festa, preguiça e matulagem

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Revista Estudos Amazônicos • vol. XIII, nº 1 (2015), pp. 01-29 Festa, Preguiça e Matulagem: O trabalho indígena e as oficinas de pintura e escultura no Grão-Pará, sécs. XVII-XVIII* Décio de Alencar Guzmán** Resumo: O artigo trata das condições de trabalho dos indígenas artesãos das oficinas do Colégio Santo Alexandre (Belém do Pará), nos séculos XVII e XVIII. Apresenta as suas técnicas, os seus materiais e os processos criativos que deram vida e expressão à imaginária jesuítica amazônica. Ensaio algumas respostas às perguntas: Que sociedade influiu sobre a fantasia dos artistas que confeccionaram estas obras? Quem eram estes artistas? Em que condições trabalharam? Qual seu método de trabalho? Em que ocasiões estes objetos foram mostrados? Entre as fontes de informação analisadas contam-se as correspondências e as crônicas dos padres jesuítas João Felipe Bettendorff e João Daniel. Palavras-Chave: Jesuítas, Arte Mestiça, Amazônia. Abstract: This paper reflects upon the work conditions of the indigenous craftsmen in the workshops of Colégio Santo Alexandre (Belém do Pará - Amazon) during the seventeenth and eighteenth centuries. It focuses on their techniques, materials and creative processes that gave life and expression to a jesuitic imaginary in the amazon basin. I essay some answers to these questions: Which society inspired the imagination of these indigenous artists that made these arts? Who were these artists? What were their work conditions? What was their work procedure? What were the occasions that these objects were presented? The sources

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Page 1: Festa, Preguiça e Matulagem

Revista Estudos Amazônicos • vol. XIII, nº 1 (2015), pp. 01-29

Festa, Preguiça e Matulagem: O trabalho indígena e as oficinas de pintura e escultura no Grão-Pará, sécs. XVII-XVIII*

Décio de Alencar Guzmán**

Resumo: O artigo trata das condições de trabalho dos indígenas artesãos das

oficinas do Colégio Santo Alexandre (Belém do Pará), nos séculos

XVII e XVIII. Apresenta as suas técnicas, os seus materiais e os

processos criativos que deram vida e expressão à imaginária

jesuítica amazônica. Ensaio algumas respostas às perguntas: Que

sociedade influiu sobre a fantasia dos artistas que confeccionaram

estas obras? Quem eram estes artistas? Em que condições

trabalharam? Qual seu método de trabalho? Em que ocasiões estes

objetos foram mostrados? Entre as fontes de informação

analisadas contam-se as correspondências e as crônicas dos padres

jesuítas João Felipe Bettendorff e João Daniel.

Palavras-Chave: Jesuítas, Arte Mestiça, Amazônia.

Abstract: This paper reflects upon the work conditions of the indigenous

craftsmen in the workshops of Colégio Santo Alexandre (Belém

do Pará - Amazon) during the seventeenth and eighteenth

centuries. It focuses on their techniques, materials and creative

processes that gave life and expression to a jesuitic imaginary in the

amazon basin. I essay some answers to these questions: Which

society inspired the imagination of these indigenous artists that

made these arts? Who were these artists? What were their work

conditions? What was their work procedure? What were the

occasions that these objects were presented? The sources

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2 • Revista Estudos Amazônicos

examined are Jesuitical letters and their chronicles, in special those

of the fathers Bettendorff and João Daniel.

Keywords: Jesuits, Mestizo Art, Amazon Region.

Em 1999, inaugurou-se em Belém do Pará um Museu de Arte Sacra, o

primeiro deste tipo em sua história. Este Museu está acomodado num

grande edifício do século XVIII, construído para abrigar o Colégio dos

jesuítas. Além da magnífica decoração interior, o Museu guarda bela

coleção de estatuária em madeira, cuja execução das peças provavelmente

ocorreu no século XVIII.

Ao primeiro olhar, o hibridismo dos elementos iconológicos das

imagens expostas no Museu impressiona o visitante, assim como a fatura

do material com o qual são feitas as imagens exibidas. Este hibridismo não

é mera impressão. É produto da cultura e da sociedade nas quais e para as

quais se fabricaram estas imagens. Deriva também da própria condição

dos homens que as fabricaram. Este é o assunto do presente artigo. Mais

precisamente, no espaço deste artigo buscarei refletir sobre as condições

de trabalho, sobre as técnicas, os materiais e sobre o processo criativo que

deram vida e expressão à imaginária sacra amazônica na primeira metade

do século XVIII. Também me proponho a ensaiar respostas para algumas

perguntas que poderiam ocorrer ao visitante deste Museu. As perguntas

são: Que sociedade influiu sobre a fantasia dos artistas que trabalharam na

confecção destas obras? Quem criou e imaginou estas peças artísticas? Em

que condições trabalhavam estes artistas? Qual seu método de trabalho?

Para que ocasiões eram confeccionadas e como eram vistas estas peças em

Belém do Grão-Pará àquela época? Não pretendo ser exaustivo nas

respostas. Elas serão apenas esboçadas no espaço deste artigo, dado o grau

ainda incipiente de pesquisas neste domínio. Para serem aprofundadas, é

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Revista Estudos Amazônicos • 3

necessária a cooperação de especialistas de diferentes ramos de

conhecimento, como, por exemplo, a antropologia estética, a história da

arte ou a química de materiais. Começamos pela configuração da

sociedade e das instituições que abraçavam o cotidiano destes artistas.

A sociedade paraense na virada do século XVII para o XVIII

No momento em que se consolidou a presença jesuítica no Maranhão

e Grão Pará, por volta de 1690, era rei de Portugal Dom Pedro II. As

mudanças da política colonial do seu reinado acompanharam as

transformações da sua política econômica em relação às outras nações

europeias e a ela se conectaram. O ouro e os diamantes de Minas Gerais

começaram a afluir para os cofres da Metrópole a partir destes anos

ocasionando a criação das Capitanias de São Paulo e Minas Gerais, além

da fundação da intendência das Minas, em 1702. Em 1695, houve forte

repressão às revoltas de escravos no nordeste, culminando com a

destruição do Quilombo dos Palmares. No Maranhão e Grão Pará, em

1686, foi promulgado o “Regimento das Missões”, documento que restringia

os poderes dos jesuítas sobre a mão de obra indígena concentrada nos

aldeamentos criados para evangelização dos nativos. Em 1693, as missões

religiosas do vale amazônico foram redistribuídas por Alvará régio,

causando novo golpe ao poder e influência dos padres de Santo Inácio: os

jesuítas tiveram sua zona de influência missionária limitada à margem

direita do rio Amazonas e seus afluentes colaterais destros. Este declínio

dos jesuítas no Grão Pará e Maranhão foi complementado com o

desaparecimento dos religiosos também na Corte, em Lisboa: a partir de

1713, o rei Dom João V escolheu pessoalmente seus confessores entre os

padres oratorianos, excluindo os inacianos como “diretores de

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4 • Revista Estudos Amazônicos

consciência” reais1.

