sul, pão de queijo no Sudeste. Como afirma Russo (2003),

outras manifestações como o Forró, Tambor-de-crioula, Boi-bumbá também são

manifestações nacionais. Há ainda, a tradicional quadrilha que, apesar de ser de origem

francesa, também sofreu influências nas letras das músicas, nas danças e na inserção de

novos personagens, como o caipira ou matuto, sertanejo, tabaréu etc.

Segundo Campos (2007), em períodos juninos no meio urbano, indivíduos se

caracterizam de caipiras, os quais são apresentados com vários estereótipos: dentes

falhados, roupas rasgadas e remendadas e forma de falar de maneira incorreta. Afirma

ainda que muitos centros escolares nesse período, talvez de forma impensada,

estimulam os alunos a incorporar diversos preconceitos. O camponês é visto como

atrasado e ignorante. Deve-se trabalhar na expectativa de difundir as diferentes culturas

existentes em nosso país, no sentido de divulgá-las positivamente.

Em Bandiaçu não é diferente. Apesar de se encontrar numa região totalmente

rural, percebe-se a difusão da imagem do indivíduo do campo de forma estereotipada.

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Nas apresentações juninas, principalmente nas escolas, notam-se pessoas caracterizadas

de matutos com dentes cariados, mal trapilho e deselegantes ao andar e falar. Deve-se

compreender que as necessidades enfrentadas pelas pessoas da zona rural são oriundas

de um país desigual, carente de reforma agrária, saúde e educação. A importantíssima

diversidade cultural existente no Brasil, é fruto justamente das diferenças culturais que o

formaram, daí, a pluralidade da nossa cultura e a singularidade do povo brasileiro.

Júlio Grigório, morador do distrito há 80 anos, afirma que a tradição de

comemorar o dia de São João em Bandiaçu teria sido iniciada no final da década de 40,

por volta de 1947/1948. Seguindo o calendário dos santos do catolicismo, muitas

famílias tinham o hábito de acender fogueiras e consumir milho e seus derivados

(pamonha canjica, cuscuz, bolo, mingau, mugunzá), e diversos tipos de licores, ao som

do autêntico Forró, que tinha como instrumentos musicais a sanfona, zabumba,

triângulo, pandeiro e ganzá3. Na comemoração eram soltos pequenos fogos de artifícios,

símbolo da alegria e da comemoração do nascimento do santo.

Segundo o senhor Gregório Anselmo, um dos mais antigos moradores da

localidade; “era uma festa que acontecia entre parentes, cumpades e amigos, onde todos

dançava, cumia, bebia e se divertia sem nenhuma confusão”. (Entrevistado em

08/07/2011).

De acordo com o senhor Jorge, morador local, no final da década de 1980,

passaram a ser contratados grupos musicais que inicialmente tocavam no chão,

contando logo após com um caminhão como suporte para os instrumentos musicais e

cantores. Somente por volta da segunda metade da década de 1990, o caminhão foi

substituído por um palco.

A alvorada consiste no costume de soltar uma grande quantidade de fogos em

seqüência. O senhor Antônio, um dos primeiros organizadores dessa prática, afirma que

ela teria sido iniciada no início da década de 70, onde as pequenas bombas eram

hegemônicas devido à ausência de outros fogos que provocasse estouros. As bombas

eram montadas uma a uma, sendo que havia duas fileiras separadas por mais ou menos

um centímetro de distância, unidas por certa quantidade de pólvora que servia para

desencadear as explosões simultaneamente. Havia a necessidade de que, no término de

uma alvorada, fosse montada rapidamente a posterior. Já que eram milhares de

3 Instrumento musical confeccionado com tampas de garrafa, arame e madeira.

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pequenas bombas que dava muito trabalho para serem organizadas. Assim, garantia-se

as explosões no horário programado.

De acordo com o senhor Antônio, a Alvorada contava com a contribuição de

populares para compra do material. Somente no limiar da década de 90 passou a ser

custeada pela Prefeitura Municipal. Nesse mesmo período, iniciou-se a prática de

ordenar a queima de fogos. Dessa forma, a primeira queima teria início às 00:00h, do

dia 22, seguida por mais quatro queimas que seriam desencadeadas a cada uma hora,

portanto, até às 05:00h da manhã.

Somente por volta de 1998/1999, houve uma modificação que viria a facilitar a

montagem e a queima de fogos. As pequenas bombas foram substituídas por fogos mais

modernos que, além de facilitar a arrumação, trouxeram algo além das simples

explosões provocadas pelas bombas. Cascatas de luzes com cores variadas

acompanhadas de longos assovios passaram a abrilhantar ainda mais o espetáculo. (Ver

imagens 1 e 2).

Outra manifestação bastante difundida são as quadrilhas juninas, que, segundo

Chianca (2009), vieram para o Brasil juntamente com a Corte portuguesa em 1808.

Estas não eram exclusivas do mês de Junho, pois animava os carnavais e festas de salão

realizadas pelos círculos sociais da monarquia. Após a queda do regime, as quadrilhas

saíram de cena pelo menos até 1950, quando ressurgiram com a substituição dos

elegantes nobres pelos matutos e caipiras.

As quadrilhas em Bandiaçu, segundo a professora Joana Angélica, passaram a

acontecer de forma periódica na década de 90. Essa sempre ocorreu na noite do dia 22,

abrindo a festa. Porém, por volta de 2003, iniciou-se a tradição de dançar quadrilha

também no dia 21, à noite, passando a transformar-se na abertura do evento.

Existem dois tipos de quadrilha que se apresentam no São João: a tradicional e,

mais recentemente, as que vêm ocorrendo aproximadamente desde 2005, onde se

verifica mudanças no que concerne às roupas e músicas utilizadas. Estas últimas

receberam influências de diversos estilos como Rip Rop, Axé, internacional, forró

tradicional e universitário. Tais alterações buscam inovar na maneira de apresentação da

dança, coexistindo com a forma tradicional. (Ver imagens 3 e 4).

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São João e diversidade cultural

Como afirma Pinto (2010), as festas a partir de 1970 passaram a ser vistas pela

historiografia, com uma atenção mais constante e inovadora. Isso se deu graças ao

trabalho de historiadores vinculados à História Social que resgataram tanto a

perspectiva do mundo da cultura na história, quanto a perspectiva da “história vista de

baixo”. A festa, como objeto de estudo, pertence ao campo historiográfico da História

Cultural. Esta, apesar de rotulada recentemente, é herdeira de uma longa trajetória, cujo

início deu-se através da Escola dos Annales, nas primeiras décadas do século XX e,

mais diretamente, como afirma Cecília Azevedo (2003 apud PINTO, 2010), na crise do

paradigma economicista da década de 1960. O abandono das grandes teorias

estruturalistas foi responsável pelo desmoronamento da visão mecânica das sociedades,

permitindo abordagens etnográficas na História, colocando em foco a consciência, as

tensões, as atitudes e as crenças dos atores sociais.