Entre os nativos, a população Tupinambá (principal etnia contatada

pelos jesuítas portugueses no litoral do Maranhão e Grão-Pará) sofreu

recomposições étnicas e transformações de identidade, misturando-se a

portugueses e outros grupos indígenas vizinhos ou trazidos para as aldeias

missionárias católicas, com quem casavam-se e tinham filhos. Escrevendo

em 1949, Florestan Fernandes considera-os por volta de 1750 da forma

seguinte:

(...) o contato com os brancos teve efeitos letais para

os Tupinambá. Primeiramente, foram desalojados

de suas posições na biosfera pelos portugueses. Em

consequência, abandonaram o litoral e as regiões

mais férteis de seu primitivo habitat. (...) Os grupos

Tupi que se fixaram no Maranhão, no Pará e na Ilha

de Tupinambarana tiveram posteriormente o

mesmo destino. Em todos estes lugares, os que

persistiram em contato com os brancos foram

exterminados lentamente. Ou então recorreram à

fuga para o sertão. Por isso, nos meados do século

XVIII sobreviveram apenas algumas centenas de

Tupinambá em todas as áreas mencionadas, sob

domínio dos portugueses. Os demais penetraram

profundamente pelo ‘hinterland’ brasileiro, sem

deixarem após si rastos históricos consistentes. 2

O processo de recomposição étnica Tupinambá constituiu-se no vale

amazônico com propriedades históricas específicas a qual denominamos

neste e em outros trabalhos de “caboclização”, ocorrido entre as décadas de

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Revista Estudos Amazônicos • 5

1650 e 17203. Sendo os primeiros a tornarem-se aliados dos lusos no

século XVII, rapidamente os Tupinambás do Maranhão e do Pará foram

incorporados às aldeias de missão, primeiro dos franciscanos, depois dos

jesuítas. Aprender o nheengatu — a “língua geral” fabricada pelos

missionários — , assim como as outras mudanças de hábitos, de costumes

cotidianos, de crenças e práticas religiosas, como por exemplo: os

casamentos interétnicos, a sedentarização, o uso intensivo da agricultura

em combinação com a caça e a pesca, o comércio em larga e pequena

escala diferente do escambo praticado antes da chegada dos europeus, a

vida urbana com características cristã-ocidentais, tudo foi parte deste

processo de caboclização. Certamente, este processo não ocorreu apenas

com os Tupinambás, mas envolveu todos os povos nativos que

mantiveram contatos com os portugueses. No entanto, reciprocamente os

portugueses também se “indianizaram” no contato com os nativos. Desde

o século XVII, as necessidades da conquista e a convivência cotidiana

obrigaram igualmente os portugueses a adotarem formas e conteúdos de

vida nativa4.

Em 1720, a situação demográfica das sociedades indígenas falantes da

língua Tupinambá era de decréscimo absoluto. As epidemias de varíola e

sarampo — em especial aquelas dos anos 1621, 1649 a 1652, 1662 e 1690

—, a escravidão ilegal e sem controle, o excesso de trabalho junto às casas

e fazendas dos portugueses, a má nutrição, o alcoolismo, a destruição das

referências culturais e familiares, tudo isso desestruturou os grupos

Tupinambás que viviam entre os brancos havia já pelo menos um século.

O “desaparecimento” destes grupos se confunde com a sua “mistura” a

outros grupos nas aldeias missionárias através do processo de

caboclização, por se europeizarem ou mesmo por se africanizarem5.

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6 • Revista Estudos Amazônicos

Os jesuítas no Maranhão e Grão-Pará

Os jesuítas haviam se instalado em Belém no ano de 1653 oficialmente

autorizados pela Coroa lusitana a criar missões católicas entre os índios e

os colonos portugueses, administrados pela Província jesuítica de

Portugal. Logo após chegar de Lisboa em São Luís, o padre Antônio

Vieira, nomeado primeiro superior da Missão do Maranhão, enviou seus

companheiros João do Souto Mayor e Gaspar Fragoso à Belém, com a

incumbência de fundar um Colégio. Tratava-se de um passo obrigatório a

ser dado pelos jesuítas, pois fixar-se na cidade paraense era pré-condição

para qualquer ordem regular católica ter acesso a toda a bacia do rio

Amazonas como zona de influência missionária. Belém era porta de

entrada para o vale do Amazonas e saída para o Atlântico. Por isso, era

estrategicamente necessário aos jesuítas não permanecer limitados à cidade

de São Luís, no Maranhão. Antônio Vieira anunciava numa carta de 22 de

maio de 1653, escrita no Maranhão e enviada a Francisco Gonçalves,

Superior da Província do Brasil, que o Colégio do Pará já estava nos seus

princípios. O sítio no qual fora levantado o edifício ficava num ponto

privilegiado do pequeno núcleo urbano português. O jesuíta João Felipe

Bettendorff descreve assim a sua localização em 1660, oito anos após o

início da construção:

Para a banda do norte, bem no princípio da cidade,

onde chamavam portão os antigos, está o colégio de

Santo Alexandre dos padres da Companhia de

Jesus, virado com a portaria para a praça assaz

espaçosa. 6

Vinte anos após a edificação da igrejinha colada ao Colégio de Santo

Alexandre, a que os padres deram o nome de São Francisco Xavier,

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Revista Estudos Amazônicos • 7

Bettendorff descreve o início da decoração interior da pequena igreja de

São Francisco Xavier do seguinte modo:

faltavam-lhe os retábulos para todos os altares, para

os quais, uns vinte anos depois dela feita, dei ao

Padre Reitor Bento de Oliveira quarenta e duas

couceiras de cedro precioso, largas de três palmos e

compridas de vinte sete para os fazer, correndo por

minha conta... mas não se fizeram, não por falta de

bons mestres entalhadores, mas falta de gente que

as bexigas levaram...7.

O Colégio Santo Alexandre

A história do Colégio de Santo Alexandre é conhecida e foi narrada

por quase todos os cronistas da Companhia de Jesus no Grão-Pará — do

próprio Pe. Souto-Maior (em 1654) até o Pe. José de Morais (em 1760),

com pequenas diferenças entre elas8. Quando João do Souto-Maior e

Gaspar Fragoso, ambos portugueses, chegaram à cidade de Belém para

fundar o Colégio o plano era de que, fazendo desta instituição um quartel

general, as missões se estenderiam para dentro dos sertões do Grão-Pará,

até os confins do vale amazônico. Entretanto, as oposições de deputados

da Câmara do Pará foram imediatas, sancionando toda e qualquer

iniciativa dos padres no sentido de instalarem-se na cidade e na região. O

medo destes deputados era o de que os padres monopolizassem o controle

da mão-de-obra indígena, assim como haviam feito em outras partes do

Brasil. Mas, a rejeição dos padres pelos moradores não acabou no episódio

da fundação do Colégio de Santo Alexandre. O anti-jesuitismo se

manifestou com grande força durante o governo de Bernardo Pereira de

Berredo, entre 1718 e 1722, auxiliado por Paulo da Silva Nunes. Ambos

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8 • Revista Estudos Amazônicos

possuíam visão negativa dos padres e incitaram os moradores a

revoltarem-se contra eles. Culpavam-lhes de apossarem-se da autoridade

da Coroa portuguesa. Nunes acusava os padres de fazerem comércio com

os espanhóis ao longo do Alto Amazonas, com os holandeses no alto Rio

Negro e com os franceses na costa da Guiana. Atribuía-lhes a falta de

impedirem os portugueses de buscar trabalhadores nas aldeias de missão,

mesmo estando legalmente autorizados por lei. Denunciava que os jesuítas

punham armas de fogo nas mãos dos nativos, provocando a morte de

portugueses. Declarava que os padres encarceravam os brancos em prisões

construídas para este fim nas aldeias de missão. Finalmente, embora

desfrutando simpatia e apoio das autoridades coloniais entre 1722 até

1751, a força da Companhia de Jesus foi declinando mais e mais. No

entanto, seu poder econômico não sofreu abalos definitivos até a expulsão

e confisco dos bens, promulgados pelo Marquês de Pombal, em 1759 9.

O Colégio de Belém prosperava. O nome dado ao Colégio de Belém

foi inspirado nas relíquias de Santo Alexandre e São Bonifácio, trazidas de

Roma para a Missão do Maranhão e oferecidas pelo Papa Urbano VIII. O

primeiro núcleo edificado do Colégio começou a ser construído em 1654.

Como ficava muito próximo à baía do Guajará, que banhava toda a orla

fluvial da cidade, logo a construção foi ameaçada pela extrema umidade

que atingia a zona em que havia sido construída e ficou quase para cair

(ver mapa 1, abaixo). Diz Serafim Leite que “tirou-se-lhe a telha e cobriu-se-lhe

de pindoba”, ficando assim até 1670. A partir deste ano, iniciaram-se novos

alicerces para as grandes obras que deram início ao atual prédio do

Colégio, que abriga hoje o Museu de Arte Sacra do qual falei ao iniciar este

artigo 10.

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Revista Estudos Amazônicos • 9

Mapa 1 – Excerto de mapa holandês de Belém do Pará em 1635.

Um dos reitores do Colégio, o padre Bettendorff, deixou um roteiro

das diversas fases de construção do edifício em sua Crônica. Em 1670,

construíram-se dois grandes muros: um para a banda da baía do Guajará

e outro para a rua onde circulavam os moradores do bairro central. Em

1671, Bettendorff debuxou uma planta do Colégio, que enviou para Roma.

Neste pequeno debuxo, vemos ao centro o pátio, todo rodeado de

varandas (deambulacra interiora) nos seus quatro cantos, tendo ao sul um

corredor que se abre para a praça, e ao norte um corredor entre a varanda

e os cubículos que davam para a baía do Guajará; vê-se na direção do

oriente a Igreja do Colégio11. Em 1673, tudo já estava coberto de telhas de

barro, já havia um muro de taipa de pilão, que cercava o pátio central e

suas varandas com pilões que preparavam a construção do segundo andar

do prédio. No mesmo ano, um dos irmãos coadjutores plantou uma horta

de couves e, ainda, parreiras, laranjeiras da China e flores para a Igreja. Diz

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10 • Revista Estudos Amazônicos

Serafim Leite que em 1720, o Catálogo do Colégio de Santo Alexandre

apresenta-o em forma de quadra e com as últimas obras. Entre estas,

destaca-se a construção do cubículo no qual se instalara “o Irmão escultor e

os rapazes que aprendem”. O “Irmão escultor” neste ano é o tirolês João Xavier

Traer 12. Esta informação é importante. Compreendermos através dela a

grande necessidade de operários especializados no trabalho artesanal e

mecânico para obras do Colégio do Pará13.

Materiais de Construção

A cobertura das casas mais frequente em Belém na segunda metade do

século XVII era a “palha de pindoba” ou as “palmas de umbussu ou ubussu”.

Por volta de 1631, o frei Cristóvão de Lisboa comprovava que no

Maranhão e Pará a pindoba (usa o nome pindobaite) cobria as casas do

moradores além de servir a outras finalidades 14. Em 1654, o padre

António Vieira observava que ao chegar à aldeia de Mocajuba, próxima a

Cametá, encontrara os índios protestando por serem forçados a procurar

pindoba e guardar com elas as folhas de tabaco de “certa personagem”

importante na aldeia15. Bernardo Pereira de Berredo governador e

primeiro historiador oficial do Maranhão e Grão-Pará relatava que entre

1718 e 1722 os habitantes de Belém, São Luiz, Vigia, Caeté, Cametá e

outros povoados portugueses cobriam suas casas com pindoba tal como

já faziam os primeiros conquistadores da região 16. E poderíamos

multiplicar os exemplos.

Telhas no lugar de “palhas de pindoba” ou de “palmas de umbussu ou buçu”,

faziam os telhados; pedra e cal ao lado das “taipas de pilão”, das “taipas de

mão”, da palha, das varas, dos cipós, das argilas, dos seixos, dos cavacos

primitivos. Com o emprego desses materiais de maior resistência, a nova

construção do Colégio de Santo Alexandre e da Igreja de São Francisco

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Revista Estudos Amazônicos • 11

Xavier inaugurava outra etapa da formação urbanística de Belém.

Demonstrava a preocupação dos padres em adotar elementos estruturais

para suas obras que lhes dessem aparência estável, sólida, mas também

monumental. As edificações jesuíticas em Belém foram as únicas a não serem

tocadas pelo gênio de António José Landi, após sua chegada em 1753. O

italiano reedificaria as Igrejas dos mercedários, dos carmelitas, de São João,

do Rosário, de Santana, concluiria os trabalhos da Catedral de Nossa

Senhora da Graça e levantaria outros edifícios públicos e particulares17.

Os caboclos artesãos no Grão-Pará

Desde 1660, António Vieira, superior da missão jesuítica no Maranhão,

pedia ao Superior Geral em Roma “Irmãos Coadjutores oficiais,

principalmente pintores, alfaiates, sapateiros, ferreiros, carpinteiros e

pedreiros”, que auxiliassem os padres nas Missões e ensinassem os índios

e mestiços “habilidosos” nos ofícios mecânicos. Com o desenvolvimento e

a expansão da colonização portuguesa no Grão-Pará ao longo do século

XVII, a produção de objetos foi prioridade nas atividades artesanais dos

trabalhadores indígenas aldeados, dos escravos negros trazidos da África

e dos mestiços de diversas linhagens, que se encontravam, sobretudo, nas

vilas e povoados coloniais do litoral. A necessidade da produção local de

objetos de uso cotidiano era o remédio para a importação dispendiosa de

ferramentas e utensílios fabricados na Europa. Foi também ao longo do

século XVII que se estabeleceu e se estruturou o sistema de missões

religiosas na Amazônia. Foi no contexto destas missões que se formaram

os artistas nativos, negros e mestiços destinados a trabalhar para a

decoração das igrejas, as obras de edificação e manutenção dos colégios e

das próprias missões. No Catálogo de 1720, do Colégio de Santo

Alexandre, já citado, encontramos vários nomes de artistas índios: entre

os aprendizes-pedreiros encontramos um índio de nome Matias, escravo

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12 • Revista Estudos Amazônicos

da Fazenda de Gibrié e Caetano, um índio da Fazenda de Mamaiacú. Ao

lado destes havia africanos como: Francisco Maçus e Manuel García.

Entre os ferreiros, encontramos os índios Casimiro e Silvestre. Entre os

carpinteiros (ou “carapinas”), encontramos um certo António Guaiapi,

um tal de Raimundo Tupinambá e Mandu Gregório, todos índios, exceto

o cafuzo Mandu, escravo do Engenho de Ibirajuba. Entre os escultores,

havia os escravos indígenas Manuel, Ângelo e Faustino, da fazenda de

Gibrié. Como torneiros, havia António e Clemente, ambos escravos

indígenas de Gibrié. Havia também alfaiates como o índio Duarte, o negro

Francisco e igualmente um negro corcunda de alcunha Antonio, todos

escravos da Fazenda de Jaguari. Estes dezoito homens trabalhavam

também no Colégio dos jesuítas do Pará em 1720 18. Eram todos

catequizados e conheciam bem os hábitos, costumes e certamente a língua

dos europeus: eram já índios (provavelmente Tupinambá) misturados.

O pagamento destes artífices podia ser efetuado com aguardente, tal

como ficou registrado no momento da construção da segunda igreja de

São Francisco Xavier, em 1668. Aí foram gastos 2.000 cruzados para este

fim19. Ainda neste registro (Catálogo) encontramos a seguinte indicação:

"Além destes oficiais, que de ordinário assistem no Colégio, têm nas

fazendas outros para seu serviço, de que nos Catálogos se faz menção, e

principalmente têm canoeiros e serradores" 20.

Contudo, havia obstáculos que impediam os jesuítas de conservá-los

sob sua direção, pois no momento em que os habitantes das vilas ou os

governadores sabiam da existência de um índio “hábil” ou “talentoso”,

eles faziam qualquer negócio para atraí-los ao serviço. Porém, todos os

nativos eram “talentosos”? Como se define nesta época o “talento” dos

artífices indígenas ou caboclos?

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Revista Estudos Amazônicos • 13

As “habilidades” dos caboclos

Por volta de 1767, antes de morrer, o padre João Daniel, jesuíta nascido

na freguesia de Travassos, diocese de Viseu (Portugal), terminava de

escrever um grande Tratado em seis partes sobre o Estado do Grão-Pará

e Maranhão nas masmorras de São Julião da Barra, às proximidades de

Lisboa. Neste escrito ele discorre sobre a região que conhecia

razoavelmente bem, porque havia trabalhado como missionário durante

onze anos. O título do Tratado era “O Tesouro Descoberto no Rio

Amazonas”21. Entre outras coisas, ele iniciava sua dissertação sobre as

habilidades dos índios do Grão-Pará fazendo-lhes elogios, dizendo deles:

Já é tempo de dizermos alguma coisa da grande

habilidade e aptidão dos índios da América para

todas as artes e ofícios da república, em que ou

vencem, ou igualam os mais destros europeus 22.