Ribeiro (2000) comenta que a cultura popular representada pela participação

maciça das pessoas de menor poder aquisitivo e personificada através de expressões

como danças, crenças, hábitos e vestimentas, recebeu em diferentes momentos críticas

por parte das elites que restringiam a idéia de civilidade a uma simples cópia de

modelos importados da Europa. De acordo com essa visão estereotipada, as

manifestações oriundas de membros da cultura popular são consideradas atrasadas e

objeto da mais densa ignorância. Porém, mesmo diante de críticas ferozes feitas outrora,

as elites dos países periféricos acabam fazendo uma mescla entre a cultura européia

vista como superior e a cultura oriunda das misturas étnicas que se deram no processo

de formação da cultura brasileira.

A cultura popular na visão de Carlo Ginzburg (1987) se caracteriza da seguinte

forma:

“Cultura popular se define, de um lado, pela oposição à cultura letrada das classes dominantes; por outro lado, pelas relações que mantém com a cultura dominante, filtradas pelas classes subalternas de acordo com seus próprios valores e condições de vida. A cultura letrada, por seu turno, igualmente filtra de acordo com suas características, os elementos da cultura popular”. (p. 17).

Ginzburg esclarece que apesar do distanciamento entre a cultura popular e a

cultura letrada, em diferentes momentos e, utilizando-se das especificidades existentes

em cada grupo, ocorrem certas trocas e incorporações de elementos entre as duas.

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Como explana Bakhtin (2008), as festas oficiais tendiam a consagrar a

estabilidade, a imutabilidade e as perenidades das regras que regiam o mundo:

hierarquias, valores, normas e tabus religiosos, políticos e morais. Funcionava como o

triunfo da verdade pré-fabricada, vitoriosa e dominante, assumindo aparência de uma

verdade eterna. Davam-se geralmente em palácios, clubes e templos, tendo como

referência a cultura letrada de origem européia. Restando aos excluídos reunir-se na

praça pública, e aí, expressar seus costumes, crenças, angústias e aspirações, geralmente

indo de encontro à visão de cultura existente entre as elites.

Levando-se em consideração o espaço temporal e os diferentes contextos

históricos, as festas juninas em Bandiaçu e, principalmente o Rapa, se assemelham

bastante com a visão Baktiniana sobre as manifestações populares, pois, pelo menos

nesses dias, as ruas são ocupadas pelos menos favorecidos e, através do consumo

exagerado de álcool e do comportamento considerado deselegante pelos que se

comportam como superiores, principalmente no Rapa, são expressas as tensões,

resistências e indignações do povo.

Estudando a diversidade de significados e práticas nos festejos juninos, Aldé

(2009) afirma que no candomblé escolheram Xangô, orixá equivalente a São João, para

representar o santo católico no período das festas juninas. Esse orixá representa o

elemento fogo no candomblé. Em um ritual denominado ajerê, em transe, os adeptos da

Religião recebem o santo. Colocam na cabeça uma panela cheia de óleo ou brasa

fervente dançando e atravessando a roda sem se queimar. Outra prática comum é

caminharem descalços sobre as cinzas incandescentes da fogueira.

Ainda segundo Aldé (2009), no pantanal sul-mato-grossense, diferente do que

ocorre em todo nordeste, não há quadrilha nem Forró. Comemora-se ao som de uma

dança típica da fronteira denominada cururu, de origem guarani. Como as cheias e as

vazantes, coordenam o cotidiano nessa parte do país, ao invés de acenderem-se

fogueiras, fazem uma procissão, onde as diversas imagens de São João são levadas até o

rio mais próximo para o tradicional banho, numa alusão ao batismo de Jesus realizado

por João Batista no Rio Jordão.

Em Corumbá, segundo Souza (2004), ocorre uma inversão no que diz respeito ao

santo considerado casamenteiro. Enquanto em diversas outras áreas, inclusive no

nordeste, santo Antônio é reverenciado pelas mulheres que desejam arranjar um marido,

portanto, sendo considerado o santo casamenteiro, em Corumbá as moças que desejam

casar fazem promessas e simpatias para São João.

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No sul do país, como prosperou a mescla de uma cultura dos povos da fronteira

com imigrantes alemães, italianos e poloneses, como explana Darcy Ribeiro (2000), em

seu documentário “A Invenção do Brasil”, as danças que ditam o ritmo do São João,

principalmente no Rio Grande do Sul, são o Cateretê e o fandango. Ao invés de roupas

caipiras como se usam nas quadrilhas do nordeste, usa-se o tradicional traje gaúcho.

De acordo com Batista (2008), outra forma bastante peculiar de comemorar o mês

junino é o Boi- Bumbá de Parintins, no estado do Amazonas. A festa é realizada nos

dias 28, 29 e 30 de Junho, na Ilha de Tupinambarama. Lá, ocorre uma grande disputa

entre o boi Caprichoso e o Garantido. No espetáculo que ocorre no bumbódromo, são

apresentadas lendas da Amazônia encenadas por tribos indígenas, sobre cobras gigantes,

onças de fogo e pássaros que trazem a noite. As rivalidades são tão acentuadas, que no

bumbódromo nenhum torcedor pode ultrapassar a linha que divide as duas torcidas,

caso contrário, são hostilizados ou vítimas de violência.

O autor comenta ainda sobre a grande rivalidade entre Caruaru/PE, e Campina

Grande/PB, na disputa pelo maior São João do Mundo. Numa festa onde o objetivo

principal é a atração de turistas, notam-se certos exageros na perspectiva de

impressionar os visitantes. Em Caruaru é montada a Vila do Forró, cidade cenográfica, e

representações humanas que tentam imitar o clima e a cultura material das cidades

interioranas. Encontram-se casas coloridas, delegacia, subprefeitura, posto bancário,

mercearia, igrejinha e restaurante. Encontra-se também a maior fogueira do Mundo,

com mais 17 metros de altura, o maior cuscuz do Mundo com 700 quilos de massa, 3,3

metros de altura e 1,5 metros de diâmetro e a maior pamonha do mundo, esta última

com 600 quilos, inclusive, reconhecida pelo Guiness Book, na edição de 1997.