Segundo João Daniel, os índios possuíam qualidades que, “se

aperfeiçoadas”, poderiam inventar “obras primas” de escultura e pintura. Mas

somente: “se aperfeiçoadas”. Porque, como explica:

(...) nos mesmos matos fazem algumas curiosidades

de debuxos, e embutidos só com o instrumento de

algum dente de cotia, que não só são estimados dos

europeus, mas também claros indícios da sua grande

habilidade. 23

Este primeiro comentário do jesuíta, nos envia para a polêmica — bem

estudada por Antonello Gerbi para as colônias espanholas da América —

sobre o estatuto da “natureza” na América e a importância da noção de

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14 • Revista Estudos Amazônicos

“perfectibilidade”, que plasmou tantos dos escritos e das opiniões de

intelectuais europeus dos séculos XVI ao XIX, quando se referiam aos

habitantes do Novo Mundo, à natureza que os circundava e à qual estavam

indefectivelmente associados. Inspirando-se em Aristóteles, esta noção de

“perfectibilidade” era assim definida: a invariabilidade era produto da

perfeição, a imobilidade atributo do Primeiro Motor, assim como a

mudança e a variedade são sinais do monstruoso e do imperfeito24.

Para os jesuítas, os nativos no Grão-Pará Colonial eram o próprio

retrato da indisciplina, da inconstância, da mutabilidade. Ensinar-lhes a

serem disciplinados, a aprenderem pela repetição era o desafio a cumprir:

importava imobilizar-lhes a alma movediça. De acordo com os padres, os

índios seriam civilizados quando finalmente fossem mais “constantes” e

raciocinassem “corretamente”, isto é, segundo a lógica escolástica neo-

aristotélica jesuítica sumarizada pelos Conimbricenses25.

O comentário de João Daniel incorpora a noção polêmica da

“perfectibilidade” dos índios. Ele integra esta noção no seu juízo sobre as

habilidades dos índios do Grão-Pará exercidas nas artes e ofícios dos

colégios, casas, missões e fazendas dos europeus do vale do Amazonas.

Mas, segundo ele, antes de serem aperfeiçoados, os indícios destas

habilidades prometiam obras de interesse significativo. Dentre estas

habilidades, o jesuíta identificava primeiro a notável capacidade dos índios

para imitar. A isto se juntava a rapidez no aprendizado. Não usam nem do

esforço nem da disciplina para aprender:

(...) aprendem todos os ofícios, que lhes mandam

ensinar, com tanta facilidade, destreza e perfeição,

como os melhores mestres, de sorte que podem

competir com os mais insignes do oficio; e muitos

basta verem trabalhar algum oficial na sua mecânica

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Revista Estudos Amazônicos • 15

para o imitarem com perfeição. 26

João Daniel se impressionava com o “golpe de vista” que possuíam, entre

os outros talentos, estes índios artesãos, pois, de acordo com ele, não

usavam nem de medidas, nem de compasso para calcular. Bastava

mostrar-lhes algum original, ou dar-lhes a explicação da obra para que eles

as imitassem. E ainda, à capacidade de imitação, somava-se impressionante

eficácia quanto à utilização de material local para a confecção das obras.

“Olham para o madeiro, que tem diante, e já com o machado, já com a

enxó, e depoes [sic] com os mais instrumentos logo, ou com a brevidade

a dão perfeita”27.

O juízo estético pertencia-lhes, pois não apenas julgavam a qualidade

da execução dos trabalhos, mas ainda o resultado plástico dos objetos

criados:

Em uma vila de portugueses havia um índio ferreiro

e serralheiro tão insigne, que os mesmos

portugueses do mesmo ofício lhe davam não só as

primazias, mas também os votos para ser juiz do

ofício. 28

O juiz de ofício era aquele que velava pela função (officium) dentro de

um corpo social. A palavra “ofício”, no trecho citado, não possui apenas o

sentido de “cargo”, mas inclui também a definição da atividade ou

necessidade humana, que se efetua num contexto prático. Consideravam-

se habilidosos apenas quando os índios estavam nas missões dos padres

ou quando estavam a serviço dos moradores brancos, natural

prolongamento da ideia de perfectibilidade dentro do discurso colonial

sobre o trabalho dos índios. Para João Daniel, em seu próprio meio os

índios nada faziam. Ele escreve: “(...) entre si e nos seus matos não usam,

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16 • Revista Estudos Amazônicos

nem exercitam ofício algum”. O que demonstram é apenas um “indício”

de sua arte.” Um “indício” a ser aperfeiçoado: todavia não criam, mas

apenas copiam29.

Trabalho e Preguiça

Sem dúvida, as habilidades manuais dos índios do Grão-Pará

impressionaram muito João Daniel. Porém, ele mesmo aponta um

elemento que lhe parecia insuportável: a preguiça dos índios. Este era,

ainda, o principal obstáculo para a realização dos trabalhos artesanais nas

missões. Obstáculo também para a disciplina do trabalho. Segundo ele,

um verdadeiro “vício”. Por isto, depois de demorados elogios à sua

destreza e habilidades quase espetaculares, o jesuíta lançava o anátema:

“Tem porém um senão, que muito os deslustra, e desacredita, e é a grande

preguiça, que os acompanha; de que nasce, que podendo fazer em suas

povoações, e casas muitas curiosidades nos seus respectivos ofícios, nada

fazem senão quando são mandados, ou muito rogados.”30

Daniel afirma que os nativos, mesmo sendo habituados ao regime de

trabalho intenso das missões e das casas dos portugueses, são acometidos

pelo “mal da preguiça”. Não podem desfazer-se deste mal, nem com a mais

firme atenção dos padres a vigiar-lhes o “tempo livre”. Nesta observação

confrontam-se duas concepções em choque sobre a noção de trabalho. A

concepção de trabalho expressa nos documentos regimentais e na

experiência missionária inaciana se definia como: a ausência relativa da

aleatoriedade; repetição; ordem; divisão; previsão; constância; fixação;

disciplina. Em uma palavra: civilização; ou em duas palavras, mais

precisamente: “civilização cristã”. Nenhum destes valores fazia parte do

cotidiano tribal entre os grupos Tupinambás, majoritariamente

empregados como escravos nas fazendas dos jesuítas. Um dos empecilhos

Page 17: Festa, Preguiça e Matulagem

Revista Estudos Amazônicos • 17

encontrados pelos padres para inculcar hábitos cristãos no cotidiano dos

Tupinambás era o fato de os nativos não terem momento certo para pescar

e caçar. Eles caçavam e pescavam a qualquer hora e não faziam caso das

cerimônias católicas, todas com horas marcadas: vésperas, horas, etc. 31.

Os estudos etno-históricos sobre esta sociedade explicam que as

atividades de trabalho obedeciam aos seus regimes demográficos, às suas

possibilidades de adaptação aos quadros ecológicos microrregionais, às

suas formas e crenças religiosas, como também às suas visões de mundo

expressadas em suas mitologias. As necessidades de confecção dos objetos

de uso cotidiano estavam diretamente ligadas às formas de subsistência e

uso dos recursos ecológicos da microrregião em que se encontravam

fixados. O ócio era prezado quando os nativos não precisavam caçar ou

pescar, ou quando não careciam cultivar suas roças. A agricultura intensiva

exauria as forças. Era vital para os índios restaurar as energias com o ócio.

Mas, este ócio foi interpretado com menosprezo pelos padres católicos,

que sempre o chamaram de “preguiça”, como o fez o padre João Daniel32.

Os grupos que viveram em ambientes de várzea, como era o caso dos

Tupinambás, onde há ocorrência de madeiras maleáveis, especializaram-

se na produção de cestas de “miriti” (Mauritia flexuosa) ou outras madeiras

flexíveis. Também houve os que se especializaram na produção de

cerâmica, tecidos e pequenos móveis 33. Sobretudo, como vimos, o tempo

de trabalho nativo não era determinado pelos mesmos critérios do

trabalho entre os europeus. O elemento predominante da economia

Tupinambá consistia na produção rigorosamente indispensável ao

consumo imediato. Estes nativos não conheciam a ideia de acumulação de

utilidades visando o estoque de reservas. Em contato com esta realidade

tribal, a ação educadora dos missionários provocou misturas e hibridações,

cruzando as técnicas e materiais utilizados pelos grupos indígenas com as

utilizadas pelos oficiais mecânicos portugueses. No Grão-Pará colonial

cruzaram-se as concepções do trabalho indígena às do trabalho europeu,

Page 18: Festa, Preguiça e Matulagem

18 • Revista Estudos Amazônicos

que como bem notado por Sergio Buarque de Holanda, repugnava toda

moral fundada no culto ao trabalho 34. O resultado desta interação foi uma

nova realidade no campo das artes e dos ofícios, que se propagou e se

fixou nos usos e práticas da sociedade colonial nascente. Isto é visível sob

vários ângulos.