De acordo com Aldé (2009), apesar de não contar com cuscuz, pamonha e

fogueira tão gigantes como os encontrados em Caruaru, Campina Grande expõe três

grandes maquetes que reproduzem construções importantes para a história da cidade,

além, de exibir uma decoração ímpar. Comenta Batista (2008) que o investimento em

publicidade e propaganda em Campina Grande é superior ao que se investe em Caruaru,

assim, em termos de quantidade de visitantes, acaba levando vantagem.

Guardado os exageros, no que se refere às exposições de elementos da cultura

popular nordestina apresentados na Vila do forró, onde se percebe o homem do interior

e seu cotidiano, Bandiaçu se assemelha bastante a Caruaru, já que também expõe

através tanto de bonecos de pano quanto do ambiente, o homem do campo e seu

trabalho diário (Ver imagens 5, 6, 7 e 8).

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A questão da representação com figuras típicas da cultura nordestina, a exemplo

do homem interiorano e dos alimentos utilizados nesse período, como o milho e seus

derivados, e até pelas diferenças étnicas, geográficas e culturais, caracteriza o São João

do nordeste de forma bastante diferenciada do que ocorre no Rio Grande do Sul e em

Corumbá.

Em um país com tanta diversidade étnica, cultural e religiosa, não é de se

estranhar a pluralidade de seu povo, de suas crenças e manifestações. Portanto,

percebem-se diferentes formas de comemorações e ritos, principalmente no que

concerne às festas juninas.

O espírito do São João em Bandiaçu

O mês de Junho para o distrito de Bandiaçu é o período mais esperado pelos

moradores. Apesar dos festejos serem tradicionalmente iniciados apenas no dia 22, e

mais recentemente no dia 21, nota-se um cenário que leva a comentários e expectativas

sobre a realização e o possível sucesso da festa.

Cerca de quinze dias antes da data esperada são iniciados os primeiros

preparativos, tanto no sentido da divulgação realizada através da emissora de rádio local

e de cartazes, (Ver imagem 9 ), quanto de enfeitar a praça com bandeirolas e balões que

são símbolos do São João. E, mais recentemente, imagens de caipiras, que representam

o homem da região. (Rever imagens 5 e 6 ). Casa de farinha representando uma cultura

bastante conhecida na região, que é o cultivo e o beneficiamento da mandioca, raiz da

qual se extrai a farinha e a goma utilizada para fazer biju e tapioca. (Rever imagem 7).

À mandioca devem-se muitas vidas salvas em períodos de longas secas. E por último, o

motor de sisal que expressa uma cultura bastante popular na região. (Rever imagem 8).

Responsável durante muito tempo pelo sustento de diversas famílias, as quais eram

obrigadas a trabalhar durante longas horas no cultivo e beneficiamento do sisal. Em

muitos casos, era o único meio de emprego existente. Atualmente o cultivo da fibra

encontra-se quase que em extinção, sendo reduzida a algumas poucas propriedades.

Esses dias de preparação são acompanhados de pequenas reuniões que ocorrem

entre pessoas que discutem a respeito da festa em bares, mercadinhos, residências e na

própria praça, palco central das comemorações. Existe todo um clima de tensão,

otimismos e pessimismos sobre a realização do evento. Nota-se entre as pessoas muito

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receio no sentido de que a festa não corresponda às expectativas em termos de

organização, público e atrações musicais.

Geralmente, na véspera, a praça já está preparada para a execução das

manifestações. Assim, tem-se a constatação de que a tensão e os comentários

pessimistas ou otimistas que ocorrem de forma corriqueira todos os anos, não passam de

cogitações dos bandiaçuenses, que nada mais querem do que curtir esse período de

forma bastante divertida entre familiares e amigos. Essa ocasião também é marcada pelo

reencontro de pessoas que muitas vezes só se encontram nesse período. Ouvem-se

facilmente comentários de conterrâneos que trabalham em locais distantes e, muitas

vezes fora do estado, que afirmam ter planejado desde o início do ano sua vinda ao São

João da terra natal. O autor Batista (2008) lança o seguinte comentário:

[...] Muitos nordestinos que se encontram fora de seus estados costumam economizar dinheiro, comprar presentes e voltar com eles para sua cidade natal na época das festas juninas, a fim de comemorar os santos. No sudeste é comum que nordestinos abandonem seus empregos, faltem por toda uma quinzena, peçam licença ou ofereçam-se para trocar o período do natal por alguns dias de folga em Junho, ou ainda negociem suas férias para gozá-las no meio do ano e poderem estar presentes às festas juninas, em sua terra [...] (p.1).

Nota-se a cada ano o aumento na quantidade de pessoas que vem apreciar a festa,

isso pelo menos nos dias 22, 23 e 24, já que o Rapa no dia 25 tem enfrentado

dificuldades no sentido de diminuição na quantidade de foliões. As comunidades

adjacentes têm presença garantida. (Ver imagens 10). As pessoas se divertem sem medo

de acharem-se ridículos, com a plena sensação de liberdade e, muitas vezes de volta aos

tempos de criança. Isso pelo menos entre as classes mais populares, pois as elites fazem

questão de manter as aparências, conservando certo ar de superioridade.

Relações políticas e sociais na festa

Esse período, além de ser repleto de comemorações, danças, degustação de

comidas típicas e muita diversão, ainda transforma-se em terreno fértil para a atuação de

políticos oportunistas que atuam de diversas formas, principalmente na especulação de

possíveis contribuições dadas para a realização do evento. Assim, ocorrem as

articulações na tentativa de aumentar a visibilidade ao máximo diante do eleitorado,

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pois essa presença, principalmente nos anos em que ocorrem os pleitos eleitorais, é

fundamental para o sucesso nas urnas. O professor Josemar afirma que: “Aquele que

promove o São João fica bem visto na sociedade. Pois a festa só existe pela boa vontade

dessa pessoa. Existe uma espécie de endeusamento do responsável pelo São João”.

(Entrevista realizada em 16/08/2011).

Nesses momentos festivos e de escolha dos representantes, nota-se algo muito

diferente do que acontece durante praticamente todo o mandato dos que são eleitos. Há

uma estranha disponibilidade, acessibilidade e gentileza por parte dos políticos. Em

virtude de tanta vontade de ajudar na festa, ocorrem grandes divergências por parte de

aliados e opositores, pois, na tentativa de encontrar o reconhecimento dos eleitores não

se medem esforços. Todos tentam desesperadamente contribuir, seja com a contratação

de grupos musicais, de uma aparelhagem sonora de melhor qualidade, de um palco mais

espaçoso, e até mesmo, da distribuição gratuita de bebidas, prática essa, bastante

difundida em nossa região. Absolutamente tudo é válido na captura desesperada pela

maior quantidade possível de votos. Esse período transforma-se no momento oportuno

de ter e manter contato com figuras públicas que permanecem ausentes por longos

períodos. E que, adotando um comportamento não corriqueiro se misturam com o povo

para festejar. É o que pode ser percebido na fala do deputado federal José Carlos Aleluia

(PFL-BA): “Viajo nesta quarta-feira pela manhã para a Bahia, passo o São João no

carro, visito os arraias e quadrilhas em cerca de dez municípios distribuídos por cerca de

200 km do interior [...] se eu não for, não me reelejo”. (Folha de São Paulo,

21/06/1993).

A declaração do deputado Aleluia, se alterada para um contexto menor, no caso,

as disputas para as eleições municipais tanto para o executivo e, principalmente, para o

legislativo, representa perfeitamente a realidade do município de Conceição do Coité.

Já nos anos posteriores às eleições, nota-se certo jogo de empurra, ou seja, em

virtude dos insucessos nas urnas diminuem-se muito aquele espírito de gentileza e

contribuição. Para os que saíram vitoriosos nas eleições resta ajudar na festa sem perder

a oportunidade de usar um discurso superior e paternalista, como se estivessem

prestando um grande favor à comunidade. Esta dimensão política da festa é vista de

forma negativa por alguns participantes; como dona Marilza:

“A politicagem está atrapalhando a festa. O fato de ter uma pessoa muito ligada a um grupo político, que está guiando, está deixando a

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desejar, pois, outras pessoas que são do partido político contrário estão deixando de participar das comemorações e, principalmente do Rapa. Antigamente não tinha muito isso. A comunidade toda acompanhava”. (Entrevista realizada em 10/08/2011).

Infelizmente, o que é colocado em primeiro plano não é a permanência de uma

tradição, e sim os interesses na aquisição de votos, o que acaba provocando divisões que

prejudicam o desenrolar do evento. Desse modo, na visão dos políticos, como requisito

básico na escolha dos representantes legislativos locais, o candidato deve se doar de

corpo e alma à organização dos festejos juninos, caso contrário, corre o risco de perder

ou não alcançar o status de vereador do município.

Parcela da população que muitas vezes se deixam guiar por ideologias partidárias,

não compreende que o incentivo à cultura é de obrigação da União, Estados e

Municípios, como descreve a constituição de 1988, e que, todos os recursos destinados

para tais fins, não são oriundos de riquezas e bondade pessoal, e sim, da grande e

onerosa carga tributária imposta pelos nossos representantes. Dessa forma, são erguidos

os pilares da futura e promissora sociedade brasileira. Enquanto os políticos trabalham

de forma conveniente e estratégica na perspectiva de aumentar suas fortunas e proteger

seus apadrinhados, o povo, como coloca o nosso hino nacional, permanece deitado

eternamente em berço esplêndido.

Percebe-se de maneira sutil, durante as festas juninas em Bandiaçu, certa

separação entre as pessoas de menor poder financeiro e a elite local. No dia 23 de Junho

de 1990, por volta das 19:00h, foi dado início a uma tradição que perduraria até 2004,

ano da morte do seu principal organizador e patrocinador, Manoel Gilberto Ferreira

Mota. Era realizado um coquetel, na sede da associação local, ADECOBA (Associação

de desenvolvimento comunitário de Bandiaçu), onde grande quantidade de pessoas se

faziam presentes. Dona Marilza, a vice-presidente da associação na época, comenta:

“Distribuía cobertores, camisas. O povo comia se divertia. Tinha castelo que caia. A comunidade fazia a maior farra. A meninada, os adultos. Como tinha muita coisa boa no castelo, até mesmo os adultos entravam na folia de pegar o castelo. Era muito interessante”. (Entrevista realizada em 10/08/2011).

A brincadeira denominada de castelo, onde era colocada uma árvore recheada de

presentes, que com a ação do fogo viria a cair, proporcionava grande diversão entre as

pessoas que se amontoavam para pegar os presentes. Nessa brincadeira, percebia-se a

grande participação das pessoas mais humildes. Enquanto que os mais dotados

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financeiramente apenas acompanhavam. Notava-se a grande vontade de algumas

crianças, pertencentes à elite, em participar, porém, eram rechaçadas pelos pais. Quanto

aos adultos, conservavam o espírito de aparências que eram mantidas por medo da

ridicularização perante seus pares, portanto, permanecendo a certa distância das

comemorações.

Nesse contexto de festas populares, Soihet (2005), salienta que: “[...] a festa

possivelmente se constitui no elemento fundamental da vida coletiva, porque exprime

com marcante intensidade as dimensões dos papéis sociais e o confronto dos símbolos

que eles significam”. (P. 364). Após uma observação mais apurada com o desenrolar da

festa na praça, verificava-se a continuação da distinção. Como o local do evento é

levemente inclinado, observa-se facilmente, é lógico com algumas exceções, que a

grande maioria do pessoal que ostenta maior poder financeiro, se situa na parte mais

elevada, a qual se localiza à direita do palco. Enquanto que os menos dotados

financeiramente, permanecem por mais tempo na frente e na área menos elevada, lado

esquerdo do palco. (Ver imagem. 11). Nessa região, por razões que a sociologia explica,

brinca-se com menos preconceito. Na parte baixa, também se concentram barracas de

cachorro quente, espetinhos de carne, amendoim, enfim, as comidas consideradas

menos elegantes pela elite.

A indústria do Forró

Toda festa, evento ou manifestação traz consigo a necessidade de uma estrutura

que lhe dê suporte. Portanto, além de movimentar culturalmente o espaço, ainda

movimenta toda economia local. Segundo Maranhão (2011), foi investido em Campina

Grande/PB 1,8 milhões este ano pelo Ministério da Cultura. Esta cidade juntamente

com co-irmã, Caruaru/PE, investem num marketing bastante agressivo na tentativa de

atrair a maior quantidade possível de turistas. Carvalho (2008) explana que cerca de 1,5

milhão de pessoas eram esperadas nas respectivas cidades em 2008, e que deveria ser

arrecadado 10 milhões, sendo criados 2000 postos de trabalho. Estes turistas trazem

grandes lucros para taxistas, hotéis, bares, restaurantes, ambulantes, catadores de

latinhas, enfim, fazem circular grandes somas que são revestidas em arrecadação para o

município, e consequentemente, geram milhares de empregos.

Guardadas as proporções geográficas, econômicas e populacionais, no São João de

Bandiaçu, em 2011, segundo o administrador Antônio Lucivânio, foram investidos

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cerca de 30 mil reais. Assim, como em Campina Grande e em Caruaru, se transforma na

maior fonte de lucros do ano para o Distrito, pois com a vinda de turistas, ocorre uma

especulação muito alta nos preços dos aluguéis, chegando-se a cobrar 1000 Reais, por

cinco dias. Esse aumento na população e, consequentemente na demanda por produtos,

geram mais renda para panificadoras, supermercados, lanchonetes, salões de beleza e,

principalmente, para os donos de bares, os quais lucram durante todo período da festa,

já que o movimento é incessante.