A presença da Companhia de Jesus entre os habitantes de Belém

provocou o aparecimento de uma característica nova do trabalho artístico

entre os artífices caboclos: o cosmopolitismo do gosto e das técnicas. Não

podemos ignorar a variedade de formações e gostos artísticos que os

padres e coadjutores temporais da Companhia trouxeram consigo quando

chegaram a Belém e São Luís do Maranhão. Não eram apenas portugueses.

Entre aqueles que estavam no Colégio de Santo Alexandre se

consideramos apenas os anos entre 1690 e 1720, contamos uma dezena de

homens com nacionalidades europeias distintas. Além dos portugueses,

que eram a maioria, vemos entre eles: João Felipe Bettendorff (luxemburguês),

João Ângelo Bonomi (romano), Luiz Bucherelli (florentino), Pedro Luiz Consalvi

(italiano), Sebastião Fusco (napolitano), João Maria Gorzoni (mantovano), João

Carlos Orlandini (toscano), Jódoco Peres (suíço gemânico), Aloísio Pfeil (suíço

germânico), João Xavier Traer (tirolês) 35. Trabalhavam todos pela difusão

do catolicismo a partir do Colégio de Belém. Circulavam tanto pelos rios

do Pará como pelas ruas de Belém. Além de serem formados

intelectualmente segundo os fins missionários da Companhia de Jesus,

vários dentre eles nasceram e se educaram em lugares da Europa central e

oriental nos quais o “estilo arquitetônico monumental barroco jesuíta

romano” ainda estava em franca expansão. Havia nesses lugares uma

arquitetura sacra de pouca unidade estilística: a unidade das artes e do

gosto barroco romanos, expressões da catolicidade aristocrática, em nexo

artístico às igrejas romanas do Gesù e de São Pedro, de Borromini e de

Bernini 36.

Page 19: Festa, Preguiça e Matulagem

Revista Estudos Amazônicos • 19

Portanto, não apenas o cosmopolitismo europeu trazido às margens

do rio Pará, mas igualmente um “cosmopolitismo nativo”. A troca e adoção

contínua e crescente de usos e costumes provenientes de povos diferentes,

concentrados nas aldeias missionárias ou nas vilas coloniais do Pará e

Maranhão, no século XVIII, é o que define esta expressão. Para perceber

isto recordamos que para os aldeamentos jesuíticos afluíam gentes de

todas as nações e línguas espalhadas pela bacia do rio Amazonas e seus

principais afluentes. Traziam consigo sua cultura material e imaterial: a

cerâmica, a cestaria, a plumária, o grafismo, a arquitetura, as armas, o

mobiliário, a tecelagem, as embarcações, os instrumentos musicais, os

brinquedos infantis. Além disso, traziam os cantos, as sonoridades dos

seus diferentes instrumentos musicais, as danças, as culinárias, as

mitologias, as técnicas de construção e fabricação, os saberes medicinais,

as pinturas corporais 37.

Finalmente, tudo isso compunha o patrimônio incalculável, então

guardado, transmitido, confrontado, comparado e combinado pelos

mestres-artistas mestiços aos produtos da arte europeia. O resultado desta

combinação foram os objetos e saberes mestiços, que circularam na vida

cotidiana colonial. Certamente, neste caso, é o que podemos perceber nas

festas locais e cerimônias barrocas efetuadas entre os muros do Colégio

jesuíta do Pará 38.

Os artesãos indígenas das missões eram renomados por suas

capacidades de reprodução de objetos europeus, como nos lembrou,

acima, o jesuíta João Daniel. Quando um jesuíta queria realizar algo mais

elaborado, procurava os artesãos indígenas e mestiços, como aqueles que

nomeamos acima, no lugar dos portugueses. Em 1739, por exemplo, o

padre jesuíta Antônio Aleixo, mais tarde Vice-reitor do Colégio do Pará,

encenou uma tragédia de sua autoria, “Hércules Gallicus, Religionis Vindex”

na igreja de São Francisco Xavier. O objetivo era comemorar as festas de

São Francisco Régis. A este espetáculo assistiram os pregadores

Page 20: Festa, Preguiça e Matulagem

20 • Revista Estudos Amazônicos

franciscanos, carmelitas e mercedários que moravam em Belém39. Mas,

foram os artistas indígenas que construíram o décor e confeccionaram o

figurino sob a direção dos irmãos coadjutores do Colégio de Belém. A

organização dos trabalhos foi provavelmente confiada aos irmãos João

Carneiro e Luís Correia. O primeiro era carapina (carpinteiro), arquiteto e

desenhista. Ele vivia no Colégio do Pará desde 1737, data na qual chegou

de Lisboa. O segundo era pintor e dourador, permaneceu dez anos no

Colégio do Pará (de 1732 a 1742)40.

Os objetos produzidos pelos índios, utilizados em festas, adorados nos

altares dos templos jesuítas e mesmo nas igrejas de ordens religiosas

vizinhas, que não possuíam tão bons artesãos, permaneceram: chegaram até

nós e podem ser vistos no Museu de Arte Sacra de Belém. São os vestígios

que restam das habilidades dos índios e mestiços artesãos do Grão-Pará

cuja mais bela obra seja talvez uma pequena imagem da Virgem Maria com

o menino Jesus nos braços, que faz parte deste acervo museológico. É,

talvez, imagem inspirada em mulher de rosto indígena, cuja tez morena

revela a mestiçagem em pleno momento do acontecer. É um registro. Trata-

se de uma pequena imagem de cabelos negros e olhos amendoados, como

nenhuma outra Virgem europeia poderia assemelhar-se, salvo, talvez as

Virgens esculpidas em países indígenas vizinhos como o Peru, a Bolívia

ou Equador. Salvo talvez aquelas esculpidas no oriente por artesãos

cristãos da Índia ou do Japão41.

À Guisa de Conclusão

Os colégios e residências dos jesuítas foram, provavelmente, onde se

praticou pela primeira vez o artesanato urbano no Grão-Pará colonial. Na

hierarquia interna da Companhia de Jesus havia os padres, liderando o

trabalho religioso e intelectual, e os irmãos coadjutores, que desenvolviam

Page 21: Festa, Preguiça e Matulagem

Revista Estudos Amazônicos • 21

variados ofícios a serviço dos padres tanto em obrigações domésticas

(roupeiros, porteiros, despenseiros, cozinheiros) quanto nos ofícios

mecânicos (pedreiros, enfermeiros, sapateiros, alfaiates, ferreiros, etc.).

Nos colégios e residências da Europa os padres fixavam um contrato com

trabalhadores externos e os irmãos coadjutores apenas gerenciavam o

serviço destes trabalhadores. No Grão-Pará e Maranhão a escassez dos

artesãos promoveu a demanda de irmãos oficiais encarregados de suas

respectivas especialidades, mas principalmente para ensinar o que sabiam

aos escravos indígenas caboclizados, aos negros e aos homens livres pobres

da conquista. A disputa pelos oficiais mestiços logo cresceu entre os donos

de engenhos e fazendas, os comerciantes e as autoridades políticas. A tal

ponto que o rei enviou uma correspondência ao governador do Pará, em

16 de janeiro de 1727, na qual ordenava que "nas Aldeias de Índios

houvesse sempre alguns que fossem oficiais ferreiros, tecelões,

carpinteiros e oleiros, e que não pudessem ser tirados delas por nenhuma

pessoa, de qualquer qualidade que fosse sem ordem dos Padres" 42.

Porém, mesmo com forte demanda de trabalho manual dos artesãos,

o status e o valor dos artífices, tanto caboclos quanto brancos pobres, não

sofreu acentuada mudança dentro da ordem social local. No Grão-Pará,

desde os princípios da colonização, o emprego de escravos nos ofícios de

carapinas, ferreiros, tecelões, pedreiros, sapateiros e outros, afastou a

maioria dos portugueses destas atividades mecânicas, ainda que vivessem

em extrema pobreza, sofrendo a carência de todos os gêneros de primeira

necessidade. Com as mulheres nativas a situação não era melhor.