Farias (Ortiz 1999, Heller e Feher, 1998 apud FARIAS 2005), explana que a

mediação do mercado cultural tornou-se incontrolável, contemplando ou excluindo

mediante o crivo das práticas norteadas pela ética hedonista do consumo com sua ênfase

nas permutas de significados. Tanto que o lazer tornou-se um dos ramos dos negócios

nas tramitações capitalistas, o mais sofisticado, aqueles das atividades de serviços; aí se

articulam o comércio de habilidades e conhecimentos com os suportes materiais mais

distintos.

Outro fato curioso é a inserção de grupos musicais da região que se apresentam no

Distrito. Nesse período, têm a maior, senão a única lucratividade do ano, já que por se

dedicarem ao Forró são lembrados muitas vezes, apenas nas festas juninas. Também

pegando carona no sucesso do Forro, durante todo ano ocorrem, pelo menos no interior

da Bahia, festas particulares, a exemplo do Forró do Bosque (Cruz das Almas), O Baião

de 2 (Conceição do Coité), Forró do Piu Piu (Amargosa), Forró da Mina (Pé de Serra),

entre várias outras do tipo, que misturam Forró, Axé Music e Pagode. Essa mistura

agrada em cheio a juventude, público maciço nesses eventos. Florido (2011) comenta

que para ter acesso desembolsam-se valores entre 50 e 500 Reais, que dá direito à

camisa e, em alguns casos, às comidas e bebidas.

Em Bandiaçu, pelo menos no que concerne ao acesso à praça, local da festa,

ocorre de forma gratuita desde a quadrilha que dá início ao evento até o Rapa, o qual é

responsável pelo fechamento das comemorações. Exigindo-se dos foliões apenas muita

energia.

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O sagrado e o profano no São João

Apesar das festas juninas serem atribuídas aos santos, Antônio, Pedro e João, em

virtude de sua origem pagã, encontram-se várias manifestações que destoam da visão

religiosa. Se por um lado a Igreja Católica comemora o dia dos santos numa perspectiva

de enquadramento aos dogmas da instituição, por outro, em diversos pontos do país,

percebe-se que as comemorações nas praças e largos se caracterizam pela presença

marcante de elementos profanos.

Serra (2009) relata que na mudança do ambiente para a praça, percebe-se algo ao

avesso do que ocorre no templo. Há todo um ambiente extrovertido que contribui para

diferentes formas de expressão, risos, danças, pulos, abraços sem cerimônias, gestos

espontâneos, exageros, tumultos, brigas e galanteios, os quais são impulsionados muitas

vezes pela ingestão exagerada de bebidas alcoólicas. Algo parecido com um grande

teatro, onde diferentes apresentações ocorrem ao mesmo tempo de maneira informal.

Características da praça pública na Idade Média em período de festas se

assemelham às atuais, inclusive em Bandiaçu. Como declara Bakhtin (2008): “A praça

pública era o ponto de convergência de tudo que não era oficial, de certa forma gozava

de um direito de ‘exterritorialidade’ no mundo da ordem e da ideologia oficiais, e o

povo aí tinha sempre a última palavra”. (p.132).

Segundo Neiva e Pena (1916 apud ALDÉ, 2009) outra profanidade encontrada na

região entre Piauí e Goiás até 1912, era o casamento realizado na fogueira de São João,

o qual era considerado como sacramento com direito, inclusive, aos noivos, padrinhos,

parentes e convidados. A justificativa utilizada era que os sacerdotes ficavam em

regiões distantes dificultando, portanto, as uniões. Estas eram abençoadas quando um

religioso passava pelo local.

O São João é muito mais que uma simples festa para alguns estados do nordeste.

Verifica-se com maior ênfase em Alagoas a criação de um vínculo criado através do

compadrio que resulta em uma relação parecida à que se dá entre irmãos. Segundo

Araújo (2007), existe dois tipos de compadres:

“O da Igreja e o da fogueira. O da Igreja é aquele que leva a criança, o afilhado, para receber o sinal de iniciação – o batismo na Igreja Católica Romana. O de fogueira é o caso em que não há criança a ser batizada, são apenas compadres, que passam a tratar-se respeitosamente por tal. Não há apenas os compadres de fogueira, há tios, sobrinhos, pais e filhos de fogueira, basta que um afeto forte os

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aproxime para que no dia de São João, ao saltar a fogueira, façam antes um juramento e a seguir saltem em cruz três vezes a fogueira. Desse momento em diante passam a tratar-se de acordo com que adrede ficou tratada”. (Pág. 24).

Conforme Aldé (2009), na festa no Pantanal, busca-se através de rituais, adivinhar

se a próxima colheita será próspera, ou se determinada moça conseguirá casar-se no ano

seguinte.

Se assemelhando à prática pagã da Idade Antiga, em Bandiaçu, que é um local

onde as lavouras são responsáveis pelo sustento de grande parte das famílias. Percebe-se

que o período junino está diretamente ligado as comemorações da colheita do milho.

Portanto, o sucesso nas plantações é um fator que influencia diretamente na festa. Já que

os agricultores em caso de boa colheita, acham-se em melhores condições para entregar-

se as comemorações.

Outra prática profana citada por Bakhtin na Idade Média, que também é bastante

perceptível em Bandiaçu, assim como em Caruaru, nas comemorações de São João, são

os exageros que se dão na utilização de bebidas alcoólicas. Essa situação é

frequentemente combatida nos cultos que ocorrem na Igreja Católica nos períodos

anteriores aos eventos. O professor Josemar, morador do Distrito e participante assíduo

dos festejos, afirma que: “Desde a alvorada até o Rapa, não se percebe nada de religioso

na festa em Bandiaçu, a não ser o nome”. (Entrevista realizada em 16/08/2011).

Por mais que sejam acesas fogueiras e soltem-se fogos para comemorar o São

João, “os vivas” que são atribuídos ao santo, entre as pessoas e no palco onde ocorre a

festa, que, aliás, se localiza em frente à igreja, traduz-se muito mais em uma

empolgação oriunda da curtição, do que de uma atribuição à religiosidade. Porém, é

necessário salientar que sagrado e profano coexistem, sendo que a presença de um é

extremamente necessária para que haja a existência do outro. Dessa forma, entre

alterações regionais e misturas entre sagrado e profano, os festejos juninos se renovam e

se reinventam.