Conhecidos são os colonos traficantes de mulheres nativas, chamados

“cunhamenas” (da língua nheengatu significa em português: marido da

mulher), que obtinham as mulheres nativas para casar em negociação com

os índios “principais” das aldeias e, depois, traficavam-nas como escravas

para outros colonos: o objetivo era que trabalhassem como domésticas ou

amas de leite43.

Page 22: Festa, Preguiça e Matulagem

22 • Revista Estudos Amazônicos

Neste universo colonial, a “necessidade” ou a “obrigação” de trabalhar

com as mãos se identificou ao trabalho escravo. A atividade física

associou-se à classificação (para os trabalhadores) ou desclassificação

social (para os matulas ou vadios), tornando-se a base do preconceito

social contra o trabalho manual. O trabalho manual ou “ofícios

mecânicos” não era mais do que “coisa de escravo”. Nesta categoria, a

utilidade dos artesãos indígenas era o fator compensatório do ônus que

representavam para a Coroa portuguesa e seus colonos. Sendo úteis pelo

trabalho, contrabalançavam pelo labor sua condição de inimigos

potenciais da conquista portuguesa. Neste caso, o discurso jesuítico sobre

as habilidades artísticas dos nativos como vimos, realizava a função da

ideologia que desarticulava os trabalhadores: dava ênfase à diferença entre

os africanos e nativos e homens livres pobres, rompendo qualquer

possibilidade de conscientização sobre a importância do seu labor para a

manutenção da sociedade. Este discurso que ressaltava a preguiça, a falta

de reação, a inaptidão ao trabalho naturalmente criativo, só autenticava e

desculpava a subsistência da faina obrigatória 44.

Artigo recebido em agosto de 2015

Aprovado em setembro de 2015

Page 23: Festa, Preguiça e Matulagem

Revista Estudos Amazônicos • 23

NOTAS

* Artigo originalmente apresentado no VIII Colóquio Luso-Brasileiro de História da

Arte, em Belém (PA), 6 de abril de 2011. O texto original sofreu modificações e

acréscimos graças ao diálogo criativo e crítico e às sugestões de Serge Gruzinski,

Carmen Bernand, Alessandra Russo, Patrice Giasson, Victor Serrão e aos membros

do Grupo de pesquisa HINDIA. No dicionário Houaiss “matulagem” é sinônimo de

“vadiagem”.

** Professor da Faculdade de História, Universidade Federal do Pará. Contato:

[email protected]

1 LOURENÇO, Maria P. M. Pedro II: o pacífico (1648-1706). Lisboa: Temas & Debates,

2010, pp. 302-312; REIS, João J. & GOMES, Flávio dos S. Liberdade por um fio: história

dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 67-69, 74-79;

BOXER, Charles R. A idade do Ouro no Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial.

Trad. Nair de Lacerda, 3ª. ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 301ss;

FRANCO, José E. O Mito dos jesuítas, no Brasil e no Oriente (sécs. XVI a XX). Lisboa:

Gradiva, 2007, vol. 1, pp. 301-309; MARQUES, João F. “Os jesuítas, confessores da

corte portuguesa na época barroca (1550-1700)”, In: Revista da Faculdade de Letras –

História, n. 12, 1995, pp. 231-270.

2 FERNANDES, Florestan. A organização social dos Tupinambá. São Paulo: HUCITEC;

Brasília: EdUNB, 1989[1949], p. 53. A constatação de Fernandes, porém, sugere a

extinção dos Tupinambá, passando a existir apenas como “remanescentes”, cujas

manifestações culturais percebeu-se, a partir do século XVIII somente como “folclore”,

ou seja, diluídas como “resíduo” na cultura do “povo brasileiro”. No entanto, a

visibilidade e existência dos índios Tupinambá após o século XVIII, embora pouco

ou quase nada estudados até agora na Amazônia, sugere a existência desses “índios

coloniais” com sua própria identidade e formas de vida, exercendo um papel ativo e

criativo no convívio com os portugueses. Deste modo, aos poucos os Tupinambá

tornaram-se “índios misturados”, num processo de recomposição étnica, territorial e

material em contexto colonial. Acerca deste assunto, ver: MONTEIRO, John M. Tupis,

Tapuias e Historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Campinas: Tese de Livre-

Docência em Etnologia, UNICAMP, 2001; SPALDING, Karen. “The Colonial Indian:

Past and Future Research Perspectives”, in: Latin American Research Review, vol. 7, n. 1,

1972, pp. 47-76; OLIVEIRA, João P. de. “Uma etnologia dos ‘índios misturados’?

Situação colonial, territorialização e fluxos culturais”, in: Mana, Rio de Janeiro, vol. 4,

n. 1, p. 47-77, abr. 1998.

3 Em trabalhos anteriores iniciei reflexão sobre este processo de “caboclização”. Assim,

as considerações deste artigo dão continuidade a esta reflexão e buscam trazer novos

elementos para a discussão acerca desse processo. Ver: GUZMÁN, Décio de A.

«Réseaux indiens et européens dans le commerce amazonien (16e-18e siècles) », In:

DE PRINS, Bart; STOLS, Eddy; VERBERCKMOES, Johan (org.). Brasil: Cultures and

Page 24: Festa, Preguiça e Matulagem

24 • Revista Estudos Amazônicos

Economies of Four Continents. Leuven: ACCO, 2001, pp. 25-36; IDEM. “Encontros

circulares: Guerra e comércio no Rio Negro (Grão-Pará), séculos XVII e XVIII”, in:

Anais do Arquivo Público do Pará, vol. 5, n. 1, 2006, p. 139-165; IDEM. “A colonização

nas Amazônias: guerras, comércio e escravidão nos séculos XVII e XVIII”, in: Revista

de Estudos Amazônicos, v. 1, 2008, p. 103-139; IDEM. “A Primeira Urbanização:

Mamelucos, Índios e Europeus nas Cidades Pombalinas da Amazônia, 1751-1757”,

in: Revista de Cultura do Pará, v. 18, 2008, pp. 75-94; IDEM. “Mixed Indians, Caboclos

and Curibocas: Historical Analysis of a Process of Miscegenation; Rio Negro (Brazil),

18th and 19th Centuries”, in: ADAMS, C.; MURRIETA, R. S. S.; NEVES, W. A.;

HARRIS, M.. (Org.). Amazon Peasants: Political Ecology, Invisibility and Modernity in the

Rainforest. New York: Springer, 2009, p. 55-68; IDEM. Guerras na Amazônia do século

XVII: resistência indígena à colonização. Belém: Estudos Amazônicos, 2012.

4 GUZMÁN, Décio de A. “Índios misturados, caboclos e curibocas: análise histórica de

um processo de mestiçagem, Rio Negro (Brasil), séculos XVIII e XIX”, em: ADAMS,

Cristina; MURRIETA, Rui; NEVES, Walter (eds.). Sociedades caboclas amazônicas:

modernidade e invisibilidade. São Paulo: Annablume, 2006, pp. 67-80; GUZMÁN, Décio de

A. Guerras na Amazônia do século XVII: resistência indígena à colonização. Belém: Estudos

Amazônicos, 2012, pp. 32-38. Ver também: PACE, Richard. “Abuso científico do

termo 'caboclo'? Dúvidas de representação e autoridade”, in: Boletim do Museu Paraense

Emílio Goeldi - Ciênc. hum., Belém, v. 1, n. 3, pp. 79-92, dez. 2006; LIMA, Deborah de

M. “A construção histórica do termo caboclo: sobre estruturas e representações

sociais no meio rural amazônico”, em: Novos Cadernos NAEA, vol. 2, n. 2, dez. 1999,

pp. 5-32; PARKER, E. “Cabocloization: The Transformation of the Amerindian in

Amazonia, 1615-1800”, em: The Amazon Caboclo: Historical and Contemporary Perspectives.

Virginia: College of William and Mary, 1985.

5 ALDEN, D. “El Indio desechable en el Estado de Maranhão durante los siglos XVII

y XVIII”. em: América Indígena, vol. 45 (1985), pp. 427-446; SWEET, David G. The

Population of the Upper Amazon Valley: seventeenth and eighteenth centuries, M.A. thesis,

University of Wiscounsin, 1969; VIANNA, A. As Epidemias no Pará. Belém:

Universidade Federal do Pará, 1975 [1908]; NEVES, Tamyris N. “A ira de Deus e o

fogo que salta: a epidemia de bexigas no Estado do Maranhão (1695)”, in: Amazônica

– Revista de Antropologia, 5 (2): 344-361, 2013; SOUSA, Cláudia R. de. “As práticas

curativas na Amazônia Colonial: da cura da alma à cura do corpo (1707-1750)”, in:

Amazônica - Revista de Antropologia, 5 (2): 362-384, 2013; CHAMBOULEYRON, R. et al. “

‘Formidável contágio’: epidemias, trabalho e recrutamento na Amazônia colonial

(1660-1750)”, in: História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 18, n. 4, out.-

dez. 2011, pp. 987-1004.

6 BETTENDORFF, João F. Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão.

2ª. ed., Belém: SECULT, 1990, p. 22.

Page 25: Festa, Preguiça e Matulagem

Revista Estudos Amazônicos • 25

7 IDEM, ibidem, p. 248. Ver também: ARENZ, Karl. “Impressionar e intimidar: arte e

evangelização jesuíticas na Amazônia seiscentista", em: Anais do XXVI Simpósio

Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011.

8 LEITE, Serafim. “O Colégio de Santo Alexandre e a Igreja de São Francisco Xavier,

de Belém do Grão-Pará: Notícia sumária da sua fundação pelos jesuítas e da escola de

escultura e pintura que nele funcionava”, em: Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional, Rio de Janeiro, 1942, nº 6, pp. 221-240; IDEM, História da Companhia

de Jesus no Brasil, Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria

Portugália, 1943, tomo III, pp. 208-223.

9 AZEVEDO, João Lúcio de. Jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização. Ed. fac-

símile. Belém: SECULT, 1999 [1901], pp. 164-187; LEITE, Serafim. História da

Companhia de Jesus no Brasil, Rio de Janeiro: INL/Livraria Civilização Brasileira; Lisboa:

Livraria Portugália, 1949, t. VIII, pp. 150-153; MAXWELL, K. Pombal, Paradox of the

Enlightenment. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, pp. 82ss.

10 LEITE, Serafim. “O Colégio de Santo Alexandre e a Igreja de São Francisco Xavier,

de Belém do Grão-Pará: Notícia sumária da sua fundação pelos jesuítas e da escola de

escultura e pintura que nele funcionava”, em: Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional, Rio de Janeiro, 1942, nº 6, pp. 221-240; IDEM, História da Companhia

de Jesus no Brasil, Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria

Portugália, 1943, t. III, pp. 208-223.

11 Roma, ARCHIVUM ROMANUM SOCIETATIS IESU, Cód. Bras. 27, fol. 2v.

12 Nascido a 23 de outubro de 1668, na região de Brixio (Itália). Entrou na Companhia

de Jesus a 27 de outubro de 1696. Chegou na Missão do Maranhão e Pará em 1703.

Morreu em naufrágio no mar diante da aldeia (atual cidade) de Maracanã a 4 de maio

de 1737. Foi um dos principais responsáveis pela ornamentação artística da Igreja de

Belém. Cf. LEITE, Serafim. “O Colégio de Santo Alexandre e a Igreja de São Francisco

Xavier, op. cit., p. 238. O Catálogo em questão é de 1720, conforme fixado por

MARTINS, Renata M. de A. Tintas da Terra, Tintas do Reino: Arquitetura e Arte nas Missões

Jesuíticas do Grão-Pará (1653-1759). Tese Doutorado, FAU-USP, 2009, vol. II, pp. 188-

189.

13 ARQUIVUM ROMANUM SOCIETATIS IESU, Brasiliensis, 27, fol. 2v; BETTENDORFF,

João F. Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. 2ª. ed., Belém:

SECULT, 1990, pp. 234, 254-255, 295; LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus

no Brasil, Rio de Janeiro: INL/Livraria Civilização Brasileira; Lisboa: Livraria

Portugália, 1949, t. IX, pp. 165-166.

14 LISBOA, Cristóvão de. História dos animais e árvores do Maranhão. Estudo, notas e

comentários de Jaime Walter et alii, Lisboa: Comissão Nacional para a Comemoração

dos Descobrimentos Portugueses; IICT, 2000, p. 328.

Page 26: Festa, Preguiça e Matulagem

26 • Revista Estudos Amazônicos

15 VIEIRA, Antônio. Cartas. Coord. e anotadas por João Lúcio de Azevedo, Lisboa:

INCM, 1970, vol. I, p. 353.

16 BERREDO, Bernardo P. de. Annaes Históricos do Maranhão. 3ª ed., Florença:

Tipographia Barbéra, 1905, vol. II, 63.

17 As telhas provavelmente eram de barro cozido, talvez as primeiras a serem

fabricadas para cobrir edificações em Belém; a “piondoba” (Attalea oleifera) é palavra

tupi e dá nome à palmeira que produz nozes com sementes oleaginosas; “umbussu

ubuçu ou buçu” (Manicaria saccifera), palavra do tupi “buçu” é palmeira da qual o estipe

alcança 3 a 5m de altura e 3cm de espessura. As folhas atingem 5 a 7m, e suas bainhas

secas persistem sobre o caule; o espádice é grande e ramificado, indo de 1 a 1,5m.

MEIRA FILHO, Augusto. “A capela de Santo Alexandre (1719-1969)”, em: Revista de

Cultura do Pará, ano I, nº 4, agosto/outubro 1971, Belém, pp. 107-108; MENDONÇA,

Isabel M G. António José Landi (1713/1791): um artista entre dois continentes. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2003 (esp.

Capítulo VIII: “A obra de Landi no Brasil”, pp. 319-541).

18 MARTINS, Renata M. de A. Tintas da Terra, Tintas do Reino: Arquitetura e Arte nas

Missões Jesuíticas do Grão-Pará (1653-1759). Tese Doutorado, FAU-USP, 2009, vol. II,

pp. 196-197.

19 Arquivum Romanum Societatis Iesu, Brasiliensis, 26, fol. 54v.

20 MARTINS, Renata M. de A. Tintas da Terra, Tintas do Reino: Arquitetura e Arte nas

Missões Jesuíticas do Grão-Pará (1653-1759). Tese Doutorado, FAU-USP, 2009, vol. II,

p.197.

21 DANIEL, João. Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas. Rio de Janeiro:

Contraponto, 2004, vol. I, p. 341 (Capítulo 13).

22 IDEM, IBIDEM.

23 IDEM, IBIDEM.

24 GERBI, Antonello. La disputa del Nuovo Mondo: Storia di uma polemica (1750-1900).

Milano: Adelphi, 2000, pp. 37-39; PAGDEN, Anthony. The Fall of Natural Man. The

American Indian and the Origins of Comparative Ethnology. Massachussets: Cambridge

University Press, 1982, pp. 57-108; DUCHET, Michèlle. Anthropologie et histoire au siècle

des Lumières. Paris: Albin Michel, 1995, pp. 239-240, 332-334, 338-341, 419-420.

25 É do Pe. Antônio Vieira a analogia entre a natureza inconstante dos índios

amazônicos e a volubilidade da murta arbustiva, citada no “Sermão do Espírito

Santo”, pregado em São Luiz do Maranhão, na Igreja de N. S. da Luz, em 22 de junho

de 1657, por ocasião da partida dos padres da Companhia de Jesus em missão pelo

rio Amazonas. Os Conimbricenses, síntese da filosofia escolástica jesuítica, eram a fonte

principal de formação dos jesuítas e seus alunos nas Universidade portuguesas. Ver:

Page 27: Festa, Preguiça e Matulagem

Revista Estudos Amazônicos • 27

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de

antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, pp. 181-264; GOMES, Pinharanda. Os

Conimbricenses. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa/ Biblioteca Breve,

1992.

26 DANIEL, João. Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas. Rio de Janeiro:

Contraponto, 2004, vol. I, p. 341.