Verifica-se, pelo menos em Bandiaçu, que são poucos os frequentadores assíduos

dos cultos realizado na Igreja que participam de forma direta dos festejos juninos na

praça. Dona Lurdes coloca: “São cometidos muitos excessos. As pessoas bebem

demais. Por isso, brigam muito. Deus não condena a diversão, e sim, os excessos”.

(Entrevista realizada em 17/08/2011). Mesmo diante de tal afirmativa, ela explica que

não vai para a festa porque os familiares chegam à sua casa e, em virtude dos trabalhos

realizados durante o dia, não tem ânimo para se divertir a noite.

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Os senhores e senhoras são atores principais na realização de cultos, quermesses e

missas. Talvez, não se identifiquem com a comemoração da forma como ela acontece.

Daí a pequena participação no evento. Quanto aos mais jovens, influenciados pelas

novidades, e pelo espírito natural da idade, se voltam mais para as diversões,

consideradas por eles, como mais prazerosas.

Transformações

É sabido que toda tradição carrega consigo uma série de mudanças,

complementações, influências e rupturas que vão se modelando de acordo com as

diferentes épocas e crenças, já que o transcorrer da história nos ensina que nada é

totalmente conservável em sua forma original.

Seguindo a tendência acima, os festejos de São João em Bandiaçu também são

frutos de mudanças que ocorreram com as diferentes gerações que vivenciaram essas

manifestações. O período festivo que teve início por volta de 1947/48, e que tivera sua

incipiência com um seleto grupo de familiares, hoje se encontra em plena expansão,

onde pessoas de diferentes cidades se aglutinam nesse período para viver a festa, seja a

convite de parentes, amigos ou simplesmente pela fama adquirida pelo evento no

município e, em menor escala, fora dele, através da propaganda realizada por habitantes

que trabalham em diferentes locais, principalmente nas empresas que se situam em

cidades maiores, as quais suprem as carências de empregos da região.

Mudanças no sentido de preparação para o evento também são facilmente

percebidas. Segundo o senhor Antônio, os enfeites utilizados na praça praticamente não

existiam nos primórdios. Foram pouco a pouco sendo introduzidos e, dentro do

processo de desenvolvimento industrial do país que compreendeu tanto a fabricação de

novos produtos quanto o desenvolvimento e aquisição de transportes mais rápidos e

mais eficientes, facilitaram a distribuição de novos produtos nos locais mais distantes

dos grandes centros. Assim, a singela arrumação foi dando lugar a bandeirolas de

diferentes cores. (Ver imagem 12).

Outro fator que merece destaque é a presença de novos instrumentos musicais a

exemplo de baixos, baterias, teclados e, consequentemente, um estilo de Forró mais

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instrumentalizado, batizado de Neoforró, muito questionado principalmente pelas

pessoas mais velhas. O senhor Júlio coloca que: “Essas banda fica tocano umas música

que não tem nada a ver com São João. Música boa era a de antigamente que só usava

sanfona, triângulo, pandeiro, zabumba e ganzá”. (Entrevistado em 08/07/2011).

A declaração do senhor Júlio remete a uma questão muito discutida, definida por

Stuart Hall (2000), como ‘crise de identidade’:

[...] Assim a chamada ‘crise de identidade’ é vista como parte de um processo mais amplo de mudanças, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. [...]. (p. 7).

O indivíduo não se sente contemplado com um novo modelo ou estilo lançado,

pois, as experiências vividas foram modificadas ou influenciadas por tendências mais

recentes que por não terem participado da construção da identidade de um ser ou de

determinado grupo, são consideradas estranhas, sendo, portanto, negadas e combatidas.

Percebe-se na juventude brasileira, inclusive em Bandiaçu, uma facilidade maior

para lidar com as mudanças. É o que Hall (2000), coloca como ‘celebração móvel da

identidade’, encontrada pelas rápidas mudanças que ocorrem dentro do processo de

globalização, o qual está ancorado num sistema de comunicação maior, mais rápido e

mais acessível. Facilitando assim, o acesso e a incorporação de diferentes

manifestações.

O Rapa: surgimento, mudanças e dificuldades

Segundo o senhor Antônio, um dos idealizadores da festa, o Rapa teve início no

dia 25 de Junho, por volta de 1967/68, quando em uma manhã, um grupo de amigos se

encontravam reunidos lamentando sobre o fim das comemorações, quando surgiu a

idéia de saírem de casa em casa, recolhendo comidas e, principalmente bebidas que

haviam sobrado dos festejos. Assim, ao som de cavaquinho, violão, triângulo, pandeiro,

sanfona e zabumba, iniciaram o que viria a ficar conhecido em toda região e, em menor

escala, fora dela, como o famoso Rapa de Bandiaçu. Ele afirma:

“Começou com um punhado de gente, daqui a pouco, otas pessoas foram se juntano e do meio pro final já tinha era bastante gente. Como o povo já tava de ressaca que muita gente já vinha bebeno há

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muitos dias, um bucado de gente foi bebo, trupicano, cada um pra suas casa”. (Entrevista cedida em 12/08/2011).

O senhor Salvador, que também participou da fundação do Rapa, inclusive, foi o

primeiro sanfoneiro, relatou que a brincadeira surgiu de forma espontânea, e que jamais

imaginaria que ganharia tanta repercussão e dimensão. Segundo ele, foi visitada uma

pequena quantidade de moradias, dada a pouca quantidade de casas que existia.

Também eram poucas as pessoas que contribuíam com a brincadeira. Algo que talvez

seja explicado pela incipiência do movimento, já que muitos moradores não sabiam o

que estava acontecendo. Como explana o senhor Osvaldo: “Só se via um bucado de

home ino nas casa pegar tudo que tinha. Os dono das casa só viero a se acustumar com

a brincadera depois de uns ano”. (Entrevista cedida em 08/07/2011).

Cerca de cinco anos depois do início do Rapa, verificou-se que muitas pessoas se

embriagavam e ficavam caídas pela rua. Como parte da solução para o problema foi

criado um meio de transporte conhecido como Banguê4. (Ver imagem 13). Evidencia

seu Jorge: “O Banguê pegava os bebo que tava caído e levava pra casa. Mais num

adiantava que eles tornava voltar pra rua”. Ainda segundo ele, o que movia o transporte

era a força dos braços de indivíduos que estavam em menor estado de embriaguez.

(Entrevista cedida em 06/07/2011).

De acordo com o senhor Salvador, como forma de expressar alegria e a euforia do

momento que era acompanhado pela ingestão de diversas bebidas alcoólicas, algumas

pessoa fingiam estar embriagadas para serem conduzidas pelo Banguê, se retirando logo

em seguida do transporte.

No final da década de 90, foram introduzidas as charangas5, que eram

responsáveis pelas músicas tocadas em todo circuito a ser percorrido. Por volta de 2003,

carros de particulares com equipamentos sonoros na parte traseira substituíram as

charangas. Seguindo o processo de mudanças, em anos posteriores, um trator,

pertencente à Prefeitura Municipal, viria a ser usado para o transporte do som, algo que

perdura até os dias atuais.

No Rapa de Bandiaçu existe uma entidade denominada de Clube da Cachaça.

Segundo seu fundador, o senhor Valter, esta organização iniciou-se em 2004. No início,

reunia as pessoas que se identificavam com a bebida, porém, foi conquistando grande

4 Instrumento que era utilizado em períodos de secas para a retirada de lama dos tanques e represas, e que, foi adaptado com cordas para a condução de pessoas. 5 Veículo equipado com som na parte superior ou traseira.

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quantidade de adeptos. Para representar os ideais de seus participantes são

confeccionadas, todos os anos, camisas com frases que de forma lúdica simbolizam o

apoio ao consumo excessivo de bebidas, tais como: A oração do bêbado: “Cachaça

nossa que estais no bar, alcoolizado seja nosso fígado, venha nós o copo cheio, seja feita

a nossa aguardente, assim na festa como na ressaca, a caipirinha nossa de cada dia nos

dai hoje, perdoais as nossas bebedeiras, assim como nós perdoamos, a quem não tenha

bebido, não nos deixais cair no refrigerante, livrai-nos da água e da polícia....também!!!

(2008). Observa-se nesse caso, que a criatividade é tão grande que até paráfrase da

Oração do Pai Nosso, foi utilizada. Há ainda outros exemplos: “Nóis bebe é de balde”

(2009). “Não sou cachaceiro, sou consumidor”... Tem cachaça aí? Traz cá! (2009).

Poema do bêbado: “Cachaça cachaçinha tu é pra mim o que eu sou pra ti, tu vai me

derrubar, mas antes eu vou te engolir” (2010). “Mamãe falô! Fio acaba com a cachaça!

To tentando mãe, ta difice, num desisto nunca!!!”(2010).

No dia do Rapa, percebe-se todo um clima de liberdade e subversão aos valores

sociais, onde muitos participantes se caracterizam, alguns vestidos de mulher, inclusive

maquiados. Utilizam-se ainda de acessórios considerados estranhos, como pinicos,

chifres e mocotós de boi, bolsas que são penduradas nas costas, pênis de plástico e

grandes baldes que são incompatíveis com a pequena quantidade de bebidas existentes.

Todos esses acessórios servem para acondicionar as bebidas. Sendo o evento regado por

bebidas alcoólicas das mais variadas espécies, não são raras as brigas e confusões.

O Rapa de Bandiaçu se caracteriza por ser uma festa menosprezada pela elite

local. Sendo que, a maioria dos participantes têm baixo poder aquisitivo e, através de

uma manifestação mal vista pela elite, expressam toda sua indignação com o modelo

social que está posto. Onde as aparências, o lucro e o jogo de interesses se sobrepõem

ao ser humano.

O professor Josemar, que nasceu e passou toda sua vida participando da festa,

relata que:

“O Rapa é o momento em que a elite se afasta [...]. É a festa do povo mesmo [...]. Povo que é mau vestido, que é tido como feio, que cheira mal, mas que é povo, que é gente de verdade. Que são pessoas que você está vendo ali da forma como são [...]. O Rapa é como se fosse um exerciciozinho de resistência para uma coisa maior. Eu me sinto indo de encontro ao sistema”. (Entrevista cedida em 16/08/2011).

No dia 25 de Junho em Bandiaçu, dia do Rapa, ocorre uma das maiores, senão a

maior, manifestação de resistência por parte de membros das camadas populares. O

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povo sai às ruas desprovido dos preconceitos cotidianos para beber, dançar, enfim,

manifestar suas carências, desejos e dores. (Ver imagens 14 e 15).

No início do século XXI, constatou-se a diminuição nos números de pessoas que

acompanhavam o Rapa. Cogitou-se que tal fator estava ocorrendo pelos dias em que a

festa tinha acontecido, ou seja, por cair em dias úteis, impossibilitava muitos indivíduos

de participar, pois teriam que trabalhar. Vieram os anos seguintes e, percebia-se que a

cada nova comemoração diminuía a quantidade de adeptos. Tentando explicar a

situação, a professora Joana Angélica afirma: “Os povoados vizinhos estão copiando o

Rapa. [...] As pessoas não se unem para fazer a festa. [...] Se alguém se prontifica a

organizar, falam que está tendo vinculação política, e que há interesses nas finanças”.

(Entrevista cedida em 14/07/2011).

Outras localidades vizinhas, com destaque para o povoado de Minação, município

de Barrocas, vêm realizando festas semelhantes no dia 25 de Junho, o que acaba

chocando com a data em Bandiaçu. Esse fator pode até influenciar, pois algumas

pessoas podem migrar de um evento para o outro, porém não determina tanta redução

na quantidade de participantes.

Na visão do senhor Júlio, o motivo pelo qual vem acontecendo uma crescente

redução na quantidade de foliões, é simplesmente pelo cansaço oriundo dos diversos

festejos que ocorrem na localidade nos dias anteriores, assim, no dia do Rapa, as

pessoas já estão esgotadas. Porém, essa explicação encontra resistências, pois em anos

anteriores existiam as mesmas comemorações.

Outro motivo que pode ter influenciado, é um hábito mais recente, no qual alguns

foliões optam por se concentrar na praça, onde se encontram diversos carros com som

automotivo, ou seja, a tradição do cortejo que visitava diversas casas em ruas diferentes,

uma das principais características do Rapa, vem dando lugar ao costume de permanecer

no centro do Distrito.

Em virtude da reduzida participação dos habitantes locais, os quais pouco se

mobilizam na organização do Rapa, assim como em outras comemorações, essa festa se

transformou em um palco de campanhas políticas. Representantes ou aspirantes do

poder legislativo municipal, rivais ou até do mesmo grupo, levados por pequenas rixas,

não hesitam em ofuscar o brilhantismo do evento. Nota-se, por parte dos representantes

do poder público municipal, que os investimentos na difusão e incentivo à cultura local

vêm como se fosse um presente, uma espécie de dádiva derramada sobre a localidade.

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A professora Elza coloca que foi montado um grupo há cerca de 10 anos, do qual

fazia parte, que ficaria incumbido da arrecadação de valores para o São João. Porém

começou a surgir influências políticas e, ela se retirou. “O grupo foi desarticulado por

interesses políticos”, afirma. (Entrevista cedida em 10/08/2011).