27 IDEM, ibidem, p. 342.

28 IDEM, ibidem, p. 341.

29 IDEM, ibidem, p. 342.

30 IDEM, ibidem, p. 342.

31 VIEIRA, Antônio. “Regulamento das Aldeias Indígenas do Maranhão e Grão-Pará

(1658)”, em: BEOZZO, José O (org.). Leis e Regimentos das Missões: Política Indigenista no

Brasil. São Paulo: Loyola, 1983, pp. 188-208. Empregamos o termo “tribo” tal como

definido por Maurice Godelier, distinguindo-o de “etnia”: a tribo é definida por ele

como “uma forma de sociedade que se constitui quando grupos de homens e de

mulheres reconhecidos como parentes, de modo real ou imaginário, pelo nascimento

ou por aliança, se unem e são solidários no controle de um território e se apropriam

dos recursos dele e o exploram, em comunidade ou separadamente, e que estão

dispostos a defendê-lo com armas na mão. Uma tribo é sempre identificada por um

nome próprio a ela.” A “etnia” é: “um conjunto de grupos locais que se pretendem

originários, em modo real ou imaginário, de um mesmo grupo de ancestrais tendo

vivido num passado mais ou menos distante, falam línguas concernentes à mesma

família linguística, e dividem certo número de princípios de organização social e de

representações de ordem social e cósmica, como também certos valores e normas que

regulam ou modelam a conduta dos indivíduos e dos grupos.”, Cf. GODELIER,

Maurice. Les tribus dans l’histoire et face aux États. Paris: CNRS Éditions, 2010, pp. 13 e

23-24 respectivamente.

32 FERNANDES, Florestan. A organização social dos tupinambá. São Paulo: Hucitec, 1989,

pp. 109-112; MÉTRAUX, Alfred. A religião dos tupinambás e suas relações com as demais tribos

tupi-guaranis. 2ª. ed., São Paulo: Editora Nacional/EDUSP, 1979.

33 METRAUX, Alfred. La Civilisation Matérielle des Tribus Tupi-Guarani. Paris: Librairie

Orientaliste Paul Geuthner, 1928.

34 HOLANDA, Sérgio B. de. Raízes do Brasil. 26ª ed., São Paulo: Companhia das Letras,

1995, p. 38.

35 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, Rio de Janeiro: INL/Livraria

Civilização Brasileira; Lisboa: Livraria Portugália, 1949, tomos VIII e IX.

36 BAZIN, Hermann. Les palais de la foi : le monde des monastères baroques. Autriche, Alemagne

et Suisse, Belgique, Russie orthodoxe. Friboug : Office du Livre, 1981; BLAZICEK, Oldrich.

Page 28: Festa, Preguiça e Matulagem

28 • Revista Estudos Amazônicos

L’art Baroque en Bohême. Trad. K. Jalínek, Praga: Artia, 1968 ; BOURK, John. Baroque

churches of Central Europe. London : Faber & Faber, 1978 ; CHARPENTRAT, Pierre.

Baroque : Italie et Europe Central. Fribourg : Office du Livre, 1964; CHAUNU, Pierre. La

civilisation de l’Europe classique. Paris: Éditions Arthaud, 1984, pp. 368-371; HEMPEL,

Eberhard. Baroque Art and Architecture in Central Europe. London : Penguin, 1965;

DACOSTA KAUFMANN, Thomas. Court, Cloister and City : The Art and Culture of Central

Europe, 1450-1800. Chicago: University of Chicago Press, 1995; DACOSTA

KAUFMANN, Th. “Circulation East to the West : Jesuit Art and Artists in Central

Europe, and Central European Jesuit Artists in the Americas”, in: IBIDEM. Toward a

Geography of Art. Chicago: University of Chicago Press, 2004, pp. 239-271; BAILEY.

Gauvin A. Art on the Jesuit Missions in Asia and Latin America (1542-1773). Toronto:

University of Toronto Press, 2001, pp. 20, 37, 51.

37 METRAUX, Alfred. La Civilisation Matérielle des Tribus Tupi-Guarani. Paris: Librairie

Orientaliste Paul Geuthner, 1928; RIBEIRO, Darcy et alii (ed.). Suma Etnológica Brasileira.

Vol. 2: Tecnologia Indígena. Org. Berta Ribeiro, Petrópolis: Vozes; Brasília, FINEP, 1986;

RIBEIRO, Darcy et alii (ed.). Suma Etnológica Brasileira. Vol. 3: Arte Índia. Org. Berta

Ribeiro, 2ª ed., Petrópolis: Vozes ; Brasília, FINEP, 1987; VIDAL, Lux (org.) Grafismo

Indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Studio Nobel: EdUSP: FAPESP, 1992;

RIBEIRO, Berta & VELTHEM, Lúcia H. van. “Coleções etnográficas: documentos

materiais para a história indígena e a etnologia”, em: Cunha, Manuela C. da (org.).

História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria de Cultura

Municipal: FAPESP, 1992, pp. 103-112; BAUDET, Jean-Michel, « Musiques

d’Amérique tropicale: discographie analytique et critique des Amérindiens des basses

terres », em: Journal de la Société des Américanistes, 68: 149-203; WITTMANN, Luisa T.

Flautas e maracás: música nas aldeias da América portuguesa (séculos XVI e XVII).

Universidade Estadual de Campinas-Departamento de História, Tese de doutorado,

Campinas, 2011; BERNAND, Carmen. Genèse des musiques d’Amérique latine: passion,

subversion et déraison. Paris: Fayard, 2013.

38 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. 3ª. ed., São Paulo: Companhia

das Letras, 1994 (esp. a 1ª. parte, “Índios e Mamelucos”); GRUZINSKI, Serge. La pensée

métisse. Paris: Fayard, 1999; GRUZINSKI, Serge. Les quatre parties du monde: histoire d’une

mondialisation. Paris: La Martinière, 2004, pp. 298-302; BAILEY. Gauvin A. Art on the

Jesuit Missions in Asia and Latin America (1542-1773). Toronto: University of Toronto

Press, 2001, pp. 22-31.

39 Analisei este caso mais detidamente em: GUZMÁN, Décio de Alencar. « Hercules

Gallicus in het Amazonegebied: exotisme en politiek van de jezuïetenspektakels

(zeventiende en achttiende eeuw) », em: WERBERCKMOES, Johan (org.). Vreemden

vertoond: opstellen over exotisme en spektakelcultuur in de Spaanse Nederlanden en de Nieuwe

Wereld. Leuven: Peeters, 2002, p. 221-239.

40 LEITE, Serafim. Artes e Ofícios dos jesuítas no Brasil. Rio de Janeiro, 1953.

Page 29: Festa, Preguiça e Matulagem

Revista Estudos Amazônicos • 29

41 PARÁ. SECULT. Feliz Luzitânia: Museu de Arte Sacra. Belém: SECULT, 2005

(inventário do Acervo); Sobre as virgens asiáticas ver as figuras 5, 26, 29, 31, 32, 33,

34, 35, 38, 48, 69, 71 (no caderno de ilustrações) de: BAILEY. Gauvin A. Art on the Jesuit

Missions in Asia and Latin America (1542-1773). Toronto: University of Toronto Press,

2001.

42 LEITE, Serafim. Artes e Ofícios dos jesuítas no Brasil. Rio de Janeiro, 1953, p. 25.

43 SWEET, David G. A Rich Realm of Nature Destroyed: the Middle Amazon Valley, 1640-

1750. Ph.D. Thesis, Madison, University of Wisconsin, 1974, vol. I, p.310; SOMMER,

Barbara A. “Cracking Down on the Cunhamenas: Renegade Amazonian Traders

under Pombaline Reform”, in: Journal of Latin American Studies, vol. 38, n. 4, 2006, pp.

767-791.

44 MARTINS, Judith. Dicionário de Artistas e Artífices dos séculos XVII e XVIII em Minas

Gerais. Rio de Janeiro: IPHAN, 1974., 2 vols.; BOSCHI, Caio C. O barroco mineiro: artes e

trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1988; MELLO E SOUZA, Laura. Os desclassificados do ouro:

a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1982, pp. 71-90, 215-219;

FRANCO, Maria S. de C. Homens livres na ordem escravocrata. 3ª ed., São Paulo: Kairós,

1983, pp. 29-40; LARA, Silvia H. Fragmentos setecentistas: escravidão, cultura e poder na

América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp. 79-125.