Os comerciantes que têm sua principal fonte de lucro do ano, nesse período,

muitas vezes se omitem nas colaborações. Como observa Magno:

“O comerciante, que é os principais que colhem o tempo todo na festa, não ajuda [...]. Teve um comerciante, que os organizadores do Rapa foi pra pegar uma colaboração, e ele deu cinco reais. Os comerciantes todos. As barracas de capeta, as barraca de pastel, colhe a festa inteira. Na hora de contribuir com o Rapa, que é uma tradição, ninguém quer contribuir”. (Entrevista cedida em 10/08/2011).

A professora Márcia cita como exemplo a comunidade de Joazeirinho, localidade

que também realiza as festas juninas, onde, segundo ela, há uma colaboração financeira

de moradores e principalmente dos comerciantes, os quais contribuem o ano inteiro para

a realização da festa.

O administrador de Bandiaçu, Antônio Lucivânio, admite que ocorram algumas

falhas, porém, segundo ele, grande parte da população apenas critica, não participando

da organização do evento. Fato que é facilmente constatável.

O Rapa por ter sido criado em Bandiaçu é venerado, transformando-se em um dos

principais orgulhos do lugar. Funciona como algo em comum na confecção de um elo

que interliga os habitantes à localidade. Serve como construtor de uma identidade local.

Muitos fatos da vida de moradores e frequentadores são relacionados e relembrados por

ocasiões em que os bandiaçuenses se encontravam festejando esse momento.

Considerações finais

Mesmo diante do controle da Igreja Católica, instituição de poder imensurável na

colonização do Brasil, a qual tentou de muitas formas sufocar as manifestações

populares que não se enquadrassem em seus dogmas, percebe-se de formas bastante

diversificadas as mudanças de significados e incorporações que ocorreram nas

comemorações do São João em diferentes partes do país, prevalecendo em muitos casos,

a natureza pagã derivada de sua origem. A diversidade étnica, cultural e as dimensões

geográficas são fatores que contribuíram para mudanças tão acentuadas.

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Nos festejos juninos em Bandiaçu, verifica-se de forma bastante diferenciadas a

presença de manifestações profanas, que vão desde danças de cunho sensual até a

ingestão exacerbada de álcool, que gera confusões e, consequentemente brigas. Um dos

poucos momentos que se percebe a presença da religião nesse período, dá-se no culto

anterior ao dia do santo, realizado na Igreja Católica, onde ocorrem manifestações de

louvor a São João.

Nota-se, na realização das entrevistas, que algumas pessoas regidas por interesses

pessoais, grupais ou político-partidários em alguns momentos, omitiram ou

acrescentaram determinadas informações no sentido de que prevaleça aquilo que lhe é

mais conveniente.

As festas não representam apenas um momento de diversão entre as pessoas que a

compartilham. Exprimem as relações sociais, tensões e conflitos existentes nas diversas

sociedades. Parafraseando Bakhtin, as festividades, em todas suas fases históricas, estão

ligadas a momentos de crises, de transtornos, na vida da natureza, da sociedade e do

homem. A morte e a ressurreição, a alternância e a renovação, construíram sempre os

aspectos marcantes das festas.

Verificou-se no que tange às festas juninas em Bandiaçu e, principalmente, no

Rapa, a pouca união dos moradores no sentido de organizar as comemorações, ficando

estas, portanto, entregues à boa vontade de um pequeno grupo vinculado diretamente ao

partido político da situação, o qual realiza o evento guiado por interesses e

conveniências político-partidárias. A omissão da comunidade juntamente com as ações

políticas direcionadas são fatores determinantes para falhas evitáveis que ocorrem entre

os dias 22 a 24, e pela crescente decadência do Rapa no dia 25.

Surgiram algumas dificuldades no sentido de adquirir imagens da festa na década

de 90, seja pela raridade dos documentos, já que muitos desapareceram em exposições

que foram realizadas no Distrito, ou pelo temor de algumas pessoas em emprestar essas

fontes com receio de que desaparecessem. Bem como, barreiras que foram impostas na

busca por possíveis documentos que se encontram sob tutela do Poder Executivo

Municipal, dificultaram um aprofundamento maior, deixando algumas lacunas que

poderão ser preenchidas em pesquisas posteriores sobre o tema.

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REFERÊNCIAS

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Entrevistados Antônio Martir Mota, 68 anos, aposentado. (12/08/2011). Antônio Lucivânio Lopes Mota, 37 anos, administrador do distrito. (12/08/2001). Arlindo José de Lima, 85 anos, aposentado. (08/08/2011). Carlos Magno Oliveira Santana, 41 anos, servidor público. (10/08/2011). Elza Pereira da Silva. 61 anos, professora. (10/08/2011). Gregório Anselmo de Amorim, 85 anos, agricultor aposentado. (06/07/2011) Joana Angélica Oliveira Lima, 58 anos, professora. (14/07/2011). Jorge Carneiro Mota, 59 anos, agricultor. (06/07/2011). Josemar da Silva Araújo, 37 anos, professor. (16/08/2011). Júlio Grigório dos Santos, 81anos, agricultor aposentado. (08/07/2011). Márcia Mota Simões Borges, 38 anos, professora. (10/08/2011). Maria de Lurdes Oliveira Mota, 59 anos, aposentada e coordenadora das manifestações religiosas na Igreja Católica. (17/08/2011). Marilza Ferreira Mota, 47 anos, técnica em enfermagem e assistente social. (10/08/2011). Osvaldo Ferreira Lopes, 77 anos, agricultor e açougueiro aposentado. (08/07/2011). Salvador Ferreira Simões, 58 anos, pedreiro e sanfoneiro. (16/08/2011).

Valter Carneiro de Oliveira, 42 anos, autônomo. (22/08/2011).

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Anexo

Imagem 1. Início da Alvorada (2006). Imagem 2. Explosão dos fogos (2006).

Imagem 3. Quadrilha tradicional (2006). Imagem 4. Quadrilha com inovações nas roupas Imagem 5. Casal de namorados (2006). Imagem 6. Casal de noivos (2006).

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Imagem 7. Representação de uma casa de farinha (2011). Imagem 8. Representação de um motor de sisal

(2011).

Imagem 9. Cartaz com propaganda do São João (2011).

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Imagem 10. Pessoas dançando na praça (2006). Imagem 11. Palco, dividindo a praça (2011).

Imagem 13. O famoso Bangüê (2006).

Imagem 12. Bandeirolas enfeitando a praça (2011).

Imagem 14. Início do Rapa na praça (2006). Imagem 15. Cortejo pelas ruas (2006).